7
37 SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 #202 / DOMINGO, 12 DE FEVEREIRO DE 2012 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE MILTON MOURA COMIDA ENERGÉTICA MÁSCARAS KEKA ALMEIDA MEXICANO « Pipoca MO DER NA Grandes estrelas baixam as cordas e tocam para o folião com o apoio de poderosos patrocínios

Pipoca Moderna

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Reportagem sobre o fortalecimento do carnaval sem cordas em Salvador

Citation preview

Page 1: Pipoca Moderna

36 SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 37SALVADOR DOMINGO 12/2/2012

#202 / DOMINGO, 12 DE FEVEREIRO DE 2012REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE

MILTON MOURA COMIDA ENERGÉTICA MÁSCARAS KEKA ALMEIDA MEXICANO «

Pipoca

MODERNA

Grandes estrelas baixamas cordas e tocam para ofolião com o apoio depoderosos patrocínios

IBBI

Page 2: Pipoca Moderna

18 SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 19SALVADOR DOMINGO 12/2/2012

QUE BLOCOÉ ESTE?

Texto TATIANA MENDONÇA [email protected]ções BRUNO AZIZ [email protected]

Chiclete e Timbalada resolverambaixar as cordas, graças apoderosos patrocínios. Danielafoi a pioneira, seguida porBrown e Saulo. A iniciativasinaliza um novo modeloempresarial no Carnaval

Quem vem de longe com

olhos estrangeiros há de

seespantarcomasfaixas

azuis que se estendem

por certas ruas de Salva-

dor, solenemente igno-

radas por motoristas e pedestres. Só no

Carnaval ganham sentido, mostrando co-

mo a lógica da segregação increveu-se na

cidade. Por ali devem passar os cordeiros

que separam os pagantes da pipoca, mas

há esperanças de que não seja para sem-

pre (só) assim.

Este ano, por variadas razões, artistas

famosos e endinheirados resolveram bai-

xarascordasetocarindistintamenteparao

“povão”. Na quinta, 16, abrindo o Carna-

val,oChicletecomBananaapresenta-sede

graça. No domingo, é a vez da Timbalada e

de Carlinhos Brown, seguidos por Tuca Fer-

nandes, na segunda, e pela Banda Eva, na

terça.TodosvãodesfilarnoCircuitoOsmar,

no Campo Grande, com o discurso de re-

vitalizar o percurso tradicional da festa.

O movimento foi iniciado no ano passa-

do por Saulo Fernandes, vocalista da Ban-

da Eva, numa ação promocional em come-

moração aos 30 anos do bloco. A iniciativa

deu tão certo que este ano ele repete a do-

se,alémdeter inspiradooscolegaseaque-

les que comandam a festa. Os convites pa-

ra que Carlinhos Brown, Timbalada e Tuca

Fernandessaíssemsemcordaspartiramdi-

retamente da Saltur (Salvador Turismo),

presidida por Cláudio Tinoco.

Para dar uma visão “histórica” do pro-

cesso,Tinococontaquedepoisdeanosten-

tando fortalecer a Avenida com trios inde-

pendentes sem “atrativos suficientes para

trazer o folião de volta”, percebeu, com a

PipocadoEva,queoimportanteera“apos-

tar tudo” em grandes bandas. “Como esse

movimento foi bacana, ajudou muito num

fator que não depende da gente, que é a

disposição e a motivação dos artistas”.

Pelo acordo inicial, a prefeitura entra

com a reserva de um bom lugar na fila de

desfiles e cabe aos grupos buscar recursos

para botar os trios na rua. A princípio, só o

Chiclete com Banana tinha patrocínio ga-

rantido. A Skol armou uma pomposa cole-

tiva de imprensa para anunciar o feito. O

TrioSkolFolia foialardeadocomoum“pre-

sente sensacional” para a cidade.

Na praça Castro Alves, Bell Marques irá

encontrar a banda dos filhos, a Oito7No-

ve4, para “resgatar” os antigos encontros

Page 3: Pipoca Moderna

18 SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 19SALVADOR DOMINGO 12/2/2012

QUE BLOCOÉ ESTE?

Texto TATIANA MENDONÇA [email protected]ções BRUNO AZIZ [email protected]

Chiclete e Timbalada resolverambaixar as cordas, graças apoderosos patrocínios. Danielafoi a pioneira, seguida porBrown e Saulo. A iniciativasinaliza um novo modeloempresarial no Carnaval

Quem vem de longe com

olhos estrangeiros há de

seespantarcomasfaixas

azuis que se estendem

por certas ruas de Salva-

dor, solenemente igno-

radas por motoristas e pedestres. Só no

Carnaval ganham sentido, mostrando co-

mo a lógica da segregação increveu-se na

cidade. Por ali devem passar os cordeiros

que separam os pagantes da pipoca, mas

há esperanças de que não seja para sem-

pre (só) assim.

Este ano, por variadas razões, artistas

famosos e endinheirados resolveram bai-

xarascordasetocarindistintamenteparao

“povão”. Na quinta, 16, abrindo o Carna-

val,oChicletecomBananaapresenta-sede

graça. No domingo, é a vez da Timbalada e

de Carlinhos Brown, seguidos por Tuca Fer-

nandes, na segunda, e pela Banda Eva, na

terça.TodosvãodesfilarnoCircuitoOsmar,

no Campo Grande, com o discurso de re-

vitalizar o percurso tradicional da festa.

O movimento foi iniciado no ano passa-

do por Saulo Fernandes, vocalista da Ban-

da Eva, numa ação promocional em come-

moração aos 30 anos do bloco. A iniciativa

deu tão certo que este ano ele repete a do-

se,alémdeter inspiradooscolegaseaque-

les que comandam a festa. Os convites pa-

ra que Carlinhos Brown, Timbalada e Tuca

Fernandessaíssemsemcordaspartiramdi-

retamente da Saltur (Salvador Turismo),

presidida por Cláudio Tinoco.

Para dar uma visão “histórica” do pro-

cesso,Tinococontaquedepoisdeanosten-

tando fortalecer a Avenida com trios inde-

pendentes sem “atrativos suficientes para

trazer o folião de volta”, percebeu, com a

PipocadoEva,queoimportanteera“apos-

tar tudo” em grandes bandas. “Como esse

movimento foi bacana, ajudou muito num

fator que não depende da gente, que é a

disposição e a motivação dos artistas”.

Pelo acordo inicial, a prefeitura entra

com a reserva de um bom lugar na fila de

desfiles e cabe aos grupos buscar recursos

para botar os trios na rua. A princípio, só o

Chiclete com Banana tinha patrocínio ga-

rantido. A Skol armou uma pomposa cole-

tiva de imprensa para anunciar o feito. O

TrioSkolFolia foialardeadocomoum“pre-

sente sensacional” para a cidade.

Na praça Castro Alves, Bell Marques irá

encontrar a banda dos filhos, a Oito7No-

ve4, para “resgatar” os antigos encontros

Page 4: Pipoca Moderna

20 SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 21SALVADOR DOMINGO 12/2/2012

de trio. No evento, Bell parecia mais emo-

cionado com a possibilidade de tocar com

os rebentos do que com o arriamento das

cordas. “Esse encontro vai ser um momen-

to único na história da música baiana”, dis-

se,emendandoqueporviadasdúvidasiria

levar um médico para a Avenida.

Desde 1991, o Chiclete com Banana es-

tá à frente do Bloco Camaleão, o mais caro

do Carnaval baiano – neste ano, o abadá

custaR$840porumúnicodia.Detodomo-

do, não será a primeira vez que o Chiclete

sairá sem cordas no Carnaval. Bell garante

que a história da banda é “baseada em to-

car para o povo”. “Quando a gente chega-

va na Casa de Itália, sempre baixava as cor-

das e ficava tocando para o povão. O que

acontece é que o Carnaval cresceu tanto

que se a gente fosse fazer isso hoje, só ia

acabar no outro dia de manhã”, ri. “Agora

vai ser um delírio total”.

Uma semana depois da coletiva, a Skol

anunciou, por e-mail, que o cantor Tuca

Fernandes, que pela primeira vez em sua

carreiradesfilarásemcordas, tambémserá

patrocinado pela marca de cerveja. O valor

pago para dar os tais presentes não foi re-

velado, apesar da nossa insistência, mas

pode fortalecer um incipiente modelo de

negócio carnavalesco – o dos trios inde-

pendentes, com artistas consagrados, que

saem bancados por grandes marcas.

Nesse sentido, o caso de Daniela Mer-

cury é emblemático. A artista sai pelo me-

nosumdiasemcordasdesdeoCarnavalde

1999. Este ano, prepara-se para seu 14º

desfile independente.EmentrevistaaMui-

to, contou que pagou caro pelo pioneiris-

mo. “Os departamentos de marketing das

empresas não estavam habituados a esse

tipodepatrocínio.Muitasvezes,saíapenas

pagando os custos, sem receber cachê.

Nunca desisti porque acho fundamental

dar essa opção para quem não pode ou

não quer sair em bloco”.

ÓPERA E PIANO NO TRIONos últimos anos, Daniela conseguiu

um patrocinador “fiel” para bancar o seu

trio sem cordas, mas ainda é difícil fechar

todas as contas, justamente porque “a

maioria das marcas prefere se associar às

classes médias dos blocos do que ao po-

vão”. Apesar dos percalços, ela segue ani-

mandosuapipocaeénotrioindependente

que mais ousa. Foi neste palco democrá-

tico que levou a música eletrônica e até um

piano de cauda para o Carnaval. Este ano,

ela promete encenar uma Ópera Popular

em cima do caminhão.

Acantoraestáanimadacomaiminência

demaisartistas juntando-seacausa.“Acho

maravilhoso, porque é uma forma de ofe-

recer às pessoas um espetáculo completa-

mente livre. Ouvi muito que os empresá-

rios tinham medo de sair sem cordas e com

isso reduzir a venda dos abadás. No meu

caso, o público do Crocodilo nunca aban-

donou o bloco. Acho que era mais um mito

do que um risco concreto. Talvez isso esteja

mais claro para o mercado agora”.

Outro artista que defende os trios inde-

pendentes com um discurso político con-

tundente é Carlinhos Brown. Em 2006, nu-

ma madrugada de Carnaval, ele passou

em frente ao camarote do então ministro

Gilberto Gil, e pediu providências para aca-

bar com o “apartheid escroto” da festa. No

ano seguinte, declarou à agência Reuters

que as cordas eram “desnecessárias” e tra-

ziam “resquícios de navio negreiro”.

Desde 1994, Brown sai sem cordas no

Arrastão da Quarta-feira de Cinzas e em

2003deuvidaaoCamaroteAndante,mas,

assim como Daniela, enfrenta percalços

para botar os trios na rua. “Existem patro-

cinadores e apoiadores que chegam no

Carnaval com a estratégia clara de associar

a marca com iniciativas independentes,

mais populares. Infelizmente, ainda são

poucos com esse pensamento”.

CORDAS, SÓ AS VOCAISApesar da declaração de que as cordas

eram “desnecessárias”, a Timbalada, cria-

da por Brown em 1992, continua a desfilar

como um bloco de trio, do mesmo modo

que Daniela Mercury persiste como atra-

ção do Bloco Crocodilo, apesar de já ter es-

palhado outdoors pela cidade exaltando

que “cordas, só as vocais”. O ‘radicalismo’

parece ser, nesse momento, uma opção

econômica ainda inexeqüível. “Se colocar-

mos no papel todo o custo de produção pa-

ra sair nas ruas, o projeto fica quase inviá-

vel. Tudo triplica no Carnaval: aluguel de

trio ou manutenção, cachês, engenharia

de som...”, explica Brown.

André Silveira, um dos sócios do bloco

Eva, junta-se ao coro. “Infelizmente, é im-

possível fazer todos os dias sem cordas”.

Ele admite que assim seria até menos tra-

balhosoemaisprazeroso,porqueo“maior

problema” é justamente coordenar a ope-

ração que envolve os cordeiros. “Eles não

são funcionários nossos, é um trabalho

muito difícil... Mas é o modelo que ainda

consegue viabilizar as atrações. Qual é a

outra opção? É patrocínio ou poder públi-

co. Não acho que dinheiro público deva ser

gasto dessa maneira, não tem sentido. Os

patrocínios cresceram com a maior visibi-

lidade do Carnaval, mas ainda não cobrem

todos os custos”.

No ano passado, a Pipoca do Eva des-

filou com os mesmos patrocinadores do

bloco, mas a renda gerada pela venda dos

abadás não foi coberto pelas empresas.

“Não conseguimos esse plus. Para este

ano, fizemos um projeto específico para a

terça-feira e acho que vamos conseguir

captar, porque a repercussão foi muito

boa”. Ele se apressa a dizer, no entanto,

que a ideia não é ganhar dinheiro. “Se fos-

se para pensar na parte financeira, o mais

fácil seria manter o bloco. A grande cam-

panha do Eva é o fortalecimento da Ave-

nida, que é o coração do Carnaval. Toma-

mos a decisão de diminuir uma pequena

parte da receita e graças a Deus estamos

sendo seguidos por outros grupos”.

O empresário Joaquim Nery, um dos só-

cios fundadores do Camaleão e diretor da

Central do Carnaval, que comercializa 26

blocos e 11 camarotes, estava presente na

coletiva da Skol que anunciou a saída do

Chiclete para o povão, mas tratou a inicia-

tiva como algo pontual. ”O Carnaval é plu-

ral. Essa possibilidade é um reforço que en-

Page 5: Pipoca Moderna

20 SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 21SALVADOR DOMINGO 12/2/2012

de trio. No evento, Bell parecia mais emo-

cionado com a possibilidade de tocar com

os rebentos do que com o arriamento das

cordas. “Esse encontro vai ser um momen-

to único na história da música baiana”, dis-

se,emendandoqueporviadasdúvidasiria

levar um médico para a Avenida.

Desde 1991, o Chiclete com Banana es-

tá à frente do Bloco Camaleão, o mais caro

do Carnaval baiano – neste ano, o abadá

custaR$840porumúnicodia.Detodomo-

do, não será a primeira vez que o Chiclete

sairá sem cordas no Carnaval. Bell garante

que a história da banda é “baseada em to-

car para o povo”. “Quando a gente chega-

va na Casa de Itália, sempre baixava as cor-

das e ficava tocando para o povão. O que

acontece é que o Carnaval cresceu tanto

que se a gente fosse fazer isso hoje, só ia

acabar no outro dia de manhã”, ri. “Agora

vai ser um delírio total”.

Uma semana depois da coletiva, a Skol

anunciou, por e-mail, que o cantor Tuca

Fernandes, que pela primeira vez em sua

carreiradesfilarásemcordas, tambémserá

patrocinado pela marca de cerveja. O valor

pago para dar os tais presentes não foi re-

velado, apesar da nossa insistência, mas

pode fortalecer um incipiente modelo de

negócio carnavalesco – o dos trios inde-

pendentes, com artistas consagrados, que

saem bancados por grandes marcas.

Nesse sentido, o caso de Daniela Mer-

cury é emblemático. A artista sai pelo me-

nosumdiasemcordasdesdeoCarnavalde

1999. Este ano, prepara-se para seu 14º

desfile independente.EmentrevistaaMui-

to, contou que pagou caro pelo pioneiris-

mo. “Os departamentos de marketing das

empresas não estavam habituados a esse

tipodepatrocínio.Muitasvezes,saíapenas

pagando os custos, sem receber cachê.

Nunca desisti porque acho fundamental

dar essa opção para quem não pode ou

não quer sair em bloco”.

ÓPERA E PIANO NO TRIONos últimos anos, Daniela conseguiu

um patrocinador “fiel” para bancar o seu

trio sem cordas, mas ainda é difícil fechar

todas as contas, justamente porque “a

maioria das marcas prefere se associar às

classes médias dos blocos do que ao po-

vão”. Apesar dos percalços, ela segue ani-

mandosuapipocaeénotrioindependente

que mais ousa. Foi neste palco democrá-

tico que levou a música eletrônica e até um

piano de cauda para o Carnaval. Este ano,

ela promete encenar uma Ópera Popular

em cima do caminhão.

Acantoraestáanimadacomaiminência

demaisartistas juntando-seacausa.“Acho

maravilhoso, porque é uma forma de ofe-

recer às pessoas um espetáculo completa-

mente livre. Ouvi muito que os empresá-

rios tinham medo de sair sem cordas e com

isso reduzir a venda dos abadás. No meu

caso, o público do Crocodilo nunca aban-

donou o bloco. Acho que era mais um mito

do que um risco concreto. Talvez isso esteja

mais claro para o mercado agora”.

Outro artista que defende os trios inde-

pendentes com um discurso político con-

tundente é Carlinhos Brown. Em 2006, nu-

ma madrugada de Carnaval, ele passou

em frente ao camarote do então ministro

Gilberto Gil, e pediu providências para aca-

bar com o “apartheid escroto” da festa. No

ano seguinte, declarou à agência Reuters

que as cordas eram “desnecessárias” e tra-

ziam “resquícios de navio negreiro”.

Desde 1994, Brown sai sem cordas no

Arrastão da Quarta-feira de Cinzas e em

2003deuvidaaoCamaroteAndante,mas,

assim como Daniela, enfrenta percalços

para botar os trios na rua. “Existem patro-

cinadores e apoiadores que chegam no

Carnaval com a estratégia clara de associar

a marca com iniciativas independentes,

mais populares. Infelizmente, ainda são

poucos com esse pensamento”.

CORDAS, SÓ AS VOCAISApesar da declaração de que as cordas

eram “desnecessárias”, a Timbalada, cria-

da por Brown em 1992, continua a desfilar

como um bloco de trio, do mesmo modo

que Daniela Mercury persiste como atra-

ção do Bloco Crocodilo, apesar de já ter es-

palhado outdoors pela cidade exaltando

que “cordas, só as vocais”. O ‘radicalismo’

parece ser, nesse momento, uma opção

econômica ainda inexeqüível. “Se colocar-

mos no papel todo o custo de produção pa-

ra sair nas ruas, o projeto fica quase inviá-

vel. Tudo triplica no Carnaval: aluguel de

trio ou manutenção, cachês, engenharia

de som...”, explica Brown.

André Silveira, um dos sócios do bloco

Eva, junta-se ao coro. “Infelizmente, é im-

possível fazer todos os dias sem cordas”.

Ele admite que assim seria até menos tra-

balhosoemaisprazeroso,porqueo“maior

problema” é justamente coordenar a ope-

ração que envolve os cordeiros. “Eles não

são funcionários nossos, é um trabalho

muito difícil... Mas é o modelo que ainda

consegue viabilizar as atrações. Qual é a

outra opção? É patrocínio ou poder públi-

co. Não acho que dinheiro público deva ser

gasto dessa maneira, não tem sentido. Os

patrocínios cresceram com a maior visibi-

lidade do Carnaval, mas ainda não cobrem

todos os custos”.

No ano passado, a Pipoca do Eva des-

filou com os mesmos patrocinadores do

bloco, mas a renda gerada pela venda dos

abadás não foi coberto pelas empresas.

“Não conseguimos esse plus. Para este

ano, fizemos um projeto específico para a

terça-feira e acho que vamos conseguir

captar, porque a repercussão foi muito

boa”. Ele se apressa a dizer, no entanto,

que a ideia não é ganhar dinheiro. “Se fos-

se para pensar na parte financeira, o mais

fácil seria manter o bloco. A grande cam-

panha do Eva é o fortalecimento da Ave-

nida, que é o coração do Carnaval. Toma-

mos a decisão de diminuir uma pequena

parte da receita e graças a Deus estamos

sendo seguidos por outros grupos”.

O empresário Joaquim Nery, um dos só-

cios fundadores do Camaleão e diretor da

Central do Carnaval, que comercializa 26

blocos e 11 camarotes, estava presente na

coletiva da Skol que anunciou a saída do

Chiclete para o povão, mas tratou a inicia-

tiva como algo pontual. ”O Carnaval é plu-

ral. Essa possibilidade é um reforço que en-

Page 6: Pipoca Moderna

22 SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 23SALVADOR DOMINGO 12/2/2012

grandece a festa, mas não significa que as

cordas vão acabar, porque para isso seria

preciso um investimento muito grande por

parte dos patrocinadores. Nos grandes

blocos, os abadás representam de 50 a

60% do faturamento”.

CORDÃO DE BATUCADAAos puristas e adjacentes, eis uma infor-

mação um tanto desalentadora. O Carna-

val da Bahia sempre teve cordas. Mas se

elas eram antes um elemento agregador,

transformaram-se, nas últimas décadas,

em símbolo da segregação. O professor

Paulo Miguez, que estuda a festa há quase

20 anos, atesta que as cordas não são uma

invenção do mercado. “O cordão era exa-

tamente um grande bloco, uma batucada

que cresceu muito, se organizou, e para o

desfile você punha a corda, justamente pa-

ra garantir alguma uniformidade”.

Até mesmo os blocos com espírito co-

munitário, que juntavam vizinhos de um

mesmo bairro, tinham corda. Com o sur-

gimento dos grandes blocos, como Os In-

ternacionais, de 1962, é que elas se trans-

formaram no esteio que separa pagantes

de não pagantes. “O problema não é exa-

tamenteacorda,masoqueelaproduzcom

o significado que tem hoje”.

A notícia de que grandes estrelas vão

desfilar sem cordas é bem recebida por Mi-

guez, mas com algumas importantes res-

salvas. Para ele, a questão central é reor-

ganizar a lógica dos desfiles. “O Carnaval é

a mais importante manifestação do patri-

mônio imaterial da cultura baiana e, des-

graçadamente, vem sendo cuidado como

se fora apenas um fato de mercado. A or-

dem da fila obedece exclusivamente a in-

teresses empresariais, que empurram pa-

ra determinados horários verdadeiros mo-

numentos, como os afoxés e o Trio Elétrico

de Armandinho, Dodô e Osmar”.

E não vá lhe falar dessa história de que

saem primeiro os blocos mais antigos,

mesmo porque alguém ainda acredita nis-

so? “É uma mentira, um desrespeito. Se

fosse assim, quem desfilaria primeiro seria

oMudançadoGarcia,queédosanos1930,

e, depois, o Filhos de Gandhy, que é de

1949”. Para o professor, bonito seria o dia

em que critérios culturais ditassem a or-

dem da fila, e aí poderíamos ver os blocos

de trio, os blocos afro, os afoxés, os trios

independentes e os blocos de travestidos

revezando-se na Avenida. “Uma das per-

versidades que esse mercado desregulado

provocou é o empobrecimento plástico da

festa”.

O que, em última instância, prejudica

atémesmoonegócio.“Nãosepodeterna-

da contra o Carnaval ter produzido um

grande mercado, mas o mercado tem que

estar subordinado ao Carnaval, e não o

contrário.Domesmomodo,asgrandeses-

trelasprecisamentenderquefoioCarnaval

que os fez grandes, não foram eles que fi-

zeramdoCarnavalumagrandefesta.Essas

inversões precisam ser enfrentadas com

governança democrática e transparente”.

Nessepontodaconversa,éinevitávelfa-

lar do Conselho Municipal do Carnaval,

que, na visão de Miguez, é “uma farsa”. “O

Conselho é formado por uma série de ins-

tituições que nem existem mais. Não tem

legitimidade para organizar a festa”.

Em outubro do ano passado, o Carnaval

de Salvador foi lançado em São Paulo (!)

para jornalistas e patrocinadores. Na oca-

sião, o prefeito João Henrique declarou

que seria “inimaginável” intervir no mode-

lo da festa por ela ser “espontânea”. “Ela

aconteceriasozinha,semopoderpúblico”,

disse ao Terra Magazine. Miguez rebate:

“Não há nada que tenha um grau de es-

pontaneidade que impeça a prefeitura de

disciplinar. O prefeito há alguns anos fez

um apelo aos artistas para que não aban-

donassem o circuito do Campo Grande.

Quem determina onde os blocos vão sair?

É o mercado ou ele, que tem mandato pú-

blico para tomar conta do espaço?”

Mas se estamos na mão do mercado,

pode-se pensar num modelo de negócio

mais democrático? “Tem uma coisa genial

nisso tudo, o Carnaval é uma festa com

uma capacidade de produzir soluções im-

pressionante. Tá na medida inversa da in-

competência dos gestores que cuidam de-

la. Sempre foi assim. O trio elétrico foi um

meio que o povo da Bahia encontrou para

produzir alegria. Esse projeto dos trios sem

corda é interessante, mas não sei como vai

experimentar desdobramentos. A lógica

dos blocos é muito forte”.

A pesquisa Carnaval 2010: Comporta-

mento dos Residentes de Salvador na Festa

e suas Práticas Culturais, divulgada no ano

passado pela Secretaria Estadual de Cultu-

ra, mostrou que a maioria dos soteropo-

litanos (77,9%) não tirou o pé de casa para

ir brincar Carnaval. O dado é próximo ao

registrado nas edições anteriores do estu-

do: 79,1% em 2008 e 77,0% em 2009. Dos

que vão até os circuitos, a maioria (58,9%)

é folião pipoca. Só 15,6% saem em blocos

de trio e 11% vão para camarotes.

O MANUAL DO JACUHaviaumblocoquenãotinhacordapor-

que tinha coração. Esse era o singelo slo-

gandoJacu,criadoem1964.Ocompositor

e poeta Walter Queiroz era um dos respon-

sáveis por dar-lhe alma. “Era uma equação

muito simples. Não tinha nada de melhor

nem pior, apenas não separava. O que a

gente prezava era justamente o pé no

chão. Todo mundo igual”.

OJacudesfiloupor impagáveis20anos.

Acabou porque os espaços diminuíram e o

barulho que vinha dos trios venceu os so-

pros da bandinha que animava os foliões.

Insistente, Walter ainda ajudou a criar o

Chegando Bonito – Associação Etílica, Sen-

timental e Carnavalesca, que sobreviveu

por 18 anos. Por ter memória e por ser um

apaixonado pelo Carnaval de Salvador, ele

reclama, e muito, do modelo que a festa

assumiu. Mas vê saída se três condições fo-

rem cumpridas. Abre aspas:

1. Que o povo de Salvador proteste

quantoàagressãoqueessemodelodeCar-

naval comete contra a cidade.

2. Que o Ministério Público do Trabalho

atueparaacabarcomabsurdoscomoains-

tituição dos cordeiros, que ferem o direito

administrativo quando são guindados à

condição de parapoliciais.

3.Queopoderpúblicotomeconsciência

de que não pode continuar concordando

com a usurpação do espaço público pelos

blocos de trio, que transformaram o Car-

naval de Salvador num balcão de negócios

para a auferição de lucros, com o lamen-

tável apoio de artistas outrora compromis-

sados com a causa popular.

“Vai ser caco para todo lado, mas essa é

minha obrigação moral”, diz, indo de um

lado a outro da sala do seu apartamento.

ParaWalter,omodeloatualdoCarnaval

fortalece o “rancor social” e “liquida os va-

lores eternos da folia”, como a música, a

cordialidade, a fantasia, a diversidade.

“Tudo isso fez do Carnaval de Salvador o

maior do mundo. Hoje está falido. É uma

festa feita para turistas entediados. Agora,

vejo quase como numa bola de cristal que

mais cedo ou mais tarde os blocos vão en-

contrar pra eles um lugar num sambódro-

mo, brincar com seus próprios umbigos e

deixar o Carnaval em paz”.

Para levar a frente seu intento, Walter

escreveu um “utópico e poético” manifes-

to: Carnaval sem corda, você concorda? /

Corda não é cordial / Acorda, acorda Bahia

/ A corda nos separa em pleno Carnaval «

«As grandes estrelas precisam entender que foio Carnaval que os fez grandes, não foram elesque fizeram do Carnaval uma grande festa»Paulo Miguez, historiador

Page 7: Pipoca Moderna

22 SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 23SALVADOR DOMINGO 12/2/2012

grandece a festa, mas não significa que as

cordas vão acabar, porque para isso seria

preciso um investimento muito grande por

parte dos patrocinadores. Nos grandes

blocos, os abadás representam de 50 a

60% do faturamento”.

CORDÃO DE BATUCADAAos puristas e adjacentes, eis uma infor-

mação um tanto desalentadora. O Carna-

val da Bahia sempre teve cordas. Mas se

elas eram antes um elemento agregador,

transformaram-se, nas últimas décadas,

em símbolo da segregação. O professor

Paulo Miguez, que estuda a festa há quase

20 anos, atesta que as cordas não são uma

invenção do mercado. “O cordão era exa-

tamente um grande bloco, uma batucada

que cresceu muito, se organizou, e para o

desfile você punha a corda, justamente pa-

ra garantir alguma uniformidade”.

Até mesmo os blocos com espírito co-

munitário, que juntavam vizinhos de um

mesmo bairro, tinham corda. Com o sur-

gimento dos grandes blocos, como Os In-

ternacionais, de 1962, é que elas se trans-

formaram no esteio que separa pagantes

de não pagantes. “O problema não é exa-

tamenteacorda,masoqueelaproduzcom

o significado que tem hoje”.

A notícia de que grandes estrelas vão

desfilar sem cordas é bem recebida por Mi-

guez, mas com algumas importantes res-

salvas. Para ele, a questão central é reor-

ganizar a lógica dos desfiles. “O Carnaval é

a mais importante manifestação do patri-

mônio imaterial da cultura baiana e, des-

graçadamente, vem sendo cuidado como

se fora apenas um fato de mercado. A or-

dem da fila obedece exclusivamente a in-

teresses empresariais, que empurram pa-

ra determinados horários verdadeiros mo-

numentos, como os afoxés e o Trio Elétrico

de Armandinho, Dodô e Osmar”.

E não vá lhe falar dessa história de que

saem primeiro os blocos mais antigos,

mesmo porque alguém ainda acredita nis-

so? “É uma mentira, um desrespeito. Se

fosse assim, quem desfilaria primeiro seria

oMudançadoGarcia,queédosanos1930,

e, depois, o Filhos de Gandhy, que é de

1949”. Para o professor, bonito seria o dia

em que critérios culturais ditassem a or-

dem da fila, e aí poderíamos ver os blocos

de trio, os blocos afro, os afoxés, os trios

independentes e os blocos de travestidos

revezando-se na Avenida. “Uma das per-

versidades que esse mercado desregulado

provocou é o empobrecimento plástico da

festa”.

O que, em última instância, prejudica

atémesmoonegócio.“Nãosepodeterna-

da contra o Carnaval ter produzido um

grande mercado, mas o mercado tem que

estar subordinado ao Carnaval, e não o

contrário.Domesmomodo,asgrandeses-

trelasprecisamentenderquefoioCarnaval

que os fez grandes, não foram eles que fi-

zeramdoCarnavalumagrandefesta.Essas

inversões precisam ser enfrentadas com

governança democrática e transparente”.

Nessepontodaconversa,éinevitávelfa-

lar do Conselho Municipal do Carnaval,

que, na visão de Miguez, é “uma farsa”. “O

Conselho é formado por uma série de ins-

tituições que nem existem mais. Não tem

legitimidade para organizar a festa”.

Em outubro do ano passado, o Carnaval

de Salvador foi lançado em São Paulo (!)

para jornalistas e patrocinadores. Na oca-

sião, o prefeito João Henrique declarou

que seria “inimaginável” intervir no mode-

lo da festa por ela ser “espontânea”. “Ela

aconteceriasozinha,semopoderpúblico”,

disse ao Terra Magazine. Miguez rebate:

“Não há nada que tenha um grau de es-

pontaneidade que impeça a prefeitura de

disciplinar. O prefeito há alguns anos fez

um apelo aos artistas para que não aban-

donassem o circuito do Campo Grande.

Quem determina onde os blocos vão sair?

É o mercado ou ele, que tem mandato pú-

blico para tomar conta do espaço?”

Mas se estamos na mão do mercado,

pode-se pensar num modelo de negócio

mais democrático? “Tem uma coisa genial

nisso tudo, o Carnaval é uma festa com

uma capacidade de produzir soluções im-

pressionante. Tá na medida inversa da in-

competência dos gestores que cuidam de-

la. Sempre foi assim. O trio elétrico foi um

meio que o povo da Bahia encontrou para

produzir alegria. Esse projeto dos trios sem

corda é interessante, mas não sei como vai

experimentar desdobramentos. A lógica

dos blocos é muito forte”.

A pesquisa Carnaval 2010: Comporta-

mento dos Residentes de Salvador na Festa

e suas Práticas Culturais, divulgada no ano

passado pela Secretaria Estadual de Cultu-

ra, mostrou que a maioria dos soteropo-

litanos (77,9%) não tirou o pé de casa para

ir brincar Carnaval. O dado é próximo ao

registrado nas edições anteriores do estu-

do: 79,1% em 2008 e 77,0% em 2009. Dos

que vão até os circuitos, a maioria (58,9%)

é folião pipoca. Só 15,6% saem em blocos

de trio e 11% vão para camarotes.

O MANUAL DO JACUHaviaumblocoquenãotinhacordapor-

que tinha coração. Esse era o singelo slo-

gandoJacu,criadoem1964.Ocompositor

e poeta Walter Queiroz era um dos respon-

sáveis por dar-lhe alma. “Era uma equação

muito simples. Não tinha nada de melhor

nem pior, apenas não separava. O que a

gente prezava era justamente o pé no

chão. Todo mundo igual”.

OJacudesfiloupor impagáveis20anos.

Acabou porque os espaços diminuíram e o

barulho que vinha dos trios venceu os so-

pros da bandinha que animava os foliões.

Insistente, Walter ainda ajudou a criar o

Chegando Bonito – Associação Etílica, Sen-

timental e Carnavalesca, que sobreviveu

por 18 anos. Por ter memória e por ser um

apaixonado pelo Carnaval de Salvador, ele

reclama, e muito, do modelo que a festa

assumiu. Mas vê saída se três condições fo-

rem cumpridas. Abre aspas:

1. Que o povo de Salvador proteste

quantoàagressãoqueessemodelodeCar-

naval comete contra a cidade.

2. Que o Ministério Público do Trabalho

atueparaacabarcomabsurdoscomoains-

tituição dos cordeiros, que ferem o direito

administrativo quando são guindados à

condição de parapoliciais.

3.Queopoderpúblicotomeconsciência

de que não pode continuar concordando

com a usurpação do espaço público pelos

blocos de trio, que transformaram o Car-

naval de Salvador num balcão de negócios

para a auferição de lucros, com o lamen-

tável apoio de artistas outrora compromis-

sados com a causa popular.

“Vai ser caco para todo lado, mas essa é

minha obrigação moral”, diz, indo de um

lado a outro da sala do seu apartamento.

ParaWalter,omodeloatualdoCarnaval

fortalece o “rancor social” e “liquida os va-

lores eternos da folia”, como a música, a

cordialidade, a fantasia, a diversidade.

“Tudo isso fez do Carnaval de Salvador o

maior do mundo. Hoje está falido. É uma

festa feita para turistas entediados. Agora,

vejo quase como numa bola de cristal que

mais cedo ou mais tarde os blocos vão en-

contrar pra eles um lugar num sambódro-

mo, brincar com seus próprios umbigos e

deixar o Carnaval em paz”.

Para levar a frente seu intento, Walter

escreveu um “utópico e poético” manifes-

to: Carnaval sem corda, você concorda? /

Corda não é cordial / Acorda, acorda Bahia

/ A corda nos separa em pleno Carnaval «

«As grandes estrelas precisam entender que foio Carnaval que os fez grandes, não foram elesque fizeram do Carnaval uma grande festa»Paulo Miguez, historiador