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SISTEMA ANGLO DE ENSINO 80 ANGLO VESTIBULARES IDÉIAS DE UM POETA SEM IDÉIAS Conforme a ficção poética de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro teria escrito três livros: O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso e Poemas Inconjuntos. Alberto Caeiro é um poeta bucólico de estilo modernista, isto é, embora retome uma espécie antiga de poesia (o buco- lismo ou pastoralismo), escreve em versos li- vres, valoriza o prosaico, despreza a rima e ama as coisas espontâneas e primitivas da natureza de maneira que só o século XX poderia conce- ber. Todavia, não se trata propriamente de um poeta, mas de um pensador que raciocina em versos. Há nisso um enorme paradoxo, pois toda a filosofia de Caeiro consiste em negar o pensamento, combater as convenções nomina- listas da tradição e recusar as generalizações conceituais operadas pela cultura. Embora afir- me que os sentidos são a única fonte legítima de conhecimento, parece ser, antes, um poeta de negativas, sempre preocupado em contrariar noções cristalizadas pelo senso comum. Mesmo quando afirma, transmite a impressão de que o faz para demonstrar uma tese contrária aos princípios dominantes no pensamento por- tuguês sobre conhecimento, natureza e rea- lidade. Visto dessa maneira, pode parecer que se trata de um escritor árido e sem atrativo poé- tico. Nada mais enganador. Alberto Caeiro, mesmo quando não compreendido em todas suas implicações, é um poeta agradável, que sabe cativar o leitor desde o primeiro até o último verso de seus livros. Possui perícia invulgar na conquista da adesão do leitor a favor do ponto de vista que defende. Isso se deve, sobretudo, à força de seus argumentos, sempre fundados em imagens simples, porém inesperadas. Seu encanto decorre também da sintaxe elementar, fundada preferencialmente na justaposição ou parataxe, sem jamais gerar impressão de banalidade. Ao contrário, seu jeito simples de unir as palavras nas orações e estas nos períodos possui a surpresa de coisas conhecidas e das quais o leitor já tinha se esquecido. O jogo lógico de seus textos, fun- dado em repetições imprevistas e em paradoxos engenhosos, espanta pela coerência e pela exatidão, o que produz o efeito de inteligência aguda e de grande capacidade dialética, no sentido de convencer pelo argumento, e não pela autoridade do discurso. POEMAS DE ALBERTO CAEIRO Fernando Pessoa ANALISE DA OBRA IVAN TEIXEIRA ´

Poemas de Alberto Caeiro

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Page 1: Poemas de Alberto Caeiro

SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 80 • ANGLO VESTIBULARES

IDÉIAS DE UM POETA SEM IDÉIASConforme a ficção poética de Fernando

Pessoa, Alberto Caeiro teria escrito três livros:O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso ePoemas Inconjuntos. Alberto Caeiro é um poetabucólico de estilo modernista, isto é, emboraretome uma espécie antiga de poesia (o buco-lismo ou pastoralismo), escreve em versos li-vres, valoriza o prosaico, despreza a rima e amaas coisas espontâneas e primitivas da naturezade maneira que só o século XX poderia conce-ber. Todavia, não se trata propriamente de umpoeta, mas de um pensador que raciocina emversos. Há nisso um enorme paradoxo, poistoda a filosofia de Caeiro consiste em negar opensamento, combater as convenções nomina-listas da tradição e recusar as generalizaçõesconceituais operadas pela cultura. Embora afir-me que os sentidos são a única fonte legítimade conhecimento, parece ser, antes, um poetade negativas, sempre preocupado em contrariarnoções cristalizadas pelo senso comum. Mesmoquando afirma, transmite a impressão de que ofaz para demonstrar uma tese contrária aosprincípios dominantes no pensamento por-tuguês sobre conhecimento, natureza e rea-lidade.

Visto dessa maneira, pode parecer que setrata de um escritor árido e sem atrativo poé-tico. Nada mais enganador. Alberto Caeiro,mesmo quando não compreendido em todassuas implicações, é um poeta agradável, que sabe cativar o leitor desde o primeiro até o últimoverso de seus livros. Possui perícia invulgar na conquista da adesão do leitor a favor do ponto devista que defende. Isso se deve, sobretudo, à força de seus argumentos, sempre fundados emimagens simples, porém inesperadas. Seu encanto decorre também da sintaxe elementar, fundadapreferencialmente na justaposição ou parataxe, sem jamais gerar impressão de banalidade. Aocontrário, seu jeito simples de unir as palavras nas orações e estas nos períodos possui a surpresade coisas conhecidas e das quais o leitor já tinha se esquecido. O jogo lógico de seus textos, fun-dado em repetições imprevistas e em paradoxos engenhosos, espanta pela coerência e pelaexatidão, o que produz o efeito de inteligência aguda e de grande capacidade dialética, no sentidode convencer pelo argumento, e não pela autoridade do discurso.

PPOOEEMMAASS DDEE AALLBBEERRTTOO CCAAEEIIRROOFernando Pessoa

ANALISE DA OBRA IVAN TEIXEIRA´

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Levando em conta a divisão clássica dos estilosem humilde, médio e sublime, Caeiro enquadra-se noestilo humilde, porque seus pensamentos, sua sintaxee seu vocabulário são todos extraídos da experiênciacom os componentes da natureza: as flores, as pe-dras, as árvores, os montes, o rebanho, o sol, o luar, asborboletas, os riachos, a chuva, o calor, o frio, o céu, aterra e o homem, entre outros. Além disso, fundamen-ta a beleza de suas imagens na concretude e na sim-plicidade das coisas menos pretensiosas: o vôo deuma borboleta, o rio de sua aldeia, as brincadeiras domenino Jesus, a bolha de sabão do brinquedo de umacriança ou o carro de bois quebrado à beira da estra-da. Outro motivo de sua eficiência em conquistar, deimediato, a adesão do leitor à sua posição franca-mente incomum consiste na permanente simulaçãode um alerta contra o grande perigo conceitual queas pessoas correm, caso não adotem sua filosofia semfilosofia.

O POEMA 9 DE O GUARDADOR DEREBANHOS: A FUNÇÃO DO PARADOXO

O poema 9 de O Guardador de Rebanhos (“Souum guardador de rebanhos”), que, em vez de negar,afirma, talvez seja um bom início para o conhecimentodas idéias desse poeta que recusa as idéias, mas queas tem em larga escala. Esse texto de 14 versos sinte-tiza quase todo seu pensamento. A voz poética come-ça por se anunciar como um guardador de rebanhos.Em seguida, informa que o rebanho são os seus pen-samentos. Imediatamente, explica que seus pensa-mentos não são senão sensações. Os três versos se-guintes, que arrematam a primeira estrofe, ratificam anoção de que os verdadeiros pensamentos se identifi-cam com as sensações: pois o poeta deve pensar comos olhos e com os ouvidos, com as mãos e com os pés,com o nariz e com a boca. Isto é, deve pensar com oscinco sentidos em conjunto, jamais com o cérebro.

A segunda estrofe, constituída por um dístico, en-sina que pensar uma flor é vê-la e cheirá-la, assimcomo, para entender um fruto, é preciso comê-lo. Aestrofe final, composta de seis versos, apresenta umaconclusão lógica para a felicidade do pastor imagi-nário, pois em vez de pensar, ele experimenta a natu-reza. Por isso, quando o dia está quente e agradável,deita-se na erva, fecha os olhos e sente a realidade portodos os poros. Isso o inunda de felicidade, pois, pelossentidos, entra em contato direto com a própria ver-dade, sem nenhuma mediação cultural.

O segundo verso da terceira estrofe do poemaapresenta um paradoxo fundamental para a compre-ensão do estilo de Alberto Caeiro, pois esse poeta é aencarnação do próprio paradoxo, conforme se veráadiante. Nesse verso, o pastor diz que chega a ficartriste de tanto gozar as delícias de um dia de calor. Oparadoxo, que é uma espécie de antítese que conduz

a uma conclusão absurda, possui a função de ressal-tar a idéia de que não basta sentir a natureza apenaspor meio dos raios do sol, quer dizer, somente pelasensação do tato. É preciso algo a mais: é necessáriopôr em funcionamento os cinco sentidos de uma sóvez. Por isso, deita na grama e funde-se com a natu-reza, regressando à condição de animal natural. So-mente assim consegue apreender a verdade do cos-mos. Sendo básica no ideário de Caeiro a noção deque, para aprender, é preciso desaprender, recorreem diversos poemas de seus livros. Conforme se vê,sua visão das coisas funda-se numa construção para-doxal, pois propõe o conhecimento humano pelo re-torno à condição animal. No poema 46 de O Guarda-dor de Rebanhos, tratando do modo correto de sentire escrever, o pastor afirma que deve esquecer tudo oque lhe ensinaram e deixar de ser Alberto Caeiro pararetornar ao estágio de animal humano que a Naturezaproduziu.

Em certo sentido, os 49 poemas do livro desen-volvem e ilustram essa idéia, isto é, a noção de que overdadeiro conhecimento não se dá pela inteligência,e sim pelos sentidos. A inteligência, responsável pelacultura, cria símbolos, mitos e mediações desnecessá-rios ao convívio do homem com a natureza, fonte deprazer e do verdadeiro conhecimento. Esse convíviosó se torna possível por meio da sensação espontâ-nea, oriunda do contato imediato com as coisas.Observe que o poema 9 inicia-se pelo verso Sou umguardador de rebanhos, em franca oposição com oprimeiro verso do primeiro poema do livro: Eu nuncaguardei rebanhos. Isso prova que a idéia da poesiabucólica, nesse livro, não passa de uma metáforasobre o conhecimento. De fato, O Guardador de Re-banhos propõe uma teoria do conhecimento (episte-mologia ou gnosiologia), em desfavor de uma outra.Qual seria a teoria contra qual esses poemas se colo-cam? Tal resposta — básica para a compreensão his-tórica e estilística de Alberto Caeiro como persona-gem literária — será apresentada mais adiante.

UNIDADE LÍRICO-NARRATIVAA tênue estória implícita em O Guardador de Re-

banhos pode-se resumir nos seguintes termos. Umpastor solitário habita o cimo de um outeiro, numacasa que tanto pode ser isolada quanto se situar nu-ma aldeia. Ele passa os dias a escrever versos, emcasa ou pelos caminhos do campo. Antes de os escre-ver, convive intensamente com a paisagem, sem sepreocupar com nada, a não ser em se comunicar sen-sorialmente com os componentes da natureza. Umdia, da janela mais alta de sua casa, envia os versos àhumanidade. Depois, recolhe-se e alguém lhe traz ocandeeiro (poema 49). Ele o deixa aceso, deita-se e —sem dormir nem ler ou pensar em nada — perma-nece imóvel, sentindo a vida correr por ele como umrio corre por seu leito.

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ADESÃO E REAÇÃO DE PESSOA AOMISTICISMO DE TEIXEIRA DE PASCOAIS

Em 1905, aos 17 anos, Fernando Pessoa, retornada África do Sul para Lisboa, de onde jamais sairá,tendo vivido no estrangeiro desde os cinco anos deidade, por causa do segundo casamento de sua mãecom o cônsul português em Durban. Em 1910, procla-ma-se a República portuguesa. Teófilo Braga, escritorde largo peso no período realista, amigo de Eça deQueirós, Guerra Junqueiro e Antero de Quental, entreoutros, é eleito o primeiro presidente de Portugal. Di-versos escritores e intelectuais assumem postos admi-nistrativos na nova república, que pretende restauraruma certa dignidade cultural perdida no país.

Estabelece-se a crença de que Portugal precisavade uma nova diretriz cultural, moral e filosófica, quepudesse sustentar um sólido desenvolvimento polí-tico e econômico. O nacionalismo foi um dos pilaresdessa diretriz. Nesse clima de euforia e esperança,surge, em 1912, na cidade do Porto, um grupo de ar-tistas, poetas e pensadores que se reúne em torno deuma sociedade intelectual denominada RenascençaPortuguesa, cujo órgão de imprensa era a revista AÁguia, publicada mensalmente. O líder do grupo e darevista era Teixeira de Pascoais, um dos poetas demaior prestígio em Portugal na época, ao lado deGuerra Junqueiro, também ligado à Renascença Por-tuguesa e integrante do governo Teófilo Braga. Opróprio Antônio Sérgio, o maior ensaísta portuguêsda primeira metade do século XX, pertenceu a essa so-ciedade em seu primeiro ano de existência.

A Águia.

No primeiro número de A Águia, em janeiro de1912, Teixeira de Pascoais, publica o manifesto de seugrupo, dando ao texto uma tonalidade de filosofia mís-

tica, que agradou a muitos e desagradou a poucos, quelogo se afastaram do grupo, como foi o caso de Antô-nio Sérgio, entre outros. Dizia o texto-programa deTeixeira de Pascoais:

O fim desta Revista, como órgão da “Renas-cença Portuguesa”, será, portanto, dar um senti-do às energias intelectuais que a nossa Raçapossui; isto é, colocá-la em condições de se tor-narem fecundas, de poderem realizar o idealque neste momento histórico abrasa todas asalmas sinceramente portuguesas. [...] Criar umnovo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Por-tuguesa, arrancando-a do túmulo onde a sepul-taram alguns séculos de obscuridade física e mo-ral, em que os corpos definharam e as almasamorteceram. [...] Mas não imagine o leitor que“renascença” significa simples regresso ao pas-sado. Não! Renascer é regressar às fontes origi-nais da vida, mas para criar uma nova vida. [...] ASaudade e Viriato, Afonso Henriques e Camões,desmaterializados, reduzidos a um sentimento,postos em alma estreme. A Saudade é o própriosangue espiritual da Raça: o seu estigma divino,o seu perfil eterno.1

Nascia, assim, o Saudosismo Transcendentalista,fundado na idéia metafísica da mitificação da na-tureza, da qual o homem é parte integrante e da qualjamais se deve separar. Essa corrente acreditava quecada povo possui uma alma coletiva ou uma essência,que, uma vez evocada pelos integrantes da nação,seria capaz de elevar esse povo a grandes conquistascivilizacionais. No caso do povo português, essaessência seria a Saudade, associada à idéia de quetudo emana de Deus e tudo converge para Deus, cujamaior manifestação não se consubstanciaria apenasna natureza, mas também nas criações, nas lendas,nas crenças populares e na história da pátria. É o quese percebe, por exemplo, na última estrofe do poema“Sombra de Deus”, do livro Sombras (1907), de Tei-xeira de Pascoais:

Assim, o mundo, ó Deus, é tua sombra!

E tudo quanto, neste espaço, existe

É a tua estranha dor e imperfeição:

Tua parte mortal, noturna e triste

E frágil, mentirosa e transitória!

E onde estás, mais presente e verdadeiro

E mais vivo, talvez, que em tua glória,

Em teu deslumbramento e luz divina!2

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1 Em João Gaspar Simões. Vida e Obra de Fernando Pessoa:História de uma Geração. Vol. I. Lisboa, Livraria Bertrand, [1951]p. 139.

2 Obras Completas de Teixeira de Pascoais. volume III. AsSombras. Senhora da Noite. Marânus. Introdução e aparatocrítico por Jacinto do Prado Coelho. Lisboa, Livraria Bertrand,s/d, p. 130.

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Como se vê, trata-se de uma retomada da teoriaplatônica segundo a qual o mundo aparente não passade sombra das verdades essenciais, com a diferençaque o poema acrescenta algo tomado ao IdealismoRomântico dos filósofos alemães (sobretudo Fichte eos irmãos August e Friedrich Schlegel), na medida emque as imperfeições humanas, sendo reflexo da per-feição divina, constituem o aspecto mais interessantede Deus ou do Eu-Absoluto. Em última análise, essaserá também a base teórica do Simbolismo místico deTeixeira de Pascoais, que o faz dialogar com as plan-tas, identificar-se com as estrelas, com as pedras, como sol, com o luar e com as névoas do infinito. A partirdisso, o poeta constrói uma poesia a que se poderiaverdadeiramente chamar metafísica, porque acreditaque cada coisa do cosmos possui um significado quetranscende sua especificidade enquanto coisa.

Teixeira de Pascoais

O conhecimento metafísico funda-se na idéia datranscendência do significado do mundo. Seu verda-deiro sentido estará sempre além do alcance senso-rial do indivíduo. Tudo é símbolo de alguma coisa su-perior, sendo por isso que, em sua poesia, as plantase as pedras sentem como se fossem seres humanos,tal como se observa no poema “Elegia de Amor”, deVida Etérea (1906):

A flor medita A pedra chora e reza,E desmaiam de mágoa

As cristalinas fontes.3

Além disso, suas imagens, sempre nebulosas eabstratas, tendem para as generalizações alegóricas,com o propósito de sugerir um certo mistério domundo, apreensível apenas aos iniciados na teoriado Saudosismo Panteísta.

Como se viu, a própria história dos povos inte-graria o projeto da glória divina. Por isso, Teixeirade Pascoais, embora essencialmente lírico e abs-trato, procurava atribuir uma função filosófico-socialàs suas idéias e a seus poemas. Sua doutrina costumatambém ser designada pela expressão Transcen-dentalismo Panteísta. Seguido, em parte, pelo últimoGuerra Junqueiro, Teixeira de Pascoais é, sem dúvida,o grande representante dessa corrente do Simbo-lismo em Portugal, tendo influenciado toda a poesiado país em seu tempo, com ecos até mesmo na gera-ção de Orpheu, que criaria o Modernismo em Portu-gal, a partir de 1915.

O livro mais típico do misticismo poético de Pas-coais é Marânus (1911). Trata-se de um poema alegó-rico, dividido em 19 unidades mais ou menos autôno-mas, em que o pastor que dá título ao volume anda àprocura do sentido último das coisas (o sentido trans-cendente ou metafísico: a essência), em constantesdiálogos com entidades abstratas que representamconceitos ou noções importantes ao Saudosismo pro-posto como medida regeneradora da “alma por-tuguesa”, tais como Eleonor, a Primavera, a Mon-tanha, o Outono, Apolo (o Sol), a Paisagem e Jesus,entre outros. No final, Eleonor, pastora de rara e su-prema beleza, com quem Marânus se liga amoro-samente, identifica-se com a Saudade, cuja presença,depois de unificar conceitualmente o texto, ressurgeno final, nos seguintes termos:

[...] E em companhia

De aquele ser, anímico e perfeito,

Inefável, extática, vivia...

Vivia, de encantada, e viverá!

Pois tudo, tudo há de passar, enfim,

O homem, o próprio mundo passará,

Mas a Saudade é irmã da Eternidade.

Fernando Pessoa, então com 24 anos, tendo po-dido se tornar cidadão britânico, preferiu alinhar-seao projeto de Teixeira de Pascoais. Por isso, escreveuuma série de ensaios críticos, apoiando a idéia geraldo movimento e elogiando a poesia decorrente dele.Dois desses ensaios causaram grande impacto entreos intelectuais portugueses, tanto pelo exagero dasidéias quanto pelo poder lógico de argumentação,verdadeiramente espantoso. Tais ensaios eram “ANova Poesia Portuguesa Sociologicamente Conside-rada” (o primeiro texto publicado em toda a vida doautor, abril de 1912) e “A Nova Poesia Portuguesa noseu Aspecto Psicológico”. Em ambos os escritos,

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3 Obras de Teixeira de Pascoais. Prefácio de A. Fernandes daFonseca. Vol. XVII. Para a Luz. Vida Etérea. Elegias. O Doido e aMorte. Lisboa, Assírio & Alvim, 1998, p. 148.

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Fernando Pessoa demonstra amplo conhecimento deliteratura internacional, sobretudo a inglesa e a fran-cesa, ao lado de invulgar capacidade de racicionar emtermos lógicos e apologéticos.

A adesão ao ideário do nacionalismo místico daRenascença Portuguesa foi tão imaginária e enge-nhosa como tudo em que Fernando Pessoa acredi-tou. Na continuação do primeiro dos ensaios men-cionados, intitulado “Reincidindo”, o grande simula-dor chegou ao extremo de escrever o seguinte, sobredois poetas daquele prestigioso grupo:

Tomemos isto, de Teixeira de Pascoais,

A folha que tombava

Era a alma que subia,

e isto, de Jaime Cortesão:

E mal o luar os molha,

Os choupos, na noite calma,

Já não têm ramos nem folha,

São apenas choupos de Alma.

Em nenhuma literatura do mundo atingiunenhum poeta maior elevação que estas ex-pressões, e especialmente a extraordinária pri-meira, contêm. E elas são representativas. Ci-tamo-las não só para comprovação da eleva-ção, como também para indicação da origina-lidade do tom poético da nova poesia portu-guesa.4

Em seguida, no mesmo artigo, Fernando Pes-soa, partindo do argumento de que o momento his-tórico lusitano, fecundado pelos integrantes da Re-nascença Portuguesa, afirma que o país se prepara-va para:

[...] um ressurgimento assombroso, um pe-ríodo de criação literária e social como poucoso mundo tem tido. [...] Paralelamente se con-clui o breve aparecimento na nossa terra do tal

supra-Camões. Supra-Camões? A frase é humil-de e acanhada. A analogia impõe mais. Diga-se‘de um Shakespeare’ e dê-se por testemunha oraciocínio, já que não é citável o futuro.5

Essa idéia é retomada e intensificada no ensaioseguinte, “A Nova Poesia Portuguesa no seu AspectoPsicológico”, em cujas conclusões se encontramafirmações determinadas pelo jogo do raciocínio in-terno do texto, mas em completa dissonância com arealidade histórica de Portugal e da Europa, o que éfacilmente demonstrável pela leitura do seguintetrecho:

Deve estar para muito breve, portanto, oaparecimento do poema supremo da nossaraça, e, ousando tirar a verdadeira conclusãoque se nos impõe, pelos argumentos que já oleitor viu, o poeta supremo da Europa, de todosos tempos. É um arrojo dizer isto? Mas o ra-ciocínio assim o quer.

Como se percebe, mesmo fazendo ensaio, Fer-nando Pessoa não abandonava a lógica da criaçãoliterária, isto é, a coerência imaginosa dos argumen-tos, que obedeciam antes à lógica intrínseca daspremissas do próprio texto do que a qualquer com-promisso objetivo com a história ou com a dinâmicados acontecimentos extratextuais.

Depois de muitas críticas recebidas e de diver-sos desacordos com os integrantes da RenascençaPortuguesa, em dezembro de 1914, Fernando Pes-soa rompe definitivamente com essa sociedade lite-rária. Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Cam-pos já estavam criados e estrategicamente “se-pultados” num secreto baú em que o poeta costuma-va depositar seus inéditos. Mário de Sá-Carneiro,seu melhor amigo, retornara de Paris. Haviam se es-treitado as relações com Almada Negreiros, pintorde quem Pessoa fizera questão de publicar traba-lhos em A Águia. Enfim, o grupo de Orpheu e suapoética já estavam plenamente formados. Em abrildo ano seguinte, sairia o primeiro número da nova re-vista, em consonância com o Futurismo e com oCubismo europeus, e em franca oposição ao Simbo-lismo saudosista, metafísico, transcendental, pan-teísta e nebuloso da Renascença Portuguesa.

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5 Idem, p. 57.4 Fernando Pessoa. A Nova Poesia Portuguesa. Prefácio de Álvaro

Ribeiro. Cadernos Culturais. Lisboa, Editorial Inquérito, s/d., 51.

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Caeiro, Reis e Campos,imaginados porAlmada Negreiros.

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ORIGEM FICCIONAL DEALBERTO CAEIRO

Não contente em compor seus imaginosos poe-mas, Fernando Pessoa dedicou-se também à inven-ção de poetas que seriam os supostos autores de seustextos e, ainda, compôs estórias para justificar e ex-plicar o surgimento de cada um de seus poetas e dealguns poemas em particular. Assim, ao longo davida, foi criando um discurso mítico e engenhososobre cada heterônimo, cercando a própria existênciade mistério e de ares de superioridade genial. Emcerto sentido, Fernando Pessoa tomou a si mesmocomo personagem principal de sua arte, dividindo-seem diversas outras personagens literárias. Parece terfeito um pacto de vida e morte com a arte.

Em sua breve existência de quarenta e sete anospraticamente não fez outra coisa senão cuidar daconstrução de um perfil literário de si mesmo, preen-chido por poemas, por contos, por traduções, por no-tas de teoria e de crítica literária, por fragmentos enig-máticos sobre a própria personalidade, por páginasde diário íntimo e de auto-interpretação e por gestosinusitados para a média das pessoas. Em tudo quantoescreveu, aplicou sempre a imaginação e a lógica ar-gumentativa, sem jamais recorrer ao sentimentalismo.Nunca se preocupou com a verdade, que para ele nãopassava de uma espécie de mito inacessível aos ho-mens de inteligência e cultura. Em vez disso, mante-ve-se fiel à verossimilhança e à coerência interna dosargumentos, das estórias e das explicações para acriação dos heterônimos e dos poemas a eles atri-buídos.

Segundo o discurso biográfico organizado pelopróprio poeta, o heterônimo Alberto Caeiro teria sur-gido no dia 8 de março de 1914. Querendo escreveruma série de poemas jocosos ao amigo Mário de Sá-Carneiro, então residente em Paris, Fernando Pessoateria se colocado em pé, diante de uma cômoda alta, eali, de um só jato, teria composto mais de trinta dos49 poemas que compõem O Guardador de Rebanhos,o livro mais importante atribuído a Alberto Caeiro.Percebendo que o estilo do novo texto era diferentedos poemas que vinha escrevendo com o próprio no-me, Fernando Pessoa julgou que deveria pensar emoutro autor e, assim, concebeu Alberto Caeiro, aquem imaginou uma biografia, um corpo e um tem-peramento, como se fosse uma personagem de ro-mance ou de teatro.

Essa estória foi concebida por Fernando Pessoa,21 anos depois da invenção de Alberto Caeiro, emcarta ao jovem crítico Adolfo Casais Monteiro, dageração seguinte à sua. Adolfo Casais Monteiro vinhase preparando para organizar e editar a numerosaobra inédita do misterioso poeta e amigo. Escrita emLisboa, a carta é datada de 13 de janeiro de 1935.Assim como Casais Monteiro, João Gaspar Simões,

entre outros, andava preocupado em recompor ospassos da vida e da obra do grande escritor da ge-ração anterior, interessados ambos em trazer o gran-de nome do Modernismo português para o núcleo deum novo grupo literário que então se formava e queseria conhecido como o da Geração da Revista Pre-sença, cuja maior contribuição foi, com efeito, orga-nizar, oferecer certa unidade e divulgar a poesia deFernando Pessoa, praticamente inédita até 1935, anode sua morte. De fato, além de editar diversos textosdo poeta na Revista Presença, Adolfo Casais Monteiroproduziu ensaios importantes sobre sua poesia. Gas-par Simões escreveu a melhor biografia que se co-nhece do criador de Alberto Caerio: Vida e Obra deFernando Pessoa: História de uma Geração, publicadano início dos anos 1950.

Na referida carta sobre a gênese dos heterônimos,Pessoa dá razões de caráter psiquiátrico para a cria-ção de suas personagens, considerando-se um histé-rico-neurastênico, com inclinação para a despersona-lização e para a simulação. Segundo ele, desde crian-ça inventava amigos, com quem conversar ou trocarcorrespondência. Depois, detém-se em aspectos esti-lísticos e na estória da criação de seus poetas. Leia-seo trecho específico daquela carta em que inventa osurgimento de Alberto Caeiro:

Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode sergrande), veio-me à idéia escrever uns poemasde índole pagã. Esbocei umas coisas em versoirregular (não no estilo Álvaro de Campos), masnum estilo de meia regularidade, e abandoneio caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penum-bra mal urdida, um vago retrato da pessoa queestava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem queeu soubesse o Ricardo Reis).

Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Car-neiro — de inventar um poeta bucólico, de es-pécie complicada, apresentar-lho, já me nãolembro como, em qualquer espécie de reali-dade. Levei uns dias a elaborar o poeta masnada consegui. Num dia em que finalmentedesistira — foi em 8 de Março de 1914 —acer-quei-me de uma cômoda alta, e, tomando umpapel, comecei a escrever, de pé, como escre-vo sempre que posso. E escrevi trinta e tantospoemas a fio, numa espécie de êxtase cuja na-tureza não conseguirei definir. Foi o dia triun-fal da minha vida, e nunca poderei ter outroassim. Abri com um título, O Guardador de Re-banhos. E o que se seguiu foi o aparecimentode alguém em mim, a quem dei desde logo onome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absur-do da frase: aparecera em mim o meu mestre.Foi essa a sensação imediata que tive. E tantoassim que, escritos que foram esses trinta etantos poemas, imediatamente peguei noutro

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papel e escrevi, a fio, também, os seis poemasque constituem a Chuva Oblíqua, de FernandoPessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o re-gresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro aFernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a rea-ção de Fernando Pessoa contra a sua inexis-tência como Alberto Caeiro.6

Pela perspectiva da teoria literária atual, essa car-ta não deve ser tomada como documento do pro-cesso criativo de Fernando Pessoa, mas sim comomais uma das diversas manifestações de seu processocriativo. Isto é, não se trata de uma explicação pro-priamente dita, mas de uma peça artística, de um tre-cho ficcional em que o poeta adota o estilo documen-tal como forma de criação. Existem inúmeros textosdessa natureza na obra de Fernando Pessoa, geral-mente tomados como “documentos verdadeiros”pelos estudiosos tradicionais para interpretar a arte ea personalidade do poeta. Esse não parece mais umcaminho adequado para a leitura de textos dessa es-pécie. Trata-se, antes, de mais uma simulação artís-tica, espécie genial de paródia do texto de auto-aná-lise, em que o poeta põe em cena seu intenso e contí-nuo interesse em levar a arte de imaginar às últimasconseqüências. Conforme se disse antes, FernandoPessoa não se interessava pela verdade, mas pelaverossimilhança e pela lógica interna dos textos.

Apontamentos sobre o nascimento de A. Caeiro.

Se bem lida, essa carta não passa de uma peque-na estória para justificar a invenção de uma perso-nagem artística, que afinal jamais existiu senão comoum ser imaginário, da mesma espécie de Capitu oude Diadorim, criados por Machado de Assis e Gui-marães Rosa, respectivamente. Esses artistas não seexplicaram como histéricos ou neurastênicos apenaspor terem inventado figuras opostas à sua condiçãoreal. A diferença básica entre eles consiste em que,sendo pouco sistemático, Fernando Pessoa não con-

cluiu o livro de poemas em que unificaria as persona-gens que inventou. Por outro lado, não é comum ospoetas inventarem estilos e personalidades tão dis-tintos entre si, embora jamais se possa ver identidadeentre a personagem lírica de Camões, o enunciadorépico de Os Lusíadas e as personagens de seus autos.Conforme a mesma linha de raciocínio, a personali-dade artística que escreveu Alguma Poesia não é amesma que escreveu, digamos, a Rosa do Povo ou oClaro Enigma. Sem fazer do processo de despersona-lização o centro de sua obra, Drummond também pro-duziu diversas vozes poéticas distintas. Isso quer dizerque, em arte, fingir é sinônimo de imaginar. Todavia,o caso de Pessoa, além de mais concentrado, integraum projeto artístico mais coeso de dispersão, mas nãoé algo essencialmente diferente da criação artística dosgrandes nomes da literatura, sobretudo se se consi-derar sua vocação para a poesia dramática, tal comose percebe, por exemplo, em Shakespeare, que se di-vidiu ao mesmo tempo numa infinidade de seres dis-tintos entre si e diferentes dele mesmo.

UM POETA DA NATUREZACONTRA A NATUREZA

Afirmou-se, acima, que Alberto Caeiro é poetaparadoxal. Um dos principais paradoxos — e tam-bém dos mais interessantes — de sua condição poé-tica decorre do fato de ele, mesmo negando a cul-tura e seus signos, escrever versos, refletir sobreeles nos poemas, preocupar-se em os publicar e aca-bar editando boa parte deles, ainda que apenas emrevistas. Na quinta estrofe do primeiro poema de OGuardador de Rebanhos, tentando neutralizar os as-pectos culturais da poesia, afirma Caeiro:

Não tenho ambições nem desejos

Ser poeta não é uma ambição minha

É minha maneira de estar sozinho.7

Como tudo quanto Pessoa escreveu, prevaleceaqui uma sutil argumentação em favor da tese ado-tada. De fato, o argumento de que não ele não époeta, e sim autor de versos, harmoniza-se com a tesedo antinominalismo de Caeiro. Enfim, a idéia dessestrês versos é muito compatível com um pastor queconsidera a cultura e seus símbolos um embaraçopara a real compreensão das coisas, que só ganha-riam sentido quando conhecidas em sua singulari-dade empírico-sensorial. Como se sabe esse é o temacentral de seu livro. Todos os demais funcionam co-mo variantes desse motivo ou como argumentos deapoio. No conjunto, os poemas de O Guardador de

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6 Em Fernando Pessoa. Páginas de Doutrina Estética. Seleção,prefácio e notas de Jorge de Sena. Lisboa, Editorial Inquérito,[1946], pp. 263-264.

7 Em Poemas de Alberto Caeiro. Nota explicativa e organizaçãode João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor. Lisboa, EdiçõesÁtica, 1946, p. 20.

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Rebanhos apresentam-se como justaposição de dife-rentes prismas da mesma questão. Daí, sua grandeunidade, não só de pensamento, mas, sobretudo,como livro de poesia lírica, pois os poemas podem serencarados como falas reflexivas em diferentes mo-mentos da vida de um homem simples e solitário quevive numa casinha modesta, retirado no topo de umouteiro no interior de Portugal.

Caeiro é tão radical na defesa da idéia central deseu livro, que chega a recusar a atribuição de nomesaos componentes da natureza.

No poema 45 de O Guardador de Rebanhos (“Umrenque de árvores lá longe, lá para a encosta.”),combate a nomeação das coisas, afirmando que nãoexiste “renque de arvores”, há apenas árvores. Comisso, pretende dizer que a idéia de floresta é uma abs-tração inventada pela cultura, e não um componentesensível do real. O que existe são árvores, jamaisfloresta.

No poema 27 do livro (“Só a Natureza é divina, eela não é divina...”), desenvolve o mesmo argumentoa propósito do vocábulo natureza. Se adota o termoem seus poemas, é porque precisa se comunicar comos homens que dão nome e personalidade às coisas.Todavia, argumenta que, em vez de se referir à natu-reza, as pessoas sensatas deveriam se referir ao céu, àterra e ao sol. Se procedessem assim, conheceriam,de fato, o que é a natureza; não sentiriam necessidadede nomeá-la.

O poema 31 de O Guardador de Rebanhos (“Se àsvezes digo que as flores sorriem”) deve ser entendidocomo uma variante mais radical e explícita do pro-blema do nominalismo. Aí, Caeiro penitencia-se pordizer em seus versos que “as flores sorriem” e que “osrios cantam”. Depois, justifica-se dizendo que praticaessa espécie inaceitável de metáfora, porque possui afunção de ensinar aos “homens falsos” a verdadeiralinguagem da natureza, que, aliás, não possui nenhu-ma linguagem.8

O poema 47 (“Num dia excessivamente nítido”), oantepenúltimo do livro, Caeiro é mais contundente nadefesa daquele princípio. Aí, afirma que, por força daclaridade de um dia especial, concluiu, sem nenhumaintenção filosófica ou desejo reflexivo, que o vocábulonatureza é inaceitável para designar a pluralidade dapartes que a compõe: montes, vales, planícies, árvo-res, flores, ervas, rios e pedras. Por isso, reitera a no-ção de que natureza não existe, pois ela “é partes semum todo”. Ainda uma vez, Caeiro coloca sua poesia a

serviço da polêmica contra o misticismo totalizante daRenascença Portuguesa, em particular de certos poe-mas de Teixeira de Pascoais, que, alguns anos antes,Fernando Pessoa exaltara como uma das maioresexpressões poéticas do mundo.

Enfim, Caeiro depara-se inúmeras vezes com oparadoxo de negar a cultura, sem poder abandoná-lapara se comunicar com os homens. Em certo sentido,poder-se-ia exigir dele que se limitasse a falar aos ho-mens sobre o modo correto de perceber e convivercom a realidade. Por outro lado, poderia apenas pen-sar em vez de escrever. Mas se procedesse assim, nãoseria poeta. Mais ainda, não poderia participar do de-bate poético com a recente tradição instaurada pelosimbolismo místico da Renascença Portuguesa. E afunção básica de um poeta é fazer versos, ainda quediga o contrário. Logo, a negação da linguagem emCaeiro não é uma convicção, e sim um tema literário,que pode ser traduzido como a tópica do constantequestionamento da linguagem. Em outros termos,trata-se da retomada do sentido básico de O Guar-dador de Rebanhos: a problematização da noção decultura, de natureza, de conhecimento e de felicidade.

O PARADOXO DA POESIAJá no primeiro poema de O Guardador de Reba-

nhos (“Eu nunca guardei rebanhos”), Caeiro introduzo tema da poesia, de sua veiculação e de sua funçãosocial. Em rigor, esse poema merece especial aten-ção, porque nele se condensam as principais tópicasdo livro, sendo que uma delas é a da condição para-doxal de um pastor que nega o valor das palavras —um símbolo cultural —, mas escreve três livros depoemas. Para dar mais densidade à sua reflexãosobre as relações da cultura com a natureza, explicaque, quando senta para escrever seus versos, ou osfaz andando pelos caminhos e atalhos do campo, eleos escreve num papel que traz no seu pensamento. Aúltima estrofe do poema é inteiramente dedicada aodesenho do perfil do leitor ideal, que deverá ser umhomem simples, mas dado ao hábito das letras, aponto de ter em casa uma cadeira predileta ao ladode uma janela destinada às horas de lazer despreo-cupado, à qual deve se recolher para a leitura dostextos. Mas tal leitor não interpretará o livro comomanifestação nobilitante da cultura, como fazem oshomens vulgares. Ao contrário, deveria entendê-locomo se fosse algo tão natural como uma árvore. Damesma forma, o ato da leitura seria praticado comogesto inocente e espontâneo, confundindo-se comum movimento distraído de qualquer dia. Esse final éplenamente compatível com os antecedentes do poe-ma, em que se sintetizam, como se anunciou acima,as grandes linhas temáticas do livro: a negação dopensamento, associado à tristeza existencial do indi-víduo; a eleição do conhecimento sensorial, fonte dealegria e plenitude.

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8 Como intérprete da natureza aos homens estúpidos, considera-se “uma coisa séria”. Na edição da Companhia das Letras, quefornece uma nova leitura dos manuscritos, a expressão entreaspas surge da seguinte maneira: “essa coisa odiosa”. Essasegunda lição faz mais sentido, no conjunto do poema. Afinal, asignificação geral do texto é que Caeiro interpreta a naturezaaos homens falsos sem concordar com isso. Em última análise,o tema do poema é a inevitabilidade da linguagem, mesmo paraum homem como Caeiro.

Page 10: Poemas de Alberto Caeiro

O poema 48, o penúltimo de O Guardador de Re-banhos (“Da mais alta janela da minha casa”), retomao primeiro poema do livro, pois redimensiona a tó-pica da relação dos poemas com o leitor, da naturezacom a cultura e da alegria com a tristeza. Nele, Caeirodespede-se de seus versos, dizendo que os envia àhumanidade, porque uma flor, uma árvore e um riotambém se dispersam no cosmos em cumprimentode sua função existencial. Assim, os poemas nãopodem deixar de ser lidos. Deixar de publicá-los seriacomo admitir que uma flor ocultasse seu perfume;que uma árvore se negasse a frutificar ou um rio re-cusasse a correr para o mar. Conclui-se daí que a fun-ção da poesia em Caeiro é dispersar-se pelo universo,visto que não se considera um ser cultural, e sim umintegrante da natureza, sendo por isso que sua poesiarecusa todas as pretensões místicas e filosóficas dogrupo da Renascença Portuguesa. Por serem puramatéria, os seus versos imitam o contínuo movimentofísico das coisas: transformam-se e permanecem,como o próprio Universo. Em um dos Poemas Incon-juntos, Caeiro demonstra preocupação em editar seusversos, mesmo que isso venha a ocorrer depois desua morte:

Se eu morrer novo,

Sem poder publicar livro nenhum,

Sem ver a cara que têm os meus versos

em letra impressa [...]9

Há diversos outros poemas em O Guardador deRebanhos, que abordam especificamente o tema dapoesia e da linguagem (poemas metalingüísticos,conforme a terminologia tradicional). O conjuntodeles funciona como sistematização de uma poéticaconscientemente assumida a favor da objetividadepagã de Caeiro e contra a poesia do nacionalismomístico de Teixeira de Pascoais. Além dos poemas co-mentados acima (o primeiro, o trigésimo primeiro e oantepenúltimo), devem-se destacar os seguintes:

• O poema 3 (“Ao entardecer, debruçado pelajanela”) é uma homenagem ao poeta do perío-do realista Cesário Verde (1855-1886), que in-troduziu um novo olhar estético na poesia por-tuguesa, principalmente por seu estilo con-creto e objetivo. Trata-se de um dos modelosde Alberto Caeiro. Embora Cesário Verde fosseum poeta principalmente urbano, Caeiro iden-tifica-se com ele, porque julga que “andavapela cidade como quem anda no campo”, istoé, olhava para tudo como se cada coisa tivesseuma individualidade inconfundível. A singu-laridade de seu olhar contrastava com as limi-tações culturais da cidade: por isso Caeiro

afirma que Cesário Verde “andava preso emliberdade pela cidade”. O poema pode serinterpretado como uma poética do novo olhar,pois o poeta homenageado encontra-se nolimiar de um novo estilo.

• O poema 14 (“não me importo com as rimas.Raras vezes”) funciona como um manifesto li-terário contra o uso de rimas em poesia, por-que raramente existem duas árvores regu-lares. Em vez de fazer poesia rimada, Caeiroprocura imitar a espontaneidade da água edo vento, que seguem o rumo imposto pelascondições casuais do terreno ou do clima.

• O poema 28 (“Li hoje quase duas páginas”)alude quase diretamente a Teixeira de Pas-coais, dizendo que os poetas místicos são “ho-mens doentes”, pois eles dizem que a pedras,os rios e a flores possuem sentimentos hu-manos. Caeiro, ao contrário, contenta-se emrespeitar as dimensões objetivas dos com-ponentes daquilo que os “filósofos doentes”chamam de natureza, negando-lhe qualquerinterioridade ou sentido oculto. Por isso, sen-te-se contente e se satisfaz com a prosa de seusversos. Ao associar poesia e prosa, o poetaincorpora o prosaísmo da poesia moderna,fator decisivo em sua relação com o grupo darevista Orpheu e com os demais heterôni-mos, que o tomavam como mestre.

• O poema 29 (“Nem sempre sou igual no quedigo e escrevo”) desenvolve a tópica clássicasegundo a qual o encanto da poesia consistena manutenção da unidade na diversidade.Ao dizer que nem sempre seus poemas sãoiguais, Caeiro defende-se com a idéia de queas flores também assumem aspectos dife-rentes conforme a variação da luz. Assim,mesmo quando o poeta parece discordar desi mesmo, mantém a unidade, pois sua diver-sidade é aparente e não essencial. A unidadeintrínseca de suas poesias decorre da simpli-cidade de seu ser, que imita a constituição docéu e da terra.

• O poema 36 (“E há poetas que são artistas”)contém um manifesto a favor da poesia es-pontânea, escrita sob o impulso de uma ins-piração intelectual que garante ao texto coe-rência de estilo e de pensamento, tal como seobserva no próprio Guardador de Rebanhos,que Caeiro, a dar crédito na estória que Fer-nando Pessoa compôs para explicar a gênesedesse heterônimo, teria sido escrito pratica-mente de uma só vez. O texto desenvolve umaespécie de metáfora floral, pois preconiza umpoeta que escreve sem ter consciência de queo faz, manifestando-se como uma entidade

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9 Em Poemas de Alberto Caeiro. Edição citada, p. 83.

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da natureza. No início do poema, lamentaque haja poetas que escrevem como se fossemcarpinteiros, cujo trabalho depende de medidae de consciência artesanal. A esses poetas,Caeiro aplica o epíteto pejorativo de artistas,porque, em vez de escrever com espontanei-dade, compõem com razão e consciência. Opoema 36 funciona, ainda, como uma poéticacontra a poesia construtivista, tal como a con-cebe João Cabral de Melo Neto, por exemplo.

• O poema 46 (“Deste modo ou daquele modo”)apresenta uma idéia nova relativamente aosdemais poemas desta série: a noção de quepara escrever de modo simples é preciso de-saprender, isto é, é necessário esquecer osvelhos ensinamentos, que vestem a alma defalsas noções.10 Surge também a consciênciade que a espontaneidade absoluta é impos-sível, mas nem por isso o poeta deve deixar deprocurá-la, como um cego que vai caindo e selevantando ao caminhar. Sabe o que deve sen-tir e escrever, mas nem sempre escreve o quesente. Além disso, este poema contém a céle-bre imagem de que Caeiro pretende deixar deser ele mesmo para retornar à condição de “umanimal humano que a natureza produziu”. O fi-nal do poema é glorioso, porque termina comalegoria colorida de que nenhum verso vale acontemplação do nascer do sol. Por isso, Caeirojulga trazer ao Universo um novo Universo: oUniverso-ele-próprio, isto é, uma poesia queprocura falar dele em seus próprios termos.

POEMAS ANTOLÓGICOSContrariando o conceito clássico de antologia,

esta não visa a relacionar os melhores poemas de OGuardador de Rebanhos. Procura apenas relacionare comentar brevemente os poemas mais consagradospela tradição, que eventualmente são dos melhoresdo volume:

• Poema 2 (“O meu olhar é nítido como um gi-rassol”): funda-se na imagem de que o poetadeve possuir o espanto que tem uma criançaao ver as coisas pela primeira vez, isto é, devese encantar com o mundo, sem se preocuparcom sua compreensão. O poeta não deve pos-suir filosofia, mas sim sentidos. Deve amar anatureza, sem se preocupar com a razão desseamor. O poema incorpora de forma muitoparticular a vertente do Primitivismo moder-nista, criado pelo Cubismo de Picasso e muito

bem aclimatada na primeira fase do Moder-nismo brasileiro, como deixam ver as obras deOswald de Andrade, de Mário de Andrade, deManuel Bandeira e de Raul Bopp. Como sesabe, o segundo livro de poemas de Oswaldchama-se o Primeiro Caderno de Poesias doAluno Oswald de Andrade. Tal como no segun-do poema de O Guardador de Rebanhos, o Pri-mitivismo internacional valoriza a espontanei-dade e o frescor das imagens do inconscientecoletivo, tal como se percebe, em perspectivadiferente, em Macunaíma e em Cobra Norato.Em “Evocação do Recife”, Manuel Bandeiranão quer saber da parte histórica ou turísticade sua cidade, mas dos aspectos ligados à par-ticularidade de sua infância. No final do segun-do poema, Alberto Caeiro afirma que “amar éa eterna inocência e que a única inocência énão pensar”. Esse final remete ao começo, queapresenta imagens da inocência associadas aoolhar infantil. De modo geral, não só este poe-ma, mas todo O Guardador de Rebanhos é umasingularíssima versão da vertente primitivistado Modernismo europeu.

• O poema 5 (“Há metafísica bastante em nãopensar em nada”) é um dos mais importantesde O Guardador de Rebanhos. E também umdos mais extensos. Associa-se diretamente aosversos de Teixeira de Pascoais e de Jaime Cor-tesão, citados acima. Como se viu, esses auto-res atribuem alma às árvores, isto é, interpre-tam a natureza como manifestação da grande-za de Deus. Acreditam que cada ser possuimistérios e sentidos profundos, muito além dacompreensão do homem: é a isso que se cha-ma “visão metafísica do mundo”, cujo sentidoverdadeiro está sempre um pouco mais alémdo que o homem pode alcançar. O quinto poe-ma de O Guardador de Rebanhos, sintetizandoo pensamento antimetafísico do livro, começapor atribuir densidade semântica à negação dopensamento enquanto atividade nobilitante doespírito. Ao afirmar que “Há metafísica bastan-te em não pensar em nada”, o poeta pretendedizer que o intelecto não é a única forma deconhecimento, e que o sentido do mundo nãoprecisa ser necessariamente profundo ou mis-terioso. Consiste nisso o sensorialismo mate-rialista e ateu de Alberto Caeiro. Se Deus fosseacessível pelos sentidos, o poeta acreditarianele. Mas como Deus não passa de um con-ceito cultural — e, portanto, invisível, inodoro,inaudível, intangível e insosso — nem sequer éconsiderado como parte da realidade. Os poe-mas 6 (“Pensar em Deus é desobedecer aDeus”) e 39 (“O mistério das coisas, onde estáele?”) podem ser interpretados como variantes

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10 A certa altura, a voz poética diz que sente o peso do fato que lheimpuseram. Como se sabe, fato quer dizer roupa, no sentido deque a educação tradicional veste a alma de falsas noções, dasquais o poeta novo tem de se libertar.

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da mesma tópica: isto é, negam o conhecimen-to metafísico da realidade (“o sentido últimodas coisas”). Em seu lugar, propõe o experimen-talismo sensorial e materialista como formamais franca e mais direta de conhecimento.

• O poema 8 (“Num meio-dia de fim de primave-ra”) talvez seja o mais escandaloso de todos es-critos por Alberto Caeiro. Pensou em publicá-lo na revista Athena, mas desistiu em respeitoao fato de Ruy Vaz, seu sócio, ser católico. Tra-ta-se de uma alegoria, segundo a qual, Jesus,cansado da monotonia do céu, fugiu para aterra em forma de criança humana. Hospeda-do no casebre de Alberto Caeiro, dizia queDeus era um velho estúpido e mal educado:dizia indecência e escarrava no chão. Fora ge-rado sem amor, pois seus pais se uniram porvontade alheia.

Revista Presença, em que foi publicado o poema 8.

Agora, integrado à humanidade tornou-se umacriança alegre e espontânea. Praticava todasorte de arte própria de sua idade, tendo a ino-cência e o amor como guia. A visão primitiva esensorial que Jesus possui da natureza harmo-niza-se com a de Alberto Caeiro, que aprendeuma infinidade de coisas simples com esseDeus tornado homem. A ingenuidade da crian-ça confunde-se com a vida do poeta, que o to-ma como o verdadeiro menino Jesus, por opo-sição ao da tradição, cuja origem e constituiçãose caracterizam pelo mistério e pela incom-preensão aos homens despretensiosos.

• O poema 10 (“Olá, guardador de rebanhos”)apresenta-se sob a forma de breve diálogoentre um transeunte e o pastor. O transeuntepergunta-lhe o que lhe diz o vento. Ele explicaque o vento apenas se manifesta: passa agora,como passou antes e passará depois. O outro

retruca que o vento lhe falava de memórias, desaudades e de coisas que nunca existiram. Irri-tado, o pastor corrige o interlocutor, afirman-do-lhe que ele atribuía ao vento um sentidotranscendente, totalmente incompatível com averdade imanente do fenômeno. O que ouviudo vento era mentira resultante de interpreta-ção metafísica (hermenêutica). Esse tipo dementira encontra-se no intérprete, e não na na-tureza. Mais de um dos Poemas Inconjuntos re-toma e combate essa idéia, como se observa naseguinte estrofe, tomada aqui como exemplopara o núcleo semântico dessa tópica recor-rente em toda a poesia de Alberto Caeiro:

Tu, místico, vês uma significação em todas ascoisas.

Para ti tudo tem um sentido velado.

Há uma coisa oculta em cada coisa que vês.

O que vês, vê-lo sempre para veres outracoisa.11

• O poema 20 (“O Tejo é mais belo que o rio quecorre pela minha aldeia”) é uma alegoria sobrea experiência pessoal contra a abstração dosconceitos. Dominada pela retórica do parado-xo, a voz poética afirma que o Tejo possui maisimportância histórica, geográfica, cultural eeconômica do que o rio de sua aldeia. Carrega-do de significação cultural, deixou de ser umrio natural para se transformar num rio cultu-ral, longe da realidade empírica do pastor. Porisso, embora reconheça a importância objetivado Tejo, prefere o rio de sua aldeia. Quem estáperto do Tejo pensa em muitas outras coisasacumuladas pela história cultural do rio, aopasso que o rio de sua aldeia, sendo natureza,não faz e nem pensa em nada. Por isso, é maisimportante como realidade pessoal.

• O poema 24 (“O que nós vemos das coisas sãoas coisas”) retoma e amplia noções do poema 5e antecipa tópicas do poema 39. Sua singulari-dade mais importante, além das imagens, quesão sempre novas em cada poema, consiste naexplicação de que a simplicidade do conhe-cimento sensorial, que recusa a idéia de sím-bolo (uma coisa em lugar de outra), exige umgrande esforço em abandonar as noções consa-gradas pela tradição secular do conhecimentoconvencional, que consiste numa “aprendi-zagem de desaprender”. No final, AlbertoCaeiro ironiza o Saudosismo metafísico deTeixeira de Pascoais, que metaforiza a estrelasem “freiras eternas” do convento cósmico; e asflores, em “penitentes convictas de um só dia”de uma abadia celeste.

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11 Em Poemas de Alberto Caeiro. Edição citada, p. 78.

Page 13: Poemas de Alberto Caeiro

• O poema 32 (“Ontem à tarde um homem da ci-dade”) parece introduzir o tema da poesia so-cial em O Guardador de Rebanhos. Põe emcena um agitador social falando das desigual-dades dos homens, a favor dos oprimidos. MasCaeiro, que integrava a multidão em torno doorador, não lhe dá a menor importância, expli-cando que, ao ouvi-lo, pensava nas metáforasabsurdas dos poetas metafísicos. Quanto aosproblemas sociais, julga que o mal do mundodecorre da preocupação de umas pessoas comoutras, tanto para praticar o bem quanto parapraticar o mal. Logo, considerava inútil o pro-pósito do orador da cidade. Nos Poemas Incon-juntos, há retomada dessa tópica, em poemabem semelhante, cujos primeiros versos di-zem: “Ontem o pregador de verdades dele /Falou outra vez comigo.” Tal como no poemaanterior, Caeiro, neste, nega a hipótese da poe-sia social, dizendo que a existência da injustiçaé tão inevitável quanto a existência da morteou de uma pedra redonda. Em outros termos,ele quer dizer que o desejo dos homens não al-tera a constituição da realidade objetiva dosfatos.

O PASTOR AMOROSOAssim como em O Guardador de Rebanhos, há

uma pequena estória oculta nos versos de O PastorAmoroso. A estória deste último pode ser resumidanos seguintes termos: um pastor, cuja função, emprincípio, é cuidar de suas ovelhas, esquece-se de seuofício por ter se apaixonado por uma linda pastora.Durante os momentos de amor, julgava que a com-panhia dela não só aprimorava seu trabalho, comotambém o tornava mais sensível aos encantos dapaisagem. Quando ela o abandonou, deu-se conta deque nunca fora amado e que traíra o seu destino depastor, tendo sido repreendido pelos companheirosde profissão.

Os textos são petrarquistas, no sentido de apre-sentarem uma concepção idealista do amor, que semanifesta em descrições encarecedoras da amada.No poema 7, por exemplo, o pastor a descreve nos se-guintes termos: “Tem o cabelo de um louro amarelo detrigo ao sol claro”. Se bem que a dominante do elogioà amada recai sobre a revelação das mudanças posi-tivas que ela promoveu na sensibilidade do pastor, oque, no final se prova falso, porque o afastaram dacontemplação isenta da natureza. Sendo petrarquis-tas, os poemas de O Pastor Amoroso seguem a tradi-ção platônica e camoniana, integralmente adaptadaao estilo e às concepções criadas por Alberto Caeiroem O Guardador de Rebanhos.

Óculos de Fernando Pessoa

POEMAS INCONJUNTOSOs poemas deste livro retomam as tópicas e o

estilo de O Guardador de Rebanhos. Em certo senti-do, poderiam perfeitamente integrar o mesmo con-junto, sem perda, no geral, da identidade estilística etemática. Nesse sentido, O Pastor Amoroso guardamaior autonomia, por causa do tema do amor, ausen-te nos dois outros.

Um traço exclusivo dos Poemas Inconjuntos é atópica da morte, que oferece ocasião para reflexõestão materialistas quanto as observadas em O Guar-dador de Rebanhos. Nesse sentido, convém destacaros seguintes poemas (dos quais se oferecem os doisprimeiros versos para identificação, a partir do textodas Edições Ática). Requerem leitura, pela singula-ridade temática que atribuem ao livro:

Quando tornar a vir a PrimaveraTalvez já não me encontre no mundo.

*Se eu morrer novo,Sem poder publicar livro nenhum [...]

*Quando vier a Primavera,Se eu já estiver morto.

*Se, depois de eu morrer, quiserem

escrever a minha biografia,

Não há nada mais simples.

*Quando a erva crescer em cima da

minha sepultura [...]*

Mas a guerra inflige a morte.E a morte é o desprezo do Universo por nós.

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Page 14: Poemas de Alberto Caeiro

Ainda no tema da morte, o poeta mantém a objeti-vidade materialista observada nas demais tópicas de-senvolvidas nos Poemas Inconjuntos e nos outros li-vros de Alberto Caeiro. O poeta a encara como um fe-nômeno geral, e não como algo singular e indesejávelque pode surpreendê-lo a qualquer hora. A noção deque as leis que regem a vida humana são as mesmasque regem os demais movimentos da natureza éabordada de forma especial num longo texto dos Poe-mas Inconjuntos, cujo primeiro verso é “Ser real querdizer não estar dentro de mim”. Esse texto possui par-ticular interesse, porque, nele, o poeta desenvolve oargumento de que o corpo humano é mais real do quea alma, que, conforme ele, não passa de uma inven-ção dos filósofos. Retomando a idéia básica de OGuardador de Rebanhos, esse texto ratifica o conceitode que somente o mundo exterior é real, pois so-mente ele é passível de ser conhecido pelos sentidos.

O CONCEITO DE UNIDADEEM CAEIRO

Alguns estudiosos negam unidade aos PoemasInconjuntos, partindo, talvez, do sentido específico doadjetivo que qualifica tais textos: desconexos, soltos.Essa idéia é discutível. Pois, tal como se observa nosdois outros livros de Caeiro, Poemas Inconjuntos tam-bém possui unidade, não só estilística quanto temá-tica, mas também unidade construtiva. Todavia, épreciso ressaltar que não se trata de uma unidadearistotélica (princípio, meio e fim bem definidos). Tra-ta-se, ao contrário, da unidade cubista, fundada najustaposição de partes aparentemente desiguais edesconexas, tal como se observa, por exemplo, no qua-dro Guernica. É o mesmo tipo de unidade contido tam-bém em “Poema de Sete Faces”, com que Drummondabre Alguma Poesia. Algo semelhante se observa nospoemas do livro Dispersão, de Mário de Sá-Carneiro,que, em consonância com certos traços do simbo-lismo de Camilo Pessanha e da vanguarda européia,adota a poética do fragmentário e do elíptico, em queas conexões se subentendem e não se explicitam.Esse é o tipo de unidade que se observa nos trêslivros de Alberto Caeiro, sendo certo que em O Guar-dador de Rebanhos e em O Pastor Amoroso ela assu-me configurações mais evidentes do que nos PoemasInconjuntos. Aliás, esse tipo de unidade é espelho dapreferência pela justaposição sintática em lugar dasubordinação — traço decisivo para a impressão desimplicidade e espontaneidade do estilo de AlbertoCaeiro.

Dispersão, de Mário de Sá-Carneiro

ALGUMAS EDIÇÕES DAPOESIA DE CAEIRO

Fernando Pessoa guardou os poemas de Alber-to Caeiro no baú de inéditos e iniciou diversos pro-jetos de editar suas poesias, tanto as assinadas como próprio nome (poesia ortônima) quanto as assina-das pelos poetas que inventava, entre os quais sedestacam Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro deCampos (poesia heterônima).12 Concebidos comopersonagens de um grande livro de poemas, essesheterônimos seriam unificados sob o título genéricode Ficções do Interlúdio, para as quais chegou a re-digir um prefácio. Mas tal edição jamais ocorreu,senão depois de sua morte. Ele próprio não possuíaum plano definitivo em como unificar a diversidadede sua produção, pois deixou inúmeros projetos edi-toriais, quase todos divergentes entre si.

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12 Outro heterônimo bem conhecido é Bernardo Soares, queescreveu em prosa o Livro do Desassossego, publicado emseparado postumamente, em 1982.

Page 15: Poemas de Alberto Caeiro

Baú de Fernando Pessoa.

Depois da aventura da revista Orpheu, de 1915,Fernando Pessoa uniu-se a Ruy Vaz para criar outrarevista, cuja duração seria mais extensa e sistemáticaque aquela. Trata-se de Athena: Revista de Arte, quecirculou mensalmente em Lisboa, de outubro de 1924a fevereiro de 1925. Nos dois últimos números dessarevista, o poeta finalmente editou boa parte da pro-dução de Alberto Caeiro, tantas vezes anunciada embilhetes íntimos, cartas a amigos ou em conversas. Defato, no nº- 4, do volume I de Athena, saíram em or-dem crescente 23 dos 49 poemas de O Guardador deRebanhos, sob o título geral de “Recolha de Poemasde Alberto Caeiro”, entre as páginas 145-156.13 O fa-moso poema oitavo de O Guardador de Rebanhos,que começa com o verso “Num meio-dia de fim deprimavera”, seria publicado bem mais tarde, no nº- 30da Revista Presença, em Janeiro-Fevereiro, de 1931.Pessoa publicou, ainda, 16 fragmentos dos PoemasInconjuntos no número seguinte da Athena, entre aspáginas 197-204,14 também com o título genérico de

“Recolha de Poemas de Alberto Caeiro”. Um poucomais tarde, igualmente, a Revista Presença publicariaoutro dos Poemas Inconjuntos, no número de março-junho, de 1931, cujo primeiro verso é “Todos os diasagora acordo com alegria e pena”. Depois, esse poe-ma seria transferido para o conjunto de O PastorAmoroso.

Athena.

A primeira edição de Alberto Caeiro em volumefoi organizada por um integrante da geração Orpheue por outro integrante da geração Presença: Luiz deMontalvor e João Gaspar Simões, respectivamente.O livro saiu em 1946, pela Edições Ática, de Lisboa,como o terceiro volume da série “Obras Completasde Fernando Pessoa”, com o título de Poemas de Al-berto Caeiro. Por ser a primeira tentativa de orga-nização dos originais, essa edição não separa ospoemas de O Pastor Amoroso, publicando-os emmeio aos Poemas Inconjuntos.

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13 Athena: Revista de Arte. Diretores Fernando Pessoa e Ruy Vaz.Edição Fac-similada. Prefácio de Tereza Sousa de Almeida.Lisboa, Contexto Editora, 1983.

14 Edição citada, pp. 197-204.

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1ª- Edição de Poemas de Alberto Caeiro, 1946.

A segunda edição dos Poemas de Alberto Caeiroapareceu em Obra Poética de Fernando Pessoa, emalentado volume de 786 páginas, lançado no Rio deJaneiro pela Companhia José Aguilar Editora, em1960, com estabelecimento de texto, estudos e notasde Maria Aliete Galhoz. Além de diversos textos emprosa atribuídos a outros heterônimos de Pessoa, atéentão pouco acessíveis ao leitor brasileiro, essa ediçãocontém uma cronologia da vida e obra do grandepoeta, organizada por João Gaspar Simões. Como oespólio de Fernando Pessoa ainda não se encontravadisponível aos pesquisadores, o texto dessa ediçãosegue, em princípio, a lição das “Obras Completas deFernando Pessoa”, da editora Ática, de Lisboa. Para aanálise de O Guardador de Rebanhos, o presente es-tudo adotou esta edição como base de leitura e tam-bém para as citações.

A partir de 1980, a Editora Nova Fronteira des-membrou o enorme volume de Maria Aliete Galhozem diversos pequenos livros, entre os quais se contaFicções do Interlúdio 1: Poemas Completos de AlbertoCaeiro, em cuja abertura se reproduz o prefácio queFernando Pessoa esboçou para o sonhado volume emque reuniria a produção de seus heterônimos. Se-guem-se as notas da organizadora. Na reprodução de

O Pastor Amoroso, a edição da Nova Fronteira agrupaapenas cinco poemas nesta série, em vez de oito. Nãoos numera, e a seqüência adotada para os poemas pre-judica a compreensão da tênue unidade lírico-narra-tiva do pequeno livro. No final do volume, reproduz-se a cronologia de João Gaspar Simões, muito desa-tualizada.

Em 2003, a Companhia das Letras, de São Paulo,reproduziu no Brasil uma ótima edição lançada emPortugal, em 2001, pela editora Assírio & Alvim:Poesia, Alberto Caeiro, com estabelecimento de texto,notas e dois estudos de Fernando Cabral Martins eRichard Zenith. Destinada a iniciados no universo pes-soano, essa edição recorre aos manuscritos, donderesultam algumas soluções divergentes do cânon tra-dicional. Além de alguns poemas inéditos, apresen-tam-se fragmentos em prosa atribuídos a AlbertoCaeiro. No final do volume, cada organizador assinaum ensaio de interpretação literária, ambos úteis eestimulantes.15

Há um pormenor nesta edição que a torna supe-rior a todas mencionadas anteriormente: trata-se daorganização dos poemas de O Pastor Amoroso. Em-bora na nota explicativa os organizadores neguemunidade a esse livro, a maneira que adotam na dispo-sição dos textos é a única que ressalta a inegável coe-são entre os poemas, a começar pela inclusão da nu-meração dos textos, que somam oito. Por outro lado,a edição não deixa de apresentar erros tipográficos,que adulteram o sentido de alguns poemas ou invia-bilizam a formação de sentido em outros, tal como seobserva, por exemplo, no terceiro verso da terceira es-trofe do poema 3 de O Guardador de Rebanhos: “Masandava na cidade como quem não anda no campo”,em vez de “Mas andava na cidade como quem andano campo”. No poema VII de O Pastor Amoroso, há oseguinte verso, incompatível com a lógica do estilo deAlberto Caeiro: “E prefiro pensar dela, porque delacomo é tenho qualquer medo”.

LEITURA E EXERCÍCIOS

1. Leia o poema 11 de O Guardador de Rebanhospara responder às perguntas que o seguem:

Aquela senhora tem um pianoQue é agradável mas não é o correr dos riosNem o murmúrio que a árvores fazem...Para que é preciso ter um piano?O melhor é ter ouvidosE amar a Natureza.

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15 Em Portugal, há outras edições das obras de Fernando Pessoa.Como são praticamente inacessíveis no Brasil, seu registro nesteestudo torna-se secundário. Quanto à produção de AlbertoCaeiro em particular, os mais interessados poderão consultar abibliografia completa organizada por José Blanco, em Portuguese& Cultural Studies 3, University of Massachusetts Dartmouth,1999.

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a) Pode-se dizer que o poema é composto por umatese e por uma antítese, enfeixadas respectiva-mente em cada uma das estrofes. Em termossemânticos, como se traduz cada um dessesdois momentos da argumentação do poema?

b) Esse poema pode ser entendido como mani-festação do sensorialismo primitivista de Al-berto Caeiro? Justifique brevemente.

2. No poema 48 de O Guardador de Rebanhos,Caeiro argumenta que prefere o vôo de uma ave,porque não deixa rastro, à passagem de um ani-mal, que deixa rastro. Sem rastros, o vôo da avenão anuncia sua pretérita presença; com ras-tros, o animal indica que pretérita presença, jánão existe. Responda:a) Qual o tema específico abordado por meio

desses exemplos?b) Pela lógica do poema, qual o tempo preferido

pelo pastor: o passado ou o presente? Mencio-ne outro poema de O Guardador de Rebanhosem que ressurge o tema do tempo.

3. Os críticos António José Saraiva e Óscar Lopes,em sua História da Literatura Portuguesa (Porto,Porto Editora, 12ª- ed., 1982, p. 1047) afirmamque a criação de Alberto Caeiro é uma reaçãocontra o transcendentalismo saudosista (alusãoclara ao nacionalismo metafísico do grupo Renas-cença Portuguesa e a Teixeira de Pascoais). Assi-nale os versos de Caeiro que não podem ser en-tendidos como manifestação desse debate cul-tural:a) O que nós vemos das coisas sãos as coisas.

Por que veríamos nós uma coisa se houvesseoutra?

b) Os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos.

c) Leio até me arderem os olhosO livro de Cesário Verde.

d) O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!O único mistério é haver quem pense no mis-tério. Pensar em Deus é desobedecer a Deus,Porque Deus quis que o não conhecêssemos,Por isso se nos não mostrou...

4. (UNIFESP-2004) Considere as seguintes informa-ções sobre o heterônimo Alberto Caeiro, dopoeta Fernando Pessoa, extraídas de LiteraturaPortuguesa — da Idade Média a Fernando Pes-soa, de José de Nicola:“Para [ele], as coisas são como são. (...) Por issomesmo, seu mundo é o mundo do real-sensível(ou real-objetivo), é tudo aquilo que existe e quepercebemos através dos sentidos. (...) ele ‘pensa’com os sentidos.”

Os versos que ilustram o heterônimo apresenta-do sãoa) Sou um guardador de rebanhos. / O rebanho

é os meus pensamentos / E os meus pensa-mentos são todos sensações. / Penso com osolhos e com os ouvidos / E com as mãos e ospés / E com o nariz e a boca.

b) Amemo-nos tranqüilamente, pensando que po-díamos, / Se quiséssemos, trocar beijos e bra-ços e carícias, / Mas que mais vale estarmossentados ao pé um do outro / Ouvindo correr orio e vendo-o.

c) Não matou outros deuses / O triste deus cris-tão. / Cristo é um deus a mais, / Talvez um quefaltava.

d) Dizem que finjo ou minto. / Tudo que escrevo.Não. / Eu simplesmente sinto / Com a imagina-ção. / Não uso o coração.

e) Já disse: sou lúcido. / Nada de estéticas comcoração: sou lúcido. / Merda! Sou lúcido...

RESPOSTAS1. a) Na primeira estrofe exaltam-se as virtudes de

um instrumento da cultura, o piano, que podeconviver com a natureza, embora em condi-ções inferiores de qualidade. Na segunda, opiano é excluído como produtor agradável desons. Em lugar dele, propõe-se o contato di-reto do homem com os sons da natureza, e nãocom os da cultura, que os imita sem a mesmaautenticidade.

b) Sim, pode, porque insinua que é melhor ou-vir o ruídos da natureza (riachos e árvores)do que as harmonias artificiais de um piano.O piano, quando muito, poderia conduzir à apre-ciação da arte (cultura); ao passo que o con-vívio com as árvores e com os rios aguçariaos sentidos para o conhecimento da própriavida, sem mediações culturais. O poema fun-ciona como uma pequena alegoria sobre assupostas vantagens da natureza sobre a cultu-ra, porque uma gera a técnica; a outra, o amor.

2. a) O tema do tempo, implícito na idéia da recor-dação deixada pelas marcas do animal.

b) O presente, pois o vôo da ave indica sua pre-sença, uma manifestação inequívoca do mo-mento presente e da realidade. O passado ex-clui a presença do animal, deixando apenassua recordação na subjetividade do homem.Por isso, é irreal. Outro texto do livro que falado tempo é o poema 44 (“Acordo de noite subi-tamente, / E o meu relógio ocupa a noite toda.”)Em rigor, esse poema é uma alegoria da idéiade que a imensidão do tempo não cabe nas en-grenagens de uma pequena máquina cultural.

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3. CComentário: Cesário Verde é um dos modelospara a criação do estilo de Alberto Caeiro, comcuja objetividade prosaica a personagem pes-soana se identifica. Por isso, faz um poema-ho-menagem a ele em O Guardador de Rebanhos.

4. AComentário: A percepção sensorial do mundoconduzia Alberto Caeiro a uma valorização dassensações, o que é confirmado pelos versos daalternativa A: “E os meus pensamentos são to-dos sensações / Penso com os olhos e com osouvidos / E com as mãos e os pés / E com o na-riz e a boca.”. Além disso, é de se notar que o tí-tulo do livro de Caeiro que Pessoa concebeu naocasião em que viu surgir o heterônimo é OGuardador de Rebanhos, expressão que igual-mente aparece no trecho do poema transcrito.

BIBLIOGRAFIA SELETA

COELHO, Jacinto do Prado. Diversidade e Unidadeem Fernando Pessoa. 3ª- ed., Lisboa, EditorialVerbo, 1969.

GAMA, Rinaldo. O Guardador de Signos: Caeiro emPessoa. São Paulo, Perspectiva / IMS, 1995.

GOMES, Álvaro Cardoso. “O Retorno à Inocência”.Em Fernando Pessoa: as Muitas Águas de umRio. São Paulo, Pioneiro / Edusp, 1987.

PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caeiro. Or-ganização de João Gaspar Simões e Luiz Mon-talvor. Lisboa, Edições Ática, 1946.

. Obra Poética. Organização, in-trodução e notas de Maria Aliete Galhoz. 3ª- ed.Rio de Janeiro, José Aguilar Editora, 1969.

. Ficções do Interlúdio 1: PoemasCompletos de Alberto Caeiro. Organização deMaria Aliete Galhoz, com cronologia de JoãoGaspar Simões. 10ª- impressão. Rio de Janeiro,Nova Fronteira, s/d.

. Poesia. Alberto Caeiro. Edição deFernando Cabral Martins e Richard Zenith. SãoPaulo, Companhia das Letras, 2003.

. Páginas de Doutrina Estética. Se-leção, prefácio e notas de Jorge de Sena. Lis-boa, Editorial Inquérito, [1946].

. A Nova Poesia Portuguesa. Prefá-cio de Álvaro Ribeiro. Cadernos Culturais. Lis-boa, Editorial Inquérito, s/d.

SARAIVA, António José e Óscar Lopes. História daLiteratura Portuguesa (Porto, Porto Editora, 12ª-ed., 1982).

SIMÕES, João Gaspar. Vida e Obra de FernandoPessoa: História de uma Geração. Vol. I. Lisboa,Livraria Bertrand, [1951].

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