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1 PODER NAVAL E AQUISIÇÕES DE DEFESA CANADENSE: ANÁLISE DOS SUBMARINOS CLASSE VICTORIA Jéssica Pires Barbosa Barreto 1 RESUMO O Poder Marítimo visa garantir os interesses e a soberania do Estado no mar, sendo o Poder Naval o seu braço armado capaz de assegurar os objetivos estratégicos definidos pelos seus documentos e políticas de defesa. Nesse sentido, os submarinos são instrumentos pelos quais o poder naval pode ser expresso. Tendo surgido durante o século XIX, sua principal característica é a capacidade de operar de forma oculta. Assim, o Canadá se enquadra no grupo de países que possuem submarinos convencionais no seu arsenal. Sendo o segundo maior país do mundo em extensão territorial e tendo os Estados Unidos da América como seu vizinho, o Canadá apresentou problemas de cortes massivos na pasta de defesa, sucateamento dos equipamentos militares e grandes atrasos em seus processos de aquisição desde o fim da Guerra Fria. A aquisição dos Submarinos Upholder em 1998, rebatizados como Classe Victoria, constituiu uma compra de oportunidade, sendo adquirido do Reino Unido após o mesmo resolver operar apenas submarinos nucleares. Entretanto, a aquisição gerou opiniões divergentes: apesar de muitos especialistas afirmarem que o custo dos equipamentos seria maior do que o previsto, já que alguns deles apresentaram problemas técnicos e todos tiveram que ser adaptados para o uso de mísseis tipicamente usados pela Marinha do país, além de não possuírem a capacidade de operar no Ártico durante todo o ano; outros afirmam que era a única opção viável do país naquele momento. Portanto, o presente trabalho tem como objetivo, através da utilização de fontes primárias e secundárias, analisar a aquisição dos submarinos da Classe Victoria, buscando avaliar não só as vantagens e desvantagens desse processo, mas também do contexto em que o país estava inserido e a importância dos submarinos para o poder naval Canadense. PALAVRAS-CHAVE: Poder Naval; Aquisições de defesa; Canadá; Submarinos. ABSTRACT Maritime Power aims to guarantee the interests and sovereignty of the State at sea, and the Naval Power is its armed arm capable of securing the strategic objectives defined by its defense documents and policies. In this sense, submarines are instruments by which naval power can be expressed. Having emerged during the nineteenth century, its main feature is the ability to 1 Mestranda em Estudos Marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN) e em Estudos Estratégicos pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense (PPGEST/UFF). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (RI/UERJ) Email: [email protected]

PODER NAVAL E AQUISIÇÕES DE DEFESA …...SUBMARINOS CLASSE VICTORIA Jéssica Pires Barbosa Barreto1 RESUMO O Poder Marítimo visa garantir os interesses e a soberania do Estado no

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PODER NAVAL E AQUISIÇÕES DE DEFESA CANADENSE: ANÁLISE DOS

SUBMARINOS CLASSE VICTORIA

Jéssica Pires Barbosa Barreto1

RESUMO

O Poder Marítimo visa garantir os interesses e a soberania do Estado no mar, sendo o Poder

Naval o seu braço armado capaz de assegurar os objetivos estratégicos definidos pelos seus

documentos e políticas de defesa. Nesse sentido, os submarinos são instrumentos pelos quais o

poder naval pode ser expresso. Tendo surgido durante o século XIX, sua principal característica

é a capacidade de operar de forma oculta. Assim, o Canadá se enquadra no grupo de países que

possuem submarinos convencionais no seu arsenal. Sendo o segundo maior país do mundo em

extensão territorial e tendo os Estados Unidos da América como seu vizinho, o Canadá

apresentou problemas de cortes massivos na pasta de defesa, sucateamento dos equipamentos

militares e grandes atrasos em seus processos de aquisição desde o fim da Guerra Fria. A

aquisição dos Submarinos Upholder em 1998, rebatizados como Classe Victoria, constituiu

uma compra de oportunidade, sendo adquirido do Reino Unido após o mesmo resolver operar

apenas submarinos nucleares. Entretanto, a aquisição gerou opiniões divergentes: apesar de

muitos especialistas afirmarem que o custo dos equipamentos seria maior do que o previsto, já

que alguns deles apresentaram problemas técnicos e todos tiveram que ser adaptados para o uso

de mísseis tipicamente usados pela Marinha do país, além de não possuírem a capacidade de

operar no Ártico durante todo o ano; outros afirmam que era a única opção viável do país

naquele momento. Portanto, o presente trabalho tem como objetivo, através da utilização de

fontes primárias e secundárias, analisar a aquisição dos submarinos da Classe Victoria,

buscando avaliar não só as vantagens e desvantagens desse processo, mas também do contexto

em que o país estava inserido e a importância dos submarinos para o poder naval Canadense.

PALAVRAS-CHAVE: Poder Naval; Aquisições de defesa; Canadá; Submarinos.

ABSTRACT

Maritime Power aims to guarantee the interests and sovereignty of the State at sea, and the

Naval Power is its armed arm capable of securing the strategic objectives defined by its defense

documents and policies. In this sense, submarines are instruments by which naval power can be

expressed. Having emerged during the nineteenth century, its main feature is the ability to

1 Mestranda em Estudos Marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de

Guerra Naval (PPGEM/EGN) e em Estudos Estratégicos pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade

Federal Fluminense (PPGEST/UFF). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (RI/UERJ) Email: [email protected]

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operate in a hidden way. Thus, Canada fits into the group of countries that have conventional

submarines in their arsenal. Canada being the second largest country in the world in territorial

extension and having the United States of America as its neighbor, Canada presented problems

of massive cuts in the defense portfolio, scrapping of military equipment and great delays in its

acquisition processes since the end of the War Cold. The acquisition of the Upholder

Submarines in 1998, renamed as Victoria Class, was an opportunity purchase, being purchased

from the UK after it resolved to operate only nuclear submarines. However, the acquisition

generated divergent opinions: although many experts say that the cost of the equipment would

be higher than expected, since some of them presented technical problems and all had to be

adapted for the use of missiles typically used by the country's navy, besides not having the

capacity to operate in the Arctic throughout the year; others claim that it was the country's only

viable option at the time. Therefore, the objective of this work is to analyze the acquisition of

Victoria Class submarines using primary and secondary sources, aiming to evaluate not only

the advantages and disadvantages of this process, but also the context in which the country was

inserted and the importance of submarines for Canadian naval power.

KEYWORDS: Naval Power; Defense Acquisition; Canada; Submarines.

1. INTRODUÇÃO

A história recente dos Estados é marcada por conflitos bélicos de grandes proporções

entre os mesmos. Esses embates tiveram como principais destaques os avanços científicos e

tecnológicos originados, principalmente, durante a Segunda Revolução Industrial (século XIX

– XX). Assim, com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) sendo fortemente influenciada pela

industrialização e pela mobilidade da comunidade científica para produtos que pudessem ser

usados em conflitos, há um crescimento exponencial do avanço tecnológico no século XX, com

a tecnologia cada vez mais dependente do conhecimento científico, passando a ser mercadoria

e fator de produção.

Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), é possível observar uma consolidação

das relações entre política e academia no âmbito da tecnologia, com os Estados Unidos da

América (EUA) sendo os principais inovadores na forma como lidar com a comunidade

científica no âmbito governamental, possuindo um assessor de ciência e tecnologia dentro da

Casa Branca. Com o projeto Manhathan, há a emergência da Big Science, que consiste na

organização de diversos cientistas de especialidades diferentes trabalhando numa pesquisa

única. O desenvolvimento da arma nuclear muda a percepção da comunidade científica como

ferramenta de poder.

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Assim, a tecnologia é um fator capaz de alterar a dinâmica dos conflitos. Por isso, o

desenvolvimento científico associado ao avanço tecnológico passou a ser visto como uma

ferramenta para garantir a segurança e integridade do Estado soberano. Dessa forma, as

potências passam a investir em pesquisa e desenvolvimento para garantir sua supremacia

tecnológica em relação aos outros. Entretanto, nem todos os Estados têm a possibilidade de

possuir esses conhecimentos, tendo que recorrer a aquisição de equipamentos militares de

outros países para garantir a capacidade de atuação das suas forças armadas contra possíveis

ameaças.

O Canadá é o segundo maior país do mundo em extensão territorial – 9.984.670 km² 2 -

, composto por dez províncias e três territórios. Apesar do grande território, apresenta

problemas demográficos, possuindo uma população relativamente pequena3. Principalmente

por causa da sua localização geográfica, tem como principal aliado histórico os EUA, seu

vizinho. Além disso, em função de suas raízes históricas, tendo sido colônia britânica e ainda

mantendo a aliança histórica com o Reino Unido, sendo o monarca daquele país reconhecido

como chefe de Estado do Canadá, tem no Estado europeu outro grande aliado. O país é banhado

por três oceanos – Atlântico, Pacífico e Ártico -, possuindo uma das maiores costas do mundo.

Figura 1 – Mapa geográfico do Canadá

2 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook. Disponível em:

https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ca.html. Acesso em: 18 mai. 2018. 3 Segundo dados do censo de 2016, a população canadense era de 35.151.728, com densidade populacional de

3.9hb/km². Disponível em: < http://www12.statcan.gc.ca/census-recensement/index-eng.cfm?MM=1> Acesso

em: 08 Jul. 2018.

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Fonte: The World Factbook

Dado o tamanho da sua costa e das questões políticas e de segurança envolvendo,

principalmente, o Ártico, há a necessidade de preparo da sua Marinha para garantir sua

soberania; entretanto, a redução contínua do tamanho da frota e o envelhecimento dos seus

recursos não permite que ele proteja de forma satisfatória seus interesses marítimos (CENTRE

D’ÉTUDES STRATÉGIQUES DE LA MARINE, 2018, p. 1). Assim, as aquisições de defesa

entram nesse cenário como uma ferramenta do Estado para lidar com as questões relativas à

renovação e preparação das suas forças.

Portanto, este artigo tem como objetivo apresentar a relação entre a necessidade de

afirmação do poder naval canadense e as suas aquisições de defesa, através da análise do caso

das aquisições dos submarinos de Classe Victória (1998). Buscando analisar as vantagens e

desvantagens dessa compra de oportunidade, parte-se da ideia de que contexto em que o país

estava inserido e pressões domésticas influenciaram as negociações políticas da época.

Assim, para cumprir o objetivo de análise proposto, o trabalho será dividido em três

partes. A primeira parte trará o embasamento teórico que será usado para a compreensão do

objeto, englobando os conceitos e relações necessários. A segunda parte tratará de forma mais

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assertiva no que consiste “aquisições de defesa” e a terceira trará a análise do caso específico

dos submarinos canadenses. Será utilizada neste estudo metodologia exploratória, através da

revisão de literatura pertinente ao tema. Serão utilizados artigos acadêmicos, livros e

documentos oficiais.

2. MARCO TEÓRICO

2.1. REALISMO NEOCLÁSSICO

Assumindo uma visão realista do cenário internacional, entendemos esse ambiente

como anárquico, ou seja, há a ausência de um governo central capaz de regular as relações entre

os atores. Assim, o Estado deve sempre buscar meios de garantir sua sobrevivência e

integridade territorial. É responsabilidade do governo desenhar políticas e estratégias de ação

para definir objetivos e as melhores formar de alcançá-los, visando minimizar suas perdas e

maximizar seus ganhos. Entretanto, pressões domésticas e a percepção do tomador de decisão

do Estado são colocadas como variáveis intervenientes, de acordo com o Realismo Neoclássico,

afetando essas decisões políticas. Por isso, há diversos cortes na pasta de defesa em períodos

sem conflitos ostensivos.

Wohlforth traz em sua obra “The Elusive Balance: Power and Perceptions during The

Cold War” (1993) a ideia de que o poder influencia o curso da política internacional,

principalmente através da percepção das pessoas que tomam decisões em nome dos Estados.

Apesar da distribuição de poder existir a parte das percepções dos estadistas e ter influência

sobre os resultados das interações no cenário externo, essas percepções afetam o

comportamento dos Estados. Assim, “A indefinição do poder e a consequente dificuldade de

testar são pelo menos parte da razão pela falta de acumulação na teoria internacional”

(WOHLFORTH, 1993, p. 11, tradução nossa)4.

Na política internacional, há duas abordagens para analisar a questão do poder: a

concepção de equilíbrio, em que um equilíbrio de poder tende a emergir em qualquer sistema

4 “The elusiveness of power and the consequent difficulty of testing are at least part of the reason for the oft-

lamented lack of cumulation in international theory” (WOHLFORTH, 1993, p. 11).

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de Estados em resposta à ameaça de hegemonia; e a concepção de hierarquia, em que recursos

de poder comprem não somente segurança, mas também influência sobre os Estados, fazendo

com que as questões mais importantes da política internacional girem em torno da luta por

prestígio e influência (WOHLFORTH, 1993, p. 11-12).

Para atingir os objetivos aos quais o artigo se propõe, leva-se em consideração uma

análise Neorrealista do ambiente internacional, assumindo a importância da percepção dos

tomadores de decisões, presentes nas políticas, discursos e documentos estratégicos dos

períodos analisados, e das pressões domésticas, e usando as abordagens de análise do poder

para justificar as decisões e as aquisições de defesa dos Estados.

2.2. PODER NAVAL

O fenômeno do poder é inerente à história da sociedade humana civilizada; ele se

estabelece a partir do momento em que um consegue impor a sua vontade sobre o outro5. Assim,

consiste em uma relação dialética. No âmbito do mar, temos o poder Marítimo como o resultado

da integração dos recursos de um estado para a utilização do mar e das suas águas interiores,

com a intenção de conquistar objetivos e manter interesses. Assim, “O poder marítimo jamais

consistiu unicamente em navios de guerra. Ele sempre significou a soma total de todas as armas,

instalações e condições geográficas [...]” (BRODIE, 1961, p. 12).

Dessa forma, o poder Naval é

parte integrante do Poder Marítimo capacitada a atuar militarmente no mar,

em águas interiores e em certas áreas terrestres limitadas de interesse para as

operações navais, incluindo o espaço aéreo sobrejacente. Compreende as

Forças Navais, incluídos os meios navais, aeronavais próprios e de fuzileiros

navais, suas bases e posições de apoio e suas estruturas de comando e controle,

logísticas e administrativas, bem como os meios adjudicados pelos poderes

militares terrestre e aeroespacial, e outros meios, quando vinculados ao

cumprimento da missão da Marinha e submetidos a algum tipo de orientação,

comando ou controle de autoridade naval (BRASIL, 2015, p. 200).

5 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Editora Universidade de

Brasília, 1991

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Assim, temos que o poder Naval é estritamente militar. Segundo Moura (2014), ele tem

como principais características mobilidade, permanência, versatilidade e flexibilidade. Além

disso, tem como tarefas básicas controle de áreas marítimas, negação do uso do mar, projeção

de poder sobre a terra e contribuição para a dissuasão. Dessa forma, “sua atuação cobre três

áreas com alguma interpenetração: a militar – precípua; a diplomática – que apoia a Política

Externa; e a constabular – a que vai além da policial [...]” (MOURA, 2014, p. 29).

A ideia de controle marítimo é a de que o ator conseguirá manter um grau de garantia

de utilização da área, mesmo que temporária e tem como exemplos de efeitos desejados garantir

áreas de operações seguras para sua projeção de poder e prover segurança a comunicações

marítimas. Já a negação do uso do mar apoia-se na ideia de dificultar o estabelecimento do

controle e exploração da área marítima pelo inimigo. Projeção de poder sobre a terra envolve

ações que começam no mar, mas tem seus objetivos localizados em terra, como bombardeio

naval e operações anfíbias; e contribuição para a dissuasão é identificado quando há um poder

naval que inspire credibilidade quanto ao seu emprego (MOURA, 2014, p. 31).

Apesar de os primeiros teóricos sobre o mar terem como principal preocupação o seu

valor como via de comunicação e tráfego comercial, observamos que as descobertas de recursos

naturais -tendo destaque para as reservas de petróleo e gás - nessas áreas despertou outras

possibilidades de análise do valor estratégico do mar. O Ártico se encaixa nesse contexto,

fazendo com que o Canadá voltasse suas preocupações para a área.

Embora tenha sido vista durante muito tempo como uma barreira intransponível de gelo,

a região do Ártico passou a ser vista com mais atenção, pois as mudanças climáticas que têm

ocorrido estão levando ao degelo da área e poderiam gerar novas rotas de navegação, além de

expor grandes fontes de recursos naturais. Em 2008, uma pesquisa do United States Geological

Survey (USGS) estimou que 13% do petróleo e 30% do gás natural que ainda não foram

explorados no mundo encontrava-se no lugar.

Assim, há um aumento das tensões na região, levando a um posicionamento formal do

Canadá através do Statement on Canada’s Artic Foreign Policy: Exercising Sovereignty and

Promoting Canada’s Northern Strategy Abroad, publicado pelo Departamento de Assuntos

Exteriores e Comércio Internacional do país em 2010, e o Canada’s Northern Strategy, em

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2012, que, entre outros assuntos, falavam sobre a necessidade da renovação da Real Marinha

Canadense para que se mantivesse a sua presença contínua de forma eficiente na região.

2.2.1. A IMPORTÂNCIA DOS SUBMARINOS

Submarino é um “navio que, possuindo capacidade de imergir, destina-se a operar

abaixo da superfície do mar” (BRASIL, 2015, p. 246). Os submarinos são instrumentos pelos

quais o poder naval pode ser expresso e os principais responsáveis pela capacidade de reação

de poderes fracos em relação as potências (MOURA, 2014, p. 61). É importante observar que

a força de submarinos surgiu a partir de uma revolução militar, modificando as dinâmicas do

conflito entre Estados.

Segundo Krepinevitch (1994), revoluções militares ocorrem quando

[…] a aplicação de novas tecnologias em um número significativo de sistemas

militares combina-se com conceitos operacionais inovadores e adaptação

organizacional de uma maneira que altera fundamentalmente o caráter e a

condução do conflito. Isso é feito produzindo um aumento dramático -

geralmente uma ordem de magnitude ou maior - no potencial de combate e na

eficácia militar das forças armadas (KREPINEVITCH, 1994, p. 1, tradução

nossa)6.

Assim, essas revoluções são compostas por “mudanças tecnológicas, desenvolvimento

de sistemas, inovações operacionais e adaptações organizacionais” (KREPINEVITCH, 1994,

p. 2, tradução nossa)7. Surgindo durante a Revolução Naval, no século XIX, seu

desenvolvimento foi responsável pelo início de novas operações militares à Primeira Guerra

Mundial (1914-1918) (KREPINEVITCH, 1994, p. 7).

Diretamente ligados com as características do poder naval de permanência e

versatilidade, a principal característica dos submarinos é a ocultação, “que constitui sua razão

de existir e lhes dá a capacidade única de operar em águas sob controle de qualquer ator,

6 […] the application of new technologies into a significant number of military systems combines with innovative

operational concepts and organizational adaptation in a way that fundamentally alters the character and conduct of

conflict. It does so by producing a dramatic increase--often an order of magnitude or greater--in the combat

potential and military effectiveness of armed forces. (KREPINEVITCH, 1994, p. 1). 7 technological change, systems development, operational innovation, and organizational adaptation

(KREPINEVITCH, 1994, p. 2).

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inclusive do inimigo” (MOURA, 2014, p. 61). Além disso, os submarinos são menos ruidosos

que os navios de superfície e por isso, geralmente, possuem superioridade sobre eles em

detecção passiva (MOURA, 2014, p. 67). Portanto, eles se tornam importantes pelas suas

características operacionais, dando aos Estados mais fracos a capacidade de reagir e combater

grandes poderes.

3. AQUISIÇÕES DE DEFESA

Assim como definido anteriormente, os Estados são atores racionais que existem e se

relacionam dentro de um ambiente anárquico, que é o ambiente internacional. Devido a essa

falta de um agente superior que regule e seja capaz de punir as ações desses atores, há nessa

relação um constante sentimento de insegurança. Segundo Buzan (1998), segurança está

relacionada com a existência de uma ameaça e a possibilidade do agente ameaçado de usar

medidas excepcionais para defrontá-la.

Nesse cenário, os Estados buscam maximizar seu poder no sistema internacional para

garantir sua continuidade; assim, eles buscam investir nas suas capacidades militares para se

preparar para um possível conflito e para ter maior influência sobre outros atores nesse

ambiente. É nesse contexto que as aquisições de defesa se situam.

Sendo definidas como “o processo de suprimento de necessidades a partir de um amplo

leque de opções, que vão desde o desenvolvimento autóctone do produto até a compra de

equipamentos prontos e acabados no mercado internacional” (LONGO; MOREIRA, 2013, p.

295), as aquisições de defesa envolvem diversos atores e profissionais qualificados para

gerenciar todo o processo. Além disso, “A eficiência na aquisição não apenas leva a uma maior

preparação para a defesa, mas também fornece valor ao dinheiro, impulso à competitividade

industrial e outros benefícios econômicos” (BEHERA, 2013, p. xvii, tradução nossa)8.

Outro ponto importante em relação às aquisições de defesa é o orçamento do país para

a pasta de defesa, pois os recursos econômicos constroem, mantêm, atualizam e fazem operar

8 “Efficiency in acquisition not only leads to higher defence preparedness but also provides value for money,

impetus to industrial competitiveness and other economic benefits” (BEHERA, 2013, p. xvii).

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os instrumentos de força do Estado. Além de evidenciar a importância da área para o governo

em questão, o orçamento nos mostra o quanto o país está disposto e pode pagar pelos

equipamentos que quer comprar. Assim, os Estados com os maiores gastos em defesa são as

maiores potências militares da atualidade.

Figura 2 – Os 15 maiores orçamentos de defesa de 2017

Fonte: The military Balance 2018

Dessa forma, o maior objetivo do sistema de aquisição de defesa (SAD) deve ser o de

adquirir “o equipamento certo, na hora certa, no lugar certo, com o apoio certo - e pelo preço

certo” (NOSSAL, 2016, p. 23, tradução nossa)9. Assim, deve ter agentes capazes de lidar com

o processo, avaliando racionalmente as possibilidades do Estado de forma a maximizar seus

ganhos e minimizar seus custos.

9 “the right equipment, at the right time, in the right place, with the right support — and at the right price”

(NOSSAL, 2016, p. 23).

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4. O CASO DOS SUBMARINOS DA CLASSE VICTORIA

Sendo o Canadá geograficamente localizado entre três oceanos e tendo os EUA como

vizinho – sendo esse uma das maiores potências militares do mundo e seu aliado histórico -,

suas aquisições de defesa sempre foram muito influenciadas pela sua geopolítica. Assim, “a

única fronteira terrestre do Canadá, ao sul, está fortemente protegida contra ameaças militares,

quer o Canadá invista em sua proteção ou não” (BERKOK, 2010, p. 209, tradução nossa)10.

Por causa dessas influências geopolíticas, sem grandes problemas estratégicos em seu

entorno, seu sistema de aquisições de defesa (SAD) sofreu centralizações durante períodos de

guerra e descentralizações durante períodos de paz, o que levava a um despreparo das forças e

dificuldade de mobilização quando necessário. Isso começou a mudar com o início da Guerra

da Coreia (1950) e ao programa de rearmamento e fortalecimento das suas forças em 1951, o

que levou a uma centralização dos contratos de defesa sob um único departamento –

Departamento de Produção de Defesa (AUGER, 2016, p. 5). A partir desse evento, deu-se o

início ao seu SAD estruturado como reconhecemos hoje.

Os documentos de defesa canadense sempre deixaram claro os objetivos que o país tinha

para o cenário internacional que se apresentava naquele momento, incluindo as necessidades

das suas forças armadas. Assim, tradicionalmente,

suas políticas consistem em estreitar já intensa parceria com os EUA; e em

esforçar-se para participar da defesa coletiva do continente com eles, embora

não tenha aderido ao sistema de defesa contra mísseis balísticos (o BMD).

Além disso, embora não veja ameaça a si próprio, o Canadá enfatiza a

participação em ações de segurança coletiva no mundo, por acreditar-se um

potencial dependente delas, já que não possui e nunca possuirá população nem

recursos suficientes para defender-se isoladamente; apoia a OTAN por

acredita-la, assim como os EUA, responsáveis pela estabilidade da Europa,

que considera importante para sua segurança; e dá grande importância à

patrulha naval e à fiscalização das águas de jurisdição canadense, inclusive

com possibilidade de atritos com o vizinho (MOURA, 2014, p. 190).

10 “Canada’s only land border, to the south, is heavily protected against military threat, whether Canada invests in

its protection or not.” (BERKOK, 2010, p.209).

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As preocupações com a região Ártica apareceram nas políticas de defesa, pela primeira

vez, no White Paper on Defence de 1971. Nele, o governo expressa atenção quanto ao

desenvolvimento da região do Norte, principalmente pela possibilidade de existirem ameaças

advindas à estabilidade interna do país. Dessa forma, define que "os desafios poderiam surgir

em circunstâncias mais ambíguas, tanto de entidades privadas quanto de agências

governamentais estrangeiras" (GOVERNMENT OF CANADA, 1971, p. 11, tradução nossa)11.

Essas preocupações foram as principais responsáveis pela necessidade do país de modernizar

sua frota de submarinos, principalmente porque “o país também fica entre os dois maiores

arsenais nucleares e as duas maiores forças de submarinos nucleares do planeta – seu vizinho e

a Rússia [...]” (MOURA, 2014, p. 190).

A marinha canadense surgiu no final do século XIX com o objetivo de combater

pesqueiros irregulares estadunidenses. Assim, foi uma marinha de atuação pouco relevante

durante a Primeira Guerra Mundial, mas com um impressionante crescimento durante a

Segunda Guerra Mundial, “quando o País, se sentiu diretamente atingido pelos alemães e

participou de diversas operações, com papel relevante na Batalha do Atlântico, destacando-se

na Guerra Antissubmarino e chegando a dispor de porta-aviões” (MOURA, 2012, p. 276).

Submarinos são um ativo naval vital. O Canadá começou a utilizar submarinos

convencionais a partir dos anos 1940. Assim, em 1960, o Canadá adquiriu do Reino Unido três

submarinos classe Oberon, que foram utilizados em exercícios com países aliados e operações

de patrulha e fiscalização. Dessa forma, “Possuir uma força de submarinos também significa

que o Canadá está a par das informações sobre as frotas submarinas de seus aliados”

(MCKINLEY, 2000, p. 1, tradução nossa)12. Entretanto,

os submarinos, como os outros meios navais, têm sua vida útil dividido em

“ciclos de atividades”, compostos por um “período operativo”, quando estará

apto a cumprir as tarefas previstas, e “períodos de manutenção de longa

duração” (PMLD), em que ele será retirado de serviço para a realização de

revisões muito detalhadas (MOURA, 2014, p. 67).

11 "challenges could arise in more ambiguous circumstances from private entities as well as foreign government

agencies" (GOVERNMENT OF CANADA, 1971, p. 11). 12 “possessing a submarine fleet has also meant that Canada has been privy to information regarding the submarine

fleets of her allies” (MCKINLEY, 2000, p. 1).

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Então, no final dos anos 80 a classe Oberon estava chegando ao fim da sua vida útil e o

governo via a necessidade de procurar um substituto para sua força. Em 1987, durante o

governo conservador de Brian Mulroney, o ambiente internacional ainda está dividido entre

Leste e Oeste, o que leva o governo a acreditar que “a principal ameaça direta ao Canadá

continua sendo um ataque nuclear à América do Norte pela União Soviética. Por causa da nossa

posição geográfica [...]” (GOVERNMENT OF CANADA, 1987, p. 10, tradução nossa)13.

Assim, defende que a melhor forma de se preparar contra essa ameaça é através do investimento

em dissuasão14 baseada na manutenção de forças diversificadas.

Portanto, o documento, denominado Challenge and Commitment: A Defence Policy for

Canada, deixa claro que há a necessidade de renovação do poderio militar para que as forças

estejam adequadamente treinadas, equipadas e posicionadas para conter a ameaça. Assim, a

ideia principal é a de que

uma importante manifestação de soberania é a capacidade de monitorar

efetivamente o que está acontecendo em áreas de jurisdição canadense, seja

em terra, no ar ou no mar, inclusive sob o gelo. Mas monitorar sozinho não é

suficiente. Para exercer controle efetivo, também deve haver uma capacidade

de responder com força contra incursões. Tal capacidade representa tanto uma

promessa da intenção do governo de manter a soberania e um impedimento

para possíveis infratores (GOVERNMENT OF CANADA, 1987, p. 24,

tradução nossa)15.

Para manter essa capacidade de monitorar os acontecimentos dentro da área de

jurisdição canadense no mar e embaixo dele, o governo via a necessidade de investir na

renovação da sua força submarina. No documento de 1987, o governo propôs o

desenvolvimento, em parceria com os EUA, de uma força de doze submarinos de propulsão

nuclear (SSN, sigla em inglês), capazes de atuar no ártico de forma mais incisiva, por causa do

gelo presente na região.

13 “the principal direct threat to Canada continues to be a nuclear attack on North America by the Soviet Union.

Because of our geographic position [...]” (GOVERNMENT OF CANADA, 1987, p. 10). 14 Dissuasão é a atitude estratégica que, por intermédio de meios de qualquer natureza, inclusive militares, tem por

finalidade desaconselhar ou desviar adversários, reais ou potenciais, de possíveis ou presumíveis propósitos

bélicos (BRASIL, 2015, p. 84). 15 an important manifestation of sovereignty is the ability to monitor effectively what is happening within areas of

canadian jurisdiction, be it on land, in the air or at sea, including under the ice. But monitoring alone is not

sufficient. To exercise effective control, there must also be a capability to respond with force against incursions.

Such a capability represents both a earnest of the government’s intent to maintain sovereignty and a deterrent to

potential violators (GOVERNMENT OF CANADA, 1987, p. 24).

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É importante notar que os submarinos sempre foram vistos pela sociedade canadense

como armas ofensivas que vão contra o papel das forças armadas de manutenção da estabilidade

internacional através de operações de paz, ou seja, são vistos como meios navais “não-

canadenses” (MCKINLEY, 2000). Além disso, enfrentando uma grave crise fiscal nos anos 70

e 80 e com a guerra fria em seus anos finais, a sociedade canadense não se sentia ameaçada por

algum agente externo. Essa conjunção de fatos levou a uma visão negativa da população em

relação ao aumento do orçamento de defesa para desenvolvimento do projeto de SSNs; assim,

ele foi cancelado em 1989, por causa de questões econômicas e pelas pressões da opinião

pública contra a ideia de usar uma opção nuclear no seu arsenal (NOSSAL, 2016, p. 40).

A partir do final dos anos 1980 até o final dos anos 1990, a pasta de defesa canadense

sofreu um dos maiores cortes de gastos da história do país. Entretanto, o país ainda tinha a

necessidade de substituir os submarinos que estavam obsoletos. Assim, nos anos 90, surge a

oportunidade de compra de quatro submarinos britânicos da classe Upholder. Essa é a última

classe de submarinos convencionais do Reino Unido antes de decidirem operar toda a força

como nuclear. Dessa forma,

projetados nos anos 1970 e construídos entre 1986 e 1993, estes submarinos

diesel-elétricos destinavam-se a suplementar a força submarina nuclear do

RN. Eles viram um serviço limitado antes que o governo britânico decidisse

que iria se mudar para uma frota toda movida a energia nuclear. Assim, os

quatro submarinos foram desativados entre 1992 e 1994 e colocados em

armazenamento a longo prazo em Barrow-in-Furness, enquanto o governo

britânico procurava um comprador. O Canadá foi um dos oito países para os

quais o Ministério da Defesa do Reino Unido lançou os subs. Em agosto de

1995, o Comando Marítimo apresentou seu argumento para a compra da frota

da classe Upholder para o gabinete (NOSSAL, 2016, p. 40-41, tradução

nossa)16.

O White Paper on Defence de 1994, no governo liberal de Jean Chrétien, traz o

reconhecimento de que o orçamento de defesa continua em pressão enquanto o governo se

esforça para controlar o déficit gerado na crise dos anos 1970 e 1980 pela qual o país passou,

16 designed in the 1970s and built between 1986 and 1993, these diesel-electric submarines were intended to

supplement the RN’s nuclear submarine force. They saw limited service before the British government decided

that it was going to move to an all nuclear-powered fleet. So the four submarines were decommissioned between

1992 and 1994 and put in long-term storage in Barrow-in-Furness while the British government looked for a buyer.

Canada was one of eight countries to whom the U.K. Ministry of Defence pitched the subs. In August 1995,

Maritime Command presented its case for purchasing the Upholder-class fleet to cabinet (NOSSAL, 2016, p. 40-

41).

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mas continua afirmando a necessidade de manter forças armadas capazes de combate para

responder a desafios de segurança domésticos e internacionais. Assim, mostram que reduziram

substancialmente as atividades de guerra antissubmarino ligadas à proteção do transporte

marítimo e à luta contra os submarinos que transportam mísseis no Atlântico Norte e, por causa

disso, o Governo pretende explorar a opção de adquirir quatro submarinos da classe Upholder.

Preocupado com sua capacidade de vigilância, visto que o submarino consegue

fiscalizar uma área duas vezes maior num tempo cinco vezes menor que uma fragata Halifax,

em 1998, o país adquiriu quatro submarinos britânicos convencionais por $750 milhões;

entretanto, as embarcações tiveram que sofrer reparos por estarem há muito tempo armazenadas

em água salgada, sendo entregues ao país entre 2000 e 2004 (MCKINLEY, 2000)

Além disso,

as embarcações tinham que ser “canadenses” para atender aos requisitos da

marinha: um novo sistema de controle de torpedos, o Lockheed Martin

Librascope, e os tubos de torpedos foram reformados para permitir que os

submarinos disparassem os torpedos Gould Mk 48, que eram usados pela

Oberon-class e que o Canadá tinha na loja. Um novo sistema de comunicações

por satélite UHF foi instalado. Alguns dos sistemas de armas da classe

Upholder foram removidos (NOSSAL, 2016, p. 41, tradução nossa)17.

Afora esses problemas, eles também tiveram dificuldades de encontrar peças para

realizar a manutenção dos mesmos. Portanto, esses submarinos, renomeados classe Victoria, só

foram declarados totalmente operacionais quando “três dos quatro submarinos estavam

disponíveis para operações” (NOSSAL, 2016, p. 43, tradução nossa)18.

Assim, tem-se que essa aquisição apresentou diversas desvantagens, como o custo

elevado para deixá-los operacionais em relação ao preço original que pagaram e o tempo que

demorou para que a toda a força de submarinos pudesse operar sem grandes disfunções.

Entretanto, diante do cenário no qual o país se encontrava e tendo a opinião pública em

consideração, a compra de oportunidade se apresentou como a melhor forma de manter sua

17 the boats had to be “Canadianized” to meet navy requirements: a new torpedo fire-control system, the Lockheed

Martin Librascope, was installed, and the torpedo tubes were refitted to enable the submarines to fire the Gould

Mk 48 heavyweight torpedoes that were used by the Oberon-class and that Canada had in store. A new UHF

satellite communications system was installed. Some of the weapons systems of the Upholder-class were removed

(NOSSAL, 2016, p. 41). 18 “three of the four submarines were available for operations” (NOSSAL, 2016, p. 43).

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capacidade de fiscalização, visto a necessidade de aposentar os antigos submarinos, que já se

encontravam obsoletos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como definido ao longo do texto, as aquisições de defesa são um importante

instrumento do Estado para garantir sua soberania e expandir seu poder no cenário

internacional, sendo o principal mecanismo para a manutenção e revitalização das suas forças

armadas. A tecnologia é um fator importante na questão da segurança dos Estados, não somente

pela questão de obsolescência dos equipamentos, mas porque, no meio internacional anárquico,

os atores se sentem inseguros com vizinhos militarmente superiores e tendem a investir mais

em suas forças para garantir a continuidade da sua soberania.

Apesar da demora em tornar toda a frota operacional, a aquisição dos submarinos classe

Upholder, rebatizados classe Victoria, foi essencial para manter esse know-how da força militar

canadense. Com a opinião negativa da população em relação aos submarinos e as condições

econômicas não favorecendo o desenvolvimento nacional dos mesmos, a aquisição do Reino

Unido foi primordial para que o país mantivesse submarinos em sua frota. Entretanto, por serem

submarinos convencionais, sua capacidade de atuação no Ártico é limitada.

A marinha canadense apresenta um papel fundamental no Norte, mas apresenta

capacidade limitada por causa do gelo que domina a região na maior parte do ano, sendo assim

incapaz de manter presença autossustentável durante todo o ano em águas árticas. Por isso, faz-

se necessário o investimento do país em um navio de patrulha específico para o Ártico e, além

disso, há a urgência em se começar um novo debate sobre os submarinos. Apesar de estarem

em operação há pouco tempo, um programa de desenvolvimento ou obtenção de um meio naval

desse tipo leva tempo e a demora na elaboração de um projeto afeta diretamente o poder do país

e a sua habilidade de firmar sua soberania.

REFÊNCIAS

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