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REV. HERNANDES DIAS LOPES “Se a salvação é obra de Deus, por que louvamos tanto o homem?” ENTREVISTA Pastor presbiteriano critica modismos e propõe nova reforma nas igrejas PEDOFILIA NA IGREJA Como combater esse mal? Ano 15 • Edição 150 • R$ 9,90 Portugal 4,90 €

PEDOFILIA NA REV. HERNANDES DIAS LOPES Pastor ...static.recantodasletras.com.br/arquivos/3426523.pdf · Ziza Rosemar VIA INTERNET Nota da autora: Refiro-me, no artigo, ao apóstolo

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REV. HERNANDES DIAS LOPES“Se a salvação é obra de Deus, por que louvamos tanto o homem?”

ENTREVISTA Pastor presbiteriano critica modismos e propõe nova reforma nas igrejas

PEDOFILIA NA IGREJAComo combater esse mal?

Ano

15 •

Edi

ção

150

• R$

9,9

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A Bíblia de Estudo Diário da Mulher é uma fonte clara de instrução, conforto e direção. Inclui 365 estudos diários que oferecem recursos essenciais para o estudo pessoal da mulher e para pastores e líderes que precisam ministrar a Palavra de Deus para o público feminino.

Crescimento pessoal, vida espiritual, casamento, família, filhos, solidão, envelhecimento são alguns dos temas abordados nos textos de estudo. Cada estudo diário foi elaborado para responder a esses questionamentos e inquietações.

Além dos textos de estudo diário, ela contém uma série de outros recursos que tornam a leitura ainda mais construtiva: introdução a cada livro explanando seu conteúdo e principais temas; concordância bíblica; mapas coloridos; textos finais com instruções que auxiliam na caminhada e aprofundamento na vida cristã.

Com um formato inovador, essa Bíblia permite que se faça a substituição da capa de acordo com sua vontade ou ocasião, bastando trocá-la por outra à sua escolha entre as opções que acompanham o volume.

Presenteie alguém especial. A Bíblia de Estudo Diário da Mulher irá levar você ou alguém que você ama a um profundo relacionamento com Deus.

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A REVISTA EVANGÉLICA DO BRASIL Filiada à Associação de Editores Cristãos (Asec)

Ano 15 – Número 150(11) 3346-2000

www.eclesia.com.br

DIREÇÃO

Diretor PresidenteElias de Carvalho

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Diretor ExecutivoLuiz de Carvalho Neto [email protected]

Conselho Editorial Cléris Cardoso, Elias de Carvalho Junior,

José Carlos Moura, Maria da Graça Rêgo Barros, Paulo Siqueira, Percival de Souza, Roseli de Carvalho

Jornalista ResponsávelMarcos Stefano Couto

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REDAÇÃO

EditorJosé Donizetti Morbidelli

[email protected]

Repórteres Cibele Lima, José Donizetti Morbidelli, Karen Rodrigues, Marcelo

Santos, Marcos Stefano Couto

Colunistas Bráulia Ribeiro, Cícero Brasil Ferraz, David Corrêa, Gustavo

Borja Bessa, Helena Tannure, Hernandes Dias Lopes, Lourenço Stelio Rega, Percival de Souza

Apoio Editorial Sandra Frazão

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Editor de ArteEmerson de Lima

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Assistente de ArteFernando Jorge Baptista

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PUBLICIDADE E MARKETING

Diretor Geral de Publicidade e MarketingJosé Carlos Moura

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Gerentes de PublicidadePaulo Siqueira(11) 3346-2008

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Redação e CorrespondênciasRua Pedro Vicente, 90 – Armênia São Paulo (SP) – CEP 01109-010

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ECLÉSIA é uma publicação bimestral da Editora Eclésia Ltda, com tiragem de 30 mil exemplares, e distribuída em âmbito

nacional pela Distribuidora Nacional de Publicações (DINAP). Os artigos assinados, assim como o conteúdo comercial, são de responsabilidade exclusiva de seus autores, e não

representam necessariamente a opinião da revista. É proibida a reprodução total ou parcial de reportagens,

entrevistas, artigos, seções, fotos e ilustrações sem a prévia autorização dos titulares de direitos autorais. Dez/2011

E P Í S T O L A D A R E D A Ç Ã O

A Palavra de Deus afirma que tudo deve ser novo na vida daquele que segue a Jesus (2Co 5.17). Isso vale para os desejos da pessoa, para seus pensamentos

e para suas ações. Tornar-se novo a cada dia é uma dádiva divina. E deve ser o alvo de todo cristão. Como parte integrante do Reino de Deus, a revista ECLÉSIA também comemora a renovação pela qual está passando ao chegar a seu histórico número 150. Não uma mudança de propósito, que continua sendo o de se apresentar como um instrumento de informação e, consequentemente, um agente de transformação, mas em sua equipe, conteúdo e apresentação.

As novidades começam pela direção. A partir dessa edição, a revista terá uma nova gestão, com profissionais qualificados como José Carlos Moura, Regina Klemp, Paulo Siqueira, Diego Bittencourt, Sandra Frazão e Cleris Cardoso. O que cada um fará, você confere no Expediente. Também estamos reformulando cada uma das seções da publicação e estreando uma série de novos colunistas. Damos as boas vindas a Cícero Brasil Ferraz, David Corrêa, Gustavo Borja Bessa, Helena Tannure, Jorge Linhares, Iara Diniz de Paula, Robson Rodovalho e Hernandes Dias Lopes. Reforços que se somam ao time de primeira que escreve para a revista. Pode apostar: eles têm muito a dizer.

Para comemorar esse novo momento, trazemos como principal reportagem um assunto de extrema importância no universo da fé: a música e o louvor. Cobrimos todos os preparativos para o Festival Promessas, a votação do Troféu Promessas e debatemos com os principais expoentes da música evangélica contemporânea o que realmente significa adorar a Deus. Descobrimos que é hora da igreja mudar o compasso e acertar o tom.

Um acerto que passa pela discussão da missão da igreja e por seu compromisso com os valores da Bíblia. Para falar mais sobre isso, entrevistamos o reverendo presbiteriano Augustus Nicodemus Lopes, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Ele analisou os novos desafios ao cristianismo na atualidade e alertou quanto ao perigo dos modismos que invadem as igrejas. Um alerta que soa em outra questão: a ameaça da pedofilia. Embora muitos julguem ser um problema restrito a padres, é um drama também nas igrejas protestantes. Você vai descobrir como algumas delas têm agido para enfrentar o problema e ajudar as vítimas.

Finalmente – e não menos importante – é preciso dizer que ECLÉSIA estreia sua versão digital. A partir de agora, a melhor revista cristã brasileira poderá ser lida em computadores, tablets e celulares, com direito a conteúdos exclusivos e à máxima interação.

O melhor é que as novidades apenas começaram. Acompanhe a revista, pois muitas coisas novas virão pela frente. Enquanto isso, aproveite a edição 150 . Vire a página ou toque em sua tela, o que preferir, e tenha uma abençoada leitura.

Luiz de Carvalho NetoDiretor Executivo

E tudo se fez novo

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18 ENTREVISTAPastor presbiteriano e chanceler de uma das mais importantes universidades confessionais brasileiras, Augustus Nicodemus Gomes Lopes critica modismos e invenções, e defende mudanças urgentes na igreja brasileira

30 INTERNACIONAL Morte do tirano Muamar Kadafi traz esperanças à Líbia e um pouco de paz ao mundo árabe, mas a notícia de que a lei muçulmana será a base da nova Constituição volta a escurecer os horizontes da nação

34 ESPECIAL Euforia na música cristã: cantores, ministros e grupos cristãos se empolgam com investimento pesado de grandes gravadoras e festival promovido pela principal emissora de televisão do país; porém, ressurge uma antiga questão: não é preciso mudar o compasso e voltar à adoração bíblica?

52 AÇÃO SOCIAL Por meio de parcerias com organizações públicas e privadas, como o Mackenzie, AEB desenvolve diversos projetos humanitários e se torna referência entre as entidades sociais evangélicas

54 SOCIEDADE Abusos sexuais e casos de pedofilia também adentram as paredes eclesiásticas, fazendo muitos líderes, inclusive evangélicos, adotarem silêncio velado para zelar pela imagem da denominação

62 PERFIL Evangélico e fã de rock n’roll, o jovem cartunista João Montanaro cria seu próprio traço, descarta rótulo de prodígio e conquista espaço ao lado de renomados ilustradores

70 MISSÕESEm passagem pelo Brasil, Helen Berhane revela experiências vividas na “distante” Eritreia, onde foi perseguida, torturada e presa num contêiner marítimo por se recusar a negar sua fé cristã

S UMÁR I O

“O Senhor me respondeu, e disse: Escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ver quem passa correndo”

(Habacuque 2.2)

ECLÉSIA • A revista evangélica do Brasil • Ano 15 – Número 150

SEÇÕES4 Epístola da Redação8 Epístola dos Leitores12 Em Foco80 Agenda

COLUNAS28 Opinião 32 Discipulado 48 Lugar de Mulher50 Observatório60 Pastoral66 Contexto 68 Missões82 Percival de Souza

MULTIMÍDIA74 Música

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E P Í S T O L A S D O S L E I T O R E S

Por questão de espaço disponível ou clareza de texto, ECLÉSIA se reserva o direito de publicar os textos das cartas que seleciona na íntegra ou resumidos, eventualmente editados

ASSEMBLEIA DE DEUS Sou leitor dessa abençoada revista e parabenizo-a pela justa homenagem a Assembleia de Deus, a maior denominação evangélica do Brasil, com a reportagem Século do Espírito [edição 149]. Louvo a Deus pela simplicidade de como dois jovens missionários cristãos – Daniel Berg e Gunnar Vingren –, inflamados pelo fogo do Espírito Santo em seus corações, saíram de uma terra longínqua obedecendo ao “ide” do Mestre, sempre dando ênfase que ele salva, cura, batiza e em breve voltará. Em tempos que a pluralidade denominacional evangélica brasileira cresce a cada dia, essa igreja, embora muitas vezes criticada pela forma como ensina e vive a doutrina bíblica e os usos e costumes peculiares de um autêntico assembleiano, ainda é – e creio que sempre será – um instrumento de Deus para tirar muitos das trevas e direcioná-los à luz. Heitor FolgieriniSAMAMBAIA (DF)

LUGAR DE MULHERIrmãos! A paz de Cristo, nosso mediador! Ao ler o artigo Quem Escreveu o Quarto Evangelho? – Parte 2 [coluna Lugar de Mulher, edição 148], percebi que a autora

fala sobre a impossibilidade de ser Maria Madalena a escritora, enfatizando que João era parente de Jesus. Pelo que ela diz, entendi – entretanto, posso estar errada – que o João a quem ela se refere é o Batista; afinal, esse era o filho de Isabel que morreu decapitado por Herodes bem antes da crucificação

de Cristo. Acredito piamente que o discípulo João é o autor do Quarto Evangelho. Ziza Rosemar VIA INTERNET

Nota da autora: Refiro-me, no artigo, ao apóstolo

João, a quem é atribuída a autoria do Quarto Evangelho. Observe que eu afirmo que a mãe de João [o apóstolo] era parenta de Isabel [mãe de João Batista]. E como a Bíblia revela que Isabel pertencia a Levi, que era a tribo sacerdotal, podemos deduzir que a sua parentela – incluindo Maria, mãe de Jesus; e sua irmã Salomé, mãe do apóstolo João –, tinha vínculo familiar com os sacerdotes. Isso, portanto, justifica o conhecimento entre aquele apóstolo e o sumo sacerdote. Sugiro que leia o artigo Quem Escreveu o Quarto Evangelho? – Parte 1[coluna Lugar de Mulher, edição 147], onde esse entendimento está claramente explicado. Maria de Fátima M. de Carvalho

IGREJA MUNDIAL Em relação à entrevista do apóstolo Valdemiro Santiago e a matéria intitulada Nos Bastidores da Igreja Mundial do Poder de Deus [edição 126], quero dizer apenas que eu não acreditava em Deus até conhecer uma das igrejas dele. Graças a esse homem, milhares de pessoas estão sendo restauradas, até mesmo as que antes não tinham fé – como eu. Agradeço a todos por se sacrificarem para abençoar nos abençoar. Antônio de Castro Nogueira VIA INTERNET

O apóstolo Valdemiro Santiago tem sido o profeta dos últimos tempos. As igrejas evangélicas têm perdido o foco da salvação devido à ganância pelo poder e liderança. Deus precisava se manifestar e escolheu esse homem simples para mostrar seu poder. Caso ele venha a se corromper com o mundo, certamente que o Senhor tirará sua unção. Os milagres que acontecem na Igreja Mundial são provas de que Deus é sábio e ama o mundo. AndressaVIA INTERNET

HISTÓRIA Eu não conhecia com detalhes o episódio da Noite de São Bartolomeu, como relata a reportagem O Holocausto do Século 16 [edição 118]. Mas me considero bem informado sobre outros episódios sangrentos que a Igreja Católica promoveu na Idade Média – Cruzadas, Inquisição. Por isso, para mim, tudo não

passa de hipocrisia. Qualquer cardeal, bispo, padre e até mesmo o papa, deveriam tomar cuidado antes de falar de Deus. Valdir Schons VIA INTERNET

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Essa matéria esclarece o que realmente aconteceu e mostra que a intolerância religiosa vem de séculos e se faz presente até os dias de hoje. Há muitas igrejas que, por meio das atitudes de seus membros e seguidores, não me deixa mentir. Roberto Adriano de SouzaVIA INTERNET

Gostei muito do assunto. Sou estudante de teologia em Alagoas e, recentemente, meu professor de diaconia fez uma abordagem sobre o tema. Que Deus abençoe a todos.Evaldo SilvaVIA INTERNET

DISCRIMINAÇÃO Sobre a matéria Fé e Cor [edição 139], em que Hernani Francisco da Silva alerta que a “igreja discrimina negro”, temos que tomar cuidado para que nós mesmos não criemos barreiras ao fazer certas colocações. A Igreja Adventista, que minha mãe e meus irmãos frequentam, é liderada por negros. Eu já tinha ouvido esse mesmo comentário há muitos anos, mas hoje estamos numa realidade diferente e temos que nos atualizar e acompanhar as mudanças no cotidiano. Contamos com ferramentas de comunicação que antes não tínhamos, e isso está ajudando muito na disseminação da informação. E, afinal de contas, o homem mais poderoso do mundo [referindo-se ao presidente norte-americano Barack Obama] é negro. Reinaldo PinheiroVIA INTERNET

Concordo que a entrevista não esteja se referindo a uma unanimidade. Há excessões, claro. Contudo, não podemos mascarar a realidade e

dizer que o racismo na igreja é inexistente, porque isso seria como negar que já houve escravidão no Brasil. O racismo continua existindo, e infelizmente em lugares onde já deveria ter sido abolido há muito tempo.Lady Glória MagalhãesVIA INTERNET

Quando se fala em unanimidade,

faço minhas as palavras de Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”. Há líderes negros, mas ainda são poucos. Por isso a discriminação e o preconceito ainda existem, e temos muito que lutar por nosso espaço igualitário, seja nas igrejas ou em qualquer outro setor da sociedade. Alexandre Tarlei Ferreira VIA INTERNET

TESTEMUNHAS DE JEOVÁSobre a reportagem Torre de Vigia Sob Suspeita [edição 139], ninguém esperava que o Sebastião Ramos, após sua dessacociação, conseguisse ir tão longe e emplacar uma matéria até nessa conceituada revista. Assim que fiquei sabendo, fui correndo até a banca para comprar um exemplar. Parabéns. Anônimo VIA INTERNET

MOTOCLUBES CRISTÃOS Sou evangélica, adoro a Deus e amo motos. Recentemente recebi um convite para fazer parte do motoclube Dragões do Asfalto, em São Pedro da Aldeia, mas ainda me encontro em dúvidas. Na realidade quero mesmo fazer parte de um motoclube evangélico, onde sei que falaremos a mesma linguagem, mas há algo que me intriga e eu não posso estar junto de um pessoal com o qual não me sinto totalmente à vontade. Quem sabe se houvesse um grupo em Araruama, Saquarema ou próximo dessas cidades; afi nal sou membro da Igreja Metodista Central de Araruama. Parabéns, também, pela matéria Fé em Duas Rodas [edição 120]. E que o Senhor abençoe a todos grandiosamente. SolangeSAQUAREMA (RJ)

AÇÃO SOCIAL Boas notícias rondam a redação da revista, como na matéria Um Novo Lar [edição 136], que conta a história de meninos, internos da Fundação Casa, assistidos por entidades sociais e religiosas. Que os noticiários sejam reincidentes em pautar histórias de amor, coragem e superação. E que pautas de intolerância e desrespeito façam parte de um arquivo morto e

perdido no tempo.AnônimoVIA INTERNET

PARA COMENTAR AS MATÉRIAS DE ECLÉSIA: 1 – Pelo site: www.eclesia.com.br 2 – Por carta: Revista Eclésia (Rua Pedro Vicente, 90 – 01109-010 – São Paulo SP3 – Por e-mail: [email protected] / [email protected]

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E M F O C O

Evangélicos reivindicam espaço para celebrações; governador adianta que parque deverá atender a todas as vertentes religiosas

Distante, levando-se em consideração os principais centros urbanos do país. Mas

já que para a manifestação da fé não importa a distância, é logo ali no Acre, mais precisamente na capital Rio Branco, que será construído o primeiro

parque gospel brasileiro; pelo menos é o que anuncia o governo estadual. O projeto, defendido pelo deputado federal evangélico Henrique Afonso (PV), prevê, além de ginásio para eventos, piscina, ciclovia, quadras esportivas e espaços para atividades sociais. No mês de outubro, no entanto, durante reunião com pastores da Associação de Ministros do Evangelho do Acre (Ameacre), para discussão da viabilidade do projeto, o governador Tião Viana negou que o local será de uso exclusivo da comunidade evangélica. “Eles [evangélicos] não teriam o menor problema com isso. O que estão reivindicando é que tenham a oportunidade de se reunir, porque não há

espaço físico amplo na cidade”, disse. Para o pastor Marco Mardine, membro da associação, o encontro foi muito produtivo. “O governador merece nosso voto de apreciação pelo desempenho e praticidade na condução desse projeto, e um dos principais objetivos da Ameacre é trabalhar em prol de uma sociedade cada vez melhor”. A expectativa é de que o ginásio comece a ser erguido ainda esse ano. (José Donizetti Morbidelli)

Um novo larLíderes evangélicos, políticos e membros de entidades de classes reúnem-se em seminário em defesa da valorização da família

Edifi cando um Novo Lar: um dos ministérios da Central Ministerial da

Família da Igreja Batista da Lagoinha, e título de livro da pastora e psicóloga Iara Diniz de Paula, que aborda temas

importantes para a construção de uma família bem-estrutura e feliz. Junta-se a isso o comprometimento de importantes líderes religiosos, da política e de outras entidades de classes; e o resultado se traduz no seminário em favor da família, realizado no mês de novembro na capital mineira.

Com o apoio da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Família, o evento teve com principal objetivo dissertar sobre a instituição familiar nos dias de hoje, alertando para as sérias consequências que a decadência – ou, desestruturação – tem acarretado na vida em sociedade. “A realização desse evento foi uma grande vitória. Muitas pessoas, realmente interessadas em discutir sobre o tema ‘família’ estiveram conosco e fortaleceram o debate”, ressalta Iara Diniz, também coordenadora da reunião.

Ao fi nal do dia 24 de novembro e, consequentemente, com o término do evento, diversas considerações foram ponderadas pelos palestrantes, como a

relação atual da família na escola e na sociedade, a fi gura da mulher nos novos conceitos familiares e o problema das drogas, cuja causa é questionada como negligência dos pais ou da própria sociedade.

A partir de agora, novos debates, simpósios e ofi cinas devem ser realizados com maior frequência, principalmente após a divulgação da implantação do projeto Minha Família, Meu Tesouro, outra iniciativa que tende a conscientizar as pessoas da importância sobre o assunto. Afi nal, a família é a mais antiga instituição social e, também por isso, precisa e merece ser conservada e, em muitos casos, restituída. (JDM)

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RIO BRANCO, NO ACRE, pode ter o primeiro parque gospel do país

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O Acre é logo aliD

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DEZENAS DE PARTICIPANTES acompanham seminário promovido por ministério da IB da Lagoinha, em Belo Horizonte

MÁRCIO VALADÃO, PRESIDENTE da igreja; e Iara Diniz de Paula, coordenadora do evento

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“Um mundo melhor? Só Jesus!”Evangélicos recepcionam público no entorno da cidade do rock, durante o Rock in Rio

Os evangélicos, sobretudo membros da Assembleia de Deus de Campo

Grande, zona oeste do Rio, também participaram do Rock in Rio, mas à sua própria maneira. Com faixas, cânticos e panfl etos contendo mensagens de salvação para um mundo melhor, eles se posicionaram no entorno da cidade do rock para recepcionar o público. Com muita criatividade, o texto exalta o “maior guitarrista do universo: Jesus”. Estima-se que cerca de 500 evangélicos, vindos de várias regiões da

cidade, participaram da ação; e a maior concentração aconteceu no domingo, dia 25 de setembro, quando se apresentaram as bandas de heavy metal Metallica, Slipknot e Motörhead, cujo estilo é comumente associado a imagens de caveiras, demônios e outras simbologias veementemente contestadas pelos religiosos. (JDM)

Pede pra entrarMilhem Cortaz afi rma ter superado vício das drogas após encontro com Deus

Depois do sucesso do fi lme Tropa de Elite (Brasil, 2007),

de José Padilha, o jargão “pede pra sair” passou, defi nitivamente, a fazer

parte do linguajar popular. No longametragem, o capitão Nascimento – personagem de Wagner Moura – pega no pé do capitão Fábio, vivido pelo ator Milhem Cortaz. E, depois de tanto “pede pra sair”, o policial corrupto acaba sucumbindo ao treinamento para ingresso no Batalhão de Operações Especiais (Bope). Na vida real, no entanto, o que tem acontecido é exatamente o contrário. Recentemente, Cortaz revelou só ter largado

o vício das drogas após um encontro com Deus. “Desde que cheguei [referindo-se à Itália, onde morou por quatro anos] nunca mais cheirei. Não fui para a clínica, não passei nada; parece que nunca usei”, afi rmou durante o programa Ponto de Virada, da TV Cultura, exibido no mês de setembro. Apesar da declaração, o ator não afi rma ser evangélico ou religioso ortodoxo; o que não quer dizer que não esteja pedindo para entrar. (JDM)

“ADO, ADO, ADO, VOCÊ TEM UM CHAMADO”, cantavam os evangélicos aos roqueiros que chegavam para o Rock in Rio

PELAS ESTIMATIVAS, EVANGÉLICOS devem constituir maioria da população brasileira em menos de dez anos

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Um país menos católico

Pesquisa divulgada pela FGV aponta

queda expressiva do número de católicos nos últimos seis anos

Pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no segundo

semestre só tende a confi rmar as expectativas de que, em menos de duas décadas, os evangélicos serão maioria no país. Justamente, pouco depois do anúncio ofi cial do papa Bento XVI sobre a realização da Jornada Mundial da Juventude de 2013, no Rio de Janeiro, os dados apontam queda expressiva do número de católicos – 7,6% no período de seis anos. De acordo com o mapeamento das religiões, o percentual de pessoas que se declaravam católicas no fi nal de 2003 correspondia a 73,79% da população nacional, enquanto que atualmente é menos de 68,43%. Se forem considerados somente os jovens, na faixa dos 15 aos 19 anos, a queda é ainda mais acentuada: 67,49%. De acordo com a FGV, foram processados microdados inéditos com mais de 200 mil entrevistas sobre composição religiosa no fi nal da década passada, mas o levantamento aponta evolução recente das variadas crenças para os diferentes grupos sociodemográfi cos e geográfi cos brasileiros. “O objetivo é oferecer à sociedade o mais completo levantamento estatístico atualizado sobre religiões do país”, explicam os pesquisadores. (JDM)

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MILHEM CORTAZ: o capitão Fábio, de Tropa de Elite

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• A estrela da esperança

Uma ONG de origem sueca para crianças que atua em dezenas de países, inclusive o Brasil. A Star of Hope e seus parceiros locais cuidam de aproximadamente 50 mil crianças, inserindo também as famílias nos projetos sociais. Países com dificuldades como Haiti, Iraque, Quênia e Gana, estão recebendo ajuda constante dos projetos da Star of Hope.Na Colômbia, Romênia e Bielorússia, as crianças

portadoras de necessidades especiais têm seus direitos humanos assegurados e desfrutam de uma qualidade de vida melhor, graças à ajuda da Star of Hope.Na Argentina, os

índios nativos da província de Chaco também são beneficiados. Ao trabalhar em todo o mundo, seja estabelecendo projetos ou ajudando em situação de desastres e catástrofes naturais, a Star of Hope está mudando a vida de milhares de crianças e suas respectivas famílias.

• Missão

Internacionalmente conhecida, a Star of Hope, com sede mundial na Suécia, tem como missão atender grande número de crianças por meio de construção e manutenção de creches, pré-escolas, escolas, além de programas de nutrição, assistência médica e de reabilitação.Para cumprir essa missão, os programas são baseados em valores muitos importantes:

Cristianismo: A vida com ética e moralidade é essencial para delinear as atitudes individuais e coletivas de uma sociedade saudável.

Igualdade: Igualdade de oportunidade no acesso, bem como a apropriação da informa-ção e conheci-mento, são condições essenciais para melhorar a saúde e a qualidade de vida dos indivíduos e comunidades.

Princípios humanitários: O desenvolvimento de justiça, dignidade, solidariedade e respeito são fundamentais para a mudança de uma sociedade.

Conhecimento: O conhecimento é ferramenta indispensável para o desenvolvimento de projetos.

• Apadrinhe uma criança

Com apenas R$ 50 por mês é possível garantir dignidade a uma criança.

• Patrocine um projeto

Os programas da Star of Hope no Brasil se concentram em três importantes e fundamentais áreas: educação, saúde e esporte:

- Projeto Ingrid Tem sido implantado desde julho de 2008, e atua numa área pobre de São Vicente, uma das cidades mais antigas do país.

- Projeto Ambulância – Creche Saudável Começou em 2001 em Santos e São Paulo, e atende crianças entre 0 e 6 anos por meio do programa chamado “Creche Saudável”.

- Programa de FutebolAtende crianças entre 7 e 14 anos, incentivando a prática do esporte, com orientação pedagógica e desenvolvimento de habilidades sociais.

Informações colhidas a partir do site: www.staro�ope4kids.com

MAIS DE 50 MIL CRIANÇAS ESTÃO inseridas nos programas sociais da Star of Hope

CRECHE SAUDÁVEL: programa destinado a crianças de 0 a 6 anos

PRINCÍPIOS CRISTÃOS: na

Star of Hope as crianças aprendem o significado

de ética e moralidade

ESPORTE: UMA DAS

TRÊS áreas de atuação

da Star of Hope

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MARCOS STEFANO COUTO

Arauto de uma nova reforma

Pastor presbiteriano

e chanceler de uma das mais importantes

universidades confessionais do país, Augustus

Nicodemus Gomes Lopes

critica modismos e invenções,

e defende mudanças

urgentes na igreja brasileira

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E N T R E V I S TA

Cristãos podem ser ateus? Num primeiro momento, a pergunta parece estranha, até contraditória.

Mas quando é feita pelo reverendo Augustus Nicodemus Gomes Lopes, merece toda atenção. Pois, hoje, Lopes é uma das vozes mais consequentes e respeitadas da igreja brasileira. Pastor

Escrituras e pela luta contra os desvios e modismos que tomaram de assalto o crescente meio evangélico. “Não estamos experimentando, como alguns afi rmam, um avivamento. Há, sim, um crescimento grande dos neopentecostais, mas com tanto despreparo, também de práticas, que vão contra a Palavra de

auxiliar da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, em São Paulo, e chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ele deixou a fama de “radical” para se tornar crítico ouvido por tradicionais, carismáticos e mesmo por quem não é protestante. Isso, principalmente por conta de seu compromisso com as

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“Admitir a existência de Deus e negar sua presença na história e

na experiência humana é a

mesma coisa: um ateísmo com capa de cristianismo”

causa do crescimento do número de evangélicos, mas o senhor diz que a igreja sofre sérias ameaças. Isso não é contraditório? No meu caso não é uma contradição porque eu nunca afi rmei que o Brasil está experimentando um avivamento espiritual. O que constato é o crescimento nas duas últimas décadas das seitas neopentecostais, que a mídia costuma confundir com os evangélicos. Eu sei que há pessoas que são verdadeiramente crentes no Senhor Jesus nesse meio, mesmo com ensinamentos e práticas estranhas ao Evangelho. Todavia, isso não diminui a ameaça que o movimento representa para a igreja cristã.

Mesmo assim, atualmente o segmento mais conhecido é neopentecostal. E pelo aparente sucesso ou talvez pelo poder midiático, tem infl uenciado denominações pentecostais e históricas com suas práticas e estilos de culto. Esse processo não é irreversível?Não sei se é irreversível. Esse crescimento vem diminuindo nos últimos anos, pois a proposta das igrejas neopentecostais não se sustenta por muito tempo. Cedo ou tarde, as promessas da teologia da prosperidade se mostram vazias, gerando uma multidão de decepcionados que vão engordar as fi leiras dos desigrejados. Percebe-se, também, a crescente separação e distanciamento desses movimentos neopentecostais do pentecostalismo clássico e das igrejas históricas, o que é muito bom, pois deixa a diferença entre nós e eles mais clara. Infelizmente, a infl uência das práticas neopentecostais nas igrejas históricas tem feito e continuará a fazer, por algum tempo, considerável estrago. A culpa, em parte, é das lideranças que não prepararam o povo adequadamente para enfrentar esses erros. Mas a responsabilidade é, principalmente, dos pastores de igrejas históricas que, traindo e abandonando os compromissos que fi zeram por ocasião de sua consagração e ordenação, adotaram eles mesmos essas práticas estranhas ao cristianismo

histórico, no afã de crescer, ganhar adeptos e aumentar o ministério. E não podemos esquecer que se as seitas neopentecostais têm um grande volume de adeptos, isso se deve também ao fato de que há muita gente interessada em Deus por motivos errados, como saúde, prosperidade e sucesso, deixando a razão maior para trás, que é a glória do próprio Deus.

Pesquisas recentes apontam um grande aumento do número de pessoas que acreditam em Deus, mas que não têm religião específi ca. Ou,

Deus. E isso é uma ameaça a toda a igreja cristã”, alerta. Sem meios termos, ele explica que Jesus e os apóstolos sempre ensinaram que os crentes só devem ser chamados de loucos por causa da pregação da mensagem da cruz. Mas, nos últimos tempos, a ridicularização vem por causa de superstições, sandices e bobagens feitas em nome de Cristo. “Só que nada causa tanto dano quanto não acreditar que Deus intervém no mundo e não obedecer à sua vontade, tornando-se, na prática, ateu”, garante, numa referência a um de seus mais recentes livros, O Ateísmo Cristão, publicado pela Editora Mundo Cristão. Em entrevista concedida a ECLÉSIA, o reverendo fala um pouco mais sobre essa e outras ameaças à igreja brasileira, modismos, polêmicas com homossexuais e ensino do criacionismo nas escolas. E faz, também, um chamado aos líderes evangélicos: “Precisamos com urgência de uma nova reforma em nossas igrejas”.

ECLÉSIA – Se ateus são os que não creem em Deus, de que maneira pode existir “ateísmo cristão”, justamente o título de seu mais recente livro? AUGUSTUS NICODEMUS GOMES LOPES – O apóstolo Paulo fala daqueles que dizem conhecer a Deus, mas o negam por suas obras (Tt 1.16). Chamo de ateísmo cristão a negação de que Deus interfere, age e atua na realidade humana, negação feita por pessoas que se professam cristãs e que argumentam usando a terminologia cristã. Na verdade, isso nada mais é do que o antigo deísmo, a ideia de que Deus existe, mas não interfere na realidade humana. O deísmo foi a religião dos antigos liberais e continua, ligeiramente modifi cada, sendo a teologia dos novos liberais. Para mim, admitir a existência de Deus e negar sua presença na história e na experiência humana é a mesma coisa: um ateísmo com capa de cristianismo.

Há quem acredite que o Brasil esteja experimentando um avivamento por

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pelo menos, que não fazem parte de qualquer denominação evangélica. Quem é o maior culpado por isso: os abusos cometidos pelos líderes ou o triunfalismo pregado nos púlpitos que, na prática, não alcança resultados?Acho que as duas coisas. E, por isso, devemos nos humilhar e nos penitenciar diante de Deus. Mas eu ainda acrescentaria uma terceira razão, que é a tendência do coração humano de não se sujeitar à disciplina, liderança, governo espiritual e a seguir normas e regras. As igrejas cristãs – pelos menos as sérias – são organizadas de acordo com o padrão bíblico, têm uma liderança espiritual constituída e seguem normas encontradas na Palavra de Deus. Obviamente, nem todo mundo tem disposição para fazer parte de uma comunidade e fi car sujeito a cobranças, questionamentos e perguntas sobre sua vida individual, comportamento, hábitos e decisões. Ou seja, muita gente que se considera evangélica não quer a responsabilidade inerente à membresia de uma igreja séria. Em resumo, o crescimento do número de desigrejados se dá tanto pela falha da igreja organizada quanto pela rebeldia de boa parte dos próprios desigrejados.

Em O Ateísmo Cristão são abordados temas como o fato do crente fi car ou não doente, e a prática de expulsar o diabo. Particularmente, o senhor já testemunhou casos escabrosos ou esteve diante de situações estranhas que o motivaram a escrever sobre isso?Sobre crentes fi carem doentes, não creio que precisemos de evidências e provas; pois, é claro que eles fi cam. E nem sempre é pela falta de fé, resultado de um pecado específi co ou demonização. Já orei por gente que fi cou boa e também por gente que morreu em seguida. É Deus quem cura, quando quer e se quiser. Já me deparei com diversos casos de possessão demoníaca em meu ministério. Alguns deles, verifi quei em seguida, não se tratavam realmente de possessão. Mas pelo menos dois deles só consigo explicar como casos reais

de possessão demoníaca, que creio ser uma realidade em nossos dias. Porém, não acredito que tudo que se considera como tal nas igrejas neopentecostais é, de fato, possessão. Há muita mistifi cação e engano, demasiada confusão de

sintomas de doenças mentais e distúrbios psicológicos com demonização.

Mas batalha espiritual é um assunto bíblico, cujo conceito o senhor já afi rmou ter sido contaminado pelo paganismo que se infi ltrou no meio eclesiástico. Pode explicar?Sem dúvida, a batalha espiritual é um assunto totalmente bíblico. Paulo nos diz em Efésios 6 que nossa luta real é contra os principados e potestades, as forças espirituais do mal nos lugares celestiais. Não tenho dúvidas quanto a isso. Satanás é real e suas tentações e seu poder são reais. Ele está presente e ativo no planeta Terra, como já disse alguém. O problema não é esse, mas como o enfrentamos. O moderno movimento de batalha espiritual ensina conceitos e práticas que não encontram fundamentação bíblica, como quebra de maldições, espíritos territoriais, oração de guerra, mapeamento e cobertura espiritual, demônios associados com doenças específi cas, associação dos nomes das divindades pagãs do umbandismo com espíritos malignos determinados – enfi m, a lista é grande. Procuramos no relato bíblico da vida e obra de Jesus e dos apóstolos, em vão, evidências de que eles faziam mapeamento espiritual, demarcação de território, amarração de potestades, quebra de maldições. Para mim, a igreja não deve adotar

“A infl uência das práticas

neopente-costais

nas igrejas históricas tem feito e continuará a fazer, por

algum tempo, considerável

estrago. A culpa, em

parte, é das lideranças”

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práticas que não sejam claramente apoiadas pelas Escrituras. A fonte de autoridade para tais práticas no movimento de batalha espiritual não é a Bíblia, mas declarações de pessoas endemoninhadas, sonhos, visões, palavras proféticas, supostas revelações e outras fontes subjetivas que acabam tomando o lugar da Palavra de Deus na vida do crente. Isso tudo abre a porta para a entrada de crendices, misticismo e paganismo na igreja.

Por outro lado, o senhor diz que não é totalmente contra o Natal. Mas essa festa não tem origens e práticas pagãs, como a própria árvore e as luzinhas? Não seria, também, contradição? As festividades natalinas modernas com árvore, luzinhas, Papai Noel, ceia com peru, troca de presentes, sem sequer mencionar o nome de Jesus Cristo, são claramente práticas não cristãs. A origem realmente é pagã, mas não a ideia de celebramos o nascimento do nosso Salvador. Se os anjos se alegraram com o nascimento dele, formando um coral celestial para entoar louvores a Deus, se os pastores e os magos foram adorá-lo e se a encarnação de Deus Filho é considerada na Bíblia um evento crucial da história da salvação – sem o qual não haveria sua morte e ressurreição –, vejo como perfeitamente cristão celebrar seu nascimento. Como não sabemos a data exata, seguimos a antiga convenção cristã de fazê-lo em 25 de dezembro. Poderia ser em outro dia qualquer, pois o Natal não é dia santo.

As igrejas por aqui geralmente são acusadas de copiar tudo dos Estados Unidos, de bom e de ruim. Inclusive, práticas espirituais, demonizando a cultura nacional. De que maneira é possível forjar uma espiritualidade bíblica e ao mesmo tempo brasileira? É um equívoco demonizar a cultura brasileira – ou outra qualquer – como um todo. Como calvinista creio na graça comum, que Deus abençoa as pessoas com habilidade e capacidade para fazerem arte, música, cultura,

descobertas científi cas, mesmo aquelas que não o conhecem e até o negam. Portanto, encontraremos em qualquer cultura coisas boas que refl etem a bondade do Criador. Além disso, a verdadeira espiritualidade não tem nacionalidade e transcende as barreiras geográfi cas e étnicas. Os profetas e os apóstolos eram judeus e viveram numa

cultura antiga que já nem existe mais – o Antigo Oriente. Todavia, a espiritualidade deles é a base da nossa. A verdadeira espiritualidade consiste em viver nesse mundo de acordo com a vontade de Deus revelada nas Escrituras. É assim nos Estados Unidos, no Brasil ou na China. Claro que o homem espiritual haverá de se adaptar à sua cultura, mas a base e a fonte de sua espiritualidade sempre será a pessoa de Jesus Cristo. Isso não signifi ca negar que se copia muita coisa aqui, não só dos Estados Unidos, mas da Coreia, por exemplo. Tem muito nacionalismo irracional no meio evangélico. Se o que os crentes americanos estão fazendo é biblicamente correto e saudável, qual é o problema em aprender com eles

ou com crentes da China e da África? Há quem fale de teologia brasileira, louvor brasileiro, espiritualidade brasileira como se fosse possível isolar esse ente etéreo chamado “brasilianidade” da cultura global em que vivemos. As próprias culturas em que a Bíblia nasceu e foi escrita eram misturadas; copiavam-se práticas, costumes e tradições. Não vejo nenhum problema em aproveitar o que cristãos de outros países fazem certo, desde que o critério fi nal seja a coerência e a conformidade com as Escrituras.

Qual é a maior ameaça à igreja brasileira: as inovações neopentecostais, o liberalismo, o fundamentalismo, o teísmo aberto ou as novas tentativas de reforma?Cada um desses movimentos representa uma ameaça em seus próprios termos. Eu diria que o liberalismo teológico e as inovações pentecostais são as mais perigosas pelo volume de adeptos e pelo radicalismo. O teísmo aberto é um movimento praticamente defunto no Brasil, pois não encontrou respaldo, quer entre os calvinistas ou os arminianos, em razão de negar uma doutrina preciosa para ambos, que é a onisciência de Deus.

Ultimamente os emergentes e grupos que combatem a aridez e os

“Tem muita gente

interessada em Deus

por motivos errados,

como saúde, prosperidade

e sucesso, deixando a razão maior

para trás, que é a glória do próprio Deus”

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modismos de grandes denominações aparecem como opção para uma nova espiritualidade. O que o senhor pensa a respeito?Existem vários tipos de emergentes. Há um movimento dentro dos emergentes que se identifi ca com o liberalismo teológico, e nesse caso a minha opinião é a mesma que tenho sobre os liberais. Mas há um movimento emergente que quer manter o compromisso com as doutrinas centrais da Palavra de Deus, com a pregação bíblica, com uma vida pautada pelas normas cristãs de amor ao próximo e santidade. E, ao mesmo tempo, querem ser relevantes para sua geração. Eles defendem um culto diferente dos cultos das igrejas tradicionais, mais informal, com música contemporânea e uma ordem litúrgica menos elaborada. Há, inclusive, um movimento vigoroso de reapreciação pela teologia e práxis da Reforma Protestante, que vem exercendo muita infl uência nas igrejas históricas e nas pentecostais. Eu vejo esse movimento com muita simpatia.

Falando em debate e polêmica, recentemente houve uma discussão pelas redes sociais entre o bispo Edir Macedo, líder da Iurd, e a cantora e pastora batista Ana Paula Valadão, sobre as manifestações do Espírito Santo. Enquanto ele dizia que só cai no chão quem é endemoninhado, ela rebatia afi rmando que quem recebe a unção de Deus pode cair. Como o senhor vê esse debate? Não acompanhei a discussão, mas estou familiarizado com o assunto. Há muitos anos, estive na Igreja do Aeroporto de Toronto, a Vineyard, onde começou o movimento da “bênção de Toronto”, e nasceu essa prática de “cair no Espírito”. Estranhei bastante o que vi, pois fi cava evidente o contraste ao comparar as quedas com os relatos de quedas na Bíblia. Diante da presença de Deus as pessoas caíram sobre seus rostos e joelhos, não de costas. Caíram diante do descobrimento do próprio pecado, da santidade de Deus ou da glória de Cristo. Em nenhuma dessas ocorrências, as quedas aconteceram por causa de unção

com óleo ou imposição de mãos dos profetas, de Jesus e dos apóstolos. E não encontramos em lugar nenhum da Bíblia qualquer orientação para os crentes sobre o assunto. No caso dos endemoninhados, também não há qualquer registro de possuídos caindo quando Jesus ou os apóstolos lhes impuseram as mãos. Sempre, o que havia, era a expulsão imediata dos demônios, sem muita conversa. Assim, tomando a Bíblia como referencial, eu digo que não temos como demonstrar biblicamente que pessoas cheias do Espírito caem no chão, e nem que endemoninhados caem na hora do exorcismo.

Já se falou muito em dentes de ouro, risada santa e até em adoração extravagante. Que modismos estão afetando atualmente a igreja, e com quais deles os crentes e lideranças devem fi car atentos?Se falasse apenas de algumas, tomaria todo o espaço da entrevista. Anjos, unções, danças, campanhas, enfi m, há modismos demais. Sugiro leituras como a do blog do pastor Renato Vargens (http://renatovargens.blogspot.com), que os documenta em detalhes.

Em partes tudo isso também não é culpa das lideranças e da formação que elas recebem nas faculdades teológicas? Ou da falta de formação para quem não estuda? Um de seus textos, em O Ateísmo Cristão, questiona o porquê de tantos seminaristas perderem a fé...Sem dúvida. Quando um pastor desconhece a história da igreja, das doutrinas, a teologia bíblica e a teologia sistemática, as polêmicas teológicas e a obra dos grandes vultos da história eclesiástica; quando não tem nem mesmo as noções mais básicas de grego e de hebraico, e quando lhe falta o conhecimento dos grandes credos e confi ssões da igreja cristã, sua tendência é levar avante o ministério na base do improviso, da intuição e do pragmatismo. Ele vai usar como modelo aquelas instituições religiosas que,

aparentemente, conseguiram sucesso em arrebanhar pessoas. Pior ainda, se nos seminários e institutos bíblicos ele teve professores liberais, sairá no mínimo um pastor confuso, incerto e sem convicção sobre nada; e, portanto, aberto a todo tipo de prática e crença que lhe garanta posição e sustento.

Há pouco tempo, o país enfrentou o debate sobre o ensino do criacionismo nas escolas. Depois, a discussão foi sobre o ensino religioso. Como chanceler de uma das mais importantes universidades

“O crescimento do número de desigrejados se dá tanto pela falha da igreja

organizada quanto pela rebeldia de boa parte

dos próprios desigrejados”

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confessionais brasileiras, de que forma o senhor vê essa questão?Esse assunto é muito complexo. A Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases reconhecem a educação confessional, que é aquela feita por instituições de ensino que se orientam por uma ideologia específi ca. Portanto, instituições confessionais têm liberdade de ensinar sua ideologia desde que cumpram satisfatoriamente os requisitos e parâmetros curriculares determinados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Não creio que se deva abolir o ensino do evolucionismo nas escolas confessionais, mas creio que ao lado do evolucionismo se deveria mostrar que existe outra opinião, defendida por cientistas renomados e sérios, quanto à questão da origem das espécies, como, por exemplo, a Teoria do Design Inteligente. Isso cumpriria perfeitamente o ideal de pluralidade que se espera de uma escola e de uma universidade. Do jeito que está, apenas uma posição é ensinada, como se a mesma não fosse contestada. É uma ilusão pensar que o ensino pode ser feito de maneira isenta, neutra ou cientifi camente laica. Toda educação parte de uma visão de mundo pré-concebida. Se não for uma cosmovisão religiosa, será materialista, humanista, naturalista ateísta, marxista. Portanto, o ensino confessional cristão tem legitimidade. Sobre o ensino religioso, é argumento sufi ciente para não se ignorar a dimensão religiosa e o papel importante que ela desempenha num país onde cerca de 90% da população diz crer em Deus e estar afi liada a alguma religião.

Universidades confessionais têm enfrentado várias crises nos últimos tempos; tome-se como exemplo a PUC-SP e a Ulbra, do RS. Elas não estão administrando o ensino como tomam conta das igrejas? Como o senhor avalia a situação das escolas confessionais e o que o Mackenzie tem a ensinar sobre o assunto?Eu diria apenas que o setor educacional privado no Brasil, como um todo, atravessa profundas difi culdades administrativas, fi nanceiras e estruturais.

As instituições confessionais de ensino, inclusive as universidades confessionais, também são atingidas – algumas mais, outras menos. Os desafi os são muito grandes.

Recentemente, o Mackenzie foi alvo de protestos por parte de ativistas homossexuais por conta de um texto em seu site que criticava o PLC 122/2006. Como o senhor analisa esse debate sobre o casamento gay no Brasil? Os evangélicos não correm sérios riscos de serem submetidos a uma mordaça?É preciso esclarecer os fatos. O que foi publicado nada mais era que o posicionamento da Igreja Presbiteriana do Brasil, tomado em 2007 pelo seu Supremo Concílio. Estava no site do Mackenzie desde aquele ano, pois a IPB é a associada vitalícia da instituição e suas decisões precisam ser conhecidas. É claro que toda violência feita a um homossexual deve ser punida. Quem agride os gays deve ser preso e responder a processo. Aliás, quem agride qualquer cidadão brasileiro, independentemente de sua escolha sexual, deve ser preso. É lamentável quando jovens saem às ruas para espancar gays e travestis. Não podemos concordar jamais com esse tipo de atitude, da mesma forma que não podemos concordar com agressões feitas a qualquer pessoa. Acredito que todos têm o direito de escolher o tipo de vida que desejam levar. A Constituição garante o direito à liberdade de consciência, religião e expressão. Assim sendo, não posso apoiar nenhum projeto que intente dar direitos especiais a um grupo de brasileiros em detrimento da liberdade de consciência, expressão e religião de outros. Sobre o casamento gay, é claro que sou contra, pois além do conceito ser contrário às minhas convicções cristãs, considero-o um fator de risco para a família. Quanto à mordaça sobre os evangélicos, é bem possível que venha a acontecer, mas a igreja cristã nunca deixou de cumprir seu papel de anunciar o perdão de Deus aos pecadores arrependidos mesmo em sociedades hostis, como no Império

“O moderno movimento de batalha espiritual

ensina conceitos e práticas que

não encontram fundamentação bíblica, como

quebra de maldições, espíritos

territoriais, oração de

guerra, mapeamento e cobertura espiritual...”

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denominações para nossos púlpitos, muito menos de participarmos de eventos junto com eles. O que realmente não concordamos é com aqueles que se dizem cristãos, mas negam a inerrância da Palavra de Deus, os milagres da Bíblia, a ressurreição de Cristo e sua morte vicária. Também queremos distância das práticas neopentecostais e das seitas. Se eu, particularmente, tenho algum trânsito em outros setores evangélicos, isso talvez se deva à principal ênfase do meu ministério, que é pregar expositivamente a Palavra de Deus. Evangélicos de todas as denominações amam a Bíblia, e gostam de ouvir explicações sobre ela feitas com simplicidade e clareza.

Sua trajetória pessoal é pontuada por sólida formação acadêmica, e isso sempre fomenta o questionamento: como conciliar conhecimento com uma fé viva e dinâmica? O que diria para jovens ministros que estão começando a carreira, e não querem deixar de crer diante de uma igreja com problemas?Conhecimento e fé viva não são opostos e nem inimigos. Essa dicotomia é resultado da visão iluminista e racionalista de mundo que prevalece na cultura ocidental desde o século 18, que estabeleceu a razão como o critério fi nal da realidade. Antes, esse confl ito estava ausente na vida dos grandes cientistas que nos deram a moderna ciência e que eram, na maior parte, cristãos. Todo conhecimento pressupõe um princípio unifi cador que serve de orientação e sustentação. A crença na existência de um Deus criador, que é amor e justiça, santidade e misericórdia, que fez o mundo segundo princípios e leis e criou o ser humano à sua imagem, funciona perfeitamente como princípio unifi cador para o conhecimento. Assim sendo, meu conselho aos jovens pastores é que cultivem a mente com a mesma energia com que cultivam a vida devocional. Estudem, pesquisem, escrevam, perguntem, discutam. Procurem não somente uma sólida formação espiritual como também bíblico-teológica-geral.

Romano. Lá não havia mordaça, mas leão, cruz e espada para os dissidentes.

Há pouco, quem esteve no Mackenzie foi John Piper, participando de debates que contaram com sua presença e a de Russel Shedd. Nos últimos anos, a universidade tem sido palco de congressos e grandes eventos que atraíram importantes nomes do meio cristão. De que maneira isso ajuda no amadurecimento da fé evangélica no país? A realização desses eventos só é possível por causa do apoio da alta direção do Mackenzie, que é composta de pessoas sérias e comprometidas com a qualidade da educação e a visão cristã de mundo. A visão deles, da qual sou um dos executores como chanceler, é de que o Mackenzie deve contribuir para a sociedade não somente oferecendo ensino de alta qualidade, como vem fazendo há décadas, mas também mostrando que o cristianismo não exige que abandonemos a intelectualidade, a erudição, a cultura e o bom senso. Por isso, trazemos nomes de peso mundial para nos falar.

O senhor é um entusiasta da internet. Seus textos no blog já viraram até livro. A igreja tem aproveitado bem a tecnologia e as redes sociais, ou o mundo virtual é mais uma ameaça à fé?Sim, e os evangélicos têm presença marcante nas mídias sociais. Mas, é claro, essa participação pode melhorar com a inserção de material mais sólido, sério, e que tenha potencial para formar as novas gerações. Portanto, não vejo a tecnologia como ameaça – desde que corretamente usada.

O senhor é reverendo presbiteriano, mas tem trânsito entre várias correntes e denominações. Durante muito tempo, a Igreja Presbiteriana foi criticada por ser fechada. Isso está mudando?No que tange à minha denominação, não creio que a Igreja Presbiteriana do Brasil tenha sido fechada no passado. Os presbiterianos sempre foram abertos

para os irmãos de denominações reconhecidamente evangélicas. Não rebatizamos quem vem dessas denominações, e servimos a ceia a todos os que são membros de igrejas evangélicas. Não temos proibição de convidarmos pregadores de outras

“Tem muito nacionalismo

irracional no meio

evangélico. Se o que

os crentes americanos

estão fazendo é biblicamente

correto e saudável, qual é o problema em aprender com eles ou com crentes da China e da

África?”

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Cícero Brasil Ferraz é psicanalista clínico da Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (SPOB), e pastor da Igreja Presbiteriana de Vila Maria

Cícero Brasil Ferrazpsicanalista clínico da Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (SPOB), e pastor da Igreja

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Correndo em círculoatrás do rato

“Como organizar o seu

pensamento quando toda segurança só

pode nascer de toda certeza, e toda felicidade

só da plena liberdade – inclusive

liberdade de certeza?”

Abro esse tema afi rmando que toda escolha que faço – mesmo sendo

a mais pensada, ponderada, experimentada por suas variantes – é provida de alguma perda. Ninguém ganha tudo numa escolha; outrossim, qualquer valor só é valor graças à perda de outros valores que se têm de sofrer a fi m de obtê-lo.

Em busca de certezas, o homem moderno – o do século 20 – fez da ciência e do conhecimento experimental a sua maior escolha e, portanto, atrofi ou a sua sensualidade (o mundo dos sentidos), tornando seu saber mecânico em sofi sticado banquete, mas sem qualquer tempero. Uma abstração carente de emoção. Por isso se prestou tanto prestígio de que hoje ainda desfruta, em certos círculos, a famigerada “inteligência emocional”.

Na pós-modernidade, esse mesmo homem, avaliando seus ganhos e perdas, descobre que, geralmente, precisa exatamente daquilo que mais lhe falta. E como encontrar o “isso” se a religião não satisfaz o homem pós-moderno e nem a ciência dá sentido pleno à sua existência? Essa é a grande crise da pós-modernidade: encontrar uma síntese entre felicidade e

segurança. Mas como organizar o seu pensamento quando toda segurança só pode nascer de toda certeza, e toda felicidade só da plena liberdade – inclusive liberdade de certeza?

A gangorra entre a liberdade que lhe trás felicidade e a certeza que

lhe dá segurança é impulsionada para píncaros na busca frenética da existência plena de signifi cado. Qualquer tentativa de equilíbrio será apenas estagnação suicida que coxeia entre as seguintes fronteiras: a certeza cativa da liberdade e a felicidade fi lha da segurança,

cuja opção por qualquer uma delas não compensa por serem ambas episódicas. Sem dúvidas, a liberdade sem segurança não assegura mais fi rmemente uma provisão de felicidade do que segurança sem liberdade.

Observando a avalanche histórica da modernidade é possível notar que os seus mal-estares provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Já, os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura de prazer que tolera uma segurança individual pequena demais.

Nesse abismo dialético é que o homem se encontra hoje. A decisão que ele toma – e tem tomado – é de não fazer escolha alguma, como se isso já não fosse uma escolha. Daí encontrá-lo vago, vazio; sem projetos, artes, ícones, mitos ou gênios. Sua única certeza é a de que ele ainda não fez a sua grande escolha, e nem sabe se a fará. Não há nele nenhum apetite para esse tipo de avaliação, porque isso não garante que esses valores diagnosticados suportem necessariamente um estado permanente de satisfação. É nessa estagnação suicida que o homem encontra a desconstrução do grande edifício de seu mundo.

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Cícero Brasil Ferraz é psicanalista clínico da Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (SPOB), e pastor da Igreja Presbiteriana de Vila Maria

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I N T E R N A C I O N A L

Morte do tirano Muamar Kadafi traz esperanças à Líbia e um pouco de paz ao mundo árabe, mas a notícia de que a lei muçulmana será a base da nova Constituição volta a

escurecer os horizontes da nação

O nebuloso futuro da Líbia

MARCOS STEFANO COUTO

Quando as forças rebeldes anunciaram que o comboio no qual Muamar Kadafi tentava

escapar foi atacado por tropas da Orga-nização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em 20 de outubro, e o facínora ferido mortalmente, cristãos de todas as partes do mundo comemoram quase tanto quanto os líbios; esses, sem acreditar, enfrentaram fi las quilo-métricas para ver o corpo do ditador. Exagero? Nenhum; pois, desde que tomou o poder há mais de quatro dé-cadas, o “cachorro louco” – assim ele era chamado – estabeleceu uma brutal ditadura na região a ponto da Líbia receber o título de “país impossível de ser evangelizado”. Mas se a morte de Kafafi traz um pouco de paz ao mundo árabe, as esperanças dos cristãos em

LÍBIOS COMEMORAM LIBERDADE do país e fazem fi la para ver o corpo de Muamar Kadafi

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difundir por lá o cristianismo ainda estão longe de se concretizarem, espe-cialmente depois do pronunciamento do presidente do Conselho Nacional de Transição (CNT), Mustafa Ab-del Jalil, de que, a partir de agora, a Sharia – lei muçulmana com base no Alcorão – será a essência da nova Constituição. Apesar de, em seguida, garantir que os líbios são muçulmanos mais moderados para tranquilizar a comunidade internacional, preocupa-da com a possibilidade de extremismo religioso, o fato é que é impossível dizer o que o futuro reserva. “Assegu-ramos ao mundo que a Líbia respeita-rá as convenções internacionais, mas somos uma nação muçulmana. Daqui para frente, toda lei que entrar em confl ito com os princípios do Islã será declarada legalmente nula”, adiantou Abdel Jalil

Criada centenas de anos após a morte do profeta Maomé, a Sharia rege todos os aspectos da vida muçulmana. O problema, no entanto, são as dife-rentes interpretações, dependendo de onde a lei é aplicada. O Alcorão prevê punições – chicotadas, apedrejamento, amputação, exílio ou execução – apenas em casos como sexo fora do casamento, adultério, falsas acusações de infi delida-de, consumo de vinho e outras bebidas alcoólicas, roubo e assalto em estradas; entretanto, em alguns países mulheres podem ser chicoteadas simplesmente por aparecem em público sem a indu-mentária adequada. Na Arábia Saudita, onde as interpretações são mais severas, as mulheres são também proibidas de dirigir e a tutela dos fi lhos, em qualquer circunstância, é sempre do homem.

Especifi camente em relação à Líbia, a maior preocupação é mesmo quanto

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O nebuloso futuro da Líbiaà liberdade religiosa. Pelo menos até agora é impossível aos cristãos expressarem livremente sua fé, e aos muçulmanos conhecerem outra con-fissão religiosa. E, mesmo se decla-rando um Estado laico sob o coman-do de Kadafi, a realidade é que seus líderes recentes sempre conferiram ao islamismo papel ideológico im-portante na sociedade. Assim sendo, nenhuma forma de evangelismo ou trabalho missionário é permitida; apenas os estrangeiros podem se reu-nir, mas monitorados. Os líbios não participam dos cultos, muitos por medo de serem vigiados, delatados e até assassinados. Pior: a conversão é terminantemente proibida. Todos os cidadãos devem ser muçulmanos su-nitas por definição e, para garantir a “ordem”, há organizações secretas e redes de espiões monitorando possí-veis ações de rebeldes e estrangeiros. Além disso, a importação de bíblias em árabe é estritamente controlada. E para administrar toda atividade que considera “política”, o governo garante atenção especial à literatura religiosa, inclusive islâmica, publica-da no próprio país ou importada.

História de perseguição – A Líbia é o 17º maior país do mundo e sua ex-tensão equivale à soma dos estados do Amazonas e Amapá. Ainda assim, a maior parte do território é deserta. Dos 6,6 milhões de habitantes, cerca de 1,5 milhão são estrangeiros vindo de outros países árabes e africanos. Porém, um terço da população tem menos de 15 anos e a maioria reside em áreas urbanas, o que facilita e muito a doutrinação. E, apesar das perseguições atuais, o cristianismo tem raízes antigas no país. Os pri-meiros cristãos chegaram à Cirenai-ca – antiga província romana que, hoje, corresponde à parte oriental da Líbia – já no primeiro século. Na época havia muitos judeus em Cirene, uma das cinco principais cidades, e foram eles que formaram o núcleo da igreja em seus primeiros anos de vida. Contudo, as inúmeras perseguições, somadas à fraca evan-gelização inicial e a controvérsias, como o cisma donatista, deixaram a região vulnerável ao avanço islâ-mico no século 7. O cristianismo foi praticamente eliminado e, hoje, há apenas alguns milhares de cristãos líbios, a maioria constituída de tra-

balhadores estrangeiros.Do século 16 ao início do

século 20, a Líbia viveu sob o domínio do Império Turco-Oto-mano. Em 1911, foi invadida e dominada pela Itália. A indepen-dência só veio em 1951, junto com a riqueza alavancada pela descoberta de abundantes reser-vas de petróleo. Em 1969, o co-ronel Kadafi liderou um grupo de militares nacionalistas, derrubou o rei Idris I e assumiu o poder. A partir daí, combinou socialis-mo com práticas islâmicas das tradições tribais. As mudanças começaram a ser sentidas no fim

do ano passado, com os ventos que trouxeram uma onda revolucionária de manifestações e protestos, e que ficou conhecida como “Primavera Àrabe”. Revoltas sociais e políticas derrubaram regimes ditatoriais na Tunísia e Egito, e ajudaram partidos muçulmanos a chegar ao poder. Na Líbia, os confrontos duraram oito meses. Depois da entrada da Otan, a batalha pendeu para o lado rebelde, que anunciou a captura e morte do “cachorro louco”.

Para a grande maioria dos especia-listas, é quase impossível esperar uma mudança na situação do cristianismo no país para melhor. Na melhor das hipóteses, tudo deve fi car como está.

MUAMAR “CACHORRO LOUCO” KADAFI: morte do ditador não facilita, pelo menos a

curto prazo, evangelismo no país

Na pior, as coisas se complicarão ainda mais. Não que estejam desacostumados às lutas. Atos dos Apóstolos, na Bíblia, registra em seu 11º capítulo que foi por causa de uma forte perseguição, que os cristãos cireneus foram dispersos e levaram o Evangelho a Antioquia e aos gregos. Desde o começo, é cobrado um alto preço daqueles que creem. Como resultado, os que hoje se convertem – algo raro – já pensam em abandonar a pátria. Em geral, os muçulmanos acabam não conhecendo a Palavra de Deus. Todas as mudanças no mundo árabe podem até ser proféticas, como acreditam muitos. Mesmo assim, quem conhece a vontade de Cristo sabe que situações assim me recem mais refl exão por parte da Igreja ocidental.

MUSTAFA ABDEL JALIL: “Asseguramos ao mundo que a Líbia respeitará as convenções internacionais, mas somos uma

nação muçulmana”

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David Corrêa é professor, conferencista, escritor e fundador da Academia de Estudos dos Profetas Bíblicos

David Corrêa é professor, conferencista, escritor e fundador da Academia de Estudos dos Profetas Bíblicos

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D I S C I P U L A D O

A natureza missionária de Deus

e seus métodos

“Deus pode mudar o

método, porém sua natureza missionária é

imutável”

O procedimento de Deus no Velho Testamento teve

um ponto de encontro com seu procedimento no Novo Testamento, abandonando um método antigo para assumir outro. O modo de mudar ao lidar com a raça não é novo. Vejamos: Gênesis 1.29 ensina ao homem o método de se alimentar: o vegetariano; e logo mais adiante, Gênesis 9.3 diz que o método dietético passa a ser também de carne, porém, sem sangue. Nosso assunto, agora, não diz respeito ao método dietético, e sim ao método de alcançar a raça dominada pelo pecado com a mensagem salvífica. O ponto de encontro entre os dois métodos referidos acima está em Atos 2 (abandonando um e iniciando outro). Um dos métodos do Velho Testamento foi Israel, usado como canal de benção para atrair a raça e abençoá-la (Gn 12.1-3). Israel era a agência catalisadora de Deus, e Jerusalém o centro dessa atividade missionária, atraindo a atenção dos povos para que eles pudessem

conhecer o Deus verdadeiro ativado pelo Espírito Santo. Ilustremos o método: a Festa de Pentecostes, mencionada em Atos 2 – também chamada de Shavuot, que em hebraico significa semanas – era uma das três festas a que todo judeu deveria comparecer anualmente (Ex 23.14-19). Shavuot tinha

por base gratidão e colheita ceifada e guardada, e por prática demonstrar dependência ao Senhor no controle dos fatores naturais que permitiriam a garantia da sobrevivência, fazendo ofertas e levando-as ao templo. Configurava-se assim, também, um ato de fé, por abandonarem suas terras

e propriedades para irem a Jerusalém confiando ao Altíssimo sua guarda (Ex 34.24).

O primeiro esforço despendido de cada casa ao transformar o grão de trigo da nova colheita em pão, bolos, tortas, enfim, deveria ser dedicado ao Senhor, sendo, assim, a festa também chamada de Festa das Primícias da Casa. Devido à época e às condições, Jerusalém deveria receber uma grande massa de peregrinos de judeus e prosélitos das terras de Israel e do mundo. Ainda, em Atos 2 verificamos um grande número deles de passagem em Jerusalém por causa da festa – talvez a que mais atraísse peregrinos. Presumivelmente, estando muitos no templo, ao se cumprir o Pentecostes, ouviram um som como de vento; todos correram para o local – uma casa – onde estava acontecendo tal fenômeno. Foram atraídos e ficaram perplexos ao ouvirem os homens falarem em suas próprias línguas maternas (At 2.6-11).

Pedro explicou o que estava acontecendo usando profecias (At 2.12-36). E nota-se a

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David Corrêa é professor, conferencista, escritor e fundador da Academia de Estudos dos Profetas Bíblicos

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mudança de método, o ponto de encontro, quando ele apela: “Arrependei-vos... para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe” (At 2.37-39). Efésios 2.17 faz referência também a Deus ter ido ao encontro dos gentios que estavam longe.

Como se deu a mudança? Primeiro, o Espírito atraiu para Jerusalém um grande número de peregrinos para ouvirem como Deus em Jesus Cristo agiria na formação de uma nova entidade – o Corpo de Cristo, a Igreja de Jesus. Crendo nas palavras e no apelo de Pedro, foram batizados no Espírito. E, retornando para suas terras de origem, levaram a mensagem regeneradora do Evangelho de Jesus como se fossem templos-

móveis. IR era o método; IR até aos confins da terra com a mensagem salvadora.

O método do Espírito de atrair para Israel cedeu lugar para o de “ir”. Em Atos 2, primeiro o Espírito atraiu e depois impeliu homens habilitados pelo Espírito. Não era exatamente isso que Jesus ensinara em Lucas 24.47-49? Pois: “... e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém...; permaneceis, pois, na cidade [Jerusalém], até que do alto sejais revestidos de poder”.

O “até” tinha chegado e a hora de “ir” tinha começado, pois os homens não buscam a Deus (Rm 3.11). A natureza missionária de Deus é buscar o homem perdido, seja pelo método de “atrair”, cuja agência era Israel, ou método de “ir”,

que é o da igreja. A natureza missionária de Deus usou as primícias de Israel, almas de sua casa, juntamente com muitos prosélitos, para o novo ministério da nova entidade – a igreja, para alcançar o mundo por meio do IDE.

Deus nunca dissera, antes, ide por todo o mundo; porém, aos do Corpo de Cristo, sim! Façamos a obra da agência aprovada por Deus hoje: o IDE da igreja. Não apliquemos o método de ontem, mas o de IR ao encontro do perdido e não de atrair, esperar, motivado por algum meio artificioso próprio do ser humano. Deus pode mudar o método, porém sua natureza missionária é imutável. Sejamos sensíveis ao Espírito (Rm 9.1-3), assim como Paulo foi sensível à necessidade de evangelizar tanto judeus como gentios.

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E S P E C I A L

MARCOS STEFANO COUTO

É hora de acertar o tom

Euforia na música cristã: cantores, ministros e grupos cristãos se empolgam com investimento pesado de grandes gravadoras e festival promovido pela principal emissora de televisão do país; porém, ressurge uma antiga questão: não é preciso mudar o compasso e voltar à adoração bíblica?

A música cristã passa por tempos de euforia no Brasil. A entrada de im-

portantes gravadoras seculares,

como a Sony Music e a Som Livre, no mercado fonográfi co evangélico, a chegada de selos internacionais de sucesso ao país, os novos investimen-tos de empresas cristãs tradicionais e as recorrentes notícias de que canto-

res e cantoras gospel são premiados com discos de ouro, platina e dia-mante, voltando a vender centenas de milhares de cópias, mostram que os tempos de “vacas magras” e apre-ensão, causados pela forte concorrên-

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É hora de acertar o tom

cia com a pirataria e pela revolução tecnológica da era digital, fi caram no passado. E isso é apenas parte da história. No fi nal de novembro, foram conhecidos os vencedores do Troféu Promessas, a mais importante premiação da música religiosa brasi-leira. Realizado pela empresa GEO Eventos, com apoio da Rede Globo de Televisão, o troféu teve 1600 tra-balhos inscritos e 5 milhões de votos, que escolheram os destaques de 2010 e 2011 em nove diferentes categorias (confi ra tudo na página 47). Um su-cesso que promete se repetir também

no Festival Promessas, esse promo-vido pela própria Rede Globo e que deve reunir mais de 800 mil pessoas no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, em dezembro. Com presen-ça confi rmada de Diante do Trono, Regis Danese, Damares, Fernanda Brum, Ludmila Ferber, Eyshila, Davi Sacer, Pregador Luo e Fernandinho, o show será gravado e exibido como parte das atrações de fi m de ano da emissora e pode ser o impulso que falta para a criação de um programa evangélico em sua grade – projeto previsto para 2012.

O bom momento comercial sur-preende até os mais céticos, mas a verdade é que essa “explosão do louvor”, como cantam alguns, não é de hoje; vem a reboque do cres-cimento evangélico experimenta-do desde meados dos anos 1980. Nunca antes cantores e grupos cristãos ocuparam tanto espaço na mídia, com o suporte de centenas de rádios, gravadoras, produto-ras e programas de televisão nas grandes emissoras. Premiada com inúmeros grammys e gravada em vários idiomas e nações por in-

TROFÉU PROMESSAS: momento de mostrar à sociedade, não somente o talento, mas o comprometimento cristão

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térpretes famosos mundialmente, a música evangélica brasileira tirou a prática da adoração dos santuários para levá-la à socieda-de. Por outro lado, também vem provocando debates e suscitando polêmicas. Afi nal, com tantos mo-dismos e dinheiro por trás daquilo que é oferecido a Deus, não é pre-ciso mudar o compasso e acertar o tom da adoração?

O Troféu e o Festival Promessas oferecem o oportuno momento para discutir essa questão. “A música evangélica atingiu a matu-ridade com muita riqueza artística e espiritualidade. Uma junção que difi cilmente se encontra em outras partes do mundo”, avalia Marcelo Soares, diretor-geral da Som Livre. Para Luiz Gleizer, diretor de núcleo de programação da Rede Globo, a música cristã constitui uma das principais expressões culturais do povo brasileiro e não pode ser ig-norada. “Independente das crenças particulares, ela traz uma mensa-gem viva e atual”, destaca.

PARA O DIRETOR-GERAL da Som Livre, Marcelo Soares, a música evangélica alia riqueza artística e espiritualidade

Pra Contrariar Regis Danese, autor de Faz um Milagre em Mim, com-posição que permaneceu por longo tempo em primeiro lugar nas rádios, inclusive seculares.

“Não há mais como menosprezar a música evangélica. Ela ocupa lugar de destaque no cenário nacional e outras portas da mídia se abrirão para ela. O Troféu Promessas contribui para isso, uma vez que, além de promo-ver bandas, cantores e ministérios já conhecidos, dá destaque e abertura a quem está começando para mostrar seu trabalho”, explica Marcus Mota, representante da agência Quartel De-sign e presidente do Comitê Gestor, composto por integrantes de grandes gravadoras e mídias que atuam no mercado de música cristã.

Apesar de ser difícil associar um prêmio com o conceito de adoração, o Troféu Promessas renova a discus-são sobre o assunto. É comum nas igrejas os líderes convidarem os fi éis a “adorarem ao Senhor”, e a música desempenha papel importante nesse contexto. Aliás, não somente a música, mas danças, testemunhos e exortações – só para fi car em alguns exemplos. O que se contesta, no entanto, é a ma-neira como muitas denominações têm atuado, transformando os cultos em shows e cantores em celebridades. Di-nheiro e cachês milionários agora são essenciais em um negócio cuja alma

LUIZ GLEIZER: “INDEPENDENTE das crenças particulares, ela [a música cristã] traz uma mensagem

viva e atual”

Há bem pouco tempo, declarações como essas pareciam impossíveis de se ouvir. Vistos como sectários ou radicais, os evangélicos eram retra-tados com preconceito na teledramaturgia e só ganhavam espaço no jornalismo por ocasião de denúncias envolven-do escândalos fi nancei-ros ou outras mazelas. “Recebemos de Deus a oportunidade de estar-mos aqui para mostrar-mos a todos a nossa fé. Quero deixar claro que não fomos comprados nem abrimos mão de qualquer valor para participar. Temos toda

a liberdade para ministrar a Palavra no Festival Promessas, e isso é uma grande vitória”, comemora o cantor Fernando Jerônimo dos Santos Júnior, o Fernandinho.

Mais do que uma experiência, os artistas evangélicos veem as duas iniciativas como um operar sobrenatural e que precisa ser bem aproveitado. “Quando me converti, fi cava me perguntando por que a mú-sica evangélica não tinha o mesmo espaço que outros gêneros na mí-dia. Deus usou um profeta para me dizer que usaria minha vida para quebrar essa barreira. Não podemos parar. Temos que con-tinuar profetizando e declarando o trabalhar de Jesus, quem sabe, num programa gospel de excelência na emis-sora líder de audiência da televisão brasileira”, empolga-se o ex-Só

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deveria ser “de graça recebestes, de graça dai”. “Ao acertar o tom ou afi nar o instrumento, devemos perseguir uma nota ou tonalidade até a imitarmos perfeitamente. Em nossas vidas ocorre a mesma coisa, mas quem dá a nota é a Bíblia. Precisamos ajustar nossos corações e atitudes até imitarmos plenamente a Cristo”, diz a can-tora e pastora Ana Paula Valadão Bessa, do Diante do Trono.

A Bíblia registra no Antigo Testamento que a adoração dos israelitas era comandada pelos sacerdotes da tribo dos levitas. Eles tinham a responsabilidade de tomar conta do tabernáculo móvel e depois do templo, em Jerusalém. Realizavam, ainda, sacrifícios sobre o altar, ensinavam a Lei de Deus e cuidavam de todos os deta-lhes dos cultos, inclusive, da mú-sica sagrada apresentada nas ceri-mônias. Uma adoração um tanto quanto formal e que se baseava em rituais: circuncisão masculina, lavagens e práticas de purifi cação, ofertas de alimentos, holocaustos, sacrifícios de animais, oferenda de manjares e os muitos dias festivos,

como a Festa de Pentecostes – também chamada em hebraico de Shavuot e que signifi ca “semanas” –, o Dia da Expiação e a Páscoa.

Contudo, a adoração não se limita-va a essas festividades; pelo contrário, era muito mais ampla e profunda. Em suas línguas originais – o hebraico, o aramaico e o grego –, as Escrituras trazem mais de dez diferentes termos que podem ser traduzidos como lou-

vor. Pode ser um ato voluntário que expresse a dependência absoluta de Deus; ou o levantar das mãos como ação de graças não somente por aquilo que foi recebido, mas pelo que se espe-ra receber. Pode ser prostrar-se com o rosto no pó da terra e, de joelhos, ren-der tudo que se tem ou tudo que se é ao Criador; e, ainda, servir com temor reverente, admiração e respeito.

“Precisamos resgatar a essência da

“É comum os líderes convidarem as pessoas nas igrejas para ‘louvar, adorar’ ao som de instrumentos e cânticos. Isso faz com que se confunda adoração com música. Adorar é muito mais! É viver para Deus! Nossa vida é um culto,

e a música e a celebração devem ser expressões da totalidade de nossas vidas. Essa noção, esse compromisso com Deus se enfraquece com o grande crescimento numérico da igreja brasileira. A facilidade e a aceitação contribuem para que a fé seja mais fraca, menos comprometida. Ser cristão não é nada fácil em cenários de perseguição, mas a fé é mais genuína. Nosso desafi o é grande, pois o Brasil está sendo evangelizado e ser crente começa a dar status. Pode

ser que muitos caiam na tentação de uma conversão apenas da boca pra fora, o que não traz qualquer louvor a Deus.”

Ana Paula Valadão Bessa Pastora e líder do Ministério de Louvor Diante do Trono

“Adorar é ter uma vida inteira dedicada a beijar Deus entre seus olhos, com respeito, como o fi lho beija o pai. Adorar é reviver o Éden no mundo, uma atmosfera espiritual em que Deus se faz presente; é também obedecer e manifestar o reino ao próximo.

Para tanto, é preciso intimidade com a Palavra. Particularmente, não gosto da tipologia que compara cantores e músicos a levitas. Para esse tempo, isso não nos cabe. As pessoas têm muito medo de usar a palavra ‘artista’, mas o Salmo 33.3 nos manda cantar um cântico novo e tocar bem e com arte. Diante da música, somos artistas; diante da vida profi ssional como um todo, somos adoradores. Em Jesus Cristo, para sempre reis e sacerdotes.”

Fernanda Brum Pastora, cantora e líder do Ministério Profetizando às Nações

EMPOLGADO COM O FESTIVAL, o cantor Fernandinho comemora: “Temos toda a liberdade para ministrar a Palavra, e isso é uma grande vitória”

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“É urgente que tenhamos canções que tragam edifi cação, com mais da Palavra de Deus e menos autoajuda no conteúdo. Se Jesus é o fundamento, por que cantamos mais sobre nós mesmos do que sobre ele? Precisamos ajustar nosso foco, e

um dos momentos mais importantes para se fazer isso é durante a adoração comunitária. Muitos, às vezes, assistem aos cultos com mentalidade de entretenimento. O ministro de louvor precisa ser sensível ao Espírito Santo e às necessidades do lugar. Houve ocasião em que Deus me levou a trazer mensagem antes mesmo de louvar. Então, as coisas fl uíam e as pessoas se rendiam diante da presença do Senhor.”

Nívea SoaresCantora e ministra de louvor

adoração bíblica. Não gosto da tipologia que compara cantores e músicos a levitas. O ministério levítico era imperfeito e foi abo-lido na cruz. Hoje, todos devem chegar a Deus, por meio do sacri-fício defi nitivo de Jesus, que nos transforma em reis e sacerdotes da nova aliança”, defende a pas-tora e cantora Fernanda Brum. Ela não é a única a acreditar que a vida do adorador, independente de ser cantor e famoso, deva ser um culto a Deus. Jorge Camargo, músico e compositor, critica os que tentam reduzir a questão a uma performance coreográfi ca, doutrina religiosa ou até a um

modo de se fazer arte. “O louvor e a adoração deverão se manifestar no chão da vida ou perderão o sentido. Devemos contemplar a Deus, deixar que ele nos transforme para que possa-mos expressar a mudança na forma de serviço ao próximo”, ressalta.

Todo esse debate ganha força por conta do papel da música como instru-mento de adoração. Uma das declara-ções mais fortes dos Salmos, a coleção de cânticos bíblicos, é de que Deus habita no meio dos louvores. Mesmo que na história a pregação seja o ponto central do culto cristão, nos últimos tempos a música vem ganhando mais e mais holofotes. “A responsabilidade do ministro de louvor é imensa, e é urgente que tenhamos canções que tragam edi-fi cação, com mais da Palavra de Deus e menos autoajuda no conteúdo. Se Jesus é o fundamento, por que cantamos mais sobre nós mesmos do que sobre ele?”, questiona a cantora Nívea Soares.

No culto ou no show? Parece uma pergunta estranha, mas diante do sur-gimento de megaigrejas e de reuniões para milhares de pessoas, não dá para deixar de notar que muitas vezes essa edifi cação é trocada pelo entreteni-mento. “Creio que há lugar para as duas coisas. Muitos cantores são tam-bém artistas e podem apresentar sua arte em shows, até usá-los para levar a mensagem do Evangelho, trazendo sensibilização e refl exão. A celebra-ção comunitária tem espaço para as

artes, mas numa perspectiva de servi-ço”, observa Jorge Camargo. Só que apenas repensar a transformação de cultos em grandes espetáculos, ten-dência que as igrejas brasileiras vêm copiando de fora, não é sufi ciente. “Além de valorizar os ritmos, estilos e riquezas que Deus nos tem dado por aqui, devemos entender que adoração não é um estilo musical e, sim, um estilo de vida. O púlpito não pode ser transformado em palco. Ele é um altar”, lembra o também músico e compo-sitor Asaph Borba.

A arte costuma mesmo suscitar polêmica. E as melodias tanto podem agitar como conter âni-mos. Isso acontece desde o início da música evangé-lica no Brasil. Quando os primeiros protestantes eu-ropeus chegaram ao país,

ainda nas primeiras décadas da colonização portuguesa, eles costu-mavam cantar em pequenos grupos ou individualmente, louvando a Deus em suas línguas pátrias. Vez ou outra, até experimentavam o poder do Altíssimo. Foi exatamente o que salvou o viajante e cronista alemão Hans Staden.

REGIS DANESE, AUTOR de Faz um Milagre em

Mim, sucesso em rádios cristãs e seculares

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Mercenário de guerras, seu navio naufragou próximo ao li-toral brasileiro. Resgatado pelos portugueses em São Vicente (SP), recebeu a função de artilheiro no Forte de São Filipe da Bertioga. Em 1554, enquanto procurava na selva por um serviçal que tinha ido caçar, Staden foi capturado pelos índios tupinambás. Passou

meses como prisioneiro e por pouco não foi comido em um ritual antro-pófago – a tribo era canibal. O que o livrou foram seus cânticos, como o Salmo 130 – Das Profundezas Clamo ao Senhor –, musicado por Martinho Lutero. Embora não compreendessem, os índios gostaram das composições, a ponto de exigirem que ele cantasse e lhes explicasse o signifi cado das letras.

O cronista também recitava trechos bí-blicos e orava em voz alta, deixando os nativos amedrontados. Depois de adquirir respeito e aprender a língua tupinambá, auxiliado por navegadores franceses que faziam comércio com os índios, ele retornou à Europa.

Mas o que daria força à música se-ria a constituição das primeiras igrejas evangélicas em terras nacionais. Por meio delas, muito antes que se inicias-se a ditadura dos projetores nos cultos, pequenos compêndios foram adotados em suas reuniões. Os hinários ajuda-vam a padronizar as celebrações e caracterizavam a liturgia nos moldes protestantes. O primeiro deles foi Sal-mos e Hinos, publicado em 1861 pelo casal de missionários Robert e Sarah Kalley, pioneiros da Igreja Congre-gacional. Totalmente em português, trazia 50 hinos, sendo 18 salmos e 32 composições. Depois, veio o Cantor Cristão, em 1891, com apenas 16 hinos. Os pentecostais lançariam seu próprio material apenas em 1921. O Cantor Pentecostal, editado pelo pas-tor Almeida Sobrinho, apresentou 44 hinos e dez corinhos. No ano seguinte, a primeira edição da Harpa Cristã surgiu no Recife (PE), sob orientação editorial do pastor Adriano Nobre.

Naquele começo de século 20, a polêmica já envolvia a tecnologia

“O contexto musical evangélico sofreu um processo de industrialização, e nós somos conhecidos por nossa subserviência a pacotes culturais enlatados. Isso me angustia. Há alguns compositores numa igreja dessas, do nosso

tamanho, que leem sua realidade e a traduzem em canção. Ainda sou do tempo quando, na TV, ao fi nal do programa evangélico, o apresentador dizia: ‘Se você gostou do que ouviu, procure uma igreja mais próxima de sua casa’. Hoje, isso é inimaginável; seria como fazer marketing ao contrário. Na música, o que vale é aquilo que a gravadora quer e não o que brota do coração do artista. Isso é nocivo para quem faz arte, e para quem a aprecia. Ainda assim, penso que não há uso correto ou incorreto do louvor e da adoração. É uma experiência vertical, mas desemboca na horizontal, no serviço ao outro. Ou se manifesta no chão da vida

ou se transforma em outra coisa.”

Jorge CamargoAdministrador de empresas, músico, professor, tradutor e escritor. É, também, mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

PARA ANA PAULA VALADÃO BESSA, quem dá a nota é a Bíblia; e para Asaph Borba o púlpito não pode ser transformado em palco

FERNANDA BRUM: “Precisamos resgatar a essência da adoração bíblica”

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e não acontecia somente no meio religioso. As gravações eram abominadas pelos mais conservadores, a ponto de se de-monizar cilindros fonográficos e, posteriormente, as vitrolas. “Essas máquinas falantes vão arruinar o desenvolvimento artístico da música”, protestou o maestro John Philip Sousa, nos Estados Unidos, em 1906. Nada, nem mesmo a alcunha de “máquinas infernais” impe-diu que, ainda em 1901, fosse gravada pela primeira vez uma

música evangélica no Brasil. A fa-çanha coube ao presbiteriano José Celestino de Aguiar, de São Paulo, que reuniu seus familiares e os do reverendo Bellarmino Ferraz para formar um quarteto e gravar Se nos Cega o Sol Ardente, do hinário Sal-mos e Hinos. O lançamento dos pri-meiros discos ficou a cargo do coro da Igreja Evangélica Fluminense, a mesma levantada pelo casal Kalley, isso em 1912.

Enquanto muita gente ainda discute se certos ritmos são ou não apropriados a cultos, nas primeiras

décadas do século passado proibido mesmo eram instrumentos como o violão e a guitarra elétrica, chama-dos até de profanos, e hoje dois dos mais comuns na maioria das reuni-ões evangélicas. As barreiras come-çaram a cair no meio pentecostal. As campanhas de curas promovidas em

“SE JESUS É O FUNDAMENTO, por que cantamos mais sobre

nós mesmos do que sobre ele?”, questiona Nívea Soares

NA DÉCADA DE 1960, Luiz de Carvalho escandalizou os crentes tradicionais

com seu violão, instrumento até então considerado profano

““A música cristã está inserida em um grande mercado e movi-menta milhões de reais. Tem mais gente interessada no aspecto lucrativo do que no ministério e serviço. Porém, culto e show não combinam. Para um ministro, culto é no altar, nunca em

palco. Só que muita gente está achando que adoração é um estilo de música, e não um estilo de vida.”

Asaph BorbaCompositor, músico, cantor e fundador do Ministério Life

“Há distorção no conceito de adoração, e um pouco da culpa é de várias lideranças e ministérios que pregam que nós temos que dar a Deus para receber, dele, algo de volta. Louvor é outra coisa; é reconhecer que Jesus é o

Senhor de sua vida, é desfrutar de sua presença espiritual. Não vejo problemas em fazer shows se forem para glorifi car a Deus por meio do talento do artista. Entretanto, culto é diferente; mais do que apresentação, é uma reunião com envolvimento de todos. Tudo que é feito, do louvor ao trabalho do diácono, à pregação e ao serviço daquele que limpa o templo, é para Deus. Infelizmente, além de confundir conceitos, as pessoas parecem mais preocupadas em adorar umas às outras do que a Deus durante os cultos. Alguns já se tornaram espetáculos em que os presentes choram e se emocionam, mas não há nada espiritual. Tudo não passa de sentimentalismo puro e idiota.”

João Alexandre SilveiraViolinista, cantor, compositor, arranjador e produtor musical

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tendas pelos missionários nor-te-americanos Harold Willians e Raymond Boathrigt acende-ram o fogo do Espírito nos anos 1950 e introduziram nos cultos as guitarras, moda já entre os crentes norte-americanos, que a importaram do meio country. Depois, na década de 1960, foi

a vez de Luiz de Carvalho escanda-lizar os mais tradicionais cantando hinos em ritmo de bolero e marcha, e tocando violão, o instrumento da boemia. Por sua vez, os de percus-são, como bateria, ainda demora-riam um pouco mais para galgar espaço nos trabalhos santos.

A música cristã contemporânea sur-

“O meu show é um culto ao Deus Todo Poderoso por meio do Senhor Jesus, no poder do Espírito Santo. Nunca devemos transformar o púlpito em palco, mas transformar o palco em púlpito. Nos shows em que participamos

Brasil afora, temos manifestações de curas, milagres e salvação. Adoração é tudo que você faz, fala, canta a Deus; louvor é tudo que você faz, fala e canta a respeito de Deus. Mas para adorar é necessário sacrifício. Toda vez que um israelita subia a Jerusalém para adorar, ele levava consigo um sacrifício, uma oferta ao Senhor. Nosso sacrifício, hoje, é a entrega de tudo que somos, fazemos ou desejamos a Deus.”

Antônio Cirilo Pastor, cantor e missionário. É, também, fundador e líder do Ministério Santa Geração, da Igreja Batista de Contagem (MG)

giu na Califórnia, Estados Unidos, na década de 1960, por meio de um avi-vamento jovem chamado Jesus Move-ment. A partir daí, espalhou-se pelo mundo e chegou ao Brasil bem antes do nome gospel, que por aqui só seria adotado nos anos 1990. Não por causa de suas raízes na música negra do sé-culo passado, mas por uma jogada in-teligente de marketing para impulsio-nar o grande negócio que fl orescia em torno da música. Hoje, é impossível saber o tamanho exato desse mercado. Há quem fale em centenas de milhões, até bilhões de reais por ano, mas os números carecem de base real, uma vez que pouquíssimas gravadoras do setor são fi liadas à Associação Brasi-leira de Produtores de Discos (ABPD) e muitos dados divulgados não são confi áveis. O que se pode dizer, no en-tanto, é que, por conta de tantos discos de ouro, platina e diamante, e devido a estudos sérios realizados, o segmento gospel está entre os mais promissores do mercado fonográfi co nacional, com um volume de vendas superado apenas pelo gênero pop/rock.

Diante desse quadro, quem não quer se dar bem? O resultado é uma série de modismos e louvores pas-teurizados, e haja pessoas cantando sobre o “rio de Deus”, o “mover das águas” e o “poder do adorador”. Não por inspiração, mas porque dá resul-tados. “Não tenho nada contra shows ou venda de discos. A arte deve ser reconhecida e valorizada. Mas só quem canta adora a Deus? De forma alguma. Cada pessoa que contribui de qualquer maneira num culto está adorando: quem prega, quem fi ca na porta e quem limpa o banheiro. E não somente com palavras, mas com a vida. Para acertar o tom, precisamos viver para Deus. Já participei de ce-lebrações emocionantes, em que pes-soas choravam copiosamente, mas era tudo sentimentalismo vazio. Nada de mudança de vida”, observa o músico e cantor João Alexandre Silveira.

Por conta do crescimento acelera-do das igrejas nesses últimos anos, valores foram esquecidos e a volta à Palavra é essencial. Nesse sentido,

“Fala-se muito atualmente em modismos, em infl uência do estilo estrangeiro sobre nossa música. É uma consequência da globalização, e eu não vejo como modismo, mas modernização. Ninguém quer fi car para trás, e muita gente

se rendeu ao Senhor por causa desses estilos modernos. A realidade é que temos que dar o melhor para Deus, e a adoração é a maneira

mais sublime de se chegar a ele. Não vejo a música como negócio, ainda que muitos façam essa confusão ao comercializar produtos cristãos. A Bíblia diz que onde dois ou três estiverem reunidos em seu nome, ele estará no meio. Independente do lugar para onde vou, procuro levar essa passagem a sério para adorá-lo e sentir sua presença.”

Lauriete Rodrigues de AlmeidaDeputada federal, cantora e fundadora da Praise RecordsD

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Desde os tempos do saudoso Troféu Talento, não se via

tanto glamour em um evento evangélico quanto houve na noite da terça-feira, 29 de novembro, no Rio de Janeiro. Depois de 1600 trabalhos avaliados e 5 milhões de votos, foram premiados os grandes vencedores do Troféu Promessas. Entre eles, destaque para o grupo batista Diante do Trono. Indicado em quatro categorias, a banda ganhou como Melhor DVD/Blu-Ray e Melhor Ministério de Louvor. “Ganhar o prêmio foi especial para mim, pois todos os anos procuramos lugares do Brasil onde se realizam as grandes festas populares, justamente para celebramos Jesus. Aleluia, com o qual fomos premiados, foi gravado em Barretos, mesmo local da grande Festa do Peão de Boiadeiro”, disse Ana Paula Valadão Bessa, líder do ministério, completando com uma avaliação da premiação: “Conseguimos transmitir aqui a verdadeira motivação da nossa música, que é louvor, agradecimento e oração”.

O Melhor CD foi Diamante, de Damares, e a Melhor Música foi Sou Humano, de Bruna Karla. A escolha da melhor canção também foi acompanhada por um dos momentos mais curiosos da noite. Seguindo instruções do ator Eriberto Leão, apresentador da cerimônia, os indicados

na categoria tiveram que procurar o envelope com o nome do ganhador embaixo das cadeiras que ocupavam. “Eu pensei: ‘Nem vou olhar, não vou ganhar mesmo’. Porque cresci ouvindo a Aline Barros, a Ana Paula,

a Fernanda Brum, que eram algumas das minhas concorrentes. São pessoas que admiro desde que comecei a cantar. Então, achava que não teria chance. Só fui procurar quando percebi que ninguém havia encontrado. E comecei a chorar”, conta a

A noite de gala do louvor

ACIMA, ANA PAULA VALADÃO BESSA recebendo o prêmio; e, abaixo, Asaph Borba, o “pai do canto congregacional brasileiro”

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A noite de gala do louvorcantora de 22 anos, que havia se apresentado com a canção no início do evento.

Também presentes, importantes nomes do esporte animaram a festa. O goleiro Jefferson, do Botafogo e da Seleção Brasileira, chamou ao palco o cantor Thalles Roberto, que apresentou a música Deus da Minha Vida e recebeu o prêmio na categoria Revelação. Já a tricampeã mundial de caratê, Maria Cecília de Almeida Maia, a Ciça, mostrou muito bom humor quando perguntada se existe perdão para o adversário que a acerta durante o combate. “Há um versículo na Bíblia bastante apropriado para esse caso: ‘Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber’”, brincou a atleta, aplaudida pela plateia.

A maior emoção, no entanto, ficou reservada para o final. Asaph Borba, chamado pelos organizadores de “pai do canto congregacional brasileiro”, recebeu um prêmio especial por seus trinta e cinco anos de carreira e mais de 70 discos gravados. Em seguida, foi exibido um vídeo com fotos e depoimentos de amigos e familiares do veterano artista. “Quero agradecer frisando as cinco alianças que devemos manter na vida: com Deus, com a igreja, com os pastores, com a família e com o chamado do Senhor”, destacou Asaph.

A GEO Eventos já garantiu a segunda edição do Troféu Promessas para 2012. Quem sabe, com mudanças que

permitam melhor participação de cantores e bandas independentes. Um justo desejo e uma necessária necessidade da música cristã brasileira que não pode se limitar às grandes gravadoras. (Como reportagem do G1)

Veja a lista completa dos vencedores do Troféu Promessas:

MELHOR VIDEOCLIPEPavão Pavãozinho – Fernanda Brum

MELHOR CDDiamante – Damares

MELHOR DVD/Blu-RayAleluia – Diante do Trono

REVELAÇÃOThalles

MELHOR GRUPOTrazendo a Arca

MELHOR MINISTÉRIO DO LOUVORDiante do Trono

MELHOR CANTORAndré Valadão

MELHOR CANTORAAline Barros

MELHOR MÚSICASou Humano – Bruna Karla

HOMENAGEMAsaph Borba

NÃO DIGO QUE TEMOS QUE acertar o ‘tom’, mas acertar o ‘passo’, aponta Antônio Cirilo

nada melhor do que recorrer ao que disse o próprio Jesus no ca-pítulo 4 do Evangelho de João: “Deus não quer adoração. Ele procura adoradores. Gente que o sirva em espírito e em verdade”. O pastor batista Antônio Cirilo, líder do Ministério Santa Geração , de Belo Horizonte, gosta de lembrar essas palavras em suas apresen-tações. Ainda que seja quase um clichê para os crentes, para ele é a única forma de garantir a afi na-ção dos adoradores brasileiros. Ou como costuma dizer: “A mú-sica é apenas um pretexto para nos entregarmos totalmente a ele. Não digo que temos que acertar o ‘tom’, mas acertar o ‘passo’. Só assim poderemos nos aproximar de Deus, não o honrando apenas de boca, mas de coração, como ele pede em Isaías 29.13 a 15”. Com o Troféu e o Festival Promessas, nada melhor do que aproveitar as novas portas que se abrem para a música evangélica brasileira, e mostrar à sociedade, não somente o talento musical, mas principal-mente a afi nação cristã.

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Helena Tannure é escritora, conferencista e apresentadora do programa Bate-Papo, da Rede Super de Televisão (Igreja Batista da Lagoinha)

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L U G A R D E M U L H E R

A mulher doséculo 21

“Amorosas, sensíveis,

dispostas e habilidosas,

elas [mulheres] são capacitadas

pelo próprio Deus para

cumprirem, em plenitude, sua vocação e

propósito”

Como mulheres do século 21, somos convocadas

a usufruir do legado deixado pelo movimento feminista. Estudar, trabalhar, ser bem-sucedida em nossas atividades profissionais, conquistar a independência emocional, financeira e sexual; e, definitivamente, resistir ao “domínio” masculino. Somos encorajadas a nos mostrar melhores do que os homens, e brigar para mantermos assegurados os mesmos direitos que eles. Depois da queima de soutiens – manifestação feminista ocorrida em 1968 contra a exploração comercial da beleza feminina, por ocasião da eleição da Miss América Jordi Ford, em Atlantic City –, da criação da pílula anticoncepcional e da consequente liberação sexual, recebemos também outras heranças: o aumento das doenças sexualmente transmissíveis, a prática

passos, de testemunharem as primeiras palavras e experiências de seus filhos. Isso quando não abrem mão da maternidade; tudo, claro, em nome da carreira profissional. Muitas, por necessidade absoluta; outras, por terem sucumbido a um estilo de vida que competem e ostentam.

A mulher passou a ter múltiplos parceiros, e muitas fazem incursões na promiscuidade. O número de portadoras do vírus HIV aumentou significativamente. Mulheres, antes musas que inspiravam os poetas, hoje são chamadas nas canções de cachorras, “popozudas” e outros termos imencionáveis usados por compositores do nosso tempo, além de serem colocadas no mesmo nível dos objetos de consumo.

A mulher do século 21 sofre violência doméstica, e milhares são assassinadas pelos companheiros ou maridos. Ela usa a beleza

do aborto e a superficialidade dos relacionamentos, que se tornaram descartáveis.

A mulher do século 21 tem dupla jornada de trabalho.

Muitas, após a amamentação, sentem-se pressionadas e acabam renunciando à convivência e proximidade com seus bebês, delegando a babás, berçários, maternais ou creches a alegria de assistirem aos primeiros

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Helena Tannure é escritora, conferencista e apresentadora do programa Bate-Papo, da Rede Super de Televisão (Igreja Batista da Lagoinha)

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de suas formas para atrair admiração e aceitação, e sensualidade como arma de conquista, desconhecendo as densas trevas e influências satânicas que estão atraindo para seus relacionamentos afetivos.

Temos assim o retrato da mulher que escolheu viver a vida à sua própria maneira, ignorando o prumo da Palavra de Deus! Contudo, o Senhor dotou o ser feminino de muitas qualidades. Amorosas, sensíveis, dispostas e habilidosas, elas são capacitadas pelo próprio Deus para cumprirem, em plenitude, sua vocação e propósito.

Diante dessa certeza, outra mulher vem à minha mente:

aquela descrita em Provérbios 31. Tal descrição renova minha esperança e firma meu coração na doce realidade de que a mulher que se volta para o Criador encontrará nele seu verdadeiro valor! “Abre a mão ao aflito; e ainda a estende ao necessitado” (Pv 31.20). “Fala com sabedoria, e a instrução da bondade está na sua língua. Atende ao bom andamento da sua casa e não come o pão da preguiça” (Pv 31.26-27). “Enganosa é a graça, e vã, a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada” (Pv 31.30). Um breve vislumbre de uma mulher excelente. Dinâmica, inteligente, fiel, dedicada, sábia em suas escolhas e em suas palavras. Mulher que tem

em seu caráter o reflexo de sua mais acertada decisão: obedecer a Deus.

Que encontremos o nosso lugar! Não nos dobrando ou, tampouco, conformando-nos ao século em que vivemos, mas resistindo e assumindo nossa verdadeira vocação de cabeça erguida e visão ampliada. Que os interesses egoístas, que têm arruinado famílias inteiras, cedam lugar e que nossos corações se voltem para o cuidado de pessoas; aquelas que o próprio Deus nos confiou, e quantas mais ele colocar diante de nós. Que sejamos encontradas rendidas a ele em submissão, fé e em firme resistência e oposição às mentiras de nossos dias.

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Lourenço Stelio Rega é teólogo, eticista e escritorLourenço Stelio Rega é teólogo, eticista e escritor

O B S E RVAT Ó R I O

Templo é dinheiro!

“Muitos que caíram no

‘conto do pastor milagreiro’ já

estão acordando para a realidade

e procurando igrejas sérias que anunciam a verdade da

Palavra de Deus”

O que temos visto no ambiente religioso atualmente é de

assustar. Deus, de Senhor, foi transformado em servo, garçom para atender aos desejos de uma classe média envolvida em dívidas, em insucesso nos negócios; ou à classe de menores condições financeiras que deseja ascender ao nível superior; ou ainda pessoas que se encontram em conflito espiritual ou amoroso. Essa façanha tem sido germinada pela pregação da teologia da prosperidade nos templos especialmente neopentecostais, que querem trocar os favores divinos por “sacrifícios” – codinome para dinheiro – a serem depositados no altar dos milagres.

Promete-se satisfação garantida e, se não der certo, o dinheiro não será devolvido, pois a culpa é do “pedinte” espiritual que não teve fé suficiente. O que lhe resta é continuar contribuindo para o caixa da igreja para agradar a divindade. Aliás, os pregadores desses agrupamentos declaram que conhecem as estratégias da fé e sabem como colocar Deus para trabalhar por você, desde que haja, claro, o pagamento pela respectiva prestação de serviços aos

tais despachantes do céu. O objetivo desses pregadores nos templos de arrecadação de dinheiro fácil não é levar as pessoas ao arrependimento, nem à conversão, muito menos a uma vida aos pés do Mestre, mas tirar dinheiro do bolso do “cliente” que confia no taco do milagreiro para libertá-lo do sufoco.

Templos são construídos com suntuosidade que estimulam ao sucesso os que buscam socorro material e financeiro para seus fracassos, ou mesmo que buscam amparo às suas frustrações amorosas, emocionais, psíquicas, relacionais e até espirituais. Nesse caso, o diagnóstico é que eles estão com algum encosto ou praga maldita, e necessitam

de “desencapetamento” ou participação em alguma sessão de descarrego para serem libertos. Nisso, a arruda e o sal têm seus significados simbólicos invertidos para limpar e depois “fechar o corpo” do pobre coitado, que vai deixar no caixa da igreja seu pobre dinheirinho como paga pelos “serviços espirituais”.

Esses pregadores espertalhões se utilizam da Bíblia manipulando textos e tirando-os de seu contexto. Até quando nosso povo vai ser ludibriado e enganado por esses espertos “profetas”? Muitos que caíram no “conto do pastor milagreiro” já estão acordando para a realidade e procurando igrejas sérias que anunciam a verdade da Palavra de Deus e a libertação de Jesus mediante o arrependimento.

Ainda há líderes preocupados com o volume do ajuntamento desses templos de Mamon, mas se esquecem de que a porta do céu é estreita. Nosso compromisso é mostrar às pessoas o Evangelho puro e simples, sem mazelas; levá-las a viverem a vida abundante (Jo 10.10) aos pés do Mestre, vivendo para a alegria e glória de Deus e compreendendo que alimento e vestuário já são suficientes para que se sintam realizadas (1Tm 6.8). O restante é bênção pura, sem mistura.

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Lourenço Stelio Rega é teólogo, eticista e escritor

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A Ç Ã O S O C I A L

Se é para fazer o bem, que seja bem feito

JOSÉ DONIZETTI MORBIDELLI

Foi em Porto Feliz, pequeno município paulista, que nasceu Otoniel de Campos Mota, em

16 de abril de 1878. Ordenado pastor em 1903 pelo Seminário Teológico Presbiteriano, ele se tornou um dos mais importantes líderes evangélicos de seu tempo, participando ativamente da fundação da Primeira Igreja Presbi-teriana Independente de São Paulo, a qual dirigiu por nove anos – de 1923 a 1932. Exerceu, ainda, as funções de professor de literatura luso-brasileira, fi losofi a e de teologia; diretor da Bi-blioteca Pública do Estado; e fez parte de importantes instituições, como a Sociedade de Estudos Filológicos, o Instituto Histórico de São Paulo e a Academia Paulista de Letras. Entre-tanto, foi à atividade humanitária que ele dedicou praticamente toda a sua vida. Na década de 1920, sensibili-zado com a doença da fi lha – tuber-

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culose, ou “peste branca” como era chamada – e de muitas outras vítimas acometidas pela mesma moléstia, transformou-se num dos pioneiros no desenvolvimento de trabalhos sociais, fundando o Orfanato Betel de Cam-pinas e a Vila Samaritana da AEB de São José dos Campos. Surgia, então, o embrião do que é hoje uma das mais importantes e atuantes entidades evangélicas de ajuda ao próximo, cujos trabalhos estendem-se para diversas áreas: educação infantil, for-mação musical, atendimento a idosos, inclusão digital, profi ssionalização, atividades esportivas, saúde, enfi m, setores que, teoricamente, deveriam ser de responsabilidade de órgãos públicos. O pastor Otoniel faleceu em agosto de 1951, aos 73 anos, mas seu legado permanece, e a AEB continua transformado milhares de vidas, tanto socialmente como espiritualmente.

Grande e bonita propriedade, com pomar, granja e horta, regada de muita tranquilidade, ideal para a re-

cuperação de dezenas de enfermos – a maioria, evangélicos sem recursos. Assim era, nas primeiras décadas, a Vila Samaritana. A preocupação, no entanto, não estava voltada somente à saúde do corpo, mas também ao engajamento espiritual; pois, nunca é demais relembrar o popularizado provérbio latino “mens sana in cor-pore sano” – ou, mente sã em corpo são. Como premissa para os cuidados da alma, ali mente sã também era sinônimo de evangelismo, tanto que cultos eram realizados diariamente, além das sessões semanais regulares, sempre ministradas por eloquentes pregadores.

O trabalho da AEB ganhava no-toriedade perante a sociedade e, de carona na Constituição de 1937, que garantia maior proteção social aos cidadãos, os dirigentes propuseram a ampliação do atendimento; além das vítimas da “peste branca”, também eram atendidas crianças – o Lar da Infância teve início na Avenida Angé-

FAZER O BEM E BEM FEITO: trabalho da AEB benefi cia milhares de pessoas em diversas áreas, como educação, esporte, saúde, cultura e inclusão social

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Por meio de parcerias com organizações

públicas e privadas, como o Mackenzie,

AEB desenvolve diversos projetos humanitários e se torna referência

entre as entidades sociais evangélicas

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lica, em São Paulo, onde hoje funciona a sede administrativa da entidade – e idosos. Com isso, a AEB começava a se descentralizar, passando a adminis-trar outras instituições – aliás, antes também geridas por associações cris-tãs –, como o Sanatório Ebenezer de Campos do Jordão, a partir de 1940, e o Hospital Evangélico de Sorocaba, dois anos mais tarde, cujo prédio foi totalmente reconstruído e equipado. Com o tempo e, por circunstâncias diversas, alguns centros foram sendo repassados a outros gestores admi-nistrativos, públicos ou privados. No entanto, o hospital, em Sorocaba, per-manece com a AEB.

Comemorações – Nety Souza, 23 anos, cursa cinesiologia – ciência que estuda os movimentos do corpo humano – em Midland, Texas, e joga na liga feminina de basquete. A pai-xão pelo esporte começou há cerca de dez anos, quando ela se integrou à equipe de handebol da AEB, no Capão Redondo, bairro pobre de São Paulo. Devido à sua altura, logo se transferiu para o bas-quete e viu surgirem as primeiras oportunidades

de ascensão profissional, começando pelo time de Santo André. Em visita ao Brasil, um treinador norte-ameri-cano descobriu seu talento e a indi-cou para a direção do Midland, onde ela foi prontamente aceita. E depois de superar todos os desafios, princi-palmente a saudade de viver longe da família, ela fala com propriedade aos que buscam uma oportunidade na vida: “Se você realmente tem um sonho vá em frente, não desista. É mais fácil ir e tentar do que olhar para trás e perceber que nunca ten-tou”, diz, em tom filosófico.

A história de Nety é apenas mais uma entre as muitas que só se torna-ram reais graças à ajuda humanitária da AEB e, claro, com o comprome-timento dos envolvidos. Por isso, também, que o trabalho realizado pela entidade continua fi rme e forte. Atualmente, são mais de mil crianças distribuídas em seis centros de educa-ção infantil; dezenas de idosos viven-do em regime residencial; centenas de adolescentes envolvidos com ativida-des esportivas ou de aprendizagem musical – dali surgiu a orquestra Criar &Tocar –; jovens matriculados em cursos de formação profi ssional; além de trabalhos junto a moradores de rua em programas de reintegração social. Tudo isso, com a devida orientação cristã, mas sem qualquer discrimina-ção. “A AEB atende sem distinção de crenças, nível socioeconômico, nacionalidade, idade ou sexo. Isso, de forma gratuita e oferecendo elevados padrões de qualidade na garantia da defesa dos direitos civis e sociais”, esclarece o secretário executivo da entidade, Paulo Soares Cintra.

No dia 9 de setembro, a AEB completou 83 anos de fundação, data comemorada com uma série de even-tos: cultos de ação de graças, feijoada, apresentação musical e banquete para mais de 200 convidados. Além da di-retoria, o jantar contou também com a presença de importantes líderes evan-gélicos e da política, como o reverendo Roberto Brasileiro, presidente do Su-premo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil; Hesio Maciel, presidente do Instituto Presbiteriano Mackenzie; o vereador Marco Aurélio Cunha (PSD); e representantes dos deputados peesedebistas Fernando Capez, Vaz de Lima e Carlos Alberto Bezerra Jr., todos evangélicos. “As comemora-ções foram repletas de bênçãos, e o jantar marcado por alegria, amizade, camaradagem e companheirismo”, revela Paulo Soares, que considera im-portante a presença de parlamentares nos eventos e ações angariadas pela entidade. “A participação de represen-tantes do poder legislativo expressa a forma legítima com que a AEB vem exercendo seus propósitos, que é tor-nar-se referência na elaboração e ges-tão de programas de interesse público que buscam desenvolver e emancipar pessoas como sujeito de direitos à luz dos valores humanos universais e dos princípios cristãos”, esclarece.

Em tempos em que a política anda desacreditada e a iniciativa de entida-des fi lantrópicas nunca esteve tão em evidência, que mal há nessa união se é para o bem comum? Que seja, então, bem feito.

PRIMEIRA IGREJA PRESBITERIANA Independente de São Paulo: fundação

contou com esforços de Otoniel Campos Mota, idealizador da AEB

EQUIPE DO MIDLAND, da liga feminina de basquete

norte-americano

ANIVERSÁRIOS DA AEB: comemorações no presente e no passado

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S O C I E D A D E

Abusos sexuais e casos de pedofi lia também adentram

as paredes eclesiásticas,

fazendo muitos líderes, inclusive

evangélicos, adotarem silêncio velado para zelar pela imagem da denominação

Pedofi lia na igreja: como combater esse mal?

CIBELE LIMA

“Eu não queria, mas não sabia o que fazer.” É com os olhos lacrimejados que a constran-

gida Tereza – nome fi ctício – relembra tudo o que aconteceu durante o tempo em que foi abusada sexualmente. E o pior: garotinha ainda – ela tinha apenas 7 anos –, e por um líder de sua própria igreja. Filha de pais evangélicos e, na época, fre-quentadora de escola dominical, Tereza conta que a abordagem era feita com pro-messas de doces e brinquedos; ou seja, da forma mais primitiva possível e que difi cilmente passa incólume aos olhos de uma criança inocente, principalmente quando a família não tem condições de fazer os “gostos” dos fi lhos. “Apesar das poucas recordações que tenho da infân-cia, alguns episódios continuam fi rmes em minha memória. Ele me explorava oferecendo doces, pagando passeios, comprando tênis e roupas – chegou até a me dar uma bicicleta e a me ensinar a an-dar –, coisas que meu pai não podia fazer por falta de dinheiro e tempo”, relata ela, salientando que nada daqueles mimos

eram gratuitos. “Só eu sabia o preço de toda aquela atenção”, complementa.

Foram mais de três longos anos de abusos, que deixaram a menina totalmen-te confusa e sem qualquer discernimento sobre a melhor maneira de agir. Sabia ela, mesmo tão novinha, que aquilo não era correto; só que, ao mesmo tempo em que não queria que a situação continuasse,

tinha medo de contar aos pais e ser pu-nida. Sentia-se desamparada. “Eu tinha medo do jeito que ele me olhava. Por isso, quando me mandava ir para alguma sala vazia da igreja, eu simplesmente obedecia. Ficava sem reação, uma está-tua, enquanto ele perguntava se eu estava gostando”, prossegue, cheia de angústia.

A história de Tereza está longe de

VÍTIMA DE ABUSOS NA INFÂNCIA de líder de sua própria igreja, evangélica relata o que aconteceu e cobra maior comprometimento dos religiosos em casos de violência sexual

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Pedofi lia na igreja: como combater esse mal?

THIAGO TORRES, DIRETOR da Makanudos de Javeh: “Como tratar da pedofi lia, que é uma doença, sem abordar a sexualidade?”

ser a única a acontecer entre as paredes da igreja. Pelo contrário; e, mesmo que pareça estranho – até inadmissível em se tratando de pessoas que afi rmam “ter Deus no coração” –, essa situação é mais comum dos que muitos possam imaginar. Aproveitando-se da confi ança comumen-te estabelecida “entre irmãos”, a explora-ção infantil é, sim, um mal que adentra as paredes eclesiásticas. Contudo, nota-se um silêncio velado das próprias lideran-ças religiosas com o intuito de preservar a imagem da denominação, e muitas vezes o que se confi gura como crime e deve ser denunciado, acaba sendo apaziguado e, com o tempo, caindo no esquecimento. Não, entretanto, para as vítimas.

Na ocasião a menina preferiu se calar e se não chegou, de fato, a ser estuprada, foi, segundo ela própria, devido à sua pouca idade e graças à amizade estabe-lecida com um grupo de jovens que a fez descobrir que ela não estava sozinha, mesmo que ainda lhe faltasse coragem para relatar o que havia passado. Isso, já na pré-adolescência.

Amigos de Deus – De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), pedofi lia é uma doença psicológica, um desvio sexual que leva o indivíduo a ter

desejos e fantasias eróticas com crian-ças. Membro da Igreja Batista de Santo André, Ana Paula de Ângelo Guimarães afi rma que o diagnóstico para tratar me-nores, vítimas desse tipo de violência, é muito delicado, pois eles não falam abertamente. “Na maioria dos casos a criança é encaminhada, primeiramente, a um psicólogo para tratar de distúrbio de sono, timidez ou mau comportamento. Até as mães custam a acreditar que os fi lhos tenham sido vítimas de violência sexual. Somente depois deles serem estimulados a falar, é que iniciamos um tratamento doloroso, visando à melhoria psicossocial da família, geralmente de-sestruturada emocionalmente”, explica a psicóloga, acostumada a conviver com casos suspeitos ou confi rmados de vio-lência no seu dia a dia profi ssional.

Além da psicologia, entidades sociais também têm se comprometido a cola-borar. É o caso da Makanudos de Javeh

– ou, Amigos de Deus –, organização não-governamental da zona sul de São Paulo que atua diretamente com vítimas de exploração sexual, e que tem como principal propósito ajudar crianças e adolescentes de escolas públicas a se reerguerem como cidadãos, contribuin-do para a conscientização e valorização do jovem na sociedade. Para isso, a ONG conta como uma equipe formada por profi ssionais da educação e atende aproximadamente 20 escolas na região. Uma das maneiras de despertar a atenção e, consequentemente, preparar os jovens contra investidas sexuais é por meio de palestras – na língua que eles falam e entendem. Para o idealizador e líder do projeto, Thiago Torres, a pedofi lia é um problema social que necessita de atenção, e que muitas vezes só é detectado quando a vítima consegue compartilhar com al-guém. “Nosso objetivo é nos tornarmos amigos dos adolescentes, conversando

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PROGRAMA URBANO: muita música, debates e descontração, ingrediente

que atraem os jovens

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abertamente sobre sexualidade, drogas e amizades. E, entre uma conversa e outra, garotos ou garotas que saibam de algum caso de pedofi lia ou que tenham passado por isso, têm nos procurado. Então, nós os orientamos a denunciar e acompanha-mos o processo”, explica.

Comuns em toda grande cidade brasi-leira, os bailes funk se tornaram redutos “fáceis” para a exploração sexual de me-ninas, muitas desafi adas a dançar seminu-as no palco em troca de dinheiro. Diante disso, há quem acabe se prostituindo e, assim, mantendo relações com homens com o triplo, às vezes o quádruplo de suas idades. E na zona sul da capital pau-lista não é diferente, tanto que a entidade não titubeou em contra-atacar. “Para tirar o adolescente dos bailes, criamos o Urba-no, evento no formato de programas de auditório, com muita música, debates e descontração”, continua Torres.

Formado em teologia e membro da Igreja Batista do Morumbi, ele afi rma também que as denominações evangéli-cas não estão preparadas para enfrentar problemas relacionados com a sexuali-dade e a pedofi lia, deixando uma lacuna que tende a facilitar a ação dos crimino-sos. “Sexo para a igreja é algo sujo, um tabu a ser quebrado. Mas como tratar da pedofi lia, que é uma doença, sem abordar

a sexualidade? Como uma criança víti-ma de abuso vai falar de uma coisa que aprendeu ser feia, suja e pecaminosa?”, questiona, para depois completar: “Ela não fala, esconde e sofre sozinha; e nisso o criminoso se benefi cia”.

Papel das igrejas – No que tange às igrejas, o agravamento de denúncias de religiosos contra crianças de “seu reba-nho” leva à seguinte refl exão: já que os líderes costumam sempre pregar contra a violência, não deveriam eles serem os primeiros a denunciar eventuais casos de abuso que ocorram em seus próprios templos? Apesar do medo que gira em

“NAS IGREJAS EVANGÉLICAS, a ideia de conviver com casos de pedofi lia dentro da comunidade é tão horrível que não se fala no assunto”, acusa a psicóloga Ana Paula de Ângelo Guimarães

torno do assunto estar diretamente rela-cionado ao despreparo da maioria dos pastores e obreiros, Ana Paula defende que o problema deve ser tratado com mais seriedade e coragem, inclusive com orientação espiritual às famílias e, principalmente, à vítima. “Há pais que têm certa resistência em ouvir o fi lho ou difi culdade de perceber o que se passa com a criança. Nas igrejas evangélicas, a ideia de conviver com casos de pedofi lia dentro da comunidade é tão horrível que não se fala no assunto”, acusa.

Para Ronaldo Moreira de Faria, pas-tor da Igreja Batista da Lagoinha e líder do Ministério Rhema Reconciliação, as

José Leonardo Sardinha: o falso profeta

Em meados de 2006, uma adolescente como qualquer

outra, prestes a completar 14 anos, estava interessada no fi lho de José Leonardo Sardinha, pastor da Igreja Assembleia de Deus Ministério Plenitude. Só que o rapaz não gostava dela, ao contrário do pai. Então, Sardinha afi rmou à menina – que era virgem – ter sido abençoado com um sonho profético: como Abraão nos tempos bíblicos, ela só conquistaria o coração de seu fi lho caso realizasse um sacrifício: ter relações sexuais com ele, o pastor, por três vezes. Após a primeira relação, a garota questionou-o se o sonho era mesmo uma manifestação divina, tendo como resposta de que ele [Sardinha] jamais brincaria com o nome de Deus.

E eles mantiveram outras relações, e nada da profecia se cumprir. O rapaz continuava ignorando a garota, que foi novamente persuadida pelo pastor com promessas de que ele deixaria a própria esposa. Com isso, eles voltaram a se relacionar, agora com o consentimento dela. A mãe da menina disse, na época, não ter

desconfi ado de nada: “Ele era um homem de Deus”. Mas, ao saber do namoro, imediatamente contou à mulher do pastor, que teria supostamente sido perdoado.

Embora Sardinha garantisse, em suas pregações, receber frequentemente mensagens divinas, nenhuma delas o alertou que ele seria condenado à prisão por estupro e atentado violento ao pudor. Começava, então, seu inferno: o caso foi levado ao Ministério Público, que o denunciou à Justiça. Em defesa, ele afi rmou que tudo não passava de invenção da mãe da menina – por vingança – com quem disse manter uma relação extraconjugal.

Ao contrário da garota, a juíza Jucimara Esther de Lima Bueno, da 26ª Vara Criminal Central, de São Paulo, não foi ludibriada com seus argumentos. Em 6 de novembro de 2008, ele foi condenado a vinte e um anos de cadeia em regime inicialmente fechado, com ressalva de que a menina havia se tornado “refém do discurso do pastor”. Pouco tempo depois, mais precisamente em janeiro de 2011, Sardinha já estava livre novamente.

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de moralismo e espiritualidade. “Quanto mais o assunto for lembrado e discutido nas igrejas, nas famílias, nos bairros e nas escolas, menos nossas crianças estarão vulneráveis”, conclui Thiago Torres.

Coração leve – Se por um lado a porno-grafi a infantil tem crescido de maneira acelerada, impulsionada pelo advento das redes sociais, o combate também tem sido mais expressivo. De acordo com organograma de denúncias da Safer-Net, associação que mede as denúncias de veiculação de imagens ilícitas com crianças na internet, somente em outubro e novembro desse ano foram feitas 1561 denúncias de pornografi a infantil em di-ferentes domínios, números que demons-tram que, embora haja uma rede que se benefi cia com o crime, os canais de delação existem e têm sido usados como ferramentas de combate. No entanto, a ação cautelosa e de prevenção deve se iniciar dentro de casa. É o que defende o pastor Ronaldo: “É uma responsabilidade dos pais, e cabe à igreja ser um braço de apoio às famílias”.

Nem o passar dos anos apaga as marcas da violência, cicatrizadas nas vítimas por toda a vida. Hoje, Tereza é uma mulher diferenciada. Com 30 anos, está casada, tem fi lhos e se diz restau-rada por Deus. Nunca esteve frente a frente com psicólogos, nunca conseguiu provar aos pais o que passou, e nem mesmo foi ouvida com dignidade pelo pastor de sua igreja ao relatar-lhe tudo, na adolescência. “Em nenhum momen-to ele me ofereceu acompanhamento ou expôs o caso para ser discutido. Hoje eu sei que vivi uma cura interior pela graça de Deus”, agradece.

Sem revelar o nome daquele que abu-sou de sua inocência, ela apenas adianta que ele continua frequentando a mesma igreja, mas que nunca foi intimado para esclarecer os fatos e, obviamente, jamais punido. “Não é certo se calar. A igreja precisa se posicionar, parar de fi ngir que tudo acontece do lado de fora do portão, porque a verdade está estampada e causa vergonha e dor”, conclui, com o coração leve e seguindo com afi nco os preceitos bíblicos. Quanto ao seu agressor, ela ga-rante que já o perdoou.

marcas deixadas por quem sofre qualquer tipo de exploração sexual são profundas e podem levar até mesmo ao suicídio, e o papel da igreja deve ser de prevenção e acompanhamento. “Testemunhei vários casos de pedofi lia, e pude ver de perto a profundidade das feridas na alma da vítima. É preciso que Jesus Cristo atue como o grande médico para tocar o feri-do, e cumpre à igreja a tarefa de curar e proteger nossas crianças e adolescentes”, defende.

Criado em maio de 1995, o Ministério Rhema Reconciliação atua plenamente na restauração da vida espiritual e emocio-nal de pessoas, independente de confi ssão religiosa, por meio da ministração de cur-sos e seminários voltados para igrejas e seus respectivos líderes. Com o passar do tempo, no entanto, o trabalho foi se inten-sifi cando cada vez mais e o grupo passou a atender também crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais, constituindo, assim, um instrumento importante de combate à pedofi lia. “Trabalhamos cada caso individualmente, ensinando sobre cura e libertação. Ministramos, ainda, um curso chamado ‘Libertadores de Crianças’, com o propósito de capacitar os adultos – pais, educadores, pastores e outros – para trabalharem nessa área”, explica o pastor Ronaldo.

Na mesma linha e também na capital mineira, há cerca de dois anos surgiu o Ministério Proteger Brasil, outro projeto vinculado à Igreja Batista da Lagoinha. Com base no que diz o Estatuto da Crian-

ça e do Adolescente (ECA) e na essência da Palavra de Deus, tem como objetivo promover o desenvolvimento humano, o bem-estar e a proteção da criança e do adolescente, bem como treinar a lideran-ça da igreja para tratar de assuntos rela-cionados à violência sexual. De acordo com o pastor batista, esses trabalhos são a chave para a diminuição de casos de pe-dofi lia, inclusive no meio evangélico. “A Palavra de Deus é a base de orientação, pois assim as crianças se desenvolvem passando pela adolescência e juventude cientes de que o sexo foi criado para ser desfrutado dentro do casamento, um prin-cípio que as protegem tanto de sofrerem como de cometerem abusos”, ressalta.

Por sua vez, o diretor da Makanudos de Javeh aponta que, além da causa evan-gelística o desafi o da igreja é ser também agente de transformação na sociedade; o problema, segundo ele, é que muitas continuam presas a costumes e tabus impostos pela tradição. “Muitas de nossas igrejinhas estão mais preocupadas em co-locar ar-condicionado e estofar os bancos, dando as costas para tudo o que está acon-tecendo à sua volta. Com isso, a criança vitimada não encontra espaço para falar sobre o está sofrendo”, desabafa.

A questão é que a prevenção não pode estar associada a uma máscara de santida-de, é preciso expor o problema e “tratar a ferida” para que a cura esteja não apenas na vida das pessoas, mas para que a pró-pria igreja seja curada, limpa e apta para abençoar, sem gerar apenas discussões

CIB

ELE

LIMA

PARA RONALDO MOREIRA DE FARIA, pastor e líder do Ministério Rhema Reconciliação, a ação cautelosa e de prevenção deve se iniciar dentro de casa

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Rev. Hernandes Dias Lopes é escritor, conferencista e pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória (IPB)

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P A S T O R A L

Justifi cação pela fé,ato exclusivo de Deus

“Não fomos escolhidos por Deus porque

cremos; cremos

porque fomos escolhidos por

Deus”

A justificação pela fé foi um dos pilares da Reforma

do século16. O conceito de que a salvação é uma somatória do esforço humano e da disposição divina, ou uma parceria entre a fé e as obras, está em total desacordo com o ensino das Escrituras. A salvação é pela graça mediante a fé, e não o resultado das obras nem mesmo da adição de fé mais obras. A salvação não é uma conquista do homem, mas um presente de Deus. Não é uma medalha de honra ao mérito, mas uma manifestação do favor imerecido de Deus.

O sinergismo, a ideia de que a salvação é uma conjugação de fé mais obras, não tem amparo nas Escrituras. A verdade meridianamente clara é que a salvação é recebida mediante a fé, independentemente das obras. As obras não são

somos justificados com base naquilo que fazemos para Deus, mas no que Deus fez por nós. Não há mérito na fé; a fé é dom de Deus. Não fomos escolhidos por Deus porque cremos; cremos porque fomos escolhidos por Deus. A fé é resultado da escolha divina e não sua causa. Se a fé fosse a causa da escolha divina, ela seria meritória. Então, a causa da eleição para a salvação estaria em nós e não em Deus. A verdade inconteste, entretanto, é que Deus nos escolheu para a salvação em Cristo não por causa de qualquer mérito, mas apesar dos nossos deméritos. A causa do amor de Deus por nós não está em nós, mas no próprio Deus. Ele nos amou quando éramos ímpios, fracos, pecadores e inimigos.

A justificação é um ato legal, forense e judicial de Deus. É feita no tribunal de Deus e não em nossos corações. Realiza-se fora de nós e não em nós, no céu

a causa da salvação, mas o resultado. Não somos salvos pelas obras, mas para as obras. A fé é a raiz; as obras são os frutos. A fé produz obras; as obras revelam a fé. Com isso não estamos desprezando as obras, que são absolutamente

importantes, nem diminuindo seu valor. Elas são a evidência da salvação. Não praticamos boas obras para sermos salvos, mas porque fomos salvos pela fé.

A fé, porém, não é a causa meritória da justificação. Não

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Rev. Hernandes Dias Lopes é escritor, conferencista e pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória (IPB)

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instrumental, pois a causa meritória é o sacrifício de Cristo na cruz. Tomamos posse dos benefícios da morte de Cristo pela fé. A fé não é a causa, é o meio. É a mão estendida de um mendigo que recebe o presente de um rei. Essa fé salvadora não é meritória, e nem mesmo procede do homem. O mesmo Deus que dá o fim – a salvação –, também dá o meio – a fé salvadora. De tal forma que a salvação é obra exclusiva de Deus de ponta a ponta, sem qualquer mérito do homem. Na verdade, tudo provém de Deus, tudo é feito por Deus e tudo é consumado por Deus para que ele mesmo receba toda a glória, agora e eternamente!

morreu para nos salvar. Ou seja, ele quitou nossa dívida. Não pesa mais sobre nós, que estamos em Cristo, nenhuma condenação. Isso porque nossa dívida não foi colocada em nossa conta, mas na de Cristo. E ele, na cruz, rasgou esse escrito de dívida, pagando-a com seu sangue e dando um brado de vitória: “Está consumado”. Entretanto, a justiça de Cristo foi depositada em nossa conta, e agora estamos vestidos com vestes de justiça. Fomos justificados!

Enfatizando, concluímos que, quando afirmamos que somos justificados pela fé, não estamos dizendo que a fé é a base da justificação. A fé é apenas a causa

e não na terra. Por causa da morte substitutiva de Cristo, somos declarados inculpáveis diante de Deus. Estamos quites com sua santa lei. Todas as demandas da justiça divina foram satisfeitas mediante o sacrifício substitutivo de Cristo. Deus, assim, justifica não o justo, mas o injusto, que crê naquele que é justo. Consequentemente, nossa justificação não está fundamentada em nossa justiça pessoal, mas na justiça de Cristo imputada a nós. Cristo morreu como nosso representante e fiador. Ele carregou em seu corpo, no madeiro, os nossos pecados. Nossas transgressões foram lançadas sobre ele, que

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P E R F I L

KAREN RODRIGUES

Traços na medida

Evangélico e fã de rock n’roll, o jovem cartunista João Montanaro cria seu próprio traço, descarta

rótulo de prodígio e conquista

espaço ao lado de renomados ilustradores

Um dom dado por Deus. É assim que o cartunista João Montanaro, 15 anos, explica sua habilidade

na arte de desenhar. Dono de um estilo próprio, o que antes era um hobby – que começou aos 6 anos, quando ele copiou da TV o desenho do Bob Esponja – se tornou atividade profi ssional para um dos mais importantes jornais do país: a Folha de S.Paulo. “Acho que nem caiu a fi cha direito. Eu na Folha, com Angeli, Laerte; é diferente”, brinca. Exceto pelo sucesso precoce, o que não é diferente é a vida diária do adolescente paulistano em relação a outros garotos da sua idade: ele vai à escola, gosta de sair com os amigos,

de navegar na internet e curtir blues e rock n’roll; aliás, até arrisca alguns solos de guitarra.Filho do publicitário Mário Barbosa, diretor executivo da Sociedade Bíblica Internacional (SBI), João Montanaro frequenta, com os pais, a Igreja Batista do Brás, em São Paulo. Mas, pelo menos por enquanto, a religião não tem sido abordada em suas charges, o que não quer dizer que não venha acontecer no futuro. “Produzir tirinhas com foco religioso

é um assunto um tanto quanto delicado, e qualquer deslize pode ser encarado como piada de mau gosto, ou sem graça. Mas eu pretendo fazer um dia”, garante. Há pouco mais de um ano, o jovem ilustrador passou a fazer parte de um seleto grupo de chargistas da Folha de S.Paulo. É lá que, semanalmente, ele transpõe para o papel seu ponto de vista adolescente sobre os assuntos que permeiam o cenário político nacional. Desde então, seus desenhos vêm ganhando destaque, e ele notoriedade, a ponto de já ter sido entrevistado por Jô Soares; de ter suas obras compiladas e publicadas no livro Cócegas no Raciocínio [Garimpo Editorial], lançado na 21ª Bienal Internacional do Livro de

“PREFIRO SER RECONHECIDO somente pelo trabalho”, afi rma o cartunista, que pretende, um dia, produzir tirinhas para os evangélicos

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São Paulo; e de arrancar elogios de feras do gênero como Adão Iturrusgarai, Jean Galvão, Benett, Paulo Ramos, Laerte, Ziraldo, Maurício de Sousa, entre outros. Apesar da pouca idade, a responsabilidade e a estatura são de gente grande – ele já passou dos 1,80 de altura. Assim, segundo ele próprio afi rma em entrevista à ECLÉSIA, nem cabe mais ser chamado de “garoto prodígio”, como muitos o chamavam e ainda o chamam. “A idade acaba sendo um chamariz e eu sou grato a isso, mas prefi ro ser reconhecido somente pelo trabalho”, defi ne.

ECLÉSIA – Quando você começou a desenhar? JOÃO MONTANARO – Desde pequeno eu assistia aos desenhos do Bob Esponja, e adorava. E como não sabia jogar futebol direito, tinha que fazer outra coisa; foi no desenho que eu acabei me encontrando e peguei gosto pela coisa.

Como foi ver seu primeiro trabalho publicado?Ficou horrível (risos). Principalmente o da Folha de S.Paulo, porque tudo era muito rápido e eu não tinha noção de tempo, de prazo fi nal. Fiz correndo, usando cores ruins e tal. Hoje, faria diferente.

Na Folha, você trabalha com charges voltadas para a política. Não é algo muito comum para alguém da sua idade, e nem mesmo uma leitura das mais fáceis de ser compreendida. Você gosta, ou teve que aprender a gostar por causa do trabalho? Bem, não gosto de Harry Potter ou coisa do gênero. Antes de trabalhar na Folha eu não lia jornal diariamente, mas sempre dava uma olhada na política para fi car antenado, saber o que estava acontecendo. Agora, eu leio todo dia e já me acostumei. Pode parecer meio estranho para muitos, mas política é legal.

Além do Bob Esponja (risos), você teve alguma referência profi ssional que o estimulou a desenhar? Dos chargistas aqui no Brasil, sem dúvidas são o Angeli, o Laerte, e o

Glauco, que também trabalhou na Folha. Foi por causa deles que eu comecei a desenhar; e pensava em, como eles, trabalhar num grande jornal. Só não imaginava que seria tão rápido.

No ano passado, você lançou Cócegas no Raciocínio durante a 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. O que pode falar sobre ele? No começo do ano passado, a Garimpo Editorial me procurou porque queria publicar o que eu estava fazendo para o meu blog. Mas como eu não tenho trabalhos sufi cientes para compor um livro só de tiras, é um amontoado com cartoons, charges, ilustrações e desenhos avulsos. Foi lançado na Bienal, e é bem divertido. Eu tive que fi car uns dias a mais, e às vezes vinha muita gente pedindo para que eu autografasse.

Também, na Bienal, o Ziraldo teve acesso ao seu livro. Como foi esse encontro? O Ziraldo é um dos grandes traumas da minha vida, e eu não desenho no computador por causa dele. Certa vez, ele chegou a mim e disse: “Nunca desenhe no computador”. E eu olhei para aquele cara alto e respondi: “Está bem”. Depois de um tempo, eu não conseguia mais tocar no computador, e fui me adaptando ao estilo manual. Pelo trauma, e como forma de agradecimento, eu dei um livro a ele.

Um dos seus trabalhos, o do tsunami do Japão, publicado um dia após a tragédia, causou polêmica, e a Folha decidiu levar o assunto ao caderno Ilustrada, com o propósito de fundamentar a publicação da charge e, digamos, acirrar as críticas. Na ocasião, o próprio Ziraldo o defendeu, dizendo se tratar de uma homenagem à arte japonesa e que ele próprio gostaria de ter tido essa ideia. Em sua opinião, o que aconteceu: falta de compreensão com sua arte? Acho que é falta de compreensão com o termo “charge”. O leitor acha que charge é só humor, mas não. A charge é a opinião do chargista, como uma crônica por meio de um desenho. Não dava para fazer um desenho sobre política. Fiquei surpreso com as críticas, mas jamais quis fazer piada sobre a situação do Japão.

Você já concedeu entrevista para muitos veículos de comunicação, inclusive para o apresentador Jô Soares. É difícil lidar com essa repercussão?São só entrevistas. Não sou ator da Rede Globo, apenas faço quadrinhos para jornal. Não tem assédio, somente o lance de eu fazer algo diferente e que as pessoas querem ver. Aliás, sou muito tímido e prefi ro permanecer meio reservado. Na escola mesmo, quando fi cam falando do meu trabalho, eu dou uma resposta direta e encerro o assunto.

PARA CRIAR SUAS CHARGES, João Montanaro lê jornais diariamente e está sempre antenado com o que acontece na política nacional

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Você nasceu num lar evangélico. Estar na igreja faz parte da sua vida? Sim, claro. Tanto eu como meu irmão nascemos na igreja. Deus me concedeu o dom de desenhar, uma oportunidade, e eu acabei seguindo. Sou muito grato por ele ter aberto as portas para mim.

Já pensou em fazer tirinhas voltadas para o público evangélico?Tem que pensar bem primeiro para fazer algo inteligente. Produzir tirinhas com foco religioso é um assunto um tanto quanto delicado, e qualquer deslize pode ser encarado como piada de mau gosto, ou sem graça. Mas eu pretendo fazer um dia.

Você teme que seu trabalho possa ser mal interpretado pelos evangélicos?Nunca pensei a respeito disso. Claro que algumas doutrinas podem até questionar, mas por enquanto eu não tive nenhum problema. E meu pai, também evangélico, é meu maior crítico e sempre acompanha meu trabalho.

Desenhista é, defi nitivamente, a profi ssão que você escolheu?Se for da vontade de Deus, sim. Por mim, eu sempre desenharei. Jamais perderei esse hábito. Agora, quanto a continuar fazendo quadrinhos eu não sei direito. Quem sabe no futuro eu parta para a publicidade ou coisa do gênero.

Apesar de tão novo, você tem alguma dica para os desenhistas que procuram por uma oportunidade?Particularmente, eu não me considero tão bom quanto as pessoas pensam. Deus faz milagres, mas nós temos que correr atrás para que isso aconteça. Ficar sentado e só esperando, não dá. Temos que fazer por merecer. Portanto, tenham fé no trabalho e jamais achem que já são bons o bastante.

O que é mais difícil de desenhar?Mulheres e carros. Mulher feia é fácil, agora bonita é muito difícil (risos). E carro é complicado porque tudo tem que ser muito certinho, bem defi nido.

E além do desenho, o que mais o atrai?Nunca fui muito bom com esportes. Então, além de desenhar, gosto de ouvir música e tocar guitarra. Criei gosto por música antiga, principalmente rock n’roll e blues, por causa do meu pai.

Você ouve música gospel?Nenhuma banda específi ca, mas meus amigos costumam ouvir e me falar do Ofi cina G3.

ESTILO PRÓPRIO: hobby que se transformou em atividade profi ssional

RECONHECIMENTO DOS MESTRES: trabalho é elogiado por grandes ilustradores,

como Maurício de Souza

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Bráulia Ribeiro é formada em Etnolinguística pela University of the Nations, no Havaí, com mestrado em Linguística Antropológica pela Universidade Federal de Rondônia

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C O N T E X T O

Uma história de fée traição

“A história de missões [no Havaí] é

daquelas que nos maravilham e horrorizam ao mesmo tempo.

Maravilham porque nos

fazem perceber como a

eternidade se sincroniza com a história

humana de maneira precisa e extraordinária;

horrorizam porque mostram

o quanto nós, humanos,

somos capazes de corromper os planos tão perfeitos de

Deus”

Estou frequentando uma igreja bem antiga na cidade de Kailua, onde

moro. Foi fundada em 1820 pelos primeiros missionários. A história de missões nas ilhas Sandwich – assim o Havaí era conhecido na época – é daquelas que nos maravilham e horrorizam ao mesmo tempo. Maravilham porque nos fazem perceber como a eternidade se sincroniza com a história humana de maneira precisa e extraordinária; horrorizam porque mostram o quanto nós, humanos, somos capazes de corromper os planos tão perfeitos de Deus.

Antes da chegada dos ingleses os nativos viviam massacrados debaixo de um sistema de castas parecido com o da Índia. As linhagens nobres e sacerdotais oprimiam o povo com um código religioso que punia qualquer infração, mínima que fosse, com a morte. Pessoas eram jogadas aos tubarões ou no vulcão. O sistema de kapu, punição da quebra da lei

com sacrifícios humanos, não é original daqui; foi trazido por navegantes taitianos alguns séculos antes da chegada dos missionários. No século 19, o rei Kamehameha conseguiu, com muito derramamento de sangue, estender seu reinado para todas as ilhas. Quando a paz finalmente reinou, sua esposa favorita, a rainha Kahumano, cochichou em seu ouvido: “Querido, é tempo de acabarmos com o kapu e dar paz ao povo”.

O rei concordou e o povo havaiano fez uma coisa reconhecida como inédita pelos antropólogos: eles eliminaram a própria religião. Não mais kapu, não mais sacrifícios humanos à deusa Pele – lava do vulcão – ou a outros deuses. O estranho é que não substituíram o kapu com nada, pois não conheciam mais nada. No entanto, havia lendas sobre uma caixa preta que um dia seria entregue ao rei, e que continha a revelação sobre um Deus antigo, esquecido, chamado I’o – o criador. Em 1820 os primeiros missionários aportaram na baía de Kailua,

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Bráulia Ribeiro é formada em Etnolinguística pela University of the Nations, no Havaí, com mestrado em Linguística Antropológica pela Universidade Federal de Rondônia

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era um reino governado por uma jovem rainha chamada Lili’uokalani, torna-se um grande produtor de açúcar e muitas das fazendas passam a pertencer aos brancos da terceira geração. Daí em diante, a história se transforma numa dessas a que já estamos acostumados. A corrupção e sede de poder tomam os negociantes, e eles formam uma sociedade secreta para trair a rainha e subjugar o reino – eles se autodenominam o Clube dos Meninos Missionários. Por serem brancos, recebem o apoio do governo americano para a traição que planejam contra a rainha. Apesar da grande inferioridade numérica – aproximadamente 400 brancos e mais de 40 mil havaianos –, a ameaça do exército da grande potência intimida a rainha que acaba entregando o reino para evitar um banho de sangue.

Hoje, os havaianos são minoria em sua própria terra. Durante o governo Bill Clinton, os Estados Unidos se desculparam pela traição perpetrada contra a nação. Inúmeras restituições financeiras foram feitas aos nativos, mas suas almas continuarão feridas para sempre.

Permanece a pergunta: como é que missionários, heróis da fé, geraram netos capazes de cometer uma traição tão grande contra um povo que eles deveriam amar? Como seus valores familiares se deterioraram tanto a ponto de justificar o roubo de um país? Como Mamon substituiu o Cristo do sacrifício? Não sei. Só sei que temo por meus filhos, e netos.

doutor a descrever a gramática da língua e compor um dicionário. E por causa da influência de fé que recebeu das famílias americanas, transformou-se também num apaixonado tradutor da Bíblia. Infelizmente, seu sonho de voltar ao Havaí com o texto traduzido foi interrompido em 1818, quando contraiu febre tifoide e morreu, aos 26 anos de idade.

As memórias escritas por Henry tornam-se best-seller entre jovens cristãos. Inspirados por ele, um grupo de 14 missionários embarcam rumo ao Havaí. Em 1820, eles aportam pela primeira vez na maior ilha do arquipélago, bem no lugar onde um ano antes o rei Kamehameha havia destruído um dos templos dos sacrifícios humanos. Os missionários trouxeram uma caixa preta contendo a Bíblia em havaiano, traduzida por Henry Opukaha’ia. O tempo de Deus não podia ser mais perfeito. O povo estava pronto para receber a Palavra e, em poucos anos, todas as ilhas abraçariam o novo Deus que ama e que dá um cordeiro em substituição ao sacrifício humano. Um dos maiores avivamentos da história varreu as ilhas, e quase toda a população adulta aprendeu a ler – um terço da população se converteu.

Quem dera que a história terminasse assim, mas não termina. Uma geração passa, depois outra e mais outra. Os netos dos missionários, muitos deles criados nas ilhas, completam os estudos e voltam para fazer negócios. O Havaí, que naqueles tempos

na Big Island, ancorando exatamente onde antes estava erigido um dos altares em que pessoas eram sacrificadas.

Felizes, os missionários saltaram do barco com uma novidade: a Bíblia traduzida na língua havaiana. O trabalho havia sido feito pelo inteligente jovem Henry Opukaha’ ia, que anos antes havia escapado da morte fugindo do kapu num barco inglês. Com apenas 16 anos, ele embarcou num navio que o levou ao redor do mundo até aportar em Nova York. Apesar de amar seu povo, Henry sonhou com uma terra melhor durante as perseguições implacáveis do kapu. De Nova York foi morar com a família do capitão do navio em Connecticut, com quem aprendeu um pouco de inglês e conheceu o Deus cristão, encontrando nele uma maravilhosa alternativa para a terrível religião da ilha.

Por alguns meses Henry trabalhou como empregado itinerante em fazendas, falando um inglês rudimentar e com uma sede imensa de conhecer mais e mais. Até que um dia se viu na escadaria da Universidade de Yale, em New Haven. Entendendo se tratar de um local de ensino, chorou ao pensar em como seria bom estudar para poder voltar e ajudar seu povo. Foi quando outro jovem, justamente o filho do presidente da instituição, encontrou-o chorando. Ao conhecer a história do havaiano, ele o levou até seu pai que terminou por adotá-lo.

Henry Opukaha’ia, então, tornou-se o primeiro havaiano

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Gustavo Borja Bessa é pastor da Igreja Batista da Lagoinha, advogado, mestre em Liderança Global pela Universidade de Dallas, Texas, e casado com Ana Paula Valadão

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M I S S Õ E S

Tornando-se desnecessário: o sucesso do trabalho

missionário

“O sucesso de todo e qualquer

trabalho missionário depende da

habilidade que os missionários têm de formar líderes locais que assumam,

de fato, a liderança”

Todo cristão necessita compreender que a habilidade de se

tornar desnecessário é o trabalho mais importante que alguém pode realizar no campo missionário. Todo missionário tem a missão de não apenas levar o Evangelho a um povo, mas a de se tornar desnecessário para aquela igreja que ele, sob a direção do Espírito Santo, esforçou-se para implantar. Quanto menos necessária a pessoa se tornar para a igreja implantada, mais bem-sucedido pode ser considerado o trabalho realizado. Por outro lado, o trabalho missionário pode ser considerado não muito bem-sucedido, quanto mais dependente a igreja implantada se tornar dele e do trabalho que ele realiza.

A igreja chinesa, que tem crescido exponencialmente nas últimas décadas, é um exemplo de como a independência em relação à influência dos missionários estrangeiros pode ser benéfica. Após a Segunda Guerra Mundial, quando o partido comunista

aproximadamente 100 milhões. A igreja chinesa sobreviveu e cresceu exponencialmente não enquanto os estrangeiros ditavam as regras e lideravam o povo, mas enquanto os estrangeiros permaneceram fora do país sem exercer qualquer influência sobre ela e seus adeptos.

Ainda hoje, a igreja chinesa é impulsionada pelos mesmos ventos de crescimento que sopravam na época em que os missionários estiveram ausentes do país. David Garrison, missionário da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, afirma que “30 mil pessoas são batizadas na China todos os dias. Na província de Henan, o cristianismo teve um crescimento explosivo, passando de 1 milhão para 5 milhões de pessoas em apenas oito anos”1. Uma das razões para esse rápido crescimento é a não dependência da influência e do trabalho missionário estrangeiro. David Garrison pontua que:

As equipes mais efeti-vas dentro do Movimen-to de Plantação de Igrejas

assumiu o controle e Mao Tsé Tung tornou-se o líder da China, as agências e os missionários estrangeiros foram expulsos do país. Estima-se que a população de protestantes, naquela ocasião, girava em torno

de 1 milhão e em processo de decrescimento. Sessenta anos depois, quando a igreja contava tão somente com a presença e atuação de cristãos e líderes chineses, o número de protestantes foi estimado em

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Gustavo Borja Bessa é pastor da Igreja Batista da Lagoinha, advogado, mestre em Liderança Global pela Universidade de Dallas, Texas, e casado com Ana Paula Valadão

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sabendo que aqueles cristãos poderiam distorcer algumas das verdades, Paulo não se esforçou, senão para formar líderes locais e tornar a sua presença pessoal desnecessária naquelas comunidades.

O sucesso de todo e qualquer trabalho missionário depende da habilidade com que os missionários têm de formar líderes locais que assumam, de fato, a liderança. Enquanto os missionários não abrirem mão do desejo de controlar e dirigir as igrejas implantadas, os cristãos dessas comunidades permanecerão crentes imaturos e incapazes de confiar plenamente no Senhor. Pelo contrário, em vez de esperarem pela ação e intervenção de Deus para as suas demandas e necessidades, esses cristãos locais esperarão pelos homens estrangeiros para lhes trazerem alguma direção e para consertar as goteiras em seus telhados.

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1 GARRISON, David. In Every Church Planting Movement. Church planting movements: how God is redeeming a lost world. Midlothian, VA: Wigtake Resources, 2004. p.49

2 GARRISON, David. In Every Church Planting Movement. Church planting movements: how God is redeeming a lost world. Midlothian, VA: Wigtake Resources, 2004. p.186

3 WINTER, Ralph D., HAWTHORNE, Steven C., DORR, Darrell R., GRAHAM, D. Bruce and KOCH, Bruce A. Dependency. Perspectives on the world Christian movement: reader. 3rd ed. Pasadena: William Carey Library, 1999. p.592

igreja: ‘Queridos amigos, o telhado da igreja que vo-cês construíram está com uma goteira. Por favor, ve-nham e consertem o nosso telhado’”.3

Ainda que essa história pareça uma anedota, ela não somente é real como também um retrato daquilo que pode acontecer com os cristãos locais, caso o missionário não se esforce para se tornar desnecessário para a igreja que ele trabalhou para implantar. O sucesso de uma empreitada missionária depende da disposição de coração dos missionários e da habilidade que eles têm de cederem seus espaços, posições, funções e atribuições para os cristãos da igreja implantada.

Essa estratégia de implantar igrejas independentes e de se tornar desnecessário norteou todo o projeto missionário do apóstolo Paulo. Ele não somente trabalhou tendo em vista a implantação de igrejas nos locais para onde se dirigia, como também se esforçou para levantar e formar líderes que pudessem dar continuidade ao trabalho. Em vez de criar um ambiente eclesiástico que requeria constantemente sua presença, Paulo formou igrejas livres, que não necessitavam de sua participação constante para testemunharem a fé em Jesus e crescerem no conhecimento e na graça de Deus. Essas igrejas tornaram-se tão verdadeiramente livres e autóctones que, em muitas de suas cartas, Paulo dialoga e argumenta apaixonada e intensamente com muitos dos irmãos e irmãs que estavam, pouco a pouco, desviando-se da verdade do Evangelho que ele próprio lhes havia pregado. Ainda assim, mesmo

são aquelas que têm pou-cos estrangeiros, mas inú-meras redes de parceiros locais. Os missionários es-trangeiros entenderam que o papel deles é passar a vi-são, a paixão e as habi-lidades para os irmãos e irmãs que vivem no local onde eles servem. Então, no Movimento de Plan-tação de Igrejas, os mis-sionários rapidamente le-vantam líderes locais e confiam a eles o futuro do movimento.2

Enquanto a não dependência do trabalho missionário estrangeiro favorece a implantação de igrejas saudáveis e cristãos maduros, a não ruptura dessa dependência em relação aos missionários estrangeiros, em geral, produz igrejas acomodadas e cristãos preguiçosos. Glenn Schwartz, que serviu na escola de Missões Mundiais do Seminário Fuller, enfatiza um dos problemas da existência de relação de dependência entre o povo local e os missionários estrangeiros ao relembrar a história de um de seus alunos. Ele diz que:

Durante um seminário desse assunto [dependên-cia], um missionário ame-ricano que estava no fundo da sala levantou a mão e disse: “Eu sei sobre o que você está falando. Alguns anos atrás, eu levei um grupo de 36 americanos à América do Sul para cons-truir um prédio de igre-ja para os cristãos locais. Depois de várias semanas naquele lugar, nós termi-namos o prédio, entrega-mos aos cristãos locais e retornamos para casa. Dois anos depois, recebemos uma carta das pessoas da

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sições. A aptidão, aliada a outras circunstâncias, a fez enveredar por novas fronteiras. Adolescente ain-da, foi levada pela família a Adis Abeba, na Etiópia, para se casar com um homem bem mais velho. O casamento durou somente cinco anos e lhe rendeu uma fi lha, Eva.

Discriminada na igreja por causa do divórcio, Helen decidiu se reinventar: montou um salão de beleza, matriculou-se num curso de teologia e passou a frequentar a Igreja Rhema. Foi durante esse período que ela leu Torturados por Amor a Cristo, de Richard Wurm-brand, pastor que passou quatorze anos como prisioneiro na Romênia devido à sua fé cristã. Mal sabia ela que estaria prestes a viver situação

semelhante. Não por menos; afi nal, apesar das estimativas de que 47% dos cerca de 5 milhões de habitantes do país sejam cristãos – os muçulmanos correspondem a 49% – , a Eritreia ocu-pa a 13ª colocação na lista de nações que mais os perseguem, elaborada pela Portas Abertas.

M I S S Õ E S

Em passagem pelo Brasil, Helen

Berhane revela experiências vividas na “distante”

Eritreia, onde foi perseguida,

torturada e presa num contêiner

marítimo por se recusar a negar

sua fé cristã

Mártir no século 21M

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TOSMARCELO SANTOS

Algumas histórias têm a capaci-dade de lembrar que a intole-rância religiosa é um monstro

escondido prestes a atacar. Uma delas é o testemunho de Helen Berhane, cantora cristã que permaneceu mais de dois anos encarcerada num lotado, escuro, sujo e malcheiroso contêiner usado como cela para prisioneiros na Eritreia. Tudo isso por ter se recusado a negar sua fé cristã – Helen cresceu acompanhando os pais na Igreja Cristã Ortodoxa, na capital Asmara. No mês de outubro a cantora esteve no Brasil para o lançamento do livro biográfi co Canção da Liberdade (Editora Vida) e, apesar da agenda lotada, não deixou passar a oportunidade para comparti-lhar sua experiência de vida e visitar igrejas nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. No Parque da Aclimação, região central da capital

paulista, ela realizou uma exposição de fotos e fi lmes retratando a dramá-tica questão dos direitos humanos do “quase” desconhecido país africano, classifi cado pelo governo norte-ameri-cano como um dos mais contundentes violadores dos direitos humanos em todo o mundo. “Sempre pensei em me dedicar à obra de Deus apenas no meu país”, conta ela. Durante a adolescência, no entan-to, Helen revelou seu talento para a música, escrevendo e cantando suas próprias compo-

HELEN BERHANE: “Se eu tivesse que ser presa novamente por causa da minha fé, não teria nenhum problema. Tudo o que eu vivi valeu a pena”

IGREJA CRISTÃ ORTODOXA, onde Helen Berhane deu início à sua

vida cristã

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asilados em outros países, e cerca de 2 mil cristãos continuam incomuni-cáveis na própria Eritreia. Libertada em 2006 graças a uma ação movida pela ONG Release International junto com a Anistia Internacional, a cantora entrou para as estatísticas de refugiados – no caso dela, na Di-namarca. Na ocasião, seu estado de saúde era tão frágil que ela corria até o risco de ficar paraplégica, herança dos maus tratos na prisão. Mas He-len se recuperou e, desde então, tem compartilhado seu testemunho de fé e encabeçado um movimento pela liberdade religiosa na Eritreia e tam-bém pela libertação dos chamados prisioneiros por consciência.

Hoje, com 37 anos e casada no-vamente, Helen ainda alimenta um sonho: “Penso em voltar e pregar em todas as prisões por onde passei e cantar, no grande estádio de Asmara, uma canção de louvor”.

Prisões e torturas – No verão de 2000, Helen decidiu pregar numa decadente praça no cen-tro de Asmara. Foi quando um oficial da polícia a prendeu pela primeira vez, por entender que suas palavras incitavam as pes-soas contra o governo eritreu – na época, a Eritreia travava uma sangrenta luta contra a Etiópia. Passados alguns dias a mesma cena se repetia, só que num culto doméstico; no mês seguinte, ela foi levada à delegacia por evangelizar num hospital. “Apenas preguei o Evangelho e falei da minha tris-teza com as mortes que ocorrem na guerra”, justifica.

Até então não havia qual-quer impedimento às diferentes expressões religiosas no país. Porém, um ano depois, em se-tembro de 2001, o presidente Isaias Afewerki impôs severas restrições às religiões e à liber-dade de expressão, iniciando um período de nuvens negras que demorariam a se dissipar. “Nós podíamos louvar livremente e eu tinha livre acesso às igrejas, mas percebi que alguma coisa poderia me acontecer quando as igrejas começa-ram a ser fechadas”, recorda.

E aconteceu. Na noite do dia 13 de maio de 2004, Helen se defrontou com uma movimentação estranha. “Dois homens estavam na esquina da casa onde me reunia com um grupo, sempre depois da meia noite, para lermos a Bíblia, orar e cantar”, relata ela que, na época, com 30 anos, já era popular entre os jovens cristãos eritreus, havia participado de um filme evangelístico e acabara de lançar seu álbum com músicas evangélicas.

A casa foi invadida por dezenas de policiais e ela, agredida e arrasta-da rua afora, apontada como a líder do movimento e levada à prisão. Ao contrário de outras ocasiões, no entanto, não seria solta rapidamente. Pelo contrário, conduzida ao Campo Militar de Mai Serwa, famoso por

seu tratamento desumano, perma-neceu mais de dois anos aprisionada num contêiner marítimo repleto de piolhos, pulgas e sem banheiro – e nada de julgamento, sequer acusa-ção formal.

Durante o período em que per-maneceu presa, Helen foi obrigada a caminhar em terreno com pedras pontiagudas, carregar peso, além de ser espancada pelos carcereiros e conviver com uma violenta “compa-nheira” de cela, que constantemente a ameaçava. “Era só cantar e eu já era agredida pelos guardas. Mas nunca temi, sentia uma força vinda de Deus que me inspirava a louvar. Se eu tivesse que ser presa nova-mente por causa da minha fé, não teria nenhum problema. Tudo o que eu vivi valeu a pena”, agradece.

Dados da Organização das Na-ções Unidas (ONU) apontam que mais de 220 mil eritreus vivem

POBREZA NA ERITREIA:

país é considerado

um dos maiores

violadores dos direitos

humanos em todo o mundo P

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Um dos principais grupos da música

evangélica prepara DVD comemorativo

pelos trinta anos de ministério;

gravação aconteceu em setembro, no

Theatro Municipal de Paulínia

À luz do PrismaK

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Tudo começou com a formação de um coral jovem do Instituto Adventista de São Paulo (IASP),

idealizado por Eli Prates, maestro e membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Tempos depois, sua esposa, Ellen Prates, sugeriu o nome Prisma – hoje, Prisma Brasil –, ou seja, uma substância

sólida, transparente, sobre a qual incide um único facho de luz, decompondo-se numa infi nidade de cores. Tal luz, segundo os próprios membros do grupo, representa Jesus Cristo, enquanto que os refl exos simbolizam os músicos. E essa luz continua fi rme, forte e com brilho intermitente ao longo de três décadas. Claro que, com o passar dos anos, muitos músicos que fi zeram parte do Prisma trilharam outros caminhos – provavelmente mais de uma centena –, e muitos ainda hão de fazer o mesmo, mas o propósito evangelístico permanece inabalável. “Desde a fundação, nós preparamos jovens para o encontro com Jesus e,

cantando, expressamos nosso amor por ele e a nossa vontade de encontrá-lo brevemente”, agradece Eli Prates.

Já virou quase rotina em se tratando do Prisma, e mês de férias escolares é também época de pegar a estrada. Isso porque boa parte dos integrantes é formada por alunos universitários; aliás, essa é uma tônica comum desde a

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ELI PRATES, IDEALIZADOR do Prisma

Brasil: “Expressamos nosso amor por Jesus e a nossa vontade de

encontrá-lo brevemente”

THEATRO MUNICIPAL DE PAULÍNIA: palco escolhido para a gravação do DVD Indo Pra Casa

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fundação do grupo. Praticamente todos os cantos do Brasil, além de diversos países, já fi zeram parte da peregrinação evangelística dos músicos adventistas. Em meados do ano, o grupo visitou novamente as principais capitais do Nordeste – Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Salvador –, entre outros municípios do interior, com a turnê Imaginando.

Agora, a atenção de todos os membros do Prisma está voltada para a produção do DVD comemorativo aos trinta anos de ministério, cujo repertório será formado por músicas inéditas e outras escolhidas pelo público por

meio de enquete. A gravação aconteceu no dia 10 de setembro no Theatro Municipal de Paulínia (SP), mesmo palco de um dos principais festivais de cinema do país. O lançamento, previsto

APESAR DAS MUITAS MUDANÇAS na formação ao longo das últimas três décadas, foco missionário do Prisma permanece o mesmo

para o início de 2012, marcará ainda o reencontro com ex-componentes. Afi nal, mesmo que hoje não façam mais parte da equipe, cada um que por ali passou também colaborou com seu refl exo de luz para a consagração do Prisma como um dos principais grupos da música evangélica nacional. Coincidência ou não, o título é Indo Pra Casa. Mas onde é a casa do Prisma? Pelo jeito, em todo lugar. (José Donizetti Morbidelli)

Companhia inspiradora para o cristãoRádio web busca nome em Atos dos Apóstolos, e prima por conteúdo

diversifi cado para agradar a membros de todas as denominações, dos mais conservadores

aos contemporâneos

“Não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos” (At 4.20).

Mesmo sem ser um slogan, a frase bíblica simboliza, não somente o propósito cristão como também dá nome a mais nova rádio web voltada ao público evangélico: a Atos 4:20. “Somos um grupo de cristãos apaixonados pelo Evangelho e pelo Senhor do Evangelho – Jesus Cristo”, resume o diretor e pastor Joseph Rast.

A música cristã é, claro, a matéria-prima principal da emissora; contudo, os estilos e ritmos agradam a todos os gostos – dos mais tradicionais aos contemporâneos. Mas a programação também reserva orações, meditações, conselhos, cultos e até debates, tudo diante de uma perspectiva bíblica. “Primamos

pela qualidade em todos os sentidos e, principalmente, pela essência da mensagem, seja cantada ou pregada”, emenda o diretor, salientando que nada que contrarie os ensinamentos de Cristo é veiculado.

A Atos 4:20 pode ser ouvida, em qualquer lugar do planeta, pelo site www.atos420.radio.br. (JDM)

ELLUS, CIELO E UNASP: propósito evangelístico, aliado à qualidade do trabalho do Prisma, desperta interesse de importantes patrocinadores

EQUIPE ATOS 4:20: qualidade técnica e musical, com comprometimento cristão

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Finalmente chegam ao Brasil álbuns do Jesus Culture: mais do que uma banda, um movimento que

tem atraído milhares de jovens em várias

partes do mundo

Em 1999, quando o grupo de jovens da Igreja Bethel de Redding, na Ca-

lifórnia, Estados Unidos, decidiu realizar um retiro para despertar na juventude a experiência do amor de Deus, é porque sonhava com uma mudança radical nos participantes. E o grupo conseguiu muito mais: primeiro, descobriu a importância central que a música teria em seu minis-

tério dali em diante; depois, que não precisaria se limitar somente a quem esteve na-quele retiro – poderia alcan-çar jovens em todo o mundo com sua mensagem de avivamento.

Foi dessa forma que surgiu um dos mais signifi cativos fenômenos da música cristã na atualidade. Com conferências realizadas em diversas partes dos Esta-dos Unidos, Inglaterra e Austrália, Jesus Culture é mais do que uma banda, é um movimento. Conta com Kim Walker Smith, Chris Quilala, Kristene Mueller e Jake Hamilton nos vocais; Jeffrey Kunde, na guitarra; Brandon Aaronson, no baixo; Ian Mcintosh, no teclado; e Josh Fisher, na bateria; atrai milhares de pessoas a suas apresentações e já lançou 10 álbuns.

Finalmente, dois deles chegam de forma ofi cial ao Brasil e apresentam

uma boa dose do louvor “energético” que impulsiona esse time. Your Love Never Fails, gravado originalmente em 2008, e Come Away, no ano passado, são combos de CD e DVD, lançados pela gravadora Onimusic. Não é preciso nem especular se farão sucesso entre os jovens crentes brasileiros. Por conta do mundo globalizado e da internet, várias canções, com mistura de ritmo moderno e letras de adoração espiritual, já fazem parte do repertório da moçada daqui. (Direto da Redação)

Louvor energético

JESUS CULTURE: louvor e adoração com ritmo moderno, do

jeito que a galera jovem gosta

Lançado pela Sony Music em homenagem

ao centenário do pentecostalismo,

álbum traz grandes nomes da música

cristã contemporânea, como Cassiane,

Damares, Lauriete e Elaine de Jesus

Festa do Espírito, chuva de bênçãos, fogo que caiu do céu.

Há muitos termos carismáticos para descrever o evento promovido pela gravadora Sony Music na Igreja

Cristina, Jairinho Manhães e Marcelo Aguiar, foi gravado o especial 100 Anos do Movimento Pentecostal, que está sendo lançado em CD e DVD.

Numa autêntica viagem pelo tem-po, o álbum reúne canções atuais e antigas que marcaram época no pente-costalismo nacional, que completa seu centenário. Assim, A Mensagem da Cruz é cantada ao lado de É Demais; Deus, Tu és Santo; Sabor de Mel e Me Dá o Poder de Filho. No DVD são 97

minutos de muita unção, fechados pela presença das quatro intérpretes no palco, cantando um belíssimo medley de mú-sicas modernas com as da Harpa Cristã. (DR)

Na unção de Deus

100 ANOS DO MOVIMENTO PENTECOSTAL: canções antigas e atuais promovem verdadeira viagem pelo tempo

Assembleia de Deus de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, no dia 20 de junho desse ano. Com um grupo formado por grandes nomes da música evangélica contemporânea, como Cassiane, Damares, Lauriete e Elaine de Jesus, além de participações especiais de Brenda, Danielle

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Com participação dos irmãos André e Ana Paula, além do marido Fellipe, álbum de Mariana Valadão mistura

pop rock com balada animada

Irmã mais nova de André e Ana Paula, Mariana Valadão iniciou

sua trajetória musical no Ministé-rio Diante do Trono, mas ganhou independência e fama com a carreira solo. Seu mais recente álbum, Vai Brilhar, lançado pela Graça Music em CD e DVD, marca uma nova

etapa em sua vida: a da maturidade, na qual ela desenvolve plenamente seu talento musical.

Com 14 faixas, o disco foi gra-vado ao vivo no fi nal de maio, na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte (MG). Conta, claro, com as participações especiais dos dois irmãos da cantora, além do marido Fellipe, responsável por boa parte das composições – ele até se arrisca a soltar a voz de vez em quando.

Mariana apresenta ao público uma mistura de pop rock com balada animada e bem equilibrada. Vale aten-ção especial para as faixas Hosana, sucesso mundial do grupo Hillsong; Vida de Deus; Seja Tudo em Mim e Tu és Tremendo, assim como tremendo também é o dueto que ela faz com Ana Paula. (DR)

Tempo de brilhar e adorar

VAI BRILHAR COMPROVA a maturidade e o talento musical de Mariana Valadão

Gravado em Natal (RN), novo álbum do Diante

do Trono mescla antigos sucessos com músicas

mais rápidas e modernas

O 14º álbum do Ministério Diante do Trono, Sol da Justiça – como diz

certa profecia de Malaquias – é festivo em todos os sentidos. Sua gravação foi realizada em duas etapas, nos dias 16 e 18 de julho, em Natal (RN). A primeira reuniu cerca de 120 mil pessoas na Praia do Meio; a segunda, outras 2500 no Teatro Riachuelo, em uma atmosfera intimista.

Com participações especiais, o Dian-te do Trono aproveita para relembrar seus trabalhos mais antigos, mas longe

O CD, no entanto, é apenas metade do que foi produzido no Nordeste. A gravação completa ainda virá em DVD e Blu-Ray, com mais nove músicas na forma de bônus. Algumas inéditas, além de um dueto com Asaph Bor-ba e a gravação do Medley DT, com canções que marcaram os primeiros anos do grupo e interpretadas pelos ex-integrantes André e Mariana Valadão, Nívea Soares e João Lúcio, e Helena Tannure. (DR)

Sob o sol de Natal e da justiça

SOL DA JUSTIÇA, 14º álbum do principal ministério de louvor do país; expectativa agora é pelo lançamento do DVD e Blu-Ray

de ser uma coletânea. Pelo contrário, o álbum traz nove músicas inéditas, pon-tuadas por ritmos renovados. Mais rápi-das e modernas, elas lembram trabalhos que se tornaram referência no pop rock mundial, como os da banda australiana Hillsong e da norte-americana Jesus Culture. É o caso de Hosana e Me Ama, mas também de clássicos como Quão Grande és Tu, que na voz de Ana Paula Valadão e companhia ganham melodias atualíssimas.

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A G E N D A

Missões Mundiais, agência missionária da Convenção Batista Brasileira estará divulgando a sua campanha para 2012, que, diante do grande número de povos budistas, hindus e mulçumanos fechados ao Evangelho, terá como tema: Eles precisam de Cristo, a paz que liberta, cuja divisa está em Miquéias 5.4 e 5b. O material de comunicação dessa campanha está disponível no site www.jmm.org.br/campanha2012. Entre em contato com a JMM e faça parte desta campanha que promete mobilizar as igrejas a levarem Cristo, a paz que liberta, aos povos não alcançados.

Acontece em Foz do Iguaçu (PR), entre ao dias 18 e 24 de janeiro de

2012, a 92º Assembleia da Convenção Batista Brasileira (CBB), tradicional evento batista realizado anualmente. Dessa vez, o tema escolhido é Ser Como Cristo Praticando a Bíblia, extraído de Gálatas 4.19b. O evento acontece no Complexo Rafain Expocenter, que fi ca na Avenida Olimpio Rafagnin, 2357. Informações podem ser obtidas pelo site www.assembleia.batistas.com, pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone (21) 2157-5557.Durante esse evento, a JMM Junta de

8º Congresso de Teologia Vida Novapresente o presbiteriano Augustus Nicodemus Gomes Lopes, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie (entrevistado por ECLÉSIA nessa edição). O congresso será realizado no Hotel Majestic, que fi ca na Praça Dr. Vicente Rizzo, 160. Para inscrições e maiores informações, os interessados devem acessar o site www.vidanova.com.br/congresso8 ou ligar para (11) 3577-0177.

Acontece entre os dias 13 e 16 de março de 2012, em

Águas de Lindóia, interior de São Paulo, a 8ª edição do Congresso de Teologia Vida Nova, evento que visa, essencialmente, difundir o conhecimento teológico e equipar as igrejas com ferramentas necessárias para o cumprimento de sua missão evangelística. Entre os congressistas, nacionais e estrangeiros, estará

92ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira

Servindo a Igreja, Alcançando o MundoO Centro de Treinamento

Ministerial Diante do Trono (CTMDT) abriu inscrições, em seu processo seletivo, para cursos nas áreas de missões e louvor e adoração, voltados para treinamento, capacitação e formação de líderes cristãos. O processo acontece em duas etapas, sendo necessária a aprovação do candidato em ambas para a efetivação da matrícula. O ministério disponibiliza, ainda, diferentes opções de horários – regime parcial e regime integral (externo e interno) –, de maneira a atender aos que trabalham durante o dia ou que optem por dormir nos alojamentos do campus – no caso de não terem familiares próximos. As inscrições vão até 6 de janeiro de 2012, e as vagas são limitadas. Para informações completas sobre os cursos oferecidos, os interessados devem acessar o site www.ctmdt.com ou ligar para (31) 3641-5112.

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Percival de Souza é jornalista e escritorPercival de Souzaé jornalista e escritor

P E R C I VA L D E S O U Z A

Ensinar e aprender

“A solidez do conhecimento

bíblico, teológico – pode-se até dizer divino – não passa

pela pirotecnia ou shows

coreográfi cos de qualidade

duvidosa”

Paulo é taxativo ao descrever como se recomenda o uso dos dons espirituais na

epístola endereçada aos cristãos em Roma: “O que ensina esmere-se no fazê-lo” (Rm 12.7). Esmerar-se, como sabemos, vem a ser – vide Aurélio – aperfeiçoar, polir, apurar, esforçar-se para fazer as coisas com perfeição, ser o mais correto possível, aplicar-se, aperfeiçoar-se. Caprichar, dar o melhor de si.

Se é verdade, de um lado, que os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem (Mário Quintana), de outro há momentos em que silenciar é mentir (Miguel de Unamuno). Portanto, não cabe o faz-de-conta de não estar vendo nada e não se assustar após conferir o que o apóstolo dos gentios escreveu, diante das revelações estarrecedoras do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): de cada grupo de dez escolas públicas, oito fi caram abaixo da média. Entre as escolas particulares, 8% fi caram abaixo da média nacional; ou seja, um décimo do índice assinalado na rede pública. Das 20 escolas consideradas como as melhores, 18 são privadas.

Em termos práticos, isso signifi ca que um aluno de escola pública precisaria estudar no mínimo mais dois anos para chegar ao mesmo nível dos colegas das escolas particulares. É verdade que aconteceram algumas malandragens, engendradas por pedagogos sem ética, como selecionar previamente os melhores

alunos para fazerem as provas do Enem. Emerge, aqui, uma espécie do DNA que classifi ca as escolas top: elas custam caro, mensalidades na faixa de R$ 2 a 3 mil por mês. Se você for tentado a perguntar-se e daí?, releia o caput – a cabeça – que precede a abertura do 12º capítulo da epístola paulina: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis

qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2).

A transformação, por meio do conhecimento, passa obrigatoriamente pelo saber que se adquire. Nossa mente se torna capaz de ver, observar, fi ltrar, digerir, selecionar entre o que é bom ou mau, lícito ou ilícito – “nem tudo lhe convém”. A partir daí, temos condições de corrigir rumos e rotas, discernir entre sim ou não, alvo, ser morno ou quente.

Esse é o ponto: se, como escancara o Enem, as escolas confessionais recebem discentes com péssimo nível de conhecimento, haverá refl exos inevitáveis na formação religiosa. E se, por uma série de razões, os docentes deixam a desejar, a qualidade do ensino eclesiástico também vai cair. Em alguns casos, desabar.

“Esmere-se no fazê-lo...” Precisamos saber para ensinar. Quem contempla esse esmero, essa dedicação, precisa sentir mais e mais vontade de aprender. Se falta base, alicerce, haverá defi ciência na formação. A solidez do conhecimento bíblico, teológico – pode-se até dizer divino – não passa pela pirotecnia ou shows coreográfi cos de qualidade duvidosa.

“Esmere-se no fazê-lo...” Eu, professor, preparo a aula, a prédica, anoto as referências bibliográfi cas, consulto o material de estudo, vou fazendo o melhor que posso até adquirir a maturidade espiritual proporcionada pelo alimento sólido, até chegar à plenitude do magistério eclesiástico: ensinar o que sei. Eu, aluno, percebendo como o professor ou professora se entrega à sua tarefa para transmitir o que aprendeu e sabe, vou incorporar esse conhecimento à minha vida – é um testemunho, uma missão, um legado, na herança da igreja receber essa tarefa amanhã. Docente e discente juntos – eliminando o espaço dos mal-aventurados vazios, carentes, necessitados de água, luz e sal. Ensinaremos.