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Pode Deus Lidar com o Pecado sem Pecar? Determinismo e a Relação entre Deus e o Mal Denny Kuhn INTRODUÇÃO Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; (Habacuque 1:13 ARA) Recebi minha inspiração para escrever este artigo enquanto ouvia uma palestra sobre teologia sistemática com Douglas Kelly, do Reformed Theological Seminary. Foi durante esta palestra que ouvi uma afirmação que me chocou e me alarmou consideravelmente. Kelly estava citando o teólogo William Still, que reivindicou que “Deus lida com o pecado sem pecar” 1 . Eu nunca tinha ouvido falar ou pensado em tal ideia e o conceito imediatamente me pareceu problemático. O relacionamento entre Deus e o mal sempre foi misterioso e difícil de compreender. Em realidade, muitas pessoas estão convencidas de que argumentos os mais formidáveis contra a fé cristã são sobre o problema do mal. Através da história da filosofia e do pensamento cristão, várias tentativas têm sido feitas para responder este desafio à fé. Depois de ler alguns dos teólogos reformados mais proeminentes e respeitados, como Herman Bavinck e Louis Berkhof, preciso dizer que estou perturbado com suas abordagens acerca deste difícil assunto 2 . Si entendi corretamente seus ensinos, como também os de Kelly e mesmo os de João Calvino, seus argumentos levam logicamente a uma relação entre Deus e o mal que é tanto inconsistente quanto problemático. 1 Citado na palestra de número 10 da matéria de Teologia Sistemática 1, de Douglas Kelly, do Reformed Theological Seminary. 2 Herman Bavinck (1854-1921) foi professor de teologia em Kampen de 1883-1902 e, depois, sucessor de Abraham Kuyper como chefe do departamento de teologia sistemática da Universidade Livre de Amsterdã, Holanda. Foi autor de muitos livros, porém sua obra mais conhecida é Gereformeerde Dogmatiek (A Doutrina de Deus). Louis Berkhof (1873-1957) foi professor por trinta e oito anos na Calvin Theological Seminary, em Grand Rapids, Michigan, Estados Unidos. Produziu também muitos livros, sendo Teologia Sistemática sua magnum opus. (Informações bibliográficas se encontram no texto à medida que suas obras são citadas).

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Pode Deus Lidar com o Pecado sem Pecar?

Determinismo e a Relação entre Deus e o Mal

Denny Kuhn

INTRODUÇÃO

Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; (Habacuque 1:13 ARA)

Recebi minha inspiração para escrever este artigo enquanto ouvia uma palestra sobre teologia sistemática com Douglas Kelly, do Reformed Theological Seminary. Foi durante esta palestra que ouvi uma afirmação que me chocou e me alarmou consideravelmente. Kelly estava citando o teólogo William Still, que reivindicou que “Deus lida com o pecado sem pecar”1. Eu nunca tinha ouvido falar ou pensado em tal ideia e o conceito imediatamente me pareceu problemático.

O relacionamento entre Deus e o mal sempre foi misterioso e difícil de compreender. Em realidade, muitas pessoas estão convencidas de que argumentos os mais formidáveis contra a fé cristã são sobre o problema do mal. Através da história da filosofia e do pensamento cristão, várias tentativas têm sido feitas para responder este desafio à fé. Depois de ler alguns dos teólogos reformados mais proeminentes e respeitados, como Herman Bavinck e Louis Berkhof, preciso dizer que estou perturbado com suas abordagens acerca deste difícil assunto2. Si entendi corretamente seus ensinos, como também os de Kelly e mesmo os de João Calvino, seus argumentos levam logicamente a uma relação entre Deus e o mal que é tanto inconsistente quanto problemático.

1 Citado na palestra de número 10 da matéria de Teologia Sistemática 1, de Douglas Kelly, do Reformed Theological Seminary.

2 Herman Bavinck (1854-1921) foi professor de teologia em Kampen de 1883-1902 e, depois, sucessor de Abraham Kuyper como chefe do departamento de teologia sistemática da Universidade Livre de Amsterdã, Holanda. Foi autor de muitos livros, porém sua obra mais conhecida é Gereformeerde Dogmatiek (A Doutrina de Deus). Louis Berkhof (1873-1957) foi professor por trinta e oito anos na Calvin Theological Seminary, em Grand Rapids, Michigan, Estados Unidos. Produziu também muitos livros, sendo Teologia Sistemática sua magnum opus. (Informações bibliográficas se encontram no texto à medida que suas obras são citadas).

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Meu propósito neste ensaio é mostrar que a conclusão lógica a que se chega sobre seus ensinos (mesmo que neguem a alegação) é que Deus é o autor do pecado, a causa do mal. Além disso, mostrarei que esta conclusão apresenta implicações para o seu sistema como um todo. Em realidade, Deus não pode lidar com o pecado sem pecar.

ALEGAÇÕES REFORMADAS SOBRE O DETERMINISMO DE DEUS

Nas próximas páginas farei menção a afirmações feitas pelos teólogos reformados citados acima e à Confissão de Fé de Westminster (CFW), que descreve o determinismo de Deus no que se relaciona à Sua criação. Isto possibilitará ao leitor um entendimento mais equilibrado sobre a teologia reformada – especificamente relativo à como o calvinismo retrata a ordenança de Deus de Sua criação.

A CFW declara:

Desde toda a eternidade e pelo mui sábio e santo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas3.

Nesta confissão reformada vemos a afirmação de que “tudo o que acontece” somente acontece devido ao poder determinante da soberana vontade de Deus. Bavinck concorda com a CFW, pois ele define o eterno decreto de Deus como “seu eterno propósito pelo qual pré-ordenou tudo o que venha a acontecer”4. Ele explica sua definição dizendo: “Além de Seu conhecimento e vontade, nada poderá jamais acontecer”5. Citando Wolebius, Kelly define os decretos de Deus como “um ato interno da vontade divina pelo qual determina livremente, desde a eternidade, com absoluta certeza, tudo que acontecerá no tempo”6.

Afirmações como estas esclarecem a forte ênfase dentro da teologia reformada sobre a natureza determinante da vontade de Deus. Esta vontade, de acordo com estas definições, é, em primeiro lugar, “eterna”, significando que transcende o tempo; portanto, não há ordem cronológica em Seus decretos, mas somente uma ordem lógica. Em segundo lugar, ela reflete o “propósito” de Deus e, portanto, estabelece que, de fato, Deus pré-ordena os acontecimentos baseado em nada mais do que o que Ele escolhe. Em terceiro lugar, a Sua vontade é realizada “livremente e com absoluta certeza”: não existe nenhuma força externa que compele Deus a agir de uma determinada maneira e o que 3 Confissão de Fé de Westminster, Capítulo 3: Dos Eternos Decretos de Deus. http://www.teologia.org.br/estudos/confissao_westminster.pdf

4 Herman Bavinck, The Doctrine of God, trad. William Hendriksen. Carlisle: Banner of Truth, 1997, 369.

5 Ibid., 369.

6 Douglas Kelly, “Systematic Theology I”, apostila. Charlotte: Reformed Theological Seminary, 2003, 75.

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Ele decide pré-ordenar deve acontecer sem a possibilidade de que não aconteça.

Bavinck, descrevendo a soberania de divina, diz que a vontade de Deus “é decisiva sempre e em qualquer lugar” e “a causa final de todas as coisas e de serem o que são. Tudo é derivado dela”7. Deve-se entender que esta determinação e certeza do que acontecerá como resultado da vontade de Deus inclui as ações humanas, não somente os movimentos de outros corpos criados dentro do tempo e do espaço. Nada acontece fora do poder determinante de Deus.

Este é o meio pelo qual Deus tem presciência do que acontecerá no futuro: Ele conhece de antemão por que determinou que tudo seja como é. Nenhum curso de eventos será produzido de forma a surpreender a Deus porque foi Ele quem ordenou que assim aconteça. Juntamente com Bavinck, outros teólogos reformados descrevem a presciência de Deus como resultado de Sua determinação de todas as coisas futuras, incluindo ações humanas. Portanto, Deus não conhece de antemão estes eventos como ações humanas livres simplesmente porque as antevê, mas Ele ordena que aconteçam todos os eventos, inclusive as ações humanas.

Somos naturalmente levados a imaginar como isto afeta o livre arbítrio humano nas tomadas de decisão. Neste sentido, Bavinck se refere a Agostinho, demonstrando a tentativa de um dos pais da igreja de reconciliar a presciência de Deus com o livre arbítrio humano:

Ele (Agostinho) está consciente do fato de que quando Deus conhece de antemão um ato, sua realização é certa; do contrário, toda a estrutura da presciência divina entraria em colapso como um castelo de cartas. “Se presciência não conhece de antemão as coisas que certamente irão acontecer, não é absolutamente nada”. Portanto, ele afirma que a vontade humana juntamente com toda a sua natureza e todas as suas decisões estão incluídas, estabelecidas e mantidas na presciência de Deus e não são destruídas por ela8.

Berkhof discute como a liberdade da vontade determinista de Deus se relaciona com as ações de suas criaturas:

As criaturas de Deus (...) são os objetos de Sua voluntas libera. Deus determina voluntariamente o que e quem criará assim como os tempos, lugares e circunstâncias de suas vidas. Ele traça o caminho de todas Suas criaturas racionais, determina seu destino e as usa para os Seus propósitos. Apesar de conceder-lhes liberdade, Sua vontade controla suas ações9.

7 Bavinck, 223.

8 Bavinck, 190.

9 Louis Berkhof, Systematic Theology. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 1996, 78.

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Berkhof afirma especificamente que a vontade de Deus “controla suas ações”. Portanto, ele concorda com a ideia de que as ações humanas são totalmente determinadas pela vontade de Deus para serem o que serão. Calvino também entende que esta seja a explicação apropriada para a presciência de Deus. Ele escreve: “Como Ele [Deus] conhece de antemão os eventos futuros somente pelo fato de ter decretado que elas aconteçam (...) está claro que todas as coisas acontecem pela sua determinação e vontade”10. Portanto, se “todas as coisas acontecem” como resultado da “determinação e vontade” de Deus, então logicamente não pode haver nada que aconteça fora desta determinação ou fora do plano de Deus para o universo.

As mentes irriquietas podem perguntar: “Qual é o raciocínio envolvido no porquê Ele determina que as coisas sejam da como são?”. Com esta pergunta não quero que pareça que eu esteja blasfemando, como se estivesse desafiando Deus a apresentar as suas razões. Pelo contrário, estou fazendo esta pergunta aos teólogos reformados. Bavinck oferece a sua resposta: “‘O bom prazer de Deus’ é a base final de todas as coisas. Não podemos ir além disto. A resposta final a esta pergunta de por que as coisas são como são deve permanecer para sempre: ‘é a vontade de Deus’, de acordo com Sua soberania absoluta”11. Portanto, a resposta à pergunta é de que não existe uma resposta conhecida. A razão pela qual Deus determina que as coisas sejam como são permanece como um mistério, pois não se pode ir além nesta investigação sobre a Sua vontade. Para o calvinista, fazer esta pergunta seria o equivalente a perguntar por que Deus existe. Deus não deve uma resposta ao homem pelo que deseja na Sua vontade soberana. Isto seria o suficiente para bater a porta na cara de qualquer desafio a este arranjo determinado. “Quem és tu, ó homem?” é a resposta comum12.

A influência determinante de Deus nas Suas criaturas não poderia ser mais evidente do que acaba de ser visto. A terminologia usada pelos teólogos reformados descreve o absolutismo do controle de Deus sobre todas as coisas, sem exceções. É natural se perguntar como esta certeza de todos os eventos e ações como resultado da determinação de Deus se relaciona com o pecado e o mal. Determinou Deus estas duas antíteses de seu caráter e vontade, como determinou todo o restante, como as citações acima implicam? Será que “todas as coisas acontecem” realmente quer dizer tudo, inclusive o pecado e o mal? Isto seria a interpretação natural destes autores reformados. Precisamos então examinar as afirmações reformadas com respeito ao relacionamento de Deus com o pecado e o mal.

10

John Calvin, ed. John T. McNeill, Calvin: Institutes of the Christian Religion, 2 vols. Louisville: Westminster John Knox, 1993, 2: 955.

11 Bavinck, 371.

12 Stephen M. Ashby se refere a este apelo a Romanos 9:20 pelos calvinistas toda vez que seu sistema é desafiado como sendo seu default mode” (modo padrão). O problema com esta resposta calvinista é que o desafio não é feito a Deus, como é o caso em Romanos 9, mas ao sistema reformado. Nenhum sistema de teologia deve ser considerado isento de tais desafios sem correr o risco de se tornar um ídolo.

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ALEGAÇÕES REFORMADAS DE QUE DEUS NÃO É AUTOR DO PECADO

Citando novamente a CFW:

A onipotência, a sabedoria inescrutável e a bondade infinita de Deus, de tal maneira se manifestaram na providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, regula e governa em uma múltipla dispensação; mas essa permissão é tal que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão-somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado e nem pode aprová-lo13.

A CFW claramente nega que Deus seja o autor do pecado. Alega que a providência de Deus se estende até “a primeira queda”; no entanto, a Confissão atribui a origem do pecado às criaturas de Deus (anjos e humanos). Bavinck também deseja evitar a noção de que Deus seja autor do pecado, assim como todos os outros teólogos reformados apresentados nesta obra. Eles frequentemente indicam que o pecado somente pode resultar de uma vontade corrompida, mas que a vontade de Deus é perfeita e sem vício. A verdadeira vontade de Deus é “a vontade de ‘seu bom prazer’, idêntico ao seu próprio ser, imutável e eficaz”14. O pecado e o mal são as antíteses de Deus; são completamente contrárias ao Seu ser divino. Portanto, Deus não poderia ter nada a ver com a causa deles.

Deve-se dizer que Deus não pode pecar. Ele somente pode fazer aquilo que é logicamente possível e pecar é uma impossibilidade lógica para Deus, apesar de ser logicamente possível para seres humanos. Bavinck escreve sobre isto quando fala do relacionamento entre a vontade de Deus e Sua onipotência ao declarar: “As Escrituras (...) claramente ensinam que há certas coisas que Deus não pode fazer (...). Ele não pode Se negar (...) Se Deus pudesse desviar-Se, se pudesse pecar etc., isto realmente seria uma indicação de impotência”15.

Berkhof expressa pensamentos semelhantes: “Em geral, pode-se dizer que Deus não pode desejar qualquer coisa que seja contrário à Sua natureza, sabedoria, amor, justiça ou santidade”16. O fato de Deus não poder pecar não é visto como uma fraqueza de Sua parte. Pelo contrário, a capacidade de pecar é um sinal de fraqueza por parte do homem.

Questionamos a afirmação acima da CFW de que Deus decreta “tudo o que venha a acontecer”. Tanto a CFW como os teólogos reformados querem excluir o pecado da lista de coisas que Deus causou ou foi o autor, apesar de admitirem que Ele foi o autor de todas as outras coisas. Berkhof faz questão de distinguir entre os dois, sendo ambos

13

http://www.teologia.org.br/estudos/confissao_westminster.pdf

14 Bavinck, 239.

15 Bavinck, 244.

16 Berkhof, 78.

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incluídos no decreto de Deus:

Em algumas coisas Deus decidiu não somente que ocorreriam, mas que ele mesmo as faria acontecer, ou imediatamente (como sua obra de criação) ou pela mediação de causas secundárias, que são continuamente energizadas pelo Seu poder. Ele mesmo assume a responsabilidade pelo o que acontecerá. No entanto, existem outras coisas que Deus incluiu em Seu decreto e, portanto, tornou-as certas, mas que Ele não decidiu efetuá-las por Si mesmo, como, por exemplo, os atos pecaminosos de Suas criaturas racionais... Deus não assume de forma alguma a responsabilidade por tais atos pecaminosos17.

Portanto, Deus não tem nada a ver com a causa dos atos pecaminosos dos homens. Ele foi a causa do homem. Alega-se, entretanto, que o homem é a causa do pecado. Deus permitiu ao homem causar o pecado para que resultasse em um bem maior, a glória de Deus. Não foi da vontade Dele que o pecado acontecesse simplesmente como pecado, mas Sua vontade é a realização de algo muito maior. Bavinck esclarece:

Pecado e punição, considerados independentemente e em seus próprios méritos, nunca poderiam ser da vontade de Deus. Estão em conflito com Sua natureza. Ele se encontra longe da iniquidade e não aflige as pessoas por Sua vontade: Ele não o faz “de coração”. Portanto, o pecado e a punição foram da vontade de Deus somente no sentido de que são o meio para um bem maior, melhor e diferente18.

Ao ler as diversas afirmações apresentadas nestas duas últimas seções, estou perplexo ao ver a boa vontade dos calvinistas em aceitar suas óbvias inconsistências. Para ser justo, nem os calvinistas estão completamente satisfeitos com estas afirmações. De fato, reconhecem o problema do relacionamento de Deus com o mal e o pecado. No entanto, este dilema é tipicamente resolvido apelando-se ao mistério. Engole-se seco ao se deparar com a contradição à primeira vista sobre a afirmação de que Deus ordena, determina, decreta, estabelece, mantém e controla “tudo o que venha a acontecer” – “tudo” e “todas as coisas”, inclusive as ações dos seres humanos – pela Sua soberana vontade, mas de alguma forma o homem é o responsável pelo pecado. Isto me parece nada menos do que conversa evasiva ou de sentido duplo. Algo está errado e esta aparente contradição merece ser mais bem examinada.

INCONSTISTÊNCIA E CONTRADIÇÃO NAS AFIRMAÇÕES REFORMADAS

Mais uma vez nos voltamos à CFW que, com respeito ao livre arbítrio do homem, estipula: “Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela não é forçada nem para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta

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Berkhof, 103.

18 Bavinck, 400-401.

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de sua natureza”19. Como é, porém, que isto se harmoniza com as afirmações que vimos acima quanto à determinação de Deus, as ações humanas, o pecado e o mal? São contraditórias?

Bavinck expressa o problema:

No entanto, uma dificuldade especial nos confronta no estudo da doutrina da vontade de Deus; isto é, o fato de que o mal, tanto “o mal como culpa quanto o mal como punição”. Pode ser verdade que Deus controle o mal; no entanto, o mal não pode ser o objeto da vontade de Deus no mesmo sentido e da mesma maneira quanto o seu oposto. Portanto, com vista a estes dois objetos diferentes e inteiramente opostos, isto é, o bem e o mal, devemos fazer uma distinção quanto à vontade de Deus20.

Berkhof apela à antinomia com referência ao relacionamento entre a vontade de Deus e o pecado. Ele afirma: “Aqui surgem problemas que até agora não foram resolvidos e que provavelmente são insolúveis pelo homem”21. Quando confrontado com a objeção de que o decreto divino torna Deus o autor do pecado, ele surpreendentemente concede: “Se for verdade, isto naturalmente seria uma objeção insuperável, pois Deus não pode ser autor do pecado”22. Ele continua dizendo que a objeção não é verdadeira, mas que “o decreto somente torna Deus o autor de seres morais livres que são em si mesmos autores do pecado”23.

No entanto, enquanto Bavinck deseja fazer uma distinção entre o bem e o mal como objetos da vontade de Deus, ele inequivocamente sustenta que, de fato, “Deus controla o mal”. Ele o diz novamente na afirmação: “O pecado não é da vontade de Deus; Ele está longe da iniquidade; Ele o proíbe e o pune severamente; no entanto, o pecado existe e é controlado por Ele”24. Bavinck não pode escapar da ideia de que as mãos de Deus estão diretamente nas rédeas da carruagem do mal, apesar de desejar negar que Deus seja a relação causal dele. De modo semelhante, Kelly diz: “Deus está especialmente no controle do mal”25, acrescentando “especialmente” à sua descrição do relacionamento.

De igual maneira, Berkhof afirma: “Deve-se ter em mente que a vontade de Deus em permitir o pecado carrega consigo a certeza”26. Berkhof enfatiza tanto a certeza do

19

Confissão de Fé de Westminster, Capítulo 9: Do Livre-Arbítrio. http://www.teologia.org.br/estudos/confissao_westminster.pdf.

20 Bavinck, 236.

21 Berkhof, 78.

22 Ibid., 107.

23 Ibid., 108.

24 Bavinck, 236.

25 Kelly, 127.

26 Berkhof, 79.

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pecado quanto o controle dele por Deus:

É costumeiro falar do decreto de Deus quanto ao mal (no sentido moral) como sendo permissivo. Pelo Seu decreto Deus tornou as ações pecaminosas do homem infalivelmente certas... No entanto, deve-se notar bem que este decreto permissivo não implica em uma permissão passiva de algo que não está sob o controle da vontade divina. É um decreto que torna os atos pecaminosos futuros absolutamente certos, mas no qual Deus determina (a) não interferir na autodeterminação pecaminosa da vontade finita e (b) regular e controlar os resultados desta autodeterminação pecaminosa27.

Portanto, fica claro ao ler Berkhof que os atos pecaminosos do homem tornam-se “infalivelmente certos” e “absolutamente certos”. Apesar de dizer que esta certeza não interfere na “autodeterminação” do homem, ele admite que regula e controla o que é por ela produzido. A pergunta persiste: Como é que Deus controla o mal, como afirmam estes teólogos, sem ter algum tipo de relação causal com ele como tem com o restante daquilo que controla?

Ao descrever a posição de Calvino quanto à predestinação, Bavinck afirma: “Que o réprobo não veja o decreto de Deus como sendo a causa da sua perdição, mas que olhe para a sua própria natureza corrompida pela qual é culpado”28. Mais uma vez, uma mudança é feita de Deus ao homem para encontrar na natureza corrupta do homem a fonte dos resultados do pecado. Esta, porém, não pode ser a fonte primária. Bavinck afirma: “A queda em Adão é a causa mais próxima da reprovação”29, não sua causa primária. Esta é uma mudança sutil na responsabilidade: a queda não pode ser a causa primária para Bavinck, mas somente a causa “mais próxima”, porque ele crê que a queda seja o resultado da natureza do homem, que, por sua vez, é somente uma causa de proximidade. Como a natureza humana foi causada (ou criada) por Deus, é Deus quem Se torna a causa primária.

Esta conclusão é inevitável considerando que o homem foi criado em um estado original de justiça. Antes da queda a natureza humana não tinha inclinação para o pecado. Consequentemente, para que a natureza original de Adão (completamente inocente e sem mancha) o levasse a pecar, seria necessário algo exterior à sua natureza que o compelisse. Então, para Bavinck, a queda é somente a causa “mais próxima” da reprovação; seu determinismo requer que seja encontrada uma causa mais profunda que a queda. Ele a encontra na vontade de Deus. Portanto, de maneira indireta Bavinck implicitamente admite a relação causal de Deus com o pecado, apesar de tentar negá-la culpando a natureza humana. Esta natureza, no entanto, não pode ser finalmente responsável pela queda, pois é somente a causa “mais próxima” e o homem foi criado em

27

Ibid., 105.

28 Bavinck, 362.

29 Ibid., 362. Itálico nosso.

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um estado original de justiça.

Esta também parece ter sido a posição de Calvino. De acordo com a interpretação de Bavinck sobre os escritos de Calvino:

O pecado pode ser a causa mais próxima da perdição, no entanto, não é a mais profunda... Presciência e permissão não resolvem o problema porque Deus, prevendo a queda, poderia tê-la prevenido. Portanto, Ele voluntariamente permitiu a queda, pois esta lhe pareceu bem. Logo, a queda de Adão, o pecado em geral e todo o mal foram não somente previstos por Deus, mas, em certo sentido, foram a Sua vontade e determinados por Ele... A causa final e mais profunda da reprovação como também da eleição é a vontade de Deus... Assim, deve ter havido uma razão, que nos é desconhecida, pela qual a queda tenha sido a vontade de Deus: existe um “decreto divino mais profundo” que precedeu logicamente a queda30.

De acordo com Bavinck, Calvino ensinou que a queda era não somente prevista por Deus, mas que foi “em certo sentido (...) a Sua vontade e determinado por Ele”. A causa primária ou “mais profunda” para Calvino é o próprio Deus, não a natureza humana. Nem pode ser de outra forma para o calvinista. A natureza original do homem era perfeita e não pode ser culpada. Semelhantemente, a natureza corrupta do homem não pode ser responsabilizada pelo pecado porque este deve estar primeiramente presente para que a natureza possa se corromper. Portanto, o homem era apenas uma causa suficiente, mas o decreto de Deus era a causa eficaz. Deus criou o homem e decretou que ele caísse, não baseado em suas ações livres (veja a discussão acima quanto ao entendimento reformado acerca da presciência de Deus), mas baseado na vontade oculta de Deus.

Calvino oferece suporte para esta afirmação. Falando do decreto de Deus quanto à queda, ele revela primeiramente sua repugnância a esta ideia, mas imediatamente depois oferece uma explicação: “Confesso que o decreto é realmente terrível. No entanto, ninguém pode negar que Deus conheceu de antemão qual seria o destino do homem antes de tê-lo criado e, consequentemente, conheceu de antemão, pois Ele o ordenou pelo Seu decreto”31. Portanto, procurando defender ainda mais este decreto, Calvino declara algo surpreendente quando sugere:

E não deve parecer absurdo dizer que Deus não somente previu a queda do primeiro homem, e nele a destruição de seus descendentes, mas também agiu de acordo com Sua própria decisão. Pois, assim como Ele conhece de antemão tudo o que acontece devido à Sua sabedoria, é devido ao Seu poder que Ele governa e controla tudo pelas Suas mãos32.

30

Bavinck, 363.

31 Calvin, 2:955.

32 Ibid., 2:955-56. Itálico nosso.

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Calvino não poderia ter sido mais claro ao localizar a origem do pecado do homem na natureza e Deus. Ele afirma claramente que a queda de Adão não foi meramente permitida como parte do plano divino, mas que Deus “agiu [isto é, causou a queda] de acordo com Sua própria decisão”; e mais: “as mãos” de Deus estavam “controlando” todo o evento da mesma forma como controla “tudo”. Além disso, ele afirma que “o primeiro homem caiu porque o Senhor havia julgado que seria o mais expediente; porque ele assim julgou nos é oculto33. Mais uma vez, diz-se que a decisão da queda depende do julgamento e determinação de Deus; no entanto, para poder maquiar a aparente inconsistência, apela-se ao mistério.

Justamente, porém, quando pareceria que Calvino estabelecera Deus como o fator decisivo na queda, baseado em Sua vontade misteriosa, na mesma seção dos seus escritos ele afirma:

O homem caiu de acordo com a providência que Deus ordena, mas caiu por sua própria culpa. De onde vem a maldade ao homem para que tenha caído da presença de Deus? (...) Pela sua própria intenção maldosa o homem corrompeu a natureza pura que tinha recebido do Senhor... Desta forma, devemos contemplar a causa evidente da condenação na natureza corrupta da humanidade (...) em vez de procurar uma causa escondida e incompreensível na predestinação de Deus34.

Isto nada mais é do que uma repetição das afirmações contraditórias de teólogos reformados proeminentes, já citadas durante este ensaio. Calvino localizou o fator determinante da queda no julgamento de Deus e apelou para o que nos está oculto como explicação. Apenas algumas frases mais tarde, contudo, ele argumenta que, apesar de a queda ter sido ordenada pela providência de Deus, é somente culpa do homem. Ao mesmo tempo ele adverte contra um apelo ao que está “oculto” e “incompreensível” como explicação para este evento.

Em realidade, estas são duas ideias contraditórias a respeito de Deus e de Sua relação com a criação. Neste tipo de sistema determinista é inevitável identificar Deus como a causa de “tudo o que venha a acontecer” e, no entanto, de alguma forma, exclui-O de ser o autor do pecado. Bavinck é culpado desta mesma contradição quando escreve a respeito da diferença entre supra e infralapsarianismo:

De um lado, os supralapsarianos, assim como os infralapsarianos, ensinam que Deus não é o autor do pecado, mas que a causa do pecado está na vontade do homem. Apesar de Deus, como o onipotente, ter predestinado a queda e, apesar de executar Seu plano, como governante supremo, mesmo por meio do pecado, entretanto, Ele permanece santo e justo. O homem caiu de sua própria vontade; a culpa é dele: “O homem

33

Ibid., 2:957.

34 Ibid.

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caiu de acordo com a designação da providência divina, mas caiu por sua própria culpa... A queda do homem, o pecado e a punição eterna de muitos não era o objeto de ‘simples conhecimento’, mas do decreto de Deus e de Sua pré-ordenação. Portanto, a diferença não está no conteúdo do conselho de Deus. Tanto o infra como o supralapsarianismo negam a liberdade da vontade, rejeitam a ideia de que a fé seja a causa da eleição e que o pecado seja a causa da reprovação”35.

Aqui Bavinck admite que Deus decretou e pré-ordenou a queda e o pecado. As duas posições quanto à ordem dos decretos (supra e infralapsarianismo) rejeitam o pecado como a causa da reprovação. Segue logicamente que, se o pecado não é a causa da reprovação, mas, sim, o decreto divino, então Deus teria que causar a natureza pecaminosa do homem, pois a única maneira pela qual se poderia manifestar este caráter réprobo seria pelo pecado. Em outras palavras, a reprovação vem antes do pecado e não ao contrário. Portanto, Deus cria e origina seres que pecam, não pelo Seu desejo autodeterminado, mas segundo o que Deus ordena que façam pela sua natureza, que Ele mesmo criou. Por este entendimento, Deus causa as ações humanas pecaminosas por ter criado humanos em um estado de reprovação. Apesar de isto parecer surpreendente, Bavinck oferece mais suporte para sua posição:

Fé e boas obras não são, com certeza, a causa da eleição, mas também não são a causa da reprovação; o bom prazer do Deus soberano é a causa de ambos; portanto, em certo sentido, o decreto de reprovação sempre precede o decreto para permitir o pecado36.

A causa da reprovação não se encontra no pecado, mas no “bom prazer do Deus soberano”, de acordo com Bavinck. No entanto, ele não é consistente ao colocar a culpa em Deus por este sistema. Ele admite ser um arranjo curioso e que não conhecemos as razões de Deus tê-lo determinado desta forma. Presume que as razões divinas foram boas e, portanto, não pensa em desafiar o próprio sistema determinista. Em vez disto, como geralmente acontece neste ponto, ele apela para o mistério devido à reconhecível inconsistência. Ele diz: “Não podemos dizer por que foi da vontade de Deus fazer uso deste meio e não de outro”37.

O problema desta corrente causal é que Deus Se torna a causa primária. Se a implica em b e b implica em c, então segue logicamente que a implica em c. Este é um exemplo do princípio lógico conhecido como relação transitiva38. Aqui a representa Deus, b representa a reprovação e c simboliza o pecado. O resultado que flui desta relação redunda em uma conclusão inevitável. Ao mesmo tempo, entrosa com as afirmações acima reafirmando o sistema reformado de determinismo. Sem saber, Bavinck confirma a validade desta relação e a conexão não poderia ser mais clara. Ele afirma: “Todos os teólogos reformados

35

Bavinck, 385.

36 Ibid., 386.

37 Bavinck, 387.

38 Ted Honderich, ed., The Oxford Companion to Philosophy. New York: Oxford University, 1995, 879.

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concordam que a entrada do pecado e da punição foi da vontade e determinação de Deus”39. Portanto, a fonte, o autor, o originador, o artífice, o criador e a causa primária do pecado é Deus, segundo este sistema determinista reformado.

Finalmente, deve-se notar que há exemplos de teólogos reformados recentes usando linguagem que identifica Deus como sendo a causa do pecado e do mal. O respeitado teólogo reformado John Frame, durante palestra em um seminário no Reformed Theological Seminary, perguntou: “É a vontade de Deus a explicação final para todas as coisas?”. Frame responde: “Ele pré-ordena atos pecaminosos” 40.

O MODELO DE C. S. LEWIS PARA CONFRONTAR OS PROBLEMAS DE UM SISTEMA DETERMINISTA

Em seu livro Milagres, C. S. Lewis propõe um desafio mortal para a cosmovisão conhecida como naturalismo, o qual defende que exista apenas uma ordem natural, que é eterna, totalmente uniforme, auto explicável e completamente determinista. O que é relevante no argumento de Lewis é seu ataque ao determinismo de tal cosmovisão. Como o sistema do naturalismo é caracterizado por um arranjo de causa e efeito em todos os relacionamentos entre o que existe dentro do sistema, Lewis detecta o problema que é prejudicial à sua viabilidade como cosmovisão:

Dentro do sistema total, cada evento específico (como o fato de você estar sentado lendo este livro) acontece porque algum outro evento aconteceu; em última análise, porque o Evento Total está acontecendo. Cada coisa específica (como esta página) é o que é porque outras coisas são o que são; então, finalmente, porque o sistema todo é o que é. Todas as coisas e eventos são tão completamente interligados que nenhum deles pode reivindicar a mínima independência do “restante do show”. Nenhum deles existe “por si só” ou “continua por sua própria vontade”... Portanto, nenhum naturalista de sangue puro crê em livre arbítrio, pois o livre arbítrio significaria que seres humanos teriam o poder de ação independente, o poder de fazer algo a mais ou diferente do que estava envolvido na série de eventos41.

39

Bavinck, 388.

40 Citado em ensaio não publicado de Stephen M. Ashby intitulado “The Pastor’s Proving Ground” (O Campo de Provas do Pastor), apresentado no dia 22 de julho de 2003 no seminário Theological Trends (Tendências Teológicas) na convenção anual da National Association of Free Will Baptists, em Tampa, na Flórida. A palestra de Frame foi no dia 7 de janeiro de 2002 em um seminário na Reformed Theological Seminary, em Charlotte, Carolina do Norte.

41 C. S. Lewis, Miracles. New York: HarperCollins, 2001, 8.

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Lewis explica a interligação e interdependência completa de tudo dentro do “Evento Total” e como tudo dentro do sistema somente age ou é causado por outra coisa dentro do sistema. Com isto, o livre arbítrio não é uma possibilidade, porque isto exigiria que algo agisse “de sua própria vontade”, como diz Lewis. Em outras palavras, teria que se manter um estado de ser ou agir que seria independente do sistema como um todo. Isto, porém, simplesmente não é possível para o naturalismo.

Lewis continua explicando como este determinismo inevitavelmente destrói o naturalismo:

Se o naturalismo é verdadeiro, todas as coisas finitas ou eventos precisam (por princípio) ser explicáveis em termos do Sistema Total... Se o naturalismo for aceito, temos o direito de exigir que, em geral, tudo possa ser explicado em termos do Sistema Total. Se algo existir que de alguma forma possamos ver de antemão a impossibilidade de dar este tipo de explicação, então o naturalismo estaria em ruínas. Se acharmos necessário pensar que qualquer coisa possua algum grau de independência do Sistema Total – se apenas uma única coisa provar sua reivindicação de independência, de ser mais do que simplesmente o caráter da natureza – então abandonamos o naturalismo42.

Lewis continua delineando algumas coisas que aceitamos como crenças básicas que não podem ser explicadas pelo determinismo do naturalismo: por exemplo, as leis de inferência lógica. Se uma coisa existir fora do sistema ou o transcenda, a cosmovisão do naturalismo deve ser rejeitada. Esta é a dificuldade de um sistema baseado no determinismo.

É interessante notar a descrição que Bavinck faz do decreto de Deus relativo ao universo. Sua descrição soa notavelmente semelhante ao determinismo que Lewis descreve da “interligação” e “Sistema Total” do naturalismo. De acordo com Bavinck:

O decreto de Deus não deve ser descrito exclusivamente (...) como uma linha reta para indicar uma relação simplesmente de antes e depois, causa e efeito, meios e alvo, mas deve também ser visto como um sistema em que os muitos elementos estão coordenadamente relacionados entre si... Como todos os membros de um organismo são dependentes um do outro e de maneira recíproca determinam uns aos outros, assim também o universo é a obra de arte de Deus, sendo que todas as partes estão organicamente relacionadas43.

Apesar de fugir de uma descrição linear de causa e efeito do seu sistema, Bavinck claramente pensa nele em termos de uma composição interdependente, reciprocamente determinando tudo o que está dentro do sistema. Ele descreve o poder determinista de

42

Lewis, Miracles, 17-18.

43 Bavinck, 394.

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Deus sobre todos os elementos deste sistema como sendo baseados no decreto divino:

O decreto de Deus inclui todas as coisas e, portanto, aplica-se primeiramente ao universo como um todo. Tudo existe e acontece de acordo com o decreto de Deus: isto inclui tanto a matéria inorgânica quanto a orgânica. Tudo se baseia nas ordenanças de Deus44.

Bavinck deixa isto ainda mais claro ao falar sobre a providência de Deus. Com respeito aos tipos de coisas que estão inclusas na ordem determinada do decreto divino, ele afirma: “É de grande significado o fato de que todas as coisas estão inclusas em seu decreto: não somente a determinação do destino eterno das criaturas racionais (predestinação), mas também o arranjo e a ordenação de todas as coisas, sem exceções”45. Mais uma vez ele oferece uma explicação sobre a ordem criada que é paralela ao “Sistema Total” e até afirma que as causas secundárias não devem ser confundidas com a causa primária real de todos os eventos:

A harmonia entre os fenômenos e os acontecimentos no mundo da realidade é um reflexo perfeito da harmonia na esfera das ideias e decretos de Deus. Frequentemente as Escrituras se limitam a uma discussão sobre as “causas secundárias” e os teólogos reformados as têm aceitado no seu significado total. Estas causas secundárias, porém, não constituem a causa mais profunda e final... Um apelo à natureza ou caráter destas coisas não é uma resposta satisfatória, pois a natureza também foi determinada por Deus46.

Apesar de Bavinck nos forneça um retrato da harmonia determinista que existe entre as criaturas físicas, naturais, de Deus, este determinismo não deve ser limitado à esfera física. A esfera moral não deve ser considerada de alguma forma distinta e isenta deste determinismo. Berkhof deixa isto claro: “O decreto inclui tudo o que acontece no mundo, seja no âmbito físico ou moral, seja bom ou mau”47. Portanto, mais uma vez, temos uma admissão implícita de que Deus determina as ações pecaminosas e más do homem. Finalmente, Berkhof oferece uma negação da autodeterminação das ações humanas ao relegá-las às causas secundárias; isto significa que é apenas instrumental em suas ações, logicamente tornando Deus o iniciador. Ao mesmo tempo, Berkhof afirma a especificidade destes atos humanos, significando que, bons ou maus, são eles certamente determinados. Ele afirma:

Não existe nenhum princípio de auto atividade na criatura ao qual Deus simplesmente junta Sua atividade. Em todas as circunstâncias, o impulso à ação e movimento procede de Deus... Ele faz todas as coisas

44

Bavinck, 374.

45 Ibid., 374. Itálico nosso.

46 Ibid., 402-3.

47 Berkhof, 105.

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funcionarem na natureza e se moverem na direção de um fim predeterminado. Desta forma, capacita e estimula Suas criaturas racionais a funcionarem, como causas secundárias, e não meramente por energizá-las de um modo genérico, mas energizando-as para atos específicos” 48.

Como Lewis já deu um golpe fatal no naturalismo ao mostrar que há certas coisas que existem fora do “Sistema Total”, sugiro que esta linha de raciocínio se torne também o tendão de Achiles do sistema reformado de determinismo. Ao demonstrar que há algo que existe que permanece fora deste sistema, isto é, os pecados reais do homem e a existência do mal, o sistema todo desmorona. É um sistema que não pode ser desenvolvido para explicar tudo dentro de si mesmo e, no entanto, existe algo que não pode ser resolvido por um apelo a nada que exista dentro do sistema.

É verdade que, para Lewis, a diferença chave entre o naturalismo e o sobrenaturalismo é que Deus não existe no primeiro enquanto que existe no segundo e isto fora da ordem natural. Esta distinção, contudo, é irrelevante para a presente discussão. Para Lewis, algo fora da ordem natural era evidência para a existência do sobrenatural, no entanto, a distinção entre o natural e o sobrenatural não tem relação com o problema do determinismo que examinamos aqui.

Também não tem importância o fato de que as criaturas de Deus não O determinam reciprocamente no sistema reformado, enquanto que no naturalismo tudo determina tudo de alguma forma ou outra. O problema com o determinismo continua, seja Deus visto como fazendo parte do sistema ou estando fora dele. Além do mais, sua ação determinista O torna parte do sistema, independentemente da distinção natural/sobrenatural e da falta de determinismo recíproco. Portanto, o ponto de vista reformado sobre o determinismo deve ser tratado como um sistema total, semelhante ao naturalismo. Fica evidente que este é o método usado por muitos teólogos reformados, como se pode ver pelas descrições acima a respeito da ordem criada.

A pergunta que não cala é: “O modelo determinista reformado da ordem criada pode explicar tudo o que existe dentro desta ordem?”. Baseado no determinismo, a resposta seria: absolutamente não. A única maneira em que a resposta poderia ser “sim” seria se Deus fosse o autor do mal e, portanto, determinaria todos os atos maus do homem. Isto, porém, é impossível, pois Deus não pode ser a causa do mal e Deus ao mesmo tempo. Já expus acima a contradição envolvida em se associar Deus ao mal. Propor Deus como autor do pecado seria uma violação da lei da não contradição. É tão impossível Deus poder ser ou causar o mal quanto dois mais dois ser igual a cinco. Causar o pecado seria totalmente antitético ao que é essencialmente seu caráter: o Bom. O teólogo reformado Jonathan Edwards reconhece isto ao defender sua doutrina determinista contra a acusação de que ela torna Deus o autor do pecado. Ele diz:

48

Ibid., 173.

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Se por Autor do Pecado entende-se o pecador, o agente ou autor do pecado, ou aquele que comete algo perverso, seria uma vergonhosa blasfêmia supor que Deus seja o Autor do Pecado. Neste sentido, eu nego totalmente ser Deus o Autor do Pecado, rejeitando tal imputação contra o Ser Superior, sendo isto uma infinita abominação49.

Edwards prossegue sua tentativa de demonstrar que a doutrina que ensinava não resulta em tornar Deus o “autor do pecado”, no entanto, as implicações lógicas de seu determinismo não são diferentes das de Bavinck, Berkhof e Calvino. O ponto de vista reformado, como apresentado pelos teólogos analisados acima, deixa muito a desejar como retrato fiel da realidade. Ou este ponto de vista torna Deus autor do pecado e do mal, o que seria afirmar uma contradição lógica, ou então deve desistir de seu determinismo e permitir uma autodeterminação genuína (contrastado com a apresentação inconsistente discutida acima) das criaturas de Deus como opção mais viável. Uma concepção libertária da liberdade das criaturas de Deus (posição aceita por Lewis) é a única explicação válida para a existência do pecado e do mal na criação de Deus.

Deve-se entender que o pecado (ou o mal) não é uma realidade metafísica. Como explica Agostinho, o mal não é um ser, mas é a “privação do bem”50. A existência do pecado e do mal não é uma questão de ser ou de substância; é um problema de vontade, isto é, uma decisão de deixar de fazer o que é bom51. Pecado e mal não poderiam existir sem a existência de um ser dotado de livre arbítrio. Portanto, para que o pecado e o mal existam dentro do sistema determinista calvinista, Deus Se torna o único ser com livre arbítrio capaz de desejá-los.

Lewis sustenta que o naturalismo se torna uma cosmovisão autodestrutiva, pois, para poder defendê-la, seria necessário deixar de ser naturalista. A única maneira de um naturalista poder argumentar em favor da viabilidade de seu sistema pelo raciocínio lógico seria se colocar fora do sistema para poder escapar do determinismo. Senão, todo raciocínio do naturalista também é determinado, como todas as outras coisas que estão no sistema e não são confiáveis. De igual modo, eu argumento que o determinismo do calvinismo também é autodestrutivo, pois a única maneira com que um calvinista pode defender racionalmente a sua posição quanto ao problema do mal é deixar de ser

49

Jonathan Edwards, Freedom of the Will, in The Works of Jonathan Edwards with a Memoir by Sereno E. Dwight, revisado e corrigido por Edward Hickman, 2 vols. Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1990, 1: 76.

50 “O que, afinal, é o que chamamos de mal a não a privação do bem?... o mal não é uma substância... é um

acidente, isto é, a privação do bem que se chama saúde. Portanto, quaisquer que sejam os defeitos de uma alma são privações do bem natural”. (Enchiridion 3:11; veja também capítulo quarto do mesmo autor e sua obra Confessions, livro VII).

51 Citando mais uma vez Agostinho sobre este assunto: “Perguntei então o que seria a vilania, mas não achei substância, somente a perversidade de uma vontade distorcida em direção oposta a ti, Deus, a substância suprema, e voltada ao abismo – uma vontade que descarta sua vida interior e se incha com a vaidade externa” (Confessions, Book VII:16, 22).

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calvinista e propor uma posição apoiando uma concepção libertária para o livre arbítrio52.

CONCLUSÃO

Por um lado, o teólogo reformado fala do homem em termos da providência de Deus como sendo completa e totalmente controlada e determinada, como se o livre arbítrio fosse impossível. Por outro lado ele culpa o homem pelo pecado e pelo mal como resultado do seu livre arbítrio. Isto é teologicamente inconsistente e filosoficamente defeituoso. Não é nada mais do que querer ter razão em todas as circunstâncias. É um absurdo dizer que Deus pode realizar tal coisa simplesmente porque é soberano. Lewis deixa isto claro quando escreve:

Se escolher dizer: “Deus pode dar o livre arbítrio a um ser e ao mesmo tempo reter o livre arbítrio deste ser”, você não conseguiu dizer nada a respeito de Deus; combinações de palavras sem sentido não adquirem repentinamente um sentido quando acrescentamos estas duas palavrinhas: “Deus pode”53.

Se um sistema teológico começa mal desde a primeira cena do drama, qual a vantagem em tentar resgatar alguma coisa do que possa restar de sua história? Isto é ainda mais verdadeiro quando se considera que cada ato seguinte é dependente de como tudo começou. Ao contrário, deve-se recomeçar, apagar o quadro, “voltar à estaca zero”, como se diz, da mesma forma que se faz quando se erra um problema de aritmética. Acrescentar símbolos aritméticos e fazer mais cálculos se torna inútil. Deve-se recomeçar a resolução do problema com uma nova abordagem. Da mesma forma, o calvinista confrontado com o problema da resolução da tensão que é criada com a existência tanto de Deus como do mal dentro de seu sistema determinista precisa apontar os seus lápis.

Além do mais, o apelo ao mistério que se faz tão comumente dentro dos círculos calvinistas como solução para o problema não é nada mais do que um apelo à ignorância. Esta não pode ser a nossa base ou fundação para o entendimento do plano divino para a humanidade. Quem é Deus e o seu plano divino para a humanidade são fundações essenciais para o nosso entendimento de tudo o que conhecemos da realidade, inclusive a

52

Pode ser possível argumentar que o dilema moral não é o único problema do calvinismo, semelhantemente ao que Lewis faz ao argumentar contra o determinismo do naturalismo. Porém, o próprio fato de raciocinar pode ser um problema para o calvinista. Como explica Lewis, raciocínio implica uma liberdade genuína do pensamento; ele argumenta que o naturalismo não pode nos fornecer bases para podermos confiar em nosso raciocínio (nem mesmo nossos argumentos em favor do naturalismo!). Portanto, se nossos pensamentos, assim como nossas ações, são determinados por Deus, como sugere o calvinismo, então parece que temos um problema de confiabilidade nas nossas capacidades de raciocínio. Com certeza cremos que Deus é bom e, portanto, determinaria que pensássemos racionalmente, mas até esta crença faz uso da razão. Qualquer apelo à razão em um sistema determinista simplesmente não pode ser feito, a não ser que seja possível se colocar fora do sistema. Portanto, como pode o calvinista confiar em suas faculdades racionais?

53 C. S. Lewis, Problem of Pain. New York: Harper Collins, 2001, 18.

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própria possibilidade de se conhecer alguma coisa. Influenciam todas as nossas crenças com respeito à teologia, metafísica, epistemologia, antropologia e ética.

Toda a Bíblia depois do relato da criação está arraigada neste relato inicial e no que aconteceu no início dos tempos. Toda a história da redenção repousa em um entendimento correto do caráter de Deus. Se estivermos enganados quanto ao caráter de Deus e o plano divino para Suas criaturas, as conclusões às quais chegaremos quanto a tudo o mais nos afastarão das melhores explicações. Consequentemente, a base do nosso sistema de crenças não pode estar arraigada em um mistério inefável, no qual o calvinista baseia os decretos de Deus quanto ao destino do homem e da existência do pecado e do mal. Um sistema alternativo que tenha mais a oferecer deve ser escolhido.

Sem ter a intenção de ser presunçoso, quero esclarecer que não estou simplesmente desafiando o calvinista a suprir uma solução racional para este embaraço crítico da teologia reformada. Pelo contrário, estou afirmando que a teologia reformada é incapaz de providenciar tal solução devido à contradição flagrante dentro do sistema e suas implicações heréticas. Este problema para a teologia reformada é irremediável. Berkhof admitiu em citação anterior que, se fosse possível demonstrar que este sistema torna Deus o autor do pecado, isto o tornaria uma “objeção insuperável” – e assim o é. A única maneira de evitar a contradição é rejeitar o determinismo e optar pelo livre arbítrio libertário54. No entanto, teria como consequência o descarte da teologia reformada, pois ela está presa na arapuca do seu próprio determinismo.

Quando se faz um julgamento entre sistemas de pensamento concorrentes quanto às questões sobre a realidade suprema, deve-se praticar o princípio da inferência para a melhor explicação. Este princípio pode ser definido como “aceitar uma afirmação por ser a melhor explicação disponível para a evidência existente; chegar à conclusão que melhor explique suas premissas”55. Não é minha intenção apresentar no momento esta alternativa que dá a melhor explicação, apesar de acreditar que ela esteja disponível. Meu propósito neste estudo é demonstrar a necessidade premente de se trilhar outro

54

Alguns têm proposto o compatibilismo (ou o determinismo moderado [soft]) como alternativa ao determinismo radical (hard determinism), o tipo discutido neste ensaio, mas esta não é uma opção viável. Compatibilismo leva logicamente ao determinismo radical. Compatibilismo é o ponto de vista segundo o qual o homem pode ser tanto livre como objeto do determinismo ao mesmo tempo. Argumenta-se que o homem escolhe a ação a ser tomada baseada em seu maior desejo, enquanto que Deus influencia o seu desejo para os Seus devidos fins. Portanto, acredita-se que o homem escolhe o que livremente deseja fazer, apesar de que o que deseja é o que é determinado por Deus. Isto apenas empurra o problema do determinismo um passo para trás. A única coisa que o compatibilista fez foi introduzir um elemento intermediário à corrente causal, que se torna outro dominó nesta série dos desejos do homem. Estes desejos são determinados por Deus para ser o que são e são apenas as causas mais próximas, não as primárias. Isto ainda nos deixa com o problema de que a única razão pela qual o homem deseja agir de uma determinada maneira é que Deus estabeleceu que fosse assim. Este ponto de vista da liberdade exclui qualquer noção de autodeterminação. Se a autodeterminação não é reconhecida, não se pode dizer que o homem determina as suas escolhas pecaminosas. Deus permanece como o agente primário. Portanto, o compatibilismo não funciona e as únicas opções que restam são o determinismo radical ou o libertarismo.

55 Honderich, 407.

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caminho.

Sobre o autor:

Denny Kuhn é graduado em ciências pela Ball State University (Muncie, IN, EUA) e mestre em religião pela Reformed Theological Seminary (EUA); professor de filosofia e Novo Testamento da Hillsdale Free Will Baptist College (Moore, OK, EUA).