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A GRANJA | 61
SPD: os resultadosde experimentos a
LONGO PRAZO
PLANTIO DIRETO
Tiago Stumpf da Silva, Michael Mazurana, Getulio Coutinho Figueiredo, Renato Levien e Raul Schmidt, do Grupo de Pesquisa de Física do Solo,Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs)
U m povo que não conhece a suahistória está condenado a repeti--la.” Essa célebre frase de Edmund
Burke se aplica também quando o assuntoé solos? A resposta é sim. A evolução nossistemas de preparo de solo e manejo deculturas nos levou ao cenário atual da agri-cultura conservacionista, com a generali-zação do termo sistema plantio dire-to (SPD). É inegável, e de amploconhecimento, a importante contribuiçãodessa técnica como ferramenta para aredução da erosão hídrica, melhoria dafertilidade do solo, aumento da capacidadeoperacional de conjuntos mecanizados etc.E, se bem aplicado, ocorrem melhoriassignificativas da estrutura física do solo,com aumento da capacidade de infiltração,retenção e redistribuição de água no solo edeste para as plantas, redução na emissãode gases do efeito estufa e aumento no se-questro de carbono em nível mundial.
Entretanto, a propagação de seu usovem deixando lacunas importantes quecolocam em xeque seus benefícios. Essaslacunas, ao nosso entendimento, têmpassado pela não compreensão por partede uma grande maioria de produtores (e,
""""" por vezes, de técnicos) do quesignifica a palavra sistema nocontexto do plantio direto e da im-portância de se conhecer o histó-rico de uso e manejo da área nopassado.
Efeitos a longo prazo — Ex-perimentos de longa duração comadoção do SPD no Brasil têm de-monstrado os efeitos de como ohistórico de uso e manejo de di-ferentes áreas imprimem respos-tas sobre a estrutura física do soloe o rendimento de culturas. Re-sultados em solos argilosos mos-tram que, quando há adoção doSPD em sua essência, os pri-meiros quatro anos posteriores àprodutividade da soja, por exem-
A propagação do uso doplantio direto vemdeixando lacunasimportantes entre
produtores e até técnicos,que colocam em xeque
seus benefícios
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PLANTIO DIRETO
plo, tem sido similar ou até mesmo inferiorà obtida em preparo convencional, mas,depois do quinto ano, a produtividade temsido superior (pode haver variação emfunção do tipo de solo, das condições cli-máticas, do histórico de manejo etc.).
Esses resultados em prol do SPD sãomais evidentes em anos com déficit hídri-co, sinalizando que esse sistema, se bemconduzido, aumenta a eficiência de uso daágua no sistema solo-planta, conferindoestabilidade à produção de grãos. Muitosdos problemas de compactação de soloatualmente identificados são fruto do his-tórico de uso e manejo do solo antes mes-mo da conversão para plantio direto. O solotem “memória”, e a estrutura do solo é océrebro. Desconhecer as causas do pro-blema é incorrer em mesmos erros, e nãoé a tecnologia de ponta que consertará oerro na base, mas sim o conhecimentotécnico de como as partes se conectam ese complementam. Estudos avaliando osbenefícios do SPD em relação aos demaissistemas de manejo existem, porém há es-cassas e desencontradas informações so-bre como e em que magnitude se dá a re-organização estrutural do solo em médio elongo prazos, frente a outros sistemas demanejo (por exemplo, áreas escarificadas),especialmente em solos de textura média.
Nesta lacuna de informações, e comapoio da Fundação Agrisus, vem sendoconduzida uma pesquisa em ArgissoloVermelho na Região Sul do Brasil, ava-liando histórico de diferentes anos de usose manejo do solo, hoje essas áreas con-
vertidas em SPD. Dados preliminares so-bre o tempo de uso e a capacidade derecuperação do solo com base nos parâ-metros densidade e capacidade de trans-missão de água pelo solo (Figura 1).
Na Figura 1 estão apresentados os re-sultados de densidade do solo antes da im-plantação em área total do plantio direto:plantio direto com seis anos (6 SPD), pre-paro reduzido com seis anos (6 PR) epreparo convencional com seis anos(6 PC); e depois da adoção do plantio dire-to em todo o experimento: plantio diretocom 16 anos (16 SPD), plantio direto comtrês anos após 13 anos de preparo reduzi-do (3 SPD-PR) e plantio direto com trêsanos após 13 anos de preparo convencio-nal (3 SPD-PC). Nota-se que houve umaredução ao longo do tempo na densidadedo solo nos tratamentos de SPD, e quandoera mantido sob preparo reduzido. Isso pro-
vavelmente ocorreu pela menor mobilizaçãode solo desses sistemas de manejo, e queforam melhorados pela ação de raízes epelo maior aporte de matéria orgânica nes-sas condições. Por outro lado, o manejoem preparo convencional teve a densidadedo solo maior após a adoção do SPD.
Isso deve-se, provavelmente, pelamaior mobilização de solo que havia nessesistema de preparo, que deixava o solo ba-sicamente solto, desestruturado, favore-cendo a reacomodação das partículas pormeio de fatores externos, como a ação dachuva e a pressão exercida pelos rodadosdos tratores e implementos – tendendo paraum maior grau de compactação. Essesdados reforçam a ideia que o SPD conso-lidado, sendo bem manejado com diversi-ficação de espécies, diferentes sistemas ra-diculares, mantendo o solo coberto comaporte de resíduos e trabalhando em con-
Figura 1 – Densidade do solo (A) e condutividade hidráulica do solo saturado “Ksat” (B) nos diferentes tempos deadoção do SPD ao longo do tempo, em Eldorado do Sul/RS
Com o PD bem aplicado, hámelhorias da estrutura física do
solo, com aumento da capacidadede infiltração, retenção e
redistribuição de água no solo edeste para as plantas
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Figura 2 – Condutividade hidráulica do solo saturado (Ksat) para diferentesculturas, em Eldorado do Sul/RS
Figura 3 – Relação entre produtividade e massa do sistema radicular em SPDe 3 SPD-PR em soja e milho
zões para a adoção do SPD. Na Figura 3está apresentada a relação entre a produ-tividade de grãos de milho e soja com aprodução de matéria seca de raízes dasplantas. Os resultados preliminares doprimeiro ano de avaliação mostram queo 16 SPD teve menor produtividade desoja e maior matéria seca de raiz em soja,porém o milho apresentou maior produ-tividade e menor matéria seca em sistemade manejo. Já em 3 SPD-PR, o compor-tamento foi inverso, com maior produti-vidade e menor sistema radicular na soja,e menor produtividade com maior siste-ma radicular. Essa resposta pode estaratrelada com gastos energéticos das cul-turas, pois, possivelmente, a planta sentiualguma restrição física ou química, redi-recionando nutrientes e aportandomaiores quantidades de raízes, assim re-
dições ideais de umidade, resulta em me-nor densidade do solo ao longo do tempo.Portanto, pode-se alcançar menores níveisde compactação, tornando as condiçõesestruturais do solo mais favoráveis, me-lhorando a qualidade física do solo.
A diminuição da densidade do solo após16 anos de plantio direto pode indicar umrearranjo das partículas do solo duranteperíodos de umedecimento/secamento,processos biológicos de sistemas radicu-lares e atividade biológica de micro--organismos. Essas atividades resultam naformação de bioporos mais resistentes everticais, que reduzem os riscos de de-formação e compactação do solo, mesmocom menor densidade. Outros estudoscomprovaram essa redução de densidadedo solo sob SPD ao longo do tempo, prin-cipalmente devido ao aumento do conteú-do de matéria orgânica na camada super-ficial, o que aumenta a agregação e aestabilização da estrutura do solo. Emrelação ao transporte de água no solo, acondutividade hidráulica do solo saturado,conhecida como “Ksat”, está apresentadana Figura 1. Nota-se que o 16 SPD apre-sentou a maior infiltração de água emrelação aos demais sistemas de manejoapós três anos de adoção do SPD, devidoa melhoria da estrutura do solo.
Nesse mesmo estudo, a Ksat foi ava-liada em três culturas: milho, braquiária esoja. Entre as culturas (Figura 2), o milhose destacou em relação às demais,apresentando mais de 300 milímetros/horana camada superficial. A braquiária tam-bém apresentou alta Ksat, porém com umacondutividade hidráulica 75% menor nacamada de zero a dez centímetros.Possivelmente, o sistema radicular do milhoproporcionou maiores valores de ma-croporos, refletindo nessa maior conduti-vidade hidráulica do solo saturado (Ksat).A soja apresentou os menores valores deKsat, sendo necessário maiores cuidados,pois uma chuva acima de 35 milímetros/hora poderia ocasionar escoamento super-ficial, dependendo da quantidade de palhasobre o solo.
É importante ressaltar que o sistemaplantio direto bem conduzido pode redu-zir os custos de produção e aumentar olucro, frequentemente atribuído às redu-ções no consumo de energia e mão deobra em relação ao preparo convencio-nal. Além disso, os benefícios econômi-cos associados à redução da erosão dosolo são, provavelmente, as principais ra-
duzindo a produção de grãos.Os resultados encontrados dessa pes-
quisa apoiada pela Fundação Agrisusmostram que os sistemas de manejo apósadoção do plantio direto necessitam depesquisas adicionais para entender me-lhor como os manejos afetam as carac-terísticas de água no solo, principalmen-te nessas condições de solo com menorteor de argila na camada superficial.Além disso, a utilização de gramíneas emrotação com a soja pode ser uma alter-nativa viável, aumentando os fluxos deágua analisados pela Ksat. Já para a con-dição de três anos em SPD após sistemaconvencional e reduzido, as caracterís-ticas de densidade ainda estão em valo-res mais altos, o que, provavelmente,atingirá os níveis de densidade do SPDconsolidado ao longo do tempo.
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