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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
ANA CARINA FREIRE BARBOSA
POLÍTICA PÚBLICA PARA A EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NA BAHIA: O PLANO DE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Salvador
2010
ANA CARINA FREIRE BARBOSA
POLÍTICA PÚBLICA PARA A EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NA BAHIA: O PLANO DE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Dissertação apresentada para apreciação da Banca Examinadora como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, elaborada sob a orientação da Profª. Dra. Sara Mharta Dick, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação/UFBA
Salvador 2010
B238 Barbosa, Ana Carina Freire Barbosa.
Política pública para a educação profissional na Bahia: o plano de educação profissional / Ana Carina Freire Barbosa. – Salvador, 2011.
164. : il.; 30 cm. Orientador: Dra. Dra. Sara Mharta Dick
Dissertação (Mestrado em Educação, Sociedade e Práxis Pedagógica)
- Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, 2011.
1. Educação 2. Educação profissional. 3. Política pública. 4. Educação para o trabalho I. Universidade Federal da Bahia II. Dick, Sara Mharta. III. Título.
CDU : 37.02
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Lucidalva Ribeiro Gonçalves Pinheiro – CRB5/1161.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Banca Examinadora:
_________________________________________
Profª Dra. Sara Martha Dick – UFBA (orientadora)
_________________________________________ Profª Drª Maria Regina Antoniazzi – UFBA
__________________________________________
Profª Drª Ronalda Barreto Silva – UNEB
Salvador
2010
Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina (Paulo Freire).
Ao Supremo Criador, que mesmo sendo grande se fez pequeno para que eu pudesse compreender a extensão de seu amor. Obrigada Querido Senhor por dar sentido à minha vida!
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos...
À Professora Drª Sara Martha Dick pelo diálogo travado nas constantes orientações e
pelas pertinentes sugestões, além da leveza de espírito que só uma alma generosa como a sua
transmite.
À Professora Drª Regina Antoniazzi pelas fervorosas discussões na área de Educação e
Trabalho que empolgam e encantam os que ainda acreditam num sistema social mais justo. E
também por compartilhar seu saber com os estudantes aprendizes como eu.
À Professora Drª Ronalda Barreto pelo pronto atendimento em participar da banca.
Ao Professor Drº Walney Moraes Sarmento, que é meu cunhado, pela disponibilidade
generosa, sempre me orientando e acolhendo. Suas orientações foram fundamentais para
minha carreira como pesquisadora.
À minha querida mãe pelo constante incentivo e por acreditar no sucesso por vir.
À minha irmã Anna Christina pelo seu exemplo de determinação em sempre continuar
pesquisando, pois após concluir dois mestrados: um em Economia e outro em Sociologia,
agora segue como doutoranda da Universidade Federal do Rio do Grande do Norte.
À minha irmã Lúcia Helena pelas confidências que só uma pesquisadora iniciante
(como nós) pode entender, assim como pela detida paciência.
Aos meus irmãos Núbia e Maurício por me de darem a certeza de que há um lugar de
pertencimento para onde sempre voltamos após as lutas travadas.
Aos meus sobrinhos por serem a geração que promete ser melhor que a de agora, o que
me dá esperança num futuro melhor.
Aos meus pastores e amigos por entenderem as contínuas ausências e os “furos” nos
compromissos marcados, além de serem tão generosos no trato e acolhedores no cuidado.
E por fim agradeço, ao meu querido esposo Sandro por tornar mais alegres os meus dias
enchendo-os de riso, por ser um companheiro leal e amoroso, além do apoio sempre
carinhoso.
RESUMO
A pesquisa estudou a emergência de uma política pública para a Educação Profissional
de nível Médio na Bahia, tomando como marco o Decreto 5.154/04. A proposição dessa
política para a Educação Profissional está contida no Plano de Educação Profissional da
Bahia, elaborado no ano de 2008 pela Superintendência de Educação Profissional (Suprof),
que também foi recentemente criada no final do ano de 2007 O Plano e a legislação criada
para lhe dar sustentação – já que boa parte dos Decretos e Portarias, são promulgados após a
implantação do Plano – são os documentos centrais utilizados na dissertação. Esta é, pois,
uma pesquisa qualitativa de cunho documental, sendo que este tipo de pesquisa é fundamental
para a compreensão e questionamento das fontes oficiais, já que estas não contendo verdades
absolutas, são passíveis de serem analisadas e indagadas. Buscou-se refletir sobre as
concepções de escola e sociedade que alicerçam o Plano, já que se compreende que toda
legislação carrega os interesses e as intencionalidades dos grupos que participam de sua
elaboração. Sabendo da característica dual porque atravessa o Ensino Médio no Brasil, que é
o cerne da fragmentação e desqualificação da Educação Profissional, investigou-se em que
medida as ações propostas no Plano objetivam à superação dessa dicotomia escolar. Ou seja,
até que ponto caminha-se para a implantação de um sistema de ensino estadual na Bahia sob a
perspectiva de um ensino politécnico.
Palavras-chave: Educação Profissional, Ensino Médio integrado, políticas públicas,
legislação, formação dos trabalhadores.
ABSTRACT
This research has studied the needs of public politics to the High School Professional
Education in Bahia, published on Decree 5.154/04. The proposition of this policy to the
Professional Education is enclosed on Professional Education Plan of Bahia, elaborated in
2008, by the Superintendence of Professional Education (Suprof), which was recently
established in the end of 2007. The Plan and the Legislation created to give support – most of
the Governmental Decrees are published after the implementation of the Plan – are the central
documents used in the article. This is, therefore, a qualitative research of documental type,
because this kind of research is essential to the comprehension and questioning of the official
sources, once there is no absolute truth in these sources and they can be analyzed and
questioned. It was necessary to reflect upon the conception of school and society in which the
Plan is based, since it includes all the legislation that bears on the interests and intentions of
groups involved in its preparation. Being aware of the dual characteristics which is faced by
the high school in Brazil, that is the core of fragmentation and disqualification of the
Professional Education, it was investigated the extents and actions proposed in the Plan
aiming the overcoming of this scholastic dichotomy. This is, how far is needed to walk to the
implantation of an educational system in Bahia from the perspective of a polytechnic
teaching.
Key-words: Professional Education, integrated High School, public politics, legislation,
workers training.
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
TABELAS
TABELA I
Evolução do crescimento da população total, da população ativa e da população empregada na indústria entre 1940 e 1970
Tabela II
Taxa de crescimento do Ensino Profissional de nível Técnico na Bahia entre os anos de 2003 a 2009 tomando com referência o ano de 2003
Tabela III
Comparativo entre os números de alunos matriculados no Ensino Médio e na Educação Profissional nível Técnico na Bahia entre os anos de 2005 a 2009
Tabela IV
Percentual de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico na Bahia por esfera administrativa
Tabela V
Comparativo de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico na esfera estadual na Bahia
Tabela VI
Comparativo de matrículas no Ensino Médio e da Educação Profissional integrada ao Médio na esfera Estadual na Bahia
GRÁFICOS
Gráfico I Gráfico da oferta de Ensino Médio no Brasil
Gráfico II
Gráfico da oferta da Educação Profissional de nível Técnico no Brasil
Gráfico III Comparativo de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de nível Técnico na esfera estadual (Bahia)
Gráfico IV Matrículas do Ensino Profissional integrado ao Médio em relação ao Ensino Médio na Bahia (esfera estadual)
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BIRD
CEEP
DEP
DET
DITEC
DPPE
DEB
FAT
FHC
FMI
FUNDEB
FUNDEF
IDORT
INEP
LDB
MEC
MTE
PLANFOR
PPA/BA
PNQ
PROJOVEM
PRONERA
REDA
SEED
SEFOR
SFC/CGU
SEMTEC
SENETE
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
Centro Estadual de Educação Profissional
Departamento de Educação Profissional
Departamento de Educação e Trabalho
Diretoria de Tecnologia Educacional
Diretoria de Políticas Educacionais
Departamento de Educação Básica
Fundo de Amparo ao Trabalhador
Fernando Henrique Cardoso
Fundo Monetário Internacional
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
Instituto de Organização Racional do Trabalho
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Ministério da Educação e Cultura
Ministério do Trabalho e Emprego
Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
Plano Plurianual da Bahia
Plano Nacional de Qualificação
Programa Nacional de Inclusão de Jovens
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
Regime Especial de Direito Administrativo
Secretaria de Estado da Educação do Paraná
Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional
Secretaria Federal de Controle da Corregedoria-Geral da União
Secretaria da Educação Média e Tecnológica
Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico
SENAC
SENAI
SENAR
SENAT
SENTEC
SESC
SESI
SEST
SETEC
SUPROF
SUED
TCU
UFBA
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
Secretaria de Ensino Técnico
Serviço Social do Comércio
Serviço Social da Indústria
Serviço Social do Transporte
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Superintendência de Educação Profissional
Superintendência da Educação
Tribunal de Contas da União
Universidade Federal da Bahia
SUMÁRIO
Resumo/ Abstract 08
Lista de tabelas 10
Lista de Abreviaturas e Siglas 11
INTRODUÇÃO 15
CAPÍTULO 01
As bases para a formulação das reformas
educacionais brasileiras a “pretensa” formação dos trabalhadores
22
1.1 – O liberalismo: matriz conceitual da sociedade de classes 26
1.2 – O contexto de implantação do fordismo 30
1.2.1 – O fordismo no Brasil: a Teoria do Capital Humano
na educação dos trabalhadores
34
1.3 – O neoliberalismo e a emergência da Pedagogia das Competências 43
CAPÍTULO 02
A trajetória da Educação Profissional no Brasil
2.1 – UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA 51
2.1.1 – No Império uma pirâmide invertida 51
2.1.2 – Primeira República: para cada classe social uma escola diferente 53
2.1.3 – A Era Vargas e as Leis Orgânicas do Ensino 54
2.1.4 – LDB 4.024/61: a convergência dos embates entre os publicistas
e os privatistas num projeto dual – a expansão do Sistema S
57
2.1.5 – A reforma de 1º e 2º graus, a primeira iniciativa de uma escola unitária 59
2.1.6 – Os números do Ensino Profissional e a filosofia subjacente ao
crescimento da rede de ensino – décadas de 30 a 70
62
2.2 – AS REFORMAS EDUCACIONAIS NO FINAL DO SÉCULO XX e INÍCIO
DO SÉCULO XXI
2.2.1 – Contexto de implantação da nova Lei da Educação:
LDB 9.394/96 e o lugar da Educação Profissional
64
2.2.2 – O Decreto 2.208/97: coibindo a integração 72
2.2.3 – O Decreto 5.154/04: uma nova possibilidade para a integração 78
2.2.4 – A reforma da Educação Profissional e a Bahia 85
CAPÍTULO 03
As demandas para a formação dos trabalhadores sob
a lógica do capital a partir dos anos 90
90
CAPÍTULO 04
O Ensino Profissional na Bahia
4.1 – O contexto de implantação das políticas públicas na Bahia 103
4. 2 – O Plano da Educação Profissional da Bahia 120
4.2.1 – A trajetória de elaboração do Plano da Educação
Profissional da Bahia
120
4.2.2 – As categorias conceituais presentes no Plano de Educação
Profissional da Bahia
123
4.2.2.1 – Um só Plano: três versões e “algumas” divergências conceituais 123
4.2.2.2 – O princípio educativo do trabalho versus A Pedagogia
do Trabalho
125
4.2.2.3 – A relação entre ciência e trabalho 130
4.2.2.4 – Matriz curricular ou proposta pedagógica? 134
4.2.2.5 – A formação de professores 138
4.2.2.6 – Discutindo a implantação de um Sistema nacional de ensino:
o lugar do ensino politécnico
139
4.2.2.7 – A concepção de escola é construída historicamente 145
4.2.2.8 – A emergência de uma escola unitária ou politécnica 149
4.2.2.9 – A polivalência e o ensino por competências 153
4.2.2.10 – Que reestruturação está se propondo para a
rede de ensino estadual?
157
5.0 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 159
6.0 – FONTES DOCUMENTAIS
7.0 – REFERÊNCIAS
ANEXOS
162
164
15
INTRODUÇÃO
O presente estudo nasceu das inquietações – enquanto docente (da disciplina História
da Educação no curso de Pedagogia) e como discente (da disciplina História e Educação
como aluna especial no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia –
UFBA) – referentes às contradições presentes na história da educação brasileira. As reflexões
desenvolvidas na minha prática pedagógica e alargadas pelas discussões no mestrado
contribuíram para a compreensão de que a educação brasileira tem se caracterizado, desde
seus primórdios, por ser uma pirâmide invertida. A organização da rede escolar, ao contrário
do que se pode imaginar, não iniciou pelo Ensino Fundamental e Médio, mas sim pelos mais
elevados níveis de ensino.
Para Kuenzer o Ensino Médio tem sua origem numa estrutura de ensino dual, já que,
sempre funcionaram no Brasil duas redes de ensino paralelas. De um lado o ensino
propedêutico e de outro o ensino de preparação para o trabalho, o qual historicamente tem
sido considerado de menor qualificação, uma vez que no Brasil escravocrata o trabalho
manual era visto como um trabalho desqualificado (MANFREDI, 2002, p. 71).
Assim é que já se tem demonstrado ser a dualidade estrutural [grifo nosso] a categoria explicativa da constituição do Ensino Médio e Profissional no Brasil, já que, desde o surgimento da primeira iniciativa estatal nessa área, até o presente, sempre se constituíram duas redes, uma profissional e outra de educação geral, para atender às necessidades socialmente definidas pela divisão social e técnica do trabalho (KUENZER, 2009, p. 26).
Entendendo a situação de dicotomia porque passa o ensino brasileiro, compreendeu-se
como salutar dar continuidade às discussões travadas sobre esse assunto tão recorrente, mas
de difícil solução.
Constatou-se através das análises empreendidas que essa dualidade na educação
intensifica-se no Ensino Médio uma vez que este abriga o cerne da educação para o trabalho
já que este nível de ensino tem a incumbência, de acordo com a orientação da última LDB,
Lei 9.394/96, de formar os jovens brasileiros em futuros trabalhadores. Machado (1991, p.
33) afirma que o Ensino Médio é o ponto nevrálgico das reformas de ensino já que os
conceitos que o definem são polissêmicos dada a dificuldade de defini-lo. Para ela neste nível
de ensino reside um nó, no centro da contradição, pois ao passo que assume o caráter de ser
profissionalizante e também propedêutico não tem conseguido realizar com eficiência
nenhuma dessas tarefas.
16
Dessa maneira, embora a atenção das autoridades tenha se voltado para esse nível de
ensino na atualidade com as reformas do Ensino Profissional, ainda não se conseguiu um
avanço significativo no sentido de superar a dualidade sobre a qual está estruturado o Ensino
Médio e, por conseguinte a Educação Profissional, já que estão imbricados.
Assim, há uma crescente preocupação de se alavancar o Ensino Profissional, sendo
que este ramo do conhecimento tem sido foco das principais políticas do governo federal.
O Ministério da Educação está impulsionando a educação profissional ao aumentar a aplicação de investimentos e ampliar as matrículas na rede federal. É a segunda vez, desde 1909, que o governo impulsiona a educação profissional no País. A primeira foi durante o período da ditadura militar, no final da década de 60, quando os ensinos médio e técnico foram integrados, a partir de 1971 (NERY, 2008, p. 01).
Essa tendência ocorre tanto na esfera federal como na estadual, pois os governos
estaduais demonstram uma preocupação com esse assunto. No caso da Bahia, que é o Estado
onde está inserida a pesquisa, os investimentos estatais despendidos têm sido consideráveis e
o crescimento dos cursos chega a cinco vezes mais nesses últimos anos. Sendo que há uma
forte tendência de crescimento, pois
A meta é atingir 70 mil vagas em ensino médio profissionalizante até 2011 – no início da gestão havia apenas 4.016 vagas. Para essa expansão, a intenção é também atingir os 26 territórios de identidade, pelo menos 104 municípios, alcançando um total de 140 unidades escolares voltadas para esta modalidade de ensino (JORNAL DA MÍDIA, nov. 2008).
Como pode ser visualizado há uma forte perspectiva de incrementar a Educação
Profissional – sendo este um dos carros-chefe das políticas estatais – assim, essa modalidade
de ensino ganha uma substancial visibilidade.
A materialização dos esforços de expansão da Educação Profissional no Estado da
Bahia corresponde ao Plano de Educação Profissional da Bahia sendo uma de suas principais
políticas públicas na atualidade. Entendendo a importância dessa política pública para a
Educação Profissional constituiu-se como foco da pesquisa compreender quais as concepções
de sociedade e escola embasam o Plano e suas implicações para o tipo de indivíduo/
trabalhador que se pretende formar. Sendo objetivo central da pesquisa investigar em que
medida as ações elencadas no Plano de Educação Profissional da Bahia propõem a
constituição de um sistema de ensino integrado com abrangência no território estadual. Para
realizar a pesquisa elegeu-se como objetivos complementares a reflexão sobre o modo como o
Plano se adequou à Reforma da Educação Profissional implementada pelo Decreto 5.154/04.
17
Além de investigar sobre os encaminhamentos para a implantação de uma rede de Educação
Profissional frente à constituição de um Sistema Estadual de Educação Básica pautada nos
aspectos científicos, tecnológicos e de preparação para o mundo do trabalho. Analisou-se
ainda a legislação formulada para embasar o Plano de Educação Profissional da Bahia tanto
no seu aspecto normativo bem como ideológico.
Como recorte para o estudo estabeleceu-se o período compreendido entre os anos de
2004 a 2009. O ano de 2004 se justifica uma vez que ali ocorre a Reforma do Ensino
Profissional mediante a promulgação do Decreto 5.154/04, já o ano de 2009 corresponde à
expansão da rede estadual de Educação Profissional na Bahia, inclusive como a promulgação
de vários decretos e portarias no âmbito do Estado.
A legislação promulgada para a Educação Profissional na Bahia no período citado,
bem como o Plano de Educação Profissional foram utilizados como documentos centrais da
pesquisa, acrescida da pesquisa bibliográfica e de dados percentuais colhidos em órgãos
nacionais e na Superintendência de Educação Profissional da Bahia (Suprof).
Contudo, é importante ressaltar que os dados do Ensino Profissional disponibilizados
pela Suprof dizem respeito somente ao ano de 2010, sendo que a tabulação destes dados foi
realizada por esta Superintendência em virtude de solicitação, já que para a realização desta
pesquisa demandava-se a utilização de tais informações. Quanto aos dados dos anos anteriores
foi informado pela Suprof que esta não dispunha das informações solicitadas, assim como não
poderia precisar que outro Setor da Secretaria de Educação dispunha de tais informações.
Desse modo, utilizou-se como referência para auferir o percentual de crescimento da rede de
Educação Profissional os dados do Censo Escolar, em pesquisa realizada pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Tal situação dificultou
a análise dos dados de crescimento percentual da Educação Profissional na Bahia, sendo que
nas análises realizadas pela própria Superintendência em seu blog, quando é citada a expansão
da rede de Educação Profissional, não é citada a fonte da pesquisa. Por conta dessa situação, e
para conferir a maior legitimidade nas informações dispostas na pesquisa optou-se por utilizar
os dados do Inep, já que é uma fonte nacional oficial. Quando foram utilizados os dados da
Suprof foi a nível de comparação com os dados do Inep.
Diante desse cenário, percebe-se ser salutar estudar esses documentos (Plano de
Educação Profissional da Bahia e legislação pertinente – além dos dados de crescimento da
rede), pois neles estão contidas as políticas educacionais que definirão os rumos da educação
dos trabalhadores e dos jovens aspirantes ao trabalho. Nessa perspectiva, entende-se, segundo
Souza (2003, p. 13), que as políticas públicas traduzem os propósitos defendidos pelos
18
governos em programas e ações, que produzirão resultados ou mudanças desejadas no mundo
real, desse modo são a materialização do que está estabelecido na legislação, sendo que estas
personificam tanto o espírito normativo como a ideologia sobre a qual está alicerçado o
Estado. Os projetos educacionais traçados nas políticas públicas fazem parte do planejamento
estratégico dos governos, sendo é claro que as metas propostas refletem a visão de sociedade
que possuem os dirigentes.
Atentando para este caráter ideológico analisou-se sob que perspectivas foram traçadas
as ações do Plano de Educação Profissional da Bahia, que concepções de ensino e quais
finalidades visam atender, já que se constitui na principal política pública do Estado para a
Educação Profissional na atualidade.
Isso porque se sabe que o ideal de educação e trabalho que uma sociedade possui não
emerge de modo inato, mas todo pressuposto formulado tem uma raiz histórica, mediante o
que foi empreendido um estudo com um olhar retrospectivo e analítico. Buscou-se extrair os
elementos presentes na história da Educação Profissional, no seu contexto mais amplo, no
intuito de compreender suas implicações para o Plano de Educação Profissional da Bahia, já
que a história apresenta a recorrência de fatos que se inter-relacionam. O estudo da legislação
e dos documentos ganha sentido, quando se entende que estes foram construídos social e
historicamente. Segundo Blanck Miguel
A valorização do formal, do estabelecido enquanto oficial e traduzido na legislação escolar, ganha significado quando este é contextualizado e relativizado. Identificam-se então a organização e as peculiaridades da sociedade na qual está, naquele momento, inserido o sistema escolar ao qual a legislação se refere (BLANCK MIGUEL, 2004, p. 114).
O pesquisador precisa analisar as entrelinhas, o não dito, sabendo que os documentos
oficiais não são fonte de verdade absoluta, pois em sua formulação perpassa-se uma série de
fatores que irão contribuir para determinar as intencionalidades dos grupos sociais que
participaram desse processo.
Desse modo esta pode ser classificada como uma pesquisa qualitativa de cunho
documental sabendo que “a análise documental constitui numa técnica importante na pesquisa
qualitativa, seja complementando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando
aspectos novos de um tema ou problema” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38). A importância
desse tipo de pesquisa se dá no sentido de compreender que o que está preconizado na
legislação deve ser questionado já que carrega no seu bojo as disputas sociais decorrentes de
seu processo de elaboração. Assim, pode-se perceber que “as fontes documentais muitas
19
vezes trazem informações demonstrativas das contradições que permeiam as atitudes oficiais”
(BLANCK MIGUEL, 2004, p. 115).
Essa análise da legislação referente à Educação Profissional na Bahia foi procedida
sem perder de vista que a dualidade estrutural tem sido um problema recorrente para o Ensino
Médio no Brasil, sendo esta situação explicativa da situação de desigualdade na oferta da
Educação Profissional na maior parte dos estados brasileiros, assim buscou-se investigar em
que medida a Bahia propõe a superação dessa dicotomia através das ações elencadas no Plano
de Educação Profissional da Bahia. Dessa maneira, investigou-se em que medida o Plano de
Educação Profissional da Bahia propõe a constituição de um sistema estadual de educação
numa perspectiva politécnica com vistas à formação integral do indivíduo.
Partindo desta problemática utilizaram-se como premissas de investigação as ideias de
que:
Embora o Plano de Educação Profissional proponha a implantação de uma política
pública para a Educação Profissional, as ações ali propostas não expressam a
perspectiva de consolidação de um sistema de ensino integrado de nível médio para
todo o Estado baiano;
Diante disso é possível afirmar que a não proposição de um sistema de ensino
integrado com abrangência em todo o território estadual, revela que as ações propostas
no Plano se submetem a uma lógica mercadológica.
Quando se expõe sobre a utilização do termo premissas, na realidade acredita-se que
estas são hipóteses de trabalho. As hipóteses se constituem numa espécie da consciência
reflexiva do pesquisador, que o faz analisar as possíveis soluções para as problemáticas
levantadas. O desejo de “comprovar” as premissas formuladas lhe possibilitará organizar seu
pensamento, desse modo pode-se afirmar que são múltiplas as finalidades das hipóteses na
condução da pesquisa.
Elas cumprem simultaneamente os papéis norteador (servindo de guias à investigação), delimitador (recortando mais o objeto da investigação) e interpretativo (propondo soluções provisórias para um problema). Mas, além disso, as hipóteses ainda desempenham dentro de um trabalho científico específico uma importante função argumentativa (BARROS, 2005, p. 144-145).
É interessante pontuar que as hipóteses aplicadas às ciências sociais e mais
especificamente ao campo da história não podem ser comprovadas por meio de experimentos
ou mesmo vir a expressar a imperiosidade de uma verdade acabada. Assim,
20
As hipóteses propostas pela história não levam a “uma evidência que se impõe” como nas ciências experimentais. Elas permanecem ao nível da congruência em relação aos dados e à própria análise elaborada, mas não chegam ao nível de alto grau de comprovação que se torna possível em algumas ciências naturais e exatas (ibid., p. 154).
Desse modo, as premissas formuladas serviram de diretrizes para orientar o processo
de pesquisa, cumprindo o papel de guia à contínua reflexão durante os passos percorridos na
investigação.
Assumindo ainda uma postura crítica e sabendo que as concepções ideológicas
gestadas no sistema econômico têm forte influência na natureza de formação do trabalhador
no primeiro capítulo se discutiu sobre a organização social e econômica e seus determinantes
para a educação dos trabalhadores. Pode-se perceber que a educação tem sido utilizada como
instrumento para conformar os ideais das elites dominantes, diante do que é forçoso dizer que
a transformação do processo produtivo diante da reconfiguração do capital impõe a adequação
da educação à esfera meramente econômica.
A fim de compreender como tem sido contemplada a formação para o trabalho em
nossa história, no segundo capítulo se historiou sobre a trajetória da Educação Profissional
desde o Império até a atualidade a fim de compreender o espírito das reformas legislativas.
Para tanto, demonstrou-se sob que perspectiva se delineou a escola dual no Brasil e a que
classes visava atender. Embora, várias tenham sido as reformas empreendidas na legislação –
nos primórdios (Brasil Imperial), na década de 30 com as leis orgânicas, na década de 70 com
a profissionalização do ensino de 1º e 2º graus, e mais atualmente com a reforma do Ensino
Profissional com o Decreto 5.154/04 – ainda não se visualizou transformações que pudessem
romper com essa escola dicotômica.
Desse modo, no terceiro capítulo se discutiu sobre quais as demandas para a
formação dos trabalhadores no Brasil a partir das necessidades do capital. Sabendo-se que
essas exigências são em parte fruto dos acordos com os Organismos Internacionais, diante do
que se exige a necessidade do Brasil acatar às suas prescrições. É importante, contudo
clarificar que esses acordos não são impostos, mas são realizados pelo desejo dos países que
traçam suas políticas públicas mediante as concepções de vida e sociedade que possuem.
Como o foco da pesquisa são as reformas atuais a ênfase da discussão se dá a partir
dos anos 90 quando é promulgada a LDB 9.394/96 que prevê uma Educação Profissional
numa perspectiva de unicidade entre conhecimentos científicos, tecnológicos e de preparação
para o trabalho, o que veio a ser descaracterizado com as reformas legislativas posteriores
21
(Decreto 2.208/97 e Decreto 5.154/04). A atualidade é enfocada, sem, contudo desprezar o
passado histórico, pois é ele que nos dará pistas sobre o estado atual das coisas.
No quarto capítulo, à luz das categorias de uma escola unitária analisou-se o Plano de
Educação Profissional da Bahia, buscando extrair os elementos conceituais e ideológicos que
embasam essa política. Considerando a perspectiva dos teóricos emancipacionistas que
propuseram uma educação para a formação omnilateral do indivíduo, discutiu-se como está
colocada no Plano a implantação de um Sistema Nacional de Educação Básica mediante a
ideia de uma educação politécnica. Utilizou-se as principais categorias conceituais presentes
no Plano como fios condutores do debate em torno dos temas centrais da Educação
Profissional, e à medida que a discussão merecia um maior destaque foram sendo
introduzidos sub-títulos para dar maior visibilidade ao assunto tratado. Concluiu-se o texto
com as Considerações Finais, onde se refletiu de um modo geral sobre as intencionalidades
implícitas no Plano de Educação Profissional da Bahia para a constituição de um Sistema de
Ensino onde se integre o Ensino Médio à Educação Profissional.
A pesquisa objetivou acrescentar uma contribuição na discussão sobre o Ensino
Profissional apontando o posicionamento do Estado da Bahia face à reforma da Educação
Profissional promovida pelo Decreto 5.154/04. Refletiu-se sobre as possibilidades e limites de
constituição de uma rede de ensino integrado a partir do que está proposto no Plano de
Educação Profissional da Bahia. Desse modo, buscou-se compreender as categorias
conceituais propostas no Plano a fim de apreender as concepções ideológicas nele abrigadas.
22
CAPÍTULO 1
As bases para a formulação das reformas educacionais brasileiras: a “pretensa”
formação dos trabalhadores
O elemento primordial para qualquer estudo de análise legislativa é a compreensão de
que a organização da legislação sofre as determinações a que está submetida à própria
sociedade. Desse modo, o processo de elaboração da legislação educacional no Brasil e,
principalmente aquela referente à Educação Profissional, tem se dado de modo tumultuado,
estanque e descontínuo, sendo que essa característica não se esgota no plano normativo,
contudo esta é fruto das próprias contradições sociais que possuem raízes históricas.
Assim quando no capítulo dois é demonstrada a trajetória da Educação Profissional no
Brasil e as várias mudanças ocorridas até a promulgação do Decreto 5.154/04, é justamente
para que não se perca de vista que a atualidade traz consigo os elementos constitutivos do
passado histórico, seja para superação destes ou para a sua corroboração. Assim, se poderá
compreender que não é possível obter uma solução imediata e simplista para a Educação
Profissional somente com a formulação de uma lei ou política pública. Nenhum instrumento
normativo por mais bem estruturado que seja – ainda mais que no caso do decreto 5.154/04
em que apresenta uma série de brechas – poderá promover uma transformação instantânea da
realidade educacional.
Mediante os elementos constitutivos de nossa história pode-se compreender que as
incongruências presentes no Decreto 5.154/04 não foram gestadas da noite para o dia e nem
apenas no ano de 2004 com a sua promulgação. O seu processo de elaboração, embora não do
ponto de vista formal, mas ideologicamente falando, tem sido gestado nas bases do
capitalismo que é o regime econômico que domina praticamente o mundo inteiro. Aí é que
mesmo diante da reforma da Educação Profissional ainda não se possibilitou a
democratização com equidade de um Ensino Profissionalizante com uma verdadeira
qualidade educativa.
O fracasso de promoção de mudanças na sociedade por meio de reformas educacionais
é brilhantemente explicada por Mészáros (2005, p. 26) devido ao fato de que essas reformas
são reconciliadas com o ponto vista do capital, sendo que as determinações fundamentais do
sistema do capital são irreformáveis. Assim o autor aponta que “é necessário romper com a
lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional
significativamente diferente” (ibid., p. 27).
23
Uma vez que se vivencia um modelo econômico que conforma uma série de
desigualdades para sobreviver, indubitavelmente esse mesmo sistema irá, por conseguinte,
influenciar diretamente nas várias esferas sociais seja na educação, na saúde, na política, na
cultura. Nesse aspecto Saviani (2007, p. 155) sinaliza que a categoria explicativa dessa
desigualdade social é o trabalho, pois com o advento da iniciativa privada ocorre a sua divisão
social e técnica.
Inicialmente, quando os homens produziam coletivamente a educação se dava durante
o próprio processo de desenvolvimento do trabalho, estes eram elementos umbilicalmente
ligados. Com a divisão social do trabalho passou a coexistir diferentes tipos de educação já
que houve uma divisão nos tipos de atividades exercidas, as manuais e as intelectuais. Isso
com o fim de atender às diferentes classes sociais, visando à reprodução do sistema
econômico e a manutenção do status quo.
É aí que as classes dominantes têm lutado para descaracterizar a natureza ontológica e
ontocriativa do trabalho (ibid., p. 153) reduzindo-o apenas à esfera econômica. Contudo, o
trabalho na sua totalidade é elemento basilar da espécie humana, sendo inerente à sua
sobrevivência, pois sem trabalhar o homem perde sua razão de existir no mundo, já que é
através do trabalho que expressa sua humanidade ao se relacionar com a natureza da qual faz
parte. Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos com o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico (SAVIANI, 2007, p. 154).
É preciso, pois ficar claro que essa sobrevivência não é simplesmente do ponto de
vista meramente econômico, mas diz respeito às possibilidades de criação e recriação que
possibilitam a completude do homem e por isso a garantia da preservação de suas
características intrínsecas.
Por isso o mesmo não se reduz à atividade laborativa ou emprego, mas à produção de todas as dimensões da vida humana. Na sua dimensão mais crucial ele aparece como atividade que responde à produção dos elementos necessários e imperativos à vida biológica dos seres humanos enquanto seres ou animais evoluídos da natureza. Concomitantemente, porém, responde às necessidades de sua vida cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva. Trata-se de necessidades, ambas, que por serem históricas, assumem especificidades no tempo e no espaço (FRIGOTTO, 2005, p. 58-59).
24
O desenvolvimento do trabalho garante ao homem a preservação de sua essência, de
modo que, quando se nega ao homem o desenvolvimento de sua atividade laborativa está
sendo negada a sua capacidade criadora e criativa.
É a partir desta elementar constatação que percebemos a centralidade do trabalho como práxis que possibilita criar e recriar, não apenas no plano econômico, mas no âmbito da arte e da cultura, linguagem e símbolos, o mundo humano como respostas às suas múltiplas e históricas necessidades (FRIGOTTO, 2005, p. 60).
Desse modo, podemos dizer que o homem não nasce homem, mas ele se “humaniza”
na medida em que interage com a natureza, na medida em que aprende a lidar e se colocar nas
relações sociais. Ao agir sobre a natureza aprende paulatinamente como gerir o processo de
produção ao entrar em contato com o mundo através da experiência. Pode-se dizer então que
o homem se “forma”, se educa no instante em que realiza sua atividade laborativa, na medida
em que trabalha. Assim, pode-se dizer que
(...) No ponto de partida a relação entre trabalho e educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens educavam-se e educavam as novas gerações. A produção da existência implica o desenvolvimento de formas e conteúdos cuja validade é estabelecida pela experiência, o que configura um verdadeiro processo de aprendizagem (SAVIANI, 2007, p. 154).
Diferente desse caráter de educação omnilaleral que deveria ser desenvolvida
mediante a compreensão da totalidade do processo do trabalho, tem-se uma dualidade
educativa a qual objetiva dar sustentação ao sistema econômico igualmente desigual.
Educação manual e fragmentada para os que exercerão atividades procedimentais e, educação
intelectual para as funções de liderança. Assim, o sistema capitalista descaracteriza a natureza
criadora do homem explorando sua força de trabalho reduzindo a função social do trabalho à
esfera econômica o que acarretará na adequação técnica, social e ideológica da educação à
divisão de classes.
Mesmo diante de sua hegemonia econômica e ideológica, não há como conter as crises
desse sistema que são previsíveis, pois as suas bases estão consolidadas na exclusão social.
Por isso mesmo, tendo essa característica altamente excludente, o capitalismo entra em
saturação quando não consegue fazer circular o excedente de mercadorias. Assim, diante das
crises econômicas do capitalismo, os capitalistas têm buscado justificativas propondo sempre
uma reorganização no processo produtivo a fim de poder continuar a acumular o capital.
25
No entanto, Mészáros aponta que nesse cenário de desigualdade social, em nome da
reforma, se admitem apenas alguns ajustes menores em todos os âmbitos, inclusive o da
educação. Consequentemente a educação deverá sofrer as adaptações necessárias para a
manutenção do sistema econômico, além de ser responsável em promover as mudanças
necessárias nas demais esferas sociais. É aí que as reformas educativas ganham o status de
serem promotoras da ordem social reinventando um novo quadro social onde os interesses
sejam conformados. Contudo,
As mudanças são admissíveis apenas com o único e legítimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo, em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de determinado sistema de reprodução (MÉSZÁROS, 2005, p. 25).
Pode-se perceber que não há o objetivo de “mexer” nas estruturas do velho sistema
chegando ao âmago do problema social, mas objetivamente falando se deseja utilizar
“antídotos” para embelezar a aparência das coisas, ou seja, é uma mudança aparente e não
factual.
Sendo predominantemente a educação o “poderoso” instrumento utilizado para
propagar a ideologia capitalista justifica-se que desde os primórdios do Brasil esta possua
objetivos de ordens distintas. De um lado a educação de base intelectual para preparar as
elites para governar o país e, de outro lado, uma educação de preparação procedimental para
instrumentalizar os trabalhadores nos ofícios manuais. Desse modo, a evolução histórica
como um resultado das lutas de classe aponta para o fato de que “a educação é o processo
mediante o qual as classes dominantes preparam na mentalidade e na conduta das crianças as
condições fundamentais da sua própria existência” (PONCE, 2007, p. 171).
Nessa perspectiva, advoga-se que as reformulações porque passa o sistema econômico
são mecanismos de perpetuação da desigualdade social e a escola é utilizada como aparelho
reprodutor do Estado sofrendo as influências dessas determinações a fim de conformar essa
dicotomia social.
Por isso, como se discutirá no capítulo seguinte, não é à toa que o Decreto 5.154/04
veio possibilitar a integração, mas igualmente também permitir uma série de modalidades de
cursos, ou seja, ao passo que permite a integração não disciplina sobre a obrigatoriedade de
criação de um Sistema Nacional de Ensino Básico. Esse contexto de formulação do Decreto
5.154/04, permeado de várias contradições, é o pano de fundo para a discussão da Política
Pública contida no Plano de Educação Profissional da Bahia já que após a promulgação do
26
Decreto esta é a principal ação do Estado da Bahia a fim de dar um novo direcionamento para
o Ensino Profissional.
Percebe-se que a proposição de mudanças ainda não foi suficiente para uma
reestruturação e consolidação de uma rede única de Educação Básica a nível federal e
estadual. Tal constatação revela uma mudança na aparência já que a legislação é utilizada para
conformar uma série de interesses e fazer prevalecer os ideais burgueses.
Nesse ponto, a fim de garantir o controle das decisões nas várias esferas sociais as
classes dominantes “astutamente” percebem a necessidade de criar teorias suficientemente
estruturadas para sustentar o seu discurso e propagar a sua ideologia. Por isso, é importante
compreender os pressupostos que embasam o discurso burguês e como este tem sido
reelaborado ao longo dos anos a fim de fazer prevalecer a hegemonia econômica do capital.
Isso porque essa hegemonia ocorre primeiro no campo das ideias para depois se consolidar no
mundo econômico e, por conseguinte, nas esferas política, social e cultural.
Desse modo, defende-se que a teoria que embasa o capitalismo é primordialmente o
liberalismo, sendo que para alguns autores (MELO, 2007, p. 191-192; ORSO, 2007, p. 127) o
liberalismo é a matriz conceitual desse sistema econômico, sendo que Filgueiras (2000, p. 48)
embora acredite que são fenômenos diretamente ligados, são distintos quanto à origem. Ao
longo da história, é fato que essa teoria sofre alterações na aparência, mas na essência
permanece intocável disseminando a concepção de mundo onde a liberdade individual e da
iniciativa privada são utilizadas para conformar as desigualdades sociais. É tanto que temos
atualmente uma legislação que ainda não conseguiu superar o limiar de uma Educação
Profissional fragmentada e dual, já que conforma os ideais privatistas.
1.1 – O liberalismo: matriz conceitual da sociedade de classes
O liberalismo emerge justamente para consolidar os ideais burgueses já que estes
indivíduos se estabelecem como classe social. A base econômica mundial passa a ser o
comércio e não mais a agricultura, embora não deixe de existir a propriedade privada, ao
contrário esta é que é o cerne da sociedade de classes. Mesmo apregoando a liberdade da
iniciativa privada percebe-se que o liberalismo será interpretado sob alguns vieses, sendo que
“o liberalismo smithiano funda-se basicamente sobre o conceito de liberdade do indivíduo de
traçar e realizar seus interesses, enquanto parte da sociedade da qual participa e do sistema
social, tendo em vista a formação do homem burguês” (MELO, 2007, p. 193). Percebe-se aí
que Smith amplia a visão inicial de liberalismo criada e defendida por John Locke, ao
27
defender a liberdade do indivíduo como máxima maior e por associá-la à economia. Então é
possível dizer que
O liberalismo é uma filosofia política (...) que sustenta-se no princípio fundamental de que o indivíduo, ao se associar com outros indivíduos, passa a viver em sociedade, a liberdade torna-se o seu bem supremo e, enquanto tal, tem preponderância sobre qualquer outro bem que possa ser imaginado. (...) Por isso, o liberalismo luta para preservar esse espaço privado do indivíduo, seja contra a sua restrição ou eliminação do Estado. Assim, a liberdade é, para o liberalismo, o bem supremo no contexto da relação do indivíduo com seus semelhantes na sociedade, e no contexto de sua relação com o Estado (CHAVES, 2007, p. 7-8).
Desse modo, nem mais o Estado ou mesmo a Igreja poderiam, de acordo com essa
concepção, arbitrar sobre a economia ou as decisões políticas, mas “o mercado seria a
expressão mais eficiente da liberdade natural” (MELO, 2007, p. 194).
É perceptível que essa liberdade terá implicações práticas nas tomadas de decisões nas
várias esferas sociais. Na economia, por exemplo, prevalece a lógica de que o Estado em
relação à iniciativa privada deva tudo permitir, ou deixar fazer, para o que se utiliza a
expressão francesa laisser-faire, contemplando a ideia de que deve sair da frente para deixar
agir a iniciativa privada. Essas ideias são veemente defendidas no discurso de François
Quesnay, provavelmente influenciado por Legendre, assim como é a bandeira levantada por
Spencer no século XVII (ORSO, 2007, p. 166).
É esse conceito de liberalismo econômico que origina o termo capitalismo, o qual
abarca a ideia de que a economia é baseada na liberdade dos indivíduos em gerir o capital.
Assim o Estado deve interferir o mínimo possível na economia, passando a ser o “Estado
mínimo” já que a liberdade do indivíduo deve estar acima de qualquer coisa.
Em linhas gerais, as implicações do liberalismo para as diversas esferas da sociedade
se resumem:
1- No campo político impera o conceito de Estado mínimo, onde governa melhor aquele
que menos interfere, assim “um Estado menor é melhor que um Estado maior”
(CHAVES, 2007, p. 36).
2- Na área econômica, sinaliza-se que é a iniciativa privada a melhor gerenciadora dos
processos econômicos, assim deve-se dar liberdade para os indivíduos satisfazerem no
mercado os seus interesses. A interferência do Estado não deve ocorrer “tanto no que
diz respeito à produção como no que diz respeito à distribuição de riquezas, ou mesmo
à regulamentação do processo” (ibid., p. 36).
28
3- Já no campo social, os bens sociais como saúde, educação trabalho, seguridade social,
devem ser providos somente pela iniciativa privada. “O Estado deve se abster não só
de prover serviços e bens nessas áreas como de regulamentar (através de legislação e
normatização) as atividades que nelas são exercidas pela iniciativa privada” (ibid., p.
36-37).
Nessa sociedade onde o que impera é a livre iniciativa, esse fenômeno vai incidir de
modo direto nas diversas esferas sociais, como vimos anteriormente, é transferida a
responsabilidade do Estado para a iniciativa privada. Percebe-se, no entanto, que a liberdade
preconizada é somente uma falácia uma vez que Ao contrário do que postula o ideário liberal clássico, o longo processo de passagem do feudalismo para o sistema capitalista não representou a superação de uma sociedade marcada pela opressão, servilismo e desigualdade de classes por uma sociedade livre e igualitária. A superação do servilismo e da escravidão não foram pressupostos para a abolição da sociedade de classista, mas condição necessária para que a nova sociedade capitalista pudesse, sob uma igualdade jurídica, formal e, portanto, legal (certamente não legítima), instaurar as bases das relações econômicas, políticas e ideológicas de uma nova sociedade de classes (FRIGOTTO, 2003, p. 27).
Na realidade, o contrato social elaborado na sociedade capitalista é a
institucionalização pelo Estado das relações sociais desiguais, legalizando assim a exploração
da mão de obra trabalhadora e protegendo a acumulação do capital pela iniciativa privada. O mercado, sob as relações das classes fundamentais capital/trabalho, de um lado, constitui-se no lócus fetichizado, por excelência, onde todos os agentes econômicos e sociais supostamente se igualam e podem tomar decisões livres, e o contrato, de outro, na mistificação legal da garantia do cumprimento das escolhas “igualitárias e livres” (ibid., p. 27).
Diferente, dessa propagada liberdade, o que temos é a instituição do proletariado, que
segundo expõe Marx é a classe de trabalhadores modernos que só sobrevivem à medida que
encontram trabalho, e só encontram trabalho à medida que seu trabalho aumenta o capital.
“Esses operários compelidos a venderem-se a retalho, são uma mercadoria como qualquer
outro artigo do comércio e, portanto, estão igualmente sujeitos a todas as vicissitudes da
concorrência, a todas as flutuações” (MARX; ENGELS, 2009, p. 35).
Diante dessa realidade de exploração há uma tentativa constante dos capitalistas em
negar o quadro precário em que se encontram os trabalhadores, contudo, Marx e Engels no
livro O Capital reiteram a denúncia explicando com propriedade a falsidade da liberdade
29
apregoada pelos capitalistas em relação à escolha da venda da força de trabalho pelo
proletariado. Frigotto expõe com propriedade o pensamento de Marx e Engels acerca das
relações econômicas e sociais travadas a partir do capitalismo, demonstrando que naquela
obra Explicita-se tanto o caráter de positividade da revolução burguesa nas relações de produção e políticas, na ruptura das visões metafísicas teocêntricas de conhecimento, e um amplo desenvolvimento da ciência moderna, quanto o caráter de negatividade pela cristalização de uma nova relação classista e, portanto, de exploração e alienação (FRIGOTTO, 2003, p. 28).
Assim é que ao tentar separar a política da economia, o Estado liberal definirá, por um
lado, um conceito de sociedade reduzida aos produtores e, de outro lado, aos cidadãos, ambos,
faces da mesma moeda, mas separados por esferas de atuação. Um Estado de cidadãos e uma
sociedade de proprietários é o objetivo maior do conceito de classe social. Percebe-se que isso
terá implicações bastante sérias sendo que
O liberalismo nos campos econômico e político provocou uma grande desigualdade social e um grande conflito e antagonismo entre burguesia e proletariado, e essas foram as condições em que as ideologias, os partidos e as revoluções socialistas se desenvolveram (TOLEDO, 1997, p. 72).
A classe proletária se viu obrigada a vender seu trabalho de modo alienado, ou seja, os
produtos produzidos não lhes pertencem já que o controle da produção estava sob o domínio
dos grandes empresários. Dessa maneira, “com a extensão do maquinismo e da divisão do
trabalho, o trabalho perdeu todo o caráter de autonomia e, assim, todo o atrativo para o
operário. Este torna-se um simples acessório da máquina, só lhe exigem o gesto mais simples,
mais monótono, mais fácil de aprender” (MARX; ENGELS, 2009, p. 35). Sendo extensão da
máquina o operário é visto pelos burgueses como coisas que apenas dispõem de seu trabalho
de modo mecânico. No entanto, não se sabe ao certo quanto de valor do trabalho está contido
nos produtos, e devido a isso certamente os capitalistas remuneram os operários com um valor
bem mais abaixo que o lucro obtido com a produção, é aí que ocorre a mais-valia.
Para a área de educação, embora esta tenha ganhado a tutela da iniciativa privada
assim como as demais esferas sociais, não deixou de ser elemento de grande relevância, uma
vez que esta passou a ser vista como fator de incremento econômico. Adam Smith, H. Von
Thunen e notadamente Irving Fischer, segundo Schultz (1973, p. 7-8) passaram a ter um olhar
diferenciado para os seres humanos, visualizando-os como uma espécie de capital. Sendo que,
Schultz aponta para o fato de que as ideias de aliar desenvolvimento econômico à formação
30
humana é ainda bastante incipiente, pois muitos economistas se mostram omissos quanto ao
assunto, além de haverem aqueles como Marshall que acreditava na concepção de que o
capital humano não apresentava nenhuma significação prática, desse modo estava fora do
mercado. Contudo, como se discutirá adiante, é a partir dos anos 70 através das obras do
economista Schultz – O valor econômico da educação (1963) e O capital humano –
investimentos em educação e pesquisa (1971) – que a concepção de Capital Humano será
largamente difundida a nível mundial, sendo que seus estudos se iniciam nos anos 50.
Embora os liberais tenham se cercado de um arcabouço teórico para disciplinar os
diversos campos sociais como foi explicitado, diante do que demonstram uma notada
fundamentação teórica, contudo não foram capazes de responder aos problemas sociais que
eclodiam diante da grande desigualdade social existente. Na tentativa de explicar o porquê das
mazelas sociais o liberalismo transferia para o indivíduo a culpa pela sua condição social
desigual. Isto quer dizer que, o estado cultural e consequentemente econômico do indivíduo,
de acordo com essa teoria, se condiciona ao seu esforço pessoal.
1.2 – O contexto de implantação do fordismo
A máxima professada de uma harmonia social a ser trilhada individualmente, mediante
a busca de interesses particulares a serem obtidos no mercado não se sustenta. Diferente das
promessas de paz social e, diante do cenário econômico esfacelado, assim é que
A decadência do liberalismo foi resultado não do triunfo teórico de um paradigma alternativo, mas das lutas sociais e políticas do século XIX e princípios do XX: auge do movimento socialista e a do assistencialismo cristão. O liberalismo fracassou do ponto de vista de ser capaz de sustentar o crescimento econômico sem grandes crises, assim como de garantir a ordem social (TOLEDO, 1997, p. 75).
É aí que a teoria do estado social ganha fôlego se consolidando como política social e
econômica entre os anos 20 e 70 na Europa, vindo a influenciar mesmo que superficialmente
os países do Ocidente uma vez que o sistema econômico baseado no capital determina o
sistema financeiro daqueles países. Assim algumas questões inovadoras em relação ao
período anterior se efetivam: 1) A redefinição das relações clássicas entre sociedade civil e política, a politização das relações civis por meio da intervenção do Estado na economia e das corporações na política econômica, e um processo de “civilização” das relações políticas (pela importância da planificação nas decisões políticas); 2) a legalização da classe operária de suas organizações, institucionalizando uma parte do conflito interclasses; (...) 3) em síntese, o Estado social é, em parte, investidor econômico, em parte
31
regulador da economia e dos conflitos, mas também Estado benfeitor que procura conciliar crescimento econômico com legitimidade da ordem social (ibid., p. 75).
Admite-se, pois, que não é possível obter uma convivência social pacífica sem a
intervenção estatal, já que a natureza humana egoísta não propiciará uma coexistência de
vontades comuns. Sendo assim, o Estado existe para conciliar estas vontades em prol do bem
coletivo que deve ser superior aos interesses particulares. Aqui o Estado não é apenas
guardião, mas assume uma função mais ampla, no sentido de que é regulador das relações
sociais travadas pelas classes sociais.
A proposição do intervencionismo corresponde à resposta formulada pelos novos
liberais, sob a liderança de Keynes para justificar a crise desencadeada com a profunda crise
econômica entre os anos 20 e 30. Saviani aponta que Keynes, sendo arguto conhecedor do
capitalismo sabia que este estava sujeito a intempéries, e denuncia ainda que
Keynes ao contrário de Marx, e como bom representante da burguesia, em lugar de ver nessas crises a necessidade da superação do capitalismo, procurou encontrar os antídotos, isto é, os mecanismos que, se não evitassem as crises, conseguissem, pelo menos, mantê-las sob controle (SAVIANNI, 2005, p. 20).
Nesse contexto, Keynes “propõe a intervenção estatal, a administração e o
gerenciamento do mercado como o único meio para evitar a destruição das instituições
econômicas, a iniciativa individual e evitar o socialismo” (ORSO, 2001, p. 169). O sistema
econômico atravessa um processo de reconfiguração tanto no modo de produção como em
torno das relações de trabalho, já que há um incremento dos meios de produção com a
mecanização e informatização. Ações estas necessárias para viabilizar a produção em escala a
fim de atender os anseios do mercado consumidor.
Para tanto, predominou no campo da produção e da organização da força de trabalho nas fábricas e indústrias o paradigma do fordismo/taylorismo, baseado primordialmente na produção em massa de bens e serviços e no incentivo ao consumo, aliado ao controle das várias etapas do processo produtivo e à cronometragem das ações e movimentos dos que vivem do trabalho, numa dimensão mais rígida, exigência de uma produção e consumo massivos (SIQUEIRA, 2003, p. 361).
Esse período é, pois, marcado por um rígido controle do processo produtivo a fim de
garantir uma produção em grande escala, desse modo o trabalhador fordista deveria se ajustar
a esses novos tempos e atividades próprias do mundo industrial. Como é próprio das
sociedades capitalistas que produzem em massa o culto ao capital continua sendo o cerne das
32
relações sociais, contudo, passou a existir um maior controle do processo de produção, e
simultaneamente, foram implantadas medidas protecionistas dos direitos dos trabalhadores.
Assim o Estado do “Bem-Estar” traduziu um determinado grau de compromisso entre estado, empresas e sindicatos de trabalhadores que, numa fase de crescimento da economia, assegurou um relativo equilíbrio social e impulsionou significativamente o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, cujo resultado se materializou num avanço tecnológico de tal proporção que deu origem a uma nova “revolução industrial”: a revolução microeletrônica, também denominada “revolução da informática” ou “revolução da automação” (SAVIANNI, 2005, p. 21).
O Estado era o interventor direto da economia subsidiando as indústrias e, por outro
lado se incumbia de regulamentar as relações trabalhistas através da legislação e fiscalização.
Diante disso, Keynes foi bastante criticado pelos liberais mais conservadores, contudo
preferiu propor uma alternativa um tanto controversa que colocar em risco o sistema
financeiro, pois acreditava que este poderia entrar em colapso. “As mudanças propostas por
Keynes provocaram uma reviravolta no liberalismo. Para ele, esse momento marcava o
afastamento da economia clássica (ortodoxia) inglesa e do laisser-faire, e a aproximação do
intervencionismo” (ORSO, 2007, p. 169-170).
O objetivo de Keynes em momento algum foi o de combater o liberalismo ou o
sistema econômico que dele teve origem e que o alimenta – o capitalismo – ao contrário, a
intervenção foi uma estratégia utilizada de modo emergencial a fim de fazer prevalecer o
capital. “As medidas preconizadas por Keynes produziram dois efeitos: defenderam a
intervenção do governo na economia, cooptaram os trabalhadores e impediram que se
deslocassem para o socialismo” (ibid., p. 171).
Ao oferecer condições mínimas de trabalho nas indústrias – carteira assinada, salário
mínimo, qualificação profissional para atuar nos postos de trabalho, dentre outras vantagens –
os proletários forjaram a ideia de respeito aos direitos dos trabalhadores. Na realidade, estes
estavam sendo usados para servir aos interesses dos primeiros, sendo convencidos de que
vender sua mão de obra seria a melhor solução para manter a ordem social e obter os
benefícios prometidos. Estando subjugados a esse pensamento os trabalhadores contribuiriam
para a reprodução da sociedade de classes não questionando as pilares do sistema econômico
baseados no capital.
A partir daí surge a tese do Welfare State ou Estado do Bem-Estar Social, diante do
qual são garantidos alguns direitos aos trabalhadores nas áreas da educação, saúde, infra-
33
estrutura, seguridade social e outras. Há, pois, a disseminação da ideia de uma suposta
inclusão obtida a partir do capitalismo.
Entretanto os liberais conservadores não se conformam com o estado das coisas e sob
a liderança de Friedrich August Von Hayek reativam as discussões em torno do laisser faire,
rechaçando ostensivamente o Estado do Bem-Estar Social. Contudo, a luta engendrada não se
solidifica devido à necessidade de intervenção do Estado devido à crise econômica que se
instalara na década de 20.
É interessante pontuar que embora o objetivo de Keynes tenha sido o de fortalecer e
sustentar o capitalismo a sua teoria intervencionista de alguma maneira propiciou a criação de
políticas sociais mais consistentes em relação ao período anterior. Além disso, com o Estado
intervencionista os trabalhadores tiveram parte de seus direitos trabalhistas assegurados na
implantação do fordismo nas indústrias. O questionamento sobre a validade do capitalismo
leva a uma reconfiguração das relações de trabalho, medida possível devido a Keynes, sendo
que este
Talvez tenha sido o primeiro economista a introduzir a incerteza no cerne do pensamento econômico e a levantar a questão do significado da racionalidade na economia. Porém a defesa de Keynes à intervenção estatal, mesmo com o fito de salvar o individualismo, o liberalismo e o capitalismo, abriu espaço para políticas estatizantes (ibid., p. 170).
Com o interesse de expansão do modelo de produção em massa, os capitalistas
concedem, mesmo que em parte, alguns direitos aos trabalhadores, assim no seio das
indústrias os movimentos trabalhistas conseguiram as condições, ainda que mínimas, de
trabalho. Os sindicatos, dirigidos basicamente por pessoas sob campo de influência teórica predominante no movimento operário internacional, movia-se numa rede de relações sociais entre trabalho e capital, em que eram possíveis compromissos e acordos para a aquisição de direitos, a seara da institucionalidade (leis trabalhistas, constituições sociais, etc.), apesar de estarem contextualizados num campo de contradições e interesses conflitantes, que frequentemente coloca-se em confronto aberto (SIQUEIRA, 2003, p. 361).
O fordismo expressava o momento histórico de um capitalismo organizado, onde o
Estado tinha controle sobre a economia e sobre as relações sociais. Constituiu-se no
desenvolvimento de uma forma de sociabilidade fundada no compromisso social que
implementava ganhos sociais com acordos trabalhistas mais seguros, e seguridade social para
os trabalhadores.
34
Contudo, manter essa cidadania, fruto do elevado grau de desenvolvimento, custou
caro aos países periféricos e em desenvolvimento, que passaram por um processo de maior
exploração pelos países ricos. Aí se demonstra o caráter predatório do capital, pois para
alguns se tornarem mais ricos é necessário que a maioria fique mais empobrecida. A
desmobilização da luta pela implantação do socialismo trouxe benefícios imediatos, mas
restritos aos países hegemônicos.
Assim, é importante frisar que essa barganha se efetivou mediante a intensificação da
exploração dos países periféricos considerados de Terceiro Mundo, estes estavam totalmente
excluídos desse “compromisso” social-democrata. Antunes (2009, p. 39) aponta que esta foi
a moeda de troca para a desmobilização da luta pela implantação do socialismo pelas classes
operárias. Dessa maneira ao invés de se alcançar uma cidadania e uma vida digna para a
população mundial, a inserção social cidadã ficou atrelada à ideia da meritocracia, onde só as
pode obter o país que for mais competitivo no mercado mundial.
1.2.1 – O fordismo no Brasil e a Teoria do Capital Humano na educação dos
trabalhadores
Diferente dos países desenvolvidos, os países periféricos ou em desenvolvimento,
como é o caso do Brasil, não puderam garantir uma cidadania para todos, mas somente uma
pequena parcela pode ser inserida no processo de produção com vistas a um emprego
protegido (contrato de trabalho e direitos trabalhistas básicos).
Isto porque a ideia de intervencionismo é fortemente consolidada na Europa, sendo
que esse conceito embora tenha influenciado os países em desenvolvimento – assim como os
ideais liberais propagados com a revolução industrial, o que contribuirá para delinear a
economia mundial – esse Estado do Bem Estar Social não se efetiva no Brasil. Ocorreu o que
muitos autores chamaram de Estado do Mal-estar Social, pois diferente dos países europeus
onde se cria um mercado consumidor de massa e é estabelecido o contrato fordista, aqui no
Brasil isso não veio a efetivar-se.
No Brasil, instala-se o “fordismo periférico”, como denominam os regulacionistas, no qual o uso da mão de obra assume um caráter predatório, marcado pela alta rotatividade da força de trabalho, em que a maioria dos trabalhadores recebe baixos índices de remuneração, exceto os trabalhadores das estatais os quais passam a ser os representantes da relação de trabalho fordista. Nessa perspectiva, o processo de assalariamento no Brasil se diferencia dos países capitalistas desenvolvidos, assumindo o emprego um conteúdo particular e, como resultado, produz um mercado de trabalho também singular (DRUCK, 1999 apud ANTONIAZZI, 2005, p 88).
35
A propagada cidadania fordista só é alcançada por segmentos sociais restritos, ou seja,
os empregados em grandes empresas e em exercício de funções de liderança de um modo
geral, sendo relegada para as classes subalternas uma cidadania de segunda categoria. Nessa
perspectiva, alcançar o status de país em desenvolvimento custou ao Brasil submeter-se aos
ajustes econômicos necessários, os quais se enquadravam nas orientações dos organismos
internacionais. Como se discutirá no capítulo três os acordos com esses organismos
internacionais terá implicações diretas nos rumos da educação brasileira. Para tentar equalizar
as diferenças sociais “a partir de 30, o Brasil fez uma política populista de conciliação
conservadora como se dissesse: o país é grande, nele podem conviver os antigos coronéis e os
modernos empresários, os escravos e os operários” (NOSELLA, 2008, p.173).
Ou seja, emerge uma grande miscelânea onde todos indistintamente deveriam
conviver pela legitimação do capital que se incumbiu de naturalizar as desigualdades sociais
altamente díspares. Dessa maneira, ao Brasil, sem gozar dos benefícios como o fizeram os
países europeus, restou a adaptação “imposta” pelo capital à nova organização produtiva com
vistas à inserção na economia mundial.
Nesse contexto, é notória a existência de uma educação excludente e a consolidação
de uma escola dual já que somente os mais “competentes” deveriam receber um ensino de
nível mais elevado, enquanto que a educação destinada à massa populacional possui uma
baixa qualidade, com vistas à conformação social fazendo-os permanecer na sua classe de
origem. Desse modo, Paralelamente, no âmbito educacional, o populismo fez uma conciliação conservadora entre as pobres escolas do faz-de-conta e as que adotam modelos pedagógicos arrojados, entre instituições universitárias de beira de estrada e universidades de excelência (ibid., p. 173).
Vê-se que o acento das políticas populistas era de conformação social, objetivando
conter os ânimos inflamados dos revolucionários e agradar aos empresários que requeriam
uma mão de obra qualificada para as indústrias. Nesse cenário o Estado passa a criar
mecanismos para efetivação das políticas públicas educacionais visando à acessibilidade ao
ensino. Tais ações são vistas como importantes porque a educação é visualizada como
garantia de crescimento econômico e elemento de desenvolvimento do país, uma vez que a
qualificação profissional seria a condição única para inserção no mercado que estava em plena
expansão.
36
Assim é possível compreender que a medida de expansão da educação tomada por
Getúlio Vargas tem muito mais o cunho de conter os “rebeldes” garantindo mesmo que em
parte o acesso a uma suposta cidadania. E por outro lado, atender às exigências dos burgueses
que necessitavam de mão de obra qualificada para as crescentes demandas da indústria em
expansão a partir da década de 30. Além de vivenciar-se no Brasil o crescimento do setor de
serviços com a urbanização o que implicou em mais mão de obra qualificada.
Nessa perspectiva nas décadas de 30 e 40, momento histórico que será tratado no
capítulo dois, as leis orgânicas do ensino objetivaram reorganizar o Ensino Técnico, contudo
isso implicou na desarticulação entre esta modalidade de ensino e o Ensino Secundário. É
criado o Curso comercial como prerrogativa da expansão das demandas da indústria e mais
adiante outros cursos. Contudo, ao iniciar um curso técnico, uma vez que o Ensino Médio é
dividido em dois ciclos, não se poderia migrar de um curso técnico para outro, ou mesmo para
o secundário, e o mais agravante é que ao concluir um curso técnico o indivíduo não poderia
ingressar no Ensino Superior. Aliado a isso, o governo de Getúlio transfere parte da
responsabilidade da educação para o Sistema S, criando o Senai e o Senac, assunto que será
retomado no capítulo dois, quando se fará uma retrospectiva do Ensino Profissional no Brasil.
Dessa maneira, há uma “suposta” democratização do ensino sob a crença de
implantação de uma escola unitária, contudo a perspectiva era de formação para o trabalho.
Diante do que Nosella (2008, p. 175) acredita que a criação dessa escola se dá somente na
aparência, pois embora tenha havido uma aproximação do mundo do trabalho do mundo da
escola, ainda assim esses mundos não se integram; os dirigentes e os dirigidos continuam em
escolas diferentes, mas recebendo diplomas iguais. O autor denuncia o cínico idealismo do
populismo que sob a crença de criação de uma escola unitária, na realidade lança o
trabalhador no longo caminho de uma escola secundária empobrecida, sem que possua os
meios de ingressar na universidade
O órgão que se incumbe do disciplinamento da oferta educativa no Brasil é o Instituto
de Organização Racional do Trabalho (IDORT), que na década de 30 possui o foco de conter
a agitação reivindicatória deflagrada com a revolução. Saviani (2005, p. 22) sinaliza que o
objetivo do IDORT é atender às exigências de planificação dos sistemas de ensino e dos
processos pedagógicos devido à necessidade de planificação econômica.
É salutar frisar que a fragmentação da produção fordista/taylorista que reduz o
processo de trabalho a uma tarefa isolada é que irá determinar o delineamento de uma
educação dualista que nosso país conhece desde seus primórdios. “A educação e formação
humana terão como sujeito definidor as necessidades, as demandas do processo de
37
acumulação do capital sob diferentes formas históricas de sociabilidade que assumir. Ou seja,
reguladas e subordinadas pela esfera privada, e à sua reprodução” (FRIGOTTO, 2003, p. 30).
Sendo a educação visualizada como fator de incremento econômico esta é assumida
como responsabilidade Estatal, o que passa a significar uma estratégia de desenvolvimento
econômico. Desse modo,
A educação, que tenderia, sobre a base do desenvolvimento tecnológico propiciado pela microeletrônica, à universalização de uma escola unitária capaz de propiciar o máximo de desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos e conduzi-los ao desabrochar pleno de suas faculdades espirituais, é colocada, inversamente, sob a determinação direta das condições de funcionamento do mercado capitalista (SAVIANI, 2005, p. 22).
Este tipo de educação para Saviani (ibid., p. 22) pode ser chamada de “concepção
produtivista de educação” que irá influenciar no panorama educativo na segunda metade do
século XX. O autor aponta que entre os anos 50 e 70, juntou-se esforços em organizar a
educação de acordo com os ditames do taylorismo-fordismo por meio da chamada “pedagogia
tecnicista” que se procurou implantar no Brasil através da Lei 5.692/71, a qual intentou
transportar para as escolas os mecanismos de objetivação do trabalho vigentes nas fábricas.
Nesse contexto, há uma forte mercadorização da educação a qual é associada ao
crescimento econômico, desse modo, para justificar essa concepção mercadológica dos bens
culturais é formulada a Teoria do Capital Humano. Essa teoria é a ampliação do conceito de
investimento no homem como capital formulada pelos economistas Adam Smith, H. Von
Thunen e Irving Fischer.
É Theodore Schultz, o responsável pela sistematização do conceito de Capital
Humano, o qual está ligado ao surgimento da disciplina Economia da Educação, nos Estados
Unidos, em meados dos anos 1950. Theodore W. Schultz, professor do departamento de
economia da Universidade de Chicago à época, é considerado o principal formulador dessa
disciplina e da ideia de Capital Humano (LOMBARDI; SAVIANI; NASCIMENTO, 2006).
Schultz (1973, p. 8-9) propõe o estudo das categorias investimento no homem e na
pesquisa esclarecendo os objetivos e natureza dessas atividades. Segundo ele é condição
imprescindível para ocorrer o crescimento econômico a garantia no investimento em
educação. Desse modo utiliza como exemplo o caso da agricultura para exemplificar esse
conceito. Algum crescimento, sem dúvida, resulta do aumento de mais capital convencional, embora o trabalho disponível esteja carente tanto de capacitação técnica quanto de conhecimentos. Mas o índice de crescimento será seriamente limitado.
38
Simplesmente não é possível ter-se os frutos de uma agricultura moderna e a abundância da moderna indústria sem que se façam grandes investimentos nos seres humanos (ibid., p. 52).
Schultz (ibid., p. 78) demonstra que, ao estudar a relação entre os níveis de renda e
graus de escolaridade, constatou que os níveis de renda aumentavam em proporção aritmética
para os indivíduos que possuíam escolaridade primária e em proporção geométrica para
aqueles que possuíam escolaridade superior, o que seria a prova empírica do valor econômico
da educação. Assim é que essa teoria é plenamente aceitável e justificável no sistema
capitalista que aponta a necessidade de crescimento econômico aliado à qualificação do
trabalhador fordista. Desse modo, O conceito de capital humano, que constitui o construtor básico da economia da educação, vai encontrar campo próprio para seu desenvolvimento no bojo das discussões sobre os fatores explicativos do crescimento econômico. A preocupação básica ao nível macroeconômico é o desenvolvimento econômico de um país (GENTILLI, 2006, p. 39).
A educação é visualizada como instrumento de crescimento econômico, desse modo é
tão valorizada. No entanto, a dificuldade de mensuração da educação como fator de
crescimento econômico gerou um ponto de tensão dentro da teoria, já que não formulou
indicadores eficazes que pudessem expressar a correlação entre economia e educação, ou
mesmo entre renda e educação. Por isso mesmo, devido a essa dificuldade boa parte dos
economistas não enveredou nessa seara, diante do que Schultz (1973, p. 15) aponta a inércia
de boa parte de seus colegas. A despeito dessas inconsistências a Teoria do Capital Humano
se sustentou enquanto substrato teórico que justificava o sistema capitalista em contraponto à
educação. A educação, então, é o principal capital humano enquanto é concebida como produtora de capacidade de trabalho, potenciadora do fator trabalho. Neste sentido é um investimento como qualquer outro (ibid., p. 40).
Assim a educação é associada à produtividade e à qualificação profissional, fatores
fundamentais para o incremento da economia.
O conceito de capital humano – ou, mais extensivamente, de recursos humanos – busca traduzir o montante de investimento que uma nação faz ou os indivíduos fazem, na expectativa de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista macroeconômico, o investimento no “fator humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o aumento da produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista microeconômico, constitui-se no fator
39
explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e, consequentemente, de mobilidade social (ibid., p. 41).
A educação passa a ser elemento explicativo da desigualdade social e individual, já
que a inexistência desta implicaria na perda da produtividade econômica e diante de sua busca
se obteria o efeito contrário, ou seja, o desenvolvimento econômico. Entendendo a
necessidade da educação para o processo produtivo o acesso a ela pelas classes populares
passa a ser incentivada e até mesmo defendida pelas elites dirigentes, isso porque se terá a
garantia de que os trabalhadores terão a formação nos conhecimentos básicos que lhes
possibilitará o acesso aos conhecimentos mais elaborados, fundamentais para a inserção na
cadeia produtiva.
Nesse sentido, a educação geral, assegurada pelos níveis que compõem a educação básica, tem como finalidade dar acesso aos conhecimentos fundamentais e às competências cognitivas mais simples que permitam a integração à vida social e produtiva em uma organização social com forte perfil científico-tecnológico, um dos pilares a sustentar o capitalismo tardio, na perspectiva do disciplinamento do produtor/consumidor; e, por isso, a burguesia não só disponibiliza, mas a defende para os vivem do trabalho (KUENZER, 2007, p. 495).
Nessa perspectiva “para os que exercerão atividades complexas na ponta qualificada
das cadeias produtivas, a educação básica é rito de passagem para a educação científico-
tecnológica e sócio-histórica de alto nível” (ibid., p. 495). Sobre isso, Oliveira concorda,
acrescentando que quando se fala em expansão da Educação Básica os interesses são de
ordens distintas.
(...) A necessidade dos indivíduos se adaptarem mais rapidamente às mudanças existentes impõe, como indispensável, a universalização do acesso à educação. Nesse sentido, o próprio empresariado, em virtude das exigências do setor produtivo, é obrigado a pleitear um modelo de educação próximo daquele defendido pelos trabalhadores (OLIVEIRA, 2006, p. 61).
No entanto, essa inclusão da massa trabalhadora nos processos educacionais e
produtivos ocorre não devido a um compromisso social, mas em função das necessidades
mercadológicas. Desse modo,
As políticas e programas de educação profissional, tomando a categoria exclusão para designar desempregados e populações em situação de risco social, quando propõem como objetivo a inclusão social, não ultrapassam o âmbito da inclusão concedida, ou como a temos chamado, inclusão excludente, sempre subordinada à lógica da acumulação (KUENZER, 2007, p. 493).
40
No caso, essa seleção é justificada através da absorção dos indivíduos “mais
habilitados” no mercado de trabalho, dessa maneira para incluir alguns terá que excluir os
“menos competentes”. Essa lógica é plenamente aceitável do ponto de vista das bases do
capitalismo, que para incluir precisa antes excluir. Dessa premissa máxima de inclusão
excludente, pode-se compreender que ao lutar pela expansão do acesso à Educação Básica os
empresários estão lutando apenas para a redução dos custos com educação para seus
empregados. A Escola Básica é utilizada, desse modo, como formadora de uma reserva
técnica através da propagação de conhecimentos básicos, o que facilitará para os empresários
quando da absorção de parte desta mão de obra. Somente o contingente selecionado receberá
a qualificação para o trabalho com qualidade e em níveis mais elevados, já que não há escolas
de Educação Profissional, na esfera pública, suficientes para todos. Como o acesso à educação
de qualidade é restrito, resta à massa populacional a qualificação profissional de modo
precário, o que implicará na sua exclusão do processo de trabalho protegido. O que é
plenamente aceitável, pois como não há emprego para todos, não se justifica o investimento
em educação cara e de longo prazo para indivíduos que não serão absorvidos pelo mercado:
para a massa resta a informalidade e o emprego precário.
Na oferta educativa há um dualismo que se perpetua na clara diferenciação a depender
do tipo de classe social de origem. Isto é, tem-se por um lado uma educação para as classes
dirigentes e outra destinada à classe trabalhadora, “escola disciplinadora e adestradora para os
filhos dos trabalhadores e escola formativa para os filhos das classes dirigentes” (FRIGOTTO,
2003, p. 34).
Assim, podemos perceber que o acesso ao saber antes de ser uma garantia democrática
de exercício para a cidadania é uma oportunidade previamente programada pelo mercado para
suprir seus próprios interesses. Desse modo, o Ensino Profissional se encaixa numa política
que antes tem seu fim maior no atendimento das demandas mercadológicas, ficando distante a
ideia de inclusão social; ou como sugere Ramon de Oliveira (2003, p. 29), a reforma da
Educação Profissional tem influência direta num novo modelo de cidadania. Entretanto, o
autor aponta que diferente do que prega o discurso oficial o resultado é nada mais que a
confirmação de um modelo de cidadania excludente para os setores populares.
Nesse contexto de plena expansão da educação, é aí que a teoria da promessa
integradora da escola ganha centralidade, uma vez que os empregos protegidos nas indústrias
existiam em número considerável. Desse modo, a ideia de formação e qualificação
profissional seria condição para inserção no mercado de trabalho.
41
A expansão dos sistemas escolares nacionais, a partir da segunda metade do século XIX, tem sido produto, em certo sentido, da difusão do que poderíamos chamar da promessa da escola como entidade integradora. Os sistemas educacionais eram considerados pelos grupos dominantes e pelas massas que lutavam pela sua democratização como um poderoso dispositivo institucional de integração social num sentido amplo (GENTILLI, 2005, p. 49).
A profusão destas ideias coincide com aquilo que Eric Hobsbawm (1995, p. 253)
identificou como a Era de Ouro do desenvolvimento capitalista. Sendo que estes princípios
economicistas da educação se propagavam de modo tão intenso que nas décadas de 50 e 60
são criadas disciplinas específicas a fim de dar validade oficial a este campo de estudo, assim
é que surge a disciplina Economia da Educação, como se demonstrou anteriormente, sendo
que esta possui vinculação direta com o surgimento da Teoria do Capital Humano. A escola se constituía, assim, num espaço institucional que contribuía para a integração econômica da sociedade formando o contingente (sempre em aumento) da força de trabalho que se incorporaria gradualmente ao mercado. O processo da escolaridade era interpretado como um elemento fundamental na formação do capital humano necessário para garantir a capacidade competitiva das economias e, consequentemente, o incremento progressivo da riqueza social e da renda individual. A dimensão social e individual dos benefícios econômicos decorrentes do processo de escolarização (ou, formulado de outra maneira: a natureza economicamente integradora da escola), obrigava a pensar o planejamento educacional como uma atividade central na definição das políticas públicas (GENTILLI, 2005, p. 49).
Como se pode perceber, a educação é vista apenas sob o aspecto econômico, contudo
como se explicitou anteriormente, esta ideologia encontra fundamento na sociedade de
classes. Mas, de um modo divergente do que está posto a visão defendida por Marx e Engels
caminha na contramão da lógica capitalista uma vez que
Concebem a realidade como uma estrutura, uma totalidade de relações onde, em sua unidade diversa, o conjunto de relações sociais econômicas, por serem imperativas na produção da vida material dos seres humanos, constituem-se na base a partir da qual se estrutura e condiciona a vida social em conjunto. Como em diferentes momentos, estes autores insistem, o caráter fundamental das relações sociais de produção não confere às mesmas a definição única isolada das demais determinações. As relações econômicas são, antes de tudo, relações sociais e, enquanto tais, engendram todas as demais. O ser humano que atua na reprodução de sua vida material o faz enquanto uma totalidade psicofísica, cultural, política, ideológica, etc. (FRIGOTTO, 2003, p. 31).
Dessa maneira, na visão de Frigotto, Marx e Engels, demonstram que o homem é um
ser dotado de características diversas, as quais necessitam ser respeitadas uma vez que são
inerentes à sua humanidade, sendo que o aspecto econômico é fator primordial para que as
42
demais áreas possam coexistir em harmonia. Isto é, sem haver condições materiais objetivas
não se poderá preservar essa totalidade humana. Desse modo, Frigotto aponta que ser ponto
de denuncia por Marx e Engels, a tendência do capital de considerar o fator econômico, como
preponderante sobre os demais, subjugando o homem ao trabalho ao invés de através do
trabalho garantir sua liberdade criadora.
A teoria capitalista de todas as formas vem tentando legitimar a fragmentação e a
segmentação do trabalho e, por conseguinte, da educação. Desse modo a luta deve se dá no
afã de não permitir que a qualificação humana esteja subjugada às leis do mercado, com vistas
ao adestramento e ao treinamento mecânico. É necessário, porém, que esta seja vista como
uma unidade abrangente, pois
A qualificação humana diz respeito ao desenvolvimento de condições físicas, mentais, afetivas, estéticas e lúdicas do ser humano (condições omnilaterais) capazes de ampliar a capacidade de trabalho na produção dos valores de uso em geral como condição de satisfação das múltiplas necessidades do ser humano no seu devenir histórico. Está, pois, no plano dos direitos que não podem ser mercantilizados e, quando isso ocorre, agride-se elementarmente a própria condição humana (ibid., p. 32).
Perceber a amplitude desse conceito de qualificação humana é romper com a
concepção fragmentária com que o capital transforma o trabalho criador da vida humana em
alienador da vida do trabalhador. Esse aspecto alienador se dá justamente pela visão parcelar a
que é submetida a educação, pois ao invés de ser utilizada para formar o homem dentro de
uma totalidade é colocada como estratégia para subjugar o homem ao trabalho alienante. É
considerado alienante na medida em que o homem se vê obrigado a produzir sem
compreender a completude do processo, sem poder dominá-lo e nem usufruir do produto
produzido. Assim é que Ramon de Oliveira (2003, p. 65) aponta que ao se deslocar a
importância da educação para um único aspecto da formação humana, mais especificamente
para o trabalho assalariado, estamos limitando as potencialidades a serem desenvolvidas pelos
educandos. A fragmentação embrutece a natureza criadora do homem que fica subjugada a
tarefas mecânicas e repetitivas.
Sabe-se que esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e
fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto
repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo (...). (ANTUNES, 2009,
p. 39) É importante perceber que essa forma fragmentada de produção irá influenciar no
delineamento de uma nova constituição social onde o homem fabril deveria se ajustar.
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Em síntese, o fordismo não se constituiu apenas enquanto um modo de organização do processo de trabalho, mas significou, sobretudo, uma forma de organização da sociedade capitalista que implicou a inclusão social de grandes parcelas da população, até então marginalizadas do consumo e dos direitos de cidadania. E, mais que isso, o fordismo deve ser entendido, num sentido mais amplo, como um “novo modo de vida”, que extrapola os limites da fábrica, implicando a construção de um “novo homem”, adaptado às exigências e à disciplina do sistema fabril organizado na forma de grande indústria (FILGUEIRAS, 2000, p. 51).
Um novo pacto social culminou em novas relações sociais, as quais se baseavam num
quadro de valores de uma sociedade industrial e pós-moderna. Os cidadãos teriam que
aprender a conviver com os “ritmos” e os “tempos” da indústria, mas como foi preconizado,
esse sacrifício teria uma recompensa à altura, já que marcava o início de um novo tempo onde
se inaugurava a modernização.
1.3 – O neoliberalismo e a emergência da Pedagogia das Competências
Mas este Estado social, como constituinte de uma sociedade capitalista – uma vez que
não discutiu o âmago da desigualdade, já que não questionou o capitalismo, mas trabalha para
justificá-lo – como era de se esperar, na década de 70 atravessou novamente outra crise
econômica, comprometendo assim a assistência aos cidadãos. A profunda crise econômica
provocada pelo pós-guerra e a intensa recessão e, por outro lado a expansão do socialismo na
Rússia, leva os liberais a buscar uma medida viável para justificar o atual estado das coisas.
Assim é que as medidas de Keynes são plenamente aceitáveis a partir da crise dos anos 20 até
idos dos anos 60, porém o capitalismo nos anos 70 novamente entra em crise acirrando a
insatisfação dos liberais com as medidas intervencionistas preconizadas por Keynes.
O esgotamento do paradigma de produção do pós-guerra levou setores do capitalismo, sintonizados com as tendências da acumulação crescente do capital e descontentes com as relações econômicas e políticas estabelecidas, a desenvolverem um novo padrão de produção, tendo como parâmetro simultaneamente o incremento da produtividade e a diversificação de bens e serviços (SIQUEIRA, 2003, p. 361).
Esse modelo de sociedade competitiva, onde quem arbitra é o mercado é visto como
ideal, pois se acredita ser ele capaz de superar a crise, já que, esta é deflagrada, segundo os
liberais, por ter-se infligido os princípios do capitalismo. Dessa maneira, a crise da economia
é utilizada como justificativa pelos capitalistas para a necessidade de extinção do Estado
regulador para dar lugar ao Estado Mínimo, onde quem estabelece as regras é o mercado.
Aí é que, nos anos 70, se retoma os princípios do liberalismo transvertidos numa nova
teoria, que comumente tem sido chamada de neoliberalismo. Contudo, não é consenso entre
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os autores sobre a nomenclatura desse fenômeno social, nem mesmo sobre o fato de ser
possível assegurar sobre a sua constituição enquanto uma nova concepção teórica ou se
poderia ser considerado um novo fato social.
Entre os contrários, temos Orso, que demonstra não haver surgido uma nova teoria,
mas ao contrário, aponta que o estado das coisas é fruto da lógica liberal que nunca deixou de
imperar. Se de fato existe é o liberalismo como ideologia do capitalismo, não faz muito sentido falar em neoliberalismo ou em “ser contra o neoliberalismo”. A posição que de fato se deve adotar é contra o liberalismo, em todas as suas formas e contra o capitalismo, que é a base material que o sustenta (ORSO, 2007, p. 177).
Orso demonstra ainda a necessidade de se ter clareza quanto aos conceitos subjacentes
ao liberalismo a fim de não se incorrer em equívocos, para tanto o autor propõe que as atuais
políticas ao invés de serem chamadas de neoliberais sejam chamadas de Ultraliberais, pois trata-se da superação tanto do liberalismo clássico quanto do intervencionismo; trata-se da incorporação das velhas políticas da ortodoxia liberal conjugadas com a preservação do Estado. Assim o ultraliberalismo constitui-se na síntese do liberalismo que representa as novas relações (ibid., p. 177).
Embora Orso descarte a ideia de um novo campo conceitual, percebe-se que o autor
defende a ideia de que o neoliberalismo remonta ao liberalismo, mas ajustado ao novo
contexto social. Essa correlação direta com o liberalismo é plenamente aceitável por Melo, o
qual demonstra que
O prefixo “neo-” quer indicar um novo florescimento do liberalismo em termos mais presentes, potentes e realizadores de um objetivo harmonioso, direto, final e espontâneo da própria ordem social. Seria o fim dos conflitos, das contradições, da própria luta de classes e da história. O fim da necessidade de um mundo novo ou de uma utopia, ou mesmo do próprio socialismo. A sociedade capitalista teria chegado a um nível satisfatório de desenvolvimento, regido pela saudável competição arbitrada pelo mercado mundial globalizado; no qual a igualdade de oportunidades permitiria a cada um uma recompensa de acordo com suas capacidades laborativas e competitivas (MELO, 2007, p. 191-192).
Concordando com Melo, Toledo (1997, p. 76) aponta que o Estado social decompôs-
se desde os anos 70 tendendo a ser subvertido pelo neoliberalismo numa transição que ainda
não acabou, diante do que se criam novos elementos para a teoria liberal, porém os
rudimentos filosóficos permanecem os mesmos. Sobre isso acrescenta Melo, afirmando que
45
Fazendo parte da dinâmica das transformações atuais do capitalismo, o projeto neoliberal realiza, reafirma e supera princípios do liberalismo clássico no sentido de conservar, manter e ampliar as relações sociais capitalistas de produção do nosso mundo e de nossas vidas. Relações estas fundadas na exploração do trabalho e que mostram, hoje, a face da exclusão social de pessoas e povos inteiros do processo de globalização do capital (MELO, 2007, p. 191-192).
Desse modo, toda mudança ocorrida se deu no sentido de preservar os princípios
liberais que visavam conservar e ampliar o capitalismo. Para Filgueiras, embora sejam
fenômenos diretamente relacionados – sendo que para entender o neoliberalismo é condição
primeira compreender o liberalismo que o originou – são distintos quanto à forma como
surgiram. O liberalismo surge nos séculos XVIII e XIX, sendo que expressou No plano das ideias, um momento de expansão do modo de produção capitalista, de superação de uma ordem social regressiva, de caráter religioso estamental; apesar de ser, antes de tudo, uma doutrina apropriada para os interesses da burguesia, era o anúncio da “modernidade” (...) (FILGUEIRAS, 2000, p. 48).
O liberalismo marca a cisão entre o obscurantismo e o absolutismo, onde o mercado
passa a arbitrar as relações sociais e, nesse caso se pregava que melhor era o estado que
menos interferisse na economia. Por outro lado, o neoliberalismo surge no pós-guerra como
reação à crise econômica, se constituindo como fenômeno social capaz de criar argumentos
suficientes para justificar as crises dentro do sistema econômico. Assim a crise é apontada não
como conseqüência da luta desenfreada pelo capital, mas acredita-se – sendo valores
inculcados na população pelos capitalistas – que surgiu devido à subversão de seus princípios
devido à proposição do intervencionismo. Para contornar os problemas econômicos, então,
sugere-se um redirecionamento no modo de intervenção estatal, e não na extinção do
intervencionismo como acreditavam alguns (ibid., p. 46).
É salutar o entendimento de Antunes (2009, p. 33) sobre essa nova fase do
capitalismo, que se configura numa resposta deste sistema à sua crise, diante do que inicia um
processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação,
sendo que os contornos mais visíveis se constituíram no advento do neoliberalismo. O autor
denuncia, ainda, que esse novo período do capitalismo – o neoliberalismo – se caracterizou
como uma ofensiva generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora.
Assim é que nesse contexto, para as relações sociais, de um modo geral, se impõe uma
série de adaptações, sendo que para as relações trabalhistas o princípio vigente passa a se
basear na flexibilização. Antunes sinaliza que houve uma mutação no padrão de acumulação
(e não no padrão de produção) buscando-se alternativas que conferissem maior dinamismo ao
46
processo produtivo, que dava sinais claros de esgotamento. O modelo fordista/taylorista é
substituído por novas formas de acumulação flexibilizada.
Nesse momento histórico há uma quebra do pacto social estabelecido no fordismo, que
previa uma série de benefícios para os trabalhadores. Nesse sentido o tipo de intervenção
estatal não mais disciplinará as relações sociais e trabalhistas a favor das classes menos
favorecidas como acordado anteriormente. Uma vez que o Brasil, não chegou a vivenciar o
pacto fordista, pois essa cidadania propagada ficou no plano etéreo para a grande massa
populacional, sendo desfrutada somente por pequenos grupos, esse cenário de flexibilização
acarretará em mais prejuízos para a classe trabalhadora brasileira. Esse paradigma de produção baseava-se, principalmente, na instituição de contornos normativos expressos na flexibilização de direitos e conquistas trabalhistas do período anterior, na reformulação das relações de trabalho a partir de um modelo flexível de captação, organização e movimentação da força de trabalho no interior da empresa e fora dela, na emergência de novos tipos de contratos, na aplicação do fenômeno da terceirização, na flexibilidade produtiva, descentralização da produção, diversificação de bens e serviços etc. tendo em vista atender às necessidades do mercado e aumento da acumulação capitalista. As origens desse modelo remontavam, sobretudo, à reestruturação produtiva ocorrida nos lindes do Japão, a influenciar países centrais como EUA e Europa (SIQUEIRA, 2003, p. 361-362).
A segurança social preconizada pelo modelo fordista de sociedade é desconstruída
para dar lugar à incerteza e ao desemprego. “É justamente a destruição desse ‘modo seguro de
viver’, construído entre a Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 70, que dá origem ao
profundo ‘mal-estar’ específico deste final de século” (FILGUEIRAS, 2000, p. 51). Isso
ocorre porque a forma de acumulação do capital se modifica, já que a ênfase se desloca da
mão de obra menos especializada para os processos cognitivos e a qualificação mais
avançada. Para Antunes (2009, p. 35) emerge uma força destrutiva contra a força humana de
trabalho, que passa a ter enormes contingentes precarizados ou mesmo à margem do processo
produtivo, elevando os níveis de desemprego estrutural. Todo o mundo, por estar subjugado
ao capital vivencia uma grande precarização da força de trabalho e a exclusão de grandes
contingentes do trabalho protegido. Esse fenômeno se dá, uma vez que, os processos de
produção que antes se baseavam na mecanização, agora se alicerçam na microeletrônica, na
informática avançada. Assim é que surge um novo modelo produtivo, sendo que Duas condições foram imprescindíveis na lapidação do toyotismo: as mudanças organizativas introduzidas na empresa e o manancial tecnológico que vinham se gestando nas economias mais adiantadas. Esses elementos conjugados proporcionaram a substituição gradativa do padrão de acumulação fordista/taylorista
47
pelo toyotismo, fundado na tecnologia de ponta, na informática e na automação industrial (SIQUEIRA, 2003, p. 362).
Desse modo, exige-se um novo perfil de trabalhador, apto a conviver com um modelo
instável de produção, que exige dele uma constante qualificação a fim acompanhar os
processos produtivos em mudança contínua.
Do ponto de vista do capital, essa nova concepção de empresa implica a necessidade de uma força de trabalho também flexível (polivalente), mais qualificada, que deve ter várias preocupações e realizar diversos tipos de tarefas, como operar as máquinas, fazer a manutenção, difundir informações, realizar o controle de qualidade etc. O resultado é um tipo de trabalhador com maior iniciativa e maior capacitação do que o trabalhador fordista, em particular aqueles pertencentes ao núcleo central da mão de obra da empresa, que torna dispensável algumas funções de gerência e controle exercidas pelos níveis hierárquicos intermediários, anteriormente existentes (FILGUEIRAS, 2000, p. 55).
Além do domínio de uma gama de tarefas, exige-se desse trabalhador um maior
domínio dos processos tecnológicos e de conhecimentos científicos, sabendo mobilizá-los
para resolver os problemas surgidos no cotidiano da produção. São atividades que exigem um
alto grau de complexidade e abstração como sinaliza Kuenzer Passam a exigir o desenvolvimento de competências cognitivas superiores e de relacionamento, tais como análise, síntese, estabelecimento de relações, criação de soluções inovadoras, rapidez de resposta, comunicação clara e precisa, interpretação e uso de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos para atingir metas, trabalhar com prioridades, avaliar, lidar com as diferenças, enfrentar desafios das mudanças permanentes, resistir a pressões, desenvolver o raciocínio lógico-formal aliado à intuição criadora, buscar aprender permanentemente, e assim por diante. Mesmo para desempenhar tarefas simplificadas, o elevado custo de um investimento tecnologicamente sofisticado exige trabalhadores potencialmente capazes de intervir crítica e criativamente quando necessário, além de observar normas que assegurem a competitividade e, portanto, o retorno do investimento, através de índices mínimos de desperdício, retrabalho e riscos (KUENZER, 2010, p. 02-03).
A exploração da mão de obra do trabalhador passa a se intensificar, já que no fordismo
embora fosse explorado o conhecimento tácito (da experiência) quando surgiam problemas na
linha de produção, costumeiramente o trabalhador desempenhava uma única função ainda que
numa perspectiva fragmentada. No processo toyotista percebe-se que o trabalhador passa a ser
manipulado por um discurso que imprime uma pseudo-flexibilidade que na realidade
corresponde a mecanismos encontrados para minimizar o tempo de produção e utilizar os
conhecimentos dos trabalhadores agregando-os à produção. Quer se formar com isso um
trabalhador polivalente, multifuncional e qualificado, combinações que irão contribuir para a
48
redução do tempo de trabalho (ANTUNES, 2009, p. 54). Desse modo, pode-se afirmar que a
exploração que ocorria no plano da apropriação do conhecimento prático, se expande aos
conhecimentos cognitivos mais elevados.
O processo de produção de tipo toyotista, por meio do team work, supõe, portanto uma intensificação da exploração do trabalho quer pelo fato de os operários trabalharem simultaneamente com várias máquinas diversificadas, quer pelo ritmo e a velocidade da cadeia produtiva dada pelo sistema de luzes (ibid., p. 58).
Na reorganização do capital esse foi um elemento fundamental para a acumulação,
contribuindo para a otimização do tempo de trabalho através da intensificação da exploração.
Assim é que Antunes demonstra que a apropriação das atividades intelectuais do trabalho, que
provém da introdução da maquinaria automatizada e informatizada, somada à maximização
do ritmo do processo de trabalho, estabeleceu um quadro extremamente positivo para o
capital, na retomada dos ciclos de acumulação e na recuperação da sua rentabilidade
(ICHIYO, 1995, p 45-6; GOUNET, 1991, p. 41; CORIAT, 1992, p. 60; ANTUNES, 27-8
apud ANTUNES, 2009, p. 58).
Essa forma de produção que se inicia no Japão é também adotada pelo Capital
Ocidental a partir dos anos 70, que viu nessa forma de produção possibilidades de
acumulação, contudo foram feitas as adaptações necessárias à sua implantação, situação que
se aplica igualmente ao Brasil. “O processo de ocidentalização do toyotismo mescla, portanto,
elementos presentes no Japão como práticas existentes nos novos países receptores,
decorrendo daí um processo diferenciado, particularizado e mesmo singularizado da
adaptação a esse receituário” (ANTUNES, 2009, p. 59).
Ao passo que exige uma maior qualificação do trabalho, de outro lado há uma grande
extinção de vários postos de trabalho, havendo um aumento significativo do desemprego que
passa por uma crise estrutural. Esse fenômeno social se inicia no Brasil a partir de meados dos
anos 80, se intensificando nos anos 90, principalmente com a abertura econômica
implementada pelo Governo Collor. Nesse novo contexto não se trata mais da iniciativa do Estado a das instâncias de planejamento visando a assegurar, nas escolas, a preparação da mão de obra para ocupar postos de trabalho definidos num mercado que se expandia em direção ao pleno emprego (SAVIANI, 2008, p. 430).
Diferente do Japão, onde o toyotismo é criado, este sistema de produção se instala aqui
no Ocidente e Brasil assumindo uma lógica mais perversa e excludente. No Japão, apesar de
49
ocorrer uma intensificação do trabalho, e uma menor contratação, já que o operário que está
trabalhando deverá ser polivalente e apresentar níveis de produtividade maiores, este sistema
produtivo se erige ao passo que são instituídos direitos trabalhistas. É importante frisar que o
trabalhador japonês além do emprego vitalício, tendo uma cota de 25% a 30% dos empregos
nesse regime, gozavam de ganhos salariais intimamente vinculados ao aumento da
produtividade. Por usufruir da estabilidade, ao completar 55 anos o trabalhador é deslocado
para outra função menos relevante, dentre as atividades de uma mesma empresa (ANTUNES,
2009, p. 57).
Desse modo, no Ocidente somando-se à precariedade e à intensificação do trabalho
não há mais postos de trabalho garantidos, mas é o indivíduo que deverá através da sua
qualificação profissional, buscar a sua inserção no mercado de trabalho. É a desintegração da
promessa integradora da escola formulada por Gentilli, que retira o caráter coletivo das
necessidades e demandas sociais (economia nacional) para dar lugar a uma lógica econômica
privatista, onde há uma ênfase nas competências e capacidades de cada pessoa
individualmente como preconizou Marise Ramos no livro Pedagogia das Competências. Estas
habilidades deverão ser obtidas no mercado educacional, que será condição para a inserção no
mercado de trabalho. A educação passa a ser entendida como um investimento em capital individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis. E o que ele pode esperar das oportunidades escolares já não é o acesso ao emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade (SAVIANI, 2008, p. 430).
De acordo com Ramon de Oliveira (2003, p. 30) “a empregabilidade é um conceito
ideológico que ‘desconsidera’ os fatores políticos, sociais e econômicos determinantes do
desemprego”. Todo esse processo de mudanças econômicas e sociais irá influenciar
diretamente na organização social e, mais especificamente na Educação Profissional que é
objeto de estudo desta pesquisa. O modo como a educação é concebida e as políticas sociais
formuladas para essa área serão delineadas a fim de atender ao modelo econômico em vigor.
Assim, com esse processo de flexibilização, transferiu-se para o indivíduo a
responsabilidade sobre a sua formação exigindo-se dele uma qualificação cada vez maior a
fim de alcançar o status de empregabilidade. Isso porque ruiu-se a concepção propagada com
a expansão do capitalismo a cerca de que a escola seria capaz de garantir o pleno emprego,
entretanto, com o surgimento do desemprego estrutural, tal ideia não se sustenta face da crise
instalada. Assim a promessa integradora da escola se dissolve para dar lugar à
50
responsabilização do indivíduo por sua qualificação. Desse modo, nesse contexto de
flexibilização “o Estado acrescentou ao capital uma oportunidade de dispor de maior critério
de seletividade para a contratação de novos trabalhadores” (OLIVEIRA, R., 2003, p. 30).
Desse modo, a qualificação, nos moldes da reestruturação produtiva em todos os aspectos
passou a ser de responsabilidade do indivíduo.
Esse contexto aponta para um Estado descomprometido cada vez mais com a educação
já que está subjugado à lógica capitalista, assim, diante disso acredita-se que para sobreviver é
necessário se adequar às imposições do capital. Atentando para estes elementos e sua
influência para o cenário educacional brasileiro, no capítulo seguinte se demonstrará a
trajetória da Educação Profissional brasileira e as mudanças ocorridas ao longo do tempo
histórico.
51
CAPÍTULO 02
A trajetória da Educação Profissional no Brasil
Embora o objetivo da pesquisa seja a reforma da Educação Profissional no contexto atual,
sob a égide do Decreto 5.154/04, entendeu-se como sendo de grande relevância a discussão
sobre a Educação Profissional desde o Império até a atualidade, assim subdividiu-se este
capítulo em dois tópicos principais assim demarcados: o primeiro versa sobre as reformas
ocorridas desde o Império até anos 80 (período ditatorial); e o segundo trata das reformas
ocorridas a partir dos anos 90 com a promulgação da LDB 9.394/96 que disciplina sobre o
sistema de ensino brasileiro na atualidade. Tal ação está circunscrita à ideia de que os
diferentes momentos da história da Educação Profissional no Brasil apresentam aproximações
mesmo diante das mudanças contextuais decorrentes do transcurso do tempo histórico. Essas
características comuns do sistema de ensino nos diferentes períodos da história da educação se
justificam devido a sua subordinação ao capital que lhe impõe uma natureza fragmentada e
descontínua.
2.1 – Uma Retrospectiva Histórica
2.1.1 – No Império uma pirâmide invertida
Inicialmente é importante salientar que, como seria natural pensar, o sistema
educacional brasileiro não começou pela Escola Básica, mas primeiramente são criados os
cursos de nível Superior Profissionalizante (medicina, odontologia, administração) (FREIRE,
1989). Estes são implantados por ocasião da chegada da família real em 1808 quando ocorre a
instalação da Coroa Portuguesa no Rio de Janeiro, que passa a contar com 45.000 mil
habitantes, já que só de Portugal desembarcaram 15.000 (quinze mil) pessoas.
Instantaneamente houve uma preocupação imediatista e profissionalizante para
preparar o pessoal que iria servir aos novos habitantes da nova sede do Reino. Assim,
criaram-se cadeiras que em seguida se transformariam gradativamente em cursos e faculdades
de medicina, odontologia e outros
Havia nos primórdios de nossa educação, no período imperial mais especificamente,
uma rede de preparação intelectual dos dirigentes em cursos superiores e, à massa
populacional se destinava o ensino elementar de qualidade questionável, sendo que grande
parte da população sequer tinha acesso a esse nível de ensino. E, de modo concomitante, em
paralelo a essa rede havia a preparação nos ofícios manuais, ou seja, o que corresponderia ao
52
ensino de uma atividade prática, como artesanato, carpintaria e outros (MANFREDI, 2002, p.
76-77). Percebe-se, pois, que a atenção das autoridades estava eminentemente voltada para a
formação de uma elite intelectual que iria administrar o Brasil Império.
Diante do exposto, fica explícito que a forma como foi estabelecido o Ensino
Profissional no Brasil é bastante controverso, sendo que as intencionalidades eram de variadas
ordens tanto ideológica quanto política. Cumpriam, em sua gênese, objetivos ora de
assistencialismo, ora de inclusão cidadã, preconizando no seu bojo a intencionalidade de
tornar “mais digna” a pobreza, ao invés de visar a sua suplantação.
Durante o Império, tanto as práticas educativas promovidas pelo Estado como as da iniciativa privada pareciam refletir duas concepções distintas, mas complementares: uma de natureza assistencialista e compensatória, destinada aos pobres e desafortunados, de modo que pudessem, mediante o trabalho tornar digna a pobreza; a outra dizia respeito à educação como veículo de formação para o trabalho artesanal, considerado qualificado, socialmente útil e também legitimador da dignidade da pobreza. Ideológica e politicamente, tais iniciativas constituíam mecanismos de disciplinamento dos setores populares, no sentido de conter ações insurrecionais contra a ordem vigente e legitimar a estrutura social excludente herdada do período colonial (MANFREDI, 2002, p. 78).
A finalidade destes cursos não estava circunscrita na ideia de ascensão social ou
democratização do ensino, mas em dar à pobreza um caráter mais “humano”, ao passo que
deveria formar uma mão de obra mais habilitada para suprir às demandas do mercado. Assim
entendido, o público alvo era dos marginalizados pela sociedade: os mendigos, os órfãos, os
sem destino. Estes deveriam aprender compulsoriamente um ofício – como previa a legislação
– desempenhando uma função social previamente determinada pelo mercado que ora
despontava.
Assim, na perspectiva das instituições criadas, mantidas e administradas pelo Estado, o
objetivo era a formação compulsória da força de trabalho manufatureira a partir do
recrutamento dos miseráveis. Os estabelecimentos criados para esse fim eram as casas de
ofícios, sendo que a instituição de maior importância foi o Asilo dos Meninos Desvalidos,
criado no Rio de Janeiro em 1875.
Os “meninos desvalidos” eram os que, de idade entre 6 e 12 anos, fossem encontrados em tal estado de pobreza que, além da falta de roupa adequada para freqüentar escolas comuns, vivessem na mendicância. Eles eram encaminhados pela autoridade policial a esse asilo, onde recebiam instrução primária, seguida de disciplinas especiais (álgebra elementar, geometria plana e mecânica aplicada às artes; escultura e desenho; música vocal e instrumental) e aprendiam um dos seguintes ofícios: tipografia, encadernação, alfaiataria, carpintaria, marcenaria,
53
tornearia, entalhe, funilaria, ferraria, serralheria, courearia ou sapataria. Concluída a aprendizagem, o artífice permanecia mais três anos no asilo, trabalhando nas oficinas, com o duplo fim de pagar sua aprendizagem e formar um pecúlio, que lhe era entregue ao final do triênio (CUNHA, 2000b, p. 91).
Essas casas funcionavam quase que como um reformatório, onde os desafortunados da
sorte teriam “uma segunda chance” de inclusão social. Assim, a Educação Profissional era
utilizada como uma espécie de limbo para purificação de suas mazelas individuais, sendo
utilizada como mecanismo de socialização, diante disso, a esses indivíduos restava
consequentemente a adequação a esse tipo de ensino e a profunda gratidão por essa benesse
concedida.
Nessa perspectiva de inclusão dos indigentes, Cunha expõe que as instituições criadas,
mantidas e administradas pelo Estado voltavam-se, predominantemente, para a formação
compulsória da força de trabalho manufatureira a partir dos miseráveis. Por sua vez, as
instituições particulares eram destinadas, principalmente, ao aperfeiçoamento dos
trabalhadores livres, ou seja, aqueles que tinham disposição favorável para receber o ensino
oferecido.
É certo que a chegada da família real contribuiu para a expansão das atividades
artesanais e manuais, já que esse processo é deflagrado devido à urbanização do país para
receber a corte. Nesse momento, aumentaram as atividades do setor de serviços, com a
estruturação dos transportes, das atividades administrativas e da defesa da nação. Essa
sociedade que se estruturava, além dessas ações, necessitava de um comércio organizado para
dar suporte aos novos habitantes das cidades. Por outro lado, novas funções surgiam devido à
industrialização que ora despontava, pela estruturação das manufaturas e a migração da
economia agrária para a de exportação.
2.1.2 – Primeira República: para cada classe social uma escola diferente
No período da primeira república, que corresponde aos anos de 1889 a 1930, a
estrutura de ensino dual permanece. Há uma ampliação somente do número de escolas, mas
sempre havendo uma diferenciação “entre a educação da classe dominante (escolas
secundárias acadêmicas e escolas superiores) e a educação do povo (escola primária e escola
profissional). Refletia essa situação uma dualidade que era o próprio retrato da organização
social brasileira” (ROMANELLI, 2002, p. 41).
No entanto, a institucionalização da Educação Profissional ocorre oficialmente
somente em 1909, com a criação de 19 Escolas de Artes e Ofícios implantadas em cada
54
capital brasileira (que mais tarde se transformariam em Escolas Técnicas, posteriormente nos
Cefets e atualmente nos Institutos Federais de Ensino), pelo então presidente Nilo Peçanha.
Antes desse período, no Império, as ações em torno do Ensino Profissional eram da
alçada das mais variadas instituições, com o apoio esporádico do governo. Assumia, como já
exposto, ora o caráter compulsório recrutando coercitivamente os desvalidos, ora tinha o
fundo assistencialista, sendo ministrado por instituições confessionais (MANFREDI, 2002).
Mesmo de naturezas diversas, estes organismos, fossem estatais ou confessionais,
comungavam da ideia de uma educação técnica para disciplinamento moral, com foco a tornar
mais digna pobreza e não combatê-la. Para Kuenzer os objetivos estavam além de tornar mais
digna a pobreza, mas “obedeciam a finalidade moral de repressão: educar, pelo trabalho, os
órfãos, pobres e desvalidos da sorte, retirando-os da rua” (KUENZER, 2009, p. 27).
Evidencia-se com isso que não se visava à ascensão social nem a democratização do ensino
ou, mesmo a garantia de uma profissão. Desse modo, explicita-se que a orientação político-
educacional capitalista visava a Preparação de um maior contingente de mão de obra para as novas funções abertas pelo mercado. No entanto, fica também explicitado que tal orientação não visa contribuir diretamente para a superação da dicotomia entre trabalho intelectual e manual, uma vez que se destina “às classes menos favorecidas”. Isto equivale ao simples reconhecimento de que o estágio que pretendem alcançar exige uma mão de obra qualificada de origem social predeterminada (desfavorecida), qualificação esta que, no entanto, não representará a conquista de uma posição social basicamente distinta e sim uma melhora dentro do próprio grupo (RIBEIRO, 2002, p. 129).
Objetivava-se, pois conformar os pobres à sua classe social de origem mediante a
mascarada aparência de uma melhoria social, ao passo que, principalmente, se destinava a
suprir as demandas do mercado que se efetivava.
2.1.3 – A Era Vargas e as Leis Orgânicas do Ensino
A década de 30 é marcada pela intensificação do processo de industrialização e
urbanização deflagrado a partir da iniciativa da burguesia diante da crise cafeeira e a transição
do modelo econômico agrário-comercial para a industrialização. O número de
estabelecimentos industriais entre 1907 a 1920 quadruplica e o capital arrecadado
praticamente triplica. Assim surgem novas forças sociais – a burguesia industrial e o
operariado – que entram em choque com os interesses da velha aristocracia instituída
(RIBEIRO, 2002, p. 95-96).
55
Ribeiro aponta que tais acontecimentos geram o enfraquecimento das oligarquias
rurais cafeeiras e a consolidação da burguesia enquanto classe social, a qual para fazer
prevalecer seus ideais engendra a revolução e elabora o Manifesto dos Pioneiros da Educação.
Não podemos deixar de frisar que este documento foi um divisor de águas para a luta de uma
educação pública e de qualidade para o povo, contudo, Não foi o movimento de 1930 que começou as reformas liberais, mas foi esse movimento que permitiu sua extensão por todo o país. Indica-nos, todavia, que não se tratava de uma revolução educacional, mas uma reforma ampla, pois no que concerne ao grosso da população a situação pouco se alterou (CANDIDO, 1984, p. 28 apud FRIGOTTO; CIAVATA; RAMOS, 2005, p. 12).
Seria ingênuo deixar de perceber que a expansão da rede escolar cumpria a finalidade
de preparação da mão de obra especializada, já que a demanda do mercado agora o exigia.
A educação, nesse momento é marcada pela Reforma Francisco Campos, que
disciplinou o Ensino Superior, Médio, Secundário e Profissional através da expedição de uma
série de decretos. No que tangia ao Ensino Profissional, através do decreto 20.158/31, o
Ensino Comercial se transformou em um ramo especial do Ensino Médio, mas sem qualquer
interlocução com o Ensino Secundário e com o Ensino Superior (OLIVEIRA, M., 2003, p.
31), o que revela a completa desconexão entre os diferentes níveis de ensino.
Para dar prosseguimento às mudanças iniciadas pela Reforma Francisco Campos, é
instituída a Reforma Capanema em 1942, sendo pela primeira vez criada uma legislação que
se detém sobre a organização do Ensino Técnico-Profissional (ibid., p. 32). Houve, a partir
daí, toda uma reorganização curricular da Escola Básica, inicialmente, institui-se a educação
primária que seria a base de todos os cursos. Depois dessa etapa, a seguir vinha o Ensino
Médio, que era ministrado em duas modalidades de cursos: Ensino Técnico e Ensino
Secundário.
O Ensino Médio naquele período, diferente de hoje, passa a ter dois ciclos. Nos cursos
Técnico-profissionais o 1º ciclo era preparatório do 2º ciclo, o qual correspondia à parte
técnica. Por exemplo, eram quatro cursos profissionais: curso Técnico Normal, Industrial,
Comercial e Agrícola; desse modo havia um curso de 1º ciclo para cada um deles, sendo que
este tinha a função propedêutica para o 2º ciclo, o que impossibilitava a migração de um curso
para outro. Já o Secundário, era de formação geral e de preparação para a universidade, este
daria a quem o cursasse a possibilidade de ingressar em qualquer curso universitário
escolhido, diferente dos cursos técnicos que só permitiam a entrada na universidade em cursos
da mesma área (MANFREDI, 2002, p. 99-100).
56
Vemos aí que há uma restrição dos cursos técnicos para a entrada no Ensino Superior,
além de que, simultaneamente a eles há uma rede paralela de formação científica no Ensino
Secundário. Na realidade, a reorganização da Escola Básica foi fruto das pressões da
burguesia industrial em expansão que exigia do Estado a responsabilização pela formação da
classe trabalhadora que iria ser absorvida pelo setor industrial. O Estado, procurando ir ao encontro dos interesses e das necessidades das empresas privadas, se propõe a assumir o treinamento da força de trabalho de que elas necessitavam. Essa medida política é tomada no interesse do desenvolvimento das forças produtivas (veja-se o pronunciamento do então Ministro Capanema de querer “criar um exército de trabalho para o bem da nação”), mas beneficiando diretamente setores privados da indústria (FREITAG, 1980, p. 52-53).
Por um lado, foi atendida as reivindicações das empresas privadas, mas o governo
Vargas criou uma estratégia para dividir a responsabilidade de formar a massa trabalhadora.
Além da dualidade do ensino público foi criada uma rede privada, paralela a este sob a
supervisão do Ministro Capanema, sendo marcada
(...) Pela criação do Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Posteriormente foram implantados o Serviço Nacional da Agricultura (Senar) e Serviço Nacional de Transporte (Senat), que completaram o denominado Sistema S (OLIVEIRA, M., 2003, p. 33).
Desse modo, a rede pública e a privada cumpriam finalidades diferenciadas na
preparação dos trabalhadores, embora servissem igualmente à corroboração da estrutura dual. (...) As escolas Industriais (destinadas aos alunos que, geralmente, não trabalhavam e estavam vinculados aos ramos técnico-profissionalizantes) e as Escolas de Aprendizes (ligadas aos recém-criados Senai e Senac), nas quais os alunos eram trabalhadores. Nas primeiras os alunos recebiam uma formação mais completa, para um ofício que demandava maior capacitação e, por isso mesmo, maior disponibilidade de tempo. Já nas segundas, os alunos-trabalhadores recebiam um treinamento mais pontual, para exercerem melhor seus ofícios (ibid., p. 33).
Já, o Ensino Secundário era destinado aos filhos das elites, que cursavam escolas de
melhor qualidade, por outro lado o Ensino Técnico-profissional existia com o objetivo de
instrumentalizar os filhos dos operários em um ensino técnico e mecânico a fim de virem a
ocupar os postos de trabalho das indústrias e empresas. Além dessa perspectiva excludente,
outro aspecto complicador caracteriza o Ensino Profissional desta época, pois havia um
agravante na sua oferta, uma vez que o governo não somente se contentou em destinar o
57
Ensino Técnico à população mais pobre, mas criou uma segunda categoria dentro dessa
modalidade de ensino ao instituir uma rede privada de ensino.
É importante salientar, que a criação desta rede privada não foi como comumente
costuma se pensar, iniciativa dos empresários, mas estes foram obrigados coercitivamente por
Vargas a assumirem parte do ônus da capacitação dos trabalhadores. Essa ação impositiva do
governo é notória, já que os empresários, na maior parte do grupo “resistia à instituição de
uma aprendizagem sistemática, vinculando trabalho e escola. Além, disso os empresários
também se opunham à remuneração dos trabalhadores-aprendizes” (ibid., p. 33). Há dessa
maneira, um duplo descomprometimento do Estado, primeiro ao não garantir uma escola
unitária e, ainda, ao se eximir de certo modo da formação do trabalhador transferindo-a para a
iniciativa privada.
2.1.4 – LDB 4.024/61: a convergência dos embates entre os publicistas e os
privatistas num projeto dual – a expansão do Sistema S e a efetivação dos
interesses privados
Após os vários embates travados entre os privatistas e os publicistas da educação e,
depois de tramitar 13 anos entre a Câmara e o Senado, em 20 de dezembro de 1961, é, enfim,
sancionada a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 4.024/61. “Ela é o
compromisso entre as duas tendências expressas pelos dois projetos-de-lei (Mariani e
Lacerda). Assim ela estabelece que tanto o setor público quanto o particular tem o direito de
ministrar o ensino no Brasil em todos os níveis” (FREITAG, 1980, p. 58).
Como a Lei se baseava numa proposta populista do “agradar a todos” para continuar
governando, mesmo com a sua promulgação, “em fins de 1961, a dualidade estrutural ainda
persistiria, embora se tivesse garantido maior flexibilidade na passagem entre o ensino
profissionalizante e o secundário” (MANFREDI, 2002, p. 113).
Assim, do Projeto de Clemente Mariani se extrai a equiparação dos Cursos Técnicos
ao Secundário, o que permite o ingresso, após sua conclusão, no Ensino Superior. Pelo lado,
dos privatistas facultou-se a implantação de cursos pré-técnicos, que teriam a duração de um
ano, diferente dos cursos secundários que tinham duração de três anos. No caso, as mesmas
disciplinas ministradas pelos cursos Secundários deveriam ser ministradas naqueles cursos em
caráter geral. Instituiu-se, ainda, a realização do estágio a fim de garantir uma maior qualidade
no exercício da profissão (OLIVEIRA, M., 2003, p. 34-35).
58
Mesmo, havendo uma conquista em relação à flexibilização entre a passagem do nível
Secundário para o Ensino Superior foram criados mecanismos para barrar essa entrada com a
cobrança de taxas às famílias e do incentivo à expansão da rede privada. As principais agências de Educação Profissional, as entidades do Sistema S – especialmente o Senai – construídas segundo a ótica e as necessidades dos setores empresariais, não só foram mantidas como um sistema paralelo, mas também tiveram períodos de expansão, notadamente quando da ascensão dos militares no poder, a partir de 1964. (...) A perspectiva tecnicista dos projetos de desenvolvimento desse período fortaleceu o Sistema S e as iniciativas das empresas privadas estatais, por intermédio do PIPMO e da Lei 6.297/57, que concedeu incentivos fiscais para que as próprias empresas desenvolvessem seus projetos de formação profissional (MANFREDI, 2002, p. 113).
O final dos anos 60 corresponde ao período do milagre econômico e da expansão das
indústrias de siderurgia e de bens de consumo, houve uma forte preocupação dos empresários
com a formação da classe trabalhadora. “O que acarretou uma grande demanda para a
educação, em todos os níveis, sobretudo, no âmbito do Ensino Profissional, tanto no grau
técnico, quanto no superior” (OLIVEIRA, M., 2003, p. 35). É interessante pontuar que o
objetivo da expansão não se devia à democratização do ensino, ou mesmo à inclusão social,
mas ao contrário, visava atender às demandas do mercado, até mesmo porque boa parte das
iniciativas estava circunscrita à esfera privada.
Diante do milagre econômico e da flexibilização dos cursos, houve uma acirrada
corrida dos alunos dos Cursos Técnicos para ingressar no Ensino Superior, estes viam a
possibilidade de atingir uma melhor preparação que lhe possibilitasse sair dos empregos
precários das indústrias. Dessa maneira, as vagas se tornaram escassas já que os alunos das
classes médias já as disputavam, então as elites criam um estratagema para barrar essa
acirrada competição, como veremos adiante.
Dessa maneira, a consolidação do Sistema S em sua gênese (anos 30) foi o modo como
os privatistas encontraram de continuar direcionando os conteúdos educacionais para a classe
trabalhadora já que tinham liberdade de ministrar o ensino sem a interferência estatal. São
diferentes as entidades que compõem o Sistema S (O Serviço Nacional da Aprendizagem
Industrial – Senai e o Serviço Social da Indústria – Sesi ligadas ao setor industrial; e o Serviço
Nacional da Aprendizagem Comercial – Senac e o Serviço Social do Comércio – Sesc,
ligadas ao comércio; além do Serviço Nacional de Aprendizagem Agrícola – Senar, na área
agrícola; e, na área de transportes há o Serviço Nacional de Aprendizagem de Transportes –
59
Senat e o Serviço Social em Transportes – Sest) as quais possuem suas especificidades, mas
igualmente “são de natureza privada, mantidas com recursos públicos (portanto, sujeitas ao
Tribunal de Contas da União), mas geridas por entidades sindicais empresariais”
(MANFREDI, 2002, p. 190).
Manfredi (2002, p. 182) sinaliza que o foco inicial do Sistema S atendia
primordialmente os interesses privatistas como foi o caso do Senai e Sesi que na década de 30
e 40 criaram projetos educacionais a fim de disciplinar o trabalhador brasileiro e garantir a
paz social. Isso com base nas premissas de colaboração entre capital e trabalho e mediante a
crença de que o desenvolvimento industrial conveniente aos empresários se estendia aos
trabalhadores e a todos os brasileiros, independente de sua classe social.
Contudo atualmente, alguns fatores têm contribuído para se considerar com mais
cautela os objetivos pretendidos por esses organismos. Quais seja o fato das instituições
estarem espalhadas em todo o território nacional, sofrendo as influências regionais; além do
quadro funcional com grande número de trabalhadores das diversas áreas técnicas, sociais,
artísticas, educacionais e de saúde, que além de terem formação bem diversificada vêem as
instituições como prestadoras de serviços públicos. Esses segmentos de trabalhadores
compreendem como requisito da luta sindical a lealdade ideológica para a valorização da
democratização dos bens sociais e culturais e da cidadania.
Diante disso a autora expõe que há diferentes concepções político-ideológicas, de um
lado aquelas defendidas pelas posições das direções e de alguns documentos que expressam
os princípios estratégicos e, de outro lado, as posições assumidas em documentos de natureza
mais técnico-operacional, que são fruto de elaboração dos profissionais acima citados. Essa
miscelânea de concepções se dá prioritariamente no que diz respeito à educação em geral e
principalmente no campo da Educação Profissional. As contradições no plano do discurso
revelam a heterogeneidade que é própria das práticas educativas dos diferentes espaços
integrantes de redes tão extensas, tanto do ponto de vista territorial, como da variedade de
composição profissional.
Assim, é necessário cautela ao afirmar que as instituições do Sistema S se prestam aos
objetivos tão somente dos empresários, mas sendo constituinte do sistema educacional revela
as contradições inerentes ao sistema educativo brasileiro.
2.1.5 – A reforma de 1º e 2º graus, a primeira iniciativa de uma escola unitária
Já com o período ditatorial estabelecido é instituída a Reforma do Ensino de 1º e 2º
graus, através da promulgação da Lei 5.692/71, a qual é responsável por atrelar o Ensino
60
Secundário à profissionalização. A finalidade seria possibilitar aos estudantes a conclusão dos
seus estudos e ingressar logo no mercado de trabalho, já que iriam adquirir as habilidades
técnicas sob o respaldo da legislação. Por outro lado, “deixariam assim de exercer pressão
sobre as universidades, preservando as vagas aí disponíveis para uma minoria (que
casualmente coincidiria com a classe alta e média alta). (...) Assegurada a contenção, estaria
assegurada a reprodução das relações de classe” (FREITAG, 1980, p. 95).
Além de visar à contenção para a universidade a lei tinha o fim de despolitizar o
Ensino Secundário por meio de um currículo tecnicista, tendo como foco a preparação de uma
força de trabalho, qualificada dentro de determinados pré-requisitos, para atender às
demandas do mercado cuja expansão era decorrente do milagre econômico (KUENZER,
2007, p. 17).
Por isso mesmo, a autora sinaliza que a lei propõe uma rede de formação profissional
com certa generalização na preparação técnica, embora simultaneamente apresente uma
natureza fragmentada, com cursos especializados bem definidos para atender demandas
específicas do processo produtivo. São estabelecidos pelo Parecer nº 45/72 52 (cinquenta e
duas) habilitações plenas (nível técnico) e 78 (setenta e oito) habilitações parciais (nível
auxiliar), totalizando 130 (cento e trinta) possíveis cursos, com foco prioritário para o setor
secundário, o que revela a essência da proposta pedagógica atrelada ao modelo de
desenvolvimento pretendido.
A lei de 1º e 2º graus – com seu viés coercitivo de profissionalização – abriga uma
série de contradições, admitindo a dualidade estrutural uma vez que esta é característica da
organização social num plano maior, diante do que propõe superar essa realidade com a
implantação de um sistema escolar de via única para todos (KUENZER, 2007, p 21). A
efetivação dessa propositura seria/é pouco provável de ocorrer, pois não é possível atribuir à
escola a responsabilidade única pela superação da desigualdade e da exclusão presentes na
sociedade, já que a origem dessa problemática está atrelada ao contexto econômico e social
baseado no capital.
Apesar das limitações da Lei 5.692/71, essa foi a primeira ação oficial de implantação
de uma escola única, que integrava o Ensino Propedêutico e o Profissional, contudo esta lei
não se sustenta diante da realidade social multifacetada e com tantas desigualdades.
Assim é possível compreender que a mesma burguesia que lutou para instituir a
reforma, agora se debruçava pela sua extinção, ou seja, instituía-se a luta para a não
continuidade das políticas. Isto porque havia interesses de outras naturezas, pois o foco estava
61
voltado para a estratégia legal de dar continuidade ao ensino propedêutico ainda que para
atender alguns grupos minoritários. Assim a resolução nº 2 do Conselho Federal de Educação facultou ao aluno perfazer apenas um terço da parte de formação especial (leia-se profissional), prevista na lei 5.692/71. Soma-se, ainda, que o Conselho Federal de Educação, ao elaborar a referida lei, deixou, também, uma boa margem para os mecanismos de ajustamento à função propedêutica, que, dessa forma, continuou sendo usada, principalmente pelas escolas particulares que atendiam às elites (OLIVEIRA, M., 2003, p. 38).
Dessa maneira, devido às pressões da burguesia em expansão, somando-se a isso a
evidente falta de planejamento, parcos recursos e falta de professores habilitados deflagra-se o
fracasso da proposta de profissionalização, então, a Lei 5.692/71 é revogada com a Lei 7.044/
82 que desatrela o Ensino Técnico do Ensino Profissional. Pode-se dizer que a Lei da
Reforma do Ensino de 1º e 2º graus sucumbe, mais por falta de estruturação das políticas
públicas e da devida garantia das condições materiais para sua operacionalização, do que fato,
pela falta de convicção sobre sua eficácia. Até mesmo porque a eficiência poderia ser
analisada sob diferentes ângulos a depender da classe social de origem do analista.
Em se tratando das elites, o estratagema formulado conseguiu surtir o efeito desejado,
pois o objetivo era formar as classes subalternas para o desenvolvimento de uma função
técnica, além de controlar a corrida para os cursos superiores. Mas, aí é que a proposta da
integração se enviesou, necessitava de altos insumos e de uma efetiva reestruturação das redes
de ensino, coisa que era impraticável na visão das elites, já que para tal ação demandaria
investimentos muitos altos numa escola que iria formar apenas filhos de operários.
“Podemos, então inferir que a qualidade na educação numa sociedade dual como a nossa não
será (é) um direito, e sim um privilégio de grupos minoritários” (OLIVEIRA, R., 2003, p. 23).
Quatro anos depois, em 1975, o Brasil firma parceria com o Banco Mundial e lança o
Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico (Protec), cujo objetivo, embora não
alcançado, era criar duzentas escolas industriais e agropecuárias. Oliveira, em trecho de
entrevista com um coordenador de curso revela que
(...) Foi mais uma balela! Tanto dinheiro do contribuinte que foi “ralo abaixo”! Sabe-se que a grande maioria dessas escolas não criada, mas o “empréstimo” foi feito e os juros foram pagos, logicamente, o capital também. O referido “mega projeto” de criação de 200 escolas foi só marketing, propaganda enganosa. Sabe-se, também, que mesmo as escolas que foram implantadas não deram certo, pois foram instaladas, por força política, em locais inadequados, fora dos pólos de desenvolvimento. O MEC não fez pesquisa para escolher os locais, o que valeu
62
mesmo, foi o “critério político”, aliás, como sempre (OLIVEIRA, M., 2003, p. 40)1.
Mais uma vez, prevalecem os interesses do capital na educação, denotando um
contrassenso, pois se prega a liberdade econômica do país, mas sempre que necessário o
Estado é usado para fins particulares.
2.1.6 – Os números do Ensino Profissional e a filosofia subjacente ao crescimento
da rede de ensino – décadas de 30 a 70
É nítido que os interesses por detrás da expansão do Ensino Profissional eram
eminentemente de cunho mercadológico, como até hoje ocorre. Dessa forma, as finalidades
não objetivavam democratizar o ensino, mas suprir o mercado em constante expansão. É
perceptível a demanda das indústrias por trabalhadores nos anos 90, levando o Estado a
investir nesta modalidade de ensino, como mostra a tabela abaixo.
TABELA I
Evolução do crescimento da população total, da população ativa e da população empregada na indústria entre 1940 e 1970
POPULAÇÃO
Anos Total População
Ativa
% da
população
ativa
População empregada
na indústria
% em relação
população ativa
% da
população
total
% da
população
ativa
%
população
da indústria
1940
1950
1960
1970
41.236.315
51.944.397
70.119.071
93.204.379
14.758.598
17.117.362
32.624.263
29.545.293
35,79
32,95
32,26
31,69
1.518.888
2.468.866
2.963.160
5.263.805
10,29
14,42
13,09
17,81
100
125
170
226
100
115
153
200
100
162
195
346
Fonte dos dados brutos: Estatísticas da Educação Nacional, 1960/1971, MEC. In: ROMANELLI, 1998, p. 111.
É o governo de Getúlio que dá o pontapé inicial, afinal ele precisava corresponder aos
anseios das oligarquias rurais falidas das quais ele comprou o excedente de café com a crise
de 30 e que agora migrava para o setor industriário. A tendência de crescimento desse setor da
economia, se dá em parte, devido aos incrementos advindos da forte política de intervenção
estatal dos governos militares, gerando o famoso “milagre brasileiro”. Isso à custa do aumento
1 Entrevista com um coordenador de curso que não foi identificado.
63
da dívida externa devido às parcerias com instituições internacionais como o Banco Mundial,
acarretando, assim, no aumento da desigualdade social. Assim entre 1940 e 1970 percebemos
que os percentuais da população na indústria ultrapassam tanto o crescimento da população
total quanto da população economicamente ativa (ver tabela I).
Para se ter ideia, enquanto o Ensino Secundário cresceu 272% o Ensino Industrial
aumentou 435%, contudo esse índice não representava uma valorização da educação do
indivíduo, pois o Ensino Industrial destinava-se à massa populacional desfavorecida
economicamente. Ribeiro (2002, p. 143) explicita que “(...) a desvalorização da “via” do
ensino profissionalizante em relação à “via” do ensino secundário, parece não ter caminhado
tanto em termos de uma solução”.
Nesse período, a formação na educação geral era oferecida, mas num segundo plano,
pois a ênfase estava no conhecimento técnico-profissional. Isso porque o modelo de produção
se baseava no taylorismo-fordismo, onde a aprendizagem estava circunscrita ao campo de
uma técnica ministrada em cursos aligeirados ou no próprio trabalho, para o que a formação
nas primeiras letras era suficiente. Isso porque, as agências formadoras acreditavam que “o
desenvolvimento das competências intelectuais superiores e o domínio do conhecimento
científico-tecnológico não se apresentavam como necessidade para os trabalhadores”
(KUENZER, 2009, p. 30) uma vez que o processo de industrialização estava na primeira fase.
Pela negação de uma “sólida” educação de formação geral, os trabalhadores não
desenvolveriam a noção da produção em sua completude, além de que, essa lógica era
reforçada pelo desenvolvimento fragmentado do trabalho, sendo uma característica da linha
de montagem. Vemos se delinear entre os anos 50 e 70, principalmente, a implantação de uma
visão tecnicista na organização do ensino “de acordo com os ditames do taylorismo-fordismo
através da chamada ‘pedagogia tecnicista’, que se procurou implantar no Brasil, através da lei
n. 5.692/71, quando se buscou transportar para as escolas os mecanismos de objetivação do
trabalho vigentes nas fábricas” (SAVIANI, 2005, p. 23).
Nesse contexto de expansão de empregos socialmente protegidos, ainda que diante da
exploração da mão de obra, era difícil para a maior parte do próprio proletariado – que se
encontrava imerso no processo – compreender o tamanho do fosso social em que se
encontrava diante dos efeitos nefastos do não acesso às bases consistentes de uma formação
geral. Para estes o conceito de competência profissional compreendia alguma escolaridade, treinamento para a ocupação e muita experiência, de cuja combinação resultava
64
destreza e rapidez, como resultado de repetição e memorização de tarefas bem-definidas, de reduzida complexidade, e estáveis (KUENZER, 2009, p. 31).
Assim percebe-se que os conhecimentos mecânicos e a formação profissional
aligeirada eram suficientes para o exercício de atividades de menor prestígio social, já que a
inserção no mercado de trabalho para a massa popular se dava, principalmente, através da
informalidade e em empregos sem a formalização do contrato de trabalho, ou quando da
existência deste contrato, com condições precárias de trabalho (falta de plano de saúde, não
pagamento de auxílio transporte, horas excessivas de trabalho, e outras situações) e com baixa
remuneração. É notório que não se vislumbrava outras possibilidades de formação ou
ascensão social para essa classe social, desse modo, diante dessa realidade excludente, aqueles
que alcançavam o “status” de ter um emprego, ainda que precário, acreditavam gozar de uma
aparente melhoria social.
Diante disso, revela-se, mais uma vez, que a legislação visava à previsão de um
disciplinamento requerido pelo mercado, mas sem atentar para as condições materiais da
consecução da proposta elaborada. Dessa maneira, é importante ter-se em mente que as
variações legislativas sobre o Ensino Profissional acompanhavam as tendências de
crescimento do mercado, porém nem sempre havia uma preparação social e estrutural para
consolidação dessas políticas, por isso se justifica a sua descontinuidade.
2.2 – AS REFORMAS EDUCACIONAIS NO FINAL DO SÉCULO XX e INÍCIO
DO SÉCULO XXI
2.2.1 – Contexto de implantação da nova Lei da Educação – LDB 9.394/96 e o
lugar da Educação Profissional
Com o fim da ditadura militar, ocorre o processo de abertura política despontando-se,
agora, uma conjuntura democrática que estava se consolidando. Para responder aos anseios da
população e corroborar o momento histórico se fazia necessário um instrumento normativo
compatível com o processo social que se estruturava. Desse modo, é elaborada a nossa última
Carta Magna no ano de 1988, que ficou conhecida como Constituição Cidadã, uma vez que
restituiu uma série de direitos sociais dos indivíduos, inclusive o direito à educação pública
com o adendo da qualidade, prevendo ainda que deveria ser formulada uma Lei que
disciplinasse sobre esse assunto.
65
Com a garantia legal, o passo seguinte seria a formulação da nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, o que ocorreu sob uma tumultuada trajetória onde coube espaço para mais
de um projeto, sucessivas reformulações e disputas internas, pois muitos eram os interesses,
assim finalmente é promulgada a Lei 9.394/96. É o governo de Fernando Henrique Cardoso,
cuja política de Estado se baseava numa lógica neoliberal que irá ser o cenário da discussão e
aprovação da nova LDB. No processo da elaboração da LDB o projeto inicial foi formulado por Saviani onde Propunha várias modificações na educação nacional, tendo como ‘pano de fundo’ uma concepção de educação baseada na tradição crítico e dialética. No âmbito referente ao ensino médio, (...) a meta era avançar na direção do ensino politécnico, proposto por Marx e Engels e renovado por Gramsci e outros teóricos (OLIVEIRA, M., 2003, p. 41).
Este foi um projeto de cunho essencialmente democrático, forjado na discussão com a
sociedade civil, tendo sido elaborado no legislativo, diferente de outros projetos no Brasil que
eram instituídos pelo Poder Executivo. No entanto, este sofreu várias emendas e
reformulações se transformando no substitutivo Jorge Hage, que por fim veio a ser
engavetado definitivamente e substituído pelo projeto apresentado pelo senador Darcy Ribeiro
ao Senado, sem uma prévia discussão na Câmara dos Deputados. Este projeto é aprovado,
justamente, porque nele convergia a ideologia neoliberal sobre a qual estava assentado o
governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (SAVIANI, 1997, p. 199). A Lei
comungava com o ideal de uma intervenção estatal cada vez menor, política defendida por
FHC, sendo que a reforma do Estado iniciada em seu governo (...) Vem, no bojo das políticas neoliberais, cumprindo a meta de estabelecer o Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital; a um só tempo avançando em privatizações e terceirizações, reduzindo as políticas públicas e os direitos sociais. Como processo e, nos marcos da luta de classes, o projeto de reforma do Estado brasileiro não vem se dando de forma orgânica, como desejariam os donos do capital (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2006, p. 202).
Esse novo contexto socioeconômico de acumulação flexível do capital culminou no
processo de reestruturação produtiva como demonstra Harvey,
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, de mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços, financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
66
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 1996, p. 140).
Nessa nova conjuntura de tecnologização e modernização, a educação passa a ser vista
não mais como bem público e de responsabilidade do Estado, mas assim como tudo ganha a
tutela de gestão do mercado será considerada como uma mercadoria. Para se coadunar com
essa visão ganham centralidade, como se discutiu anteriormente, a Teoria do Capital Humano
e de Competências que rompem com a lógica do conhecimento técnico presente no fordismo
e taylorismo. É necessário agora nesse novo contexto a instrumentalização nos processos
científicos e tecnológicos mais modernos baseados na microeletrônica e informática, diferente
do antigo modelo que se utilizava da mecânica e eletrônica.
Ao invés de ser utilizada para a democratização do saber e melhoria das condições
sociais, passa a ser moeda de troca do capital, que se apropria da cultura produzida
historicamente para subordiná-la aos seus interesses. Acabou-se, assim, por estabelecer uma
relação estreita e mais ou menos direta entre educação e trabalho, com base no pressuposto,
anteriormente referido, sob a justificativa das novas demandas requeridas pela sociedade para
este (FERRETTI, 2002, p. 3).
Manfredi (2002, p. 114) demonstra que até chegar à sua promulgação os artigos 38 a
40, que tratam da Educação Profissional, foram elaborados mediante uma acirrada discussão,
sendo que foram formulados projetos de diferentes esferas da sociedade. Pelo lado do
Governo foram criados dois anteprojetos distintos: o do Ministério da Educação, por meio da
Secretaria de Ensino Técnico – Sentec (posteriormente denominada Secretaria da Educação
Média e Tecnológica – Semtec e atual Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica –
Setec); e o do Ministério do Trabalho, por meio da Sefor – Secretaria de Formação e
Desenvolvimento Profissional. Na esfera da sociedade civil, várias entidades de profissionais
da educação, órgãos de pesquisa, entidades sindicais, não-governamentais e populares
utilizaram o Fórum em Defesa da Escola Pública como vetor de seu pensamento.
A autora expõe que o foco do projeto do Ministério do Trabalho estava eminentemente
voltado para políticas de formação dos trabalhadores, diante do que nega a importância da
Escola Básica e eleva a Educação Profissional. Isso porque acredita que a formação do
profissional deve estar pautada na ênfase de habilidades e de conhecimentos básicos,
específicos e de gestão, voltados para o desenvolvimento plural do indivíduo, os quais só
poderão ser adquiridos e validados por experiências de trabalho, o que possivelmente
viabilizará o reingresso no sistema educacional formal. Além disso, a Educação Profissional é
67
contemplada como uma política pública inserida num plano nacional de desenvolvimento
econômico e tecnológico, que se entrelaça com políticas de emprego, de trabalho e renda.
Já o projeto do MEC, através da Secretaria de Ensino Técnico (Sentec) – atual Setec –
propunha uma Educação Profissional dissociada do Ensino Médio, para o que deveria ser
criado um Sistema Nacional de Educação Tecnológica. Acabou por configurar um desenho de Ensino Médio que separa a formação acadêmica da Educação Profissional, aproximando-se muito mais dos interesses imediatos dos empresários e das recomendações dos órgãos internacionais do que das perspectivas democráticas inerentes aos projetos defendidos pelas entidades da sociedade civil (MANFREDI, 2002, p, 119).
O Órgão do Governo ao invés de defender os interesses da população, já que é uma
entidade representativa do povo, mais uma vez se colocou a serviço do capital e dos
empresários – ao defender a fragmentação entre Educação Básica e formação para o trabalho,
como se fossem conhecimentos de natureza diferentes – o que nos leva a questionar o seu
compromisso com uma educação pública de qualidade alicerçada na politecnia (conceito que
se discutirá no quarto capítulo).
Em se tratando da esfera da sociedade civil as propostas cumprem a objetivos
diferentes, pois existem as entidades democráticas que visam fazer emergir as necessidades da
população, e por outro lado nessa mesma sociedade civil temos o segmento dos empresários
que agem em prol da acumulação do capital. Desse modo, Manfredi (2002) demonstra que
por um lado temos o projeto dos educadores e das organizações populares e sindicais, que se
articularam através do Fórum de Defesa pela Escola Pública, sendo a principal proposta a
criação de uma escola básica unitária. Para tanto, se apontava a necessidade de construção de
um sistema nacional integrado, apto a promover a unificação entre trabalho, ciência,
tecnologia e cultura.
A perspectiva apontada na proposta é a de uma educação de base sólida, desenvolvida
na escola básica inicialmente, sendo que esta propiciaria ao jovem os meios para trabalhar
técnica e intelectualmente já que seria responsável por auxiliar na aquisição de capacidades
básicas. Isso garantiria a jovens e adultos a atuação no processo de construção social tanto
como cidadãos, assim como trabalhadores. Para que isso pudesse se concretizar, outro aspecto
defendido por esta proposta é a necessidade de construção de um projeto de expansão e
consolidação de uma escola pública de qualidade, sendo que a universalização do ensino
deveria ocorrer em diversos níveis escolares estendendo-se a obrigatoriedade até o Ensino
Médio.
68
Embora os focos de interesse das entidades democráticas que compõem essa proposta
tenham suas particularidades, há um ponto comum de convergência no discurso por elas
defendido, uma vez que lutam pela ampliação da escolaridade básica, com vistas à formação
profissional, ao passo que apontam a necessidade de haver uma articulação dessas esferas
com as políticas de emprego. Esse é um ponto bastante relevante porque de nada adiantaria
aumentar os cursos e formar os jovens e adultos se não há nos postos de trabalho e se não há
uma política de proteção do trabalhador.
Já que se tratando da proposta dos empresários brasileiros, o contexto de elaboração
desta proposta diz respeito a uma gama de desafios na administração dos processos produtivos
cada vez mais complexos, o que tem exigido a captação e gestão de uma mão de obra mais
qualificada. Com a crescente modernização, tecnologização e a globalização da economia os
processos produtivos têm sofrido mudanças consideráveis, acarretando na necessidade de uma
mão de obra cada vez mais especializada. Diante disso, há uma preocupação crescente dos
empresários em que haja uma ampliação da Escola Básica e de uma maior qualificação nas
bases técnicas dos trabalhadores, a fim de que estes estejam habilitados a ingressar nos postos
de trabalho.
Desse modo, esse segmento social defende a melhoria da escola básica, com vistas à
qualidade e gratuidade, ao passo que se propõe a reformulação e ampliação do Ensino
Profissional. Sendo que aponta a necessidade de gestão dos programas de educação
profissional através do Sistema S, além de garantir a sua participação nas decisões acerca das
políticas para a Educação Profissional através de sua representação em Conselhos
deliberativos.
Percebe-se que esta proposta em nada questiona a dualidade do sistema de ensino, mas
seu foco está na preparação profissional das camadas populares a fim de que venham a
ingressar no mercado de trabalho, assim, se aproxima da proposta do MEC que defende uma
educação tecnológica.
Assim após essa tormentosa discussão e os vários embates, onde cada segmento social
tentou fazer prevalecer seu ponto de vista e interesses, dá-se o nascimento de nossa LDB, Lei
9.394/96, a qual já nasce com várias brechas e incongruências, frustrando as expectativas a
tanto acalentadas. O que podemos perceber é que as discussões e o processo democrático não
tiveram de fato uma validade, já que o projeto aprovado não emanava da vontade popular,
mas se constituiu como instrumento coercitivo obedecendo a uma perspectiva linear. Como
vimos anteriormente, embora tenha sido formulado um projeto democrático, com a
69
participação popular, este é arquivado, para dar lugar ao projeto do MEC criado isoladamente
pelo senador Darcy Ribeiro.
Como um aspecto deficitário, apontamos que embora estabeleça vários princípios para
Educação Básica, a lei não cria mecanismos para sua consecução, como por exemplo, a
extensão da gratuidade ao Ensino Médio, para o que não cria um disciplinamento para
captação de recursos de modo consistente. Assim, todo o ganho para este nível de ensino é
esvaziado diante da não obrigatoriedade de sua oferta.
Com relação à proposta exposta para o Ensino Médio revela uma educação numa
visão unitária como explicitado nos seus artigos 35 e 36, onde este nível de ensino possui as
seguintes finalidades:
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e para a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo que seja capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou a aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania (BRASIL, 1996, p. 13).
Da leitura, apreende-se que o objetivo é formar o indivíduo tanto nas bases da cultura
geral, que lhe possibilitará compreender a história da humanidade e as relações estabelecidas
socialmente para a organização da cultura e do trabalho; assim como será preparado para a
inserção no processo produtivo, ao dispor dos conhecimentos científicos e tecnológicos,
relacionando teoria com a prática. No entanto, como já foi explicitado, a sua não
obrigatoriedade é um fator que dificulta à implantação de uma política mais consistente, além
de que se tem no Brasil na atualidade uma situação de dificuldade de acesso ao Ensino Médio.
Somente 45% dos jovens brasileiros conseguem concluir o Ensino Médio, e destes 60% o
fazem em situação precária – em cursos noturnos ou supletivos (FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2005, p. 01). Vê-se aí, que este ainda é um nível com grande seletividade, assim
Pretende-se evidenciar que as finalidades postas para o Ensino Médio pela LDB devem ser tomadas como ponto de chegada, posto que somente possíveis de concretização quando esse grau de ensino estiver plenamente democratizado,
70
oferecendo a todos educação tecnológica de qualidade, para o que são necessárias condições concretas que não estão dadas. (...) Em resumo, a efetiva democratização de um Ensino Médio que ao mesmo tempo prepare para a inserção no mundo do trabalho e para a cidadania, complementado nos níveis subseqüentes por formação profissional científico-tecnológica e sócio-histórica, tal como o proposto nas finalidades expressas na legislação, exige condições materiais que não estão dadas para o caso brasileiro (KUENZER, 2009, p. 40-42).
Nesse contexto, é preciso que sejam viabilizadas as condições concretas de acesso e
permanência dos jovens brasileiros na escola, já que a simples oferta de vaga não garante uma
vida escolar de sucesso. Se não forem geradas condições objetivas, o cumprimento da lei
ficará inviabilizado diante da realidade social desigual a que estão submetidos os jovens.
Diante disso, dispor de mecanismos legais sem as condições materiais trata-se de um
pensamento enviesado que objetiva a reprodução de classes. já que boa parte dos jovens não
possui as mesmas oportunidades de acesso e permanência à escola.
Não diferente deste pensamento, mais adiante nos artigos 39 a 41 é disciplinado sobre
a Educação Profissional onde se lê
Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho (BRASIL, 1996, p. 15-16).
Ao admitir a possibilidade de articulação entre o Ensino Médio com cursos de
preparação para o exercício de uma profissão, garantindo antes a formação geral, observa-se
uma aproximação da Lei à ideia defendida pelos teóricos da politecnia (conceito a ser melhor
aprofundando no capítulo quatro quando será tratado do Plano de Educação Profissional da
Bahia). Estes teóricos apontavam para a necessidade da formação geral ser trabalhada de
modo implícito no Ensino Fundamental e, já no Ensino Médio deveria ocorrer a correlação
direta e explícita entre educação e trabalho (RAMOS, 2006, p. 138).
Há ainda autores que acreditam que o termo articulação utilizado no artigo 40 não é
apropriado. Aponta-se que a LDB com essa redação, trata a Educação Profissional como item
à parte da Escola Básica desvinculando a Educação Profissional do Sistema de Educação
Nacional; assim seria mais seguro utilizar o termo “integração” do Ensino Profissional com o
71
Ensino Médio (OLIVEIRA, 2009, p. 2-3); sendo que ainda assim, mesmo essa articulação, foi
inviabilizada pelo Decreto 2.208/97.
Tal observação é pertinente, já que, ao disciplinar sobre o Ensino Médio apontando a
seu caráter de formação cidadã e nas bases científicas e tecnológicas, já se estaria dando
conta, em tese, de uma educação para inserção no processo produtivo. Aí é que, embora
discipline sobre uma educação de preparação para o trabalho com vistas à formação em bases
científicas e tecnológicas, o grande vácuo deixado pela lei é tratar o problema da educação a
nível pedagógico, desconsiderando o aspecto econômico e social.
Essa era a preocupação, como citado anteriormente, da proposta apresentada pelo
projeto dos educadores e das organizações populares e sindicais através do Fórum em Defesa
da Escola Pública, ou seja, a ampliação da Escola Básica até o Ensino Médio, com vistas à
formação intelectual e técnica dos jovens. Defendia-se que, aliado a esse projeto de expansão
e consolidação de uma Escola Básica pública e de qualidade, deveriam se criadas políticas de
emprego. Sendo a escola uma instituição social, apontava-se para o fato de que esta não
poderia dar conta, de apenas com a formação dos indivíduos, garantir a sua inserção no
mercado de trabalho, mas para estas organizações populares essa é uma problemática que só
poderia ser resolvida no plano social e com medidas de caráter político.
Como se demonstrou, a interpretação dos artigos da LDB acerca da Educação
Profissional dá margem para vários entendimentos, principalmente quanto à educação para o
trabalho e sobre seu acesso pelas classes sociais, ao passo que não há consenso sobre o
conceito de qualidade de ensino. Aí vemos que Se, de um lado, ela é vista pelos que dela dependem para contar com o usufruto de algum direito, de outro é usada, por aqueles que dela pouco precisam, para salvaguardar seus privilégios. A legislação educacional passa a ser então estratagema ideológico, prometendo exatamente aquilo que não pretende conceder (SEVERINO, 2008, p. 68).
Daí abriu-se margem para diferentes posicionamentos, e, a esperança de efetivas
mudanças se esmaeceu. “Mas aí que a utopia é destruída pelo seu enviesamento ideológico da
legislação como um todo” (ibid., p. 68). É interessante perceber, pois, que mesmo diante do
desejo, a muito latente, de vários setores da sociedade civil de formulação de um projeto
comprometido com uma mudança estrutural da educação, a própria edição da Lei 9.394/96
demonstrou um engodo, já que é promulgado um projeto imposto sem a prévia discussão.
Assim é que, a nova lei, desde seu início demonstra uma frágil aparência e uma insossa
vontade de cumprimento pelos nossos governantes, pois mesmo mantendo o belo discurso da
72
cidadania e igualdade de acesso à educação estabelecendo vários direitos, não garante o seu
cumprimento diante da realidade objetiva.
2.2.2 – O decreto 2.208/97: coibindo a integração
Não sendo suficientes estas questões em torno da elaboração da nova LDB, a lógica
dualista se corrobora mais uma vez, pois com menos de um ano da promulgação da LDB é
estabelecido o Decreto 2.208/97 que retira a possibilidade de integração dos cursos
Profissionais com o Ensino Médio. O Decreto 2.208/97 promoveu a Reforma da Educação Profissional e determinou a extinção da integração entre educação geral e profissional; a priorização das necessidades do mercado; o afastamento de Estado do custeio da educação; o fim da equivalência entre educação profissional e ensino médio. A portaria 646/97 determinou, nos CEFETs, a expansão crescente da matrícula no ensino profissional e a drástica redução do número de matrículas, no ensino médio (OLIVEIRA, 2009, p. 03).
Para justificar tal atitude o MEC usa a desculpa da elitização do Ensino Profissional,
que estaria sendo utilizado pela classe média para ingressar no Ensino Superior, já que, os
centros federais dispunham de uma educação de melhor qualidade, assim, desatrelar o Ensino
Médio do Profissional resolveria esse problema.
(...) O Decreto nº 2.208/ 97 e os outros instrumentos legais (como a Portaria nº 646/ 97) vêm não somente proibir a pretendida formação integrada, mas regulamentar formas fragmentadas e aligeiras de educação profissional em função das alegadas necessidades do mercado (FRIGOTTO, 2005, p. 25).
Desse modo, O Decreto 2.208/ 97, ao regulamentar a LDB em seus artigos 39 a 42 (Capítulo III do Título V), afirma como objetivos da Educação Profissional: a) formar técnicos de nível médio e tecnólogos de nível superior para os diferentes setores da economia; b) especializar e aperfeiçoar (o trabalhador em seus) conhecimentos tecnológicos; c) qualificar, requalificar e treinar jovens e adultos com qualquer nível de escolaridade, para a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho. Assim, “a Educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias da educação continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular; em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho” e abrangerá três níveis: básico, técnico e tecnológico (artigo 2º, Decreto 2.208/ 97). O nível básico destina-se à maioria dos trabalhadores, jovens e adultos, independentemente de escolaridade anterior. Trata-se de uma modalidade de formação profissional cujos cursos não estão sujeitos à regulamentação curricular e podem ser ministrados em múltiplos espaços sociais: empresas, sindicatos, escolas,
73
etc. aos que concluírem os cursos de Educação Profissional nível básico, será conferido, certificado de qualificação profissional (artigo 4º, Decreto 2.208/ 97). O nível técnico destina-se aos matriculados ou egressos do ensino médio. Terá a estrutura organizativa e curricular própria e independente do ensino médio [grifo nosso], podendo ser oferecido de forma concomitante ou seqüencial a ele.No entanto, só será concedido o diploma de técnico àqueles que concluírem o ensino médio (artigo 5º, Decreto 2.208/ 97). O nível tecnológico corresponde aos cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos de nível médio e/ou técnico. (...) O aluno poderá cursar o ensino técnico ao mesmo tempo em que cursa o colegial (concomitante) ou após a sua conclusão (sequencial). Os cursos técnicos poderão ser organizados por disciplinas ou com as disciplinas agrupadas em módulos. Cada módulo profissional cursado dará direito a um certificado de qualificação profissional. Os alunos que concluírem o ensino médio e os módulos que compõem uma habilitação, além do estágio supervisionado, quando exigido, receberão o diploma de técnico (MANFREDI, 2002, p. 129, 130, 133).
Percebe-se que a pauta da reforma caminha na contramão do viés democrático, ao
contrário se aproxima da ideologia mercadológica, a qual desconfigura todo o empenho em
estabelecer uma escola unitária, mas ao invés disso são criadas duas redes de ensino distintas
que funcionarão de modo independente. Na verdade o decreto expressa a necessidade do
governo em se ajustar à política internacional, já que eram seus organismos como o Banco
Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento os fomentadores das políticas
educacionais brasileiras. “Em síntese, o BID determina que a educação profissional seja
excluída do Sistema de Educação Regular, criando-se, assim, um sistema separado para
contemplar essa modalidade de ensino” (OLIVEIRA, R., 2003, p. 61). Diante disso, o
governo brasileiro precisava criar um instrumento normativo para se adequar às exigências do
capital internacional.
Assim é que nesse contexto de mercantilização da educação se deflagra o processo de
elaboração do decreto 2.208/97, sendo que o período que o antecedeu contou com propostas
diversas para a organização da Educação Profissional. As principais propostas
corresponderam ao Projeto de Lei 1.603/96 e o Projeto de Lei 236/96 os quais possuem visões
antagônicas, sendo que os pressupostos inerentes do primeiro é que foram absorvidos pela
política neoliberal do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Isso porque, para Martins (2000, p. 64) o governo estava comprometido com a agenda
dos organismos internacionais como o BIRD, os quais são fieis à ideologia neoliberal no
conteúdo e na forma. Assim seus gestores ao viabilizar os financiamentos para a educação e
saúde tinham objetivos meramente econômicos, já que se constitui como peculiaridade de sua
filosofia a despolitização das relações, submetendo-as ao mercado, sem nenhum compromisso
74
social com a eliminação da exclusão. É circunscrito a esse contexto de ideologia neoliberal
que nasce uma proposta condizente com essa visão, a qual se materializou no PL 1.603/96.
A aprovação do PL 1.603/96 ocorreu a despeito do parecer dos técnicos do governo
que viram com maus olhos a sua promulgação, sendo que no parecer técnico por eles
elaborado descartou-se a desculpa da elitização das escolas técnicas federais apresentada pelo
MEC e repudiou-se ainda a sugestão de substituir o ensino técnico pela educação geral,
seguida de uma educação profissional apressada.
Mesmo diante desse parecer o governo de FHC tinha que cumprir as exigências do
Banco Mundial, assim o MTE e o MEC, tiveram que entrar em acordo diante de suas
divergências de opinião acerca da Educação Profissional e aceitar o PL 1.603/96. Dentre as
“sugestões” (as quais tinham mais um caráter impositivo que optativo, já que o não
cumprimento incorreria na suspensão dos fomentos) a serem acatadas estava: a ampliação das
matrículas no segundo grau, tendo em vista seu papel estratégico de preparação para o
trabalho; e, a urgência em estabelecer fontes exclusivas de recursos para financiar este nível
de ensino, sob a alegação de elitização das escolas técnicas federais como vimos
anteriormente (ibid., p. 67).
Os assessores do MEC que se responsabilizaram por engendrar a elaboração do plano
e que integraram os quadros dos organismos internacionais foram Claúdio de Moura Castro e
João Batista Araújo e Oliveira, os quais têm exercido uma forte influência nas políticas
educacionais federal e estaduais (CUNHA, 2000a, p. 52). Assim é que mesmo com pequenas
diferenças as ideias formuladas por esses técnicos se aproximam das propostas do Banco
Mundial
Se as principais sugestões desse organismo financeiro internacional foram norteadas pelas preocupações em relação ao crescimento da demanda e à escassez de recursos, preocupações que buscam aliar a otimização dos recursos com a necessidade premente de adequar o ensino ao mercado, Castro e Oliveira também caminham nesse sentido. Apontam para o atendimento das necessidades do capital internacional manifestas pelo Banco Mundial, sugerindo a dissociação do ensino médio e profissional, o que viabilizaria a execução das demais medidas de orientação econômica, com vistas a mercantilizar a educação. Por isso, torna-se importante dissociar o ensino médio do profissional, já que se efetivado, poderá não só otimizar os recursos, mas também aproximar o ensino profissional do mercado propriamente dito, treinando os trabalhadores segundo as técnicas momentâneas do sistema produtivo em vigência (MARTINS, 2000, p. 68-69).
Nessa perspectiva o indivíduo será formado de modo mecânico, não sendo
possibilitada a ele uma visão abrangente, já que está sendo habilitado para o saber fazer sem a
possibilidade de articular o conhecimento prático com o teórico. É a educação financiada pelo
75
Estado sendo utilizada para atender aos interesses de grupos minoritários, ao passo que a
formação unitária da população é colocada em segundo plano. Contudo, esses ideais são
confrontados pelas esferas sociais da sociedade civil como sindicatos, escolas e representação
de estudantes.
Assim em contraponto ao PL 1.603/96 é criado o PL 236/96, que se constituiu como
principal forma de resistência à ideologia propalada pela pauta neoliberal. “Seu conteúdo
apresenta iniciativas que visam superar a dicotomia historicamente existente na educação
nacional entre saber e fazer, não admitindo a subserviência ao capital internacional, que exige
a dicotomia histórica característica da sociedade de classes” (ibid., p. 72).
Contudo, o governo de FHC caminha na contramão da democracia, fazendo prevalecer
de modo impositivo uma política para a Educação Profissional pela coercitivivade de um
decreto baixado pelo poder Executivo, desconsiderando a opinião das demais esferas da
sociedade civil. Dessa maneira, a proposta contida no PL 1.603/96 é absorvida pelo Decreto
2.208/97, sendo que a partir de sua base jurídica, uma vez que previa a extinção do ensino
integrado, a Educação Profissional passa a ser gestada por meio de projetos. Nessa
perspectiva, inicialmente o decreto 2.208/97 trabalha no sentido de expandir o Plano Nacional
de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR, que foi estruturado e implementado a partir de
1995, constituindo-se como uma estratégia das Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e
Renda, tendo como principal fonte de financiamento o Fundo de Amparo ao Trabalhador –
FAT.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2003, p.18) o Plano
surgiu com o propósito explícito de propiciar uma oferta de Educação Profissional suficiente
para qualificar, a cada ano, pelo menos, 20% da População Economicamente Ativa – PEA,
algo em torno de 15 milhões de pessoas com idade superior aos 16 anos com o objetivo de
inclusão no mundo do trabalho.
Entre 1995 e 2001, envolveu 15,3 milhões de trabalhadores nos Planos de
Qualificação Profissional ampliando o atendimento de 153 mil educandos, em 1995, para algo
próximo de 4 milhões, em 2001. Durante esse período, houve crescimento significativo do
volume de recursos disponibilizados pelo FAT que passou de R$ 28 milhões, em 1995, para
R$ 493 milhões, em 2001. Entretanto, simultaneamente, a carga horária média dos cursos
oferecidos passou de 150 horas para 60 horas médias, com tal redução ficou claro o indício da
perda da qualidade dos mesmos.
Além da redução da carga horária, em 2003, os recursos orçamentários para a
Qualificação Profissional decresceram para 302 milhões, que, entretanto, foram reduzidos
76
com o contingenciamento para apenas R$ 153 milhões (representando algo em torno de 30%
dos valores do ano anterior). Para 2003, o Orçamento da União definido ainda no Governo
anterior, destinou apenas R$ 186 milhões.
Diante dessa situação o próprio Ministério do Trabalho e Emprego – no Plano
Nacional de Qualificação – PNQ 2003-20072 – admitiu a necessidade de mudanças profundas,
após intenso desgaste institucional. Um conjunto de denúncias, veiculado amplamente pela
mídia levou o Tribunal de Contas da União – TCU e a Secretaria Federal de Controle da
Corregedoria-Geral da União – SFC/CGU a proporem mecanismos visando garantir maior
controle público e operacional.
Verificou-se uma flagrante baixa qualidade dos cursos, em geral, e uma baixa
efetividade social das ações do PLANFOR, o que reforçou tal desgaste e levaram o MTE, já
sob o novo Governo, a instituir o Plano Nacional de Qualificação – PNQ (projeto a ser
discutido mais detidamente no próximo tópico), extinguindo o PLANFOR, reorientando as
diretrizes da Política Pública de Qualificação.
Percebe-se que a preocupação principal se ateve à expansão dos cursos profissionais,
assim ocorre a redução da carga horária diante do que se demonstra a desconsideração com a
formação integral, isso porque o objetivo principal era com uma formação em nível
procedimental, sem atentar para a base científica. “A reforma, ao pautar-se pela desarticulação
entre a Educação Profissional e a Educação Básica implementou também uma reestruturação
no ensino ministrado nas escolas profissionalizantes de nível médio” (BRASIL, MEC/Semtec,
1996 apud OLIVEIRA, M., 2003, p. 25). Desse modo, a reforma resgata a dicotomia do nosso
sistema educativo por meio da dissociação entre ensino geral e profissional.
Como o universo pesquisado na presente dissertação se circunscreve à Bahia é
interessante saber como se desenvolveu o PLANFOR nesse Estado. Segundo Antoniazzi
(2005, p. 196-197) foram investidos aproximadamente 99 milhões de reais em seis anos de
implementação deste Plano no Estado, a fim de qualificar em torno de 920 mil trabalhadores,
sendo que a despeito dos fomentos empreendidos apresentaram-se resultados pífios. Isso
porque, aponta a autora, ao confrontar esses investimentos com as taxas de desemprego no
período analisado, cuja evolução foi: em 1996, 20,3%, em 1997, 21,7%, em 1998, 24,9%, em
1999, 27,7%, em 2000, 26,6% e em 2001 27,5%, estas foram consideradas as mais altas na
história da Região Metropolitana de Salvador e as mais altas do Brasil. Devido a isso e
2 Documento formulado pelo MTE disponível no site <http://www.mte.gov.br/pnq/conheca_introducao.pdf)>.
77
Levando-se em consideração os resultados da avaliação externa e os do próprio Ministério, bem como o quadro do mercado de trabalho na RMS, especialmente as taxas de desemprego, conclui-se que o PLANFOR/BA não foi uma política pública de emprego. Com limitações, pode ser considerada uma política de qualificação. Também não se pode afirmar que seja uma política de qualificação para o mercado de trabalho, como define o TEM, porque os cursos não foram planejados conforme as demandas do mercado de trabalho e às necessidades da população. Além disso, não desenvolveram as três habilidades integradas. Portanto, o PLANFOR/BA não pode ser considerado um programa de qualificação para o mercado (ANTONIAZZI, 2005, p. 197).
Como pode se ver a implantação do PLANFOR na Bahia não cumpre aos seus
objetivos primordiais. Primeiro porque não atende à sua meta de qualificação numa
perspectiva integrada já que como aponta Antoniazzi (ibid., p. 122) não desenvolveu suas três
habilidades que são as básicas, específicas e de gestão do trabalhador, pois é considerada uma
política complementar à Educação Básica. Segundo, porque não promoveu a devida inserção
dos trabalhadores no mercado de trabalho, fato demonstrado com a permanência das altas
taxas de desemprego.
Retomando o nível federal, outro programa que nasce no governo de FHC é o
PRONERA, que é formulado a partir das reivindicações dos trabalhadores rurais. Assim este
programa visa a qualificação dos trabalhadores assentados desde a alfabetização até à pós-
graduação, sendo que para isso visa à formação de professores e agentes educativos.
Pensando no alcance desses programas e sua eficácia, sendo o PLANFOR o principal
programa do governo federal, diante das análises empreendidas constatou-se que (...) Além do mau uso dos recursos públicos, caracterizou-se pela baixa qualidade e baixa efetividade social, resultante de precária articulação com as políticas de geração de emprego e renda, desarticulação das políticas de educação, reduzidos a mecanismos de controle social e de participação no planejamento e na gestão dos programas e ênfase em cursos de curta duração focados no desenvolvimento de habilidades específicas (KUENZER, 2006, p. 899).
Na realidade a pauta da Educação Profissional no governo FHC representa um
retrocesso na história da educação brasileira de mais de meio século, já que o Decreto n.
2.208/97 segundo Rodrigues (2005, p. 261) reproduzia, de certo modo, a Reforma Gustavo
Capanema, de 1942, também conhecida como Leis Orgânicas do Ensino, posto que
estabelecera de forma inequívoca a dualidade estrutural do ensino brasileiro. Além disso, o
foco das políticas para a Educação Profissional se voltou somente para a esfera do ensino
como se este fosse capaz de solucionar a problema da inserção no mundo do trabalho, ao
78
contrário seria necessário que a profissionalização ocorresse atrelada a políticas de emprego e
renda.
2.2.3 – O decreto 5.154/04: uma nova possibilidade para a integração
Como era promessa de campanha, e devido às cobranças da sociedade civil, já
governando há dois anos o Governo Luís Inácio Lula da Silva, revoga o Decreto 2.208/97 e
reintroduz a integração do Ensino Profissional com o Decreto 5.154/04. De fato esta foi uma
conquista considerável porque com essa ação restabeleceu-se a possibilidade de integração
curricular dos Ensinos Médio e Profissional. Contudo, até ocorrer a promulgação deste
Decreto, foi longo o caminho percorrido, onde vários foram os posicionamentos e os
interesses defendidos. Assim a política da Educação Profissional do Governo Lula
“representa, na verdade, a disputa entre os setores progressistas e conservadores da sociedade
brasileira pela hegemonia nesse campo” (FRIGOTTO, 2005, p. 01). Em meio a este
emaranhado, na metade do primeiro mandato do presidente Lula, anunciou-se pelo Ministério
da Educação que em relação à Educação Profissional o objetivo seria de Reconstruí-la como política pública e corrigir distorções de conceitos e de práticas decorrentes de medidas adotadas pelo governo anterior, que de maneira explicita dissociaram a educação profissional da educação básica, aligeiraram a formação técnica em módulos dissociados e estanques, dando um cunho de treinamento superficial à formação profissional e tecnológica de jovens e adultos trabalhadores (BRASIL, MEC, 2004, p. 02).
Mesmo diante dessa exposição de motivos e com a base eleitoral que lhe deu apoio
percebemos que a criação de um novo decreto não se constituiu numa tarefa simples para o
atual governo, tanto é que não “pode” cumprir a sua promessa de imediato, mas somente após
dois anos de governo. Isso porque em relação à política educacional Frigotto (2005, p. 23-24)
sinaliza que houve três posicionamentos distintos. Havia aqueles projetos encaminhados à
Câmara que se posicionaram em favor da revogação do Decreto 2.208/97 diante do que não se
via a necessidade de elaboração de outro documento normativo, uma vez que acreditava-se
que a LDB já versava sobre a Educação Profissional. Assim a simples regulamentação dos
artigos 36, 39 a 42 da LDB seria suficiente para restituir a integração entre Ensino Médio e
Profissional. Defendia-se a ideia de que a própria LDB já contemplava o tema da integração,
além de que se percebia que implementar mudanças por decreto corroborava a estratégia
impositiva do governo anterior. Uma segunda posição embasava-se na concepção de que o
Decreto 2.208/97 deveria permanecer, diante do que a estrutura do Ensino Profissional
79
deveria caminhar dissociada do Ensino Médio. Finalmente, uma terceira posição, que está
expressa na maior parte dos documentos, compartilha o pensamento da revogação do Decreto
2.208/97 e versa sobre a necessidade de promulgação de outro decreto.
Dos três posicionamentos os dois primeiros revelam posições antagônicas, baseando-
se em opiniões e interesses divergentes, os quais emanam de entidades de diferentes
naturezas. Esses posicionamentos conflitantes estiveram presentes em todo o processo de
elaboração da nova LDB e mais adiante o segundo posicionamento emerge com a
promulgação do Decreto 2.208/97 e outros instrumentos legais, que são implantados de modo
vertical e imperativo fazendo prevalecer os interesses daqueles que defendiam a manutenção
do decreto em questão. Percebe-se que um determinado grupo burla o processo democrático
de construção da nova LDB, pois não conseguindo fazer valer sua opinião durante o processo
de discussão e promulgação da lei, mais adiante busca a estratégia de fazer sobressair seu
ponto de vista de modo impositivo por meio de um decreto. Já o terceiro posicionamento se
aproxima do primeiro, no entanto amplia a visão no sentido de que defende não só a
revogação do Decreto 2.208/97, mas demonstra que é necessária uma atitude mais concreta.
Assim, considerando o contexto de discussão e o cenário político, entende que a simples
revogação não seria suficiente para a reestruturação da Educação Profissional, dessa maneira
apontou a urgência em se estabelecer um novo decreto. Contudo, é importante perceber que Mudar por um decreto, ainda que diverso na concepção, no conteúdo e no método, mantém, na forma, uma contradição. Por isto, no plano político da correlação de interesses, é preciso avançar. Disto se deriva a importância de se compreender o conteúdo do novo decreto como uma orientação muito mais indicativa do que imperativa (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2004b apud FRIGOTTO, 2005, p. 24).
Convivendo com esse processo de disputas de opiniões, visualizou-se, em 2004, a
promulgação o Decreto 5.154, sendo que este é, portanto, fruto muito mais de uma política
proforma, já que o Presidente Luís Inácio Lula da Silva não poderia deixar de cumprir a
promessa constituinte de sua plataforma eleitoral. Devido às cobranças da sua base aliada não
vê outra alternativa senão o cumprimento do que foi prometido. Contudo esse foi um processo
conturbado, já que entre as alianças estabelecidas com a base conservadora havia aqueles que
repudiavam a ideia da integração. É notório, então, que a promulgação do decreto é muito
mais uma tentativa de acalmar as cobranças do que fruto de uma política de governo
consistente.
Desse modo, diante das análises procedidas Frigotto (2005, p. 26) demonstra que ao
final de dois anos do governo Lula, este não se coloca ao lado de uma pauta de mudanças
80
estruturais. Mas diferente disso, expressa as opiniões de um bloco heterogêneo dentro do
campo de esquerda e com alianças cada vez mais conservadoras.
O documento é fruto de um conjunto de disputas e, por isso mesmo, é um documento híbrido, com contradições que, para expressar a luta dos setores progressistas envolvidos, precisa ser compreendido nas disputas internas na sociedade, nos estados, nas escolas. Sabemos que a lei não é a realidade, mas a expressão de uma correlação de forças no plano estrutural e conjuntural da sociedade. Ou interpretamos o decreto como um ganho político e também, como sinalização de mudanças pelos que não querem se identificar com o status quo, ou será apropriado pelo conservadorismo, pelos interesses definidos pelo mercado (ibid., p. 26-27).
Para Rodrigues, o Decreto 5.154/04, não viabilizou uma mudança estrutural porque de
fato não objetivava reorganizar a Educação Profissional, mas ao contrário passa a tudo
permitir já que necessita a todos agradar. Pode-se dizer que não houve a intenção de promover
mudanças efetivas quanto à desvinculação entre Educação Básica e Profissional, já há tanto
tempo existente. Percebe-se isso porque permitiu a coexistência de uma miscelânea de cursos:
os cursos integrados, os concomitantes e os subseqüentes. O decreto 5.154/04 reconhece a dualidade, permitindo não duas, mas uma multiplicidade de possibilidades de relação entre o ensino médio e a formação profissional. Em síntese, em 2004, a legislação da educação profissional brasileira deu um salto no tempo: deixamos o ano de 1942 e avançamos até 1982 (RODRIGUES, 2005, p. 261).
Com a instituição do Decreto 5.154/04 revogou-se a coercitividade de separação entre
a Educação Profissional e a Básica como ocorreu com a promulgação do Decreto 8.044/82,
que revogou a Lei de 1º e 2º graus. Todavia, por outro lado, a partir do novo Decreto, abriu-se
um vasto leque para a coexistência de uma variedade de propostas curriculares, inclusive das
aligeiras e fragmentadas. Na mesma linha de pensamento Kuenzer (2010)3 acredita que ainda
se permanece nos anos 40 quando a dualidade estrutural, agora sob uma nova configuração,
previa uma trajetória para os intelectuais e outra para os trabalhadores, vinculando-se isso à
classe social de origem. Isso revela que a dualidade do ensino mesmo com o passar dos anos
não tem sido questionada, mas esta continuou a ser aceita e desejada pelo modelo de educação
condizente com a economia de acumulação flexível. “O decreto em questão mostra-se
bastante adequado à característica mais importante do atual padrão de acumulação – a
3 Artigo publicado no Boletim Técnico do Senac (consultar referências) em versão online, não sendo possível portanto indicar a numeração da página. Situação que se aplica às demais citações dessa mesma autora nessa fonte.
81
flexibilidade – já que regulamenta toda sorte de cursos” (RODRIGUES, 2005, p. 266). Assim
é que, desde a promulgação do Decreto 5.154/04 não houve uma efetiva preocupação em
reestruturar o Ensino Médio, diante do que não se disponibilizou “a alocação de recursos para
o seu financiamento. Os três estados que se disponibilizaram a realizar uma experiência piloto
em 2004 tiveram como alternativa o financiamento próprio, como fez o Paraná” (KUENZER,
2006, p. 900).
O governo de Lula, face ao fracasso do Planfor, que foi o principal programa do
governo de FHC formulado pela base legal do Decreto 2.208/97, apresentou uma nova
proposta para a educação profissional. Tendo como base legal do Decreto 5.154/04, cria o
Plano de Qualificação Profissional (PNQ) para o período de 2003/2007. Os objetivos do PNQ
em linhas gerais foram a “inclusão social e redução das desigualdades sociais; crescimento
com geração de trabalho, emprego e renda, (...) promoção e expansão da cidadania e
fortalecimento da democracia (BRASIL, 2004b, p. 17).
Segundo Kuenzer (2006, p. 890-891) tomando como exemplo o caso do Estado do
Paraná – já que este é um dos Estados pioneiros na implantação de uma rede de ensino onde
se integrou Ensino Médio com Educação Profissional – a análise do PNQ demonstra um
avanço conceitual relevante em comparação ao Planfor, no que se trata das categorias
referentes às relações entre trabalho e educação, tomando como ponto de partida a ótica dos
trabalhadores. Contudo, a autora aponta que a realidade tem mostrado, de acordo com a
opinião de gestores públicos e membros do Conselho Estadual do trabalho entrevistados no
Paraná, a grande dificuldade de efetivação dessas políticas a partir de vários fatores, sendo um
dos principais a perda de interesse das agências formadoras, que não consideram atrativo o
investimento em cursos mais longos e que integrem conhecimentos básicos, já que não
dominam tal prática em sua experiência; somando-se a isso há o desinteresse do público-alvo
que busca alternativas que viabilizem inclusão em curto prazo, inviabilizando a formação de
turmas.
Diante dessa realidade, Kuenzer (ibid., p. 890) expõe que mesmo na ausência de dados
exaustivos, os casos analisados no artigo A educação profissional nos anos 2000: a dimensão
subordinada das políticas de inclusão4 demonstram a dificuldade de utilização dos recursos
disponíveis, já que mesmo reduzidos, não são investidos em sua totalidade. Além disso, a
autora aponta que a articulação com a Educação Básica através de convênios com as
4 A pesquisa realizada no artigo diz respeito à rede do estado do Paraná, que se estando na frente de muitos estados em relação ao ensino integrado, apresenta esses pontos de tensão, pode-se dizer que parte das problemáticas citadas certamente poderão se aplicar às outras realidades brasileiras.
82
Secretarias Estaduais de Educação também não tem sido viabilizada por entraves burocráticos
especialmente no tocante ao uso dos recursos financeiros. Entretanto, para não incorrer em
uma análise prematura, a autora expõe que devido ao curto período de implantação do PNQ
(desde 2004), ainda não se tem dados disponíveis para uma avaliação mais consistente.
Kuenzer (ibid., p. 891) explicita que como integrantes do PNQ tem-se a continuidade
do Pronera e do Proep, e em 2006, em fase de negociação com o Banco Mundial visando a
sua renovação, estavam em pauta o Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação,
Qualificação e Ação Comunitária (Projovem) e o Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional à Educação Básica, na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(Proeja), ambos criados no Governo Lula.
O Projovem foi criado pela Medida Provisória n. 238, de fevereiro de 2005,
objetivando elevar o grau de escolaridade por meio da conclusão do ensino fundamental
articulado à qualificação profissional e à ação comunitária, tendo em vista a inserção cidadã
(BRASIL, 2005, artigo 1º). Destina-se a jovens com idades entre 18 e 24 anos, que tenham
concluído até a 8ª série do ensino fundamental, e não tenham vínculo empregatício formal. Os
alunos perceberam uma bolsa mensal no valor de 100,00, estando condicionada ao tempo de
duração do curso por um período de no máximo12 meses (BRASÍLIA, 2008, p. 16).
A meta inicial do Projovem foi atender cerca de 200 mil jovens no período
compreendido entre 2005 a 2008, com abrangência em todas as capitais brasileiras e no
Distrito Federal. Em 2006 ampliou o atendimento aos municípios das regiões metropolitanas
que possuíam 200 mil habitantes ou mais. A formação, em até 12 meses, visa totalizar 1.600
horas, assim distribuídas: 800 horas de formação escolar básica em nível de 5ª a 8ª série, 350
horas de qualificação profissional, 50 horas de atividades de ação comunitária e mais 400
horas de atividades não-presenciais com tutoria.
Já o Proeja, objeto do Decreto n. 5.840, de julho de 2006, regulamenta a formação de
jovens e adultos trabalhadores em nível inicial e continuado e em nível de Educação
Profissional técnica de nível médio, integrada ou concomitante. Embora instituído no âmbito
federal, compreendido pela Rede Federal de Educação Profissional, poderá ser adotado pelas
instituições públicas dos sistemas de ensino estaduais e municipais e pelo “Sistema S”, desde
que se assegure a construção prévia de um projeto pedagógico integrado único (KUENZER,
2006, p. 893).
Existem outros programas que fazem parte do PNQ, contudo se abordou os programas
de maior extensão e que estariam diretamente relacionados à qualificação profissional com
vistas à integração com a Educação Básica.
83
Embora, se pregue uma mudança, na realidade os programas formulados pelo governo
Lula seguem na mesma linha do Governo FHC, sendo que o Planfor assume somente uma
nova roupagem através de outros programas (PNQ). Os cursos têm sua carga horária
aumentada de 60 para 200 horas, mas quanto ao repasse de recursos e a presença da iniciativa
privada na política de Educação Profissional permanece-se os mesmos termos. Descentraliza-
se as ações, mas o controle sob o produto permanece através de avaliações externas. Assim é
que no plano do discurso muito se prometeu, mas pouco se fez, permanecendo a mesma
lógica excludente baseada na ideologia neoliberal. Dessa maneira, Do ponto de vista do repasse de recursos públicos para a iniciativa privada, no Governo Lula não houve avanços no sentido da publicização, permanecendo, e de modo mais intenso, a mesma lógica: o repasse de parte das funções do Estado, e dos recursos para a sua execução, para o setor privado sob a alegação da eficácia e da ampliação da capacidade de atendimento, segundo a concepção do público não-estatal a ser operacionalizado pelas parcerias com instituições privadas. (...) Embora negada no plano do discurso, fortalece-se cada vez mais no Governo Lula: o crescente repasse de recursos públicos para o setor privado, por intermédio de parcerias justificadas pela “impossibilidade” do Estado em cumprir suas funções (ibid., p. 899; 901).
Pode-se afirmar que a instituição do novo Decreto ocorreu sem um projeto consistente,
o que acarretou numa reforma pontual sem mudanças significativas. “O decreto apenas
reconhece (ou naturaliza) os diferentes projetos político-pedagógicos, clivados pela dualidade
estrutural social, presentes na sociedade de classes em que vivemos” (RODRIGUES, 2005, p.
267). Houve uma expansão na quantidade de cursos e, por conseguinte, uma maior
acessibilidade, contudo esta foi uma inclusão no plano concedido, uma vez que não viabilizou
a superação da dicotomia entre ensino propedêutico e profissional. Desse modo, é evidente
todas as formas de inclusão são sempre subordinadas, concedidas, porque atendem às
demandas do processo de acumulação do capital. Oliveira, R., (2003) sinaliza que para o
processo de produção e reprodução do capital – que é constitutivo das sociedades capitalistas
– se desenvolva, é condição fundamental que ocorra o círculo entre exclusão e inclusão
subordinada. Sobre esse assunto, Kuenzer (2007-8) elabora o conceito de inclusão excludente
e exclusão includente, que se caracteriza pela inclusão das classes populares na cadeia
educativa através de uma educação fragmentada estando desvinculada de uma formação
científica e na cultura geral. O tipo de educação ofertada às classes populares cumpre o fim
capacitar para o exercício de funções precárias, dessa maneira as oportunidades educativas
dificilmente propiciarão a aquisição de conhecimentos que possibilitem a obtenção de postos
de trabalho com condições dignas e em posição de liderança. É possível entender que
84
qualquer oportunidade de emprego ou melhoria dentro da própria classe social já estava
previamente programada num plano social pré-determinado.
Pode-se apreender das análises até aqui realizadas que a reforma não ocasionou, uma
mudança considerável na oferta e reorganização dos cursos, seja pela superfluidade do
Decreto 5.154, que não apresentou mecanismos suficientes para consolidar uma mudança
eficaz, ou mesmo, porque este não nasceu acompanhado de políticas públicas educacionais
consistentes. Isso é resultado da falta de uma verdadeira vontade política de lutar pela
mudança, para o que se demonstra
O controvertido percurso entre as propostas de governo anunciadas ao povo brasileiro durante a campanha de 2002 e as ações e omissões no exercício do poder revelam alguns saldos de boas intenções e estratégias que se tornam obstáculos ao avanço da efetiva democratização da educação nesse período de governo (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 1104).
Por isso Kuenzer (2006, p. 878) denuncia que além de não promover transformações a
política educacional do governo de Luís Inácio Lula da Silva tornou mais precarizadas as
ofertas educativas.
O novo decreto, portanto, longe de reafirmar a primazia da oferta pública, viabilizando-a por meio de políticas públicas, representou uma acomodação conservadora que atendeu a todos os interesses em jogo: do governo, que cumpriu um dos compromissos de campanha com a revogação do Decreto 2.208/97; das instituições públicas, que passaram a vender cursos para o próprio governo, e gostaram de fazê-lo, renunciando em parte à sua função; e das instituições privadas, que passaram a preencher, com vantagens, o vácuo criado pela extinção das ofertas públicas. (ibid., p. 900)
É nesse contexto que emergem as políticas públicas para os estados brasileiros, sendo
que cada um deles se posicionará de modo diferente quanto à integração entre Ensino Médio e
Profissional.
Dentre os estados brasileiros o Paraná e o Espírito Santo compraram a ideia da
institucionalização de um sistema de ensino com vistas a superar a dualidade estrutural do
Ensino Médio. Mesmo diante das resistências colocadas num processo de discussão lento e
difícil face aos conflitos de interesses o Espírito Santo implantou uma reforma na rede. Ainda
assim a proposta de integração do Ensino Médio (EM) à Educação Profissional foi bem
recebida em todas as instâncias, principalmente nas escolas pertencentes à rede estadual.
85
Definiu-se um universo de 17 escolas de Ensino Médio5, uma espécie de projeto-piloto,
visando um acompanhamento mais sistemático (FERREIRA; GARCIA, 2005, p. 154).
No caso do Paraná, o Estado se debruçou na construção de um sistema integrado de
ensino amparando-se somente nas discussões e nos questionamentos relativos à pretensa
extinção Decreto 2.208/97, antes mesmo de uma base legal consistente, porque entenderam,
mediante os diversos encontros com a Semtec/MEC, que a revogação daquele Decreto seria
efetivada (ibid, p. 162). Embasando-se nessa crença e atentando para a necessidade de
implantação de uma rede de ensino integrado o Estado se antecipou e promoveu as mudanças
necessárias para a consecução de tal projeto.
2.2.4 – A reforma da Educação Profissional e a Bahia
O posicionamento de cada estado depende da concepção de ensino defendida,
sendo que no caso da Bahia a discussão e criação de uma política para a Educação
Profissional de nível Médio ainda é incipiente. Até então o Estado vinha desenvolvendo
projetos e programas para trabalhadores alijados do processo educativo e do emprego formal,
sendo que estes projetos não têm alcançado as metas propostas. Contudo, no ano de 2008 é
criado o Plano de Educação Profissional da Bahia, que se constitui na proposição de uma
política de Educação Profissional elaborada no ano de 2008. No capítulo seguinte se estudará
de modo mais minucioso as ações preconizadas no Plano, onde se poderá ter uma visão mais
abrangente de seus objetivos.
Em relação, aos projetos de formação profissional como já demonstrado
anteriormente, Antoniazzi explica que a implantação do Planfor (estudo realizado nos anos de
1996 a 2001) na Bahia revelou resultados insignificantes, já que não formou um contingente
significativo e nem promoveu a inserção no mercado necessária. Devido à inexpressividade
desses resultados este não pode, para a autora, ser considerado uma política de emprego. Aí é
possível perceber o enviesamento entre Educação Profissional e formação profissional, pois a
segunda além de não articular o Ensino Profissional com Educação Básica não cumpre o
objetivo de inserção dos trabalhadores no mercado do modo isolado.
Como já se apontou, de modo geral no Brasil, o PNQ continua na mesma linha de ação
do Planfor, assim é possível afirmar que se o Estado da Bahia não assumiu outro plano de
formação para seus trabalhadores e jovens estudantes, certamente os programas continuarão
cumprindo o objetivo de mera qualificação profissional aligeirada sem a devida articulação 5 No Espírito Santo, a rede estadual de Ensino Médio é composta por 190 escolas. Nos anos de 2003-04, objetivando atender aos jovens moradores do campo, foi promovida a expansão da rede para mais 67 escolas.
86
com a Educação Básica. Isso certamente inviabilizará a promoção de uma formação
consistente, o que acarretará numa inserção no mercado em empregos precarizados ou na
manutenção da informalidade.
Dentre os programas de formação presentes na Bahia constituintes do PNQ na esfera
estadual pode-se citar o Projovem, o qual objetiva a elevação profissional de jovens que não
haviam concluído o Ensino Fundamental e nem possuíam vínculos formais com o trabalho. A
implantação deste programa está atrelada aos incentivos financeiros de Organismos
Internacionais, tema que se discutirá no capítulo seguinte. O ponto de tensão é que estes
Organismos não vêem com bons olhos a integração entre Educação Básica e Profissional.
Seria interessante conhecer dados mais consistentes sobre este e outros projetos e programas
constituintes do PNQ na Bahia, mas ainda não há estudos mais aprofundados.
Somando-se a isso os dados de matrículas em cursos de Ensino Médio Profissional na
Bahia, como se exporá no capítulo quatro de modo mais detalhado, no ano de 2009 era de
apenas 8.195 matriculados, o que representava apenas 1,42% de alunos matriculados na
Educação Profissional na esfera estadual em relação àqueles matriculados no Ensino Médio
na mesma esfera (que era cerca de 568.596 alunos)6. Esse percentual irrelevante coexistia
paralelamente ao período de dois anos de vigência do Plano de Educação Profissional da
Bahia.
Este é, pois, o panorama geral das proposições do Estado da Bahia para a Educação
Profissional nos anos 90, bem como após a promulgação do Decreto 5.154/04. A partir das
informações expostas sobre o Planfor e seu sucessor o PNQ é possível afirmar que o foco dos
programas estava eminentemente voltado para a elevação profissional de trabalhadores que já
estavam fora da escola e que não possuíam qualificação suficiente para ingressar no mercado
de trabalho. Assim esses projetos possuíam como característica a compensação, a fim de dar
uma segunda chance aos que não ingressaram na escola na idade apropriada, ao invés de
garantir seu direito no tempo devido.
Por isso, Frigotto, Ciavatta, e Ramos (2005, p. 1004) afirmam que implantar
programas como o Projovem revela a tentativa de tornar a qualificação profissional como
política compensatória à ausência do direito de uma Educação Básica sólida e de qualidade.
Diferente disso seria necessário a criação de um sistema de ensino e não a tomada de medidas
pontuais, onde Educação Básica fosse garantida em qualquer idade, integrada à possibilidade
6 Dados do Censo Escolar, estando disponíveis no sítio: <http://www.inep.gov/basica/censo/Escolar/ Matricula/censoescolar?UF=BAHIA>.
87
de habilitação profissional mediante a qual se constituam identidades necessárias ao
enfrentamento das relações de trabalho excludentes.
Outra face dessa realidade são os números de alunos matriculados na Educação
Profissional de nível Médio, o que expõe uma realidade de exclusão quanto à formação
profissional. Como poder explicar que somente 1,42% dos jovens que concluíram o Ensino
Médio na esfera estadual em 2009 puderam ter acesso a uma matrícula na Educação
Profissional formal na esfera estadual? Mesmo tendo passado dois anos, e diante da anunciada
expansão da Educação Profissional da Bahia, ainda assim os dados fornecidos pela Suprof
revelam uma significativa exclusão.
Dos 568.5967 alunos matriculados no nível Médio na esfera estadual em 2009, o
percentual relativo aos matriculados em 2010 na Educação Profissional é de somente 6,99%,
ou seja, 39.780 matrículas, sendo que esse universo está subdivido em cursos subseqüentes e
integrados, que abarcam respectivamente 13.601 e 26.179 estudantes matriculados, além do
Proeja com 4.023 matriculados. É importante apontar que se se considerar apenas a oferta da
Educação Profissional integrada esse percentual cai para 4,6%. Outra questão é que o
percentual de 6,99% é referente apenas aos matriculados na própria esfera estadual de nível
Médio em relação às matrículas da Educação Profissional da mesma esfera, desconsiderando
as outras esferas administrativas. Isso quer dizer que se fossem incluídos os alunos da rede
privada, da esfera municipal e federal que cursaram o Ensino Médio em 2009 esse déficit
cresceria ainda mais já que a oferta de Educação Profissional pública é acrescida somente pela
esfera federal que não oferece um número de matrículas superior à rede estadual (3.433
matrículas somente em 2009).
O ano de 2008, portanto, demarca um novo ciclo para a Educação de nível Médio no
Estado da Bahia já que se cria uma diretriz mais consistente para o Ensino Médio,
materializada no Plano de Educação Profissional da Bahia, o qual se constitui na principal
política pública do estado para o Ensino Médio. Ainda assim, após a vigência do Plano os
índices aumentam apenas cerca de 5,5%, indo de 1,42% para 6,98%. É certo que a exposição
quantitativa dos dados não é suficiente para uma análise mais aprofundada da realidade da
7 Como ainda não foram publicados os resultados finais do Censo Escolar de 2010 referentes às matrículas na Escola Básica utilizaram-se os dados de matrícula no Ensino Médio de 2009 disponibilizados pelo Inep no Censo Escolar, fazendo um cruzamento com os dados disponibilizados pela Suprof para o ano de 2010. Isso porque esta Superintendência não disponibilizou os dados dos anos anteriores. Certamente esta é uma estimativa já que o cruzamento é de dados de 2009 do Censo, estando disponíveis no sítio: <http://www.inep.gov/ basica/censo/Escolar/Matricula/censoescolar?UF=BAHIA>.
88
Educação Profissional na Bahia, mas poderá dar indicativos sobre a abrangência desta
modalidade de ensino na rede estadual.
Diante do exposto, pode-se dizer que há muito a se fazer para a implantação de uma
política pública de Educação Profissional onde se articule Ensino Profissional e Educação
Básica, tanto lutando por sua abrangência como pela sua qualidade. É importante que o
Estado não se restrinja a programas compensatórios, mas que promova uma Educação
Profissional de qualidade para todos os jovens em idade escolar, além de se criar mecanismos
que garantam a permanência destes na escola. Para medir os resultados e o alcance das
políticas formuladas é necessário que sejam empreendidos estudos consistentes a fim de
nortear a busca de elementos que garantam a desejada qualidade.
No quarto capítulo, como a discussão empreendida gira em torno das proposições do
Plano, se poderá perceber em que medida as ações revelam um compromisso com um sistema
de ensino integrado entre Educação Básica e Profissional.
Antes, porém, na folha seguinte, dispôs-se de um quadro síntese (elaborado em
estudos pessoais) com os principais tópicos referentes ao contexto histórico e econômico, bem
como as correntes teóricas que os fundamentam, além dos elementos implicantes para a
educação de um modo geral e para o contexto das reformas educacionais no Brasil.
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ISContexto econômico
e social Concepção de mundo Concepção econômica Papel do Estado Teorias para a Educação Principais críticas Reformas educativas no Brasil
• Séculos XVIII e XIX Ascensão da burguesia na Europa
• No Brasil: transição do ruralismo para a pro-dução manufatureira.
Liberalismo: liberdade na-tural do homem deve ser valorizada (John Locke)
CAPITALISMO: Liber-dade dos indivíduos e da livre iniciativa em gerir o capital.
Estado não intervencio-nista, Estado mínimo: Laisser Faire.
Adam Smith, H. Von Thu-nen e Irving Fischer pro-põem o investimento no homem como fator de in-cremento econômico.
Marx e Engels denunciam o caráter predatório do ca-pital. Juntamente com Gra-msci propõem uma escola unitária
Primeira República• Institucionalização da rede escolar baseada num
dualismo do ensino:a) Escolas de Artífi ces: trabalho manual oferecido por instituições confessionais e imposto pelo go-verno para os desvalidos como política de inclusão social para tornar mais digna a pobreza;b) Escolas propedêuticas para as lideranças.
• Anos 30 aos idos de 60 – Crise econômi-ca: quebra da Bolsa de Nova York e Crise do café no Brasil.
• II Guerra Mundial (39-45)
O pós-guerra levou a sentimento de recons-trução social: aqueci-mento da economia internacional
• Milagre econômico: plena expansão das in-dústrias.
Liberalismo Interven-cio-nista, Estado como geren-ciador do mercado. (Key-nes)
• Capitalismo/ fordismo;• Investimento na Infor-
mática fi na, eletrônica e mecânica
Welfare state ou Estado do Bem-estar Social na Europa; • Fordismo periférico
no Brasil: políticas populistas formuladas por Getúlio Vargas;
• Teoria do Capital Huma-no na Europa (Schultz).
• Conceito de Promessa integradora da escola (Gentilli).
• Capitalistas conserva-dores: acreditavam que a intervenção contribui-ria para a derrocada do sis-tema capitalista;
• Socialistas: denuncia-vam a re-dução da for-ma-ção humana ao fator econômico.
Reforma Francisco Campos• Ensino industrial instituído mediante desarticula-
ção dos diferentes níveis de ensino;• Ensino técnico não permite entrada no Ensino Su-
perior; Reforma Capanema• Criação do Sistema S e Escolas de Aprendizes com
formação pontual para o adulto trabalhador;Leis Orgânicas: Ensino técnico (trabalhadores e seus fi lhos) versus
• Ensino secundário e superior (elites).• Escolas industriais de preparação dos jovens estu-
dantes com formação mais completa;• Ensino Secundário e Superior para os fi lhos das
elites. LDB 4.024/61Conformação dos interesses dos privatistas e dos pu-blicistas;Expansão do Sistema S;Equiparação dos cursos técnicos ao Secundário.Reforma de 1º e 2º graus, Lei 5.692/71Profi ssionalização do ensino obrigatória.
• A partir dos Anos 70 – Recessão após a Se-gunda Guerra Mun-dial.
Neoliberalismo: redirecio-namento da intervenção Estatal
• Acumulação fl exível;• Investimento num novo
paradigma tecnológico: microeletrônica e auto-mação informatizada;
• Toyotismo: Flexibi-lização das relações trabalhistas, ênfase no empreendedorismo e na empregabilidade
Intervenção Estatal com vistas à proteção do ca-pital.
• Pedagogia das compe-tências:
• Empreendedorismo e empregabilidade.
• Crise da promessa inte-gradora da escola (Gen-tilli)
• Os críticos do sistema de acumulação denuciam a retirada do Estado na manutenção dos direitos sociais e os acordos in-ternacionais que preço-nizam uma Educação Profi ssional dissociada da Educação Básica.
LDB 9.394/96Lei minimalista que prevê uma Educação Profi ssional numa perspectiva unitária;Principais entraves: lei não previa obrigatoriedade para o Ensino Médio, além do contexto de difi culdade de permanência na escola (55% estão fora da escola)
Decreto 2.208/97Proibiu a integração do Ensino Médio com a Educa-ção Profi ssional;
Decreto 5.154/04Possibilita a integração, ao passo que permite a im-plantação de uma variedade de cursos.
89
90
CAPÍTULO 03
As demandas para a formação dos trabalhadores sob a lógica do capital a partir dos
anos 90
Como vimos no capítulo primeiro a partir do século passado tem-se vivenciado no
Brasil um quadro de profundas mudanças na economia na perspectiva de redirecionamento
do sistema produtivo para adequação ao projeto neoliberal em curso. Esse processo se
intensifica com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso que implementou inúmeros
elementos que reproduzem o receituário neoliberal. Ocorrem os grandes conglomerados de
empresas, um enorme enxugamento e aumento das formas de superexploração da força de
trabalho, verificando-se igualmente mutações no processo tecnológico e informacional
(ANTUNES, 2009, p. 232).
Contudo, é perceptível que mesmo diante das céleres transformações no processo
produtivo, como é característica do sistema capitalista a coexistência de contradições, o
fordismo ainda é a forma dominante da economia (ibid., p. 233). Persistem a flexibilização,
desregulamentação e novas formas de gestão produtiva, mesclada com novos processos
produtivos com a acumulação flexível e vários elementos oriundos do chamado toyotismo
japonês. É um contexto contraditório onde
Como dizia Gramsci, trava-se uma luta entre o novo que quer nascer e o velho que não quer sair de cena. [Grifo nosso] O desenvolvimento material põe novas exigências no que se refere aos processos formativos, em geral, e à qualificação da força de trabalho, especificamente. E os próprios empresários tendem a se mostrar mais sensíveis a essa questão. Desejam eles capacitação geral, rapidez de raciocínio, grande potencial de incorporação de informações, adaptação mais ágil, capacidade de lidar com conceitos abstratos e assim por diante. Mas a realização plena dessas exigências esbarra nos limites postos pelas relações de produção baseadas na propriedade privada dos meios de produção (SAVIANI, 2003, p. 149).
Assim, o sistema produtivo se desenvolve requerendo trabalhadores mais
qualificados para operar com um maquinário altamente moderno e ocupar posições de
liderança, o que exigirá desses indivíduos o domínio de uma série de conhecimentos e
habilidades. Por outro lado, esse mesmo sistema econômico que requer indivíduos com um
alto grau de qualificação, abriga também em seu interior a existência de empregos precários
e da informalidade. Diante do que absorve uma mão de obra semiqualificada, para a qual é
destinado um conhecimento menos especializado. Convivem dentro deste sistema
91
econômico, portanto, uma série de ocupações, já que esta é uma característica advinda da
divisão social e técnica do trabalho. Dessa maneira, ao passo, que a tecnologia se torna mais
avançada aumentam-se as formas de exploração, seja pela intensificação do trabalho para
uns, ou mesmo pela exclusão do trabalho para outros.
A vigência da superexploração do trabalho, combinando a extração da mais-valia relativa com a expansão das formas de extração da mais-valia absoluta, isto é, combinando avanço tecnológico e prolongamento e intensificação do ritmo e da jornada de trabalho (ANTUNES, 2009, p. 233).
Diante disso, é possível afirmar que os determinantes econômicos resultam da
incorporação de novas tecnologias, sendo que estas não são dadas naturalmente, mas são os
governos e as empresas que direcionam as formas como serão utilizadas. São, portanto as
decisões políticas em matéria econômica que induzirão ao desenvolvimento científico e/ou
tecnológico (CUNHA, 2000, p. 48). Desse modo, “reconhecer a ideia de que o
conhecimento científico e tecnológico contém valores e interesses implica a rejeição da ideia
de que esse conhecimento é neutro, ou seja, independente do ambiente social no qual é
gerado” (DAGNINO, 2010, p.04). Isto é, os governos sabem exatamente como direcionar a
utilização dos recursos tecnológicos, assim seu uso e produção não são de caráter aleatório
ou desprovido de interesses.
Nesse contexto de transformações em curso, decorrentes das mudanças técnico-
organizacionais do mundo do trabalho, emerge o debate acerca de temas e problemas que
remetem às relações entre trabalho, qualificação e educação (GARCIA, 2009, p. 28).
Kuenzer expõe que o regime de acumulação flexível, ao intensificar as diferenças de
classe, aprofunda a dualidade estrutural e que “em decorrência, o Estado tem exercido suas
funções relativas ao financiamento da educação a partir da concepção de ‘público não
estatal’, que supõe o repasse de parte das funções do Estado e, portanto, de recursos
públicos, para a sociedade civil, alegando sua maior competência para realizá-las”
(KUENZER, 2007, p. 23). Contudo, ao mesmo tempo em que descentraliza a execução dos
programas, centraliza a avaliação e o financiamento dos mesmos.
A descentralização como se pode perceber, desde o governo de Fernando Henrique
Cardoso até os dias de hoje não é uma descentralização com autonomia. Descentraliza a
responsabilidade do trabalho, mas com uma rédea firme através dos instrumentos de
avaliação. Como se pode ver o fenômeno da globalização e a conseqüente necessidade de
inserção do país no mercado mundial são acompanhados de um processo de descentralização
92
de políticas públicas (GARCIA, 2009, p. 28). Tenta-se delegar para o Estado o papel de
coordenador destas políticas, enquanto os estados e as comunidades assumem a execução.
Percebe-se que as mudanças que vão sendo consolidadas na sociedade capitalista,
num modelo de acumulação flexível são mais intensas, mas ao mesmo tempo também mais
etéreas, já que são de difícil comprovação. Isso porque o que impera é flexibilidade, mas que
na realidade mascara, sob a roupagem de novos conceitos, a divisão social e técnica do
trabalho aliadas a formas de superexploração do trabalhador. A integração entre produção e
controle de qualidade se intensifica e o trabalho individualizado é superado pelo trabalho em
equipe, impondo a necessidade de outro tipo de conformação do trabalhador ao sistema
produtivo.
Ocorre, de acordo com Garcia (2009, p. 29), uma redução do controle dos estados
nacionais sobre os movimentos do capital como decorrência da globalização. O capital
volátil se instala em determinados países, em função das vantagens comparativas que lhe são
oferecidas, contribuindo para intensificação da competitividade internacional e a subjugação
do papel do Estado pelas empresas transnacionais. Simultaneamente a este fenômeno,
destacam-se o aumento da autoridade de organismos financeiros internacionais, como o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial através dos empréstimos
concedidos, nos quais os países ricos impõem políticas de privatização sistemática e o
capitalismo de livre mercado aos países dependentes de tais empréstimos.
Soares (2009, p.15) aponta que a relevância dos Organismos Internacionais está
circunscrita ao volume de empréstimos e devido à abrangência de suas áreas de atuação,
além do caráter estratégico que vem desempenhando no processo de reestruturação
neoliberal dos países em desenvolvimento, por meio de políticas de ajuste estrutural.
Desse modo, a fim de garantir a eficácia desse ajuste nos sistemas econômicos e
entendendo a importância das políticas da Educação Profissional para este fim o foco
primordial dos projetos do Banco Mundial é a Educação Básica e o Ensino
Profissionalizante (WORLD BANK, 1995, p. 19, 20).
Tal preocupação parte do entendimento de que as economias em desenvolvimento
necessitam de uma mão de obra flexível, aptas a se adequarem às mudanças no mundo do
trabalho. Para o Banco Mundial, o investimento na qualificação dos trabalhadores é tão
necessário quanto o maior investimento de capitais em áreas fundamentais ao
desenvolvimento econômico, sendo que o investimento em educação é mais rentável que
outros investimentos (ibid., p. 91).
93
Para que as sociedades possam alcançar o status de competitividade o Banco
recomenda o esforço de todas as esferas da sociedade, sejam estatais ou das empresas
privadas em prol da qualificação profissional. Isso no afã de que a formação possa
instrumentalizar os indivíduos dando-lhes competência para conviver com os processos de
mudança. E consequentemente ao formar uma mão de obra apta a essas transformações os
países poderão se inserir na economia mundial (ibid., p. 19; 91-93).
Contudo, é importante que se tenha em mente que apesar das vultosas somas de
capitais fomentados em educação pelo Banco, esses valores significam somente, de acordo
com Soares (2009, p. 15) cerca de meio por cento do total das despesas com educação nos
países em desenvolvimento. Dessa maneira a contribuição do Banco se dá muito mais no
plano da assessoria técnica, com vistas a ajudar os governos a desenvolver políticas
educacionais adequadas às especificidades de seus países.
O financiamento e as orientações do Banco objetivam proporcionar mudanças nas
despesas e nas políticas das autoridades nacionais. Assim o relatório para O
Desenvolvimento Mundial expressa que
A compreensão do papel desempenhado pelo Estado (...) – por exemplo, a sua capacidade de aplicar a lei para apoiar as transações do mercado – será essencial para levá-lo a contribuir de maneira mais eficaz para o desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 04).
Desse modo, o Banco acredita que o desenvolvimento econômico está atrelado à
ideia da necessidade de clareza do papel exercido pelo Estado, sendo que este deve apoiar o
mercado, inclusive utilizando instrumentos normativos se assim for necessário. Aí se pode
entender que a legislação carrega as ideologias hegemônicas que subjazem as políticas
estatais, por isso devem ser estudadas e questionadas.
Dessa forma é necessária a reflexão sobre a relevância de se seguir estas orientações,
pois as proposições educacionais se ancoram em um discurso conservador e privatista, que
tem feito ressurgir a Teoria do Capital Humano a tanto tempo criticada por Frigotto e
Gentilli. Isso porque, embora, a preocupação desta instituição esteja voltada para a educação
o fim em si não é a garantia da democratização do ensino, mas em utilizar a educação com o
fim economicista.
Tomando como base a Teoria do Capital Humano, o World Bank (1995, p. 20, 21),
visualiza a educação como mecanismo promotor de mobilidade social para os educandos e
como investimento necessário para as nações em desenvolvimento atingirem um novo
94
patamar de competividade. O crescimento individual é proporcionado através da aquisição
de habilidades e competências, ao passo que o desenvolvimento econômico estaria atrelado
à modernização tecnológica e ao capital cultural adquirido pelos indivíduos.
O investimento tem um retorno garantido, contudo, os países devem priorizar as
áreas de educação que devem investir de acordo com as suas peculiaridades. Para os países
pobres e em desenvolvimento o Banco sugere que a prioridade de investimento seja a
Educação Básica e o Ensino Secundário Geral já que estes níveis de ensino são mais
acessíveis pela massa populacional. Dessa maneira, só deverá se investir em Ensino
Profissional especializado e no Superior se for comprovado o retorno pelo mercado de
trabalho (WORLD BANK, 1995, p. 04; 09).
A pauta da reforma sugerida baseia-se na descentralização das políticas educacionais;
e em articulação com esta a necessária incorporação, pelo poder público, da forma de gestão
utilizada pela iniciativa privada. Para maximizar os investimentos recomenda-se que a
educação seja ministrada por instituições privadas com subvenção pública (ibid., p. 05).
Nessa perspectiva a privatização é um mecanismo eficaz, sendo que
Nos países onde foi gerida cuidadosamente, a privatização já está dando resultados positivos, como exemplo, no Chile e na República Tcheca. A sua importância na estratégia de promoção dos mercados pode variar, mas, para muitos países em desenvolvimento que querem reduzir o tamanho de um Estado que cresceu demais, a privatização deve ter prioridade. Um processo de privatização administrado com cuidado gera benefícios econômicos e fiscais muito positivos [grifo nosso] [tradução pessoal] (WORLD BANK, 1995).
O Banco não vê com bons olhos o gerenciamento da Educação Profissional pelo
Estado, uma vez que aponta a sua incapacidade de adequação às mudanças ocorridas no
mundo do trabalho, desse modo, a privatização seria a estratégia mais adequada para
gerenciamento do Estado (ibid., p. 12).
Por outro lado, o Banco Mundial acredita que a intervenção dos pais na gestão
escolar é um elemento de melhoria da qualidade do ensino. E simultaneamente, a
descentralização poderá contribuir para a comunidade participar do financiamento em
educação. De acordo com o Banco, ao investir em educação os pais automaticamente terão
uma postura de controle e cobrança, o que irá contribuir para a melhoria dos resultados no
processo de aprendizagem.
Assim o Banco orienta que a Educação Básica deve ser oferecida gratuitamente, mas
com a partilha de responsabilidade financeira com as famílias, sendo que as famílias pobres
95
deverão receber bolsas. Já o Ensino Secundário deverá ser custeado pelas famílias, com a
combinação de bolsas de estudo, e o Ensino Superior também deverá ser pago pelas famílias
ao passo que o governo deverá criar políticas de empréstimos para as famílias que
necessitarem (WORLD BANK, 1995, p. 10). Assim é que cada vez mais se transfere para a
sociedade civil a responsabilidade com a Educação Básica e Profissional.
O Banco entende que o investimento em educação é também do ponto de vista físico,
e não só no capital humano. O aspecto físico requer o investimento em infra-estrutura e nos
recursos instrucionais a serem utilizados em sala de aula como livros e computadores.
Contudo percebe-se que o investimento em capital humano e físico tem como ênfase o
desenvolvimento de competências e habilidades, com uma organização dentro de um padrão
de qualidade, mas com o devido cuidado com a redução dos custos.
Nesse sentido, entende-se que não houve a preocupação em discutir o currículo numa
perspectiva crítica de conhecimento, considerando-se ainda os elementos propiciadores de
uma formação integral dos indivíduos. Não se atrela, portanto, as dificuldades de
equalização das desigualdades às questões sociais, mas tão somente à capacidade de
gerenciamento da educação pelos governos a fim de otimizar lucros, sendo que a não
obtenção destes seria fruto na ineficiência de governabilidade.
Nesse contexto de redução de custos e maximização dos resultados frisa-se que
cursos de longa duração, variando entre três e cinco anos, não são adequados às
necessidades atuais. Desse modo, os cursos ofertados tendem à desvinculação entre
Educação Básica8 e Ensino Profissional9, já que a perspectiva sobre a qual estão embasados
estes cursos é a formação profissional fragmentada e aligeirada.
Diante desse cenário, Cunha (2000b, p. 49) expõe que o Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que é um dos organismos internacionais
constituintes do Banco Mundial, em documento formulado sobre a política de Educação
Técnica e Formação Profissional endossa essa ideia de fragmentação da educação. Este
documento contém um item no qual se orienta que ocorra a separação entre a educação e a
capacitação profissional. Tal orientação é redigida num tom direto, redação raramente
8 Nível de ensino responsável por ensinar os conhecimentos produzidos na cultura geral numa perspectiva histórica, sendo que no Ensino Médio devem se aprofundar os conhecimentos científicos e tecnológicos a fim de instrumentalizar os jovens para a inserção cidadã e no mundo do trabalho. 9 Conhecimentos utilizados para instrumentalizar os indivíduos no exercício de uma profissão, sendo que dentro de uma visão politécnica, não é possível dissociar estes conhecimentos da cultura geral que é ensinada na Educação Básica.
96
utilizada pelos formuladores das reformas educacionais em cada país, ainda que visem ao
mesmo objetivo.
Tal orientação do BIRD de acordo com Cunha parte do entendimento de que
educação e capacitação profissional demandariam coisas diferentes dos sistemas
educacionais, das instituições, dos instrutores e dos administradores. Mesmo essenciais para
a produtividade, elas seriam difíceis de administrar eficazmente dentro dos mesmos
formatos institucionais. A separação total proporcionaria vantagens para ambas já que
possibilitaria aos educadores e aos instrutores concentrarem-se em suas missões próprias.
Em se tratando dos instrutores, estes poderiam desenvolver as qualificações técnico-
administrativas e técnico-especializadas necessárias com um maior vínculo entre
capacitação e a economia mais estreitamente.
Somando-se a isso, o BIRD recomenda especificamente, em se tratando da
organização de cada sistema educacional, que estes se concentrem de modo intensivo
quando do fim da educação secundária para a formação profissional. Tal ação permitiria aos
estudantes, já com maior maturidade e maior conhecimento do mercado de trabalho,
escolher entre as diversas ocupações mais acertadamente. Isso porque se acreditava que a
formação ocorrendo pouco tempo antes da procura de emprego, poderia melhorar a equidade
educacional, a motivação discente e a flexibilidade dos trabalhadores.
Cunha expõe que referente ao formato institucional, o Banco Mundial chega a
recomendar a retirada das escolas técnico-profissionais do âmbito do Ministério da
Educação de cada país. Se a manutenção de sua vinculação ministerial for indispensável,
elas deveriam ser beneficiadas pela flexibilização dos programas e dos procedimentos
burocráticos.
Essas recomendações têm plena aceitação na política educacional brasileira (como
está posto na discussão do capítulo três) que cada vez mais tem transferido a
responsabilidade para a iniciativa privada, sendo que o Estado tem se afastado da oferta da
Educação Profissional nos moldes da uma verdadeira escola integral10. É importante que se
compreenda que quando o Estado investe em Educação Básica, está seguindo as orientações
do próprio Banco que não descarta a necessidade de melhoria deste nível de ensino, contudo
o objetivo é apenas habilitar a massa populacional na cultura mais geral e oferecer uma
10 A Escola integral cumpre o fim de trabalhar tanto os conhecimentos da cultura geral (científicos e tecnológicos produzidos ao longo da história) como os conhecimentos para instrumentalização numa profissão, sabendo que estes conhecimentos estão diretamente vinculados uma vez que dizem respeito às esferas sociais, econômicas e culturais. Tal assunto se abordará mais profundamente no item 4.2.2.8, cujo título é “A emergência de uma escola unitária ou politécnica”.
97
educação elementar, sendo que os níveis mais avançados ficarão restritos somente aos mais
capazes de acordo com as necessidades do mercado.
Kuenzer (2010)11 sinaliza que o Banco orienta que não se invista em uma formação
especializada, custosa e prolongada, para uma população que terá acesso a poucos direitos,
tendo como destino a informalidade. A autora demonstra em pesquisa realizada pelo próprio
Banco que este acredita ser irracional investir em educação acadêmica e prolongada para as
maiorias que não nascem competentes para o exercício de atividades intelectuais: os pobres,
os negros, as maiorias étnicas e as mulheres. O mais apropriado é que para estes grupos se
disponibilize educação fundamental – já que é requisito mínimo para participar da vida
social e produtiva nos atuais níveis de desenvolvimento científico e tecnológico – sendo
complementada com uma qualificação profissional de curta duração e baixo custo.
Por outro lado, os que ocuparão os poucos cargos sofrerão a intensificação cada vez
maior no processo de trabalho. Desse modo, ao investir em educação básica o objetivo é
formar uma reserva técnica onde os melhores receberão o treinamento na Educação
Profissional mais especializada a fim de que venham a competir para ingressar nos postos de
trabalhos. A seleção se justificará através do maior nível de qualificação e habilidades dos
indivíduos, sendo que esse processo tem sido desvinculado de políticas de emprego e renda.
O fator determinante da qualificação passa a ser as competências, conforme estudos
desenvolvidos por Marise Ramos, que tem definido a elaboração das políticas brasileiras e
os Parâmetros Curriculares Nacionais em todos os níveis com influência direta da lógica
neoliberal. É claro que
O estado brasileiro, com ênfase nos anos finais da década de 90 e início desta década, vem desenvolvendo formulações e execução de políticas educacionais que colocam a educação como uma mercadoria e os alunos como clientes. [grifo nosso] A educação no processo da globalização tem sido tomada como uma condição necessária para inclusão em uma sociedade cada vez mais baseada no conhecimento. No entanto, a visão neoliberal, ao reduzir o papel do estado, nega sistematicamente este direito aos trabalhadores, fazendo com que a educação assuma cada vez mais um papel determinante no quadro de exclusão social (GARCIA, 2009, p. 30).
É aí que a Educação Básica é utilizada como formação geral e inicial dos mais aptos,
sendo que após sua conclusão deverão ingressar em processos educacionais de níveis mais
11 Artigo publicado no Boletim Técnico do Senac, online, não sendo possível indicar o número da página. Disponível no endereço eletrônico: <http://www.senac.br/informativo/BTS/252/boltec252b.htm> e indicado nas referências.
98
elevados (uma Educação Profissional mais especializada, por exemplo) que os possibilitará
obter conhecimentos mais complexos.
Tem-se o que Frigotto (2010)12 chama de dois tipos de cidadania e formação, uma
que possibilita às classes dominantes a manutenção do controle dos instrumentos de
produção, e outra cidadania e formação subordinadas, destinadas à classe trabalhadora que
para sobreviver depende da venda de sua força de trabalho. Frigotto explicita que esses
processos estão tão naturalizados no imaginário social que se pensa estarem essas condições
desiguais desvinculadas da história, mas se constituem como fruto das forças naturais que
regem os homens (vontade, razão, tendência ao bom, ao útil, ao agradável).
O mercado é visto como uma mão invisível que age desvinculada da história, assim a
exclusão e a miséria são consideradas fatores a-históricos, independentes das relações de
classe. Como foi explicitado no capítulo primeiro o contrato de trabalho erigido na
sociedade capitalista é visto como fruto das vontades livres e igualitárias dos indivíduos, não
se considerando que este é estabelecido pela imposição do mercado. Se os indivíduos não
possuem controle sobre os meios de produção e diante da grande reserva de mão de obra
como poderão negociar as condições de trabalho?
É sob esse falso “ideário que a sociedade capitalista estatui uma cidadania de direitos
sociais, econômicos, culturais, lúdicos, educacionais para poucos e uma cidadania de
segunda categoria para as maiorias” (FRIGOTTO, 2010). Esse cenário não é fruto de uma
perversidade voluntária em fazer o mal, mas antes tem sua gênese na sociedade de classes
que possui seu alicerce na acumulação do capital.
Desse modo, o autor expõe que esse sistema para sobreviver se alimenta da barbárie
humana na sua mais intensa forma, pois retira do homem a sua essência criadora e criativa,
nega-lhe aquilo que é fundamental à sua totalidade. Daí, poder se afirmar que são criados
outros seres, que sem sua humanidade, estão em eminente situação de desagregação interior
(perda de sua identidade) e social (perda de sua dignidade). Corre-se, pois, o risco de se criar
um novo cidadão do mundo que devido ao intrincado cenário mundial já nasce sob o signo
da diferença e sendo de essência problemática, conforme denunciou Octavio Ianni (2005,
p.30) possui a perspectiva de desaparecer. Nesse cenário
Estamos construindo sociedades onde um terço está incluído no emprego mais estável e no consumo e dois terços excluídos; No plano cultural, ideológico e ético-político a naturalização da exclusão ou a 'exclusão sem culpa' e a ideia de
12 Artigo publicado online, não sendo possível indicar o número página. Disponível no site: <http://www. cefetsp.br/edu/eso/formacaotecnicaeducacao.html>. Está Indicado nas referências.
99
que não há outra alternativa possível que não seja a refuncionalização do capitalismo; No âmbito teórico a crise da razão e emergência do pós-modernismo que cristaliza um extremo individualismo narcísico, reifica o localismo, o particularismo, o subjectivismo num processo de mau infinito e de zombaria da história; e, finalmente, no plano pedagógico a reiteração do dualismo e fragmentação, uma qualidade para poucos e a metamorfose do direito à educação e formação técnico-profissional em mercadoria ou serviço que se compra (JAMESON, 1994 apud FRIGOTTO, 2010).
Essa situação de aviltamento a que estão submetidos os cidadãos revela o
descompromisso estatal com a dignidade humana, que no plano econômico permite a
exploração da força do trabalhador pelo capital e, no plano educacional – como
conseqüência deste sistema de acumulação e para perpetuar a sua permanência – o acento
das reformas educacionais está baseado na fragmentação da Escola Básica e no dualismo
estrutural a que está submetida. De um lado escola secundária propedêutica para as elites
dirigentes e escola profissional aligeirada para a grande massa populacional.
Essa desarticulação é fruto do compromisso do governo antes com os organismos
internacionais que com a nação brasileira. Dessa forma não se poderia deixar de lado esse
assunto bem como a sua influência no tipo de cidadão que está em curso, assim é importante
compreender de que modo esses arranjos econômicos tem interferido na reforma da
Educação Profissional brasileira.
Contudo, esses acordos não são impostos à política educacional brasileira, mas são
fruto das escolhas procedidas pelos gestores, percebe-se, pois que tais proposições se
coadunam com os valores e as crenças que possuem os governantes brasileiros. Entende-se
que tais acordos não são forçosos porque
Cada sociedade organiza o seu sistema educacional de acordo com a concepção de mundo tida pela classe dominante na época, expressa através do poder legislativo, que cria as leis e do poder executivo, que as põe em prática. As leis representam uma forma de materialização da concepção de mundo de quem está no poder, e são postas em execução pela sociedade civil (NUNES, 2008, apud FREITAG, 1978, p.35).
Desse modo, não há inocentes, mas o estado das coisas é fruto de escolhas que tem
intencionalidades que visam atingir determinados fins. Razão porque Kuenzer (2010)13
aponta que a oferta de educação científico-tecnológica mais avançada fica limitada a um
pequeno grupo de trabalhadores, e ainda assim, de modo hierarquizado e através de níveis
crescentes de complexidade que vão do pós-médio à pós-graduação. A autora sinaliza que
13 Consultar a nota 5.
100
mesmo os que estão incluídos na cadeia produtiva atravessam processos de permanente
competição, já que constantemente são construídas diferenciações mediante a criação de
novas categorias de profissionais qualificados.
Kuenzer (2006, p. 903) explicita através de vários estudos empreendidos, revela que
embora a transformações no mundo do trabalho passem a exigir a expansão da Educação
Básica, devendo se integrar formação profissional de natureza tecnológica, fundada no
domínio intelectual da técnica tendo como resultado a relação entre conhecimentos e
competências cognitivas complexas, porém o que de fato se vem oferecendo aos que vivem
do trabalho é basicamente a reprodução do conhecimento tácito, não passando de discurso a
integração entre Educação Básica e Profissional.
É, pois uma qualificação profissional para Kuenzer compreendida como um grande
amálgama de aprendizagens seja em fragmentos do trabalho no espaço produtivo como
conhecimento científico-tecnológico; domínio de algumas ferramentas da informática e das
linguagens como capacidade de trabalho intelectual; discussão sobre algumas dimensões da
cidadania como capacidade de intervenção social; sendo que esses elementos são vistos
como propiciadores de inclusão social. O problema não é o tratamento desses elementos,
mas a forma aligeirada e superficial com que são ministrados, retirando assim a sua eficácia.
E na maioria das vezes o tratamento dessas questões se dá de modo desvinculado da Escola
Básica de qualidade, o que reveste as propostas de um caráter formalista e demagógico, a
reforçar o consumo predatório da força de trabalho ao longo das cadeias produtivas. Não há, nos projetos, referência e condições concretas, dadas as suas características, para a implementação de procedimentos pedagógicos que assegurem o desenvolvimento das competências complexas que caracterizam o trabalho intelectual. Em particular às que assegurem o exercício da crítica, da criação, da participação política ou do acesso aos conhecimentos necessários para enfrentar os desafios de uma sociedade cada vez mais excludente, para o que o domínio de conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos, com vistas à formação de um profissional com autonomia intelectual e ética, é fundamental. Ao contrário, vários dos projetos analisados, embora sutilmente, negam esta necessidade (KUENZER, 2006, p. 904).
O pressuposto sobre o qual está fundamentada esta ideia corresponde a uma
concepção mecânica da prática profissional onde deverão ser resolvidos os problemas
fazendo-se referência a um conhecimento instrumental disponível. Contreras (2002, p. 90-91
apud KUENZER, 2006, p. 904) justifica que é instrumental porque supõe a aplicação de
técnicas e procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos ou
resultados desejados.
101
Para Kuenzer (2002, p. 09) embora o processo produtivo atual tenha sofrido
mudanças na base técnica com a crescente utilização da microeletrônica, a qual exige cada
vez mais o domínio das categorias referentes ao trabalho intelectual, as políticas públicas,
para perplexidade geral, insistem em que a escola trabalhe ao nível das competências. Estas
são compreendidas como capacidade de realizar tarefas práticas, desvalorizando, e mesmo
declarando desnecessário o conhecimento científico.
A autora denuncia que essa concepção revela um retrocesso ao princípio educativo
do taylorismo/ fordismo, pois (...) o melhor instrutor era o "Tonicão", que, embora não conhecesse a ciência do seu trabalho, tinha virtuosidade nas práticas laborais, desenvolvida ao longo do tempo por meio de sua experiência. Ele também não sabia ensinar, porque conhecimento tácito não se sistematiza, e, portanto, não se explica; mas tinha imensa boa vontade em se deixar observar e em mostrar como fazer, pois ele "sabia na prática" (KUENZER, 2003, p. 19).
Essa é a concepção defendida pela escola de fábrica que acreditava serem os
melhores instrutores aqueles que – embora não soubessem o conhecimento teórico, ou
mesmo fossem incapazes de repassar as informações pertinentes ao processo produtivo –
sabiam como fazer e se deixavam observar pelos demais. A incapacidade de explicar ou
mesmo ensinar se dá pelo fato de que não dispunham do instrumental cientifico para
fundamentar sua prática laborativa, dispunham somente dos conhecimentos tácitos que se
originam da experiência cotidiana do trabalho.
Desse modo, Kuenzer aponta que essa lógica esta fundamentada na existência da
Pedagogia do Trabalho a qual
Resume-se a observar e repetir até memorizar as "boas práticas" dos trabalhadores mais experientes, bastando inserir desde logo o futuro trabalhador na situação concreta de trabalho, mesmo sem que ele se aproprie de categorias teórico-metodológicas que lhe permitam analisá-la e compreendê-la para poder intervir com competência (KUENZER, 2006, p. 905).
Esse quadro é explicado pela coexistência das contradições no processo produtivo
onde o moderno e o arcaico convivem sob a égide da desigualdade social. É aí que se pode
perceber que o tônus da reforma brasileira caminha numa perspectiva contraditória fazendo
permanecer a desigualdade do ensino já que a nossa economia está subjugada à divisão
internacional do trabalho que promoveu a sua divisão técnica. É aí que é possível
102
compreender que a trajetória da Educação Profissional sempre esteve subjugada aos
interesses do capital.
103
CAPÍTULO 04
O Ensino Profissional na Bahia
4.1 – O contexto de implantação das políticas públicas na Bahia
No dia 30 de março de 2010 ocorreu a festa de formatura de 282 alunos que
frequentaram as aulas de 4 (quatro) Centros Estaduais e 5 (cinco) unidades da rede estadual
que oferecem Educação Profissional14. Os novos técnicos de nível médio nas áreas de
Análises Clínicas, Administração, Logística, Instrumentos Musicais, Informática, Execução
Instrumental e Eletromecânica, são fruto do Plano de Educação Profissional da Bahia, que se
formaram numa solenidade realizada no auditório do Centro Educacional Carneiro Ribeiro-
Escola Parque, que é símbolo de fortalecimento da escola pública. O Plano de Educação
Profissional é gerido pela Superintendência de Educação Profissional (Suprof), que foi
criada pelo Decreto nº 10.955, de 21 de dezembro de 2007. A Suprof tem a incumbência de
“planejar, coordenar, promover, executar, acompanhar, supervisionar e avaliar no âmbito do
Estado as políticas, programas, projetos e ações de Educação Profissional, incluindo
orientação e certificação profissional” (Plano de Educação Profissional)15.
Naquela ocasião estavam presentes, além dos alunos e familiares, o Governador da
Bahia Jaques Wagner, o Secretário da Educação Oswaldo Barreto e o Superintendente
Estadual de Educação Profissional Almerico Lima, dentre outras autoridades, perfazendo em
torno de 1.500 (mil e quinhentos) convidados. De acordo com o discurso proferido pelo
governador da Bahia este é um projeto viabilizador de inserção imediata no mercado de
trabalho. É um projeto que a gente acredita, acabei de vir de Brasília, do lançamento do PAC 2, que eu batizei de Programa de Aceleração da Cidadania, exatamente porque todas estas obras públicas, todo este serviço social, tem gerado inclusão por meio do trabalho, do emprego e da renda, e isso possibilita demandar cada vez mais qualificação profissional. Não adianta qualificar sem expectativa de trabalho, eu creio seguramente que estes jovens serão absorvidos16.
Ideia endossada pelo Secretário de Educação do Estado que sinalizou ser um projeto
estratégico que integra a Educação Básica e a Profissionalizante, conforme informado no
14 Informação disponibilizada no blog da Suprof disponível no endereço: <http://educacaoprofissional dabahia.blogspot.com/2010/03/plano-de-educacao-profissional-da-bahia.html>, cuja fonte foi a Assessoria Geral de Comunicação Social da Bahia (Agecom). 15 Trecho do Plano de Educação Profissional disponível no site http://www.educacao.institucional.ba.gov. br/node/146. 16 Trecho de entrevista do Governador da Bahia publicada igualmente no blog da Suprof.
104
mesmo site Agecom. Para ele é uma premissa do governo preparar os jovens em três
conjuntos de conhecimento: formá-los como pessoas, como trabalhadores e como cidadãos,
tendo uma postura ética e ambientalmente sustentável.
Como se percebe, este evento marca a iniciativa do governo em oferecer uma
Educação Profissional para jovens da rede pública e consolida o projeto de inserção destes
indivíduos no mercado trabalho, sendo esta uma das principais ações a fim de atender à
Reforma da Educação Profissional a partir do Decreto 5.154/04.
É ponto pacífico que a inserção no mercado poderá vir a ocorrer para estes novos
formandos como previu o governador e o secretário, no entanto deve-se questionar em que
áreas profissionais irão atuar estes jovens e em que medida o Plano de Educação Profissional
de fato atende às demandas de uma educação unitária e de qualidade para a maioria dos
jovens baianos. Deve-se refletir sobre o que representa o quantitativo de 282 jovens no vasto
universo de concluintes do Ensino Médio e daqueles que nem sequer chegaram a terminar
seus estudos no Ensino Fundamental.
Não se constitui em intuito desta pesquisa questionar tal iniciativa, ou mesmo
desmerecer os novos técnicos de nível médio, invalidando o que já foi realizado. De fato,
cada um desses novos profissionais foi beneficiado com o Plano de Educação Profissional,
porém cabe indagar sobre as reais intencionalidades que fundamentam essa política pública.
Se se passar a analisar onde essa ação do governo se localiza dentro dos objetivos
professados pela LDB 9.394/96 de uma educação unitária, se perceberá várias
incongruências. É necessário, pois, que se perceba que a reflexão em torno da Educação
Profissional só ganha sentido se antes se refletir sobre a situação do Ensino Médio.
Para tanto, inicialmente, não se poderia deixar de sinalizar sobre o modo como está
estruturada a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (ver organograma na página
seguinte17). Isso porque se a proposta para o Ensino Médio fosse a promoção da integração
deste com a Educação Profissional não se justifica a criação de outra Superintendência – que
seria a da Educação Profissional – para gerir o Ensino Profissional como se este fosse uma
modalidade de ensino dissociada da Escola Básica. Tal ação invalida a ideia inicial da
integração e inviabiliza a possibilidade de que isso de fato venha a se efetivar.
17 Organograma disponibilizado no site da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, no endereço eletrônico < http://www.educacao.institucional.ba.gov.br/node/66>.
106
Como se pode perceber, analisando o organograma da Secretaria de Educação da
Bahia a Superintendência de Educação Profissional funciona paralelamente à
Superintendência de Desenvolvimento da Educação Básica. Para que pudesse ser garantida a
integração das ações dessas Superintendências, convergindo para um único objetivo, seria
importante a existência de Órgão articulador das políticas formuladas no âmbito do Estado
garantindo assim a realização de um planejamento coletivo das políticas educacionais.
Há quem possa dizer que a criação de um segmento voltado especificamente para o
Ensino Profissional se constituiria num ganho, já que teria o foco voltado para essa
modalidade de ensino, no entanto tal pensamento é preocupante, pois a divisão física reflete
concretamente a ideia de um ensino fragmentado e descontínuo.
Sobre estas questões de organicidade dos órgãos gestores da Educação e, acerca do
exemplo de uma rede de ensino integrada, é salutar utilizar a experiência do Paraná, uma vez
que este Estado é precursor na implantação de uma rede de ensino integrada, sendo que ali
se criou um projeto de integração para o sistema de educação de nível médio desde o ano de
2003. Certamente tais experiências servem como pontos de reflexão e não de receituário
pronto e acabado, pois o que deve ser levado em consideração para o sucesso de
determinada proposta é o desejo de mudança daqueles que a criam e/ou a executam. É este
desejo que é capaz de propiciar as transformações necessárias e não a simples
prescrição/implantação de modelos pré-estabelecidos.
Quanto à estrutura organizacional, no Paraná18, a Secretaria de Educação (SEED) é
constituída de duas Superintendências – diferente da Bahia que possui cinco
superintendências, porém sem nenhum Órgão articulador, estando ligadas somente ao
Secretário de Educação – com naturezas distintas, mas com objetivos comuns, ou seja, o
desenvolvimento da Educação Básica. A Superintendência de Desenvolvimento Educacional
objetiva dar o suporte físico e de gerenciamento administrativo da rede escolar, ao passo que
a Superintendência de Educação (SUED) se incumbe do planejamento pedagógico para a
educação no Estado (Verificar estrutura organizacional no organograma disposto na página
seguinte).
18 Informações publicadas em entrevista com a Superintendente de Educação Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde no site da Secretaria do Estado do Paraná disponível no endereço: <http://www. diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=31>
107
Estrutura Organizacional da Secretaria de Educação do Estado do Paraná
Disponível no endereço eletrônico: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diaadia/modules/ conteudo/conteudo.php?conteudo=104>.
Com subordinação à SUED foi criada a Diretoria de Tecnologia Educacional
(DITEC) que dá o suporte para o trabalho das políticas educacionais; e a Diretoria de
Políticas Educacionais (DPPE), que tem a função de articular todas as políticas públicas
formuladas para a educação no estado. Assim, os Departamentos ligados à SUED
formularão as políticas públicas que competem à sua esfera de atuação sob a devida
articulação da DPPE reunindo esforços para a execução de um trabalho integrado. Segundo
entrevista com a Superintendente de Educação.
A SUED está diretamente ligada às duas diretorias e a quatro novos departamentos: Departamento de Educação Básica (DEB), Departamento de Educação e Trabalho (DET), Departamento de Inclusão Educacional (DIE) e Departamento da Diversidade (DED).
108
Essas novas diretorias, a de Políticas e Programas Educacionais e a de Tecnologia Educacional, não são diretorias que se fecham em si. Elas servem de suporte aos departamentos e fazem um grande trabalho articulador19.
Esta integração não é apenas do ponto de vista físico e organizacional, contudo
segundo A Secretaria de Estado da Educação, representada pelos Departamentos da Educação Profissional e Ensino Médio, fez uma clara opção política pela retomada da Educação Profissional e também por uma política curricular que concebe a formação de seus alunos intimamente imbricada aos princípios pedagógicos do trabalho, da cultura, da ciência e da tecnologia, os quais devem estar permanentemente presentes nas atividades de ensino/aprendizagem planejadas e desenvolvidas na escola, discutida e assumida pelo coletivo de seus profissionais e devidamente sistematizada em seu Projeto Pedagógico (FERREIRA; GARCIA, 2005, p. 163).
Percebe-se que o Estado do Paraná assumiu realmente a ideia de um ensino
integrado, entretanto, no caso da Bahia a fragmentação já se torna perceptível a começar
pela estrutura da Secretaria de Educação. Esse ponto de discussão é salutar porque não será
possível resolver o problema da Educação Profissional sem discutir o Ensino Médio.
Enquanto não se constituir em compromisso político (e não politiqueiro, mas enquanto
formulação de política pública) discutir o Ensino Médio e suas finalidades não se chegará à
verdadeira gênese do problema da Educação Profissional. Não é possível formar indivíduos
em bases sólidas se não houver uma preparação na educação geral, pois isto lhe
instrumentalizará a conhecer os processos produtivos mais amplos.
Aliás, outra questão interessante que remete a uma concepção dicotômica é o termo
“modalidade” que é utilizado para classificar a Educação Profissional, este soa meio que
estranho, já que deveria ser utilizado somente quanto à forma como o ensino de um modo
geral é ministrado, por exemplo, se o ensino é a distância, se semipresencial, se modular. O
próprio fato de se tratar o Ensino Profissional como modalidade – e se houver outra forma,
por favor, deve ser sinalizada para conhecimento e acatamento – reforça-se a ideia de que
não é parte integrante da Escola Básica, ou que deva estar integrado a este nível de ensino.
Este é um ponto de reflexão que deve ser considerado se o interesse estiver voltado para a
efetivação de um ensino politécnico de qualidade.
Então ficam as perguntas no ar: como estão estruturadas as políticas públicas para a
Educação Profissional na Bahia? O objetivo é reestruturar o Ensino Médio numa perspectiva 19 Trecho de entrevista com a Superintendente de Educação Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde disponível no site da Secretaria de Educação do Estado do Paraná conforme citado na nota de rodapé 6.
109
de um ensino para a politécnia ou se está criando apenas políticas pontuais, fragmentadas e
dissociadas do contexto educacional já existente?
Estes questionamentos são cabíveis diante do fato de que no Brasil quando se trata da
educação e em especial da Educação Profissional a descontinuidade tem sido a mola mestra.
É necessário tomar cuidado para não se incorrer nos erros do passado como ocorreu com as
Leis Orgânicas criadas por Francisco Campos na década de 30. A expedição daqueles
decretos disciplinava o Ensino Profissional e mais especificamente o Ensino Comercial, mas
sem nenhuma conexão com o Ensino Secundário (que equivale ao Ensino Médio
atualmente) ou mesmo com o Ensino Superior, tal ação denuncia uma política pontual e
fragmentada. Será que há uma disposição em aprender com as falhas do passado buscando
efetivamente superá-las?
Como parte desta análise é importante observar alguns dados da educação brasileira
e mais adiante da educação da Bahia que é objeto da pesquisa, pois os dados quantitativos
poderão indicar os pontos de tensão da realidade educacional. Embora não seja o objetivo
desta pesquisa dissecar sobre as problemáticas que estão por detrás dos percentuais de oferta
de vagas, compreende-se que para tornar mais rico o estudo empreendido – que política
pública estadual propõe o Plano de Educação Profissional – é interessante visualizar os
dados referentes ao Ensino Médio e Profissional na Bahia, uma vez que estes poderão nos
dar pistas sobre a abrangência desta política pública e a sua acessibilidade aos jovens
baianos.
Justifica-se tomar dados do Ensino Médio, porque não é possível compreender o
Ensino Profissional dissociado deste nível de ensino, pois se assim não for a dualidade
estrutural denunciada por Kuenzer, Manfredi e Saviani não será eliminada. É importante
compreender, que diferente do que é proposto pelos textos oficiais e por especialistas, a
essência do problema do Ensino Médio não é somente de cunho filosófico ou metodológico,
podendo resolver as problemáticas que o envolvem com a formulação de uma política capaz
de articular a preparação no mundo do trabalho e a continuidade de estudos. Contudo, como
aponta Kuenzer (2009, p. 26) este é um problema de ordem política, circunscrita às relações
de poder típicas de uma sociedade dividida em classes que desde a sua primeira iniciativa
estatal até os dias atuais instituiu duas redes de ensino paralelas, uma profissional e outra de
educação geral, com vistas a atender às necessidades socialmente definidas pela divisão
social e técnica do trabalho.
Sabe-se que os dados percentuais não poderão falar de modo isolado, mas com
certeza, estes trazem nas entrelinhas uma série de intencionalidades, pois embora não se
110
possa medir a qualidade do ensino – sem considerar outros indicadores é claro – pode-se
discutir sobre a sua acessibilidade e democratização.
Assim, delimitou-se como universo para coleta de dados percentuais o período
compreendido entre os anos de 2003 e 2009. Esse recorte temporal se justifica devido ao
fato de que é no ano de 2004 que é estabelecido o Decreto 5.154/04, o qual trouxe em seu
bojo a Reforma da Educação Profissional. Tomamos o ano de 2003, por se tratar de um ano
anterior à Reforma, assim se poderá ter uma melhor visão da Educação Profissional antes e
depois da promulgação do Decreto citado. Embora estejam discriminadas todas as esferas
administrativas que oferecem a Educação Profissional, isto a fim de que se tenha uma visão
panorâmica, o foco do estudo será a esfera estadual. Sendo que isso se justifica devido ao
fato de que nosso objeto de estudo se localiza nesta esfera administrativa. Porém se inicia
apontando dados da realidade educacional brasileira sobre o Ensino Médio e Profissional,
isso porque se entende que compreender a situação nacional é salutar e localiza o leitor
quanto à realidade mais especifica que é a baiana dentro de um universo mais global.
Desse modo, segundo dados do Departamento de Políticas do Ensino Médio, ligado à
Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica e à Secretaria da Educação Básica20,
apesar do Brasil possuir uma população juvenil (15 a 19 anos) com 18 milhões de jovens
foram ofertadas pouco mais de 9 milhões de vagas no Ensino Médio em 2003 (consultar
Gráfico I) na rede pública de ensino, ou seja foram cerca de 54,49% de vagas ofertadas em
relação à população juvenil. Sendo que ocorreram somente 7,7 milhões de matrículas de
acordo com o Censo Escolar de 2003 que discrimina ainda o percentual da oferta por esfera
administrativa. Isto quer dizer que sobraram aproximadamente 1 milhão e 300 mil de vagas
no Ensino Médio. Essa é uma situação preocupante, que revela a negação da cidadania
através de políticas de inclusão social que de fato garantam a inserção dos indivíduos na
educação.
20 Os dados dos Gráficos I e II foram retirados de informações coletadas do Censo Escolar publicadas do site do Inep e disponibilizadas no site do Governo Federal no endereço eletrônico: <http://educacaoprofissional. sct.ce.gov.br/download/Ensino_M%C3%A9dio_Integrado_-_2005.ppt>.
111
Gráfico I
Oferta de Ensino Médio no Brasil
Total da Oferta (Brasil): 9.132.698 matrículas
(Censo Escolar 2003 – Inep)
E em se tratando especificamente da Educação Profissional a disparidade é ainda
maior, pois apenas 3,75% da população juvenil (15 a 19 anos) do Brasil é atendida em
matrículas de cursos técnicos de nível médio. Então, totalizando as matrículas do Ensino
Médio e dos cursos técnicos chega-se à estimativa de 41,26% de jovens que não freqüentam
o Ensino Médio ou a Educação Profissional.
Sobre a permanência na escola, de acordo com o Departamento de Políticas do
Ensino Médio cerca de 2 milhões de jovens concluem anualmente o Ensino Médio, o que
representa aproximadamente 26% dos alunos inicialmente matriculados. Isto significa dizer
que a cada quatro alunos que iniciam seus estudos somente um conseguirá concluí-los.
Deste universo de concluintes do Ensino Médio (cerca de 2 milhões)
aproximadamente 400 mil jovens ingressam em cursos de Ensino Superior (públicos e
particulares), ou seja, 20%; e 700 mil cursam o ensino técnico, o que representa 35%, isto
significa dizer que 45% de alunos terão como etapa final de seus estudos o Ensino Médio.
Comparando-se às matrículas iniciais do Ensino Médio, que representa 7,7 milhões, tem-se
respectivamente cerca de 5,2% de alunos que chegam a uma universidade e 9,1% de alunos
matriculados no Ensino Profissional; consequentemente 85,7% de alunos matriculados no
Ensino Médio não terão a oportunidade de prosseguir com seus estudos.
Matrícula Inicial no Ensino Médio - 2003
Federal1%
Estadual85%
Municipal2%
Privada12%
Federal Estadual Municipal Privada
112
Analisando-se ainda, a oferta, da Educação Profissional por regiões brasileiras,
percebe-se que há uma grande disparidade na distribuição das matrículas, pois a região
sudeste fica com 64,2%21 do total das matrículas, ou seja, 433.192 vagas.
Pode-se constatar (ver Gráfico II) que além do déficit na oferta, ocorre outra
situação de difícil compreensão, pois a esfera que possui o maior percentual de oferta é a
esfera privada que absorve 58% do número de matriculados em cursos técnicos de nível
médio, o que revela uma dupla exclusão, pois os jovens se vêem obrigados a arcar com sua
qualificação, que deveria em tese e em lei, ser garantida em uma escola pública e de
qualidade.
Gráfico II
Oferta da Educação Profissional de Nível Técnico
Total da Oferta (Brasil): 674.696 matrículas
(Censo Escolar 2004 – INEP)
Em se tratando dos dados referentes à Educação Profissional na Bahia tem-se uma
situação bastante peculiar. Coletou-se dados do Censo Escolar junto ao Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), assim como junto à
Superintendência de Educação Profissional da Bahia (Suprof), diante do que, verificou-se
que os dados entre essas fontes possuem divergências alarmantes. Por exemplo, em dados
publicados pela Superintendência sobre cursos de Educação Profissional na esfera estadual
no início de 2007, havia apenas 4.016 matriculados sendo que no final de 2007, este número
pulou para 7.672 matriculados; em 2008, chegou a 14.903 estudantes matriculados; e, em
2009, foram alcançadas 28.680 matrículas. Já em 2010 conforme informa a Suprof já são
40.100 matrículas no fim de 2010. Desse modo, a Suprof (consultar o endereço citado na 21 Boletim informativo do Ministério da Educação (MEC) disponível no sítio <http://mecsrv04.mec.gov.br/news/boletimImp.asp?Id=36>.
Educação Profissional de Nível Técnico - 2004
Federal12%
Estadual27%
Municipal3%
Privada58%
Federal Estadual Municipal Privada
113
nota de rodapé 22) expõe que houve um aumento considerável na oferta de vagas, sendo,
portanto, superior a 1.000%22.
Já o Inep com base no Censo Escolar aponta como número de matrícula para o
Ensino Técnico na esfera estadual no ano de 2007 cerca de 4.466; 4.981 em 2008; e, 8.185
em 2009. Representando nos anos de 2008 e 2009 entre os dados da Secretaria e do Inep,
respectivamente uma diferença de 9.922 e 20.295 matrículas.
Entrou-se em contato com a Suprof a fim verificar a fonte fornecedora dos dados e
elucidar essas divergências, contudo foram disponibilizados os dados apenas do ano de
2010, alegando-se que os anos anteriores não estavam tabulados. Em face da não
disponibilização oficial dos dados de matrícula na Educação Profissional de nível Médio
pela Suprof e da não confirmação dos dados disponibilizados no site apresentando-se a fonte
utilizada ficou inviável estabelecer um nível de confiabilidade nos dados. Outra questão
importante é que, mediante a solicitação desta pesquisa, a Suprof informou que o número de
matrículas na Educação Profissional no ano de 2010 correspondia a 39.780 nos cursos
subseqüentes e integrados, além do Proeja com 4.023 alunos. É possível, então perceber que
a própria Suprof apresenta contradição nos dados informados, pois ora apresenta no site
40.100 matriculados, ora em dados disponibilizados mediante a solicitação da pesquisa
afirma que são 39.780 alunos matriculados, uma divergência de 320. No caso se forem
consideradas as matrículas do Proeja, que são de 4.023, a diferença nos dados sobe para
3.703.
Diante disso surge um questionamento inevitável, como explicar então que foram
publicados dados antes de sua tabulação? Além disso, não se discrimina no site a
especificidade dos cursos, se de educação integrada ou subsequente, o que oculta a
abrangência da educação integrada, que deveria ser o objetivo primordial para a rede de
ensino.
Devido a essa situação, optou-se por utilizar os dados do Inep já que são avalizados
pelo Ministério da Educação e tem ampla aceitação nacional. Utilizar-se-á somente os dados
fornecidos pela Suprof do ano de 2010 no tópico do texto em que se discutirá sobre a
implantação de um sistema nacional de educação. Isso porque foram discriminados
minuciosamente os tipos de cursos da Educação Profissional oferecidos pelo Estado e,
devido ao fato de que não foram publicados os dados finais do Censo de 2010 realizado pelo
Inep. Embora estejam expostos nas tabelas dados de outras esferas administrativas, enfatiza- 22 Dados informados pela SUPROF disponibilizados no endereço eletrônico <http://www.educacao.ba.gov.br /node /146#sub10>.
114
se que as análises referentes ao Ensino Médio e à Educação Profissional são todas relativas
somente às matrículas da esfera estadual. Esse recorte se deu devido ao fato de que a
pesquisa está circunscrita a esta esfera de ensino, além de ser salutar explicitar de que a
esfera estadual é responsável de acordo com a LDB pelo Ensino Médio.
Após essa incursão explicativa, comparando-se o cenário educacional da Bahia com
a esfera nacional, percebe-se que enfrentam situações bem semelhantes em se tratando da
disparidade de oportunidades de acesso à Educação Profissional, o que é bastante
preocupante. Inicialmente pode-se afirmar que houve, em 2009 na Bahia, um crescimento de
um modo geral na oferta de vagas no Ensino Profissional em relação aos anos anteriores,
chegando a um percentual de crescimento de 71,54% tomando como base o ano 2003.
(conforme demonstra a tabela II disposta abaixo). Embora o percentual seja significativo o
número absoluto é ainda pequeno, pois a oferta é de apenas 17.351 vagas.
Tabela II23
Taxa de crescimento do Educação Profissional de Nível Técnico na Bahia entre os anos de 2003 a 2009 tomando com referência o ano de 200324
Pode-se visualizar na Tabela II o número reduzido de vagas oferecidas no Ensino
Profissional – mesmo em detrimento de seu crescimento – quando se compara com o
número de alunos matriculados nesta modalidade de ensino com o quantitativo de alunos
matriculados no Ensino Médio na Bahia entre os anos de 2005 a 200925 conforme disposto
na Tabela III. A diferença dos números do Ensino Médio com os do Ensino Profissional em 23 Tabela elaborada, assim com as tabelas III, IV, V e VI, a partir dos dados do Censo Escolar entre os anos de 2004 e 2009, com os dados coletados no sitio: <http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Matricula/ censoescolar?UF=BAHIA>. Para o ano de 2003 coletou-se os dados no site da Secretaria do estado da Bahia que tomou como base o Censo da Educação Profissional 2003. SEC/SUDEB/DIREM - Relatórios. 24 Não é especificado o ano de 2004 conforme destacado com o (*) asterisco porque o Censo da Educação Básica online (fonte da pesquisa) não informa os dados de matrícula deste ano. 25 O comparativo entre os dados de matrícula do Ensino Médio e da Educação Profissional só pode ser feito a partir do ano de 2005, já que é a partir deste ano que o Inep disponibiliza os dados destas duas modalidades.
115
2005 é de 643.168 e de 560.411 em 200926, ou seja, significa afirmar que cerca de mais de
meio milhão de jovens baianos matriculados, a cada ano, na rede estadual no Ensino Médio
não teve acesso à Educação Profissional ofertada por esta mesma esfera. Aí se percebe que o
percentual de fato sofre um aumento exponencial, mas em números absolutos o crescimento
é irrelevante.
Tabela III
Comparativo entre os números de alunos matriculados no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico na Bahia entre os anos de 2005 a 2009
Outra aspecto interessante é que até o ano de 2008 a esfera privada abrigava o maior
número de alunos matriculados na Educação Profissional de nível Técnico (4.981
matriculados na esfera estadual contra 5.470 na esfera privada). Essa situação revela o
descumprimento do Estado na oferta de educação pública gratuita para os seus cidadãos, isso
porque é incumbência do Ensino Médio a formação nas bases científicas, tecnológicas e no
mundo do trabalho, conforme reza a LDB 9.394/96. Desse modo, entende-se que é
atribuição do Estado a oferta de Educação Profissional gratuita de nível Médio para os
estudantes, já que o Ensino Médio tem o fim de formação para o mundo do trabalho.
Assim, de acordo com dados da tabela IV, mesmo sendo a esfera estadual a que
abrigava o maior número de matrículas do Ensino Médio na Bahia no ano de 2008,
correspondendo a 86,54%, o percentual de matriculados na Educação Profissional de nível
Técnico na esfera privada é superior à esfera estadual pública absorvendo 0,83% das
matrículas contra 0,73%. A esfera estadual supera a esfera privada somente no ano passado,
26 Não se sabe a causa das matrículas do Ensino Médio haver diminuído, várias podem ter sido as causas como abandono, repetência e decréscimo da taxa de natalidade, contudo não é objetivo deste estudo investigar esses fatores. A pesquisa tem objetivo somente de comparar o número de matriculados por modalidade de ensino e esfera administrativa.
2005 2005 2006 2006 2007 2007 2008 2008 2009 2009
Ensino Médio
Ed. Prof.
Ensino Médio
Ed. Prof.
Ensino Médio
Ed. Prof.
Ensino Médio
Ed. Prof.
Ensino Médio
Ed. Prof.
Est. 646.004 2.836 633.625 4.831 584.970 4.466 575.571 4.981 568.596 8.185
Fed. 3.578 4.311 3.936 3.797 4.526 3.669 4.903 4.137 5.882 3.433
Mun. 41.458 900 35.341 727 30.291 891 25.726 1.060 22.304 550
Priv. 52.840 4.485 49.915 6.517 34.956 5.096 43.252 5.470 40.650 5.183
Tot. 743.880 12.532 722.817 15.872 654.743 14.122 649.452 15.648 637.432 17.351
116
sendo os índices dessas duas esferas respectivamente, 1,25% e 0,79% de alunos
matriculados em cursos de Educação Profissional de nível técnico.
Tabela IV
Percentual de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico
na Bahia por esfera administrativa
Uma vez que é na esfera estadual que está localizada a pesquisa, demonstrou-se na
tabela abaixo o total de alunos matriculados em cursos de Ensino Médio e de Educação
Profissional de nível Técnico, e como estão subdivididos esses percentuais. Conforme a
Tabela V o percentual de matrículas da Educação Profissional nos anos de 2005 a 2008 não
ultrapassa 1%, superando essa marca em 2009 com 1,42% das matrículas.
Tabela V
Comparativo de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível
Técnico na esfera estadual na Bahia
Como se pode ver com o gráfico abaixo o percentual de oferta da Educação
Profissional de nível Técnico é irrisória frente aos percentuais do Ensino Médio.
2005 2005 2006 2006 2007 2007 2008 2008 2009 2009 Ensino
Médio Ed.
Prof. Ensino Médio
Ed. Prof.
Ensino Médio
Ed. Prof.
Ensino Médio
Ed. Prof.
Ensino Médio
Ed. Prof.
% % % % % % % % % % Estad. 85,4 0,37 85,78 0,65 87,46 0,67 86,54 0,75 86,83 1,25
Fed. 0,47 0,57 0,53 0,51 0,68 0,55 0,74 0,62 0,90 0,52
Mun. 5,48 0,13 4,78 0,10 4,53 0,13 3,86 0,16 3,41 0,09
Priv. 6,99 0,59 6,76 0,89 5,22 0,76 6,5 0,83 6,21 0,79
Total 98,34 1,66 97,85 2,15 97,89 2,11 97,64 2,36 97,35 2,65
Ens. Médio Ed. Profissional Total Ens. Médio Ed. Profissional 2005 646.004 2.836 648.840 99,56 % 0,44 % 2006 633.625 4.831 638.456 99,24 % 0,76 % 2007 584.970 4.466 589.436 99,24 % 0,76 % 2008 575.571 4.981 580.552 99,14 % 0,86 % 2009 568.596 8.185 576.781 98,58 % 1,42 %
117
Gráfico III
Comparativo de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico na esfera estadual na Bahia
Ainda que se tomem os dados da Secretaria de Educação da Bahia, indicados para o
ano de 2009, sendo de 28.680 matrículas27 na Educação Profissional, a relação entre esta
modalidade de ensino e o Ensino Médio será de cerca de 4,74%. Desse modo, ainda que o
crescimento tenha sido significativo, chegando a 71,54% de acordo com o Inep, quando se
compara as matrículas da Educação Profissional de nível Técnico com as de nível Médio
este é um percentual aquém do desejado.
Há quem possa dizer que parte destes alunos que concluem o Ensino Médio pode ter
ingressado no Ensino Superior, mas esta é de fato é uma afirmação errônea, já que a
quantidade de jovens entre 18 e 24 anos no Brasil que chega a ingressar no Ensino Superior
ainda é bastante reduzida. Conforme dados do MEC/Inep, apenas 12% da população brasileira da faixa etária entre 18 e 24 anos – cerca de 23,4 milhões de pessoas em 2000 – é atendida no nível superior. (...) Quando se considera a população total, esse número pode ser ainda mais revelador. Os dados do Censo Demográfico de 2000, do IBGE, indicam que há, no país, 5.585.835 de pessoas com o ensino superior (nível de graduação) concluído (...). Portanto, para uma população estimada em cerca de 179 milhões de habitantes, dos quais cerca de 23,4 milhões em idade considerada apropriada para freqüentar cursos superiores (18-24 anos), o número total de graduados não atinge 3,29%, ao passo que o número de pós-graduados não ultrapassa 0,18% (ou, respectivamente, 6,54% e 0,36% da população residente com mais de 25 anos) (MINTO, 2006, p. 184-185).
27 Dados disponíveis no site da Secretaria de Educação da Bahia que trata da implantação do Plano de Educação Profissional da Bahia, disponível no site <http://www.educacao.ba.gov.br/node/146>.
118
E quando se trata especificamente da Bahia, tomando como base o ano de 2006,
somente 208.37028 jovens tiveram a oportunidade de ingressar num curso de nível superior,
sendo que deste universo, 138.270 estudaram numa faculdade privada. Isso significa dizer
que de 722.817 concluintes do Ensino Médio na Bahia (considerando todas as esferas
administrativas) no ano de 2006, somente 28% chegou à universidade, mas em se falando da
esfera pública esse percentual cai para 9,7%. Esse quadro endossa o pensamento de que de
fato, não é na Educação Superior que está a maior parte dos jovens brasileiros e nem mesmo
os baianos.
Pode-se, assim, pela análise dos dados expostos, afirmar que são poucas as
oportunidades dos jovens brasileiros em idade escolar cursar o Ensino Profissional ou de
ingressar no Ensino Superior. Verifica-se a partir da exposição dos dados que além da
exclusão da maior parte dos alunos no acesso a níveis mais altos de ensino, ainda há um
repasse das obrigações do Estado para outras esferas administrativas: é a rede privada
assumindo uma atribuição que cabe tão somente ao Estado em arcar. Desse modo, um
questionamento imperioso se faz necessário: onde estarão os demais jovens brasileiros e
baianos que não ingressam no Ensino Superior e Educação Profissional? Que oportunidades
de ensino estão tendo? Que oportunidades de emprego e renda dispõem? Embora, tenha
havido um substancial crescimento do Ensino Profissional percebemos que esse crescimento
é insignificante quando comparado a outros níveis e modalidades de ensino regular.
O que chama também à atenção é o fato de que a esfera administrativa que teve um
maior número de acréscimo de matriculados no Ensino Profissional é a esfera estadual, com
quase metade dos matriculados, ou seja 8.185 matrículas num universo de 17.351. Tomando
como referência o ano de 2003 houve um crescimento tanto em números percentuais que
chega a 71,54% em 2009 como nos números absolutos. Quando se toma como referência o
ano de 2007, o crescimento em 2009 chega a 83% segundo os dados no Inep, diferente do
percentual apresentado pela Suprof que expõe um crescimento de 1.000%. Uma
possibilidade para justificar essa divergência é que a Suprof não discrimina em 2009 quais
as modalidades de curso. Essa premissa é baseada em dados fornecidos do ano de 201029,
pois de 39.710 matrículas, 13.601 são de cursos subseqüentes, 26.179 de cursos integrados
e, 4.023 do Proeja. Significa dizer que além de não ter alcançado a meta para 2009, ficando
com um déficit de cerca de 400 matrículas na expansão da rede de Educação Profissional,
apenas 65,92% das matrículas destina-se aos cursos integrados. Percebe-se que o 28 Fonte: MEC/INEP/DEAES. Elaboração: SEC/BA – SUPAV/CAI. In: Anuário Estatístico da Educação 2007. 29 O ano de 2010 foi o único ano sobre o qual foram disponibilizados dados tabulados pela Suprof.
119
crescimento do Ensino Profissional integrado mesmo superando a marca do Estado nos anos
anteriores é ainda é muito pequena para cobrir o total de matrículas na esfera estadual.
Tomando o ano de 2009, que é imediatamente anterior à 2010, ao comparar o número de
matriculados no Ensino Médio em relação aos cursos de Educação Profissional integrado ao
Médio, verifica-se uma disparidade muito grande mesmo em detrimento do crescimento
apontado.
Tabela VI30
Comparativo de matrículas no Ensino Médio e da Educação Profissional integrada ao
Médio na esfera Estadual na Bahia
ESFERA ESTADUAL
Ensino Médio (2009)
Ed. Profissional integrada ao
Médio (2010)
Total Ensino Médio (2009)
Ed. Profissional integrada ao
Médio (2010)
568.596 26.179 594.775 95,6% 4,4% Como pode se ver, as ações empreendidas pelo Estado de ampliação da Educação
profissional, tem ainda um longo caminho para se tornar acessível a boa parte dos jovens
baianos. É certo que após a implantação do Plano de Educação profissional a expansão
ocorrida é louvável, mas não foi o suficiente para uma verdadeira democratização desta
modalidade de ensino como se pode notar com o Gráfico IV (disposto na página seguinte).
30 Dados de matrícula do Ensino Médio do Inep retirada de tabelas anteriores e dados da Educação Profissional integrada ao Ensino Médio fornecidos pela Suprof, conforme informado anteriormente.
120
Desse modo, nesse cenário é importante investigar que políticas públicas têm sido
criadas pelo estado da Bahia para o Ensino Profissional a fim de alavancar o crescimento
dessa modalidade de ensino em cumprimento ao que preconiza a LDB 9.394/96 e o Decreto
5.154/04. Esse questionamento é bastante salutar para que se busquem ações consistentes
para expansão da Educação Profissional, com uma verdadeira qualidade educativa. Nessa
perspectiva, como sinalizado inicialmente, a principal iniciativa do Governo da Bahia para a
reestruturação do Ensino Profissional é a criação e implementação do Plano de Educação
Profissional. Desse modo, nesse capítulo propõe-se a análise desse plano enquanto política
pública do governo estadual. Sendo que inicialmente foi feito este panorama da situação do
Ensino Profissional no Brasil e na Bahia, ação esta, que se entende como fundamental para
localização do objeto de estudo no seu universo de inserção e para uma melhor compreensão
do alcance das políticas públicas à população de um modo geral.
4. 2 – O Plano de Educação Profissional da Bahia
4.2.1 – A trajetória de elaboração do Plano de Educação Profissional da Bahia
Inicialmente serão expostas as partes que compõem o Plano de Educação
Profissional da Bahia apresentando o teor das mesmas, ao passo que se refletirá sobre a sua
redação analisando em que tipo de política pública se constitui e para que caminho se
direciona. Para tanto é proposto no estudo a compreensão das visões de mundo que abriga,
que intencionalidades estão implícitas e a que grupos visa atender, ou seja, que concepção de
sociedade e escola lhe dá sustentação. É objetivo, ainda, analisar como está disciplinada a
121
forma de oferta dos cursos. A fim de nortear a investigação será tomado como objeto de
estudo a legislação expedida pelo governo do Estado da Bahia que dá subsidio às ações
propostas no Plano.
Na apresentação do Plano, está expresso que este é fruto de uma política pública
prioritária do Governo do Estado, que tem sido implementada desde o ano de 2008. O
documento que embasou o Plano de Educação Profissional da Bahia foi Plano Plurianual
Participativo (PPA 2008-2011), tendo sido construído a partir do diálogo com vários atores
sociais que contribuíram para a sua elaboração. A formulação deste documento contou com
a participação de diversos seguimentos sociais sob a coordenação da Secretaria do
Planejamento a fim de traçar metas, diretrizes e ações a serem executadas no período de
2008-2011 com vinculação financeira em Lei orçamentária anual (BAHIA, 2007b).
No processo de elaboração participaram movimentos sociais, produtores,
comerciantes, cooperativas, indígenas, quilombolas, pescadores, professores, estudantes,
ambientalistas, agentes culturais e de turismo, acadêmicos, religiosos, agentes públicos,
ONGs, fóruns, conselhos, entre outros, que puderam propor ações e decidir sobre os temas
prioritários de investimento financeiro dos Territórios de Identidades.
A diretriz estratégica do Plano Plurianual que trata da educação expressa como foco
do Estado “garantir educação pública de qualidade, comprometida com as demandas de
aprendizagem do cidadão” expressando sobre a Educação Profissional que
Nos próximos quatro anos, o Governo investirá fortemente na expansão do ensino profissionalizante articulado ao ensino médio [grifo nosso]. A meta é atender a 20 mil alunos nesse período, com a ampliação de vagas e criação de novas escolas em todo o território estadual (ibid., p. 74).
O Plano Plurianual do governo do estado para o quadriênio 2008-2011 estabeleceu
como ação prioritária do estado o investimento em educação, ao passo que disciplinou sobre
a expansão da Educação Profissional integrada à Educação Básica.
O Plano de Educação Profissional da Bahia é a materialização dessa iniciativa,
estando sob a incumbência da Superintendência de Educação Profissional (Suprof), que foi
criada pelo Decreto nº 10.955, de 21 de dezembro de 2007, como citado anteriormente. Para
disciplinar o Plano foram baixados uma série de decretos, portarias e instruções normativas.
Por exemplo, o Decreto nº 11.355 de 04 de dezembro de 2008 que dispõe sobre a criação
dos Centros Estaduais e dos Centros Territoriais de Educação Profissional no âmbito do
Sistema Público Estadual de Ensino do Estado da Bahia. Já o Decreto nº 11.356, do mesmo
122
dia e ano, dispõe especificamente sobre o Centro da Educação Profissional da Bahia e do
Centro Estadual da Educação Profissional – Águas.
As portarias nº 9.719/2009, a nº 12.189 de julho de 2009 e a Portaria nº 4.752/2010
disciplinam sobre o sorteio eletrônico. O Decreto Simples de 2009 trata da nomeação dos
membros do Comitê Gestor Programa Trilha.
A Portaria 8.676 de 17 de abril de 2009 regulamenta a estrutura administrativa dos
Centros Estaduais e Territoriais de Educação Profissional e dá outros encaminhamentos. A
Portaria 8.677 de 17 de abril de 2009 e a Portaria 17.283/09 estabelecem sobre a
transformação de Unidades Escolares Estaduais em Centros Estaduais e Territoriais de
Educação Profissional e dá outras providências. E por fim a Instrução normativa nº 003/09
de 30 de julho de 2009 dá orientações a cerca da organização curricular dos cursos com suas
respectivas matrizes.
Percebe-se que no curto tempo de vigência do Plano (três anos ao findar 2010) foram
expedidos uma série de atos legislativos em anos e meses diferentes. Num primeiro
momento pode parecer uma adequação à realidade, mas diante de uma análise mais detida, e
sem querer engessar a legislação que deve de fato está a serviço da população, tal situação
aponta para ações descontínuas e pontuais. Aliás, essa é uma característica da legislação
educacional brasileira, que como exemplo ilustrativo pode-se tomar a expedição das leis
orgânicas, que se constituíram em uma série de decretos que disciplinou a Educação
Profissional em 1942, estes promoveram a desarticulação da Educação Profissional e Básica,
sendo que não se preocupou numa reforma contextual, mas os decretos eram baixados de
modo isolado.
O que demonstra não ser a área de Educação Profissional um assunto de fácil
solução, sendo que as contradições levaram a sucessivas revisões legislativas a fim de dar
conta da realidade multifacetada. Entende-se que a oferta do Ensino Médio e Profissional
sofre de uma lógica pontual com ações tópicas e fragmentadas para o que é criada uma
legislação que alicerça a essa mesma visão parcelar da realidade. Tais ações ganham sentido
por ser fruto da concepção dualista de ensino e do compromisso político antes com o capital
que com a população brasileira.
Desse modo, se o objetivo maior é da construção de uma política pública
consistente é fundamental a elaboração de um planejamento macro da educação baiana a
partir de um diagnóstico profundo do sistema de ensino. Pode-se afirmar que o
planejamento está sujeito a adaptações de acordo com as necessidades contextuais, porém
quando se trata da reestruturação de um nível de ensino, ou modalidade (este termo como já
123
apontado remete à ideia de desvinculação do Ensino Profissional da Escola Básica) que seja,
é necessário um maior cuidado e um projeto bem estruturado. Não há espaço, pois, para
amadorismos.
Quando o governo baixa uma série de decretos e portarias tal ação gera certa
desconfiança e uma boa dose de insegurança na população, pois por um lado revela que o
planejamento da política pública não se efetivou de modo eficaz, diante do que os atos
legislativos não foram suficientes para acomodá-la; e de outro lado, dá-se margem para
pensar que a descontinuidade das ações poderá desconstruir a qualquer momento o que já
está estabelecido.
Um exemplo claro disso foi a promulgação, da Instrução Normativa nº 003/09 que dá
orientação sobre a organização curricular dos cursos, ocorrer somente em 2009, um ano e
meio após o início das turmas. Indaga-se como curiosamente se organizou a matriz
curricular dos cursos já que em 2008 ainda não havia uma base legal que disciplinasse sobre
a proposta pedagógica, e uma vez que o Plano de Educação Profissional também não tratou
do assunto.
Desse modo, a revisão de um planejamento tem o fim de rever o que foi traçado e
não de sobrepor ações de modo aleatório. E no caso da legislação do Ensino Profissional
tanto a nível nacional como no Estado da Bahia, num primeiro momento fica a impressão
mais visível, que qualquer leitor poderá apreender, diante dos sucessivos remendos e
adequações, que não houve um planejamento bem articulado e organizado.
Sem perder de vista esse cenário, mais adiante, cada tópico do Plano da Educação
Profissional da Bahia será dissecado de modo mais detalhado, para que haja uma maior
compreensão de seu teor.
4.2.2 – As categorias conceituais presentes no Plano de Educação Profissional da
Bahia
4.2.2.1 – Um só Plano: três versões e divergências conceituais
Um primeiro elemento a ser considerado é o modo como está organizado o Plano de
Educação Profissional da Bahia, pois há divergências conceituais entre elas que necessitam
ser observadas.
Há pelo menos três versões veiculadas: a primeira é uma versão impressa
disponibilizada pela Suprof sendo que na ficha técnica faz-se referência sobre o fato de que
a versão completa está disponível no endereço eletrônico <www.sec.ba.gov.br>, que é o site
124
da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Ao reportar-se ao site este remete ao link
<http://www.educacao.escolas.ba.gov.br/node/15>, onde foi publicada no dia 06 de janeiro
de 2010, às 11h 17min pela Suprof, uma segunda versão31 que de fato apresenta um texto
com praticamente o mesmo teor do impresso com algumas informações adicionais. Além
dessas versões o site disponibiliza outras informações sobre o andamento do Plano de
Educação Profissional32, publicadas no dia 20 de janeiro de 2010, às 17h 46min pela Suprof,
no link <http://www.educacao.ba.gov.br/node/146#sub10>. Diante disso, para uniformizar a
escrita ao tratar do conteúdo dessas versões, estas serão identificadas respectivamente como
versão um ou impressa, versão dois e versão três. É importante salientar que de acordo
com informações da Suprof qualquer uma dessas versões tem validade oficial, sendo que as
versões mais indicadas para consultar são as online já que não se publica mais a versão
impressa.
Na versão impressa, por exemplo, não consta o item “Proposta Pedagógica” como
exposta na versão dois do Plano, sendo que tal assunto está tratado no tópico “O Profissional
da Bahia apresenta”, estando disposto na página 09. A redação apresentada na versão um, na
página 09, é a seguinte: “Perspectiva pedagógica arrojada, assumindo o trabalho como
princípio educativo e a relação trabalho-educação-desenvolvimento e a ciência-tecnologia-
sociedade como base da sua matriz curricular”.
Já na segunda versão do Plano, a redação se apresenta do seguinte modo no tópico
“Proposta Pedagógica”: “O Plano de Educação Profissional da Bahia tem uma dimensão
pedagógica arrojada, assume o trabalho como princípio educativo, uma verdadeira
Pedagogia do Trabalho. Seus pilares são as relações trabalho-educação-desenvolvimento e
a ciência-tecnologia-sociedade como base das matrizes curriculares”.
E na versão três, o termo Pedagogia do trabalho aparece num novo tópico que não
aparece em nenhuma das versões anteriores. Este é denominado “Contratação de
professores” o qual expõe sobre a função e formação dos docentes que serão contratados
31 Referência: EDUCAÇÃO Profissional é política pública de Estado. Superintendência de Educação Profissional do estado da Bahia. Suprof. 06 jan. 2010. Disponível em <http://www.educacao.escolas. ba.gov.br/node/15>. Acesso: fev. 2009. Como é um documento na versão HTML não será possível indicar a numeração das páginas nos trechos do Plano citados na dissertação. Nos trechos retirados desta fonte se indicará que corresponde à versão dois conforme explicado no texto, apontando ainda o tópico de onde se extraiu a citação. 32 Referência: PLANO de Educação Profissional. Superintendência de Educação Profissional do estado da Bahia. Suprof. 20 jan. 2010. Disponível em <http://www.educacao.ba.gov.br/node/146#sub10>. Acesso: fev. 2009. Como é um documento na versão HTML não será possível indicar a numeração das páginas nos trechos do Plano citados na dissertação. Nos trechos retirados desta fonte se indicará que corresponde à versão três conforme explicado no texto, apontando ainda o tópico de onde se extraiu a citação.
125
explicando que: “Eles exercem atividades de ensino na Educação Profissional e de
acompanhamento dos estágios integrados à unidade escolar e ao mundo do trabalho e
serão capacitados na Pedagogia do Trabalho, além de receber cursos de atualização
tecnológica”.
Diferente do que está demonstrado na ficha técnica do Plano de Educação
Profissional da Bahia, na versão um, essas não são informações complementares, pois ao
acrescer na versão dois e três os conceitos de Pedagogia do trabalho é gerado um
encaminhamento totalmente diferente à discussão iniciada na versão impressa. Se se pensar
que na primeira versão este termo não aparece, o tônus da discussão revela um esvaziamento
teórico. Sendo que o termo Pedagogia do trabalho, por sua vez, diz respeito à educação
repetitiva e baseada no conhecimento tácito própria da educação fragmentada e parcelar
característica do taylorismo/fordismo.
Diante dessas diferentes versões do Plano e do visível esvaziamento teórico nele
presente é imprescindível questionar sobre a postura do Estado da Bahia face aos conceitos
contraditórios presentes no Plano. Cabe ainda o questionamento sobre se de fato a
elaboração do Plano personifica a estratégia de expandir a Educação Profissional nos moldes
da qualidade e da integração, ou representa, somente, uma mera composição de cena.
Refletir acerca desses elementos é fundamental, uma vez que é inconcebível que se crie uma
política pública para determinado nível de ensino ignorando os princípios que o embasam.
Assim, buscando extrair os elementos basilares do Plano se analisará sobre os
conceitos apresentados na versão impressa e logo a seguir a correlação destes com o termo
Pedagogia do Trabalho.
4.2.2.1 – O princípio educativo do trabalho versus A Pedagogia do Trabalho
Quando é exposto que a proposta pedagógica assume “o trabalho como princípio
educativo” em sua matriz curricular entende-se que este é um ponto positivo, já que
compreende a indissociabilidade entre a educação e o processo de trabalho. Ou seja, o
homem aprende à medida que desenvolve sua atividade laborativa, este se constitui num
pressuposto de uma escola emancipadora que supera a dualidade entre trabalho manual e
intelectual.
A definição do princípio educativo de acordo com Kuenzer (2007, p. 32-33)
dependerá da classe social de origem, sendo que cada classe definirá esse conceito a partir
das demandas e das funções que lhe cabe desempenhar na divisão social e técnica do
trabalho. A autora ressalta que o exercício dessas funções não se limita às de caráter
126
produtivo, mas abrangem todas as dimensões comportamentais, ideológicas e normativas
que lhe são próprias, devendo a escola elaborar sua proposta a partir dessas exigências.
Dessa maneira, o modo como a escola deverá atender às exigências de cada classe
social não está dado naturalmente, mas esta é uma construção social e histórica. Assim, a
perspectiva conceitual de educação e trabalho está atrelada à divisão social e técnica do
trabalho.
Embora exponha que tenha como pressuposto o trabalho como princípio educativo
ao assumir a concepção de Pedagogia do Trabalho o Plano revela uma divergência
conceitual na sua redação, ao passo que demonstra caminhar na contramão de uma escola
unitária.
A Pedagogia do Trabalho é caracterizada pelo entendimento de ciência numa
perspectiva mecanicista que se resume em observar e repetir até memorizar as "boas
práticas" dos trabalhadores mais experientes, bastando inserir desde logo o futuro
trabalhador na situação concreta de trabalho, mesmo sem que ele se aproprie de categorias
teórico-metodológicas que lhe permitam analisar e compreender o processo do trabalho para
poder intervir com competência (KUENZER, 2006, p. 905).
Desse modo, a Pedagogia do Trabalho está circunscrita ao modelo
taylorista/fordista de produção, onde as ações eram eminentemente de cunho instrumental,
não se necessitando de um embasamento científico para executá-las. Somente os
trabalhadores em cargos de gestão deveriam possuir um conhecimento intelectual capaz de
instrumentalizá-los a dominar os processos tecnológicos e a gerenciar a produção, o que
implicaria conhecer a fundo o processo produtivo em todas as suas dimensões e etapas. E aí
que se dá o caráter dual da escola, preparação cientifica e intelectual para a classe dirigente,
e trabalho manual e instrumental para a classe trabalhadora em geral. Ao expor que tanto a
proposta pedagógica como a formação de professores se embasam na Pedagogia do
Trabalho o Plano traz no seu bojo os pilares da pedagogia taylorista/fordista.
Este é de fato um retrocesso, uma vez que, até mesmo a burguesia já entendeu a
necessidade de superação da pedagogia taylorista/fordista devido aos novos paradigmas de
organização e gestão da produção que reunificou ciência, trabalho e cultura (KUENZER,
2010)33. Diante desse processo de modernização na produção a velha escola humanista
revela seu fracasso devido ao modo cientificista como lidava com o conhecimento, retirando
o seu caráter empírico, desvinculando-o assim da realidade cotidiana. 33 Não é possível citar página já que a consulta foi realizada em artigo publicado no site do Boletim Técnico do Senac, onde ali não se apresenta a numeração, conforme explicado em notas anteriores.
127
Esta seria uma primeira justificativa diante da proposição do conceito de Pedagogia
do Trabalho, mas outra possibilidade é que à medida, que se requer formar um cidadão
habilitado em inúmeras competências devido à crescente tecnologização, esse mesmo
desenvolvimento científico gera na outra ponta a simplificação de tarefas, diante do que o
conhecimento tácito será suficiente para executar as tarefas no local de trabalho.
Assim, a solução de problemas e a realização das atividades acontecerão mediante a
utilização de conhecimentos instrumentais disponíveis pelos trabalhadores. Acredita-se não
ser necessário, pois investir em educação de altos níveis se já está destinada aos
trabalhadores a inserção em postos de trabalho onde se requer somente a execução do
trabalho manual. Desse modo, de acordo com a lógica capitalista, não é pertinente formar
trabalhadores especializados, uma vez que o mercado de trabalho não irá absorvê-los, ao
passo que trabalhadores mais bem preparados se negam a exercer atividades procedimentais,
o que inviabilizaria a sua contratação, por isso
O projeto de um capitalismo associado e dependente não tem necessidade da universalização do ensino médio de qualidade. Dados recentes mostram que dos poucos egressos do ensino médio muitos se negam a assumir empregos de baixíssimo nível e de salários irrisórios. Preferem migrar para países onde os mesmos serviços são remunerados quatro ou cinco vezes mais (FRIGOTTO, 2007, p. 1141).
Como foi explicitado no capítulo três essa é uma sugestão do Banco Mundial que
acredita ser um desperdício o investimento em educação de níveis superiores para
indivíduos que em tese “não são competentes” para exercer funções de liderança. O
investimento primordial deve ser a Educação Básica para inserção dos indivíduos na cultura
geral, assim, deve-se investir em educação especializada somente na medida das
necessidades do mercado, o que garantirá um retorno econômico.
Kuenzer explica (2002, p. 09) que mesmo diante de um desenvolvimento científico
extraordinário com a introdução da microeletrônica, o que gerou uma mudança na base
técnica, que a presença da divisão social do trabalho justifica a insistência das autoridades
brasileiras, para surpresa geral, em desenvolver políticas públicas que trabalhem ao nível das
competências procedimentais. Estas atividades por se resumirem à execução de tarefas
práticas reduzem ou eliminam a necessidade do conhecimento científico. Assim, as
habilidades que requerem conhecimentos de análise e abstração – ainda que não signifique a
compreensão total do processo produtivo, desenvolvidas em cursos de nível de escolaridade
mais elevada – ficam restritas a pequenos grupos que exercerão a liderança.
128
Os cursos, mediante o princípio educativo do taylorismo/fordismo, possuem, dessa
maneira, um esvaziamento teórico, desconsiderando os processos históricos de construção
da cultura e da sociedade. O foco desses cursos está circunscrito às Pedagogias do fazer,
onde a reprodução dos procedimentos é mais importante que a compreensão do processo
produtivo e sua articulação com a história. Esta pedagogia “priorizou os modos de fazer e o
disciplinamento, considerando desnecessário ao trabalhador o acesso ao conhecimento
científico que lhe propiciasse o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas e a
construção de sua autonomia (KUENZER, 2009, p. 31).
Como exposto, anteriormente no capítulo três, essa perspectiva educacional é
segundo Kuenzer defendida pela Escola de Fábrica, que se embasava na tese de que o bom
instrutor era o que ensinava os procedimentos laborativos através da imitação de sua prática
deixando-se observar pelos aprendizes; ao passo que o bom trabalhador era aquele que
melhor reproduzia as ações ensinadas. O ensino se dava sob a perspectiva eminentemente
comportamentalista, sendo desnecessário o domínio de conhecimentos teóricos.
Além do tipo de atividade não exigir um nível de conhecimento elaborado, havia
uma incapacidade de explicá-la ou mesmo ensiná-la já que não se dispunha do instrumental
científico para fundamentar a prática laborativa, os conhecimentos se davam no nível tácito,
ou seja, estão no plano da experiência cotidiana do trabalho.
Tem-se como exemplo dessa situação a relação estabelecida entre o pedreiro e o
engenheiro de uma obra. O primeiro executa as ações de acordo com o seu conhecimento
tácito, ou seja, aquele que é gerado de sua experiência cotidiana. Este tipo de conhecimento
se baseia na observação e experimentação dos materiais, o que lhe possibilita verificar o que
funciona ou não na construção, até mesmo com mais segurança que o engenheiro, uma vez
que já experienciou diversas vezes até chegar a uma conclusão mais plausível. Ao contrário
disso, o engenheiro ainda não vivenciou experiências mais consistentes, o que o torna
inexperiente em determinadas situações. Contudo, como o pedreiro não dispõe de um
conhecimento teórico que embase sua ação, as informações ficam num nível fragmentado e
difuso, assim fica em desvantagem em relação ao engenheiro.
Este faz uso do arcabouço teórico que possui para até mesmo tirar proveito do
conhecimento do pedreiro, já que desfruta da capacidade da compreensão global da
produção. Assim, a ação do pedreiro embora tenha sentido e tenha uma explicação
científica, como este não domina as categorias explicativas fica limitado à repetição
mecânica de sua atividade. Esse exemplo, ainda que ilustrativo, clarifica o que seja a
dissociação entre o trabalho manual e intelectual ainda presente na realidade brasileira.
129
Diante dessa exposição fica claro que o termo Pedagogia do Trabalho traduz uma
educação mecânica e repetitiva, própria do taylorismo/fordismo. Assim a assunção de uma
educação para os trabalhadores nos moldes da Pedagogia do Trabalho corresponde a uma
perspectiva de uma qualificação de baixo nível. Então o que dizer da utilização desse termo
na redação do Plano? Se a intenção não era associar o termo Pedagogia do Trabalho ao
conceito acima exposto – importante salientar que o conceito apresentado é amplamente
aceito pelos autores que discutem a Educação Profissional – então se pode dizer que houve
uma falha ao não se expor de que “Pedagogia” o Plano trata.
Outro elemento que endossa a ideia de trabalho e educação mediante uma concepção
dual, presente nesta política pública do Estado da Bahia, são as imagens expostas no Plano
(consultar anexos I, II e III) que demonstram um arquétipo de aluno bem específico. O
modo como os indivíduos estão trajados, bem como a pele escura, além de estarem
exercendo atividades manuais, remete ao imaginário social acerca da representação social de
indivíduos de baixa renda. Os indivíduos trajam roupas de operários, ou aparecem
executando atividades procedimentais como a atividade numa padaria ou mesmo numa
fábrica, nunca atividades de gestão.
Percebe-se um caráter discriminatório baseado na etnia, onde para os negros e
pobres, em tese, estaria destinado o trabalho manual. Ocorre aí, uma dupla discriminação, já
que se associa a destinação do trabalho manual desqualificado ao indivíduo negro e pobre.
Essa concepção de desqualificação do trabalho manual segundo Manfredi tem raiz na
sociedade escravocrata brasileira conforme se discutiu ao tratar da educação no Império.
Certamente, estas são atividades dignas como qualquer outra, contudo o princípio
ético é ferido quando já está traçado o status social do cidadão de acordo com a sua classe
social de origem. Desse modo, percebe-se como salutar compreender que tipo de cidadão o
Plano de fato propõe formar, indagando sobre quais as reais intencionalidades definem esse
cidadão a ser construído.
Essas primeiras aproximações, é necessário que se diga, não contém verdades
absolutas, contudo o modo como se construiu a redação do Plano e o esvaziamento
conceitual que possui revela a formação de um cidadão de segunda categoria. Para
compreender que sujeito é este que ora se constrói, é preciso que se atente ao tipo de escola
que emerge desse contexto e os elementos históricos que a tem influenciado.
Desse modo, o tópico 4.2.2.6, dará conta de discutir como a Educação Profissional
está sendo visualizada diante da construção de um sistema nacional de educação, o que é
imprescindível para a formação de um indivíduo que alcance o status de cidadão pleno.
130
Sobre isso se entenda aquele que esteja preparado intelectual e procedimentalmente para a
inserção cidadã e no mundo do trabalho.
4.2.2.3 – A relação entre ciência e trabalho
Outro conceito apresentado no Plano de Educação Profissional é a relação entre
trabalho-educação-desenvolvimento e a ciência-tecnologia-sociedade como pressupostos da
sua matriz curricular. Contudo, do mesmo modo que aponta os termos “trabalho como
princípio educativo” e “Pedagogia do Trabalho” sem discutir a respeito dos conceitos que
abrigam, igualmente aponta que é ministrada uma educação sob a perspectiva relacional
entre “trabalho-educação-desenvolvimento” e a “ciência-tecnologia-sociedade”, mas não
explicita como está delineada a inter-relação desses elementos.
Seria importante, portanto, demonstrar que objetivos, de fato, intenta o Plano, pois
tanto os trabalhadores como a burguesia utilizam esses conceitos com fins distintos. Diante
das questões apresentadas é salutar discutir a inter-relação entre os conceitos “trabalho-
educação-desenvolvimento” e a “ciência-tecnologia-sociedade” face ao sistema econômico
que hoje rege o mundo a fim de que se compreenda a discussão levantada.
Assim é que com o novo processo produtivo deflagrado pela acumulação flexível do
capital, por exemplo, impõe-se um novo tipo de sujeito que esteja qualificado para
desempenhar funções mais complexas no mundo do trabalho. É ponto pacífico o pressuposto
de que a ciência e a tecnologia são fundamentais para o desenvolvimento do processo
produtivo, assim a escola deve formar um cidadão capaz de articular esses saberes. Desse
modo, não é mais possível separar a função intelectual da função técnica, será necessário
uma formação que unifique ciência e trabalho, trabalho intelectual e instrumental
(KUENZER, 2007, p. 37).
Tanto os capitalistas como o proletariado entendem como fundamental a superação
da fragmentação entre trabalho e ciência, trabalho manual e intelectual, pois isso é condição
para o desenvolvimento do processo produtivo. O que deve ser discutido não é a relevância
da interdisciplinaridade desses elementos, pois isso é obvio dentro dos novos padrões
estabelecidos pela reestruturação do processo produtivo, mas o foco de análise deve ser
compreender que encaminhamentos tem se dado à educação a fim de que estes elementos
estejam interligados.
Por exemplo, o padrão toyotista de produção introduzido com a globalização da
economia e reestruturação produtiva supera a ideia de ensino parcelar e instrumental do
taylorismo/fordismo introduzindo a pedagogia das competências na formação dos
131
indivíduos. Para formar esse novo cidadão se requer que este domine uma série de
habilidades que englobem o domínio da ciência e da tecnologia, numa perspectiva da
flexibilidade. Percebe-se, pois, que ao passo que se exige mais do trabalhador, também se
passou a delegar a este indivíduo a responsabilidade sobre a sua formação o que garantirá,
segundo a lógica neoliberal, a sua inserção no mercado de trabalho. Portanto, a qualificação,
segundo a ideologia dentro desse sistema político-econômico dá ao indivíduo o status de
“empregável”.
Dessa maneira, ao mesmo tempo em que se absorvem no mercado os trabalhadores
“mais competentes”, simultaneamente os “inábeis” serão excluídos. A ciência e a tecnologia
não geram, nesse contexto, a inclusão social e a obtenção de benefícios coletivos, mas ao
contrário, é produzida mais desigualdade social. Desigualdade justificada pelo aumento da
exploração ao se impor que os trabalhadores exerçam uma gama de funções sob a
justificativa da flexibilidade e da polivalência; e pela exclusão do emprego protegido para
aqueles que não possuem a qualificação imposta pelo mercado de trabalho, isso porque se
acredita que o indivíduo é o tutor de sua aprendizagem. Portanto, a concepção burguesa para
a interdisciplinaridade entre a Ciência e a Tecnologia cumpre o fim de produzir lucro, o qual
é obtido pela intensificação da exploração da mão de obra do trabalhador, sob justificativa
do necessário desenvolvimento econômico.
Por outro lado, a visão emancipadora de educação que propõe uma escola unitária
compreende essa relação sob outro prisma. Isso porque, mesmo amplamente discutida desde
o século XVII a estreita relação entre Ciência e Tecnologia é interpretada sob diversas
formas (KUENZER; GRABOWSKI, 2006, p. 303).
O autor Dagnino (2010, p. 05), sem querer esgotar a discussão ou mesmo dirimi-la
aponta as duas linhas de pensamento que revelam a ideia que se tem usualmente acerca da
relação entre ciência e tecnologia. A primeira linha de pensamento entende que o caminho
traçado pela C&T se dá de modo autônomo, independente do contexto social, podendo ou
não influenciar a sociedade de algum modo.
A segunda abordagem apresentada pelo autor enfoca a sociedade, reconhecendo que
a natureza da C&T, e não apenas o uso que dela se faz, é socialmente determinada e, devido
a essa relação entre a C&T e a sociedade que a produziu, tende-se a reproduzir as relações
sociais dominantes, implementando ou inibindo mudanças segundo os interesses do projeto
hegemônico.
O modo como está organizada a Educação Profissional e as políticas públicas a ela
destinadas, depende da perspectiva de como se compreende a relação entre C&T e destas
132
com a sociedade. A primeira concepção revela a ideia de neutralidade da ciência, o que
retira o caráter histórico do desenvolvimento científico-tecnológico, desvinculando a sua
produção dos processos políticos, o que pressupõe uma verdade inexorável e inquestionável
devido à sua pretensa imparcialidade.
Esse pressuposto embasa-se na crença de que a C&T é produzida desvinculada do
contexto social, ao contrário é condição para sua produção o isolamento. Tal assertiva
implica na crença que não existem formas alternativas de produzir ciência, diante do que são
colocados em segundo plano os aspectos regionais, sociais e políticos, que deverão estar
subjugados ao caráter científico adaptando-se às suas imposições.
Assim, as contradições se resolveriam naturalmente, através de caminhos iluminados pela própria ciência, com novos conhecimentos e técnicas que superariam racionalmente os antigos, sem que se coloquem em questão a ação e os interesses dos atores sociais no processo inovativo (DAGNINO, 2010, p. 07).
Para Dagnino esta é uma visão que apresenta o progresso científico como uma
sucessão de fases sucessivas, ao longo de um tempo homogêneo e linear culminando em
resultados melhorados sucessiva, contínua e cumulativamente. Esse pensamento conduz à
percepção do senso comum, de que o presente é melhor que o passado e que conduzirá a um
futuro ainda melhor, em busca de uma finalidade imanente a ser alcançada. O
desenvolvimento da C&T seria, no plano do conhecimento, compreendida como a
manifestação da realidade tal como é apreendida pelo cientista, que pela sua posição
imparcial se caracteriza como detentor da verdade.
A neutralidade, por sua vez, conduz ao caráter universal da C&T acreditando-se na
possibilidade de utilização aleatória dos conhecimentos criados por diferentes civilizações já
que poderiam ser apropriados para finalidades quaisquer, e por atores sociais diferentes, a
qualquer tempo.
Nessa perspectiva a Educação Profissional é concebida como progressiva e igual
para todos, já que se resume à acumulação pura e simples de conhecimentos científico-
tecnológicos, o que é condição bastante para garantir o progresso econômico e social a
todos, promovendo, assim a paz social e a felicidade coletiva com o fim da pobreza.
Dominando a ciência os trabalhadores aprenderiam a pensar racionalmente, gerando
um “comportamento racional” em todas as esferas de atividade. Essa pretensa racionalidade
estaria acima de qualquer relação social, o que implicaria até na eliminação da política
devido à implantação da lógica e da razão suplantando-se a emoção e a paixão, o que
133
implicaria no tratamento das questões sociais e políticas numa perspectiva científica, o que
poria fim às disputas irracionais animadas por interesses políticos, com o que se produziria
uma sociedade cada vez melhor.
Os critérios científicos são utilizados para explicar até mesmo a linha de ação política
que passa a ser caracterizada como uma questão técnica. Esse racionalismo científico
imanente ao positivismo compreende que todos os processos – sociais ou físicos – podem
ser analisados através de uma ação científica que os reduz a coisas cuja solução é de cunho
objetivo e revestido de neutralidade científica.
À proporção que se trata a política como questão técnica a gestão da Educação
Profissional passa a ser gerida mediante processos elitizados, a serem desenvolvidos por
especialistas possuidores de conhecimentos de alto nível, o que lhes confere autoridade para
decidir sobre o que melhor para toda a sociedade, independente das relações de classe. Esse
status de gestores imparciais é-lhes atribuído devido à crença de produção neutra de
conhecimentos, o que lhes assegura enquanto cientistas um lugar social acima do bem e do
mal; a gestão dentro das tecnoburocracias é plenamente justificável, pois competência está
aliada ao conhecimento.
Outra forma de conceber a neutralidade para Dagnino é mediante a ideia de
determinismo tecnológico, onde as relações técnicas de produção estabelecidas no lócus de
trabalho, oriundas das tecnologias ou forças produtivas, que determinariam no delineamento
das relações sociais e políticas de produção; como conseqüência desta assertiva a
acumulação da capital é fruto do desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
Neste caso, C&T, embora continuem a ser compreendidas como independentes das
relações sociais, passam a ser determinantes das mudanças e formas de organização da
sociedade. Assim, bastaria ao proletariado se apropriar dos conhecimentos socialmente
produzidos pela burguesia para construir um novo tecido social, o socialismo, resultante
natural do desenvolvimento das forças produtivas.
Contudo esse pensamento mecanicista, segundo Dagnino, que retira a
responsabilidade da dualidade do Ensino Profissional da divisão de classes, vai de encontro
aos ideais emancipacionistas de uma escola unitária. Para Marx e Gramsci a apropriação de
conhecimentos como veiculados na escola é fator de reprodução da desigualdade de classe,
portanto os conteúdos culturais deverão ser selecionados pelo proletariado.
Isso porque o Estado tem utilizado a escola como instrumento de reprodução de
classes ao selecionar conteúdos homogeneizadores dentro de cada classe social. Assim a
134
escola na visão da burguesia deve ser unificada, mas no sentido de que esta possa controlar
os conteúdos culturais a serem ministrados para a classe popular.
A educação emancipadora tem uma nova perspectiva, que é a de formação integral
dos indivíduos, a qual Gramsci chama de escola unitária ou politécnica e Marx a denomina
de educação tecnológica. Embora a nomenclatura não seja ponto pacífico entre os
estudiosos dessa escola, contudo o conceito possui o mesmo conteúdo. Manacorda (1991, p.
30), por exemplo, entende que o termo educação tecnológica traduziria com maior
fidedignidade a concepção marxiana do que o termo “politecnia” ou “educação politécnica”,
já que nos textos produzidos por Marx tanto nas Instruções como n’O Capital o ensino é
caracterizado como tecnológico, sendo que o termo politécnico aparece somente nas
Instruções (ibid., 1991, p. 30). Sem querer enveredar na etimologia da palavra, já que este
não é o foco do estudo, o objetivo consistirá em observar o conceito tratado, uma vez que
este trata de uma mesma natureza.
É importante, pontuar que o Plano de Educação Profissional, se distancia dessa
escola unitária proposta por esses autores, justamente por não apontar os fundamentos de
uma educação que integre ciência e tecnologia. O Plano cita sobre as categorias trabalho-
educação-desenvolvimento e a ciência-tecnologia-sociedade, sem, contudo demonstrar
como entende a interrelação desses elementos. Entende-se que o Plano apresenta a
justaposição desses termos não discutindo se a concepção que defende é de rompimento com
o pensamento de desvinculação da ciência do contexto social ou mesmo de determinismo
científico. Ao não discutir sobre esses elementos apreende-se dessa atitude que o Plano se
exime de um posicionamento crítico, o que compromete o ideal de educação crítica e
transformadora.
4.2.2.4 – Matriz curricular ou proposta pedagógica?
Outro elemento que corrobora a ideia de educação a-crítica é quando o Plano
expressa que “seus pilares são as relações entre trabalho-educação-desenvolvimento e a
ciência-tecnologia-sociedade como base das matrizes curriculares”.34
Entende-se por matriz curricular a seleção de conteúdos baseada na concepção de
ensino assumida, na qual está implicada a visão de sociedade, o que irá influenciar
diretamente no delineamento dos objetivos de ensino e aprendizagem. Assim a concepção de
currículo é anterior à seleção do conteúdo programático, sendo que o primeiro fundamenta o
34 Trecho do Plano retirado do tópico Proposta Pedagógica presente tanto na versão um como na versão dois.
135
segundo, mas não se limita a apenas essa ação. Contudo, mediante o senso comum,
usualmente se entende o currículo como as matérias de um curso, reduzindo-se o campo do
currículo à ideia de programa, ou seja, sequência de ações predeterminadas que só pode se
realizar num ambiente com poucas eventualidades e desordens (MORIN, 1999, p. 220 apud
SANTOS, 2004, p. 418).
Diferente disso, o conceito de currículo é mais amplo, englobando as posturas, a
organização do espaço físico e do tempo de aprendizagem, a relação estabelecida entre o
aluno e o docente, as relações de poder intra e extra escola, os instrumentos avaliativos, ou
seja, as mais simples ações que trazem nas entrelinhas as visões de mundo e de educação
que se possui. “Nessa perspectiva o currículo é considerado um artefato social e cultural.
Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais
(MOREIRA; SILVA, 2000, p. 07).
Desse modo, o Plano apenas cita os elementos sobre os quais está embasada a sua
matriz curricular, ao invés de apontar a relação estabelecida entre eles, o que impossibilita
que se demonstre a concepção de sociedade e ensino defendida.
Por outro lado, a Instrução Normativa nº 003/09 de 30 de julho de 2009, que dispõe
sobre as orientações para a organização curricular, quanto à matriz curricular da Educação
Profissional dá alguns encaminhamentos que merecem ser considerados. A Instrução
Normativa em seu artigo 1º em relação à matriz curricular dos Cursos de Educação
Profissional – os quais devem estar referenciados no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos,
nas diversas modalidades – sugere que sejam contempladas as disciplinas da Parte
Diversificada (Formação Técnica Geral) e da Parte Profissional (Formação Técnica
Específica) de acordo com o curso profissional adotado.
A fim de elucidar o que seja Formação Técnica Geral a Instrução nº 003/09 de 30 de
Julho de 2009 expõe no parágrafo 1º do artigo 1º que:
§ 1º A Formação Técnica Geral caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos de caráter sócio-técnico relativos ao trabalho, que perpassam todas as áreas de ocupação e que são necessários para qualquer tipo de inserção no mundo do trabalho (assalariado, de forma autônoma ou por meio da economia solidária) (BAHIA, 2009, p. 02).
Já no parágrafo 2º do mesmo artigo quanto à estratégia didática estabelece que
§ 2º A Formação Técnica Geral, enquanto estratégia metodológica de integração de conhecimentos no currículo e abordagem e/ou introdução ao mundo do
136
trabalho, deverá ser utilizada nos currículos integrados como conhecimentos-ponte entre a formação geral (Educação Básica) e a formação específica, que pode ser concebida na forma de arcos ocupacionais (ibid., p. 02).
Nota-se que no artigo 1º da Instrução Normativa nº 003/09 se expôs que Formação
Técnica Geral corresponde a um conjunto de conhecimentos e agora no parágrafo 2º esta é
caracterizada como estratégia metodológica. Do ponto de vista conceitual há uma
incorreção, pois enquanto conhecimento pressupõe que esteja circunscrito a um campo
teórico, que certamente, poderá dar sustentação a procedimentos de ensino ou estratégias
didáticas. Contudo, não é possível ser caracterizado como metodologia de trabalho se
corresponde a um campo do saber, acredita-se que são coisas distintas. O aspecto
metodológico estar ancorado num aporte teórico não é só correto, mas imprescindível,
entretanto ao contrário disso, afirmar que a concepção teórica consiste numa metodologia é
incoerente. E outro ponto a ser considerado é que ao classificar a Formação Técnica Geral
como metodologia faltou explicitar como cumpre a esse papel.
Desse modo, para maior clareza seria relevante expor em que consiste esta
metodologia de trabalho de modo mais prático, sendo que o Plano de Educação Profissional
poderia ter sido utilizado como estratégia para discussão desses elementos. Contudo, talvez
o que tenha dificultado essa explanação seja o fato de que o estabelecimento da Instrução
Normativa ter sido posterior ao Plano, sendo que os conceitos tratados na Instrução não são
tratados no Plano, e nem os elementos tratados no Plano quanto à matriz curricular são
contemplados na Instrução. Tal situação tem gerado um entendimento truncado sobre o que
realmente seja a proposta pedagógica para a Educação Profissional na Bahia.
Aliás, os conceitos de Pedagogia do Trabalho, sociedade-ciência e tecnologia e agora
Formação Técnica Geral foram utilizados sem se apontar a relação estabelecida entre eles.
Devido a isso não há clareza sobre o arcabouço teórico que fundamenta a proposta
pedagógica da política pública materializada no Plano de Educação Profissional da Bahia.
Quanto à oferta das disciplinas está previsto no artigo 2º da Instrução Normativa que
Art. 2º A formação Técnica Geral deverá constar em todos os Cursos de Educação Profissional Técnica e as disciplinas serão comuns a todos os cursos, constituindo um campo de conhecimentos necessário à inserção e atuação no mundo do trabalho. Parágrafo Único – As disciplinas referidas no caput do artigo 2º são as seguintes: I- Sociologia – Organização dos processos de Trabalho; II- Sociologia – Organização Social do Trabalho – Empreendedorismo e
Economia Solidária; III- Filosofia – Ética e Direito do Trabalho; IV- Filosofia – metodologia do Trabalho Científico;
137
V- Biologia – Higiene, Saúde e Segurança do Trabalho; VI- Informática – Inclusão Digital (ibid., p. 02).
Tratar sobre a oferta das disciplinas acaba evitando distanciamentos dos objetivos
propostos, assim propor que sejam trabalhados campos do saber da cultura geral caminha no
sentido de garantir um arcabouço teórico mais consistente. Entretanto, insisti-se que essas
ações deverão ser posteriores à definição da concepção de mundo e de sociedade que
nortearão a proposta de ensino.
Diante disso, percebe-se que o encaminhamento dos conteúdos das disciplinas
assume um caráter técnico, pois tomando como exemplo, o item II do artigo 2º, para o
estudo da disciplina Sociologia propõe-se o tópico empreendedorismo. Tal assunto localiza-
se dentro do conceito de empregabilidade, que utilizando como subsídio a Pedagogia das
Competências transfere para o indivíduo a responsabilidade por sua formação e inserção no
mundo do trabalho. Gentilli (2005, p. 55) explica que segundo essa concepção teórica “a
possibilidade de obter inserção efetiva no mercado de trabalho depende da capacidade do
indivíduo em consumir aqueles conhecimentos que lhe garantam essa inserção”.
Essa estratégia tem sido utilizada pelos governos como instrumento de transferência
de sua responsabilidade social, que é a criação de políticas de emprego e renda, para os
próprios indivíduos. Esses indivíduos são culpabilizados por não obterem um determinado
nível de qualificação e automaticamente não se inserir no mercado de trabalho. Dentre as
recomendações do Banco Mundial – para uma população que viverá com poucos direitos na
informalidade, e que, ironicamente, gozará de autonomia para fazer escolhas, ter seu próprio
negócio e definir seu ritmo de trabalho – não se necessita de um investimento em formação
especializada (KUENZER, 2010, p. 07). Assim, este cidadão deverá assumir um espírito
empreendedor para montar seu próprio negócio, sendo que o seu sucesso dependerá de suas
habilidades e não do contexto socioeconômico e político.
No item IV do artigo 2º da Instrução Normativa nº 003/09, dentro da disciplina
Filosofia, é colocado como subtema o tópico Metodologia do Trabalho Científico. É
importante ter certo cuidado, pois embora tais disciplinas tratem do conhecimento, tal
discussão se dá sob perspectivas diferentes.
Dessa maneira, normatizar sobre a oferta das disciplinas é uma preocupação válida,
mas que poderá perder a eficácia se a concepção de ensino caminhar na contramão de uma
educação holística e emancipadora. Nessa perspectiva, seria relevante que o Plano primeiro
fizesse essa discussão, expondo o posicionamento do Estado em relação ao ideal de
138
educação professada a fim de orientar as ações a serem desenvolvidas. Assim é que,
certamente, propor ações ou estabelecer disciplinas, sem a devida discussão e clareza do
trabalho pedagógico não resolve o problema da fragmentação e segmentação do ensino.
4.2.2.5 – A formação de professores
Outro ponto importante na criação/desenvolvimento de uma proposta pedagógica,
garantindo-se um posicionamento crítico com vistas à qualidade do ensino, é a promoção da
qualificação do corpo docente. Sendo ainda necessária a implementação de políticas para se
criar um quadro permanente de docentes, pois a mudança constante de profissionais
compromete a qualidade do trabalho desenvolvido.
O Documento Base formulado pelo MEC para a Educação Profissional Técnica de
Nível Médio Integrada ao Médio orienta – como uns dos fatores principais para a
consecução de um Ensino Médio, na perspectiva da integração entre Educação Profissional e
Tecnológica com a Educação Básica – que se observe a formação do docente. Deve-se ter
como objetivo para a formação dos profissionais que ali atuem Uma visão que englobe a técnica, mas que vá além dela, incorporando aspectos que possam contribuir para uma perspectiva de superação do modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente e, dessa forma, privilegie mais o ser humano trabalhador e suas relações com o meio ambiente do que, simplesmente, o mercado de trabalho e o fortalecimento da economia (BRASIL, 2007, p. 34).
É uma visão de docência de natureza humanista, onde a técnica e o conhecimento
estão entrelaçados. Entretanto, a formação preconizada no Plano, estando alicerçada na
Pedagogia do Trabalho, diverge de uma educação omnilateral, pautando-se na repetição
mecânica como se apontou anteriormente.
Além disso, os profissionais que trabalham atualmente na Educação Profissional na
Bahia são contratados temporários do Regime Especial de Direito Administrativo (REDA).
Em 2009 tinha-se uma estimativa de 445 docentes convocados sob o REDA, sendo que o
quantitativo de vagas correspondia a 696. Quer dizer que há um número grande de
profissionais atuando como temporários e, pode-se notar ainda que há carência de pelo
menos 251 profissionais para atuar na Educação Profissional. No tópico Contratação de
Professores do Plano de Educação Profissional na versão 02 explica-se que
São bacharéis, tecnólogos ou licenciados em áreas relacionadas aos eixos tecnológicos dos cursos técnicos de nível médio oferecidos pelo Estado. Eles
139
exercem atividades de ensino na Educação Profissional e de acompanhamento dos estágios integrados à unidade escolar e ao mundo do trabalho e serão capacitados na Pedagogia do Trabalho, além de receber cursos de atualização tecnológica (Trecho do Plano de Educação Profissional da Bahia).
Diante desse cenário dois fatores são preocupantes: o primeiro é a proposição da
formação dos docentes na Pedagogia do Trabalho, o revela um cunho mecanicista baseado
na pedagogia taylorista/fordista; outra questão é o fato de que boa parte desses profissionais
não tenha a formação na docência. A LDB 9.394/96 no artigo 62 (BRASIL, 1996, p. 22)
orienta que a formação dos docentes que irão atuar na Educação Básica, deverá ser em nível
superior em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores. Portanto, o licenciado é que melhor tem condição de realizar a docência, devido
a sua formação pedagógica aliada ao conhecimento específico da área em que irá atuar.
Ainda assim, pode-se considerar que haja a necessidade de contratar profissionais de
outras áreas que não seja o magistério, devido às especificidades dos cursos, contudo nesse
caso deve ser respeitado o que preconiza o artigo 61, inciso I, da LDB 9.394/96 (ibid., p.
22), que trata da formação. Ali está expresso que na formação deve estar contemplada a
associação entre teorias e práticas, inclusive com a previsão da capacitação em serviço. Assim, é
importante que os sistemas de ensino venham a preparar seus profissionais na área pedagógica a
fim de que estes sejam capazes de realizar a transposição didática dos conteúdos na perspectiva
de integrar conhecimentos da formação geral com os conhecimentos da área profissional.
Em face dessa realidade, é importante frisar que se a formação inicial não for
considerada, e por sua vez a formação continuada obedecer a um viés mecanicista (aspectos
subjacentes à Pedagogia do Trabalho), então, entende-se que a educação ministrada por estes
profissionais terá um cunho meramente técnico. Isto quer dizer que os estudantes receberão
uma educação fragmentada e desvinculada de uma compreensão do contexto social.
4.2.2.6 – Discutindo a implantação de um Sistema nacional de ensino: o lugar do
ensino politécnico
Nessa perspectiva de formação de um cidadão pleno, não se poderá invalidar os fatos
históricos que tem influenciado na constituição da educação, o que é imprescindível para
superar o ensino dual a que está submetido o sistema de ensino brasileiro.
No entanto, é bastante preocupante que a redação do Plano desconsidere os
elementos históricos que tem caracterizado a educação brasileira e a baiana. Tal sinalização
é fundamental porque o planejamento de uma política pública deve estar vinculado ao
diagnóstico das tensões sociais existentes, definindo-se claramente os limites de atuação e os
140
pontos de enfrentamento a fim de contornar as problemáticas oriundas da realidade social
com suas complexidades.
Diferente disso, em momento algum são expostos no Plano as vicissitudes ou os
pontos de tensão da Educação Profissional na Bahia, o que gera a dificuldade de
compreender a trajetória do Ensino Profissional no estado como bem os pontos nevrálgicos
que a política pública deve superar. O Documento Base da Educação Profissional Técnica
de nível Médio integrada ao Ensino Médio expõe que para efetivação de uma política
pública e não apenas um Programa de governo, é necessário conhecer as fragilidades e
potencialidades dos sistemas educacionais, sejam eles federais, estaduais, ou municipais, na
busca de sua superação (BRASIL, 2007, p. 32).
A natureza a-histórica revela uma concepção de educação desvinculada do contexto
social, como se uma política pública pudesse dar conta de resolver os problemas que tem
origem nas raízes históricas de nossa educação. A não discussão das problemáticas
existentes, mais que a simples ignorância revela o desejo de encobrir as contradições, o que
provavelmente impossibilitará a compreensão de suas verdadeiras causas e, por conseguinte
se inviabilizará a sua superação. Isso porque, Para se definir uma política de governo... em uma sociedade complexa, absolutamente díspar sob diversos ângulos, há que se ter os pés no chão: jamais esconder as verdadeiras causas do problema que se deseja enfrentar e resolver... para resolver problemas complexos não pode haver soluções simplificadas, sob o risco de se cair no simplismo analítico e propor medidas inadequadas, populistas, demagógicas, clientelistas (KUENZER, 2009, p. 25).
Compreendendo que a superação da dualidade do ensino não é uma questão de fácil
solução, já que é fruto da desigualdade porque passa a sociedade é que Kuenzer aponta não
ser possível ignorar os determinantes sociais. A simples proposição de uma política ou
legislação que a embasa não garantirá isoladamente a sua consecução, antes é necessário o
desejo de concretização mediante uma boa dose de compreensão da realidade e o
comprometimento social.
É aí que é possível perceber que a questão da dicotomia do saber está presente no
Plano tanto seu caráter a-histórico assim como pela fundamentação na Pedagogia do
Trabalho. Essa constatação remete à crença de que isso tem gerado o silenciamento da
discussão em torno do Ensino Profissional integrado ao Médio embora esse assunto esteja
contemplado no PPA 2008-2011, que deu sustentação à criação do Plano de Educação
Profissional da Bahia.
141
Um novo modelo de educação está sendo implantado, voltado para a formação integral dos cidadãos e cidadãs, envolvendo conhecimentos básicos e técnico-profissionais, bem como aqueles relativos ao exercício dos seus direitos e deveres (BAHIA, 2007b, p. 73).
O PPA expõe o caráter unitário entre conhecimento intelectual e instrumental, sendo
um todo indissolúvel. Entretanto, a essa proposição não é feita uma discussão quantos aos
aspectos complicadores para a sua consecução, o que dá a ideia de que esta é uma proposta
descolada da realidade. Ainda que o PPA trate de modo limitado da Educação Profissional,
no Plano de Educação Profissional da Bahia esse assunto sequer foi mencionado nessa
perspectiva da unidade.
Observa-se que o cenário de contradições que envolvem a educação para o trabalho
foi deixado de lado, como se estas questões fossem de simples solução e como se o Plano
solitariamente pudesse dar conta das demandas por uma educação igualitária. Ainda mais
que, a despeito de estar expressa no PPA a formação integral do indivíduo, não se esclarece
no Plano as estratégias para a implantação dessa escola unitária. Aliás, o Plano sequer
mencionou o contexto brasileiro de contradições porque tem passado o Ensino Médio no que
tange à integração com a Educação Profissional.
Não é demonstrado como a Bahia tem procedido para adequação ao que se
disciplinou para a Educação Profissional por ocasião da implantação da LDB 9.394/96.
Embora naquele momento não houvesse a extensiva obrigatoriedade da Escola Básica ao
Ensino Médio, a legislação passou a prever a formação dos indivíduos na cultura geral, em
bases cidadãs e na preparação nos processos científicos e tecnológicos a fim de preparar os
indivíduos para o mundo do trabalho. Passou a haver a previsão de uma educação com vistas
à unitariedade entre educação e trabalho.
É certo que a dificuldade de concretização estava circunscrita ao cenário educacional
brasileiro multifacetado, que não tem oportunizado aos jovens brasileiros o acesso ao ensino
e a permanência na escola, ao passo que a legislação não contemplava o Ensino Médio com
uma dotação orçamentária, já que o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) se destinava somente para o Ensino
Fundamental. Situação que veio a ser contornada somente em 2006 com a instituição do
Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação) que financiaria toda a Escola Básica.
Logo no ano seguinte com a promulgação do Decreto 2.208/97, retirou-se a
possibilidade desse ensino unitário, já que a legislação estabeleceu apenas a oferta de cursos
142
concomitantes e subseqüentes. Situação que embora não superada na íntegra, assume uma
nova perspectiva com o Decreto 5.154/04 que restituiu a possibilidade de integração dos
cursos de Educação Profissional.
O que causa estranhamento é que nesse cenário de tantas contradições, continuidades
e rupturas, diante de uma legislação difusa e cheia de incongruências, com tantas idas e
vindas, o Plano é construído desconsiderando todos esses elementos. É como se fosse um
Plano sem história, ou ainda, um Plano autônomo, desvinculado do contexto social. Diante
disso, pode-se dizer que assume uma missão redentora, já que as ações propostas poderão
promover a solução para a Educação Profissional. Será que de fato querem que se acredite
nesse pressuposto?
É notório que o Plano longe de questionar as contradições existentes faz uso do
caminho mais fácil, isto é, assim como o Decreto 5.154/04 que longe de restituir o caráter do
ensino politécnico previsto na LDB, permite a coexistência de uma série de cursos a fim de
todos agradar.
O Plano prevê para oferta dos cursos quatro modalidades de ensino: o Ensino Médio
Integrado, o Subsequente, o Proeja e o semipresencial. No Ensino Médio Integrado, a
Educação Profissional é integrada ao Ensino Médio, tendo os cursos a duração de quatro
anos, estando voltados àqueles que concluíram o Ensino Fundamental. Assim, ao concluir o
curso o indivíduo terá o diploma de técnico e ainda poderá prosseguir seus estudos na
Educação Superior.
Os cursos subseqüentes são para aqueles que já concluíram o Ensino Médio e
desejam complementar sua formação com a Educação Profissional, possuindo a duração de
um ano e meio a dois anos a depender do eixo tecnológico e ocupação a que se destinam.
É interessante perceber que o Plano não discute o currículo do Ensino Médio nem em
que bases deve ser ministrado, além do que ainda prevê a existência dos cursos
subseqüentes. Esta modalidade, conforme dados fornecidos pela Suprof para o ano de 2010,
absorve um percentual de 34,2% de matrículas na Educação Profissional com um
quantitativo de 13.601 alunos.
Sabe-se que isso não está em discordância com a lei que indica a possibilidade de
oferta na modalidade de cursos subseqüentes, mas a mesma legislação não proíbe que a
integração seja pleiteada pelas instituições de ensino. Assim, o posicionamento de buscar a
integração dependerá do entendimento dos governos, pois como já foi demonstrado, os
Estados do Espírito Santo e do Paraná têm trabalhado para a implantação de uma rede de
ensino integrada desde o ano de 2003.
143
Ao não se preocupar prioritariamente com a Educação Profissional Integrada,
expandido a quantidade de cursos subseqüentes, corre-se o risco de oferecer cursos
aligeirados indiscriminadamente ao invés de se investir na reestruturação do Ensino
Profissional numa perspectiva de unitariedade do ensino. E isso, como preconiza Acácia
Kuenzer, implicaria na reestruturação do Ensino Médio e de suas diretrizes a fim de
promover uma formação nas bases científicas, tecnológicas e cidadãs ao introduzir os
indivíduos no mundo da ciência e do trabalho.
Para isso, seria necessária a construção de um Sistema de Ensino Estadual onde a
Educação Profissional estivesse contemplada na Escola Básica, de formação na cultura geral
e de preparação profissional, articulando sempre ciência e tecnologia com os processos
sociais e culturais.
Aí que Marise Ramos (2005, p. 120) propõe que o currículo dessa escola se afaste
progressivamente dos princípios tayloristas-fordistas de produção sob forte influência do
racionalismo-empirista. No caminho oposto a perspectiva dialética compreende a integração
de conhecimentos com a finalidade de reconstruir totalidades pela relação das partes. O
currículo em si não possui a capacidade de compreender o real em sua totalidade, antes é
preciso a seleção de conceitos e conteúdos que expressem as múltiplas relações que definem
o real. O que implica dizer que serão definidas disciplinas, conteúdos, projetos, ou que mais
elementos for necessário para a organização do currículo escolar.
Como orientação para a elaboração do currículo integrado Ramos (ibid., p. 114),
tomando o pensamento de Kosik (1978), esclarece que cada fato ou conjuntos de fatos,
essencialmente, reflete a realidade com maior ou menor riqueza ou completude. Por este
motivo, é possível que um fato tenha o poder de explicitação do real mais que o outro. Desse
modo, para poder se conhecer a totalidade tomando as partes é necessário a capacidade de se
identificar os fatos ou conjunto de fatos que deponham com mais fidedignidade sobre a
essência do real; e ainda, que se tenha a capacidade de distinguir o essencial do acessório,
além de que se perceba a finalidade objetiva dos fatos.
Essa relação entre o homem e o objeto do conhecimento, bem como a apropriação
social desse conhecimento produzido que lhe dá significado está contida na ideia de trabalho
como princípio educativo que de acordo com Gramsci (1991b apud RAMOS, 2005, p. 121)
define a escola ativa e criadora. Ter o trabalho como princípio educativo diz-se de uma
formação baseada no processo histórico e ontológico de produção da existência humana, em
que a produção do conhecimento científico é apenas uma dimensão. Isto quer dizer que todo
144
conhecimento é gerado a partir da ação do homem sobre a natureza através do trabalho, o
gera a produção da existência humana sobre bases materiais e sociais concretas.
Dessa forma, Ramos afirma que só é possível compreender o conhecimento no seu
modo mais atual mediante a compreensão da realidade e do processo histórico de
constituição da ciência. Como já foi sinalizado na discussão entre C&T, igualmente Ramos
acredita que os processos de trabalho e as tecnologias expressam a evolução das forças
materiais de produção e podem ser tomados como um ponto histórico e dialético para o
processo pedagógico. A natureza histórica diz respeito ao fato de que o trabalho pedagógico
objetiva demonstrar as contradições em torno da produção do conhecimento. Toda prática de
ensino viabiliza a compreensão do estágio atual das coisas esmiuçando os seus fundamentos.
A perspectiva dialética é compreendida pela concepção de que o estudo do processo de
produção não se limita à sua estrutura formal e procedimental aparente, mas se caracteriza
por tentar captar os conceitos que os fundamentam e as relações que os constituem. Tais
fundamentos podem ser contraditórios e por isso mesmo podem ser questionados por outros
conceitos.
É aí que Ramos sinaliza que um processo de produção, como elemento da realidade
mais ampla, pode ser estudado em múltiplas dimensões, tais como econômica, produtiva,
social, política, cultural e técnica. Os conceitos iniciais para esse estudo convertem-se em
conteúdos de ensino sistematizados nas diversas áreas de conhecimento e suas disciplinas.
Nesse aspecto pode-se perceber que conhecimentos gerais e conhecimentos profissionais
apenas se diferenciam didaticamente e em suas finalidades situadas historicamente; contudo,
esses conhecimentos formam uma unidade.
A autora explica que no currículo que integra formação geral, técnica e política, o
pressuposto de conhecimento geral de um conceito encontra-se no seu enraizamento nas
ciências como “leis gerais” que explicam os fenômenos. Já um conceito específico,
caracteriza-se pela apropriação de um conceito geral aplicado com finalidades restritas a
objetos, problemas ou situações de interesse produtivo. A tecnologia, diferente do conceito
de determinismo científico, ou neutralidade científica, é visualizada como ciência apropriada
com fins produtivos. Por esta razão, no currículo integrado nenhum conhecimento é apenas
geral, já que embasa objetivos de produção, e nem somente específico, porque nenhum
conceito apropriado no processo produtivo pode ser elaborado ou entendido desarticulado da
ciência básica.
145
Compreendendo que qualquer conhecimento específico que caracterize uma área
profissional é produzido dentro de campo conceitual mais amplo, não será possível dissociar
o processo de ensino das raízes históricas que marcaram a produção no tempo e no espaço.
É aí que para formar um cidadão reflexivo que se aproprie de uma unidade do
conhecimento que possibilite a formação numa escola integradora, se faz necessário a
constituição de um Sistema Nacional de Ensino que permita a integração desses
conhecimentos.
Nesse ponto, o Plano de Educação Profissional da Bahia peca por não discutir os
fundamentos da Escola Básica, pois ainda que não possa oferecer o “ensino ideal” na
atualidade, poderá fazer brotar o gérmen de um ensino emancipador que integre
conhecimento profissional num futuro próximo. Para tanto, poderia suscitar uma profícua
discussão que certamente encaminharia para obtenção do entendimento de que um contexto
produtivo, e, por conseguinte educacional, só pode ser construído histórica e
ontologicamente. Seguindo essa linha de pensamento é importante pontuar que o Plano
deixou de discutir os seguintes tópicos:
- A dimensão do homem em sua totalidade histórica, onde trabalho manual se
articula ao intelectual;
- A organização da Escola Básica e da Educação Profissional com vistas a uma
escola unitária;
- A organicidade do trabalho para a educação básica no delineamento de uma rede de
educação nacional.
Esse canário para Kuenzer tem no Ensino Médio o cerne da problemática da
educação para o trabalho, assim sem revisar as suas bases não poderá se obter a superação
da dualidade estrutural a que está submetida a educação brasileira. Para tanto, é necessário
buscar na história os elementos que influenciaram na construção dessa escola dual. Ignorar
esses elementos só faz aumentar o fosso de desigualdade social e cultural a que está
submetida a educação brasileira.
4.2.2.7 – A concepção de escola é construída historicamente
Primeiramente é necessário entender que a ideia de escola que se tem atualmente foi
construída a partir da divisão social do trabalho, sendo que a concepção sobre que bases
deve estar fundada depende da classe social de origem. Desse modo, o princípio educativo
aderido pelas elites obedece a padrões distintos em relação ao defendido pelo proletariado.
146
Demonstrou-se que ao defender a expansão da escola básica, a burguesia, cumpre a
objetivos diversos das classes operárias.
Visando legitimar seu ideal de educação a concepção pedagógica burguesa tem sido
sistematicamente tratada e defendida pela intelectualidade orgânica dessa classe. De modo
geral, a exposição do conteúdo da concepção pedagógica como demonstra Lombardi (2005,
p. 07 apud DUARTE, 2000 a, 2000 b, 2003) corresponde às “pedagogias do aprender a
aprender” e que exprimem o amplo leque das perspectivas ideologicamente ligadas ao
liberalismo e sua versão novidadeira – o neoliberalismo.
Diante disso, os teóricos emancipacionistas, por outro lado, tem denunciado a
fragmentação a que a escola básica tem sido submetida, sabendo-se que só será possível a
sua reconstrução a partir da revisão das bases do capital e da desconstrução desse sistema
econômico excludente (OLIVEIRA, 2009, p. 143).
Em contraponto a essa escola segregadora propuseram a escola unitária, sendo seus
principais expoentes Gramsci, Marx e Engels. Para explicar o conceito de escola unitária
tomou-se como referencial as leituras desses autores realizadas por Saviani, Lucília
Machado, Kuenzer, Manacorda e Paolo Nosella.
Ao versar sobre o conceito de escola unitária os autores inevitavelmente discutiram
sobre o tópico politecnia, assunto onde pontos nevrálgicos circundam, seja quanto ao seu
conceito e até mesmo quanto à sua terminologia, uma vez que este termo abriga um campo
polissêmico. Contudo a proposta aqui não é dissecar o assunto ou mesmo tratar desses
pontos de tensão abordados por estes autores, mas compreender os princípios básicos da
escola unitária e seus objetivos.
Além da politecnia será tratado da polivalência, pois é o conceito que lhe é
“antagônico” e muitas vezes é utilizado em substituição ao primeiro pelas classes burguesas,
pois objetiva confundir aqueles que não conhecem os fundamentos da qualificação
profissional na perspectiva de homem integral.
Saviani (2007, p. 163) aponta que significando politecnia “múltiplas técnicas,
multiplicidade de técnicas, daí corre-se o risco de entender esse conceito como a totalidade
de diferentes técnicas fragmentadas, autonomamente consideradas”. Desse modo, esses
conceitos são utilizados tanto pelos proletários como pelos burgueses para afirmar o seu
discurso de classe e são fundamentais para compreender a constituição da escola unitária.
É importante compreender que a emergência da escola como local de ensino, como
aponta Kuenzer (2007, p. 32-33) se deu no afã de atender às exigências fundamentais do
mundo da produção onde emergem grupos sociais diferenciados com necessidades
147
específicas. Tais grupos criam para si uma camada de intelectuais que estará incumbida pela
sua homogeneidade, consciência e função nos campos econômico, social e político. Formar
esses intelectuais é atribuição da escola, que para exercê-la, definirá seu princípio educativo
a partir das demandas de cada grupo e das funções que lhes cabe desempenhar na divisão
social e técnica do trabalho. Kuenzer explicita que o exercício dessas funções não está
restringido ao mundo produtivo, mas engloba todas as dimensões comportamentais,
ideológicas e normativas que lhe são próprias, devendo a escola elaborar sua proposta a
partir dessas exigências.
Dessa maneira, com o rompimento do padrão taylorista/fordista de produção como
demonstra a autora, ainda que pela contradição, exige-se um novo perfil de cidadão que seja
capaz de articular conhecimentos experienciais, conhecimentos científicos, tecnológicos e
sócio-históricos, onde conhecimentos sistematizados, experienciais e comportamentais vêm
substituir a rigidez. Para tanto, Kuenzer sinaliza ser imprescindível embasar a Educação
Profissional em uma sólida base de educação geral, ultrapassando as dimensões estritamente
acadêmicas que caracterizam o Ensino Fundamental e Médio no Brasil.
A primeira categoria explicativa da necessidade de articulação entre essa gama de
conhecimentos para Kuenzer (2010) é a crescente presença da ciência e da tecnologia no
processo produtivo e social. A partir daí emerge uma aparente contradição: por um lado a
simplificação cada vez maior de tarefas, e por outro lado, a necessidade de maior
qualificação do trabalhador a fim de executar tarefas que exigem maior poder de análise e
abstração. Manacorda (1990, p. 153) aponta que esse mesmo entrelaçamento entre ciência e
trabalho cria a necessidade de superação da escola clássica, para dar lugar a uma cultura
nova e diferente, ligada à vida produtiva.
Assim entendido, é necessário perceber que a expansão da escola básica é condição
salutar para o desenvolvimento do processo produtivo, porém as oportunidades educativas
estão atreladas à classe social de origem. Dessa maneira, ao propor a “escola única” a
burguesia objetiva uniformizar o saber dentro de cada classe social e não democratizar o
ensino. Machado (1991, p. 33) explica que o movimento da escola “única” dirigido pela
burguesia manifestou a relevância das dimensões diferenciação e integração ao passo que se
propôs a contemporizar esse dilema, ou seja, objetivou regulamentar a diferença numa
perspectiva integradora. Essas categorias demonstram a intencionalidade de oferecer
conteúdos escolares homogêneos e limitados para a massa trabalhadora a fim de ajustá-la à
divisão técnica do trabalho.
148
A proposta liberal de unificação escolar, embora signifique muitas vezes avanço e resulte, em parte, das lutas e reivindicações da classe trabalhadora, ao assumir esse caráter legitimador, passa a caracterizar-se por seu conteúdo diferenciador, enquanto implica em desenvolvimento unilateral do indivíduo, monotecnia e ajustamento à divisão social do trabalho (KUENZER, 1997, p.73).
O caráter diferenciador está baseado na crença de que há diferenças nas habilidades
dos indivíduos, o que justifica uma educação intelectual para as elites e uma formação
aligeirada destinada à massa trabalhadora que em tese não possui os requisitos fundamentais
para receber uma educação de nível mais alto.
O que faz o projeto liberal de escola unificada é transpor para o plano educacional o limitado horizonte de direito burguês, pois considerando isoladamente as diferenças sociais e individuais, institui uma unidade de medida (difícil mesmo de uma precisão objetiva, pois carregaria a marca dos interesses de classe) chamada aptidão, capacidade, interesse etc. através desse parâmetro, seria feita a triagem dos indivíduos, preservando-se (teoricamente) o princípio da supressão das barreiras ao acesso à educação (MACHADO, 1991, p. 95).
Desse modo, a seleção está baseada na capacidade natural dos indivíduos, o que é
utilizado como argumento plenamente aceitável a fim de corroborar a lógica quanto aos
diferentes tipos de escola ofertados. Esta é, pois, instrumento usado pela burguesia para
controlar a massa trabalhadora, reproduzindo conteúdos morais e culturais
homogeneizadores, garantindo assim a sua subordinação. Desse modo, Nosella (1992, p. 17)
ao estudar Gramsci demonstra o caráter interesseiro e grotesco com que a burguesia trata o
trabalho e, por conseguinte a escola. Devido a isso Gramsci escreve que é o proletariado que
deve exigir, impor a escola do trabalho (C. T., 227, 18.07.1916 apud NOSELLA, 1992,
p.17).
Lombardi aponta que Marx denunciou que a ampliação do aparato escolar se deu sob
a justificativa liberal de que a educação deveria ser considerada uma necessidade social,
como um direito de todos os cidadãos. Com isso, o crescimento do aparato escolar se deu
sob a dependência do Estado, e uma vez que este estava a serviço da burguesia se convertia
como instrumento de dominação ideológica, um recurso para que a burguesia se
consolidasse como classe hegemônica, e pudesse exercer o poder. Conforme a Introdução
aos Textos sobre educação e ensino Marx e Engels expuseram que “o estado de classe estava
intimamente ligado ao ensino de classe. Ainda que sem tensões, o aparato escolar se
convertia em um apêndice da classe dominante [...]. (1983, p. 10 apud LOMBARDI, 2005,
p. 15) Diante disso Marx sinaliza que na Crítica ao Programa de Gotha que
149
Isso de “educação popular a cargo do Estado” é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc, e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado, como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão [...], onde, pelo contrário, é o Estado quem necessita de receber do povo uma educação muito severa (MARX, 2009, p.14).
Marx revelava a desconfiança da igualdade da educação escolar para todas as classes.
Na realidade seria um posicionamento que encontrava fundamento na própria ideia de
Estado defendida por este estudioso como administrador dos negócios coletivos de toda a
classe burguesa.
Kuenzer (1997, p. 95) esclarece que não é a escola em si que cumpre o papel de
excluir os indivíduos, mas o próprio movimento social que é excludente, pois se assim não
fosse a escola isoladamente poderia incluir ou excluir independente do contexto no qual está
inserida, não sofrendo as suas determinações. Assim entendido, a autora salienta que
resgatar o direito à educação escolar é apenas parte desta luta, e nesse sentido limitar a
educação do trabalhador à escola enquanto “lócus legítimo do único saber legítimo” é um
desserviço à classe trabalhadora.
É necessário que os educadores lutem para a ampliação dos espaços e tempos de
aprendizagem dos trabalhadores, tarefa que tem sido muitas vezes executada por instituições
não-governamentais e até mesmo por pessoas físicas das comunidades. A burguesia já
realiza tal ação ao defender outros espaços educativos para seus filhos, uma vez que
reconhecem a insuficiência da escola para a sua educação. Por outro lado, a escola é
utilizada como espaço de controle dos conteúdos a serem ministrados para a massa
trabalhadora, ao passo que a burguesia mantém sob sua tutela o processo pedagógico em
geral. Desse modo, a escola tem sido utilizada como mecanismo de mediação da educação
dos trabalhadores a fim para atender os interesses da burguesia e que certamente está
diretamente relacionado com o trabalho, suas formas de organização e as relações sociais
que ele engendra.
4.2.2.8 – A emergência de uma escola unitária ou politécnica
Mesmo sabendo da limitação da escola a ideia tanto de Marx e Engels como de
Gramsci não era ir de encontro à democratização do ensino ou a expansão escolar gratuita,
mas garantir que a escola não mais servisse como instrumento de propagação dos conteúdos
150
homogeneizadores da cultura e reprodução das relações de poder. O objetivo destes teóricos
não foi invalidar a luta pela expansão do ensino, mas em garantir que não fosse ministrada
uma educação de segunda categoria para a classe trabalhadora, lembrando como sinalizou
Kuenzer que a busca pela escola é somente parte da luta pela igualdade social.
Diante dessa incapacidade da burguesia em ministrar uma educação condizente com
as necessidades do proletariado Gramsci propunha que a classe proletária criasse uma escola
diferente, onde fossem ministrados conteúdos inerentes à sua realidade. Como a burguesia
desconhece esses conteúdos, somente o proletariado poderia assumir esse papel.
Embasando-se em Gramsci, Saviani (2007, p. 159) propõe o conceito de escola
unitária adaptado ao sistema de ensino brasileiro considerando para tanto as condições da
sociedade brasileira atual.
Para Gramsci a escola unitária é escola de trabalho intelectual e manual (técnico, industrial); que seu objetivo é a formação dos valores fundamentais do humanismo, isto é, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias tanto para os estudos posteriores como para a profissão (MANACORDA, 1991, p. 163).
Esta escola tinha um caráter holístico, já que visualizava o homem sob uma
perspectiva mais ampla, trabalhando com todas suas dimensões, sejam físicas, emocionais,
cognitivas, sociais sabendo que estas são fruto de uma construção histórica.
De acordo com Saviani (2007, p. 159-160), a escola unitária proposta por Gramsci
corresponderia à fase que hoje, no Brasil, é definida como a educação básica,
especificamente nos níveis fundamental e médio.
Como conteúdo do ensino fundamental compreende-se como basilar a forma de
organização da sociedade atual, o que é fundamental para viabilizar a entendimento de que
os fatos sociais são construídos a partir das relações sociais travadas historicamente. Para
ampliar os conceitos relativos ao nível de desenvolvimento a que chegou a sociedade
hodierna, exige-se um acervo mínimo de conhecimentos sistemáticos, sem o que não é
possível conquistar o status de cidadão, ou seja, a possibilidade de participar ativamente na
vida social.
Saviani (ibid., p. 160) aponta que deve se constituir neste nível de ensino o estudo da
linguagem escrita e matemática, como parte do cotidiano atual; as ciências naturais, cujos
elementos básicos referentes ao conhecimento das leis que regem a natureza são
imprescindíveis para compreender as transformações operadas pela ação do homem sobre o
meio ambiente; e as ciências sociais, através das quais é possível compreender as relações
151
estabelecidas entre os homens e as formas como se organizam, tanto institucionalmente
como normativamente pelas regras de convivência, personificadas nos direitos e deveres. As
disciplinas que compreendem os conteúdos das ciências sociais são história e geografia. É,
portanto, assim a composição do currículo do ensino fundamental: a conceituação do
trabalho como implicante da vida humana. O conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática) é o princípio educativo imanente à escola elementar, já que a ordem social e estatal (direitos e deveres) é introduzida e identificada na ordem natural pelo trabalho. O conceito do equilíbrio entre ordem social e ordem natural sobre o fundamento do trabalho, da atividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberta de toda magia ou bruxaria, e fornece o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo... (GRAMSCI, 1975, v. III, p. 1.541; na edição brasileira, 1968, p. 130, apud SAVIANI, 2007, p. 160).
Saviani explica que sendo o princípio do trabalho imanente à escola elementar,
significa dizer que no Ensino Fundamental a relação entre trabalho e educação é implícita e
indireta. Embora o trabalho oriente o direcionamento do currículo, a referência a este não se
dá de modo direto, pois esta escola elementar é instrumento viabilizador da apropriação
cultural e dos elementos instrumentais para a participação social. Assim, dominar os
conhecimentos básicos de leitura, escrita, contagem e das ciências naturais e sociais
constituem em pré-requisitos para compreender o mundo em que se vive, e ainda entender a
incorporação pelo trabalho dos elementos científicos circunscritos à vida e à sociedade.
O autor expõe que diferente do Ensino Fundamental, a relação entre trabalho e
educação no Ensino Médio é explícita e direta, assim como a relação entre conhecimento e
atividade prática. Como o saber é originado do trabalho sua autonomia é limitada, dessa
maneira o papel da escola deverá se dá no sentido de resgatar essa relação entre
conhecimento e a prática de trabalho.
Aí, é que, o ensino exige além do domínio de conhecimentos básicos e gerais que
resultam e simultaneamente contribuem para o processo de trabalho na sociedade. “Trata-se,
agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é,
como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de
produção” (SAVIANI, 2007, p. 160). É importante salientar que tal explicitação deve conter
os elementos tanto teóricos como práticos sobre a forma como o saber se articula com o
processo produtivo.
152
Assim como Gramsci, Marx e Engels de acordo com Machado (1991, p. 88-89)
compreendiam as atividades de trabalho e educação imbricadas num único processo, isto é
articulação entre teoria e prática. Pela chamada educação politécnica, por meio da qual
seriam transmitidos os princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de
produção. Somando-se a isso, deveriam ser introduzidos os manejos das ferramentas básicas
das várias profissões, mediante o que Marx e Engels acreditavam ser possível atingir três
objetivos: a intensificação da produção social, a produção de homens plenamente
desenvolvidos e a obtenção de poderosos meios de transformação da sociedade capitalista.
Como estratégias metodológicas para o Ensino Médio, Saviani embasado no
pensamento de Gramsci, expõe que deverão ser utilizadas oficinas, a fim de que os alunos
possam manipular os processos básicos de produção; esta não se trata de uma atividade do
ponto de vista instrumental, mas tais ações deverão estar revestidas de embasamento teórico,
pois se assim não for se reproduzirá na escola a especialização assim como o corre no
processo produtivo, e este certamente não é o princípio de uma escola unitária. A
perspectiva em questão para Saviani é nortear a organização do Ensino Médio para
possibilitar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na
produção, e não simplesmente o adestramento em competências. “Não a formação de
técnicos especializados, mas de politécnicos” (SAVIANI, 2007, p. 161). Para ele,
Politecnia significa, aqui, especialização como domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nessa perspectiva, a educação de nível médio tratará de concentrar-se nas modalidades fundamentais que dão base à multiplicidade de processos e técnicas de produção existentes (ibid., p. 161).
Essa concepção rompe radicalmente com um Ensino Médio Profissionalizante
reprodutor de habilidades operacionais sem a devida fundamentação teórica da ação
desenvolvida e sem a articulação dessa atividade com o conjunto do processo produtivo.
Dessa maneira, expressa o domínio intelectual da técnica e a possibilidade de desenvolver
trabalhos flexíveis, recompondo as tarefas de modo criativo; implica a superação de um
conhecimento meramente empírico e de formação apenas técnica, através de formas de
pensamento mais abstratas, de crítica, de criação, supondo autonomia (KUENZER, 2009, p.
86). Entenda-se essa autonomia como a capacidade de construir o novo, e não simplesmente
executar tarefas previamente determinadas.
Sob a perspectiva do currículo a autora expõe que a politecnia se distancia do
princípio pedagógico meramente conteudista centrado na quantidade de informações que
153
não necessariamente se articulam, se aproximando de ações que, permitindo a relação do
aluno com o conhecimento, culminem na compreensão das estruturas internas e das formas
de organização, conduzindo ao “domínio intelectual” da técnica, expressão que articula
conhecimento e intervenção prática. Desse modo, rompem-se com os bloqueios artificiais
que implicam no ensino de disciplinas estanques, justapostas e desarticuladas, onde
encerram-se os conhecimentos específicos sem nenhuma conexão entre si para dar lugar a
uma nova forma de integração entre vários conhecimentos através de ricas e variadas
relações (KUENZER, 2005, p. 89).
Nosella (1992, p. 14) aponta que o ensino nessa perspectiva emerge do conceito
defendido por Gramsci de escola “desinteressada”, cultura “desinteressada” e formação
“desinteressada”. Tais conceitos trazem a conotação de um horizonte amplo, de longo
alcance, ou seja, que não se limitasse aos interesses de grupos isolados de indivíduos, mas
que interessassem à coletividade e até à humanidade inteira. Machado (1991, p. 159) explica
que esse ensino é desinteressado porque não possui finalidades práticas muito imediatas, o
que não retira, contudo, o embasamento nas situações concretas já que pressupõe a estreita
relação entre conhecimento e vida.
Aí é que essa escola não pode se efetivar sem questionar as bases da sociedade
capitalista, uma vez que o problema da dicotomia da educação não ser de cunho pedagógico
e sim social (KUENZER, 1997, 2007). Devido a isso se entende que o capitalismo não pode
viabilizar a efetivação dessa escola porque iria de encontro aos seus pilares.
4.2.2.9 - A polivalência e o ensino por competências
É certo que a educação com a acumulação flexível do capital assumiu uma nova
roupagem, exigindo a formação de um novo cidadão com uma série de habilidades, mas isso
não significou a extinção do ensino dual. Embora se requeira mais qualificação e maior
conhecimento não se possibilitou a execução de atividades que dêem conta de recompor a
totalidade do processo produtivo de modo criador e criativo, ao contrário isso significou
somente a justaposição de várias ações em conjunto e uma maior exploração do trabalhador
e de seu conhecimento tácito diante do argumento da gestão participativa do processo
produtivo. Assim, essa nova forma de aproveitamento da força do trabalhador proposta pelo
toyotismo fundamenta-se no conceito de polivalência, sendo que esta compreende a Ampliação da capacidade do trabalhador para aplicar novas tecnologias, sem que haja mudança qualitativa dessa capacidade. Ou seja, para enfrentar o caráter
154
dinâmico do desenvolvimento científico-tecnológico o trabalhador passa a desempenhar diferentes tarefas usando distintos conhecimentos, sem que isso signifique superar o caráter de parcialidade e fragmentação dessas práticas ou compreender a totalidade. A esse comportamento no trabalho corresponde a interdisciplinaridade na construção do conhecimento, que nada mais é do que a inter-relação entre conteúdos fragmentados, sem superar os limites da divisão e da organização segundo os princípios da lógica formal. Ou seja, a uma “juntada” de partes sem que signifique uma nova totalidade, ou mesmo o conhecimento da totalidade com sua rica teia de interrelações; ou ainda, uma racionalização formalista com fins instrumentais e pragmáticos calcada no princípio positivista da soma das partes. É suficiente usar os conhecimentos empíricos disponíveis sem apropriar-se da ciência, que permanece como algo exterior (MACHADO, 1991, apud KUENZER, 2009, p. 86).
Sob essa perspectiva das competências instrumentais o trabalhador passa a executar
uma gama de ações sem, entretanto influenciar a gestão do processo produtivo ao mesmo
compreender a sua totalidade. Isso irá influenciar para uma qualificação constituída num
entrelaçamento heterogêneo de elementos com vinculação frágil e muitas vezes inexistente.
Aí se justifica a seleção natural dos indivíduos, pois só serão absorvidos no processo
produtivo aqueles que dominarem as habilidades requeridas pelo mercado, desse modo a
unitariedade da escola defendida pela burguesia é apenas no plano formal já que a cada
classe social se destina uma escola compatível com a sua capacidade cognitiva. Esse
discurso é propagado e defendido Banco Mundial – órgão financiador e consultor da
educação brasileira – boa parte dos dirigentes políticos, dirigentes e mesmo muitos
intelectuais brasileiros, que acreditam ser a competência um atributo biológico ou até
mesmo divino, que não tem relação com as condições econômicas, sociais, culturais
determinadas pela organização da produção, divulgação e sistematização do conhecimento.
(KUENZER, 2007, p. 68) O trecho do PPA revela a consonância com o conceito de
habilidades, sinalizando que Um novo modelo de educação está sendo implantado, voltado para a formação integral dos cidadãos e cidadãs, envolvendo conhecimentos básicos e técnico-profissionais, bem como aqueles relativos ao exercício dos seus direitos e deveres. Assim, o projeto técnico-pedagógico em implantação foi concebido de modo a formar cidadãos e profissionais dotados de capacidade reflexiva e habilidades competitivas [grifo nosso] (BAHIA, 2007b, p. 73).
Pelo fragmento do PPA percebe-se uma contradição, pois ao passo que sinaliza uma
formação integral dos indivíduos, por outro lado, expõe que o projeto técnico-pedagógico
visa formar cidadãos com capacidade reflexiva e habilidades competitivas. As habilidades
competitivas de acordo com cenário da Pedagogia das Competências culminam no conceito
de empregabilidade, pois o que garantirá a inserção no mercado é a capacidade do
155
trabalhador de resolver problemas e de executar o maior número de atribuições já que o
mercado não tem vagas para todos.
A ideia de se visar a uma educação de caráter economicista está expressa na versão
impressa do Plano no item “Foco dos cursos” onde se diz que “a oferta dos cursos estará
sempre alinhada com as demandas do desenvolvimento econômico e social (...)” (BAHIA,
2007a, p. 15). Infere-se que o objetivo de atuação não é com o ensino nas bases científicas,
tecnológicas e cidadãs, nem em se discutir que cursos oferecer e mesmo como organizar o
currículo destes, mas simploriamente se aponta que o objetivo é suprir a mão de obra, ou
seja, suprir as demandas do mercado de trabalho.
O intuito é obter uma mão de obra a custo baixo e de modo mais rápido, pois ao
importar de outros pontos do território implicaria em custos de deslocamento. Aponta-se que
Era muito comum que as empresas se instalassem na Bahia e a mão de obra tinha que ser importada de outros estados. Agora o Governo está mudando esta realidade. Com os novos Centros Estaduais e Territoriais da Educação Profissional, novos conhecimentos são disseminados e espera-se que os jovens e trabalhadores/as baianos/as tornem-se aptos/as para atender a estas demandas relevantes nos Territórios de Identidade do Estado da Bahia, adentrando com maior facilidade no mundo do trabalho (BAHIA, 2007a, p. 15).
Não é estranho supor que a expansão da Educação Profissional atualmente coincida
com o processo de expansão da microeletrônica e informática devido ao processo de
reestruturação do capital. Assim passa-se a investir em Educação Profissional como
aconteceu na década de 30, pois naquele momento houve uma crescente urbanização e
industrialização do país diante do que se exigiu uma mão de obra mais qualificada por um
lado, e de outro um contingente que trabalhasse no setor de serviços manuais. Nesse
contexto o Estado criou uma política de investimento na Educação Profissional, entretanto o
objetivo de incluir os cidadãos se esbarra no atendimento aos objetivos do mercado.
Atrelar a formação ao atendimento às demandas econômicas retira a possibilidade de
formação de um indivíduo na perspectiva integral, subsumindo sua formação à categoria
econômica. O aspecto econômico é somente um elemento variante do trabalho, o qual é
elemento basilar ontológico e ontocriativo da espécie humana, que é inerente à sua
sobrevivência. É através do trabalho que o homem marca sua presença no mundo, agindo
sobre a natureza para modificá-la, para o que utiliza seu conhecimento ao realizar o trabalho
manual. Assim nenhum trabalho técnico prescinde da inteligência intelectual do homem.
156
As necessidades envoltas no ato de trabalhar ultrapassam, portanto, para Frigotto
(2005, p. 59) o aspecto econômico, fazendo parte da esfera emocional, estética, cultural,
espiritual e social. Esses elementos estão presentes na natureza criadora e criativa do ser
humano, o que é fundamental para seu desenvolvimento na perspectiva omnilateral, ou seja,
de modo global e amplo. Sendo essas necessidades históricas sofrem variações no tempo e
no espaço.
Desse modo, o aspecto econômico deve possibilitar que sejam dadas as condições
materiais da existência humana, pois ao dispor das condições concretas o homem pode
desenvolver sua natureza criadora, que é aspecto fundamental para sua sobrevivência. O
elemento econômico, na perspectiva de uma educação unitária, não limita a atividade
humana à economia ou mesmo a utiliza para determinar sua ação.
Quando o Plano expõe que com as ações preconizadas em seu bojo promoverão a
inserção no mercado do trabalho, revela um discurso vazio perante o universo de
desigualdades que se vivencia atualmente. Isso porque a educação isoladamente não poderá
promover a inserção social uma vez que está inserida num contexto social mais amplo,
sofrendo assim suas determinações. Como Gentilli apontou a promessa integradora da escola
já foi desconstruída a muito tempo em face ao desemprego estrutural presente na sociedade
capitalista. É necessário, para a intervenção deste problema, antes, a criação de políticas de
emprego e renda que se localizam num plano macro.
Desse modo, resgatar a unidade da escola sob a perspectiva emancipadora não se
constitui numa tarefa fácil já que não é uma ação de cunho meramente pedagógico, contudo
se localiza no contexto econômico e social com suas determinações. Nessa perspectiva,
Oliveira (2009, p. 143) explica que não é suficiente implementar reformas nas práticas
curriculares para se instituir nas escolas um projeto de formação humana que supere a
fragmentação histórica imposta pelo capital. Só será possível obter esse objetivo ao se ter
como fim a desestruturação da dominação capitalista. Isso porque esse autor revela que o
caráter mesquinho, desumano, fragmentado e predatório do capital é incorrigível.
Dessa maneira, é preciso que fique claro que a dicotomia no acesso à educação e à
cultura não é um problema meramente pedagógico, antes sua raiz se encontra no modo como
está constituída a história da organização social e econômica brasileira. Assim, para buscar a
implantação de uma escola unitária e não uniformizadora de conteúdos de classe, é preciso
questionar antes o sistema gerador das desigualdades sociais.
157
Desse modo, para dirimir as contradições presentes na Educação Profissional seria
necessário uma completa reformulação da Escola Básica, onde pudesse ser garantida uma
educação de qualidade numa escola unitária.
Para tanto se torna necessário um disciplinamento legal construído democraticamente
que pudesse dar um novo encaminhamento à política do Ensino Profissional. “Tanto Ramos,
como Carvalho, apontam a importância de haver outro instrumento legal, discutido com a
sociedade e as escolas, para reorientar a política de Ensino Médio e Educação Profissional”
(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2006, p. 368). É importante salientar que não será uma solução
imediata e simplista, como se tem proposto com a reforma do Ensino Profissional proposta
pelo Decreto 5.154/04, que irá dissolver o emaranhado no qual se encontra nosso sistema de
ensino, pois se isso fosse suficiente o problema da educação dual já estaria devidamente
resolvido.
4.2.2.10 – Que reestruturação está se propondo para a rede de ensino estadual?
Além de não discutir sobre as bases do Ensino Médio para daí promover a
reorganização da Educação Profissional existe um entendimento equivocado exposto no
Plano sobre o que seja a reestruturação da rede de ensino. Há na versão dois do Plano um
tópico no Plano com o seguinte enunciado: “Reestruturação e ampliação da Rede
Estadual”, sendo que o assunto enfocado não condiz com o enunciado, porém se detém à
organização física dos Centros Estaduais e Centros Territoriais de Educação Profissional.
Essa reestruturação está disciplinada através dos Decretos 11.355 e 11.356 de 04 de
dezembro de 2008. Com a criação da Suprof, estruturas ociosas existentes na rede estadual de educação foram aproveitadas e recursos federais (Programa Brasil Profissionalizado), são priorizados para a adequação e modernização das unidades escolares, o que inclui reforma e ampliação das unidades, equipagem de laboratórios e montagem do acervo bibliográfico. Nesse processo de estruturação da rede de Educação Profissional, unidades escolares foram transformadas em Centros Estaduais e Centros Territoriais, específicos para a Educação Profissional (Trecho do Plano de Educação Profissional da Bahia).
Essa ação corresponde à visão do Banco Mundial que ao propor o investimento em
educação se atem meramente ao caráter físico, sem discutir os aspectos pedagógicos. A
organização física deveria existir independente do Plano de Educação Profissional da Bahia,
pois esse elemento compõe o quesito de condições mínimas para que haja a qualidade do
ensino. Desse modo, não deve ser visto como benefício ou avanço em resultado à criação do
158
Plano, mas de fato se isso não acontecia ou ainda não acontece significa que o Estado estava
ou está deixando de lado uma obrigação que lhe compete, ou seja, não está garantindo as
condições materiais para o desenvolvimento de um ensino mediante o padrão mínimo de
qualidade. Expor isso como avanço retira o foco das questões prioritárias, que de fato é a
discussão sobre o Ensino Médio sob a perspectiva de sua oferta embasando-se num ensino
politécnico. Assim, percebe-se a mera preocupação com o aspecto físico revela o desvio da
atenção para um assunto que mesmo importante, é secundário em relação aos fundamentos
nos quais se embasa o Ensino Médio. Desse modo, quando se associa que a “reestruturação”
se trata apenas da ampliação da rede estadual no aspecto físico, o redator do Plano comete
um erro inaceitável, já que revela a ideia de reestruturação baseada numa concepção muito
mais do ponto de vista procedimental que axiológico, isto é, muda-se a aparência e não a
essência das coisas.
É interessante pontuar que o Plano expressa que a mudança das unidades escolares
para Centros Estaduais e Centros Territoriais de Educação Profissional não é apenas na
nomenclatura uma vez que foram criados novos cursos. Certamente isso não é uma
inverdade, mas apontar que é suficiente para a reestruturação do Ensino Profissional é
incoerente já que não garante um ensino nas bases politécnicas.
159
5.0 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do ponto de vista da constituição de uma rede de Educação Profissional o Plano
ganha uma grande visibilidade dentro do Estado e no cenário nacional, de fato buscar a
organização de uma rede de preparação para o mundo do trabalho é bastante salutar.
Contudo, existe uma série de questões que necessitam de um maior amadurecimento,
já que um planejamento bem orientado é um dos passos fundamentais para a proposição com
clareza das metas, o que poderá contribuir para a sua consecução.
Em primeiro lugar, é nítido que o Plano é redigido sem uma contextualização
histórica, desconsiderando a trajetória da Educação Profissional na Bahia, seus percalços e
limites, bem como não se apontam as medidas empreendidas para obter a superação dessa
escola dual como se tem vivenciado no Brasil desde os seus primórdios, e, por conseguinte,
nos estados brasileiros, onde a Bahia está incluída. É certo que muito já se avançou, mas
ainda há muito a fazer, já que os processos de exclusão tem se intensificado diante da
acumulação flexível, que é aspecto inerente à economia numa perspectiva neoliberal.
Não foram apontados os encaminhamentos e o posicionamento do estado na
elaboração de políticas públicas para a Educação Profissional diante do contexto de
reformulação legislativa que se vivencia no Brasil desde o processo de elaboração da LDB,
Lei 9.394/96 até a reforma da Educação Profissional estabelecida pelo Decreto 5.154/04.
Diferente da Bahia, o Estado do Paraná elaborou um documento para a Educação
Profissional denominado de “Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação
Profissional do Paraná”, que faz toda uma contextualização histórica tanto do ponto de vista
social e econômico assim como na perspectiva legislativa.
A desconsideração do aspecto histórico revela que o enfrentamento da problemática
em torno da educação para o trabalho se limitou apenas à esfera pedagógica, como se o
Plano isoladamente pudesse dar conta de resolver as vicissitudes dessa área. Ao não tratar
das questões sociais houve uma tentativa de desvincular a problemática de sua raiz histórica
que é divisão social e técnica do trabalho como fruto da sociedade de classes. Sem se
apontar esses elementos dificilmente se caminhará para a compreensão sobre a fragmentação
a que vem sendo submetida a Educação Profissional, e por conseguinte a obtenção da
superação dessa dualidade. É aí que aderindo a essa visão a-crítica o Plano sofreu um
esvaziamento teórico.
Outro ponto a ser considerado é a necessidade de que as categorias conceituais que
dão subsídio ao Plano sejam revistas, pois não há uma elucidação quanto aos conteúdos que
160
abarcam, ou mesmo uma discussão aprofundada da inter-relação dos conceitos apresentados.
Nessa perspectiva não está especificado no Plano o arcabouço teórico utilizado e nem se faz
referência à legislação nacional a que pretende se adequar.
Entende-se como de uma profunda gravidade que uma política pública esteja pautada
numa falta de clareza quanto aos pressupostos que a embasam. O silenciamento que não
revela o posicionamento assumido, longe de nada dizer, aponta para uma inércia que é
própria de quem nada deseja mudar ou fazer.
Essa atitude certamente compromete o delineamento da concepção pedagógica e a
compreensão sobre o tipo de indivíduo que se pretende formar, pois não havendo clareza
sobre que objetivos atingir qualquer resultado obtido será suficiente. Quando não está
colocada de forma clara a concepção de sociedade e de escola que o Estado defende, não
será possível que os cidadãos se posicionem contra ou favor, ou mesmo que possam cobrar o
que está proposto. Desse modo, é necessário que a sociedade civil se posicione a fim a exigir
que o Estado exponha claramente as metas para o ensino, uma vez o desconhecimento destas
poderá incorrer na aceitação de qualquer resultado.
Nessa perspectiva não se expressou no Plano em que medida há um
comprometimento com a implantação de um sistema nacional de educação com vistas à
implantação de um ensino integrado, onde Educação Profissional e Básica seja uma unidade
indissolúvel. Existe uma previsão de oferta de cursos integrados, mas isso é diferente de
garantir que toda a população possa ser preparada, conforme estabelece a LDB 9.394/96,
para ingressar no mundo do trabalho estando instrumentalizada nos conhecimentos
científicos e tecnológicos.
Ainda há que se avançar na implantação desse sistema se de fato o objetivo for
garantir a inserção igualitária no mundo do trabalho para os sujeitos de direito. Sem discutir
a Escola Básica e seus pressupostos certamente não se avançará nos encaminhamentos de
uma Educação para o trabalho. É preciso resgatar os princípios politécnicos para a
construção de uma escola unitária e emancipadora, onde de fato os aprendizes construam o
conhecimento compreendendo que a produção do saber é fruto do processo histórico da
divisão social do trabalho, sendo seres autônomos e não apenas reprodutores de informações
desarticuladas.
Certamente, a implantação de um sistema de ensino de formação integral não é tarefa
de fácil concretização, pois a raiz do problema está além de um projeto pedagógico bem
formulado, mas nos condicionantes sociais baseados no capital que tem impedido uma
educação igualitária, dentre outros direitos sociais.
161
Desse modo, é preciso discutir as determinações sociais que tem influenciado na
constituição da escola dual que se conhece no Brasil, ao passo que é preciso uma vontade e
comprometimento político com a verdadeira mudança. Entenda-se por mudança aquela que
não seja terminológica, ou aparente, mas a que garanta igualdade e justiça social para todos,
onde educação e trabalho sejam não mais produtos adquiridos no mercado, mas direitos
inegociáveis para cada cidadão e cidadã brasileiros.
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176
ANEXO I
Capa do Plano de Educação Profissional da Bahia (versão impressa)
Folha de rosto do Plano de Educação Profissional da Bahia (versão impressa)
177
ANEXO II
Imagem associada ao “Tema Trabalho, Educação e Desenvolvimento”
Imagens retiradas do blog da Secretaria de Educação, disponível no endereço eletrônico: <http://educacaoprofissionaldabahia.blogspot.com/2010_04_01_archive.html>.
Centro Territorial de Educação Profissional do Recôncavo
Imagens retiradas do blog da Secretaria de Educação, disponível no endereço eletrônico: <http://educação profissionaldabahia.blogspot.com/2010/12/superintendente-da-educa%C3%A7%C3%A3o.html>.