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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ANA CARINA FREIRE BARBOSA POLÍTICA PÚBLICA PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA BAHIA: O PLANO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Salvador 2010

POLÍTICA PÚBLICA PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA … CARINA... · TABELA I Evolução do crescimento da população total, da população ativa e da população empregada na indústria

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ANA CARINA FREIRE BARBOSA

POLÍTICA PÚBLICA PARA A EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL NA BAHIA: O PLANO DE

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Salvador

2010

ANA CARINA FREIRE BARBOSA

POLÍTICA PÚBLICA PARA A EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL NA BAHIA: O PLANO DE

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Dissertação apresentada para apreciação da Banca Examinadora como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, elaborada sob a orientação da Profª. Dra. Sara Mharta Dick, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação/UFBA

Salvador 2010

B238 Barbosa, Ana Carina Freire Barbosa.

Política pública para a educação profissional na Bahia: o plano de educação profissional / Ana Carina Freire Barbosa. – Salvador, 2011.

164. : il.; 30 cm. Orientador: Dra. Dra. Sara Mharta Dick

Dissertação (Mestrado em Educação, Sociedade e Práxis Pedagógica)

- Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, 2011.

1. Educação 2. Educação profissional. 3. Política pública. 4. Educação para o trabalho I. Universidade Federal da Bahia II. Dick, Sara Mharta. III. Título.

CDU : 37.02

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Lucidalva Ribeiro Gonçalves Pinheiro – CRB5/1161.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Banca Examinadora:

_________________________________________

Profª Dra. Sara Martha Dick – UFBA (orientadora)

_________________________________________ Profª Drª Maria Regina Antoniazzi – UFBA

__________________________________________

Profª Drª Ronalda Barreto Silva – UNEB

Salvador

2010

Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina (Paulo Freire).

Ao Supremo Criador, que mesmo sendo grande se fez pequeno para que eu pudesse compreender a extensão de seu amor. Obrigada Querido Senhor por dar sentido à minha vida!

AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos...

À Professora Drª Sara Martha Dick pelo diálogo travado nas constantes orientações e

pelas pertinentes sugestões, além da leveza de espírito que só uma alma generosa como a sua

transmite.

À Professora Drª Regina Antoniazzi pelas fervorosas discussões na área de Educação e

Trabalho que empolgam e encantam os que ainda acreditam num sistema social mais justo. E

também por compartilhar seu saber com os estudantes aprendizes como eu.

À Professora Drª Ronalda Barreto pelo pronto atendimento em participar da banca.

Ao Professor Drº Walney Moraes Sarmento, que é meu cunhado, pela disponibilidade

generosa, sempre me orientando e acolhendo. Suas orientações foram fundamentais para

minha carreira como pesquisadora.

À minha querida mãe pelo constante incentivo e por acreditar no sucesso por vir.

À minha irmã Anna Christina pelo seu exemplo de determinação em sempre continuar

pesquisando, pois após concluir dois mestrados: um em Economia e outro em Sociologia,

agora segue como doutoranda da Universidade Federal do Rio do Grande do Norte.

À minha irmã Lúcia Helena pelas confidências que só uma pesquisadora iniciante

(como nós) pode entender, assim como pela detida paciência.

Aos meus irmãos Núbia e Maurício por me de darem a certeza de que há um lugar de

pertencimento para onde sempre voltamos após as lutas travadas.

Aos meus sobrinhos por serem a geração que promete ser melhor que a de agora, o que

me dá esperança num futuro melhor.

Aos meus pastores e amigos por entenderem as contínuas ausências e os “furos” nos

compromissos marcados, além de serem tão generosos no trato e acolhedores no cuidado.

E por fim agradeço, ao meu querido esposo Sandro por tornar mais alegres os meus dias

enchendo-os de riso, por ser um companheiro leal e amoroso, além do apoio sempre

carinhoso.

RESUMO

A pesquisa estudou a emergência de uma política pública para a Educação Profissional

de nível Médio na Bahia, tomando como marco o Decreto 5.154/04. A proposição dessa

política para a Educação Profissional está contida no Plano de Educação Profissional da

Bahia, elaborado no ano de 2008 pela Superintendência de Educação Profissional (Suprof),

que também foi recentemente criada no final do ano de 2007 O Plano e a legislação criada

para lhe dar sustentação – já que boa parte dos Decretos e Portarias, são promulgados após a

implantação do Plano – são os documentos centrais utilizados na dissertação. Esta é, pois,

uma pesquisa qualitativa de cunho documental, sendo que este tipo de pesquisa é fundamental

para a compreensão e questionamento das fontes oficiais, já que estas não contendo verdades

absolutas, são passíveis de serem analisadas e indagadas. Buscou-se refletir sobre as

concepções de escola e sociedade que alicerçam o Plano, já que se compreende que toda

legislação carrega os interesses e as intencionalidades dos grupos que participam de sua

elaboração. Sabendo da característica dual porque atravessa o Ensino Médio no Brasil, que é

o cerne da fragmentação e desqualificação da Educação Profissional, investigou-se em que

medida as ações propostas no Plano objetivam à superação dessa dicotomia escolar. Ou seja,

até que ponto caminha-se para a implantação de um sistema de ensino estadual na Bahia sob a

perspectiva de um ensino politécnico.

Palavras-chave: Educação Profissional, Ensino Médio integrado, políticas públicas,

legislação, formação dos trabalhadores.

ABSTRACT

This research has studied the needs of public politics to the High School Professional

Education in Bahia, published on Decree 5.154/04. The proposition of this policy to the

Professional Education is enclosed on Professional Education Plan of Bahia, elaborated in

2008, by the Superintendence of Professional Education (Suprof), which was recently

established in the end of 2007. The Plan and the Legislation created to give support – most of

the Governmental Decrees are published after the implementation of the Plan – are the central

documents used in the article. This is, therefore, a qualitative research of documental type,

because this kind of research is essential to the comprehension and questioning of the official

sources, once there is no absolute truth in these sources and they can be analyzed and

questioned. It was necessary to reflect upon the conception of school and society in which the

Plan is based, since it includes all the legislation that bears on the interests and intentions of

groups involved in its preparation. Being aware of the dual characteristics which is faced by

the high school in Brazil, that is the core of fragmentation and disqualification of the

Professional Education, it was investigated the extents and actions proposed in the Plan

aiming the overcoming of this scholastic dichotomy. This is, how far is needed to walk to the

implantation of an educational system in Bahia from the perspective of a polytechnic

teaching.

Key-words: Professional Education, integrated High School, public politics, legislation,

workers training.

LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELAS

TABELA I

Evolução do crescimento da população total, da população ativa e da população empregada na indústria entre 1940 e 1970

Tabela II

Taxa de crescimento do Ensino Profissional de nível Técnico na Bahia entre os anos de 2003 a 2009 tomando com referência o ano de 2003

Tabela III

Comparativo entre os números de alunos matriculados no Ensino Médio e na Educação Profissional nível Técnico na Bahia entre os anos de 2005 a 2009

Tabela IV

Percentual de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico na Bahia por esfera administrativa

Tabela V

Comparativo de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico na esfera estadual na Bahia

Tabela VI

Comparativo de matrículas no Ensino Médio e da Educação Profissional integrada ao Médio na esfera Estadual na Bahia

GRÁFICOS

Gráfico I Gráfico da oferta de Ensino Médio no Brasil

Gráfico II

Gráfico da oferta da Educação Profissional de nível Técnico no Brasil

Gráfico III Comparativo de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de nível Técnico na esfera estadual (Bahia)

Gráfico IV Matrículas do Ensino Profissional integrado ao Médio em relação ao Ensino Médio na Bahia (esfera estadual)

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

BIRD

CEEP

DEP

DET

DITEC

DPPE

DEB

FAT

FHC

FMI

FUNDEB

FUNDEF

IDORT

INEP

LDB

MEC

MTE

PLANFOR

PPA/BA

PNQ

PROJOVEM

PRONERA

REDA

SEED

SEFOR

SFC/CGU

SEMTEC

SENETE

Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

Centro Estadual de Educação Profissional

Departamento de Educação Profissional

Departamento de Educação e Trabalho

Diretoria de Tecnologia Educacional

Diretoria de Políticas Educacionais

Departamento de Educação Básica

Fundo de Amparo ao Trabalhador

Fernando Henrique Cardoso

Fundo Monetário Internacional

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

dos Profissionais da Educação

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério

Instituto de Organização Racional do Trabalho

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Ministério da Educação e Cultura

Ministério do Trabalho e Emprego

Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador

Plano Plurianual da Bahia

Plano Nacional de Qualificação

Programa Nacional de Inclusão de Jovens

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

Regime Especial de Direito Administrativo

Secretaria de Estado da Educação do Paraná

Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional

Secretaria Federal de Controle da Corregedoria-Geral da União

Secretaria da Educação Média e Tecnológica

Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico

SENAC

SENAI

SENAR

SENAT

SENTEC

SESC

SESI

SEST

SETEC

SUPROF

SUED

TCU

UFBA

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte

Secretaria de Ensino Técnico

Serviço Social do Comércio

Serviço Social da Indústria

Serviço Social do Transporte

Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

Superintendência de Educação Profissional

Superintendência da Educação

Tribunal de Contas da União

Universidade Federal da Bahia

SUMÁRIO

Resumo/ Abstract 08

Lista de tabelas 10

Lista de Abreviaturas e Siglas 11

INTRODUÇÃO 15

CAPÍTULO 01

As bases para a formulação das reformas

educacionais brasileiras a “pretensa” formação dos trabalhadores

22

1.1 – O liberalismo: matriz conceitual da sociedade de classes 26

1.2 – O contexto de implantação do fordismo 30

1.2.1 – O fordismo no Brasil: a Teoria do Capital Humano

na educação dos trabalhadores

34

1.3 – O neoliberalismo e a emergência da Pedagogia das Competências 43

CAPÍTULO 02

A trajetória da Educação Profissional no Brasil

2.1 – UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA 51

2.1.1 – No Império uma pirâmide invertida 51

2.1.2 – Primeira República: para cada classe social uma escola diferente 53

2.1.3 – A Era Vargas e as Leis Orgânicas do Ensino 54

2.1.4 – LDB 4.024/61: a convergência dos embates entre os publicistas

e os privatistas num projeto dual – a expansão do Sistema S

57

2.1.5 – A reforma de 1º e 2º graus, a primeira iniciativa de uma escola unitária 59

2.1.6 – Os números do Ensino Profissional e a filosofia subjacente ao

crescimento da rede de ensino – décadas de 30 a 70

62

2.2 – AS REFORMAS EDUCACIONAIS NO FINAL DO SÉCULO XX e INÍCIO

DO SÉCULO XXI

2.2.1 – Contexto de implantação da nova Lei da Educação:

LDB 9.394/96 e o lugar da Educação Profissional

64

2.2.2 – O Decreto 2.208/97: coibindo a integração 72

2.2.3 – O Decreto 5.154/04: uma nova possibilidade para a integração 78

2.2.4 – A reforma da Educação Profissional e a Bahia 85

CAPÍTULO 03

As demandas para a formação dos trabalhadores sob

a lógica do capital a partir dos anos 90

90

CAPÍTULO 04

O Ensino Profissional na Bahia

4.1 – O contexto de implantação das políticas públicas na Bahia 103

4. 2 – O Plano da Educação Profissional da Bahia 120

4.2.1 – A trajetória de elaboração do Plano da Educação

Profissional da Bahia

120

4.2.2 – As categorias conceituais presentes no Plano de Educação

Profissional da Bahia

123

4.2.2.1 – Um só Plano: três versões e “algumas” divergências conceituais 123

4.2.2.2 – O princípio educativo do trabalho versus A Pedagogia

do Trabalho

125

4.2.2.3 – A relação entre ciência e trabalho 130

4.2.2.4 – Matriz curricular ou proposta pedagógica? 134

4.2.2.5 – A formação de professores 138

4.2.2.6 – Discutindo a implantação de um Sistema nacional de ensino:

o lugar do ensino politécnico

139

4.2.2.7 – A concepção de escola é construída historicamente 145

4.2.2.8 – A emergência de uma escola unitária ou politécnica 149

4.2.2.9 – A polivalência e o ensino por competências 153

4.2.2.10 – Que reestruturação está se propondo para a

rede de ensino estadual?

157

5.0 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 159

6.0 – FONTES DOCUMENTAIS

7.0 – REFERÊNCIAS

ANEXOS

162

164

15

INTRODUÇÃO

O presente estudo nasceu das inquietações – enquanto docente (da disciplina História

da Educação no curso de Pedagogia) e como discente (da disciplina História e Educação

como aluna especial no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia –

UFBA) – referentes às contradições presentes na história da educação brasileira. As reflexões

desenvolvidas na minha prática pedagógica e alargadas pelas discussões no mestrado

contribuíram para a compreensão de que a educação brasileira tem se caracterizado, desde

seus primórdios, por ser uma pirâmide invertida. A organização da rede escolar, ao contrário

do que se pode imaginar, não iniciou pelo Ensino Fundamental e Médio, mas sim pelos mais

elevados níveis de ensino.

Para Kuenzer o Ensino Médio tem sua origem numa estrutura de ensino dual, já que,

sempre funcionaram no Brasil duas redes de ensino paralelas. De um lado o ensino

propedêutico e de outro o ensino de preparação para o trabalho, o qual historicamente tem

sido considerado de menor qualificação, uma vez que no Brasil escravocrata o trabalho

manual era visto como um trabalho desqualificado (MANFREDI, 2002, p. 71).

Assim é que já se tem demonstrado ser a dualidade estrutural [grifo nosso] a categoria explicativa da constituição do Ensino Médio e Profissional no Brasil, já que, desde o surgimento da primeira iniciativa estatal nessa área, até o presente, sempre se constituíram duas redes, uma profissional e outra de educação geral, para atender às necessidades socialmente definidas pela divisão social e técnica do trabalho (KUENZER, 2009, p. 26).

Entendendo a situação de dicotomia porque passa o ensino brasileiro, compreendeu-se

como salutar dar continuidade às discussões travadas sobre esse assunto tão recorrente, mas

de difícil solução.

Constatou-se através das análises empreendidas que essa dualidade na educação

intensifica-se no Ensino Médio uma vez que este abriga o cerne da educação para o trabalho

já que este nível de ensino tem a incumbência, de acordo com a orientação da última LDB,

Lei 9.394/96, de formar os jovens brasileiros em futuros trabalhadores. Machado (1991, p.

33) afirma que o Ensino Médio é o ponto nevrálgico das reformas de ensino já que os

conceitos que o definem são polissêmicos dada a dificuldade de defini-lo. Para ela neste nível

de ensino reside um nó, no centro da contradição, pois ao passo que assume o caráter de ser

profissionalizante e também propedêutico não tem conseguido realizar com eficiência

nenhuma dessas tarefas.

16

Dessa maneira, embora a atenção das autoridades tenha se voltado para esse nível de

ensino na atualidade com as reformas do Ensino Profissional, ainda não se conseguiu um

avanço significativo no sentido de superar a dualidade sobre a qual está estruturado o Ensino

Médio e, por conseguinte a Educação Profissional, já que estão imbricados.

Assim, há uma crescente preocupação de se alavancar o Ensino Profissional, sendo

que este ramo do conhecimento tem sido foco das principais políticas do governo federal.

O Ministério da Educação está impulsionando a educação profissional ao aumentar a aplicação de investimentos e ampliar as matrículas na rede federal. É a segunda vez, desde 1909, que o governo impulsiona a educação profissional no País. A primeira foi durante o período da ditadura militar, no final da década de 60, quando os ensinos médio e técnico foram integrados, a partir de 1971 (NERY, 2008, p. 01).

Essa tendência ocorre tanto na esfera federal como na estadual, pois os governos

estaduais demonstram uma preocupação com esse assunto. No caso da Bahia, que é o Estado

onde está inserida a pesquisa, os investimentos estatais despendidos têm sido consideráveis e

o crescimento dos cursos chega a cinco vezes mais nesses últimos anos. Sendo que há uma

forte tendência de crescimento, pois

A meta é atingir 70 mil vagas em ensino médio profissionalizante até 2011 – no início da gestão havia apenas 4.016 vagas. Para essa expansão, a intenção é também atingir os 26 territórios de identidade, pelo menos 104 municípios, alcançando um total de 140 unidades escolares voltadas para esta modalidade de ensino (JORNAL DA MÍDIA, nov. 2008).

Como pode ser visualizado há uma forte perspectiva de incrementar a Educação

Profissional – sendo este um dos carros-chefe das políticas estatais – assim, essa modalidade

de ensino ganha uma substancial visibilidade.

A materialização dos esforços de expansão da Educação Profissional no Estado da

Bahia corresponde ao Plano de Educação Profissional da Bahia sendo uma de suas principais

políticas públicas na atualidade. Entendendo a importância dessa política pública para a

Educação Profissional constituiu-se como foco da pesquisa compreender quais as concepções

de sociedade e escola embasam o Plano e suas implicações para o tipo de indivíduo/

trabalhador que se pretende formar. Sendo objetivo central da pesquisa investigar em que

medida as ações elencadas no Plano de Educação Profissional da Bahia propõem a

constituição de um sistema de ensino integrado com abrangência no território estadual. Para

realizar a pesquisa elegeu-se como objetivos complementares a reflexão sobre o modo como o

Plano se adequou à Reforma da Educação Profissional implementada pelo Decreto 5.154/04.

17

Além de investigar sobre os encaminhamentos para a implantação de uma rede de Educação

Profissional frente à constituição de um Sistema Estadual de Educação Básica pautada nos

aspectos científicos, tecnológicos e de preparação para o mundo do trabalho. Analisou-se

ainda a legislação formulada para embasar o Plano de Educação Profissional da Bahia tanto

no seu aspecto normativo bem como ideológico.

Como recorte para o estudo estabeleceu-se o período compreendido entre os anos de

2004 a 2009. O ano de 2004 se justifica uma vez que ali ocorre a Reforma do Ensino

Profissional mediante a promulgação do Decreto 5.154/04, já o ano de 2009 corresponde à

expansão da rede estadual de Educação Profissional na Bahia, inclusive como a promulgação

de vários decretos e portarias no âmbito do Estado.

A legislação promulgada para a Educação Profissional na Bahia no período citado,

bem como o Plano de Educação Profissional foram utilizados como documentos centrais da

pesquisa, acrescida da pesquisa bibliográfica e de dados percentuais colhidos em órgãos

nacionais e na Superintendência de Educação Profissional da Bahia (Suprof).

Contudo, é importante ressaltar que os dados do Ensino Profissional disponibilizados

pela Suprof dizem respeito somente ao ano de 2010, sendo que a tabulação destes dados foi

realizada por esta Superintendência em virtude de solicitação, já que para a realização desta

pesquisa demandava-se a utilização de tais informações. Quanto aos dados dos anos anteriores

foi informado pela Suprof que esta não dispunha das informações solicitadas, assim como não

poderia precisar que outro Setor da Secretaria de Educação dispunha de tais informações.

Desse modo, utilizou-se como referência para auferir o percentual de crescimento da rede de

Educação Profissional os dados do Censo Escolar, em pesquisa realizada pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Tal situação dificultou

a análise dos dados de crescimento percentual da Educação Profissional na Bahia, sendo que

nas análises realizadas pela própria Superintendência em seu blog, quando é citada a expansão

da rede de Educação Profissional, não é citada a fonte da pesquisa. Por conta dessa situação, e

para conferir a maior legitimidade nas informações dispostas na pesquisa optou-se por utilizar

os dados do Inep, já que é uma fonte nacional oficial. Quando foram utilizados os dados da

Suprof foi a nível de comparação com os dados do Inep.

Diante desse cenário, percebe-se ser salutar estudar esses documentos (Plano de

Educação Profissional da Bahia e legislação pertinente – além dos dados de crescimento da

rede), pois neles estão contidas as políticas educacionais que definirão os rumos da educação

dos trabalhadores e dos jovens aspirantes ao trabalho. Nessa perspectiva, entende-se, segundo

Souza (2003, p. 13), que as políticas públicas traduzem os propósitos defendidos pelos

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governos em programas e ações, que produzirão resultados ou mudanças desejadas no mundo

real, desse modo são a materialização do que está estabelecido na legislação, sendo que estas

personificam tanto o espírito normativo como a ideologia sobre a qual está alicerçado o

Estado. Os projetos educacionais traçados nas políticas públicas fazem parte do planejamento

estratégico dos governos, sendo é claro que as metas propostas refletem a visão de sociedade

que possuem os dirigentes.

Atentando para este caráter ideológico analisou-se sob que perspectivas foram traçadas

as ações do Plano de Educação Profissional da Bahia, que concepções de ensino e quais

finalidades visam atender, já que se constitui na principal política pública do Estado para a

Educação Profissional na atualidade.

Isso porque se sabe que o ideal de educação e trabalho que uma sociedade possui não

emerge de modo inato, mas todo pressuposto formulado tem uma raiz histórica, mediante o

que foi empreendido um estudo com um olhar retrospectivo e analítico. Buscou-se extrair os

elementos presentes na história da Educação Profissional, no seu contexto mais amplo, no

intuito de compreender suas implicações para o Plano de Educação Profissional da Bahia, já

que a história apresenta a recorrência de fatos que se inter-relacionam. O estudo da legislação

e dos documentos ganha sentido, quando se entende que estes foram construídos social e

historicamente. Segundo Blanck Miguel

A valorização do formal, do estabelecido enquanto oficial e traduzido na legislação escolar, ganha significado quando este é contextualizado e relativizado. Identificam-se então a organização e as peculiaridades da sociedade na qual está, naquele momento, inserido o sistema escolar ao qual a legislação se refere (BLANCK MIGUEL, 2004, p. 114).

O pesquisador precisa analisar as entrelinhas, o não dito, sabendo que os documentos

oficiais não são fonte de verdade absoluta, pois em sua formulação perpassa-se uma série de

fatores que irão contribuir para determinar as intencionalidades dos grupos sociais que

participaram desse processo.

Desse modo esta pode ser classificada como uma pesquisa qualitativa de cunho

documental sabendo que “a análise documental constitui numa técnica importante na pesquisa

qualitativa, seja complementando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando

aspectos novos de um tema ou problema” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38). A importância

desse tipo de pesquisa se dá no sentido de compreender que o que está preconizado na

legislação deve ser questionado já que carrega no seu bojo as disputas sociais decorrentes de

seu processo de elaboração. Assim, pode-se perceber que “as fontes documentais muitas

19

vezes trazem informações demonstrativas das contradições que permeiam as atitudes oficiais”

(BLANCK MIGUEL, 2004, p. 115).

Essa análise da legislação referente à Educação Profissional na Bahia foi procedida

sem perder de vista que a dualidade estrutural tem sido um problema recorrente para o Ensino

Médio no Brasil, sendo esta situação explicativa da situação de desigualdade na oferta da

Educação Profissional na maior parte dos estados brasileiros, assim buscou-se investigar em

que medida a Bahia propõe a superação dessa dicotomia através das ações elencadas no Plano

de Educação Profissional da Bahia. Dessa maneira, investigou-se em que medida o Plano de

Educação Profissional da Bahia propõe a constituição de um sistema estadual de educação

numa perspectiva politécnica com vistas à formação integral do indivíduo.

Partindo desta problemática utilizaram-se como premissas de investigação as ideias de

que:

Embora o Plano de Educação Profissional proponha a implantação de uma política

pública para a Educação Profissional, as ações ali propostas não expressam a

perspectiva de consolidação de um sistema de ensino integrado de nível médio para

todo o Estado baiano;

Diante disso é possível afirmar que a não proposição de um sistema de ensino

integrado com abrangência em todo o território estadual, revela que as ações propostas

no Plano se submetem a uma lógica mercadológica.

Quando se expõe sobre a utilização do termo premissas, na realidade acredita-se que

estas são hipóteses de trabalho. As hipóteses se constituem numa espécie da consciência

reflexiva do pesquisador, que o faz analisar as possíveis soluções para as problemáticas

levantadas. O desejo de “comprovar” as premissas formuladas lhe possibilitará organizar seu

pensamento, desse modo pode-se afirmar que são múltiplas as finalidades das hipóteses na

condução da pesquisa.

Elas cumprem simultaneamente os papéis norteador (servindo de guias à investigação), delimitador (recortando mais o objeto da investigação) e interpretativo (propondo soluções provisórias para um problema). Mas, além disso, as hipóteses ainda desempenham dentro de um trabalho científico específico uma importante função argumentativa (BARROS, 2005, p. 144-145).

É interessante pontuar que as hipóteses aplicadas às ciências sociais e mais

especificamente ao campo da história não podem ser comprovadas por meio de experimentos

ou mesmo vir a expressar a imperiosidade de uma verdade acabada. Assim,

20

As hipóteses propostas pela história não levam a “uma evidência que se impõe” como nas ciências experimentais. Elas permanecem ao nível da congruência em relação aos dados e à própria análise elaborada, mas não chegam ao nível de alto grau de comprovação que se torna possível em algumas ciências naturais e exatas (ibid., p. 154).

Desse modo, as premissas formuladas serviram de diretrizes para orientar o processo

de pesquisa, cumprindo o papel de guia à contínua reflexão durante os passos percorridos na

investigação.

Assumindo ainda uma postura crítica e sabendo que as concepções ideológicas

gestadas no sistema econômico têm forte influência na natureza de formação do trabalhador

no primeiro capítulo se discutiu sobre a organização social e econômica e seus determinantes

para a educação dos trabalhadores. Pode-se perceber que a educação tem sido utilizada como

instrumento para conformar os ideais das elites dominantes, diante do que é forçoso dizer que

a transformação do processo produtivo diante da reconfiguração do capital impõe a adequação

da educação à esfera meramente econômica.

A fim de compreender como tem sido contemplada a formação para o trabalho em

nossa história, no segundo capítulo se historiou sobre a trajetória da Educação Profissional

desde o Império até a atualidade a fim de compreender o espírito das reformas legislativas.

Para tanto, demonstrou-se sob que perspectiva se delineou a escola dual no Brasil e a que

classes visava atender. Embora, várias tenham sido as reformas empreendidas na legislação –

nos primórdios (Brasil Imperial), na década de 30 com as leis orgânicas, na década de 70 com

a profissionalização do ensino de 1º e 2º graus, e mais atualmente com a reforma do Ensino

Profissional com o Decreto 5.154/04 – ainda não se visualizou transformações que pudessem

romper com essa escola dicotômica.

Desse modo, no terceiro capítulo se discutiu sobre quais as demandas para a

formação dos trabalhadores no Brasil a partir das necessidades do capital. Sabendo-se que

essas exigências são em parte fruto dos acordos com os Organismos Internacionais, diante do

que se exige a necessidade do Brasil acatar às suas prescrições. É importante, contudo

clarificar que esses acordos não são impostos, mas são realizados pelo desejo dos países que

traçam suas políticas públicas mediante as concepções de vida e sociedade que possuem.

Como o foco da pesquisa são as reformas atuais a ênfase da discussão se dá a partir

dos anos 90 quando é promulgada a LDB 9.394/96 que prevê uma Educação Profissional

numa perspectiva de unicidade entre conhecimentos científicos, tecnológicos e de preparação

para o trabalho, o que veio a ser descaracterizado com as reformas legislativas posteriores

21

(Decreto 2.208/97 e Decreto 5.154/04). A atualidade é enfocada, sem, contudo desprezar o

passado histórico, pois é ele que nos dará pistas sobre o estado atual das coisas.

No quarto capítulo, à luz das categorias de uma escola unitária analisou-se o Plano de

Educação Profissional da Bahia, buscando extrair os elementos conceituais e ideológicos que

embasam essa política. Considerando a perspectiva dos teóricos emancipacionistas que

propuseram uma educação para a formação omnilateral do indivíduo, discutiu-se como está

colocada no Plano a implantação de um Sistema Nacional de Educação Básica mediante a

ideia de uma educação politécnica. Utilizou-se as principais categorias conceituais presentes

no Plano como fios condutores do debate em torno dos temas centrais da Educação

Profissional, e à medida que a discussão merecia um maior destaque foram sendo

introduzidos sub-títulos para dar maior visibilidade ao assunto tratado. Concluiu-se o texto

com as Considerações Finais, onde se refletiu de um modo geral sobre as intencionalidades

implícitas no Plano de Educação Profissional da Bahia para a constituição de um Sistema de

Ensino onde se integre o Ensino Médio à Educação Profissional.

A pesquisa objetivou acrescentar uma contribuição na discussão sobre o Ensino

Profissional apontando o posicionamento do Estado da Bahia face à reforma da Educação

Profissional promovida pelo Decreto 5.154/04. Refletiu-se sobre as possibilidades e limites de

constituição de uma rede de ensino integrado a partir do que está proposto no Plano de

Educação Profissional da Bahia. Desse modo, buscou-se compreender as categorias

conceituais propostas no Plano a fim de apreender as concepções ideológicas nele abrigadas.

22

CAPÍTULO 1

As bases para a formulação das reformas educacionais brasileiras: a “pretensa”

formação dos trabalhadores

O elemento primordial para qualquer estudo de análise legislativa é a compreensão de

que a organização da legislação sofre as determinações a que está submetida à própria

sociedade. Desse modo, o processo de elaboração da legislação educacional no Brasil e,

principalmente aquela referente à Educação Profissional, tem se dado de modo tumultuado,

estanque e descontínuo, sendo que essa característica não se esgota no plano normativo,

contudo esta é fruto das próprias contradições sociais que possuem raízes históricas.

Assim quando no capítulo dois é demonstrada a trajetória da Educação Profissional no

Brasil e as várias mudanças ocorridas até a promulgação do Decreto 5.154/04, é justamente

para que não se perca de vista que a atualidade traz consigo os elementos constitutivos do

passado histórico, seja para superação destes ou para a sua corroboração. Assim, se poderá

compreender que não é possível obter uma solução imediata e simplista para a Educação

Profissional somente com a formulação de uma lei ou política pública. Nenhum instrumento

normativo por mais bem estruturado que seja – ainda mais que no caso do decreto 5.154/04

em que apresenta uma série de brechas – poderá promover uma transformação instantânea da

realidade educacional.

Mediante os elementos constitutivos de nossa história pode-se compreender que as

incongruências presentes no Decreto 5.154/04 não foram gestadas da noite para o dia e nem

apenas no ano de 2004 com a sua promulgação. O seu processo de elaboração, embora não do

ponto de vista formal, mas ideologicamente falando, tem sido gestado nas bases do

capitalismo que é o regime econômico que domina praticamente o mundo inteiro. Aí é que

mesmo diante da reforma da Educação Profissional ainda não se possibilitou a

democratização com equidade de um Ensino Profissionalizante com uma verdadeira

qualidade educativa.

O fracasso de promoção de mudanças na sociedade por meio de reformas educacionais

é brilhantemente explicada por Mészáros (2005, p. 26) devido ao fato de que essas reformas

são reconciliadas com o ponto vista do capital, sendo que as determinações fundamentais do

sistema do capital são irreformáveis. Assim o autor aponta que “é necessário romper com a

lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional

significativamente diferente” (ibid., p. 27).

23

Uma vez que se vivencia um modelo econômico que conforma uma série de

desigualdades para sobreviver, indubitavelmente esse mesmo sistema irá, por conseguinte,

influenciar diretamente nas várias esferas sociais seja na educação, na saúde, na política, na

cultura. Nesse aspecto Saviani (2007, p. 155) sinaliza que a categoria explicativa dessa

desigualdade social é o trabalho, pois com o advento da iniciativa privada ocorre a sua divisão

social e técnica.

Inicialmente, quando os homens produziam coletivamente a educação se dava durante

o próprio processo de desenvolvimento do trabalho, estes eram elementos umbilicalmente

ligados. Com a divisão social do trabalho passou a coexistir diferentes tipos de educação já

que houve uma divisão nos tipos de atividades exercidas, as manuais e as intelectuais. Isso

com o fim de atender às diferentes classes sociais, visando à reprodução do sistema

econômico e a manutenção do status quo.

É aí que as classes dominantes têm lutado para descaracterizar a natureza ontológica e

ontocriativa do trabalho (ibid., p. 153) reduzindo-o apenas à esfera econômica. Contudo, o

trabalho na sua totalidade é elemento basilar da espécie humana, sendo inerente à sua

sobrevivência, pois sem trabalhar o homem perde sua razão de existir no mundo, já que é

através do trabalho que expressa sua humanidade ao se relacionar com a natureza da qual faz

parte. Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos com o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico (SAVIANI, 2007, p. 154).

É preciso, pois ficar claro que essa sobrevivência não é simplesmente do ponto de

vista meramente econômico, mas diz respeito às possibilidades de criação e recriação que

possibilitam a completude do homem e por isso a garantia da preservação de suas

características intrínsecas.

Por isso o mesmo não se reduz à atividade laborativa ou emprego, mas à produção de todas as dimensões da vida humana. Na sua dimensão mais crucial ele aparece como atividade que responde à produção dos elementos necessários e imperativos à vida biológica dos seres humanos enquanto seres ou animais evoluídos da natureza. Concomitantemente, porém, responde às necessidades de sua vida cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva. Trata-se de necessidades, ambas, que por serem históricas, assumem especificidades no tempo e no espaço (FRIGOTTO, 2005, p. 58-59).

24

O desenvolvimento do trabalho garante ao homem a preservação de sua essência, de

modo que, quando se nega ao homem o desenvolvimento de sua atividade laborativa está

sendo negada a sua capacidade criadora e criativa.

É a partir desta elementar constatação que percebemos a centralidade do trabalho como práxis que possibilita criar e recriar, não apenas no plano econômico, mas no âmbito da arte e da cultura, linguagem e símbolos, o mundo humano como respostas às suas múltiplas e históricas necessidades (FRIGOTTO, 2005, p. 60).

Desse modo, podemos dizer que o homem não nasce homem, mas ele se “humaniza”

na medida em que interage com a natureza, na medida em que aprende a lidar e se colocar nas

relações sociais. Ao agir sobre a natureza aprende paulatinamente como gerir o processo de

produção ao entrar em contato com o mundo através da experiência. Pode-se dizer então que

o homem se “forma”, se educa no instante em que realiza sua atividade laborativa, na medida

em que trabalha. Assim, pode-se dizer que

(...) No ponto de partida a relação entre trabalho e educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens educavam-se e educavam as novas gerações. A produção da existência implica o desenvolvimento de formas e conteúdos cuja validade é estabelecida pela experiência, o que configura um verdadeiro processo de aprendizagem (SAVIANI, 2007, p. 154).

Diferente desse caráter de educação omnilaleral que deveria ser desenvolvida

mediante a compreensão da totalidade do processo do trabalho, tem-se uma dualidade

educativa a qual objetiva dar sustentação ao sistema econômico igualmente desigual.

Educação manual e fragmentada para os que exercerão atividades procedimentais e, educação

intelectual para as funções de liderança. Assim, o sistema capitalista descaracteriza a natureza

criadora do homem explorando sua força de trabalho reduzindo a função social do trabalho à

esfera econômica o que acarretará na adequação técnica, social e ideológica da educação à

divisão de classes.

Mesmo diante de sua hegemonia econômica e ideológica, não há como conter as crises

desse sistema que são previsíveis, pois as suas bases estão consolidadas na exclusão social.

Por isso mesmo, tendo essa característica altamente excludente, o capitalismo entra em

saturação quando não consegue fazer circular o excedente de mercadorias. Assim, diante das

crises econômicas do capitalismo, os capitalistas têm buscado justificativas propondo sempre

uma reorganização no processo produtivo a fim de poder continuar a acumular o capital.

25

No entanto, Mészáros aponta que nesse cenário de desigualdade social, em nome da

reforma, se admitem apenas alguns ajustes menores em todos os âmbitos, inclusive o da

educação. Consequentemente a educação deverá sofrer as adaptações necessárias para a

manutenção do sistema econômico, além de ser responsável em promover as mudanças

necessárias nas demais esferas sociais. É aí que as reformas educativas ganham o status de

serem promotoras da ordem social reinventando um novo quadro social onde os interesses

sejam conformados. Contudo,

As mudanças são admissíveis apenas com o único e legítimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo, em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de determinado sistema de reprodução (MÉSZÁROS, 2005, p. 25).

Pode-se perceber que não há o objetivo de “mexer” nas estruturas do velho sistema

chegando ao âmago do problema social, mas objetivamente falando se deseja utilizar

“antídotos” para embelezar a aparência das coisas, ou seja, é uma mudança aparente e não

factual.

Sendo predominantemente a educação o “poderoso” instrumento utilizado para

propagar a ideologia capitalista justifica-se que desde os primórdios do Brasil esta possua

objetivos de ordens distintas. De um lado a educação de base intelectual para preparar as

elites para governar o país e, de outro lado, uma educação de preparação procedimental para

instrumentalizar os trabalhadores nos ofícios manuais. Desse modo, a evolução histórica

como um resultado das lutas de classe aponta para o fato de que “a educação é o processo

mediante o qual as classes dominantes preparam na mentalidade e na conduta das crianças as

condições fundamentais da sua própria existência” (PONCE, 2007, p. 171).

Nessa perspectiva, advoga-se que as reformulações porque passa o sistema econômico

são mecanismos de perpetuação da desigualdade social e a escola é utilizada como aparelho

reprodutor do Estado sofrendo as influências dessas determinações a fim de conformar essa

dicotomia social.

Por isso, como se discutirá no capítulo seguinte, não é à toa que o Decreto 5.154/04

veio possibilitar a integração, mas igualmente também permitir uma série de modalidades de

cursos, ou seja, ao passo que permite a integração não disciplina sobre a obrigatoriedade de

criação de um Sistema Nacional de Ensino Básico. Esse contexto de formulação do Decreto

5.154/04, permeado de várias contradições, é o pano de fundo para a discussão da Política

Pública contida no Plano de Educação Profissional da Bahia já que após a promulgação do

26

Decreto esta é a principal ação do Estado da Bahia a fim de dar um novo direcionamento para

o Ensino Profissional.

Percebe-se que a proposição de mudanças ainda não foi suficiente para uma

reestruturação e consolidação de uma rede única de Educação Básica a nível federal e

estadual. Tal constatação revela uma mudança na aparência já que a legislação é utilizada para

conformar uma série de interesses e fazer prevalecer os ideais burgueses.

Nesse ponto, a fim de garantir o controle das decisões nas várias esferas sociais as

classes dominantes “astutamente” percebem a necessidade de criar teorias suficientemente

estruturadas para sustentar o seu discurso e propagar a sua ideologia. Por isso, é importante

compreender os pressupostos que embasam o discurso burguês e como este tem sido

reelaborado ao longo dos anos a fim de fazer prevalecer a hegemonia econômica do capital.

Isso porque essa hegemonia ocorre primeiro no campo das ideias para depois se consolidar no

mundo econômico e, por conseguinte, nas esferas política, social e cultural.

Desse modo, defende-se que a teoria que embasa o capitalismo é primordialmente o

liberalismo, sendo que para alguns autores (MELO, 2007, p. 191-192; ORSO, 2007, p. 127) o

liberalismo é a matriz conceitual desse sistema econômico, sendo que Filgueiras (2000, p. 48)

embora acredite que são fenômenos diretamente ligados, são distintos quanto à origem. Ao

longo da história, é fato que essa teoria sofre alterações na aparência, mas na essência

permanece intocável disseminando a concepção de mundo onde a liberdade individual e da

iniciativa privada são utilizadas para conformar as desigualdades sociais. É tanto que temos

atualmente uma legislação que ainda não conseguiu superar o limiar de uma Educação

Profissional fragmentada e dual, já que conforma os ideais privatistas.

1.1 – O liberalismo: matriz conceitual da sociedade de classes

O liberalismo emerge justamente para consolidar os ideais burgueses já que estes

indivíduos se estabelecem como classe social. A base econômica mundial passa a ser o

comércio e não mais a agricultura, embora não deixe de existir a propriedade privada, ao

contrário esta é que é o cerne da sociedade de classes. Mesmo apregoando a liberdade da

iniciativa privada percebe-se que o liberalismo será interpretado sob alguns vieses, sendo que

“o liberalismo smithiano funda-se basicamente sobre o conceito de liberdade do indivíduo de

traçar e realizar seus interesses, enquanto parte da sociedade da qual participa e do sistema

social, tendo em vista a formação do homem burguês” (MELO, 2007, p. 193). Percebe-se aí

que Smith amplia a visão inicial de liberalismo criada e defendida por John Locke, ao

27

defender a liberdade do indivíduo como máxima maior e por associá-la à economia. Então é

possível dizer que

O liberalismo é uma filosofia política (...) que sustenta-se no princípio fundamental de que o indivíduo, ao se associar com outros indivíduos, passa a viver em sociedade, a liberdade torna-se o seu bem supremo e, enquanto tal, tem preponderância sobre qualquer outro bem que possa ser imaginado. (...) Por isso, o liberalismo luta para preservar esse espaço privado do indivíduo, seja contra a sua restrição ou eliminação do Estado. Assim, a liberdade é, para o liberalismo, o bem supremo no contexto da relação do indivíduo com seus semelhantes na sociedade, e no contexto de sua relação com o Estado (CHAVES, 2007, p. 7-8).

Desse modo, nem mais o Estado ou mesmo a Igreja poderiam, de acordo com essa

concepção, arbitrar sobre a economia ou as decisões políticas, mas “o mercado seria a

expressão mais eficiente da liberdade natural” (MELO, 2007, p. 194).

É perceptível que essa liberdade terá implicações práticas nas tomadas de decisões nas

várias esferas sociais. Na economia, por exemplo, prevalece a lógica de que o Estado em

relação à iniciativa privada deva tudo permitir, ou deixar fazer, para o que se utiliza a

expressão francesa laisser-faire, contemplando a ideia de que deve sair da frente para deixar

agir a iniciativa privada. Essas ideias são veemente defendidas no discurso de François

Quesnay, provavelmente influenciado por Legendre, assim como é a bandeira levantada por

Spencer no século XVII (ORSO, 2007, p. 166).

É esse conceito de liberalismo econômico que origina o termo capitalismo, o qual

abarca a ideia de que a economia é baseada na liberdade dos indivíduos em gerir o capital.

Assim o Estado deve interferir o mínimo possível na economia, passando a ser o “Estado

mínimo” já que a liberdade do indivíduo deve estar acima de qualquer coisa.

Em linhas gerais, as implicações do liberalismo para as diversas esferas da sociedade

se resumem:

1- No campo político impera o conceito de Estado mínimo, onde governa melhor aquele

que menos interfere, assim “um Estado menor é melhor que um Estado maior”

(CHAVES, 2007, p. 36).

2- Na área econômica, sinaliza-se que é a iniciativa privada a melhor gerenciadora dos

processos econômicos, assim deve-se dar liberdade para os indivíduos satisfazerem no

mercado os seus interesses. A interferência do Estado não deve ocorrer “tanto no que

diz respeito à produção como no que diz respeito à distribuição de riquezas, ou mesmo

à regulamentação do processo” (ibid., p. 36).

28

3- Já no campo social, os bens sociais como saúde, educação trabalho, seguridade social,

devem ser providos somente pela iniciativa privada. “O Estado deve se abster não só

de prover serviços e bens nessas áreas como de regulamentar (através de legislação e

normatização) as atividades que nelas são exercidas pela iniciativa privada” (ibid., p.

36-37).

Nessa sociedade onde o que impera é a livre iniciativa, esse fenômeno vai incidir de

modo direto nas diversas esferas sociais, como vimos anteriormente, é transferida a

responsabilidade do Estado para a iniciativa privada. Percebe-se, no entanto, que a liberdade

preconizada é somente uma falácia uma vez que Ao contrário do que postula o ideário liberal clássico, o longo processo de passagem do feudalismo para o sistema capitalista não representou a superação de uma sociedade marcada pela opressão, servilismo e desigualdade de classes por uma sociedade livre e igualitária. A superação do servilismo e da escravidão não foram pressupostos para a abolição da sociedade de classista, mas condição necessária para que a nova sociedade capitalista pudesse, sob uma igualdade jurídica, formal e, portanto, legal (certamente não legítima), instaurar as bases das relações econômicas, políticas e ideológicas de uma nova sociedade de classes (FRIGOTTO, 2003, p. 27).

Na realidade, o contrato social elaborado na sociedade capitalista é a

institucionalização pelo Estado das relações sociais desiguais, legalizando assim a exploração

da mão de obra trabalhadora e protegendo a acumulação do capital pela iniciativa privada. O mercado, sob as relações das classes fundamentais capital/trabalho, de um lado, constitui-se no lócus fetichizado, por excelência, onde todos os agentes econômicos e sociais supostamente se igualam e podem tomar decisões livres, e o contrato, de outro, na mistificação legal da garantia do cumprimento das escolhas “igualitárias e livres” (ibid., p. 27).

Diferente, dessa propagada liberdade, o que temos é a instituição do proletariado, que

segundo expõe Marx é a classe de trabalhadores modernos que só sobrevivem à medida que

encontram trabalho, e só encontram trabalho à medida que seu trabalho aumenta o capital.

“Esses operários compelidos a venderem-se a retalho, são uma mercadoria como qualquer

outro artigo do comércio e, portanto, estão igualmente sujeitos a todas as vicissitudes da

concorrência, a todas as flutuações” (MARX; ENGELS, 2009, p. 35).

Diante dessa realidade de exploração há uma tentativa constante dos capitalistas em

negar o quadro precário em que se encontram os trabalhadores, contudo, Marx e Engels no

livro O Capital reiteram a denúncia explicando com propriedade a falsidade da liberdade

29

apregoada pelos capitalistas em relação à escolha da venda da força de trabalho pelo

proletariado. Frigotto expõe com propriedade o pensamento de Marx e Engels acerca das

relações econômicas e sociais travadas a partir do capitalismo, demonstrando que naquela

obra Explicita-se tanto o caráter de positividade da revolução burguesa nas relações de produção e políticas, na ruptura das visões metafísicas teocêntricas de conhecimento, e um amplo desenvolvimento da ciência moderna, quanto o caráter de negatividade pela cristalização de uma nova relação classista e, portanto, de exploração e alienação (FRIGOTTO, 2003, p. 28).

Assim é que ao tentar separar a política da economia, o Estado liberal definirá, por um

lado, um conceito de sociedade reduzida aos produtores e, de outro lado, aos cidadãos, ambos,

faces da mesma moeda, mas separados por esferas de atuação. Um Estado de cidadãos e uma

sociedade de proprietários é o objetivo maior do conceito de classe social. Percebe-se que isso

terá implicações bastante sérias sendo que

O liberalismo nos campos econômico e político provocou uma grande desigualdade social e um grande conflito e antagonismo entre burguesia e proletariado, e essas foram as condições em que as ideologias, os partidos e as revoluções socialistas se desenvolveram (TOLEDO, 1997, p. 72).

A classe proletária se viu obrigada a vender seu trabalho de modo alienado, ou seja, os

produtos produzidos não lhes pertencem já que o controle da produção estava sob o domínio

dos grandes empresários. Dessa maneira, “com a extensão do maquinismo e da divisão do

trabalho, o trabalho perdeu todo o caráter de autonomia e, assim, todo o atrativo para o

operário. Este torna-se um simples acessório da máquina, só lhe exigem o gesto mais simples,

mais monótono, mais fácil de aprender” (MARX; ENGELS, 2009, p. 35). Sendo extensão da

máquina o operário é visto pelos burgueses como coisas que apenas dispõem de seu trabalho

de modo mecânico. No entanto, não se sabe ao certo quanto de valor do trabalho está contido

nos produtos, e devido a isso certamente os capitalistas remuneram os operários com um valor

bem mais abaixo que o lucro obtido com a produção, é aí que ocorre a mais-valia.

Para a área de educação, embora esta tenha ganhado a tutela da iniciativa privada

assim como as demais esferas sociais, não deixou de ser elemento de grande relevância, uma

vez que esta passou a ser vista como fator de incremento econômico. Adam Smith, H. Von

Thunen e notadamente Irving Fischer, segundo Schultz (1973, p. 7-8) passaram a ter um olhar

diferenciado para os seres humanos, visualizando-os como uma espécie de capital. Sendo que,

Schultz aponta para o fato de que as ideias de aliar desenvolvimento econômico à formação

30

humana é ainda bastante incipiente, pois muitos economistas se mostram omissos quanto ao

assunto, além de haverem aqueles como Marshall que acreditava na concepção de que o

capital humano não apresentava nenhuma significação prática, desse modo estava fora do

mercado. Contudo, como se discutirá adiante, é a partir dos anos 70 através das obras do

economista Schultz – O valor econômico da educação (1963) e O capital humano –

investimentos em educação e pesquisa (1971) – que a concepção de Capital Humano será

largamente difundida a nível mundial, sendo que seus estudos se iniciam nos anos 50.

Embora os liberais tenham se cercado de um arcabouço teórico para disciplinar os

diversos campos sociais como foi explicitado, diante do que demonstram uma notada

fundamentação teórica, contudo não foram capazes de responder aos problemas sociais que

eclodiam diante da grande desigualdade social existente. Na tentativa de explicar o porquê das

mazelas sociais o liberalismo transferia para o indivíduo a culpa pela sua condição social

desigual. Isto quer dizer que, o estado cultural e consequentemente econômico do indivíduo,

de acordo com essa teoria, se condiciona ao seu esforço pessoal.

1.2 – O contexto de implantação do fordismo

A máxima professada de uma harmonia social a ser trilhada individualmente, mediante

a busca de interesses particulares a serem obtidos no mercado não se sustenta. Diferente das

promessas de paz social e, diante do cenário econômico esfacelado, assim é que

A decadência do liberalismo foi resultado não do triunfo teórico de um paradigma alternativo, mas das lutas sociais e políticas do século XIX e princípios do XX: auge do movimento socialista e a do assistencialismo cristão. O liberalismo fracassou do ponto de vista de ser capaz de sustentar o crescimento econômico sem grandes crises, assim como de garantir a ordem social (TOLEDO, 1997, p. 75).

É aí que a teoria do estado social ganha fôlego se consolidando como política social e

econômica entre os anos 20 e 70 na Europa, vindo a influenciar mesmo que superficialmente

os países do Ocidente uma vez que o sistema econômico baseado no capital determina o

sistema financeiro daqueles países. Assim algumas questões inovadoras em relação ao

período anterior se efetivam: 1) A redefinição das relações clássicas entre sociedade civil e política, a politização das relações civis por meio da intervenção do Estado na economia e das corporações na política econômica, e um processo de “civilização” das relações políticas (pela importância da planificação nas decisões políticas); 2) a legalização da classe operária de suas organizações, institucionalizando uma parte do conflito interclasses; (...) 3) em síntese, o Estado social é, em parte, investidor econômico, em parte

31

regulador da economia e dos conflitos, mas também Estado benfeitor que procura conciliar crescimento econômico com legitimidade da ordem social (ibid., p. 75).

Admite-se, pois, que não é possível obter uma convivência social pacífica sem a

intervenção estatal, já que a natureza humana egoísta não propiciará uma coexistência de

vontades comuns. Sendo assim, o Estado existe para conciliar estas vontades em prol do bem

coletivo que deve ser superior aos interesses particulares. Aqui o Estado não é apenas

guardião, mas assume uma função mais ampla, no sentido de que é regulador das relações

sociais travadas pelas classes sociais.

A proposição do intervencionismo corresponde à resposta formulada pelos novos

liberais, sob a liderança de Keynes para justificar a crise desencadeada com a profunda crise

econômica entre os anos 20 e 30. Saviani aponta que Keynes, sendo arguto conhecedor do

capitalismo sabia que este estava sujeito a intempéries, e denuncia ainda que

Keynes ao contrário de Marx, e como bom representante da burguesia, em lugar de ver nessas crises a necessidade da superação do capitalismo, procurou encontrar os antídotos, isto é, os mecanismos que, se não evitassem as crises, conseguissem, pelo menos, mantê-las sob controle (SAVIANNI, 2005, p. 20).

Nesse contexto, Keynes “propõe a intervenção estatal, a administração e o

gerenciamento do mercado como o único meio para evitar a destruição das instituições

econômicas, a iniciativa individual e evitar o socialismo” (ORSO, 2001, p. 169). O sistema

econômico atravessa um processo de reconfiguração tanto no modo de produção como em

torno das relações de trabalho, já que há um incremento dos meios de produção com a

mecanização e informatização. Ações estas necessárias para viabilizar a produção em escala a

fim de atender os anseios do mercado consumidor.

Para tanto, predominou no campo da produção e da organização da força de trabalho nas fábricas e indústrias o paradigma do fordismo/taylorismo, baseado primordialmente na produção em massa de bens e serviços e no incentivo ao consumo, aliado ao controle das várias etapas do processo produtivo e à cronometragem das ações e movimentos dos que vivem do trabalho, numa dimensão mais rígida, exigência de uma produção e consumo massivos (SIQUEIRA, 2003, p. 361).

Esse período é, pois, marcado por um rígido controle do processo produtivo a fim de

garantir uma produção em grande escala, desse modo o trabalhador fordista deveria se ajustar

a esses novos tempos e atividades próprias do mundo industrial. Como é próprio das

sociedades capitalistas que produzem em massa o culto ao capital continua sendo o cerne das

32

relações sociais, contudo, passou a existir um maior controle do processo de produção, e

simultaneamente, foram implantadas medidas protecionistas dos direitos dos trabalhadores.

Assim o Estado do “Bem-Estar” traduziu um determinado grau de compromisso entre estado, empresas e sindicatos de trabalhadores que, numa fase de crescimento da economia, assegurou um relativo equilíbrio social e impulsionou significativamente o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, cujo resultado se materializou num avanço tecnológico de tal proporção que deu origem a uma nova “revolução industrial”: a revolução microeletrônica, também denominada “revolução da informática” ou “revolução da automação” (SAVIANNI, 2005, p. 21).

O Estado era o interventor direto da economia subsidiando as indústrias e, por outro

lado se incumbia de regulamentar as relações trabalhistas através da legislação e fiscalização.

Diante disso, Keynes foi bastante criticado pelos liberais mais conservadores, contudo

preferiu propor uma alternativa um tanto controversa que colocar em risco o sistema

financeiro, pois acreditava que este poderia entrar em colapso. “As mudanças propostas por

Keynes provocaram uma reviravolta no liberalismo. Para ele, esse momento marcava o

afastamento da economia clássica (ortodoxia) inglesa e do laisser-faire, e a aproximação do

intervencionismo” (ORSO, 2007, p. 169-170).

O objetivo de Keynes em momento algum foi o de combater o liberalismo ou o

sistema econômico que dele teve origem e que o alimenta – o capitalismo – ao contrário, a

intervenção foi uma estratégia utilizada de modo emergencial a fim de fazer prevalecer o

capital. “As medidas preconizadas por Keynes produziram dois efeitos: defenderam a

intervenção do governo na economia, cooptaram os trabalhadores e impediram que se

deslocassem para o socialismo” (ibid., p. 171).

Ao oferecer condições mínimas de trabalho nas indústrias – carteira assinada, salário

mínimo, qualificação profissional para atuar nos postos de trabalho, dentre outras vantagens –

os proletários forjaram a ideia de respeito aos direitos dos trabalhadores. Na realidade, estes

estavam sendo usados para servir aos interesses dos primeiros, sendo convencidos de que

vender sua mão de obra seria a melhor solução para manter a ordem social e obter os

benefícios prometidos. Estando subjugados a esse pensamento os trabalhadores contribuiriam

para a reprodução da sociedade de classes não questionando as pilares do sistema econômico

baseados no capital.

A partir daí surge a tese do Welfare State ou Estado do Bem-Estar Social, diante do

qual são garantidos alguns direitos aos trabalhadores nas áreas da educação, saúde, infra-

33

estrutura, seguridade social e outras. Há, pois, a disseminação da ideia de uma suposta

inclusão obtida a partir do capitalismo.

Entretanto os liberais conservadores não se conformam com o estado das coisas e sob

a liderança de Friedrich August Von Hayek reativam as discussões em torno do laisser faire,

rechaçando ostensivamente o Estado do Bem-Estar Social. Contudo, a luta engendrada não se

solidifica devido à necessidade de intervenção do Estado devido à crise econômica que se

instalara na década de 20.

É interessante pontuar que embora o objetivo de Keynes tenha sido o de fortalecer e

sustentar o capitalismo a sua teoria intervencionista de alguma maneira propiciou a criação de

políticas sociais mais consistentes em relação ao período anterior. Além disso, com o Estado

intervencionista os trabalhadores tiveram parte de seus direitos trabalhistas assegurados na

implantação do fordismo nas indústrias. O questionamento sobre a validade do capitalismo

leva a uma reconfiguração das relações de trabalho, medida possível devido a Keynes, sendo

que este

Talvez tenha sido o primeiro economista a introduzir a incerteza no cerne do pensamento econômico e a levantar a questão do significado da racionalidade na economia. Porém a defesa de Keynes à intervenção estatal, mesmo com o fito de salvar o individualismo, o liberalismo e o capitalismo, abriu espaço para políticas estatizantes (ibid., p. 170).

Com o interesse de expansão do modelo de produção em massa, os capitalistas

concedem, mesmo que em parte, alguns direitos aos trabalhadores, assim no seio das

indústrias os movimentos trabalhistas conseguiram as condições, ainda que mínimas, de

trabalho. Os sindicatos, dirigidos basicamente por pessoas sob campo de influência teórica predominante no movimento operário internacional, movia-se numa rede de relações sociais entre trabalho e capital, em que eram possíveis compromissos e acordos para a aquisição de direitos, a seara da institucionalidade (leis trabalhistas, constituições sociais, etc.), apesar de estarem contextualizados num campo de contradições e interesses conflitantes, que frequentemente coloca-se em confronto aberto (SIQUEIRA, 2003, p. 361).

O fordismo expressava o momento histórico de um capitalismo organizado, onde o

Estado tinha controle sobre a economia e sobre as relações sociais. Constituiu-se no

desenvolvimento de uma forma de sociabilidade fundada no compromisso social que

implementava ganhos sociais com acordos trabalhistas mais seguros, e seguridade social para

os trabalhadores.

34

Contudo, manter essa cidadania, fruto do elevado grau de desenvolvimento, custou

caro aos países periféricos e em desenvolvimento, que passaram por um processo de maior

exploração pelos países ricos. Aí se demonstra o caráter predatório do capital, pois para

alguns se tornarem mais ricos é necessário que a maioria fique mais empobrecida. A

desmobilização da luta pela implantação do socialismo trouxe benefícios imediatos, mas

restritos aos países hegemônicos.

Assim, é importante frisar que essa barganha se efetivou mediante a intensificação da

exploração dos países periféricos considerados de Terceiro Mundo, estes estavam totalmente

excluídos desse “compromisso” social-democrata. Antunes (2009, p. 39) aponta que esta foi

a moeda de troca para a desmobilização da luta pela implantação do socialismo pelas classes

operárias. Dessa maneira ao invés de se alcançar uma cidadania e uma vida digna para a

população mundial, a inserção social cidadã ficou atrelada à ideia da meritocracia, onde só as

pode obter o país que for mais competitivo no mercado mundial.

1.2.1 – O fordismo no Brasil e a Teoria do Capital Humano na educação dos

trabalhadores

Diferente dos países desenvolvidos, os países periféricos ou em desenvolvimento,

como é o caso do Brasil, não puderam garantir uma cidadania para todos, mas somente uma

pequena parcela pode ser inserida no processo de produção com vistas a um emprego

protegido (contrato de trabalho e direitos trabalhistas básicos).

Isto porque a ideia de intervencionismo é fortemente consolidada na Europa, sendo

que esse conceito embora tenha influenciado os países em desenvolvimento – assim como os

ideais liberais propagados com a revolução industrial, o que contribuirá para delinear a

economia mundial – esse Estado do Bem Estar Social não se efetiva no Brasil. Ocorreu o que

muitos autores chamaram de Estado do Mal-estar Social, pois diferente dos países europeus

onde se cria um mercado consumidor de massa e é estabelecido o contrato fordista, aqui no

Brasil isso não veio a efetivar-se.

No Brasil, instala-se o “fordismo periférico”, como denominam os regulacionistas, no qual o uso da mão de obra assume um caráter predatório, marcado pela alta rotatividade da força de trabalho, em que a maioria dos trabalhadores recebe baixos índices de remuneração, exceto os trabalhadores das estatais os quais passam a ser os representantes da relação de trabalho fordista. Nessa perspectiva, o processo de assalariamento no Brasil se diferencia dos países capitalistas desenvolvidos, assumindo o emprego um conteúdo particular e, como resultado, produz um mercado de trabalho também singular (DRUCK, 1999 apud ANTONIAZZI, 2005, p 88).

35

A propagada cidadania fordista só é alcançada por segmentos sociais restritos, ou seja,

os empregados em grandes empresas e em exercício de funções de liderança de um modo

geral, sendo relegada para as classes subalternas uma cidadania de segunda categoria. Nessa

perspectiva, alcançar o status de país em desenvolvimento custou ao Brasil submeter-se aos

ajustes econômicos necessários, os quais se enquadravam nas orientações dos organismos

internacionais. Como se discutirá no capítulo três os acordos com esses organismos

internacionais terá implicações diretas nos rumos da educação brasileira. Para tentar equalizar

as diferenças sociais “a partir de 30, o Brasil fez uma política populista de conciliação

conservadora como se dissesse: o país é grande, nele podem conviver os antigos coronéis e os

modernos empresários, os escravos e os operários” (NOSELLA, 2008, p.173).

Ou seja, emerge uma grande miscelânea onde todos indistintamente deveriam

conviver pela legitimação do capital que se incumbiu de naturalizar as desigualdades sociais

altamente díspares. Dessa maneira, ao Brasil, sem gozar dos benefícios como o fizeram os

países europeus, restou a adaptação “imposta” pelo capital à nova organização produtiva com

vistas à inserção na economia mundial.

Nesse contexto, é notória a existência de uma educação excludente e a consolidação

de uma escola dual já que somente os mais “competentes” deveriam receber um ensino de

nível mais elevado, enquanto que a educação destinada à massa populacional possui uma

baixa qualidade, com vistas à conformação social fazendo-os permanecer na sua classe de

origem. Desse modo, Paralelamente, no âmbito educacional, o populismo fez uma conciliação conservadora entre as pobres escolas do faz-de-conta e as que adotam modelos pedagógicos arrojados, entre instituições universitárias de beira de estrada e universidades de excelência (ibid., p. 173).

Vê-se que o acento das políticas populistas era de conformação social, objetivando

conter os ânimos inflamados dos revolucionários e agradar aos empresários que requeriam

uma mão de obra qualificada para as indústrias. Nesse cenário o Estado passa a criar

mecanismos para efetivação das políticas públicas educacionais visando à acessibilidade ao

ensino. Tais ações são vistas como importantes porque a educação é visualizada como

garantia de crescimento econômico e elemento de desenvolvimento do país, uma vez que a

qualificação profissional seria a condição única para inserção no mercado que estava em plena

expansão.

36

Assim é possível compreender que a medida de expansão da educação tomada por

Getúlio Vargas tem muito mais o cunho de conter os “rebeldes” garantindo mesmo que em

parte o acesso a uma suposta cidadania. E por outro lado, atender às exigências dos burgueses

que necessitavam de mão de obra qualificada para as crescentes demandas da indústria em

expansão a partir da década de 30. Além de vivenciar-se no Brasil o crescimento do setor de

serviços com a urbanização o que implicou em mais mão de obra qualificada.

Nessa perspectiva nas décadas de 30 e 40, momento histórico que será tratado no

capítulo dois, as leis orgânicas do ensino objetivaram reorganizar o Ensino Técnico, contudo

isso implicou na desarticulação entre esta modalidade de ensino e o Ensino Secundário. É

criado o Curso comercial como prerrogativa da expansão das demandas da indústria e mais

adiante outros cursos. Contudo, ao iniciar um curso técnico, uma vez que o Ensino Médio é

dividido em dois ciclos, não se poderia migrar de um curso técnico para outro, ou mesmo para

o secundário, e o mais agravante é que ao concluir um curso técnico o indivíduo não poderia

ingressar no Ensino Superior. Aliado a isso, o governo de Getúlio transfere parte da

responsabilidade da educação para o Sistema S, criando o Senai e o Senac, assunto que será

retomado no capítulo dois, quando se fará uma retrospectiva do Ensino Profissional no Brasil.

Dessa maneira, há uma “suposta” democratização do ensino sob a crença de

implantação de uma escola unitária, contudo a perspectiva era de formação para o trabalho.

Diante do que Nosella (2008, p. 175) acredita que a criação dessa escola se dá somente na

aparência, pois embora tenha havido uma aproximação do mundo do trabalho do mundo da

escola, ainda assim esses mundos não se integram; os dirigentes e os dirigidos continuam em

escolas diferentes, mas recebendo diplomas iguais. O autor denuncia o cínico idealismo do

populismo que sob a crença de criação de uma escola unitária, na realidade lança o

trabalhador no longo caminho de uma escola secundária empobrecida, sem que possua os

meios de ingressar na universidade

O órgão que se incumbe do disciplinamento da oferta educativa no Brasil é o Instituto

de Organização Racional do Trabalho (IDORT), que na década de 30 possui o foco de conter

a agitação reivindicatória deflagrada com a revolução. Saviani (2005, p. 22) sinaliza que o

objetivo do IDORT é atender às exigências de planificação dos sistemas de ensino e dos

processos pedagógicos devido à necessidade de planificação econômica.

É salutar frisar que a fragmentação da produção fordista/taylorista que reduz o

processo de trabalho a uma tarefa isolada é que irá determinar o delineamento de uma

educação dualista que nosso país conhece desde seus primórdios. “A educação e formação

humana terão como sujeito definidor as necessidades, as demandas do processo de

37

acumulação do capital sob diferentes formas históricas de sociabilidade que assumir. Ou seja,

reguladas e subordinadas pela esfera privada, e à sua reprodução” (FRIGOTTO, 2003, p. 30).

Sendo a educação visualizada como fator de incremento econômico esta é assumida

como responsabilidade Estatal, o que passa a significar uma estratégia de desenvolvimento

econômico. Desse modo,

A educação, que tenderia, sobre a base do desenvolvimento tecnológico propiciado pela microeletrônica, à universalização de uma escola unitária capaz de propiciar o máximo de desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos e conduzi-los ao desabrochar pleno de suas faculdades espirituais, é colocada, inversamente, sob a determinação direta das condições de funcionamento do mercado capitalista (SAVIANI, 2005, p. 22).

Este tipo de educação para Saviani (ibid., p. 22) pode ser chamada de “concepção

produtivista de educação” que irá influenciar no panorama educativo na segunda metade do

século XX. O autor aponta que entre os anos 50 e 70, juntou-se esforços em organizar a

educação de acordo com os ditames do taylorismo-fordismo por meio da chamada “pedagogia

tecnicista” que se procurou implantar no Brasil através da Lei 5.692/71, a qual intentou

transportar para as escolas os mecanismos de objetivação do trabalho vigentes nas fábricas.

Nesse contexto, há uma forte mercadorização da educação a qual é associada ao

crescimento econômico, desse modo, para justificar essa concepção mercadológica dos bens

culturais é formulada a Teoria do Capital Humano. Essa teoria é a ampliação do conceito de

investimento no homem como capital formulada pelos economistas Adam Smith, H. Von

Thunen e Irving Fischer.

É Theodore Schultz, o responsável pela sistematização do conceito de Capital

Humano, o qual está ligado ao surgimento da disciplina Economia da Educação, nos Estados

Unidos, em meados dos anos 1950. Theodore W. Schultz, professor do departamento de

economia da Universidade de Chicago à época, é considerado o principal formulador dessa

disciplina e da ideia de Capital Humano (LOMBARDI; SAVIANI; NASCIMENTO, 2006).

Schultz (1973, p. 8-9) propõe o estudo das categorias investimento no homem e na

pesquisa esclarecendo os objetivos e natureza dessas atividades. Segundo ele é condição

imprescindível para ocorrer o crescimento econômico a garantia no investimento em

educação. Desse modo utiliza como exemplo o caso da agricultura para exemplificar esse

conceito. Algum crescimento, sem dúvida, resulta do aumento de mais capital convencional, embora o trabalho disponível esteja carente tanto de capacitação técnica quanto de conhecimentos. Mas o índice de crescimento será seriamente limitado.

38

Simplesmente não é possível ter-se os frutos de uma agricultura moderna e a abundância da moderna indústria sem que se façam grandes investimentos nos seres humanos (ibid., p. 52).

Schultz (ibid., p. 78) demonstra que, ao estudar a relação entre os níveis de renda e

graus de escolaridade, constatou que os níveis de renda aumentavam em proporção aritmética

para os indivíduos que possuíam escolaridade primária e em proporção geométrica para

aqueles que possuíam escolaridade superior, o que seria a prova empírica do valor econômico

da educação. Assim é que essa teoria é plenamente aceitável e justificável no sistema

capitalista que aponta a necessidade de crescimento econômico aliado à qualificação do

trabalhador fordista. Desse modo, O conceito de capital humano, que constitui o construtor básico da economia da educação, vai encontrar campo próprio para seu desenvolvimento no bojo das discussões sobre os fatores explicativos do crescimento econômico. A preocupação básica ao nível macroeconômico é o desenvolvimento econômico de um país (GENTILLI, 2006, p. 39).

A educação é visualizada como instrumento de crescimento econômico, desse modo é

tão valorizada. No entanto, a dificuldade de mensuração da educação como fator de

crescimento econômico gerou um ponto de tensão dentro da teoria, já que não formulou

indicadores eficazes que pudessem expressar a correlação entre economia e educação, ou

mesmo entre renda e educação. Por isso mesmo, devido a essa dificuldade boa parte dos

economistas não enveredou nessa seara, diante do que Schultz (1973, p. 15) aponta a inércia

de boa parte de seus colegas. A despeito dessas inconsistências a Teoria do Capital Humano

se sustentou enquanto substrato teórico que justificava o sistema capitalista em contraponto à

educação. A educação, então, é o principal capital humano enquanto é concebida como produtora de capacidade de trabalho, potenciadora do fator trabalho. Neste sentido é um investimento como qualquer outro (ibid., p. 40).

Assim a educação é associada à produtividade e à qualificação profissional, fatores

fundamentais para o incremento da economia.

O conceito de capital humano – ou, mais extensivamente, de recursos humanos – busca traduzir o montante de investimento que uma nação faz ou os indivíduos fazem, na expectativa de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista macroeconômico, o investimento no “fator humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o aumento da produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista microeconômico, constitui-se no fator

39

explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e, consequentemente, de mobilidade social (ibid., p. 41).

A educação passa a ser elemento explicativo da desigualdade social e individual, já

que a inexistência desta implicaria na perda da produtividade econômica e diante de sua busca

se obteria o efeito contrário, ou seja, o desenvolvimento econômico. Entendendo a

necessidade da educação para o processo produtivo o acesso a ela pelas classes populares

passa a ser incentivada e até mesmo defendida pelas elites dirigentes, isso porque se terá a

garantia de que os trabalhadores terão a formação nos conhecimentos básicos que lhes

possibilitará o acesso aos conhecimentos mais elaborados, fundamentais para a inserção na

cadeia produtiva.

Nesse sentido, a educação geral, assegurada pelos níveis que compõem a educação básica, tem como finalidade dar acesso aos conhecimentos fundamentais e às competências cognitivas mais simples que permitam a integração à vida social e produtiva em uma organização social com forte perfil científico-tecnológico, um dos pilares a sustentar o capitalismo tardio, na perspectiva do disciplinamento do produtor/consumidor; e, por isso, a burguesia não só disponibiliza, mas a defende para os vivem do trabalho (KUENZER, 2007, p. 495).

Nessa perspectiva “para os que exercerão atividades complexas na ponta qualificada

das cadeias produtivas, a educação básica é rito de passagem para a educação científico-

tecnológica e sócio-histórica de alto nível” (ibid., p. 495). Sobre isso, Oliveira concorda,

acrescentando que quando se fala em expansão da Educação Básica os interesses são de

ordens distintas.

(...) A necessidade dos indivíduos se adaptarem mais rapidamente às mudanças existentes impõe, como indispensável, a universalização do acesso à educação. Nesse sentido, o próprio empresariado, em virtude das exigências do setor produtivo, é obrigado a pleitear um modelo de educação próximo daquele defendido pelos trabalhadores (OLIVEIRA, 2006, p. 61).

No entanto, essa inclusão da massa trabalhadora nos processos educacionais e

produtivos ocorre não devido a um compromisso social, mas em função das necessidades

mercadológicas. Desse modo,

As políticas e programas de educação profissional, tomando a categoria exclusão para designar desempregados e populações em situação de risco social, quando propõem como objetivo a inclusão social, não ultrapassam o âmbito da inclusão concedida, ou como a temos chamado, inclusão excludente, sempre subordinada à lógica da acumulação (KUENZER, 2007, p. 493).

40

No caso, essa seleção é justificada através da absorção dos indivíduos “mais

habilitados” no mercado de trabalho, dessa maneira para incluir alguns terá que excluir os

“menos competentes”. Essa lógica é plenamente aceitável do ponto de vista das bases do

capitalismo, que para incluir precisa antes excluir. Dessa premissa máxima de inclusão

excludente, pode-se compreender que ao lutar pela expansão do acesso à Educação Básica os

empresários estão lutando apenas para a redução dos custos com educação para seus

empregados. A Escola Básica é utilizada, desse modo, como formadora de uma reserva

técnica através da propagação de conhecimentos básicos, o que facilitará para os empresários

quando da absorção de parte desta mão de obra. Somente o contingente selecionado receberá

a qualificação para o trabalho com qualidade e em níveis mais elevados, já que não há escolas

de Educação Profissional, na esfera pública, suficientes para todos. Como o acesso à educação

de qualidade é restrito, resta à massa populacional a qualificação profissional de modo

precário, o que implicará na sua exclusão do processo de trabalho protegido. O que é

plenamente aceitável, pois como não há emprego para todos, não se justifica o investimento

em educação cara e de longo prazo para indivíduos que não serão absorvidos pelo mercado:

para a massa resta a informalidade e o emprego precário.

Na oferta educativa há um dualismo que se perpetua na clara diferenciação a depender

do tipo de classe social de origem. Isto é, tem-se por um lado uma educação para as classes

dirigentes e outra destinada à classe trabalhadora, “escola disciplinadora e adestradora para os

filhos dos trabalhadores e escola formativa para os filhos das classes dirigentes” (FRIGOTTO,

2003, p. 34).

Assim, podemos perceber que o acesso ao saber antes de ser uma garantia democrática

de exercício para a cidadania é uma oportunidade previamente programada pelo mercado para

suprir seus próprios interesses. Desse modo, o Ensino Profissional se encaixa numa política

que antes tem seu fim maior no atendimento das demandas mercadológicas, ficando distante a

ideia de inclusão social; ou como sugere Ramon de Oliveira (2003, p. 29), a reforma da

Educação Profissional tem influência direta num novo modelo de cidadania. Entretanto, o

autor aponta que diferente do que prega o discurso oficial o resultado é nada mais que a

confirmação de um modelo de cidadania excludente para os setores populares.

Nesse contexto de plena expansão da educação, é aí que a teoria da promessa

integradora da escola ganha centralidade, uma vez que os empregos protegidos nas indústrias

existiam em número considerável. Desse modo, a ideia de formação e qualificação

profissional seria condição para inserção no mercado de trabalho.

41

A expansão dos sistemas escolares nacionais, a partir da segunda metade do século XIX, tem sido produto, em certo sentido, da difusão do que poderíamos chamar da promessa da escola como entidade integradora. Os sistemas educacionais eram considerados pelos grupos dominantes e pelas massas que lutavam pela sua democratização como um poderoso dispositivo institucional de integração social num sentido amplo (GENTILLI, 2005, p. 49).

A profusão destas ideias coincide com aquilo que Eric Hobsbawm (1995, p. 253)

identificou como a Era de Ouro do desenvolvimento capitalista. Sendo que estes princípios

economicistas da educação se propagavam de modo tão intenso que nas décadas de 50 e 60

são criadas disciplinas específicas a fim de dar validade oficial a este campo de estudo, assim

é que surge a disciplina Economia da Educação, como se demonstrou anteriormente, sendo

que esta possui vinculação direta com o surgimento da Teoria do Capital Humano. A escola se constituía, assim, num espaço institucional que contribuía para a integração econômica da sociedade formando o contingente (sempre em aumento) da força de trabalho que se incorporaria gradualmente ao mercado. O processo da escolaridade era interpretado como um elemento fundamental na formação do capital humano necessário para garantir a capacidade competitiva das economias e, consequentemente, o incremento progressivo da riqueza social e da renda individual. A dimensão social e individual dos benefícios econômicos decorrentes do processo de escolarização (ou, formulado de outra maneira: a natureza economicamente integradora da escola), obrigava a pensar o planejamento educacional como uma atividade central na definição das políticas públicas (GENTILLI, 2005, p. 49).

Como se pode perceber, a educação é vista apenas sob o aspecto econômico, contudo

como se explicitou anteriormente, esta ideologia encontra fundamento na sociedade de

classes. Mas, de um modo divergente do que está posto a visão defendida por Marx e Engels

caminha na contramão da lógica capitalista uma vez que

Concebem a realidade como uma estrutura, uma totalidade de relações onde, em sua unidade diversa, o conjunto de relações sociais econômicas, por serem imperativas na produção da vida material dos seres humanos, constituem-se na base a partir da qual se estrutura e condiciona a vida social em conjunto. Como em diferentes momentos, estes autores insistem, o caráter fundamental das relações sociais de produção não confere às mesmas a definição única isolada das demais determinações. As relações econômicas são, antes de tudo, relações sociais e, enquanto tais, engendram todas as demais. O ser humano que atua na reprodução de sua vida material o faz enquanto uma totalidade psicofísica, cultural, política, ideológica, etc. (FRIGOTTO, 2003, p. 31).

Dessa maneira, na visão de Frigotto, Marx e Engels, demonstram que o homem é um

ser dotado de características diversas, as quais necessitam ser respeitadas uma vez que são

inerentes à sua humanidade, sendo que o aspecto econômico é fator primordial para que as

42

demais áreas possam coexistir em harmonia. Isto é, sem haver condições materiais objetivas

não se poderá preservar essa totalidade humana. Desse modo, Frigotto aponta que ser ponto

de denuncia por Marx e Engels, a tendência do capital de considerar o fator econômico, como

preponderante sobre os demais, subjugando o homem ao trabalho ao invés de através do

trabalho garantir sua liberdade criadora.

A teoria capitalista de todas as formas vem tentando legitimar a fragmentação e a

segmentação do trabalho e, por conseguinte, da educação. Desse modo a luta deve se dá no

afã de não permitir que a qualificação humana esteja subjugada às leis do mercado, com vistas

ao adestramento e ao treinamento mecânico. É necessário, porém, que esta seja vista como

uma unidade abrangente, pois

A qualificação humana diz respeito ao desenvolvimento de condições físicas, mentais, afetivas, estéticas e lúdicas do ser humano (condições omnilaterais) capazes de ampliar a capacidade de trabalho na produção dos valores de uso em geral como condição de satisfação das múltiplas necessidades do ser humano no seu devenir histórico. Está, pois, no plano dos direitos que não podem ser mercantilizados e, quando isso ocorre, agride-se elementarmente a própria condição humana (ibid., p. 32).

Perceber a amplitude desse conceito de qualificação humana é romper com a

concepção fragmentária com que o capital transforma o trabalho criador da vida humana em

alienador da vida do trabalhador. Esse aspecto alienador se dá justamente pela visão parcelar a

que é submetida a educação, pois ao invés de ser utilizada para formar o homem dentro de

uma totalidade é colocada como estratégia para subjugar o homem ao trabalho alienante. É

considerado alienante na medida em que o homem se vê obrigado a produzir sem

compreender a completude do processo, sem poder dominá-lo e nem usufruir do produto

produzido. Assim é que Ramon de Oliveira (2003, p. 65) aponta que ao se deslocar a

importância da educação para um único aspecto da formação humana, mais especificamente

para o trabalho assalariado, estamos limitando as potencialidades a serem desenvolvidas pelos

educandos. A fragmentação embrutece a natureza criadora do homem que fica subjugada a

tarefas mecânicas e repetitivas.

Sabe-se que esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e

fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto

repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo (...). (ANTUNES, 2009,

p. 39) É importante perceber que essa forma fragmentada de produção irá influenciar no

delineamento de uma nova constituição social onde o homem fabril deveria se ajustar.

43

Em síntese, o fordismo não se constituiu apenas enquanto um modo de organização do processo de trabalho, mas significou, sobretudo, uma forma de organização da sociedade capitalista que implicou a inclusão social de grandes parcelas da população, até então marginalizadas do consumo e dos direitos de cidadania. E, mais que isso, o fordismo deve ser entendido, num sentido mais amplo, como um “novo modo de vida”, que extrapola os limites da fábrica, implicando a construção de um “novo homem”, adaptado às exigências e à disciplina do sistema fabril organizado na forma de grande indústria (FILGUEIRAS, 2000, p. 51).

Um novo pacto social culminou em novas relações sociais, as quais se baseavam num

quadro de valores de uma sociedade industrial e pós-moderna. Os cidadãos teriam que

aprender a conviver com os “ritmos” e os “tempos” da indústria, mas como foi preconizado,

esse sacrifício teria uma recompensa à altura, já que marcava o início de um novo tempo onde

se inaugurava a modernização.

1.3 – O neoliberalismo e a emergência da Pedagogia das Competências

Mas este Estado social, como constituinte de uma sociedade capitalista – uma vez que

não discutiu o âmago da desigualdade, já que não questionou o capitalismo, mas trabalha para

justificá-lo – como era de se esperar, na década de 70 atravessou novamente outra crise

econômica, comprometendo assim a assistência aos cidadãos. A profunda crise econômica

provocada pelo pós-guerra e a intensa recessão e, por outro lado a expansão do socialismo na

Rússia, leva os liberais a buscar uma medida viável para justificar o atual estado das coisas.

Assim é que as medidas de Keynes são plenamente aceitáveis a partir da crise dos anos 20 até

idos dos anos 60, porém o capitalismo nos anos 70 novamente entra em crise acirrando a

insatisfação dos liberais com as medidas intervencionistas preconizadas por Keynes.

O esgotamento do paradigma de produção do pós-guerra levou setores do capitalismo, sintonizados com as tendências da acumulação crescente do capital e descontentes com as relações econômicas e políticas estabelecidas, a desenvolverem um novo padrão de produção, tendo como parâmetro simultaneamente o incremento da produtividade e a diversificação de bens e serviços (SIQUEIRA, 2003, p. 361).

Esse modelo de sociedade competitiva, onde quem arbitra é o mercado é visto como

ideal, pois se acredita ser ele capaz de superar a crise, já que, esta é deflagrada, segundo os

liberais, por ter-se infligido os princípios do capitalismo. Dessa maneira, a crise da economia

é utilizada como justificativa pelos capitalistas para a necessidade de extinção do Estado

regulador para dar lugar ao Estado Mínimo, onde quem estabelece as regras é o mercado.

Aí é que, nos anos 70, se retoma os princípios do liberalismo transvertidos numa nova

teoria, que comumente tem sido chamada de neoliberalismo. Contudo, não é consenso entre

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os autores sobre a nomenclatura desse fenômeno social, nem mesmo sobre o fato de ser

possível assegurar sobre a sua constituição enquanto uma nova concepção teórica ou se

poderia ser considerado um novo fato social.

Entre os contrários, temos Orso, que demonstra não haver surgido uma nova teoria,

mas ao contrário, aponta que o estado das coisas é fruto da lógica liberal que nunca deixou de

imperar. Se de fato existe é o liberalismo como ideologia do capitalismo, não faz muito sentido falar em neoliberalismo ou em “ser contra o neoliberalismo”. A posição que de fato se deve adotar é contra o liberalismo, em todas as suas formas e contra o capitalismo, que é a base material que o sustenta (ORSO, 2007, p. 177).

Orso demonstra ainda a necessidade de se ter clareza quanto aos conceitos subjacentes

ao liberalismo a fim de não se incorrer em equívocos, para tanto o autor propõe que as atuais

políticas ao invés de serem chamadas de neoliberais sejam chamadas de Ultraliberais, pois trata-se da superação tanto do liberalismo clássico quanto do intervencionismo; trata-se da incorporação das velhas políticas da ortodoxia liberal conjugadas com a preservação do Estado. Assim o ultraliberalismo constitui-se na síntese do liberalismo que representa as novas relações (ibid., p. 177).

Embora Orso descarte a ideia de um novo campo conceitual, percebe-se que o autor

defende a ideia de que o neoliberalismo remonta ao liberalismo, mas ajustado ao novo

contexto social. Essa correlação direta com o liberalismo é plenamente aceitável por Melo, o

qual demonstra que

O prefixo “neo-” quer indicar um novo florescimento do liberalismo em termos mais presentes, potentes e realizadores de um objetivo harmonioso, direto, final e espontâneo da própria ordem social. Seria o fim dos conflitos, das contradições, da própria luta de classes e da história. O fim da necessidade de um mundo novo ou de uma utopia, ou mesmo do próprio socialismo. A sociedade capitalista teria chegado a um nível satisfatório de desenvolvimento, regido pela saudável competição arbitrada pelo mercado mundial globalizado; no qual a igualdade de oportunidades permitiria a cada um uma recompensa de acordo com suas capacidades laborativas e competitivas (MELO, 2007, p. 191-192).

Concordando com Melo, Toledo (1997, p. 76) aponta que o Estado social decompôs-

se desde os anos 70 tendendo a ser subvertido pelo neoliberalismo numa transição que ainda

não acabou, diante do que se criam novos elementos para a teoria liberal, porém os

rudimentos filosóficos permanecem os mesmos. Sobre isso acrescenta Melo, afirmando que

45

Fazendo parte da dinâmica das transformações atuais do capitalismo, o projeto neoliberal realiza, reafirma e supera princípios do liberalismo clássico no sentido de conservar, manter e ampliar as relações sociais capitalistas de produção do nosso mundo e de nossas vidas. Relações estas fundadas na exploração do trabalho e que mostram, hoje, a face da exclusão social de pessoas e povos inteiros do processo de globalização do capital (MELO, 2007, p. 191-192).

Desse modo, toda mudança ocorrida se deu no sentido de preservar os princípios

liberais que visavam conservar e ampliar o capitalismo. Para Filgueiras, embora sejam

fenômenos diretamente relacionados – sendo que para entender o neoliberalismo é condição

primeira compreender o liberalismo que o originou – são distintos quanto à forma como

surgiram. O liberalismo surge nos séculos XVIII e XIX, sendo que expressou No plano das ideias, um momento de expansão do modo de produção capitalista, de superação de uma ordem social regressiva, de caráter religioso estamental; apesar de ser, antes de tudo, uma doutrina apropriada para os interesses da burguesia, era o anúncio da “modernidade” (...) (FILGUEIRAS, 2000, p. 48).

O liberalismo marca a cisão entre o obscurantismo e o absolutismo, onde o mercado

passa a arbitrar as relações sociais e, nesse caso se pregava que melhor era o estado que

menos interferisse na economia. Por outro lado, o neoliberalismo surge no pós-guerra como

reação à crise econômica, se constituindo como fenômeno social capaz de criar argumentos

suficientes para justificar as crises dentro do sistema econômico. Assim a crise é apontada não

como conseqüência da luta desenfreada pelo capital, mas acredita-se – sendo valores

inculcados na população pelos capitalistas – que surgiu devido à subversão de seus princípios

devido à proposição do intervencionismo. Para contornar os problemas econômicos, então,

sugere-se um redirecionamento no modo de intervenção estatal, e não na extinção do

intervencionismo como acreditavam alguns (ibid., p. 46).

É salutar o entendimento de Antunes (2009, p. 33) sobre essa nova fase do

capitalismo, que se configura numa resposta deste sistema à sua crise, diante do que inicia um

processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação,

sendo que os contornos mais visíveis se constituíram no advento do neoliberalismo. O autor

denuncia, ainda, que esse novo período do capitalismo – o neoliberalismo – se caracterizou

como uma ofensiva generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora.

Assim é que nesse contexto, para as relações sociais, de um modo geral, se impõe uma

série de adaptações, sendo que para as relações trabalhistas o princípio vigente passa a se

basear na flexibilização. Antunes sinaliza que houve uma mutação no padrão de acumulação

(e não no padrão de produção) buscando-se alternativas que conferissem maior dinamismo ao

46

processo produtivo, que dava sinais claros de esgotamento. O modelo fordista/taylorista é

substituído por novas formas de acumulação flexibilizada.

Nesse momento histórico há uma quebra do pacto social estabelecido no fordismo, que

previa uma série de benefícios para os trabalhadores. Nesse sentido o tipo de intervenção

estatal não mais disciplinará as relações sociais e trabalhistas a favor das classes menos

favorecidas como acordado anteriormente. Uma vez que o Brasil, não chegou a vivenciar o

pacto fordista, pois essa cidadania propagada ficou no plano etéreo para a grande massa

populacional, sendo desfrutada somente por pequenos grupos, esse cenário de flexibilização

acarretará em mais prejuízos para a classe trabalhadora brasileira. Esse paradigma de produção baseava-se, principalmente, na instituição de contornos normativos expressos na flexibilização de direitos e conquistas trabalhistas do período anterior, na reformulação das relações de trabalho a partir de um modelo flexível de captação, organização e movimentação da força de trabalho no interior da empresa e fora dela, na emergência de novos tipos de contratos, na aplicação do fenômeno da terceirização, na flexibilidade produtiva, descentralização da produção, diversificação de bens e serviços etc. tendo em vista atender às necessidades do mercado e aumento da acumulação capitalista. As origens desse modelo remontavam, sobretudo, à reestruturação produtiva ocorrida nos lindes do Japão, a influenciar países centrais como EUA e Europa (SIQUEIRA, 2003, p. 361-362).

A segurança social preconizada pelo modelo fordista de sociedade é desconstruída

para dar lugar à incerteza e ao desemprego. “É justamente a destruição desse ‘modo seguro de

viver’, construído entre a Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 70, que dá origem ao

profundo ‘mal-estar’ específico deste final de século” (FILGUEIRAS, 2000, p. 51). Isso

ocorre porque a forma de acumulação do capital se modifica, já que a ênfase se desloca da

mão de obra menos especializada para os processos cognitivos e a qualificação mais

avançada. Para Antunes (2009, p. 35) emerge uma força destrutiva contra a força humana de

trabalho, que passa a ter enormes contingentes precarizados ou mesmo à margem do processo

produtivo, elevando os níveis de desemprego estrutural. Todo o mundo, por estar subjugado

ao capital vivencia uma grande precarização da força de trabalho e a exclusão de grandes

contingentes do trabalho protegido. Esse fenômeno se dá, uma vez que, os processos de

produção que antes se baseavam na mecanização, agora se alicerçam na microeletrônica, na

informática avançada. Assim é que surge um novo modelo produtivo, sendo que Duas condições foram imprescindíveis na lapidação do toyotismo: as mudanças organizativas introduzidas na empresa e o manancial tecnológico que vinham se gestando nas economias mais adiantadas. Esses elementos conjugados proporcionaram a substituição gradativa do padrão de acumulação fordista/taylorista

47

pelo toyotismo, fundado na tecnologia de ponta, na informática e na automação industrial (SIQUEIRA, 2003, p. 362).

Desse modo, exige-se um novo perfil de trabalhador, apto a conviver com um modelo

instável de produção, que exige dele uma constante qualificação a fim acompanhar os

processos produtivos em mudança contínua.

Do ponto de vista do capital, essa nova concepção de empresa implica a necessidade de uma força de trabalho também flexível (polivalente), mais qualificada, que deve ter várias preocupações e realizar diversos tipos de tarefas, como operar as máquinas, fazer a manutenção, difundir informações, realizar o controle de qualidade etc. O resultado é um tipo de trabalhador com maior iniciativa e maior capacitação do que o trabalhador fordista, em particular aqueles pertencentes ao núcleo central da mão de obra da empresa, que torna dispensável algumas funções de gerência e controle exercidas pelos níveis hierárquicos intermediários, anteriormente existentes (FILGUEIRAS, 2000, p. 55).

Além do domínio de uma gama de tarefas, exige-se desse trabalhador um maior

domínio dos processos tecnológicos e de conhecimentos científicos, sabendo mobilizá-los

para resolver os problemas surgidos no cotidiano da produção. São atividades que exigem um

alto grau de complexidade e abstração como sinaliza Kuenzer Passam a exigir o desenvolvimento de competências cognitivas superiores e de relacionamento, tais como análise, síntese, estabelecimento de relações, criação de soluções inovadoras, rapidez de resposta, comunicação clara e precisa, interpretação e uso de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos para atingir metas, trabalhar com prioridades, avaliar, lidar com as diferenças, enfrentar desafios das mudanças permanentes, resistir a pressões, desenvolver o raciocínio lógico-formal aliado à intuição criadora, buscar aprender permanentemente, e assim por diante. Mesmo para desempenhar tarefas simplificadas, o elevado custo de um investimento tecnologicamente sofisticado exige trabalhadores potencialmente capazes de intervir crítica e criativamente quando necessário, além de observar normas que assegurem a competitividade e, portanto, o retorno do investimento, através de índices mínimos de desperdício, retrabalho e riscos (KUENZER, 2010, p. 02-03).

A exploração da mão de obra do trabalhador passa a se intensificar, já que no fordismo

embora fosse explorado o conhecimento tácito (da experiência) quando surgiam problemas na

linha de produção, costumeiramente o trabalhador desempenhava uma única função ainda que

numa perspectiva fragmentada. No processo toyotista percebe-se que o trabalhador passa a ser

manipulado por um discurso que imprime uma pseudo-flexibilidade que na realidade

corresponde a mecanismos encontrados para minimizar o tempo de produção e utilizar os

conhecimentos dos trabalhadores agregando-os à produção. Quer se formar com isso um

trabalhador polivalente, multifuncional e qualificado, combinações que irão contribuir para a

48

redução do tempo de trabalho (ANTUNES, 2009, p. 54). Desse modo, pode-se afirmar que a

exploração que ocorria no plano da apropriação do conhecimento prático, se expande aos

conhecimentos cognitivos mais elevados.

O processo de produção de tipo toyotista, por meio do team work, supõe, portanto uma intensificação da exploração do trabalho quer pelo fato de os operários trabalharem simultaneamente com várias máquinas diversificadas, quer pelo ritmo e a velocidade da cadeia produtiva dada pelo sistema de luzes (ibid., p. 58).

Na reorganização do capital esse foi um elemento fundamental para a acumulação,

contribuindo para a otimização do tempo de trabalho através da intensificação da exploração.

Assim é que Antunes demonstra que a apropriação das atividades intelectuais do trabalho, que

provém da introdução da maquinaria automatizada e informatizada, somada à maximização

do ritmo do processo de trabalho, estabeleceu um quadro extremamente positivo para o

capital, na retomada dos ciclos de acumulação e na recuperação da sua rentabilidade

(ICHIYO, 1995, p 45-6; GOUNET, 1991, p. 41; CORIAT, 1992, p. 60; ANTUNES, 27-8

apud ANTUNES, 2009, p. 58).

Essa forma de produção que se inicia no Japão é também adotada pelo Capital

Ocidental a partir dos anos 70, que viu nessa forma de produção possibilidades de

acumulação, contudo foram feitas as adaptações necessárias à sua implantação, situação que

se aplica igualmente ao Brasil. “O processo de ocidentalização do toyotismo mescla, portanto,

elementos presentes no Japão como práticas existentes nos novos países receptores,

decorrendo daí um processo diferenciado, particularizado e mesmo singularizado da

adaptação a esse receituário” (ANTUNES, 2009, p. 59).

Ao passo que exige uma maior qualificação do trabalho, de outro lado há uma grande

extinção de vários postos de trabalho, havendo um aumento significativo do desemprego que

passa por uma crise estrutural. Esse fenômeno social se inicia no Brasil a partir de meados dos

anos 80, se intensificando nos anos 90, principalmente com a abertura econômica

implementada pelo Governo Collor. Nesse novo contexto não se trata mais da iniciativa do Estado a das instâncias de planejamento visando a assegurar, nas escolas, a preparação da mão de obra para ocupar postos de trabalho definidos num mercado que se expandia em direção ao pleno emprego (SAVIANI, 2008, p. 430).

Diferente do Japão, onde o toyotismo é criado, este sistema de produção se instala aqui

no Ocidente e Brasil assumindo uma lógica mais perversa e excludente. No Japão, apesar de

49

ocorrer uma intensificação do trabalho, e uma menor contratação, já que o operário que está

trabalhando deverá ser polivalente e apresentar níveis de produtividade maiores, este sistema

produtivo se erige ao passo que são instituídos direitos trabalhistas. É importante frisar que o

trabalhador japonês além do emprego vitalício, tendo uma cota de 25% a 30% dos empregos

nesse regime, gozavam de ganhos salariais intimamente vinculados ao aumento da

produtividade. Por usufruir da estabilidade, ao completar 55 anos o trabalhador é deslocado

para outra função menos relevante, dentre as atividades de uma mesma empresa (ANTUNES,

2009, p. 57).

Desse modo, no Ocidente somando-se à precariedade e à intensificação do trabalho

não há mais postos de trabalho garantidos, mas é o indivíduo que deverá através da sua

qualificação profissional, buscar a sua inserção no mercado de trabalho. É a desintegração da

promessa integradora da escola formulada por Gentilli, que retira o caráter coletivo das

necessidades e demandas sociais (economia nacional) para dar lugar a uma lógica econômica

privatista, onde há uma ênfase nas competências e capacidades de cada pessoa

individualmente como preconizou Marise Ramos no livro Pedagogia das Competências. Estas

habilidades deverão ser obtidas no mercado educacional, que será condição para a inserção no

mercado de trabalho. A educação passa a ser entendida como um investimento em capital individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis. E o que ele pode esperar das oportunidades escolares já não é o acesso ao emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade (SAVIANI, 2008, p. 430).

De acordo com Ramon de Oliveira (2003, p. 30) “a empregabilidade é um conceito

ideológico que ‘desconsidera’ os fatores políticos, sociais e econômicos determinantes do

desemprego”. Todo esse processo de mudanças econômicas e sociais irá influenciar

diretamente na organização social e, mais especificamente na Educação Profissional que é

objeto de estudo desta pesquisa. O modo como a educação é concebida e as políticas sociais

formuladas para essa área serão delineadas a fim de atender ao modelo econômico em vigor.

Assim, com esse processo de flexibilização, transferiu-se para o indivíduo a

responsabilidade sobre a sua formação exigindo-se dele uma qualificação cada vez maior a

fim de alcançar o status de empregabilidade. Isso porque ruiu-se a concepção propagada com

a expansão do capitalismo a cerca de que a escola seria capaz de garantir o pleno emprego,

entretanto, com o surgimento do desemprego estrutural, tal ideia não se sustenta face da crise

instalada. Assim a promessa integradora da escola se dissolve para dar lugar à

50

responsabilização do indivíduo por sua qualificação. Desse modo, nesse contexto de

flexibilização “o Estado acrescentou ao capital uma oportunidade de dispor de maior critério

de seletividade para a contratação de novos trabalhadores” (OLIVEIRA, R., 2003, p. 30).

Desse modo, a qualificação, nos moldes da reestruturação produtiva em todos os aspectos

passou a ser de responsabilidade do indivíduo.

Esse contexto aponta para um Estado descomprometido cada vez mais com a educação

já que está subjugado à lógica capitalista, assim, diante disso acredita-se que para sobreviver é

necessário se adequar às imposições do capital. Atentando para estes elementos e sua

influência para o cenário educacional brasileiro, no capítulo seguinte se demonstrará a

trajetória da Educação Profissional brasileira e as mudanças ocorridas ao longo do tempo

histórico.

51

CAPÍTULO 02

A trajetória da Educação Profissional no Brasil

Embora o objetivo da pesquisa seja a reforma da Educação Profissional no contexto atual,

sob a égide do Decreto 5.154/04, entendeu-se como sendo de grande relevância a discussão

sobre a Educação Profissional desde o Império até a atualidade, assim subdividiu-se este

capítulo em dois tópicos principais assim demarcados: o primeiro versa sobre as reformas

ocorridas desde o Império até anos 80 (período ditatorial); e o segundo trata das reformas

ocorridas a partir dos anos 90 com a promulgação da LDB 9.394/96 que disciplina sobre o

sistema de ensino brasileiro na atualidade. Tal ação está circunscrita à ideia de que os

diferentes momentos da história da Educação Profissional no Brasil apresentam aproximações

mesmo diante das mudanças contextuais decorrentes do transcurso do tempo histórico. Essas

características comuns do sistema de ensino nos diferentes períodos da história da educação se

justificam devido a sua subordinação ao capital que lhe impõe uma natureza fragmentada e

descontínua.

2.1 – Uma Retrospectiva Histórica

2.1.1 – No Império uma pirâmide invertida

Inicialmente é importante salientar que, como seria natural pensar, o sistema

educacional brasileiro não começou pela Escola Básica, mas primeiramente são criados os

cursos de nível Superior Profissionalizante (medicina, odontologia, administração) (FREIRE,

1989). Estes são implantados por ocasião da chegada da família real em 1808 quando ocorre a

instalação da Coroa Portuguesa no Rio de Janeiro, que passa a contar com 45.000 mil

habitantes, já que só de Portugal desembarcaram 15.000 (quinze mil) pessoas.

Instantaneamente houve uma preocupação imediatista e profissionalizante para

preparar o pessoal que iria servir aos novos habitantes da nova sede do Reino. Assim,

criaram-se cadeiras que em seguida se transformariam gradativamente em cursos e faculdades

de medicina, odontologia e outros

Havia nos primórdios de nossa educação, no período imperial mais especificamente,

uma rede de preparação intelectual dos dirigentes em cursos superiores e, à massa

populacional se destinava o ensino elementar de qualidade questionável, sendo que grande

parte da população sequer tinha acesso a esse nível de ensino. E, de modo concomitante, em

paralelo a essa rede havia a preparação nos ofícios manuais, ou seja, o que corresponderia ao

52

ensino de uma atividade prática, como artesanato, carpintaria e outros (MANFREDI, 2002, p.

76-77). Percebe-se, pois, que a atenção das autoridades estava eminentemente voltada para a

formação de uma elite intelectual que iria administrar o Brasil Império.

Diante do exposto, fica explícito que a forma como foi estabelecido o Ensino

Profissional no Brasil é bastante controverso, sendo que as intencionalidades eram de variadas

ordens tanto ideológica quanto política. Cumpriam, em sua gênese, objetivos ora de

assistencialismo, ora de inclusão cidadã, preconizando no seu bojo a intencionalidade de

tornar “mais digna” a pobreza, ao invés de visar a sua suplantação.

Durante o Império, tanto as práticas educativas promovidas pelo Estado como as da iniciativa privada pareciam refletir duas concepções distintas, mas complementares: uma de natureza assistencialista e compensatória, destinada aos pobres e desafortunados, de modo que pudessem, mediante o trabalho tornar digna a pobreza; a outra dizia respeito à educação como veículo de formação para o trabalho artesanal, considerado qualificado, socialmente útil e também legitimador da dignidade da pobreza. Ideológica e politicamente, tais iniciativas constituíam mecanismos de disciplinamento dos setores populares, no sentido de conter ações insurrecionais contra a ordem vigente e legitimar a estrutura social excludente herdada do período colonial (MANFREDI, 2002, p. 78).

A finalidade destes cursos não estava circunscrita na ideia de ascensão social ou

democratização do ensino, mas em dar à pobreza um caráter mais “humano”, ao passo que

deveria formar uma mão de obra mais habilitada para suprir às demandas do mercado. Assim

entendido, o público alvo era dos marginalizados pela sociedade: os mendigos, os órfãos, os

sem destino. Estes deveriam aprender compulsoriamente um ofício – como previa a legislação

– desempenhando uma função social previamente determinada pelo mercado que ora

despontava.

Assim, na perspectiva das instituições criadas, mantidas e administradas pelo Estado, o

objetivo era a formação compulsória da força de trabalho manufatureira a partir do

recrutamento dos miseráveis. Os estabelecimentos criados para esse fim eram as casas de

ofícios, sendo que a instituição de maior importância foi o Asilo dos Meninos Desvalidos,

criado no Rio de Janeiro em 1875.

Os “meninos desvalidos” eram os que, de idade entre 6 e 12 anos, fossem encontrados em tal estado de pobreza que, além da falta de roupa adequada para freqüentar escolas comuns, vivessem na mendicância. Eles eram encaminhados pela autoridade policial a esse asilo, onde recebiam instrução primária, seguida de disciplinas especiais (álgebra elementar, geometria plana e mecânica aplicada às artes; escultura e desenho; música vocal e instrumental) e aprendiam um dos seguintes ofícios: tipografia, encadernação, alfaiataria, carpintaria, marcenaria,

53

tornearia, entalhe, funilaria, ferraria, serralheria, courearia ou sapataria. Concluída a aprendizagem, o artífice permanecia mais três anos no asilo, trabalhando nas oficinas, com o duplo fim de pagar sua aprendizagem e formar um pecúlio, que lhe era entregue ao final do triênio (CUNHA, 2000b, p. 91).

Essas casas funcionavam quase que como um reformatório, onde os desafortunados da

sorte teriam “uma segunda chance” de inclusão social. Assim, a Educação Profissional era

utilizada como uma espécie de limbo para purificação de suas mazelas individuais, sendo

utilizada como mecanismo de socialização, diante disso, a esses indivíduos restava

consequentemente a adequação a esse tipo de ensino e a profunda gratidão por essa benesse

concedida.

Nessa perspectiva de inclusão dos indigentes, Cunha expõe que as instituições criadas,

mantidas e administradas pelo Estado voltavam-se, predominantemente, para a formação

compulsória da força de trabalho manufatureira a partir dos miseráveis. Por sua vez, as

instituições particulares eram destinadas, principalmente, ao aperfeiçoamento dos

trabalhadores livres, ou seja, aqueles que tinham disposição favorável para receber o ensino

oferecido.

É certo que a chegada da família real contribuiu para a expansão das atividades

artesanais e manuais, já que esse processo é deflagrado devido à urbanização do país para

receber a corte. Nesse momento, aumentaram as atividades do setor de serviços, com a

estruturação dos transportes, das atividades administrativas e da defesa da nação. Essa

sociedade que se estruturava, além dessas ações, necessitava de um comércio organizado para

dar suporte aos novos habitantes das cidades. Por outro lado, novas funções surgiam devido à

industrialização que ora despontava, pela estruturação das manufaturas e a migração da

economia agrária para a de exportação.

2.1.2 – Primeira República: para cada classe social uma escola diferente

No período da primeira república, que corresponde aos anos de 1889 a 1930, a

estrutura de ensino dual permanece. Há uma ampliação somente do número de escolas, mas

sempre havendo uma diferenciação “entre a educação da classe dominante (escolas

secundárias acadêmicas e escolas superiores) e a educação do povo (escola primária e escola

profissional). Refletia essa situação uma dualidade que era o próprio retrato da organização

social brasileira” (ROMANELLI, 2002, p. 41).

No entanto, a institucionalização da Educação Profissional ocorre oficialmente

somente em 1909, com a criação de 19 Escolas de Artes e Ofícios implantadas em cada

54

capital brasileira (que mais tarde se transformariam em Escolas Técnicas, posteriormente nos

Cefets e atualmente nos Institutos Federais de Ensino), pelo então presidente Nilo Peçanha.

Antes desse período, no Império, as ações em torno do Ensino Profissional eram da

alçada das mais variadas instituições, com o apoio esporádico do governo. Assumia, como já

exposto, ora o caráter compulsório recrutando coercitivamente os desvalidos, ora tinha o

fundo assistencialista, sendo ministrado por instituições confessionais (MANFREDI, 2002).

Mesmo de naturezas diversas, estes organismos, fossem estatais ou confessionais,

comungavam da ideia de uma educação técnica para disciplinamento moral, com foco a tornar

mais digna pobreza e não combatê-la. Para Kuenzer os objetivos estavam além de tornar mais

digna a pobreza, mas “obedeciam a finalidade moral de repressão: educar, pelo trabalho, os

órfãos, pobres e desvalidos da sorte, retirando-os da rua” (KUENZER, 2009, p. 27).

Evidencia-se com isso que não se visava à ascensão social nem a democratização do ensino

ou, mesmo a garantia de uma profissão. Desse modo, explicita-se que a orientação político-

educacional capitalista visava a Preparação de um maior contingente de mão de obra para as novas funções abertas pelo mercado. No entanto, fica também explicitado que tal orientação não visa contribuir diretamente para a superação da dicotomia entre trabalho intelectual e manual, uma vez que se destina “às classes menos favorecidas”. Isto equivale ao simples reconhecimento de que o estágio que pretendem alcançar exige uma mão de obra qualificada de origem social predeterminada (desfavorecida), qualificação esta que, no entanto, não representará a conquista de uma posição social basicamente distinta e sim uma melhora dentro do próprio grupo (RIBEIRO, 2002, p. 129).

Objetivava-se, pois conformar os pobres à sua classe social de origem mediante a

mascarada aparência de uma melhoria social, ao passo que, principalmente, se destinava a

suprir as demandas do mercado que se efetivava.

2.1.3 – A Era Vargas e as Leis Orgânicas do Ensino

A década de 30 é marcada pela intensificação do processo de industrialização e

urbanização deflagrado a partir da iniciativa da burguesia diante da crise cafeeira e a transição

do modelo econômico agrário-comercial para a industrialização. O número de

estabelecimentos industriais entre 1907 a 1920 quadruplica e o capital arrecadado

praticamente triplica. Assim surgem novas forças sociais – a burguesia industrial e o

operariado – que entram em choque com os interesses da velha aristocracia instituída

(RIBEIRO, 2002, p. 95-96).

55

Ribeiro aponta que tais acontecimentos geram o enfraquecimento das oligarquias

rurais cafeeiras e a consolidação da burguesia enquanto classe social, a qual para fazer

prevalecer seus ideais engendra a revolução e elabora o Manifesto dos Pioneiros da Educação.

Não podemos deixar de frisar que este documento foi um divisor de águas para a luta de uma

educação pública e de qualidade para o povo, contudo, Não foi o movimento de 1930 que começou as reformas liberais, mas foi esse movimento que permitiu sua extensão por todo o país. Indica-nos, todavia, que não se tratava de uma revolução educacional, mas uma reforma ampla, pois no que concerne ao grosso da população a situação pouco se alterou (CANDIDO, 1984, p. 28 apud FRIGOTTO; CIAVATA; RAMOS, 2005, p. 12).

Seria ingênuo deixar de perceber que a expansão da rede escolar cumpria a finalidade

de preparação da mão de obra especializada, já que a demanda do mercado agora o exigia.

A educação, nesse momento é marcada pela Reforma Francisco Campos, que

disciplinou o Ensino Superior, Médio, Secundário e Profissional através da expedição de uma

série de decretos. No que tangia ao Ensino Profissional, através do decreto 20.158/31, o

Ensino Comercial se transformou em um ramo especial do Ensino Médio, mas sem qualquer

interlocução com o Ensino Secundário e com o Ensino Superior (OLIVEIRA, M., 2003, p.

31), o que revela a completa desconexão entre os diferentes níveis de ensino.

Para dar prosseguimento às mudanças iniciadas pela Reforma Francisco Campos, é

instituída a Reforma Capanema em 1942, sendo pela primeira vez criada uma legislação que

se detém sobre a organização do Ensino Técnico-Profissional (ibid., p. 32). Houve, a partir

daí, toda uma reorganização curricular da Escola Básica, inicialmente, institui-se a educação

primária que seria a base de todos os cursos. Depois dessa etapa, a seguir vinha o Ensino

Médio, que era ministrado em duas modalidades de cursos: Ensino Técnico e Ensino

Secundário.

O Ensino Médio naquele período, diferente de hoje, passa a ter dois ciclos. Nos cursos

Técnico-profissionais o 1º ciclo era preparatório do 2º ciclo, o qual correspondia à parte

técnica. Por exemplo, eram quatro cursos profissionais: curso Técnico Normal, Industrial,

Comercial e Agrícola; desse modo havia um curso de 1º ciclo para cada um deles, sendo que

este tinha a função propedêutica para o 2º ciclo, o que impossibilitava a migração de um curso

para outro. Já o Secundário, era de formação geral e de preparação para a universidade, este

daria a quem o cursasse a possibilidade de ingressar em qualquer curso universitário

escolhido, diferente dos cursos técnicos que só permitiam a entrada na universidade em cursos

da mesma área (MANFREDI, 2002, p. 99-100).

56

Vemos aí que há uma restrição dos cursos técnicos para a entrada no Ensino Superior,

além de que, simultaneamente a eles há uma rede paralela de formação científica no Ensino

Secundário. Na realidade, a reorganização da Escola Básica foi fruto das pressões da

burguesia industrial em expansão que exigia do Estado a responsabilização pela formação da

classe trabalhadora que iria ser absorvida pelo setor industrial. O Estado, procurando ir ao encontro dos interesses e das necessidades das empresas privadas, se propõe a assumir o treinamento da força de trabalho de que elas necessitavam. Essa medida política é tomada no interesse do desenvolvimento das forças produtivas (veja-se o pronunciamento do então Ministro Capanema de querer “criar um exército de trabalho para o bem da nação”), mas beneficiando diretamente setores privados da indústria (FREITAG, 1980, p. 52-53).

Por um lado, foi atendida as reivindicações das empresas privadas, mas o governo

Vargas criou uma estratégia para dividir a responsabilidade de formar a massa trabalhadora.

Além da dualidade do ensino público foi criada uma rede privada, paralela a este sob a

supervisão do Ministro Capanema, sendo marcada

(...) Pela criação do Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Posteriormente foram implantados o Serviço Nacional da Agricultura (Senar) e Serviço Nacional de Transporte (Senat), que completaram o denominado Sistema S (OLIVEIRA, M., 2003, p. 33).

Desse modo, a rede pública e a privada cumpriam finalidades diferenciadas na

preparação dos trabalhadores, embora servissem igualmente à corroboração da estrutura dual. (...) As escolas Industriais (destinadas aos alunos que, geralmente, não trabalhavam e estavam vinculados aos ramos técnico-profissionalizantes) e as Escolas de Aprendizes (ligadas aos recém-criados Senai e Senac), nas quais os alunos eram trabalhadores. Nas primeiras os alunos recebiam uma formação mais completa, para um ofício que demandava maior capacitação e, por isso mesmo, maior disponibilidade de tempo. Já nas segundas, os alunos-trabalhadores recebiam um treinamento mais pontual, para exercerem melhor seus ofícios (ibid., p. 33).

Já, o Ensino Secundário era destinado aos filhos das elites, que cursavam escolas de

melhor qualidade, por outro lado o Ensino Técnico-profissional existia com o objetivo de

instrumentalizar os filhos dos operários em um ensino técnico e mecânico a fim de virem a

ocupar os postos de trabalho das indústrias e empresas. Além dessa perspectiva excludente,

outro aspecto complicador caracteriza o Ensino Profissional desta época, pois havia um

agravante na sua oferta, uma vez que o governo não somente se contentou em destinar o

57

Ensino Técnico à população mais pobre, mas criou uma segunda categoria dentro dessa

modalidade de ensino ao instituir uma rede privada de ensino.

É importante salientar, que a criação desta rede privada não foi como comumente

costuma se pensar, iniciativa dos empresários, mas estes foram obrigados coercitivamente por

Vargas a assumirem parte do ônus da capacitação dos trabalhadores. Essa ação impositiva do

governo é notória, já que os empresários, na maior parte do grupo “resistia à instituição de

uma aprendizagem sistemática, vinculando trabalho e escola. Além, disso os empresários

também se opunham à remuneração dos trabalhadores-aprendizes” (ibid., p. 33). Há dessa

maneira, um duplo descomprometimento do Estado, primeiro ao não garantir uma escola

unitária e, ainda, ao se eximir de certo modo da formação do trabalhador transferindo-a para a

iniciativa privada.

2.1.4 – LDB 4.024/61: a convergência dos embates entre os publicistas e os

privatistas num projeto dual – a expansão do Sistema S e a efetivação dos

interesses privados

Após os vários embates travados entre os privatistas e os publicistas da educação e,

depois de tramitar 13 anos entre a Câmara e o Senado, em 20 de dezembro de 1961, é, enfim,

sancionada a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 4.024/61. “Ela é o

compromisso entre as duas tendências expressas pelos dois projetos-de-lei (Mariani e

Lacerda). Assim ela estabelece que tanto o setor público quanto o particular tem o direito de

ministrar o ensino no Brasil em todos os níveis” (FREITAG, 1980, p. 58).

Como a Lei se baseava numa proposta populista do “agradar a todos” para continuar

governando, mesmo com a sua promulgação, “em fins de 1961, a dualidade estrutural ainda

persistiria, embora se tivesse garantido maior flexibilidade na passagem entre o ensino

profissionalizante e o secundário” (MANFREDI, 2002, p. 113).

Assim, do Projeto de Clemente Mariani se extrai a equiparação dos Cursos Técnicos

ao Secundário, o que permite o ingresso, após sua conclusão, no Ensino Superior. Pelo lado,

dos privatistas facultou-se a implantação de cursos pré-técnicos, que teriam a duração de um

ano, diferente dos cursos secundários que tinham duração de três anos. No caso, as mesmas

disciplinas ministradas pelos cursos Secundários deveriam ser ministradas naqueles cursos em

caráter geral. Instituiu-se, ainda, a realização do estágio a fim de garantir uma maior qualidade

no exercício da profissão (OLIVEIRA, M., 2003, p. 34-35).

58

Mesmo, havendo uma conquista em relação à flexibilização entre a passagem do nível

Secundário para o Ensino Superior foram criados mecanismos para barrar essa entrada com a

cobrança de taxas às famílias e do incentivo à expansão da rede privada. As principais agências de Educação Profissional, as entidades do Sistema S – especialmente o Senai – construídas segundo a ótica e as necessidades dos setores empresariais, não só foram mantidas como um sistema paralelo, mas também tiveram períodos de expansão, notadamente quando da ascensão dos militares no poder, a partir de 1964. (...) A perspectiva tecnicista dos projetos de desenvolvimento desse período fortaleceu o Sistema S e as iniciativas das empresas privadas estatais, por intermédio do PIPMO e da Lei 6.297/57, que concedeu incentivos fiscais para que as próprias empresas desenvolvessem seus projetos de formação profissional (MANFREDI, 2002, p. 113).

O final dos anos 60 corresponde ao período do milagre econômico e da expansão das

indústrias de siderurgia e de bens de consumo, houve uma forte preocupação dos empresários

com a formação da classe trabalhadora. “O que acarretou uma grande demanda para a

educação, em todos os níveis, sobretudo, no âmbito do Ensino Profissional, tanto no grau

técnico, quanto no superior” (OLIVEIRA, M., 2003, p. 35). É interessante pontuar que o

objetivo da expansão não se devia à democratização do ensino, ou mesmo à inclusão social,

mas ao contrário, visava atender às demandas do mercado, até mesmo porque boa parte das

iniciativas estava circunscrita à esfera privada.

Diante do milagre econômico e da flexibilização dos cursos, houve uma acirrada

corrida dos alunos dos Cursos Técnicos para ingressar no Ensino Superior, estes viam a

possibilidade de atingir uma melhor preparação que lhe possibilitasse sair dos empregos

precários das indústrias. Dessa maneira, as vagas se tornaram escassas já que os alunos das

classes médias já as disputavam, então as elites criam um estratagema para barrar essa

acirrada competição, como veremos adiante.

Dessa maneira, a consolidação do Sistema S em sua gênese (anos 30) foi o modo como

os privatistas encontraram de continuar direcionando os conteúdos educacionais para a classe

trabalhadora já que tinham liberdade de ministrar o ensino sem a interferência estatal. São

diferentes as entidades que compõem o Sistema S (O Serviço Nacional da Aprendizagem

Industrial – Senai e o Serviço Social da Indústria – Sesi ligadas ao setor industrial; e o Serviço

Nacional da Aprendizagem Comercial – Senac e o Serviço Social do Comércio – Sesc,

ligadas ao comércio; além do Serviço Nacional de Aprendizagem Agrícola – Senar, na área

agrícola; e, na área de transportes há o Serviço Nacional de Aprendizagem de Transportes –

59

Senat e o Serviço Social em Transportes – Sest) as quais possuem suas especificidades, mas

igualmente “são de natureza privada, mantidas com recursos públicos (portanto, sujeitas ao

Tribunal de Contas da União), mas geridas por entidades sindicais empresariais”

(MANFREDI, 2002, p. 190).

Manfredi (2002, p. 182) sinaliza que o foco inicial do Sistema S atendia

primordialmente os interesses privatistas como foi o caso do Senai e Sesi que na década de 30

e 40 criaram projetos educacionais a fim de disciplinar o trabalhador brasileiro e garantir a

paz social. Isso com base nas premissas de colaboração entre capital e trabalho e mediante a

crença de que o desenvolvimento industrial conveniente aos empresários se estendia aos

trabalhadores e a todos os brasileiros, independente de sua classe social.

Contudo atualmente, alguns fatores têm contribuído para se considerar com mais

cautela os objetivos pretendidos por esses organismos. Quais seja o fato das instituições

estarem espalhadas em todo o território nacional, sofrendo as influências regionais; além do

quadro funcional com grande número de trabalhadores das diversas áreas técnicas, sociais,

artísticas, educacionais e de saúde, que além de terem formação bem diversificada vêem as

instituições como prestadoras de serviços públicos. Esses segmentos de trabalhadores

compreendem como requisito da luta sindical a lealdade ideológica para a valorização da

democratização dos bens sociais e culturais e da cidadania.

Diante disso a autora expõe que há diferentes concepções político-ideológicas, de um

lado aquelas defendidas pelas posições das direções e de alguns documentos que expressam

os princípios estratégicos e, de outro lado, as posições assumidas em documentos de natureza

mais técnico-operacional, que são fruto de elaboração dos profissionais acima citados. Essa

miscelânea de concepções se dá prioritariamente no que diz respeito à educação em geral e

principalmente no campo da Educação Profissional. As contradições no plano do discurso

revelam a heterogeneidade que é própria das práticas educativas dos diferentes espaços

integrantes de redes tão extensas, tanto do ponto de vista territorial, como da variedade de

composição profissional.

Assim, é necessário cautela ao afirmar que as instituições do Sistema S se prestam aos

objetivos tão somente dos empresários, mas sendo constituinte do sistema educacional revela

as contradições inerentes ao sistema educativo brasileiro.

2.1.5 – A reforma de 1º e 2º graus, a primeira iniciativa de uma escola unitária

Já com o período ditatorial estabelecido é instituída a Reforma do Ensino de 1º e 2º

graus, através da promulgação da Lei 5.692/71, a qual é responsável por atrelar o Ensino

60

Secundário à profissionalização. A finalidade seria possibilitar aos estudantes a conclusão dos

seus estudos e ingressar logo no mercado de trabalho, já que iriam adquirir as habilidades

técnicas sob o respaldo da legislação. Por outro lado, “deixariam assim de exercer pressão

sobre as universidades, preservando as vagas aí disponíveis para uma minoria (que

casualmente coincidiria com a classe alta e média alta). (...) Assegurada a contenção, estaria

assegurada a reprodução das relações de classe” (FREITAG, 1980, p. 95).

Além de visar à contenção para a universidade a lei tinha o fim de despolitizar o

Ensino Secundário por meio de um currículo tecnicista, tendo como foco a preparação de uma

força de trabalho, qualificada dentro de determinados pré-requisitos, para atender às

demandas do mercado cuja expansão era decorrente do milagre econômico (KUENZER,

2007, p. 17).

Por isso mesmo, a autora sinaliza que a lei propõe uma rede de formação profissional

com certa generalização na preparação técnica, embora simultaneamente apresente uma

natureza fragmentada, com cursos especializados bem definidos para atender demandas

específicas do processo produtivo. São estabelecidos pelo Parecer nº 45/72 52 (cinquenta e

duas) habilitações plenas (nível técnico) e 78 (setenta e oito) habilitações parciais (nível

auxiliar), totalizando 130 (cento e trinta) possíveis cursos, com foco prioritário para o setor

secundário, o que revela a essência da proposta pedagógica atrelada ao modelo de

desenvolvimento pretendido.

A lei de 1º e 2º graus – com seu viés coercitivo de profissionalização – abriga uma

série de contradições, admitindo a dualidade estrutural uma vez que esta é característica da

organização social num plano maior, diante do que propõe superar essa realidade com a

implantação de um sistema escolar de via única para todos (KUENZER, 2007, p 21). A

efetivação dessa propositura seria/é pouco provável de ocorrer, pois não é possível atribuir à

escola a responsabilidade única pela superação da desigualdade e da exclusão presentes na

sociedade, já que a origem dessa problemática está atrelada ao contexto econômico e social

baseado no capital.

Apesar das limitações da Lei 5.692/71, essa foi a primeira ação oficial de implantação

de uma escola única, que integrava o Ensino Propedêutico e o Profissional, contudo esta lei

não se sustenta diante da realidade social multifacetada e com tantas desigualdades.

Assim é possível compreender que a mesma burguesia que lutou para instituir a

reforma, agora se debruçava pela sua extinção, ou seja, instituía-se a luta para a não

continuidade das políticas. Isto porque havia interesses de outras naturezas, pois o foco estava

61

voltado para a estratégia legal de dar continuidade ao ensino propedêutico ainda que para

atender alguns grupos minoritários. Assim a resolução nº 2 do Conselho Federal de Educação facultou ao aluno perfazer apenas um terço da parte de formação especial (leia-se profissional), prevista na lei 5.692/71. Soma-se, ainda, que o Conselho Federal de Educação, ao elaborar a referida lei, deixou, também, uma boa margem para os mecanismos de ajustamento à função propedêutica, que, dessa forma, continuou sendo usada, principalmente pelas escolas particulares que atendiam às elites (OLIVEIRA, M., 2003, p. 38).

Dessa maneira, devido às pressões da burguesia em expansão, somando-se a isso a

evidente falta de planejamento, parcos recursos e falta de professores habilitados deflagra-se o

fracasso da proposta de profissionalização, então, a Lei 5.692/71 é revogada com a Lei 7.044/

82 que desatrela o Ensino Técnico do Ensino Profissional. Pode-se dizer que a Lei da

Reforma do Ensino de 1º e 2º graus sucumbe, mais por falta de estruturação das políticas

públicas e da devida garantia das condições materiais para sua operacionalização, do que fato,

pela falta de convicção sobre sua eficácia. Até mesmo porque a eficiência poderia ser

analisada sob diferentes ângulos a depender da classe social de origem do analista.

Em se tratando das elites, o estratagema formulado conseguiu surtir o efeito desejado,

pois o objetivo era formar as classes subalternas para o desenvolvimento de uma função

técnica, além de controlar a corrida para os cursos superiores. Mas, aí é que a proposta da

integração se enviesou, necessitava de altos insumos e de uma efetiva reestruturação das redes

de ensino, coisa que era impraticável na visão das elites, já que para tal ação demandaria

investimentos muitos altos numa escola que iria formar apenas filhos de operários.

“Podemos, então inferir que a qualidade na educação numa sociedade dual como a nossa não

será (é) um direito, e sim um privilégio de grupos minoritários” (OLIVEIRA, R., 2003, p. 23).

Quatro anos depois, em 1975, o Brasil firma parceria com o Banco Mundial e lança o

Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico (Protec), cujo objetivo, embora não

alcançado, era criar duzentas escolas industriais e agropecuárias. Oliveira, em trecho de

entrevista com um coordenador de curso revela que

(...) Foi mais uma balela! Tanto dinheiro do contribuinte que foi “ralo abaixo”! Sabe-se que a grande maioria dessas escolas não criada, mas o “empréstimo” foi feito e os juros foram pagos, logicamente, o capital também. O referido “mega projeto” de criação de 200 escolas foi só marketing, propaganda enganosa. Sabe-se, também, que mesmo as escolas que foram implantadas não deram certo, pois foram instaladas, por força política, em locais inadequados, fora dos pólos de desenvolvimento. O MEC não fez pesquisa para escolher os locais, o que valeu

62

mesmo, foi o “critério político”, aliás, como sempre (OLIVEIRA, M., 2003, p. 40)1.

Mais uma vez, prevalecem os interesses do capital na educação, denotando um

contrassenso, pois se prega a liberdade econômica do país, mas sempre que necessário o

Estado é usado para fins particulares.

2.1.6 – Os números do Ensino Profissional e a filosofia subjacente ao crescimento

da rede de ensino – décadas de 30 a 70

É nítido que os interesses por detrás da expansão do Ensino Profissional eram

eminentemente de cunho mercadológico, como até hoje ocorre. Dessa forma, as finalidades

não objetivavam democratizar o ensino, mas suprir o mercado em constante expansão. É

perceptível a demanda das indústrias por trabalhadores nos anos 90, levando o Estado a

investir nesta modalidade de ensino, como mostra a tabela abaixo.

TABELA I

Evolução do crescimento da população total, da população ativa e da população empregada na indústria entre 1940 e 1970

POPULAÇÃO

Anos Total População

Ativa

% da

população

ativa

População empregada

na indústria

% em relação

população ativa

% da

população

total

% da

população

ativa

%

população

da indústria

1940

1950

1960

1970

41.236.315

51.944.397

70.119.071

93.204.379

14.758.598

17.117.362

32.624.263

29.545.293

35,79

32,95

32,26

31,69

1.518.888

2.468.866

2.963.160

5.263.805

10,29

14,42

13,09

17,81

100

125

170

226

100

115

153

200

100

162

195

346

Fonte dos dados brutos: Estatísticas da Educação Nacional, 1960/1971, MEC. In: ROMANELLI, 1998, p. 111.

É o governo de Getúlio que dá o pontapé inicial, afinal ele precisava corresponder aos

anseios das oligarquias rurais falidas das quais ele comprou o excedente de café com a crise

de 30 e que agora migrava para o setor industriário. A tendência de crescimento desse setor da

economia, se dá em parte, devido aos incrementos advindos da forte política de intervenção

estatal dos governos militares, gerando o famoso “milagre brasileiro”. Isso à custa do aumento

1 Entrevista com um coordenador de curso que não foi identificado.

63

da dívida externa devido às parcerias com instituições internacionais como o Banco Mundial,

acarretando, assim, no aumento da desigualdade social. Assim entre 1940 e 1970 percebemos

que os percentuais da população na indústria ultrapassam tanto o crescimento da população

total quanto da população economicamente ativa (ver tabela I).

Para se ter ideia, enquanto o Ensino Secundário cresceu 272% o Ensino Industrial

aumentou 435%, contudo esse índice não representava uma valorização da educação do

indivíduo, pois o Ensino Industrial destinava-se à massa populacional desfavorecida

economicamente. Ribeiro (2002, p. 143) explicita que “(...) a desvalorização da “via” do

ensino profissionalizante em relação à “via” do ensino secundário, parece não ter caminhado

tanto em termos de uma solução”.

Nesse período, a formação na educação geral era oferecida, mas num segundo plano,

pois a ênfase estava no conhecimento técnico-profissional. Isso porque o modelo de produção

se baseava no taylorismo-fordismo, onde a aprendizagem estava circunscrita ao campo de

uma técnica ministrada em cursos aligeirados ou no próprio trabalho, para o que a formação

nas primeiras letras era suficiente. Isso porque, as agências formadoras acreditavam que “o

desenvolvimento das competências intelectuais superiores e o domínio do conhecimento

científico-tecnológico não se apresentavam como necessidade para os trabalhadores”

(KUENZER, 2009, p. 30) uma vez que o processo de industrialização estava na primeira fase.

Pela negação de uma “sólida” educação de formação geral, os trabalhadores não

desenvolveriam a noção da produção em sua completude, além de que, essa lógica era

reforçada pelo desenvolvimento fragmentado do trabalho, sendo uma característica da linha

de montagem. Vemos se delinear entre os anos 50 e 70, principalmente, a implantação de uma

visão tecnicista na organização do ensino “de acordo com os ditames do taylorismo-fordismo

através da chamada ‘pedagogia tecnicista’, que se procurou implantar no Brasil, através da lei

n. 5.692/71, quando se buscou transportar para as escolas os mecanismos de objetivação do

trabalho vigentes nas fábricas” (SAVIANI, 2005, p. 23).

Nesse contexto de expansão de empregos socialmente protegidos, ainda que diante da

exploração da mão de obra, era difícil para a maior parte do próprio proletariado – que se

encontrava imerso no processo – compreender o tamanho do fosso social em que se

encontrava diante dos efeitos nefastos do não acesso às bases consistentes de uma formação

geral. Para estes o conceito de competência profissional compreendia alguma escolaridade, treinamento para a ocupação e muita experiência, de cuja combinação resultava

64

destreza e rapidez, como resultado de repetição e memorização de tarefas bem-definidas, de reduzida complexidade, e estáveis (KUENZER, 2009, p. 31).

Assim percebe-se que os conhecimentos mecânicos e a formação profissional

aligeirada eram suficientes para o exercício de atividades de menor prestígio social, já que a

inserção no mercado de trabalho para a massa popular se dava, principalmente, através da

informalidade e em empregos sem a formalização do contrato de trabalho, ou quando da

existência deste contrato, com condições precárias de trabalho (falta de plano de saúde, não

pagamento de auxílio transporte, horas excessivas de trabalho, e outras situações) e com baixa

remuneração. É notório que não se vislumbrava outras possibilidades de formação ou

ascensão social para essa classe social, desse modo, diante dessa realidade excludente, aqueles

que alcançavam o “status” de ter um emprego, ainda que precário, acreditavam gozar de uma

aparente melhoria social.

Diante disso, revela-se, mais uma vez, que a legislação visava à previsão de um

disciplinamento requerido pelo mercado, mas sem atentar para as condições materiais da

consecução da proposta elaborada. Dessa maneira, é importante ter-se em mente que as

variações legislativas sobre o Ensino Profissional acompanhavam as tendências de

crescimento do mercado, porém nem sempre havia uma preparação social e estrutural para

consolidação dessas políticas, por isso se justifica a sua descontinuidade.

2.2 – AS REFORMAS EDUCACIONAIS NO FINAL DO SÉCULO XX e INÍCIO

DO SÉCULO XXI

2.2.1 – Contexto de implantação da nova Lei da Educação – LDB 9.394/96 e o

lugar da Educação Profissional

Com o fim da ditadura militar, ocorre o processo de abertura política despontando-se,

agora, uma conjuntura democrática que estava se consolidando. Para responder aos anseios da

população e corroborar o momento histórico se fazia necessário um instrumento normativo

compatível com o processo social que se estruturava. Desse modo, é elaborada a nossa última

Carta Magna no ano de 1988, que ficou conhecida como Constituição Cidadã, uma vez que

restituiu uma série de direitos sociais dos indivíduos, inclusive o direito à educação pública

com o adendo da qualidade, prevendo ainda que deveria ser formulada uma Lei que

disciplinasse sobre esse assunto.

65

Com a garantia legal, o passo seguinte seria a formulação da nova Lei de Diretrizes e

Bases da Educação, o que ocorreu sob uma tumultuada trajetória onde coube espaço para mais

de um projeto, sucessivas reformulações e disputas internas, pois muitos eram os interesses,

assim finalmente é promulgada a Lei 9.394/96. É o governo de Fernando Henrique Cardoso,

cuja política de Estado se baseava numa lógica neoliberal que irá ser o cenário da discussão e

aprovação da nova LDB. No processo da elaboração da LDB o projeto inicial foi formulado por Saviani onde Propunha várias modificações na educação nacional, tendo como ‘pano de fundo’ uma concepção de educação baseada na tradição crítico e dialética. No âmbito referente ao ensino médio, (...) a meta era avançar na direção do ensino politécnico, proposto por Marx e Engels e renovado por Gramsci e outros teóricos (OLIVEIRA, M., 2003, p. 41).

Este foi um projeto de cunho essencialmente democrático, forjado na discussão com a

sociedade civil, tendo sido elaborado no legislativo, diferente de outros projetos no Brasil que

eram instituídos pelo Poder Executivo. No entanto, este sofreu várias emendas e

reformulações se transformando no substitutivo Jorge Hage, que por fim veio a ser

engavetado definitivamente e substituído pelo projeto apresentado pelo senador Darcy Ribeiro

ao Senado, sem uma prévia discussão na Câmara dos Deputados. Este projeto é aprovado,

justamente, porque nele convergia a ideologia neoliberal sobre a qual estava assentado o

governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (SAVIANI, 1997, p. 199). A Lei

comungava com o ideal de uma intervenção estatal cada vez menor, política defendida por

FHC, sendo que a reforma do Estado iniciada em seu governo (...) Vem, no bojo das políticas neoliberais, cumprindo a meta de estabelecer o Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital; a um só tempo avançando em privatizações e terceirizações, reduzindo as políticas públicas e os direitos sociais. Como processo e, nos marcos da luta de classes, o projeto de reforma do Estado brasileiro não vem se dando de forma orgânica, como desejariam os donos do capital (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2006, p. 202).

Esse novo contexto socioeconômico de acumulação flexível do capital culminou no

processo de reestruturação produtiva como demonstra Harvey,

A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, de mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços, financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente

66

intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 1996, p. 140).

Nessa nova conjuntura de tecnologização e modernização, a educação passa a ser vista

não mais como bem público e de responsabilidade do Estado, mas assim como tudo ganha a

tutela de gestão do mercado será considerada como uma mercadoria. Para se coadunar com

essa visão ganham centralidade, como se discutiu anteriormente, a Teoria do Capital Humano

e de Competências que rompem com a lógica do conhecimento técnico presente no fordismo

e taylorismo. É necessário agora nesse novo contexto a instrumentalização nos processos

científicos e tecnológicos mais modernos baseados na microeletrônica e informática, diferente

do antigo modelo que se utilizava da mecânica e eletrônica.

Ao invés de ser utilizada para a democratização do saber e melhoria das condições

sociais, passa a ser moeda de troca do capital, que se apropria da cultura produzida

historicamente para subordiná-la aos seus interesses. Acabou-se, assim, por estabelecer uma

relação estreita e mais ou menos direta entre educação e trabalho, com base no pressuposto,

anteriormente referido, sob a justificativa das novas demandas requeridas pela sociedade para

este (FERRETTI, 2002, p. 3).

Manfredi (2002, p. 114) demonstra que até chegar à sua promulgação os artigos 38 a

40, que tratam da Educação Profissional, foram elaborados mediante uma acirrada discussão,

sendo que foram formulados projetos de diferentes esferas da sociedade. Pelo lado do

Governo foram criados dois anteprojetos distintos: o do Ministério da Educação, por meio da

Secretaria de Ensino Técnico – Sentec (posteriormente denominada Secretaria da Educação

Média e Tecnológica – Semtec e atual Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica –

Setec); e o do Ministério do Trabalho, por meio da Sefor – Secretaria de Formação e

Desenvolvimento Profissional. Na esfera da sociedade civil, várias entidades de profissionais

da educação, órgãos de pesquisa, entidades sindicais, não-governamentais e populares

utilizaram o Fórum em Defesa da Escola Pública como vetor de seu pensamento.

A autora expõe que o foco do projeto do Ministério do Trabalho estava eminentemente

voltado para políticas de formação dos trabalhadores, diante do que nega a importância da

Escola Básica e eleva a Educação Profissional. Isso porque acredita que a formação do

profissional deve estar pautada na ênfase de habilidades e de conhecimentos básicos,

específicos e de gestão, voltados para o desenvolvimento plural do indivíduo, os quais só

poderão ser adquiridos e validados por experiências de trabalho, o que possivelmente

viabilizará o reingresso no sistema educacional formal. Além disso, a Educação Profissional é

67

contemplada como uma política pública inserida num plano nacional de desenvolvimento

econômico e tecnológico, que se entrelaça com políticas de emprego, de trabalho e renda.

Já o projeto do MEC, através da Secretaria de Ensino Técnico (Sentec) – atual Setec –

propunha uma Educação Profissional dissociada do Ensino Médio, para o que deveria ser

criado um Sistema Nacional de Educação Tecnológica. Acabou por configurar um desenho de Ensino Médio que separa a formação acadêmica da Educação Profissional, aproximando-se muito mais dos interesses imediatos dos empresários e das recomendações dos órgãos internacionais do que das perspectivas democráticas inerentes aos projetos defendidos pelas entidades da sociedade civil (MANFREDI, 2002, p, 119).

O Órgão do Governo ao invés de defender os interesses da população, já que é uma

entidade representativa do povo, mais uma vez se colocou a serviço do capital e dos

empresários – ao defender a fragmentação entre Educação Básica e formação para o trabalho,

como se fossem conhecimentos de natureza diferentes – o que nos leva a questionar o seu

compromisso com uma educação pública de qualidade alicerçada na politecnia (conceito que

se discutirá no quarto capítulo).

Em se tratando da esfera da sociedade civil as propostas cumprem a objetivos

diferentes, pois existem as entidades democráticas que visam fazer emergir as necessidades da

população, e por outro lado nessa mesma sociedade civil temos o segmento dos empresários

que agem em prol da acumulação do capital. Desse modo, Manfredi (2002) demonstra que

por um lado temos o projeto dos educadores e das organizações populares e sindicais, que se

articularam através do Fórum de Defesa pela Escola Pública, sendo a principal proposta a

criação de uma escola básica unitária. Para tanto, se apontava a necessidade de construção de

um sistema nacional integrado, apto a promover a unificação entre trabalho, ciência,

tecnologia e cultura.

A perspectiva apontada na proposta é a de uma educação de base sólida, desenvolvida

na escola básica inicialmente, sendo que esta propiciaria ao jovem os meios para trabalhar

técnica e intelectualmente já que seria responsável por auxiliar na aquisição de capacidades

básicas. Isso garantiria a jovens e adultos a atuação no processo de construção social tanto

como cidadãos, assim como trabalhadores. Para que isso pudesse se concretizar, outro aspecto

defendido por esta proposta é a necessidade de construção de um projeto de expansão e

consolidação de uma escola pública de qualidade, sendo que a universalização do ensino

deveria ocorrer em diversos níveis escolares estendendo-se a obrigatoriedade até o Ensino

Médio.

68

Embora os focos de interesse das entidades democráticas que compõem essa proposta

tenham suas particularidades, há um ponto comum de convergência no discurso por elas

defendido, uma vez que lutam pela ampliação da escolaridade básica, com vistas à formação

profissional, ao passo que apontam a necessidade de haver uma articulação dessas esferas

com as políticas de emprego. Esse é um ponto bastante relevante porque de nada adiantaria

aumentar os cursos e formar os jovens e adultos se não há nos postos de trabalho e se não há

uma política de proteção do trabalhador.

Já que se tratando da proposta dos empresários brasileiros, o contexto de elaboração

desta proposta diz respeito a uma gama de desafios na administração dos processos produtivos

cada vez mais complexos, o que tem exigido a captação e gestão de uma mão de obra mais

qualificada. Com a crescente modernização, tecnologização e a globalização da economia os

processos produtivos têm sofrido mudanças consideráveis, acarretando na necessidade de uma

mão de obra cada vez mais especializada. Diante disso, há uma preocupação crescente dos

empresários em que haja uma ampliação da Escola Básica e de uma maior qualificação nas

bases técnicas dos trabalhadores, a fim de que estes estejam habilitados a ingressar nos postos

de trabalho.

Desse modo, esse segmento social defende a melhoria da escola básica, com vistas à

qualidade e gratuidade, ao passo que se propõe a reformulação e ampliação do Ensino

Profissional. Sendo que aponta a necessidade de gestão dos programas de educação

profissional através do Sistema S, além de garantir a sua participação nas decisões acerca das

políticas para a Educação Profissional através de sua representação em Conselhos

deliberativos.

Percebe-se que esta proposta em nada questiona a dualidade do sistema de ensino, mas

seu foco está na preparação profissional das camadas populares a fim de que venham a

ingressar no mercado de trabalho, assim, se aproxima da proposta do MEC que defende uma

educação tecnológica.

Assim após essa tormentosa discussão e os vários embates, onde cada segmento social

tentou fazer prevalecer seu ponto de vista e interesses, dá-se o nascimento de nossa LDB, Lei

9.394/96, a qual já nasce com várias brechas e incongruências, frustrando as expectativas a

tanto acalentadas. O que podemos perceber é que as discussões e o processo democrático não

tiveram de fato uma validade, já que o projeto aprovado não emanava da vontade popular,

mas se constituiu como instrumento coercitivo obedecendo a uma perspectiva linear. Como

vimos anteriormente, embora tenha sido formulado um projeto democrático, com a

69

participação popular, este é arquivado, para dar lugar ao projeto do MEC criado isoladamente

pelo senador Darcy Ribeiro.

Como um aspecto deficitário, apontamos que embora estabeleça vários princípios para

Educação Básica, a lei não cria mecanismos para sua consecução, como por exemplo, a

extensão da gratuidade ao Ensino Médio, para o que não cria um disciplinamento para

captação de recursos de modo consistente. Assim, todo o ganho para este nível de ensino é

esvaziado diante da não obrigatoriedade de sua oferta.

Com relação à proposta exposta para o Ensino Médio revela uma educação numa

visão unitária como explicitado nos seus artigos 35 e 36, onde este nível de ensino possui as

seguintes finalidades:

I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e para a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo que seja capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou a aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania (BRASIL, 1996, p. 13).

Da leitura, apreende-se que o objetivo é formar o indivíduo tanto nas bases da cultura

geral, que lhe possibilitará compreender a história da humanidade e as relações estabelecidas

socialmente para a organização da cultura e do trabalho; assim como será preparado para a

inserção no processo produtivo, ao dispor dos conhecimentos científicos e tecnológicos,

relacionando teoria com a prática. No entanto, como já foi explicitado, a sua não

obrigatoriedade é um fator que dificulta à implantação de uma política mais consistente, além

de que se tem no Brasil na atualidade uma situação de dificuldade de acesso ao Ensino Médio.

Somente 45% dos jovens brasileiros conseguem concluir o Ensino Médio, e destes 60% o

fazem em situação precária – em cursos noturnos ou supletivos (FRIGOTTO; CIAVATTA;

RAMOS, 2005, p. 01). Vê-se aí, que este ainda é um nível com grande seletividade, assim

Pretende-se evidenciar que as finalidades postas para o Ensino Médio pela LDB devem ser tomadas como ponto de chegada, posto que somente possíveis de concretização quando esse grau de ensino estiver plenamente democratizado,

70

oferecendo a todos educação tecnológica de qualidade, para o que são necessárias condições concretas que não estão dadas. (...) Em resumo, a efetiva democratização de um Ensino Médio que ao mesmo tempo prepare para a inserção no mundo do trabalho e para a cidadania, complementado nos níveis subseqüentes por formação profissional científico-tecnológica e sócio-histórica, tal como o proposto nas finalidades expressas na legislação, exige condições materiais que não estão dadas para o caso brasileiro (KUENZER, 2009, p. 40-42).

Nesse contexto, é preciso que sejam viabilizadas as condições concretas de acesso e

permanência dos jovens brasileiros na escola, já que a simples oferta de vaga não garante uma

vida escolar de sucesso. Se não forem geradas condições objetivas, o cumprimento da lei

ficará inviabilizado diante da realidade social desigual a que estão submetidos os jovens.

Diante disso, dispor de mecanismos legais sem as condições materiais trata-se de um

pensamento enviesado que objetiva a reprodução de classes. já que boa parte dos jovens não

possui as mesmas oportunidades de acesso e permanência à escola.

Não diferente deste pensamento, mais adiante nos artigos 39 a 41 é disciplinado sobre

a Educação Profissional onde se lê

Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho (BRASIL, 1996, p. 15-16).

Ao admitir a possibilidade de articulação entre o Ensino Médio com cursos de

preparação para o exercício de uma profissão, garantindo antes a formação geral, observa-se

uma aproximação da Lei à ideia defendida pelos teóricos da politecnia (conceito a ser melhor

aprofundando no capítulo quatro quando será tratado do Plano de Educação Profissional da

Bahia). Estes teóricos apontavam para a necessidade da formação geral ser trabalhada de

modo implícito no Ensino Fundamental e, já no Ensino Médio deveria ocorrer a correlação

direta e explícita entre educação e trabalho (RAMOS, 2006, p. 138).

Há ainda autores que acreditam que o termo articulação utilizado no artigo 40 não é

apropriado. Aponta-se que a LDB com essa redação, trata a Educação Profissional como item

à parte da Escola Básica desvinculando a Educação Profissional do Sistema de Educação

Nacional; assim seria mais seguro utilizar o termo “integração” do Ensino Profissional com o

71

Ensino Médio (OLIVEIRA, 2009, p. 2-3); sendo que ainda assim, mesmo essa articulação, foi

inviabilizada pelo Decreto 2.208/97.

Tal observação é pertinente, já que, ao disciplinar sobre o Ensino Médio apontando a

seu caráter de formação cidadã e nas bases científicas e tecnológicas, já se estaria dando

conta, em tese, de uma educação para inserção no processo produtivo. Aí é que, embora

discipline sobre uma educação de preparação para o trabalho com vistas à formação em bases

científicas e tecnológicas, o grande vácuo deixado pela lei é tratar o problema da educação a

nível pedagógico, desconsiderando o aspecto econômico e social.

Essa era a preocupação, como citado anteriormente, da proposta apresentada pelo

projeto dos educadores e das organizações populares e sindicais através do Fórum em Defesa

da Escola Pública, ou seja, a ampliação da Escola Básica até o Ensino Médio, com vistas à

formação intelectual e técnica dos jovens. Defendia-se que, aliado a esse projeto de expansão

e consolidação de uma Escola Básica pública e de qualidade, deveriam se criadas políticas de

emprego. Sendo a escola uma instituição social, apontava-se para o fato de que esta não

poderia dar conta, de apenas com a formação dos indivíduos, garantir a sua inserção no

mercado de trabalho, mas para estas organizações populares essa é uma problemática que só

poderia ser resolvida no plano social e com medidas de caráter político.

Como se demonstrou, a interpretação dos artigos da LDB acerca da Educação

Profissional dá margem para vários entendimentos, principalmente quanto à educação para o

trabalho e sobre seu acesso pelas classes sociais, ao passo que não há consenso sobre o

conceito de qualidade de ensino. Aí vemos que Se, de um lado, ela é vista pelos que dela dependem para contar com o usufruto de algum direito, de outro é usada, por aqueles que dela pouco precisam, para salvaguardar seus privilégios. A legislação educacional passa a ser então estratagema ideológico, prometendo exatamente aquilo que não pretende conceder (SEVERINO, 2008, p. 68).

Daí abriu-se margem para diferentes posicionamentos, e, a esperança de efetivas

mudanças se esmaeceu. “Mas aí que a utopia é destruída pelo seu enviesamento ideológico da

legislação como um todo” (ibid., p. 68). É interessante perceber, pois, que mesmo diante do

desejo, a muito latente, de vários setores da sociedade civil de formulação de um projeto

comprometido com uma mudança estrutural da educação, a própria edição da Lei 9.394/96

demonstrou um engodo, já que é promulgado um projeto imposto sem a prévia discussão.

Assim é que, a nova lei, desde seu início demonstra uma frágil aparência e uma insossa

vontade de cumprimento pelos nossos governantes, pois mesmo mantendo o belo discurso da

72

cidadania e igualdade de acesso à educação estabelecendo vários direitos, não garante o seu

cumprimento diante da realidade objetiva.

2.2.2 – O decreto 2.208/97: coibindo a integração

Não sendo suficientes estas questões em torno da elaboração da nova LDB, a lógica

dualista se corrobora mais uma vez, pois com menos de um ano da promulgação da LDB é

estabelecido o Decreto 2.208/97 que retira a possibilidade de integração dos cursos

Profissionais com o Ensino Médio. O Decreto 2.208/97 promoveu a Reforma da Educação Profissional e determinou a extinção da integração entre educação geral e profissional; a priorização das necessidades do mercado; o afastamento de Estado do custeio da educação; o fim da equivalência entre educação profissional e ensino médio. A portaria 646/97 determinou, nos CEFETs, a expansão crescente da matrícula no ensino profissional e a drástica redução do número de matrículas, no ensino médio (OLIVEIRA, 2009, p. 03).

Para justificar tal atitude o MEC usa a desculpa da elitização do Ensino Profissional,

que estaria sendo utilizado pela classe média para ingressar no Ensino Superior, já que, os

centros federais dispunham de uma educação de melhor qualidade, assim, desatrelar o Ensino

Médio do Profissional resolveria esse problema.

(...) O Decreto nº 2.208/ 97 e os outros instrumentos legais (como a Portaria nº 646/ 97) vêm não somente proibir a pretendida formação integrada, mas regulamentar formas fragmentadas e aligeiras de educação profissional em função das alegadas necessidades do mercado (FRIGOTTO, 2005, p. 25).

Desse modo, O Decreto 2.208/ 97, ao regulamentar a LDB em seus artigos 39 a 42 (Capítulo III do Título V), afirma como objetivos da Educação Profissional: a) formar técnicos de nível médio e tecnólogos de nível superior para os diferentes setores da economia; b) especializar e aperfeiçoar (o trabalhador em seus) conhecimentos tecnológicos; c) qualificar, requalificar e treinar jovens e adultos com qualquer nível de escolaridade, para a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho. Assim, “a Educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias da educação continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular; em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho” e abrangerá três níveis: básico, técnico e tecnológico (artigo 2º, Decreto 2.208/ 97). O nível básico destina-se à maioria dos trabalhadores, jovens e adultos, independentemente de escolaridade anterior. Trata-se de uma modalidade de formação profissional cujos cursos não estão sujeitos à regulamentação curricular e podem ser ministrados em múltiplos espaços sociais: empresas, sindicatos, escolas,

73

etc. aos que concluírem os cursos de Educação Profissional nível básico, será conferido, certificado de qualificação profissional (artigo 4º, Decreto 2.208/ 97). O nível técnico destina-se aos matriculados ou egressos do ensino médio. Terá a estrutura organizativa e curricular própria e independente do ensino médio [grifo nosso], podendo ser oferecido de forma concomitante ou seqüencial a ele.No entanto, só será concedido o diploma de técnico àqueles que concluírem o ensino médio (artigo 5º, Decreto 2.208/ 97). O nível tecnológico corresponde aos cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos de nível médio e/ou técnico. (...) O aluno poderá cursar o ensino técnico ao mesmo tempo em que cursa o colegial (concomitante) ou após a sua conclusão (sequencial). Os cursos técnicos poderão ser organizados por disciplinas ou com as disciplinas agrupadas em módulos. Cada módulo profissional cursado dará direito a um certificado de qualificação profissional. Os alunos que concluírem o ensino médio e os módulos que compõem uma habilitação, além do estágio supervisionado, quando exigido, receberão o diploma de técnico (MANFREDI, 2002, p. 129, 130, 133).

Percebe-se que a pauta da reforma caminha na contramão do viés democrático, ao

contrário se aproxima da ideologia mercadológica, a qual desconfigura todo o empenho em

estabelecer uma escola unitária, mas ao invés disso são criadas duas redes de ensino distintas

que funcionarão de modo independente. Na verdade o decreto expressa a necessidade do

governo em se ajustar à política internacional, já que eram seus organismos como o Banco

Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento os fomentadores das políticas

educacionais brasileiras. “Em síntese, o BID determina que a educação profissional seja

excluída do Sistema de Educação Regular, criando-se, assim, um sistema separado para

contemplar essa modalidade de ensino” (OLIVEIRA, R., 2003, p. 61). Diante disso, o

governo brasileiro precisava criar um instrumento normativo para se adequar às exigências do

capital internacional.

Assim é que nesse contexto de mercantilização da educação se deflagra o processo de

elaboração do decreto 2.208/97, sendo que o período que o antecedeu contou com propostas

diversas para a organização da Educação Profissional. As principais propostas

corresponderam ao Projeto de Lei 1.603/96 e o Projeto de Lei 236/96 os quais possuem visões

antagônicas, sendo que os pressupostos inerentes do primeiro é que foram absorvidos pela

política neoliberal do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Isso porque, para Martins (2000, p. 64) o governo estava comprometido com a agenda

dos organismos internacionais como o BIRD, os quais são fieis à ideologia neoliberal no

conteúdo e na forma. Assim seus gestores ao viabilizar os financiamentos para a educação e

saúde tinham objetivos meramente econômicos, já que se constitui como peculiaridade de sua

filosofia a despolitização das relações, submetendo-as ao mercado, sem nenhum compromisso

74

social com a eliminação da exclusão. É circunscrito a esse contexto de ideologia neoliberal

que nasce uma proposta condizente com essa visão, a qual se materializou no PL 1.603/96.

A aprovação do PL 1.603/96 ocorreu a despeito do parecer dos técnicos do governo

que viram com maus olhos a sua promulgação, sendo que no parecer técnico por eles

elaborado descartou-se a desculpa da elitização das escolas técnicas federais apresentada pelo

MEC e repudiou-se ainda a sugestão de substituir o ensino técnico pela educação geral,

seguida de uma educação profissional apressada.

Mesmo diante desse parecer o governo de FHC tinha que cumprir as exigências do

Banco Mundial, assim o MTE e o MEC, tiveram que entrar em acordo diante de suas

divergências de opinião acerca da Educação Profissional e aceitar o PL 1.603/96. Dentre as

“sugestões” (as quais tinham mais um caráter impositivo que optativo, já que o não

cumprimento incorreria na suspensão dos fomentos) a serem acatadas estava: a ampliação das

matrículas no segundo grau, tendo em vista seu papel estratégico de preparação para o

trabalho; e, a urgência em estabelecer fontes exclusivas de recursos para financiar este nível

de ensino, sob a alegação de elitização das escolas técnicas federais como vimos

anteriormente (ibid., p. 67).

Os assessores do MEC que se responsabilizaram por engendrar a elaboração do plano

e que integraram os quadros dos organismos internacionais foram Claúdio de Moura Castro e

João Batista Araújo e Oliveira, os quais têm exercido uma forte influência nas políticas

educacionais federal e estaduais (CUNHA, 2000a, p. 52). Assim é que mesmo com pequenas

diferenças as ideias formuladas por esses técnicos se aproximam das propostas do Banco

Mundial

Se as principais sugestões desse organismo financeiro internacional foram norteadas pelas preocupações em relação ao crescimento da demanda e à escassez de recursos, preocupações que buscam aliar a otimização dos recursos com a necessidade premente de adequar o ensino ao mercado, Castro e Oliveira também caminham nesse sentido. Apontam para o atendimento das necessidades do capital internacional manifestas pelo Banco Mundial, sugerindo a dissociação do ensino médio e profissional, o que viabilizaria a execução das demais medidas de orientação econômica, com vistas a mercantilizar a educação. Por isso, torna-se importante dissociar o ensino médio do profissional, já que se efetivado, poderá não só otimizar os recursos, mas também aproximar o ensino profissional do mercado propriamente dito, treinando os trabalhadores segundo as técnicas momentâneas do sistema produtivo em vigência (MARTINS, 2000, p. 68-69).

Nessa perspectiva o indivíduo será formado de modo mecânico, não sendo

possibilitada a ele uma visão abrangente, já que está sendo habilitado para o saber fazer sem a

possibilidade de articular o conhecimento prático com o teórico. É a educação financiada pelo

75

Estado sendo utilizada para atender aos interesses de grupos minoritários, ao passo que a

formação unitária da população é colocada em segundo plano. Contudo, esses ideais são

confrontados pelas esferas sociais da sociedade civil como sindicatos, escolas e representação

de estudantes.

Assim em contraponto ao PL 1.603/96 é criado o PL 236/96, que se constituiu como

principal forma de resistência à ideologia propalada pela pauta neoliberal. “Seu conteúdo

apresenta iniciativas que visam superar a dicotomia historicamente existente na educação

nacional entre saber e fazer, não admitindo a subserviência ao capital internacional, que exige

a dicotomia histórica característica da sociedade de classes” (ibid., p. 72).

Contudo, o governo de FHC caminha na contramão da democracia, fazendo prevalecer

de modo impositivo uma política para a Educação Profissional pela coercitivivade de um

decreto baixado pelo poder Executivo, desconsiderando a opinião das demais esferas da

sociedade civil. Dessa maneira, a proposta contida no PL 1.603/96 é absorvida pelo Decreto

2.208/97, sendo que a partir de sua base jurídica, uma vez que previa a extinção do ensino

integrado, a Educação Profissional passa a ser gestada por meio de projetos. Nessa

perspectiva, inicialmente o decreto 2.208/97 trabalha no sentido de expandir o Plano Nacional

de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR, que foi estruturado e implementado a partir de

1995, constituindo-se como uma estratégia das Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e

Renda, tendo como principal fonte de financiamento o Fundo de Amparo ao Trabalhador –

FAT.

Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2003, p.18) o Plano

surgiu com o propósito explícito de propiciar uma oferta de Educação Profissional suficiente

para qualificar, a cada ano, pelo menos, 20% da População Economicamente Ativa – PEA,

algo em torno de 15 milhões de pessoas com idade superior aos 16 anos com o objetivo de

inclusão no mundo do trabalho.

Entre 1995 e 2001, envolveu 15,3 milhões de trabalhadores nos Planos de

Qualificação Profissional ampliando o atendimento de 153 mil educandos, em 1995, para algo

próximo de 4 milhões, em 2001. Durante esse período, houve crescimento significativo do

volume de recursos disponibilizados pelo FAT que passou de R$ 28 milhões, em 1995, para

R$ 493 milhões, em 2001. Entretanto, simultaneamente, a carga horária média dos cursos

oferecidos passou de 150 horas para 60 horas médias, com tal redução ficou claro o indício da

perda da qualidade dos mesmos.

Além da redução da carga horária, em 2003, os recursos orçamentários para a

Qualificação Profissional decresceram para 302 milhões, que, entretanto, foram reduzidos

76

com o contingenciamento para apenas R$ 153 milhões (representando algo em torno de 30%

dos valores do ano anterior). Para 2003, o Orçamento da União definido ainda no Governo

anterior, destinou apenas R$ 186 milhões.

Diante dessa situação o próprio Ministério do Trabalho e Emprego – no Plano

Nacional de Qualificação – PNQ 2003-20072 – admitiu a necessidade de mudanças profundas,

após intenso desgaste institucional. Um conjunto de denúncias, veiculado amplamente pela

mídia levou o Tribunal de Contas da União – TCU e a Secretaria Federal de Controle da

Corregedoria-Geral da União – SFC/CGU a proporem mecanismos visando garantir maior

controle público e operacional.

Verificou-se uma flagrante baixa qualidade dos cursos, em geral, e uma baixa

efetividade social das ações do PLANFOR, o que reforçou tal desgaste e levaram o MTE, já

sob o novo Governo, a instituir o Plano Nacional de Qualificação – PNQ (projeto a ser

discutido mais detidamente no próximo tópico), extinguindo o PLANFOR, reorientando as

diretrizes da Política Pública de Qualificação.

Percebe-se que a preocupação principal se ateve à expansão dos cursos profissionais,

assim ocorre a redução da carga horária diante do que se demonstra a desconsideração com a

formação integral, isso porque o objetivo principal era com uma formação em nível

procedimental, sem atentar para a base científica. “A reforma, ao pautar-se pela desarticulação

entre a Educação Profissional e a Educação Básica implementou também uma reestruturação

no ensino ministrado nas escolas profissionalizantes de nível médio” (BRASIL, MEC/Semtec,

1996 apud OLIVEIRA, M., 2003, p. 25). Desse modo, a reforma resgata a dicotomia do nosso

sistema educativo por meio da dissociação entre ensino geral e profissional.

Como o universo pesquisado na presente dissertação se circunscreve à Bahia é

interessante saber como se desenvolveu o PLANFOR nesse Estado. Segundo Antoniazzi

(2005, p. 196-197) foram investidos aproximadamente 99 milhões de reais em seis anos de

implementação deste Plano no Estado, a fim de qualificar em torno de 920 mil trabalhadores,

sendo que a despeito dos fomentos empreendidos apresentaram-se resultados pífios. Isso

porque, aponta a autora, ao confrontar esses investimentos com as taxas de desemprego no

período analisado, cuja evolução foi: em 1996, 20,3%, em 1997, 21,7%, em 1998, 24,9%, em

1999, 27,7%, em 2000, 26,6% e em 2001 27,5%, estas foram consideradas as mais altas na

história da Região Metropolitana de Salvador e as mais altas do Brasil. Devido a isso e

2 Documento formulado pelo MTE disponível no site <http://www.mte.gov.br/pnq/conheca_introducao.pdf)>.

77

Levando-se em consideração os resultados da avaliação externa e os do próprio Ministério, bem como o quadro do mercado de trabalho na RMS, especialmente as taxas de desemprego, conclui-se que o PLANFOR/BA não foi uma política pública de emprego. Com limitações, pode ser considerada uma política de qualificação. Também não se pode afirmar que seja uma política de qualificação para o mercado de trabalho, como define o TEM, porque os cursos não foram planejados conforme as demandas do mercado de trabalho e às necessidades da população. Além disso, não desenvolveram as três habilidades integradas. Portanto, o PLANFOR/BA não pode ser considerado um programa de qualificação para o mercado (ANTONIAZZI, 2005, p. 197).

Como pode se ver a implantação do PLANFOR na Bahia não cumpre aos seus

objetivos primordiais. Primeiro porque não atende à sua meta de qualificação numa

perspectiva integrada já que como aponta Antoniazzi (ibid., p. 122) não desenvolveu suas três

habilidades que são as básicas, específicas e de gestão do trabalhador, pois é considerada uma

política complementar à Educação Básica. Segundo, porque não promoveu a devida inserção

dos trabalhadores no mercado de trabalho, fato demonstrado com a permanência das altas

taxas de desemprego.

Retomando o nível federal, outro programa que nasce no governo de FHC é o

PRONERA, que é formulado a partir das reivindicações dos trabalhadores rurais. Assim este

programa visa a qualificação dos trabalhadores assentados desde a alfabetização até à pós-

graduação, sendo que para isso visa à formação de professores e agentes educativos.

Pensando no alcance desses programas e sua eficácia, sendo o PLANFOR o principal

programa do governo federal, diante das análises empreendidas constatou-se que (...) Além do mau uso dos recursos públicos, caracterizou-se pela baixa qualidade e baixa efetividade social, resultante de precária articulação com as políticas de geração de emprego e renda, desarticulação das políticas de educação, reduzidos a mecanismos de controle social e de participação no planejamento e na gestão dos programas e ênfase em cursos de curta duração focados no desenvolvimento de habilidades específicas (KUENZER, 2006, p. 899).

Na realidade a pauta da Educação Profissional no governo FHC representa um

retrocesso na história da educação brasileira de mais de meio século, já que o Decreto n.

2.208/97 segundo Rodrigues (2005, p. 261) reproduzia, de certo modo, a Reforma Gustavo

Capanema, de 1942, também conhecida como Leis Orgânicas do Ensino, posto que

estabelecera de forma inequívoca a dualidade estrutural do ensino brasileiro. Além disso, o

foco das políticas para a Educação Profissional se voltou somente para a esfera do ensino

como se este fosse capaz de solucionar a problema da inserção no mundo do trabalho, ao

78

contrário seria necessário que a profissionalização ocorresse atrelada a políticas de emprego e

renda.

2.2.3 – O decreto 5.154/04: uma nova possibilidade para a integração

Como era promessa de campanha, e devido às cobranças da sociedade civil, já

governando há dois anos o Governo Luís Inácio Lula da Silva, revoga o Decreto 2.208/97 e

reintroduz a integração do Ensino Profissional com o Decreto 5.154/04. De fato esta foi uma

conquista considerável porque com essa ação restabeleceu-se a possibilidade de integração

curricular dos Ensinos Médio e Profissional. Contudo, até ocorrer a promulgação deste

Decreto, foi longo o caminho percorrido, onde vários foram os posicionamentos e os

interesses defendidos. Assim a política da Educação Profissional do Governo Lula

“representa, na verdade, a disputa entre os setores progressistas e conservadores da sociedade

brasileira pela hegemonia nesse campo” (FRIGOTTO, 2005, p. 01). Em meio a este

emaranhado, na metade do primeiro mandato do presidente Lula, anunciou-se pelo Ministério

da Educação que em relação à Educação Profissional o objetivo seria de Reconstruí-la como política pública e corrigir distorções de conceitos e de práticas decorrentes de medidas adotadas pelo governo anterior, que de maneira explicita dissociaram a educação profissional da educação básica, aligeiraram a formação técnica em módulos dissociados e estanques, dando um cunho de treinamento superficial à formação profissional e tecnológica de jovens e adultos trabalhadores (BRASIL, MEC, 2004, p. 02).

Mesmo diante dessa exposição de motivos e com a base eleitoral que lhe deu apoio

percebemos que a criação de um novo decreto não se constituiu numa tarefa simples para o

atual governo, tanto é que não “pode” cumprir a sua promessa de imediato, mas somente após

dois anos de governo. Isso porque em relação à política educacional Frigotto (2005, p. 23-24)

sinaliza que houve três posicionamentos distintos. Havia aqueles projetos encaminhados à

Câmara que se posicionaram em favor da revogação do Decreto 2.208/97 diante do que não se

via a necessidade de elaboração de outro documento normativo, uma vez que acreditava-se

que a LDB já versava sobre a Educação Profissional. Assim a simples regulamentação dos

artigos 36, 39 a 42 da LDB seria suficiente para restituir a integração entre Ensino Médio e

Profissional. Defendia-se a ideia de que a própria LDB já contemplava o tema da integração,

além de que se percebia que implementar mudanças por decreto corroborava a estratégia

impositiva do governo anterior. Uma segunda posição embasava-se na concepção de que o

Decreto 2.208/97 deveria permanecer, diante do que a estrutura do Ensino Profissional

79

deveria caminhar dissociada do Ensino Médio. Finalmente, uma terceira posição, que está

expressa na maior parte dos documentos, compartilha o pensamento da revogação do Decreto

2.208/97 e versa sobre a necessidade de promulgação de outro decreto.

Dos três posicionamentos os dois primeiros revelam posições antagônicas, baseando-

se em opiniões e interesses divergentes, os quais emanam de entidades de diferentes

naturezas. Esses posicionamentos conflitantes estiveram presentes em todo o processo de

elaboração da nova LDB e mais adiante o segundo posicionamento emerge com a

promulgação do Decreto 2.208/97 e outros instrumentos legais, que são implantados de modo

vertical e imperativo fazendo prevalecer os interesses daqueles que defendiam a manutenção

do decreto em questão. Percebe-se que um determinado grupo burla o processo democrático

de construção da nova LDB, pois não conseguindo fazer valer sua opinião durante o processo

de discussão e promulgação da lei, mais adiante busca a estratégia de fazer sobressair seu

ponto de vista de modo impositivo por meio de um decreto. Já o terceiro posicionamento se

aproxima do primeiro, no entanto amplia a visão no sentido de que defende não só a

revogação do Decreto 2.208/97, mas demonstra que é necessária uma atitude mais concreta.

Assim, considerando o contexto de discussão e o cenário político, entende que a simples

revogação não seria suficiente para a reestruturação da Educação Profissional, dessa maneira

apontou a urgência em se estabelecer um novo decreto. Contudo, é importante perceber que Mudar por um decreto, ainda que diverso na concepção, no conteúdo e no método, mantém, na forma, uma contradição. Por isto, no plano político da correlação de interesses, é preciso avançar. Disto se deriva a importância de se compreender o conteúdo do novo decreto como uma orientação muito mais indicativa do que imperativa (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2004b apud FRIGOTTO, 2005, p. 24).

Convivendo com esse processo de disputas de opiniões, visualizou-se, em 2004, a

promulgação o Decreto 5.154, sendo que este é, portanto, fruto muito mais de uma política

proforma, já que o Presidente Luís Inácio Lula da Silva não poderia deixar de cumprir a

promessa constituinte de sua plataforma eleitoral. Devido às cobranças da sua base aliada não

vê outra alternativa senão o cumprimento do que foi prometido. Contudo esse foi um processo

conturbado, já que entre as alianças estabelecidas com a base conservadora havia aqueles que

repudiavam a ideia da integração. É notório, então, que a promulgação do decreto é muito

mais uma tentativa de acalmar as cobranças do que fruto de uma política de governo

consistente.

Desse modo, diante das análises procedidas Frigotto (2005, p. 26) demonstra que ao

final de dois anos do governo Lula, este não se coloca ao lado de uma pauta de mudanças

80

estruturais. Mas diferente disso, expressa as opiniões de um bloco heterogêneo dentro do

campo de esquerda e com alianças cada vez mais conservadoras.

O documento é fruto de um conjunto de disputas e, por isso mesmo, é um documento híbrido, com contradições que, para expressar a luta dos setores progressistas envolvidos, precisa ser compreendido nas disputas internas na sociedade, nos estados, nas escolas. Sabemos que a lei não é a realidade, mas a expressão de uma correlação de forças no plano estrutural e conjuntural da sociedade. Ou interpretamos o decreto como um ganho político e também, como sinalização de mudanças pelos que não querem se identificar com o status quo, ou será apropriado pelo conservadorismo, pelos interesses definidos pelo mercado (ibid., p. 26-27).

Para Rodrigues, o Decreto 5.154/04, não viabilizou uma mudança estrutural porque de

fato não objetivava reorganizar a Educação Profissional, mas ao contrário passa a tudo

permitir já que necessita a todos agradar. Pode-se dizer que não houve a intenção de promover

mudanças efetivas quanto à desvinculação entre Educação Básica e Profissional, já há tanto

tempo existente. Percebe-se isso porque permitiu a coexistência de uma miscelânea de cursos:

os cursos integrados, os concomitantes e os subseqüentes. O decreto 5.154/04 reconhece a dualidade, permitindo não duas, mas uma multiplicidade de possibilidades de relação entre o ensino médio e a formação profissional. Em síntese, em 2004, a legislação da educação profissional brasileira deu um salto no tempo: deixamos o ano de 1942 e avançamos até 1982 (RODRIGUES, 2005, p. 261).

Com a instituição do Decreto 5.154/04 revogou-se a coercitividade de separação entre

a Educação Profissional e a Básica como ocorreu com a promulgação do Decreto 8.044/82,

que revogou a Lei de 1º e 2º graus. Todavia, por outro lado, a partir do novo Decreto, abriu-se

um vasto leque para a coexistência de uma variedade de propostas curriculares, inclusive das

aligeiras e fragmentadas. Na mesma linha de pensamento Kuenzer (2010)3 acredita que ainda

se permanece nos anos 40 quando a dualidade estrutural, agora sob uma nova configuração,

previa uma trajetória para os intelectuais e outra para os trabalhadores, vinculando-se isso à

classe social de origem. Isso revela que a dualidade do ensino mesmo com o passar dos anos

não tem sido questionada, mas esta continuou a ser aceita e desejada pelo modelo de educação

condizente com a economia de acumulação flexível. “O decreto em questão mostra-se

bastante adequado à característica mais importante do atual padrão de acumulação – a

3 Artigo publicado no Boletim Técnico do Senac (consultar referências) em versão online, não sendo possível portanto indicar a numeração da página. Situação que se aplica às demais citações dessa mesma autora nessa fonte.

81

flexibilidade – já que regulamenta toda sorte de cursos” (RODRIGUES, 2005, p. 266). Assim

é que, desde a promulgação do Decreto 5.154/04 não houve uma efetiva preocupação em

reestruturar o Ensino Médio, diante do que não se disponibilizou “a alocação de recursos para

o seu financiamento. Os três estados que se disponibilizaram a realizar uma experiência piloto

em 2004 tiveram como alternativa o financiamento próprio, como fez o Paraná” (KUENZER,

2006, p. 900).

O governo de Lula, face ao fracasso do Planfor, que foi o principal programa do

governo de FHC formulado pela base legal do Decreto 2.208/97, apresentou uma nova

proposta para a educação profissional. Tendo como base legal do Decreto 5.154/04, cria o

Plano de Qualificação Profissional (PNQ) para o período de 2003/2007. Os objetivos do PNQ

em linhas gerais foram a “inclusão social e redução das desigualdades sociais; crescimento

com geração de trabalho, emprego e renda, (...) promoção e expansão da cidadania e

fortalecimento da democracia (BRASIL, 2004b, p. 17).

Segundo Kuenzer (2006, p. 890-891) tomando como exemplo o caso do Estado do

Paraná – já que este é um dos Estados pioneiros na implantação de uma rede de ensino onde

se integrou Ensino Médio com Educação Profissional – a análise do PNQ demonstra um

avanço conceitual relevante em comparação ao Planfor, no que se trata das categorias

referentes às relações entre trabalho e educação, tomando como ponto de partida a ótica dos

trabalhadores. Contudo, a autora aponta que a realidade tem mostrado, de acordo com a

opinião de gestores públicos e membros do Conselho Estadual do trabalho entrevistados no

Paraná, a grande dificuldade de efetivação dessas políticas a partir de vários fatores, sendo um

dos principais a perda de interesse das agências formadoras, que não consideram atrativo o

investimento em cursos mais longos e que integrem conhecimentos básicos, já que não

dominam tal prática em sua experiência; somando-se a isso há o desinteresse do público-alvo

que busca alternativas que viabilizem inclusão em curto prazo, inviabilizando a formação de

turmas.

Diante dessa realidade, Kuenzer (ibid., p. 890) expõe que mesmo na ausência de dados

exaustivos, os casos analisados no artigo A educação profissional nos anos 2000: a dimensão

subordinada das políticas de inclusão4 demonstram a dificuldade de utilização dos recursos

disponíveis, já que mesmo reduzidos, não são investidos em sua totalidade. Além disso, a

autora aponta que a articulação com a Educação Básica através de convênios com as

4 A pesquisa realizada no artigo diz respeito à rede do estado do Paraná, que se estando na frente de muitos estados em relação ao ensino integrado, apresenta esses pontos de tensão, pode-se dizer que parte das problemáticas citadas certamente poderão se aplicar às outras realidades brasileiras.

82

Secretarias Estaduais de Educação também não tem sido viabilizada por entraves burocráticos

especialmente no tocante ao uso dos recursos financeiros. Entretanto, para não incorrer em

uma análise prematura, a autora expõe que devido ao curto período de implantação do PNQ

(desde 2004), ainda não se tem dados disponíveis para uma avaliação mais consistente.

Kuenzer (ibid., p. 891) explicita que como integrantes do PNQ tem-se a continuidade

do Pronera e do Proep, e em 2006, em fase de negociação com o Banco Mundial visando a

sua renovação, estavam em pauta o Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação,

Qualificação e Ação Comunitária (Projovem) e o Programa Nacional de Integração da

Educação Profissional à Educação Básica, na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

(Proeja), ambos criados no Governo Lula.

O Projovem foi criado pela Medida Provisória n. 238, de fevereiro de 2005,

objetivando elevar o grau de escolaridade por meio da conclusão do ensino fundamental

articulado à qualificação profissional e à ação comunitária, tendo em vista a inserção cidadã

(BRASIL, 2005, artigo 1º). Destina-se a jovens com idades entre 18 e 24 anos, que tenham

concluído até a 8ª série do ensino fundamental, e não tenham vínculo empregatício formal. Os

alunos perceberam uma bolsa mensal no valor de 100,00, estando condicionada ao tempo de

duração do curso por um período de no máximo12 meses (BRASÍLIA, 2008, p. 16).

A meta inicial do Projovem foi atender cerca de 200 mil jovens no período

compreendido entre 2005 a 2008, com abrangência em todas as capitais brasileiras e no

Distrito Federal. Em 2006 ampliou o atendimento aos municípios das regiões metropolitanas

que possuíam 200 mil habitantes ou mais. A formação, em até 12 meses, visa totalizar 1.600

horas, assim distribuídas: 800 horas de formação escolar básica em nível de 5ª a 8ª série, 350

horas de qualificação profissional, 50 horas de atividades de ação comunitária e mais 400

horas de atividades não-presenciais com tutoria.

Já o Proeja, objeto do Decreto n. 5.840, de julho de 2006, regulamenta a formação de

jovens e adultos trabalhadores em nível inicial e continuado e em nível de Educação

Profissional técnica de nível médio, integrada ou concomitante. Embora instituído no âmbito

federal, compreendido pela Rede Federal de Educação Profissional, poderá ser adotado pelas

instituições públicas dos sistemas de ensino estaduais e municipais e pelo “Sistema S”, desde

que se assegure a construção prévia de um projeto pedagógico integrado único (KUENZER,

2006, p. 893).

Existem outros programas que fazem parte do PNQ, contudo se abordou os programas

de maior extensão e que estariam diretamente relacionados à qualificação profissional com

vistas à integração com a Educação Básica.

83

Embora, se pregue uma mudança, na realidade os programas formulados pelo governo

Lula seguem na mesma linha do Governo FHC, sendo que o Planfor assume somente uma

nova roupagem através de outros programas (PNQ). Os cursos têm sua carga horária

aumentada de 60 para 200 horas, mas quanto ao repasse de recursos e a presença da iniciativa

privada na política de Educação Profissional permanece-se os mesmos termos. Descentraliza-

se as ações, mas o controle sob o produto permanece através de avaliações externas. Assim é

que no plano do discurso muito se prometeu, mas pouco se fez, permanecendo a mesma

lógica excludente baseada na ideologia neoliberal. Dessa maneira, Do ponto de vista do repasse de recursos públicos para a iniciativa privada, no Governo Lula não houve avanços no sentido da publicização, permanecendo, e de modo mais intenso, a mesma lógica: o repasse de parte das funções do Estado, e dos recursos para a sua execução, para o setor privado sob a alegação da eficácia e da ampliação da capacidade de atendimento, segundo a concepção do público não-estatal a ser operacionalizado pelas parcerias com instituições privadas. (...) Embora negada no plano do discurso, fortalece-se cada vez mais no Governo Lula: o crescente repasse de recursos públicos para o setor privado, por intermédio de parcerias justificadas pela “impossibilidade” do Estado em cumprir suas funções (ibid., p. 899; 901).

Pode-se afirmar que a instituição do novo Decreto ocorreu sem um projeto consistente,

o que acarretou numa reforma pontual sem mudanças significativas. “O decreto apenas

reconhece (ou naturaliza) os diferentes projetos político-pedagógicos, clivados pela dualidade

estrutural social, presentes na sociedade de classes em que vivemos” (RODRIGUES, 2005, p.

267). Houve uma expansão na quantidade de cursos e, por conseguinte, uma maior

acessibilidade, contudo esta foi uma inclusão no plano concedido, uma vez que não viabilizou

a superação da dicotomia entre ensino propedêutico e profissional. Desse modo, é evidente

todas as formas de inclusão são sempre subordinadas, concedidas, porque atendem às

demandas do processo de acumulação do capital. Oliveira, R., (2003) sinaliza que para o

processo de produção e reprodução do capital – que é constitutivo das sociedades capitalistas

– se desenvolva, é condição fundamental que ocorra o círculo entre exclusão e inclusão

subordinada. Sobre esse assunto, Kuenzer (2007-8) elabora o conceito de inclusão excludente

e exclusão includente, que se caracteriza pela inclusão das classes populares na cadeia

educativa através de uma educação fragmentada estando desvinculada de uma formação

científica e na cultura geral. O tipo de educação ofertada às classes populares cumpre o fim

capacitar para o exercício de funções precárias, dessa maneira as oportunidades educativas

dificilmente propiciarão a aquisição de conhecimentos que possibilitem a obtenção de postos

de trabalho com condições dignas e em posição de liderança. É possível entender que

84

qualquer oportunidade de emprego ou melhoria dentro da própria classe social já estava

previamente programada num plano social pré-determinado.

Pode-se apreender das análises até aqui realizadas que a reforma não ocasionou, uma

mudança considerável na oferta e reorganização dos cursos, seja pela superfluidade do

Decreto 5.154, que não apresentou mecanismos suficientes para consolidar uma mudança

eficaz, ou mesmo, porque este não nasceu acompanhado de políticas públicas educacionais

consistentes. Isso é resultado da falta de uma verdadeira vontade política de lutar pela

mudança, para o que se demonstra

O controvertido percurso entre as propostas de governo anunciadas ao povo brasileiro durante a campanha de 2002 e as ações e omissões no exercício do poder revelam alguns saldos de boas intenções e estratégias que se tornam obstáculos ao avanço da efetiva democratização da educação nesse período de governo (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 1104).

Por isso Kuenzer (2006, p. 878) denuncia que além de não promover transformações a

política educacional do governo de Luís Inácio Lula da Silva tornou mais precarizadas as

ofertas educativas.

O novo decreto, portanto, longe de reafirmar a primazia da oferta pública, viabilizando-a por meio de políticas públicas, representou uma acomodação conservadora que atendeu a todos os interesses em jogo: do governo, que cumpriu um dos compromissos de campanha com a revogação do Decreto 2.208/97; das instituições públicas, que passaram a vender cursos para o próprio governo, e gostaram de fazê-lo, renunciando em parte à sua função; e das instituições privadas, que passaram a preencher, com vantagens, o vácuo criado pela extinção das ofertas públicas. (ibid., p. 900)

É nesse contexto que emergem as políticas públicas para os estados brasileiros, sendo

que cada um deles se posicionará de modo diferente quanto à integração entre Ensino Médio e

Profissional.

Dentre os estados brasileiros o Paraná e o Espírito Santo compraram a ideia da

institucionalização de um sistema de ensino com vistas a superar a dualidade estrutural do

Ensino Médio. Mesmo diante das resistências colocadas num processo de discussão lento e

difícil face aos conflitos de interesses o Espírito Santo implantou uma reforma na rede. Ainda

assim a proposta de integração do Ensino Médio (EM) à Educação Profissional foi bem

recebida em todas as instâncias, principalmente nas escolas pertencentes à rede estadual.

85

Definiu-se um universo de 17 escolas de Ensino Médio5, uma espécie de projeto-piloto,

visando um acompanhamento mais sistemático (FERREIRA; GARCIA, 2005, p. 154).

No caso do Paraná, o Estado se debruçou na construção de um sistema integrado de

ensino amparando-se somente nas discussões e nos questionamentos relativos à pretensa

extinção Decreto 2.208/97, antes mesmo de uma base legal consistente, porque entenderam,

mediante os diversos encontros com a Semtec/MEC, que a revogação daquele Decreto seria

efetivada (ibid, p. 162). Embasando-se nessa crença e atentando para a necessidade de

implantação de uma rede de ensino integrado o Estado se antecipou e promoveu as mudanças

necessárias para a consecução de tal projeto.

2.2.4 – A reforma da Educação Profissional e a Bahia

O posicionamento de cada estado depende da concepção de ensino defendida,

sendo que no caso da Bahia a discussão e criação de uma política para a Educação

Profissional de nível Médio ainda é incipiente. Até então o Estado vinha desenvolvendo

projetos e programas para trabalhadores alijados do processo educativo e do emprego formal,

sendo que estes projetos não têm alcançado as metas propostas. Contudo, no ano de 2008 é

criado o Plano de Educação Profissional da Bahia, que se constitui na proposição de uma

política de Educação Profissional elaborada no ano de 2008. No capítulo seguinte se estudará

de modo mais minucioso as ações preconizadas no Plano, onde se poderá ter uma visão mais

abrangente de seus objetivos.

Em relação, aos projetos de formação profissional como já demonstrado

anteriormente, Antoniazzi explica que a implantação do Planfor (estudo realizado nos anos de

1996 a 2001) na Bahia revelou resultados insignificantes, já que não formou um contingente

significativo e nem promoveu a inserção no mercado necessária. Devido à inexpressividade

desses resultados este não pode, para a autora, ser considerado uma política de emprego. Aí é

possível perceber o enviesamento entre Educação Profissional e formação profissional, pois a

segunda além de não articular o Ensino Profissional com Educação Básica não cumpre o

objetivo de inserção dos trabalhadores no mercado do modo isolado.

Como já se apontou, de modo geral no Brasil, o PNQ continua na mesma linha de ação

do Planfor, assim é possível afirmar que se o Estado da Bahia não assumiu outro plano de

formação para seus trabalhadores e jovens estudantes, certamente os programas continuarão

cumprindo o objetivo de mera qualificação profissional aligeirada sem a devida articulação 5 No Espírito Santo, a rede estadual de Ensino Médio é composta por 190 escolas. Nos anos de 2003-04, objetivando atender aos jovens moradores do campo, foi promovida a expansão da rede para mais 67 escolas.

86

com a Educação Básica. Isso certamente inviabilizará a promoção de uma formação

consistente, o que acarretará numa inserção no mercado em empregos precarizados ou na

manutenção da informalidade.

Dentre os programas de formação presentes na Bahia constituintes do PNQ na esfera

estadual pode-se citar o Projovem, o qual objetiva a elevação profissional de jovens que não

haviam concluído o Ensino Fundamental e nem possuíam vínculos formais com o trabalho. A

implantação deste programa está atrelada aos incentivos financeiros de Organismos

Internacionais, tema que se discutirá no capítulo seguinte. O ponto de tensão é que estes

Organismos não vêem com bons olhos a integração entre Educação Básica e Profissional.

Seria interessante conhecer dados mais consistentes sobre este e outros projetos e programas

constituintes do PNQ na Bahia, mas ainda não há estudos mais aprofundados.

Somando-se a isso os dados de matrículas em cursos de Ensino Médio Profissional na

Bahia, como se exporá no capítulo quatro de modo mais detalhado, no ano de 2009 era de

apenas 8.195 matriculados, o que representava apenas 1,42% de alunos matriculados na

Educação Profissional na esfera estadual em relação àqueles matriculados no Ensino Médio

na mesma esfera (que era cerca de 568.596 alunos)6. Esse percentual irrelevante coexistia

paralelamente ao período de dois anos de vigência do Plano de Educação Profissional da

Bahia.

Este é, pois, o panorama geral das proposições do Estado da Bahia para a Educação

Profissional nos anos 90, bem como após a promulgação do Decreto 5.154/04. A partir das

informações expostas sobre o Planfor e seu sucessor o PNQ é possível afirmar que o foco dos

programas estava eminentemente voltado para a elevação profissional de trabalhadores que já

estavam fora da escola e que não possuíam qualificação suficiente para ingressar no mercado

de trabalho. Assim esses projetos possuíam como característica a compensação, a fim de dar

uma segunda chance aos que não ingressaram na escola na idade apropriada, ao invés de

garantir seu direito no tempo devido.

Por isso, Frigotto, Ciavatta, e Ramos (2005, p. 1004) afirmam que implantar

programas como o Projovem revela a tentativa de tornar a qualificação profissional como

política compensatória à ausência do direito de uma Educação Básica sólida e de qualidade.

Diferente disso seria necessário a criação de um sistema de ensino e não a tomada de medidas

pontuais, onde Educação Básica fosse garantida em qualquer idade, integrada à possibilidade

6 Dados do Censo Escolar, estando disponíveis no sítio: <http://www.inep.gov/basica/censo/Escolar/ Matricula/censoescolar?UF=BAHIA>.

87

de habilitação profissional mediante a qual se constituam identidades necessárias ao

enfrentamento das relações de trabalho excludentes.

Outra face dessa realidade são os números de alunos matriculados na Educação

Profissional de nível Médio, o que expõe uma realidade de exclusão quanto à formação

profissional. Como poder explicar que somente 1,42% dos jovens que concluíram o Ensino

Médio na esfera estadual em 2009 puderam ter acesso a uma matrícula na Educação

Profissional formal na esfera estadual? Mesmo tendo passado dois anos, e diante da anunciada

expansão da Educação Profissional da Bahia, ainda assim os dados fornecidos pela Suprof

revelam uma significativa exclusão.

Dos 568.5967 alunos matriculados no nível Médio na esfera estadual em 2009, o

percentual relativo aos matriculados em 2010 na Educação Profissional é de somente 6,99%,

ou seja, 39.780 matrículas, sendo que esse universo está subdivido em cursos subseqüentes e

integrados, que abarcam respectivamente 13.601 e 26.179 estudantes matriculados, além do

Proeja com 4.023 matriculados. É importante apontar que se se considerar apenas a oferta da

Educação Profissional integrada esse percentual cai para 4,6%. Outra questão é que o

percentual de 6,99% é referente apenas aos matriculados na própria esfera estadual de nível

Médio em relação às matrículas da Educação Profissional da mesma esfera, desconsiderando

as outras esferas administrativas. Isso quer dizer que se fossem incluídos os alunos da rede

privada, da esfera municipal e federal que cursaram o Ensino Médio em 2009 esse déficit

cresceria ainda mais já que a oferta de Educação Profissional pública é acrescida somente pela

esfera federal que não oferece um número de matrículas superior à rede estadual (3.433

matrículas somente em 2009).

O ano de 2008, portanto, demarca um novo ciclo para a Educação de nível Médio no

Estado da Bahia já que se cria uma diretriz mais consistente para o Ensino Médio,

materializada no Plano de Educação Profissional da Bahia, o qual se constitui na principal

política pública do estado para o Ensino Médio. Ainda assim, após a vigência do Plano os

índices aumentam apenas cerca de 5,5%, indo de 1,42% para 6,98%. É certo que a exposição

quantitativa dos dados não é suficiente para uma análise mais aprofundada da realidade da

7 Como ainda não foram publicados os resultados finais do Censo Escolar de 2010 referentes às matrículas na Escola Básica utilizaram-se os dados de matrícula no Ensino Médio de 2009 disponibilizados pelo Inep no Censo Escolar, fazendo um cruzamento com os dados disponibilizados pela Suprof para o ano de 2010. Isso porque esta Superintendência não disponibilizou os dados dos anos anteriores. Certamente esta é uma estimativa já que o cruzamento é de dados de 2009 do Censo, estando disponíveis no sítio: <http://www.inep.gov/ basica/censo/Escolar/Matricula/censoescolar?UF=BAHIA>.

88

Educação Profissional na Bahia, mas poderá dar indicativos sobre a abrangência desta

modalidade de ensino na rede estadual.

Diante do exposto, pode-se dizer que há muito a se fazer para a implantação de uma

política pública de Educação Profissional onde se articule Ensino Profissional e Educação

Básica, tanto lutando por sua abrangência como pela sua qualidade. É importante que o

Estado não se restrinja a programas compensatórios, mas que promova uma Educação

Profissional de qualidade para todos os jovens em idade escolar, além de se criar mecanismos

que garantam a permanência destes na escola. Para medir os resultados e o alcance das

políticas formuladas é necessário que sejam empreendidos estudos consistentes a fim de

nortear a busca de elementos que garantam a desejada qualidade.

No quarto capítulo, como a discussão empreendida gira em torno das proposições do

Plano, se poderá perceber em que medida as ações revelam um compromisso com um sistema

de ensino integrado entre Educação Básica e Profissional.

Antes, porém, na folha seguinte, dispôs-se de um quadro síntese (elaborado em

estudos pessoais) com os principais tópicos referentes ao contexto histórico e econômico, bem

como as correntes teóricas que os fundamentam, além dos elementos implicantes para a

educação de um modo geral e para o contexto das reformas educacionais no Brasil.

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ISContexto econômico

e social Concepção de mundo Concepção econômica Papel do Estado Teorias para a Educação Principais críticas Reformas educativas no Brasil

• Séculos XVIII e XIX Ascensão da burguesia na Europa

• No Brasil: transição do ruralismo para a pro-dução manufatureira.

Liberalismo: liberdade na-tural do homem deve ser valorizada (John Locke)

CAPITALISMO: Liber-dade dos indivíduos e da livre iniciativa em gerir o capital.

Estado não intervencio-nista, Estado mínimo: Laisser Faire.

Adam Smith, H. Von Thu-nen e Irving Fischer pro-põem o investimento no homem como fator de in-cremento econômico.

Marx e Engels denunciam o caráter predatório do ca-pital. Juntamente com Gra-msci propõem uma escola unitária

Primeira República• Institucionalização da rede escolar baseada num

dualismo do ensino:a) Escolas de Artífi ces: trabalho manual oferecido por instituições confessionais e imposto pelo go-verno para os desvalidos como política de inclusão social para tornar mais digna a pobreza;b) Escolas propedêuticas para as lideranças.

• Anos 30 aos idos de 60 – Crise econômi-ca: quebra da Bolsa de Nova York e Crise do café no Brasil.

• II Guerra Mundial (39-45)

O pós-guerra levou a sentimento de recons-trução social: aqueci-mento da economia internacional

• Milagre econômico: plena expansão das in-dústrias.

Liberalismo Interven-cio-nista, Estado como geren-ciador do mercado. (Key-nes)

• Capitalismo/ fordismo;• Investimento na Infor-

mática fi na, eletrônica e mecânica

Welfare state ou Estado do Bem-estar Social na Europa; • Fordismo periférico

no Brasil: políticas populistas formuladas por Getúlio Vargas;

• Teoria do Capital Huma-no na Europa (Schultz).

• Conceito de Promessa integradora da escola (Gentilli).

• Capitalistas conserva-dores: acreditavam que a intervenção contribui-ria para a derrocada do sis-tema capitalista;

• Socialistas: denuncia-vam a re-dução da for-ma-ção humana ao fator econômico.

Reforma Francisco Campos• Ensino industrial instituído mediante desarticula-

ção dos diferentes níveis de ensino;• Ensino técnico não permite entrada no Ensino Su-

perior; Reforma Capanema• Criação do Sistema S e Escolas de Aprendizes com

formação pontual para o adulto trabalhador;Leis Orgânicas: Ensino técnico (trabalhadores e seus fi lhos) versus

• Ensino secundário e superior (elites).• Escolas industriais de preparação dos jovens estu-

dantes com formação mais completa;• Ensino Secundário e Superior para os fi lhos das

elites. LDB 4.024/61Conformação dos interesses dos privatistas e dos pu-blicistas;Expansão do Sistema S;Equiparação dos cursos técnicos ao Secundário.Reforma de 1º e 2º graus, Lei 5.692/71Profi ssionalização do ensino obrigatória.

• A partir dos Anos 70 – Recessão após a Se-gunda Guerra Mun-dial.

Neoliberalismo: redirecio-namento da intervenção Estatal

• Acumulação fl exível;• Investimento num novo

paradigma tecnológico: microeletrônica e auto-mação informatizada;

• Toyotismo: Flexibi-lização das relações trabalhistas, ênfase no empreendedorismo e na empregabilidade

Intervenção Estatal com vistas à proteção do ca-pital.

• Pedagogia das compe-tências:

• Empreendedorismo e empregabilidade.

• Crise da promessa inte-gradora da escola (Gen-tilli)

• Os críticos do sistema de acumulação denuciam a retirada do Estado na manutenção dos direitos sociais e os acordos in-ternacionais que preço-nizam uma Educação Profi ssional dissociada da Educação Básica.

LDB 9.394/96Lei minimalista que prevê uma Educação Profi ssional numa perspectiva unitária;Principais entraves: lei não previa obrigatoriedade para o Ensino Médio, além do contexto de difi culdade de permanência na escola (55% estão fora da escola)

Decreto 2.208/97Proibiu a integração do Ensino Médio com a Educa-ção Profi ssional;

Decreto 5.154/04Possibilita a integração, ao passo que permite a im-plantação de uma variedade de cursos.

89

90

CAPÍTULO 03

As demandas para a formação dos trabalhadores sob a lógica do capital a partir dos

anos 90

Como vimos no capítulo primeiro a partir do século passado tem-se vivenciado no

Brasil um quadro de profundas mudanças na economia na perspectiva de redirecionamento

do sistema produtivo para adequação ao projeto neoliberal em curso. Esse processo se

intensifica com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso que implementou inúmeros

elementos que reproduzem o receituário neoliberal. Ocorrem os grandes conglomerados de

empresas, um enorme enxugamento e aumento das formas de superexploração da força de

trabalho, verificando-se igualmente mutações no processo tecnológico e informacional

(ANTUNES, 2009, p. 232).

Contudo, é perceptível que mesmo diante das céleres transformações no processo

produtivo, como é característica do sistema capitalista a coexistência de contradições, o

fordismo ainda é a forma dominante da economia (ibid., p. 233). Persistem a flexibilização,

desregulamentação e novas formas de gestão produtiva, mesclada com novos processos

produtivos com a acumulação flexível e vários elementos oriundos do chamado toyotismo

japonês. É um contexto contraditório onde

Como dizia Gramsci, trava-se uma luta entre o novo que quer nascer e o velho que não quer sair de cena. [Grifo nosso] O desenvolvimento material põe novas exigências no que se refere aos processos formativos, em geral, e à qualificação da força de trabalho, especificamente. E os próprios empresários tendem a se mostrar mais sensíveis a essa questão. Desejam eles capacitação geral, rapidez de raciocínio, grande potencial de incorporação de informações, adaptação mais ágil, capacidade de lidar com conceitos abstratos e assim por diante. Mas a realização plena dessas exigências esbarra nos limites postos pelas relações de produção baseadas na propriedade privada dos meios de produção (SAVIANI, 2003, p. 149).

Assim, o sistema produtivo se desenvolve requerendo trabalhadores mais

qualificados para operar com um maquinário altamente moderno e ocupar posições de

liderança, o que exigirá desses indivíduos o domínio de uma série de conhecimentos e

habilidades. Por outro lado, esse mesmo sistema econômico que requer indivíduos com um

alto grau de qualificação, abriga também em seu interior a existência de empregos precários

e da informalidade. Diante do que absorve uma mão de obra semiqualificada, para a qual é

destinado um conhecimento menos especializado. Convivem dentro deste sistema

91

econômico, portanto, uma série de ocupações, já que esta é uma característica advinda da

divisão social e técnica do trabalho. Dessa maneira, ao passo, que a tecnologia se torna mais

avançada aumentam-se as formas de exploração, seja pela intensificação do trabalho para

uns, ou mesmo pela exclusão do trabalho para outros.

A vigência da superexploração do trabalho, combinando a extração da mais-valia relativa com a expansão das formas de extração da mais-valia absoluta, isto é, combinando avanço tecnológico e prolongamento e intensificação do ritmo e da jornada de trabalho (ANTUNES, 2009, p. 233).

Diante disso, é possível afirmar que os determinantes econômicos resultam da

incorporação de novas tecnologias, sendo que estas não são dadas naturalmente, mas são os

governos e as empresas que direcionam as formas como serão utilizadas. São, portanto as

decisões políticas em matéria econômica que induzirão ao desenvolvimento científico e/ou

tecnológico (CUNHA, 2000, p. 48). Desse modo, “reconhecer a ideia de que o

conhecimento científico e tecnológico contém valores e interesses implica a rejeição da ideia

de que esse conhecimento é neutro, ou seja, independente do ambiente social no qual é

gerado” (DAGNINO, 2010, p.04). Isto é, os governos sabem exatamente como direcionar a

utilização dos recursos tecnológicos, assim seu uso e produção não são de caráter aleatório

ou desprovido de interesses.

Nesse contexto de transformações em curso, decorrentes das mudanças técnico-

organizacionais do mundo do trabalho, emerge o debate acerca de temas e problemas que

remetem às relações entre trabalho, qualificação e educação (GARCIA, 2009, p. 28).

Kuenzer expõe que o regime de acumulação flexível, ao intensificar as diferenças de

classe, aprofunda a dualidade estrutural e que “em decorrência, o Estado tem exercido suas

funções relativas ao financiamento da educação a partir da concepção de ‘público não

estatal’, que supõe o repasse de parte das funções do Estado e, portanto, de recursos

públicos, para a sociedade civil, alegando sua maior competência para realizá-las”

(KUENZER, 2007, p. 23). Contudo, ao mesmo tempo em que descentraliza a execução dos

programas, centraliza a avaliação e o financiamento dos mesmos.

A descentralização como se pode perceber, desde o governo de Fernando Henrique

Cardoso até os dias de hoje não é uma descentralização com autonomia. Descentraliza a

responsabilidade do trabalho, mas com uma rédea firme através dos instrumentos de

avaliação. Como se pode ver o fenômeno da globalização e a conseqüente necessidade de

inserção do país no mercado mundial são acompanhados de um processo de descentralização

92

de políticas públicas (GARCIA, 2009, p. 28). Tenta-se delegar para o Estado o papel de

coordenador destas políticas, enquanto os estados e as comunidades assumem a execução.

Percebe-se que as mudanças que vão sendo consolidadas na sociedade capitalista,

num modelo de acumulação flexível são mais intensas, mas ao mesmo tempo também mais

etéreas, já que são de difícil comprovação. Isso porque o que impera é flexibilidade, mas que

na realidade mascara, sob a roupagem de novos conceitos, a divisão social e técnica do

trabalho aliadas a formas de superexploração do trabalhador. A integração entre produção e

controle de qualidade se intensifica e o trabalho individualizado é superado pelo trabalho em

equipe, impondo a necessidade de outro tipo de conformação do trabalhador ao sistema

produtivo.

Ocorre, de acordo com Garcia (2009, p. 29), uma redução do controle dos estados

nacionais sobre os movimentos do capital como decorrência da globalização. O capital

volátil se instala em determinados países, em função das vantagens comparativas que lhe são

oferecidas, contribuindo para intensificação da competitividade internacional e a subjugação

do papel do Estado pelas empresas transnacionais. Simultaneamente a este fenômeno,

destacam-se o aumento da autoridade de organismos financeiros internacionais, como o

Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial através dos empréstimos

concedidos, nos quais os países ricos impõem políticas de privatização sistemática e o

capitalismo de livre mercado aos países dependentes de tais empréstimos.

Soares (2009, p.15) aponta que a relevância dos Organismos Internacionais está

circunscrita ao volume de empréstimos e devido à abrangência de suas áreas de atuação,

além do caráter estratégico que vem desempenhando no processo de reestruturação

neoliberal dos países em desenvolvimento, por meio de políticas de ajuste estrutural.

Desse modo, a fim de garantir a eficácia desse ajuste nos sistemas econômicos e

entendendo a importância das políticas da Educação Profissional para este fim o foco

primordial dos projetos do Banco Mundial é a Educação Básica e o Ensino

Profissionalizante (WORLD BANK, 1995, p. 19, 20).

Tal preocupação parte do entendimento de que as economias em desenvolvimento

necessitam de uma mão de obra flexível, aptas a se adequarem às mudanças no mundo do

trabalho. Para o Banco Mundial, o investimento na qualificação dos trabalhadores é tão

necessário quanto o maior investimento de capitais em áreas fundamentais ao

desenvolvimento econômico, sendo que o investimento em educação é mais rentável que

outros investimentos (ibid., p. 91).

93

Para que as sociedades possam alcançar o status de competitividade o Banco

recomenda o esforço de todas as esferas da sociedade, sejam estatais ou das empresas

privadas em prol da qualificação profissional. Isso no afã de que a formação possa

instrumentalizar os indivíduos dando-lhes competência para conviver com os processos de

mudança. E consequentemente ao formar uma mão de obra apta a essas transformações os

países poderão se inserir na economia mundial (ibid., p. 19; 91-93).

Contudo, é importante que se tenha em mente que apesar das vultosas somas de

capitais fomentados em educação pelo Banco, esses valores significam somente, de acordo

com Soares (2009, p. 15) cerca de meio por cento do total das despesas com educação nos

países em desenvolvimento. Dessa maneira a contribuição do Banco se dá muito mais no

plano da assessoria técnica, com vistas a ajudar os governos a desenvolver políticas

educacionais adequadas às especificidades de seus países.

O financiamento e as orientações do Banco objetivam proporcionar mudanças nas

despesas e nas políticas das autoridades nacionais. Assim o relatório para O

Desenvolvimento Mundial expressa que

A compreensão do papel desempenhado pelo Estado (...) – por exemplo, a sua capacidade de aplicar a lei para apoiar as transações do mercado – será essencial para levá-lo a contribuir de maneira mais eficaz para o desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 04).

Desse modo, o Banco acredita que o desenvolvimento econômico está atrelado à

ideia da necessidade de clareza do papel exercido pelo Estado, sendo que este deve apoiar o

mercado, inclusive utilizando instrumentos normativos se assim for necessário. Aí se pode

entender que a legislação carrega as ideologias hegemônicas que subjazem as políticas

estatais, por isso devem ser estudadas e questionadas.

Dessa forma é necessária a reflexão sobre a relevância de se seguir estas orientações,

pois as proposições educacionais se ancoram em um discurso conservador e privatista, que

tem feito ressurgir a Teoria do Capital Humano a tanto tempo criticada por Frigotto e

Gentilli. Isso porque, embora, a preocupação desta instituição esteja voltada para a educação

o fim em si não é a garantia da democratização do ensino, mas em utilizar a educação com o

fim economicista.

Tomando como base a Teoria do Capital Humano, o World Bank (1995, p. 20, 21),

visualiza a educação como mecanismo promotor de mobilidade social para os educandos e

como investimento necessário para as nações em desenvolvimento atingirem um novo

94

patamar de competividade. O crescimento individual é proporcionado através da aquisição

de habilidades e competências, ao passo que o desenvolvimento econômico estaria atrelado

à modernização tecnológica e ao capital cultural adquirido pelos indivíduos.

O investimento tem um retorno garantido, contudo, os países devem priorizar as

áreas de educação que devem investir de acordo com as suas peculiaridades. Para os países

pobres e em desenvolvimento o Banco sugere que a prioridade de investimento seja a

Educação Básica e o Ensino Secundário Geral já que estes níveis de ensino são mais

acessíveis pela massa populacional. Dessa maneira, só deverá se investir em Ensino

Profissional especializado e no Superior se for comprovado o retorno pelo mercado de

trabalho (WORLD BANK, 1995, p. 04; 09).

A pauta da reforma sugerida baseia-se na descentralização das políticas educacionais;

e em articulação com esta a necessária incorporação, pelo poder público, da forma de gestão

utilizada pela iniciativa privada. Para maximizar os investimentos recomenda-se que a

educação seja ministrada por instituições privadas com subvenção pública (ibid., p. 05).

Nessa perspectiva a privatização é um mecanismo eficaz, sendo que

Nos países onde foi gerida cuidadosamente, a privatização já está dando resultados positivos, como exemplo, no Chile e na República Tcheca. A sua importância na estratégia de promoção dos mercados pode variar, mas, para muitos países em desenvolvimento que querem reduzir o tamanho de um Estado que cresceu demais, a privatização deve ter prioridade. Um processo de privatização administrado com cuidado gera benefícios econômicos e fiscais muito positivos [grifo nosso] [tradução pessoal] (WORLD BANK, 1995).

O Banco não vê com bons olhos o gerenciamento da Educação Profissional pelo

Estado, uma vez que aponta a sua incapacidade de adequação às mudanças ocorridas no

mundo do trabalho, desse modo, a privatização seria a estratégia mais adequada para

gerenciamento do Estado (ibid., p. 12).

Por outro lado, o Banco Mundial acredita que a intervenção dos pais na gestão

escolar é um elemento de melhoria da qualidade do ensino. E simultaneamente, a

descentralização poderá contribuir para a comunidade participar do financiamento em

educação. De acordo com o Banco, ao investir em educação os pais automaticamente terão

uma postura de controle e cobrança, o que irá contribuir para a melhoria dos resultados no

processo de aprendizagem.

Assim o Banco orienta que a Educação Básica deve ser oferecida gratuitamente, mas

com a partilha de responsabilidade financeira com as famílias, sendo que as famílias pobres

95

deverão receber bolsas. Já o Ensino Secundário deverá ser custeado pelas famílias, com a

combinação de bolsas de estudo, e o Ensino Superior também deverá ser pago pelas famílias

ao passo que o governo deverá criar políticas de empréstimos para as famílias que

necessitarem (WORLD BANK, 1995, p. 10). Assim é que cada vez mais se transfere para a

sociedade civil a responsabilidade com a Educação Básica e Profissional.

O Banco entende que o investimento em educação é também do ponto de vista físico,

e não só no capital humano. O aspecto físico requer o investimento em infra-estrutura e nos

recursos instrucionais a serem utilizados em sala de aula como livros e computadores.

Contudo percebe-se que o investimento em capital humano e físico tem como ênfase o

desenvolvimento de competências e habilidades, com uma organização dentro de um padrão

de qualidade, mas com o devido cuidado com a redução dos custos.

Nesse sentido, entende-se que não houve a preocupação em discutir o currículo numa

perspectiva crítica de conhecimento, considerando-se ainda os elementos propiciadores de

uma formação integral dos indivíduos. Não se atrela, portanto, as dificuldades de

equalização das desigualdades às questões sociais, mas tão somente à capacidade de

gerenciamento da educação pelos governos a fim de otimizar lucros, sendo que a não

obtenção destes seria fruto na ineficiência de governabilidade.

Nesse contexto de redução de custos e maximização dos resultados frisa-se que

cursos de longa duração, variando entre três e cinco anos, não são adequados às

necessidades atuais. Desse modo, os cursos ofertados tendem à desvinculação entre

Educação Básica8 e Ensino Profissional9, já que a perspectiva sobre a qual estão embasados

estes cursos é a formação profissional fragmentada e aligeirada.

Diante desse cenário, Cunha (2000b, p. 49) expõe que o Banco Internacional para

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que é um dos organismos internacionais

constituintes do Banco Mundial, em documento formulado sobre a política de Educação

Técnica e Formação Profissional endossa essa ideia de fragmentação da educação. Este

documento contém um item no qual se orienta que ocorra a separação entre a educação e a

capacitação profissional. Tal orientação é redigida num tom direto, redação raramente

8 Nível de ensino responsável por ensinar os conhecimentos produzidos na cultura geral numa perspectiva histórica, sendo que no Ensino Médio devem se aprofundar os conhecimentos científicos e tecnológicos a fim de instrumentalizar os jovens para a inserção cidadã e no mundo do trabalho. 9 Conhecimentos utilizados para instrumentalizar os indivíduos no exercício de uma profissão, sendo que dentro de uma visão politécnica, não é possível dissociar estes conhecimentos da cultura geral que é ensinada na Educação Básica.

96

utilizada pelos formuladores das reformas educacionais em cada país, ainda que visem ao

mesmo objetivo.

Tal orientação do BIRD de acordo com Cunha parte do entendimento de que

educação e capacitação profissional demandariam coisas diferentes dos sistemas

educacionais, das instituições, dos instrutores e dos administradores. Mesmo essenciais para

a produtividade, elas seriam difíceis de administrar eficazmente dentro dos mesmos

formatos institucionais. A separação total proporcionaria vantagens para ambas já que

possibilitaria aos educadores e aos instrutores concentrarem-se em suas missões próprias.

Em se tratando dos instrutores, estes poderiam desenvolver as qualificações técnico-

administrativas e técnico-especializadas necessárias com um maior vínculo entre

capacitação e a economia mais estreitamente.

Somando-se a isso, o BIRD recomenda especificamente, em se tratando da

organização de cada sistema educacional, que estes se concentrem de modo intensivo

quando do fim da educação secundária para a formação profissional. Tal ação permitiria aos

estudantes, já com maior maturidade e maior conhecimento do mercado de trabalho,

escolher entre as diversas ocupações mais acertadamente. Isso porque se acreditava que a

formação ocorrendo pouco tempo antes da procura de emprego, poderia melhorar a equidade

educacional, a motivação discente e a flexibilidade dos trabalhadores.

Cunha expõe que referente ao formato institucional, o Banco Mundial chega a

recomendar a retirada das escolas técnico-profissionais do âmbito do Ministério da

Educação de cada país. Se a manutenção de sua vinculação ministerial for indispensável,

elas deveriam ser beneficiadas pela flexibilização dos programas e dos procedimentos

burocráticos.

Essas recomendações têm plena aceitação na política educacional brasileira (como

está posto na discussão do capítulo três) que cada vez mais tem transferido a

responsabilidade para a iniciativa privada, sendo que o Estado tem se afastado da oferta da

Educação Profissional nos moldes da uma verdadeira escola integral10. É importante que se

compreenda que quando o Estado investe em Educação Básica, está seguindo as orientações

do próprio Banco que não descarta a necessidade de melhoria deste nível de ensino, contudo

o objetivo é apenas habilitar a massa populacional na cultura mais geral e oferecer uma

10 A Escola integral cumpre o fim de trabalhar tanto os conhecimentos da cultura geral (científicos e tecnológicos produzidos ao longo da história) como os conhecimentos para instrumentalização numa profissão, sabendo que estes conhecimentos estão diretamente vinculados uma vez que dizem respeito às esferas sociais, econômicas e culturais. Tal assunto se abordará mais profundamente no item 4.2.2.8, cujo título é “A emergência de uma escola unitária ou politécnica”.

97

educação elementar, sendo que os níveis mais avançados ficarão restritos somente aos mais

capazes de acordo com as necessidades do mercado.

Kuenzer (2010)11 sinaliza que o Banco orienta que não se invista em uma formação

especializada, custosa e prolongada, para uma população que terá acesso a poucos direitos,

tendo como destino a informalidade. A autora demonstra em pesquisa realizada pelo próprio

Banco que este acredita ser irracional investir em educação acadêmica e prolongada para as

maiorias que não nascem competentes para o exercício de atividades intelectuais: os pobres,

os negros, as maiorias étnicas e as mulheres. O mais apropriado é que para estes grupos se

disponibilize educação fundamental – já que é requisito mínimo para participar da vida

social e produtiva nos atuais níveis de desenvolvimento científico e tecnológico – sendo

complementada com uma qualificação profissional de curta duração e baixo custo.

Por outro lado, os que ocuparão os poucos cargos sofrerão a intensificação cada vez

maior no processo de trabalho. Desse modo, ao investir em educação básica o objetivo é

formar uma reserva técnica onde os melhores receberão o treinamento na Educação

Profissional mais especializada a fim de que venham a competir para ingressar nos postos de

trabalhos. A seleção se justificará através do maior nível de qualificação e habilidades dos

indivíduos, sendo que esse processo tem sido desvinculado de políticas de emprego e renda.

O fator determinante da qualificação passa a ser as competências, conforme estudos

desenvolvidos por Marise Ramos, que tem definido a elaboração das políticas brasileiras e

os Parâmetros Curriculares Nacionais em todos os níveis com influência direta da lógica

neoliberal. É claro que

O estado brasileiro, com ênfase nos anos finais da década de 90 e início desta década, vem desenvolvendo formulações e execução de políticas educacionais que colocam a educação como uma mercadoria e os alunos como clientes. [grifo nosso] A educação no processo da globalização tem sido tomada como uma condição necessária para inclusão em uma sociedade cada vez mais baseada no conhecimento. No entanto, a visão neoliberal, ao reduzir o papel do estado, nega sistematicamente este direito aos trabalhadores, fazendo com que a educação assuma cada vez mais um papel determinante no quadro de exclusão social (GARCIA, 2009, p. 30).

É aí que a Educação Básica é utilizada como formação geral e inicial dos mais aptos,

sendo que após sua conclusão deverão ingressar em processos educacionais de níveis mais

11 Artigo publicado no Boletim Técnico do Senac, online, não sendo possível indicar o número da página. Disponível no endereço eletrônico: <http://www.senac.br/informativo/BTS/252/boltec252b.htm> e indicado nas referências.

98

elevados (uma Educação Profissional mais especializada, por exemplo) que os possibilitará

obter conhecimentos mais complexos.

Tem-se o que Frigotto (2010)12 chama de dois tipos de cidadania e formação, uma

que possibilita às classes dominantes a manutenção do controle dos instrumentos de

produção, e outra cidadania e formação subordinadas, destinadas à classe trabalhadora que

para sobreviver depende da venda de sua força de trabalho. Frigotto explicita que esses

processos estão tão naturalizados no imaginário social que se pensa estarem essas condições

desiguais desvinculadas da história, mas se constituem como fruto das forças naturais que

regem os homens (vontade, razão, tendência ao bom, ao útil, ao agradável).

O mercado é visto como uma mão invisível que age desvinculada da história, assim a

exclusão e a miséria são consideradas fatores a-históricos, independentes das relações de

classe. Como foi explicitado no capítulo primeiro o contrato de trabalho erigido na

sociedade capitalista é visto como fruto das vontades livres e igualitárias dos indivíduos, não

se considerando que este é estabelecido pela imposição do mercado. Se os indivíduos não

possuem controle sobre os meios de produção e diante da grande reserva de mão de obra

como poderão negociar as condições de trabalho?

É sob esse falso “ideário que a sociedade capitalista estatui uma cidadania de direitos

sociais, econômicos, culturais, lúdicos, educacionais para poucos e uma cidadania de

segunda categoria para as maiorias” (FRIGOTTO, 2010). Esse cenário não é fruto de uma

perversidade voluntária em fazer o mal, mas antes tem sua gênese na sociedade de classes

que possui seu alicerce na acumulação do capital.

Desse modo, o autor expõe que esse sistema para sobreviver se alimenta da barbárie

humana na sua mais intensa forma, pois retira do homem a sua essência criadora e criativa,

nega-lhe aquilo que é fundamental à sua totalidade. Daí, poder se afirmar que são criados

outros seres, que sem sua humanidade, estão em eminente situação de desagregação interior

(perda de sua identidade) e social (perda de sua dignidade). Corre-se, pois, o risco de se criar

um novo cidadão do mundo que devido ao intrincado cenário mundial já nasce sob o signo

da diferença e sendo de essência problemática, conforme denunciou Octavio Ianni (2005,

p.30) possui a perspectiva de desaparecer. Nesse cenário

Estamos construindo sociedades onde um terço está incluído no emprego mais estável e no consumo e dois terços excluídos; No plano cultural, ideológico e ético-político a naturalização da exclusão ou a 'exclusão sem culpa' e a ideia de

12 Artigo publicado online, não sendo possível indicar o número página. Disponível no site: <http://www. cefetsp.br/edu/eso/formacaotecnicaeducacao.html>. Está Indicado nas referências.

99

que não há outra alternativa possível que não seja a refuncionalização do capitalismo; No âmbito teórico a crise da razão e emergência do pós-modernismo que cristaliza um extremo individualismo narcísico, reifica o localismo, o particularismo, o subjectivismo num processo de mau infinito e de zombaria da história; e, finalmente, no plano pedagógico a reiteração do dualismo e fragmentação, uma qualidade para poucos e a metamorfose do direito à educação e formação técnico-profissional em mercadoria ou serviço que se compra (JAMESON, 1994 apud FRIGOTTO, 2010).

Essa situação de aviltamento a que estão submetidos os cidadãos revela o

descompromisso estatal com a dignidade humana, que no plano econômico permite a

exploração da força do trabalhador pelo capital e, no plano educacional – como

conseqüência deste sistema de acumulação e para perpetuar a sua permanência – o acento

das reformas educacionais está baseado na fragmentação da Escola Básica e no dualismo

estrutural a que está submetida. De um lado escola secundária propedêutica para as elites

dirigentes e escola profissional aligeirada para a grande massa populacional.

Essa desarticulação é fruto do compromisso do governo antes com os organismos

internacionais que com a nação brasileira. Dessa forma não se poderia deixar de lado esse

assunto bem como a sua influência no tipo de cidadão que está em curso, assim é importante

compreender de que modo esses arranjos econômicos tem interferido na reforma da

Educação Profissional brasileira.

Contudo, esses acordos não são impostos à política educacional brasileira, mas são

fruto das escolhas procedidas pelos gestores, percebe-se, pois que tais proposições se

coadunam com os valores e as crenças que possuem os governantes brasileiros. Entende-se

que tais acordos não são forçosos porque

Cada sociedade organiza o seu sistema educacional de acordo com a concepção de mundo tida pela classe dominante na época, expressa através do poder legislativo, que cria as leis e do poder executivo, que as põe em prática. As leis representam uma forma de materialização da concepção de mundo de quem está no poder, e são postas em execução pela sociedade civil (NUNES, 2008, apud FREITAG, 1978, p.35).

Desse modo, não há inocentes, mas o estado das coisas é fruto de escolhas que tem

intencionalidades que visam atingir determinados fins. Razão porque Kuenzer (2010)13

aponta que a oferta de educação científico-tecnológica mais avançada fica limitada a um

pequeno grupo de trabalhadores, e ainda assim, de modo hierarquizado e através de níveis

crescentes de complexidade que vão do pós-médio à pós-graduação. A autora sinaliza que

13 Consultar a nota 5.

100

mesmo os que estão incluídos na cadeia produtiva atravessam processos de permanente

competição, já que constantemente são construídas diferenciações mediante a criação de

novas categorias de profissionais qualificados.

Kuenzer (2006, p. 903) explicita através de vários estudos empreendidos, revela que

embora a transformações no mundo do trabalho passem a exigir a expansão da Educação

Básica, devendo se integrar formação profissional de natureza tecnológica, fundada no

domínio intelectual da técnica tendo como resultado a relação entre conhecimentos e

competências cognitivas complexas, porém o que de fato se vem oferecendo aos que vivem

do trabalho é basicamente a reprodução do conhecimento tácito, não passando de discurso a

integração entre Educação Básica e Profissional.

É, pois uma qualificação profissional para Kuenzer compreendida como um grande

amálgama de aprendizagens seja em fragmentos do trabalho no espaço produtivo como

conhecimento científico-tecnológico; domínio de algumas ferramentas da informática e das

linguagens como capacidade de trabalho intelectual; discussão sobre algumas dimensões da

cidadania como capacidade de intervenção social; sendo que esses elementos são vistos

como propiciadores de inclusão social. O problema não é o tratamento desses elementos,

mas a forma aligeirada e superficial com que são ministrados, retirando assim a sua eficácia.

E na maioria das vezes o tratamento dessas questões se dá de modo desvinculado da Escola

Básica de qualidade, o que reveste as propostas de um caráter formalista e demagógico, a

reforçar o consumo predatório da força de trabalho ao longo das cadeias produtivas. Não há, nos projetos, referência e condições concretas, dadas as suas características, para a implementação de procedimentos pedagógicos que assegurem o desenvolvimento das competências complexas que caracterizam o trabalho intelectual. Em particular às que assegurem o exercício da crítica, da criação, da participação política ou do acesso aos conhecimentos necessários para enfrentar os desafios de uma sociedade cada vez mais excludente, para o que o domínio de conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos, com vistas à formação de um profissional com autonomia intelectual e ética, é fundamental. Ao contrário, vários dos projetos analisados, embora sutilmente, negam esta necessidade (KUENZER, 2006, p. 904).

O pressuposto sobre o qual está fundamentada esta ideia corresponde a uma

concepção mecânica da prática profissional onde deverão ser resolvidos os problemas

fazendo-se referência a um conhecimento instrumental disponível. Contreras (2002, p. 90-91

apud KUENZER, 2006, p. 904) justifica que é instrumental porque supõe a aplicação de

técnicas e procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos ou

resultados desejados.

101

Para Kuenzer (2002, p. 09) embora o processo produtivo atual tenha sofrido

mudanças na base técnica com a crescente utilização da microeletrônica, a qual exige cada

vez mais o domínio das categorias referentes ao trabalho intelectual, as políticas públicas,

para perplexidade geral, insistem em que a escola trabalhe ao nível das competências. Estas

são compreendidas como capacidade de realizar tarefas práticas, desvalorizando, e mesmo

declarando desnecessário o conhecimento científico.

A autora denuncia que essa concepção revela um retrocesso ao princípio educativo

do taylorismo/ fordismo, pois (...) o melhor instrutor era o "Tonicão", que, embora não conhecesse a ciência do seu trabalho, tinha virtuosidade nas práticas laborais, desenvolvida ao longo do tempo por meio de sua experiência. Ele também não sabia ensinar, porque conhecimento tácito não se sistematiza, e, portanto, não se explica; mas tinha imensa boa vontade em se deixar observar e em mostrar como fazer, pois ele "sabia na prática" (KUENZER, 2003, p. 19).

Essa é a concepção defendida pela escola de fábrica que acreditava serem os

melhores instrutores aqueles que – embora não soubessem o conhecimento teórico, ou

mesmo fossem incapazes de repassar as informações pertinentes ao processo produtivo –

sabiam como fazer e se deixavam observar pelos demais. A incapacidade de explicar ou

mesmo ensinar se dá pelo fato de que não dispunham do instrumental cientifico para

fundamentar sua prática laborativa, dispunham somente dos conhecimentos tácitos que se

originam da experiência cotidiana do trabalho.

Desse modo, Kuenzer aponta que essa lógica esta fundamentada na existência da

Pedagogia do Trabalho a qual

Resume-se a observar e repetir até memorizar as "boas práticas" dos trabalhadores mais experientes, bastando inserir desde logo o futuro trabalhador na situação concreta de trabalho, mesmo sem que ele se aproprie de categorias teórico-metodológicas que lhe permitam analisá-la e compreendê-la para poder intervir com competência (KUENZER, 2006, p. 905).

Esse quadro é explicado pela coexistência das contradições no processo produtivo

onde o moderno e o arcaico convivem sob a égide da desigualdade social. É aí que se pode

perceber que o tônus da reforma brasileira caminha numa perspectiva contraditória fazendo

permanecer a desigualdade do ensino já que a nossa economia está subjugada à divisão

internacional do trabalho que promoveu a sua divisão técnica. É aí que é possível

102

compreender que a trajetória da Educação Profissional sempre esteve subjugada aos

interesses do capital.

103

CAPÍTULO 04

O Ensino Profissional na Bahia

4.1 – O contexto de implantação das políticas públicas na Bahia

No dia 30 de março de 2010 ocorreu a festa de formatura de 282 alunos que

frequentaram as aulas de 4 (quatro) Centros Estaduais e 5 (cinco) unidades da rede estadual

que oferecem Educação Profissional14. Os novos técnicos de nível médio nas áreas de

Análises Clínicas, Administração, Logística, Instrumentos Musicais, Informática, Execução

Instrumental e Eletromecânica, são fruto do Plano de Educação Profissional da Bahia, que se

formaram numa solenidade realizada no auditório do Centro Educacional Carneiro Ribeiro-

Escola Parque, que é símbolo de fortalecimento da escola pública. O Plano de Educação

Profissional é gerido pela Superintendência de Educação Profissional (Suprof), que foi

criada pelo Decreto nº 10.955, de 21 de dezembro de 2007. A Suprof tem a incumbência de

“planejar, coordenar, promover, executar, acompanhar, supervisionar e avaliar no âmbito do

Estado as políticas, programas, projetos e ações de Educação Profissional, incluindo

orientação e certificação profissional” (Plano de Educação Profissional)15.

Naquela ocasião estavam presentes, além dos alunos e familiares, o Governador da

Bahia Jaques Wagner, o Secretário da Educação Oswaldo Barreto e o Superintendente

Estadual de Educação Profissional Almerico Lima, dentre outras autoridades, perfazendo em

torno de 1.500 (mil e quinhentos) convidados. De acordo com o discurso proferido pelo

governador da Bahia este é um projeto viabilizador de inserção imediata no mercado de

trabalho. É um projeto que a gente acredita, acabei de vir de Brasília, do lançamento do PAC 2, que eu batizei de Programa de Aceleração da Cidadania, exatamente porque todas estas obras públicas, todo este serviço social, tem gerado inclusão por meio do trabalho, do emprego e da renda, e isso possibilita demandar cada vez mais qualificação profissional. Não adianta qualificar sem expectativa de trabalho, eu creio seguramente que estes jovens serão absorvidos16.

Ideia endossada pelo Secretário de Educação do Estado que sinalizou ser um projeto

estratégico que integra a Educação Básica e a Profissionalizante, conforme informado no

14 Informação disponibilizada no blog da Suprof disponível no endereço: <http://educacaoprofissional dabahia.blogspot.com/2010/03/plano-de-educacao-profissional-da-bahia.html>, cuja fonte foi a Assessoria Geral de Comunicação Social da Bahia (Agecom). 15 Trecho do Plano de Educação Profissional disponível no site http://www.educacao.institucional.ba.gov. br/node/146. 16 Trecho de entrevista do Governador da Bahia publicada igualmente no blog da Suprof.

104

mesmo site Agecom. Para ele é uma premissa do governo preparar os jovens em três

conjuntos de conhecimento: formá-los como pessoas, como trabalhadores e como cidadãos,

tendo uma postura ética e ambientalmente sustentável.

Como se percebe, este evento marca a iniciativa do governo em oferecer uma

Educação Profissional para jovens da rede pública e consolida o projeto de inserção destes

indivíduos no mercado trabalho, sendo esta uma das principais ações a fim de atender à

Reforma da Educação Profissional a partir do Decreto 5.154/04.

É ponto pacífico que a inserção no mercado poderá vir a ocorrer para estes novos

formandos como previu o governador e o secretário, no entanto deve-se questionar em que

áreas profissionais irão atuar estes jovens e em que medida o Plano de Educação Profissional

de fato atende às demandas de uma educação unitária e de qualidade para a maioria dos

jovens baianos. Deve-se refletir sobre o que representa o quantitativo de 282 jovens no vasto

universo de concluintes do Ensino Médio e daqueles que nem sequer chegaram a terminar

seus estudos no Ensino Fundamental.

Não se constitui em intuito desta pesquisa questionar tal iniciativa, ou mesmo

desmerecer os novos técnicos de nível médio, invalidando o que já foi realizado. De fato,

cada um desses novos profissionais foi beneficiado com o Plano de Educação Profissional,

porém cabe indagar sobre as reais intencionalidades que fundamentam essa política pública.

Se se passar a analisar onde essa ação do governo se localiza dentro dos objetivos

professados pela LDB 9.394/96 de uma educação unitária, se perceberá várias

incongruências. É necessário, pois, que se perceba que a reflexão em torno da Educação

Profissional só ganha sentido se antes se refletir sobre a situação do Ensino Médio.

Para tanto, inicialmente, não se poderia deixar de sinalizar sobre o modo como está

estruturada a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (ver organograma na página

seguinte17). Isso porque se a proposta para o Ensino Médio fosse a promoção da integração

deste com a Educação Profissional não se justifica a criação de outra Superintendência – que

seria a da Educação Profissional – para gerir o Ensino Profissional como se este fosse uma

modalidade de ensino dissociada da Escola Básica. Tal ação invalida a ideia inicial da

integração e inviabiliza a possibilidade de que isso de fato venha a se efetivar.

17 Organograma disponibilizado no site da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, no endereço eletrônico < http://www.educacao.institucional.ba.gov.br/node/66>.

105

106

Como se pode perceber, analisando o organograma da Secretaria de Educação da

Bahia a Superintendência de Educação Profissional funciona paralelamente à

Superintendência de Desenvolvimento da Educação Básica. Para que pudesse ser garantida a

integração das ações dessas Superintendências, convergindo para um único objetivo, seria

importante a existência de Órgão articulador das políticas formuladas no âmbito do Estado

garantindo assim a realização de um planejamento coletivo das políticas educacionais.

Há quem possa dizer que a criação de um segmento voltado especificamente para o

Ensino Profissional se constituiria num ganho, já que teria o foco voltado para essa

modalidade de ensino, no entanto tal pensamento é preocupante, pois a divisão física reflete

concretamente a ideia de um ensino fragmentado e descontínuo.

Sobre estas questões de organicidade dos órgãos gestores da Educação e, acerca do

exemplo de uma rede de ensino integrada, é salutar utilizar a experiência do Paraná, uma vez

que este Estado é precursor na implantação de uma rede de ensino integrada, sendo que ali

se criou um projeto de integração para o sistema de educação de nível médio desde o ano de

2003. Certamente tais experiências servem como pontos de reflexão e não de receituário

pronto e acabado, pois o que deve ser levado em consideração para o sucesso de

determinada proposta é o desejo de mudança daqueles que a criam e/ou a executam. É este

desejo que é capaz de propiciar as transformações necessárias e não a simples

prescrição/implantação de modelos pré-estabelecidos.

Quanto à estrutura organizacional, no Paraná18, a Secretaria de Educação (SEED) é

constituída de duas Superintendências – diferente da Bahia que possui cinco

superintendências, porém sem nenhum Órgão articulador, estando ligadas somente ao

Secretário de Educação – com naturezas distintas, mas com objetivos comuns, ou seja, o

desenvolvimento da Educação Básica. A Superintendência de Desenvolvimento Educacional

objetiva dar o suporte físico e de gerenciamento administrativo da rede escolar, ao passo que

a Superintendência de Educação (SUED) se incumbe do planejamento pedagógico para a

educação no Estado (Verificar estrutura organizacional no organograma disposto na página

seguinte).

18 Informações publicadas em entrevista com a Superintendente de Educação Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde no site da Secretaria do Estado do Paraná disponível no endereço: <http://www. diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=31>

107

Estrutura Organizacional da Secretaria de Educação do Estado do Paraná

Disponível no endereço eletrônico: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diaadia/modules/ conteudo/conteudo.php?conteudo=104>.

Com subordinação à SUED foi criada a Diretoria de Tecnologia Educacional

(DITEC) que dá o suporte para o trabalho das políticas educacionais; e a Diretoria de

Políticas Educacionais (DPPE), que tem a função de articular todas as políticas públicas

formuladas para a educação no estado. Assim, os Departamentos ligados à SUED

formularão as políticas públicas que competem à sua esfera de atuação sob a devida

articulação da DPPE reunindo esforços para a execução de um trabalho integrado. Segundo

entrevista com a Superintendente de Educação.

A SUED está diretamente ligada às duas diretorias e a quatro novos departamentos: Departamento de Educação Básica (DEB), Departamento de Educação e Trabalho (DET), Departamento de Inclusão Educacional (DIE) e Departamento da Diversidade (DED).

108

Essas novas diretorias, a de Políticas e Programas Educacionais e a de Tecnologia Educacional, não são diretorias que se fecham em si. Elas servem de suporte aos departamentos e fazem um grande trabalho articulador19.

Esta integração não é apenas do ponto de vista físico e organizacional, contudo

segundo A Secretaria de Estado da Educação, representada pelos Departamentos da Educação Profissional e Ensino Médio, fez uma clara opção política pela retomada da Educação Profissional e também por uma política curricular que concebe a formação de seus alunos intimamente imbricada aos princípios pedagógicos do trabalho, da cultura, da ciência e da tecnologia, os quais devem estar permanentemente presentes nas atividades de ensino/aprendizagem planejadas e desenvolvidas na escola, discutida e assumida pelo coletivo de seus profissionais e devidamente sistematizada em seu Projeto Pedagógico (FERREIRA; GARCIA, 2005, p. 163).

Percebe-se que o Estado do Paraná assumiu realmente a ideia de um ensino

integrado, entretanto, no caso da Bahia a fragmentação já se torna perceptível a começar

pela estrutura da Secretaria de Educação. Esse ponto de discussão é salutar porque não será

possível resolver o problema da Educação Profissional sem discutir o Ensino Médio.

Enquanto não se constituir em compromisso político (e não politiqueiro, mas enquanto

formulação de política pública) discutir o Ensino Médio e suas finalidades não se chegará à

verdadeira gênese do problema da Educação Profissional. Não é possível formar indivíduos

em bases sólidas se não houver uma preparação na educação geral, pois isto lhe

instrumentalizará a conhecer os processos produtivos mais amplos.

Aliás, outra questão interessante que remete a uma concepção dicotômica é o termo

“modalidade” que é utilizado para classificar a Educação Profissional, este soa meio que

estranho, já que deveria ser utilizado somente quanto à forma como o ensino de um modo

geral é ministrado, por exemplo, se o ensino é a distância, se semipresencial, se modular. O

próprio fato de se tratar o Ensino Profissional como modalidade – e se houver outra forma,

por favor, deve ser sinalizada para conhecimento e acatamento – reforça-se a ideia de que

não é parte integrante da Escola Básica, ou que deva estar integrado a este nível de ensino.

Este é um ponto de reflexão que deve ser considerado se o interesse estiver voltado para a

efetivação de um ensino politécnico de qualidade.

Então ficam as perguntas no ar: como estão estruturadas as políticas públicas para a

Educação Profissional na Bahia? O objetivo é reestruturar o Ensino Médio numa perspectiva 19 Trecho de entrevista com a Superintendente de Educação Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde disponível no site da Secretaria de Educação do Estado do Paraná conforme citado na nota de rodapé 6.

109

de um ensino para a politécnia ou se está criando apenas políticas pontuais, fragmentadas e

dissociadas do contexto educacional já existente?

Estes questionamentos são cabíveis diante do fato de que no Brasil quando se trata da

educação e em especial da Educação Profissional a descontinuidade tem sido a mola mestra.

É necessário tomar cuidado para não se incorrer nos erros do passado como ocorreu com as

Leis Orgânicas criadas por Francisco Campos na década de 30. A expedição daqueles

decretos disciplinava o Ensino Profissional e mais especificamente o Ensino Comercial, mas

sem nenhuma conexão com o Ensino Secundário (que equivale ao Ensino Médio

atualmente) ou mesmo com o Ensino Superior, tal ação denuncia uma política pontual e

fragmentada. Será que há uma disposição em aprender com as falhas do passado buscando

efetivamente superá-las?

Como parte desta análise é importante observar alguns dados da educação brasileira

e mais adiante da educação da Bahia que é objeto da pesquisa, pois os dados quantitativos

poderão indicar os pontos de tensão da realidade educacional. Embora não seja o objetivo

desta pesquisa dissecar sobre as problemáticas que estão por detrás dos percentuais de oferta

de vagas, compreende-se que para tornar mais rico o estudo empreendido – que política

pública estadual propõe o Plano de Educação Profissional – é interessante visualizar os

dados referentes ao Ensino Médio e Profissional na Bahia, uma vez que estes poderão nos

dar pistas sobre a abrangência desta política pública e a sua acessibilidade aos jovens

baianos.

Justifica-se tomar dados do Ensino Médio, porque não é possível compreender o

Ensino Profissional dissociado deste nível de ensino, pois se assim não for a dualidade

estrutural denunciada por Kuenzer, Manfredi e Saviani não será eliminada. É importante

compreender, que diferente do que é proposto pelos textos oficiais e por especialistas, a

essência do problema do Ensino Médio não é somente de cunho filosófico ou metodológico,

podendo resolver as problemáticas que o envolvem com a formulação de uma política capaz

de articular a preparação no mundo do trabalho e a continuidade de estudos. Contudo, como

aponta Kuenzer (2009, p. 26) este é um problema de ordem política, circunscrita às relações

de poder típicas de uma sociedade dividida em classes que desde a sua primeira iniciativa

estatal até os dias atuais instituiu duas redes de ensino paralelas, uma profissional e outra de

educação geral, com vistas a atender às necessidades socialmente definidas pela divisão

social e técnica do trabalho.

Sabe-se que os dados percentuais não poderão falar de modo isolado, mas com

certeza, estes trazem nas entrelinhas uma série de intencionalidades, pois embora não se

110

possa medir a qualidade do ensino – sem considerar outros indicadores é claro – pode-se

discutir sobre a sua acessibilidade e democratização.

Assim, delimitou-se como universo para coleta de dados percentuais o período

compreendido entre os anos de 2003 e 2009. Esse recorte temporal se justifica devido ao

fato de que é no ano de 2004 que é estabelecido o Decreto 5.154/04, o qual trouxe em seu

bojo a Reforma da Educação Profissional. Tomamos o ano de 2003, por se tratar de um ano

anterior à Reforma, assim se poderá ter uma melhor visão da Educação Profissional antes e

depois da promulgação do Decreto citado. Embora estejam discriminadas todas as esferas

administrativas que oferecem a Educação Profissional, isto a fim de que se tenha uma visão

panorâmica, o foco do estudo será a esfera estadual. Sendo que isso se justifica devido ao

fato de que nosso objeto de estudo se localiza nesta esfera administrativa. Porém se inicia

apontando dados da realidade educacional brasileira sobre o Ensino Médio e Profissional,

isso porque se entende que compreender a situação nacional é salutar e localiza o leitor

quanto à realidade mais especifica que é a baiana dentro de um universo mais global.

Desse modo, segundo dados do Departamento de Políticas do Ensino Médio, ligado à

Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica e à Secretaria da Educação Básica20,

apesar do Brasil possuir uma população juvenil (15 a 19 anos) com 18 milhões de jovens

foram ofertadas pouco mais de 9 milhões de vagas no Ensino Médio em 2003 (consultar

Gráfico I) na rede pública de ensino, ou seja foram cerca de 54,49% de vagas ofertadas em

relação à população juvenil. Sendo que ocorreram somente 7,7 milhões de matrículas de

acordo com o Censo Escolar de 2003 que discrimina ainda o percentual da oferta por esfera

administrativa. Isto quer dizer que sobraram aproximadamente 1 milhão e 300 mil de vagas

no Ensino Médio. Essa é uma situação preocupante, que revela a negação da cidadania

através de políticas de inclusão social que de fato garantam a inserção dos indivíduos na

educação.

20 Os dados dos Gráficos I e II foram retirados de informações coletadas do Censo Escolar publicadas do site do Inep e disponibilizadas no site do Governo Federal no endereço eletrônico: <http://educacaoprofissional. sct.ce.gov.br/download/Ensino_M%C3%A9dio_Integrado_-_2005.ppt>.

111

Gráfico I

Oferta de Ensino Médio no Brasil

Total da Oferta (Brasil): 9.132.698 matrículas

(Censo Escolar 2003 – Inep)

E em se tratando especificamente da Educação Profissional a disparidade é ainda

maior, pois apenas 3,75% da população juvenil (15 a 19 anos) do Brasil é atendida em

matrículas de cursos técnicos de nível médio. Então, totalizando as matrículas do Ensino

Médio e dos cursos técnicos chega-se à estimativa de 41,26% de jovens que não freqüentam

o Ensino Médio ou a Educação Profissional.

Sobre a permanência na escola, de acordo com o Departamento de Políticas do

Ensino Médio cerca de 2 milhões de jovens concluem anualmente o Ensino Médio, o que

representa aproximadamente 26% dos alunos inicialmente matriculados. Isto significa dizer

que a cada quatro alunos que iniciam seus estudos somente um conseguirá concluí-los.

Deste universo de concluintes do Ensino Médio (cerca de 2 milhões)

aproximadamente 400 mil jovens ingressam em cursos de Ensino Superior (públicos e

particulares), ou seja, 20%; e 700 mil cursam o ensino técnico, o que representa 35%, isto

significa dizer que 45% de alunos terão como etapa final de seus estudos o Ensino Médio.

Comparando-se às matrículas iniciais do Ensino Médio, que representa 7,7 milhões, tem-se

respectivamente cerca de 5,2% de alunos que chegam a uma universidade e 9,1% de alunos

matriculados no Ensino Profissional; consequentemente 85,7% de alunos matriculados no

Ensino Médio não terão a oportunidade de prosseguir com seus estudos.

Matrícula Inicial no Ensino Médio - 2003

Federal1%

Estadual85%

Municipal2%

Privada12%

Federal Estadual Municipal Privada

112

Analisando-se ainda, a oferta, da Educação Profissional por regiões brasileiras,

percebe-se que há uma grande disparidade na distribuição das matrículas, pois a região

sudeste fica com 64,2%21 do total das matrículas, ou seja, 433.192 vagas.

Pode-se constatar (ver Gráfico II) que além do déficit na oferta, ocorre outra

situação de difícil compreensão, pois a esfera que possui o maior percentual de oferta é a

esfera privada que absorve 58% do número de matriculados em cursos técnicos de nível

médio, o que revela uma dupla exclusão, pois os jovens se vêem obrigados a arcar com sua

qualificação, que deveria em tese e em lei, ser garantida em uma escola pública e de

qualidade.

Gráfico II

Oferta da Educação Profissional de Nível Técnico

Total da Oferta (Brasil): 674.696 matrículas

(Censo Escolar 2004 – INEP)

Em se tratando dos dados referentes à Educação Profissional na Bahia tem-se uma

situação bastante peculiar. Coletou-se dados do Censo Escolar junto ao Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), assim como junto à

Superintendência de Educação Profissional da Bahia (Suprof), diante do que, verificou-se

que os dados entre essas fontes possuem divergências alarmantes. Por exemplo, em dados

publicados pela Superintendência sobre cursos de Educação Profissional na esfera estadual

no início de 2007, havia apenas 4.016 matriculados sendo que no final de 2007, este número

pulou para 7.672 matriculados; em 2008, chegou a 14.903 estudantes matriculados; e, em

2009, foram alcançadas 28.680 matrículas. Já em 2010 conforme informa a Suprof já são

40.100 matrículas no fim de 2010. Desse modo, a Suprof (consultar o endereço citado na 21 Boletim informativo do Ministério da Educação (MEC) disponível no sítio <http://mecsrv04.mec.gov.br/news/boletimImp.asp?Id=36>.

Educação Profissional de Nível Técnico - 2004

Federal12%

Estadual27%

Municipal3%

Privada58%

Federal Estadual Municipal Privada

113

nota de rodapé 22) expõe que houve um aumento considerável na oferta de vagas, sendo,

portanto, superior a 1.000%22.

Já o Inep com base no Censo Escolar aponta como número de matrícula para o

Ensino Técnico na esfera estadual no ano de 2007 cerca de 4.466; 4.981 em 2008; e, 8.185

em 2009. Representando nos anos de 2008 e 2009 entre os dados da Secretaria e do Inep,

respectivamente uma diferença de 9.922 e 20.295 matrículas.

Entrou-se em contato com a Suprof a fim verificar a fonte fornecedora dos dados e

elucidar essas divergências, contudo foram disponibilizados os dados apenas do ano de

2010, alegando-se que os anos anteriores não estavam tabulados. Em face da não

disponibilização oficial dos dados de matrícula na Educação Profissional de nível Médio

pela Suprof e da não confirmação dos dados disponibilizados no site apresentando-se a fonte

utilizada ficou inviável estabelecer um nível de confiabilidade nos dados. Outra questão

importante é que, mediante a solicitação desta pesquisa, a Suprof informou que o número de

matrículas na Educação Profissional no ano de 2010 correspondia a 39.780 nos cursos

subseqüentes e integrados, além do Proeja com 4.023 alunos. É possível, então perceber que

a própria Suprof apresenta contradição nos dados informados, pois ora apresenta no site

40.100 matriculados, ora em dados disponibilizados mediante a solicitação da pesquisa

afirma que são 39.780 alunos matriculados, uma divergência de 320. No caso se forem

consideradas as matrículas do Proeja, que são de 4.023, a diferença nos dados sobe para

3.703.

Diante disso surge um questionamento inevitável, como explicar então que foram

publicados dados antes de sua tabulação? Além disso, não se discrimina no site a

especificidade dos cursos, se de educação integrada ou subsequente, o que oculta a

abrangência da educação integrada, que deveria ser o objetivo primordial para a rede de

ensino.

Devido a essa situação, optou-se por utilizar os dados do Inep já que são avalizados

pelo Ministério da Educação e tem ampla aceitação nacional. Utilizar-se-á somente os dados

fornecidos pela Suprof do ano de 2010 no tópico do texto em que se discutirá sobre a

implantação de um sistema nacional de educação. Isso porque foram discriminados

minuciosamente os tipos de cursos da Educação Profissional oferecidos pelo Estado e,

devido ao fato de que não foram publicados os dados finais do Censo de 2010 realizado pelo

Inep. Embora estejam expostos nas tabelas dados de outras esferas administrativas, enfatiza- 22 Dados informados pela SUPROF disponibilizados no endereço eletrônico <http://www.educacao.ba.gov.br /node /146#sub10>.

114

se que as análises referentes ao Ensino Médio e à Educação Profissional são todas relativas

somente às matrículas da esfera estadual. Esse recorte se deu devido ao fato de que a

pesquisa está circunscrita a esta esfera de ensino, além de ser salutar explicitar de que a

esfera estadual é responsável de acordo com a LDB pelo Ensino Médio.

Após essa incursão explicativa, comparando-se o cenário educacional da Bahia com

a esfera nacional, percebe-se que enfrentam situações bem semelhantes em se tratando da

disparidade de oportunidades de acesso à Educação Profissional, o que é bastante

preocupante. Inicialmente pode-se afirmar que houve, em 2009 na Bahia, um crescimento de

um modo geral na oferta de vagas no Ensino Profissional em relação aos anos anteriores,

chegando a um percentual de crescimento de 71,54% tomando como base o ano 2003.

(conforme demonstra a tabela II disposta abaixo). Embora o percentual seja significativo o

número absoluto é ainda pequeno, pois a oferta é de apenas 17.351 vagas.

Tabela II23

Taxa de crescimento do Educação Profissional de Nível Técnico na Bahia entre os anos de 2003 a 2009 tomando com referência o ano de 200324

Pode-se visualizar na Tabela II o número reduzido de vagas oferecidas no Ensino

Profissional – mesmo em detrimento de seu crescimento – quando se compara com o

número de alunos matriculados nesta modalidade de ensino com o quantitativo de alunos

matriculados no Ensino Médio na Bahia entre os anos de 2005 a 200925 conforme disposto

na Tabela III. A diferença dos números do Ensino Médio com os do Ensino Profissional em 23 Tabela elaborada, assim com as tabelas III, IV, V e VI, a partir dos dados do Censo Escolar entre os anos de 2004 e 2009, com os dados coletados no sitio: <http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Matricula/ censoescolar?UF=BAHIA>. Para o ano de 2003 coletou-se os dados no site da Secretaria do estado da Bahia que tomou como base o Censo da Educação Profissional 2003. SEC/SUDEB/DIREM - Relatórios. 24 Não é especificado o ano de 2004 conforme destacado com o (*) asterisco porque o Censo da Educação Básica online (fonte da pesquisa) não informa os dados de matrícula deste ano. 25 O comparativo entre os dados de matrícula do Ensino Médio e da Educação Profissional só pode ser feito a partir do ano de 2005, já que é a partir deste ano que o Inep disponibiliza os dados destas duas modalidades.

115

2005 é de 643.168 e de 560.411 em 200926, ou seja, significa afirmar que cerca de mais de

meio milhão de jovens baianos matriculados, a cada ano, na rede estadual no Ensino Médio

não teve acesso à Educação Profissional ofertada por esta mesma esfera. Aí se percebe que o

percentual de fato sofre um aumento exponencial, mas em números absolutos o crescimento

é irrelevante.

Tabela III

Comparativo entre os números de alunos matriculados no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico na Bahia entre os anos de 2005 a 2009

Outra aspecto interessante é que até o ano de 2008 a esfera privada abrigava o maior

número de alunos matriculados na Educação Profissional de nível Técnico (4.981

matriculados na esfera estadual contra 5.470 na esfera privada). Essa situação revela o

descumprimento do Estado na oferta de educação pública gratuita para os seus cidadãos, isso

porque é incumbência do Ensino Médio a formação nas bases científicas, tecnológicas e no

mundo do trabalho, conforme reza a LDB 9.394/96. Desse modo, entende-se que é

atribuição do Estado a oferta de Educação Profissional gratuita de nível Médio para os

estudantes, já que o Ensino Médio tem o fim de formação para o mundo do trabalho.

Assim, de acordo com dados da tabela IV, mesmo sendo a esfera estadual a que

abrigava o maior número de matrículas do Ensino Médio na Bahia no ano de 2008,

correspondendo a 86,54%, o percentual de matriculados na Educação Profissional de nível

Técnico na esfera privada é superior à esfera estadual pública absorvendo 0,83% das

matrículas contra 0,73%. A esfera estadual supera a esfera privada somente no ano passado,

26 Não se sabe a causa das matrículas do Ensino Médio haver diminuído, várias podem ter sido as causas como abandono, repetência e decréscimo da taxa de natalidade, contudo não é objetivo deste estudo investigar esses fatores. A pesquisa tem objetivo somente de comparar o número de matriculados por modalidade de ensino e esfera administrativa.

2005 2005 2006 2006 2007 2007 2008 2008 2009 2009

Ensino Médio

Ed. Prof.

Ensino Médio

Ed. Prof.

Ensino Médio

Ed. Prof.

Ensino Médio

Ed. Prof.

Ensino Médio

Ed. Prof.

Est. 646.004 2.836 633.625 4.831 584.970 4.466 575.571 4.981 568.596 8.185

Fed. 3.578 4.311 3.936 3.797 4.526 3.669 4.903 4.137 5.882 3.433

Mun. 41.458 900 35.341 727 30.291 891 25.726 1.060 22.304 550

Priv. 52.840 4.485 49.915 6.517 34.956 5.096 43.252 5.470 40.650 5.183

Tot. 743.880 12.532 722.817 15.872 654.743 14.122 649.452 15.648 637.432 17.351

116

sendo os índices dessas duas esferas respectivamente, 1,25% e 0,79% de alunos

matriculados em cursos de Educação Profissional de nível técnico.

Tabela IV

Percentual de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico

na Bahia por esfera administrativa

Uma vez que é na esfera estadual que está localizada a pesquisa, demonstrou-se na

tabela abaixo o total de alunos matriculados em cursos de Ensino Médio e de Educação

Profissional de nível Técnico, e como estão subdivididos esses percentuais. Conforme a

Tabela V o percentual de matrículas da Educação Profissional nos anos de 2005 a 2008 não

ultrapassa 1%, superando essa marca em 2009 com 1,42% das matrículas.

Tabela V

Comparativo de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível

Técnico na esfera estadual na Bahia

Como se pode ver com o gráfico abaixo o percentual de oferta da Educação

Profissional de nível Técnico é irrisória frente aos percentuais do Ensino Médio.

2005 2005 2006 2006 2007 2007 2008 2008 2009 2009 Ensino

Médio Ed.

Prof. Ensino Médio

Ed. Prof.

Ensino Médio

Ed. Prof.

Ensino Médio

Ed. Prof.

Ensino Médio

Ed. Prof.

% % % % % % % % % % Estad. 85,4 0,37 85,78 0,65 87,46 0,67 86,54 0,75 86,83 1,25

Fed. 0,47 0,57 0,53 0,51 0,68 0,55 0,74 0,62 0,90 0,52

Mun. 5,48 0,13 4,78 0,10 4,53 0,13 3,86 0,16 3,41 0,09

Priv. 6,99 0,59 6,76 0,89 5,22 0,76 6,5 0,83 6,21 0,79

Total 98,34 1,66 97,85 2,15 97,89 2,11 97,64 2,36 97,35 2,65

Ens. Médio Ed. Profissional Total Ens. Médio Ed. Profissional 2005 646.004 2.836 648.840 99,56 % 0,44 % 2006 633.625 4.831 638.456 99,24 % 0,76 % 2007 584.970 4.466 589.436 99,24 % 0,76 % 2008 575.571 4.981 580.552 99,14 % 0,86 % 2009 568.596 8.185 576.781 98,58 % 1,42 %

117

Gráfico III

Comparativo de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional de Nível Técnico na esfera estadual na Bahia

Ainda que se tomem os dados da Secretaria de Educação da Bahia, indicados para o

ano de 2009, sendo de 28.680 matrículas27 na Educação Profissional, a relação entre esta

modalidade de ensino e o Ensino Médio será de cerca de 4,74%. Desse modo, ainda que o

crescimento tenha sido significativo, chegando a 71,54% de acordo com o Inep, quando se

compara as matrículas da Educação Profissional de nível Técnico com as de nível Médio

este é um percentual aquém do desejado.

Há quem possa dizer que parte destes alunos que concluem o Ensino Médio pode ter

ingressado no Ensino Superior, mas esta é de fato é uma afirmação errônea, já que a

quantidade de jovens entre 18 e 24 anos no Brasil que chega a ingressar no Ensino Superior

ainda é bastante reduzida. Conforme dados do MEC/Inep, apenas 12% da população brasileira da faixa etária entre 18 e 24 anos – cerca de 23,4 milhões de pessoas em 2000 – é atendida no nível superior. (...) Quando se considera a população total, esse número pode ser ainda mais revelador. Os dados do Censo Demográfico de 2000, do IBGE, indicam que há, no país, 5.585.835 de pessoas com o ensino superior (nível de graduação) concluído (...). Portanto, para uma população estimada em cerca de 179 milhões de habitantes, dos quais cerca de 23,4 milhões em idade considerada apropriada para freqüentar cursos superiores (18-24 anos), o número total de graduados não atinge 3,29%, ao passo que o número de pós-graduados não ultrapassa 0,18% (ou, respectivamente, 6,54% e 0,36% da população residente com mais de 25 anos) (MINTO, 2006, p. 184-185).

27 Dados disponíveis no site da Secretaria de Educação da Bahia que trata da implantação do Plano de Educação Profissional da Bahia, disponível no site <http://www.educacao.ba.gov.br/node/146>.

118

E quando se trata especificamente da Bahia, tomando como base o ano de 2006,

somente 208.37028 jovens tiveram a oportunidade de ingressar num curso de nível superior,

sendo que deste universo, 138.270 estudaram numa faculdade privada. Isso significa dizer

que de 722.817 concluintes do Ensino Médio na Bahia (considerando todas as esferas

administrativas) no ano de 2006, somente 28% chegou à universidade, mas em se falando da

esfera pública esse percentual cai para 9,7%. Esse quadro endossa o pensamento de que de

fato, não é na Educação Superior que está a maior parte dos jovens brasileiros e nem mesmo

os baianos.

Pode-se, assim, pela análise dos dados expostos, afirmar que são poucas as

oportunidades dos jovens brasileiros em idade escolar cursar o Ensino Profissional ou de

ingressar no Ensino Superior. Verifica-se a partir da exposição dos dados que além da

exclusão da maior parte dos alunos no acesso a níveis mais altos de ensino, ainda há um

repasse das obrigações do Estado para outras esferas administrativas: é a rede privada

assumindo uma atribuição que cabe tão somente ao Estado em arcar. Desse modo, um

questionamento imperioso se faz necessário: onde estarão os demais jovens brasileiros e

baianos que não ingressam no Ensino Superior e Educação Profissional? Que oportunidades

de ensino estão tendo? Que oportunidades de emprego e renda dispõem? Embora, tenha

havido um substancial crescimento do Ensino Profissional percebemos que esse crescimento

é insignificante quando comparado a outros níveis e modalidades de ensino regular.

O que chama também à atenção é o fato de que a esfera administrativa que teve um

maior número de acréscimo de matriculados no Ensino Profissional é a esfera estadual, com

quase metade dos matriculados, ou seja 8.185 matrículas num universo de 17.351. Tomando

como referência o ano de 2003 houve um crescimento tanto em números percentuais que

chega a 71,54% em 2009 como nos números absolutos. Quando se toma como referência o

ano de 2007, o crescimento em 2009 chega a 83% segundo os dados no Inep, diferente do

percentual apresentado pela Suprof que expõe um crescimento de 1.000%. Uma

possibilidade para justificar essa divergência é que a Suprof não discrimina em 2009 quais

as modalidades de curso. Essa premissa é baseada em dados fornecidos do ano de 201029,

pois de 39.710 matrículas, 13.601 são de cursos subseqüentes, 26.179 de cursos integrados

e, 4.023 do Proeja. Significa dizer que além de não ter alcançado a meta para 2009, ficando

com um déficit de cerca de 400 matrículas na expansão da rede de Educação Profissional,

apenas 65,92% das matrículas destina-se aos cursos integrados. Percebe-se que o 28 Fonte: MEC/INEP/DEAES. Elaboração: SEC/BA – SUPAV/CAI. In: Anuário Estatístico da Educação 2007. 29 O ano de 2010 foi o único ano sobre o qual foram disponibilizados dados tabulados pela Suprof.

119

crescimento do Ensino Profissional integrado mesmo superando a marca do Estado nos anos

anteriores é ainda é muito pequena para cobrir o total de matrículas na esfera estadual.

Tomando o ano de 2009, que é imediatamente anterior à 2010, ao comparar o número de

matriculados no Ensino Médio em relação aos cursos de Educação Profissional integrado ao

Médio, verifica-se uma disparidade muito grande mesmo em detrimento do crescimento

apontado.

Tabela VI30

Comparativo de matrículas no Ensino Médio e da Educação Profissional integrada ao

Médio na esfera Estadual na Bahia

ESFERA ESTADUAL

Ensino Médio (2009)

Ed. Profissional integrada ao

Médio (2010)

Total Ensino Médio (2009)

Ed. Profissional integrada ao

Médio (2010)

568.596 26.179 594.775 95,6% 4,4% Como pode se ver, as ações empreendidas pelo Estado de ampliação da Educação

profissional, tem ainda um longo caminho para se tornar acessível a boa parte dos jovens

baianos. É certo que após a implantação do Plano de Educação profissional a expansão

ocorrida é louvável, mas não foi o suficiente para uma verdadeira democratização desta

modalidade de ensino como se pode notar com o Gráfico IV (disposto na página seguinte).

30 Dados de matrícula do Ensino Médio do Inep retirada de tabelas anteriores e dados da Educação Profissional integrada ao Ensino Médio fornecidos pela Suprof, conforme informado anteriormente.

120

Desse modo, nesse cenário é importante investigar que políticas públicas têm sido

criadas pelo estado da Bahia para o Ensino Profissional a fim de alavancar o crescimento

dessa modalidade de ensino em cumprimento ao que preconiza a LDB 9.394/96 e o Decreto

5.154/04. Esse questionamento é bastante salutar para que se busquem ações consistentes

para expansão da Educação Profissional, com uma verdadeira qualidade educativa. Nessa

perspectiva, como sinalizado inicialmente, a principal iniciativa do Governo da Bahia para a

reestruturação do Ensino Profissional é a criação e implementação do Plano de Educação

Profissional. Desse modo, nesse capítulo propõe-se a análise desse plano enquanto política

pública do governo estadual. Sendo que inicialmente foi feito este panorama da situação do

Ensino Profissional no Brasil e na Bahia, ação esta, que se entende como fundamental para

localização do objeto de estudo no seu universo de inserção e para uma melhor compreensão

do alcance das políticas públicas à população de um modo geral.

4. 2 – O Plano de Educação Profissional da Bahia

4.2.1 – A trajetória de elaboração do Plano de Educação Profissional da Bahia

Inicialmente serão expostas as partes que compõem o Plano de Educação

Profissional da Bahia apresentando o teor das mesmas, ao passo que se refletirá sobre a sua

redação analisando em que tipo de política pública se constitui e para que caminho se

direciona. Para tanto é proposto no estudo a compreensão das visões de mundo que abriga,

que intencionalidades estão implícitas e a que grupos visa atender, ou seja, que concepção de

sociedade e escola lhe dá sustentação. É objetivo, ainda, analisar como está disciplinada a

121

forma de oferta dos cursos. A fim de nortear a investigação será tomado como objeto de

estudo a legislação expedida pelo governo do Estado da Bahia que dá subsidio às ações

propostas no Plano.

Na apresentação do Plano, está expresso que este é fruto de uma política pública

prioritária do Governo do Estado, que tem sido implementada desde o ano de 2008. O

documento que embasou o Plano de Educação Profissional da Bahia foi Plano Plurianual

Participativo (PPA 2008-2011), tendo sido construído a partir do diálogo com vários atores

sociais que contribuíram para a sua elaboração. A formulação deste documento contou com

a participação de diversos seguimentos sociais sob a coordenação da Secretaria do

Planejamento a fim de traçar metas, diretrizes e ações a serem executadas no período de

2008-2011 com vinculação financeira em Lei orçamentária anual (BAHIA, 2007b).

No processo de elaboração participaram movimentos sociais, produtores,

comerciantes, cooperativas, indígenas, quilombolas, pescadores, professores, estudantes,

ambientalistas, agentes culturais e de turismo, acadêmicos, religiosos, agentes públicos,

ONGs, fóruns, conselhos, entre outros, que puderam propor ações e decidir sobre os temas

prioritários de investimento financeiro dos Territórios de Identidades.

A diretriz estratégica do Plano Plurianual que trata da educação expressa como foco

do Estado “garantir educação pública de qualidade, comprometida com as demandas de

aprendizagem do cidadão” expressando sobre a Educação Profissional que

Nos próximos quatro anos, o Governo investirá fortemente na expansão do ensino profissionalizante articulado ao ensino médio [grifo nosso]. A meta é atender a 20 mil alunos nesse período, com a ampliação de vagas e criação de novas escolas em todo o território estadual (ibid., p. 74).

O Plano Plurianual do governo do estado para o quadriênio 2008-2011 estabeleceu

como ação prioritária do estado o investimento em educação, ao passo que disciplinou sobre

a expansão da Educação Profissional integrada à Educação Básica.

O Plano de Educação Profissional da Bahia é a materialização dessa iniciativa,

estando sob a incumbência da Superintendência de Educação Profissional (Suprof), que foi

criada pelo Decreto nº 10.955, de 21 de dezembro de 2007, como citado anteriormente. Para

disciplinar o Plano foram baixados uma série de decretos, portarias e instruções normativas.

Por exemplo, o Decreto nº 11.355 de 04 de dezembro de 2008 que dispõe sobre a criação

dos Centros Estaduais e dos Centros Territoriais de Educação Profissional no âmbito do

Sistema Público Estadual de Ensino do Estado da Bahia. Já o Decreto nº 11.356, do mesmo

122

dia e ano, dispõe especificamente sobre o Centro da Educação Profissional da Bahia e do

Centro Estadual da Educação Profissional – Águas.

As portarias nº 9.719/2009, a nº 12.189 de julho de 2009 e a Portaria nº 4.752/2010

disciplinam sobre o sorteio eletrônico. O Decreto Simples de 2009 trata da nomeação dos

membros do Comitê Gestor Programa Trilha.

A Portaria 8.676 de 17 de abril de 2009 regulamenta a estrutura administrativa dos

Centros Estaduais e Territoriais de Educação Profissional e dá outros encaminhamentos. A

Portaria 8.677 de 17 de abril de 2009 e a Portaria 17.283/09 estabelecem sobre a

transformação de Unidades Escolares Estaduais em Centros Estaduais e Territoriais de

Educação Profissional e dá outras providências. E por fim a Instrução normativa nº 003/09

de 30 de julho de 2009 dá orientações a cerca da organização curricular dos cursos com suas

respectivas matrizes.

Percebe-se que no curto tempo de vigência do Plano (três anos ao findar 2010) foram

expedidos uma série de atos legislativos em anos e meses diferentes. Num primeiro

momento pode parecer uma adequação à realidade, mas diante de uma análise mais detida, e

sem querer engessar a legislação que deve de fato está a serviço da população, tal situação

aponta para ações descontínuas e pontuais. Aliás, essa é uma característica da legislação

educacional brasileira, que como exemplo ilustrativo pode-se tomar a expedição das leis

orgânicas, que se constituíram em uma série de decretos que disciplinou a Educação

Profissional em 1942, estes promoveram a desarticulação da Educação Profissional e Básica,

sendo que não se preocupou numa reforma contextual, mas os decretos eram baixados de

modo isolado.

O que demonstra não ser a área de Educação Profissional um assunto de fácil

solução, sendo que as contradições levaram a sucessivas revisões legislativas a fim de dar

conta da realidade multifacetada. Entende-se que a oferta do Ensino Médio e Profissional

sofre de uma lógica pontual com ações tópicas e fragmentadas para o que é criada uma

legislação que alicerça a essa mesma visão parcelar da realidade. Tais ações ganham sentido

por ser fruto da concepção dualista de ensino e do compromisso político antes com o capital

que com a população brasileira.

Desse modo, se o objetivo maior é da construção de uma política pública

consistente é fundamental a elaboração de um planejamento macro da educação baiana a

partir de um diagnóstico profundo do sistema de ensino. Pode-se afirmar que o

planejamento está sujeito a adaptações de acordo com as necessidades contextuais, porém

quando se trata da reestruturação de um nível de ensino, ou modalidade (este termo como já

123

apontado remete à ideia de desvinculação do Ensino Profissional da Escola Básica) que seja,

é necessário um maior cuidado e um projeto bem estruturado. Não há espaço, pois, para

amadorismos.

Quando o governo baixa uma série de decretos e portarias tal ação gera certa

desconfiança e uma boa dose de insegurança na população, pois por um lado revela que o

planejamento da política pública não se efetivou de modo eficaz, diante do que os atos

legislativos não foram suficientes para acomodá-la; e de outro lado, dá-se margem para

pensar que a descontinuidade das ações poderá desconstruir a qualquer momento o que já

está estabelecido.

Um exemplo claro disso foi a promulgação, da Instrução Normativa nº 003/09 que dá

orientação sobre a organização curricular dos cursos, ocorrer somente em 2009, um ano e

meio após o início das turmas. Indaga-se como curiosamente se organizou a matriz

curricular dos cursos já que em 2008 ainda não havia uma base legal que disciplinasse sobre

a proposta pedagógica, e uma vez que o Plano de Educação Profissional também não tratou

do assunto.

Desse modo, a revisão de um planejamento tem o fim de rever o que foi traçado e

não de sobrepor ações de modo aleatório. E no caso da legislação do Ensino Profissional

tanto a nível nacional como no Estado da Bahia, num primeiro momento fica a impressão

mais visível, que qualquer leitor poderá apreender, diante dos sucessivos remendos e

adequações, que não houve um planejamento bem articulado e organizado.

Sem perder de vista esse cenário, mais adiante, cada tópico do Plano da Educação

Profissional da Bahia será dissecado de modo mais detalhado, para que haja uma maior

compreensão de seu teor.

4.2.2 – As categorias conceituais presentes no Plano de Educação Profissional da

Bahia

4.2.2.1 – Um só Plano: três versões e divergências conceituais

Um primeiro elemento a ser considerado é o modo como está organizado o Plano de

Educação Profissional da Bahia, pois há divergências conceituais entre elas que necessitam

ser observadas.

Há pelo menos três versões veiculadas: a primeira é uma versão impressa

disponibilizada pela Suprof sendo que na ficha técnica faz-se referência sobre o fato de que

a versão completa está disponível no endereço eletrônico <www.sec.ba.gov.br>, que é o site

124

da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Ao reportar-se ao site este remete ao link

<http://www.educacao.escolas.ba.gov.br/node/15>, onde foi publicada no dia 06 de janeiro

de 2010, às 11h 17min pela Suprof, uma segunda versão31 que de fato apresenta um texto

com praticamente o mesmo teor do impresso com algumas informações adicionais. Além

dessas versões o site disponibiliza outras informações sobre o andamento do Plano de

Educação Profissional32, publicadas no dia 20 de janeiro de 2010, às 17h 46min pela Suprof,

no link <http://www.educacao.ba.gov.br/node/146#sub10>. Diante disso, para uniformizar a

escrita ao tratar do conteúdo dessas versões, estas serão identificadas respectivamente como

versão um ou impressa, versão dois e versão três. É importante salientar que de acordo

com informações da Suprof qualquer uma dessas versões tem validade oficial, sendo que as

versões mais indicadas para consultar são as online já que não se publica mais a versão

impressa.

Na versão impressa, por exemplo, não consta o item “Proposta Pedagógica” como

exposta na versão dois do Plano, sendo que tal assunto está tratado no tópico “O Profissional

da Bahia apresenta”, estando disposto na página 09. A redação apresentada na versão um, na

página 09, é a seguinte: “Perspectiva pedagógica arrojada, assumindo o trabalho como

princípio educativo e a relação trabalho-educação-desenvolvimento e a ciência-tecnologia-

sociedade como base da sua matriz curricular”.

Já na segunda versão do Plano, a redação se apresenta do seguinte modo no tópico

“Proposta Pedagógica”: “O Plano de Educação Profissional da Bahia tem uma dimensão

pedagógica arrojada, assume o trabalho como princípio educativo, uma verdadeira

Pedagogia do Trabalho. Seus pilares são as relações trabalho-educação-desenvolvimento e

a ciência-tecnologia-sociedade como base das matrizes curriculares”.

E na versão três, o termo Pedagogia do trabalho aparece num novo tópico que não

aparece em nenhuma das versões anteriores. Este é denominado “Contratação de

professores” o qual expõe sobre a função e formação dos docentes que serão contratados

31 Referência: EDUCAÇÃO Profissional é política pública de Estado. Superintendência de Educação Profissional do estado da Bahia. Suprof. 06 jan. 2010. Disponível em <http://www.educacao.escolas. ba.gov.br/node/15>. Acesso: fev. 2009. Como é um documento na versão HTML não será possível indicar a numeração das páginas nos trechos do Plano citados na dissertação. Nos trechos retirados desta fonte se indicará que corresponde à versão dois conforme explicado no texto, apontando ainda o tópico de onde se extraiu a citação. 32 Referência: PLANO de Educação Profissional. Superintendência de Educação Profissional do estado da Bahia. Suprof. 20 jan. 2010. Disponível em <http://www.educacao.ba.gov.br/node/146#sub10>. Acesso: fev. 2009. Como é um documento na versão HTML não será possível indicar a numeração das páginas nos trechos do Plano citados na dissertação. Nos trechos retirados desta fonte se indicará que corresponde à versão três conforme explicado no texto, apontando ainda o tópico de onde se extraiu a citação.

125

explicando que: “Eles exercem atividades de ensino na Educação Profissional e de

acompanhamento dos estágios integrados à unidade escolar e ao mundo do trabalho e

serão capacitados na Pedagogia do Trabalho, além de receber cursos de atualização

tecnológica”.

Diferente do que está demonstrado na ficha técnica do Plano de Educação

Profissional da Bahia, na versão um, essas não são informações complementares, pois ao

acrescer na versão dois e três os conceitos de Pedagogia do trabalho é gerado um

encaminhamento totalmente diferente à discussão iniciada na versão impressa. Se se pensar

que na primeira versão este termo não aparece, o tônus da discussão revela um esvaziamento

teórico. Sendo que o termo Pedagogia do trabalho, por sua vez, diz respeito à educação

repetitiva e baseada no conhecimento tácito própria da educação fragmentada e parcelar

característica do taylorismo/fordismo.

Diante dessas diferentes versões do Plano e do visível esvaziamento teórico nele

presente é imprescindível questionar sobre a postura do Estado da Bahia face aos conceitos

contraditórios presentes no Plano. Cabe ainda o questionamento sobre se de fato a

elaboração do Plano personifica a estratégia de expandir a Educação Profissional nos moldes

da qualidade e da integração, ou representa, somente, uma mera composição de cena.

Refletir acerca desses elementos é fundamental, uma vez que é inconcebível que se crie uma

política pública para determinado nível de ensino ignorando os princípios que o embasam.

Assim, buscando extrair os elementos basilares do Plano se analisará sobre os

conceitos apresentados na versão impressa e logo a seguir a correlação destes com o termo

Pedagogia do Trabalho.

4.2.2.1 – O princípio educativo do trabalho versus A Pedagogia do Trabalho

Quando é exposto que a proposta pedagógica assume “o trabalho como princípio

educativo” em sua matriz curricular entende-se que este é um ponto positivo, já que

compreende a indissociabilidade entre a educação e o processo de trabalho. Ou seja, o

homem aprende à medida que desenvolve sua atividade laborativa, este se constitui num

pressuposto de uma escola emancipadora que supera a dualidade entre trabalho manual e

intelectual.

A definição do princípio educativo de acordo com Kuenzer (2007, p. 32-33)

dependerá da classe social de origem, sendo que cada classe definirá esse conceito a partir

das demandas e das funções que lhe cabe desempenhar na divisão social e técnica do

trabalho. A autora ressalta que o exercício dessas funções não se limita às de caráter

126

produtivo, mas abrangem todas as dimensões comportamentais, ideológicas e normativas

que lhe são próprias, devendo a escola elaborar sua proposta a partir dessas exigências.

Dessa maneira, o modo como a escola deverá atender às exigências de cada classe

social não está dado naturalmente, mas esta é uma construção social e histórica. Assim, a

perspectiva conceitual de educação e trabalho está atrelada à divisão social e técnica do

trabalho.

Embora exponha que tenha como pressuposto o trabalho como princípio educativo

ao assumir a concepção de Pedagogia do Trabalho o Plano revela uma divergência

conceitual na sua redação, ao passo que demonstra caminhar na contramão de uma escola

unitária.

A Pedagogia do Trabalho é caracterizada pelo entendimento de ciência numa

perspectiva mecanicista que se resume em observar e repetir até memorizar as "boas

práticas" dos trabalhadores mais experientes, bastando inserir desde logo o futuro

trabalhador na situação concreta de trabalho, mesmo sem que ele se aproprie de categorias

teórico-metodológicas que lhe permitam analisar e compreender o processo do trabalho para

poder intervir com competência (KUENZER, 2006, p. 905).

Desse modo, a Pedagogia do Trabalho está circunscrita ao modelo

taylorista/fordista de produção, onde as ações eram eminentemente de cunho instrumental,

não se necessitando de um embasamento científico para executá-las. Somente os

trabalhadores em cargos de gestão deveriam possuir um conhecimento intelectual capaz de

instrumentalizá-los a dominar os processos tecnológicos e a gerenciar a produção, o que

implicaria conhecer a fundo o processo produtivo em todas as suas dimensões e etapas. E aí

que se dá o caráter dual da escola, preparação cientifica e intelectual para a classe dirigente,

e trabalho manual e instrumental para a classe trabalhadora em geral. Ao expor que tanto a

proposta pedagógica como a formação de professores se embasam na Pedagogia do

Trabalho o Plano traz no seu bojo os pilares da pedagogia taylorista/fordista.

Este é de fato um retrocesso, uma vez que, até mesmo a burguesia já entendeu a

necessidade de superação da pedagogia taylorista/fordista devido aos novos paradigmas de

organização e gestão da produção que reunificou ciência, trabalho e cultura (KUENZER,

2010)33. Diante desse processo de modernização na produção a velha escola humanista

revela seu fracasso devido ao modo cientificista como lidava com o conhecimento, retirando

o seu caráter empírico, desvinculando-o assim da realidade cotidiana. 33 Não é possível citar página já que a consulta foi realizada em artigo publicado no site do Boletim Técnico do Senac, onde ali não se apresenta a numeração, conforme explicado em notas anteriores.

127

Esta seria uma primeira justificativa diante da proposição do conceito de Pedagogia

do Trabalho, mas outra possibilidade é que à medida, que se requer formar um cidadão

habilitado em inúmeras competências devido à crescente tecnologização, esse mesmo

desenvolvimento científico gera na outra ponta a simplificação de tarefas, diante do que o

conhecimento tácito será suficiente para executar as tarefas no local de trabalho.

Assim, a solução de problemas e a realização das atividades acontecerão mediante a

utilização de conhecimentos instrumentais disponíveis pelos trabalhadores. Acredita-se não

ser necessário, pois investir em educação de altos níveis se já está destinada aos

trabalhadores a inserção em postos de trabalho onde se requer somente a execução do

trabalho manual. Desse modo, de acordo com a lógica capitalista, não é pertinente formar

trabalhadores especializados, uma vez que o mercado de trabalho não irá absorvê-los, ao

passo que trabalhadores mais bem preparados se negam a exercer atividades procedimentais,

o que inviabilizaria a sua contratação, por isso

O projeto de um capitalismo associado e dependente não tem necessidade da universalização do ensino médio de qualidade. Dados recentes mostram que dos poucos egressos do ensino médio muitos se negam a assumir empregos de baixíssimo nível e de salários irrisórios. Preferem migrar para países onde os mesmos serviços são remunerados quatro ou cinco vezes mais (FRIGOTTO, 2007, p. 1141).

Como foi explicitado no capítulo três essa é uma sugestão do Banco Mundial que

acredita ser um desperdício o investimento em educação de níveis superiores para

indivíduos que em tese “não são competentes” para exercer funções de liderança. O

investimento primordial deve ser a Educação Básica para inserção dos indivíduos na cultura

geral, assim, deve-se investir em educação especializada somente na medida das

necessidades do mercado, o que garantirá um retorno econômico.

Kuenzer explica (2002, p. 09) que mesmo diante de um desenvolvimento científico

extraordinário com a introdução da microeletrônica, o que gerou uma mudança na base

técnica, que a presença da divisão social do trabalho justifica a insistência das autoridades

brasileiras, para surpresa geral, em desenvolver políticas públicas que trabalhem ao nível das

competências procedimentais. Estas atividades por se resumirem à execução de tarefas

práticas reduzem ou eliminam a necessidade do conhecimento científico. Assim, as

habilidades que requerem conhecimentos de análise e abstração – ainda que não signifique a

compreensão total do processo produtivo, desenvolvidas em cursos de nível de escolaridade

mais elevada – ficam restritas a pequenos grupos que exercerão a liderança.

128

Os cursos, mediante o princípio educativo do taylorismo/fordismo, possuem, dessa

maneira, um esvaziamento teórico, desconsiderando os processos históricos de construção

da cultura e da sociedade. O foco desses cursos está circunscrito às Pedagogias do fazer,

onde a reprodução dos procedimentos é mais importante que a compreensão do processo

produtivo e sua articulação com a história. Esta pedagogia “priorizou os modos de fazer e o

disciplinamento, considerando desnecessário ao trabalhador o acesso ao conhecimento

científico que lhe propiciasse o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas e a

construção de sua autonomia (KUENZER, 2009, p. 31).

Como exposto, anteriormente no capítulo três, essa perspectiva educacional é

segundo Kuenzer defendida pela Escola de Fábrica, que se embasava na tese de que o bom

instrutor era o que ensinava os procedimentos laborativos através da imitação de sua prática

deixando-se observar pelos aprendizes; ao passo que o bom trabalhador era aquele que

melhor reproduzia as ações ensinadas. O ensino se dava sob a perspectiva eminentemente

comportamentalista, sendo desnecessário o domínio de conhecimentos teóricos.

Além do tipo de atividade não exigir um nível de conhecimento elaborado, havia

uma incapacidade de explicá-la ou mesmo ensiná-la já que não se dispunha do instrumental

científico para fundamentar a prática laborativa, os conhecimentos se davam no nível tácito,

ou seja, estão no plano da experiência cotidiana do trabalho.

Tem-se como exemplo dessa situação a relação estabelecida entre o pedreiro e o

engenheiro de uma obra. O primeiro executa as ações de acordo com o seu conhecimento

tácito, ou seja, aquele que é gerado de sua experiência cotidiana. Este tipo de conhecimento

se baseia na observação e experimentação dos materiais, o que lhe possibilita verificar o que

funciona ou não na construção, até mesmo com mais segurança que o engenheiro, uma vez

que já experienciou diversas vezes até chegar a uma conclusão mais plausível. Ao contrário

disso, o engenheiro ainda não vivenciou experiências mais consistentes, o que o torna

inexperiente em determinadas situações. Contudo, como o pedreiro não dispõe de um

conhecimento teórico que embase sua ação, as informações ficam num nível fragmentado e

difuso, assim fica em desvantagem em relação ao engenheiro.

Este faz uso do arcabouço teórico que possui para até mesmo tirar proveito do

conhecimento do pedreiro, já que desfruta da capacidade da compreensão global da

produção. Assim, a ação do pedreiro embora tenha sentido e tenha uma explicação

científica, como este não domina as categorias explicativas fica limitado à repetição

mecânica de sua atividade. Esse exemplo, ainda que ilustrativo, clarifica o que seja a

dissociação entre o trabalho manual e intelectual ainda presente na realidade brasileira.

129

Diante dessa exposição fica claro que o termo Pedagogia do Trabalho traduz uma

educação mecânica e repetitiva, própria do taylorismo/fordismo. Assim a assunção de uma

educação para os trabalhadores nos moldes da Pedagogia do Trabalho corresponde a uma

perspectiva de uma qualificação de baixo nível. Então o que dizer da utilização desse termo

na redação do Plano? Se a intenção não era associar o termo Pedagogia do Trabalho ao

conceito acima exposto – importante salientar que o conceito apresentado é amplamente

aceito pelos autores que discutem a Educação Profissional – então se pode dizer que houve

uma falha ao não se expor de que “Pedagogia” o Plano trata.

Outro elemento que endossa a ideia de trabalho e educação mediante uma concepção

dual, presente nesta política pública do Estado da Bahia, são as imagens expostas no Plano

(consultar anexos I, II e III) que demonstram um arquétipo de aluno bem específico. O

modo como os indivíduos estão trajados, bem como a pele escura, além de estarem

exercendo atividades manuais, remete ao imaginário social acerca da representação social de

indivíduos de baixa renda. Os indivíduos trajam roupas de operários, ou aparecem

executando atividades procedimentais como a atividade numa padaria ou mesmo numa

fábrica, nunca atividades de gestão.

Percebe-se um caráter discriminatório baseado na etnia, onde para os negros e

pobres, em tese, estaria destinado o trabalho manual. Ocorre aí, uma dupla discriminação, já

que se associa a destinação do trabalho manual desqualificado ao indivíduo negro e pobre.

Essa concepção de desqualificação do trabalho manual segundo Manfredi tem raiz na

sociedade escravocrata brasileira conforme se discutiu ao tratar da educação no Império.

Certamente, estas são atividades dignas como qualquer outra, contudo o princípio

ético é ferido quando já está traçado o status social do cidadão de acordo com a sua classe

social de origem. Desse modo, percebe-se como salutar compreender que tipo de cidadão o

Plano de fato propõe formar, indagando sobre quais as reais intencionalidades definem esse

cidadão a ser construído.

Essas primeiras aproximações, é necessário que se diga, não contém verdades

absolutas, contudo o modo como se construiu a redação do Plano e o esvaziamento

conceitual que possui revela a formação de um cidadão de segunda categoria. Para

compreender que sujeito é este que ora se constrói, é preciso que se atente ao tipo de escola

que emerge desse contexto e os elementos históricos que a tem influenciado.

Desse modo, o tópico 4.2.2.6, dará conta de discutir como a Educação Profissional

está sendo visualizada diante da construção de um sistema nacional de educação, o que é

imprescindível para a formação de um indivíduo que alcance o status de cidadão pleno.

130

Sobre isso se entenda aquele que esteja preparado intelectual e procedimentalmente para a

inserção cidadã e no mundo do trabalho.

4.2.2.3 – A relação entre ciência e trabalho

Outro conceito apresentado no Plano de Educação Profissional é a relação entre

trabalho-educação-desenvolvimento e a ciência-tecnologia-sociedade como pressupostos da

sua matriz curricular. Contudo, do mesmo modo que aponta os termos “trabalho como

princípio educativo” e “Pedagogia do Trabalho” sem discutir a respeito dos conceitos que

abrigam, igualmente aponta que é ministrada uma educação sob a perspectiva relacional

entre “trabalho-educação-desenvolvimento” e a “ciência-tecnologia-sociedade”, mas não

explicita como está delineada a inter-relação desses elementos.

Seria importante, portanto, demonstrar que objetivos, de fato, intenta o Plano, pois

tanto os trabalhadores como a burguesia utilizam esses conceitos com fins distintos. Diante

das questões apresentadas é salutar discutir a inter-relação entre os conceitos “trabalho-

educação-desenvolvimento” e a “ciência-tecnologia-sociedade” face ao sistema econômico

que hoje rege o mundo a fim de que se compreenda a discussão levantada.

Assim é que com o novo processo produtivo deflagrado pela acumulação flexível do

capital, por exemplo, impõe-se um novo tipo de sujeito que esteja qualificado para

desempenhar funções mais complexas no mundo do trabalho. É ponto pacífico o pressuposto

de que a ciência e a tecnologia são fundamentais para o desenvolvimento do processo

produtivo, assim a escola deve formar um cidadão capaz de articular esses saberes. Desse

modo, não é mais possível separar a função intelectual da função técnica, será necessário

uma formação que unifique ciência e trabalho, trabalho intelectual e instrumental

(KUENZER, 2007, p. 37).

Tanto os capitalistas como o proletariado entendem como fundamental a superação

da fragmentação entre trabalho e ciência, trabalho manual e intelectual, pois isso é condição

para o desenvolvimento do processo produtivo. O que deve ser discutido não é a relevância

da interdisciplinaridade desses elementos, pois isso é obvio dentro dos novos padrões

estabelecidos pela reestruturação do processo produtivo, mas o foco de análise deve ser

compreender que encaminhamentos tem se dado à educação a fim de que estes elementos

estejam interligados.

Por exemplo, o padrão toyotista de produção introduzido com a globalização da

economia e reestruturação produtiva supera a ideia de ensino parcelar e instrumental do

taylorismo/fordismo introduzindo a pedagogia das competências na formação dos

131

indivíduos. Para formar esse novo cidadão se requer que este domine uma série de

habilidades que englobem o domínio da ciência e da tecnologia, numa perspectiva da

flexibilidade. Percebe-se, pois, que ao passo que se exige mais do trabalhador, também se

passou a delegar a este indivíduo a responsabilidade sobre a sua formação o que garantirá,

segundo a lógica neoliberal, a sua inserção no mercado de trabalho. Portanto, a qualificação,

segundo a ideologia dentro desse sistema político-econômico dá ao indivíduo o status de

“empregável”.

Dessa maneira, ao mesmo tempo em que se absorvem no mercado os trabalhadores

“mais competentes”, simultaneamente os “inábeis” serão excluídos. A ciência e a tecnologia

não geram, nesse contexto, a inclusão social e a obtenção de benefícios coletivos, mas ao

contrário, é produzida mais desigualdade social. Desigualdade justificada pelo aumento da

exploração ao se impor que os trabalhadores exerçam uma gama de funções sob a

justificativa da flexibilidade e da polivalência; e pela exclusão do emprego protegido para

aqueles que não possuem a qualificação imposta pelo mercado de trabalho, isso porque se

acredita que o indivíduo é o tutor de sua aprendizagem. Portanto, a concepção burguesa para

a interdisciplinaridade entre a Ciência e a Tecnologia cumpre o fim de produzir lucro, o qual

é obtido pela intensificação da exploração da mão de obra do trabalhador, sob justificativa

do necessário desenvolvimento econômico.

Por outro lado, a visão emancipadora de educação que propõe uma escola unitária

compreende essa relação sob outro prisma. Isso porque, mesmo amplamente discutida desde

o século XVII a estreita relação entre Ciência e Tecnologia é interpretada sob diversas

formas (KUENZER; GRABOWSKI, 2006, p. 303).

O autor Dagnino (2010, p. 05), sem querer esgotar a discussão ou mesmo dirimi-la

aponta as duas linhas de pensamento que revelam a ideia que se tem usualmente acerca da

relação entre ciência e tecnologia. A primeira linha de pensamento entende que o caminho

traçado pela C&T se dá de modo autônomo, independente do contexto social, podendo ou

não influenciar a sociedade de algum modo.

A segunda abordagem apresentada pelo autor enfoca a sociedade, reconhecendo que

a natureza da C&T, e não apenas o uso que dela se faz, é socialmente determinada e, devido

a essa relação entre a C&T e a sociedade que a produziu, tende-se a reproduzir as relações

sociais dominantes, implementando ou inibindo mudanças segundo os interesses do projeto

hegemônico.

O modo como está organizada a Educação Profissional e as políticas públicas a ela

destinadas, depende da perspectiva de como se compreende a relação entre C&T e destas

132

com a sociedade. A primeira concepção revela a ideia de neutralidade da ciência, o que

retira o caráter histórico do desenvolvimento científico-tecnológico, desvinculando a sua

produção dos processos políticos, o que pressupõe uma verdade inexorável e inquestionável

devido à sua pretensa imparcialidade.

Esse pressuposto embasa-se na crença de que a C&T é produzida desvinculada do

contexto social, ao contrário é condição para sua produção o isolamento. Tal assertiva

implica na crença que não existem formas alternativas de produzir ciência, diante do que são

colocados em segundo plano os aspectos regionais, sociais e políticos, que deverão estar

subjugados ao caráter científico adaptando-se às suas imposições.

Assim, as contradições se resolveriam naturalmente, através de caminhos iluminados pela própria ciência, com novos conhecimentos e técnicas que superariam racionalmente os antigos, sem que se coloquem em questão a ação e os interesses dos atores sociais no processo inovativo (DAGNINO, 2010, p. 07).

Para Dagnino esta é uma visão que apresenta o progresso científico como uma

sucessão de fases sucessivas, ao longo de um tempo homogêneo e linear culminando em

resultados melhorados sucessiva, contínua e cumulativamente. Esse pensamento conduz à

percepção do senso comum, de que o presente é melhor que o passado e que conduzirá a um

futuro ainda melhor, em busca de uma finalidade imanente a ser alcançada. O

desenvolvimento da C&T seria, no plano do conhecimento, compreendida como a

manifestação da realidade tal como é apreendida pelo cientista, que pela sua posição

imparcial se caracteriza como detentor da verdade.

A neutralidade, por sua vez, conduz ao caráter universal da C&T acreditando-se na

possibilidade de utilização aleatória dos conhecimentos criados por diferentes civilizações já

que poderiam ser apropriados para finalidades quaisquer, e por atores sociais diferentes, a

qualquer tempo.

Nessa perspectiva a Educação Profissional é concebida como progressiva e igual

para todos, já que se resume à acumulação pura e simples de conhecimentos científico-

tecnológicos, o que é condição bastante para garantir o progresso econômico e social a

todos, promovendo, assim a paz social e a felicidade coletiva com o fim da pobreza.

Dominando a ciência os trabalhadores aprenderiam a pensar racionalmente, gerando

um “comportamento racional” em todas as esferas de atividade. Essa pretensa racionalidade

estaria acima de qualquer relação social, o que implicaria até na eliminação da política

devido à implantação da lógica e da razão suplantando-se a emoção e a paixão, o que

133

implicaria no tratamento das questões sociais e políticas numa perspectiva científica, o que

poria fim às disputas irracionais animadas por interesses políticos, com o que se produziria

uma sociedade cada vez melhor.

Os critérios científicos são utilizados para explicar até mesmo a linha de ação política

que passa a ser caracterizada como uma questão técnica. Esse racionalismo científico

imanente ao positivismo compreende que todos os processos – sociais ou físicos – podem

ser analisados através de uma ação científica que os reduz a coisas cuja solução é de cunho

objetivo e revestido de neutralidade científica.

À proporção que se trata a política como questão técnica a gestão da Educação

Profissional passa a ser gerida mediante processos elitizados, a serem desenvolvidos por

especialistas possuidores de conhecimentos de alto nível, o que lhes confere autoridade para

decidir sobre o que melhor para toda a sociedade, independente das relações de classe. Esse

status de gestores imparciais é-lhes atribuído devido à crença de produção neutra de

conhecimentos, o que lhes assegura enquanto cientistas um lugar social acima do bem e do

mal; a gestão dentro das tecnoburocracias é plenamente justificável, pois competência está

aliada ao conhecimento.

Outra forma de conceber a neutralidade para Dagnino é mediante a ideia de

determinismo tecnológico, onde as relações técnicas de produção estabelecidas no lócus de

trabalho, oriundas das tecnologias ou forças produtivas, que determinariam no delineamento

das relações sociais e políticas de produção; como conseqüência desta assertiva a

acumulação da capital é fruto do desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Neste caso, C&T, embora continuem a ser compreendidas como independentes das

relações sociais, passam a ser determinantes das mudanças e formas de organização da

sociedade. Assim, bastaria ao proletariado se apropriar dos conhecimentos socialmente

produzidos pela burguesia para construir um novo tecido social, o socialismo, resultante

natural do desenvolvimento das forças produtivas.

Contudo esse pensamento mecanicista, segundo Dagnino, que retira a

responsabilidade da dualidade do Ensino Profissional da divisão de classes, vai de encontro

aos ideais emancipacionistas de uma escola unitária. Para Marx e Gramsci a apropriação de

conhecimentos como veiculados na escola é fator de reprodução da desigualdade de classe,

portanto os conteúdos culturais deverão ser selecionados pelo proletariado.

Isso porque o Estado tem utilizado a escola como instrumento de reprodução de

classes ao selecionar conteúdos homogeneizadores dentro de cada classe social. Assim a

134

escola na visão da burguesia deve ser unificada, mas no sentido de que esta possa controlar

os conteúdos culturais a serem ministrados para a classe popular.

A educação emancipadora tem uma nova perspectiva, que é a de formação integral

dos indivíduos, a qual Gramsci chama de escola unitária ou politécnica e Marx a denomina

de educação tecnológica. Embora a nomenclatura não seja ponto pacífico entre os

estudiosos dessa escola, contudo o conceito possui o mesmo conteúdo. Manacorda (1991, p.

30), por exemplo, entende que o termo educação tecnológica traduziria com maior

fidedignidade a concepção marxiana do que o termo “politecnia” ou “educação politécnica”,

já que nos textos produzidos por Marx tanto nas Instruções como n’O Capital o ensino é

caracterizado como tecnológico, sendo que o termo politécnico aparece somente nas

Instruções (ibid., 1991, p. 30). Sem querer enveredar na etimologia da palavra, já que este

não é o foco do estudo, o objetivo consistirá em observar o conceito tratado, uma vez que

este trata de uma mesma natureza.

É importante, pontuar que o Plano de Educação Profissional, se distancia dessa

escola unitária proposta por esses autores, justamente por não apontar os fundamentos de

uma educação que integre ciência e tecnologia. O Plano cita sobre as categorias trabalho-

educação-desenvolvimento e a ciência-tecnologia-sociedade, sem, contudo demonstrar

como entende a interrelação desses elementos. Entende-se que o Plano apresenta a

justaposição desses termos não discutindo se a concepção que defende é de rompimento com

o pensamento de desvinculação da ciência do contexto social ou mesmo de determinismo

científico. Ao não discutir sobre esses elementos apreende-se dessa atitude que o Plano se

exime de um posicionamento crítico, o que compromete o ideal de educação crítica e

transformadora.

4.2.2.4 – Matriz curricular ou proposta pedagógica?

Outro elemento que corrobora a ideia de educação a-crítica é quando o Plano

expressa que “seus pilares são as relações entre trabalho-educação-desenvolvimento e a

ciência-tecnologia-sociedade como base das matrizes curriculares”.34

Entende-se por matriz curricular a seleção de conteúdos baseada na concepção de

ensino assumida, na qual está implicada a visão de sociedade, o que irá influenciar

diretamente no delineamento dos objetivos de ensino e aprendizagem. Assim a concepção de

currículo é anterior à seleção do conteúdo programático, sendo que o primeiro fundamenta o

34 Trecho do Plano retirado do tópico Proposta Pedagógica presente tanto na versão um como na versão dois.

135

segundo, mas não se limita a apenas essa ação. Contudo, mediante o senso comum,

usualmente se entende o currículo como as matérias de um curso, reduzindo-se o campo do

currículo à ideia de programa, ou seja, sequência de ações predeterminadas que só pode se

realizar num ambiente com poucas eventualidades e desordens (MORIN, 1999, p. 220 apud

SANTOS, 2004, p. 418).

Diferente disso, o conceito de currículo é mais amplo, englobando as posturas, a

organização do espaço físico e do tempo de aprendizagem, a relação estabelecida entre o

aluno e o docente, as relações de poder intra e extra escola, os instrumentos avaliativos, ou

seja, as mais simples ações que trazem nas entrelinhas as visões de mundo e de educação

que se possui. “Nessa perspectiva o currículo é considerado um artefato social e cultural.

Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais

(MOREIRA; SILVA, 2000, p. 07).

Desse modo, o Plano apenas cita os elementos sobre os quais está embasada a sua

matriz curricular, ao invés de apontar a relação estabelecida entre eles, o que impossibilita

que se demonstre a concepção de sociedade e ensino defendida.

Por outro lado, a Instrução Normativa nº 003/09 de 30 de julho de 2009, que dispõe

sobre as orientações para a organização curricular, quanto à matriz curricular da Educação

Profissional dá alguns encaminhamentos que merecem ser considerados. A Instrução

Normativa em seu artigo 1º em relação à matriz curricular dos Cursos de Educação

Profissional – os quais devem estar referenciados no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos,

nas diversas modalidades – sugere que sejam contempladas as disciplinas da Parte

Diversificada (Formação Técnica Geral) e da Parte Profissional (Formação Técnica

Específica) de acordo com o curso profissional adotado.

A fim de elucidar o que seja Formação Técnica Geral a Instrução nº 003/09 de 30 de

Julho de 2009 expõe no parágrafo 1º do artigo 1º que:

§ 1º A Formação Técnica Geral caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos de caráter sócio-técnico relativos ao trabalho, que perpassam todas as áreas de ocupação e que são necessários para qualquer tipo de inserção no mundo do trabalho (assalariado, de forma autônoma ou por meio da economia solidária) (BAHIA, 2009, p. 02).

Já no parágrafo 2º do mesmo artigo quanto à estratégia didática estabelece que

§ 2º A Formação Técnica Geral, enquanto estratégia metodológica de integração de conhecimentos no currículo e abordagem e/ou introdução ao mundo do

136

trabalho, deverá ser utilizada nos currículos integrados como conhecimentos-ponte entre a formação geral (Educação Básica) e a formação específica, que pode ser concebida na forma de arcos ocupacionais (ibid., p. 02).

Nota-se que no artigo 1º da Instrução Normativa nº 003/09 se expôs que Formação

Técnica Geral corresponde a um conjunto de conhecimentos e agora no parágrafo 2º esta é

caracterizada como estratégia metodológica. Do ponto de vista conceitual há uma

incorreção, pois enquanto conhecimento pressupõe que esteja circunscrito a um campo

teórico, que certamente, poderá dar sustentação a procedimentos de ensino ou estratégias

didáticas. Contudo, não é possível ser caracterizado como metodologia de trabalho se

corresponde a um campo do saber, acredita-se que são coisas distintas. O aspecto

metodológico estar ancorado num aporte teórico não é só correto, mas imprescindível,

entretanto ao contrário disso, afirmar que a concepção teórica consiste numa metodologia é

incoerente. E outro ponto a ser considerado é que ao classificar a Formação Técnica Geral

como metodologia faltou explicitar como cumpre a esse papel.

Desse modo, para maior clareza seria relevante expor em que consiste esta

metodologia de trabalho de modo mais prático, sendo que o Plano de Educação Profissional

poderia ter sido utilizado como estratégia para discussão desses elementos. Contudo, talvez

o que tenha dificultado essa explanação seja o fato de que o estabelecimento da Instrução

Normativa ter sido posterior ao Plano, sendo que os conceitos tratados na Instrução não são

tratados no Plano, e nem os elementos tratados no Plano quanto à matriz curricular são

contemplados na Instrução. Tal situação tem gerado um entendimento truncado sobre o que

realmente seja a proposta pedagógica para a Educação Profissional na Bahia.

Aliás, os conceitos de Pedagogia do Trabalho, sociedade-ciência e tecnologia e agora

Formação Técnica Geral foram utilizados sem se apontar a relação estabelecida entre eles.

Devido a isso não há clareza sobre o arcabouço teórico que fundamenta a proposta

pedagógica da política pública materializada no Plano de Educação Profissional da Bahia.

Quanto à oferta das disciplinas está previsto no artigo 2º da Instrução Normativa que

Art. 2º A formação Técnica Geral deverá constar em todos os Cursos de Educação Profissional Técnica e as disciplinas serão comuns a todos os cursos, constituindo um campo de conhecimentos necessário à inserção e atuação no mundo do trabalho. Parágrafo Único – As disciplinas referidas no caput do artigo 2º são as seguintes: I- Sociologia – Organização dos processos de Trabalho; II- Sociologia – Organização Social do Trabalho – Empreendedorismo e

Economia Solidária; III- Filosofia – Ética e Direito do Trabalho; IV- Filosofia – metodologia do Trabalho Científico;

137

V- Biologia – Higiene, Saúde e Segurança do Trabalho; VI- Informática – Inclusão Digital (ibid., p. 02).

Tratar sobre a oferta das disciplinas acaba evitando distanciamentos dos objetivos

propostos, assim propor que sejam trabalhados campos do saber da cultura geral caminha no

sentido de garantir um arcabouço teórico mais consistente. Entretanto, insisti-se que essas

ações deverão ser posteriores à definição da concepção de mundo e de sociedade que

nortearão a proposta de ensino.

Diante disso, percebe-se que o encaminhamento dos conteúdos das disciplinas

assume um caráter técnico, pois tomando como exemplo, o item II do artigo 2º, para o

estudo da disciplina Sociologia propõe-se o tópico empreendedorismo. Tal assunto localiza-

se dentro do conceito de empregabilidade, que utilizando como subsídio a Pedagogia das

Competências transfere para o indivíduo a responsabilidade por sua formação e inserção no

mundo do trabalho. Gentilli (2005, p. 55) explica que segundo essa concepção teórica “a

possibilidade de obter inserção efetiva no mercado de trabalho depende da capacidade do

indivíduo em consumir aqueles conhecimentos que lhe garantam essa inserção”.

Essa estratégia tem sido utilizada pelos governos como instrumento de transferência

de sua responsabilidade social, que é a criação de políticas de emprego e renda, para os

próprios indivíduos. Esses indivíduos são culpabilizados por não obterem um determinado

nível de qualificação e automaticamente não se inserir no mercado de trabalho. Dentre as

recomendações do Banco Mundial – para uma população que viverá com poucos direitos na

informalidade, e que, ironicamente, gozará de autonomia para fazer escolhas, ter seu próprio

negócio e definir seu ritmo de trabalho – não se necessita de um investimento em formação

especializada (KUENZER, 2010, p. 07). Assim, este cidadão deverá assumir um espírito

empreendedor para montar seu próprio negócio, sendo que o seu sucesso dependerá de suas

habilidades e não do contexto socioeconômico e político.

No item IV do artigo 2º da Instrução Normativa nº 003/09, dentro da disciplina

Filosofia, é colocado como subtema o tópico Metodologia do Trabalho Científico. É

importante ter certo cuidado, pois embora tais disciplinas tratem do conhecimento, tal

discussão se dá sob perspectivas diferentes.

Dessa maneira, normatizar sobre a oferta das disciplinas é uma preocupação válida,

mas que poderá perder a eficácia se a concepção de ensino caminhar na contramão de uma

educação holística e emancipadora. Nessa perspectiva, seria relevante que o Plano primeiro

fizesse essa discussão, expondo o posicionamento do Estado em relação ao ideal de

138

educação professada a fim de orientar as ações a serem desenvolvidas. Assim é que,

certamente, propor ações ou estabelecer disciplinas, sem a devida discussão e clareza do

trabalho pedagógico não resolve o problema da fragmentação e segmentação do ensino.

4.2.2.5 – A formação de professores

Outro ponto importante na criação/desenvolvimento de uma proposta pedagógica,

garantindo-se um posicionamento crítico com vistas à qualidade do ensino, é a promoção da

qualificação do corpo docente. Sendo ainda necessária a implementação de políticas para se

criar um quadro permanente de docentes, pois a mudança constante de profissionais

compromete a qualidade do trabalho desenvolvido.

O Documento Base formulado pelo MEC para a Educação Profissional Técnica de

Nível Médio Integrada ao Médio orienta – como uns dos fatores principais para a

consecução de um Ensino Médio, na perspectiva da integração entre Educação Profissional e

Tecnológica com a Educação Básica – que se observe a formação do docente. Deve-se ter

como objetivo para a formação dos profissionais que ali atuem Uma visão que englobe a técnica, mas que vá além dela, incorporando aspectos que possam contribuir para uma perspectiva de superação do modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente e, dessa forma, privilegie mais o ser humano trabalhador e suas relações com o meio ambiente do que, simplesmente, o mercado de trabalho e o fortalecimento da economia (BRASIL, 2007, p. 34).

É uma visão de docência de natureza humanista, onde a técnica e o conhecimento

estão entrelaçados. Entretanto, a formação preconizada no Plano, estando alicerçada na

Pedagogia do Trabalho, diverge de uma educação omnilateral, pautando-se na repetição

mecânica como se apontou anteriormente.

Além disso, os profissionais que trabalham atualmente na Educação Profissional na

Bahia são contratados temporários do Regime Especial de Direito Administrativo (REDA).

Em 2009 tinha-se uma estimativa de 445 docentes convocados sob o REDA, sendo que o

quantitativo de vagas correspondia a 696. Quer dizer que há um número grande de

profissionais atuando como temporários e, pode-se notar ainda que há carência de pelo

menos 251 profissionais para atuar na Educação Profissional. No tópico Contratação de

Professores do Plano de Educação Profissional na versão 02 explica-se que

São bacharéis, tecnólogos ou licenciados em áreas relacionadas aos eixos tecnológicos dos cursos técnicos de nível médio oferecidos pelo Estado. Eles

139

exercem atividades de ensino na Educação Profissional e de acompanhamento dos estágios integrados à unidade escolar e ao mundo do trabalho e serão capacitados na Pedagogia do Trabalho, além de receber cursos de atualização tecnológica (Trecho do Plano de Educação Profissional da Bahia).

Diante desse cenário dois fatores são preocupantes: o primeiro é a proposição da

formação dos docentes na Pedagogia do Trabalho, o revela um cunho mecanicista baseado

na pedagogia taylorista/fordista; outra questão é o fato de que boa parte desses profissionais

não tenha a formação na docência. A LDB 9.394/96 no artigo 62 (BRASIL, 1996, p. 22)

orienta que a formação dos docentes que irão atuar na Educação Básica, deverá ser em nível

superior em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos

superiores. Portanto, o licenciado é que melhor tem condição de realizar a docência, devido

a sua formação pedagógica aliada ao conhecimento específico da área em que irá atuar.

Ainda assim, pode-se considerar que haja a necessidade de contratar profissionais de

outras áreas que não seja o magistério, devido às especificidades dos cursos, contudo nesse

caso deve ser respeitado o que preconiza o artigo 61, inciso I, da LDB 9.394/96 (ibid., p.

22), que trata da formação. Ali está expresso que na formação deve estar contemplada a

associação entre teorias e práticas, inclusive com a previsão da capacitação em serviço. Assim, é

importante que os sistemas de ensino venham a preparar seus profissionais na área pedagógica a

fim de que estes sejam capazes de realizar a transposição didática dos conteúdos na perspectiva

de integrar conhecimentos da formação geral com os conhecimentos da área profissional.

Em face dessa realidade, é importante frisar que se a formação inicial não for

considerada, e por sua vez a formação continuada obedecer a um viés mecanicista (aspectos

subjacentes à Pedagogia do Trabalho), então, entende-se que a educação ministrada por estes

profissionais terá um cunho meramente técnico. Isto quer dizer que os estudantes receberão

uma educação fragmentada e desvinculada de uma compreensão do contexto social.

4.2.2.6 – Discutindo a implantação de um Sistema nacional de ensino: o lugar do

ensino politécnico

Nessa perspectiva de formação de um cidadão pleno, não se poderá invalidar os fatos

históricos que tem influenciado na constituição da educação, o que é imprescindível para

superar o ensino dual a que está submetido o sistema de ensino brasileiro.

No entanto, é bastante preocupante que a redação do Plano desconsidere os

elementos históricos que tem caracterizado a educação brasileira e a baiana. Tal sinalização

é fundamental porque o planejamento de uma política pública deve estar vinculado ao

diagnóstico das tensões sociais existentes, definindo-se claramente os limites de atuação e os

140

pontos de enfrentamento a fim de contornar as problemáticas oriundas da realidade social

com suas complexidades.

Diferente disso, em momento algum são expostos no Plano as vicissitudes ou os

pontos de tensão da Educação Profissional na Bahia, o que gera a dificuldade de

compreender a trajetória do Ensino Profissional no estado como bem os pontos nevrálgicos

que a política pública deve superar. O Documento Base da Educação Profissional Técnica

de nível Médio integrada ao Ensino Médio expõe que para efetivação de uma política

pública e não apenas um Programa de governo, é necessário conhecer as fragilidades e

potencialidades dos sistemas educacionais, sejam eles federais, estaduais, ou municipais, na

busca de sua superação (BRASIL, 2007, p. 32).

A natureza a-histórica revela uma concepção de educação desvinculada do contexto

social, como se uma política pública pudesse dar conta de resolver os problemas que tem

origem nas raízes históricas de nossa educação. A não discussão das problemáticas

existentes, mais que a simples ignorância revela o desejo de encobrir as contradições, o que

provavelmente impossibilitará a compreensão de suas verdadeiras causas e, por conseguinte

se inviabilizará a sua superação. Isso porque, Para se definir uma política de governo... em uma sociedade complexa, absolutamente díspar sob diversos ângulos, há que se ter os pés no chão: jamais esconder as verdadeiras causas do problema que se deseja enfrentar e resolver... para resolver problemas complexos não pode haver soluções simplificadas, sob o risco de se cair no simplismo analítico e propor medidas inadequadas, populistas, demagógicas, clientelistas (KUENZER, 2009, p. 25).

Compreendendo que a superação da dualidade do ensino não é uma questão de fácil

solução, já que é fruto da desigualdade porque passa a sociedade é que Kuenzer aponta não

ser possível ignorar os determinantes sociais. A simples proposição de uma política ou

legislação que a embasa não garantirá isoladamente a sua consecução, antes é necessário o

desejo de concretização mediante uma boa dose de compreensão da realidade e o

comprometimento social.

É aí que é possível perceber que a questão da dicotomia do saber está presente no

Plano tanto seu caráter a-histórico assim como pela fundamentação na Pedagogia do

Trabalho. Essa constatação remete à crença de que isso tem gerado o silenciamento da

discussão em torno do Ensino Profissional integrado ao Médio embora esse assunto esteja

contemplado no PPA 2008-2011, que deu sustentação à criação do Plano de Educação

Profissional da Bahia.

141

Um novo modelo de educação está sendo implantado, voltado para a formação integral dos cidadãos e cidadãs, envolvendo conhecimentos básicos e técnico-profissionais, bem como aqueles relativos ao exercício dos seus direitos e deveres (BAHIA, 2007b, p. 73).

O PPA expõe o caráter unitário entre conhecimento intelectual e instrumental, sendo

um todo indissolúvel. Entretanto, a essa proposição não é feita uma discussão quantos aos

aspectos complicadores para a sua consecução, o que dá a ideia de que esta é uma proposta

descolada da realidade. Ainda que o PPA trate de modo limitado da Educação Profissional,

no Plano de Educação Profissional da Bahia esse assunto sequer foi mencionado nessa

perspectiva da unidade.

Observa-se que o cenário de contradições que envolvem a educação para o trabalho

foi deixado de lado, como se estas questões fossem de simples solução e como se o Plano

solitariamente pudesse dar conta das demandas por uma educação igualitária. Ainda mais

que, a despeito de estar expressa no PPA a formação integral do indivíduo, não se esclarece

no Plano as estratégias para a implantação dessa escola unitária. Aliás, o Plano sequer

mencionou o contexto brasileiro de contradições porque tem passado o Ensino Médio no que

tange à integração com a Educação Profissional.

Não é demonstrado como a Bahia tem procedido para adequação ao que se

disciplinou para a Educação Profissional por ocasião da implantação da LDB 9.394/96.

Embora naquele momento não houvesse a extensiva obrigatoriedade da Escola Básica ao

Ensino Médio, a legislação passou a prever a formação dos indivíduos na cultura geral, em

bases cidadãs e na preparação nos processos científicos e tecnológicos a fim de preparar os

indivíduos para o mundo do trabalho. Passou a haver a previsão de uma educação com vistas

à unitariedade entre educação e trabalho.

É certo que a dificuldade de concretização estava circunscrita ao cenário educacional

brasileiro multifacetado, que não tem oportunizado aos jovens brasileiros o acesso ao ensino

e a permanência na escola, ao passo que a legislação não contemplava o Ensino Médio com

uma dotação orçamentária, já que o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do

Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) se destinava somente para o Ensino

Fundamental. Situação que veio a ser contornada somente em 2006 com a instituição do

Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

dos Profissionais da Educação) que financiaria toda a Escola Básica.

Logo no ano seguinte com a promulgação do Decreto 2.208/97, retirou-se a

possibilidade desse ensino unitário, já que a legislação estabeleceu apenas a oferta de cursos

142

concomitantes e subseqüentes. Situação que embora não superada na íntegra, assume uma

nova perspectiva com o Decreto 5.154/04 que restituiu a possibilidade de integração dos

cursos de Educação Profissional.

O que causa estranhamento é que nesse cenário de tantas contradições, continuidades

e rupturas, diante de uma legislação difusa e cheia de incongruências, com tantas idas e

vindas, o Plano é construído desconsiderando todos esses elementos. É como se fosse um

Plano sem história, ou ainda, um Plano autônomo, desvinculado do contexto social. Diante

disso, pode-se dizer que assume uma missão redentora, já que as ações propostas poderão

promover a solução para a Educação Profissional. Será que de fato querem que se acredite

nesse pressuposto?

É notório que o Plano longe de questionar as contradições existentes faz uso do

caminho mais fácil, isto é, assim como o Decreto 5.154/04 que longe de restituir o caráter do

ensino politécnico previsto na LDB, permite a coexistência de uma série de cursos a fim de

todos agradar.

O Plano prevê para oferta dos cursos quatro modalidades de ensino: o Ensino Médio

Integrado, o Subsequente, o Proeja e o semipresencial. No Ensino Médio Integrado, a

Educação Profissional é integrada ao Ensino Médio, tendo os cursos a duração de quatro

anos, estando voltados àqueles que concluíram o Ensino Fundamental. Assim, ao concluir o

curso o indivíduo terá o diploma de técnico e ainda poderá prosseguir seus estudos na

Educação Superior.

Os cursos subseqüentes são para aqueles que já concluíram o Ensino Médio e

desejam complementar sua formação com a Educação Profissional, possuindo a duração de

um ano e meio a dois anos a depender do eixo tecnológico e ocupação a que se destinam.

É interessante perceber que o Plano não discute o currículo do Ensino Médio nem em

que bases deve ser ministrado, além do que ainda prevê a existência dos cursos

subseqüentes. Esta modalidade, conforme dados fornecidos pela Suprof para o ano de 2010,

absorve um percentual de 34,2% de matrículas na Educação Profissional com um

quantitativo de 13.601 alunos.

Sabe-se que isso não está em discordância com a lei que indica a possibilidade de

oferta na modalidade de cursos subseqüentes, mas a mesma legislação não proíbe que a

integração seja pleiteada pelas instituições de ensino. Assim, o posicionamento de buscar a

integração dependerá do entendimento dos governos, pois como já foi demonstrado, os

Estados do Espírito Santo e do Paraná têm trabalhado para a implantação de uma rede de

ensino integrada desde o ano de 2003.

143

Ao não se preocupar prioritariamente com a Educação Profissional Integrada,

expandido a quantidade de cursos subseqüentes, corre-se o risco de oferecer cursos

aligeirados indiscriminadamente ao invés de se investir na reestruturação do Ensino

Profissional numa perspectiva de unitariedade do ensino. E isso, como preconiza Acácia

Kuenzer, implicaria na reestruturação do Ensino Médio e de suas diretrizes a fim de

promover uma formação nas bases científicas, tecnológicas e cidadãs ao introduzir os

indivíduos no mundo da ciência e do trabalho.

Para isso, seria necessária a construção de um Sistema de Ensino Estadual onde a

Educação Profissional estivesse contemplada na Escola Básica, de formação na cultura geral

e de preparação profissional, articulando sempre ciência e tecnologia com os processos

sociais e culturais.

Aí que Marise Ramos (2005, p. 120) propõe que o currículo dessa escola se afaste

progressivamente dos princípios tayloristas-fordistas de produção sob forte influência do

racionalismo-empirista. No caminho oposto a perspectiva dialética compreende a integração

de conhecimentos com a finalidade de reconstruir totalidades pela relação das partes. O

currículo em si não possui a capacidade de compreender o real em sua totalidade, antes é

preciso a seleção de conceitos e conteúdos que expressem as múltiplas relações que definem

o real. O que implica dizer que serão definidas disciplinas, conteúdos, projetos, ou que mais

elementos for necessário para a organização do currículo escolar.

Como orientação para a elaboração do currículo integrado Ramos (ibid., p. 114),

tomando o pensamento de Kosik (1978), esclarece que cada fato ou conjuntos de fatos,

essencialmente, reflete a realidade com maior ou menor riqueza ou completude. Por este

motivo, é possível que um fato tenha o poder de explicitação do real mais que o outro. Desse

modo, para poder se conhecer a totalidade tomando as partes é necessário a capacidade de se

identificar os fatos ou conjunto de fatos que deponham com mais fidedignidade sobre a

essência do real; e ainda, que se tenha a capacidade de distinguir o essencial do acessório,

além de que se perceba a finalidade objetiva dos fatos.

Essa relação entre o homem e o objeto do conhecimento, bem como a apropriação

social desse conhecimento produzido que lhe dá significado está contida na ideia de trabalho

como princípio educativo que de acordo com Gramsci (1991b apud RAMOS, 2005, p. 121)

define a escola ativa e criadora. Ter o trabalho como princípio educativo diz-se de uma

formação baseada no processo histórico e ontológico de produção da existência humana, em

que a produção do conhecimento científico é apenas uma dimensão. Isto quer dizer que todo

144

conhecimento é gerado a partir da ação do homem sobre a natureza através do trabalho, o

gera a produção da existência humana sobre bases materiais e sociais concretas.

Dessa forma, Ramos afirma que só é possível compreender o conhecimento no seu

modo mais atual mediante a compreensão da realidade e do processo histórico de

constituição da ciência. Como já foi sinalizado na discussão entre C&T, igualmente Ramos

acredita que os processos de trabalho e as tecnologias expressam a evolução das forças

materiais de produção e podem ser tomados como um ponto histórico e dialético para o

processo pedagógico. A natureza histórica diz respeito ao fato de que o trabalho pedagógico

objetiva demonstrar as contradições em torno da produção do conhecimento. Toda prática de

ensino viabiliza a compreensão do estágio atual das coisas esmiuçando os seus fundamentos.

A perspectiva dialética é compreendida pela concepção de que o estudo do processo de

produção não se limita à sua estrutura formal e procedimental aparente, mas se caracteriza

por tentar captar os conceitos que os fundamentam e as relações que os constituem. Tais

fundamentos podem ser contraditórios e por isso mesmo podem ser questionados por outros

conceitos.

É aí que Ramos sinaliza que um processo de produção, como elemento da realidade

mais ampla, pode ser estudado em múltiplas dimensões, tais como econômica, produtiva,

social, política, cultural e técnica. Os conceitos iniciais para esse estudo convertem-se em

conteúdos de ensino sistematizados nas diversas áreas de conhecimento e suas disciplinas.

Nesse aspecto pode-se perceber que conhecimentos gerais e conhecimentos profissionais

apenas se diferenciam didaticamente e em suas finalidades situadas historicamente; contudo,

esses conhecimentos formam uma unidade.

A autora explica que no currículo que integra formação geral, técnica e política, o

pressuposto de conhecimento geral de um conceito encontra-se no seu enraizamento nas

ciências como “leis gerais” que explicam os fenômenos. Já um conceito específico,

caracteriza-se pela apropriação de um conceito geral aplicado com finalidades restritas a

objetos, problemas ou situações de interesse produtivo. A tecnologia, diferente do conceito

de determinismo científico, ou neutralidade científica, é visualizada como ciência apropriada

com fins produtivos. Por esta razão, no currículo integrado nenhum conhecimento é apenas

geral, já que embasa objetivos de produção, e nem somente específico, porque nenhum

conceito apropriado no processo produtivo pode ser elaborado ou entendido desarticulado da

ciência básica.

145

Compreendendo que qualquer conhecimento específico que caracterize uma área

profissional é produzido dentro de campo conceitual mais amplo, não será possível dissociar

o processo de ensino das raízes históricas que marcaram a produção no tempo e no espaço.

É aí que para formar um cidadão reflexivo que se aproprie de uma unidade do

conhecimento que possibilite a formação numa escola integradora, se faz necessário a

constituição de um Sistema Nacional de Ensino que permita a integração desses

conhecimentos.

Nesse ponto, o Plano de Educação Profissional da Bahia peca por não discutir os

fundamentos da Escola Básica, pois ainda que não possa oferecer o “ensino ideal” na

atualidade, poderá fazer brotar o gérmen de um ensino emancipador que integre

conhecimento profissional num futuro próximo. Para tanto, poderia suscitar uma profícua

discussão que certamente encaminharia para obtenção do entendimento de que um contexto

produtivo, e, por conseguinte educacional, só pode ser construído histórica e

ontologicamente. Seguindo essa linha de pensamento é importante pontuar que o Plano

deixou de discutir os seguintes tópicos:

- A dimensão do homem em sua totalidade histórica, onde trabalho manual se

articula ao intelectual;

- A organização da Escola Básica e da Educação Profissional com vistas a uma

escola unitária;

- A organicidade do trabalho para a educação básica no delineamento de uma rede de

educação nacional.

Esse canário para Kuenzer tem no Ensino Médio o cerne da problemática da

educação para o trabalho, assim sem revisar as suas bases não poderá se obter a superação

da dualidade estrutural a que está submetida a educação brasileira. Para tanto, é necessário

buscar na história os elementos que influenciaram na construção dessa escola dual. Ignorar

esses elementos só faz aumentar o fosso de desigualdade social e cultural a que está

submetida a educação brasileira.

4.2.2.7 – A concepção de escola é construída historicamente

Primeiramente é necessário entender que a ideia de escola que se tem atualmente foi

construída a partir da divisão social do trabalho, sendo que a concepção sobre que bases

deve estar fundada depende da classe social de origem. Desse modo, o princípio educativo

aderido pelas elites obedece a padrões distintos em relação ao defendido pelo proletariado.

146

Demonstrou-se que ao defender a expansão da escola básica, a burguesia, cumpre a

objetivos diversos das classes operárias.

Visando legitimar seu ideal de educação a concepção pedagógica burguesa tem sido

sistematicamente tratada e defendida pela intelectualidade orgânica dessa classe. De modo

geral, a exposição do conteúdo da concepção pedagógica como demonstra Lombardi (2005,

p. 07 apud DUARTE, 2000 a, 2000 b, 2003) corresponde às “pedagogias do aprender a

aprender” e que exprimem o amplo leque das perspectivas ideologicamente ligadas ao

liberalismo e sua versão novidadeira – o neoliberalismo.

Diante disso, os teóricos emancipacionistas, por outro lado, tem denunciado a

fragmentação a que a escola básica tem sido submetida, sabendo-se que só será possível a

sua reconstrução a partir da revisão das bases do capital e da desconstrução desse sistema

econômico excludente (OLIVEIRA, 2009, p. 143).

Em contraponto a essa escola segregadora propuseram a escola unitária, sendo seus

principais expoentes Gramsci, Marx e Engels. Para explicar o conceito de escola unitária

tomou-se como referencial as leituras desses autores realizadas por Saviani, Lucília

Machado, Kuenzer, Manacorda e Paolo Nosella.

Ao versar sobre o conceito de escola unitária os autores inevitavelmente discutiram

sobre o tópico politecnia, assunto onde pontos nevrálgicos circundam, seja quanto ao seu

conceito e até mesmo quanto à sua terminologia, uma vez que este termo abriga um campo

polissêmico. Contudo a proposta aqui não é dissecar o assunto ou mesmo tratar desses

pontos de tensão abordados por estes autores, mas compreender os princípios básicos da

escola unitária e seus objetivos.

Além da politecnia será tratado da polivalência, pois é o conceito que lhe é

“antagônico” e muitas vezes é utilizado em substituição ao primeiro pelas classes burguesas,

pois objetiva confundir aqueles que não conhecem os fundamentos da qualificação

profissional na perspectiva de homem integral.

Saviani (2007, p. 163) aponta que significando politecnia “múltiplas técnicas,

multiplicidade de técnicas, daí corre-se o risco de entender esse conceito como a totalidade

de diferentes técnicas fragmentadas, autonomamente consideradas”. Desse modo, esses

conceitos são utilizados tanto pelos proletários como pelos burgueses para afirmar o seu

discurso de classe e são fundamentais para compreender a constituição da escola unitária.

É importante compreender que a emergência da escola como local de ensino, como

aponta Kuenzer (2007, p. 32-33) se deu no afã de atender às exigências fundamentais do

mundo da produção onde emergem grupos sociais diferenciados com necessidades

147

específicas. Tais grupos criam para si uma camada de intelectuais que estará incumbida pela

sua homogeneidade, consciência e função nos campos econômico, social e político. Formar

esses intelectuais é atribuição da escola, que para exercê-la, definirá seu princípio educativo

a partir das demandas de cada grupo e das funções que lhes cabe desempenhar na divisão

social e técnica do trabalho. Kuenzer explicita que o exercício dessas funções não está

restringido ao mundo produtivo, mas engloba todas as dimensões comportamentais,

ideológicas e normativas que lhe são próprias, devendo a escola elaborar sua proposta a

partir dessas exigências.

Dessa maneira, com o rompimento do padrão taylorista/fordista de produção como

demonstra a autora, ainda que pela contradição, exige-se um novo perfil de cidadão que seja

capaz de articular conhecimentos experienciais, conhecimentos científicos, tecnológicos e

sócio-históricos, onde conhecimentos sistematizados, experienciais e comportamentais vêm

substituir a rigidez. Para tanto, Kuenzer sinaliza ser imprescindível embasar a Educação

Profissional em uma sólida base de educação geral, ultrapassando as dimensões estritamente

acadêmicas que caracterizam o Ensino Fundamental e Médio no Brasil.

A primeira categoria explicativa da necessidade de articulação entre essa gama de

conhecimentos para Kuenzer (2010) é a crescente presença da ciência e da tecnologia no

processo produtivo e social. A partir daí emerge uma aparente contradição: por um lado a

simplificação cada vez maior de tarefas, e por outro lado, a necessidade de maior

qualificação do trabalhador a fim de executar tarefas que exigem maior poder de análise e

abstração. Manacorda (1990, p. 153) aponta que esse mesmo entrelaçamento entre ciência e

trabalho cria a necessidade de superação da escola clássica, para dar lugar a uma cultura

nova e diferente, ligada à vida produtiva.

Assim entendido, é necessário perceber que a expansão da escola básica é condição

salutar para o desenvolvimento do processo produtivo, porém as oportunidades educativas

estão atreladas à classe social de origem. Dessa maneira, ao propor a “escola única” a

burguesia objetiva uniformizar o saber dentro de cada classe social e não democratizar o

ensino. Machado (1991, p. 33) explica que o movimento da escola “única” dirigido pela

burguesia manifestou a relevância das dimensões diferenciação e integração ao passo que se

propôs a contemporizar esse dilema, ou seja, objetivou regulamentar a diferença numa

perspectiva integradora. Essas categorias demonstram a intencionalidade de oferecer

conteúdos escolares homogêneos e limitados para a massa trabalhadora a fim de ajustá-la à

divisão técnica do trabalho.

148

A proposta liberal de unificação escolar, embora signifique muitas vezes avanço e resulte, em parte, das lutas e reivindicações da classe trabalhadora, ao assumir esse caráter legitimador, passa a caracterizar-se por seu conteúdo diferenciador, enquanto implica em desenvolvimento unilateral do indivíduo, monotecnia e ajustamento à divisão social do trabalho (KUENZER, 1997, p.73).

O caráter diferenciador está baseado na crença de que há diferenças nas habilidades

dos indivíduos, o que justifica uma educação intelectual para as elites e uma formação

aligeirada destinada à massa trabalhadora que em tese não possui os requisitos fundamentais

para receber uma educação de nível mais alto.

O que faz o projeto liberal de escola unificada é transpor para o plano educacional o limitado horizonte de direito burguês, pois considerando isoladamente as diferenças sociais e individuais, institui uma unidade de medida (difícil mesmo de uma precisão objetiva, pois carregaria a marca dos interesses de classe) chamada aptidão, capacidade, interesse etc. através desse parâmetro, seria feita a triagem dos indivíduos, preservando-se (teoricamente) o princípio da supressão das barreiras ao acesso à educação (MACHADO, 1991, p. 95).

Desse modo, a seleção está baseada na capacidade natural dos indivíduos, o que é

utilizado como argumento plenamente aceitável a fim de corroborar a lógica quanto aos

diferentes tipos de escola ofertados. Esta é, pois, instrumento usado pela burguesia para

controlar a massa trabalhadora, reproduzindo conteúdos morais e culturais

homogeneizadores, garantindo assim a sua subordinação. Desse modo, Nosella (1992, p. 17)

ao estudar Gramsci demonstra o caráter interesseiro e grotesco com que a burguesia trata o

trabalho e, por conseguinte a escola. Devido a isso Gramsci escreve que é o proletariado que

deve exigir, impor a escola do trabalho (C. T., 227, 18.07.1916 apud NOSELLA, 1992,

p.17).

Lombardi aponta que Marx denunciou que a ampliação do aparato escolar se deu sob

a justificativa liberal de que a educação deveria ser considerada uma necessidade social,

como um direito de todos os cidadãos. Com isso, o crescimento do aparato escolar se deu

sob a dependência do Estado, e uma vez que este estava a serviço da burguesia se convertia

como instrumento de dominação ideológica, um recurso para que a burguesia se

consolidasse como classe hegemônica, e pudesse exercer o poder. Conforme a Introdução

aos Textos sobre educação e ensino Marx e Engels expuseram que “o estado de classe estava

intimamente ligado ao ensino de classe. Ainda que sem tensões, o aparato escolar se

convertia em um apêndice da classe dominante [...]. (1983, p. 10 apud LOMBARDI, 2005,

p. 15) Diante disso Marx sinaliza que na Crítica ao Programa de Gotha que

149

Isso de “educação popular a cargo do Estado” é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc, e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado, como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão [...], onde, pelo contrário, é o Estado quem necessita de receber do povo uma educação muito severa (MARX, 2009, p.14).

Marx revelava a desconfiança da igualdade da educação escolar para todas as classes.

Na realidade seria um posicionamento que encontrava fundamento na própria ideia de

Estado defendida por este estudioso como administrador dos negócios coletivos de toda a

classe burguesa.

Kuenzer (1997, p. 95) esclarece que não é a escola em si que cumpre o papel de

excluir os indivíduos, mas o próprio movimento social que é excludente, pois se assim não

fosse a escola isoladamente poderia incluir ou excluir independente do contexto no qual está

inserida, não sofrendo as suas determinações. Assim entendido, a autora salienta que

resgatar o direito à educação escolar é apenas parte desta luta, e nesse sentido limitar a

educação do trabalhador à escola enquanto “lócus legítimo do único saber legítimo” é um

desserviço à classe trabalhadora.

É necessário que os educadores lutem para a ampliação dos espaços e tempos de

aprendizagem dos trabalhadores, tarefa que tem sido muitas vezes executada por instituições

não-governamentais e até mesmo por pessoas físicas das comunidades. A burguesia já

realiza tal ação ao defender outros espaços educativos para seus filhos, uma vez que

reconhecem a insuficiência da escola para a sua educação. Por outro lado, a escola é

utilizada como espaço de controle dos conteúdos a serem ministrados para a massa

trabalhadora, ao passo que a burguesia mantém sob sua tutela o processo pedagógico em

geral. Desse modo, a escola tem sido utilizada como mecanismo de mediação da educação

dos trabalhadores a fim para atender os interesses da burguesia e que certamente está

diretamente relacionado com o trabalho, suas formas de organização e as relações sociais

que ele engendra.

4.2.2.8 – A emergência de uma escola unitária ou politécnica

Mesmo sabendo da limitação da escola a ideia tanto de Marx e Engels como de

Gramsci não era ir de encontro à democratização do ensino ou a expansão escolar gratuita,

mas garantir que a escola não mais servisse como instrumento de propagação dos conteúdos

150

homogeneizadores da cultura e reprodução das relações de poder. O objetivo destes teóricos

não foi invalidar a luta pela expansão do ensino, mas em garantir que não fosse ministrada

uma educação de segunda categoria para a classe trabalhadora, lembrando como sinalizou

Kuenzer que a busca pela escola é somente parte da luta pela igualdade social.

Diante dessa incapacidade da burguesia em ministrar uma educação condizente com

as necessidades do proletariado Gramsci propunha que a classe proletária criasse uma escola

diferente, onde fossem ministrados conteúdos inerentes à sua realidade. Como a burguesia

desconhece esses conteúdos, somente o proletariado poderia assumir esse papel.

Embasando-se em Gramsci, Saviani (2007, p. 159) propõe o conceito de escola

unitária adaptado ao sistema de ensino brasileiro considerando para tanto as condições da

sociedade brasileira atual.

Para Gramsci a escola unitária é escola de trabalho intelectual e manual (técnico, industrial); que seu objetivo é a formação dos valores fundamentais do humanismo, isto é, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias tanto para os estudos posteriores como para a profissão (MANACORDA, 1991, p. 163).

Esta escola tinha um caráter holístico, já que visualizava o homem sob uma

perspectiva mais ampla, trabalhando com todas suas dimensões, sejam físicas, emocionais,

cognitivas, sociais sabendo que estas são fruto de uma construção histórica.

De acordo com Saviani (2007, p. 159-160), a escola unitária proposta por Gramsci

corresponderia à fase que hoje, no Brasil, é definida como a educação básica,

especificamente nos níveis fundamental e médio.

Como conteúdo do ensino fundamental compreende-se como basilar a forma de

organização da sociedade atual, o que é fundamental para viabilizar a entendimento de que

os fatos sociais são construídos a partir das relações sociais travadas historicamente. Para

ampliar os conceitos relativos ao nível de desenvolvimento a que chegou a sociedade

hodierna, exige-se um acervo mínimo de conhecimentos sistemáticos, sem o que não é

possível conquistar o status de cidadão, ou seja, a possibilidade de participar ativamente na

vida social.

Saviani (ibid., p. 160) aponta que deve se constituir neste nível de ensino o estudo da

linguagem escrita e matemática, como parte do cotidiano atual; as ciências naturais, cujos

elementos básicos referentes ao conhecimento das leis que regem a natureza são

imprescindíveis para compreender as transformações operadas pela ação do homem sobre o

meio ambiente; e as ciências sociais, através das quais é possível compreender as relações

151

estabelecidas entre os homens e as formas como se organizam, tanto institucionalmente

como normativamente pelas regras de convivência, personificadas nos direitos e deveres. As

disciplinas que compreendem os conteúdos das ciências sociais são história e geografia. É,

portanto, assim a composição do currículo do ensino fundamental: a conceituação do

trabalho como implicante da vida humana. O conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática) é o princípio educativo imanente à escola elementar, já que a ordem social e estatal (direitos e deveres) é introduzida e identificada na ordem natural pelo trabalho. O conceito do equilíbrio entre ordem social e ordem natural sobre o fundamento do trabalho, da atividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberta de toda magia ou bruxaria, e fornece o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo... (GRAMSCI, 1975, v. III, p. 1.541; na edição brasileira, 1968, p. 130, apud SAVIANI, 2007, p. 160).

Saviani explica que sendo o princípio do trabalho imanente à escola elementar,

significa dizer que no Ensino Fundamental a relação entre trabalho e educação é implícita e

indireta. Embora o trabalho oriente o direcionamento do currículo, a referência a este não se

dá de modo direto, pois esta escola elementar é instrumento viabilizador da apropriação

cultural e dos elementos instrumentais para a participação social. Assim, dominar os

conhecimentos básicos de leitura, escrita, contagem e das ciências naturais e sociais

constituem em pré-requisitos para compreender o mundo em que se vive, e ainda entender a

incorporação pelo trabalho dos elementos científicos circunscritos à vida e à sociedade.

O autor expõe que diferente do Ensino Fundamental, a relação entre trabalho e

educação no Ensino Médio é explícita e direta, assim como a relação entre conhecimento e

atividade prática. Como o saber é originado do trabalho sua autonomia é limitada, dessa

maneira o papel da escola deverá se dá no sentido de resgatar essa relação entre

conhecimento e a prática de trabalho.

Aí, é que, o ensino exige além do domínio de conhecimentos básicos e gerais que

resultam e simultaneamente contribuem para o processo de trabalho na sociedade. “Trata-se,

agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é,

como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de

produção” (SAVIANI, 2007, p. 160). É importante salientar que tal explicitação deve conter

os elementos tanto teóricos como práticos sobre a forma como o saber se articula com o

processo produtivo.

152

Assim como Gramsci, Marx e Engels de acordo com Machado (1991, p. 88-89)

compreendiam as atividades de trabalho e educação imbricadas num único processo, isto é

articulação entre teoria e prática. Pela chamada educação politécnica, por meio da qual

seriam transmitidos os princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de

produção. Somando-se a isso, deveriam ser introduzidos os manejos das ferramentas básicas

das várias profissões, mediante o que Marx e Engels acreditavam ser possível atingir três

objetivos: a intensificação da produção social, a produção de homens plenamente

desenvolvidos e a obtenção de poderosos meios de transformação da sociedade capitalista.

Como estratégias metodológicas para o Ensino Médio, Saviani embasado no

pensamento de Gramsci, expõe que deverão ser utilizadas oficinas, a fim de que os alunos

possam manipular os processos básicos de produção; esta não se trata de uma atividade do

ponto de vista instrumental, mas tais ações deverão estar revestidas de embasamento teórico,

pois se assim não for se reproduzirá na escola a especialização assim como o corre no

processo produtivo, e este certamente não é o princípio de uma escola unitária. A

perspectiva em questão para Saviani é nortear a organização do Ensino Médio para

possibilitar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na

produção, e não simplesmente o adestramento em competências. “Não a formação de

técnicos especializados, mas de politécnicos” (SAVIANI, 2007, p. 161). Para ele,

Politecnia significa, aqui, especialização como domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nessa perspectiva, a educação de nível médio tratará de concentrar-se nas modalidades fundamentais que dão base à multiplicidade de processos e técnicas de produção existentes (ibid., p. 161).

Essa concepção rompe radicalmente com um Ensino Médio Profissionalizante

reprodutor de habilidades operacionais sem a devida fundamentação teórica da ação

desenvolvida e sem a articulação dessa atividade com o conjunto do processo produtivo.

Dessa maneira, expressa o domínio intelectual da técnica e a possibilidade de desenvolver

trabalhos flexíveis, recompondo as tarefas de modo criativo; implica a superação de um

conhecimento meramente empírico e de formação apenas técnica, através de formas de

pensamento mais abstratas, de crítica, de criação, supondo autonomia (KUENZER, 2009, p.

86). Entenda-se essa autonomia como a capacidade de construir o novo, e não simplesmente

executar tarefas previamente determinadas.

Sob a perspectiva do currículo a autora expõe que a politecnia se distancia do

princípio pedagógico meramente conteudista centrado na quantidade de informações que

153

não necessariamente se articulam, se aproximando de ações que, permitindo a relação do

aluno com o conhecimento, culminem na compreensão das estruturas internas e das formas

de organização, conduzindo ao “domínio intelectual” da técnica, expressão que articula

conhecimento e intervenção prática. Desse modo, rompem-se com os bloqueios artificiais

que implicam no ensino de disciplinas estanques, justapostas e desarticuladas, onde

encerram-se os conhecimentos específicos sem nenhuma conexão entre si para dar lugar a

uma nova forma de integração entre vários conhecimentos através de ricas e variadas

relações (KUENZER, 2005, p. 89).

Nosella (1992, p. 14) aponta que o ensino nessa perspectiva emerge do conceito

defendido por Gramsci de escola “desinteressada”, cultura “desinteressada” e formação

“desinteressada”. Tais conceitos trazem a conotação de um horizonte amplo, de longo

alcance, ou seja, que não se limitasse aos interesses de grupos isolados de indivíduos, mas

que interessassem à coletividade e até à humanidade inteira. Machado (1991, p. 159) explica

que esse ensino é desinteressado porque não possui finalidades práticas muito imediatas, o

que não retira, contudo, o embasamento nas situações concretas já que pressupõe a estreita

relação entre conhecimento e vida.

Aí é que essa escola não pode se efetivar sem questionar as bases da sociedade

capitalista, uma vez que o problema da dicotomia da educação não ser de cunho pedagógico

e sim social (KUENZER, 1997, 2007). Devido a isso se entende que o capitalismo não pode

viabilizar a efetivação dessa escola porque iria de encontro aos seus pilares.

4.2.2.9 - A polivalência e o ensino por competências

É certo que a educação com a acumulação flexível do capital assumiu uma nova

roupagem, exigindo a formação de um novo cidadão com uma série de habilidades, mas isso

não significou a extinção do ensino dual. Embora se requeira mais qualificação e maior

conhecimento não se possibilitou a execução de atividades que dêem conta de recompor a

totalidade do processo produtivo de modo criador e criativo, ao contrário isso significou

somente a justaposição de várias ações em conjunto e uma maior exploração do trabalhador

e de seu conhecimento tácito diante do argumento da gestão participativa do processo

produtivo. Assim, essa nova forma de aproveitamento da força do trabalhador proposta pelo

toyotismo fundamenta-se no conceito de polivalência, sendo que esta compreende a Ampliação da capacidade do trabalhador para aplicar novas tecnologias, sem que haja mudança qualitativa dessa capacidade. Ou seja, para enfrentar o caráter

154

dinâmico do desenvolvimento científico-tecnológico o trabalhador passa a desempenhar diferentes tarefas usando distintos conhecimentos, sem que isso signifique superar o caráter de parcialidade e fragmentação dessas práticas ou compreender a totalidade. A esse comportamento no trabalho corresponde a interdisciplinaridade na construção do conhecimento, que nada mais é do que a inter-relação entre conteúdos fragmentados, sem superar os limites da divisão e da organização segundo os princípios da lógica formal. Ou seja, a uma “juntada” de partes sem que signifique uma nova totalidade, ou mesmo o conhecimento da totalidade com sua rica teia de interrelações; ou ainda, uma racionalização formalista com fins instrumentais e pragmáticos calcada no princípio positivista da soma das partes. É suficiente usar os conhecimentos empíricos disponíveis sem apropriar-se da ciência, que permanece como algo exterior (MACHADO, 1991, apud KUENZER, 2009, p. 86).

Sob essa perspectiva das competências instrumentais o trabalhador passa a executar

uma gama de ações sem, entretanto influenciar a gestão do processo produtivo ao mesmo

compreender a sua totalidade. Isso irá influenciar para uma qualificação constituída num

entrelaçamento heterogêneo de elementos com vinculação frágil e muitas vezes inexistente.

Aí se justifica a seleção natural dos indivíduos, pois só serão absorvidos no processo

produtivo aqueles que dominarem as habilidades requeridas pelo mercado, desse modo a

unitariedade da escola defendida pela burguesia é apenas no plano formal já que a cada

classe social se destina uma escola compatível com a sua capacidade cognitiva. Esse

discurso é propagado e defendido Banco Mundial – órgão financiador e consultor da

educação brasileira – boa parte dos dirigentes políticos, dirigentes e mesmo muitos

intelectuais brasileiros, que acreditam ser a competência um atributo biológico ou até

mesmo divino, que não tem relação com as condições econômicas, sociais, culturais

determinadas pela organização da produção, divulgação e sistematização do conhecimento.

(KUENZER, 2007, p. 68) O trecho do PPA revela a consonância com o conceito de

habilidades, sinalizando que Um novo modelo de educação está sendo implantado, voltado para a formação integral dos cidadãos e cidadãs, envolvendo conhecimentos básicos e técnico-profissionais, bem como aqueles relativos ao exercício dos seus direitos e deveres. Assim, o projeto técnico-pedagógico em implantação foi concebido de modo a formar cidadãos e profissionais dotados de capacidade reflexiva e habilidades competitivas [grifo nosso] (BAHIA, 2007b, p. 73).

Pelo fragmento do PPA percebe-se uma contradição, pois ao passo que sinaliza uma

formação integral dos indivíduos, por outro lado, expõe que o projeto técnico-pedagógico

visa formar cidadãos com capacidade reflexiva e habilidades competitivas. As habilidades

competitivas de acordo com cenário da Pedagogia das Competências culminam no conceito

de empregabilidade, pois o que garantirá a inserção no mercado é a capacidade do

155

trabalhador de resolver problemas e de executar o maior número de atribuições já que o

mercado não tem vagas para todos.

A ideia de se visar a uma educação de caráter economicista está expressa na versão

impressa do Plano no item “Foco dos cursos” onde se diz que “a oferta dos cursos estará

sempre alinhada com as demandas do desenvolvimento econômico e social (...)” (BAHIA,

2007a, p. 15). Infere-se que o objetivo de atuação não é com o ensino nas bases científicas,

tecnológicas e cidadãs, nem em se discutir que cursos oferecer e mesmo como organizar o

currículo destes, mas simploriamente se aponta que o objetivo é suprir a mão de obra, ou

seja, suprir as demandas do mercado de trabalho.

O intuito é obter uma mão de obra a custo baixo e de modo mais rápido, pois ao

importar de outros pontos do território implicaria em custos de deslocamento. Aponta-se que

Era muito comum que as empresas se instalassem na Bahia e a mão de obra tinha que ser importada de outros estados. Agora o Governo está mudando esta realidade. Com os novos Centros Estaduais e Territoriais da Educação Profissional, novos conhecimentos são disseminados e espera-se que os jovens e trabalhadores/as baianos/as tornem-se aptos/as para atender a estas demandas relevantes nos Territórios de Identidade do Estado da Bahia, adentrando com maior facilidade no mundo do trabalho (BAHIA, 2007a, p. 15).

Não é estranho supor que a expansão da Educação Profissional atualmente coincida

com o processo de expansão da microeletrônica e informática devido ao processo de

reestruturação do capital. Assim passa-se a investir em Educação Profissional como

aconteceu na década de 30, pois naquele momento houve uma crescente urbanização e

industrialização do país diante do que se exigiu uma mão de obra mais qualificada por um

lado, e de outro um contingente que trabalhasse no setor de serviços manuais. Nesse

contexto o Estado criou uma política de investimento na Educação Profissional, entretanto o

objetivo de incluir os cidadãos se esbarra no atendimento aos objetivos do mercado.

Atrelar a formação ao atendimento às demandas econômicas retira a possibilidade de

formação de um indivíduo na perspectiva integral, subsumindo sua formação à categoria

econômica. O aspecto econômico é somente um elemento variante do trabalho, o qual é

elemento basilar ontológico e ontocriativo da espécie humana, que é inerente à sua

sobrevivência. É através do trabalho que o homem marca sua presença no mundo, agindo

sobre a natureza para modificá-la, para o que utiliza seu conhecimento ao realizar o trabalho

manual. Assim nenhum trabalho técnico prescinde da inteligência intelectual do homem.

156

As necessidades envoltas no ato de trabalhar ultrapassam, portanto, para Frigotto

(2005, p. 59) o aspecto econômico, fazendo parte da esfera emocional, estética, cultural,

espiritual e social. Esses elementos estão presentes na natureza criadora e criativa do ser

humano, o que é fundamental para seu desenvolvimento na perspectiva omnilateral, ou seja,

de modo global e amplo. Sendo essas necessidades históricas sofrem variações no tempo e

no espaço.

Desse modo, o aspecto econômico deve possibilitar que sejam dadas as condições

materiais da existência humana, pois ao dispor das condições concretas o homem pode

desenvolver sua natureza criadora, que é aspecto fundamental para sua sobrevivência. O

elemento econômico, na perspectiva de uma educação unitária, não limita a atividade

humana à economia ou mesmo a utiliza para determinar sua ação.

Quando o Plano expõe que com as ações preconizadas em seu bojo promoverão a

inserção no mercado do trabalho, revela um discurso vazio perante o universo de

desigualdades que se vivencia atualmente. Isso porque a educação isoladamente não poderá

promover a inserção social uma vez que está inserida num contexto social mais amplo,

sofrendo assim suas determinações. Como Gentilli apontou a promessa integradora da escola

já foi desconstruída a muito tempo em face ao desemprego estrutural presente na sociedade

capitalista. É necessário, para a intervenção deste problema, antes, a criação de políticas de

emprego e renda que se localizam num plano macro.

Desse modo, resgatar a unidade da escola sob a perspectiva emancipadora não se

constitui numa tarefa fácil já que não é uma ação de cunho meramente pedagógico, contudo

se localiza no contexto econômico e social com suas determinações. Nessa perspectiva,

Oliveira (2009, p. 143) explica que não é suficiente implementar reformas nas práticas

curriculares para se instituir nas escolas um projeto de formação humana que supere a

fragmentação histórica imposta pelo capital. Só será possível obter esse objetivo ao se ter

como fim a desestruturação da dominação capitalista. Isso porque esse autor revela que o

caráter mesquinho, desumano, fragmentado e predatório do capital é incorrigível.

Dessa maneira, é preciso que fique claro que a dicotomia no acesso à educação e à

cultura não é um problema meramente pedagógico, antes sua raiz se encontra no modo como

está constituída a história da organização social e econômica brasileira. Assim, para buscar a

implantação de uma escola unitária e não uniformizadora de conteúdos de classe, é preciso

questionar antes o sistema gerador das desigualdades sociais.

157

Desse modo, para dirimir as contradições presentes na Educação Profissional seria

necessário uma completa reformulação da Escola Básica, onde pudesse ser garantida uma

educação de qualidade numa escola unitária.

Para tanto se torna necessário um disciplinamento legal construído democraticamente

que pudesse dar um novo encaminhamento à política do Ensino Profissional. “Tanto Ramos,

como Carvalho, apontam a importância de haver outro instrumento legal, discutido com a

sociedade e as escolas, para reorientar a política de Ensino Médio e Educação Profissional”

(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2006, p. 368). É importante salientar que não será uma solução

imediata e simplista, como se tem proposto com a reforma do Ensino Profissional proposta

pelo Decreto 5.154/04, que irá dissolver o emaranhado no qual se encontra nosso sistema de

ensino, pois se isso fosse suficiente o problema da educação dual já estaria devidamente

resolvido.

4.2.2.10 – Que reestruturação está se propondo para a rede de ensino estadual?

Além de não discutir sobre as bases do Ensino Médio para daí promover a

reorganização da Educação Profissional existe um entendimento equivocado exposto no

Plano sobre o que seja a reestruturação da rede de ensino. Há na versão dois do Plano um

tópico no Plano com o seguinte enunciado: “Reestruturação e ampliação da Rede

Estadual”, sendo que o assunto enfocado não condiz com o enunciado, porém se detém à

organização física dos Centros Estaduais e Centros Territoriais de Educação Profissional.

Essa reestruturação está disciplinada através dos Decretos 11.355 e 11.356 de 04 de

dezembro de 2008. Com a criação da Suprof, estruturas ociosas existentes na rede estadual de educação foram aproveitadas e recursos federais (Programa Brasil Profissionalizado), são priorizados para a adequação e modernização das unidades escolares, o que inclui reforma e ampliação das unidades, equipagem de laboratórios e montagem do acervo bibliográfico. Nesse processo de estruturação da rede de Educação Profissional, unidades escolares foram transformadas em Centros Estaduais e Centros Territoriais, específicos para a Educação Profissional (Trecho do Plano de Educação Profissional da Bahia).

Essa ação corresponde à visão do Banco Mundial que ao propor o investimento em

educação se atem meramente ao caráter físico, sem discutir os aspectos pedagógicos. A

organização física deveria existir independente do Plano de Educação Profissional da Bahia,

pois esse elemento compõe o quesito de condições mínimas para que haja a qualidade do

ensino. Desse modo, não deve ser visto como benefício ou avanço em resultado à criação do

158

Plano, mas de fato se isso não acontecia ou ainda não acontece significa que o Estado estava

ou está deixando de lado uma obrigação que lhe compete, ou seja, não está garantindo as

condições materiais para o desenvolvimento de um ensino mediante o padrão mínimo de

qualidade. Expor isso como avanço retira o foco das questões prioritárias, que de fato é a

discussão sobre o Ensino Médio sob a perspectiva de sua oferta embasando-se num ensino

politécnico. Assim, percebe-se a mera preocupação com o aspecto físico revela o desvio da

atenção para um assunto que mesmo importante, é secundário em relação aos fundamentos

nos quais se embasa o Ensino Médio. Desse modo, quando se associa que a “reestruturação”

se trata apenas da ampliação da rede estadual no aspecto físico, o redator do Plano comete

um erro inaceitável, já que revela a ideia de reestruturação baseada numa concepção muito

mais do ponto de vista procedimental que axiológico, isto é, muda-se a aparência e não a

essência das coisas.

É interessante pontuar que o Plano expressa que a mudança das unidades escolares

para Centros Estaduais e Centros Territoriais de Educação Profissional não é apenas na

nomenclatura uma vez que foram criados novos cursos. Certamente isso não é uma

inverdade, mas apontar que é suficiente para a reestruturação do Ensino Profissional é

incoerente já que não garante um ensino nas bases politécnicas.

159

5.0 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do ponto de vista da constituição de uma rede de Educação Profissional o Plano

ganha uma grande visibilidade dentro do Estado e no cenário nacional, de fato buscar a

organização de uma rede de preparação para o mundo do trabalho é bastante salutar.

Contudo, existe uma série de questões que necessitam de um maior amadurecimento,

já que um planejamento bem orientado é um dos passos fundamentais para a proposição com

clareza das metas, o que poderá contribuir para a sua consecução.

Em primeiro lugar, é nítido que o Plano é redigido sem uma contextualização

histórica, desconsiderando a trajetória da Educação Profissional na Bahia, seus percalços e

limites, bem como não se apontam as medidas empreendidas para obter a superação dessa

escola dual como se tem vivenciado no Brasil desde os seus primórdios, e, por conseguinte,

nos estados brasileiros, onde a Bahia está incluída. É certo que muito já se avançou, mas

ainda há muito a fazer, já que os processos de exclusão tem se intensificado diante da

acumulação flexível, que é aspecto inerente à economia numa perspectiva neoliberal.

Não foram apontados os encaminhamentos e o posicionamento do estado na

elaboração de políticas públicas para a Educação Profissional diante do contexto de

reformulação legislativa que se vivencia no Brasil desde o processo de elaboração da LDB,

Lei 9.394/96 até a reforma da Educação Profissional estabelecida pelo Decreto 5.154/04.

Diferente da Bahia, o Estado do Paraná elaborou um documento para a Educação

Profissional denominado de “Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação

Profissional do Paraná”, que faz toda uma contextualização histórica tanto do ponto de vista

social e econômico assim como na perspectiva legislativa.

A desconsideração do aspecto histórico revela que o enfrentamento da problemática

em torno da educação para o trabalho se limitou apenas à esfera pedagógica, como se o

Plano isoladamente pudesse dar conta de resolver as vicissitudes dessa área. Ao não tratar

das questões sociais houve uma tentativa de desvincular a problemática de sua raiz histórica

que é divisão social e técnica do trabalho como fruto da sociedade de classes. Sem se

apontar esses elementos dificilmente se caminhará para a compreensão sobre a fragmentação

a que vem sendo submetida a Educação Profissional, e por conseguinte a obtenção da

superação dessa dualidade. É aí que aderindo a essa visão a-crítica o Plano sofreu um

esvaziamento teórico.

Outro ponto a ser considerado é a necessidade de que as categorias conceituais que

dão subsídio ao Plano sejam revistas, pois não há uma elucidação quanto aos conteúdos que

160

abarcam, ou mesmo uma discussão aprofundada da inter-relação dos conceitos apresentados.

Nessa perspectiva não está especificado no Plano o arcabouço teórico utilizado e nem se faz

referência à legislação nacional a que pretende se adequar.

Entende-se como de uma profunda gravidade que uma política pública esteja pautada

numa falta de clareza quanto aos pressupostos que a embasam. O silenciamento que não

revela o posicionamento assumido, longe de nada dizer, aponta para uma inércia que é

própria de quem nada deseja mudar ou fazer.

Essa atitude certamente compromete o delineamento da concepção pedagógica e a

compreensão sobre o tipo de indivíduo que se pretende formar, pois não havendo clareza

sobre que objetivos atingir qualquer resultado obtido será suficiente. Quando não está

colocada de forma clara a concepção de sociedade e de escola que o Estado defende, não

será possível que os cidadãos se posicionem contra ou favor, ou mesmo que possam cobrar o

que está proposto. Desse modo, é necessário que a sociedade civil se posicione a fim a exigir

que o Estado exponha claramente as metas para o ensino, uma vez o desconhecimento destas

poderá incorrer na aceitação de qualquer resultado.

Nessa perspectiva não se expressou no Plano em que medida há um

comprometimento com a implantação de um sistema nacional de educação com vistas à

implantação de um ensino integrado, onde Educação Profissional e Básica seja uma unidade

indissolúvel. Existe uma previsão de oferta de cursos integrados, mas isso é diferente de

garantir que toda a população possa ser preparada, conforme estabelece a LDB 9.394/96,

para ingressar no mundo do trabalho estando instrumentalizada nos conhecimentos

científicos e tecnológicos.

Ainda há que se avançar na implantação desse sistema se de fato o objetivo for

garantir a inserção igualitária no mundo do trabalho para os sujeitos de direito. Sem discutir

a Escola Básica e seus pressupostos certamente não se avançará nos encaminhamentos de

uma Educação para o trabalho. É preciso resgatar os princípios politécnicos para a

construção de uma escola unitária e emancipadora, onde de fato os aprendizes construam o

conhecimento compreendendo que a produção do saber é fruto do processo histórico da

divisão social do trabalho, sendo seres autônomos e não apenas reprodutores de informações

desarticuladas.

Certamente, a implantação de um sistema de ensino de formação integral não é tarefa

de fácil concretização, pois a raiz do problema está além de um projeto pedagógico bem

formulado, mas nos condicionantes sociais baseados no capital que tem impedido uma

educação igualitária, dentre outros direitos sociais.

161

Desse modo, é preciso discutir as determinações sociais que tem influenciado na

constituição da escola dual que se conhece no Brasil, ao passo que é preciso uma vontade e

comprometimento político com a verdadeira mudança. Entenda-se por mudança aquela que

não seja terminológica, ou aparente, mas a que garanta igualdade e justiça social para todos,

onde educação e trabalho sejam não mais produtos adquiridos no mercado, mas direitos

inegociáveis para cada cidadão e cidadã brasileiros.

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176

ANEXO I

Capa do Plano de Educação Profissional da Bahia (versão impressa)

Folha de rosto do Plano de Educação Profissional da Bahia (versão impressa)

177

ANEXO II

Imagem associada ao “Tema Trabalho, Educação e Desenvolvimento”

Imagens retiradas do blog da Secretaria de Educação, disponível no endereço eletrônico: <http://educacaoprofissionaldabahia.blogspot.com/2010_04_01_archive.html>.

Centro Territorial de Educação Profissional do Recôncavo

Imagens retiradas do blog da Secretaria de Educação, disponível no endereço eletrônico: <http://educação profissionaldabahia.blogspot.com/2010/12/superintendente-da-educa%C3%A7%C3%A3o.html>.

178

ANEXO III

Alunos em aula nos Centros de Educação Profissional

Imagens retiradas do blog da Secretaria de Educação, disponível no endereço eletrônico: <http://www.educacao.escolas. ba.gov.br/node/15>.