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A POESIA JAPONESA A Poesia Japonesa, ao longo dos séculos, sofreu uma lenta depuração de que resultou uma forma poética muito simples, mas de subtil beleza. O pequeno poema de três versos denominado “haiku” é a cristalização em palavras de um acontecimento breve que impressionou o poeta. A poesia do Japão tem as suas raízes no coração humano e, expressando-se em palavras revela um modo particular de sentir múltiplos aspectos da natureza e da vida. Já numa antiga compilação de poemas japoneses, feita no século X, se refere que a poesia do Japão tem por finalidade comover o céu e a terra, sem violência. Como em outras formas de arte influenciadas pela estética zen, nos poemas japoneses tradicionais podemos encontrar, habilmente associadas, a simplicidade, a naturalidade e a profundidade.

POEMAS JAPONESES

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Page 1: POEMAS JAPONESES

A POESIA JAPONESA

A Poesia Japonesa, ao longo dos séculos, sofreu uma lenta

depuração de que resultou uma forma poética muito simples, mas

de subtil beleza.

O pequeno poema de três versos denominado “haiku” é a

cristalização em palavras de um acontecimento breve que

impressionou o poeta.

A poesia do Japão tem as suas raízes no coração humano e,

expressando-se em palavras revela um modo particular de sentir

múltiplos aspectos da natureza e da vida.

Já numa antiga compilação de poemas japoneses, feita no século

X, se refere que a poesia do Japão tem por finalidade comover o

céu e a terra, sem violência.

Como em outras formas de arte influenciadas pela estética zen,

nos poemas japoneses tradicionais podemos encontrar, habilmente

associadas, a simplicidade, a naturalidade e a profundidade.

Page 2: POEMAS JAPONESES

POEMAS JAPONESES

Primeira manhã de primaveraAté a minha sombraestá cheia de vigor Issa

No caminho de Shirakawauma rapariga vende floresPrimeiro arco-íris

Shimei

Na berma do caminhoflorescia uma malvaO cavalo comeu-a Bashô

Floresce a ameixieirae canta o rouxinolmas estou só

Issa Chuva primaverilCaminham conversandoum manto de palha e um guarda-chuva

Buson

Page 3: POEMAS JAPONESES

A primeira luz da manhãbrilha na cabeçadas sardinhas

Buson

De que árvore em flornão sei- mas que perfume!

Bashô

Colhê-la, que pena!não a colher, que pena!- a violeta

Nao Jo

Festa das floresAcompanhada pela mãeuma criança cega Kikaku

Pela alvaas violetas inclinam-sePassou uma toupeira

Bonchô

Page 4: POEMAS JAPONESES

Caídas da peóniasobrepostasduas ou três pétalas

Buson

Quem me dera um pincelpara pintar as flores da ameixieiracom o seu perfume!

Shôha

Para conhecer a flor da ameixieiratanto o coraçãocomo o nariz

Onitsura

O ramo da cerejeira em florconcede o seu perfumea quem o quebrou

Chiyo-ni

À sombra das cerejeiras em florpessoas de todo estranhasnão há

Issa

Page 5: POEMAS JAPONESES

Um mundo de sofrimento e corrupçãomesmo quando as cerejeirasestão em flor

Issa

Vai perseguindopétalas de cerejeiraa tempestade

Teika

Engole nuvense vomita cerejeirasO monte Ioshino

Buson

Branco orvalhoEm cada espinho da silvauma gota Buson

Ervas do caminhoem cujo orvalho tocamos chorões

Sóji

Page 6: POEMAS JAPONESES

A cada sopro do ventomuda de lugara borboleta no salgueiro

Bashô

Poisada sobre a flora borboleta escuta a melodiado destino

Issa

Sombrassemeiam o trigonos longos raios de crepúsculo

Buson

Papagaio de papelno mesmo lugardo céu de ontem

BusonProstrado no chãoo papagaio de papelsem alma

Kubonta

Page 7: POEMAS JAPONESES

O pequeno gatoque pesamos na balançaprossegue os seus jogos

Issa

A andorinhafaz uma cambalhota- de que se esqueceu ela?

Otsuji

Pisa as nuvensbebe a névoaa calhandra subindo alto

Shiki

Ao longo do diameus olhos foram usadosa contemplar o mar

Taigi

Não duvides também a maré tem floresPrimavera na baía

Bashô

Page 8: POEMAS JAPONESES

Dia lentoO barco conversacom a areia da praia

Shiki

O barco carregado de arrozdirige-se direitoà lua crescente

Ryokan

A selha onde lavo os pésfoge-me tambémcomo a primavera

Buson

A primavera passaChoram os pássarose são lágrimas os olhos dos peixes

Bashô

Neste mundono seio do infernoOlho as flores

Issa

Page 9: POEMAS JAPONESES

A janela abertaTodo o passado me visita - bem melhor que num sonho!

Ryokan

Sobre a almofadaO cabelo desatadoPrimavera em ondas

Buson

Só o monte Fujideixastes por cobrirjovens folhas

Buson

O cuco!Moscas e insectosescutai também

Issa

Lua veladaAs rãs confundemágua e céu

Buson

Page 10: POEMAS JAPONESES

Rã verdereluzenterecém-pintada!

Ryunosuke

Rumor de mosquitosCaiuUma flor de madressilva

Buson

O salgueirocontempla o avessoda imagem da garça-real

Kikaku

Terá cessadoo chuvisco de Maio?Murmura a água

Sóji

Chuva de Maionuma só noite enferrujoua navalha da barba

Bonchô

Page 11: POEMAS JAPONESES

Aguaceiro de fim de tardeAgulhas de pinheiro verdesplantadas na areia

Shiki

Tão rudemente caisobre os cravoso aguaceiro de verão

Sampû

Brotam rosasno bordo perigosodo precipício

Etsujin

Aguaceiro de fim de tardeMil palavrassem que o meu pincel seque

Buson

Chuva do quinto mêsAs gavinhas da abóbora trepadeiraatingem a janela

Shiki

Page 12: POEMAS JAPONESES

No dia seguinte à tempestadesó as melanciasparecem não estar ao corrente

Sodô

Reverênciascabeçadas nas cestasMelões e beringelas Buson

Sob a chuva de verãoas folhas do castanheirotêm a cor do vento fresco

Saimaro

SolidãoDepois do fogo-de-artifíciouma estrela cadente

Shiki

À luz que alumiaas sombras das bonecasUma luz para cada uma

Shiki

Page 13: POEMAS JAPONESES

Uma truta saltaAgitam-se as nuvensno leito do rio Onitsura

Portão de madeiraComo fechaduraum caracol Issa

O dedo feridodo pedreiroe as azáleas rubras

Buson

A cavaloSoltei as rédeasÁgua límpida

Shiki

O rio no verãoNão obstante a ponteo cavalo atravessa pela água

Shiki

Page 14: POEMAS JAPONESES

Brisa leveA sombra da glicíniatreme inquieta

Bashô

Um ramo de glicíniaspesa demasiadona mão enferma

Takako

O vento de verãotraz para a minha sopapeónias brancas

Ryokan

Uma calma perfeitaSobre um travesseiro de ervaLonge da minha cabana

Ryokan

Canto de cigarraEmbora não pareçaem breve morrerá

Bashô

Page 15: POEMAS JAPONESES

Nem uma folha se moveTerríficoo bosque de verão

Buson

Na tua ausênciademasiado grandeera o bosque

Issa

Como era bela e enormeessa castanhafora da ninhada

Issa

“Não quero mais viverneste mundo sórdido”e desprende-se a gota de orvalho

Issa

Lua de outonoVagueei toda a noiteà volta do lago

Bashô

Page 16: POEMAS JAPONESES

Se cada umprecisa de fazer a sestaé por causa da lua de outono

Teitoku

Lua cheia de outonoNem uma sombraonde despejar o borralho Fugyoku

Após ter contemplado a luaa minha sombravolta para dentro comigo Sodô

No lívido orvalhovislumbroo caminho do paraíso

Issa

O fumo que façoé para outremcrepúsculo de outono Sokyu

Noite profundaO som da águadiz o que penso

Gochiku

Page 17: POEMAS JAPONESES

Sem palavras o hóspede, o anfitrãoe o crisântemo branco

Ryota

Crisântemo brancoNem a mais pequena impurezaao encontro dos olhos

Bashô

Crisântemo brancoPor um momentoa tesoura hesita

Buson

Secos crisântemosOutroraoferenda floral

Onitsura

Cai uma pétalatomba uma segundaCamélia

Shiki

Page 18: POEMAS JAPONESES

Cai uma caméliaA chuva da vésperatomba enfim na terra

Buson

Cálice vaziogotas de água no chãoCamélia entornada

Bashô

A orquídea nocturnaguarda no seu perfumeO branco da flor

Buson

Erva daninha em florAo escutar o seu nomevejo-a de outro modo

Taigi

Na água profundaassobia uma foiceceifando as canas

Buson

Page 19: POEMAS JAPONESES

Vento de outonoNo meu coraçãoquanto de montanhas e de rios?

Kyoshi

Ao cair da noite, o montearrebata aos ácereso seu vermelhão

Buson

A seus pésdançam feijoeirosO espantalho

Yayu

Colhido o arrozo espantalhonão é mais o mesmo

Buson

O espantalho ao luarparece um homem-que tristeza!

Shiki

Page 20: POEMAS JAPONESES

O manto de palha do barqueiroSob a tempestadeCapa florida

Buson

Correm bolotasna varanda de bambuTempestade

Shiki

Sublimeapós a tempestade de outonoO pimento encarnado

Buson

Vai-se o outonoEscondido na ervaum regato

Shirao

Queimando ramos secosao cair da noite, ouve-sea chuva outonal

Ryokan

Page 21: POEMAS JAPONESES

Primeiras chuvas de invernoTambém o macaco gostaria de terum manto de palha

Bashô

Os caniços secosquebram-se dia após diae partem à deriva

Ranko

Rio abaixo, vaia folha de rábanoQue rapidez!

Kyôshi

As folhas caemacumulam-se umas sobre as outrasA chuva bate na chuva

Gyôdai

Até o sol de invernopesasobre as minhas pálpebras

Kyoshi

Page 22: POEMAS JAPONESES

O arrancador de nabosaponta o caminhocom um nabo

Issa

Mais fria que a nevea lua de invernosobre os cabelos brancos

Jôsô

Danças rituais nocturnaspor detrás das máscarassopros brancos

Kikaku

Ao luar de invernoo vento no rioafia as pedras

Chora

AmanhecerA tormenta na neveficou sepultada

Shirô

Page 23: POEMAS JAPONESES

Abro a portaCruza campos nevadosa lua solitária

Mokkoku

Um homem muito velhocom o corpo tomado pelo frioBambu sob a neve

Ryokan

Estou aquipor estar, e a nevevai caindo

Issa

Esta seráminha última casa!Metro e meio de neve

Issa

O ladrãodeixou-a na janelaA lua

Ryokan