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arnaldohenry
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A Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan — uma feliz combinação da energia humana com a supertecnologia arcônida — pode apresentar, nos seus anos de existência, uma história muito movimentada, cheia de dramáticos altos e baixos.Mas os acontecimentos mais recentes dão a impressão de que, ao se encontrar com os saltadores ou mercadores galácticos, Perry Rhodan passou a se defrontar com um poder que tem a intenção e a capacidade de destruir a Terra para eliminar um possível concorrente no comércio interestelar.Há oito mil anos os saltadores detêm o monopólio do comércio galáctico, isso porque eles sempre reprimiram no nascedouro qualquer concorrência que se esboçasse.A Terra e a Solar System, dois cruzadores espaciais da Terceira Potência, juntamente com o grupo de Julian Tifflor, que se encontra no planeta de gelo, dão muito trabalho aos saltadores no sistema de Beta-Albíreo, impedindo-os de se lançarem a um ataque direto contra a Terra. Acontece que os saltadores já dispõem de uma quinta-coluna em nosso planeta, composta de inúmeros agentes que procuram conquistar as bases da Terceira Potência.
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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA
VOLUME 7
P- 31-36
2
1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA
VOLUME 6
P- 26-30
O Herdeiro do
Universo
O Herdeiro do
Universo
O Herdeiro do
Universo
O Herdeiro do
Universo
O Herdeiro do
Universo
Mundo de Gelo em Chamas
Volume 33
O Exército de Mutantes
O Imperador de Nova Iorque
Volume 31
O Exército de Mutantes
Voo Para o Infinito
Volume 32
O Exército de Mutantes
Levtan, O Traidor
Volume 34
O Exército de Mutantes
O Planeta dos Deuses
Volume 35
O Exército de Mutantes
3
O Imperador de Nova Iorque
Voo Para o Infinito
Mundo de Gelo em Chamas
Levtan, o Traidor
O Planeta dos Deuses
1º Ciclo – A Terceira Potência
Volume 07
Episódios: 31 - 36 de 49
4
Nº 31
De
W. W. Shols
Tradução
Richard Paul Neto Digitalização
Denise Revisão e novo formato
W.Q. Moraes
A Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan — uma feliz combinação da
energia humana com a supertecnologia arcônida — pode apresentar, nos seus
anos de existência, uma história muito movimentada, cheia de dramáticos altos e
baixos.
Mas os acontecimentos mais recentes dão a impressão de que, ao se encontrar
com os saltadores ou mercadores galácticos, Perry Rhodan passou a se defrontar
com um poder que tem a intenção e a capacidade de destruir a Terra para
eliminar um possível concorrente no comércio interestelar.
Há oito mil anos os saltadores detêm o monopólio do comércio galáctico, isso
porque eles sempre reprimiram no nascedouro qualquer concorrência que se
esboçasse.
A Terra e a Solar System, dois cruzadores espaciais da Terceira Potência,
juntamente com o grupo de Julian Tifflor, que se encontra no planeta de gelo, dão
muito trabalho aos saltadores no sistema de Beta-Albíreo, impedindo-os de se
lançarem a um ataque direto contra a Terra. Acontece que os saltadores já
dispõem de uma quinta-coluna em nosso planeta, composta de inúmeros agentes
que procuram conquistar as bases da Terceira Potência.
O Imperador de Nova Iorque é um desses perigosos agentes...
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1
Uma transição no hiperespaço.
Provinham da quinta dimensão, onde eram apenas energia
e estavam reduzidos a uma amostra fiel de sua verdadeira
identidade.
Cada vez que ocorria o fenômeno repetiam-se as
mesmas dores físicas. A rotina não alterava nada nesse
quadro. Cada transição trazia seu choque.
As juntas repuxavam e, depois que o espaço normal
havia recuperado o corpo, os
olhos precisavam se adaptar ao
mesmo.
Figuras coloridas e saltitantes
surgiam de um estranho
crepúsculo. Custavam a
desaparecer. Pedaço por pedaço,
os olhos voltavam a abranger a
visão da realidade. Quando isso
aconteceu, Rhodan se deparou
com o sorriso largo de Bell, que
não parecia muito convincente.
Reginald Bell não teve o
menor constrangimento em
praguejar em altas vozes e
esfregar a nuca. Pouco lhe
importava que todo o pessoal
reunido na sala de comando da
Stardust-III o visse naquela
oportunidade. Tinha certeza de
que cada um deles estava ocupado
em primeira linha com seus
problemas. Ninguém escapava à
dor e ao choque.
— Graças a Deus! Estamos
em casa!
Estas palavras só poderiam ter saído da boca de
alguém que há muito tempo vivia as concepções
cósmicas. Afinal, ainda se encontravam muito além da
órbita de Plutão, a cerca de oitenta unidades astronômicas
do planeta Terra.
Mas, se considerarmos que o salto espacial os
transportara num instante por uma distância de trezentos e
vinte anos-luz...
Subitamente um forte zumbido se fez ouvir em meio a
essas reflexões ociosas. Pareciam cem transformadores
avariados ao mesmo tempo. De um instante para outro,
todos se esqueceram das dores nas juntas. Uma sereia de
alarma não teria causado maior agitação.
Perry Rhodan sentiu o beliscão que Bell deu em seu
braço.
— Está vendo? Um belo dia esses saltos teriam que
causar algum problema. Nem quero ver quando a tela de
proa esquentar.
Reginald Bell não foi o único que sentiu arrepios de
susto. Qualquer ruído, por mais familiar que seja, deixa de
ser inofensivo quando se verifica uma coincidência
temporal entre ele e o retorno do hiperespaço. Apesar da
segurança proporcionada pela tecnologia arcônida
altamente desenvolvida, o homem desconfiava por
instinto.
Desta vez Rhodan sorriu. Em sua mente o instante de
pavor foi mais curto.
— A tela já está quente. Não sei por que todo esse
nervosismo.
Os instrumentos na sala de comando já tinham voltado
a funcionar. Na lâmina translúcida via-se a constelação
familiar do sistema solar. Os dispositivos automáticos
haviam mandado para o espaço os raios dos rastreadores e
dos aparelhos de radar. Antenas complicadas captavam os
impulsos identificáveis no espectro eletromagnético e,
depois de transformá-los em símbolos inteligíveis,
conduziam-nos para o quadro que se encontrava diante do
primeiro-piloto.
Não havia a menor dúvida: a
transição fora coroada de êxito.
Estavam em casa. Apesar disso, o
sorriso de Rhodan só durou poucos
segundos.
O ruído fora causado pelas
instalações superpotentes do aparelho
de intercomunicação instalado na
nave, cujos impulsos de captação
conseguiam absorver, num décimo de
segundo, uma mensagem de um
metro de comprimento. O aparelho de
decifração acoplado ao mesmo fez
com que poucos segundos depois o
texto decodificado se encontrasse
diante dos olhos de Rhodan.
— Cruzador Terra para Stardust-
III! Cruzador Terra para Stardust-III!
Segundo informações colhidas pela
equipe de Tifflor, os agentes que o
inimigo colocou na Terra são robôs
arcônidas. É de recear que se trate de
robôs que sejam de nossa
propriedade e se encontrem a serviço da Terceira
Potência. As pesquisas realizadas levam à conclusão de
que, em alguns casos, certos especialistas dos
mercadores conseguiram chegar à Terra sem serem
reconhecidos e modificaram a programação dos robôs
segundo suas conveniências. Existe um perigo grave para
a Terra. Cruzador Terra para a Stardust-III! Cruzador
Terra para a Stardust-III!
Com um clique, a reprodução em fita foi interrompida.
Por alguns segundos, um silêncio total tomou conta da
ampla sala de comando desse gigante do espaço, cujo
diâmetro atingia oitocentos metros.
— Vejo que a missão secreta do cadete Tifflor não foi
em vão — constatou Rhodan laconicamente. Até parecia
que as informações que acabara de receber não o
preocupavam, mas lhe causavam alegria por
demonstrarem que seus planos foram corretos. Bell,
porém, não sentiu a menor disposição de se mostrar
exultante com uma notícia tão desalentadora.
— Esse menino, o Tifflor, ainda o levará a um
convento, onde você poderá meditar em paz —
esbravejou o homem de olhos cor de água. — Até parece
que você ainda não compreendeu todo o significado da
mensagem que acabamos de receber. Permita que eu a
interprete no sentido de que o inferno está às soltas na
Terra. Este é o primeiro ponto. E o segundo ponto é o
Personagens Principais deste episódio:
Perry Rhodan — Chefe da Terceira
Potência e comandante da Stardust-III.
Reginald Bell — Ministro da Segurança da
Terceira Potência.
Coronel Freyt — Representante de Perry
Rhodan na Terra.
Ivã Ivanovitch Goratchim — Que tem o
costume de brigar consigo mesmo.
Tako Kakuta — Um teleportador que não
gosta de rastejar.
Homer G. Adams — Um homem que não
faz a menor questão de se colocar a serviço
de um “imperador”.
6
seguinte: temos que deixar Vênus de lado e nos dirigir
diretamente à Terra.
— Ainda dispomos de três minutos para resolver isso,
Bell — disse Rhodan em tom indiferente e sem a menor
ironia. — Na posição em que nos encontramos a mudança
de rota não será superior a um segundo do arco graduado.
O que importa no momento é acelerarmos a nave ao
máximo...
Enquanto falava, Rhodan transmitiu as instruções
necessárias através de seu painel de controle. Poucos
segundos depois, a Stardust-III, impelida por forças
titânicas, disparou para frente. A nave parecia adquirir
vida. O uivo dos geradores de propulsão rivalizava com o
barulho dos mecanismos de absorção da força
gravitacional, forçados até o máximo de sua capacidade.
Esses fatos não afetaram o bem-estar dos tripulantes.
O que parecia se mover era o universo, não a nave. A sala
de comando parecia um polo imóvel plantado no centro
do espaço cósmico.
Rhodan se reclinou no assento do piloto.
— Agora precisamos de paciência. De doze horas de
paciência, que será o tempo que levaremos para pousar no
planeta Terra.
Era a ironia das leis naturais.
Um salto espacial de trezentos e vinte anos-luz podia
ser comprimido num tempo objetivo de poucos minutos.
Mas num voo normal a uma velocidade próxima à da luz
— a que tinha de recorrer no âmbito de sistemas solares
habitados, por motivos de segurança — um pulo de gato
de pouco mais de dez bilhões de quilômetros demorava
meio dia.
Paciência!
* * *
A situação da Terra entrara num estágio novo,
bastante crítico.
Depois de longos anos, Rhodan pretendia cumprir a
promessa de levar Thora e Crest, os arcônidas, ao seu
mundo natal. Por outro lado, achava que a criação de um
governo universal para o planeta Terra representava um
problema urgente. Mas, umas séries de acontecimentos
misteriosos vieram perturbar a realização desses projetos.
Dois destróieres de três tripulantes da Terceira
Potência não regressaram de um voo de reconhecimento.
Mais ou menos ao mesmo tempo, desapareceu uma nave
auxiliar, da classe dos chamados girinos. Tudo isso
aconteceu numa época de paz, na qual não se percebia o
menor sinal de que houvesse o perigo de uma invasão
extraterrena. Como se isso não bastasse, as naves de
patrulhamento da Terceira Potência, alertadas por esses
fatos, constataram que pouco depois algumas naves
desconhecidas pousaram em Vênus e logo voltaram a
decolar. Certas perturbações na estrutura espaço-temporal
permitiram a medição de transições que só poderiam ter
sido originadas por hipersaltos executados por unidades
espaciais desconhecidas. O maior cérebro positrônico do
sistema solar, instalado na selva do hemisfério norte do
planeta Vênus, com base em fatores de probabilidade bem
fundados, concluiu que um poder desconhecido vindo das
profundezas do espaço descobrira a posição da Terra, mas
recuava diante de um conflito aberto.
Constatada essa situação, Rhodan colocou em estado
de alarma seu Exército de Mutantes e, numa missão
extenuante, tangera seus membros para todos os cantos do
globo terrestre. Mas a missão não produziu o menor
resultado. Seus colaboradores supersensoriais — parte
deles eram telepatas — voltaram sem terem conseguido
nada.
Em Terrânia, a metrópole da Terceira Potência,
erguida em pleno deserto de Gobi, não se sabia o que
fazer. Pelo que tudo indicava, certos acontecimentos
misteriosos que se verificaram na Terra só podiam ser
atribuídos a agentes vindos de fora. Mas ninguém
conseguia localizar esses agentes. E, quando um mutante
não conseguia encontrá-los, qualquer um haveria de
confessar que não podia fazer mais nada.
Isso, todavia, não aconteceu com Perry Rhodan!
Ele inverteu as posições. “Se Maomé não vai à
montanha, a montanha tem de ir a Maomé”, conjeturou.
Agiu como se Julian Tifflor, um dos elementos mais
promissores de seu corpo de cadetes, fosse um agente
altamente secreto da Terceira Potência. Tifflor era a isca.
E os desconhecidos morderam a isca.
Apoderaram-se da nave espacial em que Tifflor
viajava, a Good Hope-IX, comandada pelo major
Deringhouse. Para isso, lançaram mão de um raio de
tração. Depois desviaram o veículo espacial para o
sistema que gravita em torno dos sóis geminados de Beta-
Albíreo, situado a uma distância de trezentos e vinte anos-
luz.
Imediatamente a Stardust-III, com dois girinos a bordo
e acompanhada dos cruzadores Terra e Solar System
seguiu o cadete. Mas Rhodan teve bastante inteligência
para não superestimar o poderio de sua pequena frota.
Não podia arriscar um ataque direto; teria que se manter a
uma distância segura e sondar a situação.
As informações de Crest, o arcônida, confirmaram o
acerto desse procedimento.
Descobriram que estavam lidando com uma raça
legendária de mercadores galácticos, os saltadores. A
posição do sistema de Beta-Albíreo constituía o indício
mais seguro disso. Crest pôde explicar detalhadamente o
que havia com essa raça.
A oito mil anos da escala de tempo terrestre os
saltadores haviam se separado do Grande Império
arcônida, embora fossem descendentes dos arcônidas. Seu
estilo de vida inconstante fez com que passassem a levar
vida nômade. Com isso desenvolveram uma cultura e uma
tecnologia autônoma. Enquanto o mundo de Árcon, que já
fora tão forte, entrou num processo de degenerescência
ininterrupta, os mercadores saíram pelas imensidões da
galáxia, onde encontraram poder e riqueza. Embora não
fossem de índole guerreira, não recuavam diante de
qualquer meio para alcançar os objetivos a que se
propunham. E um desses objetivos era a Terra.
* * *
Paciência!
Esse pedido de Rhodan representou uma dura
provação para todos. Até para ele mesmo.
Faltavam doze horas para o pouso na Terra. O que não
poderia acontecer nesse tempo?
Os agentes estranhos eram robôs que integravam suas
próprias fileiras. Mas robôs com a programação
modificada.
Na sala de comando não discutiam muito. Sempre que
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o chefe da Terceira Potência se encontrasse presente,
guardava-se um respeito espontâneo, embora todos
soubessem que Perry Rhodan era um homem acessível a
qualquer ideia razoável.
Um homem que raras vezes guardava silêncio era o
representante de Rhodan, Reginald Bell.
Bell encontrou a palavra adequada para desfazer o
clima de tensão.
— Até parece que vocês estão sendo levados para a
forca. O que importa que faltem algumas horas para o
pouso? Ao menos conhecemos a situação. Afinal, os
robôs enlouquecidos já estão andando há semanas pelas
áreas que estão sob nosso controle. E, apesar do trabalho
secreto que talvez já tenham feito, a Terra continua de pé.
Quando estivermos na Terra, não demoraremos a dar um
fim a isso. Acho que ainda vamos atrapalhar os cálculos
dessa gente.
Bell se calou. Um ou outro dos circunstantes
respondeu com um aceno de cabeça. Mas não chegou a se
estabelecer a conversa que ele desejaria. Perry Rhodan
transmitiu algumas ordens para os observadores e
solicitou um controle de rota.
Concluída essa operação de rotina, o silêncio voltou a
se instalar na sala. Os pensamentos voltaram a caminhar
pelo futuro e pelo passado.
A Good Hope-IX, com o comandante e os cadetes,
caíra nas mãos dos saltadores. A essa hora, porém, já se
sabia que Tifflor e seus companheiros haviam conseguido
chegar a um planeta de gelo, onde se mantinham
escondidos. Rhodan enviara Gucky, um estranho ser
peludo, para ajudá-los; graças aos seus múltiplos dons
parapsicológicos Gucky representava uma ajuda
substancial. No momento era só o que podia fazer pelo
grupo. A qualquer momento teria que contar com a vinda
de reforços para o inimigo. Suas naves eram unidades
dotadas do acabamento arcônida. Para se manter diante
desse inimigo dotado de iguais recursos técnicos teria que
procurar alcançar uma superioridade em outra parte. E
essa outra parte só poderia se situar no planeta Peregrino,
o planeta da vida eterna.
Mas, para encontrar o Peregrino, não bastaria uma
navegação de rotina. Os anuários astronáuticos e as
tabelas de efemérides não adiantariam nada. O planeta da
vida eterna era um mundo sem sol. Era um solitário que
jazia nos campos gravitacionais da Via Láctea, mas podia
alterar sua rota independentemente dos mesmos, segundo
a vontade e os caprichos de seu senhor.
O cérebro positrônico altamente desenvolvido estava
em condições de obter dados sobre a posição do planeta; e
estes dados se revestiam de razoável teor de
probabilidade. O cérebro “mais inteligente” de que
dispunha a Terceira Potência estava instalado em Vênus.
Esse fato bastara para levar Perry Rhodan a se afastar
do sistema de Beta-Albíreo. Precisava dos dados sobre a
posição em que o Peregrino se encontrava no momento,
pois ali iria buscar aquilo de que necessitava para alcançar
superioridade sobre os mercadores.
Concluiu-se que a notícia alarmante transmitida pelos
cruzadores em patrulha não correspondia ao programa.
Apesar disso, Rhodan conseguiu extrair o que havia de
melhor nesse fato.
Finalmente obtivera algum indício sobre a ação a ser
empreendida na Terra. Na verdade, a origem daquela
situação que envolvia todos estava no seu planeta natal.
Por semanas a fio não conseguiram pôr as mãos no
inimigo invisível. Só agora, através da atuação de Tifflor,
descobrira-se que a causa de tudo aquilo não eram seres
vivos, mas robôs.
O novo dado constituía motivo suficiente para desistir
por enquanto do pouso em Vênus. De nada valeriam as
vitórias que fossem alcançadas lá fora, na galáxia, se a
Terra, que era a base da Humanidade, ia passando
progressivamente ao controle do inimigo.
Rhodan preferiu não transmitir para Terrânia os fatos
que haviam acabado de chegar ao seu conhecimento.
Seria melhor chegar de surpresa. Não queria que qualquer
dos agentes do inimigo soubesse antes da hora que sua
identidade havia sido descoberta.
Na altura da órbita de Júpiter, a Stardust-III expediu o
primeiro aviso. Tratava-se de uma mensagem lacônica e
rotineira, que informava a base de Gobi de que o pouso de
Rhodan estava previsto para breve.
A confirmação de Terrânia veio pela voz do próprio
coronel Freyt.
— Ainda bem que está chegando, chefe. Muita coisa
aconteceu na sua ausência.
— Não me aborreça, coronel — disse Rhodan com um
sorriso, a fim de confundir eventuais escutas do inimigo.
— As notícias que lhe trago também não são muito
agradáveis. Espero que ao menos tenha descoberto os
agentes do inimigo durante minha ausência.
— Reivindico o direito de não ser mais inteligente que
você e seu Exército de Mutantes — respondeu o coronel
Freyt em tom distante. — Elaboramos um relatório
detalhado sobre as ações por nós empreendidas. Com sua
permissão, o mesmo lhe será apresentado logo após sua
chegada.
— Não faça tanto drama. Afinal, qual foi o resultado?
— Os tais dos agentes inimigos não existem.
Muito obrigado, coronel. Fique com esse tipo de
surpresa para si. Seria justo que uma pessoa que volta
para casa só recebesse notícias agradáveis. Acho que você
não levará mais de dez anos para aprender isso...
* * *
A Stardust-III penetrou na abóbada energética da área
central de Terrânia, que se abrira especialmente. No
espaçoporto A vários veículos estavam à espera, para
levar os oficiais aos quartéis. O resto da tripulação foi
colocado em vários ônibus robotizados. Ficaram para trás
apenas dez homens da equipe de conservação, que
imediatamente entraram em contato com os robôs de
plantão, que realizariam uma limpeza e uma verificação
cuidadosa no gigantesco veículo espacial.
Rhodan foi imediatamente ao escritório de Freyt.
Somente Bell o acompanhou.
Contrariamente ao que costumava fazer, o coronel não
comparecera ao espaçoporto para recebê-los. O
cumprimento que pronunciou a entrada de Rhodan e Bell
não teve nada de solene. Freyt parecia deprimido. De pé
atrás da escrivaninha, disse com a voz um tanto cansada:
— Façam o favor de sentar.
Estendeu um estojo de cigarros a Rhodan e Bell.
Sentou devagar e respirou aliviado. Talvez fosse porque a
partir desse momento a responsabilidade pela Terceira
Potência voltara às mãos de Rhodan. Apesar disso, não
8
parecia muito aliviado.
— Tudo continua como antes, chefe, com a única
diferença de que o inimigo fica mais atrevido a cada dia
que passa...
— Há pouco me disse pelo rádio que os agentes
inimigos não existem.
— E não existem mesmo, se me baseio no resultado
das nossas investigações. Mas eles passam a existir se
você lê os jornais, Rhodan.
— Está bem. Conte tudo, Freyt.
— Esqueça-se da palestra que tivemos pelo rádio.
Aqui estamos entre nós; podemos falar à vontade.
— Duvido muito de que estejamos a sós.
— Não se faça de neurastênico, coronel! Nunca me
constou que você sofresse alucinações. Não me comece
com isso justa mente agora.
— Estou falando sério. Não há dúvida de que os
agentes que procuramos realmente existem. Mas não
existe um ser vivo na Terra que possa ser reconhecido
como tal. O senhor mesmo experimentou aquele fracasso
com a atuação dos mutantes...
— Não me recorde os meus fracassos.
— Hoje já sabemos mais alguma coisa. O cadete
Tifflor descobriu que os indivíduos que estamos
procurando são nossos robôs... Ou ao menos alguns
deles...
— O coronel Freyt encarou o chefe.
— Nossos robôs? — gaguejou. — Isso é...
— Isso é perfeitamente possível e plausível, Freyt. É a
única explicação que temos. Tifflor sabe disso. Não
imaginou esta solução, mas andou espreitando o inimigo.
— E a explicação é perfeitamente aceitável.
— Todo mundo sabe que nossos telepatas não podem
ler os pensamentos dos robôs. Seu processo mental
desenvolve-se em outra faixa de frequência que o do
homem natural. Além disso, as reações celulares
artificiais são muito mais primitivas e menos exatas que
as do nosso cérebro. Portanto, não há por que deixarmos
de acreditar nessa versão.
De um instante para outro, Freyt parecia
completamente transformado. Sua atitude voltara a
exprimir o otimismo que todos estavam acostumados a
ver nele.
— Nesse caso não haverá o menor problema.
Suspendemos o suprimento de energia de todos os robôs e
realizamos uma revisão completa nos mesmos.
— Foi esta a decisão que tomei há oito horas — disse
Rhodan, arrefecendo o entusiasmo de Freyt. — Mas
espero que você consiga imaginar o que vai acontecer se
paralisarmos hoje de tarde todos os robôs de trabalho.
Nossas linhas de montagem estão trabalhando a plena
capacidade. A eliminação de vários milhares de elementos
de vigilância significaria que em muitos casos as reações
necessárias deixariam de ser realizadas. Imagine o que vai
acontecer se a corrida de um alto-forno sofrer um atraso,
ou se o suprimento de grafite de um reator não for
controlado, ou...
O coronel Freyt levantou a mão, num gesto de recusa.
— É claro que compreendo Rhodan. Nossa indústria
não pode funcionar sem a utilização constante dos robôs.
Haveria uma catástrofe...
— Somos escravos da nossa tecnologia — disse Bell,
completando o raciocínio. — É uma situação maluca. O
inimigo está em nossas fileiras. Se reduzirmos essas
fileiras à inatividade, nossa cidade não demorará um dia
em voar pelos ares. A solução do dilema cabe a você,
Rhodan.
Rhodan provou que a solução não era tão difícil assim.
Era bem verdade que os habitantes humanos de Terrânia
teriam que desenvolver uma energia extraordinária.
— Dispomos de sete horas para preparar a execução
do plano. Depois das vinte e duas horas, o último turno
dos trabalhadores da indústria comum vai para casa. Até
lá noventa por cento das nossas fábricas estarão
paralisadas. Só teremos de nos preocupar com os dez por
cento que trabalham dia e noite. Trata-se das usinas de
força, dos postos de controle geral, dos hospitais, das
unidades policiais, do serviço de vigilância estratégica,
etc. Até as vinte e duas horas todos esses serviços deverão
ser ocupados discretamente por seres humanos. Às vinte e
duas horas e dez minutos o suprimento de energia de
todos os robôs será suspenso.
De todos os robôs de trabalho, Rhodan — ponderou
Bell. — Não se esqueça de que os robôs de combate
dispõem de um comando individual, motivo por que não
dependem dos impulsos fornecidos pelo cérebro central
de controle.
— É um risco que temos de assumir — declarou
Rhodan. — Com uma única ação não podemos liquidar
tudo. Acontece que os robôs de trabalho representam
perto de oitenta por cento do total de que dispomos. Com
a paralisação deles, o risco principal será eliminado. Faça
o favor de convocar a cúpula do estado-maior, coronel.
Daqui a meia hora quero falar com os meus
colaboradores.
No mesmo instante teve início uma atividade que
poucas vezes havia sido vista em Terrânia. Sob um sigilo
absoluto e mediante um estrito controle telepático, os
colaboradores mais chegados de Rhodan receberam suas
instruções. Estas foram retransmitidas à ampla rede de
setores subordinados.
Para o observador desprevenido, as atividades do dia-
a-dia pareciam prosseguir sem a menor alteração. Os
numerosos turistas que se encontravam na cidade, vindos
de todos os continentes, e que costumavam chegar a
Terrânia em contingentes diários de dois a três mil,
apenas viam a atividade benfazeja daquela nação
territorialmente tão pequena. Sem desconfiar de nada,
sentiam a paz, a segurança e o poder que irradiavam do
reino de Rhodan.
Quando a hora X se aproximava, se encontravam nos
locais de vida noturna ou nos seus aposentos nos hotéis.
22:00 h: As sereias anunciam o término de mais um
dia de trabalho, o fim do último turno.
22:05 h: O nervosismo cresce entre as pessoas
informadas sobre os acontecimentos. Os sentidos estão
tensos.
22:10 h!
Em algum lugar situado no interior da abóbada
energética central uma mão puxa a chave de que tudo
depende. No mesmo instante, milhares de robôs de
trabalho suspendem sua atividade. Veículos dirigidos
eletronicamente param em meio à viagem. Em todos os
lugares em que havia máquinas que controlavam outras
máquinas o trabalho é suspenso. Nas indústrias vitais as
pessoas que se encontram de prontidão saltam para frente
9
e numa questão de segundos substituem as máquinas que
entraram em greve. A vida tinha de continuar.
Tudo aquilo havia sido preparado nos menores
detalhes. Os homens de Terrânia trabalhavam em mais de
cinco mil turnos especiais. A execução de numerosas
funções, que o homem progressista há anos entregara à
máquina, correu sem o menor contratempo. Aquilo
representava uma recaída para o desconforto de tempos
mais atrasados. Mas, apesar dos termos lacônicos em que
fora concebida, a ordem secreta levara ao conhecimento
de todos os participantes que as questões que se
encontravam em jogo eram de importância vital.
De repente, viaturas policiais com os alto-falantes a
todo volume passaram pelas ruas.
— Atenção, moradores de Terrânia! Houve um
contratempo no posto central de controle de robôs.
Pedimos a todos que se mantenham calmos e
disciplinados. Os reparos demorarão algumas horas. O
ministério do interior tomará imediatamente todas as
medidas necessárias. Os hóspedes e habitantes de
Terrânia que teriam que andar mais de quinze minutos
para chegar em casa deverão comparecer aos pontos de
parada. Pedimos que os que residam mais perto andem a
pé. Não há motivo para preocupações. Mantenham-se
disciplinados. O ministério do interior tomará
imediatamente...
O quartel-general da operação fora instalado no
escritório do coronel Freyt. Este se transformara numa
espécie de prefeito de Terrânia, embora sua posição
oficial não fosse esta. Era o representante de Rhodan no
território da Terceira Potência e, como tal, conduzia os
destinos do Estado e de sua capital sempre que Rhodan se
encontrasse em outro lugar. E muitas vezes Rhodan se
encontrava em outro lugar.
O representante de Rhodan nas questões universais era
Reginald Bell. Dali se concluía como esses dois homens
sofriam sob o peso das chamadas viagens de negócios.
Quase sempre andavam fora. Em outro país, em outro
planeta e até em outro sistema solar.
A tarefa de Freyt era mais prosaica, muito embora
tanto no caráter como no aspecto exterior ele tivesse
muita semelhança com Perry Rhodan. Geralmente ficava
no deserto de Gobi, onde executava as funções de lugar-
tenente do chefe.
Quando Rhodan regressava, muitas vezes apresentava
relatórios extensos sobre os acontecimentos rotineiros do
dia-a-dia. E às vezes havia algo de excitante.
Como hoje.
O coronel Freyt não procurou ocultar o fato de que a
presença de Rhodan representava um alívio para ele.
Dificilmente teria havido em Terrânia horas tão críticas
como as que estavam se passando. Reginald Bell chegou a
afirmar que era o dia mais excitante que vivia desde o
pouso no deserto de Gobi.
— O resultado de nosso trabalho foi excelente —
argumentou Bell. — Nenhuma das ações que nos foram
relatadas deixa nada a desejar. Sei perfeitamente que só
na Terceira Potência uma tarefa pode ser executada com
tamanha precisão. Mas a coisa deverá ter seu
prosseguimento...
— Você não demorará em saber como prosseguirão as
coisas — respondeu Rhodan. — Até agora o mundo não
parou por causa das preocupações que passam pela sua
cabeça.
— Mas os robôs pararam. Lembro-me perfeitamente
das promessas gordas que você transmitiu pelos alto-
falantes móveis e pela rádio estatal. Você sabe
perfeitamente que, por enquanto, nem podemos pensar em
reativar os robôs de trabalho, a não ser que deseje trazer
de volta o risco que ontem enfrentávamos.
— Agora é noite. Nas próximas horas pouca gente
estará interessada em saber quando os robôs estarão
plenamente recuperados. A situação só começará a se
tornar crítica amanhã de manhã, quando as pessoas
quiserem esquentar a água para o café. Até lá teremos que
dar conta do recado.
Bell se limitou a dar de ombros, num gesto de
incredulidade. Pensava nos milhares de robôs, que teriam
de ser examinados um por um. E o exame só poderia ser
realizado por seres humanos.
Saíram do escritório de Freyt e dirigiram-se ao
elevador que os levaria ao subsolo. Ali havia muitos
veículos que podiam ser dirigidos pela mão do homem.
Pegaram três carros e saíram para a área dos fundos, de
onde se dirigiram a um pavilhão situado a cerca de quatro
quilômetros de distância.
Ali uns trezentos engenheiros haviam montado seus
postos de controle. Já estavam trabalhando no momento
em que Rhodan chegou com seu estado-maior, que incluía
vários mutantes.
Numa fila ininterrupta vinham chegando os
caminhões, cujos guindastes colocavam cautelosamente
no chão os robôs desativados.
Rhodan e Reginald Bell entraram no pavilhão e
visitaram alguns dos postos de controle. O chefe da
Terceira Potência conversou com os engenheiros-chefe e
os dirigentes técnicos. Apenas dizia algumas palavras
indiferentes, pois a forma de execução do trabalho havia
sido estabelecida em todos os detalhes. Os pacientes eram
classificados segundo critérios especiais e transferidos a
outro setor, onde era apagada a programação anterior.
Poucos recebiam desde logo um novo programa. Eram
aqueles que seriam necessários para os serviços que
teriam que ser executados ainda naquela noite. Os outros
teriam que aguardar novas solicitações.
Saíram do pavilhão, depois de terem se certificado de
que o trabalho com os robôs corria normalmente. Antes
de entrarem nos seus carros, Rhodan se dirigiu a Tako
Kakuta, um teleportador japonês que, graças às suas
capacidades sensoriais que haviam passado por um
processo de mutação, estava em condições de se
teleportar no mais curto espaço de tempo para qualquer
lugar que escolhesse. No âmbito da geografia terrestre as
distâncias praticamente não representavam nada para ele.
— Olá, Tako! Dê um salto para junto do capitão
Klein, que está dirigindo a ação contra os robôs de
combate. Peça que ele lhe forneça um breve relato sobre a
situação e vá diretamente ao escritório do coronel Freyt.
Dentro de cinco minutos no máximo estaremos lá.
— Está bem, chefe — confirmou o teleportador. Por
um instante concentrou-se sobre o alvo que pretendia
atingir com o salto. Depois disso, a figura de seu corpo se
dissolveu num nada aparente. Para os homens da Terceira
Potência, o desaparecimento de um teleportador numa
questão de segundos era um acontecimento corriqueiro.
— Peço aos outros que venham comigo — disse
10
Rhodan.
Elaborara um plano bem definido para as ações a
serem empreendidas naquela noite. E uma das
providências mais inteligentes consistia em estar
prevenido para qualquer imprevisto. Por isso não podia
dispensar a presença dos mutantes. Deviam estar à mão
quando surgisse algo de extraordinário.
Rhodan examinou o grupo de mutantes.
Muitos dos mais capazes dos seus mutantes tinham
ficado em companhia de John Marshall, a bordo dos
cruzadores pesados Terra e Solar System, estacionados no
sistema de Beta-Albíreo. Assim mesmo Rhodan podia
depositar toda a confiança nos homens e nas mulheres que
com ele tinham regressado à Terra.
Além de Tako Kakuta podia contar com Anne Sloane,
uma americana loura e delgada que tinha o dom da
telecinésia. Nos últimos anos, ela aperfeiçoara este dom
através de um treinamento constante. Também havia Ishi
Matsu, uma japonesa, que era uma ótima telepata. E
Wuriu Sengu, um tipo de ombros largos com aspecto de
lutador, cujas forças mentais permitiam-lhe enxergar
através da matéria compacta. Tanaka Seiko, o
goniômetro, possuía um cérebro que desempenhava as
funções de um receptor de ondas de rádio; podia captar
qualquer frequência sem precisar de um rádio.
Finalmente, naquela noite ainda dispunha de Kitai
Ishibashi, um sugestor que dispunha de consideráveis
forças hipnóticas. Quem se encontrasse sob a influência
de Kitai, faria o que ele desejasse, embora acreditasse que
estava agindo por sua livre vontade.
Chegaram ao escritório de Freyt.
— Se as coisas correrem conforme você planejou —
disse o Dr. Manoli, amigo intimo de Rhodan desde o
tempo da primeira viagem lunar — poderemos passar a
noite com vinho e cigarros.
— Com vinho não. Hoje de noite o uso do álcool é
proibido.
Tiveram de se contentar com cigarros.
Pouco depois chegou Tako Kakuta. Não entrou pela
porta ou por qualquer outra abertura na parede. Veio pela
maneira peculiar de um teleportador. No meio da sala se
rematerializou de seu breve salto.
— Tudo bem, chefe — anunciou. — O capitão Klein
está cheio de serviço e disse que eu só o perturbava. Mas
acabou dizendo que podemos ficar tranqüilos.
Rhodan levantou a cabeça; parecia contrariado.
— Desejo um relatório especificado, Kakuta. Não
quero ver chegar o dia em que Klein não tem tempo para
mim. Da próxima vez não se contente com algumas frases
vazias. Entendido?
— É claro que o capitão me entregou algumas linhas
— disse Kakuta, abatido. — Aqui está o papel.
Rhodan leu; seu rosto parecia mais satisfeito.
— Está bem. Ao que parece também no setor de Klein
tudo está dando certo. À meia-noite em ponto, o grupo de
choque entrou em ação. Até agora mais de quinhentos
robôs de combate foram desativados em ações
individuais. Se as coisas continuarem assim, ao
amanhecer do dia a missão estará concluída e poderemos
incluir um comunicado tranquilizador no noticiário das
sete.
— Gostaria de ter o seu otimismo — respondeu Bell
em tom indiferente, sem modificar a posição confortável
em que se encontrava na poltrona de plástico. — Se as
informações expedidas pelo cruzador Terra forem exatas,
grande parte dos nossos robôs age segundo a vontade do
inimigo. Não posso imaginar que os saltadores tenham
alterado apenas a programação dos robôs de trabalho.
Todas as probabilidades levam à conclusão de que um
inimigo esperto se interessaria em primeiro lugar pelas
máquinas de guerra. Em primeiro lugar foram concebidas
para atuar num conflito declarado, e depois sua qualidade
de indivíduos cibernéticos confere-lhes uma autonomia
maior que a dos robôs de trabalhos, submetidos a um
comando centralizado.
— Seu raciocínio não deixa de ser correto —
confirmou Rhodan. — Foi por isso que tive uma conversa
mais prolongada com o capitão Klein. A luta que ele terá
que travar hoje de noite é mais difícil que muitas das
grandes batalhas do espaço que já enfrentamos. Seus
comandos especiais são formados exclusivamente por
oficiais e tenentes. Mas você ouviu o que Tako acaba de
dizer.
O teleportador confirmou com um aceno de cabeça,
como se estivesse empenhado em acalmar os ânimos
exaltados.
— Por três minutos ouvi o capitão Klein expedir
ordens e receber informações. O trabalho está sendo
executado com uma precisão cronométrica. Os homens se
aproximam dos robôs de combate ativados em grupos de
três. Na maioria obedecem à sua lei fundamental, segundo
a qual devem aceitar sem discussão qualquer decisão de
um ser humano. Não oferecem resistência ao serem
desativados...
— Na maioria?
— Isso mesmo. Dizem que houve três exceções. Mas
antes que os sujeitos pudessem ativar seu campo protetor
individual, nossos comandos os atomizaram com seus
radiadores manuais. O chefe tem razão. Quando o sol
nascer, tudo terá chegado ao fim.
Todos olharam instintivamente para Rhodan, que
parecia ser o único que não partilhava o otimismo
generalizado. Em sua testa via-se uma ruga.
— O que acha, Bell? Você não acha que a coisa está
sendo fácil demais?
— Sei o que está querendo dizer. Um robô de combate
deveria ter reações mais seguras, que lhe permitissem
ativar seu campo protetor em tempo quando fosse atacado
por um homem. Ainda acontece que, se os saltadores
programaram vários exemplares segundo seus interesses,
estes deviam se unir para enfrentar nossos comandos. De
outra forma a coisa não faria sentido.
— É isso mesmo. Acho que nosso voo para Vênus terá
de ser adiado por algumas horas ou alguns dias. Não
sairemos da Terra enquanto não tivermos certeza de que
tudo está em ordem. Sairei por alguns minutos. Enquanto
isso você assume o comando, Bell.
Reginald Bell confirmou com um aceno de cabeça.
Ninguém perguntou quais eram as intenções de Rhodan.
* * *
Uma vez lá fora, Rhodan entrou num carro e saiu em
desabalada carreira em direção ao espaçoporto central, em
cuja proximidade estava instalado o cérebro positrônico
de Terrânia. Entrou no enorme edifício. Não havia
11
ninguém por perto. As barreiras de segurança iam abrindo
caminho para Rhodan, depois de este ter se identificado
através do modelo de suas ondas cerebrais. Finalmente
atingiu o grande pavilhão e realizou alguns cálculos. Os
resultados pareciam satisfazê-lo até certo ponto.
Era bem verdade que seu trabalho não era apenas este.
Os acontecimentos que se desenrolavam na Terra
representavam um contratempo nos planos de Rhodan,
mesmo que pudessem ser vencidos num espaço de tempo
bastante reduzido. O regresso para o sistema do Sol fora
realizado exclusivamente com vistas ao grande cérebro
positrônico instalado em Vênus. Depois da descoberta do
planeta Peregrino, Rhodan armazenara nas extensas
aparelhagens do cérebro positrônico de Vênus os dados e
as quantidades de aproximação daquele corpo celeste. Por
isso mesmo, só aquele cérebro poderia lhe fornecer os
dados de que precisava.
Rhodan transmitiu o aviso em palavras faladas,
gravou-o em fita e ouviu a gravação.
— Perry Rhodan, de Terrânia, para o cérebro P de
Vênus. Chave secreta PQ-3Z4! Ordem de prontidão.
Preparar todos os dados para o Projeto Vida Eterna-
Peregrino. Estado de alarma até novas instruções. Peço
confirmação.
O texto era correto. Rhodan introduziu-o no
hipercomunicador, que realizava a transmissão
instantânea pela quinta dimensão. A resposta chegou
dentro de poucos segundos.
— Cérebro P de Vênus para Perry Rhodan em
Terrânia. Instruções compreendidas. Todos os dados
para o Projeto Vida Eterna-Peregrino serão preparados.
Estado de alarma até nova ordem. Ajuste conforme chave
secreta PQ-3Z4. Completamos: cláusula de bloqueio
ligada ao projeto Peregrino não inclui o receptor.
Quaisquer informações serão fornecidas exclusivamente
a Perry Rhodan em pessoa. Fim.
A tela do telecomunicador se apagou. Rhodan foi para
o carro e voltou ao escritório de Freyt.
Lá não encontrou nada de novo.
— Tako, dê mais um salto para o lugar em que se
encontra o capitão Klein.
— Sim.
— Por que não vamos todos ao quartel-general de
Klein? — perguntou Bell. — Assim receberemos as
informações de primeira mão.
— Ficamos aqui — decidiu Rhodan laconicamente. —
Uma concentração das mulheres e dos homens mais
importantes na área de Klein poderia provocar suspeitas.
Não quero que o quartel-general da ação que está
sendo empreendida fique exposto a um risco
desnecessário. Klein deve trabalhar de forma discreta
enquanto isso for possível.
Kakuta cumpriu a ordem. Demorou um pouco mais
que da outra vez. Em compensação voltou com notícias
mais agradáveis.
— Metade dos robôs de combate estacionados em
nosso território já foi posta fora de combate. Mas oito
máquinas tiveram que ser destruídas porque opuseram
resistência. O capitão Klein não sofreu qualquer perda.
— As coisas estão correndo mesmo com a precisão de
um cronômetro — disse Bell, bastante satisfeito.
E por mais algumas horas isso seria verdade.
Quando o crepúsculo anunciou a chegada de um novo
dia, todos os robôs de combate haviam sido desativados.
Nas primeiras horas da manhã foi iniciado o transporte
para o pavilhão de controle, onde os gigantes de mais de
dois metros seriam submetidos ao mesmo tipo de
verificação realizada com seus colegas da casta dos
trabalhadores.
Às sete da manhã, o capitão Klein apresentou a lista
completa das máquinas colocadas fora de combate, com
indicação do tempo e lugar. Onze indicações traziam a
notado: “destruído”.
— Foi um serviço excelente — disse Rhodan,
elogiando o capitão.
Falou alguns segundos antes da hora. No mesmo
instante veio a grande reviravolta.
2
O Videofone emitiu o ruído insistente da ligação
automática. No mesmo instante o zumbido do alarma
encheu a sala e, por cima da tela, a luz de advertência
começou a piscar a breves intervalos.
Na tela surgiu a figura de um tenente.
— Os robôs estão marchando, capitão! Escaparam do
pavilhão e avançam numa frente ampla por três ruas...
O tenente apontou a objetiva para fora da janela da
sala de vigilância, e todas as pessoas que se encontravam
no escritório de Klein puderam testemunhar o
acontecimento. Mais de mil robôs de combate saíram do
pavilhão e encheram a grande praça fronteira. As
vanguardas começaram a formar três cunhas, que
avançavam para o norte, leste e oeste.
— Dê ordem de retirada a todos os destacamentos
militares, capitão! — gritou Rhodan. — Os que ainda
estão vivos na área do pavilhão devem se retirar numa
distância mínima de quinhentos metros e entrar em
formação. Os mutantes comparecerão ao quartel-general
do coronel Freyt. Vamos logo, coronel! Bell, você irá
comigo.
Os dois amigos entraram no carro de Rhodan e saíram
em disparada em direção ao cérebro positrônico. A
viagem não durou mais que cento e cinquenta segundos.
Eram cento e cinquenta segundos muito preciosos,
pensaram os dois. Mas sabiam que a perda seria
recuperada.
Era bem verdade que Rhodan poderia dar o alarma em
qualquer lugar em que se encontrasse. Suas pulseiras
versáteis bastariam para isso. Mas, face à catástrofe ora
desencadeada, o anúncio de qualquer tipo de alarma não
seria uma medida suficiente. O cérebro positrônico havia
sido programado para milhares de alternativas, e regulado
previamente para qualquer emergência. Dessa forma,
todas as reações específicas poderiam ser determinadas e
emitidas ao mesmo tempo.
Rhodan mal havia passado pela última barreira,
quando sua simples presença fez com que o cérebro se
ativasse para o recebimento de comandos.
— Bell! A caixa número três! Passe para cá!
Uma gaveta sobre trilhos deslizou para fora de um
armário embutido; estava recheada de cartões perfurados.
Rhodan arrancou um maço de cartões da mão do amigo e
atirou-o para dentro da abertura de recepção, que media
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três metros. Bell entregou-lhe outras pilhas de cartões,
que foram atirados sem prévia escolha para dentro do
primeiro estágio do seletor. Rhodan comprimiu nove
botões. Desde o tempo do supertreinamento arcônida
sabia de cor a respectiva combinação.
— Agora vamos respirar profundamente três vezes. E
vamos soltar o ar bem devagar.
Isso não durou mais de quinze segundos. O fim do
exercício respiratório coincidiu com a conclusão da
primeira operação de interpretação. Rhodan segurou um
dos muitos cartões que atirara na máquina.
— É este! Reação de alarma para todo o território da
Terceira Potência no caso da falha de todos os robôs
individuais combinada com um perigo vindo de dentro...
O cartão logo desapareceu em outro setor do cérebro.
O aparelho superdimensionado despertou para a vida em
cem pontos diferentes. Cada reação fundamental
desencadeava muitas outras. Com a rapidez de um
relâmpago, os impulsos positrônicos captaram todos os
aspectos da tarefa e se incumbiram de uma operação
complicada e variada de emissão de ordens.
Rhodan e Bell não puderam fazer outra coisa senão
ficar parados e respirar profundamente por mais três
vezes.
As ordens elaboradas pelo aparelho abrangiam
também o setor civil. Os funcionários mais importantes
receberam instruções sobre as providências a serem
adotadas por via direta, através dos receptores de
videofone instalados em seus escritórios e residências. As
instruções gerais foram transmitidas pela emissora de
rádio governamental, cuja programação normal foi
interrompida automaticamente.
Quando o cérebro positrônico ia repetir as instruções,
Perry Rhodan interveio pessoalmente. Suas palavras
foram transmitidas por uma rede de alto-falantes,
instalados principalmente ao ar livre. Dessa forma todos
que se encontravam no território da Terceira Potência
ouviam suas palavras, inclusive o inimigo. Mas no
momento não havia como evitar que isso acontecesse.
As palavras de Perry foram de uma concisão extrema.
Em poucas palavras expôs a situação extraordinária com
que se defrontavam. Ao concluir, disse que as instruções
posteriores seriam secretas.
Saíram do recinto em que se encontrava instalado o
cérebro.
Quando saíram à rua, viram chegar os primeiros
caminhões com tropas, que se destinavam à proteção das
instalações técnicas mais importantes do Estado. Os
soldados saltaram dos veículos e se espalharam em torno
do quarteirão. Rhodan saudou-os com um gesto de
otimismo e colheu uma série de olhares de confiança.
Podia confiar nesses homens. Não tinha a menor dúvida.
Bell fez a mesma constatação.
— Que belo dinamismo, não é? — disse.
Sorriu e se apressou em entrar no carro de Rhodan,
que já se punha em movimento.
— De volta para o quartel-general!
Ali já haviam dado início ao cumprimento das ordens
recebidas. A cúpula do estado-maior estava de prontidão
com as roupas desajeitadas que formavam o traje
transportador arcônida.
— Já está na hora de nós dois colocarmos isso —
pediu Bell. — Com um automóvel convencional não
aguentaremos por muito tempo.
— Um belo dia você ainda aprenderá a ler
pensamentos — zombou Rhodan em tom amável.
Já estava envergando o traje arcônida.
Deixou o capacete aberto. Em caso de necessidade o
fecho poderia ser colocado num instante.
Nos últimos anos a entrega dos trajes transportadores
arcônidas passou a ser liberada em escala cada vez maior
para os funcionários e representantes mais importantes da
Terceira Potência. De início Rhodan e Bell eram os
únicos que os possuíam. Mas as fantásticas possibilidades
de utilização desse equipamento tornaram imperioso, no
correr do tempo, que também os membros do Exército de
Mutantes, a alta oficialidade e os funcionários mais
graduados os recebessem.
O traje arcônida era uma vestimenta um tanto
desajeitada, que se usava por cima da roupa comum. Uma
instalação antigravitacional embutida no mesmo permitia
que seu portador voasse. Além disso, era dotado de um
defletor de raios luminosos que tornava a pessoa invisível
dentro da faixa de frequência do olho humano normal.
Finalmente, uma barreira energética cuja potência
equivalia aproximadamente à de um robô de combate
assegurava a integridade física do portador.
Lá fora um oficial deu sinal de sua presença. Era o
comandante do grupo destacado para a proteção do
escritório do coronel Freyt.
— Está bem, capitão — disse Bell. — Cumpra sua
tarefa. Peço-lhe que só permita a entrada de pessoas que
tragam alguma informação de real importância.
Rhodan já se aproximara da tela do videofone. A
grande base fixa instalada na Terra já conectara as
ligações sem fio para as comunicações radiofônicas.
Dessa forma surgiu o quadro captado pela visão dos que
se encontravam nos helicópteros que patrulhavam os ares.
Apenas oito minutos tinham passado desde o
momento do alarma. Apesar disso o aspecto das ruas
passara por uma transformação profunda. As três cunhas
do exército de robôs avançavam implacavelmente. Em
outras palavras, ainda não haviam se deparado com
qualquer resistência digna de nota.
Mas a qualquer momento deveriam chegar às linhas
de Klein, que haviam realizado um recuo. Enquanto esse
receio ainda tomava corpo, o fato aconteceu.
Os radiadores de impulsos das tropas de infantaria
escondidas nos prédios expeliram a energia térmica, que
era a única que representava um perigo para aqueles seres
artificiais.
Boa parte dos atacantes prosseguiu em sua marcha.
Apenas uns poucos caíram ou se desmancharam. Os
outros envolveram-se automaticamente com seus campos
energéticos protetores, alimentados por uma miniusina
nuclear. Os robôs que se encontravam nas fileiras
exteriores desviaram-se imediatamente, deslocando-se o
mais rapidamente que seu formato o permitia em direção
às casas.
— Mantenha-se em contato com o inimigo, capitão —
disse Bell subitamente, dirigindo-se a Klein. — Mas
libere um canal para a força aérea.
Ninguém se surpreendeu com essas palavras. O
alarma desencadeado pelo cérebro P informou todo
mundo sobre qual era seu lugar e quem era seu
comandante. Reginald Bell, ministro da segurança da
13
Terceira Potência, investira-se automaticamente no
comando supremo das operações. A presença de Perry
Rhodan não alterava nada nessa situação.
O coronel Friedrichs apareceu no videofone.
— Sim senhor!
— Gostaria que o senhor me apresentasse seu relato,
coronel.
— As esquadrilhas de caça decolaram conforme o
plano. A segurança de nosso território nacional fica a
cargo de caças de um tripulante. Os destróieres de três
tripulantes patrulharão o espaço, até a altura da órbita
lunar. No interior da abóbada energética só podemos
recorrer aos helicópteros. Vinte e cinco unidades acabam
de decolar e se dirigem para as cunhas dos robôs. Que
armas devem ser utilizadas?
— Em hipótese alguma podemos usar bombas. Não
pretendemos reduzir nossa cidade a um montão de
escombros fumegantes. O ataque deve ser realizado com
o armamento de bordo. Utilize os radiadores de impulsos
térmicos. São as armas a cujos efeitos os robôs são mais
sensíveis.
— Sim senhor.
A comunicação foi interrompida. A atenção de Bell
voltou a ser dedicada à tela. As perspectivas da cidade
não pareciam muito boas, ao menos no que dizia respeito
à área situada no interior da abóbada energética de dez
quilômetros de diâmetro, que formava o centro vital de
Terrânia.
Na tela via-se a imagem de muros que desmoronavam.
Edifícios de cinco e seis pavimentos situados na rota dos
robôs caíam como se fossem barracos. As máquinas de
guerra desenvolviam um raciocínio autônomo, e
dispunham das armas mais eficientes que jamais um
soldado carregou na Terra.
Sempre que eram recebidos pelo fogo da infantaria, os
aparelhos de observação neles instalados logo lhes
revelavam a posição do inimigo. Acontece que a massa
dos soldados não dispunha de campos energéticos
individuais. Não tinham a menor chance.
Os alto-falantes informaram-nos de que reforços sob a
forma de carros blindados, dirigidos por homens, se
encontravam a caminho. Retiravam-se em corrida
desesperada. Os vultos saíam dos abrigos em disparada.
As armas de radiações dos robôs dispunham de bons
alvos. Sua capacidade de reação era muito superior à do
homem. Seu sistema nervoso era menos sofisticado que o
de um ser biologicamente estruturado, mas, em
compensação, muitas vezes mais eficiente. O sistema
nervoso do homem e do animal é uma instalação de
alarma criada pelo instinto de autoconservação. Nos robôs
a necessidade desse tipo de alarma praticamente não
existia. Sua especialidade era o ataque e a destruição.
A primeira lei dos robôs — “Nunca deves matar um
ser humano” — estava sujeita a uma forte diferenciação.
Assim que qualquer ser humano passava a ser
considerado um inimigo, todos os escrúpulos eram
deixados de lado. Em virtude da modificação da
programação realizada pelos saltadores, todos os seres
humanos passaram a ser considerados inimigos.
Os homens assumiram maior cautela. Passaram a se
utilizar de qualquer coisa que os ocultasse. Com os rostos
cobertos de suor e sujeira, foram chegando às posições de
defesa.
Os oficiais designavam o lugar de cada um. Uma
ligeira massagem de choque. Tabletes energéticos. Novas
armas. Os primeiros carros blindados estavam chegando.
A tripulação de outros tomava seus lugares no interior dos
veículos. E os soldados que haviam escapado ao inferno
continuavam a chegar.
— Que diabo! Onde estão os helicópteros? — gritou
Bell.
— Já estão chegando — disse Rhodan em tom áspero.
A ponta da coluna de robôs que marchava pelo centro
se derreteu sob o fogo dos radiadores de impulsos. Oito
máquinas de guerra foram destruídas. Mas depois
aconteceu uma coisa estranha.
Os robôs se uniam em grupos de seis. Procuravam
estabelecer uma espécie de contato. Quem os observasse,
logo percebia que o haviam encontrado. Reforçavam-se
mutuamente na ativação dos campos energéticos. E um
campo energético seis vezes reforçado seria impenetrável
até mesmo para as armas de médio porte com que
estavam equipados os helicópteros.
“Poderíamos nos orgulhar com a inteligência desses
robôs, se eles estivessem do lado certo”, pensou Rhodan.
Assim que uma onda de ataque dos helicópteros
passava, os grupos de seis dissolviam-se e prosseguiam
no ataque.
— Assim não conseguiremos deter o inimigo —
gemeu Bell. — Por que será que nesta batalha não
dispomos de mutantes?
— Pois temos mutantes — disse Rhodan em tom
oracular. A pergunta de Bell fora puramente retórica. —
As instruções contidas nas diretivas elaboradas pelo
cérebro haviam-nos informado de que, no caso desse
alarma, a utilização dos mutantes não era recomendada. A
não ser que se quisesse jogar tudo numa única cartada.
Um dos princípios fundamentais que prevaleciam na
Terceira Potência determinava que os mutantes deviam
ser poupados sempre que havia uma probabilidade de
noventa por cento ou mais de que os mesmos seriam
destruídos.
— Dispomos de um teleportador, de um telecineta, de
um telepata, de um espia, de um goniômetro e de um
sugestor — constatou Bell. — Tako só pode lidar consigo
mesmo, Anne poderia ser muito útil se não fosse preciosa
demais, e Ishi não pode extrair qualquer informação de
uma máquina. Também Wuriu e Tanaka não nos podem
ser úteis. Kitai ainda não realizou qualquer experiência
bem sucedida com máquinas. Então, para que servirá essa
gente?
— Ofereço-me como voluntário — disse Anne
Sloane, uma lourinha delicada. — Já movi objetos de
várias toneladas por via telecinética...
— Mas não em plena batalha — objetou Rhodan. —
Não adianta que enfrente esses colossos, Anne.
Conseguiria deter e fazer recuar alguns deles, mas apenas
por alguns instantes. Mas não demoraria em chegar a sua
vez. A superioridade numérica é muito grande.
— Poderia atirá-los para o ar e fazê-los cair. Eles se
arrebentariam.
— Não fale mais sobre isso — recusou Rhodan. —
Ainda temos outras coisas em reserva. Tako quer dar um
pulo até aqui?
Rhodan falou baixinho com o teleportador; ninguém
entendeu suas palavras. Com exceção talvez de Ishi
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Matsu, que era uma boa telepata.
De uma hora para outra, o rosto de Tako irradiou
alegria. Acenando fortemente com a cabeça, disse:
— Está bem, chefe! Voltarei quanto antes.
E logo desapareceu.
Ninguém se atreveu a fazer qualquer pergunta a
Rhodan. Sempre que bancava o misterioso, ele se
mostrava coerente nessa atitude; não revelaria seus
segredos a ninguém.
O quadro que aparecia na tela estava completamente
modificado.
Nas três frentes de avanço, a marcha dos robôs fora
detida provisoriamente. Mas apenas provisoriamente.
Os blindados que intervieram na batalha realizaram
aquilo que Anne Sloane pretendia alcançar através de suas
forças naturais. Recorrendo a radiadores
antigravitacionais, os defensores criaram áreas restritas
em que os objetos perdiam o peso. Alguns dos robôs,
impelidos pelos instrumentos de deslocamento,
dispararam para o alto. Assim que cessou o efeito dos
raios antigravitacionais, precipitaram-se ruidosamente ao
solo. Poucos resistiram ao impacto.
Segundo o levantamento provisório de Bell, cerca de
cinquenta robôs já haviam sido destruídos. Mas ainda
havia mais de mil, que prosseguiam implacavelmente em
direção ao objetivo: a instalação de comando da abóbada
energética, o cérebro positrônico do deserto de Gobi.
— Se não houver algum milagre, ao menos oitocentos
robôs conseguirão passar — afirmou Bell. — Temos que
desferir um golpe decisivo...
— O centro em que se situam as instalações mais
importantes dispõe de um dispositivo de segurança muito
potente. E o edifício do cérebro P dispõe de uma barreira
energética própria.
— Obrigado pela lição — disse Bell em tom mordaz.
— Acontece que não posso compartilhar seu otimismo. Já
vimos que, através de um contato mútuo, os robôs são
capazes de reforçar suas defesas. Aposto que ainda têm
outras surpresas para nós. E, se essas surpresas dizem
respeito à sua tática de ataque, não haverá nenhum motivo
para otimismo.
Os robôs iniciaram nova manobra.
A utilização dos raios antigravitacionais retardou seu
avanço. Nos momentos críticos do bombardeio executado
pelos blindados moviam-se a passos rastejantes. Enquanto
não impeliam o corpo para cima, mantinham-se
relativamente próximos ao solo. Alguns deles até
aproveitavam a oportunidade para se impelir para frente.
Com isso atingiam velocidades para as quais não haviam
sido concebidos.
Dessa forma as máquinas de guerra avançaram
velozmente e, com uma rapidez espantosa, colocaram-se
entre os flancos de quatro blindados. Os pesados veículos
foram imediatamente destruídos.
Foi uma perda total.
A manobra tática seguinte dos robôs consistiu numa
ampliação de sua frente de ataque. As pontas das colunas
se dividiram. Em seis, oito e doze colunas prosseguiram
no avanço.
Numa ação que exigia tempo, os homens tiveram que
deslocar reforços em torno de outros quarteirões. E,
utilizando o tempo que se passou até que esses reforços
pudessem entrar em ação, os robôs ganharam mais de mil
metros de chão.
— Que diabo, Rhodan! Por que você anda bancando o
misterioso? — exclamou Reginald Bell. — Explique logo
o que pretende fazer com Tako. Afinal, o ministro da
segurança sou eu.
Num movimento instintivo, todos os olhares se
voltaram para Rhodan. O olhar obstinado deste não tinha
mais nada da confiança que há pouco irradiava.
— Ei, Rhodan! Será que alguma coisa não está em
ordem?
— Estão cercando o quarteirão J-D III. É lá que mora
o homem que Tako foi procurar.
Nem todos sabiam a quem Rhodan se referia. O
quarteirão J-D III era grande: contava mais de duzentas
residências.
* * *
Ivã Goratchim estava dormindo. A cabeça do lado
esquerdo que, para distingui-la da outra, usava o nome
Ivanovitch, despertou poucos segundos antes. Mas os
reflexos das juntas fizeram com que Ivã também não
demorasse em abrir os olhos.
— O que houve?
— Não está ouvindo, Ivã?
— Quando acordo sempre ouço alguma coisa. Mas
prefiro não ouvir nada. Bem que você poderia ter me
deixado dormir.
Ivanovitch recorreu ao braço direito, comum aos dois,
para se coçar. Como as duas cabeças dispusessem de um
único corpo, sempre tinham que chegar a algum acordo
sobre o uso do mesmo. Desde o nascimento, Ivã
Goratchim adaptara-se à necessidade desse procedimento.
Além disso, possuía um caráter pacífico comum, que fazia
com que via de regra as duas cabeças acabassem
concordando.
Acontece que desta vez Ivanovitch era de outra
opinião. Achou que os ruídos eram muito importantes.
Por isso a mão que o coçava ergueu-se subitamente e,
antes que Ivã desconfiasse de qualquer coisa, seus
próprios dedos lhe beliscaram a orelha.
— Diabo! Que é isso?
— Isto é para você abrir o ouvido, meu caro. Estou
ouvindo alguma coisa que não parece ser muito boa. Se
você adormecer de novo, nem por isso aquilo que há de
mal irá embora. Acho que o ruído indica a existência de
algum perigo.
— Indica guerra, Ivanovitch. Ouço um barulho que
parece de veículos blindados passando por aí.
— De veículos blindados atirando — corrigiu a
cabeça que era três segundos e meio mais jovem. — Se os
blindados estão passando, podem estar numa parada. Mas
quando estão atirando, fazem guerra.
Ivã Goratchim saltou da cama. Ainda de pijama,
correu para a janela e procurou abri-la.
— Você é um idiota! — gemeu Ivanovitch. — Em
Terrânia não existem janelas que possam ser abertas. Os
aparelhos de condicionamento nos trazem o ar puro.
— Acho que isto não é nenhum progresso. Uma janela
só é uma janela de verdade quando podemos nos inclinar
para fora dela. Você vê que estes vidros embutidos na
parede são um absurdo. Nem podemos ver se o inimigo
penetrou em Terrânia.
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— Nenhum inimigo pode penetrar em Terrânia —
objetou Ivanovitch. — Quanto mais na abóbada
energética em cujo interior, conforme você sabe, estamos
morando. Vai ver que você está pensando nos nossos
libertadores da Sibéria.
— O mundo, ou Terra, conforme hoje se diz, está
unido. Trata-se de um ataque vindo do espaço. Se me
lembro o que Rhodan nos contou sobre os saltadores, e
como o Supercrânio abusou de nós, não me sinto nada
bem.
— Não diga tolices! A Terceira Potência é o baluarte
mais forte da Via Láctea.
— Você mesmo acaba de dizer que é guerra. O que
pode ser?
— Devíamos mudar de roupa e sair para a rua.
— Com este tempo não dou um passo para fora de
minha casa. O ar está cheio de aço, e de coisa pior. São
esses raios modernos. A gente não os vê, não os ouve...
— Existem raios que se veem e ouvem.
— E existem outros que não se veem — trovejou Ivã
obstinadamente.
Uma pequena briga entre as duas cabeças parecia estar
a caminho. Mas, no mesmo instante, ambas constataram
que mesmo pela janela fechada podiam ver alguma coisa.
No céu viram uma fileira de helicópteros, que
desceram em curva fechada. Os canos dos radiadores de
impulsos relampejaram.
Ivã Goratchim empalideceu. O susto removera todos
os mal-entendidos. As cabeças e o corpo reagiram em
conjunto, como se obedecessem a um único cérebro.
Num movimento instintivo, Goratchim se afastou da
janela.
— Isso não é nenhuma manobra ou parada — afirmou
Ivã. — Aposto que os saltadores invadiram nosso
território e pretendem conquistar a Terceira Potência.
Devemos ir imediatamente para junto de Rhodan a fim de
prestar-lhe auxílio.
— Ir até lá? — perguntou Ivanovitch em tom
desolado. — Nem sabemos onde está Rhodan. A sede do
governo fica a dois quilômetros. E quando estivermos
caminhando pela rua, ninguém nos dirá quem é nosso
amigo e quem é nosso inimigo.
— Perguntaremos ao pessoal — disse Ivã
ingenuamente.
Finalmente as duas cabeças chegaram a um acordo: ao
menos teriam que mudar de roupa. Quando Goratchim
acabou de fazer o nó da gravata, Tako Kakuta surgiu do
nada.
As duas cabeças levaram outro susto. Ainda não se
habituara à maneira pela qual um teleportador costuma
chegar. Mas logo percebeu que tinha diante de si um
homem de confiança de Rhodan.
— Senhor Kakuta! Sua indiscrição nós torna muito
nervosos.
— Pelo universo, Goratchim. Eu o procurei por toda a
residência. Quem poderia imaginar que com todo este
drama você ainda está na cama?
— Ainda é cedo, e estávamos muito cansados —
respondeu Ivã.
— O que aconteceu? — interrompeu-o a cabeça da
esquerda. — Como pôde qualquer poder do universo
penetrar até o interior de Terrânia?
— As explicações têm de ficar para depois. Por
enquanto temos que aceitar o fato de que isso aconteceu
— disse Tako Kakuta. — Os agentes dos saltadores
obrigaram nossos robôs a se passar para o seu lado. Até
parece que todo o exército de homens de lata enlouqueceu
de uma hora para outra. Rhodan mandou que viesse até
aqui para lhe pedir que o ajudasse.
— Rhodan estaria em condições de mandar; não
precisaria pedir — afirmou Ivã.
— Tanto faz que seja uma ordem ou um pedido —
prosseguiu Ivanovitch. — Estamos com ele. O que
devemos fazer?
— Senhor Goratchim, o senhor é nossa última
esperança.
Ambas as cabeças se esticaram num orgulho infantil.
— Para nós esses robôs são um brinquedo — afirmou
Ivanovitch.
— Goratchim, você deve agir com muita prudência —
advertiu-o o teleportador. — De nada nos adiantará se cair
na primeira batalha. Você tem muito mais a perder que
qualquer outro homem: duas cabeças.
— Somos fortes — afirmou Ivã.
— Para encontrar toda sua força, o forte tem de agir
com inteligência — doutrinou Kakuta. — Está pronto?
Faça o favor de vir comigo. Eu o levarei para junto de
Rhodan.
A residência ficava no primeiro andar. Não adiantava
usar o elevador. A rua estava cheia de gente.
— É muito mais gente do que vimos da janela —
espantou-se Ivanovitch. — E todos correm na mesma
direção. Será um ataque?
O suor porejava na testa de Kakuta.
— É uma fuga! — explicou em tom menos gentil do
que usara até então. — A frente de combate fica para
outro lado. Temos que dobrar à esquerda e dar uma volta
pelo quarteirão J-G VII. A área que fica à nossa direita
não está segura. É possível que em frente ao centro de
compras ainda encontremos um táxi livre.
— Por que não pegamos um táxi robotizado?
— Porque os robôs se revoltaram. Vamos, entre na
confusão!
Enquanto Kakuta dava ordem de caminhar, Ivã
segurou as duas cabeças com um gesto rápido. Foi um
movimento instintivo.
De um instante para outro o edifício retumbou em
todos os cantos. As paredes pareciam adquirir vida. Com
um movimento chiante, uma fenda de cerca de dois
centímetros abriu-se no teto e caminhou rapidamente em
direção ao soalho. O emboço chovia sobre suas cabeças.
Encontravam-se na entrada do edifício; enrijeceram de
susto.
Kakuta contou em voz alta até cinco. Quando
concluiu, tudo parecia ter passado. Mas na rua o inferno
parecia andar às soltas. Destroços caíam em meio às
massas em fuga. Eram peças que se soltavam do telhado e
dos pavimentos superiores. Homens, mulheres e crianças
tombavam mortos. A onda dos fugitivos os pisoteavam.
Goratchim ia saltar para frente.
— Fique aqui! — berrou Kakuta. — Os enfermeiros
cuidarão dessa gente. Se não pensarmos exclusivamente
na nossa tarefa, todos os cidadãos da Terceira Potência
estarão perdidos, e não apenas os poucos que estão ali. O
prédio tem uma saída pelos fundos?
— Tem. Leva a uma rua particular dos residentes.
16
— Vamos, Goratchim. Talvez por lá a confusão não
seja tanta.
A suposição de Kakuta se revelou mais verdadeira do
que ele desejava. A rua particular parecia varrida de
gente.
Saíram do terreno.
Naquele instante, a porta do edifício do outro lado da
rua se abriu. Um robô saiu.
Kakuta levantou o radiador manual e disparou. Ao
mesmo tempo efetuou uma teleportação reflexiva, que o
colocou sob o abrigo do edifício.
A reação de Goratchim não foi tão rápida. Não pudera
ver o robô. Quando percebeu ao mesmo tempo o perigo
que o ameaçava e a fuga de seu aliado, quase se sentiu
tomado pelo pânico.
Por alguns segundos permaneceu imóvel em plena
rua. Aguardou o golpe mortal. Algumas frações de
unidade de tempo se passaram. Ainda estava vivo.
Depois disso, a vontade de Goratchim se concentrou
sobre o robô, que provavelmente hesitara porque o
homem de duas cabeças lhe causara certa perplexidade. E
essa hesitação foi seu fim. O mutante Goratchim não teve
que fazer outra coisa senão pensar, e o cálcio contido no
robô desfizeram-se numa devastadora reação em cadeia.
* * *
— Gostaria de saber onde está Tako — disse Rhodan.
— Afinal, ele não podia deixar de perceber o que
aconteceu no quarteirão J-D III.
— Como teleportador não terá o menor problema em
escapar ao cerco — afirmou Manoli. Não compreendia
como o chefe poderia ter esquecido esse fato.
— Ele poderá. Mas não conseguirá tirar Goratchim de
lá.
— Então seu segredo foi esse Goratchim — gemeu
Reginald Bell. — Por que não nós lembramos logo de
recorrer a ele? Era uma ideia tão simples. Será que há
algo de errado com nossa capacidade de reação? Eric, o
que me diz?
— Quer que eu responda na qualidade de médico?
Rhodan interrompeu o debate com um ligeiro
movimento de mão.
— Se é que você procura uma explicação psicológica,
Bell, esta só pode ser uma. Em nosso subconsciente
confiamos demais na orientação estratégica fornecida pelo
cérebro P. Todo este alarma complicado foi previamente
programado. Mas nesse alarma não havia lugar para
Goratchim, porque o cérebro não o incluía em seus
cálculos. Nossa programação de alarma já tem algum
tempo. Acontece que Goratchim só veio para junto de nós
há pouco.
O quarteirão J-D III estava praticamente cercado pelo
exército de robôs. Rhodan interrompeu sua exposição.
Todos sabiam que naquele momento o importante era
agir. E o curso que os acontecimentos tomaram nos
próximos minutos realçou ainda mais a necessidade de
ação.
O coronel Friedrichs lançou helicópteros armados
contra o quarteirão J-D III. Bell imediatamente deu
contraordem.
— Será que o senhor ficou louco, coronel? O senhor
está atirando para uma área cheia de civis.
— As frentes estão misturadas. Se quisermos poupar a
vida de nossa gente a qualquer preço, já não poderemos
atingir os robôs.
— Peço-lhe que deixe a decisão desse tipo de
problema por minha conta. Instrua seus homens a chegar
mais perto do inimigo. Procure atingir os robôs um por
um. Mas não extermine a inteligência da Terceira
Potência.
Todos compreenderam que a decisão de Bell
transformava o grupo de helicópteros num comando
suicida. Os robôs já haviam derrubado três aparelhos. E o
raio antigravitacional, que representava a arma mais
perigosa, tinha que ser utilizado em escala cada vez
maior. Em todos os pontos as frentes se misturavam numa
luta corpo a corpo. Quem fosse subtraído à ação da
gravitação terrestre, passaria a rodopiar no ar. Com isso o
caos seria completo.
— Bell para o coronel Friedrichs. Concentre uma onda
de ataque com todas as forças aéreas disponíveis
exclusivamente sobre o quarteirão J-D III. A área tem que
ser libertada de qualquer maneira.
Por três minutos permaneceram em silêncio diante da
tela do videofone. A ordem de Bell causou uma alteração
instantânea na ordem de batalha.
O ataque concentrado contra o quarteirão J-D III
transformou a área num verdadeiro inferno. Mas percebia-
se pelo emprego rigoroso do fogo dirigido que as perdas
dos homens mecanizados eram muito maiores. Os
fugitivos puderam respirar, e conseguiram recuar um
pedaço.
A cunha dos robôs revoltados perdeu tempo e energia.
Até parecia que os indivíduos cibernéticos se
impressionaram com a tática. Por um instante davam a
impressão de não saber como as coisas iriam continuar.
Bell exultou:
— Estão confusos. Friedrichs! Retire imediatamente
os reforços e concentre-os no quarteirão H-G VII. Repita
a manobra.
— Se você tiver alguma objeção contra minhas
disposições intuitivas, Rhodan, avise logo — prosseguiu
Bell, Voltando-se para o amigo. — Ainda não sei o que
houve com Kakuta e Goratchim e não tenho a menor idéia
do que você pretende fazer com eles.
— Continue assim, Bell. É só por meio de uma série
de mudanças táticas que você conseguirá confundir os
robôs, se é que isso se torna possível.
Ninguém falou nas próprias perdas, muito embora
Friedrichs tivesse perdido mais quatro helicópteros.
Finalmente Tako transmitiu um aviso pelo
telecomunicador portátil.
— Acordei Goratchim, Rhodan. Ainda estamos na
casa dele. O ataque maciço valeu ouro. Poderia mandar
para cá o tanque mais próximo? Ivã é um atacante de
primeira, mas suas defesas contra um ataque à traição são
muito débeis.
— Está bem. Continue no interior da casa.
Mandaremos uma máquina com um forte campo
energético.
— Obrigado.
O capitão Klein tomou suas providências sem
aguardar uma ordem expressa. No quarteirão J-D IX
havia dois tanques de setenta toneladas. Klein mandou
que seguissem imediatamente para a residência de
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Goratchim.
— Um dos dois tem que dar um jeito de passar.
Protejam-se mutuamente.
— Às ordens, capitão — disse o primeiro-tenente em
tom seco e interrompeu a comunicação.
O ataque contra o quarteirão H-G VII não produziu
tanto efeito. Talvez fosse porque os robôs já se haviam
adaptado ao plano de Bell.
— Temos que pensar em outra coisa.
A constatação foi bastante deprimente. A
concentração das forças sobre dois pontos também
trouxera suas desvantagens. Dentro de poucos minutos as
duas tenazes que os robôs estendiam para o norte
conseguiram realizar um grande avanço.
— Esses patifes aproveitam qualquer chance —
resmungou Bell. — Deviam supor que os pontos em que
nossa defesa é mais forte são aqueles em que ficam os
objetivos mais importantes. Será que isso é inteligência?
— Em minha opinião — interveio Dr.Manoli — o
mais importante será descobrirmos de que forma se
comunicam entre si. Só assim poderemos descobrir seus
planos.
— Não diga tolices. Sabemos perfeitamente como se
comunicam. Mas não sabemos quem os comanda.
— Pois é isso.
— Consegui. Querem fazer o favor de ficar quietos
por um instante?
Todos olharam para Tanaka Seiko, que até então não
dissera praticamente nada. Entre os mutantes aquele
japonês esbelto e delicado sempre fora conhecido como
um homem quieto e introvertido. Esse traço de caráter
teria que se cristalizar forçosamente com base na
capacidade parapsicológica da goniometria. Perscrutava
seu interior com uma intensidade muito maior que um
telepata. Seu sexto sentido consistia, sob o ponto de vista
puramente técnico, num aparelho de rádio extremamente
complicado, cuja sofisticação ainda não havia sido
alcançada pela mão do homem ou dos arcônidas. Seiko
ouvia as ondas de rádio. Além disso, estava em condições
de realizar espontaneamente a determinação de uma
frequência de ondas, que lhe revelava com toda nitidez o
conteúdo da transmissão que desejasse captar.
Aquela concentração, que perdurava por vários
minutos, sempre resultava em certa debilidade física.
Sentado numa poltrona, manteve-se de olhos
fechados.
— Conseguiu o quê, Tanaka?
Seiko fez um gesto de recusa, que fez com que mesmo
Bell e Rhodan se calassem. Obedientes, mantiveram-se à
espera.
O zumbido do videofone se fez ouvir. Justamente no
momento mais impróprio! Bell se limitou a girar o botão
de recepção, que eliminava imagem e som. Pegando o
microfone, cochichou:
— Aguarde um instante. No momento a recepção é
impossível.
O interlocutor do outro lado protestou com veemência.
Mas não chegou a ser ouvido.
O que fora conseguido por Tanaka? A questão mais
importante era esta.
Pouco depois Tanaka se descontraiu.
— Consegui captar uma das frequências pelas quais os
robôs se comunicam. Os saltadores devem ter modificado
seu mecanismo de radiocomunicação. Temos que sair
daqui, Rhodan.
— Por quê? Afinal, os robôs não têm força aérea e
ainda se encontram a um quilômetro e meio daqui.
— Um dos seus espiões descobriu que o quartel-
general de nossas forças de defesa fica aqui, no escritório
do capitão Klein. Até aqui acreditavam que ficasse no
edifício da sede do governo.
— Está bem. Procure captar novas mensagens,
Tanaka. E esforce-se para não perder a freqüência. Se nós
o incomodarmos, fique na sala ao lado.
— Acho que seria o melhor.
Seiko se retirou.
— ...recuso toda e qualquer responsabilidade. Com
todo respeito que lhes dedico.
O súbito berreiro saiu do videofone, que Bell voltara a
regular para o volume máximo. Na tela viu-se o rosto
furioso do coronel Friedrichs.
— Agora chegou sua vez, coronel.
— Já estava na hora. Minhas tropas já não estão em
condições de manter qualquer posição. Lançar homens
contra robôs, isso é uma...
— Diga logo de que se trata coronel! — trovejou Bell.
— Minhas perdas já chegam a um total de quatorze
helicópteros. Preciso do apoio das forças de terra.
— O apoio é o senhor, coronel. Sinto muito. Não
dispomos de outras máquinas e não temos onde buscá-las.
Por questões de segurança a abóbada energética
permanecerá fechada. Retire suas unidades por dez
minutos e reagrupe-se com os remanescentes. O Exército
de Mutantes lhe dará apoio. Aguarde novas instruções.
— Dentro de dez minutos os robôs chegarão ao nosso
quartel-general, se não forem atacados pelo ar. Peço
permissão para transferir meu estado-maior para o norte.
Bell lançou um olhar indagador para Rhodan. Este se
limitou a acenar com a cabeça.
— Está bem. Retire-se para a quadra A-N XII,
coronel. Com isso chegará bem perto do espaçoporto.
Mas não se esqueça de que depois disso sua posição não
mais poderá ser modificada.
— Obrigado.
A comunicação foi interrompida com um estalo.
— Vamos aos mutantes, Rhodan! Não temos outra
alternativa.
Sem dizer uma palavra, Rhodan passou os olhos pelo
grupo que o cercava.
— Ishi, você é uma mulher e uma telepata. Suas
qualidades não podem ser utilizadas num confronto com
robôs. Gostaria que se retirasse para a quadra
administrativa.
Obediente, Ishi acenou com a cabeça.
— Imediatamente?
— Sim, faça o favor.
Ishi Matsu fechou seu traje arcônida e se despediu.
Decolou do telhado do edifício e desapareceu, tornando-
se invisível aos olhos de qualquer robô.
— Os outros ficarão aqui até que sejamos cercados.
Capitão Klein, avise o batalhão de guardas sobre a nova
situação. Mande que se mantenham em rigorosa
prontidão. Todos os veículos que disponham de campo
energético próprio devem se reunir num grupo de defesa.
— Às ordens.
A tela já revelava o perigo da nova situação. De início
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o plano dos robôs só se revelava vagamente. Mas Tanaka
informou todas as pessoas que se encontravam no recinto
sobre o objetivo visado pelos movimentos das máquinas
de guerra. De repente concentraram quase um quarto de
seus efetivos num avanço para o leste. Já teriam percebido
a fraqueza momentânea das defesas humanas? Sem os
ataques vindos do ar praticamente não encontravam
resistência. Despedaçavam blocos inteiros de prédios
quando numa rua alguém abria fogo sobre eles, por mais
reduzido que fosse. A três quadras do quartel-general do
capitão Klein eles defrontaram-se com a primeira linha de
defesa mais fortemente estruturada. Três tanques
enfileirados formavam uma grande barreira energética,
que cobria toda a pista de rolamento. O fogo concentrado
de suas armas de impulsos abateu a energia defensiva de
sete dos atacantes; sete robôs desfizeram-se na
incandescência provocada pelos tiros.
Mas os robôs não conhecem medo.
Num fanatismo cego, a frente por eles formada
deslocou-se em direção aos tanques.
Naquele instante foi derrubado numa outra rua o
helicóptero que propiciava a transmissão da imagem no
sistema de videofone.
No quartel-general perdeu-se todo contato ótico com
os acontecimentos. Reginald Bell soltou uma terrível
praga.
* * *
Ivã Goratchim não era feio apenas por possuir duas
cabeças. Seu aspecto geral era simplesmente monstruoso.
Era um dos numerosos mutantes negativos nascidos na
Sibéria depois das primeiras experiências realizadas com
bombas atômicas. Os aspectos negativos revelavam-se de
várias formas.
A altura de dois metros e meio, as disformes pernas de
coluna, sua pele esverdeada e escamosa e seu corpo
anguloso e desajeitado eram suficientes para provocar a
impressão de se tratar de um monstro.
No caráter e na capacidade biológica era uma
combinação quase paradoxal entre o bem e o mal. Se não
fosse a mutação que o transformara num detonador,
poderia se dizer que era uma criatura inofensiva. Ambas
as cabeças impunham a ele um gênio paciente, ingênuo e
submisso. Desde a infância costumava ser chamado de
monstro. Isso produzira em sua mente um pronunciado
complexo de inferioridade. Até então, praticamente não
chegara a tomar qualquer iniciativa. Durante o curso de
uma geração, seus dois cérebros haviam se acostumado a
uma espécie de concorrência. Com isso sua capacidade
mental se consumira. Era bem verdade que, perante um
terceiro, as duas cabeças se mantinham unidas como se
fossem uma só. Mas esse fato não substituía a ausência da
vontade de impor-se.
Ivã Goratchim transformara-se numa criatura
tipicamente submissa. Só queria servir para ser
recompensado com o amor do próximo.
O legendário Supercrânio, que há algum tempo
cobrira a Terra e a Terceira Potência, com uma
ameaçadora guerra de guerrilhas, fora o descobridor
estratégico de Ivã. Tirara-o da tundra siberiana e lançara
mão dele para seus desígnios maléficos. E Ivã era fácil de
aproveitar. Afinal, era ingênuo... e era um detonador.
Essa última qualidade, que mais tarde lhe conferiria
um lugar de destaque no Exército de Mutantes de Rhodan,
consistia no fato de que suas energias mentais
provocavam nos compostos do cálcio e do carbono o
mesmo efeito que um impulso térmico produz na pólvora.
Bastava que Ivã Goratchim se concentrasse, para que os
átomos de cálcio entrassem num processo de fissão
nuclear. Acontece que o cálcio e o carbono estão
praticamente em toda parte. Por isso Goratchim, o
detonador, estava em condições de matar qualquer ser
vivo e destruir qualquer objeto, desde que sua mente se
concentrasse intensamente para isso. Era ali que
terminava seu caráter inofensivo.
A destruição do robô de combate provou o fato.
Ivã viu-se diante de um montão de escombros de
metal e de massa plástica. A visão daquilo restituiu-lhe
um pouco de sua autoconfiança. Não era uma criatura
indefesa. Nem mesmo contra essas impiedosas máquinas
de guerra. Apenas teria que agir com cautela. E esta idéia
fez com que se retirasse imediatamente para trás do muro
que cercava a área de onde acabara de sair.
A rua ficou vazia. Não foi disparado mais nenhum
tiro. Mas o que aconteceria se saísse de trás do muro? Não
teria sido visto por outro robô que se mantinha
escondido? Do outro lado da rua havia centenas de
janelas. Atrás de qualquer uma delas a destruição poderia
estar à espreita.
Esperou. Quando se lembrou de Tako Kakuta, voltou
a sentir medo. Por que o teleportador havia desaparecido?
Certamente apenas porque aqui o ambiente estava
carregado de chumbo e de energia. De repente, o barulho
cresceu enormemente. O ouvido já se acostumara aos
ruídos da luta que se desenrolava em ruas distantes. Mas
agora mais de vinte helicópteros corriam pelo céu e
disparavam seus radiadores de impulsos térmicos. A rua
já não estava vazia. Dois, três robôs apareceram e de
pernas duras foram caminhando na direção oposta à que
tinham vindo. Outros se juntaram a eles.
Ivã olhou pelo canto do muro e voltou a se abrigar.
Uns trinta robôs de combate estavam desfilando pela rua.
Parecia ser uma retirada.
Será que isso significava que Perry Rhodan já
conquistara a vitória?
A ingenuidade de Goratchim era pronunciada demais.
Logo esqueceu a prudência. Se Rhodan estava vencendo,
o mais terrível de seus mutantes não poderia deixar de dar
sua contribuição para a vitória.
Levantou-se. Sua altura equivalia a quase duas vezes a
do muro. A cabeça e o tórax estavam desprotegidos. Os
robôs estavam a menos de vinte metros.
Para eles a percepção e a reação eram simultâneas. A
vantagem de Ivã consistia unicamente na surpresa. Ele o
sabia.
Antes de se levantar, preparara rapidamente a
concentração de seus pensamentos. Os dois cérebros
completavam-se numa cadeia de relés. Só por isso seu
ataque alcançou um êxito parcial.
Mais de uma dezena dos guerreiros artificiais
perderam a vida no instante em que estavam começando a
perceber o perigo. Mas os que se encontravam na segunda
e na terceira fila tiveram tempo de reagir. Viram o
mutante de duas cabeças e não perderam tempo em se
espantar com o aspecto pouco humano do mesmo. O
ataque de Ivã era sinal de sua periculosidade. E os robôs
se orientavam exclusivamente por essa circunstância.
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Fizeram pontaria com seus olhos estereoscópicos, que
incluíam o mecanismo de pontaria. O funcionamento do
radiador de impulsos térmicos era automático.
Nesse instante alguma coisa pegou nas pernas de Ivã
Goratchim, que caiu estendido na grama plantada atrás do
muro. Espantados, seus dois pares de olhos fitaram o
rosto de Tako Kakuta, que se mantinha agachado atrás do
muro.
— Vamos embora! Siga-me, seu idiota! Fique
grudado no chão, arrastando-se sobre os cotovelos e os
joelhos.
Para um teleportador era uma maneira pouco usual de
se afastar de uma área de perigo. Mas a esta hora não
poderia se transferir para outro lugar pela simples força de
seu desejo. Levava a reboque a figura desajeitada de
Goratchim; não poderia abraçá-lo e levá-lo num salto
teleportado.
Logo perceberam que a intervenção de Kakuta fora
necessária. Antes que a criatura de duas cabeças tocasse a
grama, os primeiros feixes de raios térmicos passaram por
cima dele e demoliram a parede do edifício. Depois disso
os robôs baixaram a direção dos tiros, fazendo pontaria
sobre o muro.
Lascas de pedra esvoaçaram em torno das cabeças de
Tako e Ivã. Sentiram que o calor aumentava a seu lado.
Quando tinham percorrido uns dez metros, o muro cedeu.
O raio energético dissociara o silício dos elementos a que
estivera ligado, derretendo-o a uma temperatura de quase
dois mil graus centígrados. O muro se desmanchou num
fluxo de lava incandescente. Havia um buraco nele.
Será que os robôs acreditavam terem liquidado o
inimigo?
Não teriam bastante inteligência para saber que o
homem é um ser que sabe rastejar? Tinham. E estavam
programados para se orientar pelas reações humanas. Se o
homem tivesse fugido, ele teria se deslocado para a
direita. Logo, prepararam-se para abrir outro buraco no
muro. Mas Tako fizera exatamente o oposto daquilo que
as máquinas esperavam. Rastejara para o canto do jardim
que ficava mais próximo aos robôs. E Ivã seguira-o
docemente.
— Agora estão a apenas dez metros de nós —
cochichou o teleportador. — O próximo ataque tem de ser
muito bem preparado. Concentre-se com bastante
antecedência na destruição, Ivã. Eu me teleportarei para a
casa em frente e atirarei da janela com meu radiador de
impulsos térmicos. Você só deve detonar no máximo por
três segundos. Depois disso, atire-se ao solo e rasteje o
mais depressa possível. Deixe o resto por minha conta.
Com uma pancada no ombro de Ivã, Kakuta se
despediu.
Tudo se passara numa questão de segundos. Pelo que
se concluía dos ruídos, os robôs dispunham-se a
prosseguir na sua caminhada. Goratchim se concentrou. O
primeiro tiro foi disparado do prédio em frente.
Tako visou à fileira da frente, formada por quatro
robôs que ainda disparavam sobre o muro. Por isso o
radiador de impulsos produziu efeito dentro de poucos
segundos. Quando o feixe de energia atingiu o reator, o
campo protetor deixou de existir.
Doze ou quatorze dos robôs de quatro braços se
viraram instantaneamente e visaram o novo inimigo. Mas
a aparição de Tako na janela não passou de uma sombra
fugaz. O japonês executou novo salto, que o levou ao
prédio vizinho, dois andares abaixo. Logo correu para a
janela a fim de sondar a situação.
Ivã Ivanovitch estava de pé atrás do muro.
Não houve nenhum relâmpago, nenhum raio
energético que envolvesse aquela figura petrificada.
Permaneceu ali apenas por três segundos, mas sua rigidez
e concentração dava a impressão de que ali fora colocado
para toda a eternidade. Mas foi apenas um instante da
eternidade que decidiu o destino de nove dos robôs de
combate.
No centro de seus ventres teve início a reação em
cadeia dos átomos de cálcio. Isso foi sua morte.
Ivã obedeceu à ordem que lhe fora dada. Deixou-se
cair sem aguardar o resultado da detonação por ele
provocada. Os cinco robôs que ainda restavam puseram-
se em movimento sem muita perda de tempo. Dois foram
para a direita, três para a esquerda.
Kakuta liquidou um deles, deu um salto de trinta
metros através das paredes e destruiu mais um.
Goratchim, que de repente se esquecera de todo
cuidado, tomou conta do resto. Abriu os braços e deixou-
se cair para o lado da rua. Só pensava na destruição do
inimigo.
O grito de advertência de Kakuta revelou-se inútil. Os
robôs não estavam à altura dessa investida de apaixonada
concentração humana. Os que ainda restavam
sucumbiram ao fogo que consumiu seus corpos artificiais.
A rua estava livre. Kakuta surgiu ao lado de Ivã.
— Que diabo! Não lhe proibi este tipo de leviandade?
Qualquer outro homem preza sua vida e age com cautela.
Mas você...
Goratchim exibiu dois rostos decepcionados. Esperava
que seu ato merecesse uma recompensa sob a forma de
um elogio. Obediente e sacudindo a cabeça dupla, seguiu
o japonês para um edifício, de onde o mesmo solicitou,
pelo telecomunicador, o envio de um carro blindado.
3
— Estamos entrando na última fase — murmurou
Perry Rhodan em tom obstinado. — É ela que decidirá
quem de nós é o mais forte.
Essa ideia não deixou os amigos muito satisfeitos.
Poucas vezes o chefe deixara o resultado de um combate
em aberto como o fizera desta vez. Sempre confiara sua
segurança e a dos indivíduos que o cercavam à técnica de
que dispunha. Hoje, porém, parte da técnica da Terceira
Potência passara-se para o lado do inimigo. Esse fato
alterara profundamente a situação.
O cerco em torno do quartel-general do capitão Klein
tornava-se cada vez mais apertado. Os robôs haviam
esmagado a maioria das linhas de defesa colocadas nas
ruas. O chão estava começando a arder sob os pés, no
sentido literal da expressão.
Rhodan deu ordem de retirada ao seu estado-maior.
— Bell, não faça essa cara de herói frustrado! Hoje
não se trata de demonstrar coragem, mas de não queimar
os dedos... Fechar os trajes de combate. Capitão Klein,
avise o comandante do batalhão de guardas. Faremos o
possível para providenciar o revezamento quanto antes.
20
Klein fez continência e saiu. Rhodan mexeu na sua
pulseira para chamar Kakuta.
— Alô, Tako! Vamos nos transferir para um edifício
de escritório. De qualquer maneira, procure chegar até
aqui com o Ivã, a fim de apoiar a tropa de Klein. No
momento não tenho outras ordens. Os dois tanques já
chegaram?
— Não senhor.
— Pois espere. Não deverão demorar.
O capitão Klein voltou.
— Tudo liquidado, chefe.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Todos conhecem o objetivo. Vamos embora! Não
se esqueçam de ligar os defletores de raios luminosos.
Nossa retirada deve ser invisível.
Decolaram do telhado. Cada traje arcônida era um
veículo. Rhodan flutuou no ar por algum tempo, para
colher uma impressão sobre a situação geral. Não parecia
ser boa. Mais de um terço do território coberto pela
abóbada energética estava em poder dos robôs.
— Wuriu — gritou Rhodan pelo telecomunicador,
enquanto voavam.
— Sim.
— Estou me lembrando do helicóptero destruído.
Fique aqui por uma hora e mantenha-me informado sobre
a situação. Não podemos nos dar ao luxo de ficarmos
cegos no nosso escritório.
— Perfeitamente!
O contato através do telecomunicador não
representava o menor risco. Os robôs talvez conseguissem
captar transmissões radiofônicas normais, mas não as do
aparelho audiovisual que trabalhava por meio de impulsos
codificados.
Pousaram no telhado do arranha-céu em que ficavam
as repartições do governo. Quando regulavam seus trajes
para a posição zero houve alguma exaltação, logo
transformada numa sensação de alívio. O edifício do
governo estava cheio de gente retida em seu local de
trabalho por causa do alarma.
— A situação não está boa, não é, senhor Rhodan? —
perguntou uma jovem funcionária.
Pela primeira vez naquelas horas o chefe da Terceira
Potência conseguiu esboçar um ligeiro sorriso.
— Não, senhorita Grohte, a situação não está boa.
Mas estamos nos esforçando ao máximo para que as
coisas logo se modifiquem a nosso favor. Mantenha-se no
seu posto, para que tudo dê certo.
Pegaram o elevador e desceram ao escritório de Bell.
Chegando lá, encontraram Crest e Thora, os dois
arcônidas que nessa situação de alarma não tinham
qualquer tarefa especial a desempenhar, mas deviam
permanecer naquele pavimento por motivos de segurança.
Thora, a mulher vinda do longínquo planeta de Árcon,
logo se aproximou de Rhodan.
— Como está às coisas, Perry?
O tratamento familiar não combinava com o olhar
petrificado. Rhodan deu de ombros.
— A decisão não deve demorar Thora.
— Você devia colocar um girino à nossa disposição,
Perry. Crest e eu temos o direito de nos mantermos
afastados desta luta.
— Não há dúvida. Acontece que nosso plano exige
que a abóbada energética permaneça fechada. Ninguém
pode sair do centro de Terrânia.
— Não vejo por que...
— Está bem. Se as coisas se tornarem críticas por
aqui, voltaremos a falar a respeito. Por enquanto a área
governamental não corre o menor perigo. O front está sob
controle.
A arcônida teve de se contentar com a explicação.
Pouco depois Kakuta chamou.
— Os tanques chegaram. Entramos neles e seguimos
na direção indicada.
— A terceira linha de defesa que cerca o batalhão do
capitão Klein foi rompida — anunciou Wuriu Sengu. —
O edifício está ao alcance dos tiros do inimigo. O avanço
pelos flancos foi retardado. Mas o inimigo está formando
uma cunha central que avança em direção à área
governamental.
— Aí está — constatou Thora.
Ninguém deu atenção às suas palavras. Bell mandou
que todos os helicópteros disponíveis voltassem à luta. O
coronel Friedrichs confirmou o recebimento da ordem em
tom resignado.
Rhodan pareceu tomar uma decisão:
— Se a entrada em ação de Ivã coincidir com o ataque
dos helicópteros, tem alguma esperança no êxito da
operação. O resultado seria ainda melhor se
recorrêssemos a um terceiro fator. Bell, você está no
comando; não precisa de mim. E pode dispensar Anne e
Kitai.
— Basta que Tanaka fique comigo para captar as
ondas irradiadas pelo inimigo. Mas afinal, o que pretende
fazer?
— É o terceiro fator. Nosso grupo de choque será
invisível. Isso representa uma boa vantagem.
Rhodan não deu outras explicações. Não podia perder
tempo, pois do contrário o apoio do novo grupo poderia
chegar tarde.
Os três se retiraram e desceram ao quarto subterrâneo.
Ali cada um deles pegou cinco bombas explosivas
normais, que apesar de seu peso reduzido produziam o
efeito de uma tonelada de TNT por bomba.
O comandante dos blindados era o sargento Cry. Era
uma alma paciente e um gênio na distribuição de cargas,
pois conseguiu, num espaço de três minutos, acomodar os
dois metros e meio do corpo de Goratchim no espaço
estreito de um blindado. E não foi só isso! Ainda
conseguiu abrigar a tripulação normal e Tako Kakuta.
Os homens de Terrânia já tinham conhecimento das
faculdades de Ivã. De repente se sentiram muito seguros
no interior do blindado. Cry apenas ficou quebrando a
cabeça sobre a maneira pela qual Ivã trabalharia. Pois não
podia se mexer muito.
— Isso não tem importância — disse e cabeça da
direita. — Não existe campo protetor que possa resistir à
força dos meus pensamentos. Ainda menos o dos robôs. E
este pedacinho de aço dos seus tanques para mim não é
nada. Apenas preciso ter um pouco de visão pela fenda de
observação...
— Aqui está um telescópio. Com isso a visão será
melhor e mais confortável.
— Muito bem, companheiro — disseram as duas
cabeças de Goratchim, alegrando-se ao mesmo tempo.
Os blindados andavam bem juntos. Seus campos
protetores podiam ser regulados para um efeito aditivo,
21
desde que os geradores ficassem a uma distância menor
que o triplo do raio do campo energético. Qualquer
comandante de tanque conhecia o truque. Mas o mesmo
pressupunha grande habilidade de quem dirigisse o
veículo, pois as esteiras dos dois tanques não podiam ficar
a uma distância superior a vinte centímetros.
A área em torno da quadra J-D III estava vazia. Vez
por outra se viam mortos ou robôs destruídos. Os
destroços das casas desmoronadas não representavam
qualquer obstáculo para aqueles colossos.
Dali a duas quadras começou a área controlada pelos
robôs. A primeira linha foi liquidada por um impacto
casual da peça de artilharia do blindado. Mas a situação
logo se tornou crítica. A troca de tiros atraiu uma dezena
de inimigos, que se lançaram ao um ataque em frente
ampla.
— Cuidado, Ivã! — gritou Tako Kakuta.
— Eu os vejo no telescópio. Devo...?
— É claro que sim. O que está esperando?
A força demoníaca da mente de Goratchim pôde se
desempenhar em toda a plenitude. Não precisava pensar
na fuga, pois confiava nos campos protetores dos
blindados. Por isso conseguiu se concentrar integralmente
no ataque.
Os robôs estouraram. Foram reduzidos a uma coisa
incandescente indefinível.
O contra-ataque dos dois veículos passou por cima
deles.
Mais uma quadra.
Outros inimigos. Mais de trinta, que logo abriram um
fogo permanente e concentrado.
— Isso é demais! — gritou Cry. — Nossos campos
protetores não aguentam. Temos que recuar.
— Espere um instante! — respondeu Kakuta, também
gritando.
Cry era o comandante, mas um oficial do Exército de
Mutantes sempre seria seu superior.
Um tremeluzir inquietante surgiu diante da lâmina do
visor. O campo energético estava sendo solicitado até o
limite de sua capacidade. Finalmente a força do ataque
diminuiu. Os pensamentos devoradores de Ivã haviam
encontrado seu caminho.
A rua estava livre.
Para a frente!
O suor porejava nos rostos.
Para a frente!
Os helicópteros trovejavam em vôo baixo. Ainda bem
que tinham voltado.
Para a frente!
Destino: o quartel-general do batalhão de guardas de
Klein. O videofone transmitia gritos de socorro
ininterruptos vindos de três posições cercadas.
— Aguentem! — foi à ordem que Bell transmitiu do
edifício do governo.
Era um consolo débil para os defensores. O som das
armas de impulsos dos helicópteros que voltaram a
intervir foi bem mais agradável. Vez ou outra surgiu até
um acesso de otimismo, quando a rádio governamental da
Terceira Potência transmitiu os êxitos observados por
Wuriu Sengu.
— O mutante Ivã Goratchim acaba de entrar em ação.
Nos últimos cinquenta minutos destruiu setenta e dois
robôs de combate.
Passaram pelo cruzamento de duas ruas principais.
Faltavam trezentos e cinquenta metros para atingir o
batalhão de guardas do capitão Klein.
Não se via nenhum inimigo.
— Cuidado! — disse Kakuta. — Os robôs gostam de
lutar em campo aberto. Mas não devemos confiar demais
nisso. Hoje de manhã fiquei sabendo que às vezes
gostavam de pregar surpresas.
Foi o que aconteceu nesse instante.
Os quatro edifícios de esquina, todos eles de doze
andares, explodiram ao mesmo tempo. Milhares de
toneladas de concreto subiram para o alto e caíram no
cruzamento. Os campos energéticos dos blindados
protegeram-nos contra o impacto propriamente dito, mas
nem mesmo os motores nucleares conseguiram movê-los.
— Estamos presos! Que surpresa!
Cry nunca deveria ter dito isso. Ao que parecia os
robôs estavam bem informados sobre as transmissões da
rádio Terrânia. Foram avançando de quatro lados ao
mesmo tempo. Eram muito mais de cem.
Cry gritou para dentro do videofone.
— Solicito apoio aéreo imediato no cruzamento da
Alameda Kepler com a Rua Fermi. Cento e cinquenta
robôs estão atacando o grupo de choque Goratchim. Os
tanques estão presos nos destroços de concreto.
Ivã teve que esperar. Quanto mais próximo se
encontrasse o objeto, maior era a eficiência de sua energia
mental. Mas Kakuta e Cry apressaram-no.
— É bem possível que os robôs comecem logo. Quase
alcançaram a distância crítica.
No mesmo instante o pó de concreto esguichou diante
do visor. O chiado dos geradores revelava que os mesmos
estavam sendo forçados ao máximo de sua capacidade.
— Deixem toda a energia para o campo protetor —
berrou Cry. — Não atirem mais.
O ataque ficou exclusivamente a cargo de Ivã. Este se
esforçou o mais que pôde e registrou alguns êxitos. Mas
os robôs estavam tão longe que não poderia atingir todos
de um só golpe.
— Se eles perceberem que o alcance do detonador é
limitado, estamos perdidos.
— Helicópteros! — gemeu o sargento no seu assento
de piloto.
Sua voz não parecia muito confiante.
A imagem que surgiu na tela revelava que o tanque ao
lado não emitia qualquer energia. Fora atingido. A
potência do campo energético comum estava reduzida à
metade.
— É o fim! — afirmou o sargento. — Saiam!
— Revogo a ordem — berrou Kakuta. — Não perca a
cabeça, Cry. Já pensou o que farão com você se andar
pela rua? Sargento tente deslocar o tanque para trás.
O sargento obedeceu. Mas não conseguiu mover o
tanque um centímetro sequer.
E não era possível se libertar por meio de disparos
energéticos, porque os destroços que teriam de ser
removidos encontravam-se num ângulo morto.
— Coloque toda energia no campo protetor, sargento.
É nossa última salvação. Ivã faça o favor de andar mais
depressa.
Ivã e Ivanovitch responderam com um gemido. Três,
quatro, cinco exemplares do inimigo foram para os ares.
— Muito bem, Goratchim! É assim que eu gosto! Dê-
22
lhes mais. Daqui a pouco estaremos ao alcance do fogo
deles. Até agora esses caras só dispararam alguns tiros
espalhados. Quando concentrarem todo o fogo nos poucos
metros quadrados do nosso tanque, nem teremos tempo
para pensar.
O zumbido do gerador de campo subiu na escala e
perdeu-se na frequência mais elevada, imperceptível ao
ouvido humano.
Calor!
Suor nos olhos!
Seria apenas imaginação? Ou será que o campo
energético já estava cedendo?
— Ivã! Ótimo! Mas dê-lhes mais, muito mais. São
mais de cem.
Kakuta abriu a gola da camisa, para respirar melhor.
Seu instinto insistia para que executasse um salto
teleportado, que o colocaria a salvo. Mas tinha de ficar ao
lado de Goratchim. Era responsável pelo mesmo.
Os robôs se lançaram ao ataque geral.
* * *
— Lançar! — ordenou Rhodan.
Seis bombas explosivas caíram do nada aparente e
detonaram em meio à falange maciça dos robôs, atirando-
os para todos os lados. Os campos energéticos protegiam-
nos contra os estilhaços. Mas o deslocamento de ar atirou-
os para o alto. Era este o momento de Anne Sloane e do
neutralizador gravitacional.
Protegida pela invisibilidade de seu traje, a telecineta
descera até um ponto bem próximo ao solo, flutuando
entre os telhados de dois prédios. Concentrou-se sobre o
caos formado pelos inimigos privados do apoio sobre o
solo. Com um único pensamento atingiu um grupo de
vinte robôs, impelindo-os para o alto.
Quando atingiram a altura de oitenta metros, Anne
retirou a força cinética de suas vítimas e deixou que
caíssem livremente ao solo. O impacto transformou os
robôs em sucata.
— Vamos repetir a dose!
Naquela Rua Anne Sloane dependia exclusivamente
de si mesma. É que estavam em três e tinham que repelir
os ataques que, divididos em três cunhas vindas do norte,
sul e leste, procediam numa obstinação mecânica contra o
tanque encalhado.
Tako Kakuta captou a última mensagem vinda pelo
telecomunicador.
— Rhodan está presente. Anne Sloane, a telecineta,
também. Eles nos tirarão daqui, Ivã. Agüente mais um
pouco.
— Vamos fazer mais três lançamentos de duas
bombas de cada vez — ordenou Perry Rhodan.
Mais uma vez o caos se instalou entre os robôs. A
mesma coisa que Anne Sloane conseguia realizar com seu
cérebro, Kitai Ishibashi e Rhodan faziam indiretamente
por meio dos antígravos. Assim que as máquinas rebeldes
perdiam o apoio em virtude das explosões, a força
gravitacional era retirada. Os robôs subiam que nem
bolhas de sabão, para despencarem em queda livre.
Nenhum deles resistia à queda.
Poucos robôs conseguiram se manter no solo e
desapareceram no interior dos edifícios mais próximos. O
ataque contra o tanque comandado por Cry foi suspenso.
— Estamos salvos — constatou Tako Kakuta.
— Muito bem. Iremos até aí — comunicou Rhodan.
— Anne e Kitai, pousem imediatamente no cruzamento.
Não se esqueçam de deixar ligados os defletores de luz. É
bem possível que ainda haja alguns robôs atocaiados.
A tripulação do outro tanque estava morta. O lado
esquerdo do veículo havia sido esmagado.
Anne Sloane se aproximou do tanque comandado por
Cry e se concentrou.
Até parecia obra de fantasmas: de uma hora para
outra, blocos de concreto de cem quilos pareciam se
mover por sua própria força, deslocando-se para o lado.
Aos poucos os destroços que impediam o movimento do
blindado foram sendo removidos.
— Ligue o motor.
Cry transmitiu a ordem de Rhodan. Não houve mais
qualquer problema para o tanque.
— Muito obrigado, chefe! Foi formidável!
— Não há por quê. Dirija-se ao lugar em que está o
batalhão do capitão Klein. Acredito que do lado de cá o
cerco já foi rompido. De qualquer maneira, tenha muito
cuidado. Como vai Goratchim?
— O estado dele é excelente — disse Kakuta. — Está
entusiasmado com o seu trabalho.
* * *
Acompanhado dos dois mutantes, Rhodan realizou um
voo de inspeção por cima das linhas de combate Do lado
leste das três posições cercadas, a situação também
parecia bastante perigosa. Os robôs haviam cercado o
regimento de guardas de uma usina de força, infligindo-
lhe graves perdas humanas.
— Vamos repetir o exercício — disse Rhodan. —
Agiremos como da outra vez. Que diabo é aquilo?
Ainda se encontravam a uma distância de mil metros.
Diante de seus olhos uma dezena de robôs flutuou no ar e
se precipitou ao solo.
Mensagem transmitida pelo telecomunicador.
— Indagação geral. Quem está agindo com trajes
arcônidas por cima do enclave, oeste?
— Sou eu — respondeu uma voz bastante familiar. —
Não atravesse o meu caminho, Rhodan. Mantenham-se
mais ao sul.
— Ora, Bell! Será que ficou louco?
— Nada disso. Afinal, ainda temos o coronel Freyt.
Passei o comando a ele. Quando vi o seu grupo saindo
com umas simples bombas explosivas, logo imaginei
quais eram suas intenções. Já deveríamos ter começado
com isso há tempo. Não se preocupe mais com este setor.
Dê um apoio ao pessoal do setor central.
Rhodan concordou, pois as palavras de Bell eram
perfeitamente razoáveis. Voltaram.
Realizaram um controle da situação no batalhão de
guardas de Klein.
— Vamos embora! — ordenou Rhodan. Aqui também
não precisavam deles.
Ivã Goratchim agira como um possesso em meio aos
robôs. Os homens já podiam se deslocar livremente pela
rua.
Houve um ligeiro contato com Kakuta, que ainda se
encontrava no tanque de Cry, em companhia do
detonador.
23
— Tomamos o rumo oeste, Rhodan. Posição atual,
quadra H-G IV. Ivã está bem adaptado ao serviço. Não
enfrentamos qualquer resistência digna de nota. As
grandes unidades robotizadas foram todas dizimadas. Só
lançam ataques em grupos de três ou quatro. E a um
ataque desses o nosso campo energético pode resistir.
Vez ou outra ainda se assistia à explosão de uma
máquina de guerra. Wuriu Sengu confirmava os detalhes
das observações parciais.
O coronel Freyt mandou que as tropas que ainda
estivessem em condições de combater se lançassem ao
contra-ataque. À uma hora começou a operação de
limpeza. Rhodan anunciou seu regresso ao quartel-
general.
— Gostaria que viesse imediatamente — disse Freyt.
— Tenho uma notícia muito importante.
— Dentro de três minutos estarei aí.
* * *
As pessoas que se encontravam no gabinete do
ministro da segurança pareciam deprimidas. Isso não era
de estranhar. A população de Terrânia sofrera perdas
dolorosas.
— O que houve, coronel? — perguntou Rhodan.
— Uma mensagem de Adams. Em Nova Iorque estão
enfrentando uma situação idêntica.
Rhodan permaneceu calado o tempo de que precisou
para respirar.
— Peço maiores detalhes. A G.C.C. fica no centro de
uma grande metrópole.
Freyt fez correr a fita gravada.
— Remetente: General Cosmic Company, Homer G.
Adams, diretor-geral. Destinatário: Perry Rhodan,
Terrânia, território da Terceira Potência, deserto de
Gobi. Data: 3 de agosto. Hora: 23:45 h, tempo da costa
leste dos Estados Unidos.
“Desde as 23:30 h, seiscentos elementos da polícia
robotizada da G.C.C. estão fora de controle. Não
encontramos nenhuma explicação para o incidente. Três
homens que tentaram se aproximar dos robôs para
desligá-los foram mortos. Na sede da G.C.C. a confusão é
total. Ao que parece, alguns andares do edifício da
administração central se encontram sob o controle das
máquinas rebeldes. Peço instruções e apoio.”
Desligando a fita, Freyt completou:
— É só, chefe.
— E já chega, coronel. Receio que tenhamos que
dispersar nossas forças ainda mais. Bell ainda não está de
volta?
— Não.
Bell foi chamado e posto a par da nova situação.
Reagiu com algumas palavras grosseiras, mas logo se
calou quando lançou os olhos sobre Thora.
— E dizer que nossa meta era uma transição rápida
para o planeta Peregrino. Gostaria de saber o que será da
nossa frota estacionada no sistema de Beta-Albíreo se
tivermos que ficar presos aqui em casa.
— O inimigo é o mesmo. Apenas, aqui os
protagonistas da peça usam outras máscaras. De qualquer
maneira temos que dar um jeito neles. Não podemos
deixar a Terra enquanto perdurar esta situação.
— Sugiro uma ação-relâmpago. Hoje de manhã
conseguimos desenvolver boas táticas de combate contra
robôs desertores. É bem verdade que alguns deles ainda
estão andando por aí. Mas o coronel Freyt não terá
nenhum problema em lidar com eles. O trabalho principal
será o de cuidar dos mortos e feridos. Os robôs de
trabalho poderão dar uma ajuda nesses serviços de
limpeza. Foram todos examinados e podem ser reativados
logo.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Pelo
telecomunicador transmitiu uma mensagem-relâmpago a
Adams, informando-o de que nos próximos minutos
seriam deliberados em Terrânia os detalhes da operação
de apoio.
— Até lá não esboce qualquer reação, Adams. Daqui a
pouco voltaremos a entrar em contato com você.
No momento em que Bell falou numa ação-
relâmpago, não apareceu ninguém que o chamasse de
utopista. Mas, antes que a breve conferência fosse
concluída, surgiu outra notícia vinda da central de
informações, que arrefeceu ainda mais o que ainda restava
de otimismo entre os participantes.
— Mensagem de rádio vinda de Berlim: O escritório
da G.C.C. para a Europa Central caiu nas mãos de robôs
policiais e de guerra revoltados. O prefeito de Berlim
decretou o estado de emergência para toda a cidade.
“Mensagem de rádio vinda de Sydney: O edifício do
escritório da G.C.C. para a Austrália foi mandado para os
ares por desconhecidos. Quarenta robôs descontrolados
correm pela cidade, matando o que lhes atravessa pelo
caminho. O exército e a polícia estão impotentes”.
“Mensagem de rádio vinda de Durban: Robôs-polícias
da General Cosmic Company atacaram e mataram o
funcionalismo humano. Poucas pessoas conseguiram
escapar. Os robôs entrincheiraram-se no edifício e
expediram um ultimato que exige a entrega do poder ao
governo local”.
“Mensagem de rádio vinda de Montevidéu...”
“Mensagem de rádio vinda de Manila... de Madri, do
Kuwait...”
Ação-relâmpago!
Era uma ação-relâmpago, sim, mas dos saltadores. Em
todos os lugares em que a G.C.C., o fator de poder
econômico da Terceira Potência, havia instalado suas
dependências, estavam estacionados os robôs de combate.
— Se os saltadores conseguirem atingir e contaminar
todas as nossas filiais, isso equivalerá a um incêndio
mundial — constatou Rhodan. — As mensagens de rádio
que acabamos de receber não serão as últimas. As filiais e
fábricas estão espalhadas por mais de duzentos pontos no
globo terrestre. Alô, central. Peço uma ligação direta
imediata com a F.D.T.
A Federação de Defesa da Terra era comandada por
Allan D. Mercant, um homem pequeno e esguio, e tinha
sua sede no fiorde de Umanak, na Groenlândia. O rosto
desse homem só aparecia nas telas do videofone.
— Já sei o que está querendo, Rhodan. Parabéns pela
vitória alcançada em Terrânia...
— Quer dizer que já está a par?
— Só podia estar. Meus agentes também estão
trabalhando no Canadá. Aliás, seu escritório de Quebec
foi esquecido em todas as mensagens radiofônicas. Não
sei o que posso fazer por você, Rhodan. Afinal, não
disponho de cem milhões de cidades. Teremos que dividir
24
a tarefa.
— Antes de mais nada, envie tropas especiais com
armamentos pesados para Nova Iorque. Se essa cidade
sucumbir, com ela sucumbirá a economia do mundo. E
uma nave espacial será a última coisa que poderá ser
usada por lá.
— Posso dispor de duas divisões para Nova Iorque.
Não sei se isso será suficiente para enfrentar o Imperador
de Nova Iorque...
— Enfrentar quem?
— O Imperador de Nova Iorque. Ainda não soube que
na noite passada os robôs proclamaram a monarquia?
4
O gabinete de Adams nunca abrigara tanta gente. O ar
estava viciado, apesar das ótimas instalações de
condicionamento de ar.
— ...agradeço, senhoras e cavalheiros. Peço que
voltem a seus lugares e se mantenham calmos. Estes
fenômenos foram observados em todo o mundo. Nem
mesmo Terrânia foi poupada. Por lá a rebelião dos robôs
já foi reprimida. E Perry Rhodan está se dirigindo para cá.
Um gesto cansado. As pessoas comprimiram-se junto
à porta, para sair. Nem todos podiam voltar aos seus
lugares no escritório. Os primeiros dez pavimentos
haviam sido ocupados pelos robôs. E também a cobertura
e o campo de pouso de helicópteros e outras aeronaves de
decolagem vertical.
— Quero ar! — gritou Adams, desesperado.
Miss Lawrence estava parada na porta. Era o bom
espírito de seu corpo secretarial. Hoje não parecia se
sentir tão segura. Isso já se deduzia do simples fato de que
não perguntava pelos desejos de Adams.
— Esta carta acaba de ser entregue, Mr. Adams.
Dizem que é para o senhor.
— Obrigado! Fique mais um momento. Hoje não
suporto ficar sozinho. A correspondência pode aguardar
até amanhã. Até mais.
Abriu a carta e leu.
— O Imperador de Nova Iorque honrá-lo-á com sua
visita às duas da tarde. Prepare tudo para a recepção, e
tome providências para que possa passar sem enfrentar o
menor perigo. Se o senhor ou seus subordinados tomarem
qualquer atitude inamistosa, a sede da G.C.C, irá pelos
ares. Exigimos obediência, mas sabemos ser um bom
senhor para os que nos amam.
Adams amassou a carta, mas logo se arrependeu e
voltou a alisar o papel.
— Leia, miss Lawrence!
A secretária obedeceu. Sua risada estridente era prova
de que acreditava em cada palavra. O medo e o pânico
tiraram-lhe a fala.
— Já temos um imperador — disse Adams com uma
risada. Também essa risada não parecia muito espontânea,
mas de qualquer maneira podia-se entender o gesto. — Os
robôs elegeram um imperador. Gostaria de saber qual foi
o secretário que conseguiu enganá-los. Qual é sua
opinião, miss Lawrence?
— Minha opinião é que a coisa não é de brincadeira. E
sei que nunca senti tanto medo como hoje.
— Não são invasores extraterrenos, minha filha —
procurou consolá-la Adams.
— Não são monstros, mas simples robôs X,
construídos pelo próprio homem. Vamos refletir
friamente sobre o assunto, miss Lawrence. Esses caras
estão malucos. Não é provável que toda a série esteja
padecendo de um defeito de construção. Se fosse assim,
as avarias teriam surgido progressivamente, e não em
todos os robôs ao mesmo tempo.
Não tenho a menor dúvida de que alguém cuja
identidade ainda não conhecemos modificou a
programação das máquinas. Talvez tenha agido apenas
sobre um único exemplar dotado de uma inteligência
extraordinária. Depois transmitiu as instruções aos robôs
de reparo.
— Queira desculpar, Mr. Adams. Não tenho seus
nervos, e por isso no momento não estou em condições de
refletir sobre as causas do fenômeno. Também não sou
nenhuma cientista, motivo por que não posso
compreender os detalhes. O senhor tem que tomar alguma
providência.
— Tomar providências? — perguntou Adams,
esticando as palavras. — Não me venha dizer que acredita
seriamente que vou dar a este bilhete uma atenção maior
que a um pedaço de papel tirado do lixo. Ora, esta, o
imperador de Nova Iorque! Que infantilidade! Que
loucura!
— Acontece que em Terrânia os filhos da loucura
mataram mais de mil pessoas. E eu não gostaria de
pertencer aos milhões de Nova Iorque.
O homem pequeno e corcunda sentado atrás da
escrivaninha encolheu a cabeça entre os ombros.
— Em Terrânia desencadearam uma guerra feroz —
refletiu Adams em voz alta.
— Mas em Nova Iorque pretendem negociar. Qual é a
explicação disso?
— Falta apenas dez minutos para as duas, chefe —
insistiu a secretária. — Pense nas pessoas que se
encontram no edifício.
— Está bem. Receberei o Imperador. Quem sabe se
não conseguimos envolvê-lo numa discussão mais
prolongada? Nesse caso poderei apresentá-lo a Rhodan.
Até que sua ideia não é má. Prepare bastante café, miss
Lawrence. Isto é, basta um pequeno bule para mim. Acho
que o gosto do Imperador será outro.
Homer G. Adams transmitiu instruções para que os
funcionários da empresa se mantivessem calmos à
chegada do Imperador. E manteve uma palestra pelo
telecomunicador com Perry Rhodan.
— Que pena — concluiu Rhodan. — Não poderemos
estar aí antes das três e meia. Mas mandarei Kakuta.
O teleportador chegou ao escritório de Adams
exatamente dois minutos antes das duas.
No mesmo instante, miss Lawrence anunciou a
chegada do Imperador. De tão nervosa e medrosa que
estava mal conseguia pronunciar o nome.
— Deixe-me ocupar seu lugar — disse Kakuta.
Adams quis objetar. Fez questão de dizer que não era
nenhum covarde.
— Não é por isso — ponderou o japonês. — Terei
mais facilidade em dar o fora que você. Ponha seu traje
arcônida e sente ao meu lado. Esteja invisível. Assim
poderá aparecer a qualquer momento, caso isso seja
25
necessário. Deixarei o telecomunicador ligado, para que
dentro do seu capacete você possa acompanhar a palestra,
palavra por palavra.
— Faltam dois minutos, miss Lawrence.
Os dois minutos transformaram-se em três. O
Imperador não estava com pressa. Examinou detidamente
todas as antessalas e, segundo seu gênio, dirigiu algumas
perguntas ingênuas aos presentes. Por outro lado,
demonstrou uma série de conhecimentos
superespecializados.
Duas horas e três minutos.
O Imperador entrou.
— O senhor não é Mr. Adams.
— Sou Tako Kakuta, primeiro teleportador do
Exército de Mutantes. Poderei desaparecer a qualquer
momento, se tiver vontade.
— Sou o Imperador. Chame-me de Imperador.
— Como queira, senhor Imperador.
— Gostaria de falar com Mr. Adams. Chame-o
imediatamente.
— O chefe não pode comparecer, senhor Imperador.
Eu o represento em qualquer setor.
Por alguns segundos o Imperador manteve-se imóvel.
Depois disso, dois pesados robôs de combate rolaram para
dentro da sala. Só agora se notou a grande diferença. O
Imperador era um robô-secretário com muito saber
armazenado. Era a classe que dispunha do maior grau de
inteligência e cultura geral. A altura era de um metro e
setenta. Kakuta lembrou-se que, fora do território da
Terceira Potência, esses tipos dispunham de mecanismos
de comando autônomos, tal qual as máquinas de guerra.
Não valia a pena ligar os poucos exemplares
disseminados em largas áreas geográficas a um cérebro de
controle centralizado.
— Sou o Imperador desta cidade e exijo obediência.
Qualquer recusa no cumprimento de uma ordem será
punida com a morte.
Kakuta sabia que um interlocutor desse tipo não teria a
menor disposição para negociar. Seu plano de envolvê-lo
numa palestra mais prolongada tinha que cair por água
abaixo.
— Chamarei Mr. Adams, Majestade.
— Majestade não! Sou o Imperador!
A teimosia do secretário mecanizado era altamente
ofensiva. Kakuta se controlou.
Dirigiu-se à sala contígua e deixou a porta aberta para
que Adams, invisível, pudesse segui-lo.
— Chefe, é necessário que o senhor compareça
pessoalmente.
Adams abriu o capacete. O Imperador não tomou
conhecimento de sua estranha vestimenta.
— Precisamos de sua colaboração, Mr. Adams.
Ofereço-lhe um escritório elegante em minha residência
no Empire State Building. O fato de que o senhor é
indispensável para mim constitui a melhor garantia de sua
sobrevivência. O novo Império não poderá ser dirigido
totalmente sem homens. Siga-me.
O Imperador foi andando. Os dois robôs de combate
pararam na porta, como se esperassem que o maior gênio
financeiro do mundo se colocasse entre eles.
Para os dois homens, o curso que tomaram os
acontecimentos representou uma surpresa excessiva.
Estavam habituados à objetividade. Mas a cerimônia do
novo soberano foi rápida demais.
Queriam Adams e mais ninguém. Assim que Adams
se encontrasse do lado de fora, a guerra desabaria sobre o
edifício da G.C.C.
— Siga o Imperador! — ordenou um dos robôs.
Adams obedeceu. Estava pálido e suas mãos tremiam.
Kakuta fazia votos de que fosse de raiva, não de medo.
Mas logo o japonês teve que cuidar da própria
segurança. O último dos robôs virou-se para ele e
levantou o braço inferior do lado esquerdo, que tinha um
radiador de impulsos térmicos embutido. Kakuta
teleportou-se para a sala contígua e ouviu o som
inconfundível da destruição. A essa hora o gabinete de
Adams devia se parecer com um campo de batalha.
Finalmente estavam mostrando as cartas.
Ligou o telecomunicador.
— Alô, Rhodan! Deixarei meu aparelho ligado para a
transmissão. Acompanhe as informações. Fim. Tenho que
me teleportar de novo.
Kakuta saltou para a segunda ante-sala, pela qual o
Imperador ainda teria que passar.
— Pare! Nenhum passo!
Estava com o radiador de impulsos térmico apontado
para Adams. O Imperador estacou.
— Quem não quiser ser destruído que saia do meu
caminho.
— Um instante, senhor Imperador. O senhor não pode
dispensar o mais importante dos nossos homens. E entre
homens sempre precisamos de um entendimento.
Um dos seus robôs acaba de disparar contra mim.
Exijo garantias contra esse tipo de traição.
— O Imperador ordena, os outros obedecem.
— Menos eu! Se não quiser entender a linguagem da
razão, terei de matar Mr. Adams. Escolha.
Kakuta preferiu jogar no seguro. Atirou no primeiro
dos robôs de combate, que estava entrando na sala.
Depois saiu correndo e destruiu também o segundo, que
naquele instante considerava concluída sua insensata
missão destruidora no gabinete do chefe. As duas
máquinas não haviam sido reguladas para enfrentar um
perigo iminente e por isso mantiveram seus campos
protetores desativados.
Kakuta voltou à antessala. Parecia se sentir muito mais
à vontade.
— Agora vamos ao nosso acordo, senhor Imperador!
Quero um acordo que inclua garantias para o edifício da
G.C.C. Senão estiver disposto a firmá-lo, o senhor não
sairá daqui. Não tenho o menor interesse na sua dinastia
de robôs. Estamos interessados única e exclusivamente na
nossa firma.
A máquina não deu mostras de qualquer reação
emotiva. Nem poderia desenvolver uma reação desse tipo.
Por isso o homem tinha de redobrar os cuidados perante a
mesma.
— Eu sou o Imperador e dou as ordens. Os outros
obedecem.
A arrogância da máquina deixou Kakuta ainda mais
irritado. Não devia perder o autocontrole! Se essa criatura
realmente era o imperador, por que não o prendia? Por
que não o destruía?
O teleportador colocou o dedo no gatilho. Não
acreditou que um disparo de sua arma pudesse salvar
Nova Iorque. Era impossível que o comando de todas as
26
máquinas robotizadas estivesse centralizado nesse cérebro
P. Essa história do imperador só podia ser um blefe. De
qualquer maneira, o que poderia fazer?
— Eu o matarei, senhor Imperador, a não ser que se
disponha a negociar em bases justas.
— No momento em que o senhor me matar, as
comunicações com o centro de controle estarão
interrompidas. Isso desencadeará um alarma. Num prazo
curtíssimo este edifício seria reduzido a um montão de
ruínas.
— Nada de violência, Kakuta — voltou a intervir
Adams. — O Imperador deve ter tomado todas as
providências para sua garantia. Sugiro um negócio
melhor...
— Fale — disse o Imperador.
— O senhor nos entrega vinte robôs-polícia em estado
passivo, que se encarregarão da proteção do edifício.
A voz do Imperador se transformou num ronco.
Talvez pretendesse ser um riso irônico.
— No novo Império só existe uma força policial. Sua
proposta é inaceitável. Eu sou o Imperador, os outros
obedecem.
A raiva de Kakuta foi substituída por uma ligeira
satisfação. Afinal, conseguira envolver o robô numa
palestra. O tema não tinha a menor importância. Na
situação em que se encontrava ele se prestaria à palestra
mais idiota deste mundo.
— O senhor está enganado, senhor Imperador! A
G.C.C, não pertence ao senhor. Temos de estabelecer
algum tipo de coexistência. Ninguém conseguirá destruir
a Terceira Potência. Não se esqueça disso.
— A Terceira Potência não pertence ao meu território.
Terá outro imperador.
— O imperador da Terceira Potência já morreu se é
que está interessado nisso. E com ele morreram duzentos
guerreiros seus.
— O destino dos habitantes de Gobi é lamentável.
Mas não é o que está em discussão.
— Esse destino devia lhe servir de exemplo.
— Eu sou o Imperador, Mr. Kakuta. A audiência
terminou. Mande abrir a porta.
Dois policiais querem entrar.
Kakuta teleportou-se para o corredor, onde foi parar
no meio de dez robôs. Logo saltou para diante, pois ali
não teria vivido mais de cinco segundos.
— O senhor está enganado, senhor Imperador. Não
são dois robôs, são pelo menos dez. Devemos interpretar
isso como uma ameaça?
— Mande abrir a porta! — ordenou o Imperador.
Foram suas últimas palavras. Mal acabara de
pronunciar as mesmas, caiu em meio a um estrondo e
ficou reduzido a um montão de sucata.
* * *
— Chega de táticas de retardamento — disse Perry
Rhodan, que subitamente se tornou visível, vindo do
nada. Foi seguido por Anne Sloane, pelo Dr. Manoli e por
Tanaka Seiko. Regularam seus trajes arcônidas para a
posição zero e abriram os capacetes.
Alguns funcionários do escritório haviam desmaiado.
— Eric, faça o favor de cuidar dessa gente.
— Como foi que conseguiu entrar aqui?
— Passei pelo seu escritório, Adams. Tem um buraco
enorme na parede externa.
— Você acaba de matar o Imperador.
— Que imperador, que nada! Há pelo menos trinta e
cinco tipos destes em Nova Iorque. Temos que evacuar a
cidade, senhoras e senhores. Vamos começar pelo edifício
da G.C.C. O perigo é muito grande.
— Antes de mais nada, temos de cuidar dos robôs que
estão lá fora — advertiu Kakuta. — A qualquer momento
podem entrar aqui.
— Está bem — confirmou Rhodan. — Somos cinco
pessoas equipadas com trajes especiais e radiadores de
impulsos. Eric, você ficará de sentinela na porta. Anne e
Tako subam mais um andar...
— Não conseguirão passar. Tako disse que estão bem
diante da porta.
— É verdade?
O japonês fez que sim.
— Nesse caso abram a porta e disparem uma salva
maciça. Dentro de cinco segundos tudo deverá estar
liquidado.
Perry Rhodan sabia perfeitamente que isso
representaria um desafio para o inimigo. Em Terrânia já
perguntara a si mesmo se não teria sido melhor deixar os
robôs em paz. Se o fizesse, naquele dia teria havido
menos mortos. Mas qual seria a alternativa para os
sobreviventes? Teriam que ficar quietos e aceitar tudo?
O exército de robôs teria prosseguido nos serviços de
espionagem sem que ninguém os incomodasse. Teriam
revelado aos saltadores, estacionados no sistema de Beta-
Albíreo, onde ficavam as posições mais importantes da
Terra. O fim teria sido a capitulação de nosso planeta.
Os saltadores descendiam dos arcônidas. Não havia
dúvida de que possuíam certa superioridade técnica.
Nada disso. Rhodan não se cansara de consultar sua
consciência. Qualquer adiamento no confronto entre os
homens e os robôs teria piorado a situação da
Humanidade. Ainda bem que a luta declarada havia
irrompido. Só assim a confusão terminaria logo. E isso
apesar de alguns cálculos errados realizados no interior da
cúpula energética, que fez com que, de uma hora para
outra, o conflito se alastrasse por todo o mundo.
As coisas se tornaram piores do que Rhodan calculara.
Justamente por isso fez questão de que se chegasse a uma
decisão rápida.
A porta se abriu!
Os robôs estavam sem a menor proteção. Enquanto
realizavam a ligação individual que ativaria seus campos
protetores, a energia dos radiadores arcônidas foi
despejada sobre eles.
A escadaria parecia um inferno. Nenhum dos
lutadores artificiais teve tempo de esboçar qualquer gesto
de defesa.
Com os trajes de batalha fechados, Rhodan, Anne
Sloane e Tako Kakuta saltaram para frente. Os campos
protetores que os cercavam tornavam-nos imunes às
radiações liberadas por ocasião do ataque.
— Vamos limpar a área em cima e embaixo! —
ordenou Rhodan. — Tanaka, onde está você? Mantenha-
se próximo a Tako e dirija-se para cima. Anne, você irá
comigo aos andares inferiores.
Com o ataque, os elevadores sofreram pesadas avarias
e não puderam ser utilizados. Foi uma desvantagem
27
considerável.
Na verdade, para as pessoas que portavam os trajes
arcônidas o problema não era muito grave. Podiam flutuar
pelas escadarias, sem depender dos degraus.
Rhodan e Anne chegaram ao décimo segundo
pavimento.
— Pare!
Admiraram-se de não terem encontrado qualquer
resistência. Seria de esperar que os robôs houvessem
ocupado ao menos os acessos de todos os pavimentos.
Rhodan tirou suas conclusões. Estava acostumado a
refletir sobre qualquer fato e procurar adivinhar os
motivos.
Havia um fato conhecido: em Nova Iorque deviam
estar estacionados cerca de seiscentos robôs de combate e
uns oitocentos robôs de trabalho. Em meio a uma cidade
de dez milhões de habitantes, o número era insignificante.
Mesmo que o inimigo concentrasse suas atenções sobre a
sede da G.C.C, teria que ter muito cuidado com o seu
pessoal.
— Não tenha medo, Anne — disse o chefe da Terceira
Potência para animar sua acompanhante. — Tenho a
impressão de que estamos superestimando a situação dos
robôs neste edifício. Lembre-se de que, segundo dizem,
ocuparam os dez pavimentos inferiores e a cobertura do
edifício.
Continuaram a flutuar para baixo. A telecineta sempre
ia um pouco atrás de Rhodan.
No décimo pavimento encontraram um único robô
junto à entrada principal desse setor de escritório. Estava
parado como uma sentinela entediada, que não sentia
qualquer emoção durante as horas de serviço.
— Como esses caras são estúpidos! Nem tomam
conhecimento de que trinta metros acima de suas cabeças
um grupo de companheiros foi destruído.
As palavras de Rhodan soaram debilmente no ouvido
de Anne. No interior do traje transportador arcônida havia
um ambiente fechado. Nem mesmo as ondas sonoras
alcançavam o exterior.
Invisível e sem fazer o menor ruído, Rhodan se
aproximou do inimigo. Aquela sentinela solitária dera-lhe
uma inspiração toda especial. Disparou em primeiro lugar
contra os angulosos braços inferiores, que eram os mais
perigosos, já que portavam as armas. Depois foi a vez das
pernas, e por fim dos braços superiores.
O robô caiu ao chão como um saco. Em seu crânio
logo se desenvolveu uma série de reações. O alto-falante
rangia a intervalos regulares, como se estivesse acoplado
a um pisca-pisca. O robô estava pedindo socorro.
Rhodan saltou para a frente e moveu a chave-mestre
que se encontrava nas costas da criatura, que foi colocada
completamente fora de ação.
— Pegue-o, Anne. Vamos logo! Leve-o para cima,
para a sala da direção. A qualquer momento a coisa
pode...
A coisa já começara. Três robôs de combate surgiram
na porta oposta. Ficaram parados por alguns instantes.
Um homem provavelmente teria ficado tão nervoso que
atiraria, mesmo que não visse nada. Mas os robôs
hesitaram, porque não viram nada. Era bem verdade que o
dispositivo de localização de matéria seria posto a
funcionar imediatamente, e contra este a invisibilidade
não adiantaria nada.
— Tenha cuidado, Anne! — chiou Rhodan. — Leve
esse sujeito. Preciso dele no estado em que se encontra.
Dê o fora! Eu cobrirei a retirada.
O radar dos robôs levou perto de quinze segundos para
localizar o alvo. Isso bastou para que a telecineta
desaparecesse com sua vítima. Rhodan flutuou para
baixo, visto que a descida para o nono andar era
observada menos intensamente pelos robôs. E dessa
direção abriu fogo, antes que os três colossos se
dispusessem a atirar.
Dois deles foram liquidados na primeira investida. O
terceiro teve tempo de determinar a posição de Rhodan e
respondeu ao fogo.
O campo protetor gerado pelo traje de Rhodan torceu-
se sob o impacto dos raios disparados pela arma inimiga.
A fluorescência causada pelo atrito das duas formas de
energia revelou ao robô a posição exata de Rhodan. A
máquina aumentou o poder de fogo de seu braço armado.
O homem procedeu da mesma forma com seu radiador de
impulsos térmicos. Modificou a focalização,
concentrando os raios num feixe tão estreito que eles
atingiam o alvo como uma alfinetada.
Esse tipo de manejo da arma pressupõe uma prática e
uma pontaria extraordinária. E numa luta contra robôs
ainda se tornava necessário que o combatente estivesse a
par da anatomia dessas máquinas.
Rhodan estava a par.
Atingiu o reator individual e dessa forma saiu
vencedor no duelo, que por pouco não tem um desfecho
totalmente diverso.
O robô estava fora de combate. Apesar disso, Rhodan
esperou um instante e verificou o andar de cima e o de
baixo. O de baixo adquiriu vida, enquanto no décimo
pavimento tudo continuava em silêncio.
Voltou a flutuar para cima.
Anne Sloane já colocara o robô no pavimento de
Adams, onde foi depositado num lavatório.
— Não está levando seus sentimentos humanos longe
demais? — perguntou Adams, sacudindo a cabeça. —
Desde quando se costuma fazer prisioneiros entre os
robôs?
— O menino é muito precioso. Será levado para
Terrânia, onde o examinaremos. É bem possível que ele
acabe nos revelando como foi tramado todo esse complô.
Dali a pouco Kakuta e Seiko retornaram.
— Limpamos a cobertura do edifício, chefe. Lá em
cima havia cinco robôs.
Adams logo compreendeu as intenções do chefe. E
manifestou sua objeção.
— Acha que todo mundo deve dar o fora daqui?
— Acho que é precisamente isso que você mais tem
desejado nesta última hora.
— Sem dúvida. Acontece que a sede da G.C.C, é uma
oficina de trabalho insubstituível. Só os registros
guardados neste edifício...
— Está certo, Adams. A responsabilidade será minha.
O que mais vale são os seres humanos. Não quero perder
nenhum deles. Acredito que, assim que tivermos
desaparecido, o interesse da família imperial nova-
iorquina será dedicado a outros objetos.
Poucos minutos depois, um gigante esférico desceu
sobre a cidade de Nova Iorque. Naquela hora, a cidade
das possibilidades ilimitadas estava festejando mais um
28
triunfo. Apesar do perigo dos robôs, a população
assustada corria para os telhados a fim de contemplar o
espetáculo.
O diâmetro da nave espacial Stardust-III era de
oitocentos metros. Quando parou poucos minutos acima
da cobertura do edifício da G.C.C, sua sombra envolveu
metade de Manhattan.
Era a nave de Perry Rhodan!
Representaria uma esperança?
Para certas pessoas. Para os funcionários da G.C.C.
Mais de doze mil pessoas foram transferidas para o
veículo espacial esférico no curso de duas horas.
Ninguém ficou para trás. E os robôs nada fizeram contra
esse tipo de resgate. Ou não se interessavam pelo que
estava acontecendo.
* * *
Nova Iorque era grande!
E tinha um imperador, embora o Imperador tivesse
tombado.
As estações de rádio transmitiram a notícia de forma
bastante dramática. Algumas centenas de pessoas já
haviam sido obrigadas a se colocar ao serviço da nova
dinastia. Outras pessoas, que formavam a maioria, não
despertavam o interesse da nova dinastia.
Depois de alguma hesitação, a obra de destruição teve
início. Ninguém sabia se ela contava ou não com o
consentimento do Imperador. De resto, isso não
importava O que importava eram os fatos. E a evolução
destes começou de forma bastante semelhante à de
Terrânia.
No momento em que o crepúsculo matutino começou
a subir pela costa leste dos Estados Unidos, as duas
divisões da F.D.T. enviadas por Mercant chegaram à
cidade. Vieram acompanhadas de tropas aero-
transportadas e equipadas com tanques pesados,
protegidos por campos energéticos. Além disso,
trouxeram caças de um tripulante.
As tropas de infantaria logo conseguiram se firmar na
cidade. Foi bem ao norte, onde a Broadway assumia um
caráter pequeno-burguês. Todavia, os pilotos dos caças
não demoraram a constatar que pouco se poderia fazer do
ar. A caça de mil e quatrocentos robôs espalhados pela
cidade parecia uma tarefa sem a menor possibilidade de
êxito. Por isso, pelas nove horas os caças foram trocados
por helicópteros.
O movimento de fugitivos diminuía rapidamente.
Durante a noite os robôs apenas se reagruparam. Com
isso, a maior parte dos habitantes de Nova Iorque se
iludiu. Não souberam avaliar o perigo e resolveram ficar
em casa. Quando chegaram as primeiras notícias sobre a
ação furiosa dos robôs, o pânico e o caos tomaram conta
da cidade. De uma hora para outra as vias de saída,
estações e aeroportos ficaram congestionados.
Entre os dez aviões que decolaram em primeiro lugar,
dois foram derrubados por robôs de combate. Caíram
numa área densamente povoada.
As duas divisões da F.D.T. iniciaram um avanço
precipitado, contando com o apoio de helicópteros em
voo baixo. Venceram seis quilômetros sem serem
molestadas. Mas, de um instante para outro, os
movimentos de tropa estacaram em todas as ruas que se
dirigiam para o sul. Precisamente às nove horas e trinta e
cinco minutos teve início o fogo de defesa dos robôs.
Pelas previsões humanas, a ação fulminante teria causado
perdas sensíveis às tropas de Mercant. Mas as ordens
transmitidas a estas foram terminantes. Ambas as divisões
marcharam todo o tempo com os campos energéticos
individuais ligados, sem se iludir com a ausência inicial
de qualquer defesa. Apesar disso não havia o menor
motivo de ficar alegre.
Uns duzentos robôs de combate fecharam Manhattan
para o norte. Enquanto isso, quatrocentos faziam estragos
pela cidade, espalhando o terror entre a população. Os
robôs de trabalho apoiavam seus colegas o melhor que
podiam.
10:15 h. Mensagem de Allan D. Mercant, dirigida a
Perry Rhodan:
— Não conseguimos avançar mais. A atuação da
força aérea demorará em nos levar ao objetivo e, além
disso, coloca em perigo a população civil. Cada minuto
custa novas vidas humanas. Precisamos de uma
campanha-relâmpago.
Resposta de Perry Rhodan, dirigida a Allan D.
Mercant:
— Evacuamos todos os colaboradores da G.C.C. que
se encontravam em Nova Iorque. A Stardust-III dirige-se
novamente à cidade. Agüente mais um pouco, coronel.
Estamos fazendo o possível; chegaremos dentro de doze
minutos.
A atuação de Rhodan não poderia ficar restrita
exclusivamente a Nova Iorque. Simultaneamente com a
Stardust-III, seis naves auxiliares da classe Good Hope —
os chamados girinos — haviam decolado da base de Gobi.
Cada uma das naves auxiliares trazia ao menos dois
mutantes a bordo. Destróieres e caças de um homem
haviam decolado de todos os pontos da Terra em que se
encontravam estacionadas as máquinas da Terceira
Potência. Centenas de aparelhos controlavam o espaço
aéreo de nosso planeta e aguardavam ordens para entrar
em ação.
Berlim, Sydney, Durban, Montevidéu, Manila, Madri,
Kuwait e mais três dezenas de pontos geográficos foram
assinalados com uma luz amarela no mapa do estado-
maior da Terceira Potência.
Anne Sloane partira para Berlim, Tanaka Seiko para
Manila e Wuriu Sengu para Durban. Os mutantes
começaram a se tornar escassos. E sobrara um único. Ivã
Goratchim. Encontrava-se a bordo da Stardust-III.
10:27 h. A sombra da gigantesca nave esférica voltara
a cobrir a cidade de Nova Iorque.
— Onde está o efeito moral? — perguntou Reginald
Bell, desesperado. — Se os inimigos que se encontram lá
embaixo fossem seres humanos, já teriam feito as malas.
— Paciência — disse Rhodan. — Resolvemos
construir robôs sem nervos. E lá estão eles...
Modificaram a regulagem das telas de observação. Os
detalhes puderam ser vistos. Os quadros que se
desenharam nas telas não foram nada agradáveis.
As perdas nas divisões da F.D.T. haviam crescido
rapidamente. Os tanques destruídos estavam espalhados
por todos os cantos. As tropas de Mercant batiam em
retirada.
Chamado da Groenlândia.
— Não me explique o que está acontecendo aqui —
29
respondeu Perry Rhodan. — Vejo-o com os próprios
olhos. E vejo melhor que você. Dê ordens oficiais de
retirada. Só assim poderemos atrair os robôs para fora da
cidade. E é exatamente isto que teremos de fazer para
evitar que Nova Iorque desapareça do mapa.
— Está bem.
— Fim!
Ivã Goratchim, o detonador, entrou num tanque, que
foi levado ao chão num campo gravitacional dirigido. O
corpo de Ivã não cabia num traje de batalha normal.
Mais trinta tanques foram levados ao chão pela mesma
forma. Tinham a artilharia e a tripulação normal, e sua
missão consistia em desviar de Ivã Goratchim a atenção
do inimigo.
Em virtude da situação dos fronts, a área do
cruzamento da Broadway com a Quinta Avenida estava
livre de robôs. O grupo de desembarque da Terceira
Potência chegou ao solo sem qualquer problema e logo se
espalhou em blocos de três. Tako Kakuta, o teleportador,
serviria de elemento de ligação entre Rhodan e Ivã.
— Salte quando for necessário, Tako. Ivã é um
produto da natureza siberiana. Não acredita muito no
telecomunicador e no nosso equipamento técnico. É
preferível que fique com ele. Ivã não pode sofrer a menor
tensão emocional. Tem de concentrar todas as suas
energias na detonação dos robôs.
Às 10:34 h Kakuta anunciou a primeira destruição de
um robô por Goratchim. No mesmo instante o
hipercomunicador da sala de comando produziu um forte
ruído.
— Estabeleça contato imediatamente! — ordenou
Rhodan ao oficial de plantão da sala de telegrafia. O ruído
com que a ligação automática do receptor principal havia
reagido ao chamado era típico. O comandante da nave
podia realizar qualquer palestra sem abandonar seu lugar
na ponte de comando. Enquanto isso, mais de trinta
pessoas se incumbiam dos trabalhos de registro na sala de
telegrafia. A qualquer hora todas as frequências possíveis
tinham de ser mantidas sob observação. Três dezenas de
telegrafistas e vários mini-robôs eletrônicos realizavam
um controle ininterrupto do espaço. Constantemente
chegavam notícias sobre a situação nos diversos pontos da
Terra.
Rhodan acabara de ler um comunicado sobre a
chegada de Anne Sloane a Berlim. O zumbido do
hipercomunicador revelava que o expedidor da mensagem
se encontrava num ponto muito distante.
— Estabeleça imediatamente a ligação.
— Sim senhor.
— Cruzador Solar System para a Terceira Potência.
Cruzador Solar System para a Terceira Potência. O major
Nyssen deseja falar com Rhodan.
— Que diabo! Uma ligação direta — espantou-se Bell.
— Deve haver alguma novidade.
O correio pneumático junto ao assento do piloto-chefe
expeliu um cartucho. Um jovem tenente pegou-o e
entregou o bilhete a Rhodan.
— Ivã registrou novos êxitos, chefe.
— Não me venha com Ivã a esta hora. Capitão Bols,
faça o controle da decodificação automática e cuide para
que nenhuma outra mensagem passe pela minha linha.
Alô, major Nyssen! Aqui fala Perry Rhodan. Encontro-me
a bordo da Stardust-III. A nave está na atmosfera
terrestre.
Na tela surgiu o rosto magro do oficial pequeno e rijo.
Nyssen sempre exibia um sorriso, por mais difíceis que
fossem os problemas com que se defrontava. Sua voz
rangedora só era agradável para quem o conhecesse muito
bem.
— Como está à situação, major? O momento não é
propício para notícias alarmantes.
A base de impulsos de quinta dimensão garantia a
comunicação simultânea a uma distância de trezentos e
vinte anos-luz.
— Em conformidade com as instruções recebidas, nos
mantemos a uma distância segura da frota dos saltadores.
O inimigo vem recebendo reforços constantes, e nossa
situação tornam-se cada vez mais difícil.
— Devo interpretar isso como um pedido de socorro,
major?
— Quando poderá voltar? Afinal, seria importante
para nosso planejamento tático que conhecêssemos esse
detalhe.
— Voltaremos assim que tivermos visitado o planeta
Peregrino. Sabe perfeitamente que nestas circunstâncias
não posso fornecer qualquer indicação de tempo. Isso
significa que a ordem de manter sua posição continua de
pé. Mais alguma novidade?
— Apenas duas observações que talvez sejam
importantes para você. Há uma hora constatamos um
deslocamento altamente suspeito na frota dos saltadores.
Até agora o receio de que se trate de um ataque em grande
escala contra nossas naves não se confirmou. Nossos
telegrafistas dizem que descobriram uma mensagem
direcional orientada para o sistema solar. É claro que isso
não pode ser provado.
— Está bem. Examinaremos isso. Mais alguma coisa?
— Não encontramos mais a Orla XI no meio do grupo
inimigo.
— Isso significa que você conseguiu destruí-la. Meus
parabéns, major. Tifflor ficará satisfeito ao saber que seu
ex-carcereiro Orlgans viu chegada a hora.
— A Orla não foi destruída. Simplesmente
desapareceu. Receio que se trate de outro truque do
comandante dos saltadores.
— Nesse caso só posso lhe recomendar que continue
de olhos bem abertos. Você ainda terá de se arranjar por
algum tempo sem a nossa presença. Não desanime, major!
— Está bem, chefe. Mais alguma ordem?
— Quero que desligue. Lembranças para a frota. Fim.
O contato foi interrompido.
Poucas vezes se vira tamanho nervosismo a bordo da
Stardust-III como naquela hora. Todos sabiam que o
tempo era muito importante para a expedição. A frota
estacionada no sistema de Beta-Albíreo precisava de
socorro imediato. O cérebro P estacionado em Vênus já
preparara os dados sobre o planeta Peregrino e aguardava
a visita de Rhodan. O próprio Peregrino corria por regiões
desconhecidas. Uma vaga esperança fora depositada nele.
E os robôs rebeldes estavam descarregando sua fúria
sobre a Terra.
Rhodan era um homem diferente. Desde que, valendo-
se de alguns estratagemas, conseguira receber no planeta
Peregrino o dom da vida eterna — que além dele só fora
dispensado a Reginald Bell — via-se numa posição
bastante delicada. Apesar disso, a essa altura já devia ser
30
capaz de feitos mais grandiosos.
Teria que estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
A catástrofe que desabou sobre Nova Iorque
desenhou-se nas telas. Os robôs de combate tinham
transformado quadras inteiras de Manhattan em infernos
de fogo. Um traço duro se desenhou em torno da boca de
Rhodan.
5
— Regime de prontidão para a Stardust-III.
Avisem quando estiverem prontos para combater.
O comando de Rhodan significava que ele interviria
no conflito com todo o potencial da nave.
— Você sabe o que está fazendo, Rhodan.
A constatação de Reginald Bell deveria ter sido
formulada como uma pergunta. Mas não foi.
— Ponho vidas humanas em perigo, se é isso que você
quer dizer. Mas ponho um número muito maior de vidas
em perigo se não fizermos o que está ao nosso alcance.
A sombra por cima do inferno atômico de Nova
Iorque cresceu. Representava a única esperança dos seres
humanos que ainda viviam na cidade. Todos sabiam que
era a nave de Perry Rhodan.
O campo energético da Stardust-III tocou a ponta dos
arranha-céus mais altos. O gigante foi parar nas
proximidades do Empire State Building.
— Comandante para os postos de combate. Só abram
um fogo bem dirigido. Não disparem cargas maiores
sobre alvos disseminados. Toda e qualquer vida humana
deverá ser poupada. Os disparos serão registrados com
exatidão.
No momento em que chegou o último aviso de
prontidão, Perry Rhodan mandou abrir fogo.
A Stardust-III se deslocou lentamente para o norte,
aproximando-se da frente de luta. Ivã Goratchim se
encontrava na Rua 42. Kakuta realizou uma teleportação e
compareceu a bordo por dois minutos.
— Trinta e cinco robôs destruídos. Alguns dos nossos
tanques também foram atingidos. Não dispomos de
números exatos.
— Como vai Ivã?
— Está em plena forma. Estamos lutando contra
máquinas. Por isso não tem problemas de consciência. E
bem verdade que se acostumou à minha presença...
— Pois trate de voltar quanto antes.
Kakuta desapareceu imediatamente.
Alguns robôs tentaram atingir a Stardust-III. O
insucesso total, causado pelo campo energético
superpotente da nave, logo os levou a mudar de tática.
Reuniram-se em grupos de três e procuraram se manter
sob o abrigo dos edifícios.
Bell praguejou e chamou-os de bandidos.
— Deixe-se de nervosismo, Bell. Já alcançamos um
êxito. Os robôs já não podem se dedicar exclusivamente
ao ataque. Têm de cuidar também de sua defesa.
Às 11:18 h o êxito definitivo dos homens começou a
se esboçar. As divisões da F.D.T., em sua retirada,
haviam atraído boa parte dos efetivos inimigos para fora
da cidade, onde a Stardust-III em poucos segundos
volatilizou perto de cento e cinqüenta máquinas com um
pesado canhão desintegrador. Os soldados de Mercant
puderam contemplar novamente a possibilidade de um
avanço. Mais tarde reuniram-se aos blindados da Terceira
Potência, no centro de Manhattan, e avançaram por cima
do East River, em direção ao Brooklyn.
Várias emissoras transmitiram proclamações do
Imperador de Nova Iorque. Tratava-se de ordens de
resistir, do tipo das que costumam ser expedidas por
ditadores que vêem seu sistema desmoronar.
Os homens que se encontravam nas salas de comando
da Stardust-III puderam dar-se novamente ao luxo de um
sorriso.
— Não venham me dizer que o Imperador não
conhece as fraquezas humanas — disse Bell em tom
sarcástico. — As ordens que está transmitindo constituem
um indício patente de loucura.
— Não é bem isso. As contradições resultam do fato
de que pelo menos duas dezenas de robôs-secretários
acreditam que são o Imperador. Deve ter havido um
curto-circuito no seu sistema de comunicações. Para mim
isso constitui prova de que o poder dos robôs chegou ao
fim. É bem verdade que há muito trabalho pela frente, até
que a última máquina de combate seja destruída. Temos
um girino a bordo. Coronel Freyt, o senhor ficará por aqui
na Good Hope-XVIII até que o perigo esteja removido.
Entre em contato com o capitão Sirola e avise Mercant na
Groenlândia.
— Perfeitamente, chefe!
— Obrigado. Prepare-se para a saída.
Às doze horas e dez minutos a Stardust-III deixará a
Terra. Ordem dirigida ao oficial de mutantes Kakuta.
Regresse imediatamente! Daqui em diante, Ivã terá de se
arranjar sem você.
* * *
Bell reclinou-se na poltrona; respirava pesadamente.
— Estou acostumado à velocidade com que você
costuma agir, Rhodan. Mas agora você está atropelando
seus atos. Você se esqueceu de alguns mutantes que se
encontram na Europa, na África e na Ásia.
— Ainda há outros na América do Sul e na Austrália.
Mais tarde iremos buscá-los. No momento o que mais
importa é irmos para junto do cérebro positrônico
instalado em Vênus. Se não houver nenhum imprevisto.
— Você desconfia de alguma coisa?
— Estou pensando na mensagem que Nyssen nos
mandou do sistema de Beta-Albíreo.
— Está aludindo à transmissão direcional dos
saltadores? Isso não me preocupa. O fato de que esses
caras mantiveram contato permanente com a Terra não
constitui nenhuma novidade. Sabemos perfeitamente que
os robôs não empregaram apenas sua capacidade militar
contra nós; também funcionavam como espiões. A
atividade dos robôs de trabalho constitui testemunho
evidente disso. Nossa intervenção apenas desencadeou o
conflito aberto.
— Está certo — respondeu Rhodan. — Acontece que
você se esquece do resultado do nosso controle de
comunicações pelo rádio. Não houve qualquer contato
entre os saltadores e os nossos robôs. Ao menos não
houve nenhum contato direto.
31
— O que você quer dizer com isso? Um espião que
não pode transmitir os resultados de suas investigações
não vale coisa alguma.
— Pois é justamente isso. Acho que deve existir uma
estação retransmissora.
Talvez em Vênus.
— Isso não passa de uma suposição.
— Naturalmente. Vamos verificar o que há de
verdade. Não se esqueça da informação de Nyssen sobre a
transmissão direcional. Ainda acontece que, segundo
dizem, o comandante dos saltadores, pertencente à
corporação mercantil, desapareceu do sistema de Beta-
Albíreo. Ao que tudo indica, seguiu em direção ao Sol.
A Stardust-III pusera-se a caminho de Vênus. Rhodan
transmitiu, através de um código secreto, um aviso
preliminar dirigido ao cérebro positrônico. Dentro de um
tempo muito breve, compareceria para procurar os dados
relativos ao planeta Peregrino. Se for verdade que Orlgans
se encontrava a caminho da Terra, o tempo urgia ainda
mais.
Toda a tripulação das salas de telegrafia fora instruída
a concentrar suas atenções sobre qualquer mensagem de
hipercomunicação. Mal haviam vencido o décuplo da
distância da Lua quando o primeiro resultado foi
anunciado.
— Impulsos de hipercomunicação vindos das
profundezas da Via Láctea!
— Não conseguiu estabelecer a localização
goniométrica? — perguntou ao jovem oficial.
— Um segundo. Durou apenas um instante. Deve se
tratar de impulsos de localização extremamente
concentrados no tempo.
— Para que serve o equipamento eletrônico?
— Perfeitamente, chefe! Já temos o resultado. Vem
quase exatamente da direção de Beta-Albíreo.
— Pois então! Deve ser a emissora a que aludiu
Nyssen. Ou será que se trata de uma mensagem expedida
por um dos nossos cruzadores?
— Não senhor. Nenhuma das nossas chaves de
codificação adapta-se à mesma.
Não conseguimos interpretar a mensagem.
— Por enquanto — disse Rhodan. — Por enquanto só
estamos interessados em saber onde se encontra a estação
receptora. Coloque em funcionamento todo o
equipamento goniométrico, tenente. Tenho certeza de que
a estação retransmissora hipotética de Vênus não tardará
em trair sua presença.
— Perfeitamente.
— E agora vamos dar um passeio pela nave — disse
Rhodan, dirigindo-se a Reginald Bell.
* * *
O passeio se transformou numa verdadeira correria.
Rhodan estava com pressa, não apenas porque queria
reassumir quanto antes o comando da Stardust-III, mas
também porque havia uma centena de problemas que o
martirizavam ao mesmo tempo.
Pegaram o elevador e subiram ao pavimento
imediatamente superior. Bell viu-se no interior do
laboratório particular de Perry Rhodan. O amigo apontou
para um robô de combate bastante danificado.
— Está reconhecendo esse sujeito, Bell?
— É o robô de Nova Iorque? — conjeturou Bell.
— Deixamos algumas centenas deles nesse estado. É o
sujeito que pus fora de combate no corredor do edifício da
G.C.C. Está em condições melhores do que poderia
parecer à primeira vista. Os equipamentos mais
importantes de seu corpo não foram avariados. Como vê,
já preparei a experiência.
Bell confirmou com um aceno de cabeça.
Um emaranhado de fios ligava o corpo do robô
paralisado com uma série de instrumentos. Rhodan ainda
não tivera tempo para realizar as experiências planejadas.
— Ainda bem que você está aqui. Com isso
economizo uma porção de explicações.
— Você acha que o sujeito lhe revelará muita coisa?
— Faço votos de que a programação introduzida nele
pelos agentes dos mercadores ainda não tenha sido
apagada. De qualquer maneira, lhe restituí a consciência
da Terceira Potência. É um ser muito inteligente com um
conflito interior.
Rhodan interrompeu sua exposição e estabeleceu
contato pelo videofone com a sala de telegrafia.
— Alô, tenente Evans. Ponha a mensagem misteriosa
dos mercadores no meu transmissor.
— Pois não.
A transmissão foi apenas uma questão de segundos.
Rhodan gravou a mensagem concentrada no tempo sobre
um fio e reproduziu-a em intervalos variáveis. O setor
intelectual do robô foi reativado por meio de um simples
movimento de chave.
— Olá, Robby. Como está a recepção?
— Ótima. Uma recepção é o suficiente.
— Muito bem. De onde vem a mensagem?
— De Orlgans, comandante dos saltadores.
— Obrigado. O que diz?
— Orlgans para a estação Sol. No momento não
podemos fornecer apoio. Todas as forças dos mercadores
estão engajadas no sistema de Beta-Albíreo, em virtude
de fortes contra-ataques desencadeados por cruzadores e
destróieres inimigos. A ordem SZ-7 continua em vigor.
— Um momento. O que diz a ordem SZ-7?
— É uma ordem de resistência. Exige um ataque geral
e imediato contra a população da Terra, mediante a
utilização de todos os recursos militares.
— Obrigado. Prossiga com o aviso.
— Chegou ao fim.
— Muito bem. Como é que só agora você conseguiu
decifrar a mensagem? Pelo que sei existe uma estação
retransmissora no sistema solar, que costumava fornecer-
lhes as notícias.
— Nosso receptor é muito fraco. No caso o
equipamento de rádio da Stardust-III desempenhou as
funções de estação retransmissora.
— Hum. A explicação não deixa de ser plausível. Para
onde vocês irradiam suas mensagens destinadas a
Orlgans?
— Na direção de Aldebaran-Touro...
Bell interrompeu o robô com um ataque de tosse
forçado.
— Veja só. Você suspeitava de Vênus, Rhodan.
Parece que foi um engano.
Rhodan deu de ombros.
— Foi uma suposição intuitiva. No momento o planeta
Saturno se encontra na posição do Touro. Robby será que
32
Saturno está no jogo?
— Não posso dizer. Não disponho de informações a
este respeito.
— Mentiroso! — trovejou a voz de Reginald Bell.
Mas Rhodan assumiu a defesa do robô.
— Robby não tem nenhum motivo para mentir.
Chegaremos mais longe se acreditarmos nele. Afinal, já
conseguimos alguma coisa. O sistema de Saturno não é
muito grande; deverá haver um meio de resolver o
problema. Teremos que realizar quanto antes uma
mudança de rota.
— Pelo amor de Deus! — gemeu Bell. — Até já estou
começando a ficar nervoso. Gostaria de saber o que vai
pensar o cérebro P instalado em Vênus quando souber que
voltamos à Ponte.
Rhodan pôs a mão na chave que desativaria o robô,
mas Bell o reteve num gesto rápido.
— Um momento, Rhodan. Ainda dispomos de dez
segundos. Preciso fazer uma pergunta muito importante a
esse menino. Trata-se de uma questão que ninguém
conseguiu solucionar.
Logo depois, dirigiu-se ao robô:
— Ouça o que vou dizer. Você voltou a sentir-se
como um servo da Terceira Potência, não é Robby?
— Sim senhor.
— Deixe de cerimônias — insistiu Rhodan. — Está
bem. Você está lembrado da revolta de robôs em
Terrânia.
— Não participei da mesma.
— Mas vocês tiveram meios de se comunicar entre si.
— Sim senhor.
— Pois bem. A revolta foi controlada antes do tempo.
Antes que pudessem desferir o golpe, seus companheiros
de Terrânia foram postos fora de ação. Inclusive os robôs
de combate. Apesar disso puseram-se em marcha ao
amanhecer e espalharam muita desgraça. Qual é a
explicação?
— Muito simples. A polícia humana teve que lidar
com os robôs um por um. E cometeu o erro de não vigiar
as máquinas desativadas. Alguns robôs ainda livres
dirigiram-se aos seus camaradas enquanto a ação policial
estava em andamento e voltaram a ativá-los. Foi por um
estratagema de guerra que todos os robôs de combate se
deixaram depositar no grande pavilhão.
— Desligue esse sujeito, Rhodan! — exclamou Bell,
furioso. — Se escuto isso por mais algum tempo, acabarei
tendo complexos de inferioridade.
* * *
O treinamento hipnótico e a prática galáctica
conferiram-lhes grande presença de espírito. Ao
regressarem à sala de comando, já haviam concluído o
processamento psíquico dos conhecimentos recém-
adquiridos. Rhodan voltou a assumir o comando.
— Vamos alterar a rota.
Seguiram-se os detalhes e as confirmações expedidas
pelos diversos postos.
Saturno?! Com grande espanto os copilotos,
engenheiros de máquinas, navegadores, assistentes e
ordenanças tomaram conhecimento do novo objetivo.
Evans anunciou o resultado da medição goniométrica.
— A resposta dirigida à base dos saltadores instalada
no sistema de Beta-Albíreo é irradiada a partir do sistema
de Saturno.
— Obrigado, Evans. Já fixamos a rota com esse
sistema. Tente obter uma indicação mais precisa do
destino.
O pessoal do rádio provou que não era totalmente
inútil.
— Apuramos a posição exata da emissora do inimigo,
chefe. Fica na lua de Saturno denominada Titã, a sete
graus de longitude oeste e oitenta e quatro graus de
latitude norte, ou seja, nas proximidades do polo norte.
— Obrigado, tenente. Foi um serviço bem feito.
— Fixação precisa da rota. Correções...
A Stardust-III voltou a desenvolver a velocidade
normal, equivalente à da luz, cruzou a órbita de Marte,
atravessou as extremidades do anel de planetoides e
mergulhou no negrume do espaço. Júpiter encontrava-se
em oposição. Saturno com suas nove luas era o objetivo
mais próximo que se encontrava a seu alcance.
Os aparelhos de escuta da Stardust-III estavam
regulados ininterruptamente para a estação retransmissora
do inimigo. Mais três mensagens foram captados.
Tratava-se de pedidos de socorro dos exércitos terrestres
de robôs. Na quarta e última transmissão a estação de Titã
anunciou que ela mesma se encontrava em perigo. Os
robôs depositados no laboratório de Rhodan realizaram a
decodificação.
— Titã para Orlgans! Titã para Orlgans! O
couraçado Stardust-III aproxima-se, navegando à
velocidade da luz. Mantém uma rota que se dirige
exatamente para cá. É impossível que se trate de uma
coincidência. Alguém deve ter revelado nossa posição.
Solicitamos apoio imediato.
— Não podemos dispensar a nave Orla XI. Parta para
o contra-ataque. O girino arcônida dispõe de armamento
suficiente para um ataque de surpresa. Modificação do
código. Nova posição: 74 562 AT 9...
O resto foi incompreensível.
A consulta que Rhodan formulou ao robô não
produziu o menor resultado. Seu cérebro não fora
programado para a chave 74 562 AT 9. A linguagem
ininteligível foi introduzida imediatamente no grande
cérebro positrônico instalado a bordo da nave. Mas a
codificação inimiga era tão complicada, que várias horas
ou mesmo dias poderiam se passar antes que se
dispusesse de um texto compreensível.
Acontece que a decisão teria que vir nos próximos
minutos, pois a Stardust-III, que já iniciara as manobras
de frenagem, encontrava-se a apenas oitenta e cinco
milhões de quilômetros de Titã.
— De qualquer maneira Orlgans cometeu dois erros
— comentou Bell, satisfeito.
— Sabemos que não pode vir pessoalmente, e que
dispõe de uma nave auxiliar arcônida de sessenta metros.
Face a isso podemos avaliar com alguma aproximação a
força do inimigo que nos aguarda em Titã.
— Até podemos avaliá-la com muita exatidão — disse
Rhodan com uma raiva contida. — Na mensagem foi
mencionada a palavra girino. Acontece que se trata de um
apelido que demos às naves dessa classe.
— Dali você conclui que se trata de uma nave da
nossa frota?
— É a conclusão que se impõe meu caro. Lembre-se
33
de que ainda não localizamos a Good Hope-I, comandada
pelo tenente Dayton. Todas as buscas foram infrutíferas.
Pode-se perfeitamente conquistar uma nave e tripulá-la
com sua própria gente. Acho que os saltadores não são
tolos. Saberão lidar com a tecnologia arcônida central.
— Isso significa que podemos dar a tripulação
comandada por Dayton como perdida...?
Rhodan ficou devendo a resposta. Não estava tão bem
informado.
Faltavam quinze milhões de quilômetros para Titã.
— Bell, eu sugiro que você nos dê cobertura com três
destróieres. Com o poder de fogo de nossa nave
provavelmente não precisamos disso, mas nunca se sabe
como se desenvolverá a situação. De qualquer maneira
faço questão de que alguém vá dar uma olhada em Titã.
Estou interessado na estação dos saltadores.
— Não pretende pousar?
— Talvez nem tenhamos oportunidade para isso.
Prepare-se. Leve dois oficiais da guarnição de reserva e os
tripulantes de que precisa. Faltavam dez milhões de
quilômetros para chegar a Titã.
Três destróieres comandados por Bell saíram da nave-
mãe e dispararam para o espaço em ligeiros impulsos de
aceleração. Tomaram uma rota tangencial, a fim de
descrever alguns círculos em torno da maior das luas de
Saturno.
No mesmo instante o girino decolou. Contavam com
sua presença e por isso estavam preparados. Bell esteve a
ponto de se precipitar sobre ele. Mas Rhodan ordenou que
não modificasse sua rota.
— O sujeito foi destinado a nós. Vocês só
empreenderão qualquer manobra se forem atacados.
— Está bem — disse Bell, contrariado, e obedeceu.
O girino se aproximou silenciosamente. O rugido
interno de uma nave espacial acelerada ao máximo perde-
se no vácuo do universo.
— Isso mesmo! É a Good Hope-I — constatou Crest,
o arcônida. — E lá vêm os disparos.
Três torpedos espaciais se aproximaram
vertiginosamente. O campo energético da Stardust-III se
dobrou. Foi um devorar mútuo de energias
termodinâmicas. Três bombas investiram contra o campo
energético. Bastava que um dos projéteis conseguisse
vencer o obstáculo para que uma deflagração atômica
irreversível fosse desencadeada em certos elementos do
objeto atingido. O artilheiro podia regular o artefato à
vontade, no que dizia respeito aos elementos até o número
oitenta. De qualquer maneira, todos os elementos pesados
seriam atingidos pela conflagração.
A sensação provocada pelo fato de se encontrar sob o
fogo desse instrumento de destruição maciça não era nada
agradável.
Os homens que ali se encontravam tinham que
depositar muita confiança na potência do campo
energético.
Os instrumentos indicaram a potência do ataque
energético.
— Sessenta e cinco por cento — murmurou Rhodan.
Poucos segundos depois as agulhas voltaram à posição
primitiva. Haviam resistido ao primeiro ataque.
O segundo foi desfechado com cinco bombas.
— Setenta e oito por cento.
— O que está esperando? — perguntou o Dr. Eric
Manoli, que se encontrava perto de Rhodan.
Este se limitou a lançar-lhe um ligeiro olhar; não disse
nada. Afinal, o que poderia dizer? Que preferia não atirar
porque se tratava do girino Good Hope-I? Essa fala
pareceria muito sentimental. Era possível que o motivo
fosse outro.
Talvez o tenente Dayton.
Bell anunciou sua posição além de Titã.
— Observamos nitidamente a estação. Trata-se de
uma montagem de aparência modesta. Ao que parece o
resto encontra-se sob a superfície da lua. Como estão
vocês?
— Bem, obrigado. Repelimos dois ataques. Não se
preocupem conosco. Pousem.
O fim da ligeira palestra coincidiu com o terceiro
ataque do girino. Seis bombas arcônidas!
— Oitenta e três por cento!
Os geradores uivaram em frequências elevadas.
Deram o último de si para recarregar o campo energético
numa fração de segundo.
— Oitenta e sete por cento! Noventa e dois por cento!
As forças que protegiam a Stardust-III da destruição
pareciam reduzidas a uma fina membrana. Quando
diminuiria a força das seis bombas arcônidas?
Finalmente: oitenta e nove por cento, oitenta e oito,
oitenta e sete...
As agulhas dos indicadores de carga tenderam para
baixo. Mas logo a Stardust-III foi atingida por uma
sacudidela, que só depois de um momento de choque
puderam ser absorvidas pelos compensadores de
gravitação. As agulhas saltaram para noventa e oito por
cento.
Nesse momento da eternidade, os gritos se
misturaram. Os instrumentos de alarma anunciaram a
aproximação de matéria pela popa. Tudo foi tão rápido
que num momento de tensão nervosa a mente humana não
poderia esboçar qualquer reação.
A única coisa que poderia salvá-los seria o autômato
positrônico.
Cada um dos três destróieres vindos pelas costas havia
disparado uma bomba arcônida. Logo se seguiram os
impactos e os esforços desesperados do dispositivo
automático de defesa.
— Setenta e dois por cento! Trinta e seis por cento...
As agulhas caíram para trás. Mas a posição da nave
não conferia mais. Que abacaxi!
Saturno estava a vinte milhões de quilômetros.
— Não é possível! — disse Manoli, segurando o
ombro, com o rosto contorcido de dor.
— Dispomos de um controle múltiplo. Se você tivesse
razão, todos eles teriam falhado.
— Mas...
— Não há nenhum, mas, Eric. Foi apenas um salto
espacial involuntário. As energias liberadas durante o
duelo tiveram, por uma simples coincidência, uma
disposição tal que causaram uma verdadeira curvatura do
espaço. Por pouco conseguem nos atirar para fora do
conjunto de quatro dimensões. Sugiro que antes de mais
nada cuidemos do girino. Está ficando muito perigoso
para que possamos ter qualquer contemplação.
* * *
34
— Que é isso, Flynn? — perguntou Bell em tom de
desespero ao seu artilheiro. — Será que nossas telas
goniométricas estão desreguladas?
O tenente Flynn sabia que o sentido da fala de Bell era
muito mais sério do que suas palavras poderiam dar a
entender.
— Se esses bandidos tivessem destruído a Stardust-III,
deveria ter sobrado ao menos uma nuvem energética.
— A conclusão não é nada má, desde que nos
mantenhamos no seu campo de experiência. Acontece que
estamos lidando com um inimigo cujo poder real talvez
nós seja desconhecido. É bem possível que tenham
montado suas armas num girino apresado.
Enquanto falava, Bell já ligara o receptor. Utilizou a
freqüência secreta de emergência.
— Bell para Rhodan! Bell para Rhodan! Responda
Rhodan!
Houve uma ligeira pausa. Depois se ouviu:
— Rhodan para Bell! O que houve?
— Graças a Deus, Rhodan! Onde é que vocês se
meteram? Perdemos a posição.
— Sem querer, realizamos um pequeno salto espacial.
Foram quinze milhões de quilômetros. Os caras lançaram
mais três destróieres com que ninguém contava. Não se
preocupem. Cuidaremos da Good Hope-I. Espero receber
em breve informações precisas sobre a situação em Titã.
Fim.
Os homens suspiraram aliviados e se reclinaram nos
assentos. A formação de destróieres girou para baixo e
abandonou definitivamente a órbita do satélite.
Rhodan foi esquecido. Concentraram todas as
atenções sobre o pouso. Um mundo de gelo como Titã,
cuja atmosfera cristalina de metano e amoníaco
misturados com vários gases nobres é capaz de uma série
de reações químicas, requer muito cuidado de qualquer
astronauta que nela queira penetrar.
Obedecendo ao comando de Bell, os pilotos ativaram
o chamado campo de vácuo, que criava uma zona neutra
de mais de quinhentos metros em torno de cada aparelho.
Sem o menor incidente, pousaram ao lado da torre de
rádio. Não houve o menor movimento defensivo.
— Aguardem! — ordenou Bell. — Deixem a
temperatura baixar. Liguem a refrigeração artificial.
Avisem assim que o envoltório externo esteja em
condições normais.
A operação durou dois minutos, que não foram
desperdiçados. Os homens colocaram trajes espaciais.
Depois disso Bell ordenou o desembarque.
— Dois homens de cada aparelho virão comigo. Os
copilotos ficarão para vigiar as máquinas.
A torre era uma construção metálica em forma de
grade, levantada numa planície lisa que não poderia
fornecer abrigo a ninguém. Apesar disso teriam de agir
com cautela. Os seis homens se aproximaram lentamente
do objetivo, com os fuzis de desintegração e os radiadores
de impulsos em posição de atirar. Reginald Bell
caminhava à frente. Seu traje espacial era um
equipamento de batalha de origem arcônida. Mantinha o
campo protetor ativado. Os outros cinco andaram em sua
sombra, para que um ataque de surpresa com armas
ligeiras pudesse ser rechaçado.
Mas não aconteceu nada. Atingiram a armação
metálica sem serem molestados. Embaixo dela havia uma
porta-alçapão que conduzia para baixo do solo.
— Tenham cuidado! — voltou a advertir Bell, quando
Flynn se pôs a mexer no fecho. — Está bem, tenente.
Continue a girar isso. Mas não enfie logo a cabeça pela
abertura.
Um dispositivo hidráulico fez o alçapão deslizar para
o lado. Bell soltou uma bolsa presa ao lado externo de seu
traje e colocou-a cautelosamente acima da abertura. Um
segundo depois metade do objeto havia sido consumida
pelo calor.
— Ah, então puseram sentinelas!
A constatação foi pronunciada num tom estranho. Até
parecia que Bell se sentia satisfeito por ter tido razão.
— Podemos conversar à vontade. Ninguém pode ouvir
a conversa travada pelo telecomunicador de nossos trajes
espaciais, mesmo que se encontre a apenas três metros.
Aguardem mais um instante. Vou ligar o defletor de
ondas luminosas para dar uma olhada.
Para os outros o momento parecia bastante crítico.
Mas Bell confiava na eficiência do aparelho.
Afinal, estava invisível. O olhar duro do robô de
combate constituía a melhor prova disso.
— Alô, minha gente, que surpresa! Seis metros abaixo
de mim está um robô que os mercadores de Orlgans
devem ter roubado de alguma filial da G.C.C. na Terra.
Até parece que seus olhos estão abrindo furos no ar; ao
que tudo indica, aguarda outro ataque. Vamos ver se
temos mais alguns desses sujeitos de lata por aí.
Bell apontou o radiador de impulsos térmicos para
baixo e apertou o gatilho. O robô dobrou as pernas e
volatilizou-se pela metade.
— Vamos esperar!
Passou-se dez segundos, meio minuto.
Nada se movia.
— Ao que parece o ambiente está limpo. Mas prefiro
descer sozinho para dar uma olhada.
Por alguns segundos, Bell ficou dando tratos à bola
para descobrir como um simples mortal poderia descer
por essa galeria vertical de seis metros. Devia ser uma
forma de deslocamento bastante desconfortável, mesmo
que se considerasse que a gravitação não era superior a
um terço da terrestre.
Perto da galeria havia alguns botões. Devia
experimentá-los. Deixou cair algumas pedras. Ao
comprimir um dos botões, as mesmas não caíam mais.
Flutuavam.
— Um elevador antigravitacional! Tudo em ordem,
minha gente! Avisarei assim que puderem seguir.
Bell flutuou para baixo.
Ao atingir o primeiro piso, viu-se numa sala pequena.
Não se via nada além dos destroços do robô. Nas paredes
viam-se três escotilhas. Eram comportas de ar atrás das
quais devia se encontrar uma atmosfera de nitrogênio e
oxigênio. Um exame mais detalhado confirmou o fato.
Bell escolheu a passagem do meio.
Mandou que os cinco homens o seguissem e
informou-os ligeiramente sobre sua descoberta.
— Tenente Flynn, venha comigo. Os outros esperarão
aqui.
O corredor descia obliquamente. Dali a cem metros o
mesmo se ampliou, sendo novamente fechado por três
portas. A da direita levava a um grande depósito, ocupado
principalmente por cinco robôs terrestres desativados.
35
— Esses sujeitos de lata ficarão admirados quando os
despertarmos para a vida...
Como o tempo fosse escasso, não puderam examinar
os detalhes, por mais curioso que Bell ficasse com os
numerosos instrumentos. Um belo dia Freyt teria de
cuidar daquilo.
A segunda porta dava para um apartamento residencial
muito confortável. Lembrava as residências terrestres;
apenas os móveis de uso dos ocupantes pareciam
dimensionados além das normas usuais.
— Isso bem pode ter sido uma residência de gigantes
— constatou Bell em tom indiferente e dirigiu-se à outra
porta.
Penetraram num recinto escuro, que logo os fez farejar
um perigo. Mas depois de terem dado três passos, a
iluminação automática derramou uma luz direta sobre
eles.
Era um pavilhão comprido com boxes abertos.
Havia uma espécie de enfermaria, sala de repouso,
laboratório... e seres humanos.
Bell e Flynn estacaram por um momento.
Não eram robôs nem saltadores, mas seres humanos.
O ar era respirável.
— Retirar o capacete — ordenou Bell e abriu o visor.
Flynn acompanhou-o. No mesmo instante as súplicas
dos companheiros debilitados atingiram seus ouvidos.
— Que patifes! — disse Bell por entre os dentes. —
Que patifes de saltadores.
O primeiro homem que libertaram das amarras que o
prendiam ao leito foi o Dr. Berril, médico de bordo da
Good Hope-I. Seguiram-se alguns mortos. O sétimo dos
homens estava vivo, se é que se quisesse chamar de vida
aquilo que fez com que o corpo maltratado se empinasse.
Abatido, o Dr. Berril sentou-se na beira da cama.
— Fale, doutor! Mesmo que seja difícil. O senhor tem
que fazê-lo por si e pelos companheiros. Além disso, é o
único médico que temos por aqui.
— Eles nos prenderam e trancafiaram. Todos os dias
realizavam interrogatórios psíquicos. Deixamos de ser
homens. Nossos cérebros...
— As reações de seu cérebro são normais, doutor.
Pense nos companheiros que tiveram um destino pior que
o seu. Tome este comprimido energético. E use estes
tubinhos para alimentar os outros. Venha, eu o apoiarei.
O comandante, tenente Dayton, era um dos mortos. A
maior parte dos tripulantes havia morrido. Só vinte e dois
homens podiam ser considerados clinicamente vivos. E
Bell só dispunha de três destróieres completamente
lotados.
O problema fez porejar o suor em sua testa. Tinha que
agir. E tinha que agir imediatamente. Ao lembrar-se de
Orlgans, sentiu seu espírito ferver. Onde estaria Orlgans?
Teria abandonado o grupo de seus companheiros de clã
estacionado em Beta-Albíreo? Não poderia surgir a
qualquer momento no sistema do Sol? O destino dos
espiões robotizados que deixara na Terra constituiria
motivo mais que suficiente para isso.
As ordens de Bell foram terminantes, quase grosseiras.
Mandou que os quatro homens que aguardavam diante
das comportas descessem.
— Doutor, o senhor e Flynn os instruirão. Todos nós
dispomos de um estoque de medicamentos que nos
permite prestar os primeiros socorros. Enquanto isso
cuidarei de outro assunto.
Bell desapareceu sem dar qualquer explicação. Seu
destino era o pavilhão da frente, onde estavam
depositados cinco robôs. Conhecia os companheiros de
lata de dentro e de fora. Esse conhecimento pertencia ao
saber adquirido através do treinamento hipnótico.
— Número um — murmurou em tom sarcástico —
levante-se. Você tem visita.
Ativou-o para um décimo de sua potência, examinou a
programação e constatou justamente aquilo que esperara.
— Seu desertor de uma figa, eu lhe darei uma lição...
Mas como?
Sua mente se iluminou com uma rapidez
extraordinária. O traje arcônida.
O gerador destinado ao campo defensivo desenvolvia
uma energia eletromagnética que bastaria para apagar a
programação indesejada que fora introduzida no robô. As
experiências realizadas por Rhodan já lhe haviam
ensinado em que setor do robô fora introduzida a má
consciência.
Número um, a primeira tentativa.
Deu certo.
O resto não passou de um trabalho de rotina. Dali a
vinte minutos, os cinco robôs de combate estavam
reativados e programados de acordo com os interesses da
Terceira Potência.
Bell emitiu algumas ordens e explicou a situação.
Obedientes, os cinco robôs se espalharam pela estação. O
número um foi à sala de instrumentos, o número dois à
enfermaria, o número três marchou para a residência dos
mercadores, o número quatro assumiu seu posto diante
das comportas de ar e o último ficou numa posição
avançada na superfície de Titã.
Um pouco mais satisfeito, Bell voltou para junto dos
companheiros.
— Por enquanto nossa posição está garantida. Os
cinco robôs continuam leais a nós. Decolarei só no meu
destróier e farei com que o coronel Freyt mande socorro
quanto antes. Não deverá demorar mais de um dia.
Bell e Flynn se despediram. Dali a poucos minutos o
destróier disparou para o céu de Titã.
* * *
À decisão de Rhodan seguiram-se as ordens. Os
saltadores que tripulavam a Good Hope-I deviam ser de
opinião que haviam destruído a Stardust-III. Tomaram
uma rota estranha.
— Olhe só! — disse Eric Manoli, espantado. —
Dirigem-se à Terra. Será que pensam que ainda podem
salvar alguma coisa? Acredito que Freyt já conseguiu
liquidar a resistência dos robôs.
— As últimas informações são satisfatórias — disse
Rhodan. — Mas a Humanidade tem muitos mortos e
feridos a lamentar em todos os continentes. Quando me
encontrar com o primeiro saltador, registrarei essa dívida.
Um momento, Eric! Veja só a rota! Parece que não é a
Terra.
Manoli se sobressaltou. Depois sacudiu a cabeça e
disse:
— Há poucas horas você me falou em sua intuição.
Ao que parece sua idéia ligada a Vênus não era tão
absurda...
36
Na verdade, o girino tomara decididamente a rota de
Vênus.
— O fato é que a espionagem realizada pelos robôs
revelou a Orlgans algumas coisinhas que devíamos ter
guardado para nós — disse Rhodan. — O ponto
nevrálgico da Terceira Potência não é o deserto de Gobi,
mas o grande cérebro positrônico instalado em Vênus.
Está na hora de agir.
— Têm uma vantagem de mais de vinte milhões de
quilômetros — ponderou Manoli.
— E a velocidade da luz sempre é a velocidade da luz.
Tanto faz que seja um pequeno girino ou a Stardust-III
que desenvolve a mesma.
— Faremos uma coisa proibida — disse Rhodan com
um sorriso matreiro.
A coisa proibida foi uma ligeira transição que os levou
através da quinta dimensão. No interior de qualquer
sistema planetário uma manobra desse tipo representava
um perigo inequívoco, pois poderia afetar a estabilidade
do conjunto. Mas não era a primeira vez que Rhodan fazia
uma coisa dessas. Já adquirira prática.
As medições realizadas pelos trinta e cinco
observadores e a interpretação dos dados pelo cérebro
positrônico instalado a bordo consumiu dez minutos. A
hora havia chegado.
A Stardust-III realizou o salto espacial. Desapareceu
pura e simplesmente do setor do espaço em que se
encontrava e, sem cruzar a órbita de Júpiter, Marte e Terra
da perspectiva projetada na quarta dimensão ela surgiu de
uma hora para outra nas proximidades de Vênus.
Abrigou-se atrás do planeta e aguardou o inimigo que se
aproximava.
Aguardou durante oitenta e quatro minutos.
A surpresa total foi o grande aliado de Rhodan. Os
instrumentos de alarma mal podiam ter soado na Good
Hope-I quando a Stardust-III se transformou num monstro
imenso. Doze bombas carregadas por torpedos que se
deslocavam quase à velocidade da luz precipitaram-se
sobre o alvo. Todos os canhões pesados de desintegração
dispararam ao mesmo tempo. A Good Hope-I se
transformou numa nuvem de energia.
Os homens que se encontravam a bordo da Stardust-
III ainda não haviam terminado de dar seu suspiro de
alívio quando os instrumentos de alarma anunciaram nova
aproximação de matéria. Três destróieres se aproximaram
na esteira da Good Hope-I. Eram as mesmas naves que
por pouco não tinham dado cabo do couraçado.
— Pontaria. Ponte de comando para direção de tiro.
Reconheceram o alvo, ou precisam de dados
goniométricos?
— Obrigado. Temos os três destróieres grudados na
mira. O senhor poderia dar ordem de fogo, chefe?
— Fogo!
Mais uma vez contemplaram o fogo de artifício que se
exibiu em pleno céu. Rhodan sabia que não estava indo
longe demais. Em situações como esta sempre soubera
harmonizar seus atos com a consciência. Não que sua
consciência não prestasse, mas conhecia perfeitamente os
limites e os deveres pelos quais tinha que pautar seus atos.
Não estava usando uma desculpa barata ao alegar que
agia em prol do bem-estar de toda a Humanidade.
Quem se aproximasse pacificamente, poderia contar
com um aperto de mão de Rhodan. Mas quem trouxesse a
morte para a Humanidade teria que contar com a própria
destruição.
Dois destróieres foram atingidos. O terceiro escapou
na sombra de Vênus. Não voltou a aparecer. Devia ter
caído ou pousado.
Um destróier?
Rhodan se lembrou do planeta Peregrino. Teria que ir
ao Peregrino. Não poderia perder mais tempo por causa
de um destróier que se encontrava a serviço do inimigo.
Mandou que estabelecessem uma ligação entre sua
sala de comando e a cidade de Terrânia. Em palavras
ligeiras, relatou ao coronel Freyt o que havia acontecido.
Subitamente havia um terceiro interlocutor na mesma
faixa de ondas.
— Olá, Bell. Por que está entrando na nossa conversa?
— Tenho tanta pressa quanto você. Coronel, mande
imediatamente um girino para Titã.
Também Bell ofereceu um relato lacônico de suas
descobertas. Freyt confirmou a recepção e, ao concluir,
informou seus interlocutores de que a guerra de robôs na
Terra podia ser considerada finda.
— Nesse caso posso receber meus mutantes de volta
— constatou Rhodan. — Irei em direção ao cérebro
positrônico de Vênus. Coronel mande a Good Hope-II
para Titã e liquide o assunto com Bell. Voltarei a chamar
assim que tiver terminado em Vênus.
Os instrumentos de Rhodan instalados em Vênus
terminaram o trabalho em menos de dois dias terrestres. O
cérebro positrônico já havia preparado os dados sobre a
posição do planeta Peregrino. Mas o registro desses
dados, que eram extremamente complicados, durou várias
horas. Na verdade, tratava-se apenas de valores
aproximados, dotados do maior grau possível de
probabilidade. Por fim, as coordenadas foram
introduzidas no cérebro positrônico da Stardust-III através
de um código elaborado pelo próprio Rhodan.
Antes de decolar, Rhodan ainda solicitou um relatório
sobre os acontecimentos que se haviam desenrolado nas
últimas semanas em Vênus. O cérebro ali estacionado
informou-o sobre três destróieres que haviam pousado na
selva do hemisfério sul.
— Não é apenas o sujeito que nos escapou que se
mantém escondido aqui.
A constatação de Rhodan revelou certa contrariedade.
A perspectiva mudava constantemente; até parecia que
seus planos seriam estragados a cada hora.
O planeta Vênus não representava uma folha em
branco da história da Humanidade. Há mais de um ano
várias divisões plenamente equipadas do Bloco Oriental,
então em plena revolta, haviam pousado ali. Depois de
uma série de lutas de resultado variável, travadas
principalmente entre os cidadãos do Bloco Oriental, fortes
grupos formaram-se sob o comando do general
Tomisenkow, e passaram a empreender uma pacífica
atividade colonizadora. Mas também aqui a situação ainda
não havia sido esclarecida. Se Rhodan contasse com a
possibilidade de um contato entre saltadores do clã de
Orlgans que haviam pousado ali e os homens de
Tomisenkow, não poderia afastar a possibilidade de novas
complicações.
— De qualquer maneira, não demoraremos nem um
minuto — decidiu Perry Rhodan e deu ordens de decolar.
O coronel Freyt teria que cuidar de Vênus. Era o
37
homem que na ausência de Rhodan teria que exercer o
governo da Terceira Potência.
Uma vez fora da densa atmosfera de Vênus, a
Stardust-III deu início a uma intensa troca de mensagens
de rádio. Bell respondeu imediatamente, informando que
o traslado dos vinte e dois sobreviventes de Titã fora
concluído com êxito. Já se encontravam nos hospitais de
Terrânia.
— ...nossos mutantes também estão a postos, Rhodan.
Não há mais nada que impeça a decolagem.
— Muito bem. Apressem-se. Daqui à uma hora no
máximo quero recolher a Good Hope-II a bordo e dar o
fora daqui. Ligue-me mais uma vez com o coronel.
Freyt recebeu instruções detalhadas e se despediu.
— Boa viagem, Rhodan. E um bom regresso.
Lembranças ao pessoal da frota.
Combinou com Bell um ponto de encontro entre as
órbitas da Terra e de Marte. Dali à uma hora a Stardust-III
recolheu a bordo a Good Hope-II e deu início à longa
viagem com destino ao planeta Peregrino.
Antes de atingir o ponto de transição, situado além da
órbita de Plutão, Rhodan pediu mais uma ligação direta
com o major Nyssen. Pediu um relato sobre a situação
atual.
MacClears, comandante do cruzador Terra, anunciou-
se pelo hipercomunicador:
— No momento o major Nyssen está realizando um
voo contra os saltadores. A Solar System está envolvida
num combate contra três inimigos. Até agora tudo deu
certo. Mas não sabemos até quando será assim. Os
mercadores receberam reforços. Receamos a intervenção
de couraçados ainda mais potentes dos saltadores. No
momento só nos resta esperar que a Stardust-III não
demore a voltar. — Faremos o que estiver ao nosso
alcance. Mas não sou nenhum profeta e não costumo fazer
promessas vazias. Aguente mais algum tempo.
Com um laconismo tipicamente militar, MacClears
confirmou o recebimento da ordem e desligou.
— Preparem-se para o salto interestelar — soou o
comando de Rhodan. Reclinara-se profundamente na
poltrona e fitava a tela de proa, que mostrava milhares de
sóis que se desenhavam sobre o fundo negro do espaço
cósmico. Em algum ponto desse labirinto, o planeta da
vida eterna percorria seu caminho. Era o planeta que
trazia o nome bastante significativo de Peregrino. Nele
estava o próximo objetivo de Rhodan. Era ali que existia
o ser indefinível, que não tinha nome. Só esse ser poderia
salvar a Humanidade ameaçada.
— No planeta Peregrino receberemos armas que nos
assegurarão uma superioridade definitiva sobre os
saltadores — murmurou Rhodan, falando quase para si.
— Isso soa como uma prece, Rhodan — prosseguiu
Bell no raciocínio de Rhodan.
Numa ação maciça, as autoridades militares da Terra conseguiram remover a ameaça
representada por seus próprios robôs, cuja programação foi alterada. Mas a Terra só poderá
se defender contra todos os clãs dos saltadores se Perry Rhodan puder contar com uma nova
arma.
Essa arma lhe é dada durante seu Voo Para o Infinito que é o título do próximo volume
da série Perry Rhodan.
38
Nº 32
De
Clark Darlton
Tradução
Richard Paul Neto Digitalização
Denise Revisão e novo formato
W.Q. Moraes
A Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan — uma combinação feliz da
energia humana com a supertecnologia arcônida — pode apresentar, nos seus
anos de existência, uma história muito movimentada, cheia de dramáticos altos e
baixos. Mas os acontecimentos mais recentes dão a impressão de que, ao
defrontar-se com os saltadores ou mercadores galácticos, Perry Rhodan vê-se
diante de um poder que tem a intenção e a capacidade de destruir a Terra para
eliminar um possível concorrente no comércio interestelar: Por enquanto ainda
se mantém a linha de defesa do sistema de Albíreo, formada pelos cruzadores
pesados Terra e Solar System. Mas quanto tempo demorarão os saltadores para
descobrir que os terranos apenas realizam uma manobra diversionista? Para
Perry Rhodan o tempo urge. Mas, para conseguir uma arma eficaz, capaz de
defendê-lo contra os saltadores, terá que retornar ao planeta da vida eterna... e
realizar um Voo Para o Infinito.
39
1
À primeira vista, percebia-se que a gigantesca
nave espacial não fora construída por mãos humanas.
Deslocando-se em queda livre, descrevia sua órbita
em torno do Sol a uma distância de quinze horas-luz.
Com seus instrumentos ultrassensíveis, observava os
planetas do sistema. Sua forma lembrava um enorme
rolo compressor, arredondado na frente e achatado na
parte de trás. Tinha trezentos metros de comprimento
e cinquenta de diâmetro. Há intervalos regulares, a luz
brilhava nas janelas redondas. Atrás delas, moviam-se
enormes sombras quadráticas.
A nave estranha não estava só. Era acompanhada
por mais sete. A frota movia-se em torno do Sol,
dirigida por seres que jamais haviam posto os pés na
Terra. E não apresentavam aspecto
humano. Sua pátria não era nenhum
planeta, mas o espaço cósmico.
Viviam no interior das naves e
faziam seus negócios com todas as
raças inteligentes do universo.
Amavam a paz somente quando a
mesma lhes proporcionava lucros.
Sempre que uma guerra prometesse
ser mais lucrativa, faziam com que
irrompesse. Eram tolerantes e
autoritários ao mesmo tempo, tinham
senso de humor e ao mesmo tempo
caracterizavam-se por uma dureza
implacável, que se manifestava toda
vez que alguém se intrometia em
seus negócios.
Na sala de controle da nave
capitania, o comodoro Topthor
movia-se pesadamente diante das
telas ligadas. Movia-se pesadamente,
porque segundo as concepções
terrenas seu peso quase chegava a
meia tonelada. Sua largura equivalia
à altura: um metro e sessenta
centímetros. A cor da pele caía para o esverdeado e o
crânio liso não apresentava nenhum fio de cabelo. Em
compensação, seguindo os costumes de sua raça,
ostentava uma barba ruiva.
Os mercadores galácticos descendiam dos
arcônidas, uma raça que, sendo dona de um grande
império situado a trinta e quatro mil anos-luz da Terra,
tornara-se fraca demais para controlar o mesmo. Face
a isso, os mercadores adquiriram sua independência e
criaram um império próprio. Estabeleceram contato
com todos os planetas habitados e viviam
exclusivamente do comércio.
Mas Topthor não era um mercador comum;
pertencia ao clã dos superpesados. Há tempos
imemoriais, quando os descendentes dos arcônidas
ainda viviam em planetas, seu clã habitava um planeta
em que a gravitação chegava a 2,l g. Em virtude disso,
sofreram, no curso das gerações, uma série de
alterações anatômicas, que conferiram a seu corpo o
formato atual. Eram criaturas estranhas em meio à
própria raça, mas o pensamento galáctico não admitia
qualquer forma de discriminação. Com sua esperteza,
os mercadores — ou saltadores, como também eram
chamados — resolveram extrair da modificação da
estrutura anatômica de seus companheiros um
proveito para si, e também para estes. Os
superpesados transformaram-se na tropa de defesa dos
saltadores. Ganhavam a vida fornecendo proteção aos
seus companheiros de raça sempre que estes o
desejassem e, se necessário, lutando por eles.
Mas, desta vez, Topthor estava agindo por
iniciativa própria.
Encarou a tela da frente. Nela se projetava a
imagem de um planeta verde-azulado que, segundo
tudo indicava, servia de sede a uma civilização
florescente. Os continentes jaziam em meio aos mares
azuis. Camadas de nuvens brancas cobriam certos
trechos de terra, ocultando os detalhes.
O ser gigantesco com o
rosto de traços quase humanos
bateu com a mão grosseira
num botão. Imediatamente
outra tela iluminou-se. O rosto
de outro superpesado surgiu
na mesma.
— O que deseja Topthor?
— Dizem que é ali, no
planeta número três do
sistema, não é? Que coisa
estranha! Só hoje ficamos
sabendo...
— Costumam ser
chamados de terranos —
completou o outro. — Só
praticam a navegação espacial
de poucos anos para cá e já
querem estragar nossos
negócios. Estão mantendo
relações comerciais com dois
sistemas solares.
— Sei Grogham. As
mensagens radiofônicas de
nossos irmãos foram bastante
claras. Pelo que me lembro, Orlgans e Etztak trocaram
relatórios minuciosos, e tivemos oportunidade de
ouvir os mesmos. É bem verdade que não pediram que
lhes prestássemos socorro, mas as leis de nosso povo
não proíbem nossa intervenção, desde que a mesma
não cause prejuízo a outro grupo de mercadores.
Conversavam em intercosmo, a língua universal
pela qual costumavam comunicar-se as raças de
astronautas do Império. Grogham passou a mão pela
barba, que o fazia parecer mais velho do que
provavelmente era.
— Pelos últimos relatórios, Orlgans e Etztak estão
ocupados em capturar o encarregado do terrano Perry
Rhodan, que se entrincheirou num planeta gelado, a
cerca de trezentos anos-luz daqui. Por que não vamos
aproveitar o tempo para dar uma olhada por aqui?
Afinal, o planeta número três é a causa de toda
agitação. Talvez possamos fazer um bom negócio.
De um instante para outro, Topthor assumiu uma
atitude fria.
Personagens Principais deste episódio:
Perry Rhodan — Comandante da
Stardust-III e chefe da Terceira Potência.
Reginald Bell — Cujos favores vêm
sendo solicitados por uma grande estrela
do cinema.
Topthor e Grogham — Dois
mercadores do clã dos superpesados.
“Ele” ou “Aquilo” — Um ser incorpóreo
que às vezes pode tornar-se bastante
tangível.
Cadete Redkens — Que recebe um
autógrafo.
Laar, Regoon, Gorat e Nex —
Condenados a um milhão de anos de
solidão, num mundo sem estrelas.
40
— Aqui não se fazem negócios, Grogham. Aqui
não! Até parece que o senhor ainda não compreendeu
que, pela primeira vez, nos vemos diante de uma
concorrência mais séria. No curso de um decênio o tal
do Rhodan transformou este planeta subdesenvolvido
numa potência interestelar. Suas naves atacam-nos.
Com isso declarou a guerra contra nós, os saltadores.
Por quê? Apenas porque tentamos olhar suas cartas.
— Nós não — retificou Grogham em tom um
pouco pedante — mas Orlgans. Foi ele que aprisionou
duas naves de Rhodan, para interrogar seus ocupantes.
Será que isso representa um ato amistoso?
— Silêncio! — berrou Topthor. E quando esse
colosso de meia tonelada berrava até mesmo as telas
de naves distantes tremiam. Por isso não era de
admirar que Grogham se assustasse. Afinal, era
apenas o comandante de uma das naves pertencentes à
frota mercante e de guerra de Topthor. — Acha que
estou interessado em futilidades desse tipo? Acha que
realizei um vôo tão longo apenas para intrometer-me
nos negócios de outros clãs ou até vir em auxílio dos
mesmos? Se pudermos auferir algum lucro, não tenho
nada a opor. Acontece que por enquanto nem Orlgans
nem Etztak solicitaram auxílio. E um auxílio não
solicitado não costuma ser pago.
Grogham parecia desorientado.
— Se é assim, por que viemos para cá, Topthor?
Não me lembro de que alguma vez o senhor tenha
feito qualquer coisa sem um motivo.
— A observação é muito inteligente — elogiou-o
Topthor, que se sentia lisonjeado. — Nunca faço coisa
alguma em troca de nada. Também desta vez não
estou fazendo. Acompanhei atentamente as
informações de nossos robôs de espionagem, já
desativados, e as mensagens transmitidas por nossa
estação instalada na lua Titã. Rhodan não estará em
condições de enfrentar Etztak, se este se lembrar de
chamar nosso grupo ou outras unidades de combate.
Ainda não o fez porque isso custaria dinheiro. Por isso
Rhodan pretende conseguir as armas de que precisa
para vencer o inimigo, especialmente Etztak. Onde
pretende conseguir essas armas? Grogham não sabia.
— Eu sei! — exultou o comandante da frota. — É
bem verdade que todo mundo se mostra bastante
cético ao falar no planeta da vida eterna. Apenas
correm boatos a respeito de sua existência, mas
ninguém sabe se a lenda tem um fundo verdadeiro.
Quanto a mim, estou inclinado a admitir algumas
gotas de verdade em toda e qualquer lenda, inclusive
nesta.
— O planeta da vida eterna? — murmurou
Grogham, incrédulo. — Já ouvi falar a respeito.
Dizem que percorre sua órbita imprevisível em algum
ponto na amplidão do espaço, mas até agora ninguém
o encontrou. É um belo conto de fadas.
— Conto de fadas coisa alguma! — berrou
Topthor, furioso. — O senhor acredita que esse
Rhodan correria atrás de um fantasma quando sua
existência está em jogo? Tenho informações seguras
de que sabe onde fica esse planeta legendário.
Conhece a posição do mesmo. E pretende ir para lá
em busca de novas armas. Se conseguir, nossa posição
dominante na galáxia terá chegado ao fim. Mas se
chegarmos antes dele, faremos o melhor negócio de
nossa vida.
— Será que Etztak tem conhecimento das
intenções de Rhodan?
— É claro que tem, mas é um idiota tal qual o
senhor: não acredita na existência do planeta
misterioso. Acha que é mais importante pegar esse
funcionariozinho de Rhodan, o tal do Tifflor, que se
escondeu naquele planeta de gelo. Bem, sou mais
inteligente que Etztak.
Grogham não contestou essa afirmativa.
— No momento não estou interessado em Etztak,
nem nas táticas desenvolvidas pelo mesmo —
prosseguiu Topthor. — Nossa missão consiste apenas
em vigiar Perry Rhodan, esse indivíduo extraordinário
que conseguiu arrebatar os segredos que os arcônidas
guardavam com tanto cuidado. Bem que esse
terraqueozinho me impressiona. Mas não me posso
deixar levar pelo sentimento; afinal, o objetivo final
dele consiste em romper nosso poder. Se a ordem
voltar a reinar no reino dos arcônidas, não seremos
mais os únicos que fazem os negócios, e a exploração
dos mundos recém-descobertos terão chegado ao fim.
— As informações recebidas dizem quando deve
decolar?
— Quem? Rhodan? Pois é justamente isso, não
sabemos. As informações que recebemos são antigas,
ou melhor, relativamente antigas. O fluxo de
comunicações foi interrompido quando, numa ação
em grande escala, Rhodan conseguiu pôr fora de ação
nossa estação retransmissora, ou melhor, a de Etztak.
Só fomos informados de que Rhodan procurará visitar
o planeta da vida eterna. E o mais importante da
história é isto: procurará visitá-lo mais uma vez. Dali
se conclui que já esteve lá, motivo por que deve
conhecer sua posição.
A barba de Grogham tremia de forma bem visível.
Seus olhos arregalaram-se.
— Já esteve lá? — respirava pesadamente. — Por
todos os deuses do universo e por todos os mercados
da Galáxia...
— Então? — exultou Topthor. — Agora a
conversa já é outra, não é? Não estamos seguindo
nenhuma pista errática, mas corremos atrás de uma
realidade. Aliás — disse, mudando de assunto de um
instante para outro — ainda não há notícias das outras
naves?
— Estão estacionadas do lado oposto do sistema, a
trinta anos-luz do ponto em que nos encontramos. Por
enquanto não observaram a decolagem de qualquer
nave terrena. E não houve nenhuma transição.
Topthor acenou com a cabeça; parecia satisfeito.
— Isso é importante. As transições acabarão
traindo Rhodan. Nossos rastreadores de estrutura
espacial permitem observar e calcular qualquer
movimento que se realize no plano existencial da
quinta dimensão. Basta acompanharmos as transições
e, se tivermos bastante sorte, rematerializaremos nas
imediações do lugar em que Perry Rhodan e suas
naves regressarem ao espaço normal.
— É um plano muito bem concebido — confessou
Grogham. — Tomara que a espera não seja muito
demorada.
41
— Nem que demore anos — retrucou Topthor em
tom mordaz. — De qualquer maneira compensará. O
planeta da vida eterna! O que significam alguns anos
perdidos diante dele?
Mais uma vez Grogham ficou sem resposta.
Num silêncio total, as oito naves continuaram a
percorrer seu caminho em torno do Sol, esperando que
algum terrano deixasse o planeta Terra e o Sistema
Solar. Formavam uma barreira que não poderia ser
rompida sem pôr em alarma os ultrassensíveis
aparelhos de observação.
Sem que o soubesse, a Terra se transformara no
centro de um cinturão de defesa intergaláctica.
E esse cinturão tinha tempo de sobra; poderia
esperar...
Acontece que Perry Rhodan não tinha muito
tempo.
Aquilo que conseguira evitar durante um decênio
acabara de acontecer. A raça mais poderosa do Grande
Império dos arcônidas tivera sua atenção despertada
para a Terra. O tempo do isolamento salvador e da
anonimidade benfazeja havia chegado ao fim.
Justamente os saltadores, os mercadores galácticos,
foram descobrir a Terra!
A primeira batalha havia sido ganha. Todos os
robôs de espionagem de que os saltadores se valeram
na Terra e no sistema solar foram postos fora de ação.
Num ataque-relâmpago, Rhodan conseguira destruir a
estação de rádio instalada em Titã. Mas a luta ainda
não estava decidida. No distante sistema da estrela
gêmea de Beta-Albíreo, a trezentos e vinte anos-luz da
Terra, os cruzadores pesados Terra e Solar System
estavam em luta contra a frota mercante armada de
dois comandantes dos saltadores, Orlgans e Etztak. No
segundo planeta do sistema, formado por um mundo
de gelo primitivo, o cadete Julian Tifflor e seus
companheiros persistiam em suas posições e
aguardavam a libertação. Gucky, o pequeno rato-
castor dotado de faculdades extraordinárias, estava
com eles. Talvez conseguissem reter os saltadores e
desviar sua atenção de Rhodan, até que este
conseguisse as armas necessárias para expulsar os
intrusos de uma vez por todas.
Por isso não se podia dizer que a situação fosse
brilhante no momento em que o gigantesco couraçado
Stardust-III, uma nave esférica de oitocentos metros
de diâmetro, corria vertiginosamente em busca do
ponto de transição.
Perry Rhodan se sentia nervoso.
O fato deixou Reginald Bell bastante contrariado.
— Gostaria de saber por que você se preocupa
tanto, chefe — disse o amigo para alegrá-lo. — As
coisas estão correndo muito bem. Não precisamos
preocupar-nos com Gucky e Tiff; eles darão seu jeito.
Quanto a Nyssen...
— A tarefa do major Nyssen não é fácil —
ponderou Rhodan em tom sério. — Os dois
cruzadores comandados por ele sabem o que devem
fazer, mas não sei por quanto tempo aguentarão essa
história de voar constantemente para realizar ataques
simulados. E há um ponto ainda mais delicado. Os
saltadores são uma raça inteligente, e ninguém sabe
quanto tempo levarão para perceber que apenas
pretendemos detê-los.
— Por que esses seres são chamados de
saltadores? São iguais a nós.
— É porque não possuem uma verdadeira pátria:
saltam com suas naves mercantes de um sistema solar
a outro. Também são chamados de mercadores, mas
acho que o nome de saltadores é mais apropriado,
porque acentua sua condição de apátridas.
Bell olhou para a tela. Júpiter, o planeta gigante,
deslocou-se para fora do campo de visão.
Desenvolvendo uma velocidade próxima à da luz, a
Stardust-III corria em direção ao ponto de transição
situado além da órbita de Plutão.
— Ainda demorará muito?
Rhodan franziu a testa.
— Você tem um talento inigualável para exprimir
os problemas mais complexos através de perguntas
simples, meu amigo. Ainda demorará muito? Pois é
isso que me deixa mais louco em toda a história.
Receio que no momento não possa dar resposta à sua
pergunta. Você deve estar lembrado de que já
estivemos no planeta da vida eterna e, quando
regressamos à Terra, quatro anos e meio se haviam
passado. O planeta Peregrino constitui o produto
artificial de um superser, e sua existência desenvolve-
se num plano temporal diferente do nosso. De
qualquer maneira, precisamos ir até lá para obter uma
nova arma que nos permita expulsar os saltadores. O
que acontecerá se retornarmos depois de um ou dois
anos, mesmo que em nossa opinião, só tenhamos
permanecido poucos dias no Peregrino?
Um sorriso pálido passou pelo rosto largo de Bell.
Seu cabelo ruivo em escovinha não fez o menor
esforço para, num gesto de protesto, libertar-se da
brilhantina que o prendia, conforme era seu costume.
Fez um gesto de desprezo com a mão grossa.
— Por que iria acontecer uma coisa dessas?
Pediremos àquilo que compense a diferença de tempo.
Por um instante Rhodan parecia perplexo, mas
logo deu de ombros.
— Acho que aquilo vai mandar-nos para o inferno.
Aquilo era o ser incompreensível abrigado pelo
planeta Peregrino. Representava a união de um povo
muito antigo. Encerrava em si bilhões de seres vivos,
que renunciaram voluntariamente aos seus corpos.
Poderia ser comparado com um ser energético que
encerrasse em si a inteligência de toda a Humanidade.
Aquilo — um milagre de início incompreensível, que
só começava a ser compreendido quando a pessoa se
desse conta do fato de que, apesar da sua infinita
superioridade, possuía uma boa dose de senso de
humor.
— Por quê? — objetou Bell. Desta vez manteve-se
sério. — Afinal, você sempre se deu bem com ele,
tanto por ocasião da primeira visita como da segunda,
que só durou alguns minutos. Por que não nos
prestaria o favor de eliminar só por uma vez o tal do
fator tempo?
Meio distraído, Rhodan comprimiu um botão.
Uma pequena tela iluminou-se. O rosto de um homem
surgiu na mesma. Pertencia a um telegrafista.
— Pois não.
— Envie pelo hiper-rádio uma mensagem
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destinada ao major Nyssen. Posição: sistema Beta-
Albíreo, a trezentos e vinte anos-luz. As coordenadas
já são conhecidas. O texto será codificado. O teor da
mensagem é o seguinte...
Refletiu por alguns segundos e prosseguiu:
— Para os cruzadores Terra e Solar System.
Mantenham posições a todo custo sem arriscar as
naves. Os saltadores têm de ser mantidos afastados da
Terra. Avisarei assim que retornar do Peregrino.
Tempo de ausência desconhecido. Rhodan.
O telegrafista confirmou com um aceno de cabeça.
— Com impulsos cruzados?
— Evidentemente. E logo.
Bell viu que o rosto na tela foi se desvanecendo
aos poucos, transformando-se numa série de espirais
coloridas, que se tornavam cada vez mais apagadas até
desaparecerem de todo.
— Tomara que ninguém pegue o sinal —
murmurou em tom preocupado.
— Pouco importa que o façam — tranqüilizou-o
Rhodan. — Não faz mal que Etztak saiba que
mantemos contato com as nossas naves. De qualquer
maneira não conseguirá decifrar a mensagem.
— Não estava pensando nisso, chefe. Mas pode
acontecer que haja naves dos saltadores por perto, e
que estas nos localizem pelo goniômetro...
O rosto de Rhodan tornou-se mais pálido.
Compreendeu imediatamente o raciocínio de Bell. Se
alguém conhecesse o ponto de transição e se grudasse
atrás deles, não era impossível que conseguisse segui-
los. Com os instrumentos de localização
ultrassensíveis e os rastreadores estruturais o problema
não seria insolúvel. Mas acabou sacudindo a cabeça.
— Destruímos as instalações automáticas de
espionagem que os saltadores haviam instalado no
sistema solar. E não têm outras naves neste setor do
espaço.
Nem ele nem Bell sabiam da existência dos
chamados superpesados. Muito menos tinham
conhecimento do fato de que justamente esse clã
belicoso estava empenhado em descobrir através deles
o planeta da vida eterna. Pela primeira vez Rhodan
cometeu o erro de subestimar um inimigo. Era bem
verdade que sabia que nunca conseguiria vencer os
saltadores com os recursos convencionais, pois a raça
era muito antiga e experimentada. Através dos
negócios de troca realizados com quase todos os
mundos habitados da Via Láctea, conseguiram
apoderar-se de todos os tipos de armas que existiam.
Nem mesmo um Perry Rhodan poderia enfrentar um
inimigo destes. Ainda não.
Ainda acontecia que Rhodan estava bastante
nervoso. A insegurança que sentia face à peça que o
deslocamento temporal poderia produzir em seus
planos deixou-o intranqüilo e imprudente. O conselho
de Bell, segundo o qual deveria pedir uma
neutralização da diferença entre os dois planos
existenciais afinal não passara de um conselho. Se
aquilo daria ouvido ao pedido já era outra questão.
Seus pensamentos sombrios foram interrompidos
por um zumbido. Um relé ligou-se, estabelecendo uma
ligação automática entre a sala de comando e a de
telegrafia. A confirmação de Nyssen acabara de
chegar sob a forma de um impulso que durou apenas
alguns segundos. Uma vez decodificado o mesmo,
obteve-se este texto:
“Mensagem recebida. Não se preocupe. Daremos
o que fazer aos mercadores. Eles não nos agarrarão.
Esperamos que a Stardust-III não demore em chegar
ao sistema de Albíreo. Até lá agüentaremos. Nyssen.”
Rhodan não parecia se sentir aliviado. Agradeceu
ao pessoal da sala de telegrafia e ligou o
intercomunicador, que levou sua voz a todos os cantos
da gigantesca nave. Disse o seguinte:
— Sala de comando à tripulação. Dentro de cinco
horas chegaremos ao ponto de transição situado além
da órbita de Plutão. Meia hora antes da transição terá
início a contagem regressiva, minuto a minuto. É só.
— Faltam cinco horas! — gemeu Bell num pavor
esquisito. — E isso apesar da velocidade da luz.
Rhodan sorriu, mas desta vez seu sorriso não foi
tranqüilizador como costumava ser.
— Acontece que a luz é muito lenta, Bell.
* * *
Topthor ergueu seu vulto gigantesco quando
Grogham o chamou. A barba ruiva do companheiro
tremia de excitação na tela que tinha diante de si.
— Topthor, nossos instrumentos constataram a
presença de um gigantesco veículo esférico, que se
dirige para fora do sistema. Suas dimensões são
assustadoras...
— É a nave principal do tal do Rhodan — disse
Topthor com um aceno de cabeça, sem mostrar-se
muito impressionado. — Quer dizer que está na hora.
Como conseguiram localizá-la?
— Através de uma mensagem de rádio.
Constatamos a direção: Beta-Albíreo. Não
conseguimos decifrá-la. Deve tratar-se de alguma
informação destinada às forças que estão estacionadas
naquele setor.
— Etztak que brigue com essas forças, Grogham.
Quanto a mim, só estou interessado em Rhodan e no
objetivo ao qual se dirige. Segui-lo-emos a uma
distância segura. Ligue as barreiras de localização
para que não perceba nossa presença. Assim que se
realize a transição, calcule o local e a intensidade do
abalo estrutural do espaço. Segui-lo-emos num salto
de igual intensidade. Se tudo der certo, deveremos sair
da quinta dimensão a uma distância máxima de um
ano-luz de Rhodan. Entendido?
— Tudo entendido — confirmou Grogham,
interrompendo a ligação.
Topthor deixou-se cair novamente na poltrona e
acompanhou os acontecimentos na tela. De início viu
uma esfera minúscula, que saía do sistema solar à
velocidade da luz. Passaria a meia hora-luz da frota
dos superpesados que se mantinha à espreita. As
barreiras de localização teriam que ser ligadas. Com
isso, a pequena frota de Topthor se tornaria invisível
aos instrumentos de Rhodan.
Os três minutos transformaram-se em horas. A
Stardust-III passou pelas oito naves em forma de rolo
compressor e saiu para o espaço interestelar. A
transição poderia ser realizada a qualquer momento.
Topthor mandou seguir nova rota. Acompanharam
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a Stardust-III numa distância bem calculada, que
oferecesse a necessária segurança, e aguardaram a
transição que decidiria tudo... e tudo revelaria.
A mesma foi realizada depois de mais duas horas.
Nas telas normais seguiu-se um ligeiro tremeluzir.
Após isso, a gigantesca nave desapareceu como se
nunca tivesse estado no lugar.
Os rastreadores estruturais captaram o abalo que
atravessava a estrutura espaço-temporal a velocidade
superior à da luz e mediram a intensidade do mesmo.
Os instrumentos produzidos por uma tecnologia
inacreditável começavam a funcionar. Dali a dez
minutos ofereceram o resultado. Grogham anunciou-o
com certo orgulho.
— Intensidade de 467,00958 unidades-salto.
Direção constante. Distância de 1.603,18 anos-luz,
mais ou menos 0,661. Tem alguma ordem,
comandante?
— Vamos à transição. Imediatamente!
As mensagens de rádio correram pelas oito naves.
Os relés estalaram. Os propulsores trabalharam com
uma potência maior. A distância que separava Topthor
do ponto em que a Stardust-III iniciara a transição
teria que ser incluída nos cálculos.
Depois...
Um tremeluzir no lugar em que se encontravam as
oito naves... e nada mais.
A frota de Topthor arriscara o salto para o
desconhecido.
O abalo produzido pela transição multiplicada por
oito correu pelo universo.
* * *
Ao sentir as primeiras dores, depois de recuperar a
consciência, Rhodan percebeu que a transição fora
bem sucedida. Perto dele, Bell tremia, e examinou as
juntas, para verificar se as mesmas haviam voltado aos
seus lugares. Sempre receava que, numa transição
dessas, poderia haver uma pane em virtude da qual seu
nariz reaparecesse em outro lugar.
— Está tudo aí? — perguntou Rhodan em tom
irônico. Não participava dos temores secretos do
amigo, mas em compensação tinha outras
preocupações. — Tomara que consigamos encontrar o
Peregrino.
O problema era este. O planeta artificial do
superser era invisível a qualquer instrumento de
localização e não podia ser localizado por meio da
goniometria. Se não desse sinal de sua presença,
nunca seria encontrado, a não ser por puro acaso. E
Rhodan não gostava de confiar no acaso.
O planeta Peregrino descrevia uma órbita elíptica,
levando dois milhões de anos para percorrê-la.
Contornava cerca de trinta sistemas solares, que
ficavam praticamente em linha reta. Dois deles
formavam os focos da elipse. E o fato de que
justamente o sistema solar terrestre era um desses
focos deu muito que pensar a Rhodan. Em outra
oportunidade verificaria o outro foco. Desconfiava
que uma surpresa o aguardava naquele ponto.
Embora soubesse que isso não adiantaria nada,
mandou pôr em funcionamento o instrumental comum
de localização. Um olhar para a tela revelou-lhe que a
Stardust-III se encontrava num setor da Via Láctea em
que não havia estrelas. Num raio de cinqüenta anos-
luz não havia nenhum sol. A uma distância muito
grande estavam as inúmeras estrelas, irradiando sua
luminosidade tranqüila, como que esperando. Não
piscavam; pareciam ser os inúmeros olhos de um
monstro incomensurável.
O quadro fora o mesmo tempos atrás, quando
Rhodan se dirigira pela primeira vez ao planeta da
vida eterna a fim de receber a ducha celular que
deteria o processo de envelhecimento por seis
decênios. Não havia nenhuma indicação de que, nas
suas proximidades, descrevia sua órbita um planeta
artificial, onde vivia aquilo. Aquilo, cuja pista Rhodan
acompanhara pelo tempo e pelo espaço a fim de
descobrir o segredo da imortalidade. Bem, o segredo
continuou a ser um segredo, mas aquilo lhe oferecera
a dádiva do prolongamento da vida, já que conseguiu
solucionar todos os enigmas. Também Bell foi
atingido pelo fenômeno, e ao menos pelos próximos
sessenta anos, ele não teria de preocupar-se para evitar
o branqueamento de sua linda cabeleira ruiva.
Naquela oportunidade jamais teriam descoberto o
planeta que, invisível aos olhos, descrevia sua órbita
bem perto deles, se o mesmo não tivesse revelado sua
presença. Subitamente alguma coisa monstruosa
materializou-se num dos grandes pavilhões da
Stardust-III. Tiveram que recorrer a todos os recursos
fornecidos pela tecnologia para reduzir a coisa à
impotência. E o ser incompreensível apenas soltara
uma gargalhada homérica, como se tudo não passasse
de brincadeira. Rhodan logo compreendera que
realmente era assim.
Mas compreendera mais uma coisa. Aquilo
teleportara o monstro para o interior da nave por meio
de um transmissor fictício de matéria. E foi justamente
por isso que resolveu retornar ao planeta Peregrino.
Pretendia pedir àquilo que colocasse à sua disposição
um desses TFM ou, se possível, dois. Não poderia
haver uma arma mais perfeita.
— Encontraremos o Peregrino — disse Rhodan,
para espantar as dúvidas de Bell. — Mas não sei
quando.
Lembrou-se de como lhe falara da outra vez. Fora
uma palestra amistosa.
Velho amigo — era assim que costumavam
chamar-se. Afinal, aquilo tinha senso de humor.
— Anuncie o alarma número três. É bem possível
que iniciemos com algumas brincadeiras mais rudes.
Bell acenou com a cabeça e dirigiu-se à sala de
telegrafia para tomar as providências necessárias.
Rhodan ficou só na grande sala de comando. Parado,
fitava distraidamente a tela, que não mostrava nada
além das estrelas distantes. Não havia o menor sinal
do Peregrino, do planeta da vida, onde residia aquilo,
sentindo um tédio terrível em virtude de sua
imortalidade.
— Olá, querido! Rhodan quase teve um colapso.
Era claro que havia moças e mulheres entre os
quinhentos tripulantes da nave, mas não se lembrava
de ter mantido relações íntimas com qualquer uma
delas. Todas viam nele apenas o comandante, um
comandante duro e bem-humorado, mas sempre
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distante. De repente...
Virou-se e contemplou o rosto de uma mulher.
Não sabia por quê, mas aquele rosto lhe parecia
familiar. Já devia tê-lo visto antes.
— Que é isso, querido? Não me conhece mais?
A voz era amável e sugestiva, atraente e
provocadora. O rosto não era inocente, mas possuía
certo encanto ao qual nem mesmo Rhodan conseguia
fechar-se. Sabia que não se encontrava diante de um
ser humano, mas de uma imagem material-intelectual
do ser imortal.
— Olá, madame — disse, acompanhando o
gracejo do grande ser. — Acredito que tenha vindo a
pedido de meu amigo. Faça o favor de sentar.
— Para que tanta cerimônia, querido?
Aproximou-se dele e enlaçou seu pescoço com os
braços finos. Rhodan sentiu o calor de seu corpo; era
incapaz de mover-se. Parou estarrecido e aspirou o
perfume da bela mulher. A mesma usava um vestido
que parecia consistir unicamente num envoltório
antigo.
— Hum — fez Rhodan, pigarreando
desajeitadamente. Não tinha muita experiência no
trato das mulheres, ainda mais de mulheres que nem
sequer existiam. Mas a proximidade dessa figura
corpórea era tão real como a do monstro terrível que
tempos atrás sentira perto de si. De qualquer maneira,
aquilo havia modificado sua tática, passando a utilizar
mulheres em vez de monstros. Era um avanço
considerável... conforme as circunstâncias.
— Então? — disse a bela com um sorriso tentador.
— Acho que você não vai muito ao cinema, não é?
— Vou raras vezes — confessou Rhodan.
De repente soube quem era a pessoa que aparecera
na sala de comando, vinda do nada. O imortal
pesquisara sua memória e ali fora descobrir a
impressão fugaz causada por um filme há muito
esquecido... e materializara a mesma. Era por isso que
tinha a impressão de conhecer aquela mulher.
— Perry! — disse esta subitamente e abraçou
Rhodan com tamanha força que o mesmo não pôde
esboçar qualquer gesto de defesa, embora estivesse
firmemente decidido a fazê-lo se acontecesse o que
estava acontecendo. — Você ainda me ama? Naquela
oportunidade você gostou muito de mim, não gostou?
“Ora essa, a mulher nem sequer existe”, disse
Rhodan amargurado de si para si, embora soubesse
perfeitamente que existia. Não era a mesma
personalidade, segundo lhe parecia. Apenas uma
imitação materializada com base em sua memória. Ou
então — e isso também já acontecera — aquilo trazia
a criatura verdadeira da Terra, ou melhor, apenas seu
espírito. E esse espírito bastava para materializar o ser.
Aquilo já fora buscar grupos inteiros do passado da
Terra, trasladando-os para o plano temporal do planeta
Peregrino, onde agiam como se ainda se encontrassem
na Terra.
Fosse como fosse, o calor do corpo da bela estrela
de cinema, cujo nome Rhodan nem conhecia, era
muito real. Procurou defender-se contra a sensação
estranha que começou a apossar-se dele. Lançando
mão de todas as forças que conseguiu reunir, procurou
empurrar a mulher para longe.
Mas enganara-se. A bela tinha forças que lhe
permitiriam derrubar um campeão de boxe. Rhodan
não conseguiu afastá-la um centímetro que fosse. Pelo
contrário. Com o sorriso mais gentil deste mundo,
estreitou-o ainda mais nos braços e beijou seus lábios.
Rhodan talvez tivesse perdoado o gesto, se naquele
momento Bell não tivesse voltado à sala de comando.
Vinha acompanhado de Redkens, um cadete da
Academia Espacial da Terceira Potência. Naquele
voo, trabalhava no setor de navegação da Stardust-III.
Valeria a pena pintar o rosto de Bell naquele
instante. Deu dois ou três passos, antes de
compreender o que os olhos viam. Logo ali, junto ao
painel de controle, seu amigo e mestre Perry Rhodan
debatia-se desesperadamente para não ser beijado por
Cleópatra. Bell também vira o filme e guardava do
mesmo uma lembrança mais precisa que Rhodan.
— Veja! — gemeu em sons inarticulados,
apoiando-se na parede oval. — É a Rallas! É de
enlouquecer.
— Quem? — gaguejou o jovem cadete, com o
rosto vermelho que nem um pimentão.
Era um admirador fiel, embora desesperançado, da
conhecida artista e não acreditou no que estava vendo
quando a encontrou aqui, a mais de mil e quinhentos
anos-luz de Hollywood, nos braços do chefe.
Com um grande esforço, Rhodan conseguiu virar a
cabeça. Seu belo espírito parecia não apreciar a
assistência que acabara de chegar. Furiosa, a figura
por demais real mordeu as pontas das orelhas do
amante rebelde.
Rhodan soltou um grito de susto e deu um pontapé
nas canelas da famosa Rallas. Mas isso não parecia
incomodá-la.
— Querido, eu o amo! — disse ela num sopro.
Bell esteve a ponto de sofrer um ataque. Teve de
fazer um grande esforço para manter-se de pé. Com os
olhos arregalados, contemplou a estranha cena. Nem
se lembrou da possibilidade de que aquilo poderia ser
o primeiro sinal de vida do imortal. Só via a bela
mulher nos braços de Rhodan.
— Você a contrabandeou para dentro da nave? —
disse fora de fôlego. — Bem que poderia ter contado.
— Acho que devemos deixá-los sós — disse
Redkens em tom cortês e dispôs-se a sair. Mas o grito
desesperado de Rhodan deteve-o.
— Não se atreva, cadete Redkens! Liberte-me
desta mulher, depressa!
— É Cleópatra! — retificou Redkens, perturbado.
— Ou melhor, é a divina Rallas...
— Não importa quem seja! — esbravejou Rhodan,
tentando libertar-se do abraço implacável da amante
vinda do nada. — Vamos, ajudem! O que estão
esperando?
Redkens não entendeu uma palavra do que o chefe
estava dizendo. Por que trouxera Rallas, se não a
queria? Nunca pensara que Rhodan fosse capaz de
uma coisa dessas. Todavia...
— Pois vamos — gemeu Bell e pôs-se em
movimento. — Não compreendo mais nada; talvez a
mulher tenha enlouquecido.
Mal tocou o braço da bela Cleópatra, esta soltou
Rhodan, virou-se e fitou o rosto vermelho de Bell.
45
— Bell, meu querido Bell! Venha para os meus
braços, homem amado! — No mesmo instante Bell
viu-se no aperto. — Então é aqui que voltamos a
encontrar-nos.
Os lábios vermelhos da estrela tão distante
comprimiram-se contra os seus, cumprindo um velho
desejo, o de um belo dia ser beijado pela linda Rallas.
Não ofereceu a menor resistência. Deixou que a
mulher fizesse tudo, sem perturbar-se com a
gargalhada homérica que veio ter aos seus ouvidos.
Rhodan, livre por enquanto dos carinhos insistentes da
visitante inesperada, não pôde reprimir o riso quando
viu que Bell, frio como gelo e duro como aço, derretia
literalmente nos braços da Rallas.
O cadete era o único que tinha que achar que o
destino estava sendo injusto com ele. Olhava
alternadamente Rhodan e o par enlaçado, e não sabia o
que pensar da situação.
Finalmente o imortal parecia reconhecer que as
coisas não poderiam continuar assim. Fez com que
Cleópatra soltasse sua vítima.
De uma hora para outra, Bell estava só, abraçando
alguém que não existia mais. O quadro era tão cômico
que Rhodan esqueceu a raiva e pôs-se a rir. Bell abriu
os braços, fechados num grande enlevo, e percebeu
que estava tendo um comportamento ridículo. E isso
na presença de Redkens que, encostado à parede, vivia
gaguejando:
— Um autógrafo! Gostaria tanto de um autógrafo
dela!
— Cale a boca, Redkens! Essa mulher nunca lhe
poderia ter dado um autógrafo. Foi apenas um espírito.
Redkens não acompanhara a primeira viagem ao
planeta da vida eterna, e assim não conhecia as
brincadeiras do ser incompreensível.
— Um espírito? Ora, eu conheço a Rallas...
— Poderia perfeitamente ter sido Colombo —
disse Rhodan. — Mas não me teria assustado como
esta... como é mesmo o nome da mulher?
— Rallas, a divina Rallas — gemeu Redkens,
decepcionado. — Como é que um espírito pode ter um
corpo?
— Um espírito pode tudo — explicou Bell, que
aos poucos se recuperava do choque e começava a
compreender a ilusão em que caíra. — Cria ilusões
materiais em nossa imaginação. Tudo não passa de
uma materialização do pensamento. A lembrança de
certo filme em que figurava a Rallas estava no
subconsciente de Rhodan, e isso bastou para que o
imortal realizasse a imitação perfeita da mesma e a
fizesse materializar diante de nós. É muito simples,
mas tenho que confessar que no primeiro instante caí
na brincadeira.
— Foi um instante bastante comprido — objetou
Rhodan.
Subitamente calou-se. Uma voz soou em seu
cérebro; foi a mesma voz telepática silenciosa vinda
dele, do imortal.
— Ei, amigo — disse aquilo. — Veio visitar-me?
Pelo que vejo tem motivos importantes para isso.
Bem, devíamos conversar prolongadamente a respeito.
Mantenham a rota e a velocidade atual. Precisamente
dentro de três minutos vocês baterão no campo
protetor do Peregrino. Desliguem os propulsores.
Rhodan aguardou outras instruções, mas estas não
vieram. Olhou para Bell.
— Ouviu uma voz?
— Não. Você ouviu?
Rhodan compreendeu que aquilo só se dirigira a
ele. Por estranho que parecesse tudo indicava que
fazia questão de falar quanto antes com Rhodan. Era o
que se concluía da informação sobre a posição exata
do planeta.
— Desligue os reatores! — gritou Rhodan. —
Bell, providencie para que a tripulação se prepare para
uma forte desaceleração. Apesar dos nossos campos
antigravitacionais, haverá uma forte pancada. Dentro
de três minutos atingiremos o campo energético do
planeta Peregrino. Ele nos freará. Depois...
Alguém riu. Foi Redkens. O jovem cadete
permanecia encostado à parede. Segurava na mão um
cartão postal com uma fotografia. Fitava a mesma e
ria até que as lágrimas lhe corressem pela face.
Bell tirou-lhe a fotografia. Olhou-a apenas por um
instante e começou a rir. Sem dizer uma palavra,
passou a fotografia adiante. Rhodan viu uma
fotografia nítida e colorida da dama que há poucos
minutos o comprimira tão energicamente contra seu
busto. Embaixo dela estava escrito em letra delicada:
Ao meu grande admirador Redkens,
com sinceros votos de felicidades.
Rallas.
* * *
As naves espaciais dos saltadores foram
construídas segundo os princípios arcônidas, embora
nem sempre fossem iguais umas às outras. As naves
capitanias de cada clã estavam equipadas com
rastreadores estruturais, que registravam e indicavam
qualquer abalo da estrutura espaço-temporal. A esses
rastreadores estavam acoplados instrumentos que
possibilitavam a localização da causa do abalo e
calculavam a distância que seria percorrida pelo
objeto que causava o abalo estrutural.
Por isso não era de admirar que Topthor e sua frota
retornassem ao espaço normal a menos de cinco
horas-luz da Stardust-III.
Fez a mesma constatação de Rhodan: num raio de
cinquenta anos-luz, não havia o menor fragmento de
matéria perceptível, com exceção da Stardust-III.
Torcendo o rosto, Topthor olhou para a tela. Numa
outra tela Grogham fitava-o tranquilamente.
— Então, onde está o seu planeta de fadas,
Topthor?
O dirigente dos superpesados não se abalou. Não
tirava os olhos da Stardust-III. Era importante que a
mesma não saísse do alcance dos olhos e dos
instrumentos...
— O senhor acreditava que ele estaria logo diante
do nosso nariz? Rhodan tomará suas precauções. Se
não estou enganado...
Interrompeu-se.
Uma coisa muito estranha aconteceu na tela
principal, na qual se via a imagem da Stardust-III.
A nave Stardust-III era uma esfera de oitocentos
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metros de diâmetro, e uma das metades dessa
gigantesca esfera começou a desaparecer. Até parecia
que por lá, a cinco horas-luz do ponto em que se
encontravam, estava ocorrendo um eclipse da lua. Foi
tudo muito rápido. Uma das metades da Stardust-III
desapareceu em dois segundos, enquanto a outra
metade levou dez segundos para desaparecer. O
processo de desaparecimento era mais lento na fase
final.
Topthor não encontrou nenhuma explicação para o
fenômeno.
— Caramba! Isso não foi nenhuma transição
normal — disse um tanto perplexo. — Não houve o
menor abalo no ambiente. Nem chegou a ser qualquer
espécie de transição. Alguma coisa devorou a nave de
Rhodan.
— Devorou a nave? — gaguejou Grogham. Seu
rosto foi se tornando pálido. — O que quer dizer com
isso?
O alarma tomou conta da nave de Topthor. A frota
preparava-se para uma transição ligeira de cinco
horas-luz. Quando voltou a materializar-se o espaço
em torno dela estava vazio. Os instrumentos não
indicavam a presença de qualquer objeto num raio de
cinco anos-luz. Logo, a Stardust-III deixara de existir
e isso era totalmente impossível. A matéria poderia ser
tornada invisível, mas ninguém poderia fazê-la
desaparecer de vez. Ao menos isso não poderia ser
feito sem uma transição normal, e esta teria sido
registrada pelos instrumentos.
O que teria sido feito da Stardust-III?
Topthor não encontrou resposta. Pela primeira vez,
viu-se diante de um problema não resolvido. Ou
melhor, diante de um problema praticamente
insolúvel. Conseguira seguir Rhodan por uma
distância superior a mil e quinhentos anos-luz, e agora
esse terrano se transformara pura e simplesmente
numa porção de vácuo. Alguma coisa não estava certa.
Grogham acenou com a cabeça:
— Se ele desapareceu neste lugar, terá que
ressurgir no mesmo. Apenas precisamos de paciência
para esperar.
— Foi o que eu pensei — murmurou Topthor,
indignado. — Vamos nos preparar para uma longa
espera. Temos tempo.
— Posso permitir uma pausa de descanso à
tripulação? — perguntou Grogham.
Topthor fez que sim.
— Ordene aos comandantes das outras naves que
façam uma pausa para dormir. Não acredito que nas
próximas horas aconteça qualquer coisa.
Topthor estava enganado. Mas não poderia
imaginar que para seus homens não haveria mais
tempo... para adormecer.
2
Com a metade da velocidade da luz, a Stardust-III
precipitou-se sobre o campo energético em forma de
abóbada que cercava o planeta artificial Peregrino. De
um instante para outro, os velocímetros caíram para
zero.
Apesar dos campos de neutralização, um forte
abalo sacudiu a nave. As pessoas que não haviam
colocado os cintos de segurança foram atiradas de um
canto para outro. Felizmente, Rhodan, que aguardava
o choque, tomara suas precauções. Por isso não houve
feridos.
Num espaço de doze segundos, a Stardust-III
atravessou o céu artificial do Peregrino... e depois
viram o planeta diante de si.
Era um mundo cheio de milagres. Ali se reunia
tudo que pudesse ser encontrado nos mundos
habitados da galáxia. As paisagens, onduladas com os
cursos d’água que deslizavam tranquilamente,
alternavam com os amplos mares salpicados de ilhas
deslumbrantes. Os continentes estavam cobertos de
florestas que pareciam parques. No meio delas, havia
gigantescas estepes, habitadas pelos animais mais
estranhos. Montanhas alcantiladas interrompiam o
quadro, proporcionando a necessária mudança. Os
ares eram percorridos por pássaros primitivos em
forma de dragão.
Esse mundo era um verdadeiro paraíso.
Mas não era um mundo normal. Era plano. O
planeta Peregrino não era um planeta na acepção
comum do termo, mas um gigantesco disco com um
diâmetro de oito mil quilômetros. Por cima dele
erguia-se a abóbada energética, em cujo ponto mais
alto brilhava um sol atômico artificial, que dava calor
e vida àquele mundo estranho.
Ao chegar à cúpula de observação da nave,
Rhodan mandou abrir as escotilhas metálicas. Bell
estava com ele. Mais uma vez o milagre inconcebível
do imortal abalou-os até as profundezas da alma.
Enlevados, contemplaram a paisagem que desfilava
diante deles.
— Está gostando, amigo?
A voz do inconcebível quase chegava a ser ouvida
fisicamente no interior do recinto. Até parecia que não
se comunicava com eles apenas por via telepática, mas
que realmente lhes falava. Rhodan sorriu
tranquilamente.
— É um planeta admirável e pacífico, meu caro
amigo. Você acaba de criar um paraíso que causará
inveja a qualquer mortal.
— Não são apenas os mortais, mas também os
imortais que me invejam — sorriu Aquilo muito
alegre.
Perguntou depois:
— Você veio para visitar-me?
— Vim fazer-lhe um pedido — confessou Rhodan,
sem tirar os olhos daquela paisagem de conto de fadas.
— Você deve saber o que quero.
— Não faço a menor ideia — mentiu aquilo. —
Como poderia saber? Não costumo fuçar nos
pensamentos mais recônditos dos meus amigos.
— Que mentira! — protestou Bell, que se lembrou
da Rallas, que lhe fora tirada tão abruptamente. —
Posso provar...
— Ah, é nosso amigo Bell — disse o interlocutor
invisível. — Está aborrecido com a bela imitação?
Pois bem, vamos dar-lhe uma alegria. Hoje de noite
47
vou contrabandeá-la para dentro de seu camarote.
— Não se atreva! — berrou Bell, assustado.
Não temia tanto a Rallas como os risos dos
tripulantes. Seu rosto vermelho adquirira uma estranha
palidez. E tornou-se ainda mais pálido quando aquilo
soltou uma ruidosa gargalhada. Aquilo estava em toda
parte, e por isso também podia ver o rosto assustado
de Bell.
— Uma mulher bonita é muito mais interessante
que um índio ou um pistoleiro do faroeste — disse a
voz em tom divertido, aludindo às reminiscências a
que tivera que recorrer por ocasião da primeira visita
de Rhodan, para desviar os terranos de seu objetivo.
— Aliás, mantenha a rota, amigo. Pouse novamente
perto da cidade das máquinas. Não sofreu grandes
alterações. Você não terá dificuldades em encontrar o
grande pavilhão, onde estarei à sua espera. Homunk o
guiará.
Rhodan estava perplexo.
— Como soube que chamei o robô de Homunk?
— Que é isso, amigo? Homunk não é nenhum
robô. É um terrano criado por mim, de um pedaço de
matéria supérflua. Gostei dele, e por isso deixei que
continuasse a existir. Até já ficou mais inteligente;
sente-se satisfeito com sua visita.
— Será que você ainda guarda outras surpresas
para nós? — perguntou Rhodan. — Ainda teremos de
enfrentar alguma prova algum enigma?
— Não, amigo. Não tenho nenhum motivo para
isso. Ainda me divertirei a valer.
Quando a voz se calou, Rhodan e Bell tiveram a
impressão de que um homem invisível deixara a sala.
Alguma coisa afastou-se deles. Aquilo se retirou,
deixando-os sós.
Bell suspirou aliviado.
— Que coisa medonha. Nunca me conformarei
com o fato de que um ser destes exista. Aquilo faz
magias, traz os seres de outros planetas e de outros
tempos. Aquilo é potente como...
Rhodan sacudiu a cabeça, num gesto de suave
censura.
— Não, aquilo não é Deus. Não passa de um ser
formado pela fusão de todos os seres de uma raça, e
que por isso mesmo domina todo o saber dessa raça.
Cometeríamos uma blasfêmia se disséssemos que é
Deus. É bem possível que seu saber chegue perto do
de um deus, mas aquilo tem mais senso de humor, e
trata-se de um humor originado exclusivamente no
tédio. Todos os seres imortais sentem tédio.
— Pois eu nunca sentiria tédio, mesmo que vivesse
dez mil anos — disse Bell em tom despreocupado. —
Sempre surgirão novos acontecimentos que distrairão
a gente e nos fazem esquecer que temos tempo
demais. Sempre haverá aventuras que espantarão o
tédio.
— Bell, um ser mortal nunca pode imaginar o que
se passa na alma de um ser verdadeiramente imortal.
Asseguro-lhe que tentei, embora não tenha alcançado
a verdadeira imortalidade. Meu corpo precisa
regularmente da ducha celular vivificadora. Se um dia
não a receber, o processo de envelhecimento voltará a
funcionar. Apesar disso, fiquei refletindo sobre como
devem ser as coisas para quem nunca envelhece. No
primeiro instante senti uma felicidade nunca antes
experimentada; pensei que estivesse livre de todas as
preocupações. Mas isso só aconteceu no primeiro
momento. Logo me lembrei de que a eternidade é
muito longa. Em torno de mim assistirei à alternância
ininterrupta de nascimentos e mortes; enquanto isso,
eu continuaria, sem ser atingido por tais ocorrências.
Os homens verão um deus em mim, e com isso eu
ficaria condenado a uma solidão infinita.
— Você teria companheiros que seriam imortais
como você.
— Teria, sim. Mas ficaríamos cansados um do
outro se nos víssemos eternamente.
Bell não respondeu. Achava que seria uma
banalidade se, a essa altura, asseverasse diante de
Rhodan que nunca se cansaria de sua presença,
mesmo que a mesma durasse uma eternidade.
Contemplou a paisagem que deslizava lentamente lá
embaixo. Os propulsores da Stardust-III emitiam um
zumbido abafado. Acima deles estendia-se um sol
azul-dourado; irradiado pelo sol atômico. Assim que o
mesmo se apagasse, surgiriam as estrelas de uma
galáxia distante e desconhecida, que talvez fosse a
pátria do imortal. Há milhões de anos, as naves de sua
raça, extinta, mas ainda existente, teriam atravessado o
abismo, a fim de encontrar uma nova pátria aqui, na
Via Láctea. Aquilo nunca falara a respeito, mas era
possível que um dia revelasse o grande segredo.
Rhodan também se manteve em silêncio,
contemplando o planeta. Naquele momento estavam
passando por cima de um oceano, cuja superfície lisa
reluzia para eles. Ao que parecia, não havia a menor
brisa que agitasse as águas. No horizonte surgiu um
grupo de ilhas.
— Que mundos teriam servido de modelo ao
trabalho realizado por aquilo? — disse Bell de si para
si. — Às vezes tenho a impressão de encontrar aqui
alguma coisa de nossa velha e querida Terra.
— Deve ser isso mesmo — confirmou Rhodan e
apontou para frente. — Aquelas ilhas lembram as do
Pacífico Meridional. Por ocasião de nossa primeira
visita, vimos uma imitação exata das Montanhas
Rochosas dos Estados Unidos.
Subitamente a voz voltou a soar na sala de
comando. Aquilo devia ter assistido à palestra e
compreendido tudo.
— Você está enganado, meu caro. Não se trata de
reproduções. A Rallas não foi uma imitação no
verdadeiro sentido da palavra. É bem verdade que seu
corpo permaneceu na Terra, no planeta de vocês. Mas
aqui seu espírito recebeu outro corpo; portanto, ela
compareceu em pessoa. O mesmo objeto pode existir
milhares de vezes, desde que seja transferido
sucessivamente para planos temporais diferentes.
Aquelas ilhas, realmente são ilhas da Terra. Mas não
existem na Terra agora, neste instante; existiam há
milhões de anos. Você constatará isso quando pisar
nelas, meu caro. A vegetação não é do nosso tempo,
mas da antiguidade mais remota.
— Quer dizer que você conhece dois tipos
diferentes de reprodução de imagens — observou
Rhodan. — Aquele corpo de mulher permaneceu na
Terra, mas estas ilhas não.
48
— Isso mesmo, amigo. É exatamente como você
acaba de dizer. Acompanhei sua palestra desde o
início. Estou bastante interessado nos problemas
psicológicos da imortalidade. Resolvi todos eles e
identifiquei os motivos do tédio, mas não consigo
vencê-lo. Às vezes tenho vontade de morrer, e um
belo dia acabarei fazendo isso mesmo. Acontece que
esse dia ainda não chegou.
Rhodan sorriu.
— Sua fala até parece muito resignada, amigo.
Onde está seu senso de humor?
— O senso de humor nem sempre se traduz numa
risada. O simples fato de ter concedido o
prolongamento da vida a seu amigo Bell evidencia o
meu senso infinito de humor. Como é que um imortal
não dotado de senso de humor faria viver esse terrano
grotesco por mais tempo que o estritamente
necessário?
Cerca de metade dos cabelos ruivos de Bell
resolveu protestar contra essa constatação, enquanto a
outra metade se mantinha em atitude passiva,
permanecendo na mesma posição. Rhodan sorriu.
— Você tem razão, amigo — disse. — Acontece
que Bell está mortalmente ofendido...
— É justamente aí que está a graça — disse aquilo
com uma risadinha. — Como é que se pode ofender
mortalmente uma pessoa que alcançou a imortalidade
relativa?
— Não vejo nenhuma graça — disse Bell,
contrariado. — E também a história da Rallas;
gostaria de saber onde está o lado humorístico da
mesma.
— Você nunca compreenderá amigo, que é o
segundo em idade — anunciou aquilo satisfeito —
porque não tem senso de humor.
Bell fez uma careta e ficou calado. Rhodan viu que
se aproximavam do continente em que ficava o grande
pavilhão habitado por aquilo. Não demoraria muito até
que a cidade estivesse à vista.
— A cidade continua como antes? — perguntou
Rhodan, que estava convencido de que o imortal
acompanhava seus pensamentos sem cessar. — Não
terei nenhum problema em encontrá-la?
— Encontrar o quê? — perguntou aquilo.
Rhodan ficou tão perplexo que alguns segundos se
passaram antes que dissesse:
— A cidade, ora esta!
— Desculpe — disse Aquilo em tom apaziguador.
Rhodan teve a impressão de que havia uma ligeira
ironia em sua voz. — Estou assistindo à destruição de
um sistema solar a mais de duzentos mil anos de
distância. Há milhões de anos vagou para fora da
galáxia, e os habitantes do segundo planeta tentaram
afastar o mesmo de seu sol a fim de levá-lo para junto
de outro. Seu planeta transformou-se numa
Supernova. Atualmente o sistema tem dois sóis, mas
não tem habitantes.
Rhodan e Bell ouviram-no, esbaforidos. Aquilo
falava em voz tranquila e indiferente, como se
estivesse contando uma história inventada. Contudo,
sabiam que pode ria ser tudo menos isso.
— A destruição durou vários meses, mas como
atravessei os diversos planos temporais, tudo se
desenrolou diante de meu espírito como uma explosão
de poucos segundos. Acontece que apenas cometeram
um erro pequenino. Quase conseguem.
— Quase conseguem o quê? — perguntou
Rhodan, ansioso.
— Quase conseguem retirar o planeta de seu
sistema. Já tinham um sol próprio e um dispositivo
propulsor que levaria seu mundo... mas o que adianta
refletir sobre isso? Aconteceu.
— E não se pode transformar o acontecido em não
acontecido?
Houve um instante de silêncio. Depois a voz
voltou a falar:
— Por que não? Até que seria uma boa
brincadeira. Está vendo aquelas montanhas, amigo?
Você as reconhece?
— São os Alpes — disse Rhodan. — Ao menos é
a impressão que tenho.
— São os Alpes, sim, meu amigo. Atrás deles fica
a cidade que você procura. Mas não vamos perder
mais tempo. Bell ficará só por um segundo. Afinal, o
que é um segundo na vida de um mortal, quanto mais
dum imortal? Rhodan respire profundamente. Você só
soltará a respiração depois de muitas semanas.
Enquanto olhava o calendário automático de bordo
— lendo a indicação 17 de agosto, 22:53 h, hora
terrena — Rhodan sentiu que estava ficando invisível.
Ainda ouviu a exclamação apavorada de Bell:
— O que houve, Perry?! Você está ficando
transparente e...
Depois perdeu a consciência.
* * *
Era tudo bem diferente.
A pequenina nave não precisava de uma transição
regular para reduzir a distância imensa de duzentos
mil anos-luz a um nada. Simplesmente voou por toda
essa distância, a uma velocidade inconcebível.
A nave tinha uma cabina de comando minúscula, e
a disposição dos instrumentos e controles era tão
familiar a Rhodan que ele teve a impressão de nunca
ter entrado em outra cabina. A quantidade enorme de
controles não o deixou perturbado, antes lhe inspirava
muita confiança. A tela oval que se estendia em
semicírculo parecia uma janela aberta para o universo,
através da qual podia lançar os olhos.
Estava só, mas sentia que alguém estava com ele,
alguém que não podia ver. Em algum lugar da nave
encontrava-se o imortal...
— Não estou com você — disse subitamente a voz
já familiar. Desta vez soou verdadeiramente em seu
interior. — Agora sou você. Está compreendendo,
caro amigo? Assumi seu ser físico e passei a existir
dentro de você. Juntos salvaremos um sistema solar,
pois sei perfeitamente como você lamenta o destino
daquela raça que pereceu em algum ponto do
universo, ou vai perecer se não lhe dermos auxílio.
Dentro de dois dias pousaremos no planeta Barcon II,
exatamente três meses antes da catástrofe.
— Como será que tudo isso é possível? — disse
Rhodan num sopro, contemplando a confusão de
estrelas desconhecidas que se deslocavam
vertiginosamente na tela. — O que sou?
49
— Você é eu, meu amigo. E vice-versa. Como
preferir.
— E a Stardust-III?
— Não se preocupe. Você a reencontrará, e não
terá perdido nenhum tempo. Agora temos uma tarefa
diante de nós, uma tarefa desejada por você mesmo.
— Isto é mais uma brincadeira sua, brincadeira
através da qual você quer espantar o tédio.
— É claro que é uma brincadeira, mas uma
brincadeira que salvará um povo. A brincadeira com o
destino é a brincadeira mais bela que ainda me resta.
Rhodan não teve vontade de travar mais uma
discussão sobre a finalidade da vida. Sua inteligência
fria começou a digerir os fatos sem indagar sobre sua
origem. Mas havia alguma coisa que fazia questão de
saber.
— Qual é o tamanho desta nave?
— O tamanho dela? É suficiente para garantir o
espaço necessário para você, os mantimentos e o ar
não precisam de traje protetor. Poderia ter levado você
e a mim a Barcon II em estado incorpóreo, mas assim
é melhor e mais interessante.
— Que mecanismo propulsor é este que nos
conduz a uma velocidade tão tresloucada através do
universo?
— Não se iluda meu amigo. A velocidade só
parece ser muito grande. Estamos voando à velocidade
da luz. Apenas, modifiquei o curso normal do tempo.
Trata-se de um processo que pode ser invertido a
qualquer momento. Na situação em que nos
encontramos cada segundo faz passar pouco mais de
quatro mil anos. Uma vez que nos deslocamos à
velocidade da luz, percorremos em dois dias relativos
perto de duzentos mil anos-luz.
— Isso é uma loucura!
— Pelo contrário. É um fenômeno perfeitamente
normal. Quem domina o tempo transforma-se no
senhor do espaço.
— Mas, se todo esse tempo se passa lá fora, no
espaço, o sol Barcon não existirá mais quando
chegarmos lá. É uma conclusão lógica. Ou será que
não é?
— Seria uma conclusão lógica, se no instante da
partida não tivéssemos dado um mergulho de duzentos
mil anos no passado. Até mergulhamos três meses a
mais, a fim de podermos aguardar o momento
apropriado.
— É uma coisa medonha — confessou Rhodan e
sentiu que um arrepio percorria sua espinha. — Se não
soubesse que você está comigo, teria medo, medo de
verdade.
— Contemple o universo — disse a voz do imortal
dentro dele. — É possível que nunca mais o veja desta
forma. Estamos percorrendo muito mais que um ano-
luz por segundo. É uma velocidade inacreditável.
Mesmo que batêssemos num planeta ou num sol, não
o sentiríamos. Não somos apenas nós que nos
deslocamos; também a matéria que está lá fora se
move a uma velocidade vertiginosa. Ainda acontece
que a probabilidade de tocar num astro é menor que a
de derrubar um mosquito com um tiro de pistola dado
ao acaso. É muito menor.
Rhodan não respondeu. Seguiu o conselho do
imortal, absorvendo o milagre da criação cósmica que
lhe era oferecido. Parecia um sonho. Talvez não
passasse mesmo de um sonho.
A nave mergulhou num mar de estrelas. A lei da
perspectiva fez com que se tivesse a impressão de que
os sóis fulgurantes se concentravam no ponto para o
qual se dirigia a proa da nave. Novos sóis se iam
formando naquele ponto e dali se afastavam em todas
as direções, com velocidade crescente à medida que se
afastavam do centro. Deslizavam para o lado à
velocidade de um ano-luz por segundo para retornar a
outro ponto. Este segundo ponto ficava na direção da
popa da nave.
A grande distância dessas estrelas peregrinas fez
com que se tornassem lentas, umas mais, outras
menos. Assim mesmo todas conservaram sua cor
primitiva. O conhecido fenômeno do arco-íris não se
verificou.
O imortal mantinha-se em silêncio. Talvez
estivesse em outro lugar, vagando pelo universo à sua
maneira. Por um instante Rhodan teve a impressão de
estar só e abandonado. Lembrou-se da Stardust-III e
da missão que a mesma devia cumprir. Lembrou-se de
Bell, à vista de quem desaparecera tão abruptamente.
Lembrou-se de Julian Tifflor, que tinha de permanecer
num mundo estranho, em companhia de Gucky e de
alguns companheiros, até que ele, Rhodan, trouxesse o
auxílio prometido. Todos confiavam nele... nele, que
cruzava o espaço cósmico numa nave maravilhosa e
desconhecida, a fim de prevenir uma raça estranha,
que talvez nem existisse mais.
Sacudiu a cabeça.
— Este meu amigo tem cada ideia esquisita! —
murmurou, olhando para o relógio instalado em meio
às escalas dos instrumentos. Esse relógio indicava o
tempo terrestre. Estavam a caminho há três horas, e
assim já haviam percorrido treze mil anos-luz.
— Essa ideia foi sua, Rhodan — disse o imortal.
Concluía-se que o mesmo não tinha ido embora.
— Eu lhe disse que certa raça foi destruída, e você
falou em salvar a mesma. Apenas quero provar-lhe
que em certas condições é possível influenciar o
futuro. Não há dúvida de que se trata de uma
brincadeira, mas a mesma tem um fundo bastante
sério. É que você ainda se encontrará com a raça que
vai ser salva. Talvez você se arrependa de tê-la
prevenido.
As horas arrastavam-se. Rhodan comeu alguma
coisa e adormeceu. Quando despertou, o quadro que
se apresentava diante dele estava alterado.
O ponto situado na proa apresentava-se com
menos estrelas. Só vez por outra apareciam por ali, e
era cada vez mais raro que passassem ao lado da nave
para mergulhar na escuridão infinita na região da
popa.
Escuridão...?
Só agora Rhodan percebeu que atrás dele não
havia uma escuridão completa. A tela redonda não
reproduzia todo o espaço, mas apenas um setor de
setenta por cento. A popa encontrava-se num ângulo
morto. Assim mesmo aquilo que lhe foi dado
contemplar bastou para fazer com que um calafrio lhe
descesse pela espinha.
50
Olhou para a Via Láctea que ia surgindo aos
poucos.
Em pouco menos de doze horas cruzara a região
periférica da galáxia em que nascera e abandonara o
setor de grande concentração estelar. A pequena nave
do imortal arriscara o salto para o abismo, para o
abismo pavoroso dos milhões de anos-luz que se abria
entre as vias lácteas e que jamais poderia ser vencido
por qualquer raça de seres vivos.
Não poderia mesmo...?
Perplexo, contemplava o quadro que se oferecia
aos seus olhos. A forma típica de uma nebulosa em
espiral desenhava-se nitidamente, vista “de cima”. Um
dos braços luminosos abrigava o sol de seu sistema,
que já se encontrava a mais de cinquenta mil anos-luz.
E esse braço da espiral não passava de uma parte
minúscula da galáxia. Junto à periferia do quadro
galáctico, luziam duas nuvenzinhas, formadas pelas
inúmeras estrelas que se reuniam em grupos esféricos.
Em um desses grupos encontrava-se o império dos
arcônidas.
De repente Rhodan deu-se conta de como o
império dos arcônidas era insignificante em
comparação com a Via Láctea. E o que era a Terra em
comparação com esse império? Apenas um grãozinho
de pó.
Será que o imortal o fizera empreender essa
viagem para mostrar-lhe que ele mesmo, Rhodan, não
passava de uma partícula microscópica em
comparação com o cosmos?
A nebulosa ia diminuindo a olhos vistos.
Afastando-se a uma velocidade bilhões de vez maior
que a da luz, mergulhou no infinito. Ao menos era o
que parecia.
Rhodan voltou a olhar para frente. Ali não havia
nenhuma estrela. Diante da proa da nave o espaço
apresentava-se tão negro como Rhodan jamais o vira.
Era a escuridão absoluta, na qual a luz seria um fator
desconhecido. Só um pouco à esquerda via-se a luz de
uma minúscula mancha apagada. Era necessário fitá-la
por dez segundos para enxergá-la. Era outra galáxia,
situada a milhões de anos-luz.
Mais à direita havia outra. Seu brilho mal
conseguia vencer a escuridão. Era uma pequena
mancha, que corporificava o brilho de bilhões de sóis.
Agora, porém, sua luminosidade não era maior que a
de uma vela que se apagava.
“Mesmo a luz das estrelas é vencida na luta contra
o espaço e o tempo”, pensou Rhodan profundamente
abalado e fechou os olhos.
Quando despertou, oito horas se haviam passado.
O quadro do universo estava inalterado. Doze ou
quinze vias lácteas brilhavam nas mais diversas
direções. Não estavam mais perto, embora Rhodan se
aproximasse delas a uma velocidade de dez trilhões de
quilômetros por hora. E isso há oito horas.
— Escute aí, meu caro — cochichou emocionado.
— Essa brincadeira está indo longe demais. Você me
deveria ter poupado a visão do infinito.
— Por quê? — a voz do imortal invisível parecia
um tanto espantada. — Por que não há de ver o que
está à sua frente? Afinal, todos nós existimos neste
infinito e somos parte do mesmo. Por que não vamos
saber o que somos?
— É demais. Meu raciocínio se recusa...
— Se ele recusa, é porque compreendeu —
interrompeu-o a voz.
Mudaram de assunto, sem afastar-se do objeto da
palestra.
— Já compreendeu por que os barcônidas querem
afastar seu planeta do sol a que pertence?
Compreendeu por que a solidão infinita desse mundo
quase os leva à loucura? Sempre que contemplam o
céu à noite, não veem outra coisa senão galáxias
distantes, que a seus olhos devem ser um símbolo de
uma convivência amistosa, e realmente são. Naquele
lugar, pensam eles, os mundos habitados estão tão
próximos um do outro que entre eles existe um
contato ininterrupto. Acontece que eles, os barcônidas,
enfrentam a solidão, uma solidão eterna e infinita.
Subitamente uma onda de água quente parecia
derramar-se por cima de Rhodan.
— Os barcônidas...! Se tirarmos o b...
— Nada de especulações! — advertiu o imortal.
Rhodan teve a impressão de que estava esboçando um
sorriso de compreensão. — O acaso é um solo fértil
para os jogos de ideias, mas sempre continuará a ser o
acaso. Raras vezes existe uma ligação real entre os
fatos.
— Desta vez não existe?
— Você espera que eu lhe dê uma resposta?
Pergunte aos barcônidas; você terá oportunidade para
isso.
Rhodan não fez mais nenhuma pergunta.
* * *
Faltavam quinze minutos para completar o
segundo dia. Há uma hora, Rhodan se esforçava para
descobrir uma estrela em meio à escuridão total e às
manchas apagadas das vias lácteas.
— Dentro de sessenta segundos Barcon surgirá na
tela, meu amigo. Sua luminosidade pode ser vista a
mais de oitocentos anos-luz.
Rhodan não disse nada; esperou. Decorridos
exatamente os sessenta segundos, surgiu, bem na sua
trajetória, uma pequenina estrela, que aumentava
rapidamente.
— Lá está Barcon, o sol solitário. Você vai
compreender meu amigo, que os habitantes de um
sistema tão isolado não conhecem as formas de
etiqueta galácticas. A tradição já lhes ensinou que não
são os únicos seres inteligentes do universo, mas
fazem de conta que são. Sua tecnologia é muito
aprimorada, mas não se interessaram pela
astronáutica, porque a mesma lhes parece inútil. Se
voassem à velocidade da luz, levariam cento e
cinquenta mil anos para atingir a estrela mais próxima.
A demora seria muito grande, mesmo para um imortal.
E os barcônidas podem ser tudo, menos imortais. Por
isso dedicaram seu saber a um único projeto, que é o
de transformar seu planeta numa gigantesca nave.
Acreditam que só assim conseguirão retornar juntos,
no curso de milhares de gerações, para a galáxia
perdida.
— É um projeto genial — observou Rhodan. —
Será que posso fazer alguma coisa por esses cientistas
51
formidáveis? E quem eu serei aos seus olhos?
— Você poderá ajudar, se eu estiver dentro de
você. E não se preocupe com a recepção que lhe será
proporcionada. Não existe nenhum povo que anseie
tanto por uma visita do espaço como os barcônidas.
Eles vão recebê-lo de braços abertos. É possível que
se interessem pelo funcionamento dos propulsores de
sua nave, mas saberemos desviar sua atenção. Mesmo
que a nave lhes permitisse vencer o tempo e o espaço,
não teriam possibilidade de evacuar o planeta,
conduzindo seus habitantes a uma distância de
milhares de anos-luz. Só lhes resta uma possibilidade,
e eles já perceberam a mesma.
Mais cinco minutos se passaram.
O sol Barcon adquirira uma luminosidade
brilhante. Encontrava-se a uma distância de
quinhentos anos-luz. Dali a nove minutos estariam lá.
Subitamente Rhodan se assustou.
— A desaceleração... deve ser muito forte!
— O retardamento sincronizado do fluxo do tempo
neutraliza os efeitos colaterais — informou o imortal
rindo. Era a primeira risada que dava nas últimas
horas. — Não faça nada, amigo; farei tudo por você.
Sinto-me muito satisfeito em ser um homem; é um
raro prazer.
Havia uma ironia benévola na voz, mas Rhodan
não se incomodou. De repente moveu o braço direito,
sem que tivesse dado a respectiva ordem aos
músculos. A mão direita manipulou alguns controles.
Um ponteiro começou a girar loucamente sobre uma
escala redonda. Pequenas lâmpadas se acendiam e
voltavam a apagar-se. Uma campainha estridente soou
em algum lugar no interior da nave. E o chão vibrou
sob os pés de Rhodan.
— Seus olhos apenas registrarão uma redução de
nossa velocidade de deslocamento — disse o imortal
em tom divertido. — Observe Barcon, mais nada. Não
temos outro sistema de referência.
O indicador de distância ainda marcava cento e
cinquenta anos-luz. Se mantivessem a velocidade
atual, chegariam a Barcon dentro de cento e sessenta
segundos.
Por mais um minuto tudo continuou como estava.
Depois teve início a desaceleração que Rhodan
esperava. Barcon continuava a aproximar-se, mas
demorou nada menos de meia hora até que a nave
mergulhasse no sistema à velocidade de mil
quilômetros por segundo.
— Não notarão nossa presença até que estejamos
junto deles — profetizou o imortal. — Não possuem
telescópios nem instrumentos de observação. Há
milhões de anos não veem uma única estrela.
Rhodan lembrou-se de uma coisa diferente.
— Se nos guiássemos pelo tempo terrestre, qual
seria a data de hoje?
A resposta foi imediata.
— Estaríamos em fins de maio deste mesmo ano.
— Maio... foi quando estive doente. Tenho
certeza. Não fiquei no hospital, mas na minha
residência em Terrânia. Peguei uma espécie de gripe.
E o senhor me diz que voltamos a maio?
— Ainda estamos lá! — enfatizou o imortal em
tom zombeteiro. — Você está doente e encontra-se na
Terra. Esqueceu aquele terrível pesadelo de febre?
— Pesadelo de febre? — Rhodan estremeceu. Sim,
lembrava-se. Acordara banhado em suor e olhou para
os rostos preocupados de seus amigos, o Dr. Haggard
e Bell. — Mas não me lembro do que sonhei.
— Pois eu lhe digo meu amigo. Você sonhou
exatamente aquilo que agora estamos vivendo, apenas
numa sequencia mais rápida, e por isso mesmo mais
perturbadora para seu espírito. Enquanto sonhava, já
tinha esquecido tudo. Tem uma ideia do que seja um
sonho?
Rhodan viu o planeta que surgia bem ao longe. Os
contornos dos continentes destacavam-se em meio aos
mares. Camadas de nuvens cobriam parte de sua
superfície.
— O que é mesmo um sonho? — perguntou
Rhodan, ansioso.
— É apenas uma excursão do subconsciente. Uma
espécie de manifestação do poder de memorização do
cérebro humano, uma libertação do espírito, que se
desprende do corpo. Durante o sono o cérebro não está
preso à matéria, e por isso fica livre das amarras do
tempo e do espaço. O homem só conhece um tipo de
viagem pelo tempo, que é precisamente o sonho.
Contudo, o sonho só abrange uma área diminuta do
terreno que fica entre a realidade e a recordação.
— Você quer dizer que realmente vivemos aquilo
que sonhamos? Não acredito.
— Não está vendo a prova?
Rhodan calou-se. Teve que reconhecer que não
compreendia as explanações do imortal. Sabia que o
sonho humano é um fenômeno não explicado de todo,
que levanta uma série de indagações. Mas as palavras
do imortal lhe abriram perspectivas tão imensas que
nem se atrevia a pensar sobre as mesmas. Não se
podia contestar que no sonho o ser humano adquire
faculdades que não possui em nenhuma outra
oportunidade. Consegue vencer a força da gravidade,
elevando-se livremente no ar, e em certas
circunstâncias consegue mesmo tornar-se invisível e
teleportar porções de matéria. Por que podia fazer
tudo isso, se não havia motivo para supor que jamais
adquiriria esse tipo de capacidade?
Será que num passado muito remoto já pôde fazer
essas coisas?
— Daqui a pouco pousaremos — interrompeu-o a
voz do imortal. — Os barcônidas são uma raça
fortemente amalgamada, no sentido da verdadeira
civilização galáctica. Possuem uma capital e um
governo que centraliza todas as funções, governo este
que, em virtude do projeto gigantesco em que estão
empenhados, é formado principalmente por cientistas.
Isso nos poupa muito trabalho.
— Não terei... não teremos que recear
hostilidades?
— Já disse que para eles somos um presente dos
céus. Você terá uma recepção como nunca lhe foi
proporcionada em parte alguma, por mais paradoxal
que isso possa parecer. Afinal, vamos encontrar-nos
com uma raça que nunca teve contato com outros
seres, ao menos nos últimos milhões de anos. Essa
raça conta com um fato que nenhuma raça do universo
dispõe: uma história sem lacunas, baseada em
52
documentos autênticos. Têm, em seus arquivos, filmes
de uma época em que o primeiro ser humano na Terra
ainda não passava de um sonho distante da natureza
criadora.
— Filmes mais antigos que a Humanidade?
— Só em virtude desses filmes já seria lamentável
se essa raça fosse destruída.
A pequena nave mergulhou na atmosfera do
planeta e circulou em torno do mesmo a uma
velocidade várias vezes superiores à do som. Cidades
extensas alternavam com amplas áreas de cultura e
pequenos mares. As linhas cintilantes que uniam as
cidades davam mostras de um tráfego intenso.
— O número de habitantes é bastante reduzido em
comparação com a grande extensão das terras deste
planeta. Isso foi mais um motivo pelo qual
negligenciaram o desenvolvimento da navegação
espacial. Sabem perfeitamente que os quatro planetas
que o sistema abriga além deste não são habitados. E
fora disso não teriam para onde ir. Seu mundo oferece
tudo de que precisam para a vida.
— Se é assim, por que pretendem sair daqui?
Mergulharam pela última vez na sombra projetada
pelo planeta, sobrevoando a face coberta pela noite.
Barcon II era do tamanho da Terra e tinha uma
atmosfera semelhante. A gravitação era um pouco
menor.
— Olhe para o céu, Perry Rhodan, que você
compreenderá.
Rhodan olhou para o céu.
Agora, que a atmosfera absorvia inteiramente os
débeis raios de luz vindos das galáxias e nebulosas
distantes, o céu tornara-se negro. Não havia nenhuma
lua que derramasse sua luz suave. Nenhuma estrela
brilhava no firmamento escuro como breu. Era uma
noite que jamais se vira na Terra, mesmo num céu
completamente nublado. Parecia que uma mortalha
preta e opaca envolvia este mundo, ameaçando
sufocá-lo.
Rhodan teve um calafrio.
— Acho que já começo a compreender — disse
em voz baixa.
Subitamente voltaram a mergulhar na luz do sol,
que se ergueu vertiginosamente acima do mar no
oriente. O continente principal surgiu no horizonte.
Em sua costa via-se uma cidade imensa.
— Já estamos sendo esperados — anunciou o
imortal. — É claro que essa raça inventou aparelhos
que lhes permitem voar pela atmosfera. Mas sabem
que não somos deste mundo, pois aqui não existem
segredos. Somos seres estranhos, e neste mundo um
ser estranho só pode vir do espaço.
— Como são esses seres?
— São como nós; humanoides, tal quais todas as
raças da mesma origem.
Rhodan esteve a ponto de formular uma pergunta,
mas suas mãos mexeram automaticamente num dos
controles, sem que ele pudesse impedi-lo. A pequena
nave baixou e passou a deslizar a poucos metros de
altura sobre a superfície ligeiramente ondulada do
oceano, dirigindo-se à costa. Bem no alto, grandes
grupos de ágeis aviões descreviam círculos. Navios
enfeitados com bandeirolas coloridas saíram do porto
e entraram em formação de parada. Uma compacta
massa humana cercava o campo de pouso, situado
junto à cidade e ao mar.
— Não se admire com nada — advertiu o imortal.
— Para eles somos um filho extraviado que está
retornando à pátria. Já mantiveram contato com outras
raças, mas quando seu mundo foi-se afastando da
galáxia, eles o perderam. Não quiseram deixar sua
terra. — Houve uma ligeira pausa. — Alguns poucos
o fizeram. E há milhões de anos os barcônidas
aguardam o regresso desses poucos.
Os pensamentos atropelaram-se no cérebro de
Rhodan, e não houve tempo para pô-los em ordem. O
campo de pouso aproximou-se, e a velocidade foi
reduzida. A nave pousou com a suavidade de uma
pena. O motor desligou-se automaticamente. As
vibrações e o zumbido cessaram.
— Vamos descer — sugeriu o imortal. Riu, mas
foi uma risada silenciosa e cheia de expectativa, que
se comunicou somente com o cérebro de Rhodan. —
Não se esqueça de que estou com você, mas lembre-se
também de que ninguém sabe disso. Se daqui em
diante você tiver que falar comigo, faça-o sem
palavras. Compreendeu velho amigo?
— É claro que compreendi, oh amigo muito mais
velho ainda — pensou divertido, embora seu ânimo
não estivesse disposto para gracejos.
— Muito bem — respondeu o imortal em
pensamento. — Abra a cabine. Os barcônidas falam o
intercosmo. Até foram eles que, em tempos remotos,
criaram esse idioma simplificado, mas hoje ninguém
mais sabe disso.
Os barcônidas romperam as barreiras que
cercavam o campo de pouso e acorreram de todos os
lados. Só com grande esforço o elegante veículo de
quatro rodas conseguiu abrir caminho em meio à
multidão exaltada. Não havia qualquer indício da
presença de forças militares ou policiais.
O carro estava aberto. Em seu interior viam-se
alguns homens de aspecto dignificante, que em nada
se distinguiam de uma delegação terrestre de
recepção. Trajavam roupas diversas, que desde logo
eliminavam qualquer possibilidade de tratar-se de um
uniforme. As calças estavam muito apertadas,
enquanto os paletós eram grandes e folgados. Um dos
cavalheiros chegava mesmo a trazer uma espécie de
cartola sobre a cabeça.
Rhodan lembrou-se do conselho do imortal e não
ficou admirado.
Retribuiu a postura de cumprimento do mais velho
dos ocupantes do carro, que já parara. Os assistentes
eram disciplinados, motivo por que se mantiveram a
uma distância que permitia que os quatro ocupantes do
carro, que deviam ocupar posições muito elevadas,
descessem sem serem molestados.
— Mantenha a calma — recomendou o imortal e
soltou uma risada silenciosa. — Estão admirados
porque você vem justamente agora. Estão prestes a
empreender a grande viagem, e justamente agora
recebem uma visita do universo há muito
desaparecido.
Rhodan não respondeu. Com um salto colocou-se
no solo do planeta estranho e sentiu-se satisfeito pela
53
gravitação reduzida. Em poucos passos colocou-se
diante dos quatro homens que o aguardavam.
— Bem-vindo em Barcon, o mundo solitário —
disse o velho com a cartola. — Quer dizer que nos
encontrou?
Rhodan não pôde deixar de reconhecer que
realmente a recepção era muito estranha, pois aquela
gente nunca vira um ser estranho à sua raça.
— Falarei através de você — disse o imortal, que
percebeu a hesitação de Rhodan. — Portanto, não se
espante se você disser alguma coisa de que não tem a
menor ideia. De certa forma, você fará a gentileza de
emprestar-me seu corpo.
— Foi por acaso — disse Rhodan, e as palavras
corriam livremente sobre os lábios que já não eram
somente seus. — O governo da galáxia me mandou
para procurá-los. Vejo que minha missão foi coroada
de êxito. Encontrei Barcon.
— Esperamos por isso mais de um milhão de anos
— respondeu o homem de cartola com um sorriso.
Rhodan teve a impressão de que estava sonhando; e, a
rigor, tudo aquilo não passava de um sono, em sentido
figurado. — Mas, à medida que aumentava a distância
entre nós e a galáxia, nossas esperanças de conseguir
um contato iam minguando. Mas vejo que o milagre
acabou por acontecer.
— O milagre reside no domínio do espaço e do
tempo — explicou Rhodan sem compreender o que
estava dizendo. — Só mesmo esta nave poderia
vencer o abismo imenso que se abriu entre Barcon e
os nossos mundos.
Um dos quatro homens, que se distinguia por uma
espessa barba ruiva, adiantou-se.
— Sou Regoon, físico-chefe de Barcon e
representante do chefe de governo. Peço que me
explique o princípio de funcionamento do propulsor
de sua nave e me diga como foi possível que...
— Nosso hóspede ainda terá tempo para fornecer
explicações — interrompeu o barcônida de cilindro
em tom de censura e dirigiu-se a Rhodan: — Regoon é
um homem muito impaciente, forasteiro. Perdoe sua
pergunta precipitada. Aliás, meu nome é Laar; sou o
chefe de governo e especialista em energia nuclear.
— Meu nome é Rhodan — disse Perry. Além do
mais, o imortal ainda resolvera usar seu nome. —
Permanecerei neste mundo por dez semanas. Até lá
teremos tempo de sobra para intercambiar nossas
experiências no terreno da ciência e da história
galáctica.
Laar lançou um olhar em direção à nave, mal
disfarçando a curiosidade reprimida a custo.
— Podemos guardar a nave num hangar, para
que...
— Não é necessário — disse Rhodan em tom
indiferente. — Nosso melhor hangar é o espaço.
Fez um movimento com a mão e a cabine fechou-
se automaticamente. O mecanismo propulsor começou
a zumbir. O vulto esguio em forma de torpedo
começou a subir, ganhou velocidade e logo se
transformou num pequenino ponto prateado que se
destacou no céu azul.
— Coloquei-o em órbita em torno de Barcon.
Daqui a dez semanas voltará a pousar neste lugar.
Os barcônidas contemplaram o espetáculo em
silêncio. Só em meio à multidão boquiaberta surgiram
alguns gritos de espanto. Laar engoliu algumas vezes
em seco antes que conseguisse abrir a boca.
— Um mecanismo de teledireção. É admirável. Lá
em cima a nave estará em segurança, embora conosco
também o estivesse.
— Desculpem, mas não mandei a nave para o
espaço exclusivamente por uma questão de segurança.
Tive outros motivos para isso. Enquanto estiver
circulando em torno deste mundo, servirá de satélite-
laboratório e estação de rádio receptora. Se houver
alguma mensagem importante, pousará imediatamente
e a transmitirá. Dessa forma mantenho contato com o
governo galáctico.
Regoon venceu o desapontamento. Apontou para
os outros barcônidas que haviam descido do carro.
— Este é Gorat, nosso astrônomo. Infelizmente só
pode realizar um estudo teórico dessa ciência
interessante, pois nenhum telescópio tem alcance
suficiente para permitir um exame mais preciso de
qualquer galáxia.
Gorat era muito pequeno e gordo. Sorriu um tanto
acanhado e perturbado.
— Gostaria que me contasse alguma coisa sobre as
estrelas. Sempre vivo sonhando com a possibilidade
de ver uma estrela de verdade, uma estrela que não
seja Barcon, evidentemente.
— Este — disse Regoon, apontando para um
barcônida muito alto e esbelto — é Nex, que ensina
em nosso mundo a ciência do nexialismo.
“Quer dizer que também no mais solitário dos
mundos do universo prevaleceu a idéia de que um
saber abrangente traz mais vantagens que a simples
especialização”, pensou Rhodan, que conhecia
perfeitamente a doutrina do nexialismo.
Cumprimentou os dois homens. Laar disse:
— Tivemos tempo de sobra para preparar sua
recepção. O senhor é meu hóspede, Rhodan. Terá
oportunidade de falar com todos os cientistas de nosso
mundo, e convencer-se-á de que, apesar de nosso
isolamento, procuramos manter vivo ao menos o
contato espiritual com o passado. Queira acompanhar-
me.
Laar lançou mais um olhar para o céu.
Mas não se via mais nada daquela nave misteriosa,
que trouxera a visita surpreendente e tão ansiosamente
esperada.
Rhodan dirigiu-se ao carro e tomou lugar entre
Laar e Regoon. Ficou pensando de si para si sobre o
que aconteceria se por qualquer motivo a nave não
voltasse. Mas também poderia preocupar-se com o
que seria dele se o imortal resolvesse desaparecer
simplesmente de uma hora para outra. Se isso
acontecesse, Rhodan se veria num mundo
infinitamente distante, e seria o Robinson mais
estranho que o mundo jamais vira.
— Você está se preocupando por nada — disse a
voz em seu interior, num tom de suave censura. —
Nunca deixarei de cumprir a palavra que dei a você, e
prometi que não perderia tempo... quanto muito o
necessário a um suspiro. Concentre-se exclusivamente
na tarefa que tem de cumprir aqui. E acredite:
54
realmente é uma tarefa.
Rhodan sentiu-se aliviado quando o imortal lhe
asseverou isso. Não se poderia duvidar de sua palavra.
— Obrigado, pensou.
A viagem até a residência do presidente parecia
uma marcha triunfal. Os barcônidas aglomeravam-se
de ambos os lados das ruas majestosas e manifestavam
seu júbilo ao visitante do espaço. Ao que parecia
ninguém estava trabalhando; todos haviam
aproveitado a oportunidade de fazer um feriado.
Durante quase uma hora atravessaram a cidade.
Depois, o carro, acompanhado de três veículos
ocupados por policiais, levou mais meia hora
percorrendo uma larga alameda margeada de parques
e florestas. Finalmente reduziu a velocidade e parou
diante de uma majestosa entrada. Quando ela se abriu,
Rhodan viu a residência do chefe do governo.
O sentido estético dos barcônidas deixou-o
admirado. A casa não era muito alta, lembrando um
bangalô de proporções gigantescas. A frente era
formada principalmente por um material semelhante
ao vidro. Era transparente e deixava à mostra as peças
que ficavam atrás do mesmo. A casa tinha dois
pavimentos, mas a grande área que ocupava dava a
impressão de que era baixa.
— Aqui o senhor se sentirá muito bem —
profetizou Laar e apontou para o edifício. — Este
edifício abriga o centro administrativo e científico de
Barcon. Não se iluda com as dimensões reduzidas do
mesmo. Uma instalação de televisão teledirigida nos
mantém em contato permanente com os pontos mais
importantes de nosso mundo. Sem sair de seu quarto,
o senhor terá oportunidade de conhecer Barcon e os
milhares de séculos de sua história. Em todo esse
tempo não houve grandes inovações; até é possível
que o senhor nos acuse de esterilidade intelectual.
Acontece que concentramos nossos esforços num
único objetivo, e por isso negligenciamos os demais.
— Já sei — disse Rhodan, sem dar atenção aos
rostos espantados dos quatro homens.
Dali a dez minutos a porta fechou-se atrás dele.
Viu-se só no aposento que lhe serviria de residência
nas próximas dez semanas. Meio desorientado,
deixou-se cair numa poltrona encostada à parede de
vidro. Aquela posição lhe proporcionava uma visão
ampla sobre a cidade e o mar. Suspirou.
— Dez semanas, velho amigo! O que farei durante
dez semanas neste mundo estranho, quando não tenho
um minuto a perder, pois tenho assuntos urgentes a
tratar? Não estarei desperdiçando meu tempo?
— Podemos conversar em voz alta — respondeu o
imortal. — Assim você não se sentirá tão só. Aqui
ninguém nos ouve, e não existem microfones
escondidos. Você fala em desperdício de tempo? Pois
está enganado, caro amigo. Não se esqueça de que
ainda estamos no mês de maio, e você está de cama,
doente. Seu encontro com os mercadores galácticos
ainda está num futuro distante. Faltam mais de dez
semanas. Portanto, não está perdendo nada.
— Não sei o que responder. Será que você poderia
ter a gentileza de contar o que devo fazer para salvar
Barcon da destruição?
— Não se preocupe com isso. Cuidarei do assunto
para você. Um simples movimento de mão resolverá
tudo. Um dia antes de nossa decolagem eles nos
mostrarão as instalações com as quais pretendem
conduzir Barcon II através do espaço. E então farei o
necessário. É por assim dizer uma espécie de inversão
de polos.
— Só isso? — perguntou Rhodan, espantado.
— Só isso.
— Por que temos que ficar aqui durante dez
semanas?
O imortal deu uma risadinha. Ele parecia divertir-
se a valer.
— Ficaremos para que você veja a história de
nossa galáxia. Você não poderá ver mais depressa do
que o tempo corre. Receio que terá de assistir a muitos
filmes.
— Um tipo de hipertransmissão em regime de
concentração de tempo não seria suficiente?
— Desta vez não, meu velho — na voz do imortal
soava uma ligeira recriminação. — Você é
praticamente imortal, mas ainda não aprendeu a ter
paciência. Acho que esta só chegará quando começar
o tédio. Mas pelo que vejo nem mesmo para sentir o
tédio você terá paciência.
Rhodan olhou para o crepúsculo que descia sobre a
cidade. De repente sentiu-se só e abandonado.
3
Os primeiros quinze dias passaram-se sem que
acontecesse nada de extraordinário. Através do
aparelho de televisão, prontamente instalado, Rhodan
travou conhecimento com o planeta Barcon II.
Captava as transmissões diretas realizadas de todos os
pontos daquele mundo pacífico e paradisíaco. O que
invariavelmente causava impressão mais forte em
Rhodan era a escuridão do céu noturno. Era bem
verdade que, para vê-lo, não precisava do
equipamento de televisão. Uma única vez naqueles
quinze dias a atmosfera ficara tão limpa que conseguiu
enxergar uma débil luminosidade no zênite. Parecia
uma mancha de bordas entrecortadas. Era a Via
Láctea em que ficava sua pátria, situada a uma
distância de cento e cinquenta mil anos-luz. E, como
naquele momento se encontrasse num presente
relativista, a Via Láctea para a qual olhava era cento e
cinquenta milênios mais jovem que aquela com que
estava familiarizado. Um simples olhar permitiu-lhe
uma visão do passado.
No início da terceira semana foi visitado por Nex,
o nexialista.
— Fui incumbido de contar-lhe a história de
Barcon. Para isso iremos a um grande arquivo.
— As coisas estão começando a ficar interessantes
— disse o imortal silenciosamente a Rhodan. —
Prepare-se para algumas surpresas. Não se esqueça de
que a raça que você tem diante de si já existia quando
a Via Láctea ainda era jovem e desabitada.
Um carro levou-os até a cidade. Ninguém se
interessou por eles. Barcon voltara a mergulhar na
55
faina do quotidiano. De repente, Rhodan deu-se conta
da coincidência que fizera com que Barcon se
parecesse tanto com a Terra. O dia desse planeta
durava exatamente vinte e quatro horas.
Entraram numa rua lateral que subitamente
começou a descer, conduzindo para baixo da terra. O
túnel estava bem iluminado, mas parecia não ter fim.
Só dali a dez minutos o carro parou.
— Estamos a duzentos metros abaixo da superfície
— explicou Nex. — Só aqui nossos filmes estarão
seguros para todos os tempos. Nenhuma radiação
cósmica penetra nestas profundezas. O ar só é
insuflado quando há uma apresentação, e isso só
acontece de cinquenta em cinquenta anos, quando é
constituído um novo governo. Fora disso ficam no
vácuo.
Rhodan não respondeu. Sem dizer uma palavra,
seguiu o barcônida pelos longos corredores e através
das numerosas peças, até que chegassem a uma sala
não muito grande, mas bastante confortável. Uma das
paredes era formada por um gigantesco quadro de
chaves de controle. Na parte da frente, encimando
uma espécie de palco, havia uma tela que emitia um
brilho leitoso. Na parede oposta estava embutido o
projetor. Duas filas de poltronas estofadas
convidavam o visitante a acomodar-se.
— Queira sentar, Rhodan. Aqui tudo funciona
automaticamente. Basta comprimir o respectivo botão,
para que o material desejado seja introduzido no
projetor. Nossa raça conheceu a navegação espacial há
um milhão de anos, mas a mesma não pôde salvar-nos
da catástrofe. Pelo contrário. A despedida forçada do
ambiente familiar foi tornada mais penosa pelo fato de
sabermos de que algum de nós poderia fugir. Mostrar-
lhe-ei Barcon na época em que teve início o desastre,
e ao fim de sua história galáctica.
O quarto escureceu. Na área de projeção a parede
parecia recuar para dar lugar a uma realidade que se
oferecia aos olhos de Rhodan em suas formas e cores
naturais.
— Isso é Barcon, visto de uma nave que está
saindo para o espaço — explicou Nex com um tremor
quase imperceptível na voz. — Pelo que vê, não
mudou muita coisa. Apenas, naquela época havia
naves espaciais. Agora o senhor vê perfeitamente o
planeta vizinho número três, que está penetrando
lateralmente no campo de visão. Infelizmente nunca
encontramos em nosso sistema um planeta que se
prestasse à colonização. Mas chegamos a possuir um
império colonial, e um império colonial muito grande.
— Em que parte da galáxia ficava o sol Barcon?
— perguntou Rhodan por impulso próprio, sem que o
imortal o levasse a isso.
— Logo verá. Naturalmente é impossível
assistirmos, no tempo de que dispomos, a todos os
filmes do nosso arquivo. Escolherei os mais
importantes. A cada cinquenta anos, quando é
realizada a mudança de governo, as pessoas escolhidas
ficam neste recinto durante três meses, com pequenas
interrupções. Depois disso conhecem a história de
nosso mundo e o passado da galáxia, de cujo presente
nada sabemos.
Essa constatação parecia encerrar uma solicitação.
— Ainda falaremos a este respeito — prometeu
Rhodan. — Receio, porém, que o senhor fique
decepcionado.
— Sua nave admirável leva-me a supor o contrário
— disse Nex com um sorriso animador. — Mas veja,
aquilo é uma de nossas últimas naves colonizadoras.
Leva os emigrantes para um sistema recém-
descoberto, onde ainda não surgiu a vida.
O gigantesco vulto devia ter dois quilômetros de
comprimento e deslocava-se em torno de Barcon
numa órbita prefixada. Naves menores levantavam-se
da superfície, conduzindo os passageiros. Mangueiras
de plástico constituíam um passadiço seguro. As
pequenas naves entravam por gigantescas escotilhas,
trazendo a bagagem e os equipamentos dos colonos.
Lá embaixo Barcon ia girando sob a azáfama.
— A nave de colonização trouxe o filme de volta
— explicou Nex. — O senhor está vendo alguns
extratos.
Pouco depois o sistema de Barcon mergulhou no
espaço. O filme fora produzido sob o regime de
concentração de tempo, motivo por que Rhodan
passou por uma experiência semelhante à de seu voo
para Barcon: as estrelas deslizavam rapidamente sobre
a área de projeção. Um sol amarelo ia aumentando de
tamanho. Devia ser o destino da expedição. De
repente um planeta penetrou no quadro, um mundo de
tamanho regular, coberto por uma vegetação
exuberante. Planaltos rochosos erguiam-se em meio às
estepes e florestas. Grandes rios atravessavam as
planícies férteis, atravessadas por rebanhos imensos
de estranhos animais. Certa vez Rhodan acreditou ter
visto uma espécie de sáurio, mas talvez fosse engano.
— Nesse mundo ainda não havia nenhuma forma
de vida inteligente — explicou Nex. — Mas era um
mundo fértil, habitado por animais das mais variadas
espécies. Nossos colonos encontraram um verdadeiro
paraíso. Do momento do pouso naquele planeta até a
formação de uma civilização passaram-se uns dez mil
anos, se incluirmos as experiências acumuladas.
— Quer dizer que os senhores costumavam largar
os emigrantes num mundo apropriado e não se
preocupavam mais com eles? — perguntou Rhodan,
espantado.
Nex sorriu de forma estranha.
— Isso mesmo. No início de nossa história
fundávamos colônias dependentes, mas acabou-se por
descobrir que o sistema não era acertado. Os colonos
confiavam no seu mundo natal e no apoio que viria de
lá. Não tinham maior interesse em explorar as
potencialidades da natureza. Tornavam-se preguiçosos
e decadentes. Mas os náufragos voluntários, pois não
passavam disso, visto que eram obrigados a desmontar
a nave que os trouxera para sobreviver, encontram
uma nova pátria, que lhes dava tudo de que
precisavam para viver. Tinham que trabalhar e
desenvolver-se. É bem verdade que também nesses
casos houve recaídas; mais de uma vez tivemos que
constatar que nossos descendentes que viviam num
planeta-colônia regrediam à barbárie. Mas eram
exceções. Por via de regra, desenvolviam uma
civilização pujante, que sabia resguardar a herança dos
antepassados, mesmo que esquecesse sua origem. Pois
56
um dos princípios que guiavam os empreendimentos
coloniais determinava que os colonos não levariam
filmes nem registros escritos. Só assim poderiam
tornar-se totalmente independentes.
— Quer dizer que se esqueciam de onde vinham.
— Perfeitamente. Só assim tornou-se possível
realizar com êxito a colonização dos planetas da
Galáxia, formando raças independentes. Muitas vezes
duas dessas raças só se encontravam algumas dezenas
de milênios depois. Talvez se admirassem pela
semelhança que existia entre elas, mas acreditavam
que isso decorresse do curso necessário da evolução.
Mais uma vez Nex sorriu e olhou Rhodan de lado.
— Já está começando a compreender a verdade?
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Acho que sim. Mas um milhão de anos é um
tempo muito longo, não acha?
— Representam pouco para quem conta em
unidades galácticas e se esquece da brevidade da vida.
Em termos galácticos cem mil anos da existência de
um planeta não representam mais que uma vida
humana. Isso significa que o milhão de anos que
estamos a sós, representam dez gerações galácticas. E
o que podem fazer dez gerações com um planeta?
— Às vezes nada, às vezes muito. Tudo depende
do grau de desenvolvimento e das qualidades da raça.
— Sinto a recriminação — disse Nex, mexendo
nos controles dos projetores. — Em sua opinião,
ficamos parados no curso dessas gerações, que para
nós representam cem mil ou mais. Acha que nossa
civilização estagnou. Admira-se por não termos feito
nenhuma tentativa para escaparmos ao destino que nos
impõe uma cruel solidão. Não procure negar.
— Poderia ter tentado ao menos manter contacto
com os mundos que já lhes pertenceram. Talvez pelo
rádio.
Nex comprimiu um botão.
— Hoje mesmo mostrar-lhe-ei uma coisa que fará
com que compreenda nossa atitude — se possuir um
coração.
A sala voltou a ser escurecida. Rhodan viu diante
de si uma profusão de constelações, nenhuma das
quais lhe parecia familiar. A câmera parecia flutuar no
meio do recinto. O quadro não era muito nítido;
parecia que uma vidraça se interpunha entre o
observador e as estrelas.
— Estas fotografias foram tiradas pelo maior
observatório que jamais possuímos — isso há um
milhão de anos. A câmera tirava uma única fotografia
por ano, sempre num momento determinado. Nos anos
em que na respectiva noite o céu fosse encoberto pelas
estrelas, desistia-se de tirar a fotografia. Por isso só se
conseguia em média uma fotografia em cada três anos.
Essa fotografia sempre mostra o mesmo setor da
Galáxia — ao menos por enquanto. A cada segundo
de projeção a que o senhor está assistindo
correspondem cerca de cinquenta anos. Quer dizer que
em dois segundos o senhor vê uma vida humana —
cem anos. Veja o que nossos antepassados devem ter
sentido. Passaram por uma experiência que os abalou
até as profundezas da alma e até hoje constitui o
fundamento de nossa fé e nossa mentalidade.
Rhodan viu.
As constelações deslocaram-se lentamente — e
foram-se afastando. Juntavam-se cada vez mais, a
profusão de estrelas tornava-se mais densa, mas em
compensação sua luminosidade decrescia.
Subitamente o ângulo de visão ampliou-se, e
Rhodan teve uma visão total. Conseguiu enxergar
aquilo que estava procurando. Era um dos braços da
espiral de onde viera.
Demorou quase dez minutos até que o braço se
tornasse visível em toda a plenitude. Mal se
distinguiam as diversas estrelas. Formavam uma
nuvem alongada e ligeiramente encurvada, que emitia
uma luminosidade própria. E essa luminosidade se
tornava cada vez mais débil.
— Está vendo aquela aglomeração de estrelas mais
luminosa? — perguntou Nex, inclinando-se para
Rhodan. — É este o lugar em que antigamente se
encontrava o sol Barcon. Por algum motivo
inexplicável desprendeu-se do campo de gravitação da
Via Láctea que descrevia seu eterno movimento de
rotação e foi-se deslocando para fora do grupo de
estrelas a que pertencia. Até hoje não chegamos a um
acordo sobre os motivos que determinaram o
fenômeno. Num movimento implacável nosso sistema
foi penetrando no terrível abismo que separa as
galáxias. Não havia nada que pudesse deter o
afastamento progressivo. Contemple com os próprios
olhos o que nossos antepassados tiveram que ver.
Sentiram — bem, não sei se o senhor poderá
compreender seus sentimentos.
Rhodan não respondeu.
Dali a uma hora toda a Via Láctea penetrara no
campo de visão. O setor do espaço em forma de
espiral que abrigava o sol do sistema de Rhodan, que
naquele momento iluminava uma terra virgem e
desabitada, penetrava profundamente na escuridão
infinita do espaço interestelar. Quase no centro
encontrava-se o sol, a uma distância de apenas trinta
mil anos-luz da escuridão.
Onde ficava Árcon? Foi a pergunta que de repente
surgiu na mente de Rhodan, mas este preferiu não
formular a mesma em voz alta. Mas o imortal ouvira a
indagação silenciosa. Respondeu:
— Ficava praticamente fora da Galáxia, velho
amigo. Já o preveni para que não formulasse
conjeturas. Ainda não chegou o tempo de
compreender as grandes relações de causa e efeito.
Você já começa a imaginá-las, e por isso sabe mais
que a grande maioria dos mortais que habitam a
Galáxia. A experiência que você está vivendo através
de imagens representa apenas um resumo da que outro
viverá em escala muito mais intensa num espaço de
vários bilhões de anos. Não reflita sobre isso, se não
quiser enlouquecer.
A Via Láctea ia minguando e deslizando para a
escuridão eterna, Barcon afastava-se cada vez mais.
Nas vizinhanças da nebulosa em espiral não havia
estrelas. A luminosidade débil daquele conjunto
formado por bilhões de estrelas ofuscava a luz ainda
mais débil das nebulosas situadas a maior distância.
Parecia que aquela Via Láctea era a única que existia
no Universo, e a mesma afastava-se a cada segundo —
ou a cada século que passava.
57
A grande solidão dos barcônidas teve seu início.
Nex comprimiu outro botão.
— Daqui em diante passarei o filme com a
velocidade aumentada quatrocentas vezes. Cada
segundo passa a representar cinco mil anos.
O filme ainda durou pouco mais de três minutos.
Nesses três minutos a Via Láctea precipitou-se
vertiginosamente num buraco escuro que não tinha
limites. A cada segundo que passava tornava-se menor
e mais apagada. Ainda não se via nenhuma estrela, e o
céu foi-se tornando escuro. A forma típica da nebulosa
em espiral transformou-se numa mancha disforme,
que aos poucos se perdeu no infinito.
A imagem parou.
— É este o céu que hoje se apresenta à nossa
câmera telescópica, que continua a tirar uma
fotografia a cada dois ou três anos — disse Nex com a
voz embaraçada.
Bem no centro da área negra da projeção via-se a
nebulosa, reduzida a uma mancha pequena e
insignificante. Estava só: as outras nebulosas não
podiam ser alcançadas pela visão. A atmosfera
absorvia sua luz débil.
— Estamos sós — prosseguiu Nex, pigarreando.
— Mas sabemos que o trabalho que realizamos no
passado não foi em vão. Nos planetas por nós
colonizados desenvolveram-se novas raças, que
devem ter criado uma civilização inimaginável. E nós,
os barcônidas, somos seus ancestrais. Seja qual for o
lugar de onde o senhor veio, Rhodan, o senhor tem de
conformar-se com o fato de ser um descendente dos
nossos colonos, ou então um descendente dos seres
que nossos colonos colocaram em algum mundo fértil,
mas desabitado. Por maior que seja sua raça, ela deve
sua existência a nós, os patriarcas da Galáxia.
Rhodan procurou vencer a emoção que ameaçava
dominá-lo. Sabia que um problema gigantesco acabara
de ser solucionado, mas não se atrevia a extrair todas
as consequências do fato. Por que, perguntou de si
para si, o imortal lhe teria mostrado tudo isso? Por que
o teria levado a Barcon, cuja raça, segundo os padrões
humanos, havia visto a eternidade e não conseguira
enfrentá-la?
Não encontrou resposta e, ao que parecia, o
imortal não estava disposto a dar a mesma, pois
permaneceu calado.
O quadro projetado à sua frente apagou-se. A sala
voltou a iluminar-se. Nex estava de pé junto a
Rhodan. Em seus olhos reluzia a tristeza que passara a
fazer parte da vida em Barcon II. Com a voz trêmula
disse:
— Já compreendeu o que é a solidão, Rhodan? O
senhor vive sob um céu estrelado e sabe que não está
só no Universo. Sabe que a qualquer momento pode
entrar em contacto com outros seres que são seus
semelhantes e amigos.
— Talvez o senhor esteja superestimando os
descendentes que sua raça deixou na Galáxia —
objetou Rhodan cautelosamente. — Muitos colonos
podem ter levado dezenas de milênios para
redescobrir a astronáutica. Talvez muitos nunca a
tenham descoberto, permanecendo isolados e
afastados das outras raças, que afinal são todas irmãs.
Muitos podem ter soçobrado sem que tivessem a
menor ideia de que não eram os únicos seres
inteligentes do Universo.
— O senhor está expondo uma teoria sombria, na
qual ninguém de nós gostaria de acreditar. Vivemos
apenas da esperança de que nosso trabalho não terá
sido em vão. Sua visita prova que nossa vida não
deixou de preencher uma finalidade.
— Acontece que não estou em condições de
reconduzir Barcon para a comunhão estelar —
lembrou Rhodan.
Uma sombra passou pelo rosto de Nex.
— É verdade. Acontece, porém, que o senhor nos
traz notícias dos mundos que já pertenceram ao nosso
Império e que devem sua vida ao nosso povo. E o
senhor lhes levará notícias nossas. O simples fato de
sabermos que não fomos esquecidos espanta parte do
sentimento de solidão que já se tornou insuportável.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Acho que já estou compreendendo. E acredito
que posso fazer alguma coisa pelos senhores.
Nex apontou para a porta.
— Vamos embora. Daqui por diante os filmes
serão projetados em seu quarto. Apenas quis mostrar-
lhe as instalações. Daqui a algumas semanas, quando
tiver travado conhecimento com nosso passado,
mostrar-nos-á o que aconteceu neste meio tempo na
Galáxia.
— Mostrar? — disse Rhodan espantado. — Como
posso mostrar? Não trouxe nenhum material.
— Pode mostrar, sim — disse Nex com um
sorriso. — Mostrará através dos conhecimentos
armazenados em sua memória. Transformaremos seus
pensamentos em imagens.
Enquanto se dirigiam à residência de Laar não
disseram mais nada. Rhodan esforçou-se em vão para
descobrir um meio de livrar-se da situação. O que
poderia fazer para evitar o processo de lavagem
cerebral? Era exatamente isso que pretendiam fazer
com ele.
— Não se preocupe velho amigo — cochichou o
imortal às escondidas. — Será que você acreditava
que não previ essa possibilidade, ou que nem sabia
dela? Pois então! Os barcônidas ficarão admirados
com os frutos de seu trabalho pioneiro.
— Pretende mostrar-lhes alguma coisa que não
existe?
— Apenas pretendo mostrar-lhes o futuro —
respondeu aquilo.
4
Durante as primeiras oito semanas Rhodan travou
conhecimento com a história dos barcônidas — e,
através dela, com a história da Galáxia. Ficou sabendo
que os barcônidas se consideravam os criadores da
civilização da Via Láctea, da qual foram expulsos por
um destino implacável. Levaram a semente da vida
aos mundos desabitados, e estavam convencidos de
que seus descendentes haviam completado a obra por
58
eles iniciada. Achavam que eram o tronco do qual
provinham todas as raças humanoides.
No dia 5 de agosto, data em que, segundo Rhodan
estava lembrado, travara uma dura batalha contra os
robôs-espiões dos mercadores galácticos, foi levado
de carro até a cidade. Num grande edifício os
membros do governo de Barcon II o aguardavam,
entre eles Laar, Regoon, Nex e Gorat. Encontravam-se
numa sala ampla, na qual se viam instrumentos
complicados e gigantescos painéis. Sob uma cúpula
reluzente feita dum metal desconhecido havia uma
poltrona. Rhodan foi conduzido a ela.
— Queremos simplificar as coisas para o senhor
— explicou Nex depois dos cumprimentos. — Um
relato minucioso da evolução da Galáxia consumiria
muito tempo. Está vendo a área de projeção? Estamos
em condições de projetar seus pensamentos. Pedimos-
lhe que pense que reproduza na imaginação aquilo que
ocorreu, pois assim poderemos participar das suas
experiências. Assim tomaremos conhecimento do que
aconteceu depois que perdemos o contacto com seu
mundo.
Rhodan sentou lentamente. Enquanto Nex
colocava um capuz prateado sobre sua cabeça e
efetuava algumas ligações, Rhodan fez algumas
perguntas silenciosas ao acompanhante invisível:
— E agora, velho amigo? Ficarão sabendo que sua
obra foi um fracasso. O que é feito de seu projeto de
espalhar as raças humanoides por todos os planetas
habitáveis? Afinal, o que aconteceu depois que se
viram reduzidos à solidão?
— Aconteceu muita coisa. Mas não aconteceu
aquilo que os barcônidas esperavam. O contacto entre
os mundos foi perdido, se é que já existiu. O império
em que pensavam desmoronou-se antes que se
formasse.
— O que devo pensar? Nada sei sobre os
acontecimentos que se desenrolaram no espaço. É bem
verdade que os arcônidas me deram seu saber, mas o
que representa isso com o que realmente aconteceu?
Afinal, Árcon e M-13 não passam de partículas de pó
na Galáxia.
— Não é muita coisa — respondeu o imortal. —
Deixe por minha conta. Pensarei por você. Abra os
olhos para viver a experiência daquilo que acontecerá
um belo dia... talvez. Não poderei oferecer mais que
um resumo muito ligeiro. Mas esse resumo bastará
para transmitir a esses infelizes a impressão de que
não viveram em vão nesta solidão cósmica.
— Está preparado? — perguntou Nex,
interrompendo os pensamentos de Rhodan.
— Estou... naturalmente. O que devo fazer?
— Pense em sua própria história e relate o que
aconteceu até hoje.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. As
luzes apagaram-se. A parede de projeção em forma de
semicírculo emitiu uma fosforescência. Subitamente a
superfície tornou-se negra e Rhodan viu planetas — a
Terra.
Uma gigantesca nave circulava em torno dela e
acabou pousando em sua superfície, sustentada por
raios chamejantes. Homens desceram e apossaram-se
do mundo novo e desabitado. Os primeiros núcleos
começaram a formar-se.
Rhodan teve a impressão de que estava sonhando.
O imortal estava exibindo a ele e aos barcônidas
quadros que nunca poderiam ter sido realidade.
Seriam os terranos descendentes dos barcônidas, uma
raça perdida no espaço?
Mais uma vez apareceu a Terra, vista de longe. As
calotas polares moviam-se, avançando até as zonas
temperadas. Mais tarde as gigantescas geleiras
voltaram a retrair-se. A superfície do planeta
modificou-se. Cidades enormes começaram a surgir,
cidades que não conheciam igual na Terra de hoje.
Gigantescas edificações em forma de cúpula tornaram
a lua habitável. Naves espaciais corriam de um planeta
para outro, conduzindo colonos para Marte e Vênus.
Das profundezas do espaço interestelar vinham os
cargueiros de outras raças e pousavam na Terra, para
oferecer suas mercadorias em troca de outros
produtos.
Rhodan compreendeu que o imortal estava
contando aos barcônidas a história dum futuro
possível. Estes naturalmente pensariam que se tratava
da história do passado. Não transmitiu qualquer
informação sobre as terríveis guerras, que bastariam
para exterminar a população dum planeta, não
mencionou o Império dos arcônidas, que se
encontrava próximo à decadência final, nada mostrou
sobre os conflitos aparentemente insuperáveis que
transformavam raças aparentadas em inimigos
mortais.
O imortal mentia para os barcônidas, para não lhes
tornar ainda mais difícil a terrível solidão em que
viviam.
Depois duma visão panorâmica que mostrou
claramente como todas as inteligências humanóides da
Via Láctea se congregaram numa grande comunidade,
o quadro ideográfico apagou-se de uma hora para
outra. As luzes foram acendidas aos poucos.
Rhodan olhou cautelosamente em torno de si. Viu
os rostos felizes dos barcônidas que sorriam em
silêncio. Ao que parecia haviam esquecido o destino
cruel que os atingira. Foram eles que tornaram
possível a evolução que se exibira diante de seus
olhos. Não viveram em vão. Alguém completara sua
obra.
Nex levantou-se e aproximou-se de Rhodan, para
tirar o capuz de sua cabeça. Com a voz trêmula disse:
— Ficamos muito gratos pelas informações,
Rhodan. Assim a longa viagem para o desconhecido
não será tão difícil.
Rhodan levantou-se. Contemplou os rostos das
pessoas reunidas na sala.
— A longa viagem para o desconhecido? Não
compreendo.
— Amanhã revelaremos nosso segredo — disse
Nex com um sorriso significativo. — E, assim que lhe
tivermos transmitido os conhecimentos teóricos,
mostraremos o quanto já avançamos na prática.
Por algum tempo conversaram descontraidamente;
ninguém aludiu à viagem para o desconhecido. Dali a
duas horas Rhodan estava novamente no seu quarto.
Quando se encontrava na cama e viu que diante
das janelas a noite sem luz derramava suas sombras
59
sobre o mundo, disse em voz baixa:
— Você mentiu para eles, velho amigo. Ofereceu-
lhes uma ilusão que lhes dará forças para transformar
em realidade seu plano tresloucado.
— Isso mesmo — respondeu o imortal, também
em voz baixa. — Foi exatamente o que fiz. Um belo
dia, daqui a um milhão de anos talvez, a raça dos
barcônidas salvará a Galáxia da destruição, trazendo
suas experiências através da solidão infinita do abismo
que se abre entre as nebulosas. Um belo dia as raças
inteligentes da Via Láctea também se sentirão sós.
Isso acontecerá no dia em que se derem conta de que
nunca poderão vencer esses abismos.
Rhodan não respondeu. Por maior que fosse a
receptividade de seu cérebro, aperfeiçoado através do
treinamento hipnótico, o mesmo também tinha limites.
E sabia que esses limites já tinham sido
ultrapassados.
* * *
Era o dia 14 de agosto.
Vários dias foram consumidos em explicar o
projeto dos barcônidas a Rhodan. O próprio Nex
explicara-lhe os detalhes técnicos. Não se cansava de
asseverar que há várias gerações sua raça estava
familiarizada com o projeto, e que as melhores
inteligências dum mundo unido estavam fazendo o
possível para eliminar qualquer fonte de erro.
O planeta Barcon II fora escavado por dentro.
Toda a população poderia viver e desenvolver-se no
interior do mesmo. Sistemas de transporte
inconcebíveis garantiam a ligação entre os diversos
centros residenciais. Os reatores atômicos espalhados
pelos pontos mais diversos garantiam o suprimento de
luz, calor e energia por milhares de séculos. As
instalações geradoras de ar substituiriam a atmosfera
perdida. Enquanto o planeta congelado com sua
superfície morta percorresse sua trajetória solitária
pelo Universo, a vida continuaria em seu interior.
Gigantescos laboratórios produziriam os alimentos
e objetos de uso. A vida não seria diferente da que os
habitantes levavam na superfície do planeta. Quando
irrompesse a noite, uma noite de escuridão completa,
isso aconteceria sob comando.
Mas o aspecto mais importante era a propulsão.
Uma maquinaria incrível faria com que o planeta
se desprendesse do campo de gravitação do sol de
Barcon e se deslocasse numa velocidade crescente em
direção à distante Via Láctea. Um dia, asseverou Nex
confiante, a “nave Barcon II” atravessaria o Universo
à velocidade da luz.
Rhodan não conseguia livrar-se da impressão de
viver num sonho. O imortal não respondeu às
perguntas sobre este ponto. Ignorou as observações
que Rhodan fazia a este respeito.
Hoje, no dia 14 de agosto, Nex iria mostrar o
singular propulsor ao hóspede do planeta.
Foram de carro até o aeroporto, onde um
pequenino aparelho os aguardava. Tinha a forma
duma gota de líquido e não possuía asas. Rhodan tinha
certeza de que não haveria o menor problema em
penetrar no espaço por meio dessa nave, mas isso não
adiantaria nada. Mesmo que alcançassem a velocidade
da luz, levariam cento e cinquenta mil anos para
atingir a estrela mais próxima.
Depois de uma hora de vôo pousaram num platô
de rocha, que se erguia em meio a uma planície fértil.
Várias construções em forma de cúpula e algumas
torres elevadas provavam que havia gente em meio
àquela solidão. Olhando melhor, Rhodan notou que a
área do platô fora aumentada por meio de grandes
massas de pedregulho.
— Esta é a entrada do mecanismo de propulsão,
cujo funcionamento se fará sentir aqui — disse Nex,
apontando para baixo. — Regoon concluiu a execução
dos velhos planos. O senhor o encontrará lá embaixo.
Embaixo — isso significava cerca de cinco mil
metros abaixo da superfície.
Rhodan não pôde deixar de admirar as instalações
que os barcônidas haviam montado no curso dos
séculos. Corredores imensos levavam para o interior
do planeta. Os mesmos eram iluminados a espaços
regulares por lâmpadas embutidas no teto. Trilhos de
bitola estreita davam mostra do meio de transporte
utilizado por lá. Uma vibração constante enchia o ar
tépido.
Regoon veio ao seu encontro. Trajava um macacão
apertado, que não o perturbava no trabalho.
— Talvez o senhor tenha suas dúvidas — disse,
apertando a mão de Rhodan. — Mas asseguro-lhe que
conseguiremos. Muitas gerações trabalharam na
execução deste projeto, e nós o realizaremos.
— O senhor viverá apenas para ver o começo —
respondeu Rhodan com um sorriso. — Só nossos
descendentes saberão se foi bem sucedido. Quanto
tempo levará Barcon II para retornar à nossa Galáxia?
— Calculamos a duração da viagem em duzentos
mil anos — respondeu Regoon. — Quanto a isso
Gorat não tem a menor dúvida.
Duzentos mil anos! Rhodan estremeceu ao dar-se
conta do espírito de sacrifício desses homens
extraordinários. Retirar-se-iam para o interior do
planeta, a fim de que seus descendentes mais
longínquos tivessem possibilidade de viver no seio da
comunidade galáctica. Os terranos ainda não haviam
chegado a esse ponto. Não pensavam sequer em seus
filhos.
— Conseguirão — disse, e estava certo de que
tinha razão. — Um dia os descendentes do senhor e os
nossos poderão apertar-se as mãos.
O controle da propulsão planetária era um
mecanismo de complexidade inimaginável. A
profusão de painéis e geradores, instrumentos e fios,
telas e postos de observação era tamanha que Rhodan
logo desistiu de refletir sobre seu funcionamento. Nem
mesmo um cérebro treinado como o seu poderia
compreender à primeira vista o que estava
acontecendo no interior daquele planeta.
Sem dizer uma palavra caminhava pelos
gigantescos pavilhões, ladeado por Nex e Regoon.
Ouvia as explicações que os dois cientistas lhe davam.
Mostraram-lhe todas as instalações e orgulhavam-se
da obra de sua vida, que tornaria todo um mundo
independente do sol por um espaço de duzentos mil
anos.
Quem dera que ele, Rhodan, pudesse evitar a
60
catástrofe com o auxílio do imortal.
— Sei onde está o erro — disse nesse instante a
voz silenciosa em seu cérebro. — Daqui a pouco
passaremos pelo gerador principal. Não peça
explicações, velho amigo. Como já disse, trata-se
apenas dum erro de regulagem, que produziria uma
aceleração infinita do processo de fissão nuclear. Se
isso acontecer, a energia que deveria durar uma
eternidade será liberada num segundo. Você
conversará animadamente com os dois, sem
preocupar-se com o que sua mão direita fizer.
— Veja Rhodan, este mecanismo comanda a
propulsão, pois regula o processo de fissão nuclear —
disse Regoon no mesmo instante. — Laar ficará
encarregado de estar aqui dentro de pouco tempo, a
fim de dar início à grande viagem. Os preparativos já
estão sendo tomados.
— Quer dizer que os propulsores estão prontos? —
perguntou Rhodan, apontando com a mão esquerda
para as instalações. Regoon e Nex confirmaram com
um gesto e olharam na direção em que o braço estava
apontando. — Tem certeza de que tudo funcionará
perfeitamente?
— Temos certeza absoluta — respondeu Nex com
um sorriso. Nem ele nem Regoon perceberam que a
mão direita de Rhodan inverteu a posição de duas
chaves. — Tudo foi testado milhares de vezes. Não
existe a menor possibilidade de erro.
— Faço votos de que seja assim — disse Rhodan e
prendeu os grampos das chaves. Sentiu que o imortal
se retirou. Sentiu-se só e abandonado, mas isso só
durou uma fração de segundo. A voz silenciosa logo
se fez ouvir.
— Consegui. Estive no futuro, amigo velho. Os
barcônidas iniciam a viagem. Não submergem na
fusão de seu planeta.
— Como podemos alterar o futuro? Você não viu
seu planeta transformar-se num sol?
— É possível que um dia você compreenda, amigo
velho. A imortalidade e o tédio resolvem todos os
problemas.
— Vamos dar uma olhada na usina energética,
situada numa área isolada — disse Nex, apontando
para um alçapão redondo de cinco metros de diâmetro,
engastado no soalho. — Seria perigoso entrar ali.
Comprimiu um botão e o alçapão, cuja grossura
era de dois metros, abriu-se lentamente. Rhodan
aproximou-se da abertura e olhou para o abismo que
se abria diante dele. A galeria abria-se mais embaixo,
dando para outro pavilhão, no qual se viam
gigantescas peças metálicas. Não se reconheciam os
detalhes. Um zumbido uniforme subia dali, enchendo
o ar com uma vibração intensa. De algum lugar vinha
um cheiro de ozônio.
— Amanhã as manobras de evacuação serão
iniciadas em todos os pontos do planeta Barcon II —
disse Regoon em tom orgulhoso. — Não demorará
muito, e a viagem do planeta terá início.
— E amanhã me despedirei de Barcon —
respondeu Rhodan. — Informarei os mundos da
Galáxia de que os ancestrais da humanidade
retornarão.
Nex e Regoon sorriram. Em seus olhos não se via
mais nada da tristeza que os mesmos costumavam
exprimir. Exalavam confiança e uma felicidade
tranqüila. E a força e decisão que lhes permitiriam
passar o resto de suas vidas numa solidão absoluta.
* * *
A viagem ao campo de pouso parecia uma marcha
triunfal. Milhares de barcônidas enchiam as ruas e
cumprimentavam o embaixador da Galáxia com gritos
de júbilo. Nada parecia indicar que toda essa gente via
o sol pela última vez, pois antes mesmo que deixasse
o sistema, os barcônidas desceriam para as
profundezas de seu mundo para morrer por lá. Só seus
descendentes mais longínquos veriam um belo dia os
novos sóis, que voltariam a dar calor, luz e vida ao seu
planeta.
Enquanto o carro diminuía a velocidade até parar,
a pequenina nave na qual Rhodan viera desceu do céu.
Pousou suavemente. A cabine abriu-se
automaticamente.
Laar foi o primeiro a descer do carro. Deu a mão a
Rhodan, para ajudá-lo a descer. Nex, Regoon e Gorat
seguiram-no.
— Agradecemos pela visita, Rhodan. Já sabemos
que nossos filhos não nos esqueceram. Rhodan
transmita à comunidade galáctica lembranças de seus
irmãos.
— Serão dadas — prometeu Rhodan.
Quando, ainda de pé na cabine aberta, virou-se
para acenar pela última vez para a multidão, o grito de
júbilo da massa humana subiu para o ar claro e tépido
do planeta. Parecia o grito de alívio duma criatura
martirizada, que subitamente se vê livre dos seus
sofrimentos.
Rhodan sentiu as lágrimas que lhe subiam aos
olhos. Virou-se abruptamente e desapareceu no
interior da nave. Esta decolou poucos segundos depois
com um leve abalo e, depois de descrever uma curva,
subiu verticalmente para o céu.
Barcon II voltou a mergulhar no silêncio eterno da
solidão.
Nos próximos dois dias o espetáculo da viagem
repetiu-se em sentido inverso. A cada hora que
passava a Galáxia crescia, até que a pequena nave
mergulhasse na confusão de estrelas de um dos braços
da espiral. Naquele instante Rhodan compreendeu o
que os barcônidas queriam dizer quando falavam em
sua solidão insuportável.
— Dentro de uma hora relativa chegaremos ao
destino — disse o imortal de forma bem perceptível.
— Será que você não vai me dizer por que veio?
— Você não sabe? — perguntou Rhodan
espantado.
— Apesar disso gostaria que você dissesse.
— Preciso duma arma definitiva, para defender
meu planeta natal contra o perigo que o ameaça. Os
mercadores galácticos descobriram a Terra, e não
serão os últimos.
— Ora, os filhos dos barcônidas! — disse aquilo
com um riso de escárnio, mas de repente tornou-se
muito sério. — Estes não deverão sofrer nenhuma
decepção quando chegarem à Galáxia, o que poderá
acontecer bem mais cedo do que você pensa. É bem
61
possível que alguém os ajude a vencer o tempo.
Fez uma pausa, para deixar que suas palavras
produzissem efeito na mente de Rhodan.
— Uma mão forte deve unir a Galáxia. E essa mão
forte é você, Rhodan. Só você! Por isso dar-lhe-ei a
arma que me pede. Apenas lhe peço que nunca abuse
dela!
— Pretende dar-me a arma? — perguntou Rhodan,
que subitamente se sentia desconfiado. — Sem
qualquer prova, sem outra missão a cumprir?
— Nossa excursão foi a melhor prova. Você
passou bem por ela, não passou?
— Acredito que sim — com sua ajuda.
Aquilo riu divertido.
— É claro que foi com minha ajuda; nem poderia
ter sido de outra forma. Quer dizer que você quer um
transmissor fictício. Pretende teleportar porções da
matéria. Deseja levar, por exemplo, cargas nucleares
para dentro das naves de seus inimigos.
— E você me ajudará?
— Naturalmente. Durma Rhodan, que você tem
diante de si mais um salto no tempo. Mas não
deixaremos de retornar ao presente, onde há uma
tarefa à sua espera. Seu amigo Bell deverá estar
curioso para saber por onde você andou durante o
segundo em que esteve ausente...
Enquanto refletia sobre as palavras do imortal,
Rhodan sentiu um cansaço invencível. Olhou para a
tela e viu a primeira constelação, que se deslocava
lentamente.
Depois adormeceu...
...e logo despertou.
5
...houve? Você está ficando transparente... já está
de volta! Quer fazer um exercício de teleportação?
Rhodan olhou para o relógio de bordo.
17 de agosto, 22:53 h, hora de Terrânia.
Nem chegara a perder um segundo.
— Olá, Bell — disse com a voz embaraçada. —
Um exercício de teleportação? Não foi bem isso.
Talvez seja uma brincadeira de nosso grande e velho
amigo. — Olhou pela vigia da frente. — A montanha!
Estamos chegando.
Bell ia perguntar mais alguma coisa, mas preferiu
ficar calado. Em sua testa havia uma ruga vertical.
Talvez estivesse refletindo para descobrir como era
possível que numa fração de segundo Rhodan
arranjara uma camisa limpa, e ainda um uniforme bem
passado. Mas no planeta da vida eterna tudo era
possível, até as coisas mais medonhas.
Viram a cidade. O campo de pouso parecia ter
crescido. Novos edifícios erguiam-se em torno dele. O
pavilhão continuava no mesmo lugar. A entrada estava
aberta. Um vulto humano, solitário e abandonado,
estava lá embaixo, olhando para eles.
Era Homunk, a criatura artificial do imortal.
Corporificava este e servia de mediador entre ele, o
grande invisível, e os humanos. Seu saber infinito
permitira-lhe transformar uma porção de matéria num
homem para o qual não havia problemas insolúveis.
A Stardust-III pousou.
Rhodan e Bell foram os primeiros a saírem da
nave. Dirigiram-se a Homunk, que os aguardava com
um sorriso nos lábios.
— Bem-vindos em Peregrino, o planeta da vida
eterna — disse, estendendo a mão aos dois homens.
— Quer dizer que desta vez desejam uma arma. Um
transmissor fictício de matéria, segundo soube de meu
senhor. O desejo foi concedido. Fui incumbido de
montar dois aparelhos desses nas posições de combate
da nave. Será que poderão dar uma ajuda?
Rhodan ficou surpreso em ver com que rapidez o
imortal atendia ao seu pedido. Isso não combinava
com a imagem que fizera dele, se considerasse as dez
semanas que passara com o mesmo. Mas teriam sido
realmente dez semanas?
— Ajudaremos, sim — naturalmente. — Rhodan
teve que fazer um esforço para não dar uma
palmadinha no ombro de Homunk e chamá-lo de
“velho amigo”. O homem artificial sorriu.
— Vamos começar.
Não houve nenhum preparativo, nenhuma demora.
Que interesse teria o imortal em não perder tempo
— ele, que dominava o tempo?
Por um instante Rhodan se esquecera de que
aquilo possuía um ânimo muito galhofeiro.
Os trabalhos foram iniciados imediatamente. Os
cinquenta robôs de trabalho depositados a bordo da
Stardust-III levaram para bordo as peças depositadas
no grande pavilhão, e ali montaram os dois aparelhos
sob a orientação de Homunk.
Quinze dias passaram-se.
Rhodan ficava cada vez mais preocupado com o
tempo que estavam perdendo. Bell também não
conseguiu disfarçar a ansiedade. No início da terceira
semana, quando os trabalhos ainda estavam em pleno
andamento, Rhodan olhou para o lado. Encontravam-
se numa pequena colina, de onde podiam contemplar a
imagem dos Alpes. À sua esquerda estendia-se a
superfície reluzente dum mar. O sol artificial
encontrava-se praticamente no zênite, e um calor
agradável enchia o mundo artificial.
— Já falou com ele a este respeito? — perguntou
Bell.
— Você se refere ao tempo — respondeu Rhodan,
que sabia perfeitamente onde o amigo queria chegar.
— Tentei várias vezes, mas não obtive uma resposta
direta. Estamos perdendo muito mais tempo do que
poderia parecer. Já estamos aqui há mais de quinze
dias. Se me lembro da nossa experiência passada,
chego à conclusão de que é bem possível que lá no
espaço e sobre a Terra vários anos se tenham passado.
E isso seria uma catástrofe. O que nos adiantarão as
superarmas, se chegarmos tarde para salvar a Terra e o
Universo?
— Devíamos... — principiou Bell, mas calou-se
abruptamente. Rhodan percebeu sua hesitação e
seguiu o olhar do amigo, que fitava o mar. Uma esfera
colorida flutuava sobre a superfície ligeiramente
agitada e aproximava-se lentamente. Parecia não ter
62
peso e desconhecer a lei da gravidade. Como se fosse
tangida pelo vento, ia velejando em direção à colina
em que se encontravam. E dela saiu a voz do imortal,
forte e nítida — e entremeada com o habitual tom
irônico.
— Assumi uma forma bastante estranha, não
acham? Poderia ter vindo sob a forma dum monstro,
mas isso seria contrário à estética. Uma bolha de
sabão colorida é bem mais bonita.
— Mas esta pode arrebentar — disse Bell sem o
menor respeito.
— É claro que pode! — disse o imortal com uma
gostosa gargalhada. Parecia divertir-se a valer. —
Querem ver?
Rhodan preferiu não perder a oportunidade que se
oferecia.
— Não! — exclamou. — Gostaria de fazer-lhe
uma pergunta.
— Mais um pedido?
— Sim, mais um pedido, velho amigo. Você sabe
qual é a minha situação. Nossos “amigos”, que levam
vantagem sobre nós, estão sitiando nosso sistema.
Conseguiram atrair alguns amigos meus a uma
armadilha e os destruirão se não chegarmos a tempo.
O mundo de você fica em outro plano temporal que o
meu. Da outra vez que estive aqui se passaram mais
de quatro anos. Agora isso não deve acontecer. Quinze
dias já seriam demais. Quero pedir-lhe...
— Um prazo de dez minutos é satisfatório? —
perguntou o imortal. A esfera colorida parecia inchar,
e a gama de cores parecia cada vez mais variada.
Rhodan parecia perplexo.
— Está bem, dez minutos. Mas para quê?
— Dez minutos ao todo, velho amigo. Pense em
tudo pelo que você passou nesses dez minutos. Você
fez uma excursão à eternidade e acompanhou o
destino de sua raça. Além disso, equipou sua nave
com a mais formidável das armas. Aliás, tenho armas
ainda mais potentes, mas você não fez nenhuma
pergunta a respeito. Não posso ajudá-lo, se você não
me dá as indicações. Talvez mais tarde...
— Ontem Homunk fez algumas alusões —
recordou Bell muito exaltado. — Mas não respondeu
às perguntas que lhe fizemos.
— Nem está habilitado a responder — disse com
uma risadinha à esfera que agora flutuava bem em
cima de suas cabeças. — Mas as indicações que ele
forneceu deviam levá-los há pensar um pouco. Talvez
em sua próxima visita vocês possam fornecer
informações mais precisas sobre aquilo que desejam
de mim. Terei muito prazer em ajudá-los. Não querem
que os barcônidas sofram uma decepção quando
regressarem.
Bell fez cara de espanto.
— Os barcônidas? Será que está aludindo aos
arcônidas?
Uma gargalhada homérica veio do céu.
— Que fantasia deliciosa tem meu jovem amigo!
Não deve quebrar a cabeça — ela é muito linda.
Bell esteve a ponto de responder, mas uma forte
lufada de ar quase o atira ao chão. A bolha reluzente
estourara. O ar veio de todos os lados para encher o
vácuo. Logo o vento cessou.
— Foi ele que quebrou a cabeça — murmurou
Bell, arrastando Rhodan encosta abaixo. — Quem são
esses barcônidas?
— Isso é uma história muito comprida — disse
Rhodan em voz baixa. Depois de refletir um pouco,
acrescentou: — É possível que seja apenas uma lenda;
não sei. Um dia destes contarei. Ainda bem que
estamos livres de nossa grande preocupação. Não
vamos perder tempo.
— Tem certeza?
— Certeza absoluta! — confirmou Rhodan,
andando a passos largos. Lá embaixo a Stardust-III os
aguardava. Amanhã as armas estariam em condições
de serem usadas.
Homunk compareceu à sala de comando.
— Meu senhor pediu que lhe dissesse que já pode
decolar, Rhodan.
— Não vai despedir-se de nós? — perguntou
Rhodan espantado.
— Ele o faz por meu intermédio. Além disso, está
conosco neste instante.
Bell olhou em torno, mas não viu ninguém.
— Onde está? — perguntou como se esperasse ver
outra esfera colorida.
Homunk sorriu.
— Está corporificado num ser humano, num ser
humano que o senhor ama muito, Bell — disse; logo
seu rosto voltou a assumir uma expressão séria. —
Meu senhor quer que vocês decolem daqui a dez
minutos, rompendo a abóbada energética na vertical.
Vocês retornarão ao seu sistema no mesmo dia em que
partiram de lá.
Rhodan sentiu-se aliviado por ver a informação
confirmada mais uma vez.
— E a arma? Será que funciona?
— Não tenha a menor dúvida — asseverou
Homunk.
Rhodan ligou o intercomunicador e transmitiu
algumas ordens aos postos de combate. Depois olhou
para o relógio.
— Veremos — disse. — Meu velho amigo não se
zangará se fizer uma experiência na sua área. —
Lançou outro olhar para o relógio. — Qual é a
profundidade desses oceanos?
— Quatro mil metros.
— Excelente! — Rhodan voltou a falar com os
postos de combate. Alguns dados. Depois surgiu a
ordem: — Tudo pronto? Pois bem, vou disparar.
Comprimiu um botão que se encontrava a seu lado,
e que nunca parecia ter sido usado, o que correspondia
à realidade.
Alguns segundos passaram-se. Depois uma
enorme montanha de água surgiu lá fora, no oceano,
formou um gigantesco cogumelo e caiu sobre si
mesma. Vapores brancos turbilhonaram em direção ao
céu artificial. A vaga provocada pela explosão correu
para a margem e inundou grande extensão da zona
costeira.
No mesmo instante começou a chover.
Alguém estava rindo.
— Muito bem, velho amigo. Sabe lidar com armas.
Mas volto a preveni-lo: a superioridade que você
acaba de adquirir só poderá ser usada em prol da
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conservação da paz. Se não for assim, a arma será
dirigida contra você mesmo. Quando for atacado,
poderá destruir o inimigo. Mas nunca ataque ninguém!
Eu o previno, velho amigo. Estou falando muito sério!
— Você não tem motivo para preocupar-se —
tranquilizou-o Rhodan. — Nosso poder tem por único
objetivo realizar o sonho dos barcônidas. E nisso
estamos de acordo, não estamos, velho amigo?
— Inteiramente! Passe bem, Perry Rhodan. Um
momento! Antes que eu me esqueça: fiz uma
promessa a Bell. Poderá procurar em seu camarote.
Mais uma vez o invisível sorriu. Depois reinou um
silêncio total.
Homunk dirigiu-se à porta.
— Desejo-lhes tudo de bom. Mais um conselho:
assim que saírem da proteção deste mundo e
retornarem ao plano existencial comum, tenham
cuidado! Passem bem, caros amigos!
Desapareceu antes que pudessem responder.
Bell parecia furar o ar com o olhar.
— No meu camarote? O que foi que ele me
prometeu?
— Como posso saber? — disse Rhodan, dando de
ombros. — Uma eternidade se passou desde que
chegamos aqui. Não posso lembrar-me de tudo.
— Nem eu. Duas semanas e meia são um tempo
muito longo.
Rhodan sorriu sem dizer uma palavra. Então Bell
vivera dezessete dias. E ele, Rhodan? Teria vivido
treze semanas e meia? Ou uma eternidade formada de
duas parcelas de cento e cinquenta anos?
Ou seriam apenas dez minutos?
Levantou a mão e ligou o intercomunicador.
— Atenção, todos os tripulantes! Decolaremos
dentro de um minuto. Atar cintos! Dentro de
exatamente três minutos romperemos a abóbada
energética. O tempo já está correndo. Cento e setenta
e nove... cento...
O robô prosseguiu na contagem.
Ao número cento e vinte a Stardust-III ergueu-se e,
imponente, subiu ao azul do céu artificial. As nuvens
produzidas pela detonação atômica subaquática já
haviam descido ao solo. Lá em cima o sol artificial
desperdiçava a profusão dos raios dourados.
— Vou até o camarote para deitar um pouco —
disse Bell. — Avise-me quando chegarmos perto da
transição.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
Permaneceu só na sala de comando. O assento de
piloto proporcionava uma proteção tamanha que
poderia superar o pior dos abalos. Daqui poderia
dirigir a enorme esfera com uma das mãos, se não
preferisse deixar o controle a cargo do robô.
Exatamente dois minutos depois da decolagem a
Stardust-III rompeu a cúpula feita de energia que se
estendia acima do planeta Peregrino. O abalo sacudiu
todos os compartimentos da nave, mas em grande
parte foi absorvida e compensada pelos campos
gravitacionais.
Poucos segundos antes do grande acontecimento o
sinal de chamada acendeu-se. Bell procurava entrar
em contacto com a sala de comando por meio do
intercomunicador. Aborrecido, Rhodan não lhe deu
atenção. Não tinha tempo para ouvir piadas sem graça
ou deixar que o distraíssem de outra forma. A situação
exigia toda concentração. Estava lembrado da
advertência de Homunk, segundo a qual devia ter um
cuidado todo especial quando rompesse a barreira que
o separava do Universo normal.
Rhodan não imaginava por que aquele instante
representaria um perigo, mas nem pensou em fazer
pouco caso do aviso que lhe fora dado.
Seu olhar caiu sobre o relógio de bordo, que
poucos segundos antes da ruptura da barreira
continuava há indicar o dia 3 de setembro, 15:47 h,
tempo de Terrânia.
O abalo veio em seguida. O planeta Peregrino
desapareceu de uma hora para outra, sendo substituído
pela visão conhecida do Universo.
Os algarismos do relógio correram
vertiginosamente diante dos olhos de Rhodan. O
calendário de bordo adaptou-se ao novo plano
temporal. Marcava o dia 17 de agosto, 22:39 h, tempo
de Terrânia.
Fazia exatamente dez minutos e meio que haviam
penetrado nesse mesmo ponto na cúpula energética do
planeta Peregrino. E fazia apenas sete horas que
haviam decolado da Terra.
Dali a quarenta minutos o imortal o levaria
consigo, para uma excursão às profundezas dos
abismos que se abrem entre as nebulosas. Uma
excursão à eternidade...
Rhodan sentiu que seus cabelos se arrepiavam. No
mesmo instante o som estridente do alarma encheu a
nave.
Os aparelhos automáticos de observação haviam
localizado porções de matéria, muito embora nenhuma
matéria devesse existir num raio de cinquenta anos-
luz.
Poucos segundos depois veio o aviso da sala de
comando das operações de combate:
— Posto de combate TFM preparado!
Antes que as vigias se fechassem, Rhodan viu as
oito naves em forma de rolo compressor dos
saltadores, que se precipitavam vertiginosamente
sobre a Stardust-III embora o surgimento repentino do
veículo espacial as deva ter surpreendido.
Mais alguns segundos, e os impulsos eletrônicos
percorreram as instalações robotizadas.
Naquele instante uma gargalhada soou nos ouvidos
de Rhodan. Uma voz disse em tom galhofeiro:
— Olá, amigo velho! Chegou a hora de
experimentar a nova arma. Vai ser muito divertido...
Rhodan não pensava assim. Estreitou os olhos e
mordeu os lábios.
— Transmissor um — disparar! — gritou no
microfone.
Naquele instante a Stardust-III transformou-se na
mais perigosa e mortal de todas as naves que já
percorreram o Universo.
64
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Topthor não acreditava no que estava vendo.
Poucos minutos antes ordenara uma pausa de
descanso, pois contava com uma permanência mais
prolongada de Rhodan sobre o planeta que, segundo
tudo indicava, era invisível. Assim que a gigantesca
esfera voltasse a ingressar no espaço, ele a destruiria
num ataque fulminante. Depois disso não seria difícil
descobrir o planeta da vida eterna.
E agora a Stardust-III surgiu do nada bem diante
do seu nariz, apenas dez minutos depois de ter
desaparecido.
Despertou imediatamente. Com uma pancada de
seu enorme punho baixou a
chave que colocava em
funcionamento a comunicação
audiovisual com as outras
naves.
— Alarma! Rhodan está de
volta! Vamos atacá-lo e
destruí-lo. Deixem a
determinação das coordenadas
do ponto de emersão por
minha conta.
Grogham estava a postos.
Em palavras de comando
ligeiras e entrecortadas
ordenou e dirigiu o ataque.
Mandou que cinco das naves
avançassem, enquanto ele
mesmo, com a nave de Topthor
e mais uma, permanecia na
posição atual. Isso salvaria sua
vida e a do chefe do clã.
As cinco naves espalharam-
se e formaram um anel bem
amplo, em cujo centro a
Stardust-III os aguardava, sem
esboçar qualquer defesa.
— Lançar torpedos! —
berrou Grogham no seu
aparelho de comunicação. Os
comandantes dos cinco
couraçados, que tantas vezes
haviam corrido em auxílio de outros clãs dos
mercadores, receberam a ordem e agiram de acordo
com a mesma.
Cinco pesados torpedos com cargas de fusão
nuclear saíram das escotilhas e correram em
velocidade cada vez maior na direção da Stardust-III.
Tensos, Topthor e Grogham acompanhavam o
espetáculo. Estavam curiosos para ver o que
aconteceria. Naturalmente contavam com a presença
dum poderoso campo de defesa dos terranos, mas
esperavam que o mesmo não resistisse à descarga
energética de cinco bombas atômicas superpesadas.
Naquele instante verificaram-se cinco explosões
em torno da Stardust-III, apagando por um instante a
luminosidade débil das estrelas distantes. Topthor
fechou os olhos e esperou que a luminosidade
diminuísse. Não conseguiu desvencilhar-se de certo
sentimento de orgulho. Talvez tivesse conseguido
aquilo que Etztak e Orlgans tentaram em vão —
destruir Rhodan. Mas a recompensa de seus esforços
não seria apenas esta. Ainda teria encontrado o mundo
da vida eterna — ou quase o teria encontrado.
Lentamente foi abrindo os olhos.
A gigantesca esfera continuava a flutuar, intacta,
em meio às cinco naves de guerra do clã dos
superpesados, comandado por Topthor. Teve a
impressão de que o metal arcônida emitia um brilho
traiçoeiro e desafiador. Fora de si de raiva, berrou:
— Dois torpedos! Cada nave disparará dois
torpedos simultaneamente.
Também este ataque foi dirigido por Grogham.
Perdera parte da autoconfiança, pois imaginava que
talvez desta vez tinham
encontrado um inimigo
à altura — e não apenas
um inimigo, mas
também um mestre.
O campo energético
da nave de Rhodan
também resistiu a essas
dez explosões e à
descarga energética
provocada pelas
mesmas. Era bem
verdade que os
geradores foram
solicitados até o limite
de sua capacidade. Se
os mercadores tivessem
a ideia de lançar três
torpedos ao mesmo
tempo, a Stardust-III
estaria perdida.
— Transmissor
número um — prepare-
se para entrar em ação.
— Preparado! —
soou a voz tranquila e
objetiva.
O posto de combate
aguardava.
Os homens
confiavam na nova arma — e, mais do que isso, em
Rhodan.
— Desistiram dos torpedos, constatou Rhodan.
Tentavam alcançar o objetivo com feixes de raios
concentrados. Era uma arma nada desprezível. Mas o
campo energético da Stardust-III resistiu sem
problemas.
Teve tempo para dedicar sua atenção a Bell, que
entrara correndo na sala de comando, com os cabelos
em pé.
— Dormiu bem? — perguntou Rhodan em tom
gentil.
Bell enfureceu-se sem o menor motivo.
— Dormi o quê! Enquanto você se divertia com
esses pepinos saltadores, eu...
— Eu me diverti com quê? — indagou Rhodan.
— Esses pepinos. Não pertencem aos saltadores ou
mercadores? Pois então! Tenho o direito de dar-lhes o
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nome que melhor me aprouver.
— Por que está tão irritado? Será que uma pulga...
— Pulga o quê! — disse Bell indignado, e
contemplou interessado o quadro que se esboçava na
tela, onde os raios térmicos disparados pelas cinco
naves inimigas eram repelidos pelo campo energético
e retornavam ao espaço. — Se voltar a me encontrar
com esse imortal, vou... bem, em parte a culpa é
minha.
Preocupado, Rhodan sacudiu a cabeça.
— Receio que o último salto temporal não lhe
tenha feito muito bem, mesmo que você não tenha
percebido nada. Ou será que bateu com a cabeça em
algum lugar?
— Não bati em lugar algum! — gritou Bell
furioso, batendo com o pé. A cabelaça ruiva tremia de
raiva. — Esse imortal...
— O que há de errado comigo? — perguntou uma
voz vinda do teto. Rhodan e Bell olharam para cima e
endureceram. Bem acima de suas cabeças flutuava
uma bola de dez centímetros de diâmetro, que luzia
em todas as cores e emitia uma luminosidade branca.
— Minhas intenções foram as melhores possíveis,
caro Bell. Afinal, a ingratidão é a paga do mundo,
segundo se costuma dizer entre os senhores. Rhodan,
não desperdice seu tempo com esse moço imaturo. O
inimigo está planejando um ataque concentrado com
bombas gravitacionais. A Stardust-III será
arremessada para a quinta dimensão...
A esfera apagou-se.
Enquanto Bell contemplava perplexo o lugar em
que estivera a esfera, Rhodan se transformou numa
máquina de combate que funcionava com extrema
precisão. Seus escrúpulos desvaneceram-se.
Bombas gravitacionais! Era a mais terrível das
armas até então produzidas. Ele mesmo só se atrevera
uma única vez a empregá-la. E agora pretendiam
destruí-lo com ela.
— Posto de combate. Transmissor número um.
Fogo!
As coordenadas eram corretas. Corretíssimas!
Uma das cinco naves inchou de um instante para
outro, como se uma bomba nuclear estivesse
detonando em seu interior — o que realmente estava
acontecendo. Um sol formou-se. Quando a nuvem
incandescente acabou de espalhar-se pelos quatro
cantos, não havia mais vestígio da nave.
O transmissor fictício não tivera a menor
dificuldade em transportar a bomba através do campo
energético do inimigo e detoná-la no alvo.
Não havia qualquer defesa contra essa arma.
Rhodan venceu os escrúpulos morais.
Sabia que era uma luta de vida e morte. Com esses
saltadores não se brincava. E não tinha a menor ideia
de que estava lidando com um clã todo especial.
— Transmissor número dois — fogo!
A segunda nave foi destruída com a mesma
rapidez da primeira.
— Que coisa horrível! — gemeu Bell. — Que
arma é esta?
Rhodan mordeu os lábios e, falando entre os
dentes, disse:
— Transmissor número um — fogo!
Depois:
— Transmissor número dois — fogo!
A última das cinco naves que participavam do
ataque resolveu recorrer a uma ação desesperada.
Acelerando ao máximo, procurou abalroar a Stardust-
III de frente. Rhodan conseguiu destruí-la instantes
antes da colisão.
O sopro incandescente da explosão roçou o campo
energético da Stardust-III. Topthor, que acompanhou
os acontecimentos com os olhos arregalados, começou
a desconfiar de que algo de inacreditável se passara.
Nos dez minutos passados no planeta da vida eterna
Rhodan devia ter conseguido a terrível arma. Embora
parecesse impossível, devia ser verdade. Não havia
outra explicação para a destruição das cinco naves
num espaço de menos de dois minutos. Com armas
convencionais Rhodan nunca conseguiria realizar uma
façanha dessas.
E percebeu mais uma coisa. Rhodan não pensava
em atacar quem quer que fosse e muito menos em
destruí-lo. Por isso as três naves que restavam não
corriam perigo.
— Grogham! Prepare a transição! Pouco importa
para onde! Vamos dar um salto de duzentos anos-luz.
Uma vez chegados lá, trataremos de orientar-nos.
Enquanto isso, eu transmitirei uma mensagem para
Etztak.
Rhodan cometeu um pequeno engano.
Não se interessou pelos inimigos que ainda
restavam. Acelerou a Stardust-III e precipitou-se
vertiginosamente espaço afora, deixando para trás
Topthor com as três naves.
— E aquelas ali? — perguntou Bell espantado. —
Não vai...
— Destruí-las? Por quê? Não representam
qualquer perigo para nós. Há esta hora nossa tarefa
mais urgente consiste em ajudar Tiff. Não se esqueça
de que está num planeta de gelo, que pode
transformar-se num inferno de chamas no momento
em que Etztak perder a paciência e descobrir o jogo
que estão fazendo com ele. Daqui a oito minutos
passaremos à transição. Materializaremos no sistema
de Beta-Albíreo.
Bell respondeu com um aceno da cabeça, para logo
sacudir esta violentamente.
Espere aí! Não podemos levá-la.
— Levar quem?
— Ora essa! A Rallas!
Por um instante Rhodan pensou que Bell tivesse
perdido o juízo. Com a testa levemente enrugada fitou
o amigo, que parecia desesperado.
— A Rallas? Não venha me dizer...
— Digo, sim. Está sentada no meu camarote e
sente-se muito ofendida porque não me interesso por
ela. Meu Deus, se a tripulação souber disso —
especialmente o tal do Redkens! Não terei mais um
minuto de sossego na minha vida.
Rhodan certificou-se de que o piloto automático
robotizado estava calculando o ponto de transição e a
intensidade do salto. Verificou que restavam mais de
sete minutos. Deu um sorriso irônico.
— Fique tranquilo, que não é a verdadeira Rallas.
— Qual é a diferença? Qualquer um pensará que é
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ela mesma — e, para dizer a verdade, realmente é. O
que devo fazer com ela?
— Ignore-a. Conheço as brincadeiras do imortal;
ele a fará desaparecer assim que perceber que não nos
interessamos por ela. Por enquanto deixe que fique no
seu camarote.
— No meu camarote? — O rosto de Bell parecia
tão apavorado que Rhodan não pôde reprimir uma
gostosa gargalhada. — Não posso habitar um
camarote juntamente com uma dama. Não é que tenha
alguma coisa contra o sexo feminino, mas na situação
em que nos encontramos...
Rhodan olhou para o relógio. Faltavam seis
minutos.
— No momento da transição ela desaparecerá.
Tenho plena certeza. O imortal apenas está se
permitindo uma brincadeira...
No corredor ouviram-se passos. Ninguém poderia
deixar de ouvir as vozes. Alguém estava rindo.
Bell empalideceu de repente. Por um instante
lançou um olhar de espanto para Rhodan. Depois, com
um gesto decidido, empurrou a porta para o lado.
A Rallas estava no corredor, distribuindo
autógrafos. Alguns dos telegrafistas, e também
Redkens, do setor de pilotagem, comprimiam-se em
torno da estrela de cinema, falando insistentemente à
mesma. Especialmente Redkens fez questão de saber
se a “divina Rallas” passara todo esse tempo no
camarote de Bell.
Para Bell a brincadeira já estava passando da
conta.
Fungando de raiva, saltou em meio aos
entusiásticos caçadores de autógrafos. Abrindo
caminho com os punhos, parou com as pernas
afastadas e os cabelos arrepiados diante da Rallas, que
lhe lançou um olhar enlevado. Seus olhos brilhavam
na maior inocência deste mundo.
— Que ideia é essa? — chiou Bell furioso. —
Como se atreve a prejudicar minha boa fama? Essa
gente só pode pensar que eu a contrabandeei para
dentro da nave, a fim de... de...
— A fim de quê? — indagou a estrela de cinema,
cheia de curiosidade.
Bell recorreu à grosseria para disfarçar o
embaraço.
— Sabe muito bem! — berrou, pisando no pé de
Redkens, que se aproximara de mais. — Só podem
pensar isso!
— E não foi isso mesmo? — disse Rallas num
sopro e enrubesceu. — Não venha me dizer que não
passamos horas felizes juntos.
A cor do rosto de Bell transformou-se numa
raridade anatômica. Rhodan não se recordava de
jamais ter visto um rosto tão vermelho. Nem os
outros. Recuaram instintivamente, como se receassem
que Bell pudesse estourar.
— Pas... passamos? — gaguejou Bell e não soube
mais o que dizer. Perdeu todo o autodomínio. Com o
rosto desfigurado de raiva entesou o corpo, suas mãos
precipitaram-se para frente e os dedos apertaram o
pescoço da beleza de Hollywood. — Eu a mato! Você
quer minar a moral da tripulação...
Calou-se, perplexo. Com os olhos muito
arregalados, estava fitando seu próprio rosto, que o
cumprimentava com um sorriso familiar. Exclamações
de espanto soaram de todos os lados. Alguém que se
encontrava num ponto mais afastado soltou um grito
de pavor.
Bell estava prestes a estrangular seu sósia. A
Rallas havia desaparecido; um segundo Bell
encontrava-se no lugar antes ocupado por ela. Dois
Bells fitavam-se. O verdadeiro estava rubro de raiva,
disposto a matar o outro. E o falso exibia o sorriso
indiferente que todos estavam acostumados a ver em
Bell.
Rhodan teve de esforçar-se para reprimir o riso.
Faltavam três minutos para a transição.
— Há esta hora você já deve ter compreendido que
o imortal apenas estava brincando com você — e os
outros também estão convencidos disso. Você está
reabilitado, Bell. Sua boa fama foi restaurada. Solte
seu sósia, que ele não tem culpa de nada.
Bell soltou o pescoço de sua vítima e recuou um
passo. Aos poucos a cor de seu rosto foi voltando ao
normal.
— Será possível? — perguntou, e em sua voz
soava um medo instintivo do desconhecido. — Aquele
ali... sou eu! Ou não sou?
— É uma imitação, tal qual a Rallas ou nosso
grande amigo Homunk. Poderia ser perfeitamente eu
que me defrontasse com você. Vamos deixar de lado
as brincadeiras do imortal, pois temos coisa mais
importante a fazer. Bell ajude-me a conferir os dados
para a transição. Os outros voltarão a seus postos.
Inclusive o senhor, Redkens! Fique com o autógrafo
da Rallas; pode arriscar qualquer aposta de que é
autêntico.
Os olhos do cadete foram desfilando entre a
fotografia com a assinatura e o rosto largo e risonho
do falso Bell. Ao que tudo indicava Redkens não
conseguia dedicar a esse rosto o mesmo amor e
veneração que lhe merecera o da Rallas. Sua decepção
era tão evidente que Bell, que já se encontrava na
entrada da sala de comando, lhe disse em tom furioso:
— Dê o fora, Redkens! Afinal, o senhor não vai
querer que eu fosse tão bonito como a Rallas.
Desesperado, Redkens foi seguindo os telegrafistas
que se afastavam apressadamente.
O falso Bell transformou-se numa luminosa esfera
branca, que desapareceu com uma risada de escárnio.
— Tomara que tenha desaparecido para sempre!
— exclamou Bell e fechou a porta. — Gostaria de
estar a algumas centenas de anos-luz daqui.
— Será que você já não suporta uma simples
brincadeira? — disse Rhodan admirado. — Pois você
desafiou o imortal.
Bell olhou para os instrumentos.
— Ainda faltam sessenta segundos. As
coordenadas estão certas. Tudo correto. — Atirou-se
na poltrona e reclinou-se na mesma. Quando
continuou a falar, fechou os olhos. — Dentro de dois
minutos estaremos a mais de 1.750 anos-luz daqui.
Calou-se — e Rhodan sentiu-se grato.
Foi agora, exatamente nesse segundo, que iniciou a
viagem em companhia do imortal. Sentiu que uma
vaga de não compreensão passava por cima dele e
67
envolvia seu ser. Por um instante teve a impressão de
que caía num abismo sem fim. Caía sem o menor
apoio. Mantinha os olhos bem abertos, mas estes não
viam nada. Apenas descortinavam o negrume da
escuridão com uma mancha minúscula e disforme
bem à frente.
Era a Via Láctea!
Precipitava-se em direção à mesma, e isso numa
velocidade inconcebível.
Mas tudo isso só durou um segundo; depois a
visão desapareceu para ceder lugar à realidade. Viu
novamente diante de si as telas de controle da
Stardust-III, os instrumentos e as escalas, as inúmeras
chaves, ponteiros e botões.
Reclinado na poltrona, sentiu a vibração dos
propulsores. Era uma realidade inconfundível. O
segundo que se passara... bem, o que era mesmo
aquilo? Com uma sensação de pavor, Rhodan se deu
conta de que a vivera duas vezes — ou melhor, três
vezes.
A primeira vez no planeta Peregrino, a. criação
incompreensível dum ser ainda mais incompreensível.
Outra vez no infinito, onde esse segundo se
transformou em duas entidades distintas: uma
realidade de dez semanas e uma visão de trezentos mil
anos.
E por fim agora, num segundo perfeitamente
normal.
Qual seria o segundo genuíno, o segundo real? E o
que seria um segundo, se o mesmo já não tinha
qualquer validade?
— Faltam trinta segundos — disse o contador
robotizado com sua voz metálica.
— Vinte e nove...
Rhodan fechou os olhos.
Faltavam vinte e nove segundos — ou vinte e nove
eternidades, conforme se preferisse. Quanto tempo
não estaremos desperdiçando quando tentamos dividi-
lo?
Vinda do nada surgiu à voz que quase chegara a
esperar, uma voz silenciosa, mas bem perceptível:
— É uma pergunta muito inteligente, velho amigo.
Imagine uma Terra em que não existissem dias e
noites, estações do ano, sol e chuva. Será que o
homem se daria conta de que estava envelhecendo?
Não ficaria muito surpreso quando subitamente
sentisse a morte aproximar-se? Saberia que o tempo
existe?
— O tempo não é uma coisa perfeita mente real,
como o espaço?
— Ambas as coisas são perfeitamente irreais,
velho amigo. Você tem diante de si uma distância de
mais de 1.750 anos-luz, uma distância inconcebível,
que ainda há um decênio todos os habitantes da Terra
considerariam insuperáveis. Você vai vencer essa
distância num segundo. Seus relógios lhe mostrarão
que na verdade não se passou mais que um segundo.
Deixe o tempo de fora, e você reconhecerá que
realmente a vitória sobre o espaço não é possível —
por essa forma. Assim mesmo ele é vencido. Você
tem alguma explicação?
— Existe o hiperespaço, o paraespaço. Passamos
pela quinta dimensão...
— São palavras, apenas palavras. O homem as
pronuncia, sem jamais compreender seu sentido. Nem
mesmo seu cérebro treinado pode entendê-las. O
cérebro humano tem uma predileção pela formação de
conceitos abstratos. Tentarei transmitir-lhe uma
concepção da realidade, mas começo a compreender
que com isso apenas o deixaria mais confuso. Ainda
temos muito tempo até que você me abandone.
— Não é tanto assim — pensou Rhodan e olhou
para o relógio, que continuava a indicar vinte e nove
segundos. Perto dele Bell estava estendido, imóvel.
Tinha o rosto rígido, como o dum morto.
— Todo o tempo do mundo está concentrado nesse
estado — pensou o imortal em resposta. — Olhe para
o relógio: está parado. Ainda ouve o contador
robotizado? Não, não o ouve, porque também para ele
o tempo parou. E seu amigo Bell; sob seu ponto de
vista, está morto.
— Morto?
— Isso mesmo: morto. Por mais que você o olhe,
para ele só se passa a fração dum milésimo de
segundo. Seu sangue está parado nas veias. A
Stardust-III continua parada no mesmo lugar. O tempo
não passa mais — para você.
Rhodan sentiu um assomo de pavor. Um sopro
frio, que parecia vir dum túmulo, parecia atravessar a
sala de comando e fê-lo estremecer. Lançou um olhar
para o relógio. O ponteiro dos segundos estava parado.
Rhodan lutou com todas as forças contra a
sensação de pânico, mas não conseguiu evitar que a
mesma o dominasse, ao menos em parte. Sua mão
tocou o corpo de Bell.
Este parecia de pedra. Não se moveu um
milímetro.
— Bell, você me ouve?
— Não adianta! — disse a voz do imortal vinda do
nada. — Do seu ponto de vista, Bell congelou no
tempo. Vê você sentado ao seu lado, e não enxerga
seus movimentos instantâneos, da mesma forma que
não pode ouvir suas palavras. Lembre-se de que para
ele não se passa nem um segundo, enquanto nós
estamos ocupados em solucionar o problema do
tempo, passando talvez várias horas no plano da
atemporalidade.
— E eu? O que houve comigo? O que acontecerá
se eu me levantar e andar pela nave?
— Ninguém o impedirá, velho amigo. Você sairá
do seu lugar, mas na verdade apenas o abandonará por
um milésimo de segundo. Seus movimentos são tão
rápidos que o olho humano não consegue captá-los.
Rhodan continuou sentado.
— Não compreendo — minha inteligência recusa-
se a admitir essa realidade. Não posso existir
simultaneamente em dois planos diferentes.
— É claro que você pode. Quando você se
encontra diante dum aparelho de telefilmagem, você
também existe duas vezes ao mesmo tempo, e em dois
tempos diferentes — desde que você apareça no filme
que está sendo exibido.
— Isso não é a mesma coisa — objetou Rhodan.
— Será que não é? Será que não é a mesma coisa,
se considerarmos que a cada segundo que se passa
somos uma pessoa diferente? As células de nosso
68
corpo renovam-se constantemente, tal qual o sangue.
Logo, o homem deste segundo não pode ser o mesmo
do segundo que se segue. São homens diferentes. Mas,
reúna-os no mesmo segundo, o que é perfeitamente
possível para quem adquiriu o domínio do tempo, e
você terá frente a frente não os mesmos homens, mas
dois homens iguais.
— Quer dizer que Bell estava estrangulando a si
mesmo, não sua imagem?
O imortal deu uma risada.
— Por pouco não mata o Bell que existirá daqui a
dez minutos. Foi dali que eu o trouxe.
Rhodan perguntou:
— E se ele o matasse, o que aconteceria?
O imortal ignorou a pergunta. Não estava disposto
a responder a todas as indagações.
— Falamos sobre a influência que se pode exercer
no futuro. Você viu a prova. No seu próprio interesse
dar-lhe-ei mais uma prova. Mas não acredito que eu
possa anular qualquer coisa que está acontecendo
neste segundo. Apenas quero que esteja prevenido.
Acompanhe-me para o interior da nave de Topthor.
— Quem é Topthor?
— O chefe do clã dos mercadores que localizou
você. É um dos chamados superpesados. Não se
assuste ao vê-lo. As três naves comandadas por ele
estão próximas à transição. Neste instante está dando
ordem ao seu telegrafista, para transmitir determinada
mensagem. O destinatário é certo Etztak.
— Etztak — o patriarca dos saltadores. O que vem
a ser isso?
— Você sabe perfeitamente que Etztak perdeu a
paciência. Quer transformar num inferno atômico o
planeta em que se encontram seus inimigos. Se
receber a mensagem, não hesitará mais em realizar seu
intento.
Você sabe perfeitamente que estava esperando
apenas porque pretendia obter informações preciosas
de sua gente. Mas, quando receber a mensagem de
hipercomunicação de Topthor, ficará ciente de que
você o estava enganando. Saberá que as pessoas que
se encontram no planeta de gelo só estão ali para
distraí-lo, a fim de que você pudesse ir tranquilamente
ao planeta da vida eterna, em busca da nova arma.
Topthor o informará de que você conseguiu a nova
arma, e provavelmente os atacará com a mesma.
Logo, Etztak estará prevenido. Os mercadores são
muito unidos quando se trata de defender os interesses
comuns. Não costumam sujar o prato de que comem.
Etztak solicitará o auxílio da frota de guerra dos
mercadores galácticos.
— Não quero a guerra — gemeu Rhodan
assustado. — Mesmo que disponha de armas
superiores, não a quero.
— Já não é possível evitá-la totalmente —
respondeu a voz do imortal. — E não posso
intrometer-me nos conflitos existentes na Galáxia,
pois isso representaria uma violação das leis naturais.
Mas posso fornecer certas indicações. E se eu o
prevenir apenas lhe darei uma indicação. — Deu uma
risadinha irônica. — Venha comigo, Rhodan. Quero
que conheça Topthor, o inimigo com que vai
defrontar-se. É bom que saiba que ele não poderá vê-
lo, da mesma forma que você não poderá tocar seu
corpo. Você continuará sentado na Stardust-III, mas
seu espírito abandonará o corpo, por uma pequenina
fração de segundo.
Antes que Rhodan pudesse responder, aconteceu
uma coisa muito estranha. Começou a afastar-se de si
mesmo. Flutuou abaixo do teto e teve a impressão de
olhar para si mesmo. Ao mesmo tempo, segundo
imaginava, seu corpo retornava ao plano temporal
comum; só seu espírito permanecia no plano em que o
tempo parara. O Rhodan para o qual estava olhando
“congelou-se”. Seu olhar rígido continuava fixado nos
instrumentos.
Subitamente Rhodan, ou seu espírito, atravessou as
paredes da Stardust-III. Flutuou livremente no espaço.
Tentou em vão ver-se a si mesmo. Estava reduzido ao
nada. Estava invisível.
A Stardust-III transformou-se numa esfera parada
no espaço, que não se movia um centímetro sequer.
Os homens e as máquinas que se encontravam no seu
interior transformaram-se num retrato realista, que
reproduzia apenas um milésimo de segundo de vida.
A Stardust-III foi diminuindo rapidamente, até que
Rhodan não a viu mais.
— Talvez a esta hora você já compreenda por que
minha raça renunciou ao corpo, quando se viu diante
da possibilidade de espiritualizar-se. O corpo é um
simples instrumento. É vulnerável e por isso mesmo é
mortal.
— Bem que eu sentiria falta do meu corpo —
respondeu Rhodan em pensamento.
— Acontece que você é apenas um humano, velho
amigo. Acontece que eu sou minha raça. É uma
diferença enorme. Dentro de mim também vivem
aqueles que se opunham à espiritualização. Talvez
seja por isso que tenho uma tendência de fazer minha
aparição sob esta ou aquela forma. Chegamos. Esta é a
nave de Topthor.
O “pepino” também estava parado no espaço.
Mantinha-se no mesmo plano existencial da Stardust-
III. Rhodan não podia conceber que nesse meio tempo
não havia acontecido absolutamente nada. Mas já
compreendia uma coisa: enquanto se mantivesse por
ali, naquele estado, não estaria perdendo tempo.
Quando viu Topthor, o gigante quadrado levou um
susto, muito embora o imortal o tivesse prevenido. A
altura do monstro era igual à largura. Topthor
segurava um papel nas mãos superdimensionadas.
Naquele instante estava passando o papel a outro
superpesado, que não ficava atrás dele em peso e
tamanho.
— A notícia é esta, amigo velho. Leia.
Rhodan aproximou-se dos dois superpesados.
Poderia tocá-los, se tivesse mãos. Uma pergunta
passou por seu cérebro: como podia ler se não tinha
olhos?
De qualquer maneira, via perfeitamente o bilhete e
as palavras escritas no mesmo. O texto estava redigido
em intercosmo, à língua usual no Império arcônida.
O bilhete dizia o seguinte:
Para Etztak, patriarca do clã
de Etztak. Perry Rhodan, o
69
terrano, conseguiu uma nova
arma. Conseguiu destruir cinco
das minhas naves. Não há
qualquer defesa. Etztak, eu o
previno. Garanta o nosso auxílio.
Rhodan vai atacá-lo e destruí-lo.
Só um golpe de surpresa poderá
eliminá-lo. Chamarei duma nova
posição e aguardo sua oferta.
Topthor Clã dos superpesados.
Rhodan leu a mensagem duas vezes e teve certeza
de que não esqueceria o texto. Tudo dependeria da
rapidez das reações de Etztak. Provavelmente não
seriam suficientemente rápidas. A Stardust-III
alcançaria o sistema de Beta-Albíreo num único salto.
Era bem verdade que o mesmo acontecia com as
naves de Topthor. Mas vários dias poderiam passar-se
antes que os superpesados interviessem nos combates.
Etztak era um homem obstinado, que regatearia o
preço do auxílio.
Era esta a única chance de Rhodan.
Recuou alguns passos e lançou um olhar detido
para Topthor. O rosto parecia dum homem ou dum
arcônida. Ou então — Rhodan estremeceu com a ideia
— seria dum barcônida. Sem dúvida havia algumas
alterações. Provavelmente a raça dos superpesados
vivera por muito tempo num planeta de gravitação
extremamente elevada e por isso sofrera uma
deformação. Mas os traços da ascendência eram
inconfundíveis.
A comunidade galáctica. Um sorriso amargo
surgiu no rosto de Rhodan. Ainda bem que os
barcônidas não sabiam o que era feito de seu Império.
E muito tempo se passaria até que sua longa viagem
os levasse às extremidades da Via Láctea. Muita coisa
poderia mudar até lá...
— Vamos voltar — insistiu a voz do imortal. —
Você já viu a mensagem que seu inimigo irá receber.
Tome suas providências. Quando voltar ao plano
existencial da Stardust-III, não terá muito tempo. Mas
você conseguirá.
Pelas concepções de Rhodan o voo incorpóreo
pelo espaço durou poucos segundos. Logo o vulto
familiar da Stardust-III voltou a surgir diante de seus
olhos. Sem o menor esforço passou pelo campo
energético e pelas paredes da nave, para reencontrar-
se na sala de comando, ao lado de Bell, imóvel e
inalterado.
— Obrigado, amigo velho. Quando voltaremos a
encontrar-nos?
Uma risada silenciosa atravessou seu cérebro.
— A linguagem dum ser atemporal não conhece a
palavrinha quando. Mas asseguro-lhe que voltaremos
a encontrar-nos. Até lá, passe bem e cuide da herança
que lhe foi confiada.
Rhodan sentiu que alguma coisa se afastava dele.
No mesmo instante retornou ao seu corpo.
Abriu os olhos. O contador robotizado estava
dizendo:
— ...vinte e oito...
Mantivera os olhos fechados por um segundo.
Quanta coisa não acontecera nesse segundo? Muita
coisa! Sabia que nesse preciso momento certo Topthor
enviaria pelo hiperespaço uma mensagem dirigida a
Etztak. Conhecia o teor da mensagem. E começou a
imaginar como se formavam certos acontecimentos
que os homens ingenuamente designavam pelo nome
de destino.
— ...vinte...
Oito segundos se tinham passado. Oito
eternidades!
— ...dezoito...
Nunca Rhodan pensara tanto antes duma transição
como desta vez. Nunca o tempo lhe parecera tão
longo. E nunca Bell se mantivera tão calado.
— Anime-se! — disse Rhodan ao amigo. —
Dentro de poucos segundos materializaremos, talvez
em meio às naves de Etztak. Cairão sobre nós que
nem uma matilha de lobos, para escapar à destruição
pela nova arma. Devemos estar preparados para...
— A nova arma? — resmungou Bell irritado. —
Você devia voltar a pensar logicamente. Como é que
Etztak vai saber que possuímos uma nova arma?
Rhodan esboçou um sorriso condescendente.
— Você tem razão. Como poderia saber? Quase
chego a acreditar que estou ficando velho. Até mesmo
um homem relativamente imortal pode envelhecer.
Vejo isso em você.
— Nove! — disse o robô em tom decidido.
— Em mim? Por quê? — perguntou Bell
apressadamente.
— Não se esqueça da Rallas. Se você fosse mais
jovem, não se teria irritado com sua presença, mesmo
que fosse uma imitação.
— ...quatro...
— Não me irritei por causa da mulher, mas por
causa do pessoal de bordo. A disciplina exige...
— Tolice! — disse Rhodan.
Bell ficou calado.
— ...um... — disse o robô de contagem.
E depois:
— Transição!
A Stardust-III saiu do Universo para penetrar na
quinta dimensão. Naquele instante o tempo parou para
a nave e para aqueles que se encontravam em seu
interior. E parou também no resto do Universo, pois
mesmo na Terra distante não se passou mais que um
segundo enquanto a Stardust-III executava um salto
que a transportaria por uma distância que a luz só
conseguia vencer em 1.750 anos. Era bem verdade que
isso produzia um envelhecimento que também não
ultrapassava um segundo.
Mas no subconsciente de Rhodan havia uma
pergunta — uma pergunta que alguém formulara
durante o salto.
Que pergunta seria esta?
Ah, era a seguinte: Você já compreendeu?
Devia ter sido a voz do imortal.
Você já compreendeu?
70
Rhodan sacudiu a cabeça e disse em voz alta:
— Não, não compreendi amigo velho. Afinal, só
sou um humano, e como poderia um humano
compreender a estrutura da eternidade? Mas agradeço-
lhe por me ter proporcionado uma excursão durante a
qual consegui imaginar como se criam e conservam os
universos.
A escuridão da sala e o sol chamejante não deram
qualquer resposta. Apenas Bell murmurou de forma
quase imperceptível:
— Isso também deve acontecer com você. Quando
despertamos nossa fantasia começa a trabalhar.
É a única vantagem da transição. Devíamos fazer
alguma coisa contra isso. Já chegamos?
Rhodan contemplou as estrelas cintilantes.
— Já — respondeu com o espírito ausente. —
Realmente, devíamos fazer alguma coisa contra
isso. Sim, chegamos.
De repente teve a impressão de que alguém ria nas
profundezas de sua alma. Não foi uma risada
zombeteira ou irônica, mas uma risada gentil e alegre.
A risada de alguém que esteve só por muito tempo,
e de uma hora para outra percebe que não está mais.
Ao contar seu Voo Para o Infinito, Perry Rhodan oferece uma visão emocionante do
passado e do futuro mais longínquo — e obteve dois transmissores fictícios.
Esses transmissores fictícios são armas muito perigosas. Já foram utilizadas e voltarão a
sê-lo, porque Etztak, patriarca dos saltadores, condenou um mundo à morte.
Mundo de Gelo em Chamas, o novo e fascinante volume da série Perry Rhodan, lhe dirá
tudo a este respeito.
71
Nº 33
De
Clark Darlton
Tradução
Richard Paul Neto Digitalização
Denise Bartolo Revisão e novo formato
W.Q. Moraes
Os saltadores não conhecem piedade: condenaram um mundo inteiro à morte.
Conflitos na Terra, invasões vindas do cosmos, batalhas espaciais, lutas
travadas em planetas distantes, tudo isso a Terceira Potência — criada por Perry
Rhodan e ajudada pela antiqüíssima técnica arcônida — conseguiu enfrentar
galhardamente em sua curta existência.
Mas os saltadores — uma raça de descendentes dos arcônidas que há oito
milênios detém o monopólio comercial na Galáxia, porque reprime
implacavelmente qualquer concorrência que se esboce — representam uma
ameaça muito séria.
Perry Rhodan tinha feito tudo que estava ao seu alcance para impedir que os
saltadores transformassem a Terra numa colônia. Seus cruzadores espaciais
realizaram ataques simulados contra a frota reunida dos saltadores, enquanto ele
mesmo saiu na Stardust-III em busca do planeta do Imortal, onde espera encontrar
uma nova arma que possa ser empregada na luta contra os saltadores.
Já teve que recorrer a essa nova arma, e mais uma vez terá que recorrer a ela,
pois Etztak faz do planeta Homem de Neve um Mundo de Gelo em Chamas.
72
1
Embora aquela criatura se parecesse com um
homem, não nasceu na Terra. Mais do que isso, nunca
havia visto a mesma e nem sabia exatamente em que
lugar descrevia sua órbita em torno do seu pequeno
sol.
Sua pátria era o espaço, seu lar a gigantesca nave
que, com seus setecentos metros de comprimento, era
a mais fortemente armada dentre as de seu clã. Era
velho, muito velho. A enorme juba de cabelos cor de
gelo emoldurava um rosto moreno, no qual se via um
par de olhos duros e implacáveis, que já havia visto
milhares de sóis. Os lábios estreitados davam mostras
de um caráter acostumado a mandar, e que não
admitia o diálogo.
Etztak, o patriarca do clã,
estava prestes a incorporar mais
um sistema solar ao grande
império mercantil dos
saltadores.
Aquela raça era chamada de
saltadores porque, tendo o
Universo por lar, saltava de um
sistema solar para outro, a fim
de consolidar e ampliar seu
monopólio comercial. Eram
descendentes dos arcônidas,
uma raça humanóide que já
erigira um enorme império, e
vivia na ilusão de que ainda hoje
dominava o mesmo. Há muito
os saltadores haviam conseguido
a independência, e não davam a
menor satisfação aos arcônidas.
Negociavam e lucravam e,
quando isso se tornasse
necessário, também lutavam.
Era o que estava
acontecendo naquele momento.
Etztak estreitou os lábios
ainda mais ao ver na tela o rosto
de seu companheiro de clã,
Orlgans, que se encontrava a
poucos minutos-luz na sua nave Orla XI.
— O que houve? Mais um ataque desses malditos
terranos?
Orlgans era parecido com Etztak. Apenas, seus
cabelos não eram cor de gelo; eram mais escuros, de
cor marrom ou de um ruivo sujo, conforme a
incidência da luz. Foi quem primeiro tentou incorporar
a Terra ao império colonial dos saltadores.
— Outro ataque? — soou a voz furiosa vinda do
alto-falante. — Não sei se é outro ataque ou se ainda é
o mesmo. De qualquer maneira, não houve uma pausa
maior. Não compreendo. Por que será que esses
terranos não sabem agir com coerência? Atacam,
disparam alguns tiros e batem em retirada antes que se
consiga destruí-los.
— Acha que isso é uma incoerência? — berrou
Etztak com uma sonora gargalhada. — Para mim isso
é uma ação inteligente e cautelosa. Sabem
perfeitamente que somos superiores a eles.
— Talvez — obtemperou Orlgans com um rosto
zangado. — Talvez não.
— No momento está havendo uma pausa. Temos
um número suficiente de naves para destruir as duas
unidades dos terranos, desde que planejemos nossa
ação. Eles apenas querem deter-nos, ou distrair-nos de
alguma coisa.
— De quê?
— Se eu soubesse me sentiria mais à vontade —
respondeu Etztak, contrariado.
— Por que defendem um sistema solar que,
segundo todos sabem, é desabitado e fica a trezentos e
vinte anos-luz de sua pátria? Devem ter algum motivo
para isso. Esse Rhodan nunca faz nada sem ter um
motivo.
Orlgans não respondeu logo.
Lançou um olhar pensativo para
o gigantesco sol alaranjado, que
flutuava no espaço, bem ao
longe. Um acompanhante azul
gravitava em torno dele. Quatro
planetas descreviam órbitas
excêntricas em torno dos dois
sóis.
O sistema do sol geminado
de Beta-Albíreo, situado a 320
anos-luz da Terra, não tinha a
menor importância nem oferecia
qualquer interesse, a não ser...
— Você se esquece de que
ele tem um motivo — disse
Orlgans depois de algum tempo.
— No segundo planeta do
sistema estão alguns humanos
que sabem muito mais do que
confessaram. Rhodan quer
impedir que eles caiam nas
nossas mãos.
— Se é assim, por que não
os mata?
— Talvez... — Orlgans
achou que a suposição era tão
fantástica que nem se atrevia a enunciá-la.
— Talvez o quê? — insistiu o patriarca.
— Talvez sejam amigos que ele não quer matar.
Mais uma vez Etztak soltou uma estrondosa
gargalhada.
— Amigos! Quem se preocuparia com uma coisa
dessas, quando algo muito mais importante está em
jogo? Se ele os matasse, teria certeza de que não
revelariam seus segredos.
Orlgans não respondeu. Já tivera suas experiências
com seres humanos, e sabia que muitas vezes estes
encaram as coisas de forma muito diversa que os
implacáveis saltadores.
Etztak lançou um ligeiro olhar para as telas de
observação. Verificou que sua frota circulava em
torno do segundo planeta de Beta-Albíreo, mantendo
uma impecável formação de combate. Uma ruga
vertical surgiu em sua testa. Refletiu, e o resultado de
Personagens Principais deste episódio:
Perry Rhodan — Soberano da Terceira
Potência e comandante da Stardust-III.
Reginald Bell — Amigo íntimo e
representante de Perry Rhodan.
Julian Tifflor, Humpry Hifield, Klaus
Eberhardt, Mildred Orson, Felicitas
Kergonen e RB-013 — Náufragos do
mundo de gelo.
Topthor — Que já vê na Terra uma colônia
dos saltadores.
Etztak — Patriarca e chefe guerreiro do clã
de Orlgans.
Orlgans — Que encontra seu túmulo no
mundo que ele mesmo condenou à morte.
Gucky — O executor de uma sentença.
73
suas reflexões não parecia deprimi-lo demais.
— Só há cinco terranos naquele mundo de gelo,
três homens e duas moças. Pelo que constatamos,
trazem um robô com eles. Trata-se de um robô
arcônida de combate. Não compreendo por que todas
as tentativas de destruir esses cinco humanos
falharam.
— Porque ainda tínhamos uma esperança de
capturá-los vivos. Sabem coisas que poderão ser muito
úteis para nós. Só por isso.
Orlgans sacudiu a cabeça.
— Você sabe tão bem quanto eu que não
adiantaria nada matar esses terranos, especialmente o
tal do Tifflor. É bem possível que este até conheça a
posição do planeta da vida eterna, sobre o qual falam
as lendas...
— Não estou interessado em lendas, apenas em
fatos — interrompeu o patriarca.
— O planeta da vida eterna não passa duma lenda.
Se existisse, nós já o teríamos encontrado. Mas por
outro lado gostaria de saber por que Rhodan ainda não
encontrou nenhuma possibilidade de salvar as cinco
pessoas que se encontram no mundo de gelo.
Orlgans também estreitou os olhos. Uma expressão
estranha surgiu em seu rosto. Parecia um cachorro que
encontra uma pista farejada há bastante tempo.
— Talvez Rhodan queira distrair nossa atenção
dele mesmo. Por que suas naves só nos atacam de vez
em quando, e nunca se envolvem numa luta decente?
Por que apareceu o tal do Tifflor, que parece saber
tanto e na verdade não sabe nada? Por que somos
obrigados a concentrar todos os recursos na tarefa de
capturar Tifflor e seu grupo? É bem possível que tudo
isso não passe dum truque infame desse terrano
chamado Rhodan.
Etztak ouvira-o em silêncio. A ruga de sua testa
aprofundou-se. Um brilho pensativo surgiu em seus
olhos implacáveis. Acenou lentamente com a cabeça e
ergueu as duas mãos, o que representava um sinal de
concordância.
— Talvez suas suposições sejam corretas. Mas se é
que Rhodan quer nos deter e distrair, por que está
interessado nisso? Qual é a finalidade que tem em
vista?
Orlgans não soube responder.
— Não sei. Acho que devemos fazer mais uma
tentativa decisiva de capturar ou matar os cinco
terranos que se encontram no mundo de gelo. Quer
que incumba algumas naves dessa tarefa?
— Três naves serão suficientes — disse Etztak. —
Faça com que a superfície do mundo de gelo se
transforme num inferno de fogo. Se os terranos não
forem queimados, deverão morrer nas rochas
derretidas.
— Não seria melhor capturá-los vivos?
— Talvez não — disse o patriarca. — O que
importa é provarmos a Rhodan...
Não pôde completar a frase, pois o alarma encheu
a nave.
As duas unidades de Rhodan voltaram a atacar.
* * *
O major Nyssen, comandante do cruzador pesado
Solar System, mantinha constato radiofônico
permanente com o capitão MacClears, comandante da
nave-gêmea Terra.
Os dois veículos espaciais esféricos tinham
duzentos metros de diâmetro e estavam equipados
com as armas mais avançadas da técnica arcônida.
Gigantescos reatores criavam campos energéticos
protetores, que não podiam ser rompidos nem mesmo
pelos raios disparados pelas naves dos saltadores.
— Vamos lançar mais um ataque, MacClears —
gritou Nyssen para seu colega. — Se Rhodan não
aparecer logo, acabarei enlouquecendo. Um dia
aqueles sujeitos acabarão nos pegando. E nem me
atrevo a conjeturar sobre quanto tempo Tiff ainda
agüentará viver no mundo de gelo.
— Não gostaria de estar no seu lugar — confessou
o capitão.
— Eu cuidarei do pepino-gigante do patriarca
Etztak. O senhor atacará a nave que está logo ao lado.
E não se esqueça: disparamos uma salva e damos o
fora. Não devem ter tempo de nos eliminar com uma
descarga concentrada de seus radiadores, e muito
menos devem ter oportunidade de demonstrar um
interesse excessivo por Tiff.
— Entendido — respondeu MacClears com um
sorriso. — Faremos isso mesmo.
Os dois cruzadores aceleraram, saíram da sombra
projetada pelo planeta e poucos segundos depois se
viram diante das naves dos saltadores, pegadas de
surpresa. Uma salva dos mortais radiadores de energia
bateu contra o campo energético do inimigo, sendo
desviada sem produzir qualquer dano. De qualquer
maneira o súbito ataque preencheu a finalidade de
retardar mais uma vez a execução dos planos dos
saltadores. E Rhodan ganhou mais um pouco de
tempo, embora não o soubesse.
Naquele instante Rhodan se encontrava a mais de
1.750 anos-luz, e dispunha-se a iniciar a transição.
Com a mesma rapidez com que se lançaram ao
ataque, os cruzadores pesados Terra e Solar System
bateram em retirada. Em hipótese alguma podia-se
arriscar as duas naves, pois no momento eram a única
coisa que a Terra poderia opor aos agressores vindos
das profundezas do Universo. Era bem verdade que a
Terra se encontrava a uma distância de 320 anos-luz,
mas isso não representava nada, já que distâncias bem
maiores que esta podiam ser vencidas numa questão
de segundos através do processo da transição.
Naquele momento o planeta Terra estava prestes a
alcançar a unificação geral. A formação dum governo
mundial seria uma questão de dias. O coronel Freyt,
representante da Terceira Potência, faria tudo para
quanto antes transformar em realidade o governo
mundial.
O surgimento dos mercadores galácticos, também
chamados de saltadores, não podia ser comparado com
as invasões antes ocorridas. Fora possível repelir os
Deformadores Individuais, porque a Terra lhes era
superior no terreno da tecnologia. E os tópsidas, seres
em forma de lagarto que surgiram no sistema de Vega,
também não representaram um perigo muito grande.
Mas com os saltadores as coisas eram diferentes.
74
Aquela raça poderosa, que por uma circunstância
trágica teve sua atenção despertada para a Terra com
seu poderio crescente, era superior em todos os
sentidos. Era estreitamente aparentada com os antigos
senhores do Universo, os arcônidas. Tinham suas
armas e conheciam seus métodos — e suas fraquezas.
Viam na Terra, e especialmente em Rhodan, um
perigo para seu monopólio comercial. Teriam que
forçá-lo a submeter-se à sua vontade, ou destruí-lo.
Mas isso não parecia ser muito fácil.
Defrontavam-se com um inimigo praticamente
igual em forças.
* * *
Uma coisa que nem os terranos nem o clã dos
saltadores chefiado por Etztak sabiam era que o
conflito contava com mais um participante. Alertado
pelos sucessivos abalos provocados pelas transições,
Topthor resolvera intervir.
Topthor, que também era um saltador, pertencia ao
chamado clã dos superpesados. Em tempos remotos
seus antepassados viveram num planeta de gravitação
muito intensa. No curso dos milênios esses
descendentes dos arcônidas perderam a figura
humanóide, pois cresceram em largura e diminuíram
em altura. Atualmente os superpesados não mediam
mais de 160 centímetros, e sua largura era a mesma.
Pesavam mais de quinhentos quilos.
Topthor dispunha de oito naves, que circulavam
em torno do sistema solar, além da órbita de Plutão.
Com outro grupo de oito naves seguira Rhodan
quando este se dirigia ao planeta da vida eterna.
Quando Rhodan regressou de sua visita ao mundo
artificial e invisível, Topthor lançou-se ao ataque
contra ele, mas foi surpreendido por uma nova arma e
teve destruídas cinco de suas naves. Topthor fugiu em
pânico mas, antes de mergulhar numa transição cega,
teve tempo de enviar uma mensagem pelo rádio ao seu
companheiro de raça. Rhodan não pôde impedir que
isso acontecesse, embora conhecesse o teor da
mensagem dirigida a Etztak.
A 1.500 anos-luz do sistema de Beta-Albíreo, as
três naves de Topthor emergiram do hiperespaço.
Levaram horas para calcular a posição e determinar as
coordenadas do próximo salto.
O dirigente do clã dos superpesados, chamado
Topthor, pretendia voltar ao sistema no qual a Terra
gravitava em torno de seu sol como terceiro planeta.
Ainda dispunha dum total de onze naves. Com elas
poderia destruir a Terra, se assim o desejasse.
Mas com isso destruiria uma colônia bastante
rendosa. E Topthor era antes de tudo um negociante,
muito embora seu clã cuidasse mais da proteção de
comboios que do comércio. Os outros mercadores
recorriam à sua frota de guerra quando as coisas
esquentavam em algum lugar — e pagavam pelo
auxílio.
Mas agora surgira a oportunidade de fundar sua
própria colônia. Além disso, Rhodan lhe devia cinco
naves.
Por isso Topthor ordenou o salto de volta para o
sistema solar.
Além de serem muito reduzidas as forças da
Terceira Potência, naquele momento a Terra estava
praticamente indefesa.
* * *
A cada 123 anos havia no segundo planeta do
sistema de Beta-Albíreo uma era glacial, que durava
perto de oitenta anos. Esse fato era devido à órbita
excêntrica, que por sua vez tinha sua origem nos dois
sóis. O astro central, um gigante alaranjado, ficava a
um bilhão de quilômetros do segundo planeta,
enquanto o sol azul distava mais trezentos milhões de
quilômetros. Na posição em que se encontravam, a luz
e o calor fornecido pelos mesmos eram tão reduzidos
que no mundo de gelo — era este o nome dado ao
segundo planeta — reinava um crepúsculo constante,
e a temperatura média era de cento e dez graus
centígrados abaixo de zero.
O inferno de gelo era um inferno, mas um inferno
muito frio.
Apesar disso nele viviam seres humanos. Ao
fugirem dos saltadores, realizaram um pouso de
emergência nesse mundo e tiveram sua nave
destroçada. Dali em diante estavam condenados a
esperar, inativos, naquele mundo morto e desolado.
Mas sabiam que Rhodan não os havia esquecido, e
que um dia viria buscá-los.
Julian Tifflor, chefe do grupo de náufragos, tinha
vinte e um anos e era considerado o melhor
matemático da Academia Espacial, da qual saíra com
distinção depois de seis semestres de treinamento
hipnótico. Dali em diante passou a servir na frota
espacial da Terceira Potência. Desta vez a missão lhe
fora confiada pessoalmente por Rhodan. Ele mesmo
não sabia muito bem qual seria a finalidade da missão.
O segundo membro do grupo que se encontrava no
mundo de gelo era Humpry Hifield. Tinha vinte anos e
cabelos cor de palha cortados à escovinha.
Considerava-se uma beleza irresistível. Por isso não
compreendia como Tiff lhe arrebatara Mildred Orson,
uma moça de dezenove anos. Vivia atormentado pelo
receio de não ser notado e, apesar de sua superioridade
física, os complexos de inferioridade martirizavam-no
constantemente. Era este, somente este o motivo da
inimizade secreta que nutria para com Tiff.
O cadete Klaus Eberhardt era o terceiro
participante da expedição, que esperava naquele
mundo desolado que o salvassem. Tinha cabelo
castanho-escuro e era meio baixo e gordo. Sempre
precisava de muito tempo para resolver qualquer
problema. As reações rápidas não constituíam seu
forte.
Mildred Orson, bacterióloga cósmica, tinha razão
de sobra para orgulhar-se de seu cabelo negro, seus
olhos escuros e seu rosto fino e estreito. Ainda não
conseguira decidir-se por nenhum de seus fãs, Tiff e
Hump, mas tudo indicava que a situação estava
mudando. Dera a entender a Hump que preferia Tiff.
Ainda havia Felicitas Kergonen, uma botânica
galáctica de cabelos louros e figura delicada. Dedicava
um amor secreto ao grosseiro Humpry que, segundo
tudo indicava, nem desconfiava dessa inclinação. Felic
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já completara dezoito anos, sendo o membro mais
jovem da expedição frustrada.
Com exceção de Gucky.
Gucky, é bom que se ressalte, não era um ser
humano, e ninguém sabia sua idade. O rato-castor de
um metro de comprimento vinha dum planeta distante,
onde soubera introduzir-se sorrateiramente na nave de
Rhodan. Dali em diante nunca mais saíra de junto
dele, a não ser que alguma missão importante o
obrigasse a tanto. A figura de Gucky lembrava a dum
camundongo grandemente ampliado com a cauda
achatada dum castor. O que chamava mais a atenção
era o solitário dente-roedor, que aparecia
principalmente quando Gucky sorria.
No momento não havia nenhum motivo para isso.
Gucky distinguia-se principalmente por suas
capacidades quase inacreditáveis, que dele faziam o
mais espantoso dos paradotados. O rato-castor, tão
engraçado e aparentemente tão inofensivo, era um
excelente telepata, e por isso mesmo estava em
condições de aprender com a maior rapidez as línguas
usuais. Além disso, dominava a teleportação, ou seja,
podia transportar-se em qualquer tempo para o lugar
que desejasse. Finalmente Gucky era um telecineta. A
força de seu espírito permitia-lhe mover objetos,
inclusive seres humanos, sem tocá-los.
Essas faculdades só se revelaram integralmente no
curso dos últimos meses, pois no início de sua
amizade com Rhodan, e especialmente com Bell, só
conhecia a telecinésia. Mas o contacto permanente
com os membros do exército de mutantes permitira a
Gucky o aperfeiçoamento de suas qualidades. Tinha
certeza de que no curso do tempo ainda descobriria
outras faculdades, que por enquanto jaziam
adormecidas.
O estranho ser peludo era dotado duma espantosa
capacidade de adaptação. Quase não se importava com
o frio intenso do planeta morto. Podia manter-se fora
do alojamento, mesmo sem traje espacial, respirando o
ar gélido. Naquele mundo gelado só havia um ser que
neste ponto podia ser comparado a ele.
Mas pode um robô ser considerado um ser?
RB-013 tinha 2,30 metros de altura e era dotado de
duas enormes pernas e quatro braços, sendo que o par
de braços inferiores era formado por radiadores
energéticos completos. Pertencia ao equipamento
permanente dos destróieres de três homens. Só ele
conseguira salvar os náufragos depois do pouso de
emergência realizado naquele planeta. Só com seu
auxílio puderam derreter a rocha, formando uma
caverna habitável na superfície gelada do planeta. RB-
013 não sabia apenas lutar; também era um
trabalhador competente e incansável.
Depois que Bell, numa aventura arriscada,
colocara Gucky no mundo de gelo para ajudar Tiff e
os membros de seu grupo, a situação tornou-se menos
penosa para os membros do grupo, muito embora os
ataques constantes dos saltadores desgastassem seus
nervos. De qualquer maneira dispunham de
equipamentos e provisões de mantimentos que lhes
permitiriam aguentar por algum tempo.
Sentado sobre uma caixa, num dos cantos do
recinto, Gucky deixou que a bondosa Felicitas
Kergonen lhe acariciasse a barriga.
— Você é um anjo — chiou com a voz
incrivelmente aguda. — Tenho inveja do homem que
for seu marido.
— Tomara que ele também se contente com uma
simples carícia na barriga — observou Humpry
Hifield em tom sarcástico.
— Seu invejoso! — obtemperou Klaus Eberhardt,
que reagira com uma rapidez extraordinária. — Se
fosse uma moça, eu também não...
— Acontece que não é! — objetou Humpry. Em
sua voz não havia nenhum calor, embora o ar na
caverna fosse bastante morno.
O robô construíra uma pequena comporta de ar, o
que lhes permitia abrir ao menos o capacete quando se
encontravam no interior da caverna.
— Será que vocês não sabem calar a boca? —
interveio Tiff. — Devíamos preocupar-nos com coisas
mais importantes que essas discussões fúteis e
intermináveis. Se os saltadores conseguirem localizar
o robô, eles nos mandarão uma carga de gás. Já
removeram a capa de gelo de metade da superfície do
planeta, e podemos dar-nos por satisfeitos porque
ainda não morremos afogados.
— Felizmente a caverna fica em cima dum morro.
Ou será que não fica? — perguntou Humpry em tom
atrevido.
— Se bombardearem o morro com os canhões de
bordo, o que acontecerá, Hump?
Hump não respondeu. Gucky gemeu:
— Ainda bem que sou o único telepata por aqui.
Tiff lançou-lhe um ligeiro olhar e não se interessou
mais por Hump. Estava começando a ficar enjoado de
tudo aquilo, e falaria sem rebuços a Rhodan, se...
Sim, se...
De repente Gucky levantou-se. O pêlo da nuca
arrepiou-se. Afastou lentamente a mão de Felicitas e
inclinou a cabeça, como se escutasse atentamente. Tiff
notou. Fitou o rato-castor. Depois de algum tempo não
agüentou mais.
— Houve alguma coisa, Gucky?
— Acho que sim, Tiff. Voltam a atacar.
Desta vez são três naves. E estão indo tão devagar
que até chego a desconfiar.
— Você consegue vê-las?
Há tempo o tratamento formal “o senhor” fora
deixado de lado.
— Um instante — disse Gucky, e desapareceu.
As pessoas que se encontravam na caverna
olharam-se espantadas. Mais uma vez o rato-castor se
teleportara para o exterior, a fim de sondar o terreno.
Klaus Eberhardt estava abrindo a boca para dizer
alguma coisa, quando Gucky voltou a materializar-se
no interior da caverna.
Seu pêlo marrom estava coberto de neve.
— Temos que dar o fora! — chiou com a voz
nervosa. — Dentro de um minuto esta montanha será
transformada num inferno.
Os saltadores me viram. Consegui destruir uma de
suas naves.
— Destruiu uma nave? — disse Hump com a voz
ofegante.
— Deixemos isto para mais tarde — respondeu
76
Gucky. — Ainda bem que aproveitei o tempo em que
estive lá fora para procurar outro esconderijo. Eu os
levarei para lá. Imediatamente. Fechem os olhos, se
quiserem — e os capacetes. A caverna para a qual
vamos ainda não tem comporta.
— Uma comporta? — disse Tiff espantado. No
mesmo instante desapareceu sem deixar vestígio. As
duas moças seguiram-no dali a um segundo. Depois
foi a vez de Eberhardt e Hump. Finalmente foi
transportado o robô e as caixas de equipamentos.
Até parecia obra de feitiçaria.
A atuação de Gucky era estranha e
incompreensível como a dum fantasma. Mal surgia do
nada e pegava uma peça de equipamento, desaparecia
juntamente com a bagagem. O fenômeno repetia-se
com tamanha rapidez que causava pavor até mesmo a
alguém que conhecesse as faculdades do rato-castor.
Nenhum teleportador trabalhava com tamanha
rapidez; para Gucky isso não passava de brincadeira...
As pessoas atingidas pelo fenômeno nem
percebiam a viagem. Conservavam a forma natural do
corpo, mas o transporte era tão rápido que os órgãos
dos sentidos não tinham tempo de captar qualquer
impressão, por mais fugaz que fosse.
Enquanto ainda exalava o ar, Tiff viu-se num
recinto escuro como breu. Apressou-se em fechar o
capacete, pois fazia um frio terrível.
Virou-se e percebeu uma débil luminosidade,
vinda de longe. Devia ser a entrada da caverna. Não
saberia dizer a que distância ficava de seu esconderijo
anterior, pois a distância percorrida por teleportação
não se revela na duração do percurso.
Numa questão de segundos os companheiros
foram surgindo na escuridão. Ele o sentiu mais do que
o via. Mas quando RB-013 acendeu a lanterna
constatou que todos se encontravam ali.
Apenas Gucky estava ausente.
O fato não deixou Tiff muito preocupado.
— Provavelmente quer ver o que está acontecendo
com nosso antigo esconderijo — conjeturou. — É
uma pena que tenhamos de construir outra comporta.
Aliás, aqui não existe gelo, apenas a rocha nua.
Acredito que desta vez Gucky nos levou ao equador,
onde ainda existem trechos sem neve e gelo. Tenho a
impressão de que não faz muito frio.
— Sim — disse Hump em tom sarcástico. — Em
vez dum frio de cento e dez graus devemos ter apenas
noventa graus.
A voz fria e metálica do robô interveio na
conversa.
— Temos exatamente quarenta e sete graus
centígrados abaixo de zero. Se eu ligar o aquecedor,
poderemos dispensar a comporta. Basta fecharmos a
entrada com as caixas de equipamentos.
Tiff fez que sim.
— É uma boa sugestão. Vamos ao trabalho.
— E Gucky? — perguntou Klaus Eberhardt.
Hump lançou-lhe um olhar presunçoso.
— Seu idiota! Desde quando Gucky pode ser
detido por um montão de caixas?
Eberhardt esteve prestes a responder, mas não teve
tempo. De um instante para outro Gucky estava de
volta.
— Nem queiram saber! — exclamou, e sua voz
fina tremia de excitação. — Nunca me esquecerei do
espetáculo que acabo de contemplar. Derreteram
nossa montanha de gelo. Consegui destruir uma das
naves atacantes. Teleportei para dentro da sala do
comandante e quase arranco a barba ruiva do
comandante. O sujeito levou um susto tão grande que
perdeu o controle e bateu com toda força na primeira
montanha de gelo. Metade da nave desapareceu no
interior da mesma. Não acredito que alguém tenha
escapado com vida, pois a duas naves que restaram
esforçaram-se para volatilizar o colega. Não sei se sua
tática não admite sobreviventes. De qualquer maneira
consegui abandonar a nave no último instante e cuidar
da segurança de vocês. Voltei imediatamente. As duas
naves preparavam-se para transformar nossa caverna
de gelo num mar de chamas. Teríamos morrido
queimados ou afogados; nem tenham a menor dúvida.
Consegui destruir mais um dos saltadores. Teleportei
para o arsenal de armas nucleares e fiz detonar uma
bomba atômica. Infelizmente não consegui salvar
nossa nave auxiliar.
— Quer dizer que apenas uma das naves
conseguiu escapar? — indagou Tiff, que já não
parecia tão abatido. — Gucky, não sei o que seria de
nós se não tivéssemos uma pessoa como você.
— Queira fazer o favor de não me ofender — disse
Gucky em tom sério, mas exibiu seu dente roedor, o
que provava que suas intenções não eram tão sérias
assim. — Não costumo chamar vocês de rato.
Tiff sorriu.
— Afinal, onde estamos?
— Uns quinhentos quilômetros ao sul do nosso
esconderijo anterior. Este mundo de gelo tem
aproximadamente o mesmo tamanho da Terra, mas
sua gravitação é mais reduzida. Dali se conclui que a
densidade do planeta é menor. Estamos numa caverna
de rocha natural, nas proximidades do equador.
Dificilmente os saltadores nos encontrarão aqui;
afinal, duzentos metros de rocha não são nenhuma
bagatela.
— Você usa cada expressão! — queixou-se Hump.
— Logo se vê que Bell lhe deu aulas de linguística.
— Não fale mal de Bell — disse Gucky em defesa
do amigo. — As expressões que ele usa são mais
bonitas que as suas.
— Quer dizer que estamos embaixo do solo? —
perguntou Tiff.
Gucky sacudiu a cabeça de rato.
— Não é bem isso. Estamos no interior duma
montanha. Mas estamos cercados de rocha maciça;
não há gelo. Vamos instalar-nos confortavelmente, e
seria ridículo se não aguentássemos por aqui até que
Rhodan venha buscar-nos. Se ele vier buscar-nos,
você terá cumprido sua finalidade.
De repente Tiff despertou.
— Minha finalidade? Que finalidade é esta?
Gucky sorriu. Seu dente roedor parecia projetar
um reflexo desavergonhado sobre Tiff.
— O cilindro implantado em você tem um alcance
de dois anos-luz. Quer dizer que nossos telepatas
saberão a qualquer momento onde procurá-lo.
Acontece que os saltadores acreditam que você
77
conhece uma porção de segredos, motivo por que
deixaram distrair-se, não se interessando por Rhodan.
Este foi ao planeta da vida eterna e trouxe uma nova
arma, pois já não tinha condições de enfrentar os
saltadores. Quando voltar, terá a nova arma. Não é
uma explicação bem plausível?
— Sem dúvida — confessou Tiff. Seu rosto não
parecia muito inteligente. — Quer dizer que todo este
tempo apenas servi de isca para os saltadores?
Gucky continuava a sorrir.
— Não se preocupe. A mesma coisa aconteceu
comigo e com os outros. — Subitamente tornou-se
sério. — O importante é que Rhodan consiga a nova
arma, pois sem ela a Terra estaria perdida.
— Acontece que ainda não a conseguiu! —
objetou Hump.
— É verdade — respondeu Gucky. — O que
afirmei foi que ele estará com ela quando aparecer
aqui para libertar-nos. Até lá devemos ter paciência.
De resto, espero que aqui terei maior facilidade em
entrar em contacto com os sonolentos. Nas
proximidades do equador sua capacidade de
concentração deve ser maior.
— Os sonolentos? — perguntou uma das moças,
que até então não participara do debate.
— Isso mesmo, Milly. É o nome que dei aos
habitantes deste planeta. Ainda não vimos nenhum
deles, mas consegui captar seus pensamentos. São
pensamentos confusos, mas muito inteligentes.
Moram sob a superfície, embaixo do gelo, e pelo que
soube costumam vir para cima no verão extremamente
curto, quando o gelo derrete. Isso só deverá acontecer
daqui a alguns decênios.
Tiff sacudiu a cabeça.
— Nunca seria capaz de acreditar que num mundo
como este pode existir vida.
— Ainda não sabemos se é uma vida no sentido
que nós atribuímos ao termo — disse Gucky,
desapontando o entusiasmo.
— É possível que dentro em breve consigamos
saber. Procurarei estabelecer contacto com eles. Mas
antes de mais nada vamos construir uma muralha
contra o frio. Usaremos nossas mãos, pois o exercício
nos fará muito bem.
— Depois disso — disse Tiff — quero dar um
passeio na superfície.
— Também irei — observou Mildred
apressadamente.
— Eu também — cochichou Felicitas.
Gucky não se dispôs a acompanhá-los.
— Poderão ir assim que tivermos terminado nosso
serviço. Nosso robô produzirá calor suficiente para
tornar a vida agradável. Lá fora basta ligar o
aquecedor do traje espacial para a metade de sua
potência. O capacete espacial não é indispensável.
Vamos ao trabalho!
Bem por dentro, Tiff não estava muito admirado
pelo fato de que o rato-castor tirava quase toda a
responsabilidade de cima dos seus ombros. Por mais
estranhável que isso pudesse parecer, na verdade não
havia motivo para isso. Gucky era o ser
parapsicológico mais capaz de todo o exército de
mutantes. Era um dos membros mais importantes do
grupo de combate que no momento estava engajado na
defesa da Terra. Na verdade, Gucky não era um ser
humano; mas os membros da frota espacial já haviam
compreendido que o julgamento de qualquer ser não
deve depender de seu aspecto exterior.
Ao olhar para Tiff, Gucky manteve a cabeça
ligeiramente inclinada.
— Que problema difícil, não é? — disse com um
sorriso insolente. — Não se preocupe sem
necessidade. Apenas quero ajudar antes que você
perca a coragem. Toda a responsabilidade pesa sobre
você, que é o chefe do grupo. Vim apenas para apoiá-
los. Se vez por outra fico distribuindo as tarefas, isso
acontece apenas porque o tédio não deve nascer entre
nós. Na situação em que nos encontramos, não há
nada que possa ser tão perigoso como pensar demais.
— Está bem — disse Tiff com um sorriso de
gratidão. — Estamos entendidos.
Carregaram as caixas em direção à saída e, mais
ou menos na metade do caminho, fizeram uma parede
com as mesmas. Deixaram livre uma pequena
passagem, fechada com um cobertor. Assim o frio não
penetraria tão depressa.
Satisfeito, Gucky esfregou as patas.
— Podem dar seu passeio. Hump cuidará da
comida. Eberhardt lhe dará uma mão, sua estatura
prova que cozinha muito bem. Quanto a mim...
— Deixe de fazer alusões à minha figura —
queixou-se o cadete. — Afinal, não tenho culpa de
não ser muito magro.
— Seu bajulador — berrou Hump, soltando uma
estrondosa gargalhada. — Não é de admirar que
engorda a cada dia que passa. Vive devorando rações
duplas. Ainda bem que temos comida que chega...
— ...quanto a mim, farei um reconhecimento no
fundo da caverna — disse Gucky, sem deixar que o
desviassem. — Talvez descubra algo de interessante.
Naquele instante nem desconfiava de que sua
suposição seria plenamente confirmada pelos fatos.
2
Etztak esbravejou de raiva quando o comandante,
ao regressar, o informou de que duas das três naves
que participaram da missão não regressaram. Uma
caíra em virtude dum erro de navegação e tivera que
ser destruída para não propiciar informações ao
inimigo. A outra explodira no ar sem motivo aparente.
— E o pessoal de Rhodan? — perguntou o
patriarca assim que se acalmou o suficiente para
recuperar a fala. — Conseguiram agarrá-los?
— Não sei — respondeu o comandante da nave
que regressara. — Bombardeamos uma área extensa
do setor em que devem encontrar-se. É claro que não
pudemos constatar o resultado. Mas vi alguma coisa.
— Alguma coisa? — indagou Etztak sem
compreender nada. — Fale logo, homem!
— Não foi um terrano, mas uma criatura pequena,
que deve ter a metade do nosso tamanho. Talvez diria
78
que é um jovem terrano, mas não posso imaginar que
realmente seja assim.
— Nem eu — disse Etztak em tom sarcástico.
Ainda guardava viva a lembrançade Gucky. — Afinal,
o que foi?
Não obteve resposta.
O intercomunicador começou a zumbir.
Com um gesto impaciente despediu o comandante
mal sucedido e ligou a chave. O rosto barbudo dum
telegrafista surgiu na tela.
— Uma hipermensagem, senhor. — Etztak
percebeu imediatamente que o telegrafista estava tão
perplexo que mal conseguia falar. — É de Topthor.
Etztak não acreditava no que acabara de ouvir.
— De quem?
— De Topthor, senhor.
Etztak reclinou-se na poltrona.
— Do chefe dos superpesados! O que significa
isso? Não pedi aos superpesados que se intrometessem
nisto. Não preciso de proteção.
— Acho que não se trata disso — arriscou-se a
dizer o telegrafista. — Ao menos não diretamente.
— O que quer dizer com isso? Que tal se lesse a
mensagem para mim? Talvez com isso verei mais
claro.
O telegrafista acenou com a cabeça, olhou para
uma folha e leu:
Para Etztak, patriarca do clã de
Etztak. Perry Rhodan, o terrano,
conseguiu uma nova arma. Com ela
conseguiu destruir cinco das minhas
naves. Não existe a menor possibilidade
de defesa. Etztak, eu o previno. Recorra
ao nosso auxílio. Rhodan o atacará e
destruirá. Só com um golpe de surpresa
conseguiremos destruí-lo. Oportunamente
anunciarei minha nova posição e aguardo
sua oferta.
Topthor, clã dos superpesados.
Etztak confirmou com um gesto da cabeça e
mandou que lhe trouxessem a mensagem. Interrompeu
o contacto. Sem a menor demora, deu alarma geral.
No momento o segundo planeta com o grupo de
Rhodan perdera todo interesse. Antes de mais nada
convinha preparar-se para o ataque de Rhodan, que
estava eminente.
Ao menos Etztak procurou convencer-se disso. No
seu íntimo começou a despontar a ideia de que
cometera um erro. Deixara que desviassem sua
atenção do que realmente importava. Acreditava que o
tal do Tifflor fosse a figura principal. No entanto, o
mesmo não passava dum ator secundário, cuja missão
consistia apenas em desviar sua atenção de Rhodan,
do planeta da vida eterna e da nova arma.
E o inimigo conseguira realizar seu intento.
— Orlgans! — berrou para dentro do microfone,
quando os rostos indagadores dos membros do clã
surgiram na tela. — Rhodan conseguiu a nova arma.
Recebi aviso de Topthor...
— Do chefe dos superpesados? — interrompeu
Orlgans.
— Quem poderia ser? — esbravejou Etztak. —
Também anda por aqui, embora não tenhamos
solicitado seu auxílio. Pois bem, ele me preveniu.
Rhodan pretende atacar-nos. Não sei que arma é esta,
mas tenho certeza de que conseguiremos defender-nos
contra a mesma. Orlgans, você pegará uma das naves
e deflagrará uma fogueira atômica no segundo planeta.
— Uma fogueira atômica? — disse Orlgans,
erguendo as sobrancelhas. — Quer transformar o
planeta num sol? Você sabe que nossas leis proíbem a
destruição de qualquer mundo habitável sem que haja
motivo muito poderoso.
— Acha que não temos motivo para isso? Quero
vingar-me de Rhodan, e principalmente dos
prisioneiros fugidos.
— Será que isso é um motivo suficiente? —
perguntou Orlgans.
— Para mim é — berrou o patriarca. — Quero que
nunca mais sinta vontade de se intrometer nos meus
negócios — esqueceu-se de que era exatamente o
contrário. Afinal, ele, Etztak, se intrometia nos
negócios da Terra. Rhodan se encontrava numa
posição defensiva. — Para isso preciso destruir seu
grupo e o mundo em que se fixaram.
— Quer dizer que devemos desencadear a fogueira
atômica, a fogueira atômica inextinguível?
— Isso mesmo. Quero que o segundo planeta seja
transformado num sol.
Orlgans confirmou com um aceno de cabeça e sua
imagem desapareceu da tela. Era evidente que não
concordava com a ordem que o patriarca acabava de
lhe dar. Mas não tinha outra alternativa senão
obedecer. Ordenou ao comandante de outra nave que
lhe prestasse auxílio e, se necessário, lhe fornecesse
cobertura total. Depois se destacou da formação de
naves e iniciou os demorados preparativos necessários
à realização do plano diabólico.
Enquanto isso Etztak conferenciou com os outros
mercadores, para descobrir a melhor maneira de
enfrentar Rhodan. Não era fácil, pois ninguém
conhecia o funcionamento da nova arma. As
indicações lacônicas de Topthor não permitiam que se
formasse uma ideia a este respeito.
Mas Topthor havia prometido que daria sinal de
vida. Ninguém sabia quando isso aconteceria.
— Ficaremos bem próximos uns dos outros —
ordenou Etztak. — Assim que Rhodan aparecer,
concentraremos nosso fogo energético sobre ele. Nem
mesmo o campo protetor da Stardust-III aguentara
uma carga destas. Não deixem que os dois cruzadores
distraiam sua atenção.
De certa forma o patriarca estava com a razão. No
entanto, não sabia que os dois cruzadores poderiam
perfeitamente lançar ataques mais fortes, destruindo
uma ou outra das naves dos saltadores. Se até então se
tinham limitado a ataques simulados, assim procediam
exclusivamente em virtude das ordens de Rhodan.
Em vez de deixar os saltadores prevenidos por
meio dum combate normal, Rhodan pretendia desferir
tamanho golpe contra eles que nunca mais pensariam
em voltar. Só assim poderia restabelecer a calma.
Só por isso precisara de algum tempo para ir
buscar a nova arma no Peregrino, o estranho planeta
79
artificial que existia numa dimensão diferente e fora
criado por um ser que representava a espiritualização
de toda uma raça tornada imortal. Era o planeta
situado nos confins da eternidade, segundo a
expressão de Rhodan — que provavelmente acertara
em cheio.
Etztak não sabia nada a respeito desse planeta, cuja
existência era revelada na Galáxia através duma série
de lendas bastante vagas. Ninguém sabia se existia,
nem onde. Mas Rhodan o conhecia. Através da ducha
celular, ele e Bell conseguiram deter o processo
natural do envelhecimento. A cada sessenta e dois
anos o tratamento tinha que ser repetido.
Finalmente aquele ser estranho, o imortal, deu a
Rhodan a arma que este desejava para defender-se dos
ataques desfechados pelos saltadores.
Etztak apenas começou a ter uma vaga ideia de
tudo isso, e um sentimento de insegurança foi
tomando conta dele. Teria subestimado o inimigo?
Mas Rhodan era apenas um terrano, membro duma
raça que, segundo os padrões galácticos, devia ser
considerada subdesenvolvida. Só há um decênio
aquela raça descobrira a navegação espacial. E foi
exclusivamente o auxílio dos arcônidas naufragados
na Lua que lhes permitiu um grande salto para a
frente. Poderia este salto substituir uma evolução
natural, processada no curso de vários milênios?
Etztak teve suas dúvidas, mas o sentimento de
insegurança continuou a atormentá-lo.
* * *
A nave Stardust-III, que era o gigantesco veículo
espacial de Perry Rhodan, concluiu
a transição e materializou no espaço normal. Dera
um salto de mais de 1.750 anos-luz.
Rhodan notou que as dores da rematerialização
diminuíam e a consciência retornou. Perto dele
Reginald Bell soltava gemidos comoventes; até
parecia que estava sofrendo uma operação de
apendicite sem anestesia. Bell gemia todas as vezes
que se realizava uma transição; já se habituara a isso.
Não era de admirar que Rhodan não se comovesse.
E os cálculos? Teriam sido corretos?
Rhodan levantou-se e olhou para a tela. Viu uma
profusão de estrelas, que logo lhe revelou que já não
se encontravam nas proximidades do planeta
Peregrino. Mas a olho nu não se podia saber se a
Stardust-III chegara ao ponto pretendido. Enquanto
permaneceram no planeta Peregrino, este também
percorreu uma distância que não lhes era conhecida.
— Chegamos? — perguntou Bell. Tentou um
sorriso, mas a tentativa fracassou.
— Que coisa esquisita! Há um instante ainda nos
encontrávamos no mundo do imortal, e agora...
— Ali adiante está o sol gêmeo de Beta-Albíreo —
interrompeu Rhodan. — A distância é de duas horas-
luz aproximadamente. Etztak já deve ter registrado
nossa presença e tomado suas providências. Não
devemos esquecer-nos de que foi prevenido. É bem
verdade que deve quebrar a cabeça em vão para
descobrir que arma nova é esta.
— Ficará admirado — disse Bell. — Um
transmissor fictício capaz de teleportar qualquer
porção de matéria a qualquer distância. Podemos a
qualquer momento contrabandear bombas atômicas
para o interior de suas naves, sem que eles possam
fazer nada para impedi-lo.
— Não se esqueça de que seu potencial de fogo,
concentrado simultaneamente sobre nossa nave,
romperia os campos energéticos. Quer dizer que não
estão totalmente indefesos. O que importa é que
sejamos mais rápidos que eles.
— Mesmo que o tal do superpesado — se não me
engano o nome é Topthor — os tenha prevenido, não
temos nada a temer — profetizou Bell. Para seu
espanto, viu que de um instante para outro Rhodan
parecia muito pensativo. A menção dos superpesados
parecia ter ligado um contacto em seu interior. — O
que houve com você?
— Topthor! — disse Rhodan. — Não é que quase
me esqueço dele?
— E daí? — disse Bell, sacudindo a cabeça. —
Não o compreendo. Destruímos cinco das suas naves;
logo, não temos mais nada a recear da parte dele. Só
lhe restam três.
— É justamente isso — disse Rhodan.
Em sua testa surgiram rugas profundas. — Não se
esqueça do desenrolar dos acontecimentos. Ele deve
ter-nos seguido para o planeta da vida eterna. Para
fazê-lo, deve ter saltado do mesmo lugar que nós.
Acontece que não viemos do sistema de Beta-
Albíreo, mas da Terra. Dali se conclui que conhece a
posição de nosso planeta. Estou disposto a fazer
qualquer aposta de que voltou para lá. Se tiver a idéia
de vingar - se... Pense um pouco! De que recursos
dispõe a Terra para defender-se contra três
couraçados?
Bell parou de sorrir.
— É possível que você tenha uma tendência de
assustar gente que não desconfia de nada. Mas talvez
esteja com a razão. O que vamos fazer?
Rhodan fitou a tela. Defrontava-se com uma
decisão difícil. Lá adiante Tiff aguardava a hora de ser
libertado. Não tinha a menor dúvida de que o segundo
planeta fora transformado num inferno. Gucky não
conseguiria deter os saltadores para sempre. E os dois
cruzadores pesados comandados pelo major Nyssen
não poderiam prosseguir indefinidamente nos ataques
simulados. Etztak não demoraria em descobrir o logro
em que estava caindo. Se resolvesse realizar sua
ameaça, Tifflor e seus amigos estariam perdidos.
De outro lado, porém, Topthor poderia atacar a
Terra com as três naves gigantescas de que dispunha.
Rhodan preferiu não enviar uma mensagem
radiofônica para prevenir o coronel Freyt. Não queria
trair sua posição. Tinha certeza de que os saltadores
estariam em condições de interceptar a mensagem.
A hesitação de Rhodan durou apenas um instante.
Decidiu fazer duas coisas ao mesmo tempo.
Ligou o intercomunicador.
— Atenção, todos os tripulantes! Posto de
combate, atenção! Realizaremos mais um salto.
Distância de duas horas-luz. Depois da
rematerialização os transmissores fictícios de matéria
deverão estar prontos para entrar em funcionamento.
80
Preparem duas bombas de fusão. Exatamente vinte
segundos depois será realizado o salto em direção à
Terra. Aguardem novas instruções. É só. Obrigado.
Bell gemeu.
— Vamos pular de novo? Será que nem temos
tempo para descansar?
— Não temos tempo para descansar.
— Atenção, o salto será realizado em um minuto.
O cérebro eletrônico de navegação processou as
informações e efetuou a regulagem automática da
intensidade do suprimento de energia.
— Faltam trinta segundos — disse a voz metálica
do robô.
Rhodan manteve-se rígido na sua poltrona. A mão
direita segurava fortemente a chave que o mantinha
em contacto com o posto de combate. Ao lado dele
ficava o botão que acionava o transmissor fictício.
Assim que a Stardust-III materializasse, ela se
transformaria num monstro mortífero.
* * *
Etztak teve bastante inteligência para não deixar
que o novo ataque dos cruzadores Terra e Solar
System o distraísse. Uma única de suas naves foi
encarregada de responder ao fogo. E os cruzadores
bateram em retirada, conforme se esperava.
Não, desta vez Etztak não seria tolo para deixar
que desviassem sua atenção. Estava prevenido, à
espera de Rhodan.
Os rastreadores estruturais de sua gigantesca nave,
de mais de setecentos metros de comprimento,
trabalhavam a toda potência. E descobriram alguma
coisa.
A uma distância inferior a duas horas-luz houve
uma transição. Uma nave devia ter voltado do
hiperespaço, pois o abalo fora negativo. Os cérebros
positrônicos entraram em funcionamento, e dali a
poucos segundos Etztak tinha o resultado diante de si.
A uma distância de exatamente 118,38 minutos-luz
uma nave que acabara de percorrer 1.749,89 anos-luz
acabara de retornar ao espaço normal e se
materializara.
Só poderia ser Rhodan!
Mais uma vez o alarma estridente encheu as naves.
Todos os canhões de radiações estavam prontos para
disparar. Os campos protetores foram ativados. Etztak
mandou que as naves se agrupassem de tal maneira
que um inimigo que surgisse de repente poderia ser
alvejado de todos os lados.
Logo os rastreadores estruturais registraram outro
abalo da estrutura espacial, desta vez positivo...
...no mesmo instante Rhodan encontrava-se em
meio ao grupo.
A massa da gigantesca esfera de oitocentos metros
de diâmetro era maior que a de toda a frota de Etztak
reunida. O tamanho assustador paralisou os saltadores
por alguns segundos preciosos, que nunca mais
conseguiriam recuperar.
Uma das naves dos saltadores explodiu antes que
houvesse tempo de disparar um tiro. Explodiu sem
qualquer causa aparente, bem diante dos olhos
arregalados de Etztak, deixando para trás apenas uma
nuvem de pó radioativo que se espalhou para todos os
quadrantes. Ninguém poderia imaginar que o
transmissor fictício havia transportado uma bomba
atômica de tamanho médio para o arsenal da nave,
fazendo-se explodir ali mesmo.
Etztak abriu fogo. Todas as peças expeliram raios
energéticos que se concentraram sobre o envoltório
protetor da Stardust-III. Mas os raios foram desviados
sem produzir dano. Os geradores da nave arcônida
produziam energia suficiente para compensar o
impacto.
Exatamente quinze segundos depois explodiu a
segunda nave de Etztak.
Quase cinco segundos se passaram antes que
Etztak, ofuscado, pudesse abrir os olhos, apenas para
ver a Stardust-III desaparecer. Antes que pudesse
recuperar-se da terrível decepção, os dois cruzadores
voltaram ao ataque. Quando viu que Rhodan estava
entrando em ação, o major Nyssen agiu
instintivamente. Sabia que a nova arma fora
encontrada e pensou que aquilo já fosse o início do
ataque geral.
A Solar System precipitou-se sobre uma das naves
da frota dos mercadores que se encontrava um tanto
afastada das demais. Era dum tipo menor. Nyssen
sabia que continha principalmente compartimentos de
carga, sendo bastante reduzido seu armamento. Por
isso mesmo os campos energéticos eram menos
potentes. O fogo concentrado do cruzador rompeu o
envoltório protetor e abriu um rombo a bombordo do
cargueiro.
Nyssen não teve tempo para completar a
destruição. A Stardust-III desapareceu com a mesma
rapidez com que havia aparecido. Não houve nenhuma
mensagem, nenhum aviso, nada. A imensa nave surgiu
que nem um fantasma, e que nem um fantasma voltou
a mergulhar no Universo.
Nyssen ordenou a retirada.
Deixou para trás um Etztak confuso, que no
momento se sentia bastante desorientado.
Em menos de vinte segundos perdera três naves.
* * *
Sentado em sua poltrona superdimensionada,
Topthor parecia uma gigantesca posta de carne. As
constelações de estrelas cristalizavam-se, vindas do
nada, e transformaram-se num quadro com que já
estava familiarizado.
O salto fora bem sucedido.
Diante das três naves de Topthor apresentava-se o
sistema solar, cujo terceiro planeta lhe causava
tamanhas preocupações.
Ligou uma chave e estabeleceu contato com as
outras naves.
— Grogham, entre em contacto com nossa frota.
As oito naves de guerra devem estar do lado oposto do
sol. Encontramo-nos a dez horas-luz daqui, sobre uma
reta que liga o sol e o planeta exterior. Dentro de duas
horas pretendo realizar uma conferência audiovisual.
— Cuidarei disso — prometeu Grogham, vice-
comandante da frota de proteção de combate. Também
era um dos chamados superpesados: pesava mais de
81
quinhentos quilos. — Daqui a duas horas. Vamos
destruir o terceiro planeta, Topthor?
— Se não quiserem aceitar nossa oferta, esses
terranos malucos vão pagar por isso. Rhodan está
ocupado com Etztak. Quer dizer que temos tempo.
Topthor estava muito enganado, mas não
desconfiava de nada. No momento em que estava
dizendo essas palavras, três naves de Etztak estavam
sendo destruídas. E antes de terminar a Stardust-III
voltou a penetrar na quinta dimensão, para efetuar o
grande salto em direção à Terra.
Rhodan teve a precaução de se materializar a vinte
horas-luz do sol. Sem realizar outra transição,
penetrou em nosso sistema à velocidade da luz. Dessa
forma o risco de ser localizado era bem menor.
Chegou à Terra sem que sua presença fosse notada
e pousou em Terrânia, capital da Terceira Potência. O
coronel Freyt ficou muito surpreso em rever o chefe
tão cedo. Reprimiu uma observação sarcástica pelo
fato de Rhodan não lhe ter enviado qualquer aviso
pelo rádio, pois viu que Perry estava com muita
pressa. Bell permaneceu a bordo da Stardust-III, e esta
se manteve preparada para decolar a qualquer instante.
Só Rhodan tomou um carro e dirigiu-se
apressadamente à sede do comando situada sob a
abóbada energética, a fim de desencadear o alarma na
Terra. Algumas mensagens breves dirigidas aos
respectivos governos foram suficientes para provocar
uma ação comum.
A Terra estava preparada.
E esperava...
* * *
— Seria um absurdo — concluiu Topthor, olhando
os comandantes das dez outras naves, como que à
espera de aplausos — se atacássemos a Terra sem
aviso e a destruíssemos. De que nos serve um planeta
destruído, se o mesmo é habitado por uma raça da
qual tanto temos a esperar? — os dez rostos barbudos
que se viam na tela inclinaram-se em sinal de
concordância. — Será mais razoável negociarmos
com eles. Rhodan está no sistema situado a trezentos e
vinte anos-luz daqui, onde procura dar cabo de Etztak.
Até é possível que com a nova arma ele o consiga.
Para nós isso não representaria qualquer prejuízo,
mesmo que fosse eliminado um clã que constitui uma
fonte de lucros para nós. Se nesse meio tempo
conseguirmos firmar pé na Terra, teremos
possibilidade de fundar uma colônia bastante rendosa
dos saltadores.
— E Rhodan? — perguntou alguém.
— Rhodan? — um sorriso largo cobriu o rosto
barbudo de Topthor. — Rhodan ficará admirado
quando, depois de ter saído vitorioso na batalha contra
Etztak, regressar para cá e constatar que seu planeta
mudou de dono.
Grogham pigarreou.
— Receio que o senhor esteja subestimando os
terranos — objetou.
Topthor olhou-o em cheio e parou de sorrir.
— Então sua opinião é essa? Afinal, temos onze
naves construídas especialmente para combater. O que
tem Rhodan para contrapor a isto?
— Tem a nova arma.
Topthor parecia não sentir-se muito feliz com a
lembrança da destruição fulminante de cinco das suas
naves.
— Se surgir qualquer dificuldade, poderemos
entrar em contacto com nossa base — ponderou. —
De qualquer maneira procurarei conquistar a Terra.
Vamos aproximar-nos do planeta até uma distância de
dez minutos-luz e procuraremos estabelecer contacto
pelo rádio. Veremos como reage o pessoal de Rhodan.
Tenho certeza de que não têm nada com que possam
defender-se contra nós.
Desta vez não obteve qualquer resposta.
A frota composta de onze naves fortemente
armadas, nenhuma das quais com menos de trezentos
metros de comprimento, tomou o rumo do sol e dele
se aproximou à velocidade da luz. Depois de
ultrapassada a órbita de Plutão, Topthor reduziu a
velocidade e foi-se aproximando sorrateiramente da
Terra.
Mas a cautela revelou-se inútil. Os satélites-
espiões já o haviam detectado e prevenido Rhodan.
Depois de tomar as providências indispensáveis, este
voltou à Stardust-III e logo se dirigiu à sala de
comando, onde Bell se mantinha à espera.
— Então? — perguntou Bell. — Como estão as
coisas?
— Dei as instruções necessárias ao coronel Freyt.
Ele nos transmitirá eventuais mensagens dos
superpesados. E eu responderei em seu nome. Não
devem desconfiar de que já os esperamos aqui mesmo.
Duas horas depois a luz de controle acendeu-se. O
serviço de rádio da Terceira Potência era muito
eficiente. Topthor acabara de estabelecer contacto
com a Terra, mas não sabia com quem estava falando.
Rhodan tomou a liberdade de atribuir-se um
pseudônimo.
Com dois movimentos de chave estabeleceu
contacto direto. Era um contacto audiovisual, mas isso
não fazia mal. Rhodan conhecia Topthor, mas este
nunca havia visto Rhodan.
A figura maciça do gigante causava uma
impressão profunda, mas não poderia assustar
Rhodan. Conhecia a raça, inclusive suas fraquezas.
— Aqui fala a Terra — disse em tom indiferente.
— O senhor chamou?
Topthor demonstrou surpresa pelo fato de não se
mostrarem surpresos com sua mensagem.
— Queremos entrar em negociações com os
terranos — disse em puro intercosmo, com um ligeiro
sotaque. — O clã poderoso dos surperpesados quer
fazer algumas propostas aos terranos.
— Pode falar.
— Com quem estou falando? — perguntou
Topthor, fitando o rosto de Rhodan.
Este enfrentou o olhar sem pestanejar.
— Sou o coronel Freyt, representante de Perry
Rhodan no governo da Terceira Potência.
— O que vem a ser a Terceira Potência?
— É a potência que representa a Terra.
— Por que não posso falar com Rhodan?
“Que raposa esperta”, pensou Rhodan, enquanto
82
Bell, que se encontrou fora do alcance da câmara de
TV, esboçava um sorriso de deboche. “Quer saber se
desconfiamos de alguma coisa.”
— No momento não tenho meio de entrar em
contacto com ele — disse Rhodan. — O que deseja?
— Sabem quem eu sou?
— Pelo que vejo, é um monstro — respondeu
Rhodan.
— Sou Topthor, o mais velho do clã.
— Será que também é o mais inteligente?
Por um instante Topthor parecia confuso diante de
tão estranha pergunta, mas logo se mostrou furioso.
Afinal, os comandantes das outras naves assistiam ao
diálogo em que estava sendo ridicularizado.
— Fazemos comércio com todos os mundos
habitados da Galáxia. Acredito que os senhores
tenham algo a oferecer-nos. Vamos pousar. Informe
sua posição.
— Não posso autorizar o pouso sem que Rhodan o
permita. Prefiro que o senhor me forneça sua posição.
— Forneça as coordenadas do pouso, senão
pousaremos em qualquer lugar.
— Devo interpretar isso como uma ameaça? Não
nos subestime.
Topthor soltou uma estrondosa gargalhada e
passou a mão pela barba.
— Subestimá-los? Se conseguimos enfrentar
Rhodan, seu planeta não representará qualquer
problema para nós.
— Ah — disse Rhodan. — Então enfrentou
Rhodan?
— Isso mesmo. Infelizmente escapou. Vai
fornecer as coordenadas de pouso ou não vai?
Rhodan lançou um olhar rápido para Bell. Este
entregou-lhe um bilhete. Rhodan segurou-o de tal
forma que Topthor podia vê-lo e leu em voz alta.
— Órbita de Marte — direção Terra. Velocidade:
7.653,3km/seg. Rumo MX-T4 —Rhodan levantou os
olhos. — Daqui a dez minutos poderemos ter um
encontro pessoal, Topthor, se é isso que deseja.
— O que é isso? O que quer dizer precisamente?
— Os dados que acabo de fornecer correspondem
à sua posição atual, à sua velocidade e direção de
deslocamento. Não pense que só Rhodan tem
condições de destruí-lo. E não pense que ignoramos o
que aconteceu no planeta da vida eterna. Finalmente,
não pense que só possuímos uma única nave da classe
da Stardust-III.
Foi um blefe, mas este não deixou de produzir o
efeito desejado.
Topthor estremeceu instintivamente.
— Refere-se à esfera gigante? — mas logo sorriu.
— Terranos, vocês não me afugentarão. Só Rhodan
esteve no planeta da vida eterna, e só ele foi buscar a
nova arma.
Os senhores só possuem armas convencionais, e
estas não representam qualquer problema para nós.
— Muito bem. Vamos fazer a experiência. Mais
uma vez recomendo-lhes que nos deixem em paz e
não pretendam impor-nos seu comércio, que nos
transformaria numa colônia dos saltadores.
Compreendeu?
— Pousaremos dentro de uma hora — respondeu
Topthor e interrompeu o contacto.
Rhodan fitou a tela vazia e depois olhou para Bell.
— E agora? Não querem saber de conversa.
Sentem-se seguros enquanto a Stardust-III com a nova
arma se encontra longe. A constatação de que existem
várias naves desse tamanho representa um choque
para eles. O sobrevivente revelará o fato aos membros
de seu clã, e a Terra se transformará num dos pontos
mais temíveis do Universo. Infelizmente deve ser
assim mesmo, para que possamos atingir nosso
objetivo.
Deu algumas instruções ao coronel Freyt. Depois
ligou o intercomunicador da Stardust-III.
— Atenção! Decolaremos dentro de um minuto.
Não se esqueçam das medidas de segurança, pois a
nave será acelerada fortemente ainda dentro da
atmosfera. Atenção! faltam cinquenta segundos. Não
realizaremos nenhuma transição. A ação terá início
exatamente dentro de dez minutos. Atenção! Faltam
quarenta segundos para a decolagem.
Bell colocou o cinto largo em torno do ventre
avantajado. Seus olhos brilhavam de animação.
— Talvez você esteja com a razão — disse,
vencendo seus escrúpulos morais. —Devemos dar
mais uma lição aos superpesados, se a primeira não foi
suficiente.
— Depois disso iremos o mais rápido possível ao
mundo de gelo. Ando muito preocupado com Tiff e
seus amigos.
— E eu me preocupo com Gucky — confessou
Bell, acompanhando o movimento dos ponteiros dos
instrumentos. — Faltam dez segundos.
3
Quando Tiff saiu da caverna e teve diante de si a
paisagem do planeta, não pôde vencer a surpresa. Só
nos cumes das montanhas próximas havia neve, e
ainda mais à direita, nas encostas que não eram
atingidas pelo sol. De resto o solo negro estava livre
de neve. Na maior parte era formado de rocha nua,
mas vez por outra Tiff tinha a impressão de que essa
rocha tinha algo de familiar.
83
Mildred Orson sacudiu a cabeça com tamanha
força que os longos cabelos pretos esvoaçavam. Fazia
um frio terrível, mas por alguns minutos suportava-se
o mesmo. Além disso, parecia que o impacto direto do
sol e a proteção da rocha tornavam o ar menos gélido.
— Não parece tão mau assim — disse em tom
alegre, embora por dentro não se sentisse nem um
pouco alegre. — Não seria de estranhar se aqui
existisse vida.
— Por enquanto só estamos interessados em nossa
própria vida — respondeu Tiff com um sorriso. Sabia
que Mildred sentia certa inclinação por ele, tendo
vencido todas as incertezas. Por Hump parecia sentir
apenas compaixão. Isso fez com que Felicitas
respirasse aliviada, pois até então seu amor por Hump
parecia não ter a menor esperança. O único que
parecia não perceber nada desse jogo complicado era
Eberhardt. Entendia-se perfeitamente com todos e
ficava satisfeito, desde que o deixassem em paz.
— Tiff, você acredita que Rhodan chegará em
tempo para libertar-nos? — perguntou Felicitas um
pouco amedrontada. O medo fazia parte de sua
natureza. — Por que os mercadores ainda não nos
atacaram?
— Por enquanto têm problemas que chega —
conjeturou Tiff. — Gucky já lhes deu muito trabalho.
— Que seria de nós se não tivéssemos Gucky?
Tiff riu.
— Ora, Felicitas, até parece que você está
apaixonada por Gucky.
— De certa forma todos nós estamos, não é
verdade, Milly?
A moça acenou com a cabeça de cabelos negros e
fechou o capacete do leve traje espacial. Ao mesmo
tempo ligou o rádio. Os outros seguiram seu exemplo.
— Estou sentindo frio. — disse. — Não se aguenta
isto por muito tempo sem o traje protetor.
Morreríamos de frio.
— É um mundo hostil — observou Felic,
apontando para o vale onde havia algumas manchas de
neve. — E seria hostil mesmo que não tivéssemos que
temer um ataque dos saltadores.
— Com qualquer mundo pode-se fazer alguma
coisa — objetou Tiff sem tirar os olhos do céu. — Até
mesmo com este. Pensem na lua, senhoritas. Lá nem
sequer existe ar.
— Acontece que não fica tão longe da Terra —
disse Molly, ressaltando um ponto muito importante.
— Isso parece ser um fator decisivo.
Tiff não respondeu. Por um instante teve a
impressão de ter visto um ligeiro relampejo no verde-
azulado do céu, mas logo concluiu que devia ter-se
enganado. Dirigiu-se a Milly e colocou o braço em
torno de seus ombros.
— A distância só tem um significado simbólico;
não produz qualquer efeito prático. No mundo
podemos sentir-nos mais solitários que aqui, a
trezentos e vinte anos-luz da Terra.
— Vamos até o riacho? — sugeriu Milly.
— Parece fazer uma eternidade que não vejo um
riacho.
Caminharam lentamente sobre a rocha escura, que
formava um contraste acentuado com os restos de
neve. No ribeirão havia blocos de gelo, mas o chão
parecia irradiar tanto calor que a corrente de água não
se congelou totalmente. As ondas brincavam
alegremente. Há pouco ainda era gelo, e logo
voltariam a sê-lo.
Felic abaixou-se; em sua voz soou o espanto.
— Vejam só! Existe vida neste mundo de gelo.
Plantas de verdade.
— São apenas algas — disse Milly com certo
desprezo, mas a botânica logo objetou.
— As algas também são plantas, Milly.
Constituem o estágio inicial da vida. A partir deles
tudo se forma desde que disponham de tempo.
De repente Gucky surgiu em meio ao grupo, vindo
do nada. Transferira-se para lá por meio da
teleportação. Provavelmente tivera muita preguiça
para percorrer todo o trecho em suas perninhas curtas.
— As algas tiveram tempo de sobra — disse num
tom estranho. — Deram origem a outras formas de
vida, e de vida inteligente.
Vamos voltar à caverna, que eu lhes mostrarei.
— Vida inteligente? — disse Tiff, esticando as
palavras. — Será que você localizou os chamados
sonâmbulos?
— Vocês ficarão admirados — disse Gucky
animadamente. — São criaturas formidáveis — e além
de tudo são telepatas. Quase diria que são hipnos-
telepatas, pois seus pensamentos transmitem-se por
força dum comando irresistível àquele a que se
dirigirem.
— O que significa isso? — indagou Tiff e sentiu
que seus cabelos se arrepiavam.
Teve a mesma sensação que costumava apossar-se
dele nos tempos em que o avô lhe contava, nas horas
de crepúsculo, as conhecidas histórias de fantasmas.
— São hipnos-telepatas?
— Enquanto pensam, podem influenciar o espírito
de outros seres. Mas não se preocupe Tiff; são
inofensivos. Têm medo dos saltadores.
— E eles sabem alguma coisa a respeito dos
saltadores? — disse Tiff num espanto sempre
crescente. — Como chegaram a tomar conhecimento
da existência deles?
— Os sonolentos dispõem dum estranho poder de
adivinhação. Captaram pensamentos de ódio vindos
do espaço. Só podem ser os pensamentos dos
saltadores. Nossa presença não os incomoda, pois
sabem que não pretendemos fazer-lhes nenhum mal.
Mas têm medo dos saltadores, e não confiam em suas
intenções. Vocês se admirarão — repetiu Gucky. —
Mas vamos à caverna. Ou será que vocês têm tanta
preguiça como eu?
Resmungando, Tiff pôs-se em movimento. Milly e
Felic seguiram-no. Esta última lançou mais um olhar
para as algas que cresciam na margem do riacho e
resolveu que mais tarde voltaria a visitar o estranho
planeta.
Gucky desapareceu. Esperou-os no interior da
caverna, onde reinava um calor agradável — e um
cheiro também agradável de comida preparada.
Hump levantou os olhos quando o grupo entrou.
— Está na hora. A comida está pronta.
Excepcionalmente Eberhardt conseguiu fazer
84
alguma coisa de útil. Desembrulhou os alimentos
concentrados.
— Se não fosse eu, o molho teria queimado —
disse Eberhardt, defendendo-se da acusação de Hump.
— Esse sujeito não sabe fazer outra coisa senão falar,
e o que fala é apenas mentiras.
Gucky farejou o ar e soltou um gemido de gozo.
— Sugiro que comamos logo. Os sonolentos não
vão fugir. Por enquanto não.
— Poderão fugir mais tarde? — perguntou Tiff,
que não soube dominar a curiosidade.
Gucky fez que sim.
— Mais tarde, na primavera. Daqui a cinquenta
anos aproximadamente.
Tiff lançou um olhar demorado para o rato-castor.
Seu rosto matreiro não permitia qualquer conclusão
sobre se estava brincando ou não.
RB-013 mantinha-se imóvel num canto, irradiando
um calor agradável. A lâmpada alimentada pela
energia inesgotável do reator arcônida espalhava sua
luz. Se não fosse o robô, a vida seria menos agradável.
Sentaram sobre as caixas emborcadas e comeram.
Os mestres-cucas, Hump e Eberhardt, receberam os
elogios merecidos e logo discutiram a respeito de a
quem cabia o maior mérito.
Foi nesse momento que Felic arriscou o primeiro
ataque de frente.
— Hump, você cozinhou uma sopa deliciosa —
disse, lançando-lhe um olhar de admiração. — Eu não
saberia fazê-la tão gostosa.
Hump sempre era acessível a um elogio. Enrijeceu
o corpo e lançou um olhar de advertência para
Eberhardt. Com um aceno de cabeça, prometeu:
— Quando eu for casado, minha mulher não
precisa cozinhar.
Tiff fez uma careta.
— Você cozinhará no lugar dela? — perguntou.
— Claro que sim!
— Ah, é? E sua mulher sairá para trabalhar?
Por pouco Hump não engasga.
— Por quê?
Tiff sorriu.
— Homem, você nem desconfia dos problemas
que uma dona-de-casa tem que enfrentar. Pergunte a
Milly. Quando for casada, não terá outra coisa a fazer
senão cozinhar. Não mandarei na cozinha, mas em
compensação vou ganhar dinheiro.
O rosto de Hump foi tão estúpido que Gucky
soltou uma gargalhada tão aguda que até fez tremer a
lâmpada do robô. Ninguém deu atenção à reação
emotiva da máquina eletrônica, pois todos
concentravam suas atenções em Hump.
O cadete da frota espacial empalideceu, mas
depois seu rosto se tornou vermelho como um tomate.
Passou os olhos de um companheiro para outro, mas
só se defrontou com expressões de expectativa; todos
demonstravam um vivo interesse no desenrolar dos
acontecimentos.
Finalmente seus olhos pousaram em Milly.
— É verdade, Milly? Você quer casar com ele?
A moça confirmou com um aceno de cabeça. Uma
mecha de cabelo negro caiu em sua testa.
— Você não sabia?
Hump engoliu em seco.
— Como poderia saber?
Milly exibiu um sorriso ingênuo.
— Mesmo que amasse você, não tiraria o preferido
de outra moça. Ainda mais quando sei que essa moça
gosta de você de todo coração, mas você é tão
estúpido que não percebe nada.
O rosto de Hump tornou-se talvez ainda mais
estúpido. Tiff teve de esforçar-se para reprimir o riso.
Felic parecia confusa. Seu rosto alternava entre o
vermelho e o pálido. A colher que segurava na mão
tremia fortemente. Eberhardt era o único que não
parecia interessado no que se passava em torno dele.
Continuava a devorar tranquilamente a sopa e vez por
outra soltava um gemido satisfeito, o que fez com que
o rato-castor lhe tocasse o pé às escondidas, para
lembrar-lhe as boas maneiras à mesa.
— Há uma moça que me ama? — gaguejou Hump
depois de algum tempo, totalmente confuso.
— Isso mesmo. É uma coisa que você não pode
compreender, não é? — disse Milly em tom
provocador. — Asseguro-lhe que essa moça não sou
eu.
O olhar de Hump caiu sobre Felic, que parecia
muito confusa e não contara com esse auxílio.
Abaixou a cabeça quando Hump a olhou.
— É verdade, Felic? — cochichou Hump.
Felic confirmou com um aceno de cabeça.
Foi quando a paciência de Gucky estourou.
— Os humanos são criaturas estranhas! Será que
vocês têm de escolher justamente a hora do almoço
para tratar de assuntos de família? Até parece que não
temos outros problemas.
Tiff apontou para a panela colocada sobre a caixa
emborcada que servia de mesa.
— Para quanta coisa não pode servir uma boa sopa
— disse, lançando um olhar de gratidão para Milly. —
Se você não tivesse dado uma dica tão clara, Hump
nunca teria descoberto. Compreende com muita
dificuldade. E Felic é muito tímida. Pelo menos este
problema está resolvido. Será que temos uma
sobremesa?
Eberhardt desertou do cochilo costumeiro.
— Sobremesa? — resmungou. — Será que vocês
têm de empanturrar-se toda vida?
Tiff levantou-se.
— Foi apenas uma pergunta singela. O que vamos
fazer agora, Gucky?
O rato-castor, que já se acostumara ao alimento
dos humanos, embora preferisse uma cenoura,
mostrou o dente roedor e passou as patas pela barba.
Só faltava ronronar.
— Depois da refeição um passeio faz milagres —
disse. — Quem ficará por aqui?
Ninguém se dispôs a ficar. Gucky sorriu.
— Muito bem; vamos todos. Aconselho que usem
botas de borracha e roupa velha.
O caminho é muito difícil e úmido. Voltaremos
sujos que nem uns porcos.
Eberhardt franziu a testa.
— Eu devia lavar a louça... — principiou.
— Pelo que vejo você quer escapar às canseiras da
marcha — disse Gucky com uma expressão de
85
recriminação. — Pois bem, sempre tem que haver
alguém que leva a vida melhor que os outros. De
acordo, Eberhardt.
Tiff olhou em torno para descobrir a roupa que
devia vestir, mas Gucky segurou seu braço. Não
compreendeu logo o que estava acontecendo, mas
subitamente viu-se transportado a mais de cem metros
em direção ao fundo da caverna. Poucos segundos
depois surgiram Hump e as moças. Preferiu aguardar
as explicações de Gucky.
O rato-castor apontou com um gesto triunfante em
direção à fraca luminosidade, de onde vinha o ruído
inconfundível da água. Um prato de lata tilintava.
— Afinal, alguém tem que deixar as coisas em
ordem — disse. — Vocês acham que eu teria que
lavar a louça mais uma vez? Não se preocupem o
caminho não é difícil. Tiff, você trouxe a lanterna?
— É claro, seu espertalhão. Nunca ando sem ela.
— Muito bem. Daqui em diante podemos andar.
Não é longe. A passagem não ficará mais estreita. Os
sonolentos usam-na durante a primavera, quando vão
à superfície.
— Eles podem ir à superfície? — perguntou Milly,
arregalando os olhos. — Afinal, o que são?
— Felic terá um interesse todo especial por eles —
prognosticou Gucky sem mostrar-se disposto a fazer
outras revelações.
Milly sacudiu a cabeça.
— Felic é uma botânica, Gucky. Reconheço que é
uma ciência estreitamente ligada à zoologia, mas...
— Vocês ficarão admirados — disse Gucky e saiu
balançando o corpo. A cauda larga desempenhava as
funções dum leme, ajudando-o a andar ereto como um
homem. Ajudava-o a manter o equilíbrio e servia-lhe
de apoio toda vez que parava. — Cuidado para não
bater com a cabeça. A passagem é boa para andar, mas
de vez em quando há uma rocha saliente. Os
sonolentos não são maiores que eu.
— Por que você os chama de sonolentos? —
perguntou Tiff. — Ao menos isso você pode contar.
— Poderia — disse Gucky com um sorriso
matreiro. — É que eles dormem, mas ao mesmo
tempo não dormem. O corpo dorme, mas o espírito
continua acordado. Será que vocês ainda não sentem
nada?
— Você acha que sabemos ler pensamentos? —
perguntou Milly.
— Os sonolentos também sabem comunicar-se
com seres que não sejam telepatas. Sua característica
especial consiste justamente nisso. Avisem-me
imediatamente quando sentirem alguma coisa
estranha, alguma coisa... bem, alguma coisa diferente.
Felicitas parou.
— Estou com medo — disse.
Gucky Virou-se como se alguém tivesse mordido
sua cauda.
— Está com medo, Felic? Você o sente
claramente?
A moça parecia indecisa.
— Como posso sentir claramente o medo? Estou
com medo, mais nada.
Hump pigarreou e segurou sua mão.
— Não tenha medo, meu bem. Estou ao seu lado.
Felicitas exibiu um sorriso corajoso. Tiff sorriu.
Lançou um olhar significativo para Milly.
— Como esse monstro do Hump sabe ser gentil
quando ama uma moça que combina com ele. Até já
começo a sentir mais simpatia por você, Hump.
Hump resmungou alguma coisa que ninguém
entendeu e dirigiu-se a Gucky:
— Então, onde é que estão dormindo suas lindas
criaturas do gelo?
Gucky continuou na caminhada.
— Ainda veremos se são lindas. Afinal, nem todos
têm o mesmo gosto — lançando um olhar de esguelha
para Felicitas, acrescentou: — Ainda bem!
* * *
A frota dos superpesados aproximava-se da lua
terrena.
Um tanto preocupado em virtude da palestra que
mantivera com o homem que, segundo sua opinião,
era o representante de Rhodan, Topthor instruiu seus
comandantes a não tirarem os olhos dos instrumentos
de localização. Manteve contacto ininterrupto com
Grogham.
— Será que levaram a advertência a sério,
Topthor? E se forem realmente fortes como afirmam?
Se de fato houver outras naves além da de Rhodan,
equipadas com o mesmo armamento? Não é
impossível que nos tenhamos enganado...
— Tolice! — interrompeu-o Topthor. — Em
hipótese alguma podemos admitir que alguém nos
desafie. Onde chegaríamos se permitíssemos uma
coisa dessas? Outros saberão e poderão ter alguma
ideia estúpida, como por exemplo, aumentar seus
direitos de exportação ou negociar por conta própria.
Perderíamos nosso monopólio. Se não conseguirmos
impor-nos, os mercadores estarão fritos — e nós com
eles. Se não houver mais voos em comboio para
transportar mercadorias preciosas, não teremos mais
nada a proteger.
Grogham não tirava os olhos da tela do rastreador.
— É claro que você tem razão, Topthor.
Acontece que isso não me deixa muito à vontade.
Não me esqueci da rapidez com que Rhodan destruiu
cinco das nossas naves.
Topthor não respondeu. As palavras que Grogham
acabara de pronunciar chamaram-lhe à lembrança a
primeira derrota sofrida em sua longa vida. Ainda não
conseguira explicar como Rhodan conseguira destruir
cinco de suas naves de guerra antes que começasse a
batalha propriamente dita. Rhodan devia possuir uma
arma que ninguém imaginava como seria. Atravessava
os campos energéticos e desencadeava uma explosão
fulminante no interior do objeto alvejado.
O grito de Grogham arrancou-o das reflexões.
— Ali, os terranos! A esfera-gigante dos
arcônidas. Esses traidores aliaram-se aos terranos.
A Stardust-III aproximava-se a uma velocidade
tresloucada e circulou a uma distância segura em torno
da frota de Topthor. Por enquanto nada indicava que o
ataque estivesse iminente.
Topthor lançou um olhar para os instrumentos.
— Mantenha o rumo inalterado, Grogham.
Pousaremos no ponto prefixado. Não atacaremos.
86
Vamos esperar que abram fogo.
Estava lembrado de que Rhodan não destruíra suas
naves antes que estas o atacassem. Talvez o
comandante desse veículo esférico tivesse as mesmas
ideias.
Não poderia adivinhar que o comandante ainda se
chamava Rhodan. E também não podia imaginar que
este interpretava o próprio voo em direção à Terra
como uma agressão, e isso com o consentimento
expresso do imortal, que lhe entregara o transmissor
fictício.
A lua passou ao lado da nave. O globo verde-
azulado da Terra aumentava rapidamente, pois
Topthor ainda não mandara iniciar a manobra de
desaceleração. As onze naves aproximavam-se
implacavelmente do planeta que os mercadores
galácticos pretendiam incorporar ao seu império
colonial. Topthor não se sentiu muito surpreso quando
uma voz potente superou todos os transmissores de
bordo. Era a voz fria e dura que já conhecia. O sujeito
aparentemente tão inflexível não podia ser outro senão
o tal do Freyt.
— Topthor, eu o preveni. Afaste-se da Terra.
Estamos dispostos a estabelecer relações comerciais
de igual para igual com os mercadores galácticos, mas
não concordamos em submeter-nos às condições
ditadas por vocês.
— Quando tivermos chegado à Terra,
negociaremos — respondeu Topthor, que não se sentia
muito à vontade. — Nossas armas não falarão, a não
ser que vocês nos obriguem a agir de outra forma.
— Ninguém mata as galinhas cujos ovos quer
colher, Topthor. O ato de vocês só é pacífico na
aparência. Previno-o pela segunda vez. Você dispõe
de trinta segundos.
Topthor fitou a Terra, que continuava a aumentar.
Já distinguia os continentes e via as grandes cidades,
as vias de comunicação que emitiam um brilho
branquicento, o cintilar das vias férreas, as extensas
áreas cultivadas. Lá embaixo havia uma civilização,
negociava-se e ganhava-se dinheiro.
Entesou-se.
— Por que não concordam em negociar na Terra?
— Temos motivos para isso, especialmente
motivos de ordem tática. Além disso, há uma questão
de princípio — é claro que Rhodan não poderia
revelar que havia muitos outros motivos pelos quais
em nenhuma circunstância se poderia permitir que os
saltadores pousassem na Terra. O planeta ainda não
alcançara a unificação oficial e ainda não possuía uma
frota espacial que lhes permitisse rechaçar eventuais
ataques desfechados pelas civilizações galácticas. Por
enquanto o poder da Terra repousava no blefe. A
Stardust-III era o único couraçado de verdade de que
Rhodan podia dispor. — Previno-o pela última vez,
Topthor, volte antes que seja tarde. Só faltam cinco
segundos.
Tophtor deixou que também esses preciosos
segundos se passassem em vão.
Duro e rijo contemplava a tela frontal, que
revelava tudo que podia ter algum interesse para ele: a
Terra, a gigantesca nave esférica e os dez cruzadores.
Pela primeira vez na vida Topthor sentia-se inseguro.
As dúvidas atormentavam-no: seu procedimento era
acertado, ou estaria cometendo um erro?
Mas Rhodan não permitiu que a incerteza durasse
muito.
De repente Topthor viu que duas de suas naves
entraram em incandescência e caíram aos pedaços. As
peças derretidas, atraídas pela gravitação terrestre, que
já se tornara mais intensa, foram caindo em direção ao
planeta.
Em menos de dez segundos Topthor perdera duas
naves, sem que o veículo esférico tivesse esboçado o
menor movimento de ataque. Mas aquilo só podia ser
obra da gigantesca nave.
O rosto de Rhodan voltou a surgir na tela.
— Então, Topthor, você ainda quer pousar na
Terra, ou mudou de intenção? Eu lhe dou uma última
chance.
Acontece que Topthor não quis a última chance.
Continuava a acreditar na sua superioridade. Até então
suas naves não haviam disparado um único tiro. Nem
se dignou de olhar para Rhodan e não teve tempo de
ficar especulando sobre como aquele terrano, que
acreditava ser Freyt, conseguia interferir em sua rede
de televisão. Sem preocupar-se com a possibilidade de
que suas ordens pudessem ser ouvidas pelos terranos,
berrou:
— Grogham, vamos ao ataque! As naves atacarão
simultaneamente. Disparem os torpedos e os raios
energéticos. Lancem mão de todos os recursos
disponíveis.
Voltou a olhar a tela e viu o rosto do terrano, que
assumiu uma expressão de dureza.
— Topthor, foi você que quis assim — disse
Rhodan, e em sua voz havia um som metálico. —
Pouparei você e Grogham, não por compaixão ou
condescendência, mas apenas para que sobre alguém
do clã dos superpesados. Quero que os outros
saltadores saibam o que lhes acontecerá se vierem à
Terra com a intenção de conquistá-la. A Terra é mais
poderosa que todas as civilizações guerreiras da Via
Láctea, Topthor. E há mais um recado que você
poderá transmitir à sua raça. Estamos dispostos a viver
em paz com todo mundo, mas qualquer um que nos
ataque será destruído sem contemplação. O império
dos arcônidas continua a existir, e com ele prevalecem
às leis que visam à paz.
Topthor estreitou os olhos e esperou que Grogham
transmitisse e executasse a ordem que acabara de dar.
Mas antes que isso acontecesse perdeu mais duas
naves, que sem qualquer causa aparente se
dissolveram nos seus componentes atômicos.
O superpesado lançou mão das sete naves que lhe
restavam, tentando surpreender o inimigo com um
desesperado ataque. Mas os torpedos explodiram antes
que atingissem o campo energético do veículo
esférico, e os raios energéticos concentrados foram
desviados pelo envoltório protetor da Stardust-III.
Subitamente Topthor ficou com apenas cinco
naves.
Seu raciocínio não quis admitir a realidade. Não
era possível que alguém conseguisse romper os
campos energéticos sem mais esta nem aquela. Esses
terranos deviam dispor dum recurso que lhes permitia
87
transformar o inimigo de um estado em outro,
convertendo a matéria em energia pura. Mas como
poderia ser feita uma coisa dessas sem que os campos
energéticos fossem tocados?
Topthor não descobriu a resposta, mas a essa hora
só lhe restavam três naves.
Com isso o instinto de autoconservação venceu a
ambição.
— Grogham, vamos embora! Transição de
emergência. O ponto de encontro é Etztak.
Bateu furiosamente na chave que o afastaria da
zona de perigo.
Grogham seguiu-o, mas a outra nave dos
superpesados não conseguiu escapar à destruição.
Volatilizou-se bem acima da atmosfera terrestre.
Nunca Perry desferira um golpe tão duro e
implacável.
Mas teve que fazê-lo, para que a humanidade
continuasse a existir.
E a humanidade havia de continuar...
4
Orlgans descobrira os terranos e fora o primeiro a
estabelecer contacto com eles, mas submeteu-se à
vontade e às ordens do patriarca de seu clã, Etztak,
que assumira pessoalmente o comando supremo. Os
saltadores não eram uma raça combativa. Em linhas
muito gerais, pareciam apenas uma raça mercantilista
que sabia impor-se. Quando houvesse necessidade de
lutar, chamava-se o clã dos superpesados para prestar
auxílio, pagava-se, a quantia combinada, e ficava-se
livre deles. Mas desta vez o caso era diferente.
No planeta Terra havia uma civilização até então
totalmente desconhecida, que num salto enorme
avançara até o estágio da Astronáutica e contava com
o apoio dos arcônidas. Era um mundo a ser explorado.
Se outros clãs viessem a saber disso, perderiam um
monopólio garantido. Por isso Etztak decidira
enfrentar sozinho a luta contra o planeta Terra e Perry
Rhodan. A luta parecia mais difícil do que era de
supor. Além disso, os superpesados apareceram em
cena, mas Etztak não tinha certeza se conheciam a
posição da Terra. Talvez estivessem blefando.
Bem, Topthor prometera dar sinal de vida.
Orlgans estava pensando nisso, enquanto descrevia
círculos cada vez mais estreitos em torno do mundo de
gelo. Vez por outra mandava disparar salvas de seus
canhões de radiações contra as montanhas de gelo e a
rocha nua, embora soubesse que isso não adiantaria
nada. O motivo de tal procedimento era puramente
psicológico.
Orlgans recuou diante da ideia de destruir esse
planeta habitável por meio duma deflagração atômica
irreversível. Uma medida dessa ordem só era
permitida quando a segurança própria dependia dela.
E o caso não era este. Dominado de raiva, Etztak
pretendia destruir um mundo apenas para vingar-se de
cinco terranos que haviam feito pouco dele.
Orlgans não precisaria fazer muita coisa. Bastaria
pousar em qualquer ponto do planeta condenado à
morte e colocar a bomba. Um mecanismo a faria
detonar dentro de determinado tempo. Depois da
detonação a bomba desencadearia uma reação em
cadeia, que prosseguiria até que a última partícula de
matéria tivesse sido consumida. A reação em cadeia
era lenta. Vários dias se passariam até que todo o
planeta estivesse transformado num sol. Mas, uma vez
iniciado, não havia como reverter o processo.
Nada poderia salvar o segundo planeta do sistema
de Beta-Albíreo.
Mas Orlgans ainda hesitava.
Se o Tribunal Supremo dos mercadores galácticos
pedisse contas do procedimento de Etztak, ele,
Orlgans, ficaria sujeito ao mesmo castigo. Tinha a
obrigação de recusar-se a cumprir a ordem absurda,
que destruiria um mundo capaz de evoluir. Mas o que
aconteceria, perguntou Orlgans de si para si, se
realmente se recusasse? Não atrairia sobre si a cólera
do patriarca? E este não lhe causaria uma série de
dificuldades?
Orlgans respirava pesadamente, enquanto fitava o
deserto de gelo que deslizava embaixo dele. O que
havia para destruir lá embaixo? Neve e gelo. Haveria
alguma vida? Só a dos cinco terranos. E daí?
Deu de ombros e pôs a mão nos controles.
Uma curva fechada levou a nave ao polo norte,
onde pousou suavemente na neve profunda. Mas a
neve não cedeu. Endurecera de tão congelada que
estava.
Orlgans ligou o intercomunicador. Esperou até que
o imediato da Orla XI respondesse ao chamado e
disse:
— Compareça à minha presença. Temos uma
missão a cumprir.
Nem desconfiava de que já iniciara o cumprimento
da tarefa, pois um dos tiros energéticos disparados a
esmo contra a superfície gelada já desencadeara a
catástrofe.
* * *
O cadete Klaus Eberhardt acabara de guardar as
panelas e os pratos lavados e divertia-se, formulando
perguntas inteiramente ociosas ao RB-013. Estava
confortavelmente deitado sobre uma coberta, aos pés
do robô, regalando-se nos raios de calor expelidos
pelo mesmo.
— Está com frio, Moisés? — indagou.
Por algum motivo desconhecido, os cinco terranos
haviam dado este nome ao robô. — Afinal, você não
tem ninguém que o aqueça.
— A pergunta teria muita lógica se eu fosse um ser
orgânico — respondeu RB-013, ou seja, Moisés. —
Mas, como não sou a pergunta não tem nenhuma
lógica.
— Só perguntei por perguntar — desculpou-se
Eberhardt. — O tempo custa tanto a passar quando os
outros não estão por aqui. Quase se chega a sentir
medo.
— Isso não tem nenhuma lógica — repreendeu-o
Moisés com a voz um tanto enferrujada. — Se os
outros estivessem por perto, o perigo não seria menor.
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Eberhardt suspirou.
— Rapaz, será que você não é capaz de se
esquecer por um instante de que é um robô? Não tem
nenhum sentimento? Conhece apenas a lógica?
— Você me chamou de rapaz, criatura esquecida.
Sou RB-013, construído em Terrânia, e pertenço à
série...
— Já sei — gemeu Eberhardt, arrependido de se
ter envolvido numa discussão com aquele sujeito, que
tinha uma resposta para tudo. — Isso só escorregou
dos meus lábios. Desculpe.
Subitamente ouviu um uivo, um forte apito, e uma
vaga de calor quase insuportável envolveu-o. As
cobertas penduradas entre as caixas foram arrancadas
e atiradas contra a parede de rocha. Mas embora as
cobertas tivessem sido afastadas, não surgiu mais luz
no lugar que correspondia à saída para a superfície. E
o frio polar não invadiu a caverna. Pelo contrário: a
temperatura subiu.
Moisés desligou automaticamente o aquecimento e
providenciou a refrigeração.
Perplexo, Eberhardt continuava deitado sobre o
cobertor. Levantou-se devagar.
— O que foi isso? O que aconteceu?
Ouviu-se um forte clique no interior do robô. Era
sinal de que estava consultando seu cérebro
positrônico. Depois respondeu:
— A entrada foi fechada por meio de raios
térmicos. Existem dois fatos que levam a esta
conclusão: o aumento de temperatura e a ausência da
luz do dia. Como terceiro fator podemos citar a falta
da correnteza de ar frio. Meu termômetro indica uma
temperatura de vinte e um graus centígrados positivos.
É ao menos uma temperatura extraordinária, desde
que minha conclusão seja correta.
— Estamos trancados? — Eberhardt empalideceu
e levantou-se. — Por causa de raios térmicos? Foram
os saltadores?
— Provavelmente. Quem poderia ter sido? Os
raios energéticos disparados por eles derreteram a
rocha e a entrada da caverna foi fechada quando a
massa derretida voltou a endurecer. Suponho que se
trate dum simples acaso.
— Isso não deixa de ser um consolo — cochichou
Eberhardt, que subitamente teve a impressão de que o
ar estava muito viciado. — Qual é a grossura da
parede?
— Poderemos verificar isso quando Gucky voltar.
Só agora se lembrou dos colegas e das moças.
— Santo Deus, e os outros? Onde estarão? Tomara
que não lhes tenha acontecido nada.
— Eles correm menos perigo que eu —
tranquilizou-o Moisés. — Esperemos calmamente até
que voltem. Aqui estamos em segurança. Ao menos
posso economizar energia, pois o calor que temos aqui
é suficiente.
— E o ar? Como é que vamos respirar quando o
suprimento de oxigênio estiver esgotado? Afinal, a
entrada está fechada.
Moisés levantou um dos quatro braços e apontou
na direção em que Gucky havia desaparecido com
seus amigos.
— Daí vem um fluxo constante de oxigênio. Nem
há necessidade de ligar meu dispositivo de renovação
de ar.
Eberhardt fitou o corredor escuro.
— Ar puro dali? Como será possível?
Pela primeira vez o robô ficou devendo a resposta.
— Não sei — confessou. — Não disponho de
qualquer indicação que me permita formular uma
explicação do fenômeno.
Eberhardt caiu sobre o cobertor. Parecia ter-se
esquecido de que se transformara num prisioneiro da
caverna.
— Graças a Deus! — gemeu satisfeito. —
Finalmente!
* * *
Tiff parou e respirou profundamente algumas
vezes.
— Tenho a impressão de que ficou mais quente. E
estou admirado de que aqui no fundo da caverna o ar
seja tão puro. Há uma explicação para isso?
O rato-castor sacudiu a cabeça.
— Em hipótese alguma eu me privarei do prazer
da surpresa — disse em tom enfático. — É claro que
existe uma explicação, mas quero que vocês mesmos a
descubram.
Não tenham pressa. Não estão sentindo nada?
Felicitas apontou para a escuridão que se
apresentava diante deles.
— Para onde você nos leva, Gucky? Ainda falta
muito? Estou com medo de verdade.
— Sim, você está com medo — confirmou Gucky.
Parecia satisfeito. — Era o que eu esperava. Você é a
pessoa mais sensível que temos por aqui, e por isso é o
melhor objeto de experiência de que dispomos.
Subitamente uma ruga vertical surgiu na testa de
Tiff.
— Ouça Gucky. Reconheço que você tem alguns
dons admiráveis, mas sempre se corre o risco de
exagerar as coisas. Você faz alusões misteriosas e nem
pensa em fornecer explicações. Tenho certeza de que
você sabe perfeitamente o que está acontecendo neste
mundo. Por que não diz logo o que significa tudo
isso?
Gucky riu satisfeito. As palavras de Tiff não
pareciam impressioná-lo nem um pouco.
— O problema é que você não quer que eu me
divirta. Se eu lhe garanto que não há o menor perigo,
isso não basta? O fato de que Felic sente medo apenas
confirma minha teoria. Daqui a pouco todos vocês
sentirão o mesmo medo. Digo isto para que estejam
prevenidos. São os pensamentos dos sonolentos, que
serão captados por seus cérebros como se estes fossem
uma antena. O que vocês sentirão são o medo de
outrem. Não o medo de vocês.
Tiff prestou muita atenção ao que estava dizendo.
A ruga da testa desapareceu.
— Afinal, você já renunciou a parte da surpresa —
constatou. — Que tal se logo nos contasse o resto?
O dente roedor de Gucky avançou por cima do
lábio.
— Em hipótese alguma! — disse energicamente.
— Prefiro teleportar-me de volta para a caverna e
89
ajudar Eberhardt a lavar a louça.
Milly assustou-se.
— Não faça isso, querido Gucky. Você não pode
nos deixar sós. Hoje de noite cocarei seu pêlo durante
uma hora, se você quiser.
Gucky sorriu.
— Aceito a proposta — disse com um gesto de
condescendência. — Vamos adiante. Não deve faltar
muito.
Tiff sacudiu a cabeça.
— Pensava que você soubesse onde é.
— É claro que sei. Acontece que não percorri todo
o caminho a pé. Apenas fiz alguns ensaios. Por isso
não sei qual é a distância. Mas se não estou enganado,
depois da primeira curva deveremos enxergar a luz.
Tiff parou. Hump, que não enxergava muita coisa
sob a luz da única lanterna acesa e estava entretido
com os próprios pensamentos, esbarrou nele. Ambos
esbravejaram. Mas Tiff logo recuperou o controle.
— Luz? — perguntou.
Gucky fez um gesto impaciente com a cabeça.
Parecia lamentar-se.
— Isso mesmo, luz. Acabei contando mais uma
coisa. Daqui em diante ficarei com a boca fechada.
Caminhou para frente, sem preocupar-se em saber
se os outros o seguiam. O que poderiam fazer senão
isso? Hump resmungou alguma coisa que soava como
“falta de educação”. Ao que tudo indicava, estava
aludindo às maneiras de Gucky. No íntimo Tiff deu-
lhe razão, mas não disse nada. Também as duas moças
seguiram-no em silêncio.
A curva anunciada chegou. O corredor alargou-se.
Bem adiante brilhava uma luz.
— É mesmo! — disse Milly e estremeceu. — Uma
luz. Gucky, como é que pode haver luz por aqui, bem
embaixo da montanha? Será uma luz artificial?
— Não sei — respondeu o rato-castor, que à luz da
lâmpada tinha alguma coisa dum rato Jerry bastante
ampliado. Ao que parecia, excepcionalmente estava
dizendo a verdade.
Não fizeram outras perguntas. Seguiram Gucky,
que caminhava mais depressa.
O corredor tornou-se mais largo e mais alto. Tiff
calculou que haviam percorrido ao menos um
quilômetro. Como o chão em que pisavam sempre se
apresentara em declive suave, deviam encontrar-se
cerca de cinquenta metros abaixo da superfície. Não
havia dúvida de que a profundidade devia ser maior,
se o corredor levava para o interior da montanha.
A luz tornou-se mais forte.
Gucky deu mais um passo e entrou num recinto
amplo. Num gesto dramático levantou os braços e fez
um gesto abrangedor. Nesse instante parecia um
Napoleão em edição de bolso. Se a situação fosse
outra, Tiff não teria deixado de formular uma
observação nesse sentido; mas ficou calado.
O quadro que se apresentava diante dele roubou-
lhe a fala.
Os outros também ficaram parados e,
boquiabertos, admiravam o que estavam vendo.
Acreditaram que estivessem sonhando, mas as ondas
de pânico que passaram por eles faziam com que o
sonho fosse muito realista.
Encontravam-se num pavilhão que media algumas
centenas de metros de diâmetro. Bem no centro luzia o
espelho dum pequeno lago, em cujo centro brotava um
repuxo. Não era muito alto, mas o esguicho fino foi
pulverizado de tal forma que uma neblina quase
imperceptível descia em todos os cantos. As paredes
rochosas eram bastante irregulares e não davam
mostras de terem sido trabalhadas. Certamente os
nichos foram obra da natureza, da mesma forma que o
poço e o repuxo.
E a luz!
As quatro pessoas do grupo ficaram paradas,
olhando para cima, onde um sol brilhava no centro do
teto. Era redondo, mas seu formato não era tão
uniforme que lembrasse um sol de verdade. Antes
parecia um gigantesco diamante que irradiasse uma
incandescência vinda de seu interior, fornecendo luz e
calor.
Só agora Tiff sentiu a tepidez do ar. Não era um
calor excessivo ou desconfortável, mas a temperatura
ficava em torno de zero grau, o que naquela região
representava uma marca bastante elevada.
— Como é que esta luz pode chegar até aqui? —
perguntou Tiff.
— Deixemos a luz de lado. Ainda teremos tempo
para tratar disso. Não percebeu mais nada, Tiff?
Felicitas não se interessou muito pelo fenômeno
daquela luz estranha, para o qual não encontrou
qualquer explicação. Dedicou sua atenção aos nichos
de pedra — e soltou um grito. Não foi um grito de
susto ou de pavor, mas apenas de surpresa.
Os outros se esqueceram por um momento do sol
de pedra e seguiram na direção apontada por seu braço
estendido. Apoiado sobre a cauda, Gucky cruzou as
patas dianteiras e sorriu.
— Flores! — gaguejou Felicitas e deu um ou dois
passos em direção ao nicho, que ficava a menos de
vinte metros. — Flores de verdade, e bem embaixo da
superfície.
Era isso mesmo. Tiff não pôde negar que a jovem
botânica dissera a verdade. Nos nichos cresciam
plantas em formato de tulipas, numa profusão
conhecida apenas nas florestas tropicais. Estavam tão
amontoadas que não haveria mais lugar para uma
única que fosse. Exalavam um cheiro forte, que enchia
todo o recinto. Tiff admirou-se ligeiramente de não ter
notado o cheiro antes.
— Venham! — convidou Gucky. — Dêem uma
boa olhada no jardim botânico. Vale a pena.
Insatisfeito como sempre, Hump resmungou:
— Pensei que tivéssemos vindo para fazer uma
visita às inteligências semiadormecidas, e acabamos
parando num jardim de tulipas.
— As flores que crescem neste mundo de gelo só
por si representam um milagre — obtemperou Tiff. —
Por que não vamos contemplar o milagre? Felic deve
ter um interesse todo especial pelo mesmo.
Parecia que Gucky nunca queria parar com seus
sorrisos.
Tiff seguiu Felicitas, que fora ao nicho mais
próximo e se inclinava para olhar as tulipas mais de
perto. Os outros também não tiveram coisa melhor a
fazer senão dedicar uma atenção toda especial às
90
plantas.
Realmente lembravam tulipas, mas tulipas
grandemente ampliadas, que teriam causado orgulho a
qualquer floricultor terreno. Os longos talos
sustentavam enormes coroas, que se mantinham
fechadas. O formato típico das tulipas era
inconfundível. O vermelho e o alaranjado dominavam
o quadro, mas também havia flores azuis, amarelas e
roxas.
Na parte de baixo as raízes mergulhavam na terra
fofa. Realmente, havia porções de terra fofa. Até
parecia que um jardineiro cuidadoso preparara a terra
especialmente para servir àquelas plantas.
Felicitas voltou a endireitar o corpo.
— São flores; talvez se trate duma variedade de
tulipas. Como vieram parar aqui? Alguém deve tê-las
plantado.
— Talvez tenha sido um dos sonolentos —
conjeturou Tiff em tom inseguro.
— Foi o que pensei no início, Tiff. Pensei que os
sonolentos apreciassem as flores. Mas de certa forma
eu me enganei. Dê uma boa olhada nas flores, Felic.
Não está notando nada?
A botânica voltou a inclinar-se e submeteu as
flores a um exame mais detido. Não teve necessidade
de esforçar-se muito, pois as flores tinham quase um
metro de altura. Estreitou os olhos quando viu uma
fenda fina, mas bem fechada, que circundava a corola.
Cada pétala da flor tinha uma fenda desse tipo.
— Talvez sejam plantas carnívoras — conjeturou,
mas pelo tom de sua voz percebia-se que não estava
muito convencida do acerto da suposição. — O fato é
que dispõem de aberturas que podem ser fechadas à
vontade.
De repente Gucky soltou uma gargalhada chiante e
começou a dançar sobre suas pernas curtas. Emitiu
sons estridentes, que por certo se destinavam a revelar
sua alegria.
— Adivinhou! — exclamou depois de algum
tempo, enquanto Tiff e Hump se fitavam numa
estranha harmonia. Naquele momento deviam ter a
mesma idéia. Ao que tudo indicava, acreditavam que o
rato-castor tivesse perdido o juízo.
Mas logo descobririam que não era nada disso.
Quando Gucky conseguiu acalmar-se, disse:
— É verdade: podem abrir e fechar as fendas à
vontade. Mas estas não são órgãos de nutrição.
Prestem atenção para ver o que vai acontecer. Depois
vocês saberão.
Colocou-se ao lado de Felicitas e tocou uma das
plantas com a pata de veludo. Ficou acariciando as
pétalas vermelhas com a suavidade de quem está
lidando com um ser amado.
E o milagre aconteceu.
A tulipa abriu as fendas estreitas.
Os quatro humanos, estupefatos, depararam-se
com um verdadeiro olho que os fitava curiosamente.
— Permitem que lhes apresente os sonolentos? —
disse Gucky com uma mesura impecável.
* * *
Orlgans contemplou o oficial, quando este,
auxiliado por alguns homens, colocou a bomba no
gelo. Os radiadores térmicos abriram um buraco
profundo até que, ultrapassada a camada de neve,
encontraram o gelo firme. O buraco encheu-se de
água, mas isso não prejudicaria a execução do plano.
A água é uma matéria estável, tal qual o gelo ou a
neve.
Finalmente Raganzt inclinou-se sobre a bomba e
pôs a funcionar o mecanismo de relógio. Após isso, o
instrumento mortal da destruição absoluta foi
colocado no buraco por meio duma corda.
Orlgans continuava calado. Transmitira a ordem
irresponsável, mas não fez a menor tentativa de
impedir sua realização. Ainda não era tarde para isso.
Só dali a trinta minutos seria desencadeada a reação
em cadeia. Se isso acontecesse no espaço cósmico, ela
logo se extinguiria, pois a matéria ali existente é tão
tênue que não permite o desenvolvimento do processo.
Orlgans nem estava pensando nisso. Desejava sair
quanto antes desse planeta, que logo se transformaria
num inferno — num inferno criado por suas mãos.
Acompanhado de Raganzt e dos outros homens do
grupo, voltou à nave. Uma vez na sala de comando,
entrou em contacto radiofônico com Etztak e anunciou
o cumprimento da ordem.
O patriarca parecia satisfeito, mas não conseguiu
ocultar o nervosismo.
— Volte imediatamente. Acabamos de receber
uma mensagem de Topthor. Realizou um salto de
emergência para fugir da Terra. Sua frota de guerra foi
destruída, com exceção de duas naves. Recusa-se a
prestar-nos auxílio e decidiu voltar à sua base.
Orlgans venceu o primeiro susto.
— Ele se recusa? — cochichou espantado. — Um
superpesado recusa-se a lutar em troca de dinheiro?
Uma coisa terrível deve ter acontecido.
— Possuía dezesseis naves, e agora só possui duas.
E lutou contra um único terrano.
— Foi Rhodan!
— Isso mesmo, lutou contra Rhodan.
Receio que o mesmo ainda nos dê trabalho por
aqui. Talvez seria preferível se batêssemos em
retirada.
— Sem destruí-lo? — disse Orlgans, admirado
pela súbita mudança que se processara no espírito do
patriarca. — Isso seria uma derrota.
— Poderíamos voltar mais tarde. Afinal, os
terranos são uma raça tão subdesenvolvida que não
poderão enfrentar os saltadores por muito tempo. Sua
aparente superioridade provém exclusivamente do fato
de que alguns arcônidas lhes dão auxílio. Mas não se
trata apenas disso. Esse Rhodan conhece a posição do
planeta da vida eterna, e faço questão que ele me
revele a mesma.
— Será que fará isso? — disse Orlgans,
manifestando uma dúvida até certo ponto justificada.
— Terá que fazê-lo... um dia! — afirmou Etztak,
seguro de si. — Voltarei com uma frota enorme e...
O rosto desapareceu da tela. O contacto sonoro foi
mantido. Orlgans ouviu gritos de pavor, seguidos de
vozes de comando. Finalmente, depois de alguns
minutos de incerteza, o rosto de Etztak voltou a surgir.
Nos olhos do velho patriarca brilhava a insegurança e
o medo, mas também uma decisão implacável.
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— Apresse-se, Orlgans! Decole imediatamente,
mas tenha cuidado quando chegar aqui. Os dois
cruzadores terranos voltaram a atacar, mas desta vez o
ataque é sério e mortal. Dispõem de armas espantosas.
Defendemo-nos contra eles, mas ao que tudo
indica receberam outras instruções.
Não se deixam pôr em fuga.
— Quem sabe se não conseguimos surpreendê-los
se viermos de outra direção? — sugeriu Orlgans, mas
logo se arrependeu do que acabara de dizer. Como
tivera a ideia de atacar sozinho dois cruzadores que
toda a frota de Etztak não conseguira vencer?
— Tente — confirmou o velho e de permeio deu
outras ordens. — Mas se for atacado, retire-se.
Mais uma vez o patriarca confirmou com um
movimento de cabeça. Após isso, a tela escureceu.
Orlgans aguardou por alguns segundos. Depois
disso suas mãos hábeis passaram pelas chaves e
botões dos controles automáticos. Um zumbido soou
no interior da nave. Por um instante, Orlgans
perguntou de si para si onde ficara a nave que devia
acompanhá-lo na missão, mas a idéia de que alguém
teria que controlar o espaço aéreo logo o tranqüilizou.
Mas era de estranhar que não conseguia estabelecer
contacto.
A Orla XI decolou.
Lá embaixo, em meio ao gelo eterno, ficou um
buraco negro e quadrado, que abrigava a morte de
todo esse mundo. Orlgans estremeceu à simples ideia
do que aconteceria ali dentro de pouco tempo. Uma
explosão atômica normal liberaria um calor tamanho
que a neve e o gelo seriam derretidos num raio amplo.
Mas o fenômeno não se restringiria à explosão. De
início ocorreria a transformação dos elementos mais
leves, cuja estrutura atômica se desagregaria,
convertendo-se em energia. Depois seria a vez dos
elementos pesados, e o processo prosseguiria até que o
próprio núcleo do planeta se transformasse num
inferno em chamas. O sistema de Beta-Albíreo teria
mais um sol.
Apesar das ordens de Etztak, Orlgans tinha motivo
para recorrer mais uma vez à sua tática de
retardamento. Não se sentia muito atraído pela
perspectiva de engalfinhar-se numa luta contra os dois
cruzadores, e ficaria satisfeito se as naves terrenas se
retirassem antes que atingisse o setor em que se
encontrava seu grupo.
Mas de repente, enquanto deslizava calmamente
sobre a superfície branca sem pensar em ganhar
altitude, uma coisa muito estranha aconteceu a menos
de cem quilômetros do lugar em que fora colocada a
bomba mortífera.
Raganzt saíra da sala de comando para fiscalizar
os preparativos a serem tomados nos postos de
combate. De repente Orlgans sentiu que não estava só.
Tinha a impressão de que alguém se encontrava atrás
dele, olhando seus dedos.
Virou-se repentinamente — e deparou-se com o
ser mais estranho em que jamais havia posto os olhos.
Devia ter cerca de um metro de altura e tinha o
formato dum rato grandemente ampliado. Apoiava-se
sobre a cauda larga e contemplava-o com uma
expressão suave nos olhos.
Era Gucky!
Evidentemente Orlgans não sabia quem era Gucky
ou o que sabia fazer. Para ele o estranho intruso era
apenas um animal, mas não sabia se o animal era
agressivo ou inofensivo.
Por um instante Orlgans pensou que se tratasse
dum habitante desse mundo inóspito, que conseguira
penetrar na nave enquanto a mesma estava pousada na
zona polar. Mas só acreditou nisso até que Gucky
fizesse sua auto-apresentação.
E a apresentação foi feita no mais genuíno
intercosmo.
— Então um assassino é assim — disse Gucky.
Orlgans tornou-se um pouco mais pálido quando o
animal lhe dirigiu a palavra. O que acabara de dizer
não era tão importante, mas o fato de que falava
representava uma terrível realidade. Por um instante
Orlgans se esqueceu de que havia muitas raças
inteligentes no Universo, muitas das quais não têm
aspecto humano.
— Quem é você? — perguntou, sem conseguir
recuperar-se do espanto e do susto. Esqueceu-se por
completo da pistola de radiação que trazia no cinto.
— Meus amigos costumam chamar-me de Gucky,
e um dos meus amigos é Perry Rhodan. Está curioso
para saber como consegui entrar na nave? É simples:
sou um teleportador. Sim, e também sou um telepata;
espero que isto o tranqüilize. Ah, o fato o deixa
intranqüilo? Não há nada que eu possa fazer.
— O que deseja? — gemeu Orlgans.
— Você ainda se atreve a perguntar, assassino?
— Por que vive me chamando de assassino?
— Porque você quer destruir um mundo no qual
existe vida, e vida inteligente, Orlgans. Você será
punido por isso.
— Quem deu a ordem foi Etztak. É ele que terá de
dar contas ao Tribunal Supremo, não eu...
— Não acreditamos muito nos tribunais dos
saltadores — chiou Gucky. — O castigo será aplicado
por nós.
Orlgans voltou a tornar-se mais pálido. A mão
direita executou um movimento rápido em direção ao
cinto, mas a pistola foi mais rápida. Saiu do coldre por
si mesma e subiu em direção ao teto, onde parou como
se alguém a segurasse.
— Esqueci-me de mencionar uma coisa —
desculpou-se Gucky em tom zombeteiro. —Também
sou um telecineta. Como já disse, vim para julgá-lo.
— Exijo um julgamento regular — berrou Orlgans
na esperança de que alguém o ouvisse. — Ninguém
pode ser castigado sem que haja uma sentença.
— Uma sentença? — respondeu o rato-castor. —
A sentença já foi proferida. Por ela você é condenado
à morte.
— À morte? — O saltador recuou instintivamente.
— Quem se arroga o direito de condenar-me à morte?
— Quem foi condenado não foi apenas você, mas
toda a tripulação desta nave —explicou Gucky. —
Você quer saber quem o condenou à morte? Muito
bem, eu lhe direi. Foram aqueles que você condenou à
morte. E todo um mundo foi condenado à morte por
você.
— Todo um mundo? — disse Orlgans num
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espanto genuíno. — Este planeta está coberto de neve
e gelo. Ninguém pode viver nele.
— Você está enganado! — subitamente a voz de
Gucky tornou-se aguda e estridente. Os pelos da nuca
eriçaram-se. — Neste mundo vivem os sonolentos,
uma raça muito inteligente em comparação com seus
companheiros de espécie de outros mundos. Sabem
que no polo foi colocada uma bomba que pode
explodir a qualquer instante. E sabem que a mesma
provocará uma reação de cadeia que não poderá ser
detida. E sabem mais do que isso, Orlgans: sabem que
terão de morrer, porque seu mundo deixará de existir.
E eles me incumbiram de punir o assassino.
Orlgans ouvira-o num espanto crescente. Vez por
outra lançava um olhar sobre a pistola inatingível, que
continuava pendurada sob o teto. Então havia vida
nesse mundo? Não contara com essa possibilidade.
Será que isso o liberava da culpa?
Gucky sacudiu a cabeça.
— Não, de forma alguma, Orlgans. A sentença dos
sonolentos está conforme o direito.
O comandante dos saltadores olhou para a tela.
— Estamos pousando. O que aconteceu? Por que
estamos pousando?
— Assumi o controle da nave — esclareceu
Gucky. — Conforme se constata, a mesma pousará a
menos de trezentos quilômetros do pólo. A bomba
explodirá dentro de três minutos. No momento não
lhes fará nada. Dentro de três minutos terão que
abandonar a nave. Não terão tempo de emitir um
pedido de socorro dirigido a Etztak. É que exatamente
daqui a três minutos a nave irá pelos ares. Entendido,
Orlgans?
Orlgans havia entendido, embora não
compreendesse por que sua nave teria que ir pelos
ares. Mas afinal já vira alguns exemplos.
A nave pousou suavemente.
— Vamos transmitir as instruções necessárias aos
tripulantes — recomendou Gucky. — Não têm tempo
sequer para levar mantimentos. Mas isso não faz mal.
Vocês terão que passar fome até que sejam atingidos
pela deflagração atômica.
Orlgans tremia que nem uma vara verde.
— Isso é uma crueldade! Vocês não nos podem
expor a um destino desses. Por que não nos matam de
uma vez?
— Farei com que vocês tenham algumas pistolas
— afirmou Gucky sem a menor contemplação. —
Quem quiser poderá fazer uso delas. Não impedirei
ninguém de fazê-lo. Quanto a mais, nada posso fazer
por vocês. Uma raça moribunda manifestou seu último
desejo. Eu apenas o cumpro.
Cerca de noventa segundos depois, Gucky viu do
cume duma montanha como os saltadores evacuavam
a nave. Alguns os faziam devagar e a contragosto. O
prazo que lhes fora fixado não lhes dava possibilidade
de levar mantimentos ou qualquer equipamento.
Raganzt foi à sala de comando e procurou entrar em
contacto com Etztak, mas teve que constatar que os
aparelhos de rádio estavam sem energia. Gucky não se
esquecera de nenhum detalhe.
E a nave entrou em incandescência. A mesma
começou na popa e propagou-se rapidamente. Os
instrumentos atingidos em primeiro lugar explodiram.
Quando o círculo de fogo atingiu o arsenal, uma
explosão final rasgou a nave.
Alguns dos saltadores, que não se haviam afastado
o bastante, foram soterrados pelos destroços. Os
outros corriam o que davam as pernas. E Gucky
constatou bastante contrariado que se dirigiam para o
sul, afastando-se do polo.
Teriam que correr bastante se quisessem escapar à
deflagração atômica, que naquele instante se iniciava
no polo norte.
5
— Os sonolentos são flores?
Tiff proferiu estas palavras em tom incrédulo,
olhando para Felic, como se esta pudesse dar resposta
à sua pergunta. Gucky encarregou-se disso.
— Já conversei com eles, Tiff, e acho que sei
quase tudo a seu respeito. No verão vivem na
superfície, no inverno voltam para cá. O poço fornece-
lhes água e do solo extraem o alimento. Lá em cima
brilha o sol eterno. Eles mesmos não sabem dizer
como foi parar lá. Mas sabem que existem outras
cavernas onde brilham sóis semelhantes a este. Dizem
que foram criados pelos deuses. Talvez tenham sido
seus antepassados, tecnologicamente mais avançados
que eles, mas que acabaram desaparecendo.
— Como fazem para ir até lá em cima no verão?
— indagou Hump. Em sua voz havia uma ligeira
ironia. — Será que vão caminhando pela caverna?
Gucky continuou sério.
— Isso mesmo, caminham. Têm pezinhos
delicados, que também desempenham as funções de
raízes. Podem mergulhar esses pés no solo a fim de
absorver água e alimentos. No verão levam vida
nômade; andam de um lugar para outro. E o verão
também é o tempo da fecundação. Os sonolentos são
polissexuados. Cinco indivíduos de sua raça formam
um casal. Vocês devem ter notado que as flores têm
cinco cores principais.
Tiff inclinou-se para frente. Seu rosto estava
transformado num ponto de interrogação.
— Como é que você conversa com eles? São
telepatas?
— Isso mesmo. São telepatas de elevada potência.
Captam as emissões mentais a grande distância e são
capazes de receber as que vêm das profundezas do
espaço. É esta sua única distração durante os anos de
sonolência.
— Que idade eles atingem?
— Chegam aos duzentos anos, pela contagem
terrena. Quer dizer que seu tempo de vida abrange um
verão e um inverno — Gucky inclinou a cabeça e
parecia escutar alguma coisa. Seu dente roedor
desapareceu e tudo indicava que não tinha a menor
vontade de reaparecer.
Aproximou-se da tulipa vermelha, que estava com
os cinco olhos arregalados, fitando-o. Havia uma
estranha semelhança entre os olhos da tulipa e os de
93
Gucky. Tinham em comum não apenas a cor castanha,
mas também a expressão de bondade e lealdade.
Gucky permaneceu na mesma posição por cerca de
três minutos. Depois levantou a cabeça.
— Se vocês se esforçarem, compreenderão seus
pensamentos. Infelizmente terei que deixá-los sós por
cinco minutos. Uma coisa horrível acaba de acontecer.
Os saltadores desencadearam um incêndio atômico
neste planeta. É um incêndio que ninguém poderá
apagar. Colocaram uma bomba que explodirá dentro
de cinco minutos. Não poderei removê-la, já que o
processo que se desenvolve no interior da bomba já
foi iniciado. É tarde. Este mundo está perdido. A única
coisa que posso fazer é vingá-lo.
Subitamente os quatro humanos viram-se a sós
com os sonolentos. Gucky desaparecera sem despedir-
se, a fim de executar a sentença de morte proferida
pelas tulipas.
Tiff procurou dar um tom de realidade à situação
fantasmagórica. A planta continuava a olhá-lo
fixamente, e subitamente sentiu que falava a ele.
Parecia alguma coisa que tateava em seu cérebro, que
procurava tocar levemente em sua consciência.
“Vocês não são maus”, disse o sonolento, ou seria
a sonolenta? — em silêncio. “E vocês não sabiam que
este mundo é habitado. Seus inimigos querem destruí-
los, mas destroem nosso mundo. São maus e
perversos.”
— Serão castigados por isso — murmurou Tiff,
embora soubesse que suas palavras representavam um
consolo muito débil.
Viu que Hump e as duas moças se mantinham
imóveis, escutando. Também deviam ter
compreendido a voz silenciosa.
— Sim, eles vão morrer. Mas nossa raça morrerá
com eles. Ninguém pode extinguir o incêndio atômico
que acaba de ser ateado ao nosso planeta. A história
dos sonolentos, que é o nome que vocês nos dão, está
chegando ao fim.
— Se tivéssemos uma nave que nos salvasse,
poderíamos levá-los. Ao menos poderíamos levar
alguns de vocês, para evitar a extinção da raça —
disse Tiff, e no mesmo instante deu-se conta de que
não só estes seres estranhos estavam perdidos. Se
Rhodan não acorresse em seu auxílio, ele e seus
companheiros também estariam liquidados. — Acho
que ainda não devemos renunciar a todas as
esperanças.
— Tiff — interrompeu-o Felicitas que
compreendera tudo. — De qualquer maneira devíamos
tentar salvar alguns dos sonolentos. Se Rhodan chegar
em tempo, poderemos evitar o extermínio da raça.
Posteriormente encontraremos um mundo desabitado
em que poderá começar de novo.
Tiff confirmou com um aceno de cabeça e
inclinou-se para o sonolento que estava acordado.
— Compreendeu o que ela acaba de dizer?
Faremos o possível para conservar sua raça. Mas será
uma decisão muito difícil para vocês. Talvez
poderemos levar alguns, mas não podemos levar
todos. Quem fará a escolha?
A onda de pânico tornou-se mais intensa, mas foi
superada pelos pensamentos da tulipa vermelha.
“Todos nós temos apego à vida, mas a
conservação da raça é mais importante que a
existência do indivíduo. Escolherei dez casais, isto é,
cinquenta exemplares jovens e saudáveis de nossa
raça. Estes irão com vocês.”
— Irão? — indagou Tiff em tom de dúvida.
“Conforme leio nos seus pensamentos, vocês têm
caixas. Uma dessas caixas será suficiente para
abrigar os exemplares escolhidos. E não são muito
pesados. Seu amiguinho Gucky não terá a menor
dificuldade em transportá-los pela maneira estranha
que lhe é peculiar. Mais tarde, dentro de vários
milênios, os terranos terão um aliado que lhes será
eternamente grato: nossos descendentes.”
— Vamos esperar a volta de Gucky — sugeriu
Tiff. — Até lá queremos aprender tudo que devemos
saber a respeito de vocês. Vocês inspiram gás
carbônico?
“E expiramos oxigênio” confirmou a tulipa
vermelha. “Mas só quando brilha o sol, ou quando,
durante o inverno, somos acalentados por nosso sol
artificial.”
— Vocês são aparentados com as plantas do
planeta Terra — disse Tiff e viu que Felicitas ia de um
nicho a outro, e vez por outra arrancava
cuidadosamente uma das tulipas.
As flores tinham raízes muito longas, que eram
enroladas assim que perdiam o contacto com o solo.
— Assim ocupam menos lugar — disse o
indivíduo que até então lhes falara em silêncio. —
Aguentam muitos dias sem água e alimento. Se não
forem expostas a condições extremamente adversas,
não morrerão.
— Se nós formos salvos, elas também o serão —
prometeu Tiff.
Nesse meio tempo Felicitas conseguira arrancar as
cinquenta plantas e reuni-las num feixe. Na maior
parte das vezes os olhos permaneciam fechados, mas
os quatro seres humanos sentiram a intensificação das
ideias de pânico. Estas passavam sobre eles como as
ondas dum oceano, crescendo e diminuindo a
intervalos regulares. Era o canto fúnebre desolado
duma raça condenada à extinção.
Subitamente Gucky estava novamente entre eles
sem que se fizesse anunciar. Em seus olhos castanhos,
geralmente tão bondosos, brilhava alguma coisa que
Tiff nunca vira neles. Era o ódio.
— Os assassinos deste mundo morrerão com ele
— disse sua voz aguda. — Destruí sua nave e eles não
têm a menor possibilidade de sair deste planeta. Pelo
que li nos pensamentos do tal do Orlgans, Etztak anda
tão ocupado que não terá tempo de preocupar-se com
eles. Além disso, o patriarca não sabe o que
aconteceu. Acredita que Orlgans está regressando de
sua missão infame. O assassino morrerá juntamente
com suas vítimas.
— E nós? — perguntou Tiff. — Não morreremos
com eles?
Gucky não deu atenção às suas palavras.
Prosseguiu:
— Aconteceu mais uma coisa. Uma das naves dos
saltadores, provavelmente a de Orlgans, atingiu a
entrada da caverna com um disparo de canhão de
94
radiações. A rocha derreteu-se. Estamos fechados.
Para mim isso não representa qualquer obstáculo, pois
posso transportar-me por meio da teleportação. Mas
será difícil levar vocês através da grossa parede de
rocha que nos separa do exterior.
Tiff empalideceu.
— Estamos fechados? — soltou um gemido
desesperado. — Era só o que faltava. O que será de
nós?
Felicitas aproximou-se. Carregava nos braços o
último feixe de tulipas. Ouvira as palavras que Gucky
acabara de pronunciar.
— Estamos fechados? Neste caso os sonolentos
estão perdidos, inclusive os que pretendíamos salvar.
— Ainda podemos contar com Moisés, que é
nosso robô — disse Hump sem demonstrar muita
esperança. — Talvez possa ajudar-nos.
— Sem dúvida — confirmou Gucky. — Dispomos
de pelo menos dois dias até que o incêndio atômico
atinja a zona equatorial.
A energia de Moisés será suficiente para abrir a
parede de rocha. Teremos que contar com uma intensa
geração de calor, mas a caverna é bastante profunda.
Quanto a Moisés, este saberá cuidar de si.
— Quando conseguirmos chegar lá fora, só faltará
Rhodan para completar nossa felicidade — observou
Milly com a voz tímida.
— Se soubesse como está nossa situação não
perderia um segundo; viria imediatamente em nosso
auxílio.
— No momento Rhodan tem outras preocupações
— disse Tiff, mas o tom de sua voz não era muito
convincente. — Tenho certeza de que se lembrará de
nós, quando tiver tempo.
— Ele tem tempo — disse Gucky, encerrando o
tema. — Não acredito que ele nos deixe na mão.
Felicitas lembrou-se da tarefa que tinha de
cumprir.
— Gucky, será que você pode trazer uma caixa
alongada na qual possamos guardar os sonolentos?
Prometemos...
— Já sei — interrompeu Gucky. — Um instante.
Mais uma vez deixou-os sós.
* * *
Orlgans sabia que ele e seus homens estariam
perdidos se não recebessem socorro.
Uma luz ofuscante que brilhava ao norte
anunciara-lhe o início da desastrosa reação em cadeia.
Numa fuga precipitada correra para o sul em
companhia de alguns dos seus homens, assim que a
nave explodiu. Empreendendo uma verdadeira marcha
forçada, percorreram quase quarenta quilômetros no
primeiro dia, atravessando o deserto de gelo e
deixando para trás o furioso incêndio atômico que os
ameaçava, e que já dava sinal de si através de alguns
rios, que corriam para o sul apesar do tremendo frio.
Ficara mais quente, conforme Orlgans pôde constatar
em seu instrumento de pulso, muito embora a
temperatura ainda fosse de cinqüenta graus
centígrados abaixo de zero. Os rios voltaram a
congelar, mas as massas de água aquecida corriam por
cima deles, apenas para congelar também.
As barreiras de gelo dificultavam a marcha.
Quando os dois sóis desceram abaixo do horizonte,
a noite desceu sobre o planeta.
Mas a temperatura, em vez de diminuir, aumentou.
Os rios não congelavam mais; corriam furiosamente
para o sul. Enchiam os vales largos e pouco profundos
com as massas de água borbulhantes e fumegantes,
que vez ou outra penetrava nas cavernas, sufocando
todas as formas de vida subterrânea.
Ao raiar do dia, uma terrível luz vermelha brilhava
ao norte, bem acima do horizonte. A temperatura
subira a zero grau, e a neve derretia em todos os
lugares. Os rios subiam.
Orlgans e seus homens esforçaram-se para ganhar
altura. Depois duma marcha longa e penosa eles
chegaram a um platô, coberto apenas por uma fina
camada de gelo. De todos os lados desciam as
encostas íngremes, um fato que garantia a drenagem
do platô. Ao menos não morreriam afogados.
Será que isso era uma vantagem?
Orlgans parou e olhou para o norte, onde a
luminosidade se tornara mais intensa. O céu parecia
arder. Colunas gigantescas de chamas turbilhonantes
deslocavam-se que nem um furacão no sentido da
rotação do planeta. O novo oceano bramia em torno
do platô. Os saltadores perceberam que a elevação em
que se encontravam não passava duma ilha cercada
pelo grande oceano. A retirada lhes havia sido cortada.
Estavam irremediavelmente perdidos.
Raganzt estreitou os olhos e virou o rosto para o
norte.
— Estamos perdidos — disse, esforçando-se para
dar um tom firme à voz. —Estamos numa armadilha.
Se aqui houvesse árvores, poderíamos construir uma
jangada.
A correnteza do mar nos levaria para o sul.
— Morreremos queimados — confirmou Orlgans
com a voz trêmula. — Este planeta morrerá uma
morte terrível.
— E nós morreremos com ele — constatou
Raganzt. — Isso se Etztak não aparecer em tempo
para salvar-nos. Afinal, já estamos atrasados um dia.
Bem que poderia imaginar que houve algum
imprevisto.
— Ele sabe que o planeta está em chamas. Talvez
pense que já estamos perdidos. Veja Raganzt, o
incêndio atômico. Avança mais depressa do que
qualquer pessoa poderia correr. E a temperatura
continua a subir. Por enquanto a refrigeração de
nossos trajes espaciais ainda nos oferece alguma
proteção. Mas daqui a pouco eles não servirão para
mais nada.
O mar que se agitava em torno das costas rochosas
começava a fumegar cada vez mais. Em alguns
lugares já chegava a borbulhar. Os dois sóis já haviam
desaparecido atrás das nuvens cada vez mais densas,
que num gesto de misericórdia ocultava das estrelas o
rosto do planeta que se debatia nos estertores da
morte.
O chão começou a esquentar. Não se podia ficar
mais de trinta segundos no mesmo lugar. O resto do
gelo já havia derretido.
95
A cortina de fogo, vinda do norte, precipitava-se
em direção ao lugar em que se encontravam. A reação
em cadeia não atingira somente a terra e a água, mas
também se desenvolvia na atmosfera. O ar ardia.
Transformava-se em energia.
O mundo submergiu.
Quando o inferno em fúria chegou às montanhas e
a onda de calor que precedia a catástrofe passou sobre
o platô, não encontrou mais nenhuma forma de vida.
Orlgans e seus cúmplices haviam morrido da
mesma morte que destinaram aos outros.
* * *
Etztak teve de esforçar-se bastante para conservar
a calma.
Os ataques-relâmpago dos dois cruzadores
terranos, que eram esferas de duzentos metros de
diâmetro, exigiam toda sua atenção. Orlgans ainda não
regressara, e o comandante da nave que o
acompanhara não sabia dar qualquer informação. O
contacto pelo rádio foi interrompido de uma hora para
outra, mas isso não significava necessariamente que
havia algo de anormal. Até mesmo a tecnologia mais
avançada não está livre de falhas. De resto, Etztak não
teve tempo de refletir a ausência de Orlgans. De
qualquer maneira, suas ordens foram cumpridas. O
segundo planeta começava a arder. A fogueira
atômica, iniciada no polo norte, espalhava-se de
maneira uniforme em direção ao sul.
Rhodan devia saber que ninguém se intromete nos
negócios dos mercadores galácticos sem receber o
castigo merecido.
Etztak já havia perdido duas de suas naves não
adaptadas a uma batalha aberta, quando recebeu uma
mensagem de Topthor, o superpesado. Era uma
mensagem lacônica:
Para Etztak, patriarca do clã.
Oferta recebida e recusada. Não estou
disposto a entrar em ação. Rhodan é
muito forte. Aconselho a retirada.
Topthor Clã dos superpesados.
Furioso, Etztak contemplou o radiograma,
expedido num sistema estelar situado a mais de
15.000 anos-luz. Então Topthor resolvera colocar-se
em segurança juntamente com os restos miseráveis de
sua frota. Ninguém poderia levar a mal essa atitude.
Mas Etztak sentiu-se decepcionado.
Enquanto refletia, dando-se conta de como estava
só de uma hora para outra, sentiu uma correnteza de ar
na sala de comando.
Era estranho, pois todas as portas estavam
fechadas e não havia ninguém além dele na extensa
sala.
Ao menos um segundo atrás ainda não havia.
Horrorizado, Etztak fitou o fantasma escuro que
materializou do nada e, exibindo um amplo sorriso,
fez uma mesura. Usava uniforme, mas não envergava
traje espacial. Uma cabeleira negra encarapinhava-se
na cabeça parda; embaixo dos olhos bem abertos via-
se um nariz achatado. Entre os lábios brilhavam duas
fileiras de dentes alvos. As mãos escuras do fantasma
seguravam um papel, que contrastava estranhamente
com o vulto escuro.
— Não se assuste Etztak — disse o fantasma em
intercosmo. — Sou Ras Tshubai e pertenço ao
exército de mutantes de Perry Rhodan. Meu
comandante mandou que viesse até aqui para entregar-
lhe um ultimato. Aliás, sou um teleportador, e por isso
não tive a menor dificuldade em penetrar em sua nave.
Naturalmente Etztak já ouvira falar em seres
inteligentes que possuíam o dom da teleportação. As
experiências até então feitas com os terrenos
indicavam que essa raça conseguira desenvolver
faculdades extraordinárias. Aos poucos venceu o
espanto.
— Foi Rhodan que o mandou? — perguntou para
certificar-se. Seus instrumentos ainda não haviam
registrado qualquer abalo. Pelo que sabia Rhodan não
podia encontrar-se nas proximidades. — Por que não
vem pessoalmente?
— Seria melhor para o senhor que não viesse —
disse o robusto negro e estendeu-lhe a folha de papel.
— Leia. Depois conversaremos.
Etztak segurou o papel. À primeira vista percebeu
que estava escrito em intercosmo. Não era de admirar
que os terranos, até então uma raça desconhecida,
dominassem essa língua, pois os arcônidas lhes
vinham ensinando.
Sem dar atenção a Ras Tshubai, pôs-se a ler:
Para Etztak, patriarca de seu clã
de saltadores. Destruí a frota de
guerra dos superpesados. Apenas
poupei Topthor e Grogham, a fim de
que possam retornar para junto de
seu clã e prevenir o mesmo de que
nunca mais deve aproximar-se da
Terra, a não ser para fins de
negociação. E dou uma última
chance ao senhor, Etztak. Desde que
se retire dentro de dez horas, nada
lhe acontecerá. Daqui a dez horas
irei ao sistema de Beta-Albíreo para
retirar meus homens que se
encontram no segundo planeta. Se
ainda o encontrar por lá, eu o
destruirei. Não se atreva a lançar
novos ataques contra o segundo
planeta. Meus cruzadores
receberam instruções para impedi-
lo. O senhor dispõe de dez horas.
Aproveite-as. Quando avistar minha
nave, será tarde.
Perry Rhodan Terra.
Etztak leu o ultimato duas vezes e num movimento
vagaroso colocou o papel sobre a mesa. Sentou. Por
um instante parecia ter esquecido a presença do
terrano negro.
Será que Rhodan ainda não sabia que um incêndio
atômico havia sido deflagrado no segundo planeta?
Não seria onisciente, como tudo parecia indicar?
Ras Tshubai pigarreou.
96
— Meu comandante gostaria de receber uma
resposta. Tenho instruções para estabelecer o contacto
assim que regressar ao cruzador.
Etztak estreitou os olhos.
— Quero falar pessoalmente com Rhodan —
disse.
— Por quê? Não há nada para negociar.
— Talvez haja. Tenho que transmitir-lhe uma
informação muito importante.
— Pode dar a informação a mim. É a mesma coisa.
Daqui a cinco minutos estarei falando com Rhodan.
— Prefiro contar-lhe pessoalmente.
O negro deu de ombros.
— Posso transmitir o recado, mas não tenho muita
esperança de que atenda. Se me permite que lhe dê um
conselho estritamente pessoal, Etztak, faça o que
Rhodan pede. Não há outra saída para o senhor.
Etztak não respondeu. Fitou o rosto de Ras, mas
não conseguiu ler no mesmo.
Subitamente o negro dissolveu-se no ar, e
desapareceu.
Etztak não perdeu tempo. Ligou a chave que
estabelecia contacto com suas naves. Quando os
comandantes surgiram nas telas, olhando-o com uma
expressão de curiosidade no rosto, disse no dialeto do
clã:
— Os terranos nos enviaram um ultimato. Eles nos
dão dez horas para dar o fora daqui. Gostaria de saber
a opinião de vocês.
Logo teve de constatar que não havia nem um
pouco de união entre os membros do clã. A maioria
achou conveniente ignorar o ultimato e atacar a
própria Terra, mas havia alguns mais cautelosos. Estes
recomendaram voltar imediatamente à base do clã e
preparar uma guerra em regra.
Etztak ouviu pacientemente as opiniões dos
comandantes, conforme era costume. Cada um podia
formular sugestões, mas a decisão final cabia ao
patriarca.
E não gostou de ouvir as ponderações dos
elementos cautelosos.
— Se cumprirmos hoje as exigências dos terranos
— disse quando notou que não haveria outras
propostas — estaremos reconhecendo nossa derrota.
Nós, os mercadores da Galáxia, capitularíamos diante
de seres que só há um decênio descobriram os
segredos da navegação espacial. Nós a conhecemos há
oito mil anos, sem contar o tempo em que nossos
antepassados arcônidas a praticavam. Seria como se
um homem velho e experimentado cedesse aos
conselhos duma criança. Nem que tivesse que morrer,
nunca faria uma coisa dessas. Todo o meu ser revolta-
se diante da perspectiva. Afinal, quem é este Rhodan,
que nos apresenta um ultimato? Apenas um favorito
de alguns arcônidas decadentes, que se apaixonaram
por ele e por seu mundo.
— Rhodan conhece a posição do planeta da vida
eterna — disse um dos comandantes. — Todos os
povos da Galáxia procuram esse planeta há milênios, e
foi Rhodan que o encontrou.
— Teve sorte, mas a sorte nunca dura para sempre
— respondeu Etztak, furioso.
— Vamos capitular só porque um terrano teve
sorte?
— Não — disse o comandante que acabara de
falar. — Não é por isso. É porque, segundo dizem, no
planeta da vida eterna existem segredos que
transformam aquele que os descobre no dono de todas
as galáxias. É possível que Rhodan tenha descoberto
esses segredos.
Zangado, Etztak acenou com a cabeça.
— É possível! Se for assim, está na hora de
tirarmos os segredos desse terrano. Qualquer ser que
conheça os segredos do planeta da vida eterna e não é
um saltador representa um perigo para a Galáxia —
depois dessa constatação um tanto subjetiva, Etztak
disse em tom desajeitado: — Previno todos os
elementos excessivamente cautelosos para que não
tomem uma decisão apressada. Sou a favor da
resistência e da luta. Mas cederei ao desejo da
maioria. Qual é a decisão?
A decisão foi quase unânime.
Etztak e seu clã lutariam, se necessário até a última
nave.
— Alguém deve prevenir a Galáxia — sugeriu
alguém. — Se Rhodan realmente conseguisse destruir
todas as nossas naves...
— Topthor já fugiu e tomará todas as providências
que se fazem necessárias. Não se preocupe, Heratz.
Mesmo que morramos todos, a Galáxia está
prevenida. Seremos vingados.
Nas telas notava-se um silêncio total, até que um
dos saltadores disse em tom ligeiramente irônico:
— Nem por isso voltaremos a viver.
Etztak não respondeu. Desligou o rádio e,
estreitando os olhos, contemplou o mundo condenado
à morte.
* * *
O cruzador pesado Solar System separou-se da
nave Terra e reduziu a velocidade. Ras Tshubai
entregara a mensagem destinada a Etztak e informou
Rhodan. A mensagem de rádio foi curta e objetiva.
O motivo pelo qual o major Nyssen reduziu a
velocidade e se aproximava cautelosamente do
segundo planeta era mais que evidente. Uma
modificação estarrecedora estava ocorrendo na
superfície do mesmo.
De início o polo começou a arder. O major Nyssen
pensou que se tratasse duma explosão atômica
ultrapotente, destinada talvez a derreter a crosta de
gelo. Não desconfiara logo. Mas quando o fogo se
espalhou, avançando lenta, mas inexoravelmente em
direção ao sul, começou a desconfiar.
Uma ideia terrível surgiu em sua mente.
Enquanto Ras levou a mensagem à sala de rádio,
Nyssen informou MacClears, comandante da Terra,
sobre a ação que iria empreender, instruindo-o para
que não esmorecesse nos ataques contra os saltadores.
— Voltarei o mais rápido possível, mas é de vital
importância verificarmos o que está acontecendo no
mundo de gelo. Não devemos esquecer que um grupo
de nossa gente se encontra lá.
À medida que a Solar System se aproximava do
planeta, a suspeita de Nyssen transformou-se em
certeza. Até parecia que um incêndio atômico estava
consumindo o mundo de neve.
97
E esse incêndio não poderia ter sido provocado por
uma causa natural. Se realmente fosse um incêndio
atômico, este só poderia ter sido ateado pelos
saltadores.
Pelo simples fato de não conseguirem agarrar um
grupo de cinco pessoas pertencentes à equipe de
Rhodan destruíam um mundo inteiro.
Sentiu-se dominado pela cólera. Se Etztak
estivesse diante dele, não teria escrúpulos em
estrangulá-lo com as próprias mãos.
Mas logo se lembrou de Tiff e das moças.
Circulou duas vezes em torno do mundo de gelo,
sem descobrir o menor vestígio do grupo perdido. Não
era de admirar, pois não dispunha de tempo para
realizar uma busca sistemática. E foi por isso que não
descobriu Orlgans e sua tripulação.
De qualquer maneira adquiriu a certeza de que o
segundo planeta do sol geminado de Beta-Albíreo
estava a ponto de transformar-se no terceiro sol do
sistema. Se não acontecesse logo alguma coisa, Tiff,
Hump, Eberhardt, as duas moças e Gucky estariam
irremediavelmente perdidos.
O que poderia fazer? Os elementos extraviados
não respondiam às mensagens expedidas pelo rádio.
Talvez nem devessem responder. Nyssen não estava
muito bem informado sobre as intenções que
animaram Rhodan ao enviar Tiff numa missão secreta
dirigida contra os saltadores.
De forma que só lhe restava uma possibilidade; e o
major Nyssen logo a reconheceu.
Deixou para trás as fúrias do inferno atômico e
penetrou no espaço. A cerca de uma hora-luz de Beta-
Albíreo II, estabeleceu contacto audiovisual com
Rhodan.
* * *
Bell saiu do camarote com o rosto sonolento e
lançou um olhar desconfiado para Rhodan, que se
encontrava na sala de comando da Stardust-III.
— Será que você podia fazer a gentileza de dizer
como faz para ficar sem dormir? Se me deixassem em
paz, só acordaria daqui a dois meses.
— É que na velhice sentimos as conseqüências dos
pecados da juventude — disse Rhodan com um sorriso
condescendente.
Bell olhou-o com a expressão de quem está prestes
a sofrer um ataque.
— Não venha me dizer que com meus trinta e sete
anos sou um velho.
Rhodan continuava a sorrir.
— Em termos relativos você envelheceu alguns
anos, meu caro. Mas quanto aos pecados da sua
juventude, nunca se pode dizer se você não os repetirá
na velhice.
Basta lembrar certa Rallas...
— Pare! — berrou Bell apavorado, sem conseguir
impedir que seus cabelos se arrepiassem de pavor.
Bell tinha cabelos ruivos cortados à escovinha. Às
vezes sua cabeça parecia uma escova de fios de arame.
Especialmente quando ficava furioso. E também
quando lhe lembravam coisas que preferia esquecer. E
não havia nada que gostasse tanto de esquecer como a
tal da Rallas.
— O que houve? — indagou Rhodan em tom
compreensivo. — Afinal, foi uma bela mulher, não
foi?
Bell não quis saber de nada. Era claro que o
fenômeno espiritual que o imortal introduzira em seu
camarote fora belo. Mas fora uma simples piada. O
imortal gostava de fazer piadas desse tipo quando
alguém o visitava nos confins da eternidade. E toda a
tripulação divertira-se a valer. Bell preferia não pensar
nisso.
— Não há nada mais importante? — resmungou
contrariado. — E por uma coisa dessas você mandou
me acordar?
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão séria.
— Não foi só por isso — confessou. — Tive mais
alguns motivos. Acabo de enviar um ultimato a Etztak
por intermédio de Ras Tshubai. O prazo termina daqui
a dez horas. É claro que agora mesmo poderia
executar o salto em direção a Beta-Albíreo, mas
prefiro dar tempo aos saltadores, para que reflitam
bem sobre o que irão fazer.
Neste meio tempo não haverá novos ataques ao
mundo de gelo, motivo por que Tiff não correrá o
menor perigo. Podemos voltar à Terra, onde temos
alguns assuntos a tratar.
— Dentro de dez horas? — disse Bell em tom de
dúvida. — É um prazo muito curto.
— Acontece que preciso dar algumas instruções ao
coronel Freyt. Não sabemos quando voltaremos de
Albíreo.
Bell continuava a mostrar-se cético.
— Só assim Crest e Thora voltarão a encher
nossos ouvidos com suas lamentações e pedidos de
levá-los para Árcon. Não sei, não...
Rhodan não teve tempo de pronunciar-se sobre
esse assunto melindroso, pois uma luz vermelha de
advertência acendeu-se. A sala de telegrafia desejava
entrar em contacto com o comandante.
Rhodan estabeleceu o contacto.
— O que houve?
— Estamos em contacto com o cruzador Solar
System. Um chamado de emergência.
Rhodan lançou um olhar rápido para Bell.
— Contacto! — ordenou.
— Trata-se dum contacto audiovisual por
hiperondas — explicou o telegrafista de plantão.
Poucos segundos depois a tela de Rhodan iluminou-se.
O rosto preocupado do major Nyssen surgiu na
mesma. Rhodan cumprimentou-o com um aceno de
cabeça.
— O senhor me chama por hiperondas, o que só é
permitido em casos de extrema urgência. Está sendo
atacado pelos saltadores?
— Estes continuam a manter-se na defensiva —
respondeu Nyssen, sacudindo a cabeça. — O motivo
de meu chamado é outro. Tiff e os membros de seu
grupo se encontram numa situação de grave perigo.
Os saltadores desencadearam um incêndio atômico no
segundo planeta.
— Uma reação em cadeia? — certificou-se
Rhodan em tom assustado. O cabelo de Bell reiniciou
o jogo cruel, transformando-se na conhecida escova.
98
— Quer dizer que os saltadores não tiveram
escrúpulos em destruir um mundo?
— Não existe a menor dúvida. Convenci-me
pessoalmente da terrível realidade. O incêndio teve
início no polo norte e aproxima-se do equador com
uma velocidade inacreditável.
— Pelas últimas notícias que recebemos, Tiff
encontra-se na zona equatorial —murmurou Rhodan
em tom preocupado.
— Apesar das pesquisas que realizei não consegui
descobri-lo. Até parece que sumiu da face da terra.
Mas isso não lhe adiantaria nada. O planeta está
totalmente perdido. As massas de gelo já derreteram.
Os rios caudalosos unem-se para formar mares,
que nas zonas temperadas já entraram em ebulição.
— Dei um ultimato a Etztak — principiou Rhodan,
mas Nyssen interrompeu-o abruptamente.
— Daqui a dez horas o incêndio já terá
ultrapassado a zona equatorial. O senhor não pode
esperar tanto tempo, a não ser que queira expor Tiff e
seu grupo a um destino horrível. Gostaria de salvá-lo,
mas os saltadores se mantêm alertas. Atacaram-me
com sete naves enquanto efetuei meu vôo de
reconhecimento.
Rhodan fez um sinal a Bell, que se esforçava em
vão para formular uma sugestão.
— Com isto meu ultimato dirigido a Etztak perdeu
a validade. De resto, tudo indica que não tem a
indicação de levá-lo a sério. Se não fosse assim, não o
teria atacado. Pois bem, ele terá uma ideia do que
acontece a quem ataca nossa Terra. Major Nyssen,
procure descobrir algum sinal de vida de Tiff. Dentro
de dez minutos chegarei aí na Stardust-III. E quando
isso acontecer, ai dos saltadores.
A tela apagou-se e o rosto aliviado de Nyssen
desapareceu.
— Isso é...! — disse Bell. Não conseguiu dizer
mais nada.
— Sim, isso é um ato diabólico e irresponsável. O
planeta de gelo é habitado. Nas cavernas tépidas
vivem os sonolentos. Não sei quem são, mas segundo
as informações de Tiff possuem certo grau de
inteligência e bondade. De qualquer maneira é uma
raça pacífica, que não faz mal a ninguém. E essa raça
antiga está condenada a desaparecer, só porque um
velho não quis admitir que sofreu uma derrota. Ele vai
pagar por isso.
Antes que Bell tivesse tempo de responder,
Rhodan instruiu o cérebro positrônico a calcular as
coordenadas do salto. A distância era de cerca de 320
anos-luz, e por isso não representava nenhum
problema. O importante era que os cálculos fossem
absolutamente exatos, pois após a rematerialização
não se poderia perder um minuto sequer para calcular
a posição.
Dali a cinco minutos o cérebro expeliu a folha
metálica com a resposta. Rhodan pegou-a e a
introduziu no robô de navegação, que dali em diante
assumiu o comando da gigantesca nave.
Rhodan esperou até que a voz metálica da máquina
começasse a falar:
— Conservamos o rumo. Velocidade constante.
Salto será executado exatamente dentro de três
minutos. Coordenadas conhecidas. Contagem
regressiva será iniciada a sessenta segundos antes de
zero.
Bell gemeu.
— Só por isso sou acordado. Bem que poderia
dormir durante o salto.
Os traços de Rhodan descontraíram-se um pouco.
As rugas profundas desapareceram, e os olhos
emitiram um brilho irônico.
— Acho que isso não adiantaria muito, meu velho.
O salto propriamente dito só dura alguns segundos.
— Na minha idade — respondeu Bell, lançando
um olhar sugestivo para o amigo, que contava mais
dois anos que ele — qualquer segundo de sono é uma
preciosidade — atirou-se na poltrona do copiloto e
fitou o relógio de segundos. — Prefiro nem falar na
sua idade.
Naquele instante a voz metálica do robô iniciou a
contagem.
— Sessenta segundos... cinquenta e nove
segundos... cinquenta e...
* * *
Moisés levou quase cinco minutos para anunciar
sua decisão ao grupo que se mantinha numa ansiosa
expectativa. Foi o tempo que o cérebro positrônico
gastou para pesar todas as alternativas e descobrir o
melhor resultado que as circunstâncias permitiam.
— Gucky constatou que um incêndio atômico
vindo do norte aproxima-se do equador. A
temperatura externa já subiu acima de zero. O gelo
está derretendo ao norte, e as águas avançam para o
sul. Só o fato de que a entrada da caverna foi fechada
pelo bombardeio de radiações salvou-nos da morte por
afogamento. Só nos resta uma saída: para cima.
Tiff e seus companheiros lançaram um olhar para a
maciça camada de pedra.
— Acima de nós existem pelo menos trinta metros
de rocha natural, Moisés — disse em tom
desesperançado.
— Em compensação provavelmente não existe
água — respondeu o robô. — Temos que tentar.
Retirem-se para a entrada da caverna, onde a mesma é
mais elevada. Se houver uma penetração de água,
fechem os capacetes dos trajes espaciais. Nesse caso
terão de mergulhar.
— Mergulhar por um poço cheio de água... e
subindo trinta metros?
— Se necessário, sim. Não nos resta outra
alternativa. Não podemos pedir socorro, pois a rocha
representa uma barreira.
Se não nos salvarmos sozinhos, estaremos
perdidos. Embora seja apenas um robô, não tenho a
menor vontade de enferrujar na água.
Gucky lançou um olhar para a caixa em que
estavam guardados os sonolentos.
— A água não lhes causará maior mal. Além disso,
a caixa pode ser hermeticamente fechada. Mas com o
tempo isso não seria bom para eles.
— Vamos começar — sugeriu Moisés. — Não
temos muito tempo. Quando a rocha se tornar
incandescente, será tarde.
99
Tiff fez um sinal ao robô.
— Está bem. Iremos até a entrada antiga. E tome
cuidado para não se queimar.
— Não se preocupe. Meus aparelhos de
refrigeração aguentam muita coisa.
Afastaram-se de Moisés, que logo deu início ao
trabalho. Os dois radiadores energéticos penetravam
na rocha maciça, que, depois de derretida, caía em
pesados pingos. A maior parte Volatilizou-se. Os
gases, mais pesados que o ar, corriam
preguiçosamente na direção da grande caverna. Para
os sonolentos que se mantinham na expectativa,
seriam os prenúncios da morte que se aproximava.
Tiff parou diante da parede derretida da antiga
entrada. Hump, que se mantinha num estranho
silêncio, encostou-se a uma rocha saliente. Eberhardt
sentou na caixa com as tulipas. As duas moças
olhavam-se apavoradas, Nos seus olhos lia-se o medo
de morrer. Só Gucky mantinha-se tranqüilo. Fez um
sinal tranquilizador para Tiff e disse:
— Verificarei como estão as coisas lá fora. Se
soubesse onde estão os cruzadores poderia arriscar um
salto até lá. Mas saltar no escuro seria uma
temeridade. É possível que um dos telepatas capte
meu chamado.
Logo estarei de volta — prometeu, e desapareceu.
Os que ficaram para trás olharam-se sem dizer
uma palavra. Será que Gucky conseguiria entrar em
contacto com os cruzadores?
O tempo passava devagar. Os gases da rocha
volatilizada e o calor chegavam até ali. Quando Tiff
pôs a mão na rocha da parede externa, ele a retirou
com um grito de espanto.
Estava morna.
Gucky demorou dez minutos. Subitamente
reapareceu no meio deles. O pêlo estava liso e
molhado. Soltou um apito agudo, que exprimia o
maior grau de contrariedade. Seu rosto parecia feito só
de recriminação. Fumegava no verdadeiro sentido da
palavra.
— O que houve Gucky? — perguntaram Tiff e
Milly, falando ao mesmo tempo.
Gucky lançou-lhes um olhar de censura.
— Nem me perguntem amigos. Talvez a resposta
venha a ser uma decepção amarga para vocês. Mas
não posso deixá-los na incerteza. Sabem onde
estamos? Não, não sabem; afinal, não podem
adivinhar.
Pois eu lhes direi: estamos no fundo dum mar.
— Hein? — perguntou Eberhardt, e por pouco não
escorrega da caixa em que estava sentado. — Onde
estamos mesmo?
— É o que lhes digo — confirmou Gucky. — Eu
mesmo não acreditaria se não tivesse estado lá fora.
Quando me materializei, vi que estava embaixo da
água. Ainda bem que acabara de inspirar. Fiquei tão
assustado que preferi não arriscar outro salto; poderia
ter caído algumas dezenas de metros, o que não seria
nada agradável. Subi simplesmente à tona. Temos um
mar em cima de nós. A profundidade é de uns trinta
ou quarenta metros. Do morro em que nos
encontramos só se vê a ponta.
— Nesse caso a água penetrará na caverna assim
que Moisés romper a superfície — constatou Hump.
— Tem que suspender imediatamente as perfurações.
— Será que você ficou louco? — perguntou Tiff.
— Quer morrer sufocado aqui dentro?
— Morrer queimado! — retificou Gucky, muito
sério. — Não nos resta outra alternativa senão subir
pela água. Aliás, a temperatura da água é bastante
agradável. Calculo que dentro de dez horas estará
fervendo.
Por alguns instantes um silêncio de pavor tomou
conta do grupo. Finalmente Tiff disse:
— Pedirei a Moisés que se apresse. Fiquem aqui
mesmo.
Fechou o capacete do traje espacial e ligou o
aparelho de suprimento de oxigênio. Caminhando a
passos firmes, dirigiu-se ao lugar em que Moisés
havia desaparecido na rocha. O material liquefeito
continuava a pingar. Não se via mais nada de Moisés.
Tiff esforçou-se para estabelecer contacto com Moisés
através do transmissor de capacete.
— Alô, Moisés. Onde é que você está?
— Exatamente dezoito metros e trinta centímetros
acima do solo da caverna — veio prontamente a
resposta. — Dentro de uma hora o serviço estará
concluído.
— Gucky esteve lá fora — prosseguiu Tiff. — O
morro já está coberto pela água.
— Tínhamos que contar com isso.
— E a água já começa a esquentar, Moisés.
Houve um instante de silêncio. Finalmente Moisés
disse:
— Trabalharei mais depressa. Conseguiremos.
Tiff voltou para junto dos amigos. Os rostos que
encontrou não eram alegres nem confiantes.
— Falta uma hora — informou Tiff, depois de
abrir o capacete. — Assim que a água penetrar aqui,
saberemos que chegou a hora.
Gucky enfiou-se no traje espacial.
— Não estou com vontade de toma banho —
disse. — Mesmo que seja um banho quente.
O primeiro minuto de espera parecia uma
eternidade.
E a hora tem sessenta minutos...
6
O patriarca atacou.
Acreditava que nas próximas horas não precisaria
contar com a presença de Rhodan, e assim quis livrar-
se ao menos dos dois cruzadores. Recorreu a toda a
frota do clã para destruir as duas naves de Rhodan.
O major Nyssen adivinhou a finalidade dupla do
patriarca. Etztak pretendia livrar-se dos dois inimigos
antes que tivesse início a luta final com Rhodan, e
também quis impedir que alguém fosse procurar o
grupo perdido no mundo de gelo.
— Capitão MacClears — disse Nyssen, depois de
entrar em contacto com o cruzador Terra. — Procure
desviar a atenção dos saltadores, para impedir que eles
me sigam. Tenho que tentar localizar Tiff.
100
— Confie em mim — respondeu MacClears e
lançou um olhar preocupado para a outra tela. Viu que
as naves dos saltadores entravam em forma para
lançar-se ao ataque. Desta vez a coisa parecia séria. —
Saberei defender-me. Quando deverá chegar Rhodan?
— Pode aparecer a qualquer momento. Se não
tiver possibilidade de entrar em contacto, queira
informá-lo sobre o lugar em que me encontro.
Entendido?
— Entendido. — respondeu MacClears e
cumprimentou Nyssen com um sorriso forçado. —
Mostraremos uma coisa a essa gente.
Nyssen retribuiu o sorriso. MacClears viu que a
Solar System acelerou fortemente e se precipitou
sobre o mundo em chamas, mergulhando na camada
de nuvens que parecia um mar agitado.
No mesmo instante os primeiros torpedos atômicos
detonaram no campo energético da Terra. O ataque
concentrado dos saltadores começara.
No mesmo instante o cruzador pesado
transformou-se na perfeita máquina que devia ser
segundo seus construtores. Salvas de raios mortíferos
saíram do corpo enorme da nave e rompiam os
campos energéticos não muito fortes do inimigo,
sempre que eram atingidos por cinco raios ao mesmo
tempo. Seguiram-se os feixes de raios energéticos que,
devidamente concentrados, produziam o mesmo
efeito.
Apesar dos êxitos isolados, a superioridade dos
saltadores era muito grande. Desviavam-se habilmente
dos ataques da Terra e procuraram entrar numa
posição de tiro favorável. MacClears percebeu que era
sua intenção cercá-lo, para destruir o cruzador com
um golpe energético simultâneo desfechado por vinte
naves, o que seria perfeitamente possível.
Foi nesse instante que um abalo tremendo da
estrutura espaço-temporal fez reagir os rastreadores
estruturais. Num ponto bem próximo uma nave devia
ter saído do hiperespaço e retornado ao espaço
normal.
O amigo e o inimigo viram-na ao mesmo tempo.
Vinda das profundezas do espaço, a esfera
reluzente aproximou-se vertiginosamente, anunciando
a desgraça.
Rhodan surgira no campo de batalha, a fim de
mudar a sorte das armas a seu favor.
Por alguns segundos preciosos, Etztak ficou tão
surpreso que MacClears conseguiu, numa manobra
fulminante, destruir duas de suas naves, que
aguardavam ordens. Mas os saltadores logo bateram
numa retirada precipitada, para erigir nova frente
defensiva a alguma distância. Ao que tudo indicava
estavam decididos a enfrentar a Stardust-III.
Rhodan não teve pressa. A vida de seus homens
era mais importante que os saltadores. Entrou em
contacto com a Terra.
— Onde está o major Nyssen? — foi a primeira
pergunta que formulou.
— Tenta salvar Tiff — explicou MacClears. —
Ainda não conseguimos encontrar qualquer vestígio
dele.
— Será que o senhor pode impedir Etztak de
seguir-me, capitão?
— Tentarei. O que pretende fazer?
— Procurar Tiff. Marshall está a bordo da Solar
System?
— Sim senhor. E mais alguns mutantes.
— Estou interessado apenas nos telepatas.
Deveriam ter condições de entrar em contacto com
Gucky.
— Está bem, chefe. Manterei Etztak ocupado.
Quando voltará?
— Assim que tiver encontrado Tiff — disse
Rhodan e interrompeu o contacto.
Acelerando ao máximo, precipitou-se em direção à
superfície borbulhante do planeta de gelo, que estava
prestes a transformar-se num mundo de fogo.
* * *
Quando RB-013 saiu da galeria vertical, foi
seguido por um filete de água morna. Tiff espantou-se
com isso.
— O que é isso, Moisés? Por que está entrando tão
pouca água?
— Apenas soltei um pouco a rocha que está na
superfície, para que a torrente da água não me atirasse
para baixo. Gucky tem que fazer o resto. Por enquanto
estamos seguros neste lugar, que é o ponto mais
elevado da caverna. Teremos que esperar até que a
água encha toda a caverna. Não sei quanto tempo
demorará.
— É verdade. Nunca conseguiríamos vencer a
correnteza — reconheceu Tiff. —Acontece que muitas
horas poderão passar antes que as galerias e cavernas
subterrâneas estejam cheias.
— Não; o senhor está subestimando a força da
água. Penetrará com tamanha força que a galeria
aumentará a cada segundo que passa. Quando a água
chegar aqui, seu diâmetro será de vários metros.
Eberhardt lançou um olhar desolado para o robô.
— E você, Moisés? Sabe nadar?
— Nado melhor que vocês — asseverou Moisés.
— Meus jatos desenvolvem uma força de empuxo
de...
— Nesse caso será bom que você fique atrás de
nós, senão o caldo esquentará demais — decidiu Tiff.
— Então, Gucky? O que nos diz?
O rato-castor fez uma careta, que parecia dizer
“sempre eu”. Mas finalmente acenou com a cabeça,
sentou numa das caixas vazias e concentrou-se. Os
poderosos fluxos espirituais emitidos por sua mente
subiram pela galeria, encontraram a resistência
representada pela última pedra, e agarraram-na.
Não foi fácil vencer a pressão da água e levantar a
cobertura derretida nas bordas, que media alguns
metros quadrados e tinha uma grossura de cinqüenta
centímetros.
Mas o êxito logo se fez sentir.
Com um rugido ensurdecedor o oceano penetrou
no vazio subterrâneo. As águas penetraram na galeria.
Por um instante foram represadas numa das
extremidades, mas logo correram para a parte inferior
da caverna.
Dentro de poucos minutos atingiriam os
sonolentos.
101
Eberhardt, que estava sentado na caixa que
continha os cinquenta exemplares de tulipas
destinados à sobrevivência, levantou-se subitamente.
Nos seus olhos brilhava o medo e o pavor. Suas mãos
começaram a tremer.
— Meu Deus! — balbuciou. — Meu Deus, que
coisa horrível!
Seu corpo contorceu-se e teria caído se Hump, que
estava a seu lado, não o tivesse segurado.
No mesmo instante as moças sentiram-se
dominadas por uma onda de pânico, emitida pelos
sonolentos moribundos. As ideias que brotaram na
mente da raça condenada à morte penetraram nos
cérebros dos homens, enchendo-os de pavor e tristeza.
Hump e Tiff eram os únicos que pareciam imunizados
contra isso. E Gucky.
— Quem me dera que pudesse proteger seus
cérebros — lamentou-se o rato-castor.
— Infelizmente não posso. Não se livrarão do
pânico enquanto os sonolentos não estiverem mortos.
Sua morte será nossa única salvação.
— Será que você não pode dar outro tipo de ajuda?
— fungou Tiff, que segurava Milly nos braços,
tentando acalmá-la. — Que tal a telecinésia?
— E a água? — lembrou Gucky, mas logo se
levantou de um salto. — Vou tentar.
Mas temos que esperar um pouco. Por quanto
tempo os sonolentos aguentam embaixo da água? Se
soubesse...
Desapareceu diante dos olhos de Tiff, para voltar
dentro de dez segundos. Seu traje espacial estava
molhado.
— A água já chega à metade da altura da caverna.
O sol artificial apagou-se. Não demorará muito e a
vida dessa raça estranha se extinguirá. Esperem mais
um instante. Vou ver como estão às coisas lá fora.
Fechou o capacete e desmaterializou-se.
Desta vez levou quase três minutos para voltar.
Estava radiante.
— Estamos salvos, amigos, desde que consigamos
chegar à superfície. O major Nyssen está nas
proximidades. Consegui entrar em contacto com John
Marshall, o telepata. Encontra-se a bordo da Solar
System. Também ouve seu emissor celular, Tiff.
De repente.
— Por que só agora?
Gucky sacudiu os ombros peludos.
— Não faço a menor ideia. Provavelmente até aqui
foi superado pelos impulsos mentais provocados pelo
medo da raça moribunda. Há esta hora a raça está
praticamente morta, e seu transmissor se tornou mais
forte. É a única explicação que me ocorre.
— Vou perguntar a Rhodan que transmissor é este
— murmurou Tiff, pensativo. — De qualquer
maneira, ele nos salvou a vida.
— Ainda não — chiou Gucky, olhando para o alto.
O ruído da água diminuíra. O nível da mesma subia a
olhos vistos e estava atingindo a entrada fechada.
Eberhardt e as moças ficaram mais tranquilas.
— O cume do morro ainda está fora da água —
prosseguiu Gucky. — Temos de chegar lá. A galeria
tem trinta metros e acima dela há pouco menos de dez
metros de água. O cume fica a duzentos metros.
Tiff colocou o capacete e fez sinal aos outros.
— Está na hora, amigos Teremos que nadar.
— Levarei as moças para cima — disse Gucky. —
Depois darei uma mão a Eberhardt. Tiff e Hump,
vocês terão que dar um jeito sozinhos. Assim que tiver
terminado com os outros, poderei cuidar de vocês. E
você, Moisés?
— Muito obrigado pelo interesse — respondeu o
robô. — Detesto a água, mas não preciso de auxílio.
Quando chegarmos à ilha, eu os enxugarei.
Gucky contorceu a boca e viu que a água atingiu
seus pés e logo chegou aos joelhos. Fechou o capacete
e ligou o rádio. Os outros seguiram seu exemplo. Tiff
pegou a caixa com os cinquenta sonolentos.
A água subia cada vez mais depressa. Gucky foi o
primeiro que desapareceu sob a superfície
ligeiramente ondulada. Os outros o seguiram.
Sentiram-se como mergulhadores que tivessem
penetrado numa caverna do fundo do mar, e não
sabiam se voltariam a ver a luz do dia.
A água chegou ao teto de pedra, e o silêncio se fez
em torno deles.
— Está na hora — repetiu Tiff. Fez alguns
movimentos natatórios lentos e flutuou em direção à
galeria, onde a água parada não oferecia a menor
resistência. — Irei na frente.
— Quando estiver em cima, dê um sinal — pediu
Gucky. — Seguirei com Milly.
Hump, fique logo atrás de Tiff.
Dali em diante Tiff estava praticamente só.
Chegou à galeria e olhou para cima. Teve a
impressão de que ao longe brilhava uma luz. Devia ser
o céu, do qual estava separado por quarenta metros de
água. Segurou firmemente a caixa, que praticamente
não pesava nada. Tinha que apressar-se, pois do
contrário os últimos exemplares duma raça estranha e
maravilhosa morreriam afogados.
Empurrou-se com o pé e subiu. Admirou-se de que
era tão fácil. Usou a mão esquerda para evitar que
esbarrasse em alguma rocha saliente. Moisés tinha
razão: a galeria tinha cinco metros de diâmetro.
A luz acima dele tornou-se mais forte.
Subitamente viu-se no fundo dum imenso oceano. Ao
redor dele só havia água. E abaixo dele abria-se o
buraco ameaçador da caverna, do qual Hump estava
emergindo naquele instante.
— Gucky, a galeria está desimpedida — anunciou
Tiff. — Pode vir quando quiser.
— Procurem atingir a ilha — respondeu Gucky.
Tiff subiu à tona e por pouco não perde a caixa,
que subitamente recuperou o peso. Ao lado dele
surgiu a cabeça de Hump.
— Bem que você poderia dar uma mão — sugeriu
Tiff. — Vamos levantar a caixa um pouco, para que a
água possa escorrer.
Senão morrerão afogadas.
Hump fez uma careta, mas não esperou que o
amigo repetisse o pedido. Nadando lado a lado,
dirigiram-se à costa rochosa da ilha não muito
distante.
— E olhe que nunca gostei de flores — disse,
amargurado.
Tiff não respondeu. Tentou em vão descobrir no
102
céu qualquer sinal de que estavam sendo esperados.
Mas não viu o menor indício da presença da Solar
System. Por que a nave não vinha agora, que mais
precisavam de auxílio? Não demoraria muito para que
a última ilha das proximidades fosse coberta pelo
oceano, que subia constantemente.
Só agora Tiff percebeu que a água esquentara
bastante. Pelos seus cálculos a temperatura era de pelo
menos trinta graus. Tomara que não fizesse mal aos
sonolentos. Todavia, com o auxílio de Hump
conseguiu manter acima da água a caixa que continha
os remanescentes duma raça em extinção.
Seus pés tocaram o chão. Mais alguns passos, e
estaria em terra firme. Milly e Felicitas já os
esperavam. Gucky trabalhara depressa. Voltara para
buscar Eberhardt.
Dali a cinco minutos encontravam-se no ponto
mais elevado da pequena ilha, olhando em direção à
galeria subterrânea. Esperavam Moisés.
A chegada do robô foi anunciada por um monte de
águas espumantes, produzida por seus propulsores. O
monstro metálico atravessou as ondas tal qual um
submarino e aterrizou sem problemas na ilha.
Todos haviam aberto os capacetes e inspiravam o
ar tépido e abafado do planeta moribundo. Moisés
espalhava um calor insuportável. Hump resmungou:
— Será que você não pode ligar a refrigeração? Já
chega de calor.
— Sinto muito. Tenho pavor da água. Se não
começar logo a enxugar-me, terei manchas de
ferrugem.
— De qualquer maneira você será reformado,
desde que nos encontrem em tempo — disse Tiff em
tom preocupado, olhando incessantemente para o céu
cinzento, onde as nuvens turbilhonantes impediam a
visão. — Gostaria de saber onde se meteu o Nyssen.
— Dirigiu-se a Gucky: — O que está dizendo
Marshall?
— Não tenho contacto com ele — lamentou-se o
rato-castor. — Avisará Rhodan.
— Rhodan — disse Milly em voz baixa e só com
grande esforço conseguiu segurar-se em Tiff. — É o
único que poderá salvar-nos. Se não chegar em
tempo...
Contemplaram silenciosamente a água que subia
ininterruptamente — e a parede vermelha que
começou a brilhar no horizonte.
* * *
Depois de poucos segundos, Rhodan descobriu a
Solar System. Mandou que Marshall viesse
imediatamente a bordo da Stardust-III num dos
pequenos caças espaciais. E ordenou ao major Nyssen
que voltasse imediatamente ao espaço, para ajudar
McClears nas lutas destinadas a desviar a atenção dos
saltadores. Não deviam perturbar a operação de
salvamento.
Poucos minutos depois, Marshall encontrava-se
diante de Rhodan.
— No momento não estou em contacto com
Gucky e Tiff, mas sei onde os mesmos podem ser
encontrados. Estão numa caverna no fundo do oceano,
mas Gucky diz que pode salvá-los, levando-os a uma
ilha.
— Vamos logo. Não temos tempo a perder. Sabe
onde fica a ilha?
— Mais ou menos. Com esta neblina a orientação
não é fácil.
— Tente localizar o transmissor de Tiff assim que
conseguir captá-lo. E preste atenção às mensagens
telepáticas de Gucky. Bell coloque a Stardust-III no
rumo certo. Um segundo pode ser decisivo.
Para Rhodan não havia naquele instante nenhum
saltador e nenhum patriarca agressivo. Só conhecia
um problema: a salvação do grupo que por ele se
metera num inferno.
A pouca altura a imensa nave passava acima das
ondas do mar fumegante, que mais ao norte já fervia,
atirando nuvens imensas para o céu. Vez por outra
surgia uma ilha rochosa, mas em nenhuma delas
encontrou qualquer sinal de vida.
Subitamente Marshall soltou um grito.
— Consegui os dois. Gucky e Tiff. Estão bem
perto, e já se encontram na ilha. Mantenha o mesmo
rumo. Deve ser a próxima ilha.
Rhodan olhou para a tela. Não viu muita coisa,
pois a neblina tornava-se cada vez mais densa. Mas
acabou reconhecendo um ponto negro em meio à
movimentação da água e das nuvens.
Era a ilha. Nela surgiram sete pontos móveis:
cinco seres humanos, Gucky e o robô.
Acontece que a ilha era tão pequena que a
Stardust-III não poderia pousar na mesma.
— Pergunte a Gucky se ele pode trazer todos até
aqui — disse Rhodan e fez a Stardust-III descer, até
que a mesma se manteve imóvel pouco acima da ilha.
Naquele instante uma luz vermelha iluminou-se. Era o
sinal vindo da sala de telegrafia.
Rhodan moveu a chave.
— O que houve?
— Um chamado de emergência do major Nyssen.
Etztak conseguiu separar-se dos cruzadores e está
lançando toda sua frota num ataque contra o planeta
de gelo.
Nyssen diz que tentará atacá-lo pelas costas.
Rhodan confirmou com uma expressão zangada.
— Muito bem. Diga a Nyssen que não desista.
Vamos pegar Etztak dos dois lados. E diga-lhe ainda
que deste momento em diante não teremos a menor
contemplação. Entendido?
— Entendido.
A luz vermelha apagou-se. Bell estreitou os lábios.
— Quer dizer que será uma luta de vida e morte?
— perguntou.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Não temos outra alternativa. Marshall avise
Gucky de que vamos mandar um destróier. Há esta
hora não posso abrir as escotilhas da Stardust-III, pois
com isso não teria condições de combater. Tiff tentará
escapar num destróier. Se necessário o robô terá que
ser deixado para trás.
— Os destróieres leves são pequenos.
Mal podem abrigar três pessoas — interveio Bell.
— Pois excepcionalmente a cabine deverá ter lugar
para cinco pessoas e o rato-castor, a não ser que
103
Gucky prefira teleportar-se para a Stardust-III.
— Ele não fará nada disso — disse Bell,
defendendo o amigo. — Ficará com Tiff.
Rhodan chamou o setor de armamentos.
— Atenção, preparem ambos os transmissores
fictícios. Não, desta vez não se trata de bombas
atômicas, mas dum destróier de três pessoas.
Seguiu-se um silêncio de perplexidade. Logo
surgiu a pergunta:
— Um destróier?
— Correto. Faça a teleportação dum pequeno
destróier para a ilha que se encontra embaixo de nós.
Rápido. Aqui estão os dados...
Rhodan esperou até que subitamente viu na ilha o
formato esbelto de torpedo dum destróier que surgiu
do nada. Logo a Stardust-III subiu, a fim de enfrentar
a frota dos saltadores, que se precipitava dos céus.
* * *
Com a pose dum general vitorioso, Gucky apontou
a área livre da pequena ilha.
— Abracadabra, caramba, será que vai demorar?
— Será que desta vez você enlouqueceu de
verdade? — indagou Hump em tom preocupado.
— Que nada! Marshall diz que Rhodan nos
mandará um destróier. A remessa será feita por
teleportação. Deve ser alguma novidade que trouxe do
planeta da vida eterna. Não pode cuidar de nós, já que
os saltadores estão atacando.
— Um destróier? — murmurou Tiff em tom
pensativo, lançando um olhar rápido para o robô. —
Será muito apertado.
Por alguns segundos a Stardust-III surgiu acima
deles, em meio às nuvens. Logo o destróier
materializou-se no lugar exato apontado por Gucky.
Tiff pegou a caixa, segurou Milly com a mão livre
e correu em direção à nave salvadora. Só agora se deu
conta de que a rocha em que seus pés pisavam estava
morna. A salvação estava chegando ao último
instante.
Antes que chegassem à nave, um feixe energético
alaranjado desceu das nuvens e abriu um funil
borbulhante a alguma distância.
— Atenção! — gritou Gucky. — Vou saltar para
abrir a comporta. Continuem a correr. Depois eu os
apanharei.
No mesmo instante a escotilha abriu-se. Gucky
não perdeu tempo. O segundo raio energético expelido
pela nave dos saltadores já chegou mais perto. Mas no
mesmo instante surgiu o vulto da Solar System e abriu
fogo maciço contra o inimigo.
De um instante para outro Tiff viu-se transportado
para a pequena cabine de comando do destróier.
Colocou a caixa com os sonolentos embaixo duma
mesa e precipitou-se para o painel.
Milly surgiu logo depois, seguida por Felicitas. Os
propulsores começaram a vibrar.
Também Hump e Eberhardt apareceram, seguidos
poucos segundos depois por Gucky. A cabine era tão
apertada que as moças tiveram que sentar no colo de
Hump e Eberhardt, fato que deixou este último um
tanto embaraçado.
— Vamos decolar! — chiou Gucky, procurando
acomodar-se num armário embutido. — Está em cima
da hora. O mar começa a ferver, e a rocha está quente
que nem ferro em brasa. Daqui em diante a coisa será
muito rápida.
Enquanto Tiff acelerava ao máximo, conduzindo o
destróier para o céu opaco, lembrou-se de Moisés.
— Hihi — riu Gucky no armário embutido. —
Você está enganado. Acha que seria capaz de deixar
na mão a criatura que salvou nossa vida? Está na sala
de máquinas.
Tive que tirar algumas caixas de ferramentas.
Afinal, a rapidez não é bruxaria para quem tem o dom
da teleportação.
Tiff sorriu aliviado.
— Teria pena do rapaz; até chego a gostar dele.
Correram velozmente pelo espaço, passando pelas
naves dos saltadores que detonavam e desviando-se
dos feixes energéticos que se estendiam furiosamente
em sua direção. O planeta de gelo mergulhou no
espaço. Já não era um planeta de gelo, mas um sol em
formação. Só o polo sul continuava branco, mas as
águas dos mares recém-formados já se precipitavam
sobre as superfícies geladas.
O segundo planeta do sistema de Beta-Albíreo
estava morrendo. As massas de nuvens turbilhonantes
pareciam os últimos estertores dum gigante
moribundo.
* * *
Encontravam-se diante de Rhodan, ouvindo
ansiosamente o seu relato. Só as autoridades mais
graduadas da administração de Terrânia e os oficiais
que dirigiam a frota espacial encontravam-se
presentes.
Além de Tiff, Hump, Eberhardt, Milly e Felicitas.
E, naturalmente, Gucky.
A conferência estava sendo realizada no jardim da
cobertura do edifício da administração central. Acima
deles estendia-se o céu azul e límpido da Terra, que
não era turvado por qualquer nuvem. Os últimos raios
do sol no ocaso atravessavam o vidro do jardim de
inverno e brincavam nos pelos reluzentes de Gucky. O
rato-castor estava ao lado de Bell que, mergulhado em
pensamento, lhe acariciava o pelo.
Milly e Felicitas não pareciam ter tempo para esse
tipo de atividade. As moças preocupavam-se
exclusivamente com Tiff e Hump. Só Eberhardt
continuava fiel à sua qualidade de ermitão.
— ...de forma que não tivemos outra alternativa —
dizia Rhodan naquele instante. — A frota dos
saltadores lançou mão de todos os recursos para
atacar-nos e destruir-nos. Etztak não pôde defender-se
contra nosso transmissor fictício. Perdeu uma nave
após a outra, até que reuniu as duas naves que lhe
restavam e, tomado de pânico, passou à fuga. Pelo que
indicam nossos instrumentos, realizou um salto de
mais de doze mil anos-luz. Deixei que se fosse, pois
quero que espalhe a notícia de que a Terra é um
terreno muito quente para todos aqueles que se metem
a conquistadores.
Um murmúrio passou pelos presentes. Rhodan
sorriu para apagar a impressão de crueldade deixada
pelas palavras que acabara de proferir.
104
— Se devemos ser gratos a alguém pela vitória
sobre uma raça fortemente armada e de inteligência
muito evoluída, este alguém é o cadete Julian Tifflor e
seus amigos. Sua atuação corajosa fez com que os
saltadores se enganassem sobre nossas reais intenções.
Ainda quero mencionar nosso amiguinho Gucky,
graças ao qual a missão teve um desfecho feliz. A
todos manifesto minha gratidão e a do planeta Terra.
Algumas perguntas foram formuladas, e Rhodan
deu as informações solicitadas.
Bell puxou Gucky para o lado. Os dois amigos, tão
desiguais, estavam junto à parede de vidro, mas não
deram atenção ao panorama maravilhoso que se abria
diante deles. Terrânia, a metrópole mais moderna do
mundo e a capital da Terceira Potência, não
representava nenhuma novidade para eles.
A novidade eram os canteiros de flores, arrumados
em torno da varanda envidraçada. Neles cresciam
gigantescas tulipas de cinco cores diferentes,
estendendo as coroas bem formadas em direção ao sol
terreno. Mantinham os olhos em formato de amêndoa
bem abertos, como se fizessem questão de conhecer
todos os detalhes de seu novo mundo. Um aroma
suave subiu dos canteiros, misturando-se ao ar que os
homens respiravam.
— Quer dizer que estes são os sonolentos —
cochichou Bell e acariciou uma das flores. Era
vermelha. Em cada um dos canteiros havia tulipas de
cinco cores diferentes. — São os últimos exemplares
de sua raça. Faço votos de que se sintam bem por
aqui.
— Sentem-se muito felizes por terem escapado a
uma morte horrível — disse Gucky, colocando o dente
roedor para frente a fim de esboçar um sorriso
satisfeito.
— Elas se reproduzirão para conservar a espécie. É
bem verdade que demorará cinquenta anos até que as
primeiras mudas se tenham formado. Elas não têm
pressa.
— Meio século? — gemeu Bell e passou a mão
cuidadosamente sobre a cabeleira curta e ruiva. —
Meio século para produzir uma muda? Minha tia
Amália com sua plantação de cactos não iria gostar
disso.
— Acontece que a tia Amália não tem tanto tempo
quanto os sonolentos... e nós.
— Afinal, quantos anos você vai fazer, Gucky?
Você nunca contou a ninguém.
O dente do rato-castor emitiu um brilho
avermelhado sob o sol em ocaso.
— Quantos anos vou fazer? Você quer saber
quando vou morrer? — Num gesto de lástima sacudiu
os ombros, o que lhe dava um aspecto quase humano.
— Bem, isso é bastante incerto. Na verdade, só há um
meio de determinar exatamente o meu tempo de vida.
— É mesmo? — Bell inclinou-se para seu gracioso
amigo. — Que meio é este?
— Você terá que aguardar minha morte — disse
Gucky e teleportou-se para o lado oposto da varanda.
A mão de Bell acertou apenas o ar.
O mundo de gelo, onde Julian Tifflor e seus companheiros conseguiram, através de
sucessivos golpes de habilidade, escapar aos comandos de saltadores enviados em sua
perseguição, deixou de existir, apenas porque um dos patriarcas dos saltadores, dominado
pela cólera, deu ordem de destruí-lo.
Mas essa ordem, concebida como uma sentença de morte que deveria atingir Julian
Tifflor e seus companheiros foi dada num momento em que Perry Rhodan já estava em
condições de salvar do incêndio atômico não apenas os membros de seu grupo, mas também
alguns dos estranhos habitantes do mundo de gelo, os sonolentos...
Qual será a próxima ação que os saltadores empreenderão contra a Terra? Quais são
seus planos?
Levtan, o Traidor, que conhece os planos dos saltadores, entra em contacto com Perry
Rhodan...
Levtan, O Traidor, é este o título do próximo volume da série.
Nº 34
De
Kurt Brand
Tradução
Richard Paul Neto Digitalização
Denise Bartolo Revisão e novo formato
W.Q. Moraes
Um saltador pousa em Terrânia e transforma-se na figura principal do grande
blefe...
Conflitos na Terra, invasões vindas do espaço, batalhas cósmicas, combates
travados em planetas distantes, tudo isso na Terceira Potência de Perry Rhodan,
instalada com o auxílio da antiqüissima técnica arcônida, venceu galhardamente
em sua curta existência.
Mas os saltadores, uma raça descendente dos arcônidas, que há oito milênios
detém o monopólio incontestado do comércio galático, reprimindo
implacavelmente qualquer concorrência que se esboce, representam um perigo
muito mais sério.
Perry Rhodan fez tudo para evitar que os saltadores transformassem a Terra
numa colônia. Seus cruzadores espaciais realizam ataques simulados contra a
frota dos saltadores, enquanto ele mesmo se dirige a bordo da Stardust-III, ao
planeta do imortal, a fim de obter uma nova arma que possa ser empregada contra
os saltadores. O poderio dos saltadores é tremendo. Muito embora diante da nova
arma tenham batido em retirada, ainda é de se recear que eles prossigam
inexoravelmente na execução dos planos de conquista da Terra. Um mercador
galático, que conhece esses planos, mostra-se disposto a vendê-los por um preço
adequado. Trata-se de Levtan, o Traidor...
106
1
Na altura da órbita de Plutão, a Terra e a Solar
System, cruzadores da Terceira Potência, emergiram do
hiperespaço para retornar ao cosmos normal. Mantendo
uma distância de 40.000 quilômetros, os dois veículos
espaciais atravessaram vertiginosamente o sistema solar,
em direção à Terra.
O choque da transição, um acompanhante
desagradável de todo salto pelo hiperespaço, já estava
superado. Perry Rhodan, que se encontrava a bordo do
cruzador pesado Terra, juntamente
com Reginald Bell.
Bell e alguns elementos de seu
Exército de Mutantes cumprimentou
MacClears, o comandante da nave,
com um ligeiro aceno de cabeça, e
lançou um olhar convidativo a Bell,
após o que se dirigiu ao seu camarote,
em companhia do mesmo.
— Ainda não consigo
compreender, Perry — principiou
Reginald Bell, impressionado pelo
silêncio de Rhodan.
Perry esboçou um sorriso amargo,
mas ainda não disse nada.
Bell estourou. Aqui, a sós com
Perry Rhodan, chefe da Terceira
Potência, podia dar-se ao luxo de falar
com este de amigo para amigo. Foram
os primeiros homens que haviam
atingido a Lua a bordo da Stardust, e
continuavam amigos enquanto Perry
Rhodan se preparava para conquistar a
galáxia, incorporando-a aos domínios
do planeta Terra.
— Perry, Aquilo ou Ele permitiu-
se uma piada de mau gosto. Por que
não aceitou tudo na esportiva,
insistindo, sem esmorecer, em chegar
ao Peregrino?
Perry lançou um olhar pensativo para o amigo.
— Aquilo pode ter feito uma piada, mas nunca uma
piada de mau gosto.
Bell, engrenado, não permitiu que Rhodan terminasse.
— Ora, Perry! — disse em tom insistente. — Afinal,
não fomos ao Peregrino para fazer turismo, mas porque os
mercadores galácticos nos colocaram em situação
extremamente difícil. Se eles resolverem lançar seus
couraçados num ataque concentrado contra nós, podemos
fazer nosso testamento. E foi numa situação destas que
Ele ou Aquilo houve por bem não permitir nosso ingresso
no Peregrino. Você realmente acha que isso não é uma
piada de mau gosto?
Um Perry Rhodan totalmente diferente daquele que os
homens conheciam, um homem profundamente
decepcionado e abatido, que ainda não via qualquer meio
de escapar ao perigo que os mercadores galácticos
representavam para a Terra, deixou que seus olhos
vagassem ao lado de Bell, que o fitava numa ansiosa
expectativa. Sabia que a fala irreverente de Bell apenas
tinha por fim dissimular a decepção e encobrir a situação
desesperançada.
— Santo Deus, Perry! — exclamou Bell. — Nunca o
vi do jeito que o vejo agora.
Perry não reagiu à observação. Disse simplesmente:
— Ele confia mais em nossa capacidade que nós
mesmos. Só pode ser isso, Bell. Lembre-se de como ele
nos tornou difícil a busca do caminho que conduz ao seu
planeta, ao Peregrino. Tanto você como eu ainda temos de
aprender a compreender seu senso de humor. Foi por isso
que desta vez ele não nos deixou entrar, nem tomou
conhecimento da nossa presença. Nem pensa em entregar-
nos outros transmissores fictícios. Devemos defender-nos
dos mercadores com os recursos de
que dispomos.
— Se isso é senso de humor,
perdi toda capacidade de apreciar
uma boa piada — respondeu Bell
em tom sarcástico. — A Stardust
possui exatamente dois
transmissores fictícios. Isso
mesmo: dois. O que acontecerá
com ela se os mercadores
chamarem seus amigos, os
superpesados, para que estes
lancem um ataque concentrado
contra nosso couraçado? Nesse
caso a Stardust já era; e dos
cruzadores Terra e Solar System
nem se fala. Quanto à Terra, será
escravizada e transformada numa
colônia dos mercadores.
Subitamente Bell viu um brilho
nos olhos do amigo. E, como
depois disso um sorriso amargo
brincasse em torno dos lábios de
Perry e este se espreguiçasse
vigorosamente, Reginald Bell já se
sentiu um tanto aliviado.
— Você tem razão —
confirmou Perry Rhodan. — Se os
saltadores voltarem com os
superpesados e lançarem um ataque concentrado contra
nós, tudo estará perdido. Você não acha engraçado que
ele confie tanto em nossa capacidade que acredita que
possamos enfrentar os mercadores galácticos e os
superpesados?
Decepcionado, Bell reclinou-se na poltrona.
— É só o que você tem a dizer, Perry? — perguntou
estupefato.
— No momento, sim. Você é um sujeito formidável.
Deu-me uma sacudidela no momento exato.
— Quem? Eu? Mas como? — fez uma cara tão tola
que Perry lhe disse com um sorriso:
— Neste momento você não parece muito inteligente.
— Seria capaz de pagar alguma coisa por uma dica de
como poderemos enfrentar o perigo que nos ameaça —
resmungou Reginald Bell em tom sarcástico. Depois disso
manteve-se em silêncio.
* * *
Terrânia chamou. Era a capital da Terceira Potência,
situada no deserto de Gobi. Desde aquele 25 de novembro
Personagens Principais deste episódio:
Perry Rhodan — Chefe da Terceira
Potência.
Reginald Bell — Amigo íntimo e
representante de Perry Rhodan.
Levtan — Um indivíduo expulso da
comunidade dos saltadores por sua
conduta fraudulenta.
John Marshall — Um telepata.
Tako Kakuta — Cuja especialidade é a
teleportação.
Kitai Ishibashi — Cujos dons se situam
na área da sugestão.
Tama Yokida — Que domina a
telecinésia.
Etztak Goszul — Patriarcas dos
saltadores.
107
servia de sede ao Governo Universal da Terra.
A aproximação dos cruzadores Terra e Solar System
já fora detectada. Logo após o abalo estrutural provocado
pelo salto através do hiperespaço, as naves entraram em
contato com as estações da Terra, que lhes forneceram as
horas em que poderiam pousar sem entrar em choque com
o campo energético invencível que se estendia por cima
de Terrânia.
Taciturno, Perry Rhodan saiu da Terra. Sua aparência
não revelava nada quando retribuía os cumprimentos ou
falava com uma ou outra pessoa, mas seu amigo Bell não
se deixaria enganar pelas aparências.
Nunca a Terra se defrontara com um perigo tamanho
como o que a ameaçava, agora que fora descoberta pelos
mercadores galácticos. Membros do império arcônida,
que se encontrava num processo de esfacelamento
progressivo, os mercadores viviam divididos em clãs que
passavam seus dias em gigantescas naves, negociando
com qualquer planeta que lhes parecesse lucrativo. Não
eram amigos ou inimigos de qualquer raça. Mantinham-se
neutros na guerra e vendiam com um lucro adequado a
qualquer das partes que se encontrassem em luta. Mas os
saltadores, como também eram conhecidos, não podia ser
considerado um grupo de inofensivos ciganos espaciais.
Qualquer intruso que tentasse penetrar em seus domínios
era destruído sem a menor contemplação. Sempre que os
recursos de que dispunham não eram suficientes para isso,
recorriam aos superpesados. Estes também descendiam
dos arcônidas, mas eram indivíduos de peso inacreditável
e, o que os tornava ainda mais perigosos, possuíam
gigantescos couraçados espaciais.
Perry Rhodan rechaçara os mercadores e os
superpesados, mas não lhes inoculara de forma indelével
a ideia de que deviam tirar as mãos da Terra, por
representar ela um perigo mortal. Naquele momento Perry
Rhodan estava explicando ao seu estado-maior que a frota
dos mercadores, que reunida aos superpesados,
representava o perigo mais grave com que a Terra jamais
se defrontara, e que não tinham com que se defender do
mesmo.
— Amanhã o cruzador pesado Centauro será batizado
e entrará em serviço — interveio Nyssen, comandante da
Solar System.
Perry Rhodan exibiu um sorriso condescendente.
— O que significa isso, cavalheiros?
— Nada! Trata-se duma nave com cerca de duzentos
metros de diâmetro. Juntamente com a nave Centauro,
disporemos de três naves desse tipo. Isso não representa
coisa alguma face ao poderio maciço do inimigo.
— Prometo-lhes um reino por uma boa ideia, e, além
disso, lhes ficarei eternamente grato.
Passou os olhos pelo grupo. Fitou Bell, MacClears e
Nyssen, os comandantes dos cruzadores, o major
Deringhouse, os mutantes e finalmente Crest e Thora, os
arcônidas.
Onde seu olhar demorou mais foi na orgulhosa
arcônida. Nos últimos anos haviam se aproximado
progressivamente sob o aspecto humano, mas nunca a
aproximação fora tão grande que um terceiro pudesse
esperar que esses belos exemplares se transformassem
num par.
* * *
Foi Thora, a arcônida, quem batizou a nave Centauro.
Atrás dela estava o major Deringhouse. Seu rosto
manteve-se impassível, mas não pôde reprimir o brilho
dos olhos, através do qual exprimiu a alegria de ser
comandante da nave.
Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência, Bell e
Crest, o arcônida, mantinham-se ligeiramente de lado.
Enquanto Thora pronunciava, em voz firme, a costumeira
fórmula de batismo, Crest cochichou para Perry Rhodan:
— Será que há alguns anos, quando tivemos nosso
primeiro encontro, como náufragos presos à superfície
lunar, o senhor poderia imaginar que um dia, como
administrador do Governo Universal da Terra, tivesse que
defender o planeta contra um grupo de invasores do
espaço?
Seus olhares encontraram-se. De um lado estava o
arcônida, com o saber concentrado duma cultura
antiquíssima, e de outro lado Perry Rhodan, protótipo do
homem terreno, inteligente, audacioso e confiante. Era o
herdeiro do saber dos arcônidas e, juntamente com
Reginald Bell, fora o único ao qual tinha sido conferido o
dom de não envelhecer nos próximos seis decênios.
Perry ia responder à pergunta de Crest, quando Bell
lhe tocou o braço e apontou para a tela.
Quando a imagem se firmou, a tela mostrou o rosto do
coronel Freyt.
— O que houve? — perguntou Perry Rhodan
laconicamente, sem elevar a voz.
Preferia que o batismo do cruzador Centauro não
sofresse qualquer perturbação. Freyt entendeu a fala
contida de Rhodan. Também dominou suas cordas vocais:
— Chefe, os rastreadores estruturais instalados em
Marte e numa das luas de Saturno detectaram alguma
coisa.
Uma idéia passou pela mente de Perry Rhodan.
“São os mercadores!”, pensou. “Levaram três meses
para preparar o ataque à Terra. E agora estão
chegando.”
— Coronel Freyt — disse — queira fornecer...
Mas Freyt interrompeu-o em tom nervoso:
— Nova detecção, chefe. Mais um abalo estrutural.
Foi a mesma nave que abandonou o sistema solar.
— Alarma número um — disse Rhodan em tom
decidido, lançando um olhar pensativo para o novo
cruzador pesado da frota terrena, que acabara de ser
batizado por Thora, a arcônida.
Os contornos do rosto do coronel Freyt desfizeram-se.
A tela voltou ao cinza. Bell mastigou o lábio inferior.
Crest parecia um homem que contém a respiração.
O alarma número um foi desencadeado, e não pegou a
cidade de Terrânia desprevenida. O supercouraçado
Stardust-III, o máximo da engenharia arcônida,
conquistado por Perry Rhodan e seus mutantes no mundo
dos ferrônios, estava pronto para decolar. Também os
cruzadores Terra e Solar System e alguns grupos de
destróieres estavam preparados, enquanto outros, que
cruzavam entre os planetas, mantinham a vigilância do
sistema.
O alarma número um foi mantido quando Rhodan
convocou seus colaboradores mais chegados para uma
conferência.
A interpretação dos dados confirmara o fato de que
108
uma nave desconhecida, vinda do hiperespaço, efetuou
uma transição que a levou para o interior do sistema solar,
realizando poucos segundos depois, um novo salto, que a
levou de volta ao hiperespaço.
Reginald Bell irradiava otimismo.
— Será que é um embaixador dos saltadores?
John Marshall, um homem alto de cabelos escuros,
não alterou as feições de seu rosto estreito e duro.
Ninguém desconfiaria de que fosse um telepata. Quando
Rhodan lhe lançou um olhar indagador, disse:
— Conheço os mercadores galácticos, e por isso sei
que essa nave que apareceu para desaparecer
imediatamente não é dos saltadores. Estes estão
incubando um plano para subjugar-nos de um golpe.
— Será que foi um salto mal sucedido? — disse Bell,
pensando em voz alta.
Estremeceu quando Crest, o arcônida, respondeu:
— Os mercadores galácticos são descendentes de
nossa raça, Bell...
— Infelizmente — respondeu em tom áspero Bell, que
logo recuperara o controle. — É lamentável. Se não
fossem eles, os filhos de sua raça não nos dariam tantos
aborrecimentos.
Crest estacou um momento, mas logo compreendeu
como deviam ser interpretadas as palavras de Bell. Mas
estas ficaram atravessadas na garganta de Thora.
Seus olhos chisparam de raiva quando chiou para Bell:
— O senhor não tem o menor motivo para fazer pouco
caso de nossa raça. Todo saber de que dispõe provém
dela...
Estacou em meio à frase. Não poderia deixar de
perceber o riso que Perry Rhodan procurava reprimir. Só
agora a arcônida percebeu que mais uma vez se tornara
vítima das brincadeiras de Bell.
— Vamos aguardar — disse Rhodan, encerrando a
conferência. — Para os destróieres que se encontram no
sistema solar continua a vigorar o alarma número um. É a
única coisa que podemos fazer no momento.
2
O comandante Deringhouse podia ser encontrado em
qualquer lugar dentro de sua nave. Como um sonâmbulo,
caminhava de um lado para outro na gigantesca nave
esférica de duzentos metros de diâmetro.
Dentro de uma hora, a Centauro decolaria para o voo
inaugural. Pela primeira vez o colosso se ergueria do solo,
para penetrar no seu espaço vital, o cosmos mortal, mas
admirável.
Verificou pessoalmente os controles finais.
— Controle de armamentos!
A língua falada por todos parecia conhecer apenas esta
expressão: “Em ordem.”
Os goniômetros, as instalações de rádio, a
comunicação com a sala de máquinas, com os
conversores, tudo em ordem...
Finalmente veio o aviso definitivo de que a nave
estava em ordem, e Deringhouse respirou aliviado.
Nem se lembrou do alarma número um, que
continuava a vigorar.
Um tanto admirado, Perry Rhodan viu entrar Crest e
Thora.
John Marshall pretendia despedir-se. Sua capacidade
telepática, aperfeiçoada através dum treinamento
hipnótico, fizera-o perceber que os arcônidas desejavam
falar a sós com Perry Rhodan.
Quando já se dispunha a sair, Rhodan deteve-o.
— Fique aqui, Marshall — disse em tom amável,
enquanto cumprimentava os arcônidas com um aceno de
cabeça.
A testa de Thora enrugou-se ligeiramente. Sempre que
alguma coisa não corresse conforme previra, revelava sua
qualidade de arcônida sensível. Crest, um indivíduo alto e
magro pertencente à elite científica do Império de Árcon,
exibia a tranquilidade esclarecida que se harmonizava
com seu saber.
Diante do olhar sempre amável de Perry, a testa de
Thora desanuviou-se. Sem preocupar-se com a presença
de Marshall, começou a falar.
— O tempo urge Perry Rhodan. E o tempo trabalha a
favor dos mercadores galácticos e contra a Terra, ou
melhor, contra nós, inclusive contra Árcon. A Centauro
está preparada para o voo inaugural. Permita que Crest e
eu viajemos para Árcon. Não formulo a proposta para
aproveitar as circunstâncias e obter o cumprimento duma
promessa, mas pelo simples fato de estar preocupada com
o destino da Terra, com o nosso destino...
O rosto de Perry Rhodan assumiu uma expressão dura.
Lançou um olhar perscrutador para Thora e Crest. Podia
confiar irrestritamente no cientista, mas não era
impossível que a mulher impulsiva que tinha diante de si
ainda mantivesse reservas mentais.
John Marshall estava de pé atrás dos arcônidas.
Reunindo suas forças telepáticas, conseguia penetrar na
barreira que cercava o cérebro dos arcônidas,
desvendando seus pensamentos.
Quando fitou Perry Rhodan, este compreendeu a
linguagem de seus olhos.
— Sei perfeitamente — respondeu este, depois que a
informação de Marshall o tranquilizara — que ainda lhes
estou devendo o cumprimento duma promessa...
— Não é disso que se trata — interrompeu Thora,
exaltada. — Queremos buscar auxílio, Perry Rhodan.
Aquilo, o ser que habita Peregrino, o planeta invisível,
acaba de lhe recusar esse auxílio. Meu povo, os arcônidas,
não o recusarão. Sem o auxílio do poderio de nossa raça o
senhor não conseguirá manter-se contra os saltadores e os
superpesados.
— O ataque pode ser lançado a qualquer momento —
disse Rhodan, tentando fugir à decisão, embora várias
vezes ele já tivesse dito a si mesmo que chegara o
momento em que o auxílio de fora se tornava
imprescindível.
Mas não era apenas um homem dotado dum raciocínio
e dum senso tático frio; também possuía o dom da
intuição e da adivinhação. Uma premonição indefinível
dizia-lhe que conseguiria defender-se dos saltadores sem
auxílio de fora.
— Perry Rhodan! — disse Crest, dirigindo-se a ele.
Seus olhares encontraram-se. — Rhodan, o senhor me
decepciona. Procura fugir ao problema. Não adianta
inventar desculpas para escapar ao destino. Thora e eu
temos que ir a Árcon. E temos que ir imediatamente. A
109
Centauro está pronta para decolar. Permita que viajemos
nela. Será que não confia mais em nós?
Foi uma pergunta dura.
Afinal, Perry Rhodan devia a esses dois seres todo o
saber e todo o poder de que dispunha.
Sua resposta franca e terminante impressionou os
arcônidas:
— Nunca desconfiei dos senhores, mas prefiro adiar a
viagem para Árcon. Esperava encontrar um meio de
rechaçar os saltadores com meus próprios meios. Mas
reconheço que isso não é possível.
Marshall interrompeu-o:
— Chefe, há uma mensagem.
— O que é? — soou a voz rangedora de Rhodan,
enquanto este girava o botão da tela. Os traços
ordenaram-se, retratando o rosto do coronel Freyt.
— Chefe — disse Freyt em tom nervoso — a estação
de rádio principal, instalada na Lua, acaba de captar uma
mensagem vinda do mesmo setor em que ontem foram
constatados os dois abalos estruturais...
— Qual é o teor da mensagem? — pediu Perry
Rhodan.
Freyt transmitiu apressadamente o conteúdo da
mensagem:
— Levtan solicita permissão de aterissagem a
Rhodan, chefe da Terceira Potência. Peço que a resposta
seja transmitida pela mesma onda. Levtan.
— Obrigado, coronel Freyt — exclamou Perry.
Freyt não compreendeu por que uma mensagem desse
tipo poderia provocar tamanha alegria no chefe, pois
subitamente o rosto do mesmo irradiou alegria.
— Quer dizer que não vamos a Árcon? — adivinhou
Crest, antes que Perry Rhodan voltasse a dirigir a palavra
aos arcônidas.
— Ainda não, Crest! — dirigindo-se a John Marshall,
disse: — O senhor ouviu tudo. Peça a Bell que cuide da
interpretação da mensagem. — Voltou a dirigir-se aos
arcônidas: — Um momento!
Enquanto ainda era um jovem cadete da Força
Espacial dos Estados Unidos, Perry Rhodan já era
considerado um “reator psíquico instantâneo”. Depois
desenvolvera essa faculdade. Usando o sistema de
comunicação audiovisual, mobilizou através de ordens
lacônicas todos os postos de alarma. Suas instruções
estenderam-se bem além da órbita de Plutão, onde um
destróier exercia o serviço de vigilância.
Reginald Bell, amigo e representante de Perry
Rhodan, deixou cair sua figura atarracada na poltrona,
empurrou para o lado a pilha com as interpretações da
mensagem e sorriu para Kitai Ishibashi, um médico e
psicólogo japonês.
— Daqui a pouco o senhor terá trabalho, Ishibashi.
Estamos esperando visita. Alguém quer falar com o chefe,
o senhor da Terra. Este alguém perguntou...
— Será que é um saltador? — perguntou Kitai
Ishibashi. Seus olhos em forma de amêndoa iluminaram-
se.
— Talvez seja um saltador. É mesmo provável que
seja. O fato é que não sabemos. Mas quando a nave dele
pousar, sua hora terá chegado. Mantenha-se preparado.
Acredito que sua arte representará o fiel da balança...
— Farei o possível — asseverou Kitai Ishibashi.
Bell seguiu-o com um olhar pensativo.
A idéia de receber uma visita dos saltadores não o
deixava muito satisfeito. Havia algo de errado nessa
história, mas nem mesmo Perry Rhodan sabia onde estava
o erro.
Foi por isso que chamou Kitai Ishibashi, o sugestor,
cujas energias mentais lhe permitiam impor a qualquer
indivíduo sua própria vontade de forma tão terminante
que o indivíduo atingido pela operação mental se
convencia de que estava agindo por sua livre e espontânea
vontade, não em virtude da influência de outrem.
Bell examinou as interpretações.
A mensagem vinda do setor em que se registraram os
dois abalos estruturais era um fenômeno único.
— A coisa não poderia ser mais demorada —
resmungou, enquanto calculou que a mensagem devia ter
levado pelo menos 24 horas para chegar à Lua. — Hum...
e isto?
Leu as medições do ângulo em que a mensagem
chegara à estação da Lua. Ao lado delas estavam os
cálculos do cérebro positrônico. Os mesmos confirmavam
que as mensagens redigidas em linguagem não codificada
deviam provir da nave que 24 horas antes provocara dois
abalos estruturais.
— Talvez isso ainda fique bastante divertido... —
resmungou Bell, tendo em si mesmo seu único
interlocutor. — Talvez não fique...
O comandante Deringhouse pretendia anunciar que
tudo estava em ordem com os controles da Centauro,
quando o sinal de rigorosa prontidão soou pela nave.
Imediatamente a voz tranquila de Perry Rhodan soou nos
alto-falantes. Pouco depois seu rosto surgiu nas telas.
— Ao comandante. Decolagem de emergência.
Transição de curta distância em direção à órbita de Plutão.
Missão de combate. Tentaremos localizar a nave
desconhecida que ontem executou dois saltos. Os dados
do cérebro positrônico para a decolagem e a amplitude do
salto seguem imediatamente. Repita, comandante
Deringhouse.
Este repetiu toda a série de comandos, sem parar para
refletir.
As comportas da Centauro fecharam-se. A tripulação e
os robôs corriam apressadamente pelos conveses da nave.
De todos os lados vinham os avisos de que tudo estava em
ordem. A tensão estalava em todos os cantos do cruzador.
Com um som uivante, a Centauro disparou em direção
ao céu. A imensa esfera foi diminuindo até desaparecer
em meio aos reflexos solares. Quando atingiu a altura de
vinte quilômetros, transmitiu a primeira mensagem para
Terrânia.
Dali a uma hora veio a segunda mensagem:
— Tudo preparado para a transição a curta distância.
Deringhouse.
Todos os rastreadores do sistema solar registraram o
abalo provocado pela Centauro, quando esta penetrou no
hiperespaço para executar o salto em direção à órbita de
Plutão.
O coronel Freyt virou-se rapidamente ao notar que
duas pessoas entravam na sala. No mesmo instante
esqueceu a presença de Perry Rhodan e de Crest.
— Há três minutos houve novo abalo estrutural.
A informação não poderia ser mais lacônica. Mas para
Perry Rhodan foi suficiente. Nem notou o olhar de
admiração de Crest. A capacidade de extrair o mais
110
importante das coisas importantes, uma constante em
Rhodan, nunca deixava de impressionar o arcônida.
Acabara de receber outra prova disso.
— É a mesma nave, Freyt?
— O cérebro positrônico ainda está calculando. Ah, o
resultado acaba de chegar, chefe.
Leram ao mesmo tempo a interpretação do cérebro
positrônico:
— Existe uma probabilidade de 98,3 por cento de que
se trate da mesma nave que ontem executou duas
transições nas proximidades da órbita de Plutão.
— E a interpretação do rastreador? — indagou
Rhodan.
O coronel Freyt já tinha a resposta preparada:
— Nave aproxima-se a uma velocidade que fica 0,9
por cento abaixo da luz, vinda do espaço interestelar e
dirigindo-se ao sistema solar.
O hipercomunicador chamou. A Centauro respondeu.
— Nave desconhecida localizada. Coordenadas
conhecidas. Aproximação imediata. Deringhouse.
* * *
Os rastreadores estruturais da Centauro registraram a
transição dum veículo espacial, que devia ter ocorrido nas
imediações do ponto em que se encontrava.
O comandante Deringhouse lançou um olhar ligeiro
para o telegrafista.
— Hipercomunicação para Terrânia — ordenou e
transmitiu a informação, sem desconfiar de que Perry
Rhodan a estivesse ouvindo.
A Centauro acelerou. Atrás dela foi desaparecendo o
relampejar frio dos planetas solares. O planeta Plutão,
condenado a descrever sua órbita em torno do Sol numa
escuridão eterna, encontrava-se em oposição.
O comandante Deringhouse sentia-se no seu elemento.
Tranquilo, estava reclinado na sua poltrona. Passou os
olhos pelas telas, quadros de controle e painéis; vez por
outra fitava seus oficiais e tinha a impressão de encontrar-
se com a melhor tripulação no melhor cruzador pesado do
sistema solar.
— A posição da nave desconhecida! — ordenou em
tom enérgico.
O dispositivo automático instalado junto à mesa de
instrumentos deu um clique. O cérebro positrônico do
cruzador forneceu os dados solicitados por Deringhouse.
Um oficial transmitiu os mesmos em palavras
lacônicas e precisas.
— Acelerar dez por cento.
No mesmo instante o veículo espacial deu um salto
para o espaço, mas no interior da nave a pressão da
aceleração não foi sentida.
A Centauro precipitou-se para a nave desconhecida.
As torres de armas estavam ocupadas, aguardando a
ordem de fogo.
— Distância um minuto-luz.
Deringhouse confirmou com um aceno de cabeça.
A Centauro continuou a penetrar no espaço, em
direção ao desconhecido. Todas as faixas de ondas
estavam ligadas. A qualquer instante poderia surgir um
chamado da nave desconhecida.
— Distância de dez segundos-luz. Deringhouse
reduziu a velocidade da nave à metade. Quando se
encontrasse no limite de segurança, não queria realizar
nenhuma manobra de frenagem.
— Distância de quinhentos mil quilômetros.
A ordem de Deringhouse foi transmitida
apressadamente às posições de combate.
— Retirar as capas dos canhões.
As indicações de distância vinham a curtos intervalos.
Quarenta mil quilômetros ainda os separavam do inimigo.
— Malditos saltadores... — disse um dos homens que
se encontravam na sala de comando. Deringhouse franziu
a testa, mas, não disse nada, pois acabara de pensar
exatamente a mesma coisa.
Os mercadores galácticos estendiam seus tentáculos
em direção ao débil planeta Terra. Descobriram-no num
dos setores laterais da galáxia e acreditaram que com ele
poderiam fazer seus negócios pela forma que costumavam
fazer com muitos mundos habitados da Via Láctea.
Corriam em direção a uma dessas naves dos
mercadores — dos inimigos mortais da Terra.
— Mensagem do desconhecido — gritou o
telegrafista, e Deringhouse descontraiu-se um pouco. —
Senhor, certo Levtan pede permissão para vir a bordo.
Deringhouse inclinou-se ligeiramente para frente para
aproximar-se do microfone.
— Atenção, postos de combate. Ao menor movimento
suspeito, atirem imediatamente com todas as peças, sem
aguardar ordem de fogo da sala de comando.
Sabia que poderia confiar em seus homens.
— Hipercomunicador. Mensagem ao chefe — disse
Deringhouse com a voz tranquila. — Nave desconhecida
pede permissão para mandar certo Levtan para bordo da
Centauro. Darei a permissão. Nossas coordenadas são as
seguintes...
A estação de Terrânia limitou-se a confirmar o
recebimento da mensagem.
— Nave desconhecida aproxima-se. Distância de oito
mil quilômetros — assim foi anunciado o resultado da
medição da distância. O limite da segurança já fora
ultrapassado.
— Deixe que se aproxime — disse Deringhouse e
acendeu um cigarro.
* * *
Ao lado da gigantesca Stardust-III, o couraçado de
Rhodan com oitocentos metros de diâmetro, os cruzadores
pesados Terra e Solar System estavam prontos para
decolar.
As autoridades de Terrânia haviam ordenado
prontidão rigorosa para as tripulações, mas nem Perry
Rhodan, nem Reginald Bell, nem qualquer dos arcônidas
se encontrava a bordo dos veículos espaciais.
— Por que estamos esperando por aqui? — perguntou
Thora, impaciente. — Não sei qual é a graça! — gritou
para o amigo de Perry Rhodan, que continuava
tranquilamente em sua poltrona, sorrindo por todo o rosto.
— A graça é que a senhora está tão nervosa, Thora —
respondeu Bell. — Vejo nisso um traço muito humano.
Não chegou a dizer que os habitantes da Terra são
bárbaros?
Thora e Bell não se suportavam. Não podiam passar
um pelo outro sem soltar uma indireta.
— Por que Deringhouse não dá mais nenhum sinal de
111
vida? — perguntou Crest, encerrando a discussão. — É
uma leviandade permitir a esse Levtan que venha a bordo
da Centauro...
— Leviano? Logo Deringhouse? — Perry sorriu. — É
bem verdade que já poderia ter chamado.
— Por que não o chamamos pelo hipercomunicador?
— insistiu Thora.
— As comunicações radiofônicas foram suspensas
para todos os destróieres. Não posso abrir nenhuma
exceção, Thora.
— Será que o chefe da Terceira Potência não ocupa
uma posição especial? — perguntou com uma ponta de
ironia.
Perry esteve a ponto de responder com uma
observação mordaz, mas viu o olhar de advertência de
Crest. Por isso limitou-se a dizer:
— A grandeza revela-se através do autodomínio nas
pequenas coisas, Thora. E na Terra a curiosidade é
considerada um mal.
Atirando a cabeça orgulhosamente para trás, Thora
retirou-se. Crest procurou desculpar seu comportamento:
— É a decepção de mais uma vez ver frustradas suas
esperanças de ir para Árcon, de ver adiada a volta para
seu mundo. Afinal, é uma mulher, Perry Rhodan.
— Está bem, Crest — Perry demonstrou pressa em
mudar de assunto. Neste ponto, relacionado com a volta
dos arcônidas, não tinha a consciência muito tranquila. —
Por que será que a Centauro não entra em contato
conosco? — Rhodan lançou o olhar pela janela,
contemplando seus veículos espaciais. — Essas naves
representavam muito pouco face ao poder dos mercadores
galácticos e dos superpesados. Daria um reino por uma
boa ideia.
Ele mesmo, Perry Rhodan, era o mais preocupado, o
mais nervoso dos três homens que se encontravam na
sala, mas continuou a fazer o papel de polo inabalável da
tranquilidade.
— Por que será que Deringhouse não entra em contato
conosco? — voltou a perguntar de si para si.
O hipercomunicador continuava em silêncio.
* * *
Deringhouse gritou para dentro do microfone:
— Torre número dois, coloque um tiro na frente da
proa!
Na grande tela de visão global da sala de comando
surgiu um lampejo ofuscante. Pela primeira vez a
Centauro deu uma demonstração de força. A uma
distância de 3.000 quilômetros quase arranca a proa da
nave desconhecida.
— Paramos! — foi a mensagem radiofônica em texto
não codificado recebida na Centauro. — Viemos para
negociar, não para atacar.
Deringhouse lançou um olhar mais prolongado que de
costume para seu telegrafista. Alguma coisa não estava
certa nessa mensagem expedida pela nave dos saltadores.
Em sua opinião, as intenções pacíficas eram pronunciadas
demais.
— Comandante para os postos de combate — voltou a
chamar as torres de canhões. — Disparem imediatamente
se dentro de um minuto o mercador não estiver parado —
desligou e chamou o telegrafista: — Mande-lhe isto.
— Tudo? — perguntou o telegrafista.
— Sim, tudo. Quero que saibam o que podem esperar
de nós.
A tensão cresceu na sala de comando. Deringhouse
não tirava os olhos da tela de visão global. A voz metálica
do cérebro positrônico indicava as modificações de
distância. A mensagem destinada ao mercador Levtan
havia sido expedida.
— A nave está parada — referia-se ao veículo espacial
desconhecido.
A Centauro desenvolvia pouca velocidade. Numa
curva suave, o cruzador pesado passou pela outra nave a
uma distância de três mil duzentos e oito quilômetros.
— A nave contínua parada.
O próprio Deringhouse não compreendia o motivo de
tamanha cautela. Tinha uma superioridade imensa sobre o
mercador, mas agia como se fosse o mais fraco.
Estaria impressionado com aquilo que Crest lhe
contara sobre os clãs dos mercadores e seus patriarcas?
Ou seria porque era difícil aceitar a ideia de que um
mercador poderia aparecer nas imediações do sistema
solar para negociar? Bastaria que os mercadores
estendessem a mão para estrangular a Terra.
Naquele instante Deringhouse voltou a transformar-se
no piloto do caça tripulado por um homem.
A Centauro correu velozmente em direção à outra
nave. O ponto reluzente da tela aumentava rapidamente.
— É um saltador — disse alguém na sala de comando.
— Meu Deus! — exclamou Deringhouse perplexo. —
Esse calhambeque está totalmente enferrujado. Quem será
esse sujeito que os saltadores nos mandaram?
No mesmo instante James Hugh gritou:
— Localização, comandante. Um objeto estranho
aproxima-se a uma velocidade setenta e seis por cento
inferior à da luz. Vem de Pi 3,65 Teta 56,19 graus.
O cérebro positrônico interpretou esses dados e logo
os transmitiu às torres de canhões.
Então era isso! Tratava-se dum estratagema primário
dos mercadores — tão primário que por pouco não cai
nele. Mas a indicação de distância? A que distância se
encontrava a outra nave?
Descrevendo um salto tremendo, produzindo por uma
quantidade inacreditável de energia, a Centauro passou
rente à nave enferrujada, descreveu uma curva arriscada e
precipitou-se na direção indicada.
— E a distância? — perguntou Deringhouse com a
voz fria. — Hugh, por que ainda não me forneceram a
distância?
— A positrônica forneceu dois valores — respondeu
Hugh com a voz tímida. Deringhouse quase chegou a
saltar da poltrona.
— É porque são duas naves dos saltadores. Quero
ambas as distâncias. Vamos logo, Hugh!
— Quatro vírgula três oito e quatro vírgula sete um
segundos-luz — gaguejou Hugh.
A Centauro já estava acelerando a 10.000 quilômetros
por segundo.
— Vamos estragar o prazer deles de uma vez para
todas — disse Deringhouse com uma perigosa suavidade.
— Depois cuidaremos do Levtan, esse perigoso anjinho
da paz.
* * *
112
Contrariado, Perry Rhodan ergueu os olhos.
— O que houve? — perguntou em tom ainda mais
contrariado, mas no mesmo momento fez um gesto de
mão para entender que a qualquer momento estaria
disposto a falar com John Marshall.
— Um enviado da Federação Asiática solicita uma
audiência.
— Peça-lhe que fale com Bell — disse Perry
laconicamente. No momento não podia perder tempo
ouvindo as ciumeiras dos blocos de potências da Terra.
— Acontece que o enviado faz questão absoluta de
falar com o chefe da Terceira Potência. Não quer ir
embora.
— Pois eu o mando embora. Diga-lhe isto em termos
um pouco mais corteses.
Para Rhodan a interrupção havia chegado ao fim.
Entrou em contato com a gigantesca estação de rádio da
gigantesca metrópole de dois milhões de habitantes,
enquanto John Marshall, o telepata, se dispunha a sair.
— Ainda não chegou nada? — perguntou Rhodan em
tom impaciente.
— Não — soou a voz metálica da membrana.
Imediatamente Rhodan entrou em contato com os dois
cruzadores pesados.
— A Terra e a Solar System decolarão imediatamente.
Entrem em posição para uma transição a curta distância
em direção à órbita de Plutão. As ordens para o salto
serão dadas separadamente.
No mesmo instante o uivo potente provocado pela
decolagem das naves de duzentos metros irrompeu na
sala, apesar do isolamento acústico. Girou o botão e viu
que os cruzadores pesados, acelerando cada vez mais,
corriam em direção à camada de nuvens altas e
desapareceram na mesma.
Sua respiração era nervosa e pesada.
O que teria acontecido com a Centauro para lá da
órbita de Plutão? O que estariam tramando os
mercadores?
Será que ele e toda a Terra teriam se deixado envolver
numa trama dos saltadores?
Ainda não teria percebido a cilada?
Mais uma indagação dirigida à estação de rádio.
Nada.
O cruzador pesado Centauro, comandado por
Deringhouse, ainda não enviara nenhuma mensagem.
* * *
— São dois meteoros! — exclamou Deringhouse
bastante contrariado. Por que tinham que existir esses
blocos de metal, e por que tinham que possuir campos
magnéticos? — Vamos voltar ao calhambeque
enferrujado.
Perdera um tempo precioso. A Centauro teria que
mostrar do que era capaz.
O comandante olhou para o relógio. Assustou-se ao
ver que já era tão tarde. Refletiu ligeiramente se convinha
avisar Terrânia. Resolveu ficar quieto. Não havia
nenhuma novidade.
Os localizadores captaram a nave enferrujada.
Continuava no mesmo lugar.
Parecia que a Centauro iria abalroar o outro veículo a
toda velocidade. Os oficiais foram olhando para
Deringhouse. Nos olhares de todos havia a mesma
pergunta: Não vai frear?
Deringhouse pilotava a gigantesca esfera como se
fosse uma nave de um tripulante.
Subitamente as forças de frenagem rugiram na nave.
Mãos titânicas reduziram a velocidade do cruzador. Os
valores g subiram vertiginosamente, mas os
neutralizadores não permitiram que fosse ultrapassado o
valor g 1. Nenhum dos tripulantes sentiu a pressão
gigantesca produzida pela desaceleração.
Medonha e ameaçadora, fantasmagórica e silenciosa, a
Centauro voltou a aproximar-se da popa da nave dos
saltadores, chegando quase a tocá-la com seus campos
energéticos.
— Levtan pode vir a bordo — disse Deringhouse ao
telegrafista. — Não quero que venha numa nave; apenas
num traje espacial. Diga-lhe que providenciaremos um
transporte seguro. Enfatize a palavra seguro.
A mensagem foi irradiada. A confirmação do saltador
não se fez esperar. Logo a grande tela de visão global
mostrou que a pequena comporta da nave enferrujada se
abriu, deixando sair um homem que, envergando um traje
arcônida e empurrando-se, deslocou-se no rumo exato da
Centauro.
Foi quando o telegrafista anunciou a chegada de outra
mensagem.
— A Terra e a Solar System acabam de irradiar o sinal
de chegada para Terrânia a partir do ponto de salto da
transição de curta distância em direção à órbita de Plutão.
Naquele instante um imenso raio magnético expelido
pela Centauro apanhou o desconhecido e os imensos
campos energéticos da nave abriram-se por um instante
para que o mercador pudesse vir a bordo são e salvo.
“Ainda não tenho nenhuma informação para
Rhodan”, pensou Deringhouse, mas não pôde livrar-se da
impressão de que após o pouso levaria uma tremenda
bronca do chefe.
Da pequena comporta veio o aviso:
— Homem a bordo. Foi revistado. Não tem armas.
Deringhouse respondeu:
— Traga-o à sala de comando, acompanhado de
quatro homens e dois robôs de combate.
— Então realmente veio para negociar — disse James
Hugh.
Percebia-se pelo tom da sua voz que continuava
113
desconfiado, sem acreditar no que acabara de dizer.
Deringhouse também estava desconfiado.
3
A nave cilíndrica de Levtan, que media cento e
cinqüenta metros de comprimento, estava pousada ao lado
da Centauro. A Terra e a Solar System encontravam-se
nos seus pontos de decolagem, como duas naves que
nunca estiveram no espaço. Nada indicava que suas armas
fulminantes estavam apontadas para a Lev-XIV.
Ultimamente Perry Rhodan não costumava demonstrar
interesse em pôr Terrânia em perigo através da utilização
dos recursos mais radicais de que dispunha. A conferência
acabara de ser concluída.
Bell lançou um olhar insatisfeito para a nave dos
mercadores, pessimamente conservada.
— A impressão que Levtan me causou quando
apareceu na tela foi igual a essa nave. Nunca vi um sujeito
tão antipático — disse.
— Foi por isso que nosso voo para Árcon foi adiado
— disse Thora em tom agressivo, sem dar atenção ao
olhar repreensivo de Crest. Num gesto de desprezo, atirou
os lábios para frente. — A Lev-XIV não é e nunca foi
uma nave dos saltadores.
— Logo saberemos que tipo de nave é a Lev-XIV e
quem nos mandou Levtan — interveio Perry Rhodan.
Estas palavras puseram fim à discussão.
Deringhouse surgiu na porta acompanhado de dois
robôs de combate e entregou o forasteiro.
Um homem de baixa estatura com traços mongólicos
entesou o corpo quando viu os robôs desaparecerem. Com
um sorriso autoconfiante, inclinou-se diante do grupo de
homens.
Parecia desleixado como sua nave. E a Lev-XIV não
estava apenas enferrujada; fedia de tanta sujeira.
Thora torceu o nariz e recuou. Crest fitou o mercador,
demonstrando certo interesse científico. O rosto largo de
Bell revelou tudo àquilo que um diplomata nunca deve
revelar. Apenas Perry continuou o mesmo. Dominava a
situação. Ainda não se mostrava disposto a proferir seu
julgamento, pois não sabia o que trouxera Levtan à Terra.
Mas logo ficou sabendo. Não era à toa que os
melhores dentre os seus mutantes se encontravam nos
fundos da sala. John Marshall já estava lendo os
pensamentos de Levtan.
Crest dirigiu a palavra ao saltador:
— Levtan, o senhor não é um mercador. Já foi, mas
agora é apenas um pária, um elemento proscrito.
Um brilho traiçoeiro passou pelos olhos oblíquos de
Levtan. Olhando de baixo, examinou a figura alta do
arcônida.
— O senhor é de Árcon? — perguntou em tom
atrevido, em vez de responder à observação de Crest.
— O senhor é um pária — disse Crest, enfatizando a
afirmativa anterior, enquanto admitiu ser um arcônida.
Perry Rhodan recebeu a informação cochichada que John
Marshall lhe transmitiu.
— Levtan é um traidor, um desesperado e um
elemento proscrito. Suas ideias estão dominadas pela
torpeza, pela traição e pela intenção de praticar
chantagem.
Neste momento está refletindo sobre a maneira de
lograr-nos.
Perry Rhodan adiantou-se ligeiramente. Deu seu nome
a Levtan.
— Perry Rhodan... — repetiu o saltador proscrito e
envolveu o chefe da Terceira Potência com um olhar. —
Onde está a outra nave arcônida que o senhor possui,
Rhodan? Nunca acreditei nesse blefe. Sabia perfeitamente
que até hoje o Império só perdeu uma nave desse tipo.
Mas não se preocupe; saberei guardar seus segredos,
desde que consigamos entender-nos no terreno dos
negócios.
Perry não se alterou. Continuou a fitar Levtan com
uma expressão fria.
— Não tenho necessidade de blefar.
O atrevimento daquele saltador desleixado era
espantoso. Em tom petulante interrompeu Rhodan.
— Também eu não confessarei logo todas as mentiras
que soltar diante do senhor. Sua sorte, Rhodan, é que os
clãs ainda acreditam que o senhor dispõe de duas naves da
classe da Stardust. Bem, deixemos isto de lado...
John Marshall avançou, vindo dos fundos da sala.
Passou pelo chefe e só parou quando estava quase pisando
nos pés de Levtan.
Perry Rhodan achava que ainda era cedo para ensinar
boas maneiras a Levtan. Cochichou para Marshall,
ordenando-lhe que se limitasse a chocar o saltador com
um fato.
John Marshall reagiu imediatamente, embora já
tivesse outra frase na ponta da língua.
— Levtan, o senhor seria capaz de repetir a safadeza
com o clã de Gaxtek que o senhor praticou na estrela
Caster?
Todos ouviram a respiração pesada de Levtan, que
logo soltou um gemido burborejante e se abaixou como
um cachorro que acaba de levar um pontapé. Um olhar de
falsidade atingiu Marshall. Em tom odiento perguntou:
— Como soube disso?
— Vamos ao que importa Levtan — interveio Perry
Rhodan. O tom de sua voz não admitia réplica. — Por que
não nos chamou pelo hipercomunicador? Por que usou
aquela onda-tartaruga?
Agira propositadamente ao dar essa formulação à
pergunta. Era necessário robustecer por um curto lapso de
tempo a autoconfiança de Levtan. Os mutantes telepatas
ainda não tinham conseguido extrair todas as informações
de sua mente.
Com um sorriso arrogante Levtan respondeu:
— Não sou um idiota para chamar a atenção dos
saltadores por meio duma mensagem pelo
telecomunicador. Por causa do senhor em toda nave dos
saltadores há constantemente alguém ocupado com o
goniômetro. Bem, vamos ao que importa. Quero vender
uma informação, mas antes de entreter a ideia de fazer
este negócio com o senhor, tomei minhas precauções. Não
sou o único elemento proscrito de minha raça. Dois
amigos que também sabem do blefe a respeito da Stardust
aguardam meu regresso apenas por vinte e quatro horas
terrenas. Se não voltar, agirão. Então, Rhodan, vamos
fazer um negócio?
Marshall cochichou ao ouvido de Rhodan:
— Levtan está blefando. Pensa ininterruptamente nos
mercadores e vez por outra se lembra duma conferência
muito importante.
114
A palavra conferência produziu um choque em Perry
Rhodan.
— Tire tudo — disse a Marshall, enquanto Bell se
dirigia a Levtan:
— Nossos conversores são tão grandes que podem
acolher o senhor com todo o clã dos ciganos espaciais.
Por enquanto nossas intenções são pacíficas, saltador.
Mas não me venha mais com esses dois amigos que não
existem. Vamos...
Levtan não se deixou intimidar. A ameaça do
conversor não o impressionou. Com um olhar matreiro
contemplou a figura baixa de Bell.
— Ontem saltei duas vezes e hoje uma vez. Os
mercadores galácticos não estão dormindo. Se tiverem
medido o abalo estrutural, a esta hora podem encontrar-se
a caminho com uma pequena frota dos superpesados...
Foi quando interveio Tama Yokida, o telecineta que,
pela simples força de sua vontade, podia transportar
objetos pesados a qualquer lugar.
Queria que Levtan se aproximasse do teto.
Subitamente o pária, cujo rosto retratava o pavor,
começou a debater-se desesperadamente em busca dum
apoio, enquanto subia lenta e inexoravelmente em direção
ao teto.
— Devíamos deixar que morresse de fome lá em cima
— disse Bell em tom contrariado, fitando-o
prolongadamente. — Levtan, diga logo o que tem a nos
oferecer, senão vamos tratá-lo pela forma como os
mercadores costumam tratar seus prisioneiros.
Tama Yokida, um japonês de estatura média que
estudava astronomia até que Perry Rhodan teve
conhecimento de suas qualidades de mutante e o
incorporou ao seu exército, manteve-se imóvel nos fundos
da sala e sustentava o pária Levtan no teto.
Marshall transmitiu esta informação ao chefe:
— Está amolecendo; já não pensa em truques. Já não
tem certeza se sua informação vale alguma coisa para nós.
Em algum lugar da galáxia está havendo uma reunião
extraordinária dos mercadores.
Perry Rhodan percebeu a oportunidade. Assumiu o
comando das negociações com o pária dos saltadores. Por
intermédio de Marshall ordenou a Yokida, o telecineta,
que fizesse Levtan descer ao chão.
O mercador, apavorado, desceu devagar, que nem um
balão. Quando se viu novamente de pé, passou a mão pela
calva suarenta, enxugou a mão na barba rala e soltou um
forte gemido.
— Levtan — principiou Rhodan em tom calmo — o
senhor está precisando de auxílio. Dar-lhe-emos todos os
recursos de que sua nave está precisando. Em
compensação o senhor nos dará todas as informações
sobre a reunião dos mercadores galácticos.
Era uma atitude típica de Perry Rhodan. Dava a
impressão de ter jogado o melhor trunfo, quando na
verdade apenas acabara de apresentar a carta mais baixa.
— Preciso de armas — rangeu a voz de Levtan,
enquanto seus olhos brilhavam numa expressão
gananciosa.
No mesmo instante soltou um grito de pavor e recuou
até a porta. Um homem se fez diante dele. Um homem
pequeno e franzino com rosto de criança surgiu do nada.
Esse homem, que era japonês como Yokida, seguiu
Levtan de perto.
— As armas não são o que mais preciso — retificou o
pária apressadamente. Ao que tudo indicava, não estava
disposto a arriscar um contato mais estreito com aquele
homem franzino. — Com todos os patriarcas, isso é uma
coisa horrível...
— Ainda não está sendo bem sincero, chefe —
cochichou John Marshall ao ouvido de Perry Rhodan.
— Faça Ras Tshubai entrar em ação — ordenou
Rhodan.
O pavor de Levtan subiu ao infinito. No instante em
que o homem franzino dava o último passo em sua
direção, um homem alto e esbelto, de tez escura, fez-se do
nada.
— Meu nome é Ras Tshubai, Levtan. Quer que lhe
apresente meus amigos?
— Está maduro, chefe — anunciou Marshall.
— Levtan — disse Rhodan num tom que revelava a
maior indiferença. — Dou-lhe um minuto para oferecer
sua mercadoria. Se não me oferecer tudo, mas apenas uma
parte, farei com que os mercadores saibam do nosso
encontro.
Foi quando John Marshall interveio bastante nervoso:
— Chefe, na reunião dos mercadores galácticos o
patriarca Etztak apresentará um relatório sobre o senhor.
Perry Rhodan, o “reator psíquico instantâneo”, ainda
acrescentou o seguinte às palavras destinadas a Levtan:
— Acho que Etztak ficaria muito satisfeito em tirar o
senhor da Lev-XIV. Não é da mesma opinião?
O pária quase desmoronou. Teve que reunir todas as
forças para manter-se de pé. Estava satisfeito em ver que
o negro e o homem franzino o seguravam de um lado e de
outro, mas quando quis apoiar-se nos mesmos, pegou no
vazio e viu-se só.
Logo viu os dois homens, que num pestanejar saíram
de junto dele, dissolvendo-se no nada, parados junto à
janela, atrás do extenso grupo que ali se encontrava.
— Eu... eu... — fungou, cambaleando e comprimindo
as têmporas — direi tudo. Não quero negociar.
— Vamos logo! — disse Perry Rhodan
laconicamente, lançando-lhe um olhar enérgico.
* * *
Em Terrânia surgiu uma nova Lev-XIV.
Perry Rhodan colocara mais de trezentos robôs sobre a
nave arruinada. Mostrava-se tão generoso para com
Levtan, o pária, que até Bell se espantou e chegou a
resmungar:
— Não precisa dar um presente de milhões a esse
traidor.
Rhodan lançou um olhar pensativo para o amigo.
— Você ainda se lembra de que eu estava disposto a
dar um reino por uma boa ideia?
— E daí? Não venha me dizer que esse cigano das
estrelas lhe trouxe uma boa ideia com sua traição. Será
que pretende conquistar o planeta em que os patriarcas
vão conferenciar sobre nossa destruição?
— Isso mesmo.
— Dou um reino por uma cadeira — fungou Bell,
lançando os olhos em torno sem encontrá-la. — Perry, a
piada que você acaba de fazer é tão infame como a que
Aquilo ou Ele fez conosco, ao bancar o frio e não permitir
que atravessássemos os campos energéticos do Peregrino.
115
Quer conquistar um planeta? Com quê? Com nossa frota
liliputiana? Acha que com ela poderá enfrentar os
mercadores?
— Talvez possamos conquistar um planeta com outros
meios que não sejam uma frota espacial — respondeu
Perry sem abalar-se. Sorriu para Reginald Bell e virou-se
para cumprimentar Kitai Ishibashi.
Perplexo, Bell seguiu o amigo com os olhos.
— Um reino por uma boa idéia. É verdade, era o que
Perry estava disposto a dar. E agora dá um presente de
milhões a esse cigano. Um reino é uma coisa muito cara.
Mas, caramba, como será que Perry pretende agarrar os
patriarcas sem lançar mão da frota?
Viu Perry ao lado de Kitai Ishibashi, o sugestor, a
falar com o mesmo. Mas não se deu conta do ovo de
Colombo.
* * *
O alarma foi suspenso.
Os amigos mais chegados de Rhodan imploraram para
que não se arriscasse a tanto.
Perry mantinha-se calado, mesmo diante de Bell. Mas
Reginald Bell conhecia o amigo; sabia que o mesmo
obrigava uma ideia a adquirir forma definitiva.
Depois de algum tempo, Rhodan procurou Crest, o
arcônida. Conversou com ele. O chefe da Terceira
Potência fez de conta que o perigo que os mercadores
galácticos representavam nem existia.
Quando Rhodan despediu-se de Crest, este pensou que
tivesse tido um dos raros bate-papos com o mesmo.
Enquanto se dirigia ao Dr. Frank Haggard, o
descobridor do soro anti-leucêmico que salvara a vida de
Crest depois do malogrado pouso da nave arcônida na
Lua, Rhodan encontrou-se com Bell.
— Aonde vai, Perry?
— Vou falar com o Dr. Haggard.
— E onde esteve?
— Acabo de falar com Crest.
— Está com pressa, Perry? Também estou.
Com um sorriso, Perry viu o amigo baixote afastar-se.
Sabia o que estava afligindo Bell: procurava adivinhar o
plano que ele, Rhodan, concebera para afastar o perigo
que ameaçava a Terra. E Reginald iria procurar Crest,
para ver se conseguia extrair alguma informação do
mesmo.
Também o Dr. Frank Haggard surpreendeu-se em ver
Perry Rhodan tão loquaz. E nem desconfiou quando,
pouco depois, Reginald Bell apareceu e procurou saber
sobre o que haviam conversado. Dispôs-se logo a dar a
informação.
Mal-humorado, Bell foi ao seu escritório. Não
conseguira descobrir nada de concreto. Não atribuiu
maior importância à conferência dos mutantes com o
chefe.
“Deve ser um encontro de rotina”, pensou.
Acontece que, no curso dessa conferência, o plano de
Perry Rhodan assumiu forma definida.
Com um gesto disfarçado, Kitai Ishibashi enxugou o
suor da testa. O sugestor japonês, um homem alto e
magro, parecia totalmente esgotado. Tivera uma tarefa
imensa diante de si. E agora já a deixara para trás.
Acabara de impor sua vontade aos quarenta indivíduos
que compunham a tripulação da Lev-XIV a tal ponto que
todos, inclusive o sagaz Levtan, acreditavam que cada
ato, cada pensamento, cada palavra seria produto de sua
vontade espontânea.
Sugerira-lhes uma quantidade imensa de dados,
implantados na mente de cada um, como se fossem uma
engrenagem complicada. Perry Rhodan acabara de
realizar, em sua presença, o ensaio geral com Levtan.
Tudo correra conforme fora previsto.
— Obrigado, Ishibashi — disse Perry Rhodan em tom
cordial, apertando-lhe a mão. — Acontece que o senhor
tem outras tarefas diante de si...
O plano genial, que passaria à história da humanidade
com o nome de Lance Galático, ainda estava sendo
aperfeiçoado nos seus detalhes.
* * *
Com a precisão dum rastreador estrutural, os fatos se
foram conjugando. De repente Bell notou a falta de Tako
Kakuta, o teleportador. Antes que pudesse formular uma
pergunta a respeito, deu-se conta de que fazia vários dias
que não via John Marshall e Tama Yokida.
— Onde estão eles? — gritou pelo intercomunicador.
— Será que entendi bem? Kakuta, Marshall e Yokida
foram internados na clínica, no setor particular de
Haggard?
Realmente estavam internados na clínica. Reginald
Bell pegou um carro e foi até lá.
Em companhia do Dr. Haggard viu-se diante de três
camas, estacou, lançou mais um olhar e resmungou em
voz baixa para o médico:
— Pedi para ver nossos mutantes, não esses ciganos
das estrelas.
— Acontece que são nossos mutantes — afirmou o
Dr. Haggard com a maior tranqüilidade.
Bell não estava num dia de bom humor.
— Dr. Haggard — disse em tom áspero.
No mesmo instante o paciente desapareceu de uma das
camas, enquanto o doente surgiu do nada diante de
Reginald Bell.
Bell nem chegou a engolir em seco.
— Kakuta! — berrou, e suas mãos volumosas estavam
a ponto de agarrar o japonês franzino, que parecia ser um
dos ciganos estelares da nave de Levtan.
Mas suas mãos agarraram o vazio. Num segundo
pulinho, Tako Kakuta teleportara-se de volta para a cama.
— Estou doente! — gritou Kakuta, sorrindo.
Aquele homenzinho, que já se permitira várias
brincadeiras com Bell, sabia ser prudente. Conhecia o
temperamento do outro.
— Ainda lhe torço o pescoço — gritou Bell. Com um
olhar pouco gentil para o Dr.Haggard, saiu ruidosamente.
Aos poucos uma luz foi surgindo em seu espírito.
Começou a compreender o plano de Rhodan, mas não
acreditava muito no mesmo. Uma vez no corredor, disse
de si para si:
— É o gesto desesperado do homem que procura
agarrar-se numa palha para não morrer afogado.
* * *
Reginald Bell foi a Pequim na qualidade de
representante de Perry Rhodan. A Federação Asiática
acreditava ter motivos de queixa por causa das violações
cometidas pelo Bloco Ocidental.
Consumira três dias nas negociações e conferências da
116
Federação Asiática. Durante três dias aborrecera-se com
as ninharias, que não guardavam a menor proporção com
o perigo que ameaçava a Terra. O Bloco Ocidental tivera
sua parcela de culpa na contrariedade manifestada pela
Federação Asiática.
Bell falara com língua de anjo. Mas ao anoitecer do
terceiro dia de conferências intermináveis, quando
percebeu que não avançara um passo, sua paciência
chegou ao fim.
Perry Rhodan não poderia ter enviado a Pequim um
representante menos diplomata que Reginald Bell.
De qualquer maneira, o método de Bell foi coroado de
êxito. Quando, na sala de conferências, entrou em contato
com Washington, para onde também transmitiu uma série
de observações nada amáveis, pôde ir à cama pela meia-
noite, dizendo: “Finalmente!”
Voltou para Terrânia num destróier.
Pilotou-o pessoalmente. Nunca se privava desse
prazer. O comandante estava sentado na poltrona do
copiloto.
Bell estava muito bem-humorado.
O suor brotava de todos os poros do comandante do
destróier, que quase não conseguia respirar. Na sua
imaginação já se via estatelado no chão juntamente com
seu destróier.
Numa velocidade incrível, Bell realizou uma descida
íngreme junto ao campo de pouso.
— Senhor...
— O que houve desta vez? — disse Bell com um
sorriso que cobria toda a largura de seu rosto, olhando
para o copiloto.
As energias tremendas da frenagem seguraram o
destróier, levando-o à imobilidade. Bell colocou a nave na
horizontal. Com um solavanco quase imperceptível a
mesma pousou.
— Finalmente estamos em casa — disse Bell,
contemplando o espaçoporto. Já se esquecera de que com
seu pouso prenunciador de catástrofe pregara um susto
mortal ao comandante.
Inclinou-se precipitadamente para frente e fitou a área
de pouso do couraçado.
A Stardust-III havia desaparecido. Não conseguiu
descobrir o veículo esférico de oitocentos metros de
diâmetro, o couraçado de Perry.
— Onde está Rhodan? — berrou para dentro do
microfone.
— Em Vênus — soou a resposta vinda do alto-falante.
* * *
Só havia um meio de realizar o plano de Perry Rhodan
com alguma chance de sucesso: através do cérebro
positrônico instalado em Vênus.
O cérebro positrônico fora instalado há muitos
milênios pelos arcônidas no interior duma montanha
rochosa. Esquecido por essa raça, foi redescoberto por
Rhodan, que várias vezes o utilizara.
Mais uma vez viu-se diante do mesmo. Sozinho diante
do gigantesco painel introduziu uma sequencia quase
infinita de dados no cérebro-mamute.
Durante o voo para Vênus conversara horas a fio com
Crest. Falavam exclusivamente nos mercadores
galácticos, seus clãs e suas leis.
O cérebro positrônico informou-o de que dentro de
vinte e quatro horas poderia obter a resposta.
Aguardou pacientemente que esse prazo se esgotasse.
Mais uma vez viu-se sozinho diante do cérebro
positrônico, calmo e descontraído. Pensava nos
mercadores, que representavam o maior perigo que a
Terra já enfrentara.
Eram uma raça tão antiga como a dos arcônidas. Mas
nos espaços interestelares passaram a constituir uma raça
distinta, criando leis destinadas a evitar a ruptura dos elos
fracos que os uniam.
Uma lei antiquíssima determinava que um indivíduo
proscrito só poderia ser readmitido nos clãs dos
mercadores, se realizasse algo de extraordinário, que
trouxesse uma vantagem considerável para toda a raça dos
mercadores.
O cérebro forneceu a solução do problema.
As mãos de Perry não tremiam enquanto lia os
cálculos precisos e reconhecia os problemas que ainda
teria de solucionar.
Dali à uma hora a Stardust-III iniciou sua viagem de
volta à Terra.
Chegou há Terrânia meia hora depois do regresso de
Bell.
* * *
Kitai Ishibashi, o sugestor, batizara seu método de
processos por camadas. Perry Rhodan interrompeu-o.
— Ishibashi, não podemos assumir o menor risco. O
que está em jogo é muito valioso. Desta vez confio
exclusivamente na sua capacidade. A sugestão profunda
deve atingir não apenas Levtan, mas todos os tripulantes
de sua nave. Entendido?
— Entendido.
— Pois venha comigo. Levtan está esperando por mim
na sala ao lado. Pedi que comparecesse para uma troca de
ideias.
* * *
A força sugestiva de Kitai Ishibashi foi penetrando
cada vez mais profundamente na mente de Levtan.
Rhodan observava os dois.
O sugestor impunha a vontade estranha à mente do
mercador proscrito por camadas sucessivas. Acabara de
falar com Perry Rhodan a respeito de transplantes — mais
precisamente, do transplante duma faixa de pele sadia
sobre uma grande área queimada do corpo.
À vontade e a força de representação de Ishibashi
transformaram-se na mente, num saber por ele mesmo
assimilado e experimentado. Perdeu o caráter estranho,
identificando-se com o pária.
Levtan viu o centro de armamentos de Perry Rhodan,
situado em Vênus. Eram gigantescas cavernas escondidas
sob a rocha, que se estendiam por centenas de
quilômetros, e abrigavam um enorme estaleiro espacial,
de cujas fitas de montagem saía a cada hora uma
imensidade de robôs e de armamentos.
E a vontade de Kitai Ishibashi apresentou-lhe quadros
imaginários dum espaçoporto situado em Vênus, instalado
abaixo do solo e protegido por campos energéticos,
enormes comportas e quilômetros de rocha. Viu mais de
cem cruzadores do tipo da Terra e da Solar System e vinte
e duas naves do tipo da Stardust-III.
117
Perry lançou um olhar insistente para Kitai Ishibashi.
O japonês parecia dormir. Ligeiramente inclinado na
poltrona, estava com as mãos entrelaçadas e os olhos
fechados. Nenhum movimento do rosto traía os esforços
imensos que pesavam sobre ele.
De repente Ishibashi abriu os olhos e informou
Rhodan de que ele, o chefe da Terceira Potência, teria que
encarregar-se de Levtan.
Perry olhou para o relógio.
Um minuto se passara desde o instante em que
Ishibashi iniciara o tratamento do pária. Este despertou da
sugestão e respondeu à pergunta de Rhodan, que foi a
única coisa que ouviu antes do tratamento.
— Está certo — respondeu o chefe da Terceira
Potência com a voz tranquila. — Pode decolar dentro de
três dias, Levtan. Acho que fez um bom negócio, não fez?
Sabia perfeitamente o que Levtan estava pensando. O
saltador proscrito via em sua mente a base fictícia de
Vênus. A frota de mais de cem cruzadores pesados e vinte
e duas naves de oitocentos metros de diâmetro. Era uma
armada de supercouraçados.
Comparou esse poderio com o valor da notícia com
que traíra sua raça e não pôde deixar de responder
afirmativamente à pergunta de Rhodan. Mas logo seu
caráter traiçoeiro veio à tona:
— ...mas o senhor também teve seu lucro, Rhodan.
Seus robôs examinaram todos os cantos de minha nave.
Aposto que encontraram muita coisa que o senhor ainda
não conhecia. Como...?
— Tenho a impressão de que o senhor ainda faz um
juízo muito elevado a seu respeito, Levtan. Afinal, é um
proscrito. A presunção é o último dos passos que
conduzem ao abismo...
— O senhor com suas vinte e duas naves do tipo da
Stardust pode falar grosso — disse Levtan em tom
odiento. O tom de sua voz revelava a mais pura inveja.
Mas no mesmo instante voltou-se no mercador hábil e
experimentado. — De qualquer maneira, por enquanto me
livrei do aperto. Quer dizer que dentro de três dias poderei
decolar.
— O senhor terá que decolar, Levtan — avisou
Rhodan, levantando-se. — Hoje os quatro tripulantes de
sua nave que adoeceram receberão alta.
— Amanhã — interrompeu Kitai Ishibashi, que se
sentia tão exausto que hoje preferia não realizar mais que
uma sessão.
Sabia que com isso poderia subverter o cronograma de
Perry Rhodan. Engoliu o suspiro de alívio que esteve para
soltar quando este retificou suas palavras.
— Compreendo — respondeu Levtan com um olhar
traiçoeiro. — Somos expulsos. Da Terra não esperava
mesmo um tratamento diferente.
* * *
O Dr. Frank Haggard convocou toda a tripulação da
Lev-XIV para comparecer à clínica. Só Levtan foi
dispensado; já havia sido submetido ao tratamento.
— Para que tanta vacina? — resmungou um dos
saltadores. — Afinal, para que serve isso?
Haggard fez uma ligeira exposição.
Cada vacina demorava um minuto. Era o tempo
suficiente para que Kitai Ishibashi aplicasse a cada
tripulante seu tratamento por camadas.
Ele mesmo era o último paciente.
Ainda não tinha o aspecto dum cigano estelar.
Deitou calmamente na mesa de operações e entregou-
se à arte médica arcônida do Dr. Haggard. Tinha certeza
de que nenhum dos tripulantes da Lev-XIV ficaria
desconfiado pelo fato de que um dos quatro doentes da
nave saíra da clínica um dia depois dos outros.
A última coisa que Kitai Ishibashi sentiu quando foi
envolvido pela anestesia foi à música vinda dum mundo
irreal.
4
Vinte dias depois de ter pousado em Terrânia, a Lev-
XIV decolou do espaçoporto e subiu lentamente ao céu
límpido do deserto de Gobi.
Levtan, o saltador, que fora expulso da comunhão dos
clãs dos mercadores, deixava a Terra com sua tripulação,
aumentada de quatro elementos, a fim de trair Perry
Rhodan.
Era este o grande lance galáctico.
* * *
O campo energético protetor voltara a fechar-se sobre
a metrópole de dois milhões de quilômetros enquanto a
Lev-XIV ia diminuindo. Nada indicava o estado de
alarma.
Este foi proclamado pelo próprio Rhodan.
As salas de comando das quatro naves de grande porte
de sua frota receberam as horas de decolagem.
Decolagem dentro de duas horas.
Nunca a curiosidade quanto ao destino duma viagem
fora tamanha.
— Avançar até a órbita de Plutão à velocidade da luz
— ordenou Rhodan.
Era o rumo que a nave de Levtan acabara de tomar.
Será que Perry Rhodan pretendia seguir o pária a uma
distância segura, a fim de descobrir para onde o mesmo
iria? Será que não confiava nas informações que seus
telepatas haviam extraído da massa cinzenta de Levtan?
Não estaria acreditando na grande conferência dos
patriarcas no sistema 221-Tatlira?
221-Tatlira.
Os gigantescos mapas estelares da Stardust-III não
registravam nenhum sistema com esse nome. Mas
descobriram os dados no catálogo da Lev-XIV.
A hora da decolagem chegou.
Mais uma vez Rhodan pilotou a Stardust-III. As naves
Centauro, Terra e Solar System seguiram na sua esteira.
Desenvolveram velocidade inferior à da luz até
atingirem a órbita de Plutão.
A tensão parecia estalar no interior de cada nave.
Nenhum dos homens estava acostumado a essa viagem
em velocidade de tartaruga.
Notou-se a falta de quatro membros do Exército de
Mutantes: John Marshall, o telepata, Tako Kakuta, o
teleportador, Kitai Ishibashi, o sugestor, e Tama Yokida,
um indivíduo muito retraído, no qual ninguém
desconfiaria um telecineta de potência extraordinária.
Perry Rhodan não permitiu que lhe formulassem
perguntas.
Mais uma vez transformara-se no polo que irradiava
118
tranquilidade em todas as direções. Apenas uma pessoa
não acreditava nessa tranquilidade aparente: era Reginald
Bell. Mas este se manteve calado.
Por dentro, Perry Rhodan ardia como um vulcão no
momento da irrupção.
O chefe da Terceira Potência envolvera-se na maior e
mais perigosa das aventuras de sua vida. Durante toda a
existência da Terra, a existência da mesma nunca estivera
por um fio tão delgado como naqueles dias e nos que se
seguiriam.
Os postos de observação da Stardust-III não perdiam o
controle sobre a nave dos mercadores.
Ao atingirem a órbita de Plutão, as quatro naves
pararam e mantiveram-se imóveis no espaço.
— Vamos esperar aqui — disse Rhodan
laconicamente.
Encontrava-se diante do grande cérebro positrônico.
Vez por outra lançava um olhar pensativo para o
gigantesco painel.
Todos procuravam manter-se afastados do chefe,
inclusive Bell.
Havia uma coisa muito importante no ar.
Teria Perry Rhodan aguardado a transição da nave dos
saltadores?
Os rastreadores estruturais acabaram de medir um
salto. Rhodan ordenou em voz alta:
— Tragam-me todos os dados.
Os dados chegaram, e Rhodan introduziu-os no
cérebro positrônico.
Bell e as outras pessoas que se encontravam presentes
observavam-no. Não entendiam a finalidade do trabalho
apressado, mas preciso de Rhodan.
Este moveu outra chave.
O cérebro positrônico da Stardust-III estava acoplado
aos cérebros dos três cruzadores.
O resultado chegou, e chegou simultaneamente na
Terra, na Solar System e na Centauro.
— Saltaremos dentro de três segundos — gritou
Rhodan para dentro do microfone.
A contagem automática de tempo foi iniciada
simultaneamente nas três naves.
O resultado fornecido pelo cérebro positrônico dera
origem a milhares de ligações em cada uma das naves.
E as quatro naves saltaram ao mesmo tempo através
do hiperespaço.
Por meio dum desempenho energético inconcebível,
as gigantescas esferas foram retiradas do universo normal
e trasladadas para o hiperespaço, que continuava a ser um
mistério inacessível à mente humana. Dessa forma eram
atiradas, no chamado tempo zero, por distâncias enormes,
para voltarem ao ser no fluido espacial com que estavam
familiarizadas.
Como sempre, Perry Rhodan foi o primeiro a
despertar do estado de semiconsciência. Recuperando-se
imediatamente do choque provocado pela transição, tinha
concluído o exame dos instrumentos mais importantes
quando os outros retornavam lentamente ao mundo da
realidade.
— Um sistema semelhante ao sistema solar. Distância
da Terra, mil e doze anos-luz. Sete planetas. Um deles, o
segundo, figura no catálogo dos saltadores como o planeta
de Goszul — Perry Rhodan apontou para a tela de visão
global da Stardust-III, onde o brilho de uma estrela de
primeira grandeza superava o de todos os sóis.
Notou o olhar indagador de Bell.
— Localização — gritou nesse instante uma voz
áspera.
Rhodan voltou-se tranquilamente para o oficial que
servia o instrumento de observação:
— Se for apenas um objeto, deve ser a Lev-XIV.
Levtan, o pária, está a caminho do planeta de Goszul, a
fim de revelar aos patriarcas dos saltadores o poderio de
nossa frota. É apenas um objeto?
— Apenas um — gaguejou o homem, perplexo diante
da segurança de Rhodan. — Desloca-se à velocidade de
duzentos e cinquenta mil quilômetros por segundo em
direção ao segundo planeta, mas...
— Mas o quê? — perguntou Rhodan laconicamente.
— E o nosso salto? Os rastreadores estruturais dos
mercadores devem ter registrado o abalo espacial.
Perry Rhodan foi para junto dele e colocou-lhe a mão
sobre o ombro. Com uma insistência quase hipnótica
disse:
— A Lev-XIV teve que realizar dois saltos para
vencer uma distância superior a mil anos-luz. O segundo
salto da Lev-XIV coincidiu com nosso salto. Se tivemos
sorte, os mercadores constataram apenas uma transição
nas imediações. Depois disso só falta que descubram o
pária, para que saibam quem deu o pulo.
Tiveram sorte.
5
Levtan torceu-se depois de vencer o choque da
segunda transição, quando viu na tela a estrela fulgurante
e percebeu que se tratava da 221-Tatlira.
Sentiu-se tomado de pânico, de medo dos patriarcas
dos mercadores galácticos, que há anos o expulsaram das
suas fileiras porque viam nele um elemento desonesto.
Fez com que a Lev-XIV se deslocasse em direção ao
segundo planeta a oitenta por cento da velocidade da luz.
Não ouvia o que os membros do clã lhe diziam. Olhava
constantemente para o aparelho de observação. Tinha o
rosto desfigurado. Não sabia se estava voando para a
morte, ou se voltaria a ser admitido na comunidade dos
mercadores.
— Deixe-me em paz! — berrou para seu sobrinho,
que se encontrava no assento do copiloto. — Quem está
pilotando esta nave sou eu. A nave é minha, e eu sou o
comandante.
Seus berros foram ouvidos três cabines adiante. Logo
atrás da sala de comando sete homens estavam sentados
num pequeno recinto, que graças à generosidade de
Rhodan fora instalado luxuosamente e oferecia todas as
comodidades.
Estava sendo ocupado pelos mutantes de Rhodan.
Kitai Ishibashi não teve a menor dificuldade em sugerir
aos párias que lhes oferecessem esse recinto.
Olhavam-se disfarçadamente.
— O velho está enlouquecendo — disse John
Marshall em tom indiferente, lidando na regulagem de
precisão de seu agregado audiovisual.
— Tomara que isso dê certo — cochichou Kakuta e
estava falando sério. Descobrira em sua tela alguns pontos
119
que um segundo antes não estavam lá.
— Estão chegando! — berrou Levtan na pequena sala
de comando.
— São seis — disse Tako Kakuta tranquilamente.
Ninguém respondeu. Mas Levtan voltou a gritar na
sala de comando:
— Um couraçado espacial! Um couraçado espacial!
Os receptores da Lev-XIV estavam ligados a todo
volume. A mensagem do couraçado foi ouvida até a popa
da nave dos párias:
— Nave que se aproxima, qual é o número de
registro? Qual é o clã? Queira fornecer o código.
Mais uma vez Levtan sentiu-se tomado de pânico. Em
vez de responder, de fornecer qualquer explicação,
modificou o curso da nave, acelerou ao máximo e fez uma
curva para bombordo.
Um raio ofuscante saiu das profundezas do espaço e
procurou atingir a Lev-XIV.
Uma boa estrela estava protegendo o pária. Foi só
graças à repentina mudança de rota que não se
transformou numa nuvem de gás juntamente com a Lev-
XIV.
O tiro seguinte do couraçado também não acertou no
alvo.
Levtan quase chegou a colocar a nave de cabeça para
baixo. Na cabine situada junto à sala de comando sete
homens engoliam em seco. Viam o sol 221-Tatlira correr
loucamente pela tela e desaparecer na margem superior da
mesma.
Os reatores da nave zumbiram, da sala de máquinas
veio um som agudo, os propulsores funcionaram ao
máximo de sua capacidade e aceleraram a nave quase até
o limite da velocidade da luz.
— Quero ver se lá fora está caindo neve — disse
Marshall e levantou-se.
— Não se esqueça de levar um agasalho — gritou
Dorget, um dos membros do clã.
— Vou com você — disse Kitai Ishibashi, fez uma
volta em torno de dois homens e, uma vez no corredor,
acompanhou Marshall.
Limitaram-se a trocar um olhar.
Ninguém contara com o incidente. Nem mesmo Perry
Rhodan.
Os campos energéticos da Lev-XIV deviam ter sido
atingidos por um dos raios disparados pelo couraçado
espacial. Por um instante não houve energia para os
neutralizadores gravitacionais da nave. Todos os
ocupantes da nave tiveram a impressão de que iriam
arrebentar sob o impacto das forças tremendas que
subitamente desabaram sobre eles.
O perigo passou, mas dois dos três campos energéticos
da nave mercante ainda não haviam sido restaurados.
Na sala de máquinas ouviu-se gente praguejando.
— Levtan está louco de medo. Não sabe o que está
fazendo — disse Marshall, dirigindo-se ao sugestor. Logo
voltou a concentrar-se sobre os pensamentos do pária.
Kitai Ishibashi sobressaltou-se. Teria cometido um
erro? Será que o tempo de sugestão não fora suficiente?
— Tenho que entrar na sala de comando — cochichou
Marshall para o companheiro, desviando-se do sobrinho
de Levtan, que saiu praguejando da sala de comando e
correu para a sala de máquinas.
A escotilha que fechava a sala de comando continuava
na mesma posição quando Marshall entrou.
Ninguém lhe deu atenção. Todos estavam de olhos na
tela. Além de Levtan havia quatro pessoas na sala.
No cérebro do comandante dos párias, Marshall só leu
o pânico e alguns fragmentos de pensamentos confusos.
Se Kitai Ishibashi não interviesse com suas forças
mentais, dentro de um minuto eles e a Lev-XIV se teriam
transformado numa nuvem de gases.
Três relampejos simultâneos surgiram na tela. Os
destróieres dos mercadores estavam intervindo na luta.
Tinham uma superioridade total sobre a nave mercante.
Naquele instante um dos parentes mais próximos de
Levtan saltou para frente, quase arrancou o comandante
do assento e gritou para o rosto desfigurado do mesmo:
— Seu covarde! Diga-lhes por que viemos. Vamos
logo, seu idiota! Quer que sejamos transformados num
sol?
John Marshall não viu mais nada.
Uma luz diabólica saíra da tela, um raio disparado nas
proximidades. Felizmente não acertou.
— Fale logo! — gritaram para Levtan. Duas mãos
seguraram sua cabeça e empurraram-na em direção ao
microfone de hipercomunicação. — Vamos, diga agora.
O nome de Perry Rhodan foi mencionado. Mais uma
vez. Aludiu-se a uma base instalada em Vênus, a uma
frota imensa de cruzadores e a vinte e duas naves do tipo
da Stardust-III.
Lá fora, Kitai Ishibashi parecia sonhar diante da
escotilha da sala de comando. Não havia o menor
movimento em seu rosto que revelasse que estava
intervindo na luta, uma luta que a qualquer segundo
poderia significar a morte.
Sua energia sugestiva venceu uma distância de
quarenta mil quilômetros, rompeu os campos energéticos
dum couraçado espacial e penetrou no cérebro do
comandante.
Kitai Ishibashi não tinha a menor ideia de que naquele
instante o nome de Perry Rhodan caiu pela primeira vez
em meio às palavras balbuciadas por Levtan. Admirou-se
com a facilidade com que esse comandante podia ser
influenciado. Chegou quase a sentir fisicamente o
desmoronamento das defesas espirituais e a absorção
ávida de suas forças sugestivas.
Procurou ininterruptamente inocular no cérebro do
comandante do couraçado a ideia de que devia instruir os
destróieres a não lançar novos ataques.
Mais uma vez Kitai Ishibashi recorreu ao método de
sugestionamento por camadas. Esse método era mais
demorado, mas quando havia algumas camadas
homogêneas superpostas, estas deixavam de ser um corpo
estranho na mente do indivíduo. O comandante da nave
dos mercadores estava convencido de que agia por livre
vontade quando transmitiu pelo telecomunicador a
instrução destinada aos destróieres:
— Suspender os ataques! Escoltar o pária Levtan.
Aguardar licença de pouso para a Lev-XIV.
O grito que Levtan soltou na sala de comando
despertou Kitai Ishibashi dos seus sonhos. Respirou
profundamente por algumas vezes, passou as mãos pelos
olhos e, encurvado, dirigiu-se à sua cabine.
— Então? — cumprimentou-o o teleportador com um
sorriso. — Lá fora ainda está caindo neve?
Com a voz indiferente, como se apenas tivesse olhado
120
o tempo, Kitai Ishibashi respondeu:
— Já parou. Mas logo vai começar de novo.
* * *
Longe da Stardust-III e dos três cruzadores, as naves
dos mercadores caçavam a Lev-XIV.
A gigantesca tela de visão global da Stardust-III não
mostrava nada. A distância era muito grande. Mas os
instrumentos ultrassensíveis reagiam fortemente. Toda
vez que os ponteiros disparavam escala acima, um raio
desintegrador havia sido disparado em direção à Lev-
XIV.
Na sala de comando da Stardust reinava um silêncio
mortal.
Rijo como uma estátua, Perry Rhodan mantinha-se
diante do grande painel, observando os instrumentos.
— Por que será que Kitai Ishibashi não intervém? —
perguntou bastante nervoso.
— Como pôde acontecer um imprevisto desses? Quem
havia de dizer que Levtan seria estúpido a ponto de não
responder ao chamado da grande nave dos mercadores?
O hipercomunicador captou a mensagem.
Ouviram-se palavras balbuciadas, mas o tom de voz
de Levtan era inconfundível.
— Que covarde miserável! — praguejou Bell.
A covardia do pária poderia representar o fim do lance
galáctico de Perry Rhodan e de quatro dos seus melhores
mutantes.
Mais cinco raios de desintegrador estenderam-se em
direção à Lev-XIV. Instintivamente Perry conteve a
respiração. Fitou três instrumentos próximos.
Quando chegaria outro movimento do ponteiro, o
maior de todos, indicando que a Lev-XIV se transformara
numa nuvem de gases?
Mais uma vez o receptor de hipercomunicação voltou
a soar.
— Suspender os ataques! — rangeu a voz no alto-
falante. — Escoltar o pária Levtan. Aguardar licença de
pouso da Lev-XIV.
Uma das pessoas que se encontravam na sala de
comando respirou ruidosamente.
— Depois do pouso nossos mutantes serão
desmontados...
Perry Rhodan virou-se abruptamente para a pessoa
que acabara de pronunciar estas palavras.
O jovem oficial-telegrafista que soltara a observação
enrubesceu e inclinou o rosto sobre o quadro de
instrumentos.
Perry Rhodan deu-se conta do fato de que nem Bell
estava informado sobre seu plano.
— Nossos mutantes não serão desmontados —
declarou com a voz calma, enquanto seus olhos cinzentos
pareciam expedir um ligeiro sorriso. — Os tripulantes da
Lev encontram-se sob uma influência sugestiva e não
sabem que trazem mais quatro pessoas a bordo. E posso
assegurar-lhes que nossos homens têm o aspecto de
genuínos ciganos espaciais.
Nesse instante o operador do aparelho de observação
disse:
— A formação segue com a Lev-XIV em direção ao
segundo planeta.
Com isso a tensão que vinha consumindo os nervos
dos ocupantes da Stardust deixou de existir.
Perry Rhodan pôde lançar mais uma parcela a crédito
da conta da Humanidade. Crest, o arcônida, que se
mantinha discretamente nos fundos, sabia que o homem
que acabara de ocupar o assento de piloto da Stardust —
Perry Rhodan — era o herdeiro do Universo.
* * *
Em velocidade bastante reduzida, o grupo de
destróieres, com a Lev-XIV no centro, passou a baixa
altura sobre o planeta de Goszul.
O astro recebera esse nome em homenagem a Goszul,
um mercador que o descobrira e dele tomara posse.
Os mutantes ficaram espantados quando a tela lhes
mostrou não apenas uma paisagem encantadora, mas
também um grande centro industrial. Nem mesmo os
verdadeiros membros do clã ocultavam o espanto.
— Então é aqui que ficam os estaleiros dos
mercadores — disse Dorget em tom preocupado, coçando
o crânio meio tosado.
John Marshall parecia contemplar seu próprio interior
de tão ausente que parecia. Na verdade, empenhava todas
as energias mentais para captar os pensamentos dos
párias.
Mas seu conhecimento do planeta de Goszul não
passava daquilo que chegara a eles através de boatos.
Fazia muitos anos que Levtan fora expulso da
comunidade dos saltadores, e naquela época o planeta
ainda levava uma vida pacata.
Descrevendo uma grande curva, retornaram ao
formidável centro industrial, sempre acompanhados pelos
destróieres. Ao que parecia, a Lev-XIV recebera
permissão para pousar.
Mal tocou o solo, a ordem de Levtan foi ouvida em
todos os cantos:
— Preparem-se para abandonar a nave.
Os mutantes deixaram que os três membros
verdadeiros do clã seguissem à sua frente. Hesitavam em
sair dali.
— Seremos presos — informou Marshall.
Ninguém se abalou, pois já contavam com essa
possibilidade.
Tama Yokida, um telecineta de estatura mediana,
olhou para o lugar em que os robôs haviam escondido
algumas armas manuais bastante eficientes.
O rosto estreito de John Marshall empalideceu mais
um pouco. Mais uma vez estava captando o pensamento
alheio. Retornou à realidade.
— Não podemos levar nada — disse em tom decidido.
— Todas as pessoas que saem desta nave serão
rigorosamente revistadas...
— Mesmo com...?
Marshall entendera o pensamento de Ishibashi.
— Sim, também com isso. Por enquanto dispensarão
apenas a lavagem cerebral. Os saltadores não confiam em
Levtan. Ninguém lhes pode levar a mal. Vamos embora.
Somos os últimos.
* * *
Goszul, descobridor do sistema 221-Tatlira e
conquistador do segundo planeta — ou melhor, o
patriarca Goszul — ainda gozava duma saúde excelente.
Naquele momento ouvia as notícias sobre o pouso da
Lev-XIV.
Mais três patriarcas, sentados em poltronas
121
confortáveis em torno duma mesa redonda, ouviam
atentamente as notícias. O nome Perry Rhodan foi
mencionado várias vezes, e sempre que isso acontecia um
dos patriarcas dava uma expressão de ódio ao rosto e
respirava pesadamente.
Goszul, um homem velho, baixo e calvo, notou a
respiração pesada de Etztak.
— Está contrariado com o pouso de Levtan? —
perguntou. — Ou será que o nome de Rhodan lhe dá
tamanha raiva?
Os olhos penetrantes do sagaz Goszul fitaram o
amigo, que chegara a acreditar que conseguiria destruir
Perry Rhodan, mas deu-se por satisfeito por ter escapado,
embora fosse o único.
— Não gosto nem de uma coisa nem de outra, Goszul
— respondeu Etztak com uma calma surpreendente. —
Conheço Levtan. É um covarde e um criminoso
traiçoeiro.
— E Perry Rhodan? Por que não fala a respeito dele?
Estou muito interessado em ouvir sua opinião, Etztak.
Etztak lançou um olhar desconfiado para Goszul. Os
outros patriarcas sentiram a discussão aproximar-se.
Um deles interveio apressadamente.
— Vamos aguardar o resultado do interrogatório de
Levtan. Depois disso ainda poderemos conversar sobre o
tal do Perry Rhodan.
Etztak chiou indignado:
— Não é o tal do Perry Rhodan, mas o Perry Rhodan,
que encontrou o mundo da imortalidade e sabe onde
encontrá-lo de novo. Um ser desse tipo não pode ser
designado com a expressão depreciativa “o tal do”.
O patriarca Goszul esboçou um sorriso matreiro.
— Você fala conforme lhe dá na veneta, Etztak.
Quanto a mim, nunca acreditei na lenda do mundo da vida
eterna. Mas chega de palavras vazias. Não temos muito
tempo. Dentro de duas horas começará a reunião na qual
será elaborado o programa da grande conferência.
* * *
Parados na grande comporta da Lev-XIV, os mutantes
de Perry Rhodan viram como os tripulantes foram
recebidos um por um pelos mercadores, sendo obrigados
a entrar num veículo fortemente vigiado, depois de terem
sido revistados.
— Parece que as coisas não estão boas para nós —
constatou Tako Kakuta.
Nesse instante um dos mercadores gritou para eles:
— Vocês querem um convite especial?
Kitai Ishibashi saiu andando. Com toda calma deixou
que o revistassem. Caminhou tranquilamente entre dois
mercadores armados até os dentes e entrou num veículo
que logo o levaria dali.
— Se fizer qualquer movimento estranho, atiraremos
— preveniram seus acompanhantes.
Kitai tomou conhecimento da advertência sem
responder nada. Acontece que, uma vez sentado ao lado
das sentinelas, o veículo continuou parado.
— Por que não vai embora? — berrou a sentinela, à
sua direita, para o condutor do veículo, que não moveu
um dedo para colocar a chave na posição de movimento.
— Devo esperar pelos últimos três — respondeu
tranquilamente o mercador, e não se espantou com a
resposta do indivíduo que acabara de berrar:
— É verdade, temos que esperar por esses traidores.
Kitai Ishibashi riu para dentro. Estava satisfeito com o
servicinho que acabara de realizar. Já era algum consolo
saber que os amigos estariam ao seu lado.
* * *
Etztak teve uma conferência com os membros de seu
clã.
— Fiquem de olhos abertos amanhã, quando Levtan
for interrogado diante da grande assembléia. Não se
esqueçam de que por pouco Rhodan não nos destrói.
Ainda não consegui convencer Goszul de que Rhodan é
um elemento extremamente perigoso.
Seu filho interrompeu-o. Com isso cometeu uma
violação grave dos costumes, mas Etztak deixou-a passar.
— Sempre que você alude a Levtan está pensando em
Rhodan?
— Será que ainda não me expliquei? — gritou o
patriarca para seu filho. — Levtan diz que fugiu do centro
de armamentos de Rhodan. Acontece que eu sei como é
difícil escapar dessa criatura. Não acredito em Levtan.
Sempre andou mentindo para entregar-nos a Rhodan.
— Quer dizer que você não acredita nos vinte e dois
supercouraçados que, segundo afirma Levtan...
— Se você me interromper mais uma vez, terá que
limpar o campo número três — gritou Etztak para o filho.
— Não, para prevenir qualquer pergunta tola, não acredito
nas informações de Levtan. Rhodan possui duas naves de
grande porte, não vinte e duas. E também não é verdade
que tenha cem cruzadores. O pária se vendeu a Rhodan,
que por intermédio dele quer descobrir o que pretendemos
fazer. Sabe que é fraco...
O filho não pôde deixar de interrompê-lo mais uma
vez, embora se arriscasse a limpar com as próprias mãos o
grande depósito da nave:
— É tão fraco que destruiu nossa frota. Pai, será que
isso é fraqueza?
O velho Etztak estava fervendo por dentro, mas a
inteligência conseguiu vencer a cólera. O filho acabara de
lembrar um acontecimento que nos últimos quatro meses
surgira muitas vezes em seus sonhos, fazendo-o despertar
banhado em suor.
Bastante contrariado, respondeu:
— Voltei a dizer a Goszul que Perry Rhodan esteve no
mundo da vida eterna. De lá trouxe aquela arma medonha,
que faz com que as naves desapareçam sem mais aquela.
Acontece que Goszul não acredita nisso. Para ele essas
histórias não passam de lendas.
— Ou então não quer confessar que Perry Rhodan
representa uma ameaça para ele — interveio o filho mais
uma vez. — Acho que Goszul nunca teve que saborear
uma derrota.
Todos se surpreenderam quando Etztak respondeu
com um gesto amável:
— Cá para mim, desejei muitas vezes que ele tivesse
um encontro com Rhodan. Um único encontro fará com
que pense e fale de maneira muito diferente. Vocês —
disse, apontando para três homens — participarão na
qualidade de observadores da conferência que será
realizada amanhã. Abram os olhos quando Levtan for
chamado a prestar depoimento e apresentar provas das
suas declarações. Lembrem-se de que esteve com
122
Rhodan, e nunca se esqueçam do que este fez com as
nossas naves.
* * *
Os quatro mutantes de Rhodan registraram
atentamente todos os detalhes que puderam ver durante a
viagem.
Encontravam-se no interior duma fortaleza. Os
canhões pesados não eram novidade para eles; a bordo
dos cruzadores e da Stardust-III viram peças iguais. Essa
fortaleza dos mercadores galácticos constituía uma
posição inexpugnável, capaz de resistir a qualquer ataque
vindo do espaço.
Enquanto prosseguia a viagem do veículo que
deslizava pouco acima do solo, os quatro mutantes foram
percebendo que a tarefa que tinham diante de si era
tremenda, quase insolúvel.
Via-se de tudo: estaleiros espaciais, gigantescas
fábricas, milhares de robôs que desempenhavam as tarefas
mais variadas e gente de pele avermelhada. Eram
indivíduos estranhos, mas tinham um aspecto humano e
pareciam simpáticos. Esses goszuls preguiçosos...
Foi a única coisa que a pesquisa mental de John
Marshall conseguiu revelar a respeito daqueles seres
baixos e ruivos, cuja densa cabeleira chamava a atenção.
Os mercadores chamavam-nos de goszuls — e os
desprezavam.
Foram recolhidos à prisão. Os quatro mutantes
passaram por três áreas distintas e dois conjuntos de
muralhas muito altas. Pelas antenas que havia no topo das
mesmas via-se que acima delas ainda existia uma grade
de radiações.
Pela primeira vez John Marshall fez uma observação
para a sentinela que o acompanhava. Era uma observação
irônica, que desafiava uma resposta.
— Que monstro de prisão! Entre os mercadores deve
haver muitas ovelhas negras.
A sentinela que caminhava à sua esquerda resmungou:
— Recomendo-lhe que não volte a abrir a boca desse
jeito, seu pária. Daqui a pouco você verá quem está preso
aqui.
Pensou nos goszuls, aquela corja preguiçosa que
apesar do treinamento hipnótico continuava a ser falsa e
traiçoeira.
Os veículos pousaram um atrás do outro.
— Desçam! — soaram os comandos.
Um campo de radiações abriu-se diante deles. Uma
sentinela saiu do portão e perguntou em tom contrariado:
— São os últimos traidores?
Desde o instante do pouso no planeta de Goszul os
homens de Levtan só foram chamados assim.
Os acompanhantes estavam satisfeitos por entregarem
os prisioneiros. Mas um deles respondeu em tom
aborrecido:
— Você pode bancar o arrogante. Bem que eu gostaria
de ter um serviço confortável como o seu. Vamos logo!
Passe o recibo e desapareça com estes indivíduos.
Os mutantes olharam-se. Seus acompanhantes
perceberam. Um dos mercadores aproximou-se de Tako
Kakuta e atirou o japonês franzino de encontro à
sentinela.
Esta praguejou e conseguiu desviar-se no último
instante.
— Quase que ele vai para cima de mim, seu idiota! —
gritou para o mercador. — Eu o denunciarei. Aposto que
hoje você ainda recebe uma visita.
John Marshall leu os pensamentos e percebeu o que
Tako Kakuta pretendia fazer.
Tako demorou propositadamente em pôr-se de pé.
Estava atrás da sentinela.
— Vamos, entrem! — resmungou a sentinela para os
outros três, deixou-os passar e assinou o documento pelo
qual confirmava ter recebido os homens de Levtan.
O mais brutal dentre os mercadores teve que receber o
recibo. Foi o último a entrar num dos veículos.
A sentinela seguiu-o com os olhos, virou-se para os
quatro homens que acabavam de ser entregues e ouviu um
grito.
John Marshall respirou profundamente e lançou um
ligeiro olhar para Tako Kakuta.
Por uma fração de segundo o japonês desapareceu,
para efetuar um ligeiro salto de teleportação e pagar o
brutal mercador na mesma moeda. Voltou no mesmo
instante e estava no mesmo lugar de antes... bem no
interior do corredor.
Praguejando, o mercador pôs-se de pé. Esfregou a
testa, que na queda batera contra uma quina metálica.
— Você me deu um pontapé! — gritou furioso para a
sentinela.
— Eu? — respondeu esta em tom sarcástico,
apontando-lhe a arma. — Você acha que sei dar saltos
milagrosos? Não está vendo onde estou eu e onde está
você, seu idiota? Você deve ter tropeçado sobre suas
pernas. Você sabe pisar nos outros, mas ainda não
aprendeu a andar.
O rosto de Tako Kakuta continuou impassível. No seu
íntimo sentia-se alegre.
* * *
Levtan viu-se diante de três mercadores, que o fitavam
com uma expressão de profundo desprezo.
As perguntas foram desabando sobre ele.
O pária respondia quase sem refletir.
— Não nos conte lorotas, seu covarde! — gritou
subitamente um dos mercadores que o interrogavam. —
Sabe quem eu sou? Sou filho de Gaxtek. Isso mesmo!
Pertenço ao clã que você logrou na estrela de Caster,
tirando-lhe o produto de três circuitos de trabalho. Não
está lembrado de mim?
O pária encolheu-se como se estivesse sendo
chicoteado, mas o brilho sagaz de seus olhos não se
apagou. Gritou:
— Vocês são muito pequenos; não deporei perante
vocês. Pedi que fosse conduzido para a grande
assembleia. Tenho direito a isto. É um direito que cabe ao
proscrito. Vim para trazer informações que nos podem
salvar da destruição.
— Seu fanfarrão! — disse Gaxtek por entre os dentes,
cerrando os punhos.
— Tenho provas do que digo — disse Levtan em tom
irônico, mas no mesmo instante suplicou: — Se eu e o
meu clã formos tratados bem...
Gaxtek riu.
— Este sujeito só sabe mentir — disse.
O mercador alto e esguio acenou com a cabeça. O
outro, que era um baixote, que se limitara a formular vez
por outra uma pergunta durante o interrogatório cerrado,
123
disse:
— Informaremos Goszul sobre as declarações que
acaba de prestar. O patriarca decidirá o que deve ser
considerado mentira e o que pode ser aceito como
verdade. Em minha opinião, deve ser levado de volta para
sua cela.
Levtan olhou-os com um sorriso malévolo. Sabia que
amanhã seria o grande homenageado. Depois disso esses
três mercadores seriam os primeiros que sentiriam sua
vingança. Lançou mais um olhar traiçoeiro para Gaxtek,
antes que as duas sentinelas o conduzissem à sua cela.
— Você viu o olhar dele, Gaxtek? — perguntaram a
este, assim que o grupo se viu a sós.
O mercador lançou um olhar pensativo para seus
companheiros.
— Sim — respondeu em tom grave — vi o olhar e
compreendi. O que acontecerá se aquilo que Levtan acaba
de dizer for verdade e amanhã ele conseguir provar o que
afirma? Farei uma visita ao patriarca Etztak.
— O que você quer com esse velho impulsivo? —
perguntou o indivíduo alto e esbelto em tom de surpresa.
— Procurarei Etztak para semear a desconfiança, a
desconfiança contra as declarações de Levtan. Etztak é o
único patriarca que já lutou contra Perry Rhodan. Teve
que fugir. Teve que fugir de Rhodan. Topthor, o
superpesado, perdeu sua frota. Vocês já estão começando
a compreender quem é esse Levtan?
Não compreenderam. Limitaram-se a fitá-lo.
— Pois eu lhes direi, e também direi a Etztak. Levtan
é a bomba infernal de Perry Rhodan, que fará a desgraça
de nosso povo.
6
Kitai Ishibashi empenhara a força de sua vontade para
que ele e seus companheiros ocupassem uma cela
especial, em vez de serem recolhidos à cela coletiva em
que foi abrigada a maioria dos tripulantes da Lev.
Levtan foi o único que ocupou uma cela individual.
Na opinião dos mercadores e de seus patriarcas era o
homem mais importante. A tripulação desempenhava um
papel secundário.
Os mutantes espantaram-se ao notar que os goszuls
também trabalhavam na prisão. Por duas vezes John
Marshall conseguira entabular conversa comum deles
através da portinhola da cela, mas de cada uma das vezes
foram surpreendidos por uma sentinela dos mercadores,
que interrompeu o contato recém-estabelecido.
Apesar disso as capacidades telepáticas de John
Marshall lhe proporcionaram muitas informações.
Aos cochichos transmitiu as mesmas aos amigos,
depois que Yokida, o telecineta, realizou um exame
minucioso e constatou que não havia microfones na cela.
— Todos os goszuls estão bloqueados, ou seja,
escravizados. Não podem voltar para junto dos seus
familiares. E querem saber por quê? Não querem que o
povo de Goszul saiba que existe a navegação espacial.
Tako Kakuta, o teleportador, desconfiou da veracidade
da informação.
— E as naves a cujo pouso e decolagem assistem
constantemente? Será que essa gente é cega?
John não levou a pergunta a mal.
— Quando Levtan ainda se encontrava no assento do
piloto, captei uma informação a respeito dum corredor de
entrada. Há esta hora já entendo o motivo da precaução.
— É um ramo encantador dos arcônidas —
resmungou Tama Yokida. — Não me sinto nem um
pouco à vontade por aqui — pelo brilho dos seus olhos
percebia-se que brincava com a ideia de usar seu dom
telecinético para abrir a porta maciça da cela.
Por ordem de Rhodan, Marshall assumira o comando
do grupo. Este limitou-se a olhar para Tama Yokida, que
respirou profundamente e disse:
— Está bem. Deixemos disso.
No mesmo instante ouviram-se passos no corredor. A
porta da cela abriu-se, a mesma porta que Yokida
pretendia arrombar com sua força telecinética.
Uma sentinela e dois goszuls lançaram os olhos para
dentro da cela.
— Saiam! — ordenou a sentinela.
Segurava um radiador numa das mãos. Saíram; Tako
Kakuta foi o único que parecia não ter pressa. Ele e
Marshall acabaram de combinar alguma coisa.
Quando os três mutantes passaram perto dos goszuls,
estes lhes lançaram um olhar estranho. Kitai Ishibashi
notou que em seus olhos havia compaixão, mas alguma
coisa faltava neles.
John Marshall examinou os pensamentos confusos que
atravessavam a mente da sentinela. A única coisa que o
homem sabia é que seriam interrogados, e que o tema
Levtan empolgava toda a fortaleza.
O grande australiano de rosto estreito perscrutou os
pensamentos dos goszuls.
Descobriu a mesma coisa que Kitai Ishibashi havia
notado em seus olhos, e ainda compreendeu uma pergunta
silenciosa: Por que vieram a este mundo? Não sabem que
nunca mais poderão sair dele, tal qual nós?
A sentinela berrou para Tako Kakuta, que continuava
parado no interior da cela:
— Vamos logo! Depressa!
* **
No mesmo instante John Marshall sorriu sem querer.
Captara os pensamentos de Tako. Todos eles convergiam
numa pergunta: Será que este sujeito também vai me dar
um pontapé?
O guarda notou o sorriso de Marshall e pensou que o
mesmo estivesse zombando dele. Num movimento
abrupto levantou o radiador, apontou para Marshall e,
com um brilho ameaçador nos olhos, disse:
— Pare de sorrir, senão...
Foi quando Kitai Ishibashi resolveu intervir. Sua
vontade tomou conta do guarda.
O rosto de John Marshall estava enrijecendo quando o
guarda baixou a arma e disse tranquilamente a Tako
Kakuta:
— Venha, amigo. Não nos faça esperar.
Kitai Ishibashi desligou. O ligeiro tratamento
garantiria uma atitude amável do guarda até que
chegassem à sala de interrogatórios.
Sentiu o olhar dos dois goszuls pousado nele. E
compreendeu o gesto de Marshall. Os dois goszuls
possuíam uma reduzida capacidade telepática, bloqueada
124
ou diminuída em 99 por cento por meio dum processo
hipnótico.
Kitai Ishibashi percebeu que esse fato fez brotar o suor
em seu corpo. Será que ao elaborar seu plano Perry
Rhodan contara com a possibilidade de encontrarem
telepatas no planeta de Goszul?
Os dois seguiram-nos a poucos metros de distância.
O guarda, que de uma hora para outra se tornara tão
amável, abriu-lhes a porta e convidou-os a entrarem.
Etztak lançou um olhar de pavor para o guarda. Os
quatro mercadores que se encontravam presentes além
dele demonstravam uma perplexidade tipicamente
humana.
— Levem esses sujeitos para fora — gritou
subitamente Etztak com a voz rouca. — Levem-nos para
fora e tranquem-nos em sua cela!
O guarda esteve a ponto de levá-los de volta.
— Fique aqui! — berrou Etztak e apontou sua pesada
arma para ele. — Gaxtek e Hor, levem-nos de volta.
Levem-nos imediatamente para a mesma cela.
Kitai Ishibashi mal e mal conseguira impor ao
patriarca Etztak a ordem de levá-los de volta para a
mesma cela, quando Gaxtek e Hor já os estavam tangendo
para fora.
John Marshall logo reconheceu o perigo.
Procurou ouvir os pensamentos de Etztak, absorveu-os
e sentiu-se muito preocupado. Só quando se encontravam
no interior da cela e os fechos magnéticos já haviam
trancado a porta, que estava com a portinhola fechada a
tramela, contou o que sabia.
Kitai Ishibashi empalideceu.
— O quê? — cochichou. — Etztak quer fazer uma
lavagem cerebral no guarda?
Tako Kakuta, o teleportador, reagiu.
— John, onde está o guarda? Diga logo.
Marshall concentrou-se. As pessoas que se
encontravam na cela prenderam a respiração.
Depois de algum tempo Marshall levantou o rosto
banhado em suor. Os olhos haviam perdido o brilho, o
rosto parecia ainda mais estreito.
— Está sendo levado num veículo blindado,
acompanhado de seis guardas.
— Onde está, Marshall? — insistiu
Tako Kakuta, preparando-se para o salto. Com um
gesto cansado o telepata respondeu:
— Estou captando muitos pensamentos, mas todos
eles representam sua morte, se você saltar. Os seis
homens que estão levando o guarda para a lavagem
cerebral mantêm o dedo no gatilho. Sinto; não hesitarão
em apertar o gatilho.
— Onde está? — perguntou o japonezinho franzino,
com uma terrível frieza na voz.
Marshall lhe disse que um dos guardas estava
pensando no grande estaleiro pelo qual estavam passando
naquele instante.
Só havia três mutantes na cela.
Tako Kakuta, o teleportador, saltara. Saltara para o
desconhecido, atrás do guarda que mostraria suas cartas
quando fosse submetido à lavagem cerebral.
* * *
Etztak e os outros mercadores saíram da sala de
interrogatórios antes que o guarda fosse levado dali. Lá
fora entrou num veículo e correu para junto de Goszul.
Entrou sem fazer-se anunciar. Interrompeu uma
conferência.
Etztak não ligou para o fato.
Principiou com o entusiasmo dum jovem, e
estimulado pelo fato de saber que Perry Rhodan
representava um perigo que não devia ser subestimado.
Ele o conhecera.
Viu o sorriso condescendente de Goszul. Subitamente
Etztak acalmou-se. Interrompeu sua exposição.
— Você não acredita no que acabo de dizer, Goszul?
— perguntou em tom indiferente.
— Acredito tanto quanto acredito na estrela da vida
eterna — respondeu Goszul. — Etztak, você teve
oportunidade de travar conhecimento com Rhodan, e por
isso não consegue mais pensar objetivamente. Ainda se
sente abalado pelo susto. Eu vejo a coisa sob outro
ângulo. Mas não me oponho a que o guarda seja
submetido à lavagem cerebral, para que tiremos dele tudo
que sabe.
Os mercadores não se comoveram pelo fato de que a
lavagem cerebral transformaria um dos seus num idiota.
Subitamente a porta abriu-se. Gaxtek gritou ainda na
entrada:
— Um dos homens que vigiavam o guarda acaba de
matá-lo!
— Isso foi obra de Rhodan! — gritou Etztak. — Se
não o tivesse feito, muita coisa teria sido diferente.
O patriarca Goszul quase estourou de rir.
Tako Kakuta, o teleportador japonês, estava de volta à
cela da qual desaparecera quinze minutos antes.
Reapareceu no mesmo lugar de que saíra.
O rostinho de criança encimado pela testa
protuberante parecia ainda menor e revelava um tremendo
cansaço.
Enxugava seguidamente o suor da testa. A respiração
era rápida.
Com uma paciência sobre-humana, os amigos
esperaram que relatasse o que havia acontecido. Marshall
era o único que conhecia as experiências pelas quais o
japonês acabara de passar, mas preferiu ficar calado.
Tako Kakuta disse com a voz cansada:
— O homem está morto. Estavam parados em círculo,
com ele no centro. Quando cheguei ao veículo, apenas
para desaparecer no mesmo instante um dos radiadores foi
disparado...
Não contou que teve de executar meia dúzia de saltos
perigosos para localizar o veículo blindado. Era de
opinião que não valia a pena relatar esse fato. Também
não contou que depois do segundo salto foi parar no
telhado transparente do estaleiro espacial, o que provocou
um alarma geral no mesmo.
Seus amigos fitaram-no em silêncio. Compreendiam
perfeitamente por que um dos seis homens que vigiavam
o guarda disparara seu radiador. Ainda estavam
lembrados do choque que sentiram quando pela primeira
vez o teleportador surgiu diante deles, vindo do nada, que
nem um fantasma.
* * *
Marshall acordou no meio da noite. Assustou-se;
captou impulsos mentais duma criatura estranha. Eram
gritos mudos de angústia, uma confusão que conseguiu
125
decifrar. Depois de algum tempo compreendeu de onde
vinham os impulsos: da cela ao lado. Um goszul
condenado à morte estava mergulhado no desespero.
Marshall acordou os amigos e transmitiu-lhes os
pensamentos que acabara de captar.
O planeta de Goszul apresentou-se aos mutantes como
um mundo escravizado, digno de lástima. Os mercadores
haviam implantado um regime desumano em meio a esse
povo pacífico e bondoso.
— Descendentes dos arcônidas? — perguntou Kitai
Ishibashi, perplexo. — Quer dizer que estes goszuls
também descendem da raça dos arcônidas?
A pergunta não era de estranhar. Muito antes do
desaparecimento da Atlântida, os arcônidas aportaram à
Terra como se fossem deuses para nunca mais retornar.
Apesar disso continuaram a viver nas lendas dos povos.
Aqui, no planeta de Goszul, o destino provavelmente
seguira por uma trilha semelhante.
E esse povo pacato foi escravizado por seus irmãos de
raça.
— Estes saltadores... — disse Tama Yokida, falando
entre os dentes, e voltou a prestar atenção aos cochichos
de Marshall.
Os goszuls regrediram a um estágio primitivo. Na
ciência e na tecnologia não estavam mais avançados que a
Terra no século XVII. Quando o patriarca Goszul pousou
no planeta com seu clã, acreditaram que se tratasse de
deuses. Mas este não viu outra coisa naqueles seres e no
seu mundo que um objeto de exploração: foi o melhor
negócio de sua vida. Apossou-se do segundo planeta do
sol 221-Tatlira. Subjugou a inteligência daquele povo
tranqüilo através dum processo de treinamento hipnótico,
reduzindo-o à escravidão, deportou-os para esse lugar e,
auxiliado pela poderosa comunidade dos mercadores e
pelo trabalho dos escravos de Goszul, criou seu centro de
poder.
O medo de morrer enlouquecera o homem da cela
vizinha. As disfunções doentias de seu cérebro romperam
a barreira hipnótica e, sempre que surgia um momento de
lucidez em que percebia todo o desespero de sua situação,
lembrava-se do que os mercadores haviam feito com ele e
com seu povo.
De repente os mutantes que escutavam atentamente
foram interrompidos por passos ruidosos. Três guardas
caminhavam pelo corredor, passaram por sua cela e
pararam diante da porta ao lado.
Ouviram as fechaduras magnéticas que se abriam com
um rangido, ouviram quando a porta girou nas dobradiças
— e todos se abaixaram: Kakuta, Ishibashi e Yokida. Só
Marshall parecia imobilizado.
Teve a impressão de que via através dos pensamentos
que estava captando.
Viu que um dos guardas apontou a arma de radiações
para o goszul condenado à morte. O pavor do homem
escravizado doeu no telepata.
Subitamente tudo acabou.
John Marshall não ouvira nada.
Mas Ishibashi, Yokida e Kakuta ouviram o chiado
típico da arma de radiações.
* * *
O patriarca Goszul não era o idiota que Etztak
começava a ver nele.
Goszul ordenara uma investigação sobre a morte do
guarda que devia ser submetido à lavagem cerebral.
Sharer, um dos membros do clã, apresentou o relatório.
O patriarca ouviu-o sem dizer uma palavra. Não se
esquecera da exclamação de Etztak: “Isso foi obra de
Rhodan!” E não subestimava esse indivíduo, que vivia
num mundo pequeno e afastado, num planeta chamado
Terra, situado num braço deserto da Via Láctea.
Formulou a primeira pergunta:
— Quem viu aquela sombra, além do idiota que matou
o guarda?
— Ninguém. Interroguei insistentemente todos eles.
Aquele que se encontrava à direita do sujeito que atirou
diz ter sentido uma pancada nas costas que não consegue
explicar.
Apesar da idade, Goszul era dotado duma espantosa
agilidade mental. Sabia extrair os pontos importantes de
cada situação complexa com que se deparava. Foi o que
fez agora.
— Quero que você me repita textualmente o que o
homem disse a este respeito.
Sharer refletiu ligeiramente:
— Vi Plug atirar. No mesmo instante senti uma
pancada e uma mão fechada passou pelas minhas costas.
Não podia ter sido Plug, pois este cambaleou e ainda
estava cambaleante no momento em que atirou. Lusudo,
que se encontrava à minha esquerda, ainda não
compreendera o que havia acontecido. Estava parado.
Foi o que o homem disse patriarca Goszul.
— E agora quero que me forneça às declarações de
Plug, também textualmente.
— Ele disse o seguinte: “Fui atacado de surpresa. Um
homem saltou sobre mim de costas e procurou
estrangular-me com a mão esquerda. Ainda sinto o lugar
do pescoço em que me apertou com o polegar. O impacto
me fez perder o equilíbrio. Tropecei, e nesse instante devo
ter disparado a arma de radiações contra o guarda. No
mesmo instante tudo desapareceu: não havia mais
nenhuma mão que procurava estrangular-me, nenhum
homem nas minhas costas, nada, absolutamente nada...”
— Plug lhe mostrou o lugar em que o homem apertou
seu pescoço?
Sharer apressou-se em mostrar-lhe o lugar em que
Plug, segundo suas declarações, seria estrangulado por
um dedo estranho.
O patriarca refletiu por um instante. Depois mandou
que o ligassem com a prisão.
— Quero falar com o oficial de plantão! — disse.
O oficial não tardou em responder. Goszul gritou para
dentro do microfone:
— Verifique se os tripulantes da nave de Levtan se
encontram todos na prisão. Coloque dois guardas diante
de cada cela em que haja párias. Se na contagem faltar um
homem ou mais, aguardo seu aviso... mas só neste caso.
Voltou a encarar Sharer. Nesse instante a tela
começou a tremeluzir, e um leve chiado saiu do alto-
falante.
Era um chamado do espaçoporto. Na tela surgiu um
rosto safado.
— Aqui fala Ottek — disse o homem. — Concluímos
o exame da Lev-XIV. Não encontramos nada. Apenas
alguns equipamentos que devem vir do planeta Terra ou
Vênus...
126
— Você acha que isso não é nada? — berrou Goszul.
— Será que não se pode confiar em mais ninguém desse
clã? Exijo que todos os objetos provenientes do planeta
Terra ou Vênus sejam levados imediatamente ao
laboratório, para serem examinados. Entendido? E os
comprovantes de que o pária vive falando? Onde estão as
provas em apoio daquela conversa sobre o estaleiro
gigantesco que Rhodan possui em Vênus? Onde está esse
material, Ottek?
— Não encontramos nada, patriarca Goszul —
respondeu o homem antipático, cabisbaixo.
— Voltem a revistar a nave. Irradiem tudo. No
momento em que for iniciada a grande conferência,
preciso ter tudo nas mãos. Os comprovantes de Levtan só
podem estar na Lev-XIV. Se você não os encontrar, pode
tomar a próxima nave para ser levado às minas. Não se
esqueça disso, meu filho — Goszul desligou com um
sorriso malévolo.
— Sharer, você também pode dar o fora. Quero ficar
só.
E Goszul ficou só. Estava a sós com suas angústias.
Pronunciou o nome de Perry Rhodan com tamanho ódio
que Etztak teria dado uma pancada amistosa no ombro do
velho amigo, se pudesse ouvi-lo nesse momento.
* * *
De repente a porta da cela abriu-se. Cinco radiadores
dirigiram-se ameaçadoramente contra os mutantes de
Rhodan, enquanto estes se erguiam sonolentos, fitando a
luz com os olhos semicerrados. Um dos homens contou
em voz alta até quatro.
Outro, que se encontrava atrás dele, disse:
— Está certo. O lote está completo.
A porta da cela voltou a fechar-se ruidosamente. Os
fechos magnéticos ajustaram-se com um rangido. Dois
guardas permaneceram diante da porta. Os outros foram
para diante.
O grupo de Rhodan limitou-se a trocar alguns olhares.
Todos haviam compreendido a finalidade do controle.
Era a reação à morte do guarda que seria submetido à
lavagem cerebral.
— Os mercadores desconfiaram — cochichou
Marshall. — Se houver mais um incidente que não
puderem explicar, fatalmente terá a ideia de que entre os
tripulantes da Lev existem mutantes.
* * *
Etztak estava sentado diante do patriarca Gaxtek, o
mercador que há muitos anos, por obra de Levtan, fora
privado dos resultados de seu trabalho.
O filho de Gaxtek era o melhor defensor das idéias de
Etztak. Não se esquecera do olhar assassino de Levtan.
Nunca se esqueceria de que hoje o clã de Gaxtek seria tão
rico como o de Etztak, se não tivesse sido miseravelmente
enganado por um indivíduo de seu próprio povo.
Etztak falava em tom insistente:
— Perry Rhodan é forte, mas também é fraco.
Ninguém me tira esta ideia da cabeça. Se não fosse assim,
já nos teria atacado de novo. Tem algum ponto fraco, e
um homem fraco sempre é perigoso. Procura compensar a
fraqueza por meio da astúcia. E a astúcia de Rhodan é
Levtan. Nunca mais terá uma oportunidade tão boa de
destruir os mercadores galácticos num só golpe como na
grande conferência. Diga-me uma coisa, Gaxtek: O que
faria você se fosse Rhodan?
O ódio que dedicava a Perry Rhodan fez com que
Etztak subestimasse o patriarca Goszul.
Este já formulara a mesma pergunta, e já respondera à
mesma. E já estava agindo!
Mais de cinquenta mensageiros procuravam um por
um os patriarcas do clã. No espaçoporto foi desencadeado
o alarma.
Na noite que antecedeu a grande conferência nenhum
dos patriarcas dormiu.
Os jatos uivaram e os grupos de destróieres dos
mercadores, acompanhados de alguns couraçados,
passaram pelo corredor de saída e dispararam em direção
ao céu límpido.
Mas Goszul não admitira apenas a possibilidade dum
ataque vindo do espaço. Também incluiu em suas
cogitações a possibilidade dum atentado contra a grande
conferência.
Identificara-se com Perry Rhodan, colocando-se na
situação em que este se encontrava. Tal qual Etztak, era
de opinião que a força de Rhodan devia ter um ponto
muito fraco.
Goszul não quebrou a cabeça para descobrir que ponto
seria este. Viu nesse fator o X de seus cálculos, e
percebeu que esse X representava um perigo imenso.
O nervosismo na antessala cresceu. Ouviu a voz de
Sharer. A tela junto à poltrona iluminou-se. O
comandante da grande base de artilharia apresentou-se.
Sem dizer uma palavra, Goszul recebeu a informação de
que todas as posições estavam ocupadas e prontas para
entrar em ação.
Enquanto a imagem na tela se desfazia, a voz odienta
de Goszul voltou a pronunciar um nome:
— Perry Rhodan!
Não se recordava de que em toda a história dos
mercadores galácticos tivesse surgido um ser cuja
intervenção e cujos ataques os tivessem obrigado a
convocar a grande conferência. Sharer entrou.
— Todos os clãs foram informados. Os patriarcas e os
observadores que participarem da conferência, antes de
entrar na grande sala, se identificarão através de membros
de dois outros clãs, que anunciarão seus nomes.
Nesse instante Goszul teve uma ideia.
— Antecipo o início da conferência por duas horas.
Sharer providencie para que os mensageiros só avisem os
patriarcas no último instante.
Quando se viu a sós, disse em tom apreensivo:
— Gostaria que a grande conferência já tivesse
chegado ao fim.
Mais uma vez lembrou-se de Perry Rhodan.
7
— Localização!
O grito soou quatro vezes — uma vez na Stardust-III e
uma vez em cada um dos três destróieres.
Já o aguardavam há algumas horas, pois o sinal
127
combinado com o grupo ainda não havia chegado.
A dezoito milhões de quilômetros a frota de Rhodan
mantinha-se à espera. Eram quatro objetos minúsculos
parados na imensidão do espaço, quatro estruturas
altamente sofisticadas, cujos hiper-rastreadores acabaram
de constatar a decolagem de grande número de naves no
planeta de Goszul.
— As coisas não estão boas — disse Bell, falando tão
baixo que só Rhodan pôde ouvi-lo.
Crest, líder científico dos arcônidas, entrou.
— Não quero insistir — disse — mas não se pode
acreditar mais no êxito dos nossos mutantes. Acho que o
alarma no planeta diz tudo.
Perry ergueu-se lentamente do assento do piloto.
Quando se encontrava diante de Crest, via-se que este o
superava em tamanho por cerca de vinte centímetros.
Apesar disso havia uma espantosa semelhança entre os
dois, embora fossem homens de raças diversas.
— Pois eu acredito no êxito dos meus mutantes —
respondeu Perry Rhodan, sem enfatizar suas palavras. —
E suponho que nosso cérebro positrônico continua a
acreditar nisso. Quer ver no que ele está acreditando,
Crest?
Os postos de observação continuavam a fornecer
novas indicações.
A frota de guerra dos mercadores descrevia círculos
cada vez maiores em torno do planeta do qual decolara.
Dava uma busca sistemática no espaço.
Durante a ligeira caminhada em direção ao cérebro
positrônico, Crest mencionou esse fato inquietante.
— Já sei — respondeu Rhodan.
— Pois não demorarão em localizar-nos, tal qual nós
constatamos sua decolagem, Rhodan! — advertiu Crest
em tom insistente.
— No momento em que a frota dos mercadores
decolou começamos a retirar-nos — havia uma ligeira
repreensão no tom da voz de Perry. — Não quero arriscar
a vida de meus quatro homens.
Crest lançou-lhe um olhar de surpresa. Nunca deixaria
de admirar a superioridade desse homem terreno. Sabia
perfeitamente que foi graças a ele que Rhodan adquiriu o
saber incomensurável dos arcônidas, mas não cometeu o
erro de atribuir importância excessiva ao fato, pois a
utilização do saber depende das qualidades de cada
indivíduo.
A forma pela qual Perry Rhodan manipulava seus
conhecimentos causava admiração até a Crest, o arcônida.
O cérebro positrônico da Stardust-III forneceu,
traduzidas em algarismos frios, as possibilidades de êxito
do grupo de mutantes que se encontrava no planeta de
Goszul.
— Mas isso é...
— ...é bom, não é? — interrompeu Perry. — Se
houvesse apenas um zero atrás da vírgula, também ficaria
satisfeito. O grande cérebro de Vênus calculou que as
chances eram de zero vírgula quatro...
Um brilho estranho surgiu nos olhos de Crest.
— E com uma chance de zero vírgula quatro por cento
o senhor arrisca a vida de quatro homens?
O gesto de Rhodan fê-lo calar-se subitamente.
— Isso mesmo! — a firmeza com que Rhodan
proferiu estas palavras fez com que Crest o
compreendesse. Logo ouviu a explicação que se seguiu a
essas palavras: — É uma possibilidade de êxito de zero
vírgula quatro por cento, mais o fator humano, Crest. Não
somos como os arcônidas, para os quais a finalidade da
vida consiste em sonhar de olhos abertos. Por isso as
chances do grupo de mutantes são bem maiores.
O fator humano representa um mais que nenhum
cérebro positrônico pode calcular, nem mesmo o grande
cérebro de Vênus. É que todos eles foram construídos por
arcônidas.
A voz áspera do oficial do posto de observação
interrompeu-os:
— Três destróieres dos saltadores estão saindo do
grupo e dirigem-se ao ponto em que nos encontramos...
Imediatamente Perry gritou para Bell:
— Acelerar para o quíntuplo!
Na sala de comando a pergunta para a qual ninguém
tinha resposta enchia o ar como se fosse um pesadelo:
— Será que os destróieres dos saltadores nos
localizaram?
* * *
— Vou dar uma olhada lá fora — dissera Kakuta há
poucos minutos. — Preciso saber o que está acontecendo.
Alguma coisa não está certa. Dentro de quinze minutos
estarei de volta.
Ninguém se opusera. O teleportador desaparecera
para, num salto arriscado, transportar-se ao espaçoporto.
O lugar estava banhado numa verdadeira orgia de luzes.
Tako Kakuta fechou os olhos ofuscados e saltou para a
beira das pistas.
Fora da profusão de luzes, pôde contemplar
tranqüilamente a grande área.
Por coincidência viera parar perto da Lev-XIV.
Arriscou-se a chegar mais perto e viu que os saltadores
entravam na nave e dela saíam pela grande comporta.
Essa atividade intensa despertou sua curiosidade.
No mesmo instante não havia mais ninguém no lugar
em que Tako Kakuta se encontrara há pouco. Voltou a
materializar-se no interior da Lev-XIV, mais
precisamente, no recinto destinado a um fim específico, e
que por isso mesmo era de dimensões bastante reduzidas.
Acontece que a porta da toalete estava aberta. Lá fora
dois mercadores conversavam. Satisfeito, Kakuta ouviu
que falavam mal do patriarca Goszul. O fato de que
Levtan também era atacado não o abalou nem um pouco.
Riu para dentro ao saber que continuavam a procurar
os registros escritos de Levtan.
Tako Kakuta ouvira o suficiente. Concentrou-se no
grande edifício situado na periferia do espaçoporto, que
vira no instante em que os saltadores o levavam à prisão
— e saltou.
Surgiria na sombra do grande edifício. Não havia
necessidade de esconder-se. Pelo aspecto exterior e pelas
vestimentas não se distinguia dos saltadores. Dobrou
lentamente o canto do prédio e aproximou-se dum grupo
que discutia junto à entrada.
Quando Tako viu o guarda em meio ao grupo, já era
tarde. Este o vira e achava que o fato de ele dobrar o canto
direito do prédio tinha algo de errado.
Fazendo um movimento vigoroso com o braço
esquerdo, o guarda deixou a linha de tiro livre. Com o
outro braço dirigiu a arma paralisadora sobre Tako
128
Kakuta.
O pequeno japonês mascarado de saltador não perdeu
a calma.
— Venha cá — gritou o guarda. Em vez de esperar
que se aproximasse, o guarda foi andando em sua direção.
— Quem é você? E o que andou fazendo no lugar em que
estão guardadas as bombas?
Kakuta só absorveu a palavra “bombas”. Numa
operação mental instantânea registrou todos os detalhes: a
situação do edifício em relação ao espaçoporto, o aspecto
da fachada bem iluminada, a fábrica situada de fronte, a
rua larga — e o fato de que atrás do edifício, à direita,
ficava o depósito de bombas.
— Perdeu a língua? — berrou o guarda.
O grupo de homens que discutia animadamente teve a
atenção despertada para o incidente. Dois homens
aproximaram-se lentamente.
Tako Kakuta avaliou a situação. Assumia rapidamente
os contornos duma catástrofe. No momento não poderia
recorrer à teleportação. Não daria uma demonstração de
sua arte, pois com isso poria em risco os planos de
Rhodan e a vida dos homens do grupo.
— Meu nome é Brom. Pertenço ao clã de Gaxtek —
disse em tom atrevido, fazendo votos de não se deparar
com nenhum membro do clã de Gaxtek.
Quando viu o sorriso largo que se espalhou pelo rosto
do guarda, pondo à mostra os dentes estragados, sentiu
que o desastre se aproximava. Mas nem de leve
desconfiou de que a situação fosse assumir uma feição tão
grave.
— Só se você for da nova nave, a Gax-XXII — disse
o guarda em tom desconfiado. — Conheço todos os
outros, e nunca vi você.
— O quê? — gritou uma voz sonora vinda mais de
longe. — A Gax-XXII. Eu sou dessa nave. O que houve
com ela?
— Não fale tanto; venha cá — disse o guarda,
virando-se de lado. — Este homem diz que é de sua nave.
Você o conhece? Dê uma olhada... — virou a cabeça para
não tirar os olhos por muito tempo de cima do suspeito,
quando o fato de não ver mais o sujeito lhe fechou a boca.
Tako Kakuta não vira outra saída senão teleportar-se.
O mercador que dizia ser da Gax-XXII e tagarelara
por tanto tempo transformara-se na palha em que
resolvera agarrar-se desesperadamente. No momento em
que todo mundo olhava para o saltador, Tako Kakuta
efetuara um salto pequenino, que o transportara até o
canto do edifício.
Num cálculo frio e instantâneo, avaliou todas as
chances.
Os saltadores não deveriam perceber que era um
mutante. Deviam acreditar que seu desaparecimento não
era outra coisa senão uma fuga normal. Um deles vira-o
dobrar o canto do prédio. O coração de Tako palpitou.
A situação melhorava a olhos vistos.
Saiu correndo. Lembrava-se de que o guarda não
trazia nenhum radiador, apenas a arma paralisadora. E o
alcance desta não era muito grande. Foi nesse fato que
Tako baseou seu plano de fuga.
Fugiu como qualquer outro indivíduo. Sua proteção
era a escuridão. Mas aproximava-se cada vez mais do
depósito de bombas, e num lugar em que se guardam
bombas sempre existem guardas.
“É sempre a mesma coisa”, pensou, quando ouviu um
grito vindo da escuridão:
— Pare!
Por trás dele os saltadores aproximaram-se. Um deles
gritou para o guarda do depósito de bombas:
— Mate-o!
Tako teleportou em meio ao salto e pousou meio
esbaforido junto a algumas peças de artilharia pesada.
Dois soldados estavam conversando. O mutante
aguçou o ouvido. Falavam no alarme e no fato de que
Goszul enviara seus mensageiros aos patriarcas e nos
motivos por que o velho não recorrera ao rádio para
transmitir suas ordens.
— Você ouviu alguma coisa? — ouviu
Tako, um tanto preocupado, viu um soldado que se
aproximava.
Preferiu não aguardar o encontro. Saltou
silenciosamente e rematerializou-se no interior de sua
cela, limitando-se a perguntar:
— Será que demorei mais de quinze minutos?
* * *
O orgulhoso patriarca Goszul levantou-se no momento
em que foi anunciada a chegada do último participante da
grande conferência.
Há poucos minutos ainda se sentira martirizado pelas
idéias de desastre iminente. Mas agora estava livre das
mesmas e regalava-se no respeito que todos tributavam a
ele, o descobridor e conquistador do planeta.
Presidia a grande conferência. Fora escolhido por
unanimidade. Com uma ligeira alocução abriu os
trabalhos. Cumprimentou os participantes pessoalmente,
sem citar nomes. Mas enquanto ainda proferia a fala
introdutória, seus olhos aguçados procuravam um homem
em meio ao grupo de mais de mil e duzentos patriarcas.
Era Etztak.
Não o encontrou, nem mesmo quando voltou a sentar-
se. E não viu qualquer dos filhos de Etztak. No momento
em que ia ordenar que lhe dissessem em que fileira se
encontrava Etztak, o orador Kherr mencionou pela
primeira vez o nome de Perry Rhodan.
No mesmo instante Goszul esqueceu seu amigo
Etztak.
— ...o espaço vital dos mercadores galácticos está
ameaçado. Topthor, o superpesado, pagou com suas naves
e com a vida de sua gente o fato de ter atendido ao pedido
de socorro do patriarca Etztak. Perry Rhodan, um ser
vindo do planeta que seus clãs chamam de Terra, recorreu
aos recursos dos arcônidas para destruir-nos. O Império
de Árcon encontra-se em estagnação. Os herdeiros
legítimos somos nós. Nada nos impedirá de solicitar o
auxílio de todos os superpesados e, com o auxílio dos
mesmos, eliminar o planeta Terra do seio da galáxia.
Nosso poder é cem vezes maior que o de Rhodan. Basta
que nossos objetivos sejam definidos. Mas antes de abrir a
discussão a este respeito, interrogaremos o pária Levtan.
Fomos nós que criamos as leis de nossos clãs. Por elas
punimos e por elas perdoamos. Sejam quais forem as
declarações de Levtan, não se esqueçam, patriarcas, de
que veio do mundo de Perry Rhodan. Examinem as
palavras de Levtan e as provas que apresenta. Examinem
tudo antes de pronunciar o perdão segundo as leis dos
129
clãs, tirando dele a mácula do pária.
— Examinem tudo, mesmo que acreditem que está
mentindo.
— Examinem com toda atenção, como se nossa vida
dependesse de tudo.
— Examinem, pois temos diante de nós uma questão
de vida ou morte. E a morte traz o nome de Perry
Rhodan!
À fala seguiu-se um silêncio mortal. As palavras que
acabavam de ser pronunciadas traziam uma enorme carga
sugestiva.
O silêncio condenou quando Levtan, acompanhado de
seis robôs, foi conduzido pelo largo corredor central.
Foi obrigado a sentar-se numa posição em que fitava
os dirigentes e todos os participantes da grande
conferência.
O olhar de Levtan, que refletia o medo, ficou preso em
Goszul.
Este voltou a levantar-se, cruzou os braços diante do
peito, lançou um olhar severo para o pária e dirigiu-lhe a
primeira pergunta.
— Pária Levtan, onde estão as provas escritas daquilo
que você afirmou a respeito de Perry Rhodan?
Um eco soou no recinto.
— Rhodan! — respondeu ironicamente.
Goszul viu que alguns dos patriarcas estremeceram,
virando o rosto em direção à entrada. Ele mesmo
conseguiu com grande esforço reprimir o susto.
— As provas estão em minha nave — respondeu
Levtan quase num cochicho.
— Onde? — perguntou Goszul em tom áspero e logo
pronunciou a ameaça: — Não pense que com essa tática
poderá prolongar a vida...
Num esforço desesperado, Levtan animou-se a uma
objeção:
— Não vim de minha livre vontade? — gritou, e seus
olhos oblíquos tornaram-se ainda mais estreitos. — Não
vim para mostrar-lhes a maneira de destruir Rhodan?
Afinal, quem conhece Rhodan?
E o eco escarneceu:
— Rhodan!
Mais uma vez Goszul viu os patriarcas estremecerem
e olharem para a entrada, como se esperassem ver Perry
Rhodan.
Goszul refletiu ligeiramente. Já por duas vezes esse
eco devolvera o nome de Rhodan num tom de escárnio.
As frases deviam ser formuladas de modo a reduzi-lo ao
mínimo.
— Onde estão os documentos? — gritou para o pária.
— Na sala de comando de minha nave. No cristal de
pilotagem — respondeu Levtan em tom submisso. — No
segundo cristal de pilotagem.
Os olhos velhos de Goszul dirigiram-se para a entrada
onde se encontravam os membros de seu clã. Brilhavam
como os dum jovem caçador. Em tom autoritário gritou:
— Desmontem e tragam para cá!
Em tom mais calmo, dirigiu-se a Levtan:
— Conte tudo sobre Rhodan.
Não pôde retirar a palavra. E a mesma foi devolvida.
— Rhodan! — gritou o eco.
Goszul sentiu as primeiras gotas de suor porejarem em
sua testa enrugada.
— Fale — berrou Goszul para o pária. Perdera o
autocontrole diante dos numerosos patriarcas que,
dominados pelo eco, estavam encolhidos em suas
poltronas, cochichando aos grupos.
Levtan, o pária, iniciou seu relato.
* * *
A situação de Perry Rhodan e sua frota tornara-se
mais tranquila. As naves dos saltadores continuavam a
circular em torno do planeta de Goszul, mas não se
afastavam mais de cinco milhões de quilômetros. E, o que
era mais importante, os instrumentos da Stardust-III
revelavam que os mercadores trabalhavam
exclusivamente com os rastreadores estruturais, que
funcionavam com base em princípios hipergravitacionais.
Os mesmos não permitiam uma localização precisa num
raio de uma unidade astronômica, mas tornavam-se muito
eficientes a distâncias superiores a 150 milhões de
quilômetros.
As naves de Perry Rhodan mantinham-se a uma
distância de 35 milhões de quilômetros do planeta de
Goszul e esperavam. Esperavam uma mensagem de rádio,
um ataque. Esperavam que houvesse alguma coisa. Nada
aconteceu.
Subitamente o receptor emitiu um som. O decifrador
automático revelou o texto da mensagem, que ao ouvido
humano só se apresentava sob a forma dum chiado
instantâneo.
Rhodan leu o texto e não ocultou o desapontamento.
Era uma mensagem vinda de Terrânia. Fora enviada pelo
coronel Freyt. O destinatário era Perry Rhodan, chefe do
Governo Mundial.
Sem dizer uma palavra, este entregou a mensagem a
Bell, que já adivinhava seu conteúdo. Em tom contrariado
perguntou:
— É uma guerra de papéis vinda lá de baixo? Lá
embaixo — isso significava a Terra, o planeta que
finalmente alcançara a união sob a direção de Perry
Rhodan, a Terra em que já não existiam os blocos de
potências, que viviam gritando uns para os outros que
eram mais fortes. Ainda havia três grupos de interesses na
velha Terra, mas aos mesmos só cabia à tarefa de
entregar-se ao processo de autodissolução.
— Leia! — disse Perry ao amigo.
Bell leu bastante contrariado.
— Sempre há uns senhores que querem fazer política.
Bem, Freyt lhes dará umas palmadinhas. Não vamos
responder, não é, Perry?
— Não vamos responder — respondeu Rhodan
laconicamente. Tirou a mensagem das mãos de Bell e
entregou-a a Julian Tifflor, que estava de pé ao seu lado.
— Jogue isto no desintegrador, Tifflor.
Sem olhar para o papel, Tifflor atirou o mesmo para a
grade junto ao autômato. O papel desfez-se sem produzir
fogo ou fumaça.
Rhodan lançou um ligeiro olhar para o jovem. Seu
rosto delicado, que já trazia as marcas das tarefas
desempenhadas nas condições mais adversas, poderia
iludir tal quais os olhos castanhos e sonhadores. Julian
Tifflor podia ser tudo, menos frouxo ou macio. Era um
dos membros da geração jovem dedicada a Perry Rhodan,
que tinha nele o cadete mais fiel e capaz.
— Está com saudades de John Marshall, Tifflor?
130
Um brilho fugaz surgiu nos olhos castanhos. Esse fogo
revelara de que material era feito Julian Tifflor. Só por
uma fração de segundos deixara perceber seus
pensamentos. Ao responder, sua voz era tranquila:
— Não podemos estar sempre na linha de frente.
A espera enervante na sala de comando da Stardust-III
foi interrompida pela exclamação do engenheiro que
controlava os instrumentos:
— Emanações radiativas intensas no planeta de
Goszul. A área é limitada. Um instante, que a
interpretação logo virá.
Mesmo Rhodan concordou em esperar. Começou a
desconfiar de alguma coisa. Lançou um olhar pensativo
para o relógio. Em tom áspero, perguntou:
— Peço o tempo local do segundo planeta!
— 45,71! — foi a resposta vinda do posto de
cronometragem. Isso correspondia aproximadamente ao
meio-dia terreno.
No planeta de Goszul o dia já chegara ao zênite, e a
mensagem combinada com o grupo de mutantes ainda não
havia chegado.
— A interpretação chegou! — voltou a falar o
engenheiro dos instrumentos. — As radiações ocorreram
na cidade dos mercadores. Estão restritas a um raio de
cem a cento e cinquenta metros.
Os homens que se encontravam na sala de comando
pensaram em Marshall, Yokida, Ishibashi e Kakuta.
A faixa de ondas previamente convencionada não
trouxe a mensagem dos mutantes.
8
John Marshall acabara de “trazer” o tempo. Eram
23:104.
Os quatro homens que se encontravam na cela fizeram
seus cálculos; na Terra eram cerca de nove horas.
— A alimentação neste estabelecimento é muito
deficiente — disse Tama Yokida, o telecineta, em tom
seco. — Sugiro que procuremos alguma coisa para comer
— voltou a acariciar a ideia de usar suas forças
telecinéticas para tirar a pesada porta dos gonzos.
— Não — disse Marshall, que mais uma vez captara
seus pensamentos. — Não é necessário. Daqui a pouco
virão buscar-nos para participarmos da grande assembleia
dos patriarcas.
Os amigos olharam-no, desconfiados. Havia alguma
coisa na voz de Marshall que não lhes agradara.
— Sim — acrescentou o telepata, completando suas
informações. — Acontece que não participaremos na
qualidade de hóspedes, mas como testemunhas párias.
Levtan deve ter feito papel de louco, não abrindo mão da
exigência de que todos os membros de seu clã também
sejam interrogados.
— Que chefe de clã! — observou Tako Kakuta, que
geralmente costumava manter-se calado. — Meu pai não
teria agido dessa forma. Quando virão buscar-nos?
— O comando já está a caminho. Todo mundo vive
falando em Levtan. Já sabem em que lugar estavam
escondidos seus documentos. Dizem que Goszul mandou
alguns homens de seu clã à Lev-XIV, para retirá-los do
segundo cristal de pilotagem...
Kitai Ishibashi interrompeu as palavras de Marshall.
— Já me interessei por isso, e sei que o segundo
cristal de pilotagem não existe — no mesmo instante pôs
a mão na cabeça e soltou uma risada. — Formidável!
Ninguém desconfiaria de que os documentos pudessem
estar lá. Encontraram nossas armas e equipamentos?
— Os homens do comando não estão pensando sobre
isso — respondeu Marshall e aguçou o ouvido. — Não
são eles que estão chegando?
No corredor ouviram-se passos; as pisadas duras dos
robôs eram inconfundíveis.
A porta da cela abriu-se. Três armas paralisantes e
dois radiadores de impulsos foram apontados sobre eles.
— Saiam! — gritou um saltador.
Pelo uniforme devia ser um oficial. Sem dizer uma
palavra, o grupo de Rhodan saiu do alojamento pouco
acolhedor.
O transporte até o local da grande assembléia foi
realizado em grandes veículos em forma de tanque. Tako
Kakuta teve a impressão de que no dia anterior, quando o
guarda estava sendo levado ao local em que seria
submetido à lavagem cerebral, já estivera num veículo
desse tipo.
Ao descerem, viram-se cercados por uma companhia
de robôs de combate.
“Se esses camaradas de brinquedo nos
acompanharem até a sala de conferência e não tirarem
seus radiadores de nós, nossa situação poderá tornar-se
bastante difícil”, pensou Tama Yokida, e experimentou o
peso de um dos robôs.
Escolheu um dos indivíduos metálicos que estava na
fileira de trás, onde não podia ser visto por seus amigos
sem alma, nem por qualquer dos saltadores.
Tama Yokida limitou-se a “brincar” ligeiramente com
ele. O esforço que teve de fazer para levantar o robô numa
altura de cinquenta centímetros não foi maior que o de
quem mexe um dedo.
A experiência durou menos de um segundo. E Tama
Yokida ficou satisfeito com o resultado. Caminhando com
a maior tranquilidade atrás dos amigos, entrou no
gigantesco salão. Quando viu mais de mil patriarcas
enfileirados em confortáveis poltronas, conteve a
respiração por um instante.
Nunca esperaria encontrar essa multidão de caciques
dos clãs.
Marshall fez uma descoberta: apesar dos documentos
de Levtan, nenhum dos patriarcas que se encontravam no
recinto acreditava uma palavra daquilo que o mesmo dizia
a respeito de Perry Rhodan.
À sua frente, de ambos os lados, atrás deles, estavam
os robôs, e mais ao longe grupos de saltadores armados.
Foram conduzidos pelo largo corredor central em
direção ao presidente da grande conferência.
Banhado em suor, Levtan estava em sua pequena
tribuna e olhava para os membros de seu clã como um
homem que está prestes a morrer afogado.
Não sabia mais o que fazer. Ninguém acreditava nele
nem nas provas que apresentava — nos desenhos, nas
fotos em três dimensões, nos filmes.
— Isso não passa dum truque barato! — gritou um dos
patriarcas depois que um terço do filme havia sido
rodado, e a tela mostrou a decolagem de vinte e dois
131
couraçados que traziam o nome Stardust com uma
numeração seguida.
Levtan gritou de volta. Sabia que seu filme não era
nenhuma falsificação. Ele mesmo fizera a fotografia em
Vênus. Quando se arriscou a isso, por pouco não cai nas
mãos de um grupo de guardas de Rhodan. Lembrava-se
de todos os detalhes, mas suas palavras apenas
provocavam uma desconfiança tola e odienta.
Queria ajudar os saltadores! Era o único que poderia
mostrar-lhes a maneira de escapar ao perigo representado
por Perry Rhodan.
Perry Rhodan — era este o poder mais imenso que
jamais existira em meio às estrelas. O poderio de Perry
Rhodan equivalia ao triplo daquele que o Império de
Árcon atingira nos seus melhores tempos.
Com a voz rouca e suplicante, gritou:
— ...a cada cinco dias que passam um cruzador
pesado é construído. As naves de Perry Rhodan brotam do
solo de Vênus que nem cogumelos. Mercadores, eu... eu
vi com estes olhos... eu, que já fui um dos seus, e que fui
tratado por Perry Rhodan como se fosse um cachorro.
Rhodan nos odeia. Se nos atrevermos a atacá-lo, seremos
destruídos. Caçará os nossos clãs um por um...
Um raio de choque fechou-lhe a boca e o filme pôde
ser rodado sem ser interrompido por sua cantilena de
ódio.
Etztak, patriarca do clã de Orlgans, viu a tripulação da
Lev-XIV entrar. Afundado em sua poltrona e escondido
atrás das costas largas do gigantesco patriarca Slurd,
absorvia todas as impressões com sua vigilância
instintiva, sem deixar que nada o comovesse. Também o
filme não o comoveu.
Não acreditava nas imagens que estavam sendo
projetadas, e muito menos nos vinte e dois couraçados,
sem falar na afirmativa infantil de Levtan, segundo o qual
a cada cinco dias Perry Rhodan construía um cruzador
pesado em Vênus.
Ninguém lhe tirava da cabeça a ideia simplista de que
ainda hoje os milagres demoram para serem feitos.
— Gostaria de saber por que Goszul mandou trazer
essa gente da prisão — disse a Virn, patriarca do clã de
Sanko, que estava sentado à sua direita, acariciando
nervosamente a longa barba. — Será que teremos que
ouvir de novo toda a série de mentiras infames?
O vizinho da esquerda de Etztak era Gaxtek, o homem
que há muitos anos quase foi arruinado pelas falcatruas de
Levtan. Deu uma cotovelada no patriarca dos Orlgans,
chamando a atenção do mesmo para o espetáculo que se
desenrolava na mesa diretora, formada por um grupo de
nove patriarcas.
Entre esses nove patriarcas um dos documentos de
Levtan passava de mão em mão, enquanto o clã e a
tripulação dos párias se ia agrupando em torno de seu
comandante. Três robôs mantinham-se mais ao longe,
prontos para dirigirem impiedosamente os raios
mortíferos de suas armas sobre os proscritos. Seu centro
positrônico estava regulado especialmente sobre os párias.
Pela primeira vez Etztak endireitou o corpo e,
lançando os olhos por cima do ombro largo de Slurd,
contemplou a mesa diretora.
Estreitou os olhos. Pensou que estivesse vendo uma
alucinação. Viu que os membros da mesa diretora
demonstravam um interesse surpreendente ao
examinarem um dos documentos de Levtan. O patriarca
Goszul formava o centro do grupo que discutia
animadamente.
Levantou a cabeça e dirigiu uma pergunta a Levtan.
Etztak começou a desconfiar também dos seus ouvidos.
Que tom de voz era este que Goszul punha na sua
pergunta?
O pária viu suas chances subirem. Até agora
respondera com a voz estridente, ou em tom choroso e
suplicante. Agora respondeu com a voz firme:
— Produção diária de destróieres da classe C, três
unidades; da classe G, quatro unidades, e oito unidades da
classe H, a maior de todas.
Mais uma vez Goszul discutiu animadamente com os
membros da mesa diretora da grande conferência. Depois
de algum tempo ordenou:
— Vejamos o segundo filme. Projeção, por favor!
Etztak voltou a mergulhar em sua poltrona,
desaparecendo atrás das costas do gigantesco patriarca
Slurd. Não se interessou pelo filme que estava sendo
projetado, nem respondeu às perguntas de Gaxtek.
Apenas seu corpo se encontrava no gigantesco salão.
Em pensamento estava no interior de sua nave, e esta
estava envolvida num combate com os cruzadores de
Perry Rhodan.
Naquele tempo acontecera alguma coisa — uma coisa
impossível, mas real. O que seria?
Etztak mergulhou cada vez mais profundamente nessa
indagação; pretendia descobrir a resposta, custasse o que
custasse.
Não via nem ouvia o que se passava em torno dele.
Foi o único patriarca que não participou da grande
conferência.
* * *
O grupo de Rhodan encontrava-se no meio do clã de
Levtan. Praticamente no centro do grupo, mantinham-se
bem juntos e, tal qual o patriarca, assistiram a um filme
que os teria entusiasmado — se representasse a verdade.
O filme tridimensional mostrava uma gigantesca
batalha espacial. As esquadrilhas de couraçados e
cruzadores de Perry Rhodan lutavam contra um inimigo
que era muito mais forte que ele, para quem se baseasse
no número de naves.
Levtan arriscou um comentário.
— Local da batalha: a Nebulosa de Xaders.
A Nebulosa de Xaders era um dos nomes encontrados
no catálogo estelar dos mercadores. Perry Rhodan não se
esquecera de nenhum detalhe, quando refletiu sobre o que
Levtan devia dizer a respeito desse filme para que os que
o ouvissem acreditassem nele.
O catálogo dos saltadores encontrado na Lev-XIV
prestara-lhe ótimos serviços. A Nebulosa de Xaders
ficava na extremidade oposta da Via Láctea, e entre os
mercadores era conhecida como a região mais perigosa da
Galáxia. Até agora toda e qualquer nave que se
aproximasse da Nebulosa de Xaders a menos de cinco
unidades astronômicas desapareceria sem deixar vestígio.
Nenhum pedido de socorro, nenhuma nave salva-vidas
dava notícia do desastre. E agora o filme de Perry Rhodan
desvendava o segredo da Nebulosa de Xaders.
O formato das naves utilizadas pela raça que habitava
132
a Nebulosa era estranho e apavorante. Consistiam de três
gigantescas esferas grudadas umas às outras. A do centro
tinha um gigantesco furo que a atravessava de lado a lado
e devia ter um diâmetro de quinhentos metros.
O filme mostrou a vitória de Rhodan sobre a raça da
Nebulosa de Xaders.
Quando a fita terminou, o pavor tomou conta da
grande assembleia. Todos se mantinham em silêncio, e
assim continuaram inclusive Levtan.
Ninguém deu atenção aos quatro homens do clã de
Levtan que se mantinham bem unidos em meio aos
tripulantes da nave.
Dois deles estavam trabalhando: Kitai Ishibashi, o
sugestor, e John Marshall, o telepata.
Lançando mão de todas as suas energias mentais, o
médico e psicólogo japonês obrigou o patriarca Goszul a
submeter-se à sua vontade. De início concentrou a força
de seus dons sobre ele. Sem que o soubesse, Goszul sentiu
os efeitos tremendos do método progressivo.
“Acredite no que o filme acaba de mostrar e nos
dados constantes dos documentos. Acredite naquilo que
Levtan e seu clã estão prontos a declarar sob juramento.
O poder de Perry Rhodan é infinitamente superior ao de
vocês. Desista da ideia de atacar a Terra ou voar para a
base de Vênus. Seria um voo para a morte.”
John Marshall encarregou-se dos cérebros dos homens
que ao lado de Goszul dirigiam os trabalhos da grande
conferência. O poder de sua mente não era igual ao do
japonês, mas tornou mais fácil a este mergulhar os
patriarcas na hipnose profunda, fazendo com que
acreditassem estarem agindo por sua livre vontade.
O silêncio que reinava no recinto rompeu-se como
uma fina parede de vidro. Numa pergunta proferida em
tom estridente, o patriarca Resd exigiu que Levtan lhe
prestasse as informações que desejava.
Levtan acreditava no que estava dizendo. Acreditava
ter visto e sentido tudo aquilo. E também acreditava no
ódio que nutria por Rhodan. Foi justamente esse ódio
desenfreado que tornou plausíveis suas informações.
Um cérebro atrás do outro se submetia a Ishibashi. Os
patriarcas iam reconhecendo que, se atacassem Rhodan,
estariam selando sua própria destruição.
Do lado direito do recinto o pânico começou a
fermentar e ameaçava transbordar. Com a voz estridente
Levtan gritou sua resposta nessa direção.
— Vi a arma. Quando Rhodan a acionou, uma enorme
cadeia de montanhas desapareceu sem deixar para trás
nem uma nuvem de gases. Quando fugi, essa arma estava
sendo montada em todas as naves de Rhodan.
Goszul começou a falar. Em tom autoritário exigiu
silêncio, mas o pânico espalhou-se como um veneno sutil.
— Será que aquilo que acabamos de ouvir não basta?
O último filme do arquivo de Rhodan ainda não nos
convenceu? Isto sem falar nos documentos que se
encontram diante da mesa diretora da grande conferência.
Patriarcas dos mercadores galácticos, um pária nos
adverte para que não percorramos a trilha que levará
nossa raça à destruição. Não quero convencer ninguém
com as minhas palavras. Não posso exibir os documentos
de Levtan a todos os patriarcas. Peço aos ocupantes das
primeiras três fileiras que se levantem e venham olhar.
Kitai Ishibashi realizou um trabalho inacreditável.
Suas forças mentais haviam desencadeado o pânico. Um
cérebro atrás do outro estava sendo submetido ao poder
de sua mente. Os patriarcas se iam convencendo da
veracidade das declarações de Levtan e começavam a
temer a força de Rhodan.
Indiferentes como os membros do clã dos párias, Tako
Kakuta, o teleportador, e Tama Yokida estavam
imprensados em meio ao grupo. Limitavam-se a observar,
a registrar os acontecimentos.
Viram que o lance galático de Perry Rhodan colocava
os mercadores numa posição de xeque-mate.
Subitamente o coração de Kakuta começou a palpitar.
Onde estava Levtan? Não o via em parte alguma.
Por algumas frações de segundo conseguia enxergar o
lugar em que o pária, de pé numa pequena tribuna, fizera
suas declarações. Os patriarcas curiosos que se dirigiam à
mesa iam obstruindo a visão.
Será que Goszul chamara Levtan, para fornecer
explicações sobre os documentos aos membros da mesa
diretora?
Tako Kakuta não conseguiu descobri-lo por lá. Tama
Yokida notou algo de estranho no amigo.
— O que houve? — cochichou.
— Levtan desapareceu — respondeu o teleportador,
também em voz baixa.
Tama Yokida virou-se para os robôs. Os vigilantes
continuavam no mesmo lugar, com as armas apontadas
para eles.
— Deve estar aqui.
— Mas onde? Não o vejo! Há esta hora devíamos vê-
lo — disse Kakuta com a voz quase incompreensível.
Sentiu que uma aflição tremenda começava a sacudi-lo.
Deu uma cotovelada em John Marshall. O retorno ao
mundo real quase chegou a ser doloroso para o
australiano. A interrupção consumira tamanhas energias
mentais que no momento não foi capaz de entender os
pensamentos de Tako Kakuta.
O teleportador teve que transmitir-lhe a notícia
inquietante aos cochichos.
Marshall, que era bem mais alto que o teleportador
japonês, procurou localizar Levtan.
Não o encontrou. Não estava junto à mesa diretora,
onde os patriarcas continuavam a acotovelar-se, nem no
meio da multidão, nem no largo corredor central.
— Quando começou a notar a falta dele? — perguntou
Marshall tranquilamente.
— Há dez minutos; talvez sejam oito. Não sei dizer
exatamente. Procure-o, Marshall. É a primeira vez que
tenho medo de verdade. Parece que alguma coisa não deu
certo.
O nervosismo de Tako Kakuta foi contagiante. John
Marshall respondeu com um ligeiro aceno de cabeça, e
através de suas energias telepáticas procurou localizar
Levtan.
* * *
Etztak viu que os patriarcas que se encontravam nas
primeiras três filas levantaram-se e correram para a mesa
diretora, a fim de apresentar as provas oferecidas por
Levtan.
Etztak, patriarca do clã de Orlgans, também se
levantou, e isso com uma rapidez de que ninguém o
julgaria capaz. Sua poltrona ficava próxima ao corredor
133
central.
Resmungando desculpas, abriu caminho entre quatro
patriarcas, viu-se no corredor e olhou para a saída
principal.
Acenou ligeiramente com a cabeça e aguardou os
acontecimentos.
No primeiro minuto não aconteceu nada, mas dali a
dois minutos Levtan não estava mais na sua tribuna. Um
dos mercadores que tinham ido à mesa diretora passou tão
perto que esbarrou nele. Pediu desculpas. Etztak fez uma
careta.
Dali a um minuto — ou seja, três minutos depois de se
ter levantado — virou-se lentamente, como alguém que
respira profundamente antes de dar um salto.
* * *
Quando Marshall lhe apertou o braço com tamanha
força que parecia querer arrancar-lhe o bíceps, Tako
Kakuta percebeu que tinha havido uma catástrofe.
— Etztak e o clã de Orlgans levaram Levtan para
submetê-lo à lavagem cerebral! — cochichou Marshall
aflito.
“Isto é o fim”, pensou Kakuta num acesso de pânico.
Ia voltar-se para Marshall, mas deteve a cabeça em meio
ao movimento.
Marshall movia os lábios. Cochichava uma ordem
quase imperceptível. A ordem era dirigida a Kitai
Ishibashi.
O sugestor compreendeu. John Marshall sabia
localizar Levtan e ler seus pensamentos, mas nada podia
fazer para impedir a lavagem cerebral. Nem mesmo Kitai
poderia evitá-la. Mas podia fazer outra coisa.
Marshall captou a angústia mortal de Levtan.
Identificou todos os pensamentos: a defesa desesperada
do pária, os golpes que distribuía com as mãos e os pés
para não ser submetido à lavagem cerebral. Sabia qual
fora o destino da grande massa de indivíduos submetidos
a essa tortura. Todos perderam a razão em virtude do
tratamento.
Marshall também captou os pensamentos de Etztak.
Etztak — esse nome equivalia a um sinal de alarme.
Etztak desconfiara e resolvera agir imediatamente.
John Marshall lembrou-se do povo escravizado do
planeta, e lembrou-se da Terra indefesa e do destino que a
aguardaria se os saltadores pusessem os pés nela. Seria a
escravização total.
O aparelho que agiria sobre a mente de Levtan devia
ter sido ligado. A lavagem cerebral! Seria a revelação do
lance galáctico de Perry Rhodan!
John Marshall pensou na Terra e no destino que a
aguardava, quando indicou a posição a Ishibashi.
9
Com o rosto petrificado Etztak contemplou os quatro
homens de seu clã, que acabavam de dominar Levtan.
O pária defendera-se desesperadamente.
Um dos filhos de Orlgans fora jogado ao chão,
gemendo e segurando o ventre. Seu sobrinho mais novo
estava enxugando o sangue do queixo. Mas Levtan teve
de capitular diante da tremenda superioridade. Com uma
cruel indiferença Etztak viu que os feixes de radiações
cingiam o peito do pária. Dentro de poucos segundos o
respectivo campo energético estabilizou-se, condenando o
pária à imobilidade.
— Saia da frente! — gritou Etztak para o sobrinho.
— Sim senhor — fungou o jovem mercador e saltou
para o lado.
O próprio Etztak pôs o aparelho a funcionar.
Os protestos desesperados de Levtan cessaram. O
pária conformara-se com o destino cruel. Não acreditava
num milagre que pudesse salvá-lo. E para ele não houve
nenhum milagre.
Limitou-se a atirar a cabeça para trás — era a única
parte do corpo que conseguia mover. Depois disso foi
atingido pela força do aparelho, que penetrou nas idéias e
nas memórias armazenadas em sua massa cinzenta.
— Etztak — disse com um gemido — os deuses
castigarão você e seu clã por...
Não completou a frase.
Levtan já não era senhor de si mesmo. Teria que
entregar todo o saber, todos os mistérios que se
encerravam em sua mente, e pagaria isso com a razão.
O patriarca cruel saltou para frente.
— Saiam à frente! Ordenou, aproximando-se de
Levtan e lançando-lhe um olhar preocupado. — O que
houve com o traidor? — gritou. — Será que está
morrendo? — apontou para Levtan, cuja cabeça estava
imóvel, levemente inclinada para o lado.
* * *
Quando percebeu que não conseguia captar mais
nenhum pensamento de Levtan, Marshall soube que a
lavagem cerebral fora iniciada.
A catástrofe aproximava-se vertiginosamente. Etztak
estava a ponto de desvendar o mistério em torno das
relações entre Levtan e Perry Rhodan.
A mais de mil anos-luz do sistema solar, a destruição
da Terra estava sendo encetada no planeta de Goszul.
John Marshall transformara-se num tático frio.
Sobrecarregando suas forças ao máximo interveio em
tudo, não negligenciou nada, não perdeu nenhuma
oportunidade. Arranjou tempo para orientar as forças de
Kitai Ishibashi para outro objetivo e dar uma ordem
terrível a Tako Kakuta, o teleportador.
— Prepare-se para um salto para o depósito de
bombas.
O delicado japonês nem pestanejou ao receber a
ordem de Marshall. Preparou-se; sabia que a qualquer
momento a catástrofe poderia desabar sobre eles.
As forças telepáticas de John Marshall voltaram a
exercer-se na área em que Levtan estava sendo submetido
à lavagem cerebral.
Kitai Ishibashi, o sugestor, trabalhou mais uma vez
sobre Goszul, antes de unir suas forças às de Marshall.
A cabeça calva do saltador virou-se ligeiramente para
a tripulação da Lev. Não notou a ausência do comandante
dos párias. Os três guardas-robôs continuavam no mesmo
lugar. Cochichou alguma coisa para o homem que se
encontrava a seu lado. Este acenou com a cabeça e
levantou-se. Pouco depois Tako Kakuta viu-o atrás dos
134
robôs. Os robôs foram dispensados.
Os verdadeiros tripulantes da Levtan nem o
perceberam. O ligeiro nervosismo causado pelo
desaparecimento do comandante proscrito já cessara.
Kitai Ishibashi trabalhou depressa. Mas o perigo ainda
não fora removido; continuava grave como antes. Sob a
orientação de John, Kitai empenhou todas as forças numa
luta titânica contra o coração de Levtan. O mesmo tinha
que ser paralisado, e já!
Etztak não poderia receber a menor indicação que
aumentasse a desconfiança que já se instalara em seu
espírito.
Kitai perdeu por completo a noção do tempo. Não
sabia se o teleportador estava preparado para saltar, não
sabia se Goszul providenciara para que os três robôs
fossem afastados, não sabia se os tripulantes da Lev já
deixaram de preocupar-se com o desaparecimento de seu
comandante. Crescera acima de si mesmo.
Em suas mãos jazia o destino dum mundo — a Terra.
E houve mais um estímulo que lhe conferia energias
titânicas: Perry Rhodan confiava em sua capacidade. Ele
mesmo, um dos combatentes da Terceira Potência de
Perry Rhodan e do futuro império cósmico, travava o
combate mais cruel de sua vida.
Subitamente os músculos cardíacos de Levtan
contraíram-se num espasmo, enrijecendo sob a força das
energias hipnóticas. Kitai percebeu que em certo setor do
espaço, onde Levtan estava submetido ao poder de Etztak,
não havia mais nada que representasse o comandante dos
párias.
Levtan não poderia revelar o plano de Perry Rhodan.
Seu coração parara. Mas o perigo continuava a
aproximar-se do grupo.
Esse perigo era Etztak, um patriarca que não recuava
diante de nada, o protótipo do mercador galático, que não
hesitava em valer-se dos métodos mais brutais para
alcançar seus objetivos.
— Tirem-no daqui! — berrou, apontando para o
cadáver de Levtan. — Tragam dois ou três párias de seu
clã. Quero saber o que está atrás dessas declarações a
respeito de Levtan.
Tama Yokida estava condenado a um papel de simples
observador. O treinamento a que Rhodan o submetera
dava-lhe forças para não mostrar o menor sinal de
inquietação, mas na verdade toda a mente do japonês,
geralmente tão equilibrado, fervilhava.
Viu que Kitai Ishibashi, o sugestor, quase se consumia
no esforço interior, chegando progressivamente à
exaustão total; descobriu os primeiros sinais de fraqueza
em John Marshall, o telepata; e viu que Tako Kakuta, que
se encontrava a seu lado, concentrava-se para o salto.
Finalmente, Tama Yokida viu que o pânico se espalhava
entre as fileiras de poltronas que nem um veneno sutil,
apossando-se das mentes dos patriarcas, em cujos
cérebros ganhava corpo a ideia de que qualquer ataque a
Perry Rhodan ou ao seu planeta traria a morte.
Nada parecia indicar a iminência duma catástrofe, mas
Tama Yokida viu a mesma aproximar-se.
— Traga uma bomba! — cochichou Marshall ao
ouvido de Kakuta. — Faça-a detonar dentro de três
minutos. Mande este salão para os ares.
Tako Kakuta não saltou imediatamente. Mudou de
lugar, passando entre Marshall e Ishibashi. Os dois
cobriram-no com seus corpos.
Foi nesse instante que o teleportador saltou para o
depósito de bombas. Rematerializou-se sobre uma pilha
de bombas. O pouso não fora totalmente silencioso.
Ligeiramente abaixado, mantinha-se de pé sobre os
artefatos de vinte centímetros de comprimento, aguçando
o ouvido. Três bombas haviam batido ruidosamente umas
contra as outras.
Ouviu passos. O “rosto de mercador” de Tako
Kakuta, inalterado sob a máscara, contorceu-se num
sorriso. Os passos que acabara de ouvir eram dum ser de
carne e ossos.
Será que os saltadores usavam os goszuls — os
escravos — como guardas?
A pilha sobre a qual se encontrava tinha mais de três
metros de altura. As outras pilhas, muito numerosas, não
eram menos altas. As passagens existentes entre as
mesmas pareciam vielas estreitas.
O guarda surgiu de trás de uma das pilhas.
Aproximava-se sorrateiramente, segurando uma arma de
impulsos em cada mão, mas não olhava para cima. Nem
desconfiava de que o perigo pudesse estar ali.
Sem fazer o menor ruído Tako Kakuta pegou uma das
bombas. Era leve: pesava menos de trinta quilos. Era
quanto bastava.
O guarda estava bem embaixo dele. O saltador
estacara em meio ao passo que ia dar.
“Que diabo”, pensou Tako Kakuta contrariado, “esse
sujeito tem um ouvido excelente. Sabe perfeitamente que
foi daqui que veio o barulho.”
Ao soltar a bomba, não causou o menor ruído. Mas
houve um forte baque quando a mesma bateu na cabeça
do mercador. E um verdadeiro estrondo fez-se ouvir
quando deslizou pelo corpo do saltador e bateu no chão.
Tako contou até dez. Tudo continuou em silêncio no
interior do depósito. Não havia outro guarda além do
saltador inconsciente.
O teleportador lembrou-se da ordem de Marshall:
— A bomba tem que ser detonada dentro de três
minutos.
O incidente já lhe custara um minuto! E aqui havia um
estoque imenso de bombas de todos os calibres, mas
nenhum detonador.
Teleportou-se para a viela que começava ao lado do
mercador inconsciente. As duas armas de impulsos
vinham bem a propósito. Mudaram de dono. Tako Kakuta
enfiou a bomba sob o braço e saiu correndo pela
passagem entre as pilhas. Com quatro passos atingiu o
primeiro cruzamento. Olhou apressadamente para os
lados, estendeu a mão e pegou um detonador.
Noventa segundos já se haviam passado quando o
detonador estava preso à pequena bomba atômica.
No mesmo instante Tako Kakuta teleportou-se de
volta para o salão em que estava sendo realizada a grande
conferência dos patriarcas.
* * *
— Dentro de três minutos deverá ser detonada! —
dissera John Marshall ao teleportador. Com isso dera aos
amigos um prazo extremamente curto para escaparem ao
perigo.
Se usassem o largo corredor central gastariam mais de
135
um minuto para atingir a saída, isso se nenhum patriarca
procurasse detê-los. E ainda tinham de contar com a
possibilidade de, lá fora, se defrontarem com os robôs.
— Vamos usar a saída que fica atrás da mesa diretora!
— cochichou Marshall.
Mais uma vez Kitai Ishibashi concentrou todas as
energias. Mais uma vez derramou suas forças sugestivas
sobre a multidão dos patriarcas que se comprimia em
torno da mesa. A sugestão profunda dirigida aos
saltadores, no sentido de que estes não vissem nada de
anormal em sua saída, foi breve e potente.
O dia do planeta de Goszul era mais longo que o dia
terreno. Apesar disso Marshall baseava-se nos minutos de
nosso planeta.
Levaram quarenta segundos para atingir a estreita
passagem lateral.
Atrás deles o pânico continuava a espalhar-se. Em
centenas de cérebros fixara-se a ideia de que seria uma
loucura envolver-se numa luta com Perry Rhodan.
Tama Yokida viu um veículo parado na outra
extremidade do gigantesco edifício. Lançou mão de suas
energias telecinéticas.
O veículo aproximou-se vertiginosamente, desviando-
se dos obstáculos que se interpunham em seu caminho,
como se alguma pessoa extremamente hábil o dirigisse.
Enquanto percorria os últimos cem metros, viram que
estava ocupado.
Mais uma vez Kitai Ishibashi interveio. O método
progressivo durou apenas alguns segundos. Foi o tempo
suficiente para que o mercador que se encontrava no
interior do veículo se esquecesse de que, apavorado,
fizera tudo para parar o carro. Sem demonstrar o menor
espanto, desceu, cumprimentou os três estranhos e disse:
— Entrem, por favor.
John Marshall acabara de contar o segundo minuto.
Restavam-lhes sessenta segundos para afastarem-se a uma
distância suficiente até o momento em que Tako Kakuta
fizesse detonar a bomba no interior do salão.
Saltaram para dentro do carro. O veículo acelerou a
toda e saiu em disparada. Reunindo as forças de seu
cérebro, Marshall voltou a escutar o que se passava nos
cérebros dos patriarcas que se comprimiam em torno da
mesa diretora.
Um misto de medo e cólera atingiu-o como uma
interferência perturbadora. Levou alguns segundos para
encontrar uma explicação para a confusão. Depois
compreendeu o que se passava lá dentro.
Etztak enviara alguns homens do seu clã para trazer
outros homens da tripulação da Lev que serviriam de
vítimas para a lavagem cerebral, e os párias resolveram
defender-se.
Nesse instante Kitai Ishibashi berrou pela terceira vez:
— Quanto tempo nos resta?
Num processo doloroso Marshall retornou à realidade
que o cercava. O veículo passava por um grupo de robôs.
Os seres mecânicos não lhe deram atenção; controlavam
apenas a saída principal.
Tama Yokida pilotava o veículo voador. No momento
em que entrava na larga avenida que ia para o
espaçoporto, forças gigantescas atiraram o veículo para o
alto.
O grito de Kitai Ishibashi foi engolido por um rugido
primitivo.
* * *
Com a bomba ativada sob o braço, Tako Kakuta
materializou-se no subterrâneo do gigantesco salão.
Cautelosamente colocou a bomba no chão, fez mais
um salto e, que nem um macaco, ficou preso ao teto do
salão, no ponto exato em que as quatro travessas que
sustentavam o teto se encontravam. Lançou um olhar para
a profusão de crânios de patriarcas. Para ele isso
representava um exame de posições.
Numa teleportação vertical desceu novamente ao
subterrâneo. A escuridão não constituía nenhum
obstáculo. Bem ao longe, na outra extremidade do teto
abobadado, uma lâmpada espalhava sua luz débil. Com a
bomba sob o braço, voltou a realizar um salto.
A luz foi apenas suficiente para ler a escala do
detonador.
O prazo de três minutos havia chegado ao fim. Tako
tinha certeza absoluta. Seu sentido do tempo nunca o
enganava.
A detonação se daria dentro de dez segundos.
Por um instante lembrou-se de John Marshall, Tama
Yokida e Kitai Ishibashi. Naquele instante julgava os
amigos capazes de realizar o impossível. O contador de
tempo do detonador começou a funcionar.
Tako Kakuta concentrou-se no espaçoporto e saltou
em direção ao mesmo.
* * *
Sem que ninguém o percebesse, Thora, a arcônida,
entrou na sala de comando da Stardust-III. A mulher alta
e bela, uma das poucas criaturas do império estelar de
Árcon que não se deixara dominar pela letargia sob a qual
o poderio dos arcônidas se esfacelava, lançou um olhar
indagador para Crest.
— Estão perdidos, desaparecidos, não é? — a
pergunta não representava uma simples constatação, mas
uma afirmativa terminante, que não admitia a menor
contradita.
Bell virou-se abruptamente na sua poltrona.
— Pois está enganada! — disse em tom agressivo.
Havia ocasiões em que não suportava o pessimismo
virulento dos arcônidas. E hoje era uma dessas ocasiões.
— Pois prove que estou errada, Reginald Bell! —
respondeu a arcônida em tom mordaz, sem dar atenção a
Crest, que colocou a mão sobre seu braço, pedindo-lhe
que procurasse dominar-se.
Thora não queria dominar-se. Depois de tanta demora
desejava ir para Árcon, para casa. Queria obrigar Perry
Rhodan a cumprir sua promessa.
De tão nervosa que estava não notou o brilho suspeito
nos olhos de Bell. Mas Perry viu-o e já estava
adivinhando a resposta que o esquentado Bell soltaria.
— Com o maior prazer, Thora — principiou Bell num
tom pacato que dava para desconfiar. — A prova está
naquilo que a senhora vive afirmando. Para a senhora
somos bárbaros semisselvagens. Acontece que uma
criatura semisselvagem é, sob todos os pontos de vista,
mais estável e resistente que um povo altamente evoluído,
que atingiu um estágio em que se transformou num grupo
de deuses indolentes. Espere aí, Thora, a senhora ainda
136
não ouviu as provas que tenho a oferecer...
Ainda estava rindo depois que a escotilha que dava
para o corredor principal da nave se fechara atrás da
arcônida, que se retirara apressadamente.
Crest aproximou-se de Bell; parecia pensativo.
— Se um dia Thora voltar a praticar um ato que para o
senhor é uma tolice perigosa, a culpa será sua.
Bell fez um gesto de desprezo e ia reclinar-se
confortavelmente no assento, quando o alarme de
localização começou a uivar.
As naves dos saltadores estavam decolando do planeta
de Goszul. Não era duas ou três, nem dez. A localização
registrou mais de cem naves. As pessoas que se
encontravam na sala de comando lembraram-se da
pequena explosão atômica ocorrida no planeta. Menos de
meia hora se passara desde então.
— Abalos estruturais! — gritou exaltado o oficial que
controlava os rastreadores. — Meu Deus, tão perto!
O “perto” dizia respeito ao planeta de Goszul.
Agindo desarrazoadamente, as naves dos saltadores
lançaram-se à transição, sem a menor consideração pelo
planeta habitado.
— Uma série ininterrupta de transições! — continuou
a falar o oficial em tom exaltado.
Subitamente a voz de Perry Rhodan fez-se ouvir. Era
uma voz que impunha silêncio a todos.
— Realizaremos a transição dentro de oito segundos.
Daremos um salto de volta numa distância de oito dias-
luz.
A programação da Stardust-III e dos três cruzadores
pesados de Rhodan era atualizada constantemente pelo
grande cérebro positrônico do supercouraçado, para que a
qualquer momento pudesse realizar uma transição no
mais curto espaço de tempo.
— ...quarenta e três ...quarenta e quatro ...agora são
três de uma vez ...quarenta e oito... — contava o oficial
que controlava o rastreador estrutural.
Para a frota de Rhodan ainda faltavam cinco segundos.
Depois a mesma também realizou seu salto a pequena
distância. As quatro naves saltaram ao mesmo tempo,
para que houvesse um único abalo. Com as tensões
tremendas a que os saltadores estavam submetendo a
estrutura espacial, seria praticamente impossível que a
transição da frota terrena fosse registrada no planeta de
Goszul.
Rhodan e Reginald Bell olharam-se.
A contagem automática chegara ao zero. Nas quatro
naves o espaço cósmico com o esplendor dos sóis
fulgurantes desfez-se, abrindo-se para envolver o
couraçado e os três cruzadores pesados no processo de
transição.
* * *
Tako Kakuta voltou a materializar-se na sala de
comando da Lev-XIV.
Três mercadores levantaram-se apavorados quando
subitamente viram diante de si um homem vindo do nada.
Mas o pavor ainda não se desenvolvera em toda plenitude
quando, num gesto automático, moveram as mãos para
pegar as armas.
Sem perder o sangue-frio, Tako apertou o gatilho das
duas armas de impulsos de que acabara de apoderar-se.
Disparou três vezes. O sistema de exaustão uivou,
expelindo três nuvens de gases.
O teleportador virou-se abruptamente. Só agora teve
tempo de examinar a sala de comando da nave dos párias.
A escotilha estava fechada. Se havia outros mercadores
que vigiavam a nave, os mesmos não perceberam a luta
que acabara de travar-se.
Os olhos de Tako passaram apressadamente pelos
diversos objetos. De repente os mesmos arregalaram-se, e
Tako praguejou. Um dos instrumentos mais importantes
da Lev-XIV fora destruído: o cristal de pilotagem.
Apavorado, dirigiu o olhar para a tela de visão global.
Procurou desesperadamente outro veículo espacial
cilíndrico do mesmo tipo da Lev-XIV.
Viu um bem ao longe, quase na extremidade oposta do
gigantesco porto espacial. No mesmo instante teleportou-
se para a sala de comando da nave.
Materializou-se do nada atrás dum saltador que
cochilava. A coronha de sua arma não pertencia ao nada:
era a mais dura realidade. A pancada fez o mercador cair
ao chão, inconsciente.
— Bendita seja a técnica arcônida! — cochichou
Tako, enquanto com um simples movimento de mão
arrancou o instrumento com o cristal de pilotagem. A
técnica arcônida não conhecia as perigosas ligações por
fios, às soldas que se derretiam com facilidade ou chaves
estampadas inquebráveis.
Eles, os arcônidas, seguiram pelo caminho mais fácil.
Tako Kakuta os estava elogiando acima de todas as
medidas quando a nave foi atingida por uma imensa vaga
de compressão, e meia dezena de suportes se dobraram
com um estalo.
Já estava de volta na Lev-XIV, preparado para
enfrentar a onda de compressão.
Arrancou o instrumento destruído do painel, atirou-o
num canto, colocou a peça sobressalente que acabara de
“arranjar” e não se preocupou quando a onda de
compressão também sacudiu a Lev-XIV.
— Bendita seja a técnica arcônida! — voltou a dizer, e
só então aguçou o ouvido para saber o que se passava lá
fora.
A onda de compressão desencadeada por sua bomba
atômica acabara de passar. Não causara o menor dano à
Lev-XIV. No longo caminho que tivera de percorrer até
atingir a extremidade oposta do espaçoporto perdera
muito de sua força destrutiva.
Tako pôs-se a caminho para limpar a Lev-XIV dos
mercadores que ainda pudessem importuná-lo com sua
presença. Não encontrou ninguém e pôs-se a esperar na
grande comporta. Não eram eles que estavam chegando?
Tako estreitou ainda mais os olhos oblíquos e sorriu.
Aquilo só podia ser Tama Yokida.
O telecineta transformara o lento deslizador num
veículo que se deslocava em voo rasante. Com as energias
de sua mente fazia-o correr em direção à Lev-XIV. De
uma altura de trezentos metros desceu sobre a nave dos
párias.
Até o coração de Tako Kakuta começou a palpitar
quando, ao chegar junto ao solo, perto da rampa, o
veículo ainda desenvolvia uma velocidade tremenda.
Mas não se ouviu o baque da batida nem o estalo dos
materiais que se partiam. O veículo pousou suavemente.
No mesmo instante os amigos de Tako corriam
desesperadamente rampa acima.
— Vamos decolar! — gritou Marshall. — Estão atrás
137
de nós. Maldito Etztak!
* * *
Etztak viu os muros de concreto arrebentarem. Parte
do teto desabou, soterrando os membros do clã. Mas não
viu nem ouviu nada do inferno que desabava sobre ele.
“As radiações!”, martelava seu cérebro. “A dose é
mortal!”
Atirou-se contra a porta empenada e correu para a sala
contígua. Sabia que ali havia trajes espaciais.
E um traje desses foi sua salvação. Envergou-o e,
passando pelo buraco aberto no teto, atingiu o ar livre;
lutando contra o furacão desencadeado pela bomba,
chegou ao salão de reuniões. Sentiu um frio na espinha.
Até onde alcançava a vista só havia devastação, mas
também havia vida.
Passando pela gigantesca abertura — do teto do salão
só restava um terço — flutuou para baixo. Um olhar para
o medidor de radiações mostrou-lhe que a dose já não era
perigosa. Abriu o capacete e gritou para o primeiro
patriarca que, cambaleando por cima dos cadáveres,
procurou atingir a saída. Agarrou o décimo, o vigésimo, e
finalmente encontrou alguém que lhe disse que três
homens da tripulação de Levtan haviam abandonado o
salão, utilizando a saída atrás da mesa diretora.
Resmungando uma praga, Etztak fez com que o traje
espacial o levasse através do salão. Só viu cadáveres. Até
parecia milagre: a maior parte dos comprovantes de
Levtan estava intacta aos pés de Etztak.
Enfiou-os apressadamente no bolso. Não havia mais
nada a fazer por ali. Passou pela gigantesca abertura no
teto e dirigiu-se velozmente para o espaçoporto.
— Três deles fugiram — disse numa fúria impotente.
— Três elementos desse clã maldito. A vingança deles foi
terrível, mas esqueceram-se de me incluir nos seus
cálculos. Eu os agarro! Minha nave é mais veloz que a
deles.
O ódio de Etztak ia crescendo, e ele nem suspeitava de
que Marshall captava seus pensamentos como se estes
tivessem sido emitidos por uma potente emissora.
* * *
Os propulsores da Lev-XIV uivaram terrivelmente
quando a nave se desprendeu do solo, precipitando-se em
direção ao céu luminoso. Estava sendo pilotada por John
Marshall.
Na sala de comando não foi trocada uma única
palavra.
Marshall ainda se encontrava no planeta de Goszul,
embora seu corpo corresse pelo espaço no interior da Lev-
XIV. Experimentou o pânico dos patriarcas que
sobreviveram à bomba de Tako Kakuta.
O medo dominava todos, mesmo os que não tinham
sido submetidos ao tratamento. Era o medo do poderio de
Perry Rhodan. Ninguém pensou na terrível explosão.
Ninguém via nela uma obra de Rhodan. O medo que
sentiam por ele sobrepujava tudo.
Tama Yokida fitou o velocímetro como se fosse um
inimigo. A aceleração da Lev-XIV era terrivelmente
lenta.
O planeta de Goszul foi mergulhando no espaço,
transformando-se numa esfera. A tela de visão global
mostrou uma cidade grande e ampla que surgiu na
extremidade sul do continente, até que uma camada de
nuvens a cobriu.
— Localização! — disse Tako Kakuta.
— Estão chegando! Se não me engano é um grupo de
destróieres, mas também há mais grande nave mercante...
— É Etztak! — comentou Marshall laconicamente.
— Qual é a velocidade? — perguntou Ishibashi.
— Estamos indo muito devagar para viver e muito
depressa para viver. Marshall, vamos para a face noturna.
É nossa única chance. Dentro de cinco minutos seremos
derrubados — a voz de Tama Yokida continuava
tranquila.
— Fechar os capacetes! — ordenou Marshall.
Quatro destróieres e uma nave mercante dos saltadores
aproximavam-se vertiginosamente. A Lev-XIV descreveu
uma curva e correu desesperadamente para a face noturna
do planeta de Goszul.
A altitude era apenas de 30.000 quilômetros!
Os propulsores não davam mais que isso. O aparelho
de hipercomunicação começou a funcionar.
Uma mensagem rápida e codificada dirigida a
Rhodan.
A mensagem era formada de apenas três frases:
— Levtan está morto. A conferência foi desmanchada
por uma bomba atômica. Ishibashi conseguiu...
Foram estas as únicas palavras captadas pela Stardust-
III, que juntamente com os três cruzadores pesados se
mantinham numa posição situada há oito dias-luz do
sistema de Tatlira, onde estava fora do alcance da
localização.
Um forte raio desintegrador esfacelara os campos
energéticos da Lev-XIV, atingindo a nave de raspão.
A popa desmanchou-se numa nuvem de gases
incandescentes. E a ponta caiu sobre a face noturna do
planeta de Goszul.
* * *
“Desceram” da nave a três mil quilômetros de altura.
Face aos trajes espaciais arcônidas, essa “descida” não
era nenhum ato tresloucado de desespero.
Cada homem era uma pequena nave espacial, com seu
campo energético, seu propulsor e sua capacidade de
aceleração.
A três mil quilômetros acima da superfície do planeta
de Goszul não passavam de quatro partículas de pó,
tangidos pelas fronteiras do infinito.
Abaixo deles a ponta da Lev-XIV queimou-se nas
camadas densas da atmosfera.
Depois que a nave fora atingida de raspão não saíram
para o espaço em pânico. Ainda tiveram tempo de levar
parte do equipamento habilmente escondido na nave por
ocasião da reforma a que a mesma foi submetida em
Terrânia.
Os quatro mutantes de Perry Rhodan formavam uma
corrente. Era uma corrente que se deixava cair. Só quando
atingiram as camadas densas da atmosfera tiveram de
lutar contra as tormentas — fluxos desencadeados pelos
jatos e tempestades de mais de trezentos quilômetros por
hora.
John Marshall foi desviado. Parecia que a noite o
havia engolido. Mas Kitai Ishibashi conseguiu localizá-lo,
e Tama Yokida usou suas faculdades telecinéticas para
trazê-lo para junto de si.
Os campos antigravitacionais dos trajes dos mutantes
desenvolviam uma atividade bastante reduzida, pois a
138
maior parte da energia produzida pelos mini-geradores era
destinada aos envoltórios energéticos. Atravessavam as
primeiras camadas de nuvens, e estas estavam carregadas
de granizo. Ao atingirem os campos energéticos, os
pedaços de gelo se assemelhavam a balas. A vibração e as
sacudidelas pareciam ameaçadoras e desagradáveis, mas
eram muito mais agradáveis que a lembrança da
impressão causada pelo chiado da popa da Lev-XIV,
quando esta se transformou numa nuvem de gases.
— Atenção! Estamos a cem metros de altura — disse
Marshall.
Os campos antigravitacionais dos trajes espaciais
foram reforçados, e a queda dos mutantes transformou-se
num suave flutuar.
O planeta de Goszul voltara a recolhê-los — como
náufragos.
* * *
Quando o dia começou a raiar, ligaram os defletores
de seus trajes espaciais. No mesmo instante
desapareceram, fizeram-se invisíveis. Conformaram-se
com o fato de não se verem uns aos outros. Através dos
pontos de referência geográficos conseguiam manter
contato entre si.
A cerca de cem quilômetros por hora voaram por cima
do continente em cuja extremidade haviam visto no dia
anterior, de bordo da Lev-XIV, uma cidade bastante
extensa. Essa cidade era seu destino. À medida que
passavam a pouca altura sobre o solo, mantendo a direção
geral sul, convenciam-se de que o poder dos saltadores
não chegava até lá.
Pelo meio-dia, John Marshall espantou-os com uma
exclamação:
— Olhem a cidade! Vamos subir mais um pouco, para
que possamos vê-la melhor.
A trezentos metros de altura conseguiram ver a área à
qual se destinavam e tiveram todos os motivos para
espantar-se.
— Navios a vela? — cochichou Kitai Ishibashi no seu
capacete, e o rádio embutido transmitiu suas palavras aos
amigos.
— Navios a vela do século XVIII. Santo Deus, em que
era estamos penetrando? E dizem que este povo descende
dos arcônidas. Não acredito.
Marshall interrompeu-o:
— Silêncio! Estamos recebendo uma mensagem.
Seu aparelho portátil de hipercomunicação estava
ligado para a recepção.
A trezentos metros acima da superfície do planeta de
Goszul, à vista duma cidade quase medieval, Marshall
recebeu a mensagem de Perry Rhodan. Era uma
mensagem lacônica, codificada e concebida em termos
muito gerais.
— Aguardem a chegada de auxílio! Aguardem a
chegada de auxílio!
Estas palavras foram repetidas vinte vezes. Só então o
receptor de hipercomunicação silenciou. Até o anoitecer
não houve nenhum contato.
— Aguardem a chegada de auxílio!
Para os homens do grupo de Perry Rhodan estas
palavras eram suficientes. Conheciam o chefe. Sabiam
que não os abandonaria.
No momento em que ia ser submetido à lavagem cerebral, Levtan já devia ter chegado à
conclusão de que o resultado final da traição e do jogo dúbio nunca é favorável. É bem
verdade que para Perry Rhodan o aparecimento de Levtan representou uma dádiva do
destino, pois sem isso não teria conseguido introduzir quatro dos seus mutantes na grande
conferência dos patriarcas dos saltadores, realizada no planeta de Goszul.
E esses quatro mutantes — quatro homens terrenos num mundo estranho — continuam a
desempenhar um papel de destaque na nova aventura de Perry Rhodan, relatada no próximo
volume da série: O Planeta dos Deuses.
139
Nº 35
De
Kurt Mahr
Tradução
Richard Paul Neto Digitalização
Arlindo San Revisão e novo formato
W.Q. Moraes
Foi no ano de 1971 que Perry Rhodan, então um oficial da Força Espacial dos
Estados Unidos, chegou à Lua com o foguete Stardust e, recorrendo à tecnologia
encontrada na nave arcônida que ali realizara um pouso de emergência, fundou a
Terceira Potência.
Conflitos na Terra, invasões vindas do espaço, batalhas espaciais, combates em
planetas distantes, a tudo isso a Terceira Potência resistiu galhardamente nos poucos
anos de sua existência.
Agora os saltadores, representam um grave perigo para toda a Humanidade.
Descendentes dos arcônidas há oito milênios eles detêm o monopólio comercial
irrestrito da galáxia, porque reprimem implacavelmente qualquer concorrência que se
esboce.
Perry Rhodan tem feito tudo que está ao seu alcance para impedir que os saltadores
transformem a Terra num mundo escravo. Levtan, o traidor, representou uma peça
importante no jogo de Rhodan, pois só graças a ele tornou-se possível introduzir um
grupo de agentes na Grande Conferência do Conselho dos Saltadores.
Esses homens, combatentes consagrados do Exército de Mutantes de Rhodan, vão
parar no Planeta dos Deuses, depois de terem praticado um atentado contra a
Conferência dos Saltadores...
140
1
— Astronavegação ao comandante. Distância do alvo
205.1012 metros. Velocidade zero. Nenhum objeto no
raio de alcance dos instrumentos de observação. Fim.
Sentado de costas para a mesa, Rhodan pôs a mão para
trás e baixou a chave do pequeno receptor de
intercomunicação.
Com um sorriso ligeiro e indiferente, olhou para as
pessoas que estavam de pé diante dele: Thora, a arcônida,
e Reginald Bell, copiloto da Stardust.
— Quer dizer que chegamos — disse
em tom indiferente. — Estamos a oito dias-
luz de 221-Tatlira, fora do alcance dos
instrumentos de localização dos saltadores.
A palavra-chave de Thora acabara de
ser pronunciada. Zangada, adiantou-se um
passo e dirigiu o brilho chamejante de seus
estranhos olhos vermelhos sobre Rhodan.
— Estamos fora do alcance de seus
instrumentos, sim — disse em tom de
escárnio. — Acontece que para chegar até
aqui tivemos de realizar duas transições.
Será que os saltadores são tão idiotas que
não notaram nada?
— Bell...
Rhodan virou ligeiramente a cabeça.
Bell sabia o que o amigo esperava dele.
De maneira ostensiva ficou em posição de
sentido e disse:
— Os localizadores da nave registram
cinquenta e cinco transições por hora, em
média, naturalmente, num raio de 1015
metros. Provavelmente trata-se de naves
dos saltadores que chegam ou partem da
base dos saltadores situada em Tatlira II.
Rhodan voltou a cabeça.
— Então, Thora?
Thora não gostou de receber um tratamento
professoral como este. Sua raiva cresceu.
— Sei o que está pensando — chiou. — Acredita que
em meio a todas essas transições a sua nem foi notada. O
que acontecerá, porém, se estiver enganado?
Rhodan deu de ombros.
— Nesse caso realizo uma transição rápida para trás e
reapareço num lugar em que os saltadores nunca
suspeitariam que eu estivesse.
Thora estendeu os braços.
— Por que não quer ouvir minha sugestão, Rhodan?
— perguntou. Falava com a voz suplicante; o chiado de
raiva havia desaparecido por completo. — Por que não
vai a Árcon e pede socorro ao Grande Império?
Rhodan inclinou-se para frente em sua poltrona.
Inclinou-se tanto que suas mãos quase chegavam a tocar
as de Thora, já que sua poltrona se encontrava numa
posição mais elevada.
— Permita que lhe explique a situação mais uma vez,
Thora. Através de um comandante rebelde dos saltadores
ficamos sabendo da conferência dos patriarcas dos
saltadores a ser realizada no segundo planeta do sol
Tatlira, a mil e doze anos-luz da Terra. A presença do
comandante dos saltadores permite-nos colocar nossos
mutantes em Tatlira II, a fim de que, por meio de seus
dons parapsicológicos, possam convencer os saltadores de
que um ataque à Terra poderia representar a destruição
final de sua raça.
“O êxito do plano é apenas parcial. Um dos patriarcas
teve a ideia de realizar uma lavagem cerebral no
comandante rebelde, cuja nave transportou nossos
homens para Tatlira II. Sabemos que Marshall conseguiu
impedir a lavagem cerebral, matando o saltador rebelde, e
que a maioria dos patriarcas dos saltadores pereceu em
virtude da explosão de uma
bomba”.
“Não sabemos até que ponto
Kitai Ishibashi, o sugestor,
conseguiu inocular na mente dos
patriarcas a lenda de uma Terra
armada até os dentes. Não temos
tempo para voar a Árcon, gastar
semanas em negociações com o
Conselho e enfrentar a
possibilidade de afinal não
conseguirmos nada. Temos que
ficar aqui para estabelecer
contato ao menos com um dos
mutantes”.
“Sei perfeitamente que a
senhora fez a sugestão a fim de
ajudar a Terra, não para encontrar
um meio de voltar à pátria. Mas
não poderá deixar de reconhecer
que simplesmente não temos
tempo para aceitar a sugestão”.
Recolheu as mãos e levantou-
se. Deu alguns passos ao acaso,
parou de repente, virou-se e
sorriu para Thora.
— Além disso — disse em
tom suave — quatro dos meus
homens se encontram em Tatlira II. Não deixarei que
nenhum deles caia nas mãos do inimigo, a não ser que
isso se torne absolutamente necessário. Nossa situação
não é tão grave que tenhamos de abandonar nossa gente.
* * *
Tako Kakuta era um homem que possuía o dom
parapsicológico da teleportação, que lhe permitia
transportar-se, graças exclusivamente às forças de seu
espírito, a qualquer ponto que escolhesse, desde que este
Personagens Principais deste episódio:
John Marshall, Tako Kakuta, Kitai
Ishibashi e Tama Yokida —
membros do Exército de Mutantes, que
pousaram como náufragos no planeta
de Goszul.
Gucky — que mais uma vez faz o
papel de viajante clandestino, tal qual
no início de sua carreira.
Vethussar — um goszul que apóia os
inimigos dos “deuses”.
Honbled — que sabe desempenhar o
papel de sacerdote.
Etztak — um patriarca dos saltadores
dado aos acessos de raiva.
Fafer — comandante do veleiro
Storrata.
141
não ficasse a mais de cinquenta mil quilômetros e suas
coordenadas geométricas fundamentais lhe fossem
conhecidas. Naquele instante dedicava alguns palavrões à
situação que o obrigava a usar esse dom.
Deslocava-se pouco acima do chão acidentado coberto
de capim em direção à cidade em cujas proximidades
haviam pousado. Estava invisível graças ao campo
defletor produzido por um pequeno gerador embutido no
traje espacial.
O grupo, formado pelo próprio Tako Kakuta, por John
Marshall, o telepata, por Kitai Ishibashi, o sugestor, e por
Tama Yokida, o telecineta, começara a contar aos
participantes da Grande Conferência dos Patriarcas dos
Saltadores algumas lendas sobre os armamentos de que
dispunha a Terra, mas o velho Etztak lhes atrapalhara o
serviço. Mataram Levtan, o saltador rebelde que
procurava recuperar sua reputação entre os saltadores;
mataram, ainda, a maior parte dos patriarcas, mas depois
disso tiveram de fugir.
Depois de passarem por cima da superfície infindável
de um grande mar vieram pousar naquela ilha, onde o
tempo parecia ter parado. A cidade que se encontrava
diante deles, a menos de dez quilômetros de distância, era
composta de casas estreitas e altas, de paredes
entremeadas de madeira. Estavam tão próximas umas às
outras que não devia haver ruas, ou então as mesmas eram
muito estreitas.
A cidade ficava junto ao mar e dispunha de um porto
natural. E o que havia nesse porto?
Navios a vela!
Navios a vela de todos os tipos e tamanhos, mas
nenhum deles era mais moderno que os produzidos pela
tecnologia terrestre do início do século XVIII.
E isso acontecia num mundo que os saltadores
consideravam sua propriedade particular, e no qual se
haviam reunido numa conferência muito importante.
Acontecia no planeta de Goszul.
Tako Kakuta regulou a velocidade com a qual se
aproximava da cidade. Preferia não pousar no porto
enquanto não estivesse familiarizado com a disposição
geral da cidade.
Encontrava-se a cerca de cinco quilômetros dos
limites ocidentais da cidade. O pequeno neutralizador
gravitacional mantinha-o numa altitude constante de cinco
metros acima do solo.
O terreno descia suavemente em direção à cidade. Era
um terreno não cultivado, coberto de capim, com
elevações que chegavam a um metro de altura. Tako
concentrou sua atenção exclusivamente sobre a cidade.
Por isso não percebeu a sombra cinzenta que corria pelo
ar.
O objeto que produzia a sombra encontrava-se a cerca
de quinhentos metros de altura, desenvolvendo uma
velocidade extraordinária. Seu formato era circular e,
quem o observasse por ocasião da curva que descreveu
cerca de dez quilômetros a oeste da cidade, notaria sua
semelhança com uma lentilha.
Voltou em direção à cidade, perdeu altitude, reduziu a
velocidade e produziu um leve chiado.
Esse chiado foi o primeiro sinal de perigo que chegou
ao conhecimento de Tako. Virou-se e descobriu o veículo
em forma de lentilha, poucas centenas de metros atrás
dele.
Sabia que era uma nave auxiliar do tipo daquelas que
as grandes naves dos saltadores trazem a bordo às dezenas
ou mesmo às centenas. Seu primeiro impulso foi no
sentido de descer ao solo e procurar um abrigo.
Mas que abrigo, pensou, poderia ser melhor que a
invisibilidade proporcionada pelo campo defletor?
Freou e imobilizou-se no ar. A nave auxiliar foi se
aproximando. Não se deslocava em linha reta, mas numa
espécie de ziguezague, como se estivesse procurando
alguma coisa.
O susto gelou o corpo de Tako.
Se procuravam alguma coisa em cima dessa área
desolada, essa coisa não poderia ser outra senão ele
mesmo.
No mesmo instante em que Tako reconheceu o perigo,
este começou a concretizar-se. O piloto da nave auxiliar e
seus companheiros pareciam saber muito bem onde estava
seu alvo. Num ponto que correspondia aproximadamente
a linha equatorial surgiu um feixe concentrado de raios
energéticos verde-pálidos.
O raio passou a menos de cinco metros de Tako,
alcançou o solo mais adiante e atirou para o alto o capim
que se encontrava na área de combustão, reduzindo-o a
uma nuvem de gases turbilhonantes.
Tako reagiu imediatamente e pela única forma
possível. Rememorou o lugar em que Marshall, Ishibashi
e Yokida o esperavam, procurando fixá-lo com a maior
precisão de que era capaz. Depois retornou a esse lugar
num salto de teleportação que não fora preparado com
muito cuidado.
Uma fração de segundo depois disso um segundo tiro
de radiações passou pelo lugar em que Tako estivera.
Uma vez que não tivera tempo para concentrar-se,
Tako pousou a uns duzentos metros do lugar em que o
grupo havia montado um acampamento provisório. O
terreno era acidentado. Parecia uma grande cadeia de
montanhas que alguém tivesse coberto de terra, deixando
de fora apenas os cumes mais altos. Em meio ao solo
coberto de capim erguiam-se rochas íngremes que
chegavam a atingir cem metros de altura. A poeira, a areia
tangida pelo vento e as sementes de capim tiveram muito
trabalho em fixar-se nas encostas íngremes. Mas no curso
dos milênios o conseguiram. Nas encostas tocadas pelo
vento durante a maior parte dos dias do ano de Goszul os
flancos eram mais suaves e cobertos de espessa
vegetação. No lado oposto a encosta era quase vertical,
caindo perigosamente do cume ao pé do monte.
Logo após o pouso o grupo descobrira uma ampla
caverna na face ocidental de um dos morros mais altos.
Abrigaram-se no interior dela. Foi dali que Tako partiu
meia hora antes para dar uma olhada na cidade.
Assim que se materializou, lançou um olhar para o
alto. Não viu o veículo em forma de lentilha.
“A esta hora devem estar quebrando a cabeça sobre
como alguém pode desaparecer tão depressa”, pensou
Tako contrariado.
Ainda não se dera conta de que não sabia explicar
como os saltadores haviam conseguido localizar uma
pessoa como ele, invisível.
Tako procurou concentrar-se no nome de Marshall.
Tinha certeza de que dessa forma Marshall, o telepata, o
compreenderia à distância de duzentos metros que ainda
os separava. Depois disso esforçou-se para pensar no
142
incidente que acabara de ocorrer. No momento o maior
perigo era o de que alguém saísse da caverna, fornecendo
um alvo a algum veículo espacial dos saltadores que
estivesse cruzando em regiões mais elevadas.
Marshall não deixaria de prevenir os outros.
Tako voou até a caverna. Antes de entrar lançou os
olhos em redor. Não viu a nave auxiliar dos saltadores.
Mas por enquanto Tako não via nisso um motivo para
concluir que haviam perdido sua pista.
Entrou na caverna, desativou o campo defletor e
informou os companheiros sobre o que acabara de
ocorrer. Viu o pavor desenhado no rosto dos três e
acrescentou:
— Talvez tudo isso não passe de uma coincidência.
Marshall sorriu.
— Muito obrigado pelo tranquilizante, Tako — disse.
Abanou a cabeça. — É claro que não foi nenhuma
coincidência. Já receava que os saltadores pudessem estar
em condições de realizar a localização goniométrica dos
nossos trajes. Estes contêm um gerador destinado à
produção do campo defletor, um gerador antigravitacional
e um gerador que ativa o campo protetor, que nos
resguarda contra as balas. O conjunto desses aparelhos
produz uma quantidade apreciável de radiações
disseminadas, e não deve ser difícil medi-las e determinar
o ponto em que se originam.
— Se minha suposição for correta, nossos trajes
espaciais não servem de mais nada. Pelo contrário: atraem
os saltadores. Precisamos...
— Acontece que não sabemos a que distância
conseguem localizá-los — objetou Yokida em tom
exaltado. — Se só conseguirem nos localizar a uma
distância de cem metros, com esses trajes, que afinal têm
os campos defensivos, estamos melhores que sem eles.
Marshall ergueu as sobrancelhas.
— Se...! — respondeu Marshall em tom enfático. —
Acontece que não sabemos. É possível que consigam nos
localizar a cem quilômetros de distância.
Abanou a cabeça e olhou fixamente para a frente.
— Não — murmurou. — Receio que tenhamos que
nos desfazer dos trajes. E...
Subitamente levantou a cabeça e olhou para o alto.
Yokida esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas
Marshall o repeliu com um sinal enérgico.
— Fique quieto!
Dali a dois segundos levantou-se.
— Estão em cima de nós — disse com a maior
tranquilidade. — E estão bem perto. Quase chego a
identificar seus pensamentos um por um. Conhecem o
ponto em que nos encontramos com uma precisão de
vinte metros. Vamos logo! Tirem os trajes espaciais!
Tako tirou o traje e correu em direção à entrada da
caverna. Sem pôr a cabeça para fora, viu a nave auxiliar
que deslizava metros acima do solo.
No mesmo instante Tako concebeu seu plano.
Voltou ao interior da caverna.
— Entreguem-me seus trajes! — disse em tom
enérgico.
Os companheiros arregalaram os olhos.
— Vamos logo! Não façam perguntas. Levantaram os
trajes e colocaram-nos sobre os braços estendidos de
Tako. Este teve que carregar o peso considerável daqueles
conjuntos. Todos os aparelhos estavam desligados. No
momento não havia praticamente nenhum impulso que
pudesse ser captado pelos saltadores.
— Esperem por aqui! — ordenou Tako. — Eu os
levarei a uma pista falsa.
Marshall exclamou.
— Não faça isso! É muito perigoso. Você não vai...
Tako já tinha desaparecido.
Quando voltou a materializar apenas pôde avaliar a
distância que o separava da caverna. Não tinha a menor
ideia da direção. O salto fora muito rápido.
Perdera de vista a nave auxiliar dos saltadores.
Pousara a poucos metros de uma rocha, e apressou-se
em abrigar-se atrás da ponta esguia da mesma. Pôs no
chão os pesados trajes, vestiu o que pertencia a ele e ligou
todos os geradores.
Depois se pôs a esperar.
* * *
No interior da caverna Marshall ocupara o lugar de
observador. Deitado junto à entrada, observava
atentamente a nave dos saltadores.
— Não se movem — disse. — Se tivéssemos armas
mais potentes que estes pequenos radiadores de impulsos,
poderíamos derrubá-los.
— Se nos uníssemos todos... — sugeriu Ishibashi; mas
no mesmo instante Marshall exclamou:
— Estão indo embora!
Ishibashi e Yokida aproximaram-se da entrada. Viram
a nave auxiliar ganhar velocidade, desaparecendo no
rumo sudoeste, onde ficava o mar.
— Isso foi obra de Tako! — disse Marshall admirado.
* * *
Tako Kakuta viu a nave chegar.
Voava pouco acima do solo, descrevendo a mesma
rota em ziguezague que há pouco observara. Os
goniômetros utilizados pelos saltadores para localizar a
fonte das radiações não deviam ser de muita precisão.
Tako esperou até que a nave começou a contornar a
rocha.
Só então saltou.
Não percorreu mais de cem metros.
O piloto parecia irritado. Descreveu alguns círculos
em torno da rocha, mas não notou os três trajes espaciais
que Tako escondera cuidadosamente. Não deixou de
notar, porém, as radiações emitidas pelo traje de Tako.
A nave desistiu de descrever círculos e voltou a
aproximar-se. Mais uma vez Tako esperou até que se
aproximasse a uma distância que quase chegava a ser
crítica. Depois voltou a saltar. Desta vez executou um
salto de duzentos metros.
Tinha certeza de que o campo protetor do traje seria
capaz de absorver qualquer tiro disparado pela nave. Mas
também tinha certeza de que para isso consumiria uma
quantidade de energia maior que a produzida por seu
próprio gerador. E o excedente seria retirado do campo
defletor, fazendo com que Tako se tornasse visível. E isso
Tako pretendia evitar, inclusive para defender sua
integridade física. Um dispositivo de mira automática
possibilitaria a fixação indefinida de qualquer alvo, desde
que este tivesse sido claramente determinado. Se
necessário, a fixação poderia perdurar até que o inimigo
143
conseguisse trazer armas pesadas, que acabariam
rompendo o campo protetor.
Desta vez a reação do piloto dos saltadores foi
diferente. Assim que seus goniômetros captaram o novo
sinal, desistiu da busca no local antigo e aproximou-se
imediatamente.
Tako executou um salto de quinhentos metros, que o
levou até a costa. A nave dos saltadores seguiu-o
docilmente.
Sob a proteção de um rochedo tirou o traje espacial,
mas deixou que os geradores continuassem a funcionar,
para que os impulsos captados pela nave dos saltadores
não diminuíssem em intensidade.
Depois executou um último salto, bem maior, que o
levou alguns quilômetros mar afora, com o traje sobre os
braços.
Rematerializou cinquenta centímetros acima da
superfície da água, deixou-se cair e soltou o traje no
mesmo instante em que seu corpo tocou a água. Enquanto
boiava, viu que o objeto branco afundava devagar.
Saltou de volta para o lugar em que escondera os
outros trajes. Completou o serviço, cobrindo os mesmos
com grandes blocos de pedra, até que tivesse certeza de
que ninguém os encontraria ainda mais que os impulsos
dos geradores, desligados há quinze minutos, iam
diminuindo progressivamente, e não poderiam fornecer
mais qualquer indicação aos saltadores.
Executou outro salto que o trouxe a uma distância de
quinhentos metros da caverna, e outro que o colocou em
meio aos companheiros.
— Tudo em ordem — disse com um sorriso. — Há
esta hora devem dar tratos à bola para descobrir o que
estamos fazendo no fundo do mar.
Relatou em frases lacônicas o que acabara de fazer.
Marshall deu-lhe uma palmadinha no ombro.
— Muito obrigado, Tako — disse em tom objetivo.
Tako deu de ombros.
— Não há por quê. O que vamos fazer? Marshall
apontou para a entrada da caverna.
— Seguiremos a pé — sugeriu. — Vamos à cidade.
Não queremos ficar para sempre neste mundo estranho.
Ninguém se opôs.
* * *
No dia 27 de dezembro do calendário terrestre, às
17:21 h, hora de Terrânia, um feixe de raios do
localizador da Stardust, que girava ininterruptamente,
atingiu, junto ao limite do seu alcance, um objeto
metálico; foi refletido pelo mesmo e desenhou um ponto
verde na tela.
Por ordem de Perry Rhodan, o dispositivo automático
de observação havia sido colocado em estado de
prontidão permanente. Uma fração de segundo depois do
surgimento do ponto verde desencadeou o alarma número
III.
Rhodan, que se encontrava na sala de comando, foi
avisado imediatamente. Manteve-se em contato com o
posto de observação e acompanhou a identificação do
objeto.
— Distância 7,1010
metros. Velocidade 1,9.108 m/seg.
Componente de deslocamento em nossa direção...
E alguns segundos depois:
— As dimensões do objeto não ultrapassam cem
metros...
Dali a mais alguns segundos:
— Trata-se de um objeto cilíndrico. Comprimento
oitenta metros, diâmetro cerca de dez metros.
E finalmente:
— Os movimentos do objeto estão sendo controlados.
Trata-se de um veículo espacial.
Rhodan acenou com a cabeça. A direção de que vinha
o objeto dizia tudo. Vinha diretamente de 221-Tatlira.
Era uma nave dos saltadores vinda das profundezas do
espaço.
Rhodan chamou os postos de defesa.
— Como está a proteção contra o rastreamento?
— Em perfeito estado. Se não fosse assim, já nos
teriam localizado. Em nossa nave os impulsos estão sendo
recebidos ininterruptamente.
A proteção contra o rastreamento que envolvia a
Stardust era um dispositivo novo e muito eficiente.
Impedia o reflexo de feixes de ondas até uma intensidade
bastante considerável. Só acima desse limite havia um
reflexo insignificante, que causava no inimigo a
impressão de ter diante de si um objeto que se encontrava
a vários milhões de quilômetros, quando na verdade já se
aproximara a algumas centenas de milhares de
quilômetros.
Quando a nave desconhecida havia se aproximado a
uma distância de 109 metros (um milhão de quilômetros),
Rhodan ordenou o alarma número II, e movimentou a
Stardust sob a proteção do campo anti-rastreação.
Durante a manobra, que em parte foi executada pelo
sistema de pilotagem automática, pediu que dois de seus
colaboradores, Ras Tschubai e Gucky, comparecessem à
sala de comando.
Tschubai veio pelo caminho mais curto. Era
teleportador, tal qual Tako Kakuta, e de uma hora para
outra se encontrava no interior da sala de comando.
Poucos segundos depois surgiu Gucky, o mutante
mais competente do Exército de Mutantes de Rhodan.
Gucky entrou pela escotilha, depois que lá fora se erguera
sobre as pernas traseiras, apertara o botão que anunciava
sua presença e esperara que Rhodan acionasse o
dispositivo que deixava aberta a entrada.
Para Gucky, um salto de teleportação que o
transportasse de um convés para outro da gigantesca nave
não representava qualquer problema. Em compensação
ainda não se familiarizara com a arte de deslocar-se como
um ser humano o bastante para sentir-se satisfeito.
Gucky parecia o resultado do cruzamento de um rato
com um castor. Coberto de pelo vermelho, tinha um
metro de comprimento, incluído o toco de rabo. Era
membro de uma raça originariamente dotada apenas de
inteligência mediana, formada de telecinetas naturais que
habitavam o planeta Vagabundo, ao qual Rhodan já fizera
uma visita. Gucky uniu-se ao grupo de Rhodan. Um
programa de treinamento, adaptado especialmente à sua
inteligência, então ainda bastante reduzida, despertou não
só o setor inexplorado de sua inteligência consciente, mas
também vários dons paranormais. Gucky transformou-se
num telepata e teleportador. Dominava várias línguas
terrestres e pertencia ao oficialato da Terceira Potência.
Muita gente acreditava que Gucky era um esquisitão, e
que a concessão da patente a um ser como ele fora um
144
erro. Mas Gucky soube convencer todos sem muita
demora de que não era apenas um excelente mutante, mas
também um estrategista dotado de inteligência
extraordinária.
Rhodan cumprimentou-o com um sorriso. Depois que
a escotilha se fechou, disse:
— Tenho algumas instruções para os dois. Dizem
respeito à nave inimiga que se encontra ali.
* * *
O pequeno veículo espacial era uma nave de
reconhecimento. Só dispunha de armamento leve, mas em
compensação sua aceleração e maneabilidade eram
consideráveis.
O comandante do veículo era Frernad, membro do
poderoso clã dos Frers. Sua nave era a Frer LXXII. Para
Frernad esse número elevado tinha um aspecto horrível,
pois os veículos de cada clã são numerados na ordem
decrescente do tamanho, do que resultava claramente que
a Frer LXXII era uma das menores.
Foi graças ao velho Etztak que Frernad teve de
cumprir a missão de penetrar no espaço numa distância de
dez dias-luz, à procura de eventuais inimigos. Etztak se
defrontara, num mundo distante, com os inimigos de que
ora se tratava, e por isso sofria, na opinião de Frernad, de
um complexo de prudência.
Frernad detestava a missão que lhe fora confiada.
Todavia, executou-a com o maior cuidado. Os raios dos
goniômetros giravam ininterruptamente, mas até então
não havia registrado nada, além de alguns fragmentos de
rocha que se deslocavam lentamente pelo espaço.
Com os olhos cansados, Frernad examinou o pequeno
instrumento que, com base no consumo de energia,
registrava a distância do ponto de decolagem, e cujo
mostrador luminoso caminhava lentamente em direção à
marca dos dez dias-luz.
— Mais dois dias — disse alguém. — Depois estará
liquidado.
Frernad virou-se para o interlocutor e levantou as
mãos em sinal de concordância.
— Quando tivermos regressado à base, cantarei de
alegria — disse com um sorriso amargo.
A sala de comando da Frer LXXII era pequena; só
havia três homens no interior dela.
A tripulação da nave era composta de dezoito homens.
Frernad esteve a ponto de dizer alguma coisa, quando
o homem que controlava o goniômetro começou a falar
apressadamente:
— Um reflexo! — exclamou. — Ali...
Contrariado, Frernad interrompeu-o com um gesto e
aproximou-se do goniômetro. O homem que lhe falara
apontou a mão rígida para um ponto da tela em que uma
mancha, de início grande e intensa, empalidecia
rapidamente. Frernad ficou perplexo.
— O que é isso? Apareceu sem mais aquela... e agora
não está mais lá?
O homem que lhe falara levantou as mãos. Ia dizer
alguma coisa. Mas no mesmo instante uma voz estranha e
áspera falou junto ao painel de controle.
— Não fiquem quebrando a cabeça, meus chapas.
Quem teve culpa do reflexo fui eu.
Viraram-se abruptamente e fitaram o homem que, de
uma hora para outra, se encontrava junto ao painel de
instrumentos. Nunca haviam visto uma pessoa como ele.
Era grande — quase chegava a ser do tamanho deles —
mas sua pele era negra.
Quando percebeu o susto dos outros, riu e mostrou
uma fileira de dentes brancos. Usava um traje espacial de
feitio estranho e, enquanto falava, ficou com o capacete
aberto. Falava um impecável intercosmo, se bem que sua
voz fosse estranhamente monótona.
Frernad registrou tudo isso como que por acaso. A
pergunta que mais o martirizava, e para a qual não
encontrava resposta, foi a seguinte: Como esse sujeito
conseguiu entrar?
Frernad abriu a boca para formular a pergunta, mas o
homem de pele negra começou a mexer-se, e Frernad
sentiu-se fascinado pela segurança dos seus movimentos.
Viu que, num movimento rápido, o estranho enfiou a mão
no bolso de seu traje espacial e tirou um objeto esférico.
Viu-o girar um parafuso ou uma chave que sobressaía da
esfera. Depois levantou o rosto e examinou
cuidadosamente Frernad e seus companheiros.
— O que significa isso? — perguntou Frernad depois
de algum tempo. — Quem é você e o que...
Não conseguiu dizer mais nada. Com uma rapidez que
nunca antes conhecera, perdeu a consciência. Nem teve
tempo para perceber o que lhe fizera perder os sentidos.
Também não pôde ver se os companheiros tiveram o
mesmo destino. Caiu.
Com um sorriso satisfeito, Ras Tchubai olhou para os
três homens inconscientes. Depois disso fechou o
capacete do traje espacial. Os filtros que trazia no nariz
teriam sido suficientes para continuar a protegê-lo do gás
que saía da bomba esférica.
Tinha que contar com a possibilidade de ter que
enfrentar problemas se o gás não se espalhasse logo pela
nave. Nesse caso seria preferível estar pronto para entrar
em ação.
Com o pé Ras Tschubai empurrou a esfera, que
colocara no chão, para junto do túnel de exaustão. A
circulação ininterrupta de ar que entrava e saía espalharia
o gás incolor e inodoro, carregando-o para toda a nave.
Ras Tschubai cumprira sua tarefa. A tripulação da
pequena nave ficaria inconsciente por quatro horas. Era
um prazo suficiente para fazer o que Rhodan pretendia.
Com um vigoroso telessalto, Ras voltou para bordo da
Stardust.
* * *
— Agora é sua vez, Gucky — disse Rhodan em tom
sério. — Pode levar suas coisas para lá.
Gucky acenou com a cabeça como se fosse um ser
humano. Por um instante fitou a tela na qual a nave dos
saltadores se desenhava sob a forma de um pontinho
luminoso, junto a ela a Stardust se deslocava a uma
distância constante de trinta mil quilômetros. Depois
voltou o rosto para os objetos empilhados ao seu lado:
armas, equipamentos, minicomunicadores.
Com movimentos quase caminhou em direção à pilha,
elevou por via telecinética um pesado desintegrador,
cravou os dedos na embalagem, e teleportou-se.
Dentro de três minutos a pilha desapareceu; foi
teletransportada para a outra nave.
145
O rato-castor voltou mais uma vez.
Gucky contorceu o rosto e seu dente roedor insinuou
um sorriso.
— Já vou — disse em tom amável.
Rhodan acenou a cabeça e lançou mais um olhar
rápido para o equipamento espacial da pequena criatura.
Foi um equipamento fabricado especialmente para Gucky,
o rato-castor.
— Está bem — concordou. — Faça um serviço bem
feito. De qualquer maneira temos de localizar Marshall e
seus companheiros. Queremos saber o que fizeram com
os patriarcas. Além disso, queremos salvá-los.
Gucky não respondeu. Olhou fixamente para frente e
dali a um instante desapareceu da mesma forma que
pouco antes com sua bagagem.
Reapareceu no corredor central da Frer LXXII.
Poucos minutos bastaram-lhe para que se certificasse de
que a bomba de gás de Ras Tschubai colocara toda a
tripulação fora de combate; logo encontrou, também, um
lugar em que pudesse passar o tempo até que a nave
pousasse no planeta de Goszul. Era um cubículo situado
no fim do corredor principal. Gucky não tinha a menor
ideia da sua finalidade.
Gucky guardou sua bagagem no interior do cubículo,
pegou a arma hipnótica que Rhodan lhe entregara e, com
ela, trabalhou, um por um, todos os tripulantes da nave de
uma maneira tal que garantiria a maior segurança possível
a ele e à Stardust. Passou sistematicamente por todos os
compartimentos da nave.
Finalmente chegou à sala de comando. Também
Frernad e seus companheiros receberam instruções.
Depois disso, Gucky dedicou seu interesse ao
goniômetro, que continuava a funcionar. Viu o traço
finíssimo que a antena descrevia enquanto seu ângulo de
giro abrangia todo o espaço. Não houve qualquer reflexo.
A Stardust e, mais além, os cruzadores pesados Centauro,
Terra e Solar System estavam invisíveis.
Na opinião de Rhodan, partilhada por Gucky, nos
últimos trinta minutos vários reflexos deviam ter surgido
na tela. Isso teria acontecido quando, por ocasião de um
salto de teleportação, todos os campos protetores da
Stardust foram desativados por uma fração de segundo, a
fim de permitir a passagem do teleportador e dos objetos
que o mesmo levava consigo. Em parte os campos
energéticos estavam estruturados de maneira a
funcionarem na quinta dimensão, motivo por que
representavam uma barreira para o teleportador, que se
deslocava no espaço de cinco dimensões.
“Isso representa um ponto fraco”, pensou Gucky.
“Devemos descobrir um meio de manter a proteção
contra o rastreamento mesmo no instante em que um
teleportador sai da nave.”
Razoavelmente satisfeito, voltou ao esconderijo por
ele escolhido, instalou-se confortavelmente entre sua
bagagem e aguardou os acontecimentos. Combinara com
Rhodan que só enviaria uma mensagem pelo
microcomunicador quando alguma coisa não estivesse em
ordem.
* * *
Os efeitos da bomba lançada por Ras Tschubai
cessaram com a mesma rapidez com que haviam
começado.
Quatro horas depois do instante em que os cabelos de
Frernad se arrepiaram com o súbito aparecimento da
estranha criatura de pele negra aconteceu o seguinte na
sala de comando da Frer LXXII:
Frernad levantou-se, juntamente com os dois
companheiros, tão depressa que parecia haver caído
naquele instante. Não lançou um único olhar em torno de
si. Caminhou diretamente para o goniômetro e olhou para
a tela. No mesmo instante o homem que controlava o
aparelho retornara ao seu lugar diante da tela. O outro
homem também voltou ao lugar em que se encontrava
antes que Tschubai aparecesse.
— ...e agora não está mais lá? — repetiu no mesmo
tom de surpresa as palavras que foram as últimas que
pronunciara antes do estranho incidente.
O homem sentado diante do goniômetro levantou as
mãos.
— O reflexo foi grande e nítido!
Frernad riu; parecia contrariado.
— Será que você já se deixa enganar por uma simples
interferência, Sifflon? Algum feixe de ondas sofreu uma
interferência eletromagnética e causou o reflexo. É só
isso.
— Está bem — resmungou Sifflon ligeiramente
ofendido. — Nem afirmei que se tratasse de uma nave
inimiga.
Frernad voltou ao painel de controle. O outro homem,
que acompanhara atentamente a troca de palavras, voltou
a dedicar-se à atividade que vinha desempenhando.
Parecia entediado. Olhou fixamente para a frente,
aguardando o momento em que Frernad fosse revesado.
Ninguém guardara a menor lembrança do estranho
incidente com Ras Tschubai. E os cuidadosos impulsos
hipnóticos de Gucky corrigiram o erro originado no fato
de que, desde o momento em que Ras Tschubai saltara
para o interior da nave, a Frer LXXII, deslocando-se a
baixa velocidade, penetrara uma boa distância no espaço.
Nem mesmo a bomba que Tschubai colocara diante do
canal de exaustão provocou a menor suspeita. O terceiro
homem descobriu-a quando por acaso lançou os olhos
pela sala, pegou-a e mostrou-a a Frernad. Este não soube
o que fazer com ela.
— Jogue fora! — ordenou.
Gucky conseguiu mais uma coisa. Durante o voo
nenhum dos tripulantes teve a ideia de abrir a porta do
pequeno cubículo situado no fim do corredor principal.
Cerca de dois dias depois disso, a Frer LXXII
alcançou o ponto de sua trajetória que ficava mais
afastado do planeta de Goszul e retornou. Por ocasião de
sua visita à sala de comando, Gucky havia lido as
indicações dos instrumentos. Além disso, conseguia ler
através das paredes espessas do cubículo em que se
encontrava os pensamentos dos homens, não muito
distantes.
Sabia que cerca de dez dias ainda se passariam antes
que pudesse sair da nave no planeta de Goszul.
146
2
Enquanto caminhavam em direção à cidade,
encontraram uma carroça puxada por animais semelhantes
a cavalos.
Depois de terem tirado os trajes transportadores,
voltaram a envergar as vestimentas que usavam na nave
de Levtan para não despertar a atenção dos tripulantes.
Pelo aspecto exterior, praticamente não se distinguiam de
qualquer das pessoas que se encontravam a bordo da nave
dos saltadores. Até mesmo as barbas, que os saltadores
costumavam usar, haviam crescido nesse meio tempo.
Ignorava-se se os habitantes daquela ilha sabiam o que
vinha a ser uma nave espacial. Geralmente alguém que
anda em navios a vela não tem a menor ideia do que seja
uma nave espacial, e muito menos saberá reconhecer um
marinheiro espacial pelas roupas que usa.
— Temos que experimentar — disse Marshall. — Não
podemos ficar escondidos por toda a vida.
Continuaram tranquilamente na sua caminhada,
enquanto a carroça sacolejante se aproximava pelo
caminho que subia suavemente.
Um único homem estava sentado na boleia, segurando
as rédeas à maneira de um camponês terrestre dos tempos
antigos. Quando viu os três estranhos, o homem
sobressaltou-se, fez os animais pararem e protegeu os
olhos com a mão, para enxergar melhor.
Marshall e seus companheiros, que recebiam pelas
costas a luz forte da 221-Tatlira, viram como o homem se
assustou.
“Tomara que compreenda o intercosmo”, pensou
Marshall. “Senão teremos que aprender sua língua.”
Pararam junto da carroça. O homem estava tão
assustado que nem teve coragem de se mexer. Continuava
com a mão sobre os olhos.
— Felicidade a cada dia que passa — disse Marshall,
proferindo o cumprimento mais corriqueiro dos
saltadores.
O homem sentado em cima da carroça arregalou os
olhos. Com um movimento rápido baixou a mão. Dando
um grande salto, desceu da carroça, caiu de joelhos e
ficou deitado, com a cabeça encostada ao chão. Marshall
ouviu que murmurava palavras incompreensíveis.
— Levante-se — pediu Marshall.
O homem obedeceu prontamente. A certeza de que
entendia o intercosmo deixou Marshall muito mais
tranquilo.
— Olhe para mim — prosseguiu Marshall.
O homem, que não era muito jovem, lançou os olhos
apavorados sobre Marshall.
— Como é seu nome? — indagou Marshall.
— Eu... euuu... — gaguejou o velho com a voz
rangedora — ...eu sou Vethussar Ologon, senhor.
— Queremos ir à cidade, Vethussar — disse Marshall.
Vethussar inclinou-se.
— A cidade sentir-se-á honrada, ó senhores, se quereis
visitá-la, e muito mais honrado me sentirei eu se
permitirdes que vos ofereça minha carroça imunda.
Marshall olhou a carroça. Era um modelo de limpeza.
— Permitimos — respondeu. — Ficamos muito gratos
pela oferta.
Vethussar ergueu as mãos.
— Não fale em gratidão, senhor. Sou vosso servo.
O velho esperou até que Marshall e seus
companheiros subissem à carroça. Marshall não se
apressou; aproveitou o tempo para pesquisar os
pensamentos de Vethussar. Até então não conseguira nada
além do susto enorme que o encontro causara no velho, e
que expulsava todo e qualquer pensamento consciente.
Mas a mente começou a descontrair-se, e nela se instalou
a desconfiança misturada com a admiração.
“Será que realmente são...?”, pensou Vethussar.
“Existem mesmo... conforme dizem?”
O conceito que Marshall só conseguiu captar
vagamente, sem conseguir interpretá-lo, surgiu por duas
vezes. Marshall ficou quebrando a cabeça, enquanto
Vethussar virou lentamente a carroça e começou a descer
em direção à cidade.
Depois de ter observado mais algumas vezes o mesmo
impulso nos pensamentos de Vethussar, Marshall chegou
à conclusão de que deveria traduzi-lo pela palavra deuses.
Não encontrou nada que mais se aproximasse do
verdadeiro significado.
Marshall virou-se e informou os companheiros. Falava
em inglês e tinha certeza de que isso não provocaria a
menor desconfiança em Vethussar. Afinal os deuses
deviam ter bastante inteligência para dominar mais de
uma língua.
Percebeu, porém, que Vethussar ficou quebrando a
cabeça sobre a língua estranha.
Aos poucos se foram aproximando da cidade. Nos
últimos minutos Vethussar virara-se várias vezes, como se
quisesse dizer alguma coisa. Marshall percebeu o desejo
de formular uma pergunta.
— Pode falar! — disse ao velho. — Qual é a pergunta
que quer fazer?
— Desculpe a curiosidade, senhor — exclamou
Vethussar — mas é a primeira vez que uma criatura
miserável como eu tem a felicidade de ver um deus. Já
que são tão bondosos, gostaria de saber como é a terra dos
deuses.
Marshall sentiu-se perplexo com a rapidez com que o
ânimo do velho mudava do pavor paralisante e reverente
para a curiosidade indisfarçada. Devia ter uma enorme
agilidade espiritual, ou não estava acreditando...
— Quer saber de uma coisa, Vethussar? — disse em
tom de conversa. — Por lá a coisa não é muito diferente
daqui. A grama é verde, as folhas das árvores também e a
água do mar é azul enquanto brilha o sol. Acontece que
por lá existem veículos muito mais rápidos que esta
147
carroça, e alguns deles podem voar pelos ares, e ainda
existem outros com os quais se pode viajar até as estrelas.
Vethussar parecia impressionado. Marshall foi o único
que percebeu o ligeiro impulso de desconfiança
zombeteira que surgiu nas camadas mais profundas de sua
mente. E logo veio outra pergunta:
— Por que estão caminhando a pé, senhor?
Estas palavras foram pronunciadas com a maior
humildade.
“Seu hipócrita”, pensou Marshall, divertido e zangado
ao mesmo tempo, “você nunca acreditou nos deuses, e
agora você quer enganar um.”
Viu-se diante de uma decisão muito importante.
Poderia contar alguma desculpa, mas Vethussar não
acreditaria numa palavra. Por outro lado, poderia
explicar-lhe que não eram melhores que ele mesmo, e que
dele se distinguiam apenas pela tecnologia mais
desenvolvida, que não transformava ninguém num deus.
Decidiu-se pela segunda alternativa.
— Pare um pouco, Vethussar! — ordenou.
Vethussar assustou-se. Parou os animais e olhou para
trás, assustado.
— Sim, senhor... o que...
Marshall apontou para a frente.
— Olhe aquela árvore! — disse.
Vethussar voltou a olhar para trás e fitou a árvore.
Marshall pegou a pequena arma de impulsos e, apontando
ao lado do ombro do velho, disparou um tiro para um dos
galhos inferiores.
O galho soltou-se da árvore, caiu ao chão e durante a
queda transformou-se em fumaça e cinzas. Pequenas
chamas surgiram em meio ao capim, mas logo se
apagaram na umidade do solo.
Vethussar tremia. Mas a aula de Marshall ainda não
estava concluída.
— Agora olhe para a esquerda, ali, onde o caminho
descreve uma curva.
Marshall deu uma cutucada em Tako Kakuta. Este
logo compreendeu do que se tratava. Efetuou um salto
rápido, desaparecendo de cima da carroça e surgindo no
mesmo instante no ponto indicado, de onde os
cumprimentou com um gesto da mão.
Vethussar soltou um grunhido de pavor. Sem que
Marshall lhe pedisse, virou-se e, arregalando os olhos,
descobriu que o indivíduo que se encontrava lá adiante
realmente era o mesmo que um instante antes estivera
sentado na carroça.
Dali a pouco Tako voltou, pela mesma forma
surpreendente pela qual saíra.
O suor porejava na testa de Vethussar.
Mas quando uma força estranha e invisível agarrou-o,
erguendo-o no ar e fazendo-o girar, pôs-se a gritar. Tama
Yokida, o telecineta, ergueu-o até a altura da copa da
árvore, fez com que ele girasse algumas vezes em torno
de si mesmo e recolocou-o suavemente na carroça.
Choramingando e gemendo, Vethussar encolheu-se.
Marshall deixou-o à vontade por algum tempo. Depois o
levantou pelo ombro e disse:
— Preste atenção, Vethussar!
Obediente, Vethussar parou de lamentar-se e lançou
um olhar de pavor para Marshall. Este prosseguiu:
— Não somos deuses, Vethussar. Não existe nenhum
deus além daquele que ninguém jamais viu. É o único e o
onipotente, e contra vontade dele nada acontece no
mundo. Somos apenas gente, gente como você,
Vethussar, e os que vivem na cidade ou em qualquer
outro lugar. Apenas sabemos algumas coisas que você
não sabe. Não tenha medo de nós. Pelo contrário: poderá
pedir-nos alguma coisa se nos levar até a cidade. Dar-lhe-
emos uma recompensa.
Sentiu que, embora hesitando, a mente do velho
começou a absorver suas palavras. Aos poucos ia
acreditando nelas.
Por algum tempo Vethussar fitou Marshall. Depois
ergueu-se de vez, pegou as rédeas e pôs os animais em
movimento. Sacolejando, a carroça foi seguindo
lentamente em direção à cidade.
— Teremos problemas — disse Marshall em tom
pensativo, falando em inglês. — Na cidade haverá um
tumulto. Pensarão que somos deuses. Vethussar
desconfiou por causa de nossas vestimentas. Mas quando
usei o cumprimento dos saltadores, “Felicidades a cada
dia que passa”, que entre os habitantes da ilha é
considerado um cumprimento usado pelos deuses, não
teve mais a menor dúvida. Poderemos evitar esse
cumprimento. Mas nossos trajes os deixarão
desconfiados. Sou de opinião que Vethussar deverá seguir
na frente e arranjar roupas adequadas para nós. Qualquer
objeção?
Sacudiram a cabeça.
Marshall dirigiu-se a Vethussar e começou a explicar-
lhe seu plano.
— É bem verdade — disse ao concluir — que não
tenho dinheiro. Quem sabe se você aceitaria outra coisa?
Vethussar possuía um sentimento de dignidade
altamente desenvolvido. Marshall teve de esforçar-se
bastante para convencê-lo de que a oferta de pagamento
não devia ser interpretada como uma ofensa.
— No lugar de onde venho — explicou Marshall —
costumamos pagar pelas coisas que nos dão.
Quase reconciliado, Vethussar concordou.
— Aqui também é assim — confirmou. — Mas não
entre amigos.
Lendo seus pensamentos, Marshall descobriu que suas
palavras eram sinceras.
Sentira-se impressionado pela sinceridade com que
fora tratado. No momento era o aliado mais fiel que
Marshall e seus companheiros tinham no planeta de
Goszul.
A cerca de um quilômetro do dique de terra que
cercava a cidade para o interior, Vethussar deixou a
carroça com os amigos recém-conquistados. Prometeu
que voltaria antes do escurecer com roupas adequadas.
* * *
Szoltan, o piloto da pequena nave auxiliar que passara
a última hora numa busca desesperada, compareceu
perante a assembleia dos patriarcas, ou melhor, daquilo
que sobrara da mesma depois do atentado.
— A busca não deu resultado. Captamos alguns
impulsos. Mas seu ponto de partida mudou várias vezes
aos saltos. A própria perseguição foi um problema.
Finalmente deslocaram-se para o mar, e a última coisa
que captamos provinha de uma profundidade de dois mil
metros.
148
Foi só o que Szoltan teve a dizer. Tinha certeza de que
em troca de tais informações não colheria elogios dos
patriarcas. Talvez seria mesmo transferido para...
Mas as especulações de Szoltan foram infundadas. A
resposta dos patriarcas foi imediata:
— Entregue o veículo ao seu companheiro e siga para
Saluntad, capital da ilha. Antes de penetrar na cidade,
entre em contato com nosso agente a-G-25, que lhe
arranjará roupas locais, para que você não desperte
desconfiança no interior da cidade. Tenha cuidado, a-G-
25 é o único elemento de que dispomos em Saluntad. A
população pertence às camadas mais primitivas de
Goszul. Supomos que os tripulantes da Lev XIV que
conseguiram escapar seguiram diretamente para a cidade,
depois de se livrarem dos instrumentos que poderiam traí-
los, jogando-os ao mar. A-G-25 lhe prestará todo auxílio.
Goza de grande influência na cidade. Fim.
Szoltan respirou aliviado. Esperara coisa pior.
Voou até as proximidades da cidade, pousou, deixou a
nave a cargo de seu companheiro e, antes que este
decolasse, mandou irradiar um chamado dirigido a a-G-
25. O agente respondeu e foi informado do lugar em que
Szoltan se encontrava, recebendo instruções para trazer-
lhe roupas que não despertassem a atenção.
Depois disso, a nave decolou e afastou-se em direção
ao norte, ganhando altura. Szoltan esperou paciente.
Dentro de uma hora ou duas o sol se poria.
“Tomara que a-G-25 não demore”, pensou.
* * *
As roupas trazidas por Vethussar se pareciam com as
que ele mesmo usava.
Uma camisa grosseira, amarrada na cintura por uma
espécie de cordel, uma calça de bombachas um pouco
menor, amarrada na altura dos tornozelos, um par de
sandálias e uma manta sem mangas.
Apesar de sua simplicidade, as vestimentas não
pareciam pertencer a um homem pobre. Concluía-se que
Vethussar não devia ser pobre.
Vethussar ficou satisfeito com os agradecimentos que
os amigos lhe manifestaram. Com um sorriso disse:
— Trouxe mais uma coisa.
Pôs a mão no bolso largo da manta e tirou um pequeno
recipiente metálico.
— Vetro! — disse em tom de segredo.
Marshall apressou-se em descobrir o que seria vetro.
Mas Vethussar estava tão concentrado na reação dos
amigos que seus pensamentos não revelaram nada.
— É incrível — disse Marshall, aparentando uma
alegre surpresa. — Passe para cá, amigo.
Vethussar entregou-lhe o recipiente. Marshall abriu-o
e viu que seu conteúdo consistia num tipo de creme
avermelhado.
— Especialmente para você — disse Vethussar. — É
provável que ninguém desconfie dos outros.
No mesmo instante Marshall leu em seus pensamentos
do que se tratava. Vetro era um corante da pele, que dava
a tipos muito claros ou muito escuros a cor avermelhada
dos habitantes de Goszul. Pelo que se deduzia dos
pensamentos de Vethussar, o conteúdo daquele recipiente
valia uma pequena fortuna.
Marshall agradeceu e pediu a Vethussar que passasse
o creme nos lugares de seu corpo que ficassem expostos,
sempre ou de vez em quando. Para andarem bem seguros,
Yokida, Kakuta e Ishibashi imitaram-no.
Quando o trabalho foi concluído, o sol havia
desaparecido. A escuridão irrompeu rapidamente.
Subiram à carroça de Vethussar e poucos minutos depois
passaram pela abertura no dique que, por assim dizer,
representava o portão ocidental da cidade.
O nome da cidade era Saluntad. Se dali não
encontrassem um caminho que os levasse para o norte,
por cima do mar, nunca mais o encontrariam.
Só lhes restaria pôr suas esperanças nas faculdades
extraordinárias de Tako.
* * *
Sob um aspecto importante, Gucky distinguia-se da
maior parte dos seres humanos: era incapaz de sentir
tédio.
Sua raça era dotada de um instinto lúdico infalível,
que não se comprazia tanto na brincadeira como tal, mas
antes na alegria provocada pelas aflições que a
brincadeira coerente causava nos parceiros inconscientes.
Tempos atrás a raça de Gucky causara um grave
perigo à tripulação da Stardust, porque o instinto lúdico
inato à mesma não conhecia medidas. Mais tarde essa
falha foi suprida em Gucky através da educação. Este já
sabia até onde podia chegar com suas brincadeiras,
inclusive numa situação como a presente.
Cinco dos dez dias já se haviam passado.
A Frer LXXII retornava ao planeta de Goszul a 98 por
cento da velocidade da luz.
Recorrendo ao projetor hipnótico arcônida, Gucky
ordenou a um dos homens que se aproximara a menos de
cinco metros do seu cubículo que entrasse no mesmo. Por
algum tempo divertiu-se com o rosto desfigurado pelo
pavor. Depois recorreu a um impulso hipnótico que o fez
esquecer o quadro e interrogou-o sobre as condições
reinantes no planeta de Goszul.
Dessa forma ligou o útil ao agradável. Recolheu
informações sobre o mundo em que teria de trabalhar e,
no fim, ainda teve o prazer de captar fragmentos de
pensamentos que passaram pelo cérebro do homem
depois de este ter saído do cubículo, quando passou a
discutir com os outros tripulantes que quiseram saber por
onde tinha andado por todo esse tempo, enquanto ele
mesmo afirmava que não saíra do lugar por um instante
sequer.
O comando hipnótico geral de não abrir a porta do
cubículo não foi afetado pela brincadeira de Gucky.
* * *
O papel que Vethussar desempenhava na cidade
tornou-se evidente quando ele convidou seus amigos a
descerem da carroça diante de sua casa.
Sob a luz de tochas crepitantes tiveram oportunidade
de admirar muitas fachadas, espantando-se pelo fato de
que as construções de Saluntad quase não diferiam
daquelas que a cultura ocidental do início do século XVII
criara na Terra.
Mas a casa de Vethussar era uma exceção.
Na verdade não era uma casa. Era um palácio!
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A construção de um pavimento estendia-se por cerca
de cinqüenta metros ao longo da rua estreita. Quanto ao
aspecto exterior, era o cúmulo da falta de gosto.
Mas Marshall sentiu o orgulho exuberante de
Vethussar e mostrou-se bastante impressionado.
Vethussar introduziu os hóspedes por um portal, e só
lá dentro eles se deram conta da riqueza do palácio. O
interior da enorme casa estava recheado de uma
ostentação perdulária, sem demonstrar a mesma falta de
gosto da fachada.
Vethussar sentiu-se muito satisfeito com a admiração
sincera que os amigos tributaram a sua casa. Fez questão
de que Marshall e seus companheiros, que não tinham
dinheiro, ficassem com ele até que tivessem uma idéia
melhor. Marshall acabou concordando em seu nome e no
de seus companheiros.
Cada um deles recebeu um quarto. Tiveram muito
trabalho em convencer Vethussar de que não havia
necessidade de um criado para cada um deles. Mas
Vethussar não se deixou demover do intento de dar um
criado para os quatro.
— Nunca tive hóspedes de categoria tão elevada como
vocês — disse com um alegre piscar dos olhos. — E faço
questão de que recebam um tratamento condigno.
Marshall teria a impressão de que a gentileza era
excessiva, se não tivesse captado nas profundidades da
mente de Vethussar a ideia de que o mesmo esperava que
a hospitalidade lhe trouxesse um proveito, em virtude das
faculdades extraordinárias de que seus hóspedes eram
dotados.
* * *
— Muito bem, vamos fazer um plano — concordou
Marshall. — Alguém tem uma idéia?
De madrugada Tako Kakuta dera um giro pela zona
portuária.
— Dei uma olhada nos navios — disse — e também
conversei com algumas pessoas. Os navios têm uma
capacidade de enfrentar o alto-mar que não fica nada a
dever a quaisquer outros. Mas, se o vento for normal,
gastam cerca de trinta dias para vencer uma distância de
cinco mil quilômetros. Se não houver outra saída,
poderemos ir num desses navios. O comandante não
concordará em ir para o Norte, pois lá fica a terra dos
deuses, da qual eles têm um medo terrível. Kitai teria que
influenciar o comandante e os oficiais, talvez mesmo toda
a tripulação, para evitar um motim.
Marshall confirmou com um aceno de cabeça.
— A distância daqui ao continente norte é de cerca de
quatro mil quilômetros — disse. — Se a velocidade para
o norte for idêntica à do sul, a viagem demorará pouco
mais de vinte dias. Isso seria suficiente para os fins que
temos em vista.
“Vamos fixar um ponto. Só no continente norte
teremos possibilidade de sair deste planeta e voltar para
junto de Rhodan. Teremos que capturar uma nave dos
saltadores. Por outro lado, será conveniente que algumas
semanas se passem entre o atentado contra a assembleia
dos patriarcas e a nova ação que estamos planejando.”
Levantou-se.
— Oportunamente falarei com Vethussar a este
respeito — concluiu. — Pelo que deduzo dos seus
pensamentos, sua riqueza extraordinária provém do
comércio marítimo. É possível que possua alguns navios,
e que possa ceder-nos um deles.
Vethussar apareceu dali a alguns minutos. Parecia
bastante contrariado. Marshall compreendeu que certa
visita o deixara indignado.
— Sinto muito — disse Vethussar depois do
cumprimento matinal — mas Honbled soube que tenho
hóspedes em minha casa, e veio para dispensar-lhes as
graças dos deuses.
— Quem é Honbled? — perguntou Marshall, pois
Vethussar não pensava em outra coisa senão no
aborrecimento que sentia.
— Honbled é o sacerdote supremo da cidade —
respondeu o velho. — Em minha opinião também é o
maior idiota. Mas não posso dizer-lhe isso, pois goza de
muito prestígio e quase todo mundo acredita nos seus
deuses.
Marshall riu.
— Pois o deixe entrar — sugeriu. — Não tenho nada
contra suas bênçãos.
Vethussar suspirou aliviado.
— Muito bem, eu o trarei até aqui. Esperaram. Dali a
alguns minutos o velho voltou com um homem que, de
tão gordo, quase não passa pela porta delicada. Era pálido
e tinha barba rala. Pelos padrões terrestres, aquele homem
não devia ter mais de trinta anos.
— Este é Honbled — disse Vethussar em tom pouco
gentil.
Honbled não se perturbou. Levantou a mão esquerda,
comprimiu-a suavemente contra a testa de Marshall e
disse:
— Que os deuses o abençoem, meu filho.
Repetiu o procedimento com Tako Kakuta, com Tama
Yokida e finalmente com Kitai Ishibashi.
Depois se deixou cair pesadamente numa das
poltronas.
— Pelo que soube, vocês vêm de longe — disse,
iniciando a palestra sem rodeios.
— Isso mesmo — respondeu Marshall e pôs-se a
sondar o que ia pelo cérebro do sacerdote.
— Permite que pergunte de onde vêm? — prosseguiu
Honbled.
“Será que ele não pensa em nada?”, perguntou
Marshall de si para si.
— Descemos das montanhas — respondeu.
Era uma resposta dada ao azar. Como Marshall não
conhecesse a topografia da ilha, não sabia se nela existiam
montanhas. Sentiu que Vethussar se divertia ao saber que
Honbled estava sendo enganado. E Honbled?
— Desceram das montanhas? — disse o sacerdote,
espantado. — Nesse caso são daquela raça dura de
montanheses que enfrentam as intempéries e alegram os
deuses com sua vida frugal.
Marshall sentia-se cada vez mais confuso. Tako
Kakuta percebeu a confusão do amigo e encarregou-se da
resposta.
— Bem, nossa vida não é tão frugal como costumam
dizer aqui embaixo — respondeu em tom insolente. —
Levamos nossa vida, festejamos nossas festas e, pelo que
dizem, nossas mulheres são as mais belas desta terra.
Honbled parecia decepcionado.
— Os deuses não gostarão de ouvir uma coisa dessas
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— disse um tanto indignado. — Os deuses gostam que
suas criaturas vivam na abstinência. O castigo da luxúria é
muito rigoroso.
Ao que parecia, o japonês se divertia com a conversa.
— Não digo que vivemos na luxúria — respondeu. —
Apenas quis retificar uma opinião muito em voga. Não
passamos o tempo sentado em galhos secos nem vivemos
do ar.
Vethussar divertia-se a valer.
— Também costumamos casar — interveio Kitai com
o rosto mais sério deste mundo.
— E também tomamos nosso trago — exclamou
Tama Yokida.
Ninguém sabia onde aprendera a gíria.
Honbled levantou-se indignado.
— Pelo que vejo — disse, para sair da situação
desagradável — vocês têm atrás de si uma viagem muito
longa e ainda não se recuperaram das canseiras. Com a
vontade dos deuses e de vocês voltarei a visitá-los
amanhã, para ouvir mais alguma coisa sobre os homens
das montanhas.
Fez um gesto com a mão esquerda e retirou-se.
Vethussar seguiu-o com um sorriso.
Marshall levantou-se de um salto, assim que a porta se
fechou atrás dos dois.
— O homem tem um bloqueio — disse. — Não
consigo captar seus pensamentos.
Tranqüilo, Tama Yokida sacudiu a cabeça.
— Não, ele não tem nenhum bloqueio — afirmou
calmamente.
Marshall fitou-o perplexo. Sabia que a capacidade
telecinética de Yokida lhe permitia reconhecer os
contornos dos objetos invisíveis. Poderia reconhecer um
instrumento mecânico implantado no cérebro do
sacerdote, por menor que fosse.
— O que é que ele tem? — perguntou Marshall.
— Não tem nada — respondeu Yokida com um
sorriso. — Ele é uma coisa, é um robô...
3
A-G-25 voltou com uma rapidez surpreendente.
Szoltan, que se encontrava no primeiro andar da casa em
que residia o agente, viu-o andar pela rua. Tomou tempo
para divertir-se com a submissão que os transeuntes
demonstravam ao cumprimentá-lo e admirar a
engenhosidade dos construtores, que deram a esse robô
uma forma tão humana.
A-G-25 passou pela porta estreita situada no topo de
uma pequena escada, que dava diretamente para a rua.
Poucos minutos depois se encontrava ao lado de Szoltan.
Fungava como um homem de Tirou um lenço do traje
manchado e passou-o pela testa.
— São eles! — exclamou. — Não tenho a menor
dúvida.
— São os tripulantes da Lev XIV?
— Como vou saber? — perguntou. — Não pude
perguntar, não é?
Szoltan ficou contrariado.
— Como é que você sabe que são as pessoas que
procuramos?
— Entre os habitantes da ilha não há telepatas —
respondeu a-G-25, ou melhor, Honbled. — Acontece que
um deles é telepata. Senti que tateou em direção ao meu
cérebro.
Szoltan esboçou um sorriso um tanto depreciativo. O
cérebro de a-G-25 não passava de um conjunto de chaves
de reação lenta e rápida, depósitos de impulsos, condutos
e controles de medição de tensões.
Era verdade — e isso era o mais importante — entre
outros instrumentos, o robô possuía um aparelho de
registro de emanações telepáticas.
Szoltan não parecia muito satisfeito.
— O que foi que eles lhe contaram?
A-G-25 relatou a palestra.
— E ainda se divertiram à minha custa — acrescentou
bastante contrariado.
Szoltan atirou os braços para cima.
— E daí? Será que não pode ser verdade o que dizem?
É bem possível que venham das montanhas, e que entre
os homens das montanhas existam telepatas.
A-G-25 ainda estava suando.
— É possível que entre os homens das montanhas haja
telepatas — reconheceu. Intercalou uma pausa, para
aumentar o efeito de suas palavras. Depois concluiu
enfaticamente: — Acontece que nesta ilha não existe uma
única montanha.
* * *
— Será que é um agente dos saltadores? — perguntou
Marshall laconicamente.
Os outros sabiam tanto ou tão pouco quanto ele; por
isso a pergunta era puramente retórica.
Mas dificilmente se poderia conceber outra resposta
que não fosse um sim. Além dos saltadores não havia
ninguém neste mundo que soubesse construir um robô.
Qualquer robô que existisse em Saluntad só poderia ser
um robô dos saltadores.
Admitidos esses atos, ainda era certo que Honbled
viera exclusivamente para saber se eram os fugitivos que
estavam sendo procurados.
— Isso afeta nossos planos — constatou Marshall. —
Se um dos saltadores souber que estamos nesta cidade,
suporá que procuraremos embarcar num navio. Vigiará o
porto e logo descobrirá que navio tomamos. Quando nos
encontrarmos em alto-mar, os saltadores não terão
nenhuma dificuldade em capturar-nos.
— Hum! — fez Yokida. — Poderíamos desmascarar o
sacerdote. Basta que lhe abramos a barriga em público
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para mostrar a todo mundo que o sacerdote que adoravam
até então é uma alma de lata.
— Você acha que isso adiantaria alguma coisa? —
perguntou Marshall. — Não adiantaria nada. Os
saltadores ficariam de olho em nós. Nem sequer sabemos
se Honbled é o único agente que mantêm nesta cidade.
Teremos que acompanhar o jogo de Honbled por algum
tempo. Precisamos descobrir se suspeita de nós, e
precisamos adaptar nossos planos à ideia que faz a nosso
respeito.
A sugestão foi aceita. Vethussar não foi informado
sobre a mesma. Sentiu-se satisfeito porque alguém tivera
coragem de fazer uma brincadeira desse tipo com o
sacerdote.
* * *
— Será possível — asseverou a-G-25 em tom
insistente. — Não há a menor dúvida. E será bem simples.
Um delito desse tipo deixará o povo furioso. Não teremos
o menor problema, mesmo que se trate de um dos
armadores mais ricos da ilha.
— Deixaremos que as coisas tomem seu curso normal.
Não recorreremos aos meios técnicos. Para viver em paz e
realizar um trabalho útil, preciso de uma população
pacata. Quando alguém começar a arrebentar as casas
com desintegradores e trabalhar os homens com armas
hipnóticas, a paz e a credulidade deixarão de existir. Não
devemos esquecer que os goszuls foram levados à força a
esse estado de atraso. Ninguém sabe quais são as
recordações do tempo de sua grandeza tecnológica que
ainda jazem no seu subconsciente.
Szoltan deu-lhe razão, embora o fato de ter sido
derrotado por um robô numa discussão franca o deixasse
triste.
— Então, quais são seus planos? — perguntou em tom
áspero.
— Colocaremos as provas nos lugares adequados —
respondeu prontamente a-G-25. — Depois mobilizamos
os templários e marchamos em direção à casa. No
caminho uma grande massa de povo deverá juntar-se a
nós. Cercamos a casa e intimamos Vethussar a entregar o
produto do roubo. Ele fará pouco de nós. Depois disso
ocupamos a casa à força. É tudo. Como o edifício será
cercado em tempo, ninguém escapará. Prenderemos os
quatro homens da Lev e informaremos Vethussar de que
ficará isento de pena se os deixar por nossa conta. Ele não
se oporá, pois um delito desse tipo é punido com a morte.
Szoltan virou as palmas das mãos para cima.
— De acordo!
* * *
Marshall acordou.
Lançou os olhos em torno. Na luz do fogo quase
extinto — um fogo de lenha sem fumaça, aceso
constantemente numa tina de ferro colocada no centro do
quarto — descobriu Tako Kakuta, sentado junto à porta.
Desde que Honbled os visitara os quatro sempre
permaneciam no mesmo quarto, e de noite ficavam de
sentinela por turnos.
— Tako...
O japonês virou-se.
— Sim.
— O que houve?
— Nada de especial. Tudo tranquilo.
Marshall ergueu-se e aguçou o ouvido.
Algo de extraordinário o despertara. Se fosse alguma
coisa que pudesse ser vista, ouvida ou sentida, Tako sem
dúvida o teria percebido. Acontece que não percebeu...
Ali estava de novo.
Um impulso de pensamento gerado por um medo
extraordinário. Mais um, e mais um, vindo de outro
cérebro.
“Vem de longe”, calculou Marshall. “Talvez da ala
direita do edifício.”
Acordou os companheiros.
— Alguma coisa está acontecendo — disse em tom
sério. — Há alguém por lá que sente um medo terrível.
São pelo menos duas pessoas. Vamos dar uma olhada.
No dia anterior haviam conhecido a casa por dentro. A
divisão era simples e metódica. Passando pelo corredor
central, esgueiraram-se pela escuridão em direção à ala
direita.
Os impulsos captados por Marshall tornaram-se mais
intensos.
— É naquela sala — cochichou, apontando para os
contornos quase imperceptíveis de uma porta situada
poucos metros adiante, do lado direito do corredor.
Foram avançando grudados à parede. Da porta saíam
ruídos de alguma coisa que era arranhada. Uma voz
reprimida falava apressadamente e com raiva.
Marshall compreendeu os pensamentos:
“Quem dera que já estivéssemos prontos! Que
sacrilégio! Os deuses nos punirão apesar da intercessão
de Honbled. Vamos dar o fora quanto antes.”
Marshall acenou com a cabeça. Parecia satisfeito. Viu
uma estreita faixa de luz que saía pela fresta da porta.
Concluiu havia luz no interior do quarto. Marshall passou
rapidamente junto à porta fez sinal para que Tako o
seguisse. Tama e Kitai continuaram do outro lado da
porta.
Com um forte pontapé Marshall jogou a porta para
dentro. Ouviu-se um grito de pavor. No mesmo instante
os quatro viram-se no centro da pequena sala, iluminada
pela luz trêmula de algumas velas de sebo.
— Segurem-nos! — disse Marshall.
Inspecionou a armação. Viu que suas suposições não o
haviam enganado: a sala era o depósito de valores de
Vethussar. Preciosidades de todos os tipos estavam
espalhadas sobre as tábuas da armação, e o conteúdo da
caixa que naquele instante seria colocado sobre uma delas
correspondia ao que já se encontrava lá. Eram estatuetas
de ouro, com as partes mais interessantes do corpo
assinaladas por pedras preciosas. Na caixa haveria umas
vinte estatuetas desse tipo. Se no planeta de Goszul, mais
especialmente na cidade de Saluntad, o ouro e as pedras
preciosas tinham o mesmo valor que na Terra, os dois
homens haviam carregado uma fortuna considerável
naquela caixa.
“E daí?”, pensou Marshall. “Ninguém pode proibir
Vethussar de completar seu tesouro durante a noite”.
Mas havia o medo dos dois homens. Por que esse
medo? Por que sentiam tanto medo que nada havia em
seus cérebros além desse sentimento?
Kitai colocou-se diante de um dos homens. Tako
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segurou-o e obrigou-o a fitar Kitai.
— Que estatuetas são estas? — perguntou Kitai.
Seus interrogatórios não admitiam respostas falsas. A
força sugestiva de Kitai Ishibashi era tão intensa que até
então nenhuma vontade conseguira resistir à mesma.
— São figuras tiradas do templo principal dos deuses
— respondeu o homem.
— Vocês as roubaram?
— Não.
— Então, quem foi?
— Honbled, o supremo sacerdote, as entregou a nós.
— Ordenou que as colocassem aqui?
— Sim.
Marshall interveio.
— Está bem, Kitai. Pode parar.
As perguntas de Kitai e a influência sugestiva por ele
exercida obrigaram o homem a superar o medo e pensar
sobre as coisas a respeito das quais estava sendo
interrogado. Marshall sabia o que havia acontecido e,
mais do que isso, o que deveria acontecer.
Virou a cabeça. Parte das tábuas da armação estava
presa aos postes por meio de correias de couro. Marshall
tirou os objetos que se encontravam em cima das tábuas e
tirou as correias.
— Amarrem-nos! — disse laconicamente. — Um de
nós tem que buscar Vethussar. Rápido.
Tama Yokida saiu em disparada. Mal os dois intrusos
estavam amarrados e amordaçados, Yokida voltou com
Vethussar. Estupefato, este piscou para a luz das velas.
— Kitai!
O japonês confirmou com um aceno de cabeça. Sabia
que não havia tempo a perder. Vethussar estava
sonolento. Se alguém lhe quisesse explicar os
acontecimentos sem recorrer a qualquer pressão
sugestiva, levaria mais de uma hora.
Kitai não teve necessidade de repetir qualquer palavra.
O velho logo compreendeu, e também compreendeu o
desastre que estava prestes a desabar sobre sua casa.
— Estes homens declaram — concluiu Kitai — que
Honbled e seus templários estarão aqui cerca de uma hora
depois da meia-noite, para acusar e prender você. Isso
significa que apenas nos restam noventa minutos. Você
tem alguma sugestão sobre o que devemos fazer?
Vethussar não tinha nenhum plano. A infâmia do
sacerdote, que sem dúvida seria bem sucedida se não
fosse a vigilância de seus hóspedes, assustara-o tanto que
não conseguia concatenar os pensamentos.
— Está bem. Nesse caso é conosco — disse Marshall
em inglês. — O velho está tremendo de medo.
Dirigiu-se a Vethussar:
— Onde fica o templo principal?
Vethussar descreveu a situação.
— Tako, você retirará as provas desta casa.
Tako fez que sim.
— Nossa defesa será mais eficiente — explicou
Marshall, falando em intercosmo, para que o velho o
compreendesse — se os objetos roubados forem levados
de volta aos seus lugares. Nesse caso poderemos acusar
Honbled de calúnia e expulsá-lo daqui.
Entusiasmado, Vethussar bateu palmas. Marshall
prosseguiu em inglês:
— Resta saber se isso bastará para que o robô desista
de seus planos. Não acredito que saia daqui sem mais nem
menos, depois que não encontrar as estatuetas. De
qualquer maneira tentará agarrar-nos. Portanto,
mantenham as armas preparadas.
Tako ensaiou um salto em direção ao templo. Marshall
completara as indicações de Vethussar com uma
descrição dos arredores do templo, extraídas do cérebro
do velho. Por isso o salto foi executado com a precisão de
um metro.
Tako pousou na escuridão do interior do enorme
edifício. Atrás dele, junto ao portal, ardia um pequeno
fogo, que provavelmente era sagrado. Dois guardas
estavam juntos à porta. Não notaram a presença de Tako.
Tako encontrou os altares dos quais Honbled havia
tirado as estatuetas e retornou à casa de Vethussar.
Com mais três saltos levou os objetos roubados de
volta ao lugar a que pertenciam. Pouco depois da meia-
noite o trabalho estava concluído. Ninguém percebera a
ação. Vethussar estava garantido contra as acusações de
Honbled. Em palavras exaltadas manifestou sua gratidão
aos hóspedes.
Enquanto isso, Marshall havia refletido sobre a
maneira de escaparem à rede dos saltadores, que se
fechava em torno deles, sem expor-se a qualquer perigo e
sem renunciar à posição vantajosa em que se
encontravam.
Dispunha de quarenta minutos para elaborar seu
plano.
* * *
Vethussar enviou um mensageiro para colher a
informação.
Realmente, a partir de ontem Honbled abrigava em
sua casa um hóspede que até o dia anterior ninguém havia
visto na cidade.
Marshall recebeu a informação trinta minutos depois
da meia-noite e respirou aliviado.
Tinha certeza absoluta de que, antes de acusar
Vethussar em público, Honbled mandaria cercar sua casa.
Marshall e seus amigos saíram da casa para observar o
cerco. Vethussar ainda recebeu algumas informações,
transmitidas às pressas e reforçadas por via sugestiva, e
mandou um mensageiro ao porto para que as transmitisse
ao homem a que igualmente interessavam.
Finalmente Marshall disse:
— Caro amigo, talvez não possamos valer-nos mais da
sua hospitalidade. Isso dependerá da situação. Se não nos
encontrarmos mais, tenha certeza de que lhe somos
muitíssimo gratos. Você foi um bom amigo, e esperamos
que não se esqueça de nós.
Vethussar comoveu-se com estas palavras.
— Não me fale em agradecimentos — disse. — Sou
eu que tenho que agradecer-lhes. Vocês me salvaram da
morte e da desonra.
Faltavam apenas quinze minutos para o momento em
que Honbled pretendia avançar. Apressaram as
despedidas e saíram para o grande parque dos fundos do
palácio de Vethussar.
Avançaram cautelosamente. Marshall caminhava no
centro, pois estava ocupado exclusivamente em captar
pensamentos estranhos.
Quando captou o primeiro impulso, pegou a perna de
Kitai Ishibashi, que rastejava à sua frente, e segurou-o.
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— Ali à frente, um pouco à direita — cochichou.
Kitai confirmou com um aceno de cabeça e informou
Tako Kakuta, que se mantinha na ponta, para que seguisse
em outra direção.
Poucos segundos depois ouviram um ruído na
vegetação. Eram os homens de Honbled que ocupavam
seus postos.
Marshall estremeceu ao receber o primeiro impulso de
um cérebro bem desenvolvido e treinado. O impulso dizia
o seguinte:
“Mais alguns minutos, e os patriarcas terão seus
prisioneiros e eu recuperarei o sossego.”
* * *
Honbled e Szoltan repartiram suas tarefas. Como
sacerdote, Honbled, acompanhado de seus templários,
encarregou-se da acusação pública. Szoltan,
acompanhado de um grupo de pessoas recrutadas e
informadas às pressas, cuidou para que ninguém saísse da
casa.
Pouco menos de uma hora depois da meia-noite,
Szoltan espalhara seu grupo. Ele mesmo escolhera um
posto bastante solitário. Impaciente, lia os minutos no
relógio luminoso.
Procurou romper a escuridão e disse furioso:
— Eu não lhes disse que ficassem nos seus lugares?
A vegetação abriu-se à sua direita e à sua esquerda e
duas figuras abaixadas aproximaram-se às pressas.
— Não, meu filho, você não nos disse nada disso —
respondeu uma voz baixa e desconhecida.
Szoltan assustou-se até a medula dos ossos. Não teve
tempo de recuperar-se do susto. Uma forte pancada
atingiu seu crânio e deixou-o sem sentidos.
— Tudo em ordem — cochichou Marshall.
Kitai e Tama aproximaram-se.
— Vamos aí para os fundos — Marshall apontou para
a direção a que se referia.
Os dois japoneses carregaram o saltador inconsciente.
Escondidos na vegetação espessa, carregaram-no até o
muro que fechava o parque pelos fundos. Tama ajudou-os
com suas forças telecinéticas quando o levaram por cima
do muro e manteve-o no ar até que subissem no muro
atrás dele. Tako seguiu-o, e Marshall ia na retaguarda.
— Tudo tranquilo — disse. — Dentro de um instante
o drama começará.
A poucos passos dali, na viela que ficava junto ao
muro, estava a carroça com dois animais que Vethussar
deixara ali a seu pedido. O saltador inconsciente foi
colocado na mesma. Kitai, Tako e Tama sentaram-se de
tal forma que podiam ficar de olho nele, e que o saltador
não pudesse ser visto de fora. Marshall sentou na boleia,
tangeu os animais e seguiu em direção ao porto.
* * *
Vethussar não se apressou quando ouviu o gordo
sacerdote martelar o portal da casa com os punhos.
Esperou que o criado entrasse em seu quarto e dissesse:
— Honbled, o sacerdote supremo, está lá fora. Está
muito zangado...
Vethussar fez de conta que bocejava.
— Peça-lhe que volte amanhã de manhã. De noite
costumo dormir.
O criado tremia.
— Ele não concordará. Veio com quase todos os
templários e afirmam que você cometeu um crime punido
com a morte.
Vethussar ergueu-se sobressaltado. Desempenhava seu
papel com muita habilidade.
— Eu, que sou o servo mais fiel dos deuses? Um
crime infame?
Com um salto ágil saiu da cama e gritou para o criado:
— Traga minha capa. Rápido! E um archote.
Lá fora Honbled voltou a martelar a porta. Com a capa
sobre os ombros e o archote na mão, o velho abriu o
portal e em atitude arrogante colocou-se diante do gordo
Honbled.
— Que tolice é essa que você anda contando ao povo?
— gritou. — Quem cometeu um crime digno de morte?
Honbled não se intimidou.
— Foi você! — gritou, apontando para o velho. —
Você roubou quatorze imagens dos deuses do templo para
aumentar sua riqueza. Você ofendeu os deuses.
— Quem lhe disse isso?
— Dois guardas viram você e um criado seu carregar
uma caixa pesada pelo portal pequeno do templo.
— É mentira! — respondeu Vethussar.
— Nada disso! — vociferou Honbled. — Deixe que
revistemos sua casa, e descobriremos onde você escondeu
as imagens.
Vethussar deu uma risada sarcástica.
— Antes disso quero que você me leve ao templo e
mostre quais são as imagens desaparecidas.
— Não quer mais nada? — escarneceu Honbled. —
Só assim seus criados terão tempo para esconder os
tesouros.
Vethussar estragou-lhe o jogo.
— Pois deixe alguns dos seus homens aqui. Poderão
ficar diante da casa e nos corredores. Assim você terá
certeza de que nada está sendo escondido.
Gritos de concordância soaram na multidão que se
comprimia atrás de Honbled. Este não estava interessado
em demorar a operação. Sabia que, atrás da casa, Szoltan
estava de guarda. Por isso decidiu ceder ao desejo de
Vethussar.
Carregando archotes fumegantes, a multidão que
crescia constantemente desceu pela rua, em direção ao
templo principal.
— Abram o portão — gritou Honbled de longe.
Os dois guardas que tinham ficado no templo
obedeceram e abriram o grande portão.
— Vocês que estão carregando archotes, fiquem junto
às paredes para que haja luz.
Os homens foram andando junto às paredes e pararam
em intervalos regulares. Uma claridade amarelenta e
esfumaçada encheu o recinto.
— Agora — anunciou a voz potente de Honbled — eu
lhes mostrarei os altares de onde este malfeitor roubou as
imagens dos deuses. Olhem ali...
Estacou. Nada estava faltando no altar do deus do mar,
embora tivesse ordenado aos seus homens que esvaziasse
esse altar antes dos outros, porque nele se encontrava a
mais preciosa das imagens.
— ...ou ali — prosseguiu.
Acontece que também a imagem de ouro do deus dos
peixes continuava no lugar de sempre — com pedras
preciosas verdes e brilhantes que lhe serviam de olhos.
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— Ou ali — arremedou Vethussar, brandindo o
archote. — Ou ali... ou ali.
O organismo mecânico de Honbled registrou e
classificou a nova situação e fez com que o exterior de
seu corpo demonstrasse a reação tipicamente humana à
mesma, feita de pavor, medo e espanto.
— Onde estão as imagens roubadas? — gritou
Vethussar. — O que foi que eu roubei? Pois está tudo
aqui! O que é que você esperava encontrar em minha
casa?
O mecanismo de processamento de dados de Honbled
trabalhava febrilmente. Pesou todas as alternativas
possíveis, inclusive a de que Vethussar soubera do
atentado e levara as imagens de volta ao templo. Mas o
setor lógico recusou-se a transformar esse conhecimento
em impulsos verbais e transmitir os mesmos aos
instrumentos de fala, porque a essa altura ninguém mais
acreditaria numa palavra do que o sacerdote dissesse.
Enquanto isso, a fala de Vethussar inflamava a
multidão. Os que não carregavam archotes apinharam-se
em torno do velho e do sacerdote, enquanto os outros
saíram de junto das paredes e iluminaram a cena.
— Ele mentiu — gritou Vethussar. — Mentiu para me
roubar. Ele, o sacerdote.
— O sacerdote supremo — gritou a multidão
enfurecida.
A sorte de Honbled estava selada. A multidão
precipitou-se sobre ele. Era bem verdade que a-G-25 era
uma máquina potente; não teve a menor dificuldade em
defender-se do primeiro atacante. Mas a multidão estava
composta de mais de mil pessoas. Honbled não teve outra
alternativa senão emitir o sinal de emergência do agente e
deixar que os acontecimentos seguissem seus cursos. As
pancadas e os pontapés sacudiram seu interior,
condenando-o à imobilidade. Sua última reação foi a de
fechar os olhos.
Dali a pouco pensaram que estivesse inconsciente ou
morto. A barriga gorda de Honbled evitara que o corpo
propriamente dito do robô, feito de metal plastificado,
fosse colocado à mostra. Os cidadãos de Saluntad foram
poupados ao choque metafísico.
Vethussar já se desprendera da multidão e retornara a
sua casa. Face às notícias que trouxe e ajudado por seus
criados expulsou os servos de Honbled da casa e do
jardim.
Concluído este serviço, foi ao seu aposento particular,
mandou que o criado acendesse alguns cavacos de pinho e
contemplou ansiosamente o relógio de água, que mostrava
tranquilamente as horas.
Fora cheia quatro horas antes da meia-noite. Agora o
nível da água estava junto à linha da sexta hora.
Quando passou por essa linha, três tiros de canhão
soaram na zona portuária.
Vethussar sorriu satisfeito, levantou-se e apagou os
cavacos. Ao deitar-se, pensou:
“Fafer é um homem de confiança.”
* * *
Os dois animais de tração foram à única dificuldade
com que o grupo se deparou no caminho até o porto.
Marshall só conseguira uma explicação apressada sobre a
maneira de dirigi-los, e mais de uma vez aconteceu que
andassem para a esquerda, quando ele queria que
seguissem para a direita.
Apesar disso não levaram mais de meia hora para
chegar ao porto.
O navio que tinham em vista — o Storrata — foi fácil
de encontrar. Era a única embarcação em que havia outra
iluminação além das costumeiras luzes noturnas, e no
qual se trabalhava.
Marshall levou a carroça até junto ao passadiço, que
descia do último dos três conveses sobrepostos.
— Vethussar nos manda a esta hora da noite — gritou
Marshall.
Eram as palavras que combinara com o comandante
do Storrata, por intermédio de Vethussar e de seu
mensageiro.
— Subam! — gritou alguém.
Descarregaram o saltador, ainda inconsciente, e
subiram pelo passadiço.
Foram recebidos por uma pessoa que envergava um
uniforme colorido. Marshall sondou o conteúdo de seu
cérebro: surpresa, curiosidade e certo aborrecimento
causado pela incumbência de zarpar a uma hora dessas.
— Sou Fafer — disse o homem. — Sejam bem-
vindos.
Marshall agradeceu.
— Sentimos que, por nossa causa, você tenha tanto
trabalho — disse. — Mas tivemos oportunidade de prestar
um serviço nada desprezível ao seu amo, e ele deseja
retribuir. Tenho certeza de que também você sentirá os
favores de Vethussar, se puder ajudar-nos a sair desta
terra sem que ninguém o saiba.
Marshall percebeu que o humor de Fafer logo
melhorou.
— Farei o possível — asseverou o comandante. —
Permitam que lhes mostre o lugar em que irão morar.
Perto da popa havia uma escada estreita que levava ao
convés do meio. Fafer seguiu em direção à popa e, depois
de chegar ao fim do corredor, abriu algumas portas atrás
das quais ficavam aposentos cujo esplendor deixou
Marshall e seus amigos estupefatos.
— Aquela janela permite uma visão bem ampla —
explicou Fafer. — A popa do navio inclina-se da ponte de
comando em direção à água. Por isso pode-se olhar tanto
para baixo como para cima.
Esse detalhe era importante. E outra vantagem era que
cada aposento possuía uma janela desse tipo.
Fafer indagou delicadamente se os aposentos eram do
agrado dos hóspedes. Despediu-se depois que estes
asseveraram que poucas vezes haviam morado num lugar
tão confortável.
— A manobra será difícil — disse, como para
desculpar-se. — Daqui a uma hora, aproximadamente, a
maré vai mudar. Se não conseguirmos sair o suficiente
com a maré vazante, a maré alta nos carregará novamente
para dentro do porto.
Quinze minutos depois se ouviu o ribombo de três
tiros de canhão no convés superior. Pouco depois os
quatro viram que o panorama mudava diante das janelas.
As luzes do porto recuaram e os contornos escuros de
outros navios deslizavam lentamente diante deles.
O Storrata saiu do porto.
* * *
155
Na manhã do dia seguinte várias pessoas perguntaram
a Vethussar, como que por acaso, o que era feito de seus
hóspedes. Este, que fora prevenido por Marshall,
respondeu às perguntas com a maior boa vontade.
Os quatro forasteiros haviam saído no Storrata. Não,
não seguiram em direção às ilhas ocidentais, mas para o
continente do sul. Sua missão era muito urgente, por isso
Fafer, o comandante, se mostrara disposto a zarpar ainda
na mesma noite.
O primeiro “contato de segurança” de Marshall
entrara em funcionamento. O fluxo de informações estava
em desenvolvimento.
* * *
O segundo “contato” era o próprio prisioneiro,
chamado Szoltan.
Marshall tivera boas razões para não revistar seu
equipamento, quanto mais tirar-lhe alguma coisa. Tinha
certeza de que devia trazer consigo alguma coisa que lhe
permitiria ao menos transmitir um sinal goniométrico aos
seus chefes.
E isso mesmo era necessário. Agora, que os saltadores
tiveram sua atenção despertada para eles, não adiantaria
retardar o regresso ao continente norte. O motivo
principal — isto é, a opinião de que com o tempo o
atentado contra os patriarcas cairia no esquecimento — já
não existia.
E, para vencer a distância de cinco mil quilômetros
com maior rapidez do que seria possível num navio a
vela, Marshall precisaria dos próprios saltadores. Estes
deveriam saber onde encontrar Szoltan e os homens que o
haviam aprisionado.
O resto correu conforme Marshall desejara. O Storrata
saiu do porto e antes da mudança da maré o vento
enfunou suas velas, deslocando-o lentamente em direção
ao sul enquanto ia raiando o dia.
* * *
O planeta de Goszul — era este um nome que não
existia há muito tempo, ao menos em comparação com a
história do povo que atualmente era chamado de goszuls.
Os goszuls, que a si mesmos davam o nome de gorrs e
chamavam seu mundo de Gorr, foram primitivamente um
grupo de colonos arcônidas, que se estabeleceram nesse
setor da galáxia, vindos de Árcon numa imensa frota
espacial. Isso acontecera há vários milênios. Portanto, os
gorrs pertenciam à mesma raça de Thora e Crest, ou dois
arcônidas aos quais, em última análise, Perry Rhodan
devia o imenso avanço tecnológico da Terceira Potência.
Acontece que certas influências climáticas e
psicológicas existentes no planeta habitado pelos gorrs
trouxeram um retardamento, e finalmente a paralisação do
desenvolvimento técnico-civilizatório. Cerca de mil e
quinhentos anos após o início da colonização, a
tecnologia dos gorrs começou a regredir. Certos objetos
que, séculos antes, eram usados por todos deixaram de ser
fabricados, porque o povo havia esquecido a maneira de
produzi-los.
Não há dúvida de que o processo foi muito lento.
Provavelmente os habitantes de Gorr continuariam por
mais vinte mil anos uma raça dotada de uma tecnologia
relativamente avançada, se o mundo de Goszul não
tivesse sido descoberto pelos saltadores, que decidiram
acelerar o processo de regressão por meios artificiais.
Os saltadores dispunham de todos os meios para isso.
Eram uma raça de mercadores, que não tinha uma
verdadeira pátria. Em compensação, detinham o
monopólio do comércio galático e, como fossem os seres
que mais andavam pelos diversos mundos, eram
considerados o grupo tecnicamente mais avançado. Sob o
ponto de vista racial também eram aparentados aos
arcônidas, mas no terreno político formavam um reino
independente dentro do Império Arcônida. Enquanto não
surgisse nenhum perigo, as ligações entre eles eram
bastante frouxas. Mas sempre que um deles se via numa
situação de emergência causada por um elemento não
pertencente ao grupo, vinha imediatamente em auxílio de
seus semelhantes.
Tiveram sua atenção despertada para a Terra por causa
do comandante da nave Orla XI, que observou que, no
setor de Vega, alguém praticava o comércio interestelar,
rompendo o monopólio dos saltadores. Orlgans, o
comandante, colocara seus agentes na Terra e, só porque
Rhodan assim o planejara, conseguira capturar um
prisioneiro muito importante. Rhodan seguiu a nave dos
saltadores, atacou-a e viu-se envolvido numa batalha com
as naves de guerra que acudiram às pressas.
Compreendendo que com um grupo de três naves,
posteriormente aumentado para quatro, não conseguiria
enfrentar por muito tempo o poderio superior dos
saltadores, dirigiu-se ao mundo artificial do planeta
Peregrino, a fim de pedir à entidade espiritual coletiva que
ali vivia que lhe concedesse uma arma nova e superior, o
transmissor fictício. A entidade espiritual coletiva, que
era a concentração mental de uma raça que há muito se
extinguira fisicamente, apenas lhe concedeu dois
transmissores que seriam instalados na Stardust, o enorme
couraçado espacial de Rhodan. Face a isso, Rhodan
continuou em situação inferior no terreno tecnológico.
Depois disso tinha de impedir que os patriarcas dos
mercadores, reunidos em conferência extraordinária no
planeta de Goszul, resolvessem lançar um ataque imediato
contra a Terra.
Voltando ao planeta de Goszul: Ao reforçar o efeito
involutivo do ambiente de Gorr e introduzir no processo
de regressão um fator multiplicativo de dez mil, os
saltadores criaram um mundo habitado exclusivamente
por inteligências subdesenvolvidas.
Transformaram o continente norte numa base,
deixando o resto intocado. Fizeram com que os gorrs, que
passaram a ser chamados de goszuls, acreditassem em
deuses, deuses estes que não eram outros senão os
próprios saltadores. Fizeram de seus robôs os supremos
sacerdotes, controlando dessa forma a evolução do
planeta.
Escolheram os mais inteligentes dentre os goszuls e,
depois de submetê-los a um ligeiro treinamento hipnótico,
transformaram-nos numa força de trabalho barata e
submissa.
Tudo isso fazia com que o planeta de Goszul — ou de
Gorr — fosse uma advertência ao vivo do que aconteceria
à Terra se um dia os saltadores conseguissem conquistá-
la.
* * *
156
Era perto do meio-dia.
Fafer tomara o rumo sudoeste.
Marshall e seus companheiros subiram ao convés de
comando, observando cuidadosamente os arredores do
Storrata.
Quanto a Szoltan, todas as providências haviam sido
tomadas. Podia mover-se livremente num dos aposentos.
Mas não podia sair do camarote para o interior do navio.
Marshall levantou-se. Estivera sentado num montão de
corda enrolada, inspecionando um dos canhões que se
encontravam na ponte de comando.
Só deu alguns passos. Estacou diante das palavras de
Tako.
— Olhe! Ali!
Marshall agachou-se ao lado dele sobre o tombadilho
e olhou na direção em que Tako apontava. Com um
suspiro de alívio viu os três pontos negros que,
deslocando-se pouco acima da superfície da água, vinham
do norte.
— Então deu certo — disse, satisfeito.
O vigia da gávea parecia ter descoberto a mesma coisa
ao mesmo tempo.
— Três embarcações estranhas vindas do norte! —
gritou.
Fafer, que se encontrava no convés do meio, gritou de
volta:
— De que tipo?
O vigia gritou:
— Não andam na água, mas acima dela.
Sua voz parecia amedrontada.
Marshall viu que também Fafer se assustou. Os
marinheiros que se encontravam nas proximidades de
Marshall haviam acompanhado a troca de palavras da
gávea para o tombadilho. Marshall ouviu-os murmurar:
— São os deuses nos seus carros voadores.
Fafer voltara a controlar-se.
— Continuem! — soou sua voz retumbante, atingindo
todos os conveses. — Veremos de que se trata.
Marshall transmitiu as últimas instruções.
— Ficaremos de prontidão aqui no convés.
Provavelmente ao menos um dos homens descerá de uma
das naves e procurará entrar em entendimento com o
comandante. Não acredito que ataquem o navio, pois
temos um refém a bordo.
As naves aproximaram-se rapidamente. Apesar das
ordens de Fafer a tripulação parou de trabalhar. Atiraram-
se ao tombadilho quando as naves começaram a circular
em torno do navio e uma delas parou na altura do convés
do meio, deixando descer um homem.
— Kitai... para a frente! — disse Marshall entre os
dentes.
Kitai esgueirou-se até a beirada da ponte de comando
e, escondido atrás de um mastro, desceu pela escada
estreita que dava para o convés do meio. Marshall viu-o
tomar posição atrás do mastro.
Provavelmente o saltador viera na intenção de falar
com o comandante do navio. Mas de repente resolveu
outra coisa. Marshall viu-o segurar o microfone de bolso e
mover os lábios.
A reação foi imediata. A nave da qual o homem
acabara de sair desceu ao convés. O outro tripulante
também desceu. Outra das naves ocupou a posição da
primeira — na altura do convés do meio — e também
dela saiu um dos tripulantes.
Os três saltadores parados no convés do meio
lançaram os olhos por cima das costas da tripulação que
os venerava, atirada no tombadilho.
— Tako!
Foi uma ordem lacônica, executada imediatamente.
Tako desapareceu.
Marshall observou a nave que se mantinha no ar, junto
ao convés, mas não notou qualquer alteração, embora
Tako acabasse de ocupar o lugar do tripulante que acabara
de descer.
Kitai Ishibashi fez um sinal de trás do mastro. Os três
homens que haviam descido estavam submetidos ao seu
controle sugestivo.
Por algum tempo não aconteceu nada.
Subitamente a nave para cujo interior Tako acabara de
teleportar-se foi colocada em movimento. Lentamente,
como se estivesse sendo pilotada por uma pessoa não
muito familiarizada com o comando de um veículo
espacial, foi-se afastando do navio, ganhou altura e depois
de algum tempo parou.
Marshall observava-a bastante ansioso.
Um raio compacto de desintegrador saiu da nave
parada no ar e atingiu a outra, que ainda circulava em
torno do navio. Metade do veículo dissolveu-se em
nuvens de gases turbilhonantes, enquanto a outra metade
caiu como uma pedra atirada com pouca força, bateu na
superfície com um estalo e desapareceu dentro de três
segundos.
Marshall e Yokida desceram ao convés do meio. Os
três saltadores continuavam imóveis. Não haviam notado
a derrubada de uma de suas naves, nem deram a menor
atenção aos três homens que se aproximavam. Entre eles
estava Kitai, que se unira a Marshall e Yokida.
— Fafer! — gritou Marshall.
Olhando por cima do cotovelo, Fafer observara os
acontecimentos estranhos que se desenrolaram em torno
dele e chegou à conclusão de que os passageiros que
trazia a bordo deviam ser muito mais poderosos que os
deuses parados no convés. Levantou-se de um salto e
aproximou-se solícito.
— Preste atenção, Fafer! — disse Marshall. — Você
prosseguirá na viagem ao continente sul. Largue estes
homens na primeira ilha. Não tenha receio, que não são
deuses. No momento em que perderem o navio de vista
terão esquecido tudo que aconteceu com eles. Prometo-
lhe que você não sofrerá qualquer castigo. Faça a mesma
coisa com o prisioneiro que se encontra num dos
camarotes e com o homem que daqui a pouco descerá
daquela nave.
Tako dispôs-se a pousar. Balançando, a nave deslizou
alguns metros por cima do convés e deu um empurrão
violento em alguns dos marinheiros que continuavam
abaixados sobre o tombadilho, antes de imobilizar-se.
Tako desceu com o rosto muito sério.
— Tive que matá-lo — disse. — Não me deixava em
paz.
— Quer dizer que você terá apenas quatro prisioneiros
— comunicou Marshall, dirigindo-se a Fafer, procurando
disfarçar a tristeza que a morte do saltador lhe causava.
Fafer prosseguiu no mesmo rumo, depois que os dois
carros voadores tinham levantado pouso, levando os
157
passageiros a bordo, e desapareceram em direção ao
norte.
* * *
Se não fossem os pensamentos dos tripulantes, Gucky
nem teria notado que a pequena nave de reconhecimento
acabara de pousar. Os neutralizadores antigravitacionais
absorviam os impactos causados pela frenagem e pelo
pouso.
A tripulação preparou-se para sair da nave. Gucky fez
a mesma coisa.
Num salto de teleportação audacioso e extenso
examinou os arredores mais amplos do enorme
espaçoporto que os saltadores haviam instalado no
continente norte do planeta de Goszul. Depois de algum
tempo encontrou um lugar situado numa pequena cadeia
de montanhas, que lhe parecia adequado para esconder os
objetos que trouxera consigo. Retornou à nave para
efetuar o transporte.
Tal qual fizera dez dias antes a bordo da Stardust,
levantou cada um dos objetos por meio da telecinésia,
segurou-o com as mãozinhas e o teleportou para o
esconderijo que acabara de escolher.
Quando ia levantar a última peça, um pesado
desintegrador automático, o desastre aconteceu.
Uma sucessão rápida de teleportações, ainda mais com
bagagem, exige tamanha concentração que o indivíduo
perde quase todo o contato com o mundo exterior.
Gucky não poderia ter percebido a presença do robô
de reparos que, depois de a tripulação ter saído da nave,
veio pelo corredor para verificar se havia alguma avaria.
Um simples acaso — o fato de que a poeira levantada
pelos objetos afastados à pressa obrigou Gucky a espirrar
— impediu-o de desaparecer em tempo com o último dos
objetos, um desintegrador pesado.
No mesmo instante em que, depois de ter espirrado,
Gucky pretendia concluir o trabalho, sentiu a vibração do
chão.
Recorreu à telepatia para descobrir quem se
aproximava do lado de fora. A tentativa não teve êxito.
Antes que Gucky pudesse tomar qualquer providência, a
escotilha do cubículo foi aberta, pondo à mostra um robô
forte, de mais de dois metros de altura.
Por sorte de Gucky tratava-se de um simples robô de
reparos, classe que, além de não portar armas, não possui
uma capacidade de reação muito rápida.
Gucky deixou-se cair sobre as patas dianteiras e numa
questão de segundos abriu o fecho de contato do
envoltório hermeticamente fechado em que estava
guardado o desintegrador. A arma era tão pesada que o
rato-castor mal conseguiu movê-la, mas a certeza de que
sem isso a missão fracassaria antes de ter começado
conferiu-lhe novas forças.
Com dois movimentos repentinos elevou o cano o
suficiente para que apontasse mais ou menos para o
centro do corpo de metal plastificado do robô. Com um
forte movimento da pata traseira puxou o gatilho.
O tiro arrancou um pedaço do robô, gaseificou o
mesmo e fez com que o resto do mecanismo, dividido em
duas partes desiguais, caísse ruidosamente ao solo.
Gucky voltou a guardar a pesada arma no envoltório,
cerrou o fecho de contato e teleportou-se juntamente com
o volume. Retornou para uma inspeção final.
Foi então que cometeu um erro.
O erro consistiu em acreditar que a falta de um
simples robô de reparos não seria notada tão depressa.
Confiando nisso, Gucky saiu da nave a pé. Tinha
certeza de que, se alguém o visse, pensaria que se tratava
de um animal inofensivo. A única arma que trazia
consigo, um pequeno radiador de impulsos, estava
cuidadosamente escondida numa dobra da pele, e o traje
espacial fora transportado para o esconderijo em que se
encontrava o resto da bagagem.
A área imensa do espaçoporto parecia abandonada sob
os raios fortes do sol 221-Tatlira, que era o nome sob o
qual constava do catálogo estelar dos saltadores.
Havia muitas naves além daquela em que tinha vindo.
Mas estavam tão longe que algumas delas permaneciam
semi-ocultas sob a linha do horizonte.
Eram as naves dos patriarcas, todas elas gigantescas.
Mas a essa distância pareciam delicadas e inofensivas.
Gucky brincou com a ideia de teleportar-se para bordo
de um desses veículos e fazer algumas travessuras que
causassem problemas aos patriarcas quando estes
quisessem decolar. Mas logo se lembrou da missão que
lhe fora confiada e da advertência de Rhodan:
— Os saltadores ainda não sabem que têm diante de
si a frota espacial da Terra, a não ser que Marshall ou
algum dos seus companheiros tenha aberto a boca. Mas
se acontecer alguma coisa que lhes traga à lembrança os
acontecimentos do Homem de Neve, do setor do
Peregrino ou de outro ponto do espaço, não demorarão
em tirar suas conclusões. Portanto, tenha cuidado.
Por isso Gucky abandonou a idéia.
Estacou quando viu o movimento acima do horizonte
que tremulava ao ocidente. Parou e olhou em torno.
Notou o mesmo movimento ao sul, ao leste e ao norte.
Esquadrilhas de pequenos veículos em forma de
lentilha corriam velozmente sobre o campo aberto,
seguidas por colunas de robôs que marchavam
apressadamente. Foi tudo tão rápido que Gucky estava
praticamente cercado antes de compreender que a causa
de todo aquele movimento era ele mesmo.
Formava o centro para o qual tanto as naves como os
robôs convergiam em linha reta.
“Notaram a perda do robô”, constatou Gucky.
E registrou mais uma coisa. Desde que Rhodan
recebera as últimas notícias de Marshall, deviam ter
acontecido algumas coisas que fizeram com que os
saltadores se tomassem extremamente cautelosos.
Gucky ficou curioso para saber o que Marshall teria
feito nesse meio tempo.
Mas nem por isso esqueceu-se de abandonar em
tempo o palco dos acontecimentos.
Afastou-se por meio de um salto de teleportação antes
que alguém pudesse identificá-lo claramente, e antes
mesmo que alguém pudesse ter a ideia de que o objeto da
busca era ele.
Pousou nas proximidades do esconderijo para o qual
havia transportado o equipamento. Não se entregou a
ilusões. Os saltadores não se contentariam em dar busca
no campo de pouso. O aparato de que lançaram mão fazia
supor que no caso de um insucesso a estenderiam às áreas
adjacentes, atingindo inclusive o local do esconderijo, que
ficava a poucos quilômetros da extremidade leste do
158
campo espacial.
E o pior não era isso. Os minicomunicadores —
aparelhos criados há pouco tempo, que apesar de seu
tamanho reduzido permitiam o contato verbal direto e
instantâneo a uma distância de vários anos-luz — mesmo
quando não estavam funcionando emitiam uma radiação
constante, gerada pela atividade ininterrupta das pequenas
células energéticas, que produziam e armazenavam a
energia necessária à próxima transmissão.
Gucky tinha certeza de que não desfrutaria por muito
tempo o conforto de seu esconderijo. Mas antes que os
saltadores se aproximassem, pretendia fazer alguma coisa
que trazia em mente.
* * *
O voo decorreu sem contratempos, a não ser os
pequenos problemas que o manejo dos veículos
totalmente desconhecidos causou nos primeiros minutos.
Desenvolvendo a velocidade máxima, as duas naves de
patrulha aproximaram-se da costa do continente norte.
Ao que parecia, as cidades eram muito raras naquela
área. Só Kitai descobriu uma. Ficava à beira-mar e tinha
um porto que tinha aproximadamente metade do tamanho
do de Saluntad. Alguns navios a vela estavam ancorados
no mesmo, o que provava que apesar do temor que lhes
inspiravam os deuses, os ingênuos nativos mantinham
contato com a terra dos deuses, nome que davam ao
continente norte.
Depois que tinham passado pela linha costeira,
Marshall desceu com sua nave e pediu que Tako Kakuta o
seguisse. As duas naves voavam juntinho ao solo,
formando um alvo muito pequeno para as estações de
observação dos saltadores.
Marshall deixou-se guiar pelas impressões. Não tinha
uma ideia exata sobre o local em que ficava o ponto de
reunião dos saltadores. O terreno que sobrevoava era
totalmente desconhecido. A única coisa de que se
lembrava era que o gigantesco campo espacial em que
estavam pousadas as naves dos patriarcas não ficava a
mais de cem quilômetros da costa.
Por isso Marshall pousou oitenta quilômetros ao norte
da linha costeira. Se fosse mais longe, estaria desafiando a
sorte que até então os protegera.
Desceram e deixaram as naves para trás.
O terreno subia. Marshall lembrou-se de que ao sul do
espaçoporto vira uma cadeia de montanhas não muito
elevadas. Talvez fosse a mesma que começavam a
escalar. Talvez bastasse chegar ao cume para ver o
espaçoporto aos seus pés.
Quando começou a escurecer, montaram
acampamento. Tama Yokida descobriu um pequeno vale
que possuía várias saídas bem abrigadas e,
principalmente, um suprimento de água.
A água matou sua sede. Mas não tiveram com que
matar a fome. Praguejaram contra a própria tolice, que
fizera com que não se suprissem de mantimentos.
Apesar disso dormiram profundamente até altas horas
da manhã seguinte. Levantaram-se famintos, mas
dispostos e animados.
Marshall prometeu que, no correr do dia, usariam o
radiador de impulsos para abater um animal comestível,
que seria assado no fogo aberto.
— Aliás — constatou Marshall — daqui até o
espaçoporto não pode ser longe. Quando conseguirmos
vê-lo diante de nós, e desde que Tako possa ajustar-se
com uma certa precisão, poderemos viver dos
mantimentos dos saltadores. Acho que eles não se
alimentam mal.
Sorria e esteve a ponto de dizer mais alguma coisa.
Mas de repente teve a impressão de que estava ouvindo
alguma coisa. Estacou. O sorriso desapareceu.
Mas dali a pouco voltou.
— Estabelecemos contato! — exclamou. — Gucky
está nas proximidades.
Kitai soltou um grito de alegria. Tako estava
desconfiado.
— Tem certeza? — perguntou. Marshall confirmou
com um rápido aceno de cabeça.
— Certeza absoluta. Gucky está a menos de cinquenta
quilômetros daqui, ao nordeste. Ele... silêncio!
Marshall voltou a escutar. Os outros ouviram que
murmurava de si para si, dando respostas telepáticas,
apoiadas pela palavra falada a fim de possibilitar uma
concentração mais intensa.
— Sim... atentado bem sucedido... oitenta por cento
dos patriarcas foram mortos... ainda acreditam que
somos gente da Lev... o quê?... Isso mesmo, tripulantes da
Lev XIV... só isso, tivemos que fugir... não, não tenho
outras informações. Até agora não notamos nada que
levasse à conclusão de que os saltadores mudaram de
idéia... mas não temos a menor certeza. Sim, pode
transmitir isso. Espere aí com quê? Com mini-
comunicadores? Está bem. Fim.
Marshall virou-se apressadamente.
— Rhodan está por aí, rapazes! — exultou. —
Encontra-se a oito dias-luz. Gucky mantém contato com
ele. Traz consigo alguns aparelhos novos.
A alegria e a gratidão apossaram-se de suas mentes,
fazendo com que esquecessem a fome que os martirizava.
Marchando o mais rápido que o terreno acidentado e de
visibilidade restrita permitia, deslocaram-se em direção ao
lugar em que Gucky se mantinha escondido com sua
bagagem.
* * *
Pela natureza das coisas e segundo a letra dos
estatutos, Etztak era um igual entre seus pares — um
patriarca entre outros patriarcas.
Todavia, os acontecimentos dos últimos dias, que
confirmaram repetidamente que ele tivera razão ao
demonstrar uma cautela aparentemente exagerada, e que
aqueles que diziam que as coisas não estavam tão ruins
assim estavam enganados, elevaram o velho acima dos
co-patriarcas.
Passaram a dar atenção às suas palavras.
Todos começaram a indagar se poderia ser correta a
suposição de Etztak, segundo a qual os causadores dos
incidentes desagradáveis que se vinham verificando eram
os seres que o comandante Orlgans descobrira há algum
tempo num braço afastado da galáxia. Era uma suposição
que há poucas horas qualquer pessoa teria tachado de
idiota.
Etztak era um homem muito velho, mas possuía uma
inteligência extraordinária.
159
— Mais uma vez os prisioneiros escaparam — disse
com a voz retumbante, e Vallingar e Wovton, os
patriarcas sentados ao seu lado no amplo salão,
encolheram a cabeça como se fossem responsáveis pelo
fracasso. — Um dos nossos agentes mais preciosos foi
demolido a ponto de estar completamente inutilizado, um
dos nossos homens foi sequestrado, uma nave auxiliar foi
destruída e duas foram aprisionadas, mais três homens
foram sequestrados e três foram mortos, e agora ao menos
um daqueles seres traiçoeiros penetrou em nossa base a
bordo da Frer LXXII. E não conseguimos encontrá-lo.
— Ainda não conseguimos encontrá-lo — retificou
Vallingar em tom suave. — As buscas ainda não foram
encerradas.
Etztak fez um gesto de desprezo.
— Se conseguiu desaparecer do campo espacial aberto
debaixo de nossas vistas, não terá a menor dificuldade em
esconder-se nas montanhas.
Até parecia que o homem da sala de comando
aguardava essa palavra. O receptor de bordo emitiu um
zumbido no instante exato em que Etztak acabara de
proferir a última palavra. Etztak ligou.
— O que houve? — perguntou com a voz zangada.
— As naves de reconhecimento descobriram alguma
coisa, senhor — respondeu o homem apressadamente e
em tom assustado.
— O que foi que descobriram? — gritou Etztak
impaciente.
— Radiações da quinta dimensão, bastante fracas. Não
se sabe qual poderia ser a fonte dessas radiações. De
qualquer maneira são consideradas suspeitas.
— Ah, são? — disse Etztak com uma risada
sarcástica. — Pois diga a esses rapazes que pousem e
dêem uma olhada naquilo, senão terão que explicar-se
comigo.
Assustado, o homem prometeu que a ordem seria
transmitida imediatamente.
Embora poucos segundos antes ele mesmo tivesse
manifestado a opinião de que a busca seria infrutífera,
Etztak falou em tom exultante quando se dirigiu aos
patriarcas:
— Nem tudo está perdido. Dentro de poucos minutos
poremos as mãos no sujeito, ou nos sujeitos.
* * *
Gucky surpreendeu-se com a rapidez com que as
naves de reconhecimento conseguiram seu intento.
Acabara de transmitir a mensagem de Marshall a Rhodan
por meio do mini-comunicador e recebera a confirmação
da mesma.
No momento em que colocou o aparelho
cuidadosamente no chão para guardá-lo, viu a sombra da
primeira nave deslizar por cima dele.
Recuou alguns metros, procurando um abrigo, e olhou
em torno.
Não era só esta nave que se aproximava do seu
esconderijo. Vinham de todos os lados: quinze, vinte,
vinte e cinco.
Gucky encontrava-se numa armadilha.
Era bem verdade que a armadilha não o atingia
pessoalmente. Mesmo no momento em que um inimigo
estendesse a mão em sua direção ainda poderia colocar-se
em segurança através de um salto de teleportação.
Mas havia os equipamentos! Além de serem muito
preciosos, revelariam aos saltadores quem era o inimigo
que tinham diante de si. E por enquanto isso teria que ser
evitado a todo custo.
Gucky saiu por um instante de trás da rocha que lhe
servia de abrigo para guardar o minicomunicador e o
respectivo estojo. Apressadamente fechou o mesmo e pôs-
se a lidar com outro volume, do qual retirou o
desintegrador automático.
Começou a levar os volumes a um lugar seguro.
Lembrou-se de um rio que corria na extremidade oposta
do planalto e, depois de passar por um túnel de rocha,
penetrava na planície litorânea. Era bastante profundo
para os fins que Gucky tinha em vista. Sua profundidade
chegava mesmo a ser suficiente para evitar que as
radiações constantes dos minicomunicadores pudessem
penetrar na atmosfera.
Gucky tinha uma chance diminuta de livrar-se de toda
a bagagem antes que os saltadores chegassem, mas essa
chance não se realizou.
Agachado sobre o cano do desintegrador pesado,
matou cinco saltadores que haviam descido da nave e,
segurando os instrumentos de medição numa das mãos e a
arma na outra, vinham na direção exata do esconderijo de
Gucky.
Depois disso chamou Marshall.
* * *
Marshall estava subindo por uma rocha lisa, quando o
chamado de Gucky o atingiu. A intensidade era tamanha
que de tão assustado Marshall largou o apoio que a custo
conseguira alcançar, escorregando alguns metros até
voltar para junto dos companheiros, que o aguardavam ao
pé da rocha.
— Silêncio!
A mensagem de Gucky foi curta e precisa.
— Gucky está em dificuldades — disse Marshall
apressadamente. — Os saltadores conseguiram cercá-lo, e
não quer deixar a bagagem para trás. Pergunta se Tako
poderia chegar para junto dele.
A reação de Tako foi instantânea.
— Qual é à distância e os sinais característicos?
— A distância é de cerca de quarenta e cinco
quilômetros, direção leste-norte-leste. Sinal característico:
uma reunião de pequenas naves dos saltadores, em parte
pousadas, em parte no ar.
Tako confirmou com um aceno de cabeça.
— Está bem — disse laconicamente.
No mesmo instante desapareceu.
* * *
Tako aterrizou dois metros atrás das costas de Gucky.
Este se esforçava para lidar com o desintegrador pesado.
No instante em que Tako apareceu, um disparo energético
esverdeado saiu do cano com um zumbido, fazendo a
desgraça de alguns saltadores que tentavam aproximar-se
do esconderijo.
— Cuidado, Gucky! — gritou Tako. — Cheguei.
Gucky virou-se tranquilamente e exibiu o dente
roedor.
160
— Já sei — sussurrou. — Acontece que ainda não tive
tempo para cumprimentá-lo.
Com a pata direita apontou para um dos volumes
cinzentos que se encontravam a seu lado.
— Abra isso e tire o radiador de impulsos. Esses
sujeitos ainda nos incomodarão por muito tempo.
Tako apressou-se em obedecer Foi só quando
segurava a arma nos braços que teve tempo para avaliar a
situação.
Gucky encontrava-se no flanco sudoeste de uma rocha
monolítica que se erguia em forma de torre. Algumas
rochas menores forneciam-lhe abrigo. As naves de
reconhecimento pareciam conhecer o ponto exato em que
se encontrava o inimigo, pois, ao circularem em torno da
rocha, aproximavam-se dela muito mais nos flancos leste
e norte que nos outros.
Ainda não tiveram oportunidade de disparar um único
tiro eficaz contra Gucky, pois o alcance de arma
automática deste era ao menos igual ao dos canhões leves
montados nas naves.
Abrigando-se atrás de algumas rochas pequenas, Tako
arrastou-se para o flanco norte da elevação, levando o
radiador de impulsos. Colocando-se numa posição segura,
dirigiu o cano da arma para cima e transformou cinco
naves dos saltadores numa massa de metal plastificado em
volatilização, antes que estes compreendessem que
também deste lado da rocha se defrontavam com um
perigo, e que estava na hora de manterem uma distância
respeitosa.
Tako rastejou de volta. O monte de bagagem que se
encontrava ao lado de Gucky diminuíra. Gucky
aproveitava cada segundo de que podia dispor para
teleportar-se com uma peça e voltar. Ainda faltavam
quatro volumes que teriam de ser transportados para o
esconderijo seguro situado sob a superfície do rio.
— Assim que descobrirem que deste jeito não
conseguem nada — disse Tako, observando as naves que
continuavam a descrever círculos largos em torno da
rocha — lançarão sua artilharia pesada contra nós.
Gucky acenou com a cabeça.
— Sei disso. Mas acho que terminaremos antes que
cheguem.
Desapareceu com um dos quatro volumes. Dali a vinte
segundos levou mais um.
Foi quando os saltadores voltaram ao ataque.
Conceberam uma tática diferente. Vindos de dois lados —
do sul e do oeste — atacaram a pé. Ao mesmo tempo
meia dúzia de naves contornou a rocha próxima ao solo,
vindo de cada um dos dois lados.
Se Gucky estivesse sozinho, essa forma de ataque
poderia tornar-se muito perigosa. No entanto, Tako
encarregou-se de um dos grupos de atacantes e, antes que
os mesmos pudessem fazer outra coisa senão disparar
alguns tiros a esmo, meteu-lhes tamanho susto que se
retiraram precipitadamente. O trabalho que Gucky
desenvolveu no outro flanco não foi menos bem sucedido.
Os saltadores fugiram aos tropeções e, ao que tudo
indicava, Gucky teria alguns minutos de sossego para
completar seu trabalho.
Transportou um dos últimos volumes para o novo
esconderijo; tratava-se dos estojos vazios do
desintegrador automático e do radiador de impulsos que
estava sendo usado por Tako. Depois apontou para o
último volume e disse:
— Leve-o a Marshall e volte. Faço votos de que até lá
consiga defender-me sozinho.
Tako não sabia o que havia naquele volume. De
qualquer maneira Gucky achava que era uma coisa
importante. Tako colocou-o nos braços, fechou os olhos
para rememorar o lugar em que deixara Marshall e seus
amigos e saltou.
Marshall não teve tempo para formular qualquer
pergunta. Antes que se recuperasse do susto causado pelo
súbito aparecimento de Tako, este voltou a desaparecer.
Nada de novo tinha acontecido com Gucky.
— Ainda estão com medo — sussurrou este em tom
zombeteiro.
Tako viu que na extremidade do planalto algumas das
naves dos saltadores decolaram, subiram obliquamente e
tomaram o rumo oeste. Era naquela direção que ficava o
enorme espaçoporto. Podia-se apostar mil contra um que
haviam saído em busca de apoio.
— É claro que você tem razão — disse Gucky,
lembrando Tako de que, além de possuir os dons da
telecinésia e da teleportação, era um eficiente telepata. —
Saíram em busca de auxílio. Acontece que, quando
voltarem, não encontrarão nenhum inimigo contra o qual
possam ser ajudados.
Tako descreveu com a maior precisão possível o lugar
em que Marshall os esperava. Saltou na frente e
surpreendeu-se ao ver que sua descrição fora tão exata
que poucos segundos depois Gucky pousou a menos de
dez metros.
Marshall, Kitai e Tama cumprimentaram-no
cordialmente. Falando com a voz sussurrante e
zombeteira que lhe era peculiar, Gucky disse:
— Se fosse por mim, não teria vindo. Acontece que
Rhodan disse que fosse ver se, por acaso, os quatro
macacos cabeludos ainda estão vivos. Aí não tive outra
alternativa.
Mas logo deixaram de fazer brincadeiras. Lembraram-
se de que depois do último incidente a situação não era
tão brilhante como seria de desejar para que pudessem
executar sua missão. A atenção dos saltadores fora
despertada, e isso não de forma genérica, como
acontecera há algumas semanas, mas de forma especial,
sobre os acontecimentos que se desenrolavam nas
imediações do lugar em que se encontravam. O continente
norte seria coberto por uma rede de naves de
reconhecimento, e provavelmente as malhas dessa rede
seriam tão estreitas, que dificilmente haveria uma chance
razoável de escapar pelas mesmas.
— Temos que descobrir uma coisa inteligente — disse
Marshall contrariado — e logo!
* * *
Vallingar constatou que Etztak sofreria um colapso se
não se acalmasse logo.
Nunca vira ninguém que soubesse aumentar a própria
raiva como Etztak. Com a voz esganiçada, gritava
palavras desconexas, praguejando ora contra os pilotos
das naves auxiliares, ora contra a organização da operação
de busca, e finalmente contra toda a raça “decadente” dos
saltadores.
Era bem verdade que Vallingar não pôde deixar de
reconhecer que havia motivo para tamanha exaltação.
161
Treze naves destruídas, trinta e oito homens perdidos!
E isso numa luta contra um inimigo que nem chegara
a ser visto, do qual não se sabia sequer quem era e qual
era sua força. De início os tripulantes das naves
informaram que o fogo só provinha de um lugar. Mas
pouco depois tiveram que mudar de opinião, pois o fogo
foi aberto de outro lugar, ocasionando a perda de cinco
naves e das respectivas tripulações.
Mandaram trazer armas pesadas. Mas antes que as
mesmas pudessem ser utilizadas, as tripulações das outras
partes conseguiram tomar de assalto o esconderijo do
inimigo, sem encontrar a menor resistência.
Esse resultado poderia ser considerado plenamente
satisfatório, se em virtude dele tivessem capturado o
inimigo. Mas o homem, ou os homens que se defenderam
com tamanha eficiência pareciam ter-se dissolvido no ar.
O esconderijo estava vazio.
Era essa a causa da fúria de Etztak.
Nos últimos momentos em que esteve em seu perfeito
juízo mandara que todas as naves disponíveis se
lançassem numa enorme operação de busca, que
abrangeria todo o continente e grande parte das áreas
marítimas adjacentes.
Depois disso começara a esbravejar e até agora não
havia feito nenhuma pausa, muito menos dado mostras de
que pretendesse acabar num tempo previsível.
Nos primeiros momentos a fúria do velho enervara
Vallingar. Mas acabou acalmando-se e, reclinado
confortavelmente na poltrona, suportou os acessos de
raiva com uma espécie de agradável curiosidade.
O intercomunicador de bordo deu sinal. De tão furioso
que estava Etztak nem percebeu o zumbido. Por isso
Vallingar estabeleceu o contato. O homem que se
encontrava do outro lado da linha mostrou-se aliviado por
não ver o rosto furibundo de Etztak na tela.
— Mais duas naves foram destruídas, senhor — disse
com um suspiro.
— Onde? — perguntou Vallingar com a maior
tranqüilidade de que foi capaz.
O homem indicou o local exato em que as naves
haviam sido derrubadas. Vallingar procurou-o no mapa de
plástico, cuja projeção cobria uma das paredes da sala.
Depois procurou despertar Etztak da sua fúria. Só o
conseguiu depois que pegou o robusto velho na gola da
capa e o obrigou a virar-se de tal maneira que teve de
encará-lo.
— Mais duas naves foram derrubadas — disse
Vallingar com a voz tranquila.
Depois de interrompido no seu acesso de cólera,
Etztak não perdia o autocontrole sem mais nem menos.
— Acontece que isso nos fornece uma indicação sobre
a rota do inimigo — acrescentou Vallingar.
— Onde... como...?
Vallingar arrastou Etztak até o mapa.
— Aqui — disse, apontando para uma ampla mancha
verde-claro. — Foi aqui que há uma hora nossas naves
brigaram com o inimigo sem o menor resultado. E aqui —
a mão de Vallingar deslizou para a esquerda, apontando
para um lugar que ficava mais ou menos no centro da
linha que unia a mancha verde ao retângulo branco que
representava o espaçoporto — foram derrubadas as duas
naves. Compreendeu?
Etztak confirmou com um gesto feroz.
— Compreendi — resmungou. — Estão avançando
em direção ao campo de pouso.
* * *
A ideia inteligente concebida por Marshall, Gucky e
seus companheiros foi a seguinte:
Precisavam de um lugar seguro para esconder-se
durante o tempo em que não recebessem novas instruções
de Rhodan, e os saltadores recorressem a toda sua
habilidade para localizá-los.
Um esconderijo em algum lugar deserto não serviria.
Era justamente ali que os saltadores os procurariam, e
com os recursos de que dispunham a chance de não serem
descobertos era mínima. Teriam que esconder-se num
lugar em que os saltadores só realizariam uma busca
superficial, por suporem que nas condições ali reinantes
seriam encontrados logo.
Teriam que esconder-se entre homens.
Os saltadores acreditavam que os fugitivos, que eram
membros da tripulação da Lev XIV, seriam facilmente
reconhecíveis, especialmente, por exemplo, pelos
tripulantes dos veleiros primitivos que estavam ancorados
junto à costa sul. Se lhes acudisse a ideia de que os
homens que procuravam podiam estar escondidos por lá,
se limitariam a uma inquirição junto aos comandantes dos
navios. Estes não deixariam de dar resposta verídica à
indagação de um “deus”.
— Vamos nos esconder num dos navios! — foi esta a
diretiva.
Todavia, teriam que tomar seus preparativos. Os
saltadores não deveriam conhecer o caminho da fuga, pois
isso representaria uma indicação de suma importância.
Era necessário desviar sua atenção. Devia-se fazê-los
acreditar que os inimigos se deslocavam em outro sentido
— para o espaçoporto, por exemplo, levando-os a chamar
os grupos de busca que operavam nas outras partes do
continente norte.
Esta parte da missão ficou a cargo de Tako e Gucky.
Este fez questão de que Marshall e seu grupo ficassem
com uma das armas pesadas. Por isso Marshall ficou com
um radiador de impulsos. Tako e Gucky equiparam-se
com o desintegrador e uma delicada arma de bolso.
Não havia a menor dúvida de que a missão era
perigosa. Assim que tivessem dado sinal de sua presença,
teriam que defrontar-se com toda a organização de busca
dos saltadores. E acontecia que só tinham um
conhecimento bastante limitado do terreno em que teriam
de operar. Era bem possível que depois de um salto
viessem parar no meio de um grupo de reconhecimento
dos saltadores, e nesse caso a possibilidade de escaparem
ilesos era bastante reduzida.
Mas tinham de arriscar.
Um tanto abatidos, Marshall, Kitai Ishibashi e Tama
Yokida, que seguiriam para o sul em direção à costa,
despediram-se dos teleportadores.
* * *
O céu estava preto de tantas naves auxiliares, pesados
veículos deslizantes que, entre os saltadores,
desempenhavam o papel de caminhões e pequenas naves
de reconhecimento, que eram mais ou menos do tamanho
da Frer LXXII, na qual Gucky chegara ao planeta.
Tako e Gucky estavam escondidos numa caverna, e
162
esperavam para ver o que fariam os saltadores. Poucos
minutos antes haviam derrubado duas de suas naves e,
conforme era de prever, logo depois toda a frota que
participava da operação de busca se reunira no local.
Acontece que a mesma não possuía a menor
indicação, a não ser a destruição das duas naves. Gucky e
Tako não emitiam qualquer tipo de radiação que pudesse
ser localizada. O minicomunicador ficara com Marshall.
Tako olhou para o relógio. Fazia uma hora e meia que
Marshall se pusera a caminho. Para alcançar o porto mais
próximo teria de marchar quase cem quilômetros, pois era
de supor que durante a busca intensa os saltadores já
tivessem encontrado as duas naves capturadas. Por isso a
ação desviacionista teria que ser prolongada ao máximo
para que pudesse ajudar Marshall.
— Temos que passar para o outro lado — cochichou
Gucky.
Estava aludindo ao lado oposto do longo vale, que se
estendia do leste para o oeste, isto é, a um ponto situado
algumas centenas de metros ao norte. Sem dúvida esse
ponto ficava fora da área em que os saltadores supunham
que os autores do atentado estivessem escondidos.
Tako confirmou com um aceno de cabeça. Convinha
preparar sempre surpresas novas para os saltadores.
Saltaram com um intervalo, depois de terem
combinado com a maior precisão o ponto de destino do
salto. Pousaram aproximadamente a meia altura de uma
grande encosta de pedras, da qual sobressaíam alguns
blocos de rocha. Gucky, que saltou em último lugar,
surgiu a menos de quinze metros do japonês e, como este,
procurou abrigar-se imediatamente atrás da rocha mais
próxima. Estavam bem ajustados um ao outro.
Viram que do lado oposto do vale as naves dos
saltadores pousavam cautelosamente e as tripulações
desceram ainda mais cautelosamente.
Alguns veículos destacavam-se do grupo, passavam
junto aos flancos íngremes do vale e esforçavam-se para
encontrar qualquer pista dos homens que procuravam.
— Vamos dar-lhes uma pequena ajuda — sugeriu
Tako.
Descansou o desintegrador sobre uma rocha, fez
pontaria por cima do cano e esperou. Tinha tempo; não
havia necessidade de seguir o inimigo com a arma. A
qualquer momento um deles se colocaria à frente da
mesma.
Dali a alguns minutos chegou o momento em que isso
aconteceu.
A única coisa que Tako teve que fazer foi curvar o
dedo e soltar o gatilho em seguida.
Conseguiu o que queria. Um raio desintegrador de
apenas um décimo de segundo atingiu a pequena nave que
se aproximara demais, e volatilizou parte de seu casco.
Tako não teria o menor trabalho em destruí-la juntamente
com a tripulação. Mas ficou satisfeito em ver que a nave
descontrolada perdeu altitude e atingiu o chão com um
forte baque. As equipes de socorro, formadas às pressas,
acorreram de todos os lados. Pareciam nervosas e
assustadas.
Tako tinha certeza de que a tripulação ainda estava
viva.
Desta vez a reação dos outros veículos dos saltadores
foi muito interessante. Alguém parecia ter visto de onde
viera o tiro e transmitiu seu conhecimento aos outros.
Com uma rapidez e segurança até então desconhecida nos
saltadores, estes se afastaram do lugar em que estavam
procurando e precipitaram-se para o flanco norte do vale.
— O tempo não está bom para nós — resmungou
Tako e colocou a pesada arma sobre os braços. — Vamos
para o oeste.
Poucos segundos depois de terem mudado de lugar, os
projéteis disparados pelas naves dos saltadores
começaram a detonar no ponto em que antes se
encontravam.
* * *
Depois de terem caminhado durante três horas sem
serem perturbados, Marshall e seus companheiros
chegaram a uma espécie de estrada.
Marshall trazia o radiador de impulsos sobre o ombro.
A arma não pesava muito, pois Tama Yokida, o
telecineta, suportava parte do peso por meio de seu dom
especial. Concentrou o resto de sua potência telecinética
sobre o minicomunicador, que carregava juntamente com
Kitai Ishibashi, caminhando atrás de Marshall.
Marshall parou junto às marcas de roda. Parecia
pensativo.
— Alguma coisa não lhe está agradando? —
perguntou Kitai.
A mão esquerda de Marshall apontou para as marcas.
— É isto — respondeu. — Você acredita que os
saltadores permitiriam que os ingênuos goszuls
penetrassem tão profundamente no continente? Afinal,
estamos a mais de sessenta quilômetros do mar.
Kitai abanou a cabeça.
— Não devem ser os goszuls. Talvez os próprios
saltadores tenham deixado estas marcas.
— Não é possível; eles não usam veículos de rodas.
São nômades até o fundo da alma. Percorrem o espaço e
não gostam de fixar-se em qualquer planeta. Não
saberiam o que fazer com um veículo que anda sobre
rodas.
— Quem poderia ter sido? — resmungou Kitai.
Marshall deu de ombros.
— Não sei — respondeu. — Veremos, pois vamos
caminhar pela estrada.
Mantinham-se à esquerda do caminho, onde as rodas
só haviam chegado vez ou outra, pois era difícil caminhar
nas marcas profundas deixadas pelas rodas. Meia hora
passou-se sem que sua curiosidade fosse satisfeita.
Subitamente Kitai parou e obrigou Tama, que o
ajudava a carregar o minicomunicador, a parar também.
— Ouçam! — exclamou.
Aguçaram o ouvido. De algum lugar, provavelmente
das primeiras montanhas a cujo pé se encontrava, veio um
ruído crepitante.
— Olá! — disse Marshall espantado. — Até parece o
primeiro automóvel de meu avô.
Pararam e esperaram. Nem de longe pensaram na
possibilidade de que uma coisa que fizesse um barulho
tamanho pudesse representar um perigo.
Depois de algum tempo viram. Numa curva arriscada,
saiu da primeira volta do caminho, entrou pelo capim
adentro e parou. O ruído crepitante cessou, mas poucos
segundos depois voltou a soar mais forte, e o estranho
veículo deslocou-se pelo capim, dócil mas um pouco
devagar. Descreveu uma curva larga, voltou à estrada e
163
aumentou de velocidade assim que atingiu as marcas de
roda. Aproximou-se do grupo que se mantinha a espera.
Marshall riu.
— Isso não é o primeiro carro de meu avô; é o
primeiro carro de meu bisavô.
Três homens estavam sentados naquela coisa. Não
havia dúvida de que eram goszuls, mas seus trajes eram
diferentes daqueles usados pelos goszuls que os homens
do grupo de Marshall haviam visto até então.
Marshall não teve necessidade de ler seus
pensamentos para saber quem eram. Pertenciam ao grupo
que os saltadores haviam julgado digno de receber um
superficial treinamento hipnótico, a fim de ser
transformado numa força de trabalho barata — ou melhor,
numa força de trabalho escrava.
Pareciam orgulhosos em cima do incrível veículo e
mostraram-se espantados diante dos três caminhantes que
se esforçavam para esconder a hilaridade.
O condutor do veículo esforçou-se para parar. Mas só
conseguiu fazê-lo, com o motor aos estalos, quando já
havia passado alguns metros pelo grupo de Marshall.
Este percebeu os pensamentos dos goszuls. Pensavam
que ele e os dois japoneses também fossem trabalhadores
a soldo dos saltadores — ou servos dos deuses, como
diziam os ingênuos goszuls.
— Aonde vão? — perguntou o homem que se
encontrava na direção, uma vez concluído o difícil
trabalho de imobilizar o veículo.
Falava o intercosmo no mesmo tom cantante dos
habitantes ingênuos do planeta de Goszul. Marshall nem
se esforçou para imitar esse tom.
— Vamos ao porto — disse laconicamente.
O goszul espantou-se.
— A pé?
Marshall leu os pensamentos que iam pela cabeça do
goszul. “Será que os deuses não dispunham de nenhum
carro?”
— Os deuses não nos puderam dar nenhum carro —
respondeu Marshall. — Poderiam levar-nos?
— Você sabe que não é possível — respondeu o
goszul.
Marshall leu a informação. O veículo só suportava o
peso de três pessoas. Marshall virou-se para Tama e
cochichou ao ouvido do mesmo:
— O carro só pode levar três pessoas. Será que você
poderia levantá-lo?
Tama confirmou com um aceno de cabeça e Marshall
voltou a dirigir-se ao goszul.
— Vamos experimentar com cuidado. Está certo?
Sem aguardar uma resposta, subiu na armação de
plástico que formava a parte mais importante do
automóvel. O goszul que se encontrava na direção ia
protestar, mas não teve tempo para fazê-lo, pois, embora
Kitai e Tama subissem logo depois de Marshall, o veículo
não quebrou.
— Está vendo? — disse Marshall rindo. — Dá
perfeitamente. Vamos embora.
O goszul nem pensou em obedecer. Marshall viu a
desconfiança despontar em seus pensamentos.
— Quem são vocês? Por que fala de maneira tão
estranha, e que instrumento é este que você carrega no
ombro?
— Não sei — respondeu Marshall em tom indiferente.
— Os deuses não costumam dizer aos seus servos o que
estes estão carregando para o porto a mando deles.
O Goszul parecia satisfeito com a resposta.
— Por que sua fala é tão estranha? — perguntou.
— Venho de longe — explicou Marshall.
— Não me diga que vem do continente sul — disse o
goszul com os olhos brilhantes.
Marshall cometeu a imprudência de não formular uma
indagação ao cérebro estranho antes de dar a resposta.
— Isso mesmo — disse.
No mesmo instante reconheceu o erro que cometera.
— Também sou de lá — exclamou o goszul. —
Somos patrícios; mas... — interrompeu-se e prosseguiu
com os olhos semicerrados — justamente por isso não
compreendo por que sua fala é tão estranha.
Marshall dispôs-se a prestar um esclarecimento
amplo; falaria no destino que o arrastara a muitos países,
e dali por diante. Mas antes que pudesse falar o goszul fez
um gesto e disse:
— Talvez eu esteja enganado. Para dizer a verdade,
seu modo de falar nem é tão estranho.
Virou-se e dispôs-se a pôr o motor a funcionar.
Marshall olhou para Kitai. Este deu um sorriso
malicioso. Marshall falou baixo:
— Obrigado. As coisas estavam começando a ficar
perigosas.
Marshall interessou-se pelo motor que movia o
veículo. Neste meio tempo, o goszul que se encontrava na
direção já o pusera a andar. Quando ouviu o ruído bem de
perto, Marshall não teve mais a menor dúvida de que se
tratava de um motor de combustão interna, do tipo dos
motores a gasolina. Era bem verdade que o cheiro dos
gases de escapamento não lembrava nada que jamais
tivesse tocado o nariz de Marshall, mas isso não
significava nada. Afinal, um motor de combustão interna
também pode ser alimentado com cachaça.
O milagre era outro. Os saltadores, uma raça ligada ao
espaço, que não tinha o menor interesse pelos veículos de
roda, deram-se ao trabalho de inventar um veículo
semelhante a um automóvel para seus servos.
Provavelmente não quiseram arriscar-se a confiar aos
goszul recursos técnicos que ultrapassassem este motor
que funcionava muito mal.
Dali se deveria concluir que não confiavam muito nos
goszuls submetidos ao treinamento hipnótico?
Marshall revolveu os pensamentos dos três servos dos
deuses, mas não encontrou a menor indicação de que
tivessem qualquer pensamento de rancor para com os
saltadores. Era bem verdade que isso não queria dizer
nada, pois no momento nem pensavam nos saltadores.
Tama Yokida encarregara-se de aliviar parte do peso
do veículo, para que o motor que fungava pesadamente
pudesse deslocá-lo. O goszul que se encontrava na
direção ficou admirado com a velocidade que o veículo
descrevia ao sacolejar pela estrada. Virou a cabeça e
gritou em tom alegre:
— Daqui a três horas estaremos no porto.
* * *
A estranha batalha deslocara-se para o norte. Pelos
cálculos de Tako, deviam encontrar-se na altura da
extremidade norte do enorme espaçoporto. Estava na hora
de chegar para o oeste.
164
As lutas mais ou menos prolongadas haviam custado
aos saltadores um total de cinco naves auxiliares e dois
transportadores. O único resultado que puderam
comunicar aos superiores foi que, depois de cada tiro,
conseguiam localizar prontamente o atirador, mas que o
contragolpe sempre chegava tarde.
A histeria tomou conta dos grupos de busca.
O que tinham diante de si não era um inimigo como
qualquer outro; eram fantasmas.
Etztak gritava num novo acesso de fúria. Disse que
qualquer um que se atrevesse a suspender as buscas antes
que o inimigo estivesse morto ou preso seria condenado à
morte.
Quatro horas e meia já se haviam passado desde que
se separaram de Marshall. Pelos cálculos de Tako, pelo
menos quatro vezes esse tempo se passaria antes que
Marshall conseguisse chegar ao porto. Marshall ainda não
os avisara de que conseguira tomar um veículo.
* * *
A cidade não era Saluntad, e nenhuma das casas tinha
a menor semelhança com a que Vethussar possuía no sul.
Mas tinha um porto, e nesse porto estavam ancorados
três veleiros de alto-mar de grande porte. Havia lugar de
sobra para esconder uma companhia inteira de
guerrilheiros terrestres.
De repente Marshall teve muita pressa em sair do
carro. À primeira vista notou que na cidade havia grande
número de robôs dos saltadores e, enquanto não sabiam
quais eram suas funções, não poderiam ter certeza de que
um deles não fosse examinar por iniciativa própria os
ocupantes do veículo trepidante. Nesse caso não se
deixaria demover pela sugestão ou por qualquer outra
força, a não ser pelo uso das armas.
Marshall agradeceu aos três goszuls, prometeu
retribuir a gentileza um belo dia e afastou-se com os
companheiros. O goszul que ia na direção ficou admirado
ao notar que agora, que a carga era menor, o carro não
obedecia tão bem como antes.
Marshall saiu da rua principal, pois achava que a
mesma era movimentada demais e muito freqüentada
pelos robôs. Juntamente com Tama e Kitai, que
novamente carregavam o minicomunicador, entrou por
uma viela que, pela direção, parecia levar à zona
portuária.
Marshall refletiu sobre se convinha transmitir a Gucky
a informação de que haviam chegado ao porto antes do
tempo previsto, mas felizmente não chegou a levar o
pensamento ao fim. De outra forma poderia ter enviado a
mensagem.
Outra viela cruzou aquela pela qual estavam seguindo,
e um pequeno grupo de robôs dobrou a esquina,
produzindo um som metálico com suas pisadas.
Marshall olhou disfarçadamente. Havia muita gente
que também havia notado os robôs, mas não se
preocupava com sua presença. Marshall achou que devia
fazer a mesma coisa. Seguiu pelo lado direito, tão perto
das casas que a cada passo que dava o cano do radiador de
impulso raspava a parede numa extensão de meio metro.
Prosseguiu na marcha e olhava fixamente para a frente,
como se refletisse sobre um problema importante.
Mas os robôs não estavam dispostos a permitir que os
três homens passassem por eles sem mais nem menos.
Quando se encontravam a uns cinco metros, o da frente
parou, o outro colocou-se ao seu lado, e assim por diante,
até fecharem toda a largura miserável do beco.
— Parem! — gritou a voz metálica de um deles. —
Vocês vieram à cidade no último carro?
Reunindo todo o sangue-frio que ainda lhe restava,
Marshall parou diante do robô que acabara de formular a
pergunta, olhou-o dos pés à cabeça num gesto de desprezo
e respondeu:
— Isso mesmo. Você tem alguma coisa com isso?
A reação daqueles que, até então, talvez acreditassem
que poderiam assistir a uma cena divertida foi bastante
significativa. O beco esvaziou-se num instante. Todos
procuraram a entrada da casa mais próxima. Só os quatro
robôs e os três homens continuavam no beco.
— Que instrumento é este que os dois estão
carregando? — prosseguiu o robô nas suas perguntas, sem
dar atenção à observação sarcástica de Marshall.
Um lampejo passou pela cabeça de Marshall: o
minicomunicador! Conforme Gucky lhe havia dito, emitia
radiações inertes. E os robôs haviam registrado as
mesmas.
“Pois bem”, pensou Marshall numa atitude resignada.
“Ao menos sabemos que não adiantará tentar enganá-
los.”
— Não sei — respondeu em tom despreocupado.
Com a rapidez peculiar ao seu cérebro eletrônico o
robô tomou sua decisão.
— Sigam-me! — ordenou.
Sem dizer mais uma palavra, virou-se e andou pelo
caminho por onde tinham vindo. Marshall seguiu-o. As
três máquinas restantes pararam até que Tama, que era o
último do grupo, tivesse passado por eles e passaram a
formar a retaguarda.
Sem preocupar-se com o risco que isso representava,
cochichou em inglês para os companheiros:
— Só atiraremos quando estivermos numa área menos
movimentada. Não queremos testemunhas.
Os outros compreenderam. Kitai poderia ordenar a
duas, três ou mesmo quatro testemunhas que esquecessem
o que haviam visto, mas diante de um número maior seria
impotente. E o tumulto que se espalharia na cidade com a
notícia da “morte” de quatro robôs era o que menos lhes
convinha.
Seguiram docilmente o robô que ia à frente e evitaram
virar a cabeça para os que seguiam atrás.
O da frente entrou no beco pelo qual havia vindo.
Marshall alegrou-se ao ver que, ao sudoeste, as casas
começaram a ficar mais espaçadas. Se conseguissem
chegar lá sem que fossem presos pelos robôs, a batalha
estaria praticamente ganha.
* * *
Tako atingiu outra nave. Viu que se descontrolou e
caiu. Preparou-se para saltar. Os saltadores haviam
adotado o hábito de reagir com a maior rapidez diante de
cada tiro.
Mas desta vez as coisas foram diferentes. Tako
esperou que as máquinas se aproximassem, mas as
mesmas continuaram onde estavam.
Por enquanto; depois se reagruparam, subiram e
tomaram o rumo sul. Ultrapassaram a cadeia de
165
montanhas mais próxima e desapareceram.
Tako riu.
— Será que é um novo truque?
Não poderia adivinhar a palestra que poucos segundos
antes Etztak mantivera com a cidade portuária de Vintina,
nem as instruções que acabaram de ser transmitidas aos
pilotos que participavam da busca.
— Não compreendo — cochichou Gucky.
Abanou a cabeça e esteve a ponto de dizer mais
alguma coisa. Mas nesse instante seus olhos arregalaram-
se. Com o corpo rígido, olhou fixamente para a frente,
como se estivesse escutando alguma coisa.
— Marshall e seus companheiros foram aprisionados
na cidade por um grupo de robôs. Não compreendo tudo,
mas ao que parece estão em dificuldades. Temos que
seguir imediatamente para lá.
Marshall havia fornecido a localização aproximada da
cidade. Não havia motivo para demora. Saltaram no
mesmo instante.
* * *
Os robôs nem pensaram em cumprir o desejo de
Marshall. Muito antes de atingirem o setor do beco em
que as construções começavam a escassear, a máquina
que ia na frente dirigiu-se para o lado, abriu a porta de
uma das casas que era tão suja como as demais que havia
naquela área, e procurou fazer com que os prisioneiros
entrassem no corredor escuro que se via atrás da porta.
Marshall não perdeu tempo. Não sabia o que lhes
aconteceria no interior da casa, mas era bem possível que
esta fosse apenas uma armadilha da qual dificilmente
conseguiriam escapar.
Era preferível arriscar um tumulto na cidade.
— Atenção! — gritou em inglês, sem mover um
músculo da face.
A porta era baixa. Marshall fez de conta que tinha que
tirar o radiador de impulsos de cima do ombro para poder
passar. A arma escorregou para a curva do cotovelo. No
momento em que, ao abaixar-se, virou o corpo num
movimento instantâneo, puxou o gatilho.
Tama e Kitai haviam compreendido a advertência.
Encontravam-se fora da linha de fogo. Marshall deixou
que o raio branco chiasse e destruiu o primeiro robô antes
que o mesmo compreendesse o que estava acontecendo. O
metal chiou ao atingir o chão, formou uma poça cinzenta
e espalhou um calor insuportável.
Tama e Kitai foram mais para o lado. Marshall
destruiu mais dois robôs que, ao que tudo indicava, não
haviam sido programados para a ação. O último, que
provavelmente se viu ativado por uma espécie de ligação
de emergência, começou a reagir no mesmo instante em
que Tama e Kitai se deram conta de que mesmo com suas
pequenas armas de bolso poderiam perfeitamente ter uma
chance contra a máquina. Os dois raios energéticos, finos
como uma agulha, penetraram no crânio da máquina e
fizeram com que o robô cambaleasse.
Marshall cuidou do resto.
O calor aumentara tanto que estava chamuscando seus
cabelos e as roupas começavam a fumegar.
— Vamos embora! — fungou Marshall. — Para a
direita.
Era a direção da qual tinham vindo. As reações de
Marshall foram puramente instintivas. Embora não
soubesse qual era o estado de espírito da população, tinha
a impressão de que estaria mais seguro num lugar em que
pudesse esconder-se em meio a muitas pessoas.
Tinha certeza absoluta de que os saltadores tinham
conhecimento da morte de um dos seus robôs no mesmo
instante em que essa ocorria. Afinal, conhecia a história
de Gucky.
O beco estava vazio. Enquanto corria, Marshall via
vez por outra um rosto assustado. O pânico parecia ter-se
apoderado da população de Vintina. Provavelmente era a
primeira vez que alguém se atrevera a enfrentar um robô.
Marshall perguntou de si para si quanto tempo
demoraria a primeira reação dos saltadores diante da
morte de um dos seus robôs. Teriam tempo de chegar ao
porto para esconder-se num dos navios?
Se continuassem a correr como até aqui, não levariam
mais de dez minutos para chegar ao porto. Levariam
outros dez minutos, talvez quinze, para encontrar um
navio e influenciar ao menos o comandante de tal maneira
que não se opusesse à estranha hospedagem.
Se os saltadores levassem meia hora para reagir à
destruição de quatro dos seus robôs-polícia, tudo estaria
em ordem.
E se levassem menos?
* * *
Tako e Gucky aterrizaram junto à cidade. Viram a
frota de naves auxiliares, aerotransportadores e naves de
pequeno porte aproximar-se ruidosamente e espalhar-se
pela cidade. As naves desciam às dezenas nas ruelas
estreitas e soltavam os tripulantes.
Tako atingiu com o desintegrador uma nave
transportadora que voava a pouca altura, danificando-a de
tal forma que se viu obrigada a descer antes da cidade,
realizando um pouso de emergência bastante acidentado.
O incidente fez com que parte das forças que
operavam sobre a cidade recebesse ordem para regressar e
sair à procura do atirador atocaiado.
O jogo realizado horas antes nas montanhas repetiu-
se. Tako e Gucky atiravam e saltavam, atiravam e
saltavam.
Dessa forma conseguiram concentrar em torno de si
três quartas partes dos veículos. Só um quarto prosseguiu
nas buscas no interior da cidade. Se Marshall tivesse a
ideia de esconder-se por algum tempo, os saltadores se
convenceriam de que os homens que haviam praticado o
atentado contra os robôs já deviam ter saído da cidade, e
eram os mesmos que destruíam uma nave atrás da outra
sem serem molestados.
Gucky instruiu Marshall nesse sentido. Este recebeu o
impulso e confirmou-o.
* * *
A reação demorou menos de quinze minutos. Marshall
ouviu o ruído surdo vindo do alto, olhou para cima
enquanto corria e viu uma nave auxiliar redonda passar
pouco acima dos telhados.
Foi seguida por outras naves, inclusive
transportadoras.
A rua pela qual corriam levava diretamente ao porto.
No fim da mesma via-se o casco de um navio. Quase
parecia ao alcance da mão.
Enquanto Marshall refletia se não seria preferível
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esconder-se em algum lugar até que se descobrisse quais
eram as intenções dos saltadores, três pequenas naves
auxiliares surgiram na rua, vindas do porto, desceram
suavemente e abriram as escotilhas.
Três saltadores armados até os dentes desceram delas.
Ainda estavam muito longe para poderem descobrir
qualquer coisa de suspeito nos três homens que vinham ao
seu encontro. Mas os três subiam pela rua, chegavam cada
vez mais perto. Sem dúvida desconfiariam se Marshall e
seus companheiros fizessem meia-volta e seguissem na
direção oposta.
— Cuidado! — cochichou Marshall. — Vamos entrar
na primeira casa.
No mesmo instante captou a mensagem de advertência
de Gucky. Confirmou o recebimento e acrescentou:
— É o que estamos fazendo.
Tama procurou abrir a porta da primeira casa. Estava
trancada. Tama tentou abri-la por meio da telecinésia, mas
para isso precisaria concentrar-se, o que exigiria certo
tempo. Marshall pegou-o no ombro e empurrou-o até a
próxima casa.
— Não temos tempo — resmungou.
Os três saltadores estavam a menos de cem metros. Se
a porta da outra casa também estivesse trancada, estaria
na hora de atirar.
Tama experimentou a estranha maçaneta triangular,
puxou e empurrou com toda força, sacudiu a porta. A
madeira velha rangeu...
Nada!
— Fique atrás de mim — ordenou Marshall. — Está
na nossa vez.
Tama e Kitai largaram o minicomunicador. Kitai
começou a concentrar-se para que pudesse ajudar
Marshall quando chegasse o momento. A distância ainda
era grande para tentar a influência sugestiva.
Abrigado na entrada da casa, Marshall foi levantando
o cano do radiador de impulsos.
Naquele instante a porta abriu-se devagar, deixando
apenas uma fresta livre. Uma mão estendeu-se pela fresta
e segurou o braço de Tama, arrastando-o pela porta, que
se abriu inteiramente.
Kitai seguiu-o espontaneamente, depois de avisar
Marshall. Arrastou o minicomunicador atrás de si.
Com um grande salto, Marshall colocou-se sob o
abrigo da escuridão reinante no corredor.
— Desçam ao porão! — disse uma voz estranha.
Alguma coisa rangeu. Tama, que estava nos fundos do
corredor, disse:
— Aqui há uma porta e alguns degraus.
— Não adianta — respondeu Marshall. — Os
saltadores viram que entramos aqui. Virão...
Lá fora, passos ruidosos aproximaram-se pelo
calçamento desigual e pararam diante da porta. Marshall
ouviu a maçaneta girar. Mas ao que parecia a porta
voltara a ser trancada.
— Abra! — gritou uma voz rouca.
— Pouco importa quem você seja — disse Marshall
baixinho ao desconhecido em meio à escuridão. — Abra,
senão eles porão fogo na casa. Saberemos defender-nos.
Passos rastejantes atravessaram o corredor, vindos dos
fundos, passaram por Marshall e atingiram a porta.
— Tama, vá para baixo — ordenou Marshall. —
Kitai, veja o que pode fazer. Se for necessário poderei
trabalhá-los.
Kitai não respondeu. Já estava trabalhando. Os passos
tateantes de Tama afastaram-se pela escada. Uma lufada
de ar frio passou pelo corredor.
A porta abriu-se, deixando entrar um raio de luz. A
figura pequena e franzina destacou-se na escuridão.
Inclinou-se profundamente.
— Que honra imensa... — começou a murmurar.
Um dos saltadores interrompeu-o em tom grosseiro:
— Você escondeu três estranhos nesta casa. Entregue-
os.
O magricela endireitou o corpo.
— Eu? Senhor, você está brincando com o mais
humilde dos seus servos.
— Pare com essa conversa mole. Quero...
Um dos saltadores colocou a mão sobre seu ombro. O
primeiro inclinou-se e deixou que o companheiro
cochichasse alguma coisa ao seu ouvido.
— Será? — perguntou ele com a testa enrugada.
Numa fração de segundo foi da mesma opinião, que
era a opinião que Kitai já instilara nos dois companheiros:
a de que naquela rua nunca haviam passado estranhos, e
que por isso mesmo eles não os poderiam ter visto.
— Por que nos olha desse jeito? — gritou para o
magricela. — Feche a porta e cuide do seu trabalho.
O magricela voltou a inclinar-se e obedeceu.
Marshall respirou aliviado quando lá fora os passos se
afastaram. Os passos rastejantes do magricela voltaram
pelo corredor.
— Que poder imenso vocês têm sobre os deuses —
disse com uma risadinha. — Acho que vocês bem
mereciam que eu os ajudasse.
— Afinal, por que você nos ajudou? — perguntou
Marshall.
— Vocês mataram quatro máquinas dos deuses, não
é? — perguntou o outro. — Isso é motivo bastante para
ser grato e ajudar vocês. Quase todos os outros pensam
como eu. Mas têm muita coisa a perder, e por isso têm
medo de ajudar. Não querem descer?
— Não, não queremos mais — respondeu Marshall.
— Queremos ir ao porto. Talvez a sorte nos ajude para
conseguirmos passar sem sermos vistos.
— Talvez — disse o magricela com uma risadinha. —
Se vocês descerem ao porão, a sorte os ajudará com toda
certeza.
Marshall começou a desconfiar do magricela. Mas a
superfície lisa de metal plastificado que sentia no braço
tranquilizou-o. O que poderia ele fazer contra o radiador
de impulsos?
— Está bem. Vamos descer — decidiu.
Kitai pegou o minicomunicador. Tateando, chegou ao
início da escada e foi descendo. Marshall seguiu-o. O
magricela veio atrás de todos.
Tama gritou lá de baixo.
— Gostaria que não fosse tão escuro. Em algum lugar
está entrando ar puro.
O magricela deu outra risadinha. Subitamente
Marshall sentiu chão plano sob os pés. Alguma coisa
crepitava atrás dele. O magricela acendera um cavaco de
lenha.
Encontravam-se num subterrâneo não muito grande. O
que havia de estranho nele era a abertura redonda de cerca
de um metro existente numa das paredes.
167
O magricela, um velhinho de roupa esfarrapada e
cabeleira imunda e desgrenhada, apontou para a abertura.
— Entrem ali — disse com uma risadinha. — A outra
extremidade fica no cais, um palmo acima da água, no
momento. Com a maré alta a galeria fica cheia de água até
a metade, pois desce em direção ao porto.
Marshall leu seus pensamentos. As indicações eram
verdadeiras.
— Nós lhe ficamos muito gratos — disse em tom
sério. — Quando chegar a hora, não nos esqueceremos de
Wosetell.
O velhinho não parecia espantar-se pelo fato de que
Marshall sabia seu nome. Com a voz inalterada,
respondeu:
— Vejo que você possui um poder imenso. Acredito
que um dia você conseguirá fazer com todos esses deuses
malvados a mesma coisa que você fez com quatro de suas
máquinas. Não percam tempo; cada instante pode ser
precioso.
Rastejando de quatro, Tama entrou na galeria. Kitai
empurrou o minicomunicador atrás dele, para que se
encarregasse do mesmo, e seguiu-o. Marshall despediu-se
do velho com um aceno de cabeça e entrou na abertura,
assim que os sapatos de Kitai haviam desaparecido.
Ouviram a risadinha de Wosetell atrás deles.
* * *
Tudo indicava que a sorte estava favorecendo
Marshall.
Dali a uma hora os saltadores estavam convencidos de
que na cidade não havia mais nenhuma das pessoas que
procuravam. Concentraram sua atenção para os lugares
em que surgiam constantemente tiros breves, disparados
com boa pontaria, diminuindo lenta, mas, seguramente as
fileiras dos veículos que participavam da busca.
Cada salto levava Tako e Gucky algumas centenas de
metros para o norte. Os saltadores viram-se diante de um
mistério. Talvez o inimigo com que estavam lutando fosse
o mesmo com que se defrontaram nas montanhas. Nesse
caso não sabiam explicar como teria chegado tão
rapidamente a Vintina sem qualquer auxílio aparente.
Também era possível que se tratasse de outro grupo.
Nesse caso não havia como explicar que, tal qual o
primeiro, se aproximava do grande espaçoporto sob os
olhos dos vigilantes.
Tako acreditava que os saltadores se defrontassem
com esse tipo de problema, e perguntou de si para si
quanto tempo Etztak levaria para descobrir que não se
encontrava diante de membros da tripulação da Lev XIV,
mas sim dos seus piores inimigos.
Bem, essa ideia já acudira a Etztak há algum tempo.
Mas não dispunha de provas, e, além disso, de certo
tempo para cá estava tão furioso que não conseguia
concatenar seus pensamentos.
O estranho combate deslocava-se cada vez mais para o
norte.
À medida que o combate prosseguia, os saltadores iam
se convencendo de que realmente em Vintina não havia
mais nenhum dos elementos que procuravam. Sabia-se
que quatro homens da tripulação da Lev XIV haviam
fugido. E o grupo que tornava as coisas tão difíceis para o
grupo de busca devia ser composto ao menos de quatro
elementos.
Marshall anunciou que ele e seus companheiros
haviam subido num navio e “garantido toda a tripulação,
inclusive o comandante”
Gucky respondeu:
— Tudo em ordem! Seguiremos assim que os
saltadores se tiverem afastado-o suficiente da cidade.
* * *
A ocupação do Orahondo foi realizada sem
dificuldades. O costado de bombordo ficava a poucos
metros do lugar em que a estranha galeria de Wosetell
rompia o cais. Deixaram o minicomunicador e o radiador
de impulsos na galeria e nadaram até o navio. Subiram
por uma corda.
A tripulação do navio pertencia à classe ingênua de
Goszul. Kitai praticamente não teve nenhum trabalho em
modular os pensamentos dessa gente de tal forma que
acreditavam justamente naquilo que mais convinha à
segurança do grupo de três pessoas, posteriormente
aumentado para cinco.
Também o comandante foi submetido ao tratamento
de Kitai. Indicou-lhes três aposentos confortáveis, e
prometeu que mandaria arrumar dois camarotes para as
pessoas que deveriam chegar depois.
Depois disso Tama Yokida trouxe para bordo o mini-
comunicador e a arma de impulsos.
Marshall comunicou a Gucky que a missão fora
coroada de êxito. Este respondeu:
— Tudo em ordem! Seguiremos assim que os
saltadores se tiverem afastado o suficiente da cidade.
Subitamente Marshall ficou estarrecido de surpresa, ao
captar o impulso retumbante e dolorido:
— Quem vive falando por aí?
Gucky não demorou tanto em recuperar-se do susto.
Marshall recebeu sua mensagem:
— O que foi isso?
E logo a resposta dolorida:
— Fui eu!
— Quem é você? — perguntou Gucky.
— Sou um servo dos deuses.
Marshall interveio.
— É um telepata de Goszul, Gucky! — preveniu. —
Isso pode ser muito perigoso.
— É mesmo — respondeu Gucky. — Espere um
momento.
O próximo impulso foi dirigido ao goszul:
— Quer fazer-nos um favor, amigo?
— Depende.
— Eu explicarei. Coisas importantes estão sendo
preparadas. Se você interferir na nossa troca de
mensagens, isso poderá perturbar nossa tarefa. Se estiver
disposto a ficar calado até que tenhamos liquidado nossos
negócios, poderá participar dos nossos lucros.
A resposta veio num tom zombeteiro:
— Você não pode ocultar inteiramente, forasteiro, por
mais que você se esforce. Você é um inimigo dos deuses,
não é?
Gucky teve bastante inteligência para compreender
que realmente o goszul compreendera alguma coisa das
vibrações fundamentais de seu cérebro.
— Sou sim — respondeu.
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— Para mim essa recompensa basta — disse o goszul.
— Daqui em diante ficarei calado.
Marshall procurou auscultar o impulso. Não havia
dúvida de que era genuíno. O goszul pensava o que
acabara de dizer por via telepática.
Ao que parecia, havia nessa terra mais inimigos dos
deuses do que se poderia acreditar à primeira ou à
segunda vista.
— Pois então — suspirou Gucky por via telepática.
* * *
Dali a duas horas, Gucky e Tako também chegaram ao
Orahondo, num salto gigantesco que os levou da
extremidade sul do espaçoporto, que acabavam de atingir,
até o porto de Vintina.
O comandante e a tripulação do navio estavam
espiritualmente preparados para receber o estranho
visitante que Gucky era sob todos os pontos de vista. Não
houve problemas, e não era de recear que qualquer dos
tripulantes avisasse os saltadores.
As barreiras erguidas por Kitai eram mais duras que
paredes de aço.
Marshall resumiu os acontecimentos dos últimos dias
numa mensagem concentrada bastante lacônica e
transmitiu-a a Rhodan através do minicomunicador.
A resposta de Rhodan veio imediatamente.
— A base dos saltadores no continente norte deve ser
destruída de qualquer maneira no mais curto prazo.
Realizem uma operação de guerrilha. Não esperem
qualquer auxílio das nossas naves.
Marshall leu a fita expelida pelo minicomunicador e
fitou os companheiros um por um.
— Quer que destruamos a base — murmurou
estupefato. — Com quê? Só se for com as mãos.
Gucky torceu o rosto e exibiu o dente roedor.
— Você se esquece das coisas que escondi no fundo
do rio. Com elas podemos destruir meia galáxia...
— Espere aí... — disse Kitai.
— ...quanto mais essa base ridícula.
Marshall suspirou.
— E eu que pensava que bastaria que ficássemos
quietos por alguns dias até que Rhodan viesse buscar-nos.
Agora tudo vai começar de novo.
Gucky acenou com a cabeça. Parecia muito sério.
— Naturalmente. No momento estamos em paz. Os
saltadores não desconfiam de que estejamos em Vintina,
nem a bordo do Orahondo. Lá nas montanhas estão
gastando as vistas à nossa procura. Toda a atenção deles
está concentrada nas áreas adjacentes ao espaçoporto.
— Seria o momento mais favorável para dar o golpe.
Tako Kakuta disse em tom pensativo:
— Talvez seria conveniente que nos interessássemos
mais um pouco pelos nativos, tanto os ingênuos como os
servos dos deuses. Pelo que vejo, não é impossível que
por aqui já exista uma oposição clandestina. Se for assim,
não precisaremos realizar todo o trabalho de reconstrução.
Marshall deu um sorriso pálido.
— Muito bem. Vamos começar de novo. Mas antes
disso gostaria de saber uma coisa: Com que idade um
funcionário da Terceira Potência tem direito de aposentar-
se? Será que para mim ainda não está na hora?
Na verdade, John Marshall, Tako Kakuta, Kitai Ishibashi e Tama Yokida naufragaram no
planeta de Goszul. Mas, em vez de se comportar como náufragos procuram abalar os
alicerces do poderio dos saltadores através de uma série de ações de surpresa.
O Flagelo do Esquecimento, o título do próximo volume da série Perry Rhodan,
representa o instrumento de libertação de um mundo escravizado.
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Nº 36/37/38/39/40
O Flagelo do
Esquecimento
O Planeta Louco
Avanço Para Árcon
O Mundo dos Três
Planetas
Luta Contra o
Desconhecido
De Clark Darlton
Kurt Mahr
e K. H. Scheer
Foi no ano de 1971 que Perry Rhodan, antigo oficial da Força Espacial Americana,
atingiu a Lua com a nave Stardust e, com a tecnologia que adquiriu da nave espacial dos
arcônidas encalhada, fundou sua Terceira Potência.
Conflitos na Terra, invasões de fora, batalhas no espaço, lutas em planetas
longínquos — por tudo isto passou gloriosamente a Terceira Potência no curto espaço
de sua existência.
No momento, são ainda os saltadores — aqueles comerciantes da galáxia que há
milênios conseguem defender seu monopólio comercial com determinação contra
qualquer concorrente que apareça — que representam o perigo mortal para toda a
Terra.
Perry Rhodan, até hoje, tem feito tudo que está a seu alcance para impedir que os
saltadores façam da Terra um mundo de escravos. Levtan, o traidor, desempenhou um
papel importante no jogo de Rhodan, pois somente através dele é que foi possível fazer
com que um grupo de agentes conseguisse penetrar na Grande Conferência dos
Patriarcas dos Saltadores.
Estes homens, lutadores experimentados do Exército de Mutantes de Rhodan,
cumpriram seu dever. E agora eles ainda vão mais longe: Libertam um planeta inteiro
do jugo estrangeiro.
O Flagelo do Esquecimento serve-lhes de instrumento para a libertação.
O Grande Império – Volume 8
1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA
VOLUME 8
P-36 - 40