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Da Prosperidade ao Propósito Perspectivas sobre a Filantropia e Investimento Social Privado na América Latina

Perspectivas Sobre a Filantropia e Investimento Social Privado Na América Latina

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Perspectivas Sobre a Filantropia e Investimento Social Privado Na América Latina

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  • Da Prosperidade ao PropsitoPerspectivas sobre a Filantropia e Investimento Social Privado na Amrica Latina

  • Da Prosperidade ao Propsito 3

    Prezado Leitor

    A Amrica Latina uma regio fascinante, considerando seu rico patrimnio cultural e sua diversidade tnica. Sua generosidade muito conhecida, com o conceito de ajudar o prximo definido atravs de uma longa histria de doaes caridade. Com o surgimento de democracias mais estveis e acumulao de patrimnio pessoal, vemos um interesse crescente no engajamento em filantropia e investimentos sociais, dadas as mudanas dramticas ocorridas nos ltimos 50 anos e a infinidade de desafios enfrentada pela regio.

    Contudo existe muito pouca literatura a esse respeito, particularmente olhando de uma perspectiva regional. Portanto, gostaramos de esclarecer esse tpico cada vez mais importante. O que caracteriza a filantropia na Amrica Latina? A que aspiram os filantropos e os investidores sociais? Por que e para que causas fazem doaes? Quais so alguns dos desafios e oportunidades por eles percebidas, para desenvolver mais a filantropia e os investimentos sociais na regio? Essas foram algumas das perguntas que objetivamos responder neste estudo.

    No UBS, para podermos estar frente do pensamento filantrpico, estamos comprometidos em compartilhar as ltimas ideias a respeito de tendncias e inovaes. Tambm estamos comprometidos em compartilhar os resultados de nossas pesquisas para promover o setor filantrpico. Assim sendo, responder essas questes nos dias atuais essencial para continuarmos a desenvolver os setores de filantropia e investimento social globalmente.

    Nosso compromisso com a filantropia na Amrica Latina teve incio em 2004, quando comeamos a oferecer a nossos clientes desta regio um apoio filantrpico dedicado. No mesmo ano, introduzimos o UBS Visionaris Social Entrepreneurship Award (Visionaris Prmio UBS ao Empreendedor Social), atravs do qual apoiamos hoje em dia empreendedores sociais de destaque no Brasil e no Mxico. Em 2010, organizamos o Frum Global de Filantropia no Mxico, onde nossos clientes da Amrica Latina foram expostos s melhores prticas globais de filantropia. Esta pesquisa o ltimo exemplo de nosso contnuo compromisso com a filantropia na regio.

    Este estudo foi realizado em parceira com o Hauser Institute of Civil Society da Universidade de Harvard. Harvard contribuiu no s com os seus conhecimentos e experincia e com seu pensamento crtico sobre a sociedade civil, como tambm com uma profunda compreenso do contexto regional, atravs da experincia do grupo de estudos e do David Rockefeller Center for Latin American Studies.

    Nossa sincera gratido a todos os que contriburam para esta pesquisa e aos muitos filantropos, investidores sociais e especialistas na Amrica Latina, que compartilharam abertamente, suas motivaes, vises, atividades e ambies filantrpicas para o setor na Amrica Latina.

    Esperamos que os resultados de nosso estudo continuem a promover a filantropia e os investimentos sociais na Amrica Latina para que tenham impacto mais eficaz, e incentivem outros a embarcarem nessa jornada. Como Jos Martia disse uma vez, Ayudar al que lo necesita no slo es parte del deber, sino de la felicidad1.

    Atenciosamente,

    Alexander G. van Tienhoven Silvia Bastante de UnverhauHead, UBS Wealth Management Head, Philanthropy AdvisoryLatin America & Caribbean

    1 Ajudar os necessitados no s parte do dever, mas da felicidade.

  • 4 Da Prosperidade ao Propsito

    Caro Leitor,

    A discusso sobre filantropia da mais alta importncia na Amrica Latina e sua prtica se encontra em uma encruzilhada crtica, situando-se entre aumentar consideravelmente ou definhar indefinidamente. Alm de qualquer importncia inerente a retribuir um conceito que pode ser mais anglo-saxo ou norte-europeu do que latino um nmero muito grande de latino-americanos enfrenta nveis intolerveis de pobreza e encontramo-nos, agora, diante de uma tendncia global, na qual o fosso econmico e social entre ricos e pobres continua a se expandir de forma alarmante. Aqueles com meios de corrigir essas condies precisam ajudar a faz-lo.

    Em nossos pases individuais e na regio como um todo, testemunhamos um enorme crescimento econmico e vastas melhorias sociais durante nossas vidas, e muitos se beneficiaram de forma significativa desses desenvolvimentos. No entanto, estamos agora em um ponto em que temos a oportunidade, ou mesmo o dever, de converter uma parcela da riqueza particular em capital filantrpico e us-lo de forma eficaz, para melhorar a qualidade de vida de todos os nossos cidados e assegurar que nossos pases continuem suas trajetrias de estabilidade e prosperidade.

    Da Prosperidade ao Propsito: Perspectivas sobre a Filantropia e Investimento Social Privados na Amrica Latina um estudo oportuno e profcuo. Tradicionalmente, nos pases da Amrica Latina, especialmente naqueles que emergiram das culturas mediterrneas, o foco a caridade comea e termina em casa. Este estudo mostra que a filosofia, os propsitos e as prticas filantrpicas esto aumentando e evoluindo em toda a regio, e que muitas pessoas e famlias com patrimnio elevado da regio so generosas, inovadoras e esto engajadas e comprometidas em criar um futuro com oportunidades para todos.

    No obstante esses desenvolvimentos encorajadores, estamos apenas comeando a arranhar a superfcie do potencial filantrpico em nossos pases. Este estudo joga uma luz sobre um caminho para atingir um maior impacto. Desejo sinceramente que ele seja lido por muitas pessoas e que suas pesquisas e anlises pioneiras nos incentivem a nos engajar, defender e comprometer com uma filantropia responsvel e eficaz por muitos e muitos anos.

    Atenciosamente

    Tony CusterPresidente do Comit Consultivo do DRCLAS (DRCLAS Advisory Committee Chair)Fundador, Fundao Custer, Peru

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    Agradecimentos

    O grupo de estudos gostaria de reconhecer e agradecer os muitos filantropos e investidores sociais com os quais nos encontramos na Argentina, no Brasil, Chile, Colmbia, Mxico e Peru, sem a participao e os insights dos quais no teramos conseguido fazer este estudo. Como grupo, eles so exemplo de generosidade, ambio, compromisso, capacidade e inovao. Somos imensamente gratos a eles por sua disposio em compartilhar suas filosofias e prticas de filantropia, assim como suas percepes sobre o papel de doaes e investimentos sociais em seus pases. Muitos com quem nos encontramos esto identificados neste relatrio, enquanto muitos outros preferiram ficar annimos. Tendo em vista seu desejo de anonimato, no os inclumos entre as pessoas com as quais nos encontramos, mas somos profundamente gratos a cada um deles e a todos eles pelo tempo que nos dispensaram e por sua participao.

    Queremos tambm agradecer as muitas pessoas que responderam a pesquisa online. Suas perspectivas foram vitais, iluminando prticas e tendncias filantrpicas, e nos forneceram um maior insight nos investimentos filantrpicos e sociais da regio.

    Alm disso, agradecemos sinceramente a todos os especialistas e profissionais que compartilharam suas vises e experincias conosco. Muitas dessas pessoas e suas organizaes esto frente dos desenvolvimentos do setor filantrpico em seus pases e sua liderana crtica para o crescimento do setor, de sua visibilidade e de seu impacto. Essas pessoas incluem:

    Magdalena Aninat Universidad Adolfo Ibez (Chile)Martn Beaumont Fundacin Avina (Peru)Andrs Bentez Universidad Adolfo Ibez (Chile)Gabriel Berger Universidad San Andrs (Argentina)Ignacio Briones Universidad Adolfo Ibez (Chile)Jos Octavio Carrillo Ashoka (Colombia)Enrique Castellanos Universidad del Pacfico (Peru)Guillermo Correa RACI (Argentina)Paula Fabiani IDIS (Brasil)Marcos Kisil IDIS (Brasil)Armando Laborde Ashoka (Mxico)Michael Layton ITAM (Mxico)Santiago Mazzeo NESsT (Argentina)Felipe Medina Filantropa Transformadora (Colmbia)Daniela Nascimento Fainberg Instituto Gerao (Brasil)Nathalie Renaud Filantropa Transformadora (Colmbia)Marcela Renteria DRCLAS, Harvard University (EUA)Cynthia Sanborn Universidad del Pacfico (Peru)Carolina Sarez AFE (Colmbia)Mnica Tapia Synergos (Mxico)Mario Valdivia Transformemos Chile (Chile)Ana Carolina Velasco GIFE (Brasil)Jorge Villalobos CEMEFI (Mxico)Rodrigo Villar CIESC (Mxico)

    Temos uma dvida, tambm, com nossos colegas da Universidade de Harvard, pela orientao e pelos dados fornecidos; em especial, com os principais consultores do estudo, David Gergen, Codiretor do Center for Public Leadership, e Merilee Grindle, ex-diretora do David Rockefeller Center for Latin American Studies (DRCLAS). Agradecemos, em separado, a Don Lippincott por sua experiente orientao e reviso editorial. Por fim, mas no menos importante, o grupo de estudo agradece de modo especial ao UBS, pelo apoio financeiro para esta pesquisa, e para os colegas do UBS, que foram fundamentais, dando assistncia e orientao ao longo deste projeto: Gabriel Castello, Silvia Bastante de Unverhau, Kai Grunauer-Brachetti e Anna-Marie Harling. O UBS deu suporte a este estudo e respeitou todas as fronteiras da pesquisa acadmi-ca independente, valorizamos muito as pessoas acima como especialistas, parceiros atenciosos e colegas.

  • 6 Da Prosperidade ao Propsito

    Liderana do estudo

    Este estudo foi realizado por pesquisadores do Hauser Institute for Civil Society (Instituto Hauser para a Sociedade Civil) na Universidade de Harvard. O Instituto um centro universitrio para o estudo de sociedades civis, organizaes sem fins lucrativos e instituies filantrpicas. Localizado no Center for Public Leadership no John F. Kennedy School of Government, o Instituto Hauser procura aumentar a compreenso e acelerar o pensamento crtico sobre a sociedade civil, seus lderes e instituies, entre estudiosos, profissionais, formuladores de polticas e o pblico em geral, estimulando bolsas de estudos, desenvolvendo currculos, incentivando o aprendizado mtuo entre acadmicos e profissionais, e moldando polticas que melhorem o setor e seu papel na sociedade. A Harvard Kennedy School mantm um compromisso permanente de promover o interesse pblico, treinando lderes capazes, esclarecidos e resolvendo problemas pblicos atravs de bolsas de estudo de primeira classe e engajamento ativo com profissionais e tomadores de decises.

    Grupo de EstudosPaula Doherty Johnson, Senior Research FellowChristine Letts, Professora Senior do Rita E. Hauser da Practice of Philanthropy and Nonprofit Leadership Prtica de Filantropia e Liderana sem Fins LucrativosColleen Kelly, Assistente de Pesquisas FilantrpicasAviva Argote, ex Diretor Executivo

    OrientadoresDavid Gergen, Co-Diretor, Center for Public LeadershipMerilee Grindle, ex-Diretora, David Rockefeller Center for Latin American Studies

    As opinies e anlises expressas neste relatrio so as opinies e anlises dos autores e no refletem necessariamente aquelas do Instituto Hauser, da John F. Kennedy School of Government, ou da Universidade de Harvard. Essas opinies podem ou no estar alinhadas com as do UBS e de seu Chief Investment Office.

    Glossrio

    CEO Chief Executive Officer Director EjecutivoCEO Chief Executive OfficerOSC Organizao Societria CivilRSC Responsabilidade Social CorporativaG20 Grupo dos VintePIB Produto Interno Bruto HNWI High Net Worth IndividualBID Banco Interamericano de DesenvolvimentoODM Objetivos do Desenvolvimento do MilnioONG Organizao No GovernamentalOCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento EconmicoUHNWI Ultra-High Net Worth IndividualONU Organizao da Naes UnidasPNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaOMS Organizao Mundial da SadeWINGS Worldwide Initiatives for Grantmaker Support

  • 7Da Prosperidade ao Propsito

    ndice

    Relatrio principal / Viso geralHistrico e introduo 3Sumrio executivo 11Ensinamentos chave 13Olhando para o futuro 16Viso geral regional 18Amrica Latina: O contexto regional para filantropia e investimentos sociais 19O ambiente regional para filantropia e investimentos sociais 22Motivaes e influncias filantrpicas 29Prioridades e metas filantrpicas 33Plataformas e estratgias filantrpicas 41Olhando para o futuro: Desafios e oportunidades 48Referncias 56

    Relatrio especifico: Argentina 62Relatrio especifico: Brasil 82Relatrio especifico: Chile 102Relatrio especifico: Colmbia 122Relatrio especifico: Mxico 142Relatrio especifico: Peru 162Apndice 183

    Relao de grficos e tabelasTabela 1: Dados dos Pases 20Grfico 1: Mdia anual das doaes filantrpicas dos ltimos 5 anos 23Grfico 2: Motivaes e influncias filantrpicas 29Grfico 3: Prioridades filantrpicas individuais 33Grfico 4: Prioridades para a filantropia para os prximos 5 anos 34Grfico 5: Beneficirios pretendidos de apoio filantrpico 35Grfico 6: Estruturas organizacionais para doaes filantrpicas 42Grfico 7: Fontes de financiamento para fundaes 43Grfico 8: Estratgias de investimento social de fundaes 44Grfico 9: Colaborao e parcerias 46Grfico 10: Desafios mais significativos para a filantropia individual 48Grfico 11: Desafios mais significativos para a filantropia na sociedade 48Grfico 12: Mudanas para motivar o aumento das prprias doaes 49Grfico 13: Mudanas que aumentariam a filantropia na sociedade 49

    Relatrio principal / Viso geral 3Histrico e introduo 8Sumrio executivo 11Ensinamentos chave 13Olhando para o futuro 16Viso geral regional 18Amrica Latina: O contexto regional para filantropia e investimentos sociais 19O ambiente regional para filantropia e investimentos sociais 22Motivaes e influncias filantrpicas 29Prioridades e metas filantrpicas 33Plataformas e estratgias filantrpicas 41Olhando para o futuro: Desafios e oportunidades 48Referncias 56

    Relatrio especifico: Argentina 62Relatrio especifico: Brasil 82Relatrio especifico: Chile 102Relatrio especifico: Colmbia 122Relatrio especifico: Mxico 142Relatrio especifico: Peru 162Apndice 183

    Tabela 1: Dados dos Pases 20Grfico 1: Mdia anual das doaes filantrpicas dos ltimos 5 anos 23Grfico 2: Motivaes e influncias filantrpicas 29Grfico 3: Prioridades filantrpicas individuais 33Grfico 4: Prioridades para a filantropia para os prximos 5 anos 34Grfico 5: Beneficirios pretendidos de apoio filantrpico 35Grfico 6: Estruturas organizacionais para doaes filantrpicas 42Grfico 7: Fontes de financiamento para fundaes 43Grfico 8: Estratgias de investimento social de fundaes 44Grfico 9: Colaborao e parcerias 46Grfico 10: Desafios mais significativos para a filantropia individual 48Grfico 11: Desafios mais significativos para a filantropia na sociedade 48Grfico 12: Mudanas para motivar o aumento das prprias doaes 49Grfico 13: Mudanas que aumentariam a filantropia na sociedade 49

  • Histrico e introduo

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    Da Prosperidade ao Propsito: Perspectivas sobre a Filantropia e Investimento Social Privado na Amrica Latina um estudo exploratrio sobre doaes filantrpicas e investimentos sociais entre pessoas e famlias high net worth em seis pases da Amrica Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colmbia, Mxico e Peru). Reconhecendo a importncia crescente do investimento social privado nesses pases, o estudo explora as motivaes, aspiraes, prioridades e prticas filantrpicas das pessoas; o ambiente poltico e cultural para a atividade filantrpica; e os desafios e oportunidades para o aumento da prtica filantrpica e seu impacto.

    Na Amrica Latina, a filantropia e os investimentos sociais esto aumentando, ganhando visibilidade e tendo cada vez mais impacto. Depois de dcadas de instabilidade poltica, violncia altamente difundida e dvidas econmicas crescentes em muitos pases, as ltimas trs dcadas viram o surgimento de democracias mais estveis, crescimento econmico substancial e progresso social significativo. Esse crescimento econmico resultou na acumulao considervel de riquezas privadas. Entre 2004 e 2014, o nmero de pessoas na Amrica Latina caracterizadas com patrimnios elevados (aquelas com patrimnio lquido de US$30 milhes) aumentou de menos de 4.000 para quase 10.000 pessoas, um aumento de 161% comparado com a mdia global de 61% no mesmo perodo1. No entanto, apesar da estabilidade poltica da regio, de seus ganhos econmicos e de novas riquezas, os desafios sociais e econmicos persistem, ainda, e os governos da Amrica Latina, como os das demais regies do mundo, no se mostram capazes de atender as necessidades de todos os seus cidados. Portanto, as pessoas com patrimnio elevado se tornaram cada vez mais importantes no atendimento das necessidades de desenvolvimento econmico e social.

    Claramente, as pessoas com patrimnio elevado da regio j vm mostrando um impulso bem enraizado de ajudar o prximo. Mas os anos recentes registraram uma mudana marcante e promissora nas doaes de caridade: pessoas e famlias com patrimnio elevado esto procurando doar cada vez mais estrategicamente e ter maior impacto com seus investimentos sociais. Muitas tm o objetivo de migrar da caridade para mudana, de sucesso econmico para significncia social e de prosperidade para propsito.

    Apesar dessas tendncias encorajadoras, muito pouco se conhece sobre filantropia na Amrica Latina. Na maioria dos pases, a compreenso sobre o escopo, as prticas e os impactos filantrpicos so bastante limitados e as perspectivas regionais quase inexistentes. Da Prosperidade ao Propsito foi uma iniciativa para aumentar a compreenso e, consequentemente, as prticas e os impactos da filantropia na Amrica Latina, atravs do melhor conhecimento sobre esses importantes atores e suas iniciativas sociais. O relatrio analisa questes chave, inclui motivaes, intenes e aspiraes filantrpicas; prticas, plataformas e operaes filantrpicas; desafios e obstculos para o investimento social; e o apoio, recursos e alteraes que podem aumentar as doaes e fortalecer o seu impacto.

  • 10 Da Prosperidade ao Propsito

    1 Knight Frank Research, The Wealth Report, (London: Knight Frank LLP, 2015), 66, http://www.knightfrank.com/resources/wealthreport2015/wealthpdf/03-wealth-report-global-wealth-chapter.pdf

    A pesquisa consistiu de entrevistas abrangentes com 67 HNWIs e lderes filantrpicos, e debates com 25 especialistas e pesquisadores acadmicos com profundo conhecimento e compreenso de filantropia e investimentos sociais em seus pases. Ela incluiu, tambm, uma pesquisa online respondida por 81 pessoas.

    importante ressaltar que o estudo no foi feito para dar um quadro abrangente sobre filantropia entre as pessoas e famlias com patrimnio elevado daqueles pases; os participantes deste estudo no podem ser vistos como se fossem representativos de um grupo maior. As pessoas entrevistadas provavelmente incluem alguns dos mais proeminentes e compromissados filantropos em seus pases, que lideram os investimentos sociais e inovaes. Ao mesmo tempo em que reconhecemos que o grupo pode no representar a maioria, confiamos que existem muitas outras pessoas igualmente generosas e que tenham impacto em seus pases, que no foram entrevistadas para este estudo.

    A principal parte do relatrio inclui um captulo de viso geral e seis captulos sobre os pases do estudo representados em folhetos separados. O captulo da viso geral fornece um resumo dos fatores encontrados na regio e tambm oferece algumas anlises comparativas. Os captulos dos pases transmitem dados bem mais detalhados do ambiente filantrpico de cada um deles e as perspectivas, prticas e prioridades de seus investidores sociais. Inevitavelmente, alguns captulos tm mais informaes, exemplos e dados do que outros. Isso no reflete, necessariamente, a atividade filantrpica do pas, mas sim o resultado das entrevistas que conseguimos fazer e a amplitude da literatura existente e da pesquisa.

    Embora este estudo no fornea um quadro abrangente sobre a filantropia na Amrica Latina, esperamos que ele d um retrato til sobre a generosidade, a ambio, o compromisso, a inovao e o impacto dos filantropos e investidores sociais da regio. Esperamos, tambm, que ele possa inspirar outros a se engajar igualmente no futuro econmico e social de seus pases.

  • Sumrio executivo

  • 12 Da Prosperidade ao Propsito

    A Amrica Latina uma regio com rico patrimnio cultural, recursos naturais abundantes, histrias polticas turbulentas, fora econmica em ascenso e grande diversidade entre seus pases. Ao longo dos ltimos 20 anos, a regio evoluiu de forma marcante. A estabilidade poltica e o crescimento econmico geraram condies melhores para uma ampla base da populao da regio, ajudando muitos a sarem da pobreza, e resultando em um progresso social notvel em reas como sade e educao. O crescimento econmico tambm levou a uma acumulao de patrimnio privado significativo, com a populao UHNW crescendo mais de 2,5 vezes, bem acima da mdia global da ltima dcada1.

    No entanto, persistem significativas disparidades econmicas e desafios sociais. Como regio, a Amrica Latina tem a maior desigualdade do mundo, incluindo 10 dos 15 maiores pases em termos de desigualdade2. Nos pases individuais, as diferenas urbana/rural, raa e etnia so enormes e, em alguns pases, os nveis de crime e violncia permanecem elevados, frequentemente ligados ao trfico ilcito de drogas. No obstante dessas disparidades e desafios, ou dos obstculos a serem superados, a Amrica Latina vem seguindo um caminho firme e promissor. Em termos otimistas, a estabilidade poltica, o crescimento econmico equitativo e as oportunidades individuais crescentes continuaro a caracterizar o futuro da regio.

    Sculos de tradies religiosas, normas culturais, histrias polticas e condies econmicas moldaram o ambiente atual para doaes e investimentos sociais privados na Amrica Latina. Embora as pessoas com patrimnio elevado da regio tenham uma longa histria de fazer doaes caridade, o surgimento relativamente recente de democracias estveis, o crescimento econmico firme e a acumulao de patrimnio pessoal criaram as bases para uma maior atividade filantrpica. Ao mesmo tempo, cortes nos servios pblicos, as desigualdades e a pobreza persistente em alguns pases ressaltaram a necessidade de investimentos sociais privados, para alavancar o desenvolvimento social e econmico.

    Este estudo descreve o ambiente filantrpico e ilustra os importantes e inspiradores investimentos sociais de pessoas com patrimnio elevado em seis pases da Amrica Latina; Argentina, Brasil, Chile, Colmbia, Mxico e Peru. Ele d novas percepes sobre a alma e a prtica de filantropia na regio e, em termos otimistas, ajudar a encorajar outras pessoas a investirem capital filantrpico privado para o bem pblico.

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    Prioridades e motivaes filantrpicas

    1. A filantropia e os investimentos sociais so movidos por motivaes internas e influncias externas. As doaes filantrpicas so vistas como uma responsabilidade social e moral, intrinsecamente ligadas a valores familiares e princpios da f. Paixes e experincias pessoais muitas vezes influenciam prioridades filantrpicas e, ao mesmo tempo, as pessoas so fortemente motivadas pelo desejo de contribuir para o avano positivo de seus pases. As pessoas esto comprometidas em estar entre os que constroem pases estveis, justos, da paz e do primeiro mundo. Para alguns, as metas empresariais e prticas globais de filantropia, junto a ao de cidados, tambm influenciam as doaes.

    2. Educao o foco mais importante, seguido pela herana cultural e artstica, equidade na sade e desenvolvimento comunitrio. Existe uma ampla, ambiciosa e inspiradora gama de prioridades e metas filantrpicas nesses seis pases. Muitas pessoas procuram assegurar que as necessidades e servios sociais tais como educao de qualidade, assistncia sade apropriada e desenvolvimento infantil saudvel estejam disponveis para todos. Alguns esto comprometidos com a preservao e promoo do importante patrimnio cultural de seus pases. Outros esto voltados a regies, procurando melhorar a vida das pessoas que vivem em uma comunidade ou regio especfica. Existe um foco em crianas, adolescentes e em pessoas que vivem na pobreza.

    3. As prioridades futuras so diferentes das reas que esto sendo financiadas. Ao serem solicitadas a pensar sobre os mais importantes papeis no futuro, para a filantropia na sociedade, existem fortes semelhanas e notveis diferenas em relao s doaes atuais. A educao primria e secundria, sade e desenvolvimento comunitrio permanecem no topo da lista. No entanto, empreendedorismo social e assuntos relacionados ao mundo, que para muitos no fazem parte do foco atual, so vistos como altas prioridades para o futuro.

    4. Escopo da filantropia ampliando-se de caridade para mudana. Historicamente, as questes focais de filantropia eram definidas e a filantropia amplamente caracterizada por atos de caridade. As razes incluem a crena de que o governo responsvel pelo bem estar pblico, um reconhecimento limitado da importncia do engajamento individual e cvico, e uma desconfiana geral na sociedade civil. Existe uma viso, que est evoluindo, de que, ainda que a caridade seja necessria, as doaes filantrpicas podem, e talvez devam ter um papel crescente na realizao de mudanas sociais reais e sustentveis em uma grande variedade de questes.

    5. Uma abordagem baseada em resultado para os investimentos sociais. Muitos investimentos sociais so realizados pelo desejo de alcanar resultados tangveis e mensurveis. A abordagem normalmente comea com a identificao dos problemas que esto sendo tratados desigualdades na educao, inadequao da justia, ou iniquidades nos servios de sade e tambm nos resultados procurados. Ela geralmente compreende diversas caractersticas chave: movida por objetivos e metas; reconhece que as solues podem exigir mltiplas estratgias; sabe que desafios exigem uma viso de longo prazo; reconhece que uma mudana de larga escala frequentemente exige colaborao; e inclui um plano para avaliar o impacto.

    Ensinamentos chave

  • 14 Da Prosperidade ao Propsito

    Plataforma e estratgias filantrpicas

    6. As plataformas institucionais para investimentos sociais esto aumentando. Assume-se, geralmente, que so pessoas e no instituies que proveem a maior parte da filantropia na Amrica Latina, e que as doaes so frequentemente feitas anonimamente ou de maneira discreta. Ao mesmo tempo, o nmero de instituies filantrpicas institucionais est claramente aumentando, com pessoas, famlias e empresas procurando uma abordagem mais estratgica, maior visibilidade, mais fcil colaborao e maior impacto em seus investimentos sociais. A grande maioria das pessoas entrevistadas para este estudo utiliza uma estrutura institucional para pelo menos parte de seus investimentos sociais.

    7. As empresas so percebidas como lderes em investimentos sociais, mas sem uma clara distino entre filantropia empresarial e familiar. H uma viso em todos os pases, de que as doaes de empresas dominam a filantropia institucional e que, olhando para o futuro, a maior parte do crescimento e da liderana continuar a vir do setor empresarial. Em alguns pases, j existe uma longa histria de investimentos comunitrios empresariais e, em todas as regies, h um compromisso crescente com a RSC. E, importante ressaltar, parece haver uma maior aceitao pblica de investimentos sociais empresariais do que de investimentos sociais de pessoas fsicas. Porm, em empresas familiares, os programas filantrpicos so frequentemente dirigidos pelos seus proprietrios e podem refletir tanto valores e prioridades pessoais, como valores e prioridades empresariais.

    8. Programas operados por fundaes so os mais comuns. As pessoas e as instituies filantrpicas empregam um misto de estratgias de investimento, incluindo programas operados por fundaes, donativos para outras organizaes, bolsas de estudo e mais raramente investimentos em capital e emprstimos, com os programas operados por fundaes recebendo a maior parte dos recursos. Os motivos para isso incluem a procura por mximo impacto, falta de confiana generalizada na sociedade civil e busca da realizao pessoal no engajamento direto com comunidades ou pessoas.

    9. Atitudes complexas em relao sociedade civil. Embora haja claramente uma falta de confiana na capacidade das ONGs, existem provavelmente outros fatores significativos que limitam as doaes. Enquanto algumas pessoas veem o desenvolvimento e apoio de uma sociedade civil vibrante como principal papel para a filantropia, muitas outras j no o veem assim. Adicionalmente, em vrios pases da Amrica Latina, esforos internacionais estabeleceram e apoiaram partes significativas da sociedade civil, podendo ser vistos como iniciativas estrangeiras. Alm disso, um baixo nvel de confiana da sociedade provavelmente um fator restritivo ao apoio a ONGs. No obstante essas questes, muitas pessoas elogiaram o trabalho de ONGs individuais e algumas vozes frisaram a importncia de uma sociedade civil forte.

    10. Recursos recebidos pelas fundaes por meio de varias fontes. As instituies filantrpicas recebem recursos de pessoas, membros de famlias e/ou lucros de empresas, porm fundos patrimoniais no so comuns. Na maioria dos pases, existem poucos incentivos para a constituio de um fundo patrimonial e proteo limitada para os seus ativos. Embora as instituies filantrpicas recebam recursos substanciais de seu(s) fundador(es), muitas delas procuram recursos de outras fontes.

  • Da Prosperidade ao Propsito 15

    O ambiente para filantropia e investimentos sociais

    11. Percepo de doaes crescentes, apesar da falta de dados. A escala da filantropia e dos investimentos sociais na Amrica Latina bastante desconhecida e no pode ser razoavelmente estimada. Estima-se que as doaes estejam aumentando, apesar de no serem proporcionais ao nvel da riqueza privada. Muitos pases da regio tm relativamente novas democracias, paz e crescimento econmico, e h um otimismo de que a filantropia e os investimentos sociais devem aumentar. Existem pedidos muito difundidos por dados, para melhor entender e fortalecer a atividade filantrpica.

    12. A falta de regulamentao pode resultar em abordagens inovadoras. Em quase todos os pases, o ambiente regulatrio e fiscal visto como sendo restritivo e nada amigvel para o desenvolvimento de um forte setor filantrpico. No entanto, as opinies sobre o real impacto do ambiente regulatrio variam. De fato, enquanto ambiguidades legais e poucos precedentes filantrpicos possam inibir a quantidade de doaes nos pases, elas podem tambm possibilitar investidores sociais a pensarem em alternativas, quando considerarem modelos e estratgias institucionais que possam incentivar mudanas sociais sistmicas.

    13. Parcerias e colaboraes so consideradas importantes mas s vezes difceis. Muitos investidores sociais reconhecem a importncia de parcerias para alcanar seus objetivos, e acreditam que para tratar de desafios complexos e de grande relevncia, necessita-se de doadores para trabalharem juntos e com os governos federais, estaduais e locais. Outros enfatizam a importncia de parcerias para aumentar o impacto. Ao mesmo tempo, algumas pessoas destacaram que difcil criar, administrar e sustentar parcerias, e que a colaborao com o governo, especialmente no nvel regional e local, pode ser difcil, em parte devido corrupo percebida.

    14. Investimento de impacto crescente na regio. Investimentos de impacto, definidos como investimentos em empresas, organizaes e fundos com a inteno de gerar impactos sociais e ambientais com um retorno financeiro, so cada vez mais atraentes para os investidores sociais na Amrica Latina. Ao longo da ltima dcada, o cenrio regional cresceu dramaticamente de dois ou trs players internacionais que investiam na regio, para mais de 50 organizaes, com centros de atividade em Bogot, Cidade do Mxico e So Paulo, alm de um capital compromissado de US$2 bilhes at 20133.

    15. Organizaes de infraestrutura apoiam o desenvolvimento da filantropia e de investimentos sociais. Em diversos pases, existem grandes organizaes que apoiam a filantropia e investimentos sociais. Coletivamente, essas organizaes fornecem uma srie de servios, reunindo instituies filantrpicas isoladas e/ou pessoas, dando-lhes oportunidades para aprender com seus pares e encorajando a colaborao. Elas tambm so essenciais para o desenvolvimento de todo o setor, defendendo um ambiente jurdico mais favorvel, desenvolvendo e disseminando conhecimentos, e aumentando a visibilidade do impacto filantrpico.

  • 16 Da Prosperidade ao Propsito

    Este estudo destaca as filosofias, os propsitos e as prticas de muitos investidores sociais notveis. Como grupo, as pessoas neste estudo so movidas por fortes valores familiares e relacionados f, alm de um profundo senso moral de responsabilidade social. Embora haja uma rica gama de prioridades e paixes filantrpicas inclusive, com mais destaque, educao de qualidade, assistncia sade adequada, cultura nacional e meios seguros de subsistncia no ncleo da maioria das iniciativas est um compromisso com oportunidades individuais, igualdade social, desenvolvimento e prosperidade nacional.

    Na ausncia de ambientes jurdicos bem definidos e precedentes filantrpicos locais, filantropos e investidores sociais na Amrica Latina frequentemente adotam uma abordagem baseada em resultados para suas doaes e investimentos sociais. Eles so, em grande parte, descrentes sobre determinados mtodos, em vez de usar uma variedade de plataformas e estratgias filantrpicas para maximizar o impacto de suas doaes e investimentos sociais. Embora o ambiente poltico e regulatrio para filantropia na maioria dos pases no seja, geralmente, considerado favorvel, ele no tem sido uma barreira para este grupo de filantropos compromissados e engajados. Como grupo, eles acreditam que existe uma oportunidade, de fato uma necessidade, de trazer mais capital filantrpico, para tratar os desafios enfrentados em seus pases e para incentivar melhorias generalizadas no bem estar humano.

    importante ressaltar que os participantes deste estudo podem no ser representativos de um grupo maior de detentores de riquezas. Apesar das aes, do engajamento e do otimismo deste grupo notvel de pessoas, existe tambm uma forte crena de que existem obstculos significativos, que dificultam um grupo maior de pessoas com patrimnio elevado de se tornarem mais ativos, e que limitam os impactos gerais dos investimentos sociais privados em seus pases. Embora alguns obstculos sejam diferentes entre um pas e outro, existe um grupo de desafios que parecem ser constantes na regio. Entre eles, os mais importantes so a incerteza sobre os papeis e o impacto da filantropia, um limitado senso de coeso social e solidariedade, um ambiente fiscal e regulatrio desfavorvel e a falta de confiana no setor sem fins lucrativos.

    O impacto vsivel pode ser o pilar para o crescimento filantrpico regional. Ele poder ajudar a mudar as percepes sobre os papeis filantrpicos, persuadir tanto governos como o pblico sobre o valor da filantropia e dos investimentos sociais, e levar a mudanas positivas nos nveis de polticas e de implementao. Alem disso, tal evidncia poder persuadir as pessoas com patrimnio elevado a converter uma parcela de seu patrimnio em capital filantrpico. Adicionalmente, os esforos para desenvolver a capacidade e a confiana nas organizaes sem fins lucrativos, podero ajudar a aumentar a filantropia entre pessoas que preferirem apoiar os esforos de terceiros, ao invs de operar seus prprios programas.

    Olhando para o futuro

  • Da Prosperidade ao Propsito 17

    Existem exemplos impressionantes de impacto social em um grande nmero de questes, no entanto, parece que as pessoas ignoram em grande parte as atividades existentes e os respectivos impactos. H uma necessidade de maior visibilidade e comunicao, e tambm de melhores tcnicas e medidas para avaliar o sucesso dos programas e projetos filantrpicos. Alm dos exemplos individuais de impacto, h uma necessidade crtica de se compreender melhor o escopo geral e os impactos do setor filantrpico em cada pas e em toda a regio.

    No obstante, os desafios para o crescimento e o impacto filantrpico, deixa muitas pessoas cuidadosamente otimistas sobre o futuro dos investimentos sociais e da filantropia em seus pases. Muitos participantes mostraram um otimismo genuno de que o crescimento de uma democracia estvel, a prosperidade econmica e o patrimnio pessoal sero acompanhados do aumento da coeso social, da responsabilidade coletiva e da confiana institucional. Em muitos aspectos, a mudana de crenas, atitudes e comportamentos de longa data obedecem a uma cronologia de geraes. Muitos dos que participaram deste estudo mostraram-se otimistas sobre a probabilidade de maiores investimentos sociais e engajamento, tanto de sua gerao, como, especialmente, da prxima gerao. Com tempo e encorajamento, muitos anteciparam que a filantropia privada ir florescer.

    1 Knight Frank Research, The Wealth Report, (London: Knight Frank LLP, 2015), 66, http://www.knightfrank.com/resources/wealthreport2015/wealthpdf/03-wealth-report-global-wealth-chapter.pdf

    2 About Latin America and the Caribbean, UNDP, http://www.latinamerica.undp.org/content/rblac/en/home/regioninfo3 Andre Leme, Fernando Martins and Kusi Hornberger, The state of impact investing in Latin America, Bain & Company,

    November 21, 2014, http://www.bain.com/publications/articles/the-state-of-impact-investing-in-latin-america.aspx

  • Viso regional

  • Da Prosperidade ao Propsito 19

    Amrica Latina: O contexto regional para filantropia e investimentos sociais A Amrica Latina uma regio que tem uma herana cultural muito rica, recursos naturais abundantes, histrias polticas turbulentas e uma fora econmica em expanso. Com uma populao acima de 588 milhes de habitantes e uma economia de US$5,657 trilhes, a Amrica Latina desempenha um papel significativo no cenrio mundial1. Embora a regio tenha registrado crescimento sem precedente aps alguns perodos desafiadores de queda econmica e turbulncias polticas, recentemente o crescimento caiu para 0,8% aproximadamente2, apesar de as taxas dos seis pases deste estudo terem sido bem mais altas, variando de 1,1% a 5,8% ao ano3.

    Os ltimos 50 anos testemunharam uma mudana dramtica em toda a regio. Especialmente no final dos anos 70 e na dcada de 80 (a chamada dcada perdida), perodos de profunda instabilidade poltica, violncia e exploso da dvida econmica afligiram boa parte da Amrica Latina. Essa combinao infeliz, por outro lado, contribuiu para o declnio da regio, difuso da pobreza e instabilidade. Muitos pases viveram conflitos internos e violaes de direitos humanos de uma combinao de grupos de guerrilhas, regimes autoritrios e foras militares. Essa volatilidade teve efeitos permanentes em pases como a Colmbia, que continua a procurar a paz entre seu governo, paramilitares e grupos guerrilheiros da esquerda, como o Mxico, que continua s voltas com violentos cartis de drogas, apesar de todos os demais avanos significativos. Ao longo dos anos 80 e 90, a democracia foi gradualmente restabelecida na regio, abrindo espao para um crescimento econmico crescente e melhor bem estar social.

    Desde os anos 90, a Amrica Latina testemunhou grandes avanos polticos, econmicos e sociais, que contriburam para o desenvolvimento geral e para a importncia global da regio. Aps a crise da dvida dos anos 80, a Amrica Latina procurou reconquistar o controle econmico e a aproximao s economias de livre mercado, associada ao alvio da dvida e a reformas fiscais, levando muitos pases a trilhar um caminho em direo estabilidade. Em apenas algumas dcadas, pases como o Brasil e o Mxico tornaram-se foras econmicas globais e agora so a stima e a dcima quinta maiores economias do mundo, respectivamente4. Chile e Mxico se afiliaram OCDE e a Argentina, Brasil e o Mxico so membros do G20.

    Economias mais fortes criaram condies melhores para uma grande parte da populao da Amrica Latina, ajudando muitos a sarem da pobreza e apresentarem notveis melhorias nos indicadores sociais, como sade e educao. De acordo com um relatrio da ONU de 2014 sobre os ODMs Objetivos de Desenvolvimento do Milnio, a taxa de mortalidade infantil declinou de 54 para 19 por 1.000 nascimentos vivos entre 1990 e 2012. Nesse mesmo perodo, a taxa mdia de matrculas no ensino primrio (ou fundamental) aumentou de 87% para 94%, apesar de ter ocorrido tambm um aumento na taxa de evaso escolar. Em 2012, o nmero de matrculas de moas no ensino mdio e no ensino superior excedeu o nmero de matrculas de rapazes, liderando todas as regies de pases em desenvolvimento e ultrapassando as metas do ODM para 20155. Um relatrio do Banco Mundial revelou que, em 2011, havia, pela primeira vez na histria da Amrica Latina, mais pessoas na classe mdia (com renda entre US$1050 por dia) do que vivendo na pobreza (com renda diria menor do que US$4 por dia), com a classe mdia representando cerca de um tero da populao da regio. Isso merece destaque especial, considerando que h apenas uma dcada, a populao que vivia na pobreza era 2,5 vezes maior do que a da classe mdia6. A populao que vive na extrema pobreza (com menos de US$2 por dia) caiu de 22,6% em 1990 para 9,3% em 2011, o que pode ser atribudo, em grande parte, criao de empregos e ao aumento no nvel de emprego7. As taxas oficiais de desemprego na Amrica Latina estavam em 6,5% em 20128, se bem que o desemprego e o emprego informal no computados so significativos.

  • 20 Da Prosperidade ao Propsito

    O crescimento econmico da Amrica Latina reflete-se na acumulao de riquezas privadas na regio. O Wealth Report observou que a populao UHNWI, definida como as pessoas com patrimnio lquido de US$30 milhes ou mais, aumentou de menos de 4 mil pessoas, em 2004, para quase 10,000 pessoas, em 2014, um aumento de 161%, contra a mdia global de 61% nesse mesmo perodo9. Em 2014, a relao dos bilionrios da Forbes inclua 114 pessoas da Amrica Latina, com uma riqueza conjunta de US$440 bilhes. Desse nmero, o empresrio das telecomunicaes do Mxico, Carlos Slim, representava US$72 bilhes e ficava atrs apenas do fundador da Microsoft e filantropo global Bill Gates. O Brasil liderou a regio com 65 bilionrios, seguido pelo Mxico, com 16, e o Chile, com 1110.

    Embora o crescimento econmico tenha beneficiado em larga escala os que vivem na Amrica Latina, ainda assim persistem considerveis disparidades. O ndice de Gini, uma medida sobre a desigualdade de renda, na qual 0 significa total igualdade e 100 total desigualdade, tem cado persistentemente em toda a regio, porm a Amrica Latina ainda tem regionalmente o maior ndice do mundo. De acordo com o PNUD, 10 dos 15 pases com as maiores desigualdades no mundo esto na Amrica Latina11. Em 1996, a Amrica Latina tinha um ndice de Gini de 58. Desde ento, ele caiu para 52 em 2011 e 201212. O ndice varia consideravelmente entre os pases da regio (vide o Grfico 1, que apresenta dados sobre os pases estudados).

    Alm disso, vrios obstculos existentes na Amrica Latina e no contexto especfico dos pases dificultam o crescimento econmico e o progresso social. Enquanto as taxas de acesso educao, matrculas e concluso tm aumentado, na maioria dos pases da regio, a qualidade da educao, refletida nos resultados mais baixos em testes padronizados internacionais, uma preocupao geral, com as taxas de concluso permanecendo em nveis inaceitveis13. Adicionalmente, a ONU considera o crime e a violncia na Amrica Latina epidmica, com uma taxa de homicdio acima de 10 por 100.000 habitantes, com o crime violento altamente correlacionado e muitas vezes ligado ao trfico ilcito de drogas14.

    A despeito das disparidades econmicas e sociais significativas e dos obstculos para super-las, a Amrica Latina vem trilhando um caminho contnuo e promissor ao longo das duas ltimas dcadas. Em termos otimistas, a estabilidade poltica, crescimento econmico com igualdade e oportunidades individuais crescentes continuaro a caracterizar o futuro da regio.

    Pas Argentina Brasil Chile Colmbia Mxico PeruPopulao (em milhes, 2013) 41,45 200,4 17,62 48,32 122,3 30,38

    Indi

    cado

    res

    ec

    onm

    icos

    PIB (US$, 2013) $609,9 bilhes $2.246 bilhes $277,2 bilhes $378,1 bilhes $1.261 bilhes $202,3 bilhesPIB per Capita (US$, 2013) $14.715 $11.208 $15.732 $7.831 $10.307 $6.662 Crescimento Anual do PIB (2013) 3,0% 2,3% 4,1% 4,3% 1,1% 5,8%Desemprego (estimativa nacional, 2012)

    7,2% 6,9% 6,4% 10,4% 4,9% 4,0%

    ndice de Gini (varia)

    43,6 (2011)

    52,7 (2012)

    50,8 (2011)

    53,5 (2012)

    48,1 (2012)

    45,3 (2012)

    Indi

    cado

    res

    Soci

    ais

    ndice de Desenvolvimento Humano PDNU (2013, x de187)

    0,8149

    0,7479

    0,8241

    0,7198

    0,7671

    0,7482

    ndice de Progresso Social (2013, x de 132)

    70,5942

    69,97 46oh

    76,3030

    67,2452

    66,4154

    66,2955

    Linha de Pobreza a US$4/dia (% da pop, 2011)

    11,6% 23,8% 9,9% 32,8% 23,7%(2010)

    25,8%

    Linha de Pobreza a US$2/dia (% da pop, 2011)

    1,4% 8,2% 1,9% 11,3% 4,5%(2010)

    8,7%

    Tabela 1: Dados dos pases

  • Da Prosperidade ao Propsito 21

    Argentina

    41,45 milhesPopulao

    Brasil

    200,4 milhesPopulao

    Colmbia

    48,32 milhesPopulao

    Mxico

    122,3 milhesPopulao

    Chile

    17,62 milhesPopulao

    Peru

    30,38 milhesPopulao

  • 22 Da Prosperidade ao Propsito

    Sculos de tradies religiosas, normas culturais, histrias polticas e condies econmicas moldaram o ambiente atual para doaes privadas e investimentos sociais na Amrica Latina. Embora as pessoas de patrimnio elevado da regio tenham uma longa histria de doaes para caridade (muitas vezes baseada na f), a emergncia relativamente recente de democracias estveis, crescimento econmico contnuo e acumulao de riquezas pessoais formaram uma base para uma atividade filantrpica acelerada. Ao mesmo tempo, cortes nos servios governamentais, agudas desigualdades e pobreza persistente em alguns pases, realaram a necessidade de investimentos sociais privados para ajudar a atender as necessidades sociais e de desenvolvimento econmico. Apesar de o ambiente poltico, cultural e econmico apresentar alguns obstculos prtica e expanso filantrpicas, h otimismo em alguns pases de que o ambiente para doaes privadas est evoluindo e melhorando. Algumas caractersticas dignas de destaque e tendncias sobre o quadro filantrpico so discutidas abaixo.

    Percepo de doaes crescentes apesar dos dados limitados importante frisar, logo de incio, que o volume de filantropia e investimentos sociais na Amrica Latina bastante desconhecido e no passvel de ser estimado de forma razovel. No entanto, a maioria das pessoas entrevistadas acredita que as doaes vm crescendo, apesar de a passos lentos em alguns pases e incompatveis com o nvel de riqueza privada em qualquer um deles. Especialmente no Brasil, na Colmbia e no Mxico, as pessoas eram geralmente otimistas sobre a trajetria do crescimento filantrpico, particularmente no setor corporativo e entre as geraes mais jovens. Entrevistas na Argentina, no Chile e no Peru revelaram menos otimismo; muitas pessoas nesses pases percebiam a filantropia e investimentos sociais como sendo muito baixos, na melhor das hipteses, (especialmente quando comparados aos nveis de riqueza), espordicos e/ou feitos de forma discreta, o que contribuiu ainda mais para a percepo de doaes limitadas.

    Alm do mais, os poucos dados apresentam um desafio substancial para compreender e promover a filantropia nos pases da Amrica Latina. Em diversos pases, nem os governos nem organizaes privadas levantam ou compartilham informaes sobre doaes, enquanto tradies culturais e sensitividade poltica frequentemente inibem o compartilhamento voluntrio dessas informaes. Ademais, considerando as diferentes metodologias e perodos dos estudos disponveis, os dados existentes no so comparveis entre os pases.

    Felizmente, vrias organizaes na regio esto abordando essa lacuna de conhecimento. Organizaes filantrpicas de filiados, centros acadmicos e outras organizaes sem fins lucrativos, no Brasil e no Mxico, levantaram importantes dados sobre filantropia e, na Colmbia, existe uma nova iniciativa para faz-lo (para maiores detalhes consulte os captulos dos pases do estudo). No entanto, os lderes desses esforos so os primeiros a indicar que os estudos no so abrangentes e subestimam as doaes. Em especial, as informaes sobre doaes corporativas esto mais disponveis que os dados sobre doaes de instituies independentes ou de pessoas. H muito menos dados atuais para a Argentina, o Chile e o Peru. De forma previsvel, o levantamento de dados entre os pases tem uma forte correlao com a existncia de organizaes ou iniciativas para a promoo e apoio filantropia. Infelizmente, nenhum dos estudos nacionais tem alguma ligao, ou fornece dados comparveis. Por outro lado, no deixa de ser promissor a observao de que existe uma iniciativa emergente para desenvolver dados mais abrangentes, atuais e comparveis, na regio.

    O ambiente regional para filantropia e investimentos sociais

  • Da Prosperidade ao Propsito 23

    Na amostra da pesquisa deste estudo, o montante mdio anual de doaes filantrpicas individuais, ao longo dos ltimos 5 anos, variou de abaixo de US$100,000 para entre US$10 milhes e US$50 milhes.

    Grfico 1: Mdia anual das doaes filantrpicas dos ltimos 5 anos (% dos que responderam a pesquisa, n=62)

    15% Abaixo de US$100.000

    27% De US$101.000 milhes a US$500.000 milhes

    15% De US$500.000 a US$1 milho

    32% Acima de US$1 milho at US$10 milhes

    11% Acima de US$10 milhes at US$50 milhes

    O nvel de doaes parece ser relativamente baixo, quando comparado com a riqueza privada na regio. No entanto, 63% dos participantes da pesquisa indicaram que suas doaes iriam aumentar nos prximos 3 anos, o que nos d razo para sermos otimistas.

    A tradio baseada em f moldaram as doaes Tradies antigas e enraizadas de doaes baseadas na f moldaram a filantropia em toda a Amrica Latina. A conquista e subsequente colonizao de boa parte da Amrica Latina por Espanhis introduziu o Catolicismo junto s populaes indgenas e, hoje, aproximadamente 70% da populao da regio se diz catlica.15 Nos tempos coloniais e durante o incio do sculo vinte, em muitos pases a Igreja Catlica fornecia a grande maioria dos servios sociais, como educao, sade e cuidados com os idosos, frequentemente estabelecendo novas instituies, como hospitais, escolas e associaes religiosas para fornecer esses servios. A Igreja e suas instituies eram os principais beneficirios das doaes de caridade, com as famlias e pessoas com patrimnio elevado sustentando-as atravs de obras pias (trabalhos ou donativos individuais) e heranas16. Em alguns casos, as famlias ricas de f estabeleciam suas prprias entidades para conduzir as atividades de caridade relacionadas com as da Igreja.

    Essas tradies influenciaram as doaes por mais de trs sculos. Embora a Igreja no seja mais o principal provedor de servios sociais e as prioridades de doaes se expandiram largamente, as famlias com patrimnio elevado em todos os seis pases parecem continuar a dar suporte Igreja e a organizaes sociais movidas pela f. De fato, alguns especialistas acreditam que as doaes baseadas na f continuam a representar uma parcela significante das doaes da regio, principalmente as feitas por pessoas fsicas17. Embora possa ser verdadeiro, isso no parece ser o caso entre os participantes deste estudo, que muitas vezes no mencionaram a influncia da religio nas doaes atuais.

    nica na regio, a Argentina tem uma populao judaica considervel, com a imigrao datando do sculo 16, quando judeus expulsos da Espanha se estabeleceram naquele pas. A Argentina tem a maior populao judaica de qualquer pas na Amrica Latina e Buenos Aires tem a quarta maior comunidade judaica entre as grandes cidades do mundo18. Nessa comunidade, doaes baseadas na f tambm so notveis, com muitas contribuies sendo feitas a sinagogas e organizaes judaicas que empreendem esforos de caridade.

  • 24 Da Prosperidade ao Propsito

    importante tambm reconhecer que muitas doaes baseadas na f so feitas de forma annima; de fato, tanto a f catlica como a judaica enfatizam a virtude de atos annimos de caridade. Os participantes do estudo em todos os pases tendiam a reconhecer suas doaes orientadas pela f, mas preferiram no discutir esse assunto com detalhes.

    Percepes em evoluo sobre os papeis da filantropia Juntamente com a percepo positiva do crescimento filantrpico na regio, existe um otimismo que o escopo e os papeis da filantropia tambm esto evoluindo, se bem que lentamente em alguns pases. Historicamente, o papel das doaes filantrpicas em toda a regio vem sendo definido de forma limitada. Enquanto as razes so complexas, algumas das questes chave incluem a crena de que o governo deve arcar com a responsabilidade pelo desenvolvimento social e o fornecimento de servios pblicos; um reconhecimento limitado da importncia ou das consequncias do engajamento cvico individual; e uma desconfiana generalizada em relao ao setor sem fins lucrativos. Apesar dessas barreiras, muitas pessoas acreditam que cada uma dessas opinies est mudando e que as doaes filantrpicas na regio esto prontas para assumir papeis cada vez mais variados e importantes.

    Para que a filantropia e o investimento social floresam verdadeiramente e tenham um real impacto na Amrica Latina, os governos e a sociedade precisam destinar um forte e enrgico papel para o setor sem fins lucrativos e promover o escopo legtimo de aes privadas. Neste estudo, uma das mais citadas barreiras filantropia foi a percepo de longa data, tanto por parte dos governos como do pblico, de que os papeis da filantropia e da sociedade civil deveriam ser muito bem definidos. De forma geral, a principal razo disso parece ser a viso de que a responsabilidade de prover servios sociais, enfrentar os desafios da sociedade e prover o bem estar geral de seus cidados do governo. Existe tambm o sentimento de que o governo deveria reduzir as srias desigualdades nacionais atravs da promulgao de polticas. Ademais, as pessoas acreditam que, como j pagam impostos, elas no precisariam mais contribuir aos papeis pblicos atravs de filantropia.

    Embora essas opinies fossem expressas em todos os seis pases, elas foram mais enfticas na Argentina e no Peru. Na Argentina, vrias pessoas enfatizaram que o governo no aceita um papel de destaque para a filantropia e a sociedade civil. Na Colmbia e no Brasil, por outro lado, os governos parecem valorizar mais o papel de investimentos sociais e, de certa forma, at estimulam o engajamento de instituies filantrpicas e de cidados privados no atendimento de preocupaes nacionais.

    Bastante ligada viso de que o governo responsvel pelo desenvolvimento e bem estar social, existe historicamente um reconhecimento limitado da importncia ou das consequncias do engajamento civil individual. Os participantes do estudo em todos os pases se pronunciaram fortemente sobre a necessidade para um senso mais desenvolvido de comunidade, solidariedade e responsabilidade social, que poderia levar a um papel mais importante para a ao filantrpica.

    Finalmente, elementos de desconfiana podem reforar as percepes de que o papel da filantropia deveria ser limitado. Em cada um dos pases, de novo com variaes, existe uma falta de confiana nas instituies filantrpicas e no setor sem fins lucrativos mais amplo. Devido a escndalos, algumas pessoas veem as instituies filantrpicas como formas de evaso fiscal, ganho poltico ou transferncia de recursos para o exterior. Essas suspeitas so alimentadas pela falta de transparncia nas organizaes filantrpicas e sem fins lucrativos, assim como pela falta de compreenso e informaes sobre as atividades e contribuies de organizaes individuais e do setor como um todo. Conforme discorrido nas sees posteriores, existem vrios esforos para aumentar a transparncia no setor sem fins lucrativos.

    Em alguns pases, a falta de confiana mais difusa, estendendo-se para alm do setor sem fins lucrativos para uma preocupao mais generalizada e onipresente em relao maioria das instituies. Embora raramente estudada, pode haver uma correlao entre o nvel de confiana em um pas e o papel da filantropia. O nvel de confiana da sociedade descrita pelo renomado economista William Easterly como a amplitude com a qual uma pessoa confia em pessoas desconhecidas, ou seja, que no sejam da famlia, da comunidade ou do cl19. Assim sendo, em uma sociedade com baixo nvel de confiana, caracterizado pela confiana somente na famlia e nos amigos, o apoio filantrpico para instituies e iniciativas dirigidas por pessoas desconhecidas ser presumivelmente limitado.

  • Da Prosperidade ao Propsito 25

    No obstante, existe um otimismo cauteloso de que essas percepes sobre as funes do governo, solidariedade e cidadania e confiana nas instituies esto mudando. Em especial, vrias pessoas destacaram que a democracia, paz e estabilidade econmica so relativamente recentes em muitos pases na regio, e que funes mais amplas e variadas, no que diz respeito responsabilidade social, provavelmente surgiro ao longo do tempo.

    Caridade e investimentos sociais existem lado a lado Talvez a mudana mais importante na percepo seja a viso que vem se desenvolvendo de que as doaes filantrpicas podem, qui devem, desempenhar um papel crescente em promover uma mudana social real e sustentvel na Amrica Latina.

    Existe uma grande diferena entre caridade e investimento social na Amrica Latina. De fato, entre as muitas pessoas entrevistadas para este estudo, havia a noo de que as duas prticas coexistem, porm, tm pouco em comum. Pelas razes mencionadas anteriormente incluindo as tradies baseadas na f, percepes sobre os papeis do setor e polticas governamentais grande parte das doaes da regio continuam tendo um carter de caridade. Entretanto, existe um movimento em direo a doaes mais estratgicas voltadas para o alcance de impactos sociais significativos e sustentveis. Como ilustrado na seo sobre Prioridades Filantrpicas e Propsitos, as atividades e instituies filantrpicas de muitos participantes do estudo iluminam esse crescimento emocionante.

    Caridade significa contribuies sejam diretas para pessoas ou para organizaes que prestam servios que ajudam os necessitados e geralmente objetivam aliviar o sofrimento imediato. A maior parte das pessoas entrevistadas, incluindo aquelas com investimentos sociais significativos, indicaram que caridade era ligado compaixo e era necessrio e deveria permanecer uma prtica filantrpica importante. A maioria deu a entender que faziam contribuies de caridade, muitas vezes de forma annima, e preferiam no discutir essas doaes nas entrevistas para este estudo. Algumas pessoas tinham uma viso menos positiva sobre doaes caridade, sugerindo que essas doaes mantinham e reforavam as desigualdades econmicas e sociais.

    Investimentos sociais no tm uma definio aceita de forma geral, mas havia uma concordncia geral sobre suas principais caractersticas. O termo usado para expressar investimentos de recursos financeiros, sociais ou pessoais para tratar de problemas sistmicos e criar uma mudana positiva, permanente e mensurvel. Conforme descrito na seo Motivaes e Influncias Filantrpicas, os investimentos sociais so frequentemente motivados por uma obrigao moral de abordar as enormes desigualdades sociais e econmicas20. Muitas pessoas economicamente bem sucedidas expressaram o desejo de mudar de sucesso econmico para significncia social, da gerao de lucros para encontrar um propsito, de doaes caridade para investimentos em mudanas. Os investimentos sociais esto fortemente associados com o trabalho de instituies, mais do que com o trabalho de pessoas individuais, e a maioria dos entrevistados tinha criado plataformas institucionais para a sua poro de doaes que consideravam como sendo investimentos sociais.

    A palavra filantropia interpretada de muitas formas, at dentro de um mesmo pas. Para alguns, ela sinnimo de caridade. Para outros, ela est fortemente associada a investimentos sociais, muitas vezes com um adjetivo (por exemplo, filantropia moderna, filantropia estratgica). Para outros, talvez mais especialmente no Brasil, a palavra tem uma conotao negativa devido corrupo existente no setor, no passado. Neste estudo, a palavra usada dentro de uma interpretao mais positiva e aspiracional.

    Muitas pessoas economicamente bem sucedidas expressaram o desejo de mudar de sucesso econmico para significncia social, de gerao de lucros para encontrar um propsito, de doaes caridade para investimentos em mudanas.

  • 26 Da Prosperidade ao Propsito

    Entre os pases estudados, o conceito de investimentos sociais estava mais fortemente presente na Colmbia e no Brasil. Isso est correlacionado com outros atributos do setor, como um maior nmero de instituies filantrpicas, a presena de uma infraestrutura de apoio e a aceitao de um papel maior para a filantropia e para o setor sem fins lucrativos. Muitas pessoas destacaram que, enquanto o setor de filantropia pequeno, o trabalho desenvolvido pelas instituies , em grande parte, profissional, estratgico e impactante. Embora excelentes exemplos de investimento social possam ser encontrados em todos os pases, os entrevistados nos demais pases no descreveram o mesmo sentido de um compromisso crescente com investimentos sociais.

    Fundaes empresariais so frequentemente lderes em investimentos sociaisH uma viso em cada pas que as doaes de empresas dominam o setor filantrpico institucional. Alm disso, geralmente aceito que a maior parte do crescimento filantrpico ocorrer no setor empresarial e que as empresas provavelmente ocuparo a liderana em filantropia no futuro prximo. Apesar de este estudo focalizar em filantropia e investimento social, reconhece-se amplamente que a separao entre doaes privadas e as empresariais em todos os pases estudados bastante imprecisa. Nas empresas familiares, a doao empresarial normalmente determinada pelos donos da empresa e, frequentemente, reflete os valores pessoais e as prioridades da famlia. De fato, neste estudo nem sempre havia consenso se uma fundao especfica deveria ser classificada como um empreendimento empresarial ou familiar. Para tanto, a doao empresarial uma avenida importante para doaes entre as pessoas com patrimnio elevado da regio.

    H diversos motivos para a liderana empresarial no setor. Primeiramente, importante reconhecer que algumas empresas (e as famlias as quais elas pertencem) tm um longo histrico de investimentos sociais nas comunidades em que operam. Segundo, em muitos pases, existe um compromisso forte e crescente com a RSC, inclusive com investimentos sociais. Lderes empresariais veem cada vez mais a RSC como uma slida estratgia empresarial e uma responsabilidade devolutiva. No Brasil e no Peru, e talvez em outros pases, as organizaes sem fins lucrativos tambm pressionaram empresas, principalmente nas indstrias extrativas, para tratar dos impactos sociais e ambientais de suas operaes. Em terceiro lugar, em alguns pases, as empresas recebem incentivos fiscais mais favorveis, graas as suas doaes, do que fundaes independentes ou pessoas. No Peru, a Lei do Trabalhar por Impostos permite s empresas investirem em obras pblicas, tais como construo ou melhorias em escolas e hospitais, e recuperarem o valor do investimento de seu Imposto de Renda. E, finalmente, existem algumas exigncias, s vezes chamadas de compensao ambiental, que exigem que as empresas implementem aes, incluindo a doao de fundos voltadas para a mitigao dos impactos ambientais e sociais de suas atividades.

    importante reconhecer, tambm, que existem importantes desafios que podem surgir de um setor filantrpico demasiadamente calcado em doaes empresariais. Primeiro, isso pode restringir o impacto filantrpico tanto em termos geogrficos, como de questes tratadas. Geralmente, os investimentos sociais empresariais ocorrem nas reas geogrficas nas quais a empresa opera e, frequentemente, eles esto focados em questes como educao e treinamento, que so relevantes para a empresa; porm as doaes empresariais podem no dar apoio a reas como direitos humanos, que no esto diretamente relacionadas sade empresarial. Segundo, muitas empresas operam seus prprios programas filantrpicos, em vez de apoiar organizaes sem fins lucrativos.

    Consequentemente, o apoio sociedade civil e provavelmente permanecer restrito. Outras questes podem incluir a capacidade de as empresas verdadeiramente ampliarem o impacto de seus investimentos sociais e sua capacidade de assumir riscos. Certamente, essas questes referentes ao escopo dos programas empresariais no diminuem em nada, os resultados louvveis de filantropia empresarial em toda a regio; na verdade, elas levantam importantes questes quando o setor filantrpico no est equilibrado entre doaes empresariais e as independentes.

    Investimentos sociais referem-se a investimentos de capital financeiro, intelectual e social para tratar de problemas sistmicos e criar mudanas positivas, permanentes e mensurveis.

  • Da Prosperidade ao Propsito 27

    Ambiente regulatrio e de polticas que precisam ser desenvolvidas Os relativamente baixos nveis de apoio poltico para a filantropia privada se refletem nas polticas governamentais jurdicas e fiscais. Embora o escopo deste estudo no inclua uma anlise completa do ambiente regulatrio dos pases, parece que em todos eles, com importantes variaes, o ambiente de polticas percebido como sendo geralmente restritivo e limitante para doaes privadas e, de um modo geral, no favorvel para o desenvolvimento de um setor filantrpico mais forte. Alm dessas percepes gerais, existem vises muito divergentes sobre o impacto real do ambiente regulatrio sobre doaes. Entre os entrevistados, a maioria indicou que as polticas legais no afetavam suas prprias doaes, e entre os participantes da pesquisa, somente 16% indicaram que o ambiente regulatrio era um desafio chave para as suas doaes pessoais; porm 41% disseram que um melhor ambiente regulatrio e fiscal os motivaria muito mais a fazer doaes. Embora muitas pessoas acreditassem que as polticas jurdicas e fiscais no constituam um importante impedimento para o aumento de doaes em seus pases, outras enfatizaram que a maioria das pessoas no aproveitavam os limitados incentivos disponveis, concluindo que o ambiente de polticas no era um desafio chave para o aumento do nmero de doaes. Entre os que responderam a pesquisa, 38% achavam que um melhor ambiente regulatrio e fiscal motivaria outras pessoas a doarem mais.

    Os obstculos regulatrios chave filantropia foram relativamente consistentes entre os pases, se bem que em alguns eles eram mais difundidos do que em outros. As mudanas de polticas mencionadas com maior frequncia incluam as dificuldades associadas com a constituio de fundaes filantrpicas, a criao e proteo de dotaes, a limitao de incentivos fiscais e leis restritivas sobre heranas.

    Constituir e operar uma instituio filantrpica pode ser burocraticamente difcil. Na maioria dos pases no existe uma distino jurdica entre fundaes e outros tipos de organizao sem fins lucrativos. Em virtude de as estruturas organizacionais legais no terem sido elaboradas para levar em conta a singularidade de uma instituio filantrpica, pode haver incerteza quanto a questes tais como atividades permitidas, tratamento fiscal e parcerias admissveis. Essa ambiguidade pode desestimular a criao de organizaes filantrpicas21. Alm disso, em muitos pases, existem restries para a criao e proteo de dotaes, incluindo limitaes monetrias, polticas de investimentos e controle e distribuio de ativos. As preocupaes com dotaes foram fortemente enfatizados pelos participantes do Brasil, onde existe um esforo no sentido de criar uma nova Lei de Fundos de Doaes, que estimulariam e protegeriam a criao de doaes entre o setor filantrpico e o setor sem fins lucrativos. Especialistas na Colmbia relatam que o governo federal mostrou grande interesse em filantropia nos anos recentes e que bastante rpido e relativamente pouco dispendioso constituir uma instituio filantrpica. No entanto, enquanto a legislao nacional simples e direta, as leis estaduais e municipais podem apresentar maiores dificuldades.

    Existem alguns incentivos fiscais para doaes privadas para caridade em todos os seis pases. As entrevistas realizadas na Colmbia e no Mxico sugerem que o ambiente fiscal est melhorando. No entanto, havia um consenso de que os incentivos fiscais poderiam ser melhorados em todos os pases. Uma das principais questes o relativamente baixo teto em termos de percentual disponvel para abatimento da renda. Outro desafio afim o fato de os donativos serem limitados a certas reas (por exemplo, educao, arte e cultura, e esportes) e a determinadas populaes (por exemplo, crianas e adolescentes ou pessoas invlidas). Adicionalmente, em vrios pases as leis sobre herana determinam que a grande maioria de ativos seja dada a parentes diretos, desta forma limitando a oportunidade de esforos filantrpicos como parte do planejamento patrimonial.

    No Brasil, na Colmbia, no Mxico e no Peru, notou-se que a corrupo ligada a doaes filantrpicas no passado acabou acarretando um limite nos incentivos e um aumento em termos de anlise e superviso. Embora o tamanho da corrupo possa ser desconhecido, a percepo de sua existncia afetou a filantropia e apresenta um desafio instituio de um ambiente de polticas mais favorvel.

    As evidncias de outras partes do mundo, de que um ambiente fiscal favorvel se correlaciona com o aumento de doaes filantrpicas, so limitadas. H, porm, uma concordncia geral de que em pases com estruturas legais e fiscais muito limitadas e rgidas, esforos sistemticos para melhorar o ambiente jurdico ajudaro a incentivar mais a filantropia. Ademais, provvel que a boa vontade demonstrada pelos governos, de participar de discusses sobre a criao de um ambiente regulatrio e fiscal mais propcio, sinaliza uma aceitao da importncia da filantropia e da sociedade civil naquele pas.

  • 28 Da Prosperidade ao Propsito

    Infraestrutura crescente para sustentar o crescimento e a prtica filantrpicaOlhando para a regio, existem vrias organizaes e plataformas fortes que apoiam doaes e investimentos sociais, e essas organizaes desempenham um papel crtico na profissionalizao e na promoo de filantropia. Coletivamente, essas organizaes oferecem uma gama de recursos e de servios. Elas juntam instituies e/ou pessoas filantrpicas que de outra forma ficariam praticamente isoladas e fornecem a oportunidade de aprendizado com os seus pares, o compartilhamento de experincias e de melhores prticas e colaborao potencial. Algumas organizaes tambm fornecem suporte individualizado com planejamento estratgico e desenvolvimento de programas. Ademais, essas organizaes de apoio so crticas para o desenvolvimento do setor como um todo. Eles defendem um ambiente jurdico mais favorvel, aumentam a visibilidades dos programas filantrpicos e seus impactos, e ajudam a desenvolver a base de conhecimentos que cercam o papel da filantropia em seus pases.

    No surpreendente que a extenso e a fora coletiva dessas organizaes esto fortemente correlacionadas com os nveis percebidos de filantropia nos pases. No Brasil, no Mxico e na Colmbia, existem vrias organizaes fortes com uma variedade de misses e servios; Na Argentina, no Chile e no Peru, a infraestrutura bem menos desenvolvida. Naturalmente, a fora de todas essas organizaes pode variar amplamente de um pas para o outro; discusses mais detalhadas so dadas em cada um dos captulos dos pases.

    Em adio a esses esforos nacionais, existe um nmero crescente de esforos internacionais ou globais para apoiar e incentivar a filantropia e investimentos sociais dentro de alguns dos pases em estudo. Worldwide Initiatives for Grantmaker Support WINGS, uma rede global de associaes de doadores e organizaes de suporte filantrpico com a misso de promover a filantropia e investimentos sociais ao redor do mundo, est sediada em So Paulo. O Crculo de Filantropos Globais Synergo, uma rede de famlias filantrpicas ao redor do mundo que est comprometida com o combate pobreza e injustia social, tem escritrios no Mxico e no Brasil. O Frum Global de Filantropia (Global Philanthropy Frum), sediado no Vale do Silcio, ajudou a lanar o Frum de Filantropia Brasileiro, o qual em 2014 juntou mais de 300 filantropos e especialistas do pas e internacionais. E Nexus, um movimento de jovens investidores sociais e empreendedores que trabalham para aumentar e melhorar a filantropia e os investimentos sociais, est presente no Brasil e no Mxico e, recentemente, iniciou sua Campanha Global para a Cultura e Filantropia, destinada a promover e criar prticas eficazes de doaes ao redor do mundo.

  • Da Prosperidade ao Propsito 29

    Motivaes e influncias filantrpicas

    Na Amrica Latina, assim como no resto do mundo, filantropia e investimentos sociais so prticas altamente pessoais, que refletem tanto motivaes internas como influncias externas. Neste estudo, os que responderam a pesquisa, quase sem excees, viam as doaes filantrpicas como uma responsabilidade social e moral, e isso parece ser verdade, independente de idade, gnero, nacionalidade ou etnia, f ou origem da riqueza. O forte senso de responsabilidade social e moral parece estar em grande parte, baseado e intrinsecamente ligado a valores familiares, tradicionais e princpios da f. Fatores externos tambm moldam as prioridades e prticas filantrpicas. Em especial, os participantes do estudo expressaram um forte desejo de contribuir para o avano positivo de seus respectivos pases (ou s vezes, regies). Para alguns, as metas empresariais e prticas globais de doao e aes de cidados tambm influenciam as doaes. Juntas, todas essas motivaes internas e influncias externas criam um eixo de propsitos que sustentam as metas e prticas filantrpicas e de investimentos sociais.

    Grfico 2: Motivaes e influncias filantrpicas(% dos que responderam a pesquisa, n varia entre 44 e 72)

    Responsabilidade Acredito que tenho uma respon-sabilidade de retribuio e ajuda aos outros

    Paixo Tenho uma forte conexo com uma ou mais causas ou questes

    Famlia Doaes fazem parte dos valores e tradies de minha famlia

    Dotaes Doaes so uma forma de criar uma ex-presso permanente de meus valores e compromissos

    F Doaes so uma expresso de meus valores e obrigaes religiosas

    Herana No quero deixar riqueza demais a meus filhos e a outras pessoas

    Praticidade Doaes conferem benefcios fiscais, aju-dam minha empresa e/ou fornecem outro valor prtico

    0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

    74 25 1

    60 30 3 7

    49 37 10 5

    38 27 18 17

    20 31 13 36

    9 11 11 70

    25 75

    Muito importante Importante Pouco importante No importante

    Um forte senso de responsabilidade social Em todos os pases do estudo existe um forte senso de responsabilidade social, que motiva pessoas a se engajarem em filantropia e investimentos sociais. Em uma regio em que persiste a pobreza e em que severas disparidades econmicas e desigualdades sociais continuam a permear a sociedade, muitos descreveram suas doaes como expresso de uma obrigao moral, conscincia social e dever cvico. Entre os entrevistados, quase 100% indicaram que a responsabilidade de retribuir e ajudar o prximo constitua uma motivao importante ou muito importante para a sua filantropia; era um fator de maior influncia do que qualquer outro. Essa motivao era quase universal entre os entrevistados e nos pases todos.

  • 30 Da Prosperidade ao Propsito

    Para algumas pessoas com patrimnio elevado que herdaram fortunas, um senso de culpa ou a pergunta por que eu? leva-os a ajudar a outros, que tiveram menos sorte. Diversas pessoas incluindo tanto aquelas que herdaram fortunas como as que criaram suas riquezas descreveram a si prprios como um administrador, em vez de proprietrio de suas riquezas.

    Uma srie de entrevistas sugere que o senso de responsabilidade social est particularmente aparente e est aumentando entre a gerao mais jovem. Alguns reconheceram o papel das escolas, que incorporaram elementos sociais, como voluntariado, em seus currculos, na formao dessa conscientizao. Outros acreditavam que a crescente comunicao e mobilidade ajudaram a trazer os problemas sociais e as desigualdades tona, com isso incutindo um senso mais amplo de comunidade e compreenso, o que, por sua vez, desencadeia

    ao e investimento social. Outros, ainda, viam a filantropia como uma ferramenta para incentivar a conscientizao social em seus filhos. Os pais expressaram, principalmente, suas preocupaes de que crescer de forma economicamente mais afortunada poderia levar seus filhos e as geraes futuras a se isolarem das realidades sociais. Assim, eles pensaram que envolver a prxima gerao em investimentos sociais poderia ajudar a incutir neles a obrigao de retribuir, assim como um senso mais forte de comunidade.

    Doaes refletem e reforam os valores familiaresValores familiares, paixes e tradies influenciam largamente o engajamento e as preferncias filantrpicas das pessoas. Nos pases estudados, virtualmente todos os entrevistados descreveram a profunda influncia de suas famlias, tanto em sua propenso de doar, como na natureza de suas doaes, e aproximadamente 85% dos entrevistados indicaram que a famlia era um motivador importante ou muito importante. A influncia da famlia pode se manifestar de diversas formas. Para muitos, o ato de doar uma demonstrao dos valores familiares que focam em ajudar aqueles que precisam, assim como em ajudar a criar um mundo melhor para todos. a expresso da mxima, a quem muito foi dado, muito ser exigido. Esses valores foram muitas vezes inculcados por modelos de fortes papeis; muitos dos entrevistados mencionaram seus pais, avs e outros parentes como cones que inspiraram suas prprias atividades filantrpicas. Entre os pases, praticamente todos os entrevistados compartilhavam uma histria sobre membros da famlia que eram voluntrios ativos envolvidos em caridade, ou que de alguma forma estavam ligados filantropia. As pessoas identificavam esses exemplos como intrnsecos para desenvolver seu prprio desejo de doar, e descreveram a filantropia como uma ferramenta para reforar e transmitir seus valores para seus filhos, e para contribuir para a criao de um mundo melhor no futuro.

    A filantropia tambm pode ser uma forma de honrar ou instituir um legado da famlia. De fato, uma srie de fundaes tm o nome dos pais ou da famlia da pessoa. Para muitas dessas pessoas, suas famlias abraaram uma causa social ou uma regio em particular por dcadas, a as atividades filantrpicas e investimentos sociais atuais foram reflexos diretos dessa longa dedicao. Apesar de a importncia de legados ter sido muitas vezes comentada nas entrevistas individuais, a sua influncia foi mais moderada entre os que responderam a pesquisa, em que aproximadamente 65% classificaram o legado como importante ou muito importante.

    Muitas pessoas tambm descreveram a filantropia como forma de reforar os laos familiares. Isso era comum nos casos em que a empresa da famlia foi vendida ou quando geraes mais jovens no mais se envolveram na empresa familiar. Nesses casos, filantropia muitas vezes institucionalizada atravs de uma fundao ou mecanismo de doaes da famlia cria novas oportunidades de juntar a famlia. No entanto, essa viso no foi compartilhada por todos. Algumas pessoas viam a filantropia como tendo o potencial de criar discrdia na famlia, e preferiam fazer suas doaes individualmente ou com uma equipe profissional (no familiar).

    Para muitos, as doaes so uma expresso da obrigao moral, conscincia social, ou dever cvico motivado por uma responsabilidade de retribuir e ajudar o prximo.

  • Da Prosperidade ao Propsito 31

    Paixo pessoal orienta as doaesPaixo foi muitas vezes mencionada como o catalisador na formulao da prpria filantropia, no engajamento entusiasmado em uma causa especfica, ou na orientao de prioridades. Perto de 90% dos que responderam a pesquisa identificaram uma forte conexo com uma ou mais causas ou questes como motivao chave de suas atividades filantrpicas.

    Para algumas pessoas, a paixo pode ser o que inicialmente desperta a filantropia. Para outras, com uma longa histria de doaes, a paixo pode focar e orientar suas prioridades e propsitos de fazer doaes. Muitos dos entrevistados relembraram uma experincia pessoal ou inspiradora que iniciou a paixo que subsequentemente direcionou sua filantropia e seus investimentos sociais. Essa combinao de corao e mente tem apoiado a reabilitao de populaes vulnerveis no Brasil. Ela tambm levou ateno especializada para problemas de aprendizado no Peru, aumentou o acesso a artes no Chile e lanou inmeros outros projetos na Amrica Latina.

    Valores internalizados baseadas em f Conforme examinado anteriormente, religio e f estavam historicamente embutidas na filantropia na Amrica Latina e continuam a influenciar as doaes individuais. Certos valores, como piedade, caridade, solidariedade e obrigao, so compartilhados por muitas religies e contribuem para a motivao de fazer doaes. No entanto, muitos entrevistados indicaram que eles tinham internalizado esses princpios e os viam como valores familiares ou pessoais, mais do que um mandamento ou doutrina religiosa. De fato, mais do que um tero dos entrevistados indicaram que a f no era importante para motiv-los a fazer doaes.

    Orgulho nacional e desenvolvimento como motivos importantes As recentes melhorias econmicas e sociais na Amrica Latina criaram um senso de otimismo para o crescimento futuro e a estabilidade da regio. Essa confiana crescente, se bem que cautelosa, inspirou um aumento no interesse e nas atividades nos setores de filantropia e investimentos sociais, como forma de contribuio pessoal ao desenvolvimento de um pas. Existe um desejo claro entre muitos de estar entre os construtores do que alguns entrevistados observaram como pas estvel, justo, pacfico e do primeiro mundo. Apesar de no constar das opes relacionadas na pesquisa deste estudo, diversas pessoas que responderam a pesquisa escreveram, em motivaes, itens como delegao prxima gerao de brasileiros e contribuio para o crescimento social do meu pas.

    Entre os entrevistados, as pessoas expressaram a opinio de que aqueles com capacidade e recursos para abordar esses desafios deveriam ser compelidos a agir, tanto por obrigao moral como por interesses nacionais. Alguns sentiram que as imensas disparidades entre os ricos e os necessitados eram uma injustia social e procuravam um mundo mais justo. Outros achavam que a desigualdade pode contribuir para a instabilidade e atuar como um barril de plvora para turbulncias internas. Com a reduo da desigualdade e o melhoramento do bem estar social para uma maior base da populao, as pessoas acreditavam que o seu pas teria um potencial maior para continuar a ter paz, estabilidade e solidez econmica. Esse sentimento era particularmente forte no Brasil, que teve um crescimento econmico imenso, mas ainda enfrenta desigualdades sociais significativas e altos

    nveis de pobreza. Na Colmbia, os entrevistados mencionaram que, enquanto o pas percorreu um longo caminho em termo de segurana econmica e pessoal, o potencial para se chegar a um acordo de paz permanente d esperana para um progresso e avano ainda maior. Os Peruanos tambm exibiram um forte compromisso com o desenvolvimento nacional e a identidade nacional, muitas vezes apoiando iniciativas educacionais, vistas como sendo crticas ao desenvolvimento nacional, e programas patrimoniais, que protegem e promovem a identidade impar cultural do Peru.

    Muitos investidores sociais so motivados para estar entre os construtores de um pas estvel, justo, pacfico e de primeiro mundo.

  • 32 Da Prosperidade ao Propsito

    A atividade filantrpica pode se alinhar com as metas empresariaisEmbora menos proeminentes que as motivaes listadas acima, metas empresariais e incentivos tambm influenciam as doaes. Conforme explicado anteriormente, embora o foco deste estudo esteja nas doaes privadas, na prtica, no existe uma clara distino entre a filantropia familiar e a empresarial. Enquanto a doao institucionalizada possa ocorrer sob o nome da empresa ou ter os recursos oriundos do lucro da empresa, ela muitas vezes dirigida pela famlia e reflete os valores e prioridades da famlia. Diversas pessoas discutiram o alinhamento de suas filantropias, pelo menos em parte com as metas empresariais da empresa pertencente famlia. As pessoas tambm observaram que o pblico tem expectativas crescentes sobre o papel das empresas e do setor privado na contribuio da sustentabilidade e do bem estar social. Algumas pessoas tambm opinaram que filantropia poderia fornecer uma vantagem competitiva, ao aumentar a imagem positiva do pas junto a seus funcionrios, s comunidades onde a empresa opera e ao pblico em geral.

    Duas das mais respeitadas e antigas fundaes na Colmbia, citadas repetidas vezes pelo seu excelente trabalho, so entidades baseadas em empresas dirigidas por famlias. interessante observar que, apesar de haver muitas doaes corporativas no Brasil, metas empresariais raramente figuravam entre os fatores motivacionais pelos entrevistados. No Peru e no Mxico, havia um consenso de que as doaes do setor empresarial iriam se desenvolver mais rapidamente que as individuais, em parte devido crescente presso de consumidores e do pblico em geral, assim como a probabilidade que isso iria criar uma vantagem competitiva em economias nacionais que estivessem se globalizando rapidamente. Outros na Amrica Latina achavam que o investimento social era uma extenso natural dos valores da sociedade, uma ferramenta para a construo de uma marca melhor, ou meios para melhorar o engajamento dos funcionrios e o desenvolvimento de comunidades nas reas em que a empresa opera.

    Prticas globais influenciam a filantropiaUm nmero significativo de pessoas destacou a influncia da exposio a conceitos de filantropia, voluntariado, engajamento social e cidadania em outros pases. Vrias pessoas que estudaram e/ou viveram por algum tempo no exterior, em especial nos Estados Unidos, descreveram como a experincia moldou seu modo de pensar a respeito de filantropia e aes privadas. Elas tambm observaram que seus pares eram frequentemente engajados socialmente, ativos civicamente e propensos filantropia. Em adio, algumas pessoas relataram seus envolvimentos em iniciativas filantrpicas globais, atravs das quais elas interagiam com e eram influenciadas por filantropos ao redor do mundo. Da mesma forma, lderes empresariais atuando em uma economia global citaram sua exposio a programas filantrpicos de inmeras empresas globais.

  • Da Prosperidade ao Propsito 33

    Prioridades e metas filantrpicas

    Pessoas e instituies filantrpicas dos seis pases demonstram uma enorme gama inspiradora e ambiciosa de prioridades e metas filantrpicas. Muitas procuram assegurar que as necessidades e servios essenciais tais como educao de qualidade, assistncia sade adequada, desenvolvimento saudvel de crianas estejam disponveis para todos de forma equitativa. As prioridades de outras so orientadas geograficamente, procurando melhorar a vida das pessoas de uma comunidade ou regio especfica. Outras, ainda, tm o foco voltado preservao, melhoria e promoo da herana cultural impar de seus pases.

    Grfico 3: Prioridades filantrpicas individuais (% dos que responderam a pesquisa, n=73)

    Educao primria e secundria/ fundamental e mdia

    Arte e cultura

    Sade

    Educao superior

    Comunidade e desenvolvimento econmico

    Desenvolvimento do jovem

    Ambiente e energia

    Empreendedorismo social

    Bem estar social

    Religio

    Segurana dos alimentos/agricultura

    Direitos humanos

    Cincia e tecnologia

    Assistncia em desastres

    Esportes e recreao

    Paz/resoluo de conflitos

    Assuntos internacionais/globais

    Outras

    0 10 20 30 40 50 60 70 80

    70

    37

    33

    32

    32

    25

    22

    21

    15

    14

    14

    12

    12

    12

    8

    5

    0

    10

  • 34 Da Prosperidade ao Propsito

    Enquanto a amplitude das prioridades e propsitos grande e diversa, as prioridades mais elevadas para este grupo de filantropos e investidores sociais renem-se em um conjunto razoavelmente estreito de questes. Dentro e entre os pases, a principal prioridade , de longe, melhorar a educao primria e secundria. Entre os participantes da pesquisa, 70% apontaram a educao como sua prioridade mxima e, entre as pessoas entrevistadas, a maioria descreveu seu compromisso em abordar os desafios educacionais em seus pases. Entre os participantes da pesquisa, mais da metade disseram que suas doaes eram altamente focadas, concentrando-se em um conjunto restrito de questes ou reas geogrficas; outros 38% descreveram suas doaes como algo focadas, concentradas em um limitado nmero de questes e/ou reas geogrficas.

    A segunda maior prior