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o PODER JUDICIÁRIO EA CONSTITUIÇÃO SíLVIO DOBROWOLSKI Juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 4 a Região. Professor dos Cursos de pós-graduação em Direito da UFSC e da UNIVALI e da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Desde que promulgada, a Constituição de 1988 esteve na mira de poderosas forças políticas e econômicas, no sentido de não cumpri-la e de reformá-la, especialmente no que concerne aos direitos por ela reconhecidos. A idéia de que é causa de ingovernabilidade do País tornou-se moeda corrente, acriticamente proclamada aos quatro ventos pelos meios de comunicação de massa. Reduzir direitos sociais e diminuir aqueles conferidos ao funcionalismo público são apresentados corno algumas das medidas a serem tornadas, para efeito da salvação nacional. Em vista da predominância desse discurso, não se discutem questões corno a ineficiência dos governantes, o desperdício dos dinheiros públicos e a corrupção, a par da incapacidade empresarial para competir no mercado, sem o apoio maciço do Estado. Na mesma linha opressiva de argumentação, o Poder Judiciário, elevado pela Carta Magna a urna posição de capital importância, em vista das significativas funções atribuídas para a concretização do plano constitucional, também é submetido a corrosivos ataques. Em vez de se pensar na adoção de meios para lhe dar condições de atuar com maior eficácia, é proposto o seu controle externo, de modo a reduzir sua autonomia e com isto,

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o PODER JUDICIÁRIO E A CONSTITUIÇÃO

SíLVIO DOBROWOLSKI

Juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 4a Região. Professor dos Cursos de pós-graduação em Direito da UFSC e da UNIVALI e da

Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina.

Desde que promulgada, a Constituição de 1988 esteve na mira de poderosas forças políticas e econômicas, no sentido de não cumpri-la e de reformá-la, especialmente no que concerne aos direitos por ela reconhecidos. A idéia de que é causa de ingovernabilidade do País tornou-se moeda corrente, acriticamente proclamada aos quatro ventos pelos meios de comunicação de massa. Reduzir direitos sociais e diminuir aqueles conferidos ao funcionalismo público são apresentados corno algumas das medidas a serem tornadas, para efeito da salvação nacional.

Em vista da predominância desse discurso, não se discutem questões corno a ineficiência dos governantes, o desperdício dos dinheiros públicos e a corrupção, a par da incapacidade empresarial para competir no mercado, sem o apoio maciço do Estado. Na mesma linha opressiva de argumentação, o Poder Judiciário, elevado pela Carta Magna a urna posição de capital importância, em vista das significativas funções atribuídas para a concretização do plano constitucional, também é submetido a corrosivos ataques. Em vez de se pensar na adoção de meios para lhe dar condições de atuar com maior eficácia, é proposto o seu controle externo, de modo a reduzir sua autonomia e com isto,

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interferir nas suas decisões. Qualquer ato judicial que desagrade os detentores de parcelas do poder é, de logo, objeto de azedos comentários, bem reveladores da pouca paciência dos irresignados e de seu menosprezo pela instituição.

A exposição a seguir, que, a rigor, deve ser considerada uma glosa de idéias de Luigi Ferrajoli e de II Gomes Canotilho, busca examinar essa crise constitucional e avaliar os remédios propostos, bem como refletir sobre o significado atual da Constituição e o papel a ser atribuído ao Poder Judiciário para a efetiva realização de um Estado Democrático de Direito.

1. CRISE DE LEGALIDADE

Assiste-se, no momento atual, a um quadro de corrupção generalizada. Em toda a parte e também no Brasil, nele se envolvem empresários, funcionários da administração pública e políticos. Com freqüência são descobertos esquemas tentaculares para transferências, inclusive para o Exterior, de polpudas quantias, objeto de transações ilícitas, compreendendo membros do Parlamento, e ainda setores da administração, das finanças e da economia.

A par dessas atividades extralegais, promovidas pelos que deviam ser considerados componentes das elites do País, o crime organizado dissemina suas atividades, sem que em relação a ele, da mesma forma como para os primeiros, o sistema de controle jurídico demonstre eficiência.

Essa falta de resultados alcança as regras do jogo institucional, com a ocorrência da personalização do Poder, transmudando-se a legitimidade, de constitucional em pessoal. Aprova-se, por isso mesmo, emenda à Lei Maior, introduzindo, contra a tradição republicana do País, a possibilidade de reeleição dos Chefes do Executivo em todos os níveis da Federação.

O Congresso é relegado a papel secundário - e, pior, acomoda­se a essa situação - vindo a legislação a ser produzida por meio de medidas provisórias, interminavelmente repetidas, denotando

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2. A CRISE DO ESTADO

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evidente desprezo pelo sentido razoável do texto maIOr, que só autoriza sua edição, em situações especiais.

A Carta Magna, outrossim, é apontada como causa de ingovernabilidade, por se constituir em entulho de regras e promessas impossíveis de serem cumpridas, a merecer profunda e imediata revisão, a fim de descaracterizá-la, de modo a transformá-la em outra que reflita os desejos do Governo, de sua tecnocracia e dos grupos econômicos e financeiros que os acompanham.

O desapreço pela Constituição revela-se nos conflitos entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, porque aquele não suporta a independência do segundo, ao dizer que este, por aplicar a Lei Maior, desserve aos interesses nacionais. O freqüente descumprimento de decisões judiciais, causando o acúmulo de precatórios não pagos, demonstra bem a erosão do valor das regras que regulamentam as relações entre esses poderes.

2. A CRISE DO ESTADO SOCIAL

Outro aspecto a ser destacado, é o que se convencionou chamar de crise do Estado Social. Como solução, se propugna restaurar, sem maiores ponderações, o figurino do Estado Liberal. Cabe, a propósito, referir que o Liberalismo atribuía ao Estado função que consistia, maiormente, em não invadir a esfera reservada aos indivíduos pelas declarações de direitos, em especial o campo de sua atividade econômica.

A crise sob enfoque atinge os direitos SOCIaIS, para cuja realização se exigem prestações positivas do Estado, que, à míngua de garantias jurídicas apropriadas, terminam ficando ao alvedrio dos detentores do Poder. Em conseqüência, ocorre no País o enorme crescimento da dívida social, a absurda desigualdade na distribuição de renda, a elevação do nível de desemprego e o aumento do atraso das regiões menos desenvo lvidas.

Enquanto instrumentos processuais refinados, tutelam a propriedade e a liberdade - principalmente em favor dos estratos

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sociais mais aquinhoados - problemas de alimentação, moradia, saúde e educação dos menos favorecidos restam sem solução, descumpridas as promessas consignadas nos direitos sociais.

A título de efetivá-los, o pêndulo do Poder fixa-se no Executivo. Os reclamos das tecnocracias e dos grupos habituados a extrair proveito dos cofres públicos geram inflação legislativa, a desvalorizar a norma jurídica, que perde em abstração e generalidade. A ordem legislada deixa de ser fonte de certeza e de segurança, para se transmudar em instrumento de arbítrio e de corrupção.

Em virtude da falta de efetividade dos direitos sociais, são apresentadas propostas para reduzi-los e mesmo para sua supressão, em grande parte. Pretende-se deixar a economia e as relações entre as classes sociais sob o comando do mercado. Essa é a bandeira dos setores neoliberais, esquecidos das crises do capitalismo, que justificaram a presença ativa e regulatória da instituição estatal na ordem econômica. Também se combate a expansão do Estado - que, em verdade, necessita ser contida e reduzida para maior eficácia da atuação do poder político. Todavia, os mais ardentes defensores dessas idéias pensam antes em vantagens pessoais e lucros fáceis, como, à guisa de exemplo, assim podem ser identificados os resultantes das privatizações pagas com moedas podres ou a preços ínfimos, ou ainda, segundo é proposto para algumas rodovias, a sua reparação e modernização por conta dos cofres governamentais ou mediante empréstimos obtidos pelo Estado, e a sua subseqüente entrega à iniciativa privada, a fim de que esta proceda à exploração das mesmas, sem prévio desembolso de recursos próprios.

3. A CRISE DA SOBERANIA

Também deve ser objeto de consideração, a real perda de substância do poder soberano do Estado, com a ascensão de novas fontes de produção jurídica. A nível externo, o fenômeno das integrações regionais exclui da capacidade decisória da

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organização estatal diversos tópicos, que passam a ser regidos por meio de acordos internacionais.

A globalização, por outro lado, implica o pontilhamento das fronteiras. Não apenas as relações comerciais e financeiras se regulam em consonância com exigências externas, mas igualmente assuntos como direitos humanos, políticas sociais e questões ambientais são objeto de pressões oriundas do exterior. Assim, a Constituição de 1988, em seu art. 5°, § 2°, assegura a integração no rol dos direitos fundamentais daqueles decorrentes (... ) dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A cláusula é interpretada por :liguns, no sentido de bastar, para essa incorporação, a adesão do País ao tratado, desnecessária qualquer medida interna para sua inserção no ordenamento jurídico pátrio.

O exemplo europeu da criação de um direito comunitário subtraído do controle parlamentar, ou de vínculos constitucionais, ilustra de modo conveniente, a afetação da soberania dos Estados, tratando-se de fenômeno que muito em breve será reproduzido na esfera do Mercosul.

No âmbito interno, o poder do Estado vê-se em frente a interlocutores das ordens econômica, social e cultural, como as poderosas organizações sindicais, os grandes aglomerados econômicos, os grupos religiosos influentes ou os movimentos sociais reivindicatórios com elevada capacidade de militância, cada um deles buscando conformar a ordem jurídica estatal, ou apresentando normas de sua produção, para suplantar o Direito do Estado.

Esse pluralismo de fontes de produção jurídica dotadas de autonomia e eficácia normativa própria, indica que a soberania

. perde a unicidade, um dos atributos a ela reconhecidos pela teoria política clássica. O Estado deixa de ser o centro produtor exclusivo ou mais importante do Direito. Torna-se impossível conter os poderes dispersos pelos sistemas sociais, assim como se opor às imposições externas. A independência transforma-se em vã retórica; a condição estatal de poder mais alto no interior se

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toma em partilha ou, até, inferioridade face aos macropoderes sociais.

4. A SOLUÇÃO AVENTADA

A crise do Direito, nos aspectos antes expostos, corre o risco de se transformar em crise da Democracia, porque esta se apoia nos pilares do Estado de Direito e da soberania popular, que somente subsistem quando os poderes se sujeitam à lei, na sua compreensão de artefato normativo publicamente produzido e igualmente aplicado a todos os cidadãos. No dizer de Ferrajoli, a crise do princípio da legalidade, permíte a reprodução, no seio dos nossos ordenamentos, de formas neo-absolutistas de poder público, isentas de limites e de controles e governadas por interesses fortes e ocultos. (Ferrajoli, 1997:91).

Em nível de Constituição, ocorre a perda do sentimento constitucional, da vontade de Constítuição, na terminologia de Konrad Hesse, com a concomitante queda de sua força normativa, escancarando-se a porta do arbítrio, o que aponta para o possível esmagamento das liberdades e o desprezo pelos direitos sociais.

Alguns autores falam em perda da capacidade reguladora do Direito, em vista da elevada complexidade da sociedade contemporânea. Apontam eles para uma crescente incoerência, incompletude, opacidade e ineficácia do sistema jurídico.

Direito e Estado, para essa visão, estariam esgotados, incapazes de realizar de forma satisfatória as funções para que foram idealizados, em especial a de organizar racionalmente as relações sociais. Günther Teubner propõe um direito reflexivo em que a ele (e ao Estado) caberá o papel de guia e não a direção da sociedade, procedendo-se a outorga, aos diferentes subsistemas sociais, da faculdade de auto-regulação dos seus problemas internos, com acentuada autonomia de atuação.

Essa corrente doutrinária se liga ao pensamento pós-moderno, que critica a idéia de unidade da Razão, adotada pela filosofia iluminista, em cujo seio foram gestados o Direito e o Estado Constitucional modernos, que agora são postos em causa. Os

SÍLVIO DOBROWOLSKI

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5. CRÍTICA DAS POSlÇi NEOLIBERAIS

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rURÍDIcA - INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

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arautos do pós-modernismo rejeitam a razão universalizante, em prol de um saber fragmentado e contextual, limitado no espaço e no tempo, próximo do doméstico e do cotidiano. Daí, a importância que emprestam ao pluralismo jurídico e à transnacionalização, para afastar a idéia da unidade do Direito e a validade da afirmação de que o Estado é o centro monopolizador da violência física legítima. Os pensadores desta corrente colocam em dúvida a capacidade reguladora do Direito e disseminam a idéia de perda de confiança na razão jurídica (Pardo, 1996:20-22).

Com respeito à Constituição, diz-se que não mais pode ser considerada como centro de um conjunto normativo finalístico e diretivo da sociedade. O Direito Constitucional passa a ser visto como voltado a estabelecer processos de informação e mecanismos de redução das interferências entre os sistemas sociais, tidos como autônomos (v. g., jurídico, econômico, social e cultural). A Constituição pós-moderna não deve conter diretivas para uma ação transformadora da sociedade. É mero direito processual, não substantivo, ecológico e mediaI.

Segundo David Wilson de Abreu Pardo (Pardo, 1996:24), um estatuto constitucional dessa espécie adapta-se, com perfeição, a um indivíduo que é um pós-sujeito, personagem incapaz de criar projetos existenciais e que se deixa levar por acontecimentos e por sistemas, não passando de mero espectador indiferente.

5. CRÍTICA DAS POSIÇÕES PÓS-MODERNAS E NEOLIBERAIS

O constitucionalismo pós-moderno serve para pessoas iguais ao simpático, mas lastimável personagem cinematográfico Forrest Gump, que, na aguda observação de Luiz Alberto Warat, corre pelo mundo sem objetivos, é o homem condenado a não investir; o representante de um tipo humano absolutamente acomodado às circunstâncias, que por ele resvalam. (Warat, 1996:80 e 84). Um tipo assim é capaz de aceitar a dominação por meio de sistemas que se auto-regulam e viver sua existência tangido pelos fatos, sem pensar em modificá-los, sem tentar melhorar a sua condição e

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a de seus semelhantes, e dar um sentido à própria vida, para deixar um rastro de sua passagem no planeta.

Neoliberais e pós-modernos propõem o desmonte do Estado Social e o fim da normatividade da Constituição, sem apresentar qualquer alternativa humana, oferecendo, em vez disso, entidades abstratas como o mercado e a autopoieses sistêmica. Em última análise, suprimem os problemas detectados, deixando de lhes dar solução, na ingênua crença de que as coisas, na vida social, ajustam-se, por si mesmas, independente de esforço consciente dos homens.

As posições pós-modernas apontam para um Direito sem Estado, e a disseminação do poder em uma multiplicidade de sistemas dotados de autonomia e indiferentes entre si. Uma sociedade constituída desse modo representaria uma forma neo­feudal de organização, com a grave conseqüência de que a dispersão dos focos decisórios resultaria, com certeza, na dominação pelos detentores do poderio econômico, inclusive pelo capital internacional, ou por potentados locais, livres de todo o controle por parte do poder público, da regulação pela sociedade como um todo.

Ilegalidade generalizada, pluralidade de fontes e caos normativo estão presentes no dia-a-dia, como indicadores do mau funcionamento da ordem jurídica. A medicação oferecida, que se pode resumir na drástica redução do Direito estatal, compreendendo, inclusive, a retirada de elementos substantivos da Constituição, não se apresenta, no entanto, como adequada.

Assim é, porque o diagnóstico se funda em uma falácia que Luigi Ferrajoli denomina de naturalística ou determinista, consistente no pressuposto de que os nossos sistemas jurídicos seriam como são porque não poderiam ser de outra maneira. (Ferrajoli, 1997:92). Se é preciso, prossegue esse autor, evitar o erro oposto, de caráter normativista, em que se confunde o Direito com a realidade, passar do mundo do ser, dos fatos, para o dever ser é também grave defeito de raciocrnio. A ineficácia dos direitos, a violação habitual das regras jurídicas pelos ocupantes de cargos públicos, a proliferação normativa e a confusão de

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fontes, não constituem algo deterministicamente necessário nem sociologicamente natural. O Direito é uma realidade artificial, construída pelos homens, cabendo aos juristas excogitar meios capazes de pôr cobro às deficiências, ao invés de aderir à solução simplista de adotar uma postura desvinculada da racionalidade e consistente em uma solução sistêmica, desprovida dos mínimos parâmetros de racionalidade.

É necessário, sem dúvida, ter em conta as deficiências do funcionamento efetivo do Direito e do Estado, para proceder às readaptações indispensáveis. O que não se pode, em vista dessas falhas funcionais, é desacreditar, desde logo, da capacidade da razão jurídica.

6. A INDISPENSABILIDADE DO ESTADO E DA CONSTITUIÇÃO

A constatação de que as instituições não funcionam com a eficácia desejável, de modo algum justifica que se pense em descartá-las na linha sugerida pelas propostas sistêmica e neoliberal. Isso equivale a desprezar a experiência duramente acumulada no curso da História, e na base da qual se formou a civilização ocidental. Os equívocos da razão não bastam para afastá-la da direção das relações humanas. Ao contrário, é preciso reconhecer os erros e tentar corrigi-los, em vez de assumir posturas anti-racionais e, com isso dar azo à ocorrência de males muito piores e fora de qualquer controle.

É preciso aperfeiçoar a ordem jurídica, mondar os excessos e reparar as falhas do Estado Social e proceder, ainda, à adaptação da Constituição às realidades da nossa época, preservando a sua força regulatória. Em particular, nos países de Terceiro Mundo, tais instrumentos não podem ser dispensados, se o que se deseja é, sob algum prisma, diferente da permanência no subdesenvolvimento e da submissão a interesses estrangeiros ou a outros, internos, eticamente descompromissados e, até, portadores de pretensões subalternas, como serve de exemplo a dominação dos traficantes sobre as favelas cariocas (Pardo, 1996:26).

REVISTA JURíDICA - INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO54 sfLVIO DOBROWOLSKI

A fragmentação do poder em instâncias desligadas de um centro diretivo não servirá para impedir essas ocorrências indesejadas. Pelo contrário, permitirá que venham a acontecer, em razão da falta de uma estrutura organizacional adequada para combatê-las. Por enquanto, não existe instrumento capaz de substituir o Estado e sua ordem jurídica, para a efetivação de uma convivência social em que se respeite a dignidade humana.

Podem-se adiantar algumas características da organização estatal, a fim de adequá-la às necessidades do tempo presente. Assim, o Estado:

1°) deve continuar como centro nacional de identidade cultural;

2°) terá de buscar maior articulação com outras entidades da mesma natureza, em vista de uma desejada integração regional;

3°) precisa efetuar uma abertura para a globalização, quanto a problemas cujo tratamento ultrapassa as fronteiras estatais, como os direitos humanos, a preservação de recursos naturais e do meio ambiente;

4°) no seu interior, tratará de conviver em um tom menos autoritário, talvez quase-contratual, com os outros poderes sociais, no intuito de formular políticas e decisões em consonância aos legítimos interesses coletivos e também dos grupos envolvidos, cabendo repassar a estes as tarefas que possam realizar, com alívio da estrutura e das atividades estatais;

5°) deverá permitir soluções informais de problemas, desde que sejam conformes aos valores e princípios expressos na Constituição.

Com relação a esta, cumpre atualizá-la, valendo referir algumas das sugestões preconizadas por J. 1. Gomes Canotilho, em palestra na qual defendeu um constitucionalismo moralmente reflexivo. Para ele, é preciso abandonar a idéia soviética da Constituição plano e balanço, que resultou da má utopia do sujeito projectante, e transformou a Lei Maior em caminho de ferro social e espiritual (... ) onde a propriedade estatal dos meios de produção se misturava em ditadura partidária e coerção moral e psicológica. (Canotilho, 1996:9).

Um segundo ponto versad diz com a diminuição do emprego de modelos regulatl é, modelos de autodireção s( modelos neocorporativos, p, conducente a regulações (Canotilho, 1996:9).

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DICA - INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

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Um segundo ponto versado pelo ilustre constitucionalista luso diz com a diminuição do molde estatizante, para admitir o emprego de modelos regulativos típicos da subsidiariedade, isto é, modelos de autodireção social estatalmente garantidos até os modelos neocorporativos, passando pela forma de delegação conducente a regulações descentradas e descentralizadas. (Canotilho, 1996:9).

O abandono do autismo nacionalista e patriótico, com abertura para a internacionalização e, no caso brasileiro, igualmente para a integração sul-americana, é outra sugestão deste autor, para a transformação das ordens jurídicas nacionais em ordens jurídicas parciais, nas quais as Constituições são relegadas para um plano mais modesto de leis fundamentais regionais (Canotilho, 1996:10).

Doutra parte, além dos fins básicos imanentes ao Estado, que são a preservação da paz e da segurança, cabe à Constituição estipular tarefas estatais, todavia sem fazê-lo de forma esgotante, nem de modo a implicar o monopólio do desempenho delas pelo Estado (Canotilho , 1996: 12). A Carta Magna não pode ser um mero processo tecnocrático útil para permitir o funcionamento autônomo de sistemas sociais. Deve preocupar-se com sua legitimidade, e por isso traçar as pautas mínimas de convivência, que se compõem do complexo de direitos e liberdades definidores das cidadanias pessoal, política e econômica intocáveis pelas maiorias parlamentares. (Canotilho, 1996: 14).

Não se deve perder de vista a advertência consignada por Canotilho, de ser necessária uma atitude responsável do constituinte, em ordem a ser parcimonioso na outorga de concessões, sob pena de haver grandiloqüência de palavras e nulidade de resultados. Os direitos prometidos precisam ter virtualidade de concretização, para não se tornarem em geradores de crises, em vista de seu descumprimento, muitas vezes resultante da ausência de meios materiais para efetivá-los. (Canotilho, 1996: 14).

À Constituição descabe, de certo, descer a particularismos com o uso de regulações excessivamente minuciosas e a perda da

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indispensável generalidade de suas normas, causando o conseqüente engessamento das opções políticas. Impropriedades dessa espécie podem ser identificados na Constituição de 1988:

a) a proibição do pluralismo sindical (art. 8°, II);

b) a estipulação de prazo prescricional trabalhista (art. 7°, inc. XXIX);

c) a proteção especial do Estado aos garimpeiros (art. 174, § 3°);

d) o turismo como objeto de promoção e incentivo (art. 180);

e) a gratuidade do ensino público em todos os graus e indistintamente para qualquer pessoa, sem consideração sobre sua concreta situação econômica (art. 206, inc. IV).

7. O JUDICIÁRIO E AS CRISES

As crises do Estado e do Direito apresentam-se como perfeitamente administráveis pela razão jurídica, mesmo porque esta enfrentou, com êxito, problemas muito mais difíceis, erigindo esse singular e extraordinário paradigma teórico e normativo que é o Estado de Direito (Ferrajoli, 1997:92). Como expõe Luigi Ferrajoli:

A situação do direito própria do ancien régime era bastante mais complexa, irracional e desregulada do que a de hoje. A selva das fontes, o pluralismo e a sobreposição dos ordenamentos, a inflação normativa e a anomia jurídica dos poderes que os clássicos do jusnaturalismo e do iluminismo, de Hobbes a Montesquieu e a Beccaria, tiveram de enfrentar, formavam um quadro seguramente mais dramático e desesperante do que aquele que surge aos nossos olhos (Ferrajoli, 1997:92).

Para o jurista peninsular, o desafio atual não é mais difícil do que o enfrentado há dois séculos. Hoje, a razão jurídica dispõe de um instrumento decorrente do progresso do constitucionalismo, e que consiste no fato de que o Direito é construído como um sistema artificial de garantias constitucionalmente preordenado à tutela dos direitos fundamentais. (Ferrajoli, 1997:93)

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A Constituição, em nossos dias, não traça apenas preceitos sobre as formas procedimentais de criação das leis, mas inclui normas substanciais vinculantes do Poder Legislativo, que lhe impõem ou vedam determinados conteúdos legais.

Esses vínculos de substância compreendem os direitos fundamentais, tanto as liberdades, os direitos sociais, quanto os direitos coletivos e difusos. Em conseqüência, a validade do Direito não depende, conforme entendia o normativismo formalista, apenas da legitimidade formal. É preciso, além disso, que seja observada a legitimidade material, com a realização da ordem de valores fundamentais encarnada no texto maior.

Entre as garantias de sua concretização sobressai a função tutelar dos direitos, que é atribuída ao Poder Judiciário. Destacam­se, então, as técnicas jurídico-processuais que buscam assegurar a máxima efetividade desses valores fundamentais, pela intervenção judicial. Quando se trata dos direitos individuais, elas funcionam para anular os atos do Poder que os tenha violado. Para os direitos sociais, compreendem instrumentos de coerção ou sanção contra a omissão de medidas que os concretizem. Aqui, situam-se o mandado de injunção, a ação de inconstitucionalidade por omissão e em certos casos, as ações civil pública e popular. Os outros remédios compreendem o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, a argüição de inconstitucionalidade por via de exceção e a ação direta declaratória de inconstitucionalidade.

Com esses meios busca-se proteger e fazer realizar uma Constituição que estabelece as amarras de uma democracia substancial, em que se cuida não somente ,.das regras formais do jogo, mas também dos preceitos materiais que devem presidir a vida em coletividade. Ressalta que a tarefa de verificar a conformidade dos atos normativos aos preceitos constitucionais, bem ainda a regularidade da atuação administrativa frente aos direitos fundamentais, cabe à jurisdição, pelo que esta recebe considerável reforço na relevância de seu papel na distribuição das funções estatais, cumprindo-lhe fiscalizar os demais Poderes. Torna-se mais forte a legitimação do Poder Judiciário, indispensável para efetivar o plano da Lei Magna, e reafirma-se a

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necessidade de sua independência, para bem cumprir com suas atribuições.

O Poder Judiciário exerce o papel de guardião dos direitos fundamentais e da própria Constituição, ainda mais porque lhe cabe dizer da constitucionalidade dos atos normativos. Toca-lhe, por isso, controlar os outros poderes, para mantê-los dentro dos limites traçados pelas normas constitucionais. Desse modo, se o Judiciário não se legitima através do voto popular, o faz pelo seu desempenho, porquanto sua legitimação provém da própria Lei Fundamental, que atribui direitos a todos e a cada um em particular, mesmo contra a maioria. Como é assim, a proteção desse direito exige, consoante assinala Luigi Ferrajoli, a presença de um juiz imparcial e independente, subtraído de qualquer vínculo com os poderes assentes na maioria, e em condições de poder censurar, como inválidos ou ilícitos, os atos praticados no exercício desses poderes (Ferrajoli, 1997:101). A legitimidade e a independência judiciais são democráticas porque decorrem, conforme exposto, da função de garantia dos direitos fundamentais, sobre os quais se baseia a democracia substancial da Constituição.

Na atividade de verificação da compatibilidade das leis e dos atos com os preceitos da Carta Magna, o Judiciário como intérprete desta, deverá promover o desenvolvimento da Constituição, realizando o diálogo entre suas normas e a realidade social em constante mudança. O texto maior compõe um sistema aberto de valores, princípios e normas, permitindo que a definição do sentido de tais elementos possa ser efetuado em consonância com as idéias e expectativas sociais ocorrentes em determinado momento histórico.

Ressai, também por esse motivo, a importância da função judicial, encarnando o juiz, como intérprete da Lei Magna, a razão jurídica que ideou a democracia constitucional. Cabe-lhe evidente papel de relevo para atenuar, em boa parte, a crise da Constituição e do Estado Social. É necessária uma atuação consciente da importância do papel desempenhado pela instituição judiciária, em face das tremendas ameaças à ordem jurídica. Para tanto, haverá de arrostar a má vontade dos outros Poderes estatais e de

setores dos poderes sociais, que resultados favoráveis em sua atl de pisotear a lei e os direit constantes ataques à independê] dos meios de comunicação soc transformar a Justiça em men poder. A luta democrática, autonomia do Poder Judiciário, direitos e, por isso mesmo, corr e da Constituição.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOG/t.

CANOTILHO, José Joaquim ( Constituição Dirigente? L Moralmente Reflexivo. Ca( Ciência Política, n° 15, p. 7

FERRAJOLI, Luigi. O Direito de Eduardo Maia Costa. 1 Oliveira Júnior, José A Livraria do Advogado, 199

PARDO, David Wilson Constitucionalismo no UFSC/CPGD, 1996, polico

WARAT, Luiz Alberto. Po Joaçaba/Florianópolis, UNJ

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setores dos poderes sociais, que buscam, a todo o custo, alcançar resultados favoráveis em sua atuação, ainda que para isso tenham de pisotear a lei e os direitos. Compreendem-se, assim, os constantes ataques à independência judicial, orquestrados através dos meios de comunicação social, buscando destruí-la, a fim de transformar a Justiça em mero instrumento dos detentores de poder. A luta democrática, de momento, é preservar essa autonomia do Poder Judiciário, por sua ligação com a garantia dos direitos e, por isso mesmo, com a defesa da dignidade do homem e da Constituição.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente? Defesa de um Constitucionalismo Moralmente Reflexivo. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n° 15, p. 7-17, Abr/Jun, 1996.

FERRAJOLI, Luigi. O Direito como Sistema de Garantias. Trad. de Eduardo Maia Costa. In: O novo em Direito e Politica. Oliveira Júnior, José Alcebíades COrg.). Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997. pp. 89-109.

PARDO, David Wilson de Abreu. Caminhos do Constitucionalismo no Ocidente. Florianópolis, UFSC/CPGD, 1996, policopiado.

WARAT, Luiz Alberto. Por Quien Cantan las Sirenas. JoaçabalFlorianópolis, UNIOESC/CPGD - UFSC, 1996.