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INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA
CURSO DE GRADUAÇÃO DE LICENCIATURA EM
MATEMÁTICA
FERNANDO COSTA MARQUES DE FARIA
POLÍGONOS REGULARES EM LIVROS
DIDÁTICOS: EXEMPLOS DE ABORDAGENS
ENTRE O SÉCULO XIX E XX
NITERÓI
2016
ANO
FERNANDO COSTA MARQUES DE FARIA
POLÍGONOS REGULARES EM LIVROS DIDÁTICOS: EXEMPLOS DE
ABORDAGENS ENTRE O SÉCULO XIX E XX
Monografia apresentada à Coordenação do Curso Graduação de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para aprovação na disciplina Monografia.
Orientador: Bruno Alves Dassie
Niterói
2016
FERNANDO COSTA MARQUES DE FARIA
POLÍGONOS REGULARES EM LIVROS DIDÁTICOS: EXEMPLOS DE
ABORDAGENS ENTRE O SÉCULO XIX E XX
Monografia apresentada à Coordenação do Curso Graduação de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para aprovação na disciplina Monografia.
Aprovada em: 16/12/2016
Banca Examinadora
_______________________________________________
Prof. Dr. Bruno Alves Dassie - Orientador
Universidade Federal Fluminense
_______________________________________________
Profa. Dr. Flávia dos Santos Soares - Membro
Universidade Federal Fluminense
_______________________________________________
Prof. Dr. Wanderley Moura Rezende - Membro
Universidade Federal Fluminense
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Instituto de Matemática e Estatística da UFF
F224
Faria, Fernando Costa Marques de
Polígonos regulares em livros didáticos: exemplos de abordagens entre o século XIX e XX / Fernando Costa Marques de Faria. –Niterói, RJ: [s.n.], 2016.
68f.
Orientador: Prof.Dr. Bruno Alves Dassie TCC ( Graduação de Licenciatura em Matemática) – Universidade
Federal Fluminense, 2016.
1. Ensino de matemática. 2. Contruções geométricas. 3. História da matemática. I. Título.
CDD 510.7
RESUMO
Neste trabalho nos propomos a estudar o tratamento dado, em livros didáticos, ao ensino das
construções geométricas e, em especial, dos polígonos regulares no Brasil de meados do século
XIX até o início do século XX. Para tanto, realizamos a análise de alguns livros de Geometria
Euclidiana Plana do período citado. Três componentes guiaram nossas análises dos livros, são
elas, destacadas em seguida: leitura dos trechos dos livros que envolvem polígonos regulares e
construções geométricas; apresentação das abordagens utilizadas; confecção de sínteses sobre
cada livro para compor as considerações finais.
PALAVRAS-CHAVE
Construções geométricas; polígonos regulares; livros didáticos; história da educação matemática.
SUMÁRIO
1. Introdução, p.6
2. Da régua e do compasso: as construções geométricas como um saber escolar no
Brasil, p. 8
3. Análise dos livros didáticos, p. 11
3.1. Elementos de Geometria de Marquez de Paranaguá, p. 11
3.2 Elementos de Geometria e Trigonometria Rectilinea de C.B. Ottoni, p. 17
3.3. Elementos de geometria de Alexis Claude de Clairaut, p. 25
3.4 Geometria Elementar de “uma Reunião de Professores”, p. 30
3.5 Elementos de geometria de F. I. C., p. 38
3.6 Curso de Geometria de Timotheo Pereira, p. 50
4. Considerações finais, p. 66
5. Referências bibliográficas, p. 69
1. Introdução
Neste trabalho nos propomos a estudar o tratamento dado, em livros didáticos, ao ensino
das construções geométricas e, em especial, dos polígonos regulares no Brasil de meados do
século XIX até o início do século XX. Para tanto, realizamos a análise de alguns livros de
Geometria Euclidiana Plana do período citado. Três componentes guiaram nossas análises dos
livros, são elas, destacadas em seguida: leitura dos trechos dos livros que envolvem polígonos
regulares e construções geométricas; apresentação das abordagens utilizadas; confecção de
sínteses sobre cada livro para compor as considerações finais.
Para a elaboração deste trabalho, foram realizadas diversas releituras de cada uma das
seis obras, visando compreender não apenas como cada autor desenvolve o assunto, mas também
para proporcionar uma melhor comparação entre elas.
Cada análise foi estruturada da seguinte maneira: apresentamos, primeiramente, uma
breve exposição de todo o conteúdo do livro e como nele é organizada a divisão dos assuntos. Em
seguida, temos um resumo dos capítulos e seções que abordam (quando existem) os temas de
polígonos, polígonos regulares, inscrição e circunscrição de tais polígonos, construção dos
polígonos regulares e relações métricas. Em cada análise, pode-se encontrar as definições,
proposições, demonstrações e construções da obra estudada. Para uma maior completude do nosso
estudo, incluímos ainda as ilustrações originais das obras e algumas notas de rodapé.
Acrescentamos, em algumas situações, figuras próprias no intuito de tornar a análise mais
clara.
Para melhor compreender esta especificidade em perspectiva histórica tem-se uma
apresentação da Dissertação de Mestrado de Elenice Zuin (2001). Tal leitura propiciou uma
melhor compreensão dos aspectos sociopolíticos-econômicos que foram responsáveis pelas
diversas reformas educacionais ocorridas no Brasil. Zuin (2001) nos apresenta como o ensino de
Desenho, no decorrer de tais mudanças educacionais, tornou-se uma necessidade com a chegada
de D. João VI ao Brasil até que deixasse de ser uma disciplina obrigatória na década de 1970. A
autora nos lembra que tais mudanças de currículo sempre estão relacionadas a um desejo de
manter uma certa ordem social.
Meu interesse no assunto desta monografia surgiu, de modo indireto, no final do meu
Ensino Fundamental, quando calculei as raízes quintas da unidade. Durante o Ensino Médio, ao
entrar em contato com as fórmulas para o cálculo do seno e do cosseno da soma, utilizei tais
expressões junto com as raízes de 𝑥5 − 1 = 0 e os ângulos notáveis para expressar, por meio de
radicais, os valores do cosseno e do seno dos ângulos múltiplos de 3° compreendidos entre 0° e
6
90°. Ainda no Ensino Médio, tomei conhecimento, por meio de um livro, que a condição
necessária e suficiente para que possamos exprimir o cos 𝛼 (ou o sen 𝛼) em termos de radicais é
𝛼 seja o ângulo interno de um polígono regular de 2𝑚 ∙ 𝑝1 ∙ 𝑝2 ⋯ 𝑝𝑛 lados, onde 𝑝𝑖 ≠ 𝑝𝑗, se 𝑖 ≠
𝑗, e 𝑝𝑘 é um primo da forma 22𝑘+1, denominado primo de Fermat.
7
2. Da Régua e do Compasso: As Construções Geométricas como um Saber Escolar no
Brasil
Para compreender o contexto do desenho geométrico em perspectiva histórica foi
feita uma leitura do trabalho de Elenice Zuin de Souza Lodron, denominado Da Régua e
do Compasso: As Construções Geométricas como um Saber Escolar no Brasil, elaborado
como Dissertação de Mestrado, finalizado em 2001.
Elenice de Souza Lodron Zuin é graduada em Matemática, especialista em
Matemática Superior, mestra em Educação e Doutora em Educação Matemática. Ocupa
o cargo de Professor no Departamento de Matemática e Estatística da PUC Minas e
integra o quadro docente do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática.
Faz parte também do corpo docente do Instituto de Ciências Humanas, atuando no curso
de Pedagogia.
O trabalho de dissertação é constituído de seis partes: introdução, quatro capítulos
e a conclusão. No primeiro capítulo, Zuin nos apresenta os fundamentos e a metodologia
que foi utilizada para realizar a sua pesquisa. No capítulo seguinte, traça-se um breve
panorama histórico do pensamento matemático e de como o domínio do desenho
geométrico tornou-se necessário com o processo de industrialização. A trajetória do
ensino das construções geométricas no Brasil é tema do capítulo 3, no qual questiona-se
o motivo pelo qual o Desenho foi excluído das disciplinas obrigatórias a partir da LDBEN
5692/71, e os confusos pareceres divulgados pelo Conselho Federal de Educação. No
último capítulo, a fim de compreender como as reformas educacionais sofridas pelo Brasil
influenciaram diretamente o ensino das construções geométricas, Zuin analisa obras de
Geometria, Construções Geométricas e Educação Artística.
Elenice Zuin traça, em sua dissertação de mestrado, a evolução do ensino de
construções geométricas no Brasil a partir de meados do século XIX até o final do século
XX. Seu interesse é responder a uma pergunta por ela proposta, desde de sua graduação:
se o ensino da geometria utilizando construções geométricas propicia o desenvolvimento
do raciocínio lógico dedutivo e da coordenação motora, por que se ensina construções
geométricas ‘desligadas’ da teoria da geometria plana? (ZUIN, 2001)
8
Para alcançar uma resposta, Zuin, apoiando-se na Nova Sociologia da Educação
e, em especial, na Sociologia do Currículo, analisa textos oficiais (leis, decretos,
pareceres e portarias), livros didáticos de Desenho Geométrico, Educação Artística e
Matemática, manuais escolares e, eventualmente, entrevistas com professores que sempre
ministraram construções geométricas ligadas à teoria da geometria plana.
Em seu estudo, Zuin reconstrói de modo claro e conciso os momentos históricos
que impulsionaram o desenvolvimento do desenho e de sua aplicação no processo de
industrialização, tanto na Europa quanto no Brasil. A pesquisadora, retrata também o
declínio que sofreu tanto o desenho geométrico (por causa da visão defendida por alguns
pensadores, como psicólogos e filósofos), quanto a geometria euclidiana plana (devido
ao Movimento da Matemática Moderna e o desenvolvimento de geometrias não-
euclidianas).
No contexto brasileiro, apesar do ensino de Geometria, Álgebra e Aritmética ter
sido introduzido nas escolas na Reforma Pombalina (1772), foi a partir da vinda da
Família Real que precisou-se de profissionais com formação mais técnica ou científica.
Desta maneira, em 1810 é fundada a Academia Real Militar da Corte e, em 1816, D. João
VI convida a Missão Francesa para criar a Escola de Ciências, Artes e Ofícios
(atualmente, Escola Nacional de Belas Artes). No ano de 1837, é criado o Colégio D.
Pedro II, que se tornou referência no ensino secundário e tinha por objetivo a formação
da elite brasileira.
Com a implantação da República, Rui Barbosa foi o responsável por promover
mudanças no ensino brasileiro que passou a dar maior importância à instrução pública.
Com tais mudanças, o Desenho é ensinado nas escolas primárias média e superior,
enquanto o Desenho Geométrico é proposto para o curso superior.
Nos anos de 1930, ocorre a Reforma Francisco Campos que visou equilibrar os
aspectos técnicos e artísticos do desenho, propondo quatro modalidades: Desenho do
Natural, Desenho Decorativo, Desenho Geométrico e Desenho Convencional. Na década
de 1940, acontece a Reforma Capanema. Esta reforma educacional dá uma maior
valorização as construções geométricas, sendo o desenho com régua e compasso já sendo
ensinado na primeira série ginasial.
9
Como já afirmado, o Movimento da Matemática Moderna influenciou o ensino de
geometria, e seus reflexos também foram sentidos no Brasil: começando pela LDBEN de
1961 e culminando na LDBEN de 1971, que exclui o Desenho Geométrico como
disciplina obrigatória. Com esta última Lei de Diretrizes e Bases, criou-se a disciplina
Educação Artística. Entretanto, o Conselho Federal de Educação, por meio de seus
pareceres, não deixava claro qual o tratamento que deveria ser dado ao conteúdo da antiga
disciplina de Desenho: ser incorporado à Educação Artística, ensinado em Matemática ou
constituir uma disciplina optativa própria.
Neste trabalho, Zuin propõe, com base na Sociologia do Currículo, que esta
mudança ocorrida na LDBEN de 1971, está vinculada a uma luta de classes. Um ensino
mais profissionalizante, sem o domínio da teoria, apenas da execução, deve ser ofertado
às classes populares, enquanto um ensino de formação geral, à elite dominante. Porém,
ao contrário do que a autora sugere em diversos trechos de sua dissertação, não
acreditamos que apenas o ensino de construções geométricas possa desenvolver
habilidades e competências em alguns membros de classes menos favorecidas a ponto de
provocar uma transformação social.
A partir de 1980, houve uma revalorização do ensino de construções geométricas
que resultou na publicação de novas coleções sobre este saber, embora algumas destas
obras realizarem as construções geométricas sem que estas estejam fundamentadas na
teoria da Geometria Euclidiana Plana. Em 1996, foi promulgada uma nova LDBEN que
promove uma revalorização do ensino da Geometria. Nesta lei, a geometria euclidiana
reconquista seu lugar nos programas escolares, enquanto a importância das construções
geométricas é reforçada em muitos trechos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
de Matemática de 5ª a 8ª séries.
10
3. Análise dos livros didáticos
3.1. Elementos de Geometria de Marquez de Paranaguá
O livro intitulado Elementos de Geometria, de Marquez de Paranaguá foi
publicado no Rio de Janeiro. A edição aqui utilizada é de 1838 e foi publicada pela
Typographia Austral. A obra está dividida em quatro seções e um Apêndice.
Os temas tratados em suas secções estão relacionados a figuras planas, superfícies,
planos e sólidos. No apêndice é apresentada a geometria esférica.
No sumário podemos localizar, na primeira seção, nosso tema de interesse. São
temas dessa seção, nesta ordem: triângulos, ângulos considerados no círculo, seguidos de
polígonos inscritos e circunscritos e, por último, polígonos semelhantes.
De acordo com os objetivos deste trabalho, vejamos as partes que envolvem
polígonos e polígonos regulares, e suas construções.
Em um primeiro momento, o autor define polígono como sendo a região
delimitada por segmentos de reta. Na sequência, define perímetro como a união dos
segmentos considerados juntos de um polígono. Os polígonos com lados e ângulos iguais
são ditos polígonos regulares.
Além disso, introduz a ideia de ângulo reintrante e ângulo saliente e após definir
tais conceitos ilustra os mesmos por meio de um exemplo. Atualmente dizemos que um
polígono que tenha um ângulo reintrante é côncavo.
Vale observar antes de mais nada que o autor define ângulo reintrante como sendo
um ângulo cujos os lados do vértice “entram” no polígono e diz que o ângulo é saliente
quando os lados do vértice “não entram” no polígono.
Em seguida, enuncia os seguintes teoremas com demonstração.
Primeiro teorema: Todo polígono se divide em tantos triângulos, quantos são os
seus lados menos dois.
Segundo teorema: Se qualquer polígono, que não tenha ângulo reintrante, um dos
lados de cada ângulo se prolongar do vértice; a soma de todos os ângulos externos valerá
360°: isto é, será a soma dos suplementos dos ângulos internos do polígono = 360°.
11
Terceiro teorema: As retas, que dividirem pelo meio os ângulos de um polígono
regular, concorrerão todas em um ponto dentro do polígono; e dividirão em tantos
triângulos isósceles iguais, quantos forem os lados do mesmo polígono.
Construção de polígonos regulares
O autor desenvolve a construção de polígonos regulares sem o incentivo do uso
de régua e compasso apresentando teoremas com resolução, corolários e “scholio”
(reflexão sobre alguma ou mais proposições precedentes), como consta na Advertência.
São propostos sete problemas sobre polígonos inscritos e circunscritos ao círculo com
solução e demonstração.
Ao final da obra há construções geométricas numeradas que são indicadas ao
longo do desenvolvimento da explanação contida no livro1.
* * *
No último item sobre construção de polígonos regulares da primeira secção que
analisamos do livro, o autor inicia seu texto tratando de inscrição e circunscrição de
polígonos. Logo em seguida, ele menciona como duplicar o número de lados de um
polígono. Vale observar, antes de tudo, que os problemas são apresentados no padrão:
problema, solução e demonstração. Como exemplo, destacamos o primeiro problema com
o seguinte enunciado: Inscrito em um círculo um polígono regular, inscrever outro
também regular de duplicado número de lados (Fig. 1).
1 As figuras neste livro encontram-se em pranchas ao final do volume e por isso estão comprometidas
quanto ao uso das imagens originais. Optamos, por este motivo, em construir as figuras no Geogebra para
este caso.
12
Figura 1
O autor inicia a solução tomando o círculo 𝐶𝐴𝐵𝐷𝐹𝐴 e o polígono regular inscrito
𝐴𝐵𝐷𝐹 e ensina a duplicar o número de seus lados a partir dos arcos 𝐴𝐵, 𝐵𝐷, dividindo-
os ao meio nos pontos 𝐸, 𝐺 e desses arcos tiram-se as cordas 𝐴𝐸, 𝐸𝐵, 𝐵𝐺, 𝐺𝐷. Então,
dividindo-se os mesmos ao meio tem-se o polígono de lados duplicados.
Após a construção do polígono anterior, o autor apresenta a inscrição em um
círculo dos polígonos de 4, 8 e 16 lados.
O autor ensina a construir o polígono regular de quatro lados, o quadrado, por
meio do traçado de dois diâmetros perpendiculares 𝐴𝐷 e 𝐵𝐶 (Fig. 2) e os polígonos de 8
e 16 lados são feitos a partir do quadrado usando duplicação dos arcos, como já citado.
Figura 2
13
Em seguida, de maneira análoga, tem-se a inscrição de polígonos regulares com
3, 6 e 12 lados.
Na construção do triângulo equilátero inscrito no círculo (Fig. 3), traça-se o
diâmetro 𝐴𝐵 e, utilizando 𝐵 como centro, faz-se um arco de circunferência com o mesmo
raio do círculo original. Este arco intersecta a circunferência nos pontos 𝐷 e 𝐸. Traçam-
se as retas 𝐴𝐷, 𝐷𝐸 e 𝐴𝐸. Com isso, 𝐴𝐷𝐸 é o triângulo equilátero procurado.
Figura 3
Podemos observar que a construção dos polígonos é feita sem o uso de régua e
compasso.
Por último, o autor considera a construção dos polígonos de 5, 10 e 20 lados, por
meio da circunscrição e inscrição em um círculo.
O autor inicia construindo o lado do decágono regular inscrito no círculo (Fig. 4).
Figura 4
14
Considere o círculo de centro 𝐶 e raio 𝐶𝐴. Marca-se no segmento 𝐶𝐴, o ponto E
que divide 𝐶𝐴 em média e extrema razão (razão áurea), de modo que 𝐶𝐸 seja o maior
segmento. Trace a corda 𝐴𝐵 = 𝐶𝐸. Afirmo que 𝐴𝐵 é o lado do decágono regular.
De fato, trace o raio CB. Como 𝐴𝐶
𝐶𝐸=
𝐶𝐸
𝐴𝐸 (razão áurea) e 𝐶𝐸 = 𝐴𝐵 (construção),
𝐴𝐶
𝐴𝐵=
𝐴𝐵
𝐴𝐸. Logo, os triângulos ACB e ABE são semelhantes. Como 𝐴𝐶𝐵 é isósceles, 𝐴𝐵𝐸
também é isósceles com 𝐵𝐸 = 𝐴𝐵 = 𝐶𝐸 (construção). Da semelhança, 𝐴�̂�𝐸 = 𝐴�̂�𝐵 (I)
e 𝐴�̂�𝐵 = 𝐵�̂�𝐶. Como o triângulo 𝐵𝐸𝐶 também é isósceles, 𝐴�̂�𝐵 = 𝐸�̂�𝐶 (II). De (I) e
(II), podemos concluir que 𝐴�̂�𝐸 = 𝐸�̂�𝐶. Além disso,
𝐴�̂�𝐶 = 𝐴�̂�𝐸 + 𝐸�̂�𝐶 = 𝐴�̂�𝐸 + 𝐴�̂�𝐸 = 2 ∙ 𝐴�̂�𝐸 = 2 ∙ 𝐴�̂�𝐵.
Analogamente, 𝐵�̂�𝐶 = 2 ∙ 𝐴�̂�𝐵, pois 𝐴�̂�𝐶 = 𝐵�̂�𝐶. Entretanto 𝐴�̂�𝐶 + 𝐵�̂�𝐶 +
𝐴�̂�𝐵 = 180°. Daí, 2 ∙ 𝐴�̂�𝐵 + 2 ∙ 𝐴�̂�𝐵 + 𝐴�̂�𝐵 = 180° ⇒ 5 ∙ 𝐴�̂�𝐵 = 180° ⇒ 𝐴�̂�𝐵 =
36°. Por consequência, 𝐴𝐵 é o lado do decágono regular.
Juntando-se com um segmento de reta os extremos de dois lados contidos no
decágono regular, teremos o pentágono regular.
O texto prossegue com divisões da circunferência em partes iguais, afirmando
quais delas são possíveis e quais não o são, comentando, por exemplo, ser impossível
dividir a circunferência em arcos de 1° sendo porém possível a divisão da circunferência
em arcos de 3° (Fig. 5).
Figura 5
15
Na figura anterior, 𝐴𝐵𝐷𝐸𝐹𝑁𝐻𝐼𝐽𝐾 é o decágono regular e o polígono 𝐴𝐿𝑀𝑁𝑂𝑃 é
o hexágono regular. Assim, 𝐴�̂�𝐿 = 60° e 𝐴�̂�𝐵 = 36°. Como a reta CQ é a bissetriz de
𝐴�̂�𝐿, 𝐴�̂�𝑄 = 30°. Daí, 𝑄�̂�𝐵 = 𝐴�̂�𝐵 − 𝐴�̂�𝑄 = 36° − 30° = 6°. Traçando a bissetriz de
𝑄�̂�𝐵, temos o ângulo de 3°.
Síntese
O autor trata a construção dos polígonos regulares usando diâmetros
perpendiculares, duplicação de arcos sem lançar mão de régua e compasso. Suas
construções são didáticas e bastante inteligíveis. O apêndice traz os desenhos que
acompanhados, passo a passo, bem elucidam as construções geométricas e mostram os
ângulos dos polígonos, sugerindo que o leitor identifique quais são reintrantes e quais são
salientes.
16
3.2 Elementos de Geometria e Trigonometria Rectilinea de C.B. Ottoni
O livro intitulado Elementos de Geometria e Trigonometria Rectilinea de
Cristiano Benedito Ottoni foi publicado no Rio de Janeiro. A edição utilizada neste
trabalho é de 1870 e foi impressa pela Typographia Perseverança. A obra é dividida em
uma introdução, quatro livros e um “apêndice”. Neste último é apresentada a
“Trigonometria Rectilinea”.
Os temas tratados ao longo do livro são as figuras geométricas planas e espaciais.
No “apêndice”, encontramos fórmulas trigonométricas, construção de tábuas de
trigonometria, valores e limites das funções trigonométricas.
Pelo sumário observa-se que nosso tema de interesse encontra-se no primeiro livro
(Das figuras planas). No capítulo I, o texto aborda retas, congruência de triângulos,
quadriláteros e suas variedades, e demais polígonos. No capítulo seguinte, o autor faz
uma ampla abordagem sobre circunferência2.
* * *
Em um primeiro momento o autor define polígono como sendo uma porção do
plano 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸 e 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸𝐹𝐺𝐻𝐼 completamente fechada ou limitada pelas retas que se
encontram duas a duas. Observa-se que o autor não faz distinção entre segmento de reta
e reta. São apresentados os elementos principais de um polígono, como lados, vértices e
diagonais.
Em seguida, os polígonos são classificados em três tipos:
Irregulares: são aqueles que têm todos os lados e todos os ângulos são
desiguais.
Simétricos: são aqueles cujos lados opostos paralelos são iguais.
2 Não faremos uma análise profunda desta parte, pois esta servirá apenas para consulta aos teoremas
necessários para a construção de polígonos. O restante do livro, que apresenta tópicos como semelhança de
triângulos, semelhança de polígonos, retas e planos paralelos, poliedros côncavos e convexos, cilindro, cone
e esfera, pirâmide e volume não é o foco deste trabalho.
17
Regulares: são aqueles que têm todos os lados (equilátero) e todos os
ângulos iguais (equiângulo).
Segundo consta no texto, um quadrilátero simétrico pode ser comumente
denominado por paralelogramo e o regular, quadrado. Os polígonos mais simples são os
triângulos e os quadriláteros, e que os polígonos têm diversos nomes segundo o número
de lados.
Em seguida, encontram-se as definições de polígono convexo e de polígono
côncavo. O primeiro é o polígono que tem todos os ângulos salientes e o segundo, o
polígono que possui um ou mais ângulos reintrantes. Vale observar que o autor não define
ângulo saliente e ângulo reintrante na parte do livro que estamos analisando. Depois
dessas definições, o autor afirma que a Geometria Elementar só se ocupa de polígonos
convexos, os quais têm sempre as seguintes características (p. 70):
1º Uma reta traçada no seu plano não pode encontrar o perímetro em mais de dois
pontos.
2º Todas as suas diagonais são interiores.
3º Prolongando–se indefinidamente um lado do polígono, o plano é dividido em
dois semi-planos e o polígono fica inteiramente contido em um destes semi-planos.
Tais propriedades não valem para os polígonos côncavos.
Depois disso, o autor demonstra que todo polígono pode ser dividido em tantos
triângulos quantos forem os seus lados menos dois. Embora não chame isto de teorema,
comenta-se que esse resultado é de fácil conclusão com as noções anteriores.
Todos os teoremas e corolários, quando existem, são apresentados com suas
respectivas demonstrações. Os três primeiros são:
Primeiro teorema: A soma de todos os ângulos internos de qualquer polígono é
igual a tantas vezes dois retos quantos são os seus lados menos dois (p. 72).
Segundo teorema: Em todo polígono convexo se prolongarmos todos os seus lados
no mesmo sentido concluiremos que a soma de seus ângulos externos será igual a quatro
retos (p. 74).
18
Terceiro teorema: Dois polígonos são iguais quando podem ser divididos no
mesmo número de triângulos respectivamente iguais e dispostos semelhantemente (p. 74).
Observe que o autor utiliza como unidade medida o ângulo reto (ângulo de 90°).
Logo após estes teoremas, temos o problema da construção de um polígono igual
a outro dado3 (p. 75).
Primeira solução (Fig. 6): Divide-se o polígono em triângulos por meio
das diagonais partindo de um vértice. A partir de uma reta, constrói-se um
triângulo igual a um dos triângulos do polígono. Após isso construimos os
demais triângulos que compõem o polígono dispostos semelhantemente
aos do polígono original.
Figura 6
Segunda solução (Fig. 7): Considere um ponto 𝑂, interior ao polígono
dado. A partir de cada vértice do polígono, construimos um segmento no
qual um dos extremos é o ponto 𝑂. O polígono procurado pode ser
construido utilizando os ângulos de vértice 𝑂 e as distâncias de 𝑂 até os
vértices do polígono original.
3 A obra não apresenta as ilustrações na resolução deste problema. Incluímo-las para uma melhor
compreensão do leitor.
19
Figura 7
Terminamos esta análise na seção que explora as propriedades de inscrição e
circunscrição dos polígonos, notoriamente a dos polígonos regulares. Em uma sequência
de resultados, listados a seguir, o autor passa a estudar as condições que garantem a
construção do círculo inscrito ou circunscrito.
1º Teorema: A todo triângulo é sempre possível circunscrever ou increver um
círculo (p. 102).
A demonstração possui duas partes, sendo que primeira parte (circunscrição) é
feita na secção sobre circunferências (proposição 87). Este e a proposição 95 são os únicos
resultados da secção precedente utilizado para incrição e circunscrição de polígonos e
polígonos regulares.
Corolário: As linhas que dividem ao meio os três ângulos de um triângulo
(bissetrizes do triângulo) concorrem para um ponto (denominado incentro) que é o centro
do círculo inscrito (p. 103).
O autor observa que o triângulo é o único polígono ao qual se pode, em todos os
casos, inscrever e circunscrever um círculo. Os quadriláteros e demais polígonos gozam
somente de tal propriedade em casos particulares, os demais polígonos são mais difíceis
de distinguir e classificar a medida que o número de lados cresce. Excetuando-se porém
os polígonos regulares (p. 104).
20
Figura 8 (p.104)
2º Teorema: A todo polígono regular se pode circunscrever ou inscrever um
círculo (p. 104).
A demonstração é feita em duas etapas (Fig. 8). Na primeira, afirma-se que dado
um polígono regular 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸𝐹𝐺, a circunferência que passa por três vértices (por
exemplo, 𝐴, 𝐵 e 𝐶), passa também pelos demais. De fato, como 𝑂𝐵 é um lado comum a
ambos os triângulos; 𝑂𝐴 = 𝑂𝐶, por serem raios de círculo; e 𝐴𝐵 = 𝐵𝐶, por hipótese, os
triângulos ∆𝑂𝐴𝐵 = ∆𝑂𝐵𝐶. Como são triângulos isósceles, 𝑂�̂�𝐵 = 𝑂�̂�𝐴 = 𝑂�̂�𝐶 =
𝑂�̂�𝐵.
Logo, cada um desses ângulos é metade de um ângulo do polígono e, conse-
quentemente, 𝑂𝐶𝐵 = 𝑂𝐶𝐷. Assim, os triângulos ∆𝑂𝐵𝐶 e ∆𝑂𝐶𝐷 são iguais, pois 𝐵𝐶 =
𝐶𝐷, existe um lado em comum (𝑂𝐶) e um ângulo igual 𝑂�̂�𝐵 = 𝑂�̂�𝐷. Portanto, 𝐷
pertence ao círculo. Aplicando o raciocínio recursivamente, os demais vértices também
pertencem ao círculo. Concluímos, desta forma, o círculo circuncrito.
Na segunda etapa, a partir do ponto 𝑂 obtido anteriormente, traçam-se as
perpendiculares 𝑂𝑎, 𝑂𝑏, 𝑂c, etc. a todos os lados do polígono. Demonstraremos que
𝑂𝑎 = 𝑂𝑏 = 𝑂𝑐 =...
De fato, como os triângulos ∆𝐵𝑂𝑎 e ∆𝐵𝑂𝑏 possuem um lado em comum e dois
ângulos iguais (𝑂�̂�𝑎 = 𝑂�̂�𝑏 e 𝐵�̂�𝑎 = 𝐵�̂�𝑏, pois são complementos do primeiro), 𝑂𝑎 =
𝑂𝑏. Por semelhante razão, 𝑂𝑎 = 𝑂𝑏 = 𝑂𝑐, etc. Traçando-se o círculo de centro em 𝑂 e
raio 𝑂𝑎, obtemos o círculo inscrito.
21
A partir deste teorema a obra apresenta os conceitos de centro, raio e apótema de
um polígono regular. Em sequência, temos o seguinte corolário: O ângulo central de um
polígono regular é o suplemento do ângulo interno do mesmo polígono (p. 106).
3º Teorema: Se uma circunferência se acha toda dividida em partes iguais (Fig.
9), então (p. 106 e 107):
1. As cordas dos arcos formarão um polígono regular inscrito.
2. As retas tangentes aos pontos da divisão constituem um polígono regular
circunscrito.
Consideram-se as cordas 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, 𝐶𝐷, 𝐷𝐸, 𝐸𝐴.
Os lados 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, etc. são iguais, pois são cordas de arcos iguais. São iguais
também os ângulos internos 𝐸�̂�𝐵, 𝐴�̂�𝐶, etc. por terem a mesma medida4. Logo, o
polígono inscrito 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸 é regular.
Traçam-se as tangentes aos pontos 𝐴, 𝐵, 𝐶, etc. Consideremos os segmentos 𝐴’𝐵’,
𝐵’𝐶’, etc. Afirmamos que tais segmentos formam com as cordas uma série de triângulos
∆𝐴𝐴’𝐵, ∆𝐵𝐵’𝐶, ∆𝐶𝐶’𝐷, etc. iguais entre si. De fato, todos os triângulos tem um lado igual
𝐴𝐵 = 𝐵𝐶 = 𝐶𝐷 = etc. e possuem dois ângulos adjacentes iguais 𝐴’𝐴𝐵 = 𝐴’𝐵𝐴 =
𝐵’𝐵𝐶 = 𝐵’𝐶𝐵 = 𝐶’𝐶𝐷 = etc. Logo, os triângulos são iguais5 e, portanto, 𝐴’ = 𝐵’ = 𝐶’ =
etc. Tem-se ainda, da penúltima sequência de igualdades, que os triângulos são isoscéles
e,consequentemente, 𝐴’𝐴 = 𝐴’𝐵 = 𝐵𝐵’ = 𝐵’𝐶 = 𝐶𝐶’ = etc. Daí, 𝐴’𝐵’ = 𝐵’𝐶’ = 𝐶’𝐷’ =
etc.
Portanto, os lados são iguais e os ângulos são iguais, o polígono 𝐴’𝐵’𝐶’𝐷’𝐸’ é
regular.
4 Aqui, utilizamos a proposição 95 do capítulo “Da circumferencia e Suas Combinações com a Linha Reta”. 5 Estamos apenas fazendo uso do caso ALA da congruência de triângulos.
22
Figura 9 (p. 106)
O teorema anterior apresenta o seguinte corolário: Dado um polígono 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸
inscrito numa circunferência, para descrever o polígono circunscrito 𝐴′𝐵′𝐶′𝐷′𝐸′ de
mesmo número de lados, basta traçar as retas tangentes a todos os vértices do polígono
original (p. 108).
Para finalizar a secção, o princípio do corolário anterior é aplicado ao seguinte
problema (Fig. 10): Dado um polígono regular inscrito (respectivamente circunscrito) no
círculo, inscrever (resp. circunscrever) outro de número duplo ou subduplo de lados (p.
108)
Figura 10 (p.108)
A solução do problema é apresentada em quatro etapas6:
6 Observe que a solução apresentada não é uma demonstração para um polígono qualquer de 𝑛 lados. O
autor apenas ilustra o procedimento que deve ser seguido para a obteção do polígono desejado.
23
1. Considere o quadrado inscrito 𝑀𝑁𝑃𝑄. Divindo ao meio os arcos 𝑀𝑁, 𝑁𝑃,
𝑃𝑄 e 𝑄𝑀, as cordas dos arcos menores 𝑀𝑚, 𝑚𝑁, 𝑁𝑛, 𝑛𝑃, etc. formam
um polígono regular inscrito com o dobro do número de lados de 𝑀𝑁𝑃𝑄.
2. Considere o polígono de lados 𝑀𝑚, 𝑚𝑁, 𝑁𝑛, etc. Traçando as diagonais
𝑀𝑁, 𝑁𝑃, etc. que ligam os vértices alternadamente, o novo polígono é
regular e com a metade de lados do polígono original.
3. Dado o polígono 𝐴𝐵𝐶𝐷 circunscrito. Traçando-se os raios 𝑂𝐴, 𝑂𝐵, 𝑂𝐶,
𝑂𝐷; e as tangentes aos pontos 𝑀, 𝑁, 𝑃, 𝑄. O novo polígono 𝑎𝑏𝑐𝑑𝑒𝑓𝑔ℎ é
regular com o dobro do número de lados de 𝐴𝐵𝐶𝐷.
4. Dado o polígono circunscrito 𝑎𝑏𝑐𝑑𝑒𝑓𝑔ℎ, prolongando-se alternadamente
𝑎𝑏, 𝑐𝑑, 𝑒𝑓, 𝑔ℎ forma-se o polígono 𝐴𝐵𝐶𝐷 com número de lados metade
do primeiro.
Síntese
A obra não possui muitos resultados na direção da construção de polígonos. De
fato, tais construções são apenas realizadas em três situações:
1. Dado um polígono, construir outro igual.
2. Se uma circunferência está dividida em partes iguais, pode-se construir um
polígono regular.
3. Dado um polígono regular, construir outro polígono regular com o dobro
ou metade do número de lados do polígono original.
Ou seja, é sempre necessário partir de uma construção para se obter outra. Os
problemas de se construir um polígono dado os seus lados, dividir uma circunferência em
partes iguais e a construção de um polígono regular utilizando apenas o círculo, não são
abordados.
24
3.3. Elementos de geometria de Alexis Claude de Clairaut
A obra Elemens de Geometrie de Alexis Claude de Clairaut foi, originalmente,
impressa na França em 17417 e está dividida em quatro partes: medições em figuras
planas, proporção em figuras planas, figuras circulares e volumes, e um prefácio, no qual
se apresentam questões relacionadas ao ensino da geometria. A análise aqui apresentada
foi realizada com base na edição brasileira de 1892, com tradução para o português feita
por José Feliciano e publicada em São Paulo pela Empreza Bibliópola-Editora.
Nossa análise, de acordo com nossos interesses, será feita a partir do prefácio e
de um alguns trechos da primeira parte.
No prefácio, Clairaut apresenta o significado da palavra geometria (medida de
terreno) e demonstra que em tempos muito remotos já existiam homens e sociedades que
procuravam processos para medir e partilhar suas terras.
Ainda no prefácio, argumenta-se que a geometria é uma ciência abstrata e que a
forma mais tradicional de ensiná-la é por intermédio de axiomas, postulados e teoremas
e que alguns autores, no intuito de diminuir tal aridez, apresentam uma aplicação para
cada proposição importante.
Clairaut, descontente com tais métodos, apresenta um outro caminho de abordar
a geometria: utilizando diversas etapas, o leitor é conduzido a desenvolver os mesmos
raciocínios apresentados por aqueles que os desenvolveram primeiro. Este método de
ensino tende a atrair bem mais o interesse dos leitores, pois o conhecimento é algo que
não deve ser transmitido e precisa ser construído e, sempre que possível, contextualizado
à realidade do leitor para atrair seu interesse.
O autor não se prende demasiadamente ao formalismo matemático, explorando
mais a visão geométrica. Aos críticos de sua ideia, Clairaut observa que em sua obra
utiliza somente as proposições que são visualmente óbvias e que sua experiência mostra
que tal abordagem propícia um melhor entendimento e maior estímulo da criatividade e
do interesse do leitor.
7 A obra original pode ser consultada em https://archive.org/details/elemensdegeometr00clai. A primeira
tradução para a língua portuguesa, publicada em 1772, se encontra em http://purl.pt/22150.
25
A obra define polígono regular como uma figura retilínea de lados iguais e
igualmente inclinados um sobre os outros (Fig. 11, 12 e 13).
Figura 11 (p. 20)
Figura 12 (p. 20)
Figura 13 (p. 20)
Apesar de utilizar, Clairaut não apresenta a definição de lado de um polígono,
deixando tal conceito subentendido pelos enunciados8 e figuras apresentadas anterior-
mente (Fig. 14, 15 e 16). As ideias de um polígono (qualquer) e da diagonal de um
polígono também não desenvolvidas pelo autor.
Figura 7 (p. 3)
Figura 8 (p. 3)
Figura 9 (p. 14)
Dá-se a entender que o interesse em polígonos regulares deve-se a sua utilização
em diversas construções da engenharia, tais como tanques, fontes e praças públicas.
Visando determinar a área de um polígono regular, define-se o centro do
polígono como o ponto 𝐶 que é o vértice comum a todos os triângulos iguais que
subdividem o polígono (Fig. 13). Considere um destes triângulos, por exemplo, o
triângulo ∆𝐶𝐵𝐷, e tracemos de sua base 𝐵𝐷 a perpendicular 𝐶𝐾. A área do polígono é o
8 Por exemplo, “compostas de quatro lados perpendiculares” (p. 3), “quatro lados iguais” (p. 3), “os
triangulos a medir nem sempre têm dous de seus lados perpendiculares um ao outro” (p. 13), etc.
26
produto da base BD pela metade de 𝐶𝐾, multiplicado pelo número de lados do polígono.
O segmento 𝐶𝐾 é denominado apótema do polígono.
Na sequência, mostra-se como traçar tais polígonos: a partir de um círculo e
dividindo o mesmo em um certo número 𝑛 de partes iguais, podemos traçar o polígono
regular de 𝑛 lados ligando, consecutivamente, os pontos desta divisão. Observamos que
o autor não apresenta como realizar tal divisão igualitária.
Entretanto as construções do triângulo (equilátero) e do quadrado podem ser
realizadas sem a divisão do círculo. De fato,
o quadrado pode ser obtido por meio do traçado de retas perpendiculares9
(p. 8).
o triângulo equilátero é construido utilizando o compasso, com abertura
igual a medida de seu lado dado (Fig. 17).
Figura 17 (p. 22)
Na página 63, é realizada “a promettida descripção do hexagono” (Fig. 18). Para
tal construção, deve-se determinar uma linha que divida o círculo em seis partes iguais.
Para isto, esta linha precisa ser a corda de um arco de 60°.
9 A obra não apresenta uma figura para tal procedimento.
27
Figura 10 (p. 64)
Suponhamos que 𝐴𝐵 seja tal corda. Traçando do centro 𝐼 os raios 𝐼𝐴 e 𝐼𝐵, o
ângulo 𝐴𝐼𝐵 mede 60°. Como o triângulo ∆𝐴𝐼𝐵 é isósceles, 𝐼𝐴𝐵 = 𝐼𝐵𝐴. Como 𝐼𝐴𝐵 +
𝐼𝐵𝐴 = 120°, 𝐼𝐴𝐵 = 𝐼𝐵𝐴 = 60°. Logo, o triângulo ∆𝐴𝐼𝐵 será equilátero com 𝐴𝐵
igual a medida do raio do círculo. Segue disso, que para descrever um hexágono, será
preciso tomar o compasso com a abertura igual ao raio do círculo e, depois, colocando o
compasso seis vezes sobre a circunferência, teremos o hexágono.
A partir do hexágono 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸𝐹, a construção do dodecágono é realizada. Para
isto, divide-se o arco 𝐴𝐾𝐵 ou o ângulo 𝐴𝐼𝐵 em partes iguais, e a corda 𝐴𝐾 será um dos
lados do polígino de 12 lados. Utilizando o mesmo processo de divisão podemos construir
os polígonos de 24, 48, 96, 192 lados, entre outros.
Para construir o polígono regular de 8 lados (Fig. 19), é necessário, primeira-
mente, traçar um quadrado no interior de um círculo.
Figura 11 (p. 66)
Para descrever tal quadrado, traçamos dois diâmetros perpendiculares 𝐴𝐼𝐵 e 𝐶𝐼𝐸
e ligam-se suas extremidades pelas linhas 𝐴𝐶, 𝐶𝐵, 𝐵𝐸 e 𝐸𝐴. A figura resultante é um
quadrado, pois devido à regularidade do círculo e a igualdade dos quatro ângulos
28
formados pelas perpendiculares 𝐴𝐼𝐵 e 𝐶𝐼𝐸, os lados 𝐴𝐶, 𝐶𝐵, 𝐵𝐸 e 𝐸𝐴 são
necessariamente iguais e igualmente inclinados uns sobre os outros.
Para construir o octógono 𝐶𝐾𝐵𝐿𝐸𝑀𝐴𝑁, basta utilizar o procedimento já descrito
e dividir cada um dos arcos 𝐴𝐶, 𝐶𝐵, 𝐵𝐸 e 𝐸𝐴 em duas partes iguais.
Dividindo do mesmo modo cada um dos arcos 𝐶𝐾, 𝐾𝐵, etc, em duas partes
iguais, em 4, em 8, teremos, respectivamente, o polígono de 16, 32, 64 lados, etc.
As construções do pentágono e dos demais polígonos regulares não são
abordadas pois, segundo o autor, tais procedimentos necessitam de conhecimentos de
álgebra que fogem ao escopo deste livro, que é de geometria. A construção do pentágono
regular, segundo o tradutor, encontra-se no tratado sobre geometria analítica do mesmo
autor: “Esse tratado é o de algebra, publicado em 1746, cinco annos depois deste. Ahi,
porém, Clairaut não tratou desta questão, reservando-a para uma obra especial de
geometria analytica (applicação da algebra á geometria). (N. do T.)” (p. 23)
Síntese
Segundo a obra, a geometria é uma ciência abstrata e seu ensino tradicionalmente
feito por dois métodos: por meio de axiomas, postulados e teoremas ou por meio de
proposições e aplicações das mesmas. Clairaut defende que os métodos habituais de
ensino da geometria deixam o mesmo muito árido e, geralmente, isso acarreta o pouco
interesse do leitor pela disciplina. Assim, na obra, Clairaut desenvolve um novo método
no qual tenta inspirar o ensino da geometria com situações práticas do cotidiano, como,
por exemplo, problemas de engenharia. O intuito disto é estimular o leitor a construir o
conhecimento geométrico para si.
Para Clairaut, o desenvolvimento da visão geométrica é mais importante que o
rigor matemático. A obra aborda, dado um lado, a construção do triângulo equilátero e do
quadrado utilizando o compasso. Os outros polígonos regulares contruídos são os de 6,
12, 24, ... e 8, 16, 32, ... lados. As demais construções, por exemplo, a do pentágono
regular não são apresentadas, pois o autor coloca que as mesmas necessitam de
conhecimentos de álgebra, o que foge ao tema do livro.
29
3.4 Geometria Elementar de “uma Reunião de Professores”
A edição do livro Elementos de Geometria utilizado nesta pesquisa foi publicado
pela Livraria Francisco Alves E Ca em 1914. Não constam na obra o local de publicação
nem o nome dos autores, que são vagamente creditados por “uma reunião de professores”.
O livro, que possui um formato “de bolso”, é dividido em duas partes, sendo
cada uma delas subdividida em quatro livros. No final de cada livro existe uma lista de
exercícios. Além destes, mais exercícios (“de recapitulação”) podem ser encontrados no
final da obra.
A primeira parte apresenta geometria plana e a segunda, geometria espacial. O
objetivo de nosso estudo encontra-se distribuído ao longo dos três primeiros livros da
primeira parte.
No livro I, após uma introdução aos conceitos de linha, ângulo, perpendiculares
e oblíquas, somos apresentados aos polígonos. Define-se polígono como uma figura plana
limitada por linhas retas, chamadas lados e a reunião destes, perímetro (Fig. 19).
Figura 19 (p. 15)
Os pontos 𝐴, 𝐵, 𝐶, 𝐷, 𝐸, 𝐹 da figura anterior são chamados vértices. Observa-se
que não é fornecida nenhuma definição de vértice, cabendo ao leitor identificá-los
geometricamente.
Na sequência, são apresentadas as definições de ângulo interior (ou
simplesmente ângulo), ângulo exterior (Fig. 20), polígono regular (aquele com lados
iguais e ângulos iguais), polígono convexo10 (polígono no qual “seu perímetro não póde
ser encontrado em mais de dois pontos por uma secante”) (Figura 21), polígono côncavo
10 Destacamos um deslize na sequência lógica apresentada: enquanto polígono convexo/côncavo é definido
na página 16, a ideia de (reta) secante a uma figura (“toda reta que corta uma figura”) só é apresentada na
página 28.
30
(Fígura 22) (quando existe uma secante intersectando seu perímetro em mais de dois
pontos) e diagonal (a reta que une quaisquer dois vértices não consecutivos) (Figura 23).
Figura 20 (p. 16)
Figura 21 (p. 16)
Figura 12 (p. 16)
Figura 13 (p. 16)
A presente seção termina com a classificação dos polígonos regulares quanto ao
seu número de lados.
Na sequência, estudam-se os triângulos, onde os mesmos são classificados
quanto ao comprimento de seus lados e quanto a medida de seus ângulos. Dado um
triângulo, é feita a distinção de:
Base: é o lado sobre o qual o triângulo “parece assentar”;
Vértice: é o vértice do ângulo oposto à base;
Altura: perpendicular abaixada do vértice sobre a base ou o seu
prolongamento;
Mediana: reta que une um dos vértices ao meio do lado oposto.
31
As seções VI e VII do livro I são dedicadas, respectivamente, aos casos de
igualdade de triângulos (atualmente denominada congruência) e ao triângulo isósceles.
Na seção XI, exploram-se os quadriláteros, suas classificações e propriedades.
O estudo dos polígonos regulares (secção III do livro II) inicia com as definições
de polígono inscrito e de polígono circunscrito. Os elementos de um polígono regular
(centro, raio, apótema) são definidos aqui junto com ângulo central e são apresentados os
seguintes cinco teoremas:
Primeiro teorema: Dividindo-se uma circunferência em partes iguais e unindo-
se os pontos de divisão, forma-se um polígono regular (p. 65).
Segundo teorema: Numa circunferência dividida em partes iguais as tangentes
aos pontos de divisão, formam um polígono regular (p. 65).
Terceiro teorema: Um polígono regular é, ao mesmo tempo, inscritível e
circunscritível (p. 66).
Quarto teorema: O lado do hexágono regular é igual ao raio do círculo
circunscrito (p. 66).
Quinto teorema: Unindo as extremidades de dois diâmetros perpendiculares um
ao outro forma-se um quadrado inscrito (p. 67).
As secções IV a X do livro II são dedicadas a problemas que são solucionados
por meio do uso de régua, compasso e esquadro. Estes problemas são denominados pelo
autor de construções gráficas. Abordam-se a construção de linhas retas, ângulos,
paralelas, triângulos, quadriláteros, polígonos regulares e tangentes. Nós focaremos nos
polígonos regulares, onde são apresentadas as construções, na seguinte ordem, do
quadrado, do octógono, do hexágono, do triângulo equilátero, do decágono, do
dodecágono e do pentágono. A construção do pentedecágono é realizada na página 13811.
Quadrado (Fig. 24): Para obter-se o quadrado, traçam-se dois
diâmetros perpendiculares. Unindo-se as extremidades dos diâmetros,
temos o polígono desejado.
11 Problema 268.
32
Figura 14 (p. 81)
Octógono (Fig. 25): A partir do quadrado inscrito, traçam-se os raios
perpendiculares aos lados desse quadrado. Estes raios dividem em
partes iguais os arcos compreendidos pelos lados do quadrado. Desta
forma, o octógono é formado por meio das cordas dos oito arcos obtidos.
Figura 15 (p.81)
Hexágono (Fig. 26): Tal construção é facilmente realizada por meio do
transporte do raio do círculo sobre a circunferência seis vezes e, após
isso, unindo-se os pontos da divisão.
33
Figura 16 (p. 81)
Triângulo (Fig. 27): Transporta-se seis vezes o raio do círculo sobre a
circunferência e une-se os pontos de divisão de três em três.
Figura 17 (p. 81)
Dodecágono: A partir do hexágono regular, procede-se de modo
análogo ao feito no quadrado para a construção do octógono.
Decágono (Fig. 28): Em um círculo de centro 𝑂, traçam-se dois raios
𝑂𝐴 e 𝑂𝑀, um perpendicular ao outro. Marca-se o ponto 𝑂’ que é o ponto
médio de 𝑂𝑀. Em seguida, traça-se o segmento 𝑂’𝐴. Descreve-se a
semicircunferência centrada em 𝑂′ de raio 𝑂𝑂′ que intersecta 𝑂’𝐴 no
ponto 𝑁. O segmento 𝑁𝐴 é o lado do decágono regular inscrito no
círculo de centro 𝑂. Agora basta transportar dez vezes esse lado sobre
a circunferência.
34
Figura 18 (p. 82)
Pentágono: Após inscrevermos o decágono regular no círculo, para
obtermos o pentágono regular, basta façamos a união dos vértices desse
decágono de três em três.
Essa secção termina com duas observações. A primeira indica o meio de obter
polígonos regulares de maior número de lados utilizando, como exemplo, o quadrado e
o hexágono inscritos. A segunda observação refere-se a possibilidade de ladrilhar uma
superfície plana com polígonos regulares de mesma espécie (Fig. 29). Afirma-se que para
isto é necessário que o ângulo destes polígonos seja um divisor exato de 360° e que
apenas o triângulo equilátero, o quadrado e o hexágono regular satisfazem essa condição.
Porém, continua a observação, é possível ladrilhar uma superfície plana com uma
combinação de polígonos regulares diferentes: triângulos equiláteros e hexágonos;
octógonos e quadrados; dodecágonos e triângulos equiláteros; etc.
Figura 19 (p. 83)
Por fim, somos apresentados ao problema de inscrever um pentedecágono [sic]
regular (polígono de 15 lados): Traça-se um círculo de centro 𝑂 e raio 𝑂𝐴. A partir de 𝐴,
marca-se a corda 𝐴𝐵 igual ao raio do círculo. Assim, o triângulo ∆𝐴𝑂𝐵 é equilátero e,
35
portanto, o ângulo 𝐴�̂�𝐵 mede 60°. Ainda neste círculo, constroi-se um lado do decágono
regular com um dos vértices em 𝐴 e o outro, 𝐶, no arco 𝐴𝐵. Desta maneira, o ângulo 𝐴�̂�𝐶
mede 36°.
Figura 30 (p. 138)
Na Figura 30, o segmento AB possui o mesmo comprimento de r, raio do círculo,
e 𝐴𝐶 é o lado do decágono inscrito. Como 𝐴�̂�𝐵 = 60° e 𝐴�̂�𝐶 = 36°, 𝐵�̂�𝐶 = 𝐴�̂�𝐵 −
𝐴�̂�𝐶 = 60° − 36° = 24° =360°
15, que representa o ângulo central do pentedecágono
regular. Portanto, 𝐵𝐶 é o lado do polígono regular de 15 lados e a construção acaba com
seu transporte 15 vezes ao longo da circunferência.
O último teorema da secção VI do livro III é “O lado do pentágono regular12 é
a hypotenusa de um triangulo rectángulo cujos cathétos são os lados do hexágono
regular e do decágono regular”.
Figura 31 (p. 138)
12 Um interessante exercício sobre as diagonais de um pentágono regular pode ser encontrado na página
153: Provar que as diagonais de um pentágono regular se cortam mutuamente em meia e extrema razão.
36
Para demonstrá-lo, seja o segmento 𝐴𝐵 (Fig. 31) o lado do decágono regular.
Prolonguemos 𝐴𝐵 de modo que 𝐴𝐶 = 𝐴𝑂 = 𝑅. Tracemos 𝑂𝐶; que é o lado do
pentágono regular inscrito no cículo de raio 𝐴𝑂 = 𝐴𝐶 = 𝑅, pois 𝐴 = 72° = 360°
5.
De 𝐶, tracemos a tangente 𝐶𝐷 ao círculo. Temos13 𝐶𝐷2 = 𝐶𝐴×𝐶𝐵. Como o lado
do decágono regular 𝐴𝐵 é o maior segmento do raio 𝐴𝐶 dividido em meia e extrema
razão14, isto é, 𝐴𝐵2 = 𝐶𝐴×𝐶𝐵. Portanto, 𝐶𝐷 = 𝐴𝐵.
Logo, o triângulo retângulo ∆𝑂𝐶𝐷 tem por hipotenusa o lado do pentágono
regular 𝑂𝐶 e por catetos os lados do hexágono, 𝑂𝐷, e do decágono, 𝐶𝐷.
Síntese
Possivelmente por ter sido desenvolvido por um grupo de autores (não
creditados), a obra abrange um amplo espectro da geometria, tanto plana quanto espacial,
possuindo um grande número de exercícios ao final de cada Livro/Capítulo.
O tema polígonos é desenvolvido ao longo da primeira parte, sendo a eles
dedicada praticamente todo o Livro I. Nos demais livros, discutem-se os polígonos
regulares e sua capacidade de inscrição e circunscrição (Livro II), e os polígonos
semelhantes (Livro III).
Como citado em nossa análise, os vértices de um polígono nunca são, de fato, definidos,
mas sugeridos. Dado o número de ilustrações da obra, tal deslize é, praticamente,
imperceptível. Com esta grande quantidade de figuras – aliada às construções feitas, em
especial, no plano (retas, ângulos, paralelas, triângulos, tangentes, círculos, etc.) –
permite-se ao leitor um melhor entendimento dos conceitos geométricos e do manuseio
com os instrumentos de desenho. Das construções realizadas, destacam-se os polígonos
regulares de lados 3, 6, 12, ...; 4, 8, 16, ...; 5, 10, 20, ...; e 15, 30, 60, ...
13 Problema 244. 14 Problema 267.
37
3.5 Elementos de geometria de F. I. C.
O livro Elementos de Geometria, obra da coleção Curso de Mathematicas
Elementares, foi impresso em Abbeville (França) e comercializado no Brasil pela
Livraria Garnier. A autoria do livro é dada a F.I.C.. A obra foi revista e adaptada às
escolas brasileiras pelo Dr. Eugenio de Barros Raja Gabaglia.
A obra, adaptada para ser utilizada nas escolas secundárias brasileriras, é
dividida em oito livros e quatro apêndices. No final dos sete primeiros livros, encontra-
se uma lista de exercícios (com diversos níveis de dificuldade) para a prática do conteúdo
do assunto desenvolvido ao longo daquele trecho. Nos três primeiros livros, desenvolve-
se a geometria plana; nos livros IV e V, superfícies e retas; nos livros VI e VII, sólidos; e
no último, as curvas cônicas, suas tangentes e a hélice. Os três primeiros apêndices
acrescentam diversos tópicos, tais como, polígonos estrelados, razão anharmônica (sic),
secção cônica, método de Sympson, etc. O quarto apêndice é dedicado exclusivamente a
aplicações: a quadratura e a cubatura, pontes, estradas e canais, reflexão da luz, etc. Nosso
trabalho de análise será feito nos três primeiros livros.
Como é usual, define-se polígono como toda porção do plano limitada por linhas
retas. Tais linhas são chamadas lados do polígono e classificam-se os polígonos segundo
o seu número de lados.
O polígono convexo é definido como aquele cujo contorno não pode ser
encontrado em mais de dois pontos por uma linha reta. Observamos que tal definição é
imprecisa, pois tal reta pode coincidir com um dos lados do polígono (Fig. 32).
Figura 20
38
Denominam-se ângulos (internos) maiores do que dois retos de ângulos
reintrantes (observe que a unidade de medida adotada é o ângulo reto). Define-se polígono
não convexo como aquele que possui um ângulo reintrante, embora não seja apresentada
a definição de ângulo (interno) de um polígono.
Introduze-se os conceitos de:
polígono equiângulo (o que possui todos ângulos iguais),
polígono equilátero (o que possui todos lados iguais),
polígono regular (aquele que satisfaz as duas condições anteriores
simultaneamente),
diagonal de um polígono (toda reta que une dois vértices não
consecutivos),
perímetro de um polígono (soma dos lados desse polígono).
A apresentação das propriedades dos ângulos internos e externos de um polígono
dá-se por meio dos seguintes três teoremas:
Primeiro teorema: A soma dos ângulos internos de um triângulo é igual dois
ângulos retos (p. 25).
Segundo teorema: A soma dos ângulos internos de um polígono qualquer é igual
a tantas vezes dois ângulos retos quantos são os lados desse polígono menos dois (p. 25).
Terceiro teorema: A soma dos ângulos externos de um polígono qualquer é igual
a quatro ângulos retos (p. 25).
Essa secção do livro termina com o estudo dos quadriláteros notáveis e suas
principais propriedades.
Os lados opostos de um paralelogramo são iguais, assim como também
são iguais os ângulos opostos (p. 27).
Todo quadrilátero cujos lados opostos são iguais é um paralelogramo (p.
27)
Todo quadrilátero cujos ângulos opostos são iguais é um paralelogramo
(p. 28)
39
Todo quadrilátero que tem dois lados iguais e paralelos é um
paralelogramo (p. 28)
As diagonais de um paralelogramo cortam-se ao meio delas (p. 29)
Todo quadrilátero cujas diagonais se cortam ao meio é um paralelogramo
(p. 29)
A quarta seção do livro II é dedicada aos polígonos regulares. Define-se aqui
polígono inscrito e polígono circunscrito, circunferência inscrita e circunferência
circunscrita.
Figura 21 (p. 54)
Linha quebrada regular é apresentada como a linha formada por muitas cordas
iguais traçadas sobre o mesmo arco de círculo (Fig. 33). Setor poligonal regular é a figura
compreendida entre uma linha quebrada regular e os raios que passam pelas suas
extremidades. As últimas definições apresentadas nesta secção são: centro de figura
(“ponto que divide em duas partes iguaes todas as rectas que podem ser tiradas por este
ponto”), centro, raio e apótema de um polígono.
A relação entre a regularidade de um polígono e a inscrição e circunscrição deste
é estabelecida por meio de quatro teoremas15, a saber:
Primeiro teorema (Fig. 34): Quando uma circunferência está dividida em um
número qualquer de partes iguais, as cordas que unem consecutivamente os pontos de
divisão formam um polígono regular inscrito (p. 55).
15 Observe que nos quatro teoremas são utilizados pentágonos nas demonstrações.
40
Figura 22 (p. 55)
Considere a circunferência dividida em cinco partes iguais, nos pontos 𝐴, 𝐵, 𝐶,
𝐷, 𝐸. Como os arcos 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, 𝐶𝐷, etc. são iguais, as cordas por eles subentendidas
também são iguais16. Além disso, cada um dos ângulos 𝐴�̂�𝐶, 𝐵�̂�𝐷, etc. compreende entre
os seus lados 3
5 da circunferência. Assim, todos os ângulos são iguais,e o polígono inscrito
é regular.
Segundo teorema (Fig. 35): Quando uma circunferência está dividida em um
número qualquer de partes iguais, as tangentes tiradas pelos pontos de divisão formam
um polígono regular circunscrito (p. 55).
Figura 23 (p. 55)
16 Proposição 118, página 40.
41
Consideremos uma circunferência dividida em cinco partes iguais e seja 𝐹𝐺𝐻𝐼𝐾
o polígono circunscrito formado pelas tangentes traçadas pelos pontos de divisão.
Queremos provar que 𝐹𝐺 = 𝐺𝐻 = 𝐻𝐼 = 𝐼𝐾 = 𝐾𝐹.
Sabemos que as cordas 𝐴𝐵 = 𝐵𝐶 = 𝐶𝐷 =... são iguais (porque subentedem
arcos iguais). Como ângulos de segmento compreendendo arcos iguais17, os ângulos em
�̂�, �̂�, �̂�, ... e os triângulos ∆𝐴𝐵𝐹, ∆𝐵𝐶𝐺, ∆𝐶𝐷𝐻, ... são iguais. Desta forma, esses ângulos
são iguais por terem um lado igual adjacente a ângulos iguais; e, além disso, cada um
desses triângulos é isósceles.
Disso, resulta que �̂� = �̂� = �̂� = 𝐼 = 𝐾 e 𝐴𝐹 = 𝐹𝐵 = 𝐵𝐺 = 𝐺𝐶 = 𝐶𝐻 = ...
Além disso,
𝐹𝐺 = 𝐺𝐻 = 𝐻𝐼 = 𝐼𝐾 = 𝐾𝐹.
Logo, o polígono 𝐹𝐺𝐻𝐼𝐾 é regular.
Terceiro teorema (Fig. 36): A todo polígono regular pode-se circunscrever uma
circunferência (p. 56).
Figura 24 (p. 56)
Considere o polígono regular 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸. Trace a circunferência que passa por 𝐴,
𝐵, e 𝐶. Provaremos que tal circunferência também passa pelos demais vértices deste
polígono.
17 Proposição 149, página 51.
42
Tracemos 𝑂𝐴 e 𝑂𝐷, e depois 𝑂𝐻, perpendicular à corda 𝐵𝐶. Suponhamos que
o quadrilátero 𝑂𝐻𝐵𝐴 gira em torno de 𝑂𝐻 para coincidir sobre o quadrilátero 𝑂𝐻𝐶𝐷.
Como 𝐻 é o ponto médio de 𝐵𝐶18, os ângulos retos em 𝐻 coincidem, como
também coincidem 𝐻𝐵 com 𝐻𝐶, o ângulo 𝐵 com 𝐶, 𝐵𝐴 com 𝐶𝐷 e, consequentemente,
𝑂𝐴 com 𝑂𝐷.
Assim, a circunferência que passa em 𝐴, 𝐵 e 𝐶, também passa em 𝐷. Por
raciocínio análogo, podemos demonstrar que também passa em 𝐸.
Quarto teorema (Fig. 37): Em todo polígono regular, pode-se inscrever uma
circunferência (p. 56).
Figura 25 (p. 56)
Seja 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸 um polígono regular. Descreva a circunferência circunscrita
(proposição anterior) e tracemos, a partir do centro 𝑂 as perpendiculares 𝑂𝐹, 𝑂𝐺, 𝑂𝐻,
etc.
Os lados 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, 𝐶𝐷, etc. são cordas iguais e, por consequência, igualmente
afastadas do centro19. Portanto, as perpendiculares 𝑂𝐹, 𝑂𝐺, 𝑂𝐻, etc. são iguais e a
circunferência descrita com 𝑂𝐹 passa pelos pontos 𝐺, 𝐻, 𝐼, etc. e os lados 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, 𝐶𝐷,
etc. são tangentes à circunferência por serem perpendiculares à extremidade dos raios 𝑂𝐹,
𝑂𝐺, 𝑂𝐻, etc. Desta forma, a circunferência é descrita no polígono.
18 Proposição 121, página 41. 19 Proposição 125, página 43.
43
A seção V do Livro II é reservada para construções gráficas. Aqui, munido de
régua, compasso, esquadro e transferidor, o autor apresenta a resolução de diversos
problemas.
A terceira seção do Livro III utiliza um teorema (dois polígonos semelhantes
podem decompor-se no mesmo número de triângulos semelhantes cada um a cada um e
semelhantemente dispostos) e sua recíproca para definir polígonos semelhantes.
Na secção seguinte, é tratado o problema da inscrição de um quadrado no círculo
dado. A partir daí, determina-se a relação entre o lado do quadrado e o lado do octógono
regular com o raio do círculo.
Outro problema apresentado é a inscrição de um pentedecágono [sic] regular em
um círculo de raio dado (Fig. 38). Para isto, constrói-se um hexágono regular neste círculo
e, a partir de um dos vétrices deste hexágono, fazemos a construção de um decágono
regular inscrito ao círculo dado.
Figura 26 (p. 120)
Nesta seção tem-se também a determinação da expressão do comprimento do
lado do polígono regular inscrito em um círculo de raio 𝑟 dado.
44
Figura 27 (p. 117)
Lado do quadrado: Como o triângulo ∆𝐴𝑂𝐵 (Fig. 39) é retângulo, pelo teorema
de Pitágoras, 𝐴𝐵2 = 𝐴𝑂2 + 𝑂𝐵2 = 2𝑟2. Logo, 𝐴𝐵 = 𝑟√2.
Lado do octógono regular: Seja 𝐸 o meio do arco 𝐴𝐵 (Fig. 39). 𝐴𝐸 é o lado do
octógono regular. Tracemos o diâmetro 𝐸𝐹 e a corda 𝐴𝐹. Como os triângulos ∆𝐴𝐸𝐹 e
∆𝐴𝐻𝐸 são semelhantes,
𝐸𝐹
𝐴𝐸 =
𝐴𝐸
𝐸𝐻 ⇒ 𝐴𝐸2 = 𝐸𝐹 ⇒ 𝐸𝐻.
Como 𝐸𝐹 = 2𝑟 e 𝐸𝐻 = 𝑟 − 𝑟√2
2,
𝐴𝐸2 = 2𝑟 (𝑟 − 𝑟√2
2) = 𝑟2(2 − √2) ⇒ 𝐴𝐸 = 𝑟√2 − √2.
Figura 40 (p. 118)
45
Lado do hexágono regular: Considere o hexágono ∆𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸𝐹 (Fig. 40) e tire
os raios 𝑂𝐴 e 𝑂𝐵. Para o que desejamos, basta provar que o triângulo ∆𝐴𝑂𝐵 é equilátero.
Como o ângulo ∆𝐴𝑂𝐵 vale 1 6⁄ de quatro ângulos retos, 𝐴�̂�𝐵 = 60°. Logo, a soma dos
dois outros ângulos vale 120° e o triângulo ∆𝐴𝑂𝐵 é equilátero.
Lado do triângulo equilátero: Considere o triângulo ∆𝐵𝐴𝐸 (Fig. 40), retângulo
em 𝐴, temos
𝐴𝐸2 = 𝐵𝐸2 – 𝐴𝐵2 = (2𝑟)2 – 𝑟2 = 4𝑟2 – 𝑟2 = 3𝑟2.
Portanto, 𝐴𝐸 = 𝑟√3.
Figura 41 (p. 119)
Lado do decágono regular: Seja 𝐴𝐵 o lado do decágono regular inscrito.
Tracemos os raios 𝑂𝐴 e 𝑂𝐵 (Fig. 41) e depois a bissetriz do ângulo 𝐴�̂�𝑂.
No triângulo isósceles ∆𝐴𝑂𝐵, o ângulo �̂� vale 1 10⁄ de quatro ângulos retos, isto
é, 36°. Logo, os ângulos 𝑂�̂�𝐴 e 𝑂�̂�𝐵 são iguais e valem 72°, e cada metade do ângulo
𝑂�̂�𝐴 vale 36°. Portanto, o triângulo ∆𝑂𝐵𝑀 é isósceles e 𝐵𝑀 = 𝑂𝑀.
Como o 𝑀�̂�𝐴 = 36° e 𝑂�̂�𝐵 = 72°, 𝐵�̂�𝐴 = 72°. Logo, o triângulo ∆𝑂𝐵𝑀
é isósceles, e 𝐴𝐵 = 𝐵𝑀 = 𝑂𝑀.
No triângulo ∆𝐴𝐵𝑂, temos
𝐵𝑂
𝐵𝐴=
𝑀𝑂
𝑀𝐴 ou
𝑂𝐴
𝑂𝑀=
𝑂𝑀
𝑀𝐴.
46
Assim, o ponto 𝑀 divide o raio 𝑂𝐴 em média e extrema razão, e 𝑂𝑀 = 𝐴𝐵.
Utilizando a proposição 267, o lado do decágono regular inscrito tem por expressão
𝑟
2 (√5 − 1).
Lado do pentágono regular: Seja 𝑂𝑀 o lado do decágono regular inscrito no
círculo 𝐶 (Fig. 42). Prolonguemos 𝑂𝑀. Do ponto 𝑂, com 𝑂𝐶 como raio, descrevamos o
arco 𝐶𝐴. Tracemos ao círculo 𝐶 a tangente 𝐴𝑃, e o raio 𝐶𝑃.
Figura 28 (p. 120)
Como 𝑂𝑀 é o lado do decágono regular e 𝑂𝐴 = 𝐶𝑂, 𝑂𝑀 é a média
proporcional entre 𝑂𝐴 e 𝐴𝑀. O mesmo ocorre com 𝐴𝑃. Daí, 𝐴𝑃 = 𝑂𝑀.
No triângulo ∆𝑂𝐶𝑀, o ângulo �̂� é igual a 36°. Consequentemente, os ângulos �̂�
e �̂� valem, cada um, 72° = 15⁄ ∙ 360°. Como 𝑂𝐶 e 𝐴𝑂 são raios, 𝐴𝐶 é o lado do
pentágono regular inscrito. Portanto o raio 𝐶𝑃, o lado do decágono e o lado do pentágono
inscrito formar o triângulo retângulo ∆𝐴𝑃𝐶. Daí,
𝐴𝐶2 = 𝐴𝑃2 + 𝑃𝐶2.
Como 𝑃𝐶 = 𝑟 e 𝐴𝑃 = 𝑟
2(√5 − 1) ⇒ 𝐴𝑃2 =
𝑟2
4(6 − 2√5), temos
𝐴𝐶2 = 𝐶𝑃2 + 𝐴𝑃2 = 𝑟2 +𝑟2
4(6 − 2√5) =
𝑟2
4(10 − 2√5).
Portanto,
𝐴𝐶 = 𝑟
2√10 − 2√5.
47
Apresentamos, de maneira compacta, na tabela a seguir as expressões
encontradas.
Número de lados Lado do polígono
3 𝑟√3
4 𝑟√2
5 𝑟
2√10 − 2√5
6 𝑟
8 𝑟√2 − √2
10 𝑟
2(√5 − 1)
Síntese
A obra trata dos fundamentos da geometria euclidiana plana e explora em
algumas páginas construções gráficas por meio de régua, compasso, esquadro e
transferidor.
O livro possui ainda exercícios para desenvolver a familiaridade do leitor com
os temas apresentados no decorrer do texto. Além disso, é reservado um apêndice no livro
apenas para tratar de aplicações.
Como é usual, o primeiro contato com polígonos é feito por meio de sua
definição. Define-se ainda lado de um polígono e faz-se a classificação dos polígonos
quanto ao seu número de lados.
Apesar de ser feita de maneira imprecisa, o texto define polígono convexo e, na
sequência, polígono côncavo. A primeira destas é feita por meio do perímetro do
polígono; enquanto a segunda, utiliza ângulo reintrante. Para este último, o ângulo reto é
utilizado como unidade de medida.
No segundo livro, trata-se de polígonos regulares e como construí-los. Os demais
conceitos desenvolvidos aqui são: polígono inscrito, polígono circunscrito, circunferência
48
inscrita, circunferência circunscrita, linha quebrada regular e setor poligonal regular. A
partir do polígono inscrito, definem-se os elementos do polígono: centro, raio e apótema.
O livro ainda explora as relações numéricas entre o lado 𝑙 do polígono inscrito e
o raio 𝑟 da circunferência circunscrita. Apresentamos tais relações de maneira resumida
em nossa análise.
49
3.6 Curso de Geometria de Timotheo Pereira
Curso de Geometria é um livro de Timotheo Pereira voltado para o programa de
admissão à Escola Polytechnica. A edição aqui analisada é a segunda, impressa em Paris
pela Typ. Guillard-Aillaud e Cia. no ano de 1898 e vendida no Brasil pela Livraria de
Francisco Alves. Todos os exemplares publicados deste livro foram rubricados pelo
próprio autor.
A obra aqui analisada possui uma introdução e duas secções (cada secção divida
em dois livros). A introdução apresenta noções preliminares dos elementos geométricos
que serão estudados e desenvolvidos no decorrer do texto. O primeiro livro versa figuras
planas; o segundo livro, extensões em um plano; e os dois últimos, figuras espaciais e
sólidos. O livro termina com um texto dedicado “A Quem Leu” do próprio Timotheo
Pereira.
Nosso interesse de estudo pode ser encontrado ao longo da primeira seção:
polígonos em geral e as propriedades dos polígonos inscritos e circunscritos, no primeiro
livro; semelhança, área e, no caso dos polígonos regulares, o cálculo do lado do polígono
(em função do raio) e do raio (em função do lado).
Polígono é definido como uma porção do plano completamente fechada por
linhas retas que se encontram duas a duas. Tais linhas são denominadas lados do polígono
e sua soma, perímetro. Apresenta-se a nomenclatura dos polígons segundo o número de
lados e salienta-se que nem todos os polígonos tem nome particular.
Figura 29 (p. 75)
Figura 30 (p. 75)
50
Polígono regular (Fig. 43) é definido como aquele que possui todos os lados e
todos os ângulos20 iguais; enquanto polígono irregular é aquele que nem todos os lados e
ângulos são iguais.
Figura 31 (p. 75)
Após as definições de polígono convexo (aquele que tem todos os ângulos
salientes) e polígono côncavo (aquele que possui pelo menos um ângulo reintrante21) (Fig.
44), somos apresentados às seguintes proposições:
Uma reta traçada no plano de um polígono convexo só encontra o
perímetro do polígono em dois pontos22; num polígono côncavo uma reta
traçada no seu plano pode encontrar o seu perímetro em mais de dois
pontos (Fig. 45) (p. 75).
Se prolongarmos indefinidamente os lados de um polígono convexo,
todo o polígono existe da mesma parte desse lado que não o corta (p. 75).
20 O autor não define ângulo de um polígono. 21 Ângulos reintrantes são aqueles com mais de 180o. 22 Observe (Fig. 46) que esta proposição está mal formulada. O polígono 𝐴𝐵𝐶𝐷 é convexo, mas a reta 𝑟
intersecta 𝐴𝐵𝐶𝐷 em apenas um ponto (𝐵), enquanto a reta s intersecta 𝐴𝐵𝐶𝐷 em infinitos pontos (lado
𝐶𝐷).
Figura 46
51
Todo o polígono pode ser decomposto em tantos triângulos quantos são
os lados menos dois (p. 76).
A soma dos ângulos internos de qualquer polígono convexo é igual a
tantas vezes dois retos quantos são os lados menos dois (p. 76).
Em todo polígono convexo a soma dos ângulos externos é igual a quatro
retos (pág. 77).
O número de diagonais de um polígomo é igual à metade do número de
lados multiplicado pelo numero de lados menos três (p. 78).
Dois polígonos são iguais quando se compõem do mesmo número de
triângulos respectivamente iguais e dispostos semelhantemente (p. 79).
As páginas 108 a 119 são dedicadas às propriedades de inscrição e circunscrição
de polígonos. Os polígonos regulares são tratados a partir da página 114, onde demonstra-
se que:
Primeiro teorema (Fig. 47): A todo polígono regular é sempre possível
circunscrever um círculo e inscrever um círculo.
Parte I: Seja um polígono regular 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸 ao qual desejamos circunscrever um
círculo. Trace a circunferência23 que passa pelos vértices 𝐴, 𝐵, 𝐶. Afirmamos que tal
circunferência também passa pelos vértices 𝐷 e 𝐸.
Figura 47 (p. 114)
De fato, seja 𝑂 o centro desta circunferência. Provaremos que os segmentos 𝑂𝐴,
𝑂𝐵, 𝑂𝐶, 𝑂𝐷 e 𝑂𝐸 são iguais. Os triângulos ∆𝐴𝑂𝐵 e ∆𝐵𝑂𝐶 são iguais, pois os lados
𝐴𝐵 = 𝐵𝐶 (lados de um polígono regular), 𝑂𝐴 = 𝑂𝐶 (raios de uma mesma
23 Proposição 132, página 90.
52
circunferência) e 𝑂𝐵 é um lado comum a ambos os triângulos. Em particular, temos
𝐴�̂�𝑂 = 𝐶�̂�𝑂. Como os triângulos são isósceles, 𝑂�̂�𝐵 = 𝐴�̂�𝑂 = 𝐶�̂�𝑂 = 𝐵�̂�𝑂.
Como 𝐴�̂�𝑂 = 𝐵�̂�𝑂 e 𝐴�̂�𝐶 = 𝐵�̂�𝐷 (pois o polígono é regular), 𝐶�̂�𝑂 =
𝐷�̂�𝑂. Como os triângulos ∆𝑂𝐵𝐶 e ∆𝑂𝐶𝐷 possuem um lado em comum (𝑂𝐶), dois lados
iguais (𝐵𝐶 e 𝐶𝐷, lados do polígono regular) e o ângulo entre eles em comum, ∆𝑂𝐵𝐶 =
∆𝑂𝐶𝐷 e, consequentemente, 𝑂𝐷 = 𝑂𝐵. Assim, o círculo passa pelo ponto 𝐷. De modo
análogo, prova-se que o ponto 𝐸 também pertence ao círculo.
Parte II: Para demonstrar a inscrição, basta provar que as perpendiculares
baixadas a partir de 𝑂 (centro do polígono circunscrito) sobre os lados do polígono são
iguais. Para isto, consideremos os triângulos ∆𝑀𝑂𝐵 e ∆𝐵𝑂𝐺. Estes triângulos são iguais
pois possuem um lado, 𝐵𝑂, em comum, os lados 𝑀𝐵 = 𝐵𝐺 (metade de lados iguais ) e
os ângulos 𝑂�̂�𝐵 = 𝑂�̂�𝐵 (retos). Logo, ∆𝑀𝑂𝐵 = ∆𝐵𝑂𝐺 e, portanto, 𝑂𝑀 = 𝑂𝐺.
Analogamente, podemos provar que 𝑂𝐺 = 𝑂𝐻 = 𝑂𝐾 = 𝑂𝐿. Desta forma,
para obter o círculo inscrito, basta tomar a circunferência de centro O e com raio igual a
um destes últimos segmentos. (Na Figura 47, não está traçado o círculo inscrito).
Segundo teorema (Fig. 48): Se uma circunferência estiver dividida em partes
iguais: as cordas formam um polígono regular inscrito e as tangentes tiradas pelos
pontos de divisão formam um polígono regular circunscrito.
Figura 48 (p. 116)
Parte I: Considere uma circunferência dividida em partes iguais pelos pontos 𝐴,
𝐵, 𝐶, 𝐷 e 𝐸. Liguemos estes pontos por meio das cordas 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, 𝐶𝐷 e 𝐷𝐸. Afirmamos
que o polígono 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸 é regular.
53
Com efeito, para provar que o polígono é equilátero, basta lembrar que a arcos
iguais correspondem cordas iguais. Como os arcos 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, 𝐶𝐷, etc. são iguais por
construção, as cordas são todas iguais e, portanto, os lados do polígono são iguais.
Provaremos que o polígono é equiângulo. Se um ângulo é inscrito, sua medida é
a metade do arco compreendido entre os seus lados, isto é,
�̂� = 𝐸𝐷 + 𝐶𝐵
2
Porém o arco 𝐸𝐷𝐶𝐵 é igual a circunferência inteira menos os arcos 𝐸𝐴 e 𝐴𝐵.
Portanto, chamando de 𝑀 a circunferência inteira, teremos
�̂� = 𝑀 − (𝐴𝐵 + 𝐴𝐸)
2
para o ângulo 𝐵, encontramos
�̂� = 𝑀 − (𝐵𝐶 + 𝐴𝐵)
2
e para 𝐶,
�̂� = 𝑀 − (𝐶𝐷 + 𝐵𝐶)
2
e assim os outros.
Como os arcos 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, 𝐶𝐷, etc. são todos iguais, os numeradores são todos
iguais e, portanto, os ângulos 𝐴, 𝐵, 𝐶, etc. são iguais, o que conclui a demonstração.
Parte II: Dos pontos de divisão 𝐴, 𝐵, 𝐶, 𝐷 e 𝐸, tracemos as tangentes 𝐹𝐺, 𝐺𝐻,
𝐻𝐾, 𝐾𝐿 e 𝐿𝐹. Provaremos que 𝐹𝐺𝐻𝐾𝐿 é circunscrito e regular.
De fato, a circunscrição é clara pois os lados são tangentes ao círculo. Para
provar que é regular, consideremos os triângulos ∆𝐵𝐻𝐶, ∆𝐶𝐾𝐷, ∆𝐷𝐿𝐸, ∆𝐸𝐹𝐴 e ∆𝐴𝐺𝐵.
Tais triângulos são iguais porque tem um lado igual, 𝐵𝐶 = 𝐶𝐷 = 𝐷𝐸 = 𝐸𝐴 e os
ângulos 𝐻�̂�𝐶, 𝐾�̂�𝐷, 𝐿�̂�𝐸, 𝐸�̂�𝐹 e 𝐴�̂�𝐺 iguais, pois sendo formados por corda e tangente
têm por medidas respectivas metade de arcos iguais 𝐵𝐶, 𝐶𝐷, etc. Pela mesma razão, os
ângulos 𝐻�̂�𝐵, 𝐻�̂�𝐵, 𝐿�̂�𝐷, 𝐹�̂�𝐸 e 𝐴�̂�𝐺 são iguais. Como os triângulos são iguais, os
ângulos �̂�, 𝐾, �̂�, �̂� e �̂� são iguais.
54
Além disso, observe que os triângulos são isósceles e, consequentemente,
𝐾𝐶 = 𝐾𝐷 = 𝐷𝐿 = 𝐿𝐸 = 𝐸𝐹 = 𝐹𝐴 = 𝐴𝐺 = 𝐺𝐵 = 𝐵𝐻 = 𝐻𝐶.
Como as metades dos lados são iguais, os próprios lados são iguais, 𝐻𝐾 =
𝐾𝐿 = 𝐿𝐹 = 𝐹𝐺 = 𝐺𝐻. Logo, o polígono 𝐹𝐺𝐻𝐾𝐿 tem lados iguais e ângulos iguais.
Portanto, é regular.
Terceiro teorema: Dado um polígono regular inscrito em um círculo, é possível
inscrever um polígono com o dobro do número de lados e um polígono com a metade do
número de lados.
Figura 49 (p. 118)
Parte I (Fig. 49): Considere o hexágono regular inscrito 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸𝐹, desejamos inscrever
no mesmo círculo um polígono regular com o dobro do número de lados, isto é, um
dodecágono. Para tanto, dividimos ao meio os arcos 𝐴𝐵, 𝐵𝐶, 𝐶𝐷, 𝐷𝐸 e 𝐸𝐹 no pontos 𝐺,
𝐻, 𝐾, 𝐿, 𝑀 e 𝑁, respectivamente. Em seguida, traçamos os segmentos, 𝐴𝐺, 𝐺𝐵, 𝐵𝐻, 𝐻𝐶,
𝐶𝐾, 𝐾𝐶, etc.
Figura 50 (p. 118)
55
Parte II (Fig. 50): Agora, consideremos o octógono regular 𝐴𝐵𝐶𝐷𝐸𝐹𝐺𝐻 inscrito.
Liguemos os vértices não consecutivos, isto é, o ponto 𝐴 ao ponto 𝐶, o ponto 𝐶 ao ponto
𝐸, o ponto 𝐸 ao ponto 𝐺, etc. O polígono assim obtido é o quadrado inscrito 𝐴𝐶𝐸𝐺.
Quarto teorema (Fig. 51): Dado um polígono regular circunscrito em um círculo,
é possível circuscrever um polígono com o dobro do número de lados e um polígono com
a metade do número de lados.
Figura 51 (p. 119)
Parte I: Considere o polígono 𝐴𝐵𝐶𝐷 circunscrito e 𝐴’, 𝐵’, 𝐶’ e 𝐷’ as interseções
do polígono com círculo. Pede-se para circunscrever um outro polígono com o dobro do
número de lados.
Para isto, divide-se ao meio os arcos 𝐴’𝐵’, 𝐵’𝐶’, 𝐶’𝐷’ e 𝐷’𝐴’ nos pontos 𝑎, 𝑏, 𝑐 e
𝑑, respectivamente. Traçando as tangentes aos pontos 𝑎, 𝑏, 𝑐 e 𝑑, o problema fica
resolvido com o polígono 𝐸𝐹𝐺𝐻𝐾𝐿𝑀𝑅.
Parte II: Consideremos o polígono 𝐸𝐹𝐺𝐻𝐾𝐿𝑀𝑅, desejamos determinar o
polígono regular circunscrito com a metade do número de lados.
Prolonguemos os lados do polígono 𝐸𝐹𝐺𝐻𝐾𝐿𝑀𝑅 alternadamente, isto é,
prolonguemos os lados 𝐹𝐺, 𝐻𝐾, 𝐿𝑀 e 𝑅𝐸, os quais se intersectam dois a dois nos pontos
𝐴, 𝐵, 𝐶, 𝐷 que formam o polígono 𝐴𝐵𝐶𝐷 que resolve o problema.
Na segunda secção do livro, nas páginas 142 a 148, explora-se a semelhança de
polígonos por meio dos seguintes resultados:
56
Dois polígonos semelhantes tem lados homólogos proporcionais e os
ângulos homólogos iguais.
Dois polígonos que têm os lados proporcionais e os ângulos por eles
formados iguais, dispostos do mesmo modo, são semelhantes.
Os perímetros de dois polígons semelhantes são proporcionais ao seus
lados homólogos.
Conclui-se dos dois primeiros teoremas listados acima que para dois polígonos
de 𝑛 lados serem semelhantes, devem ser satisfeitas 2𝑛 − 4 condições.
Em “Expressões dos lados dos polygonos regulares, mais commumente
empregados, conhecendo o raio do círculo circumscripto” e “Expressões do raio do
circulo circumscripto aos polygonos acima conhecendo o lado do polygono considerado”
somos apresentados a uma coleção de resultados (e suas respectivas demonstrações).
Lado do hexágono regular (Fig. 52): Considere o hexágono regular inscrito no
círculo de centro 𝑂 e raio 𝑅. Seja 𝐴𝐵 um dos lados do hexágono e tracemos os raios 𝑂𝐴
e 𝑂𝐵.
Afirmamos que o triângulo ∆𝐴𝑂𝐵 é equiângulo. De fato, o ângulo central de um
polígono regular tem por expressão24 4
𝑛, onde 𝑛 é o número de lados do polígono. Desta
maneira, o ângulo central do hexágono é 2
3 e cada ângulo da base do triângulo ∆𝐴𝑂𝐵 vale
1
2(2 −
2
3) =
1
2∙
4
3=
2
3. Segue que os três ângulos do triângulo ∆𝐴𝑂𝐵 são iguais. Logo, o
triângulo é equiângulo e, portanto, equilátero. Assim, 𝐴𝐵 = 𝑂𝐴 = 𝑂𝐵 = 𝑅.
Figura 52 (p. 168)
24 Observe que a unidade de medida é o ângulo reto (90°).
57
Lado do triângulo equilátero (Fig. 53) : Dado o triângulo equilátero inscrito
∆𝐴𝐵𝐶, tracemos, a partir de 𝐶, um diâmetro que intersecta o arco 𝐴𝐵 em 𝐸. Como o
ângulo 𝐴�̂�𝐸 vale 1
2𝐴�̂�𝐵 =
1
2∙
2
3=
1
3, o ângulo 𝐴�̂�𝐸 mede
2
3. Deste modo, 𝐴𝐸 é o lado do
hexágono regular inscrito; assim, 𝐴𝐸 = 𝑅.
Como o triângulo ∆𝐴𝐶𝐸 é retângulo em 𝐴, pelo teorema de Pitágoras,
𝐶𝐸2 = 𝐴𝐶2 + 𝐴𝐸2 ⇒ (2𝑅)2 + 𝐴𝐶2 = 𝑅2 ⇒ 𝐴𝐶2 = 3𝑅2 ⇒ 𝐴𝐶 = 𝑅√3.
Logo, o lado do triângulo equilátero vale 𝑅√3.
Figura 53 (p. 169)
Lado do quadrado (Fig. 54): Seja 𝐴𝐵𝐶𝐷 o quadrado inscrito no círculo de raio
𝑅. Afirmamos que 𝐴𝐵 = 𝑅√2.
De fato, trace o diâmetro 𝐵𝐷 e considere o triângulo ∆𝐵𝐶𝐷 retângulo em �̂�.
Como 𝐵𝐶 = 𝐶𝐷, pelo teorema de Pitágoras,
𝐵𝐷2 = 𝐵𝐶2 + 𝐶𝐷2 ⇒ (2𝑅)2 = 2𝐵𝐶2 ⇒ 𝐵𝐶2 = 2𝑅2 ⇒ 𝐵𝐶 = 𝑅√2.
Figura 54 (p. 170)
58
Lado do decágono regular (Fig. 55): Seja 𝐴𝐵 o lado do decágono inscrito. O
ângulo central do decágono mede 𝐴�̂�𝐵 = 4
10=
2
5. Tracemos a bissetriz do ângulo 𝐴�̂�𝐶
que intersecta 𝐴𝐶 em 𝐷. Como 𝐴�̂�𝐷 = 1
2𝐴�̂�𝐶 =
1
2∙
1
2(2 −
2
5) =
2
5 = 𝐴�̂�𝐵, o
triângulo ∆𝐵𝐷𝐶 é isósceles e 𝐵𝐷 = 𝐷𝐶.
Como 𝐴�̂�𝐷 = 2
5 e 𝐵�̂�𝐶 =
4
5, 𝐴�̂�𝐵 =
4
5. Logo, o triângulo ∆𝐴𝐵𝐷 é isósceles
com 𝐴𝐵 = 𝐵𝐷. Consequentemente, 𝐴𝐵 = 𝐵𝐷 = 𝐷𝐶. Assim, o lado do decágono
regular é o maior segmento no qual se encontra dividido o raio.
Afirmamos que o ponto 𝐷 divide o segmento 𝐶𝐴 em média e extrema razão.
Com efeito, como 𝐵𝐷 é a bissetriz interna do triângulo ∆𝐴𝐵𝐶, ela corta o lado 𝐴𝐶 em
dois segmentos proporcionais aos lados correspondentes. Assim, 𝐷𝐴
𝐷𝐶=
𝐴𝐵
𝐶𝐵. Sendo 𝐴𝐵 =
𝐷𝐶 e 𝐶𝐵 = 𝐶𝐴, temos 𝐷𝐴
𝐷𝐶=
𝐷𝐶
𝐶𝐴. Portanto, 𝐷 divide 𝐶𝐴 em média e extrema razão.
Agora, vamos determinar expressão do lado do decágono regular em função de
R, temos
𝐷𝐴
𝐷𝐶=
𝐷𝐶
𝐶𝐴 ⇒
𝑅 − 𝐴𝐵
𝐴𝐵=
𝐴𝐵
𝑅 ⇒ 𝐴𝐵2 = 𝑅2 − 𝑅(𝐴𝐵) ⇒ 𝐴𝐵 = 𝑅
−1 ± √5
2.
Como 𝐴𝐵 é positivo, 𝐴𝐵 = 𝑅−1+√5
2.
Figura 55 (p. 170)
Lado do pentágono regular (Fig. 56): Afirmamos que o lado do pentágono
regular inscrito é a hipotenusa de um triângulo retângulo cujos catetos são o raio do
círculo e o lado do decágono regular inscrito.
59
De fato, sejam 𝐴𝐵 o lado do decágono regular inscrito no círculo de centro 𝑂 e
raio 𝐴𝐵, e 𝐵𝑋 o prolongamento de 𝐴𝐵 na direção de 𝐵. Tracemos o círculo de centro 𝐴
e raio 𝐴𝐵 que intersecta 𝐵𝑋 no ponto 𝐶.
Afirmação: 𝑂𝐶 é o lado do pentágono regular inscrito. Com efeito, como 𝐴𝐵 é
o lado do decágono regular inscrito, 𝐴�̂�𝐵 = 2
5 e, consequentemente, 𝑂�̂�𝐵 =
4
5 (pois
∆𝐴𝑂𝐵 é um triângulo isósceles). Assim, 𝑂𝐶 é o lado de um polígono regular inscrito na
circunferência de centro 𝐴, e ângulo central 𝑂�̂�𝐵. Logo, 𝑂𝐶 é o lado do pentágono regular
inscrito.
Para provar que 𝑂𝐶 é a hipotenusa do triângulo retângulo cujos catetos são o
raio do círculo e o lado do decágono regular inscrito, trace a reta que passa por 𝐶 e é
tangente ao círculo de centro 𝑂. Seja 𝐸 este ponto de tangência. Provaremos que 𝐶𝐸 =
𝐴𝐵.
Figura 56 (p. 172)
Sendo 𝐴𝐶 uma secante e 𝐶𝐸 uma tangente que se intersectam em um ponto,
temos25
𝐶𝐸2 = 𝐴𝐶×𝐵𝐶.
Sendo 𝐴𝐶 o raio do círculo e 𝐴𝐵 o lado do decágono, temos26
𝐴𝐵2 = 𝐴𝐶×𝐵𝐶.
25 Proposição 225, página 160. 26 Proposição 226, página 160.
60
Logo, 𝐶𝐸 = 𝐴𝐵.
Como o triângulo ∆𝑂𝐶𝐸 é retângulo em 𝐸, pelo teorema de Pitágoras,
𝑂𝐶2 = 𝐶𝐸2 + 𝑂𝐸2 ⇒ 𝑂𝐶2 = 𝑅2 + (√5 − 1
2)
2
𝑅2 ⇒ 𝑂𝐶2 =10 − 2√5
4𝑅2.
Portanto,
𝑂𝐶 = 𝑅
2√10 − 2√5.
Lado do pentadecágono regular (Fig. 57): Seja 𝐴𝐶 o lado do hexágono regular
inscrito, 𝐴𝐵 o lado do decágono regular inscrito e 𝐶 a circunferência inteira. Deste modo,
o arco 𝐴𝐶 é a sexta parte da circunferência 𝐶, 𝐴𝐵 é a décima parte da circunferência e 𝐶𝐵
é arco da diferença. Assim,
𝐶𝐵 = 𝐴𝐶 – 𝐴𝐵 = 𝐶
6−
𝐶
10=
𝐶
15.
Como o arco 𝐶𝐵 é 1
15 da circunferência, a corda 𝐶𝐵 é o lado do pentadecágono
regular.
Figura 57 (p. 174)
Para determinar a sua expressão em função do raio 𝑅, tracemos o diâmetro 𝐴𝐷
e liguemos os pontos 𝐵 e 𝐶 ao ponto 𝐷. Como o quadrilátero 𝐴𝐵𝐶𝐷 é inscrito, vale a
relação27
27 Proposição 230, página 162.
61
𝐴𝐶×𝐵𝐷 = 𝐴𝐵×𝐶𝐷 + 𝐵𝐶×𝐴𝐷 ⇒ 𝐵𝐶×𝐴𝐷 = 𝐴𝐶×𝐵𝐷 − 𝐴𝐵×𝐶𝐷, onde
𝐴𝐷 = 2𝑅, 𝐴𝐶 = 𝑅 e 𝐴𝐵 = √5−1
2𝑅 e 𝐵𝐶 é o lado procurado.
Como os triângulos ∆𝐴𝐵𝐷 e ∆𝐴𝐶𝐷 são retângulos (em 𝐵 e 𝐶, respecti-vamente),
pelo teorema de Pitágoras, temos
𝐴𝐷2 = 𝐴𝐵2 + 𝐵𝐶2 ⇒ 4𝑅2 = (√5 − 1
2𝑅)
2
+ 𝐵𝐷2 ⇒ 𝐵𝐷 = 𝑅
2 √10 + 2√5,
𝐴𝐷2 = 𝐴𝐶2 + 𝐶𝐷2 ⇒ 4𝑅2 = 𝑅2 + 𝐶𝐷2 ⇒ 𝐶𝐷 = 𝑅√3.
Substituindo as expressões encontradas em 𝐵𝐶×𝐴𝐷 = 𝐴𝐶×𝐵𝐷 − 𝐴𝐵×𝐶𝐷,
temos
𝐵𝐶×2𝑅 = 𝑅×𝑅
2 √10 + 2√5 −
√5 − 1
2𝑅×𝑅√3 .
Donde se conclui que
𝐵𝐶 = 𝑅
4 [√10 + 2√5 − √3(√5 − 1)].
Resumimos tais resultados nas duas tabelas a seguir:
Número de Lados Lado do Polígono
(em função do raio 𝑹)
3 𝑅√3
4 𝑅√2
5 𝑅
2√10 − 2√5
6 𝑅
10 𝑅
2(√5 − 1)
15 𝑅√10 + 2√5 − 𝑅√3(√5 − 1)
4
62
Número de Lados Raio do Círculo Circunscrito
(em função do raio 𝑳)
3 𝐿√3
3
4 𝐿√2
2
5 𝐿√50 + 10√5
10
6 𝐿
10 𝐿(√5 + 1)
2
15 𝐿(√50 + 10√5 + √10 + 2√5 + 4√3)
8
A questão da área de um polígono qualquer é apresentada por meio de dois
problemas, apresentados com suas respectivas resoluções:
Achar a área de um polígono qualquer (p. 202).
Transformar um polígono em um triângulo equivalente, isto é, que
tenha a mesma área (p. 203).
O caso dos polígonos regulares é tratado da página 212 a 215, onde temos às
seguintes conclusões:
Polígono Regular de 𝒏 Lados Área
3 𝐿2
4√3
4 𝐿2
5 𝐿2
4(√25 + 10√5)
6 3𝐿2√3
2
63
10 5𝐿2√5 + 2√5
2
Polígono Regular de 𝒏 Lados Inscrito
num Círculo de Raio 𝑹 Área
3 3𝑅2√3
4
4 2𝑅2
5 5
8𝑅2√10 + 2√5
6 3𝑅2√3
2
10 5
4𝑅2(√10 − 2√5)
Síntese
A obra de Timotheo Pereira foi elaborada segundo o programa de admissão a
Escola Polytechnica.
Inicialmente, define-se polígono. E a partir daí, lado e perímetro de um
polígono. Classificam-se os polígonos conforme o seu número de lados, indicando que
nem todos possuem nome próprio.
São apresentados os conceitos de polígono regular, polígono irregular, polígono
convexo e polígono côncavo. Apesar de não apresentar a definição de ângulo de um
polígono, tanto polígono convexo quanto polígono côncavo são definidos a partir dos
conceitos de ângulo saliente e ângulo reintrante, sendo o ângulo reto a unidade de medida.
64
Ressaltamos aqui que a primeira proposição sobre polígonos convexos é falsa.
Na Figura 4, por exemplo, retas que intersectam o polígono em apenas um ponto, ou em
infinitos pontos.
Na obra, exploram-se, por meio de proposições, os conceitos de semelhança de
polígonos, polígonos inscritíveis e polígonos circunscritíveis.
Determina-se, para alguns casos, tanto a expressão do lado do polígono regular
em função do raio do círculo circunscrito, quanto a expressão do raio do círculo em
função do lado do polígono inscrito.
Por fim, aborda-se a área de um polígono qualquer. No caso dos polígonos
regulares, encontram-se as expressões da área tanto em função do lado do polígono,
quanto em função do raio do círculo circunscrito.
65
4. Considerações finais
Em nosso trabalho, estudamos como o ensino da construção de polígonos
regulares evoluiu no Brasil durante um determinado intervalo de tempo. Para isto,
utilizamos como parâmetro comparativo alguns livros comercializadas no Brasil entre
1838 e 1914.
Clairaut é o único que apresenta uma preocupação quanto ao ensino da geometria.
No intuito de diminuir a abstração e a aridez inerentes ao formato “definição-teorema-
demonstração-corolário”, Clairaut desenvolve um método próprio de abordar a geometria
baseado em conceitos elementares construídos por amadores nesta área. Tal método
possui também o objetivo de propiciar aos estudantes um ensino mais contextualizado à
sua realidade, visando atrair o interesse destes. Podemos observar que é a única obra
analisada que não se preocupa com o rigor matemático, mas possui interesse na
representação da matemática por meio de figuras/ilustrações. Acreditamos que por este
motivo, a obra não se aprofunda na teoria. Por exemplo, Clairaut explora apenas os
polígonos regulares.
Das obras analisadas, três delas (Marquez de Paranaguá, Ottoni e Timotheo
Pereira) definem, de maneira equivalente, polígono como uma região fechada. Os livros
elaboradas por uma Reunião de Professores e F.I.C. apresentam definições equivalentes,
porém imprecisas, pois as mesmas não exigem que polígonos sejam regiões planas
fechadas.
Polígonos convexos são definidos, ou utilizando ângulo interno do polígono
(Clairaut e Ottoni) ou por meio de uma reta que intersecta o polígono em questão
(Reunião de Professores, F.I.C. e Timotheo Pereira). Observamos que, curiosamente,
todas que optaram pela segunda definição apresentaram o mesmo erro: ignoraram as retas
que passam pelos lados do polígono.
Todas as obras, a menos de uma escolha de palavras, definem polígonos regulares
do mesmo modo.
66
Por serem voltados aos programas de admissão, Reunião de Professores, F.I.C. e
Timotheo Pereira, possuem uma grande variedade de exercícios. Por outro lado, as demais
obras pecam por não possuírem exercício algum nos trechos analisados.
Observamos que o lado do pentedecágono [sic] é construído em Reunião de
Professores e F.I.C., enquanto a obtenção do ângulo de 3° e a impossibilidade de dividir
a circunferência em arcos de 1° são encontradas em Marquêz de Paranaguá.
Um tema comum em todos os livros é a inscrição e a circunscrição de polígonos
regulares. A partir de um círculo dividido em 𝑛 partes iguais, todas as obras ensinam
como traçar um polígono regular de 𝑛 lados:
unindo os pontos consecutivos por meio de cordas do círculo, obtém-se o polígono
regular inscrito;
as tangentes traçadas pelos pontos de divisão formam o polígono regular
circunscrito.
Sem esta divisão uniforme do círculo, apenas as duas construções mais simples (o
triângulo equilátero e o quadrado) são apresentadas em todas as obras. Construções
gráficas mais elaboradas são apenas realizadas em Reunião de Professores e F.I.C. Para
a construção dos polígonos regulares, utilizam-se régua e compasso. Para outras
construções gráficas, pode ser necessário o uso do esquadro ou do transferidor.
Destacamos, também, que a obra Elementos de Geometria (1838), de Marquêz de
Paranaguá, se caracteriza pelas construções geométricas (soluções das proposições)
serem ensinadas junto com a teoria da geometria euclidiana plana (demonstrações das
proposições). Ainda unificando a teoria euclidiana plana com construções geométricas,
temos ainda os livros Elementos de Geometria e Trigonometria Rectilínea (1870), de
Ottoni, e Curso de Geometria (1898), de Timotheo Pereira. Destacamos que embora
realizadas as construções geométricas, as obras não fazem referência ao uso da régua, do
compasso, ou de qualquer outro instrumento de desenho. A obra de F.I.C. não difere
muito das anteriormente citadas, possuindo, como o livro de Timotheo Pereira, as
relações numéricas entre o lado do polígono regular e o raio do círculo circunscrito.
Gostaríamos de registrar que o livro Elementos de Geometria, de Clairaut, destaca-se dos
demais. Primeiramente, por ser a tradução de uma obra de 1741. Além disso, o autor está
67
interessado em apresentar um novo método para o ensino da Geometria, no qual o foco é
a intuição, deixando de lado o rigor matemático.
68
5. Referências bibliográficas
CLAIRAUT, A.C. Elementos de geometria. São Paulo: Empreza Bibliópola Editora,
1892.
F.I.C. Elementos de geometria. Abbeville: Livraria Garnier, s/d.
OTTONI. C.B. Elementos de geometria e trigonometria rectilíea. 3 ed. Rio de Janeiro:
Typographia-Perseverança, 1870.
PARANAGUÁ, M. Elementos de geometria. Rio de Janeiro: Typographia Austral, 1838.
PEREIRA, T. Curso de geometria. Paris: Livraria de Francisco Alves, 1898.
REUNIÃO DE PROFESSORES. Geometria Elementar. Lyon: Livraria Francisco Alves
1914.
ZUIN, E. Da régua e do compasso: as construções geométricas como um saber escolar
no Brasil. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2001.
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