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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
“PELO DIREITO DE TORCER”: A EXPERIÊNCIA DE GRUPOS E COLETIVOS DE
TORCEDORXS DE FUTEBOL CONTRA A CULTURA DE QUE FUTEBOL É COISA PRA
MACHO
Maurício Rodrigues Pinto1
Aira Bonfim 2
Resumo: Em tempos de elitização do futebol e de maior controle do público que frequenta as novas arenas esportivas, o
projeto “Pelo Direito de Torcer” se propõe a dar voz e registrar o testemunho de pessoas que têm reivindicado o espaço
e o direito de torcer, dentro e fora dos estádios. Um dos objetivos principais do projeto é ouvir atores que têm
questionado a ideia de que o futebol no Brasil é um “jogo pra macho”, o que naturaliza o homem cisgênero e
heterossexual, como o legítimo participante e interlocutor desse esporte. Nessa lógica, as ofensas homofóbicas e
misóginas e as violências de gênero são recorrentes e naturalizadas, não só por parte de torcedores - organizados ou não
-, como também pelos agentes modeladores desse esporte: jogadores, dirigentes, comissões técnicas, mídia
especializada e federações. Por essa razão foram convidados integrantes de coletivos de torcedorxs3, que, além da
exaltação pelo time de coração, têm como principal bandeira a reivindicação de uma maior participação de mulheres e
pessoas da comunidade LGBT no futebol. O presente trabalho tem como objetivo apresentar análises das narrativas
produzidas por alguns desses atores, no caso, integrantes dos coletivos Palmeiras Livre e Movimento Toda Poderosa
Corinthiana, explorando as suas vivências com o esporte, as articulações para a formação dos coletivos, atuações nas
redes sociais e fora delas, formas de torcer e as relações que mantêm com outros grupos de torcedores já estabelecidos
neste universo.
Palavras-chave: Futebol. Masculinidades. Homofobia. Machismo.
Introdução
Pelo Direito de Torcer é um projeto de pesquisa resultado de uma parceria entre o Museu do
Futebol, instituição sediada no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho (Pacaembu) na
cidade de São Paulo, com o mestrando Maurício Rodrigues Pinto, da Universidade de São Paulo,
autor da pesquisa de mestrado intitulada “Torcidas Livres e Queer: Sexualidade e Novas Práticas
Discursivas no Futebol”, que estuda coletivos e movimentos de torcedorxs contrários à homofobia
que surgiram na rede social Facebook.
Iniciado no segundo semestre de 2016, o projeto consiste na realização de mapeamento,
coleta de depoimentos orais (documentados em áudio e vídeo) e na catalogação dos produtos dessa
1 Mestrando do Programa Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes Ciências e Humanidades da
Universidade de São Paulo (EACH-USP), São Paulo, Brasil. 2 Pesquisadora do Museu do Futebol (SP) e mestranda do programa de História, Bens Culturais e Política na Fundação
Getúlio Vargas (CPDoc/FGV), Rio de Janeiro, Brasil. 3 A opção pelo uso de “torcedorxs”, para se referir a integrantes e pessoas que apoiam os movimentos e coletivos
contrários ao machismo e à homofobia no futebol, foi uma forma de demarcar, por meio da linguagem não-binária, o
posicionamento político desses grupos diante da norma que define o homem cisgênero e heterossexual como o legítimo
participante do futebol.
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pesquisa no banco de dados online do museu4. Dessa forma, o recorte temático da pesquisa foca nos
testemunhos de movimentos e coletivos de torcedorxs que reivindicam o direito de serem
reconhecidos como tal, confrontando a homofobia e o machismo recorrentes no campo
futebolístico.
O futebol de espetáculo no Brasil (DAMO, 2005) está inserido à lógica heteronormativa e
binária da sociedade. Prevalecem os discursos e performances5 produzidas e reelaboradas pelos
atores sociais6 que compõem e modelam esse campo, visando a naturalização do homem cisgênero
e heterossexual como o legítimo participante e interlocutor desse esporte, a ponto do futebol,
reconhecido como esporte nacional, muitas vezes ser tratado como um “jogo pra macho”.
Essa naturalização da norma se dá pela reverência de uma masculinidade hegemônica7,
elaborada a partir de discursos e performatizações de uma ideia de masculinidade viril e dominante,
assim como pelas ofensas e gestos homofóbicos e misóginos recorrentes em estádios de futebol.
Essas ofensas, que têm por objetivo depreciar o adversário por meio da sua feminização - caso dos
termos “bambi”, “maria” e “galinha”8 ou mesmo dos gritos “Bicha” que torcedores dirigem para o
goleiro do time adversário toda vez que este vai cobrar o tiro de meta –, são interpretadas como
“piadas”, “brincadeiras” e “provocações” que fazem parte do jogo, mas que torcedores, jogadores e
times, em geral, não aceitam para si.
É bastante comum na construção identitária de macho viril utilizar como referência, como
fronteira constantemente vigiada e que nunca deve ser ultrapassada, a construção do
personagem antagônico fazendo com que esse seja depositário do que de ruim poderia ser
atribuído a um grupo identitário. O que eu sou depende do que não sou. (BANDEIRA e
SEFFNER: 2013, 252)
Ao mesmo tempo em que têm a sua participação questionada e deslegitimada, mulheres e a
população LGBT são constantemente evocados como seres abjetos (Butler, 2007), não tendo a sua 4 O endereço do banco de dados é: dados.museudofutebol.org.br 5 Segundo Butler (2007, 154) “... a performatividade deve ser compreendida não como um "ato" singular ou deliberado,
mas, ao invés disso, como a prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia. O que,
eu espero, se tornará claro no que vem a seguir é que as normas regulatórias do "sexo" trabalham de uma forma
performativa para constituir a materialidade dos corpos e, mais especificamente, para materializar o sexo do corpo, para
materializar a diferença sexual a serviço da consolidação do imperativo heterossexual”. 6 De acordo com Toledo (2000, 5), na proposição de um modelo interpretativo para os estudos sociológicos sobre o
futebol profissional, os atores sociais que integram o campo futebolístico seriam: “os profissionais (jogadores, técnicos,
dirigentes, juízes, preparadores, médicos etc), os especialistas (as crônicas esportivas, sim, no plural mesmo) e o
conjunto genérico de torcedores, “comuns” ou nomeados e reunidos em certas coletividades específicas”. 7 Para Connell e Messerchimidt (2013, 253), “... as masculinidades hegemônicas podem ser construídas de forma que
não correspondam verdadeiramente à vida de nenhum homem real. Mesmo assim esses modelos expressam, em vários
sentidos, ideais, fantasias e desejos muito difundidos. Eles oferecem modelos de relações com as mulheres e soluções
aos problemas das relações de gênero”. 8 Ofensas usadas por torcidas adversárias para se referir aos torcedores dos times São Paulo Futebol Clube, Cruzeiro
Esporte Clube e do Sport Clube Corinthians, respectivamente.
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condição de torcedorxs e, por extensão de “sujeitos”9, plenamente reconhecidas:
Esta matriz excludente pela qual os sujeitos são formados exige, pois, a produção
simultânea de um domínio de seres abjetos, aqueles que ainda não são "sujeitos", mas que
formam o exterior constitutivo relativamente ao domínio do sujeito. O abjeto designa aqui
precisamente aquelas zonas "inóspitas" e "inabitáveis" da vida social, que são, não obstante,
densamente povoadas por aqueles que não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar sob
o signo do "inabitável" é necessário para que o domínio do sujeito seja circunscrito. Essa
zona de inabitabilidade constitui o limite definidor do domínio do sujeito (BUTLER: 2007,
155)
Até o primeiro semestre de 2017, foram produzidas entrevistas de história oral com seis
integrantes10 dos coletivos Galo Queer11, Palmeiras Livre12 e Movimento Toda Poderosa
Corinthiana13. Em comum, o fato de se fazerem visíveis principalmente pela rede social Facebook,
e elaborarem práticas discursivas que questionam à norma hegemônica de que o futebol é um
domínio do homem cisgênero e heterossexual, confrontando, inclusive, as formas de discriminação
e segregação, mais especificamente as dirigidas contra as mulheres e pessoas LGBT.
Tem dois momentos que ficaram mais gravados... Um deles, em um jogo contra o Arsenal
(ARG), pela Libertadores, e aí o estádio inteiro começou a gritar “Maricón!” pro outro
time. Eu sabia que essas coisas aconteciam, mas me chocou um pouco a violência das
pessoas ao dizerem isso, como se fosse uma coisa realmente muito ofensiva e o que me
chocou mais foi o fato dos meus amigos terem participado. Fiz questão de sentar pra não
participar daquilo, e eu olhava em volta e não tinha ninguém que estava achando aquilo
minimamente estranho. Nesse mesmo dia, teve outra experiência marcante. Estavam
sentados eu, um amigo, e do meu lado tinha um cara que eu não conhecia. Esse cara foi
9 De acordo com Butler (2016, 17): “Os sujeitos são construídos mediante normas que, quando repetidas,produzem e
deslocam os termos por meio dos quais os sujeitos são reconhecidos. Essas condições normativas para a produção do
sujeito produzem uma ontologia historicamente contingente, de modo que nossa própria capacidade de discernir e
nomear o “ser” do sujeito depende de normas que facilitem esse reconhecimento. (...) Assim, há ‘sujeitos’ que não são
exatamente reconhecíveis como sujeitos e há ‘vidas’ que dificilmente - ou, melhor dizendo, nunca - são reconhecidas
como vidas”. 10 Até o momento foram realizadas as seguintes entrevistas: Thaís Nozue e Erick Miyasato (Palmeiras Livre), em
18/11/2016; Analu Tomé, Petúnia Ribeiro e Denise Bonfim (Movimento Toda Poderosa Corinthiana), em 26/11/2016;
Nathália Duarte (Galo Queer), em 15/02/2017. As transcrições das entrevistas estão disponíveis em
dados.museudofutebol.org.br . 11 Comunidade criada em 09/04/2013. Apresenta-se da seguinte forma: “Galo Queer é o movimento anti-homofobia e
antissexismo no futebol dos torcedores do Clube Atlético Mineiro, vulgo Galo Doido. Porque paixão pelo Galo não tem
nada a ver com intolerância”. A página possui 2035 curtidas (dado de 26/06/2017). Endereço da página:
https://www.facebook.com/pages/Galo-Queer/260183954118767?fref=ts 12 Página criada em 12/04/2013. Apresenta-se como: “Movimento anti-homo e transfobia, contra o racismo e todo tipo
de sexismo (os machismos e misoginias em especial), destinado à torcida que mais canta e vibra. Porque paixão pelo
Palmeiras não tem nada a ver com intolerância”. A comunidade conta com 7429 curtidas (dado de 26/06/2017).
Endereço da página: https://www.facebook.com/PalmeirasLivre 13 Comunidade criada no mês de março de 2016. O texto de apresentação da página é o seguinte: “O MTPC nasceu da
vontade de um grupo de torcedoras de mudar o preconceituoso, sexista e segregatório mundo que é o futebol. Não
somos uma torcida organizada, somos um coletivo de mulheres corinthianas de todas as torcidas, organizadas ou não,
etnias, idades, estados e países que têm em comum os mesmos objetivos: justiça e igualdade nas arquibancadas”.A
página do MPTC tem 4935 curtidas (dado de 26/06/2017). Endereço da página:
https://www.facebook.com/movimentotodapoderosacorinthiana
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fazer um comentário sobre o jogo e simplesmente me pulou, fez o comentário com o meu
amigo, que estava do meu lado. Acho que foi a vez em que eu me senti mais invisível. (...)
Aí teve um dia que estava no bar, com os amigos, eu falei: “Fiquei com vontade de criar
esse movimento.” As pessoas da mesa ficaram escutando. “Ah, legal...”, mas ninguém
botou muita fé e nem se dispôs a fazer junto. “Bom, vou fazer sozinha, então”. Hoje em dia
é relativamente fácil, porque no Facebook, você simplesmente cria uma página, a coisa
existe. E aí eu fiz a página. O termo queer é bem importante, surgiu como um xingamento,
né, significa estranho, e foi ressignificada nos Estados Unidos, pelos homossexuais. Depois,
surgiu a Teoria Queer14, que faz essa desconstrução das identidades, faz os
questionamentos de gênero. Achei legal a ideia do queer, porque a minha ideia não era
fazer uma torcida gay, por exemplo, ou só um movimento contra a homofobia, mas eu
queria abordar a questão das mulheres também, mesmo heterossexuais. Então, eu achei que
queer era um nome abrangente, além de sonoro e, enfim, foi daí que surgiu. (Nathalia
Duarte, Galo Queer)
Neste artigo serão apresentados e analisados alguns trechos desses relatos, com o propósito
de conhecer melhor esses coletivos e movimentos, a maneira como estes elaboram os seus discursos
e militância e as dificuldades e resistências que marcam a luta pelo reconhecimento do direito de
torcer. Antes, será discutido o papel do museu e a ampliação do repertório de narrativas sobre o
futebol brasileiro e a escolha do uso da metodologia da História Oral para registro dessas histórias.
Museus, pesquisas e pesquisadores
Inaugurado em setembro de 2008, o Museu do Futebol é um equipamento público do
Governo do Estado de São Paulo, gerido atualmente pela Organização Social de Cultura IDBrasil
Cultura, Educação e Esporte, entidade sem fins lucrativos que firmou com a Secretaria de Estado da
Cultura de São Paulo um contrato de gestão para a administração do museu.
Em 2011, o museu desenvolveu o primeiro projeto de criação de acervo de entrevistas de
História Oral em parceria com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). No Projeto Futebol, Memória e Patrimônio, foram
entrevistados jogadores da Seleção Brasileira de Futebol que atuaram nas Copas do Mundo (1954-
1982). Contar com um auditório acusticamente preparado para a realização de gravações e uma
equipe de pesquisa e documentação envolvida nas etapas produção e catalogação desses acervos,
14 No final da década de 1980 e início de 1990, a palavra queer foi apropriada por coletivos de militância homossexuais,
pessoas portadoras de HIV, lésbicas, trabalhadores do sexo e profissionais de saúde, amigos e familiares de
homossexuais, que deslocaram o seu significado inicial ofensivo, criado em meio à crise social da epidemia de
HIV/Aids, que ocorreu nos EUA, no início da década de 1980. Para Louro (2001, 546): “Este termo, com toda sua
carga de estranheza e de deboche, é assumido por uma vertente dos movimentos homossexuais precisamente para
caracterizar sua perspectiva de oposição e de contestação. Para esse grupo, queer significa colocar-se contra a
normalização (...). Seu alvo mais imediato de oposição é, certamente, a heteronormatividade compulsória da sociedade
(...). Queer representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada e, portanto, sua forma de ação é
muito mais transgressiva e perturbadora”
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viabilizam a criação e publicização desses materiais, atendendo à premissa de democratização do
acesso às pesquisas acadêmicas e fortalecimento do museu na sua comunicação com a sociedade.
Desde 2015, o Museu do Futebol, através do seu Centro de Referência do Futebol Brasileiro
(CRFB) - setor responsável por pesquisar, catalogar e publicizar conteúdos - tem se dedicado a
ampliar as informações e as fontes de pesquisa que tratem das relações entre futebol e gênero. No
mesmo ano, o museu deu início ao projeto Visibilidade para o Futebol Feminino, que teve como
objetivos a pesquisa e a inclusão de referências sobre o futebol praticado por mulheres na exposição
principal e no acervo da instituição.
Metodologia
As entrevistas de Pelo Direito de Torcer foram feitas por meio da metodologia da História
Oral, que abrange desde a maneira sistematizada de levantamento de dados para a construção dos
roteiros de entrevista, a condução entre entrevistados e entrevistadores e o tratamento dado ao
material/acervo coletado. A História Oral é uma das subáreas da historiografia contemporânea que
teve uma particular acolhida no Brasil15, desde a aparição do livro The voice of the past, do inglês
Paul Thompson, no final da década de 1970. Ângela de Castro Gomes aponta como especificidade
da História Oral a resultante emocional, que é uma consequência da relação estabelecida entre
pesquisador/a e entrevistado/a:
documentos orais produzidos através de entrevistas exigem do pesquisador um nível de
envolvimento distinto. Ele participa neste caso de construção do documento-relato, não só
na medida em que propõe questões como também na medida em que compartilha as
emoções despertadas no entrevistado pela rememoração de sua vida. (...) O valor
fundamental de um depoimento oral não reside tanto na produção de informações novas e
substantivas. A informação nova trazida pelo depoimento oral está na forma pela qual o
relato dimensiona e faz emergirem os acontecimentos, dando contextualidade às opções
tomadas e novas cores aos perfis de personagens muitas vezes conhecidas.” (GOMES,
1998, 8)
Por meio de entrevistas de história oral temáticas (Meihy, 1994, 57), foi possível conhecer
as vivências que aproximaram as pessoas que integram esses coletivos do futebol e dos clubes pelos
quais torcem, assim como as experiências que forjaram o estranhamento com as formas de violência
que ocorrem no futebol, que acabaram por motivar a criação das páginas públicas em redes sociais e
a organização na forma de coletivo.
15 Em São Paulo, deve-se destacar o Núcleo de Estudos em História Oral, da USP, coordenado pelo historiador José
Carlos Sebe Bom Meihy. No Rio de Janeiro, há o CPDOC/FGV, fundado em 1973.
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Além disso, as entrevistas buscavam aprofundar o trabalho de campo feito durante a
pesquisa de mestrado, de acompanhamento sistemático das postagens, repercussões e comentários
nas respectivas páginas de Facebook, compreendendo, a partir das visões e falas dos integrantes
desses grupos, o processo de elaboração dos discursos, as manifestações de hostilidade e violência,
por vezes, feitas diretamente a integrantes dos coletivos, a maneira como cada grupo encara o
ativismo digital e as suas aspirações como coletivo e para o futebol.
Relatos de torcedorxs: confronto com a masculinidade hegemônica e a apropriação do direito de
torcer
As páginas das torcidas que se apresentaram como livres e queer surgiram em abril de 2013,
na rede social Facebook, quase como resultado de uma ação “viral” espontânea. A pioneira foi a
Galo Queer, que inspirou o aparecimento de outras comunidades de torcedorxs de perfil
semelhante, como Cruzeiro Maria, Bambi Tricolor, Palmeiras Livre, Grêmio Queer e Queerlorado.
Além de espaços de exaltação do time “de coração”, essas comunidades também se constituíram em
canais que produzem e divulgam conteúdos com o propósito de desnaturalizar e desconstruir a ideia
de que futebol é “coisa pra macho”, reivindicando também o reconhecimento da legitimidade da
participação de mulheres e pessoas LGBT. A fala de Thaís, representante da Palmeiras Livre,
também caracteriza o perfil descentralizado e, por vezes, heterogêneo desses grupos, cuja reunião
de seus integrantes só foi possível pela esfera virtual.
É engraçado que o coletivo nasceu com 2 membros de São Paulo e o resto de fora. Porque
tinha a Ligy, tinha a Ana e tinha a Lorraine, todas do Norte do país, e depois entrou o
William, que também morava em João Pessoa - ele não estava em São Paulo ainda. Aí só
tinha o Felipe e eu de São Paulo e a Amara, de Campinas, que também entrou e depois saiu.
Então, era uma coisa super espalhada. Eu vi crescer a questão do Galo Queer e aí, de
repente, alguém dentro da página comentou alguma coisa e colocou que existia a Palmeiras
Livre. Eu falei: “Nossa, que legal! Vou lá!”. Eu já vi que tinha espaço pras pessoas
colaborarem e aí eu já entrei no inbox e já me envolvi. Acho que na primeira semana de
fundação da página. eu já estava envolvida e já comecei a fazer as coisas. (Thaís Nozue,
Palmeiras Livre)
O Movimento Toda Poderosa Corinthiana (MTPC) foi criado em março de 2016, em um
momento que surgem e ganham visibilidade, movimentos de mulheres que reivindicavam ter a sua
condição de torcedoras plenamente reconhecida16. Questionam o machismo no futebol, as
16 Dentre eles é possível também mencionar os coletivos INTERfeminista, formado por torcedoras do Sport Club
Internacional (RS) (página no Facebook: https://www.facebook.com/coletivoINTERfeminista/) e o Movimento
Coralinas, coletivo formado por mulheres torcedoras do Santa Cruz Futebol Clube de Pernambuco (página no
Facebook: https://www.facebook.com/movcoralinas/)
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distinções (e interdições) colocadas às mulheres nos âmbitos do torcer, jogar e experienciar o
futebol, além de denunciar as experiências de assédio e violência sofridas pelas mulheres. O
feminismo é um importante instrumento de empoderamento e politização das mulheres que
constituem esses coletivos.
Nós juntamos uma equipe de nove mulheres para fazer a apresentação no teatro do
Corinthians sobre o Gênero Mulher. E nessa de pesquisar, a gente viu tanta falta de
representatividade. Fomos atrás da história da Elisa, que é a nossa torcedora-símbolo, e não
tem quase nada documentado e você não vê a história da mulher, nem no Corinthians e nem
em nada, né. Nós fizemos a nossa apresentação no dia 19 de março, foi muito legal e
durante as nossas reuniões, já começamos a ter ideias de montar um grupo de mulheres
corinthianas e desvincular desse núcleo do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO), que
tá dentro do Corinthians, então, tem questões políticas e tudo mais, que a gente não pode
falar dentro do clube. Aí a Moniquita falou: “No Orkut, a gente tinha um grupo chamado
Toda Poderosa Corinthiana. Vamos montar, porque morreu esse movimento”. Nem era um
movimento feminista, era um movimento de mulheres corinthianas. A gente falou: “Legal!
Vamos fazer a nossa apresentação, depois a gente lança um grupo fechado no Facebook,
chamado Movimento Toda Poderosa Corinthiana”. Fizemos a nossa apresentação e esse dia
foi muito legal, porque além da apresentação, a gente reinaugurou o monumento da Elisa,
dentro do Corinthians. (...) No domingo, a gente montou o grupo fechado do Movimento
Toda Poderosa Corinthiana, no Facebook, e começamos a chamar as amigas. No domingo à
noite, já tinha 300 mulheres dentro do grupo. A gente falou que era um grupo pra discutir
questões das mulheres dentro do clube, as dificuldades, o preconceito... Nessa semana, na
quarta-feira, teve um jogo entre Corinthians e São Bernardo e, no mesmo dia, teve o futebol
feminino do Corinthians que jogou em Manaus com 15 mil pessoas na Arena Manaus. Ou
seja duas baita manchetes! Quinta-feira de manhã, a gente acorda, e a Rô Siqueira – porque
a gente tinha um grupo das moderadoras do Movimento no whatsapp, que a gente mantém
até hoje – mandou mensagem falando assim: “Olha a capa do jornal Lance!” A capa era a
cheerleader do São Bernardo, topzinho, sainha, com pomponzinho, escrito: “Deu show!”
(...) Aí a gente: “Olha isso! Vamos falar sobre isso? Vamos fazer uma carta de repúdio?”
“Vamos!”. Eu virei e abri a página do Movimento no Facebook, porque até então era um
grupo fechado. Abrimos a página do Movimento Toda Poderosa Corinthiana com a nota de
repúdio à capa da Lance! Meu, foi uma loucura! (...) Foram rádios do Brasil inteiro
entrando em contato com a gente, jornais. “Quem são vocês?”. Foi um boom. (Analu
Tomé, MTPC)
Para Franco Junior (2007, 216), “o brasão ou escudo dos clubes de futebol constitui seu
símbolo (no sentido etimológico de ‘sinal de reconhecimento’) maior (...). O escudo é praticamente
a síntese material do clube, sua corporificação, daí a atenção e tensão maior de que é cercado”. Ao
usarem os símbolos, escudos e nomes dos respectivos times vinculando-os a referências dos
movimentos LGBT e da diversidade de gênero e sexual, as torcidas livres encontraram maior
resistência e rejeição por parte do grupo estabelecido no campo futebolístico, conforme fica
evidente na fala de Nathália:
Eu muito inocentemente peguei o escudo do Galo e pensei: “Bem, vou colorir o escudo”. E
isso deu uma polêmica que talvez tenha sido maior do que a própria criação do movimento.
Várias pessoas falaram: “Sim, eu apoio o movimento, mas isso de subverter o escudo do
Galo, isso aí é imperdoável, isso aí não pode...” Nossa, foi uma loucura! (...) A maioria das
ameaças e dos xingamentos eram mensagens pra página ou de posts na própria página –
depois a gente desativou a possibilidade das pessoas publicarem lá por causa disso, porque
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era uma chuva de xingamentos. Mas tinha amigos também, que vinham falar comigo na
linha do: “Ah, eu acho legal, mas pera aí...”, principalmente em relação a essa coisa do
escudo. Foram alguns dias de muito muito assédio, de pessoas vindo falar comigo o tempo
inteiro. As ameaças eram feitas 99% por homens e atleticanos. A gente recebia muito, até
hoje, às vezes, ainda recebe mensagens falando que aquilo é coisa de cruzeirense:“Isso aí é
coisa de “maria” pra sujar o nosso nome”. (Nathália Duarte, Galo Queer)
É recorrente que integrantes desses coletivos se vejam questionados, ou inferiorizados, por
“torcedores de verdade” e tenham a sua condição de torcedor/a deslegitimada. São comuns críticas
de que são ações que visam “misturar política com o futebol” ou, até mesmo, que se tratam de
páginas criadas por torcedores de times rivais com o propósito de ridicularizar o time em questão.
Em razão disso, além de conteúdos políticos que tratam de relações entre o futebol, a sociedade e as
violências de gênero, Galo Queer e Palmeiras Livre em suas postagens buscam, também, explicitar
a paixão que têm pelos times que torcem respectivamente e mostrar-se como torcedorxs que
acompanham a história e o desempenho do clube. Pode-se inferir que esta é uma estratégia para
estabelecer diálogo com os ditos torcedores estabelecidos, mas também que o simples fato de
apresentarem como torcedorxs é um ato político, pois visa transgredir com a ideia de que só o
homem cisgênero, heterossexual, o “macho”, é capaz de torcer e falar sobre futebol.
Eu entrei pro coletivo com umas propostas. “Ah, vamos colocar algum texto aí sobre o
Palmeiras, algumas curiosidades históricas aí do time. É aniversário da Arrancada Heroica,
vamos botar um texto sobre a Arrancada Heroica”. Porque essa foto vai ser compartilhada,
alguém vai chegar nessa foto. “Ah, é alguma coisa do Palmeiras”. Ela vai ler e tomar
conhecimento da página e das ideias que a gente defende e falar: “Nossa, tem uma página
aqui que é diferente, vou dar uma olhada, vou chegar mais”, “Nossa, existem torcedores
que pensam assim? Que legal!”. Eu acho que a coisa boa da internet é isso, ela é um canal.
A gente está ali, é um galera que existe. Se não está presente no espaço físico do futebol,
então esteja presente na internet, porque elas existem, essas pessoas existem, elas estão aí,
só não podem circular pela arquibancada livremente por uma série de questões. (Erick
Miyasato, Palmeiras Livre)
No caso do MTPC, a maioria das integrantes que compõem o grupo de moderadoras,
responsável pela curadoria do que é postado na página, é formado por mulheres de arquibancada,
que têm vínculos fortes com torcidas organizadas do Corinthians e com o próprio clube. Esse maior
contato e vivência com atores sociais já estabelecidos no ambiente do futebol, explica o fato da
página de Facebook pouco repercutir assuntos relacionados às atuações do time de futebol
masculino e optar por abordar “temas relacionados à mulher, não só sobre a mulher no futebol”, de
acordo com as palavras de Denise Bonfim, uma das moderadoras do MTPC.
A torcida organizada é definida pelas entrevistadas como o universo em que se vivencia
mais intensamente o futebol e nela reside a “essência” do que é ser Corinthians. Porém, o fato de ser
mulher neste espaço fez com que essas torcedoras se deparassem com interdições e estigmas. A
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desnaturalização dessas normas e violências simbólicas (e, por vezes, concretas), fez com que esse
grupo de mulheres se organizasse e buscasse fortalecer a sua condição de sujeitos nesse universo.
No entanto, a proximidade com as torcidas organizadas e o clube faz também com que exista uma
preocupação com a maneira como o coletivo se posiciona em relação aos episódios de violência de
gênero no futebol, em especial quando envolve o Corinthians. Em suas estratégias e práticas
discursivas de denúncia e desconstrução desses comportamentos, existe também o cuidado em não
expor o “amigo da bancada”, o que significa também não se exporem, uma vez que, segundo elas,
“na arquibancada todas as pessoas se conhecem”:
A gente começou a alimentar a página e chegou até a gente uma cartilha feita pela Estopim
da Fiel para os novos sócios. Nessa cartilha estava dizendo que as meninas não podiam ir
ao jogo de shorts, não poderiam fazer algumas coisas. A gente olhou e pensou assim: “Isso
está errado, vamos fazer alguma coisa sobre”. Transgredir é a nossa função. O nosso grupo
é um grupo de desconstrução, a gente desconstrói a nós mesmas todos os dias, porque é
muito difícil você lidar com torcidas organizadas, com os nossos amigos, porque a gente tá
batendo de frente com pessoas que frequentam jogos com a gente. “Vamos fazer uma nota
contra uma torcida organizada do Corinthians, contra os nossos amigos? Como vamos fazer
isso?” Nós ficamos um dia inteiro discutindo, conversando, porque é muito delicado. (...)
Não é uma coisa distante, que você pode soltar a bomba e sair correndo, porque no
domingo a pessoa vai estar lá do seu lado. Acho que a gente foi super delicada, abordou a
questão do jeito que a gente queria questionar: “Porque é que vocês ainda estão ditando a
maneira como a menina tem de se comportar em uma torcida organizada? Isso não tá
certo!” E aí eles entraram em contato com a gente. (...) Foi bem legal da parte deles, foi
correto. Falaram que a cartilha era de uma subsede e a diretoria não tinha aprovado. E a
gente falou assim: “Tudo bem, vamos publicar a nota de vocês”. Mas internet, nada vai
superar a primeira publicação. Todo mundo viu a nota sobre a cartilha, mas poucas pessoas
viram a resposta deles. A gente trata de questões muito delicadas, porque a gente tá ali
falando de condutas de torcidas organizadas. Mas hoje à noite tem jogo e o que a gente fala
aqui, reflete no que acontece no jogo. Todo mundo se conhece, então, não é difícil que uma
pessoa chegue em você no jogo e fale: “Olha, não foi legal, não gostei daquilo que você
publicou”. E assim, num cenário muito bom, a pessoa vai falar isso. (Denise Bonfim,
MTPC)
A possibilidade de intimidação ou violência, subentendida na fala de Denise, é justamente o
que faz com que os coletivos estudados optem por fazer manifestações públicas quase que
exclusivamente pelas redes sociais. Mesmo frequentando os estádios, as pessoas entrevistadas
reiteram que não se sentem seguras para levar a esses locais, bandeiras, camisas e símbolos que
façam referência aos coletivos que representam. Na esfera virtual, essa violência e intimidação são
constantes e integrantes dos coletivos mostram-se habituados a elas. Thaís, do Palmeiras Livre,
porém, relata uma situação em que sentiu medo, após ter o seu perfil pessoal divulgado entre
torcedores palmeirenses, que indignados com a existência da comunidade no Facebook, fizeram
ameaças a ela e a outros integrantes do coletivo:
Fiquei bem amedrontada. A gente conversou no grupo, falou: “Olha, a gente tem uma
causa, a gente acredita em coisas, mas não temos vocação para mártir, vamos segurar um
pouco”. Eu fiquei muito nervosa, com medo, tive que mudar nome no Facebook, ocultei as
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minhas publicações para preservar a minha filha, meu namorado, minha família. Isso durou
um mês, até eu me reestabelecer por completo, porque fiquei com muito medo, nunca tinha
acontecido isso. Eu fiquei com medo de ir em estádio e de me expor mais ainda, porque
afinal de contas eu estou aí dando minha cara em nome do Palmeiras Livre. Mas o medo
real dura 24 horas. Eu não queria publicizar, não queria falar nada. Mas eles e o pessoal que
acompanha a página, me acolheram, me deram força... Resolvemos fazer um texto pra
publicar na nossa página. A gente não vai mais ficar com medo, porque esse é o objetivo.
Pessoalmente, fisicamente, não me fizeram nada, mas a gente não sabe quem são essas
pessoas e do que elas são capazes de fazer. Eu fiz os meus contatos com pessoas ligadas
diretamente a essa pessoa: ‘Ih, desencana, isso aí só ladra, não faz nada, não acontece
nada’. Mas e pra acreditar? Afinal de contas, a pessoa não faz nada, mas ela manda fazer,
ela incita a violência. O futebol mexe com muita emoção e dentro da torcida organizada a
gente tem um público muito misto. A gente não sabe quem é cada um ali... (Thaís Nozue,
Palmeiras Livre)
Mesmo com as dificuldades e violências, esses coletivos e movimentos de torcedorxs fazem
uma militância importante contra o machismo e a homofobia no futebol brasileiro. Por meio das
práticas discursivas que elaboram, além da busca do reconhecimento da sua condição de sujeitos
torcedorxs, há também o anseio de fazer parte de outras lutas, desestabilizando, assim, normas do
campo, que produzem hierarquizações e segregações.
A gente deseja um futebol com menos catraca. Com mais inclusão e, pelo menos, um pouco
mais de reflexão e diálogo entre as torcidas. A rivalidade está ali, a gente brinca, faz piada,
continua a mesma coisa, sabe? Só deixou de ser preconceituoso, racista e homofóbico. A
gente deseja que isso se expanda, que as pessoas reflitam mais sobre as suas posturas. Não
só no futebol, mas também nos outros setores da vida. Porque vida é isso tudo, inclusive
futebol. (Thaís Nozue, Palmeiras Livre)
No geral, a gente quer que o coletivo, o movimento se fortaleça, daqui alguns anos seja
realmente um movimento super legal, que a gente possa juntar mais e mais corinthianas e
conquiste direitos. (...) Na verdade, Corinthians, feminismo e a política, hoje em dia os três
são muito ligados e sempre trabalhando para o bem comum e fazendo para um mundo mais
justo, é isso que eu quero. E aí eu tô usando o Corinthians, pra no futuro, daqui uns 100,
200 anos, lembrarem do Movimento Toda Poderosa Corinthiana, e falarem: “Pô, que legal
essas mulheres! Nossa, elas eram super modernas na época...” (risos) (Analu Tomé, MTPC)
Considerações finais
O projeto Pelo Direito de Torcer surge motivado pelo anseio de mapear grupos e
movimentos de torcedorxs contrários à norma de que o futebol é jogo “pra macho”, assim como de
conhecer as suas vivências, discursos e embates com o futebol e os times de coração. É possível
afirmar que estes torcedorxs vivem em uma situação de maior “precariedade”17, em relação aos
17 Para Butler (2016, 31-32): “A precariedade implica viver socialmente, isto é que o fato de que a vida de alguém está
sempre, de alguma forma, nas mãos do outro. Isso implica estarmos expostos não somente àqueles que conhecemos,
mas também àqueles que não conhecemos, isto é, dependemos das pessoas que conhecemos, das que conhecemos
superficialmente e das que desconhecemos totalmente. (...) É exatamente porque um ser vivo pode morrer que é
necessário cuidar dele para que possa viver. Apenas nas condições nas quais a perda tem importância o valor da vida
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atores sociais já legitimados dentro do futebol. Esta precariedade fica evidente pelas ameaças e
ofensas que integrantes desses grupos constantemente recebem e também pelo sentimento de falta
de segurança para a ida aos estádios, empunhando qualquer identificação que faça referência às
torcidas-coletivos.
Ainda assim, é possível dizer que a militância pelo direito pleno de torcer, independente da
identidade de gênero, de orientação afetiva e da maneira como elas são expressadas no campo
futebolístico, passa pela atuação desses coletivos e movimentos de torcedorxs que existem no
Brasil, que se constituem em espaços de resistência e de luta para inserção no campo futebolístico.
É possível inferir, a partir de Butler (2016), que o uso da palavra feito por esses grupos tem como
pressuposto ético a “resposta não violenta”:
Na realidade, a não violência como “convocação” ética não poderia ser
compreendida se não fosse pela violência envolvida na elaboração e na
sustentação do sujeito. Não haveria luta, obrigação nem dificuldade. A questão
não é erradicar as condições da produção de alguém, mas apenas assumir a
responsabilidade de viver uma vida que conteste o poder determinante dessa
produção. Em outras palavras, uma vida que faça bom uso da iterabilidade das
normas produtivas e, consequentemente, de sua fragilidade e capacidade de
transformação. (...) É precisamente porque se está imerso na violência que a luta
existe, e que surge a possibilidade da não violência. (BUTLER: 2016, 240-1)
O objetivo do projeto, no futuro, é seguir com a identificação e registro dessas histórias,
reconhecendo que nelas existem trajetórias de atores que contribuem para evidenciar um campo de
tensão nos espaços do futebol. Por meio do uso da palavra e de posicionamentos principalmente
contra a homofobia e a misoginia, tais coletivos rompem com a norma segregadora que tem
caracterizado o futebol brasileiro há décadas, propondo através de suas existências e resistências,
que o jogo e os modos de torcer não normalizem a exclusão e a invisibilidade de sujeitos.
Referências
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aparece efetivamente. Portanto, a possibilidade de ser enlutada é um pressuposto para toda vida que importa.”
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______________. Quadros de Guerra: Quando a vida é passível de luto? 1ª Ed. Rio de Janeiro:
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“Pelo direito de torcer”: football fans’ groups experience against the idea that football is a
"game for male"
Astract: In football elitization times and greater control of the public who attends the new sports
arenas, the project "Pelo Direito de Torcer" aims to give voice and record testimonies of people
who have claimed space and the right to support their teams inside and outside football fields. One
of the main objectives of the project is to listen to the actors who somehow question the idea that
football in Brazil is a "game for male", naturalizing heterosexual, cis man as the legitimate
participant and interlocutor of this sport. In this logic, homophobic and misogynist offenses and
gender-based violence are recurrent and naturalized in the stadiums, and sometimes constantly
reaffirmed not only by the fans - organized or not - as well as by the model agents of this sport:
players, managers, specialized media and federations. For this reason, members of fans' groups
were invited, which, in addition to the exaltation for their team, have as main flag the demand for a
greater participation of women and people from LGBT community in football. The present work
aims to analyze narratives produced by some of these actors, in this case, members of two groups,
Palmeiras Livre and Movimento Toda Poderosa Corinthiana, both from São Paulo, exploring their
experiences with sport, articulations for the group formation , performances in social networks and
their relationships with other groups of fans already established in this universe.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Keywords: Football. Masculinities. Homophobia. Male chauvinism.