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PENSAMENTO COMUNICACIONAL BRASILEIRO O legado das ciências humanas I – História e sociedade

Pensamento ComuniCaCional Brasileiro i – História e sociedade

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro o legado das ciências humanas

i – História e sociedade

i – História e sociedade

José Marques de MeloGuilherme Moreira Fernandes

(organizadores)

comunicação

PensaMento CoMuniCaCional Brasileiroo legado das ciências humanas

i – História e sociedade

Copyright © Paulus 2014

Direção editorialClaudiano avelino dos santos

Coordenação editorialValdir José de Castro

Produção editorialaGWM artes Gráficas

Preparação de originaisClaiton César CzizewskiÉlmano ricarte de azevedo souzaGuilherme Moreira Fernandes

Impressão e acabamentoPaulus

© PAULUS – 2014

rua Francisco Cruz, 22904117-091 – são Paulo (Brasil)tel.: (11) 5087-3700 – Fax: (11) [email protected]

ISBN 978-85-349-3984-3

Pensamento comunicacional brasileiro : o legado das ciências humanas i : história e sociedade / José Marques de Melo, Guilherme Moreira Fernandes (organizadores). 1. ed. – são Paulo : Paulus, 2014. – (Coleção Comunicação)

Vários autores ISBN 978-85-349-3984-3

1. Ciências humanas – História – sociedade 2. Comunicação 3. Comunicação – aspectos sociais i. Melo, José Marques de. ii. Fernandes, Guilherme Moreira. iii. série.

14-06882 CDD-302.2

Índices para catálogo sistemático:

1. Comunicação e sociedade : sociologia 302.2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

1ª- edição, 2014

Coautores

alceu Maynard araújo

Barbosa lima sobrinho

emilio Willems

Fernando de azevedo

Florestan Fernandes

Jarbas Maciel

luís da Câmara Cascudo

Manuel Diégues Júnior

Paulo Freire

Virgílio noya Pinto

Colaboradores

anderson lopes da silvaandré Giulliano MaziniÂngela Cristina salgueiro Marquesantônio HohlfeldtBruno augusto amador BarretoChristina Ferraz MusseClaiton César CzizewskiCristina Brandãoedgard rebouçaserotilde Honório silvaevandro José Medeiros laiaFelipe PenaFrancielle Maria Modesto MendesFrancisco aquinei timóteo QueirósGuilherme Moreira FernandesJosé Marques de MeloJúnior Pinheirolídia ramiresMarcelo sabbatiniMarcio FernandesMarcius CortezMarcos Paulo da silva

Maria Berenice da Costa MachadoMaria Érica de oliveira limaMaria José oliveiraMaria Madalena FernandesMarialva Carlos BarbosaMarli dos santosMoisés de lemos MartinsPatricia Bandeira de MeloPaulo roberto Figueira lealregiane regina ribeiroroberta Manuela Barros

de andraderodrigo Gabriotirosa Maria Cardoso Dalla Costasandra Pereira tostasebastião Guilherme albanosérgio Mattossônia Jaconityciane Cronemberger Viana VazVerônica Dantas MenesesWagner da Costa silvaWalmir de albuquerque Barbosa

Volume 1

Sumário

Prefácioantônio Hohlfeldt .............................................................................. 11

APresentAçãoGuilherme Moreira Fernandes .............................................................. 13

introduçãoJosé Marques de Melo ........................................................................ 19

Parte I

coMunicAção HuMAnA: GÊnese e eVoLução .............................. 33

Para entender a gênese da comunicação humanaGuilherme Moreira Fernandes e evandro José Medeiros laia ................. 35

1. AS reLAçõeS De PAreNteSCo ............................................ 51

as relações de parentesco segundo lévi-straussWalmir de albuquerque Barbosa ..................................................... 53

a dimensão comunicativa em lévi-straussClaiton César Czizewski e Guilherme Moreira Fernandes ..................... 63

lévi-strauss: o espírito de um método!sandra Pereira tosta ...................................................................... 69

2. AS reLAçõeS De vIzINhANçA ............................................ 77

as relações de vizinhança segundo Câmara CascudoJúnior Pinheiro .............................................................................. 79

Considerações sobre as relações de vizinhançaluís da Câmara Cascudo ................................................................ 87

a vizinhança, o folkway e Câmara Cascudo no século XXisebastião Guilherme albano e Maria Érica de oliveira lima .................. 95

3. AS reLAçõeS CogNItIvAS ................................................... 103

as relações cognitivas segundo Jarbas MacielMarcius Cortez ............................................................................. 105

Fundamentação teórica do sistema Paulo Freire de educaçãoJarbas Maciel ................................................................................ 111

o sistema Paulo Freire e os desafios da educação-comunicação e cultura no século XXirosa Maria Cardoso Dalla Costa ...................................................... 131

4. AS reLAçõeS LúDICAS ......................................................... 139

as relações lúdicas segundo Florestan FernandesMaria José oliveira ........................................................................ 141

Funções sociais do folclore paulistanoFlorestan Fernandes ....................................................................... 151

as funções do folclore pela perspectiva teórica de Florestan FernandesMarli dos santos ........................................................................... 171

5. AS reLAçõeS LINgUÍStICAS ................................................. 179

as relações linguísticas segundo Barbosa lima sobrinhoPatricia Bandeira de Melo ............................................................... 181

os idiomas nacionais e o fator políticoBarbosa lima sobrinho .................................................................. 189

a língua portuguesa e seu perfil de idioma e dialeto: as indagações de Barbosa lima sobrinhosônia Jaconi ................................................................................. 207

6. AS reLAçõeS hIStórICAS .................................................... 213

as relações históricas segundo Virgílio noya PintoPaulo roberto Figueira leal ............................................................. 215

Das estradas persas às rodovias da informaçãoVirgílio noya Pinto ......................................................................... 221

estradas e rodovias: nas fronteiras entre comunicação, história e geografiaandré Giulliano Mazini e Bruno augusto amador Barreto .................... 231

CoNtextUALIzAção teórICA ................................................ 237

reciprocidade, relações de poder e funções sociais: um tratado de transversalidadeMarcos Paulo da silva .................................................................... 239

refLexão PeDAgógICA ........................................................... 255

Por que estudar os clássicos?Marialva Carlos Barbosa ................................................................. 257

Parte II

coMunicAção: Processo sociAL Básico ..................................... 267

Para entender a comunicação como processo social básicoanderson lopes da silva e regiane regina ribeiro .............................. 269

1. ComUNICAção SoCIAL ....................................................... 291

Comunicação social segundo emilio Willemstyciane Cronemberger Viana Vaz ..................................................... 293

Vizinhança, multidão, associações e festas: tradições e transições de um vila brasileiraemilio Willems .............................................................................. 301

o olhar viajante de emilio WillemsMarcio Fernandes .......................................................................... 389

2. ComUNICAção ComUNItárIA ........................................... 397

Comunicação comunitária segundo alceu Maynard araújolídia ramires ................................................................................ 399

a família numa comunidade alagoanaalceu Maynard araújo ................................................................... 407

o olhar etnográfico de Maynard araújoVerônica Dantas Meneses ............................................................... 429

3. ComUNICAção LIBertADorA ............................................ 439

Comunicação libertadora segundo Paulo FreireMarcelo sabbatini ......................................................................... 441

Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processoPaulo Freire .................................................................................. 451

Comunicação, consciência e liberdade à luz de Paulo FreireWagner da Costa silva, Francielle Maria Modesto Mendes e Francisco aquinei timóteo Queirós ................................................ 479

4. ComUNICAção INterCULtUrAL ........................................ 485

Comunicação intercultural segundo Manuel Diégues JúniorChristina Ferraz Musse ................................................................... 487

imigração, urbanização e industrializaçãoManuel Diégues Júnior ................................................................... 495

Desconstrução do pensamento de Diégues Júniorerotilde Honório silva e roberta Manuela Barros de andrade ................ 525

5. ComUNICAção LIterárIA .................................................. 537

o trabalho da vingança na comunicação literária segundo antonio CandidoCristina Brandão ........................................................................... 539

a vingança em antonio CandidoMaria Madalena Fernandes ............................................................. 549

o entretenimento como valor estético: de García Márquez a antonio CandidoFelipe Pena .................................................................................. 555

6. ComUNICAção CIDADã ...................................................... 561

a opinião pública segundo Fernando de azevedorodrigo Gabrioti ........................................................................... 563

a opinião pública e a educaçãoFernando de azevedo .................................................................... 573

o método de Fernando de azevedo para observar e analisar a opinião públicasérgio Mattos ............................................................................... 593

CoNtextUALIzAção teórICA ................................................ 599

a riqueza dos clássicos (ou uma prazerosa viagem no tempo)edgard rebouças .......................................................................... 601

refLexão PeDAgógICA ........................................................... 615

Dimensões centrais dos processos comunicativos: sociabilidade, autonomia, opinião pública e instituiçõesÂngela Cristina salgueiro Marques ................................................... 617

PosfácioMoisés de lemos Martins .................................................................... 637

soBre os Autores .......................................................................... 641

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PreFáCio

antônio Hohlfeldt

Escrever um prefácio a mais uma obra de José Marques de Melo apresenta imensas dificuldades. Por mais que conhe-çamos seu trabalho, por mais que tenhamos lido suas obras,

o autor alagoano, radicado há muitas décadas em São Paulo, sem-pre nos surpreende. Se alguém espera que ele deixe o ritmo trepi-dante que sempre marcou sua carreira, engana-se. Ainda agora idealizou uma obra que é sui generis por todos os aspectos que se a examine.

Primeiro, pela própria concepção do volume: reunião de tex-tos teóricos que, embora periféricos à comunicação social, estri-tamente falando, com ela dialogam produtivamente. Segundo, porque se trata de textos firmados essencialmente por autores brasileiros, o que significa apontar para a possibilidade de se pen-sar os fenômenos comunicacionais a partir de uma perspectiva brasileira. Terceiro, porque a própria concepção da obra é ino-vadora e desafiadora: para além do texto selecionado, juntam-se exegeses e comentários de pesquisadores diretamente vinculados com o campo da comunicação social, o que significa, acima de tudo, uma leitura de atualização que se estabelece imediatamente para quem se disponha a folhear este volume. Por fim, todo este trabalho está, ao mesmo tempo em que coordenado por ele, José

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro

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Marques de Melo, distribuído entre pesquisadores brasileiros de várias gerações e das mais diferentes regiões do Brasil, como que a indicar a intenção de, efetivamente, abarcar, no tempo e no espaço, as repercussões que os textos originais e seus autores pos-sam ter produzido ou continuar a produzir entre nós.

A metodologia adotada por Marques de Melo não é nova: tem sido assim, ao longo dos anos, que ele aproxima as mais distantes gerações de pensadores e pesquisadores brasileiros entre si. E é assim que ele mantém a dinâmica da produção teórica e reflexiva sobre a comunicação social em nosso país, a partir, justamente, dos baluartes da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Inter-disciplinares da Comunicação), de que ele foi mentor, fundador, e tem sido, ao longo das décadas, animador sempre constante.

O livro, enfim, ainda traz um último contributo significativo: reafirma a crença no processo de antologias, que não são simples reunião de textos de autores variados, mas que obedecem a um norte previamente traçado, idealizado por quem imaginou e organizou o volume. Culminando e, de certo modo, ratificando aquilo que José Marques de Melo defendeu e praticou ao longo de toda a sua vida, articulam-se aqui, em torno da obra, todos aque-les pesquisadores que representam, direta ou indiretamente, as variadas instâncias de entidades associativas igualmente fomen-tadas pelo autor e que evidenciam a potencialidade do campo da comunicação social.

Porto Alegre, abril de 2014.

Prof. Dr. Antonio HohlfeldtPresidente da Intercom

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aPresentação

Guilherme Moreira Fernandes

Em dezembro de 2013, durante o VIII Simpósio Nacional de Ciências da Comunicação (Sinacom), fui a São Paulo para lançar minha primeira parceria editorial com o

grande mestre José Marques de Melo, o livro Metamorfose da folkcomunicação (Editae Cultural, 2013). À ocasião recebi o con-vite para trabalhar em mais uma “quase epopeia”, que acabou se tornando este livro que ora apresentamos ao leitor. Durante os meses daquele dezembro e janeiro de 2014 foram várias as trocas de e-mail com o intuito de debater o melhor formato para o livro. Optamos por seguir uma estratégia similar a que fizemos no Metamorfose da folkcomunicação, ou seja, a cada “texto-base” seria acrescentado um “texto introdutório” e haveria um outro amar-rando cada uma das seções. Após diversas discussões, modifica-mos o formato e a cada “texto-base” foram acrescentados dois outros textos. O primeiro, de natureza biobibliográfica, ressal-tando a trajetória do autor e a importância do texto, e outro, de natureza metodológica, trazendo novas contribuições ao texto. Dividimos a produção em dois momentos; assim, os autores das notas metodológicas tiveram acesso aos textos biobibliográficos o que evitou possíveis repetições desnecessárias.

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Cada uma das seis seções presentes no conjunto da obra tive-ram outros três textos. O primeiro, denominado “introdução”, visa apresentar o conjunto de textos em consonância com o título da seção. O segundo, que chamamos de “contextualização teórica”, publicado após os “textos-base” e suas respectivas notas, tem como objetivo amarrar os seis textos presentes da seção, visto que os autores são filiados a distintas áreas e não apresentam diálogos per se. Por fim, “reflexão pedagógica” é o texto de fecho e traz contri-buições para a leitura reflexiva. Os exegetas da “contextualização teórica” tiveram acesso às notas biobibliográficas, e os convida-dos para redigir as “reflexão pedagógica”, por sua vez, tiveram conhecimento dos textos de “introdução”. É necessário lembrar que os “textos-base” lidos pelos pesquisadores convidados estão reproduzidos na íntegra neste volume. Neste ponto aproveito para publicizar meus agradecimentos aos professores Claiton César Czizewski e Élmano Ricarte de Azevedo Souza, que me ajudaram na preparação dos originais.

A escolha dos exegetas não foi arbitrária. Procuramos pesqui-sadores que possuem afinidade com o autor ou com o tema refle-tido no texto. Conseguimos representantes de todos os Estados da federação. Do Rio Grande do Sul ao Amapá, da Paraíba ao Acre. Mobilizamos 111 autores, além dos 35 pensadores que com-põem os “textos-base”, totalizando 146 autores.

No momento do copydesk, ao se aproximar das mil páginas e ainda estarmos na quarta seção do livro, a sapiência de Marques de Melo aconselhou dividirmos a obra em três volumes. O pri-meiro volume – “História e sociedade” – foca sobretudo os proces-sos comunicativos axiológicos; o segundo – “Cultura e poder” – apresenta aspectos e traços da comunicação; e o terceiro – “Mídia e consumo” – reúne textos com o propósito de refletir cogniti-vamente a aplicabilidade da comunicação e sua relação com as ciências sociais e humanas. A divisão permite que os livros pos-sam ser lidos em conjunto ou de forma separada, sem se ater à ordem dos volumes.

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apresentaçÃo

15O livro está em consonância com as preocupações do professor

Marques de Melo de resgatar e trazer à baila o estado da arte da comunicação. Ao contrário de outras publicações com vistas nos teóricos e pensadores da comunicação stricto sensu, este livro traz uma abertura e uma visão do processo comunicacional de forma lato. Todos os 35 pensadores reunidos nos “textos-base” não são oriundos do campo comunicacional, são reconhecidos por pares em outras esferas da grande área das ciências humanas e sociais. Contudo, suas diversas contribuições ao universo comunicacio-nal os fazem autores-referências. O caráter que diferencia esta de tantas outras antologias é a presença dos intérpretes-leitores. Estes, sim, pesquisadores atuantes no campo comunicacional que direcionaram seu olhar para a comunicação inscrita e circunscrita nestes 36 textos. Apesar dos nossos esforços, não conseguimos autorização para a reprodução de todos os textos que gostaríamos. Nestes casos, substituímos o “texto-base” por um comentário com as principais indicações comunicacionais presentes no texto que serviu de base para os exegetas e que não estão presentes nesta antologia.

Também consonante com a perspectiva pedagógica do profes-sor Marques de Melo, o livro apresenta visões das mais distintas gerações de pesquisadores. De mestrandos a renomados e pres-tigiados pesquisadores do campo comunicacional. As diversas orientações metodológicas e epistemológicas coexistem lado a lado. O resultado é um amplo mosaico da sociedade e cultura brasileira à luz das ciências da comunicação.

Este primeiro volume está dividido em duas partes. A pri-meira, denominada “Comunicação humana: gênese e evolução”, apresenta a visão comunicacional de Lévi-Strauss, Câmara Cas-cudo, Jarbas Maciel, Florestan Fernandes, Barbosa Lima Sobrinho e Virgílio Noya Pinto. Esta talvez seja a seção que menos trata da comunicação no sentido imputado pelos comunicólogos. Surge então a inevitável pergunta: “Por que um livro que visa traçar um panorama da comunicação (mesmo que via autores das ciên-cias humanas) apresenta textos que não trazem a comunicação no

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sentido em que o público-alvo desta coletânea almeja encontrar?”. Sobre o conceito de comunicação, é certo que ele está longe de ser um consenso entre os estudiosos do campo/disciplina. Em rápida consulta a manuais de teoria da comunicação, deparamo-nos sem-pre com fragmentos que visam não fechar o conceito. Entre os inúmeros exemplos, destacamos dois. Marques de Melo (1971, p. 11) escreve em resposta à pergunta “O que é comunicação?”: “A essa pergunta, nos dias de hoje, inúmeras e controvertidas respos-tas, em nível conceitual, são dadas pelos estudiosos da sociedade”. Martino (2010, p. 11) também inicia seu texto praticamente da mesma forma, diz o autor: “Antes de entrarmos nos problemas relativos à definição da comunicação, é importante destacar que não se trata de achar a verdade ou eleger um único sentido em detrimento dos vários usos do termo. Afinal, não temos nenhuma razão para negar outras tantas acepções válidas”.

Sem entrar no mérito de a comunicação ser uma disciplina ou um campo (Braga, 2010), podemos, sim, determinar o que cha-mamos, concebemos e entendemos por comunicação. A tentativa de Marques de Melo (1971, pp. 14-25) traz o conceito subdivi-dido em diversas correntes, tendo assim os conceitos: etimoló-gico, biológico, pedagógico, histórico, sociológico, antropológico e psicológico. Martino (2010) usou como estratégia a constru-ção “em pedaços” do conceito de comunicação, valendo-se da eti-mologia do termo, passando pelo significado expresso nos dicio-nários e, em seguida, por uma reflexão crítica dos termos e seu uso polissêmico.

A leitura conjunta dos textos também não vai fechar essa questão. É interessante notar que os três textos de síntese (introdução, contextualização teórica e reflexão pedagógica) trazem distintos questionamentos e abordam essa questão de forma quase contraditória. Fica então o instigante convite para o leitor pensar a comunicação humana em seus diversos vieses: seja na relação de parentesco (Lévi-Strauss), nas relações de vizi-nhança (Cascudo), na antropologia da educação (Maciel), no fol-clore lúdico (Fernandes), nos usos da língua portuguesa (Lima

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apresentaçÃo

17Sobrinho) ou por meio das relações históricas (Noya Pinto). Certamente as notas que abrem e fecham os textos vão ajudar o leitor neste processo.

A segunda parte – “Comunicação: processo social básico” – traz subsídios para a compreensão das diversas formas pelas quais o processo comunicativo está presente. Berlo (1968, p. 29) mos-tra que, “quando chamamos algo de processo, queremos dizer também que não tem um começo, um fim, uma sequência fixa de eventos. Não é estática, parada”. Mais adiante, diz o teórico que, “ao comunicar, procuramos realizar objetivos relacionados com a nossa intenção básica de afetar o ambiente e a nós mesmos” (1968, p. 151). Em diálogo: Willems, Maynard Araújo, Paulo Freire, Diégues Júnior, Antonio Candido e Fernando de Azevedo.

Novamente o debate teórico da comunicação não é a tônica de nenhum dos textos. O que vamos encontrar são situações em que a comunicação está presente. É interessante observar como a comunicação é tratada em diferentes angulações. A síntese de cada debate mostra especificidades das subáreas da comunicação. Nesse ínterim, apresentamos debates sobre a cidade (Willems), as comunidades periféricas (Maynard Araújo), a educomunica-ção (Paulo Freire), os imigrantes (Diégues Júnior), o folhetim (Candido) e a opinião pública (Azevedo). Os textos de sínteses, por sua vez, ampliam o debate e a visão da comunicação como processo social.

O segundo volume apresenta as seções “Comunicação: fenô-meno cultural”, com Egon Schaden, Gilberto Freyre, Rubem Oliven, Alfredo Bosi, Darcy Ribeiro e Vamireh Chacon; e “Comu-nicação: sistema de poder”, apresentando as visões de Carlos Gui-lherme Mota, José Nilo Tavares, René Dreifuss, Ruth Cardoso, Juan Díaz Bordenave e Celso Furtado.

Já o terceiro volume é composto pelas seções “Comunica-ção: fluxos comportamentais (consumo, participação e opinião pública)”, com as pesquisas de Gabriel Cohn, Arthur Ramos, Cândido Mendes, Samuel Profomm Neto, Ingrid Sarti e Octavio Ianni; e “Comunicação: ciências sociais aplicadas”, com estudos

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro

de Octavio Eduardo, Florestan Fernandes, Dante Moreira Leite, Maria Isaura Pereira de Queiróz, Luiz da Costa Lima e Fernando Henrique Cardoso.

Deixamos as construções simbólicas a cargo dos leitores e desejamos uma proveitosa leitura.

referêNCIAS

BERLO, David K. O processo da comunicação: introdução à teoria e prática. 2ª- ed. Rio de Janeiro; São Paulo; Lisboa: Fundo de Cultura, 1968.

BRAGA, José Luiz. “Disciplina ou campo? – O desafio da consolidação dos estudos em comunicação”, in: FERREIRA, Jairo; PAOLIELLO, Francisco J.; SIGNA-TES, Luiz (orgs.). Estudos de comunicação: transversalidades epistemológicas. São Leopoldo: Unisinos, 2010, pp. 19-37.

MARQUES DE MELO, José. Comunicação social: teoria e pesquisa. 2ª- ed. Petrópolis: Vozes, 1971.

MARQUES DE MELO, José; FERNANDES, Guilherme M. (orgs.). Metamorfose da folkcomunicação – Antologia brasileira. São Paulo: Editae Cultural, 2013.

MARTINO, Luiz C. “De qual comunicação estamos falando?”, in: HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera (orgs.). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. 10ª- ed. Petrópolis: Vozes, 2010, pp. 11-25.

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introDução

José Marques de Melo

A ideia da obra enciclopédica Pensamento comunica-cional brasileiro: o legado das ciências humanas (volume 1 – História e sociedade; volume 2 – Cultura

e poder; volume 3 – Mídia e consumo) surgiu nos idos dos anos 60 do século passado, quando ingressei na carreira acadêmica.

Para elaborar minha tese de pós-graduação no Centro Inter-nacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina, como bolsista da Unesco, garimpei a literatura nacio-nal, tentando encontrar fontes capazes de respaldar o objeto fun-damental da pesquisa. Tive a nítida sensação de catar agulha em palheiro.

Naquela ocasião, as anotações feitas incluíram apenas dois brasileiros – os baianos Anísio Teixeira (discípulo da Escola de Chicago) e Leôncio Basbaum (discípulo da Escola de Moscou) – e um brazilianist francófono. Refiro-me a Claude Lévi-Strauss, francês que ajudara a fundar a Universidade de São Paulo, na década de 1930, e se exilou nos Estados Unidos quando Paris foi ocupada pelos nazistas, na II Guerra Mundial. Mais tarde foi reverenciado como patriarca do estruturalismo, corrente de estu-dos ancorada em pesquisas de campo feitas em tribos indígenas do Brasil e da América do Norte.

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro

Todos foram devidamente citados no capítulo inicial – “Comu-nicação: conceitos e estrutura” – do meu primeiro livro, Comuni-cação social – Teoria e pesquisa (Vozes, 1970).

Não desisti, contudo, dessa identificação geoculturalista, arru-mando os pedaços do mosaico cognitivo que serviu como matéria--prima para os ensaios “A imprensa como objeto de estudo cientí-fico no Brasil” e “O estudo científico do jornalismo”, publicados no livro Estudos de jornalismo comparado (Pioneira, 1972).

Além dos pernambucanos Gilberto Freyre e Luiz Beltrão, des-tacados no título daquele capítulo, localizei outros intelectuais que haviam conquistado legitimação nacional: o alagoano Arthur Ramos, o fluminense José Honório Rodrigues, o pernambucano Amaro Quintas, o paraense Vicente Salles, o mineiro Pedro Para-fita Bessa, o gaúcho Carlos Oberacker Jr. e os paulistas Emília Viotti, Edgar Carone, Florestan Fernandes, bem como os brazi-lianists Roger Bastide, Jean Roche (franceses), Emilio Willems (alemão) e Zdenek Hampejs (tcheco).

Tendo em vista a escassez de obras em circulação no mercado nacional que pudessem suprir as carências intelectuais dos jovens ingressantes em nossas faculdades de comunicação, empreendi uma ambiciosa cruzada para divulgar suas ideias, tanto através de anto-logias quanto de opúsculos editados pela gráfica da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Infelizmente essa experiência, contabilizando mais de uma centena de títulos (Mattos, 2010, p. 148), sofreu descontinuidade durante a fase de endurecimento do regime militar. Ela só foi mantida pelas cole-ções de livros que coordenei ou assessorei em editoras particulares.

Fazia falta uma obra de referência contendo o inventário crí-tico das contribuições humanísticas ao campo comunicacional, considerando que a escassez de cabeças pensantes inibia a exposi-ção pública dos que tinham acumulado conhecimento nessa área. Além do Inventário da pesquisa em comunicação no Brasil (Intercom, 1984), cobrindo o período 1883-1983, trouxe uma modesta con-tribuição para reduzir esse gap cognitivo, publicando um guia das mais recentes obras destinadas ao estudo da comunicação.

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Introdução

21Trata-se de Fontes para o estudo da comunicação (Intercom, 1995),

cujo conteúdo refletia em grande parte o acervo bibliográfico que me servira no final do século XX. Estão ali registradas 690 indi-cações, a maior parte delas acrescidas de fichas informativas sobre a natureza de cada documento.

É bem verdade que vinte anos atrás publicara um livro con-tendo o mapa do conhecimento comunicacional brasileiro aces-sível em bibliotecas norte-americanas. Além das fichas-resumo de 235 documentos, selecionei alguns estudos paradigmáticos dos interesses que os brazilianists norte-americanos tinham naquela época, traduzindo dez artigos representativos do conjunto. Na introdução que escrevi para o livro Comunicação, modernização e difusão de inovações no Brasil (Vozes, 1978) achei necessário regis-trar minha perplexidade, problematizando a circunstância de a comunidade acadêmica dos Estados Unidos conhecer, muito mais que os seus pares brasileiros, os sistemas de comunicação no Brasil.

Usando a metáfora do “telhado de vidro”, expressei o mal--estar visível sempre que os intelectuais “verde-amarelos” se depa-ravam com “trabalhos sistemáticos, precisos e ricos em detalhes, sobre fatos específicos” da nossa realidade comunicacional.

Mais do que a sensação de estarmos sendo observados de fora, era o sentimento de que a sociedade brasileira resumira--se a um objeto passivo, uma vez que os pesquisadores ou as instituições que os patrocinaram não haviam demonstrado, a não ser com raras exceções, o menor interesse em comparti-lhar as suas experiências com os membros da comunidade aca-dêmica nacional, retribuindo o uso de tão rico laboratório [...]. (Marques de Melo, 1978, p. 6)

Esse “complexo de inferioridade” foi se desanuviando paulati-

namente quando a comunidade acadêmica brasileira das ciências da comunicação se organizou institucionalmente, criando meca-nismos de cooperação e intercâmbio. Os colóquios binacionais criados pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) de certo modo assumiram o papel de

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fórum de debates não apenas sobre questões teórico-metodológi-cas, mas sobre a natureza e a significação dos estudos realizados nos dois países.

Para tanto, o episódio-chave foi sem dúvida o congresso Inter-com 1982, quando a nossa vanguarda intelectual decidiu estabele-cer um diálogo orgânico com lideranças dos países hegemônicos, reconhecendo a dependência, tanto teórica quanto metodológica, dos estudos de comunicação no espaço denominado Terceiro Mundo.

a internacionalização das discussões ocorreu em dois planos: pri-meiro, através da reflexão que pesquisadores brasileiros realiza-ram sobre as tendências da pesquisa em comunicação nos países metropolitanos; segundo, através da participação de pesquisado-res estrangeiros [...] que trouxeram contribuições para revisar cri-ticamente os modos de investigar os processos de interação sim-bólica nos seus países de origem. (Marques de Melo, 1983, p. 11)

Uma década depois, o Brasil começava a superar seus traumas identitários, sentindo-se em condições de participar do debate internacional sobre as questões comunicacionais no mundo con-temporâneo. Ao sediar o Congresso Bienal (Guarujá, 1992) da International Association for Media and Communication Research (IAMCR), ultrapassávamos, de certo modo, o “complexo do colo-nizado”, como pode ser visto nos dois livros que distribuímos aos membros da comunidade acadêmica mundial inscritos nos con-gressos de Bled (antiga Iugoslávia) e do Guarujá (Brasil), agen-dando Brazilian Perspectives para questões que nos eram signifi-cativas: Communication and democracy (1991) e Communications for a new world (1993).

Na medida em que alcançáramos visibilidade mundial, em consequência da ação difusora da Intercom, testamos o efeito demonstração da nossa produção científica, atraindo novamente a comunidade acadêmica agrupada pela IAMCR para voltar a se reunir em território nacional, desta vez em Porto Alegre (2004). O balanço das nossas conquistas feito na ocasião indicava duas tendências convergentes.

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Introdução

23Conquistamos evidência mundial, especialmente pelo tamanho do nosso mercado como consumidor potencial das ideias ger-minadas no exterior. Corremos, por isso mesmo, o perigo de nos transformar em simples mercado de reserva para autores que necessitam de legitimação extramuros, mas cujas criações intelectuais muitas vezes configuram ideias fora do lugar (para não dizer fora do tempo). (Marques de Melo, 2005, p. 114)

Tal deslocamento estava implícito na denominação contida no título da memória daquele evento. Enquanto a versão em língua portuguesa privilegiava o vocábulo pensamento (reflexão, teoria, crítica), a tradução em língua inglesa mostrava-se reducionista, comedida, enunciando o campo de trabalho, através da palavra research (conhecimento, método, análise).

Trata-se de impasse semelhante ao que enfrentáramos no pri-meiro congresso da Intercom ao debater o conceito de sistemas de comunicação. A questão fora posta pelo Conselho Federal de Educa-ção ao instituir as disciplinas básicas do currículo mínimo imposto pelo governo militar aos cursos de comunicação de todo o país, ao qual a comunidade acadêmica reagiu concitando à “desobediên-cia civil”. Ou seja, cumprir a lei interpretada pela sociedade civil, desprezando as instruções emanadas do colegiado maior do ensino superior do nosso país.

Para melhor compreender a situação, tomemos como referên-cia o conteúdo da disciplina “sistemas de comunicação”, uma novi-dade no currículo mínimo federal para o qual não tínhamos refe-rentes claros na jurisprudência educativa nacional (Marques de Melo, 1978a, pp. 211-139).

Adotando o conceito estrutural de comunicação (Lévi-Strauss), o universo contemplado ampliou a compreensão dos sistemas nacionais, estabelecendo conexões entre a comunicação espacial (infraestrutura) e a comunicação cultural (superestrutura), de modo a entender como as vias (estradas) se articulam com os veículos (transportes) para permitir a veiculação (circulação) de mensagens (conteúdos) produzidas em três segmentos culturais (erudito, massivo e popular).

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro

Foi justamente para discernir a bibliografia destinada a essa disciplina que revisei o conhecimento estocado pelas ciências humanas, cuja riqueza exigia dos seus docentes uma compreensão multifacetada da sociedade brasileira (economia, política, cultura, comportamento, religião, vida cotidiana).

Tal inventário procurou combinar os parâmetros sugeridos por Abraham Moles (1974), para quem o “sistema de comunicação” é sinônimo de “circuito de comunicação e cultura”, cuja “diversifi-cação” depende do “canal” utilizado, bem como por Luiz Beltrão (1977, p. 123), cujo conceito abrange “conjunto específico de procedimentos, modalidades, ideias e sentimentos essenciais à convivência e aperfeiçoamento de pessoas e instituições que com-põem determinada parcela da sociedade, caracterizada pelo grau de integração no contexto civilizatório”, presumindo a coexistên-cia de dois grandes sistemas planetários: sistema de comunicação cultural (peculiar aos seres humanos) e exobiocomunicação (cons-tituído por seres de outras galáxias).

O inventário das obras ali esboçado alavancou a construção do perfil dessa enciclopédia, embora persistisse uma dúvida: que tipo de conteúdo deveria ser focalizado? Informação ou inter-pretação? Dado ou crítica? A experiência adquirida na elabora-ção do meu livro História do jornalismo (Paulus, 2012) foi deci-siva, pedagogicamente, para buscar o equilíbrio entre cognição e reflexão, entre factual e crítico, entre memória e previsão.

Na metade do século XIX,

[...] a pesquisa jornalística contempla a imprensa como enigma a ser desvendado no bojo da sociedade. Considerada como um “problema”, robustece a demanda por respostas convincentes, capazes de dirimir dúvidas de percepção, superar impasses cog-nitivos. [...] a seguir, o jornalismo deixa de ser pesquisado a partir do suporte tecnológico – a imprensa –, passando a ser entendido como processo sócio-político-econômico. É sintomá-tico que seu artífice – Barbosa lima sobrinho – faça a exegese da transformação do jornalismo em atividade mercantil, porém

comunicação

Introdução

25ainda não se refere nominalmente ao fenômeno. (Marques de Melo, 2012, pp. 22-23)

Voltei a me confrontar com questões dessa natureza quando

assumi o compromisso de revisar o pensamento comunicacional uspiano para explicar aos participantes do I Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americano a complexidade fisionômica da instituição-anfitriã, ou seja, a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Minha tarefa era mostrar aos cole-gas visitantes as profundas “raízes ibero-americanas” da institui-ção que os acolhia. Concebi uma obra estruturada em duas partes organicamente articuladas.

A primeira, em três tomos, averiguou a natureza do conhe-cimento comunicacional que “fez a cabeça” da primeira geração (1966-1972), em que se identifica uma forte presença de huma-nistas como agentes de conhecimentos hegemônicos na institui-ção. Estão ali explicitadas as correntes de pensamento que adensa-ram nossa escola: a dos “fundadores” endógenos (constituída por docentes oriundos de outras disciplinas). Portadores de conheci-mentos ou ideias consideradas “fora do lugar” ou “fora do tempo”, mas dialogando com um segmento oriundo do setor produtivo ou da militância sindical/profissional, tornaram-se difusores de ideias que “abalaram os alicerces” institucionais.

A elas se agrega a corrente constituída por “fundadores exó-genos” ou “novatos” educados dentro do campus, formando equipe mista de acadêmicos, profissionais, especialistas dotados de com-petência cognitiva e aderência temática.

A segunda obra, em dois tomos, focaliza o período inicial do curso de pós-graduação em comunicações culturais, reconstituindo o itinerário percorrido pelo corpo docente fundador. Procedente de outras áreas do conhecimento, essa equipe adquiriu legitimidade interna, pesquisando fenômenos essenciais para discernir a traje-tória intelectual dos mestres que ali se diplomaram, supervisio-nados pela saga de jovens doutores titulados no biênio 1973-1974.

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro

Circulou em 2011 o Pensamento comunicacional uspiano (tomo 1 – Raízes ibero-americanas; 2 – Impasses mundiali-zadores; 3 – Ideias que abalaram os alicerces); aguardam a segunda, denominada Comunicações culturais, ordenada em tomo 1 – Raízes e tomo 2 – Matrizes, que se encontra no prelo, devendo circular neste ano letivo de 2014.

Outro dilema angustiante para a preparação desta obra con-junta residia na escolha dos livros e autores que deveriam ser resenhados. Não obstante a larga experiência adquirida no diá-logo com as novas gerações que adentram minha sala de aula, percebi que seria temerário escolher títulos e escritores de modo unilateral. Por isso, demandei sugestões e opiniões do jovem Guilherme Fernandes. Sua competência já havia sido testada em outro bem-sucedido projeto lançado pela Rede Folkcom, do qual resultou o livrão Metamorfose da folkcomunicação (Editae Cultural, 2013), produzido num clima dialógico, respeitoso, fraterno e cri-terioso, sob o manto editorial da microempresa Editae, que se vem distinguindo pela eficácia no ramo das edições eletrônicas.

Essa interação manteve-se além da seleção dos textos formado-res da espinha dorsal desta antologia. Embora tenha sido respon-sabilidade que o editor sênior assumiu, na fase de planejamento, a contribuição do editor júnior foi estratégica, com a sugestão da inclusão de textos esquecidos, ou, durante o processo de edição, a proposição da substituição de autores.

Sua contribuição foi notável também para a identificação dos colaboradores que escreveram as notas biobibliográficas ou fize-ram a crítica das unidades construídas, bem como dos que acei-taram o encargo de despertar ou provocar a consciência crítica dos mediadores didáticos em relação ao conhecimento aqui dis-seminado ou ao pensamento a ser elaborado na fase da leitura, ou seja, na sala de aula.

Mais importante que isso foi a disponibilidade do meu jovem colega para assumir todo o fluxo editorial: desde a digitação do projeto até o controle do processo, sem esquecer as relações telemáticas, fundamentais para o controle do fluxograma. Tal colaboração foi sensível, eficaz e oportuna para essa conjuntura.

comunicação

Introdução

27Esta obra tomou vulto em 2013, quando comemoramos os

cinquenta anos das ciências da comunicação no Brasil, com a rea-lização de um ciclo de conferências apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O programa do evento, circunscrito aos escritores e obras publicadas em São Paulo, criou uma expectativa favorável à produção deste livro, pela sua abrangência nacional.

Nos três volumes propostos estão focalizados 36 textos, emble-máticos e singulares, cuja leitura crítica mobilizou aproximada-mente uma centena de acadêmicos de todas as regiões do país, pertencentes a todas as gerações. A diversidade das áreas de conhe-cimento dos resenhistas é a garantia da amplitude cognitiva e a evidência da pluralidade analítica.

Confesso que hesitei, ao principiar a seleção dos textos que seriam encaminhados aos comentaristas, ou seja, aos colegas que decidi-ram participar voluntariamente. Que critério adotar para o esta-belecimento do marco histórico destinado a escolher autores?

Decidi, por razões operacionais, instituir, como divisor de águas, o momento em que passamos do conhecimento (registro, memó-ria, narrativa) para a construção do pensamento (reflexão, crítica, problematização) sobre os processos comunicacionais.

Em livro anterior sobre a matéria argumentei que o estudo sistemático da comunicação no Brasil tem origem na metade do século XIX, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em cuja revista foram publicados os trabalhos pioneiros (Marques de Melo, 2003). No entanto, examinando a natureza dos estudos datados daquele século, verifiquei que carecem de exercício reflexivo, o que somente viria a ocorrer a partir da década de 20 do século XX (Marques de Melo, 2013).

Eis a razão que explica o fato de esta antologia tomar como marco histórico o clássico estudo de Barbosa Lima Sobrinho (1923) sobre o jornalismo. Dessa maneira, selecionamos dois blocos de autores que pensaram a comunicação no Brasil, de acordo com as categorias cognitivas vigentes na primeira metade do século XX, representando duas gerações: os visionários e os vanguardistas.

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro

Visionários são aqueles que perceberam os fenômenos comu-nicacionais no instante da sua configuração: Claude Lévi-Strauss, Câmara Cascudo, Barbosa Lima Sobrinho, Florestan Fernandes, Emilio Willems, Alceu Maynard Araújo, Paulo Freire, Manuel Diégues Júnior, Antonio Candido, Fernando de Azevedo, Egon Schaden, Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Octavio da Costa Eduar- do, Celso Furtado.

Aqueles que deram continuidade ao trabalho da geração ante-rior, agregando elementos potencialmente transformadores, foram considerados vanguardistas: Jarbas Maciel, Virgílio Noya Pinto, Ruben Oliven, Alfredo Bosi, Darcy Ribeiro, Vamireh Chacon, Carlos Guilherme Mota, José Nilo Tavares, René Dreifuss, Juan Díaz Bordenave, Gabriel Cohn, Candido Mendes, Samuel Pfromm Neto, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Dante Moreira Leite, Luiz Costa Lima, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Ruth Cardoso e Ingrid Sarti.

Trata-se de um contingente predominantemente masculino, notando-se apenas três mulheres. Da mesma forma, sua distri-buição geográfica privilegia o Nordeste, no mapa regional, e a USP, na cartografia institucional.

Poder-se-ia alongar a amostra, para superar essas aparentes distorções. Mas essa solução “politicamente correta” introduziria um artificialismo inadmissível. Como a seleção dos textos foi feita pelo mérito, é natural que ela reflita o perfil do universo, confi-gurando um retrato da época.

Assim sendo, pareceu-me mais adequado deixar que tais vie-ses venham a ser contrabalançados naturalmente na composição do quadro de resenhistas e/ou comentaristas.

Basta uma vista d’olhos nessa lista para constatar que a parti-cipação feminina cresceu consideravelmente (atingindo o patamar de 60%), além de observar que a presença de colaboradores com-preendeu todas as regiões, passando o Sudeste à liderança (48%), ampliando-se a diversidade das instituições em que atuam.

Integrado por seis unidades temáticas – as duas primeiras, dia-crônicas (gênese e evolução/processo social básico), e as restantes,

comunicação

Introdução

29sincrônicas, focalizando variáveis temáticas (cultura, política e consumo), bem como aspectos metodológicos –, cada texto sele-cionado vem precedido, na arquitetura editorial, por um artigo de natureza biobibliográfica, apresentando a trajetória intelec-tual do autor e as explicações sobre a obra da qual foi pinçado.

Além desse esclarecimento sobre o conjunto da obra e da expli-cação sobre o texto-base, cada unidade temática inclui um ensaio analítico, tornando transparente a conjuntura em que foram pro-duzidos os textos e focalizados os significados respectivos.

Trata-se de uma contribuição para que o leitor entenda o con-texto e possa correlacioná-lo às ideias contidas nos capítulos.

Assim sendo, cada texto é precedido por uma nota destinada a estimular a curiosidade do leitor, orientando sua leitura crítica. Trata-se de lição de casa que pretende suscitar a ousadia criativa, sem criar no interlocutor a sensação de estar beirando o caos.

Por sua vez, cada unidade temática é disposta na estrutura da obra como se fora um sanduíche cognitivo: de um lado, nutrido por ensaio de contextualização teórica, contendo a exegese do conjunto dos textos-base no sentido de articular as ideias origi-nais dos autores com as anotações críticas feitas pelos leitores convidados, de modo a sugerir desdobramentos cognitivos; de outro, um complemento de reflexões pedagógicas sobre o con-junto dos textos, correlacionando as ideias originais dos autores às anotações feitas pelos exegetas convidados, potencializando a capacidade dos novos leitores. Trata-se de estimular a pesquisa crítica, tomando como referência o legado humanístico dos pen-sadores brasileiros que antecederam a constituição do campo aca-dêmico da comunicação.

É possível que persista uma ou outra lacuna informativa, bem como polêmicas interpretativas, em tão rústica cartografia, deman-dando esclarecimentos que só o tempo e a vigilância metodoló-gica podem sanar progressivamente. Nesse sentido, tem a feição de uma obra aberta, suscitando controvérsias e concitando à imaginação criadora.

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro

***

Neste primeiro volume duas questões aguçam a curiosidade dos leitores, desafiando a habilidade interpretativa dos analistas: enten-der a gênese da comunicação humana e compreender como intera-gem os seres comunicantes para formar sociedades dinâmicas.

Lévi-Strauss explica as relações de parentesco, em comunidades primitivas, baseadas na exogamia, configurando estruturas resul-tantes do diálogo matrimonial, para gerar o pensamento simbó-lico e desenvolver a vida social.

Câmara Cascudo dimensiona as relações de vizinhança na cidade, onde os agentes comunicacionais dão maior peso aos con-tatos endogâmicos, reservando o intercâmbio simbólico direto aos componentes familiares. Os citadinos sentem-se mais seguros interagindo com os vizinhos e outros estranhos através das tecno-logias de difusão de sinais e de valores que consideram menos danosas à garantia da incolumidade parental.

Essa teia de relações se completa nas sociedades humanas atra-vés das relações cognitivas, explicadas por Jarbas Maciel como típicos mecanismos de aprendizagem, e das relações lúdicas, par-ticularmente socializadoras na infância, fenômeno que o jovem Florestan Fernandes estudou intensamente na cidade de São Paulo como catalisador de mudança social.

Tais aspectos da microdinâmica social, pressupondo o enten-dimento da macroengrenagem das relações culturais, consubstan-ciam relações linguísticas que Barbosa Lima Sobrinho dimen-sionou como o fator político da unidade nacional através do uso compulsório da língua portuguesa. Esse ato estratégico do Mar-quês de Pombal, no século XVIII, teve motivação econômica, garantindo o monopólio da monarquia portuguesa sobre a riqueza brasileira, transportada através dos caminhos terrestres abertos pelos bandeirantes até os portos, era escoada para a Europa pelos navios lusitanos ou ingleses.

Essa interdependência da comunicação cultural (símbolos e va lo- res) e da comunicação espacial (estradas e transportes) encontra-se

comunicação

Introdução

31diacronicamente esboçada no ensaio de Virgílio Noya Pinto, que resgata a significação das “estradas persas”, numa espécie de voo analítico intercontinental, para explicar o impacto das “rodovias da informação” na teia de relações contemporâneas que marcam a fisionomia comunicacional do Brasil no século XX.

Aceita a premissa de que a comunicação representa o processo social básico da sociedade constituída no espaço continental do Brasil, torna-se indispensável expor as múltiplas dimensões desse fenômeno no patrimônio cognitivo nacional.

Quatro variantes desse fenômeno foram estudadas por cientis-tas sociais que testaram no campo as hipóteses desenvolvidas por distintos especialistas em outras geografias.

Emilio Willems abriu um leque explicativo, percebendo ele-mentos capazes de reconstituir a vida cotidiana numa “vila bra-sileira”. Ele incluiu a comunicação social, explícita nas relações de vizinhança e de associativismo; o primeiro aspecto encontra--se nitidamente demonstrado no “mutirão”, ato de cooperação da vizinhança para socorrer um habitante da vila em situações de carência (lavoura, moradia), e na “festa”, ato de celebração das conquistas e de retribuição da fartura acumulada.

Alceu Maynard Araújo oferece um panorama descritivo dos atos que marcam a fisionomia da comunicação comunitária num povoado alagoano, ou seja, na zona rural. Da mesma forma, Fer-nando de Azevedo documenta a comunicação cidadã no ambiente urbano, focalizando a educação como ingrediente fundamental para a formação da opinião pública.

Manuel Diégues Júnior traz à baila os imigrantes e aborda situações comunicacionais num momento de industrialização e urbanização.

Duas outras contribuições completam o panorama societá-rio: Paulo Freire explica como se dá o processo de conscientiza-ção política na alfabetização de adultos, antecipando conceitos que seriam aprofundados no exílio chileno, onde configurou sua pedagogia do oprimido; por sua vez, Antonio Candido envereda por elemento fundamental da comunicação literária, resgatando

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Pensamento ComuniCaCional Brasileiro

o sentido psicossocial da vingança, que ele retoma do folhetim francês, protótipo da ficção televisual brasileira, particularmente da telenovela.

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