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POLÍTICA PÚBLICA E DESENVOLVIMENTO LOCAL, UMA ALTERNATIVA PARA AS PERIFERIAS DAS CIDADES
BRASILEIRAS: A CARTA DE NATAL
OLIVEIRA, GIOVANA PAIVA DE (1) ; ANDRADE, ION DE (2)
1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Arquitetura Rua Antônio Madruga, 1982, Ap 1302, Capim Macio, Natal, RN CEP 59.082120
E-mail: [email protected]
2. Universidade Potiguar. Departamentode Saúde Coletiva Rua Honório Ribeiro Dantas, 1727, Lagoa Nova, Natal, RN CEP 59054-750
E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho discute a proposta de um modelo de desenvolvimento local, associado aos conceitos de direito à cidade e gestão participava, a partir da experiência empírica do bairro de Mãe Luíza, localizado na cidade de Natal/RN, Brasil. O estudo trata de uma “improbabilidade” que se consumou em uma comunidade pobre, de uma cidade e estado fora do principal eixo de desenvolvimento nacional e que, no entanto, revelou-se capaz de permitir uma reflexão sobre a relação divergente entre os padrões de desenvolvimento dominantes na sociedade brasileira e os efeitos promovidos a partir da construção de um equipamento comunitário de excelência e qualidade arquitetônica. O Ginásio Arena do Morro é um equipamento comunitário financiado pela The Ameropa Foundation e cujo projeto de arquitetura foi doado pelo Escritório Herzog & De Meuron. Sua existência no bairro pode ser vista como o coroamento de trinta anos de luta coletiva para produção do território, mas também como um divisor que permite indicar a possibilidade de desenvolvimento alternativo, confrontado com a lógica tradicional, a qual relaciona os movimentos sociais e o desenvolvimento local. A relação do Ginásio com a Comunidade foi o que permitiu a construção do ideário da Carta de Natal, concebida como perspectiva e referência para a construção de uma proposta de política pública voltada para os bairros das cidades brasileiras, particularmente os de periferia e mais carentes, a partir da qual pode ser verificada a melhoria da qualidade de vida, diminuição da violência urbana e maior participação no cotidiano de cidadania da comunidade.
Palavras-chave: Desenvolvimento Local; Direito à Cidade; Elites Políticas; Movimentos Sociais.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Introdução
Dentro do contexto social e econômico atual, observa-se que, nos últimos anos, o Programa
Bolsa Família do Governo Federal brasileiro produziu uma conjuntura que elevou o padrão de
vida da população, erradicou a fome e a miséria e foi reconhecido pela ONU como um
programa capaz de resolver os problemas estruturais das sociedades subdesenvolvidas, a
despeito da crise do capitalismo no mundo. Em decorrência da distribuição de rendas
promovida, a população atingida elevou seu padrão de vida, passou a participar do mercado
consumidor e, consequentemente, assimilou a expectativa de superar a fase atual de
desenvolvimento, exigindo ações que enfrentem a melhoria da qualidade de vida, por
exemplo, a violência e a mobilidade urbana. A análise desse fenômeno nos indica a
necessidade de associar a melhoria das condições de vida objetivas às questões subjetivas
dos cidadãos por meio de ações e políticas governamentais que tenham as comunidades e o
poder público como protagonistas incontornáveis.
O bairro de Mãe Luiza tornou-se objeto dessa reflexão considerada suas especificidades, que
apresentam elementos que justificam a percepção de que nesse bairro pode ter ocorrido a
produção de um modelo de desenvolvimento que resultou em conquistas sociais, distribuição
equânime da qualidade de vida e cidadã, elevação dos índices que contribuem para uma
melhor habitabilidades, e que advém da arquitetura, do urbanismo e da organização
comunitária, tratados aqui como elementos transformadores de realidades. O bairro está
localizado na cidade de Natal/RN, Brasil, e após alguns anos de intensas discussões e
conquistas comunitárias, em 08 de abril de 2014 recebeu o Ginásio Arena do Morro, que se
caracteriza pela qualidade de projeto arquitetônico e padrão construtivo.
Destaca-se ainda que o histórico de ocupação do bairro pode ser compreendido pela
existência de um Movimento Social organizado, ligado à Igreja Católica e intimamente
apropriado de preceitos da legislação urbanística, que resultou em ações sociais coletivas, de
caráter sociopolítico, advindas da organização da população (Gohn, 2008). Sempre dentro da
perspectiva de agir sob a forma concreta, suas estratégias atingiram um nível de organização
e ação que vai da simples denúncia até às pressões diretas e indiretas. Enfim, o bairro de Mãe
Luíza é compreendido na capital do Estado do Rio Grande do Norte como um bairro que
apresenta um movimento social atuante e, após a instalação do Arena do Morro, revelou que
a presença de tal equipamento comunitário promoveu um amadurecimento qualitativo da
participação que promoveu a qualificação das condições de habitabilidade da localidade,
apontando elementos que indicam a constituição de um modelo de desenvolvimento, cujas
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
diretrizes foram consolidadas em um documento que foi nomeado como A Carta de Natal,
acreditando-se que este poderá ser replicado nos diversos bairros e comunidades de cidades
brasileiras.
Figura 1 – Mapa das Regiões Administrativas do Município de Natal/RN. Fonte: Elaboração do autor
sobre base de mapa disponível em
https://pt.wikipedia.org/wiki/Natal_(Rio_Grande_do_Norte)#/media/File:Mapa_das_zonas_de_Natal_(
RN).png (acesso em 20 de abril de 2016).
A caracterização de um bairro
O bairro de Mãe Luíza fica situado na Região Administrativa Leste da Cidade de Natal, capital
do Rio Grande do Norte, e está constituído por uma população que foi segregada da cidade ao
longo de anos, sendo considerado pelo senso comum das elites locais como um bairro
estigmatizado, favela, local da pobreza e da violência. Embora não apresente grandes
precariedades urbanas, Mãe Luíza se caracteriza por graves e diversos problemas urbanos,
próprios de periferia. Considerado como Área Especial de Interesse Social – AEIS (Natal,
Plano Diretor, 2008), originou-se de assentamentos populares que se consolidaram
informalmente numa topografia acentuada na extremidade do Parque das Dunas e a menos
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de cinco quilômetros do bairro central, a Cidade Alta, que passou a ser conhecida
popularmente como Morro de Mãe Luíza.
.
Figura 2 – Bairro Mãe Luíza, Orla (Bairro de Areia Preta) e Parque das Dunas - Autor da foto: Canindé
Soares Fonte: http://www.csfotojornalismo.net/Natal/i-89Zp5tH/A (Acesso em 22 de abril de 2016)
Por outro lado, trata-se de área muito valorizada pelo mercado imobiliário local, pois fica na
extremidade do Parque das Dunas, principal unidade de preservação/conservação ambiental
da cidade, muito marcante na sua paisagem natural e considerada como a principal paisagem
local, sendo muito cobiçada também pela Indústria do Turismo. Aliás, a paisagem do Parque
das Dunas é vendida como sendo a responsável pela qualidade ambiental da cidade, a qual
apresenta baixos índices de poluição e costuma ser oferecida aos visitantes como o “ar mais
puro do Brasil”.
Administrativamente, o bairro de Mãe Luíza possui uma área territorial de 95,69 hectares e
está limitado pelos bairros de maior poder aquisitivo da cidade: Tirol, Petrópolis e Areia Preta
(Natal, Limite dos Bairros, 2008). Os registros oficiais informam que suas primeiras ocupações
datam do início dos anos 1930 (Araújo, 2005, p.20), tendo se intensificado nos anos de 1940,
período da Segunda Guerra Mundial, quando Natal recebeu contingente de migrantes vindos
do interior do Estado do Rio Grande do Norte (Fernandes, 2000, p.10), que fugiram da seca
e/ou vieram em busca de emprego.
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Figura 3 - Mapa das áreas e bairros da Cidade do Natal (1939-1945). Fonte: Elaboração do autor sobre
base atual da cidade – SEMURB/PMN
O final dos anos 1930 pode ser caracterizado como um momento de aprofundamento e de
consolidação de transformações urbanas significativas na Cidade do Natal. As elites locais
dividiam a cidade em área urbana, suburbana e periferia. Para estas, a área urbana
compreendia os bairros de Cidade Alta e Ribeira, única densamente ocupada; a área
suburbana, os bairros de Tirol e Petrópolis, bairros de ocupação rarefeita, com granjas e
casas espaçadas; e a periferia, composta pelos bairros do Alecrim e Rocas e pelos pequenos
povoados e aglomerações da população de baixa renda, conhecidas como Passo da Pátria,
Quintas, Guarapes. Além dessas áreas, ainda existiam as praias da Redinha e Areia Preta,
local de veraneio das elites locais (Oliveira, 2014).
No contexto da Segunda Guerra Mundial, Natal assumiu um papel de relevância estratégica
para a defesa do Brasil e do Continente Americano, tendo se transformado na principal sede
que abrigou as tropas da aeronáutica norte-americana. A sua posição geográfica foi
considerada como a melhor dentre todas, por se encontrar mais próximo da África e por já
possuir uma infraestrutura básica voltada para a aviação, a qual poderia dar suporte
fundamental às instalações militares a serem instaladas. A infraestrutura física existente era o
Campo de Pouso de Parnamirim, construída ainda no final dos anos 1920 pela empresa aérea
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italiana Latti, para abastecimento das aeronaves após a travessia do Oceano Atlântico, e a
Hidrobase do Refoles, que tinha um funcionamento contínuo para manutenção das
aeronaves, tendo sido construída pela empresa aérea francesa Air France. Ambas, faziam de
Natal ponto de abastecimento e de manutenção de aeronaves, antes de seguir viagem para
seus principais destinos: ao norte, nos Estados Unidos da América, ou ao sul, na Argentina,
ou quando se dirigiam para a Europa. Ou seja, quando a Segunda Guerra Mundial foi
deflagrada, em 1939, Natal já possuía as condições físicas e estruturais que facilitariam,
posteriormente, a instalação da estrutura militar requerida pelos Estados Unidos.
A aviação civil já fizera, por isso, desse ponto no nosso litoral, o seu
principal aeroporto para as comunicações aéreas transoceânicas, aqui
tendo a “Air France” e a “Latti” suas bases de ligação da Europa com a
América do Sul (HIDROBASE..., 1941, p.1) .
Destaca-se que a cidade já era uma referência mundial para a aviação comercial e desportiva,
mas apresentava pequena dimensão populacional e ocupação urbana e, nesse sentido, o
Morro de Mãe Luíza ficava distante do centro urbanizado da cidade.
O crescimento populacional em Natal durante a Segunda Guerra Mundial chegou a superar
100% a população existente. Os Censos oficiais do IBGE registram que entre 1940 e 1950,
Natal passou de uma população de 54.836 para 103.215, respectivamente. A grande
prosperidade advinda dessa circunstância, com diversas obras sendo executadas
diuturnamente, sendo necessária a contratação de grande contingente de operários para a
construção civil.
Premido pela necessidade e urgência de atender aos militares, tanto os militares brasileiros
como os norte-americanos, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte, convocou a
população do interior a se deslocar à Capital para ocupar as vagas disponíveis e atender às
necessidades para a instalação de todas as bases militares planejadas. Nesse acréscimo de
população circunstancial, apenas o contingente militar norte-americanos foi calculado em
torno de 20 mil soldados, equivalente a 36,5% da população residente em 1940.
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Figura 4 – MAPA DO BAIRRO MÃE LUÍZA. Fonte: Natal. Prefeitura Municipal do Natal. Secretaria
Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. Limite dos bairros da cidade do Natal. Natal: Departamento
de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.
No período de 1940 e 1942, foram construídos dois Quartéis do Exército Brasileiro, Base
Naval da Marinha Brasileira e a Base Aérea Norte-Americana de Parnamirim Field. Para o
abastecimento desta última, foram construídos dutos de transporte de combustíveis e estrada
asfaltada entre o Porto de Natal e a localidade de Parnamirim, da intensa atividade de
construção de clubes, residências e outros equipamentos para abrigar e ocupar o contingente
militar. Enfim, foi um período que resultou em melhorias urbanas e definiu a atual configuração
da cidade (Oliveira, 2014).
Por fim, além dos militares e operários, a cidade também recebeu milhares de retirantes,
expulsos de seus sítios e pequenos povoados do interior do Estado pelo prolongado período
de estiagem, pela falta de condições de sobreviver em suas localidades e pela possibilidade
de serem absorvidos pela intensa atividade da construção civil ou como empregados
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domésticos nas residências das elites locais. Parte desse contingente operário e retirantes
instalaram suas moradias no Morro de Mãe Luíza, visto que a cidade formal, reconhecida
administrativamente pela Prefeitura, vivia problemas estruturais com a falta de moradia, de
alimentos, de água e o poder público estabelecia condições rigorosas para manter o ambiente
urbano sob seu controle e da ordem militar.
Posteriormente, nos anos 1960, o bairro Mãe Luiza viveu também outro momento de
incremento populacional, que se deu em decorrência de um novo período de seca e na
década 1970, quando da regulamentação do Projeto Parque das Dunas – Via Costeira,
proposta pelo Governo do Estado (Fernandes, 2000, p.43). Destaca-se que o Parque das
Dunas é uma área do Cordão Dunar que margeia as praias de Ponta Negra, Mãe Luiza e
Areia Preta, e que foi preservada com aproximadamente 8,5 quilômetros, sendo margeada
pela Via Costeira. Sua constituição legal foi determinada pela intervenção direta do poder
público, o qual pretendeu implantar o ordenamento do bairro, atuando na urbanização e na
contenção de novas ocupações. Por sua vez, a população residente, pretendeu, a partir da
intervenção da Prefeitura, garantir o direito de permanecer no local aos seus moradores.
Tanto as obras de urbanização da cidade quanto às ocorridas no
interior do bairro – como calçamento, drenagem, construção de
escadarias, muros de arrimo nas áreas visíveis – diminuíram as
distâncias entre Mãe Luiza e o centro principal e mesmo entre os
espaços dentro da própria localidade (Lima e Bentes, 2013, p. 51).
Posteriormente, segundo Lima e Bentes (2013, p. 52), a capital do Rio Grande do Norte viveu
nas décadas de 1970 e 1980 sob a égide do boom do turismo e dos empreendimentos
imobiliários, com a construção da infraestrutura e o incremento da verticalização. O bairro, por
sua vez e devido à sua localização privilegiada, ficou suscetível à especulação imobiliária.
Ainda segundo essas autoras, nesse período, existiam em Natal mais de 30 favelas, entre
elas o bairro de Mãe Luíza, que concentrava cerca de 2.500 domicílios precários e uma
população de 12 mil habitantes.
A construção de uma Comunidade
Historicamente, os habitantes do bairro de Mãe Luiza caracterizaram-se por terem baixo
poder aquisitivo e de utilizarem de meios informais e irregulares para ter sua moradia, o que
resultou numa ocupação conflituosa e, em geral, irregular. Em dezembro de 1983, foi fundado
o Centro Sócio-Pastoral Nossa Senhora da Conceição, ligado à Igreja Católica, Arquidiocese
de Natal, que, na pessoa do Padre Sabino Gentile, passou a influir na história de organização
comunitária e a fortalecer a cidadania local com diversas atividades, que resultou na paulatina
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construção de uma cidadania bem estruturada e resultou em conquistas de vários
equipamentos comunitários que lhes deram um sentimento de pertencimento ao bairro.
O bairro, então, torna-se evidente no contexto urbano local, por suas lutas pela regularização
fundiária, que pretendiam garantir o direito dos moradores de permanecerem no bairro,
confrontando-se permanentemente com o poder público e especuladores imobiliários.
Figura 4 – Mapa com localização esquemática do bairro de Mãe Luíza em relação à cidade de Natal e
aspectos geral de sua configuração, uso e ocupação do solo. Foto Panorâmica. Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3e_Lu%C3%ADza e
http://assprapmrn.blogspot.com.br/2014/02/mae-luiza-vive-tensao-com-morte-de.html
Os moradores do bairro foram organizados em torno de entidades comunitárias, liderados
pelo Padre Sabino, e contou sempre com a assessoria técnica da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. A organização da comunidade permitiu-lhe, inclusive, atuar em diversas
frentes, como na elaboração do Projeto de Lei No. 4.663 em 31 de julho de 1995, que
regulamentou o bairro como AEIS. Com a lei, o bairro de Mãe Luíza passou a dispor “sobre o
uso e ocupação do solo, limites e prescrições urbanísticas, limitando o tamanho dos lotes em
até 200m² e o gabarito máximo de 7,50m, em qualquer cota original do terreno” (Lima e
Bentes, 2013, p. 52).
As lutas e conquistas são informações significativas porque, ao longo de anos, a população
local foi se apropriando do bairro, construindo uma identidade e progressivamente mudando o
perfil social dos moradores. Trata-se de uma comunidade que se consolidou com 1 a 5
salários mínimos como renda domiciliar (62,13%) – enquanto os bairros vizinhos mais
próximos, de classe média alta, apresentam renda superior a dez salários mínimos.
Segundo Lima e Bentes (2013), a estratégia das lideranças do bairro foi sempre a de priorizar
a organização da população, tornando-se referência local pelos ganhos e pela politização de
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suas lutas, as quais permitiram sua capacitação para enfrentar o mercado imobiliário formal.
Como se trata de um bairro de localização próxima ao centro comercial e ao eixo turístico de
orla marítima de Natal, diversas ações empresariais foram simuladas com o objetivo de
adentrar na área do bairro, porém todas enfrentaram a resistência dos moradores. Com isso,
percebe-se que o bairro manteve uma dinâmica imobiliária própria, respeitando a fragilidade
natural do seu terreno (área de dunas), as relações sociais, culturais e comunitárias, e
consolidando um ordenamento urbano a partir de uma lógica informal de ocupação.
Como resultados do processo de organização dos moradores, o Centro Sócio-Pastoral Nossa
Senhora da Conceição conseguiu, por último, construir o ginásio Arena do Morro, financiada
pela The Ameropa Foundation, cujo projeto de arquitetura foi doação do Escritório Herzog &
De Meuron.
O Estudo de Caso: o Ginásio Arena do Morro e A Carta de Natal
O ginásio Arena do Morro foi inaugurado em abril de 2014 e em pouco tempo ganhou
destaque internacional como um projeto premiado (Archdaily, 2015), adquirindo importância
crescente no cenário local por ser capaz de transformar positivamente a realidade do bairro de
Mãe Luíza. A partir de uma programação intensiva, a comunidade se apropriou do espaço e
participa de sua gestão de forma compartilhada e representativa.
Figura 5 – GINÁSIO ARENA DO MORRO, BAIRRO DE MÃE LUÍZA, NATAL, RN, BRASIL
https://arcoweb.com.br/projetodesign/arquitetura/herzog-meuron-arena-morro-natal (Acesso em 23 de
abril de 2016)
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Após um ano em uso, e superadas algumas dificuldades para pacificação de conflitos entre
moradores, seus efeitos se refletiram na redução dos índices de violência. Nos dados de da
publicação Rastros de Pólvora: metadados 2015 (Hermes et all, 2015), de responsabilidade
da Ordem dos Advogados do Brasil e Centro de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte,
entre outros, mostraram o bairro de Mãe Luíza como destaque dentre as medições de
violência no Estado do Rio Grande do Norte. Sendo considerada até então como uma das
áreas mais violentas da Região Metropolitana de Natal e com os maiores índices de
homicídios, constatou-se que a partir da inauguração do equipamento os índices produzidos
pelo bairro começaram a inverter essa estatística.
“(...) responsável por 38,5% dos homicídios da Zona Leste [de Natal,
Capital do Estado] em 2013, Mãe Luiza responde hoje por 18,7% do
total, uma redução de cerca de 49% do seu peso relativo na sua
região” (Andrade, 2015).
Ou seja, o caráter educativo impresso ao uso do espaço do ginásio produziu o apaziguamento
de diversos conflitos entre grupos de jovens em todo o bairro, o que tem significado a
diminuição da criminalidade e dos homicídios.
Tendo em mãos as primeiras análises a respeito do impacto do equipamento sobre a
comunidade, o Centro Sócio-Pastoral organizou o Seminário Desenvolvimento Local e Direito
à Cidade em 28 de março de 2015, que contou com a presença de 27 (vinte e sete) entidades
comunitárias de diversos bairros da cidade de Natal e resultou na elaboração d’A Carta de
Natal. Tendo como referência a trajetória de construção da proposta comunitária includente e
emancipatória do bairro de Mãe Luíza, pretendeu-se discutir os desdobramentos do uso do
ginásio e as transformações observadas nesta comunidade, podendo estas se tornar
inspiração para todos os representantes ali presentes.
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Figura 6 – Seminário Desenvolvimento Local e Direito à Cidade, reunião entre os representantes das
entidades representadas. Fonte: Video de autoria de Giovana Paiva de Oliveira
https://www.youtube.com/watch?v=45U97h0pZu4
O uso do edifício, apresentado como uma possibilidade de construção de uma nova
perspectiva para o desenvolvimento local permitiu que os diversos representantes de
entidades presentes, construíssem avaliações e identificassem as potencialidades que
poderiam ser transpostas para as suas especificidades. O Seminário pretendeu, desde o
início, tornar-se um facilitador do processo de mobilização da sociedade civil organizada e
para construir e consolidar propostas em um documento, que tornaria público os objetivos
pretendidos pelos movimentos sociais. A discussão também pretendeu dar visibilidade às
reinvindicações e projetos de bairros, comunidades e associações em toda a capital do Rio
Grande do Norte, e transcorreu nas dependências do Ginásio Arena do Morro. O roteiro focou
as questões de desenvolvimento local e direito à cidade e teve por objetivo refletir também
sobre as questões urbanas e comunitárias. Como síntese e resultado do esforço conjunto, foi
elaborado um documento síntese das discussões e propostas para ser entregue às
autoridades do legislativo, executivo, partidos políticos e sociedade civil organizada.
O Seminário Desenvolvimento Local e Direito à Cidade se realizou a partir de quatro eixos de
discussão, quais sejam: Equipamentos Sociais Estratégicos; Orçamentos Públicos; Controle
Social; e Gestão Compartilhada. A partir de algumas exposições iniciais, onde tratou sobre: 1)
a Luta de Mãe Luiza pelo desenvolvimento local; 2) o Direito à Moradia e 3) a Conjuntura
Nacional e Desenvolvimento Local. Após as exposições, os representantes, quase 150
participantes, formaram Grupos de Trabalho por Região Administrativa da cidade e
produziram uma série de anotações e propostas que foram encaminhadas à Relatoria Final.
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Posteriormente, foi realizada uma segunda reunião com representantes dos grupos para
consolidação da Proposta Final, quando se definiu que o documento se chamaria A Carta de
Natal. Esta propõe alternativas ao poder público e à sociedade civil no sentido de construir
formas de suprir as carências objetivas e subjetivas das populações excluídas pela sociedade
e dotar às periferias da cidade de equipamentos comunitários para torná-las mais adequadas
à vida humana, considerando o homem simultaneamente como sujeito e beneficiário das
conquistas do desenvolvimento. As propostas prever as mudanças na relação entre o Estado
e as comunidades pobres, as quais devem se dar por meio: a) da arquitetura, elemento
mediador da superação do atual atraso do contexto social e de precariedades, materializando
fisicamente novo paradigma; b) do urbanismo, ancorado no ideário da reforma urbana
brasileira; e c) da organização comunitária.
Considerações Finais
A partir do Seminário Desenvolvimento Local e Direito à Cidade, os Movimentos Sociais
organizados na cidade de Natal passaram a ter como referência de equipamento comunitário
o Ginásio Arena do Morro, compreendendo-o como elemento paradigmático para
transformação das comunidades da periferia. Além disso, tem sido sistemática a adoção da
proposta síntese (A Carta de Natal) como respaldo de suas reivindicações para melhoria dos
das condições de vida nos bairros.
Destaca-se ainda que A Carta de Natal apresentou elementos norteadores para a elaboração
de uma política pública, que deve se basear em uma nova cultura de relação entre as
comunidades e o seu entorno, a partir dos seguintes conceitos:
I) desenvolvimento local para a qualidade de vida e a emancipação das
comunidades, alicerçado na materialização de uma agenda que sustente uma
nova presença do /estado;
II) direito à cidade, processo que permitiria a apropriação da cidade cada vez mais
acessível, segura e amigável, onde o acesso à cultura, ao esporte e ao lazer se
universalizaria; e
III) equipamentos sociais estratégicos ou conjunto de equipamentos sociais capazes
de materializar oportunidades em múltiplas áreas.
A sua conjugação permitiria a acessibilidade das comunidades a equipamentos comunitários
de naturezas diversas, seja social, assistencial, cultural ou desportiva, assim como de
natureza comunitária e econômica. Diversos equipamentos foram elencados como possíveis
de serem considerados e entre eles: bibliotecas, videotecas e midiatecas; teatros e escolas de
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arte, música e artes; alamedas pedestres e espaços comunitários; ginásios poliesportivos,
clubes e piscinas públicas, centros culturais, casas de idosos ou centros de velório, todos eles
comumente ausentes das comunidades de baixa renda brasileiras.
Os eixos fundamentais d’A Carta de Natal, então, são: a) Planejamento Local Participativo,
Acesso à Cidade e Equipamentos Sociais Estratégicos; b) Financiamento Público dos
Projetos; c) Gestão Compartilhada dos Equipamentos Sociais Estratégicos
(Estado/Comunidades); e d) Controle Social das Políticas e Orçamentos Públicos. E, partindo
do bairro de Mãe Luiza, um dos bairros pobres e carentes de equipamentos comunitários da
cidade de Natal, discutir um novo Modelo de conquistas sociais para uma vida digna e cidadã
a partir da arquitetura, do urbanismo e da organização comunitária, tratados como elementos
transformadores de realidades e da paisagem cultural.
É importante registrar ainda que, atualmente, A Carta de Natal encontra-se em processo de
discussão em alguns bairros de periferia, encaminhado pelas lideranças comunitárias e que
tem resultado em demandas para elaboração de projetos de arquitetura. Entre eles,
destaca-se: o tombamento e mudança de uso do Hotel dos Reis Magos, na Praia do Meio;
uma creche no Km 6, no bairros das Quintas; e uma creche na Comunidade de Salinas, no
bairro da Redinha. A experiência que se encontra em estágio mais avançado é a que está
localizado no Km 6, na qual foi definida a natureza do equipamento em discussão com a
comunidade, uma Creche. A discussão do programa de necessidades previu a inserção de
espaços para uso comunitário voltado para as mulheres (uma lavanderia doméstica, um bazar
e uma mercearia). O terreno pertence ao Núcleo Espírita Irmã Scheylla (NEIS) e seus
proprietários aceitaram a discussão proposta, levando em consideração já desenvolvem seus
trabalhos doutrinários a quase 27 anos naquela localidade. O terreno é próprio, escriturado, e
bem localizado, com vistas para os mangues do Rio Potengi, e está cercado de moradias
consolidadas, de baixo poder aquisitivo. A proposta considera o fato de que o projeto será a
primeira referência de equipamento comunitário a ser construída com recursos nacionais, o
qual impactará a localidade e modificará a paisagem local. O segundo momento do projeto da
Creche do NEIS foi a decisão de tornar pública a proposta por meio da realização de um
concurso de ideias para estudantes de arquitetura e urbanismo, que envolveu o IAB-RN como
promotor, e, atualmente, o projeto de arquitetura está sendo desenvolvido por um projeto de
extensão universitária, envolvendo arquitetos e urbanistas voluntários, professores e
militantes do movimento comunitário da cidade.
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Figura 7 – Divulgação do Seminário e d’A Carta de Natal nos sites Luiz Nassif Online e Observatório
das Metrópoles. Fontes:
http://jornalggn.com.br/blog/ion-de-andrade/a-carta-de-natal-documento-completo e
http://www.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=1174%3Adesen
volvimento-local-e-direito-%C3%A0-cidade-a-carta-de-natal&Itemid=164&lang=pt
Por fim, é perfeitamente possível acreditar que os desdobramentos d’A Carta de Natal
revelam que as comunidades organizadas começaram a discutir junto aos órgãos de gestão
municipal a respeito da necessidade de mudanças consistentes e de um novo direcionamento
nas políticas públicas, que modifiquem a paisagem cultural das periferias das cidades. Mesmo
que de forma incipiente, observa-se que o documento, que contém recomendações e
sugestões às comunidades e ao Poder Público, está sendo considerado nas negociações que
perpassam as relações entre lideranças comunitárias e seus interlocutores estatais. Por outro
lado, ainda, identifica-se que projetos de pesquisas e projetos de extensão universitários
estão acompanhando a experiência e dando assessoria na articulação entre profissionais,
nesse primeiro momento voluntários, para elaboração de projetos de arquitetura que darão
suporte ao discurso e às reivindicações de comunidades de periferias e, consequentemente,
impactar na paisagem cultural das periferias das cidades.
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