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Políticas Culturais para o Desenvolvimento

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O livro Políticas Culturais para o Desenvolvimento é o resultado da vontade da Artemrede de partilhar as ideias apresentadas na conferência internacional homónima, que teve lugar no passado dia 12 de Fevereiro, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada. Nesta conferência assinalou-se o 10º aniversário da associação com o lançamento, no mesmo dia, do plano estratégico e operacional da Artemrede até 2020. O livro conta com contributos de Amélia Pardal, António Matos, António Pinto Ribeiro, Catarina Vaz Pinto, Elisabete Paiva, João Ferrão, John Holden, Luís Costa, Marta Martins, Marta Porto, Nicolás Barbieri, Pedro Costa e Vânia Rodrigues.

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FICHA TÉCNICATítulo: Políticas Culturais para o Desenvolvimento: Conferência ARTEMREDECoordenação: Pedro Costa (com apoio de Ricardo Lopes)Colaboração: Marta Martins e Vânia Rodrigues Contributos: Amélia Pardal, António Matos, António Pinto Ribeiro, Catarina Vaz Pinto, Elisabete Paiva, João Ferrão, John Holden, Luís Costa, Marta Martins, Marta Porto, Nicolás Barbieri, Pedro Costa e Vânia Rodrigues

Imagem/Design: Invisible DesignImpressão: Cor ComumTiragem: 500 exemplaresData de Impressão: Junho 2015Local de edição: SantarémDepósito Legal / ISBN: 978-989-97774-0-8

Nota: Este livro utiliza dupla grafia em termos da língua Portuguesa, tendo deixado aos autores a liberdade de opção pela utilização ou não do novo acordo ortográfico nos artigos respetivos.

AGRADECIMENTOS

Aos oradores e moderadores da Conferência que serviu de base a esta publicação: Amélia Pardal, António Matos, António Pinto Ribeiro, Catarina Vaz Pinto, Elisabete Paiva, João Ferrão, Joaquim Judas, John Holden, Luís Costa, Marta Martins, Marta Porto, Miguel Honrado, Nicolás Barbieri, Pedro Costa, Vânia RodriguesAo ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa / DINAMIA’CETÀ Câmara Municipal de Almada e ao Teatro Municipal Joaquim Benite À Fundação Calouste Gulbenkian À equipa executiva da ARTEMREDE, aos Municípios Associados e a todos aqueles que contribuíram para a realização da Conferência Políticas Culturais para o Desenvolvimento e para a construção do Plano Estratégico e Operacional 2015-2020.

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ÍNDICE PARTE I – O CONTExTO: POLíTICAS CuLTuRAIS PARA O DESENvOLvIMENTO? CAP 1 – “Introdução: Políticas culturais, território e desenvolvimento”, Pedro Costa, Vânia Rodrigues e Marta Martins CAP 2 – “ARTEMREDE. 10 Anos. Um Caminho. Um Futuro .: Da Ação Cultural À Política Cultural Para O Desenvolvimento”, António Matos

PARTE II – O MANDATO DEMOCRáTICO DA CuLTuRA CAP 3 – “A legitimidade das políticas culturais: das políticas do acesso às políticas do comum”, Nicolás BarbieriCAP 4 – “Valorizando as artes e a cultura”, John HoldenCAP 5 – “Paradoxos da ‘oferta cultural’“, António Pinto Ribeiro

PARTE III – A MEDIAçãO CuLTuRAL juNTO DOS TERRITóRIOS E DAS COMuNIDADES: RESPONSABILIDADE E COMPROMISSO SOCIAL CAP 6 – “Antídoto contra o sono”, Marta PortoCAP 7 – “Red Alert ou isto da criação artística comunitária nos tempos que vão correndo”, Luís CostaCAP 8 – “O que pode o comum ter de excecional?”, Elisabete Paiva

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PARTE Iv – As políticas culturais enquanto políticas públicas: Que estratégias integradas para o desenvolvimento territorial? CAP 9 – “Cultura e território: como tornar mais eficiente uma política ‘fraca’”, João FerrãoCAP 10 – “Cultura e território: o desafio das ligações”, Catarina Vaz PintoCAP 11 – “Planear…construir cidades com emoções!”, Amélia Pardal CAP 12 – “Da ação cultural ao desenvolvimento territorial”, António Matos

PARTE v – E agora? (Re)Desenhando políticas culturais para o desenvolvimento CAP 13 – “Políticas culturais para o desenvolvimento dos territórios: alguns elementos de síntese”, Pedro Costa CAP 14 – “A ARTEMREDE: um projeto cultural a imaginar o seu futuro”, Marta Martins e Vânia Rodrigues

Referências

Notas biográficas dos autores

PARTE I

O CONTExTO: POLíTICAS CULTURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO?

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CAPíTuLO 1

INTRODUçãO: POLíTICAS CULTURAIS, TERRITóRIO E DESENVOLVIMENTO

Pedro Costa1, vânia Rodrigues2 e Marta Martins3

1 ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa / DINAMIA’CET;2 Assessora Estratégica da ARTEMREDE; 3 Diretora Executiva da ARTEMREDE

O livro que têm nas mãos é o resultado de um longo processo de reflexão e dis-cussão coletiva relativa ao futuro da ARTEMREDE e à sua inscrição nas políticas e práticas culturais contemporâneas. Esse processo, que encontram parcialmente documentado neste livro, culminou na elaboração de um Plano Estratégico, no horizonte temporal 2015-2020, lançado a 12 de Fevereiro de 2015, por ocasião da comemoração do 10º aniversário da ARTEMREDE e da organização da Conferência ‘Políticas Culturais para o Desenvolvimento’.

Foi um dia cheio, esse, 12 de Fevereiro: o Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, com quase 400 lugares preenchidos. Um Plano Estratégico acabado de imprimir. A recordação de um percurso de dez anos. Os projetos e ambições para

o futuro. E, logo depois, o futuro a começar. Decidimos organizar esta publicação porque entendemos que é importante partilhar as ideias apresentadas na con-ferência, superando a sua contingência e efemeridade inevitáveis. Mas também porque um livro é a materialização de uma vontade.

E a vontade fundamental que aqui temos é a de dar sequência ao processo de reflexão então prosseguido, com a consciência plena de que ele, bem como o plano estratégico da ARTEMREDE então apresentado, não se concluem neste momento, antes se (re)iniciam... E não devem portanto ficar fechados em si mesmos, mas antes constituírem-se num espaço aberto a todos, à reflexão conjunta e ao debate coletivo, seja no campo académico, seja no da prática artística e criativa, seja no da ação política e do planeamento. Um testemunho que possa ficar im-presso e disponível para todos, mas também ao qual se possa sempre voltar para (re)pensar quotidianamente o presente e o futuro da ARTEMREDE, em particu-lar, mas igualmente das políticas culturais em Portugal e da sua relação com o desenvolvimento e os territórios.

A ideia não será portanto este documento constituir-se essencialmente como umas atas formais do encontro havido nesse dia mas, mais do que isso, assumir-se como um repositório de um conjunto de preocupações que emergiram do processo de reflexão em que ele se inseriu e como uma síntese de ideias-chave que infor-mem a atuação futura da ARTEMREDE, durante o período de implementação do plano estratégico que agora se inicia. Para além disso, e agora mais para fora da ARTEMREDE, procura-se que ele sirva igualmente para contribuir para repensar as políticas culturais em Portugal e, em particular, a forma como as políticas culturais se articulam com o desenvolvimento, nas suas diversas dimensões (eficiência económica, equidade social, qualidade ambiental, participação cívica, capacidade de expressão identitária) e, portanto, com a promoção da qualidade de vida e bem-estar nos territórios, às mais variadas escalas.

Importará neste quadro agradecer aqui a todos quantos participaram com os seus contributos neste encontro, nele moderaram sessões ou fizeram intervenções. Mas igualmente a todos quantos participaram no processo de reflexão estratégica

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que, ao longo de vários meses, conduziu até aqui. E ainda, naturalmente, a todos quantos quotidianamente constroem a ARTEMREDE na sua atividade, sem os quais nada disto seria possível.

A ideia da conferência “Políticas culturais para o desenvolvimento” e, bem assim, a do livro, seria discutir as politicas culturais, e a sua relação com o território, no contexto específico dos dias de hoje e da realidade concreta que os agentes culturais enfrentam, num Portugal mergulhado em crise, e confrontado com mu-danças estruturais nos paradigmas que enformam as lógicas da produção artística e as políticas culturais. É nesse contexto concreto que se realça a oportunidade e a atualidade de discutir as políticas culturais para o desenvolvimento. Poderemos (e deveremos...) equacionar se esta formulação que foi proposta será a melhor lógica para a discussão deste problemas: políticas culturais e desenvolvimento? políticas culturais para o desenvolvimento? politicas culturais por causa do desen-volvimento? Não pretendemos de todo com esta nossa formulação do problema sugerir (mais) uma via para a instrumentalização da cultura e das atividades culturais, em redor dos diversos objetivos genéricos do desenvolvimento do ter-ritório. Assumimos a cultura como um fim em si mesmo, e não como mero meio para atingir outros objetivos (sem dúvida fundamentais e louváveis, aliás, mas que não são os que nos interessa aqui discutir) do desenvolvimento sustentável e integrado dos territórios na contemporaneidade. Simplesmente nos interessa discutir que a cultura, enquanto dimensão inalienável desse desenvolvimento integrado, deve ser pensada enquanto tal, e isso poderá passar por uma abordagem em que as politicas culturais (e as atividades culturais em si mesmas) possam beneficiar de uma maior articulação com os territórios e as comunidades em que se integram e, naturalmente, com as outras políticas que nesses territórios são postas em prática em nome desse mesmo desenvolvimento.

Pretendeu-se assim promover uma reflexão e um debate assente em duas áreas centrais para o desenvolvimento cultural dos territórios e das comunidades: por um lado, as políticas governativas e o papel da cultura na definição de estratégias integradas de desenvolvimento territorial; e, por outro lado, a responsabilidade e o compromisso social das organizações culturais. A seleção das participações

aqui transcritas reflete um conjunto de opções de base que quisemos marcar: a recusa de fazer um debate ‘cultural’ em torno da cultura, abrindo antes à inte-gração entre os aspetos da cultura e do desenvolvimento/planeamento territorial; o desejo de iniciar, num primeiro momento, a reflexão pela raiz do pensamento, através de artigos que problematizem as questões, coloquem as “perguntas difíceis” e proponham outras formas de enquadramento dos problemas; e, num segundo momento, o aprofundamento do debate, mais em concreto, em torno de duas grandes áreas que são uma forte aposta estratégica da ARTEMREDE: a mediação e a programação cultural, por um lado; e a governança regional e as políticas culturais, por outro.

O pressuposto de base é que a nível local, tal como, aliás, a nível regional, nacio-nal ou europeu, a cultura seja assumida como estando colocada no centro das preocupações governativas, atravessando-as o mais transversalmente que for possível. A inscrição da cultura no centro das políticas de desenvolvimento dos territórios é assim um corolário perfeitamente natural, exigindo-se portanto uma visão territorial, que direcionada para uma ideia de desenvolvimento integrado, sustentável e inclusivo, inclua a política cultural e a atuação para a cultura, transversalmente, nesse desiderato, e assuma novas lógicas de articulação e formas de governança eficientes, que façam a ponte entre a administração local, as comunidades locais, e as instituições que com elas regularmente trabalham. Na prática, isso implica um debate sobre duas das ameaças mais gravosas identi-ficadas ao nível da formulação e implementação de políticas culturais locais: por um lado, a sectorialização das políticas, em detrimento de estratégias integradas de desenvolvimento dos territórios; e, por outro, a insuficiência de processos colaborativos e de trabalho em rede ao nível local, regional, nacional e sectorial.Tendo em conta tudo isto, organizámos então este livro em cinco grandes secções, as quais traduzem o percurso e as prioridades acima descritos.

Numa primeira parte, em que este texto de apresentação e enquadramento já se insere, pretende-se dar conta, de forma introdutória, dos contextos e dos processos que enformaram esta reflexão, bem como da pertinência de focar esta discussão em torno da problemática das políticas culturais para o desenvolvimento.

PARTE I - O contexto: Políticas culturais para o desenvolvimento? CAPíTULO 1 - Introdução: Políticas culturais, território e desenvolvimento

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É neste quadro que se insere também o texto seguinte, “ARTEMREDE. 10 Anos. Um Caminho. Um Futuro. Da Ação Cultural À Política Cultural para o Desen-volvimento”, do Presidente da Direção da ARTEMREDE, António Matos. Numa perspetiva institucional, que enquadra o processo de reflexão tido ao longo dos últimos meses, de forma bastante participada, no âmbito da rede, este texto abre-nos as perspetivas para a discussão que se segue nos capítulos seguinte e enquadra os desafios atuais com que a ARTEMREDE se confronta. É apontada a pertinência desta focalização da atenção para a relação entre cultura, território e desenvolvimento, componente essencial na matriz conceptual e pragmática da atuação da ARTEMREDE desde a sua fundação, e decerto uma vantagem competitiva a explorar para os desafios com que atualmente se confronta.

Numa segunda secção reúne-se um conjunto de reflexões que nos remetem para a discussão das práticas e das políticas culturais na contemporaneidade, em toda a sua transversalidade e complexidade, em torno do mote do genérico “o mandato democrático da cultura”. A cultura é aqui assumida na sua multipli-cidade e diversidade, de todos, e para todos, e pretendem-se equacionar e discutir novos quadros conceptuais e analíticos que abram perspetivas mais “frescas” em tornos das necessidades de atuação com que se defronta essa diversidade de processos e dinâmicas culturais contemporâneas, e que coloquem em causa algumas das “cristalizações” nas lógicas de atuação há muito solidificadas no campo das políticas culturais.

O texto de Nicolás Barbieri, correspondente ao capítulo 3, intitulado “A legiti-midade das políticas culturais: das políticas do acesso às políticas do comum”, faz-nos entrar nesta discussão a partir da sugestão de trocarmos o paradigma do acesso, a que estamos tradicionalmente habituados nas políticas culturais, pelo paradigma do comum, baseando-se na noção de bens comuns, e no que ela, enquanto ferramenta de ação política social e normativa, pode trazer para umas politicas culturais mais consentâneas com a complexidade dos processos e das dinâmicas culturais na atualidade, ao nível das lógicas de criação e produção cultural, dos mecanismos de legitimação e mediação, ou das dinâmicas de acesso e usufruto dos bens culturais.

Por seu lado, a leitura de John Holden sobre as dinâmicas culturais na contempora-neidade, no capitulo 4, “Valorizando as artes e a cultura”, foca-se antes na questão da valorização dos bens e das atividades culturais. Assumindo a multiplicidade de lógicas e de mecanismos de valorização dos bens culturais (nos campos cultural, social e económico) remete-nos para a necessidade de distinguirmos a avaliação do valor intrínseco, instrumental e institucional gerado pelas atividades culturais, e para termos consciência (e aproveitarmos) da multiplicidade de valores que a cultura cria à luz dos olhos dos diversos intervenientes no campo cultural. Finalmente, António Pinto Ribeiro , no capítulo 5, “Paradoxos da ‘oferta cultural’” propõe-nos um olhar, mais focado na perspetiva da programação, que nos alerta para que no meio de toda a velocidade da atual sociedade hiper-espetacularizada e comodificada, onde os estímulos da comunicação se impõem a tudo o resto, talvez ainda seja possível desviar a atenção do recetor para o ato de receção e não apenas do consumo. A razão de existir de uma obra artística, expressa no trabalho em torno das tensões entre a vida e a arte, deverá colocar as pessoas no centro da cena artística, e não os mecanismos de fomento do consumo cultural, o que poderá implicar, segundo este autor, uma reflexão sobre os paradoxais excessos de oferta artística que se verificarão na contemporaneidade.

Um terceiro bloco inclui um conjunto de reflexões em torno das questões da responsabilidade e do compromisso social das organizações culturais, que estão associadas ao papel que desempenham de mediação cultural junto dos territó-rios e das comunidades. As formas desta mediação, as formas de trabalhar, de entender e de se relacionar com estas comunidades não são de todo neutras e têm um papel estruturante nas dinâmicas de criação e de receção cultural, sobre as quais importa refletir. Uma maior articulação com os territórios e com as comunidades em que se integram passará por dinâmicas que passem da re-tórica da territorialização a práticas efetivas que permitam uma criação de valor acrescentado (em termos culturais, sociais, económicos) para os criadores, para as populações e para as entidades que fazem as diversas mediações entre eles.O texto de Marta Porto, “Antídoto contra o sono”, correspondente ao capítulo 6 deste livro, lança a questão problematizando a discussão acerca de quais serão

PARTE I - O contexto: Políticas culturais para o desenvolvimento? CAPíTULO 1 - Introdução: Políticas culturais, território e desenvolvimento

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as políticas culturais mais adequadas para promover o envolvimento comunitário e um compromisso com a sociedade, a partir da noção de mediação e de uma reflexão acerca do campo de ação associado aos processos de intermediação nas atividades culturais, muitas vezes pouco permeáveis a essa mesma mediação, pela própria natureza da criação, mas alvos fáceis de lógicas de domesticação e de instrumentalização.

Luís Costa, no capítulo 7, “Red Alert ou isto da criação artística comunitária nos tempos que vão correndo”, instiga-nos para não nos revermos nos atuais consen-sos do política e socialmente correto, no que concerne à intervenção cultural nas/com as comunidades, e leva-nos a identificar os equívocos e dificuldades dos projetos de criação artística que são desenvolvidos em articulação com as comunidades. A necessidade de pensar fora das ideias pré-formatadas e as dificuldades de desenvolver um trabalho genuíno e efetivo com as comunidades locais são colocadas num plano que nos exige (re)pensar em permanência e com uma densidade suficiente esta relação com cada território específico.

Por seu lado, Elizabete Paiva, através de um artigo intitulado “O que pode o comum ter de excecional?”, no capítulo 8, leva-nos a refletir sobre as questões da res-ponsabilidade e compromisso social da atividade cultural através da articulação entre as motivações de decisores políticos, programadores, artistas e comunidades envolvidas nestes processos, alertando para os perigos da instrumentalização das artes e das expectativas das comunidades, e para a desvalorização do carácter excecional da criação artística. A diversificação das lógicas de criação comuni-tária, indo para além da espetacularização de aspetos folclorizados da cultura, e problematizando as tensões em torno das identidades, individuais e coletivas, das múltiplas pertenças e de uma outra noção de território, o do imaginário e do porvir, poderão contribuir, segundo a autora, para a conceção de novos modos de “pensar” e de “fazer” “em comum”.

A quarta secção do livro engloba uma discussão mais focada nas políticas pú-blicas, e na prática quotidiana das decisões de política e planeamento, cruzando as políticas culturais, aqui entendidas a escalas territoriais diversas, com outras

vertentes da atuação pública que possam ter a cultura e as atividades e práticas culturais como alvo. Numa perspetiva que, portanto, assume as políticas cul-turais enquanto políticas públicas, foca-se o interesse na forma como poderão ser promovidas e aproveitadas, transversalmente, as estratégias integradas de desenvolvimento territorial, e de que forma as políticas culturais se poderão “enquadrar” nesta lógica mais matricial de atuação.

Um primeiro texto, de João Ferrão, no capítulo 9, “Cultura e território: como tornar mais eficiente uma política “fraca”?”, leva-nos para o campo da discussão do posicionamento das políticas culturais, às diversas escalas (local, nacional, europeia) em relação às outras políticas públicas. Assumindo uma posição que parte da ideia da “fraqueza política” das políticas culturais nos contextos de gover-nação contemporâneos, o autor analisa as possibilidades e os riscos de a cultura integrar agendas “fortes” que lhe são externas (indústrias culturais e estratégias de crescimento inteligente; valorização dos recursos culturais e estratégias de atratividade turística; serviços culturais e estratégias de inclusão social e combate à pobreza e à discriminação; cultura e estratégias de desenvolvimento socioeco-nómico de base territorial), argumentando acerca das vantagens de aproximação de duas políticas “fracas” – a da cultura e a do território – no sentido de reforçar as possibilidades de uma agenda cultural autónoma, minimamente forte, num quadro dominado por agendas e preocupações recorrentemente dominantes no quadro decisional dos diversos espaços de governança atual.

O artigo seguinte, de Catarina Vaz Pinto, “Cultura e território: o desafio das ligações” (capítulo 10), centrado essencialmente na lógicas das políticas culturais de âmbito local, remete-nos para aquilo que a autora reputa como o desafio fundamental a esta atuação nos dias de hoje: a capacidade de construir e desenvolver liga-ções; seja entre as diversas áreas da governação, seja, em cada território, entre as diversas escalas territoriais de intervenção, ou entre as várias instituições públicas e privadas que nele atuam; seja ainda, ao limite, entre as pessoas, que no fim serão os responsáveis concretos pela atuação no terreno, compatibilizando as suas motivações e interesses em torno de projetos concretos que mobilizem as suas vontades e a sua energia.

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Por seu lado, baseando-se no caso concreto de Almada, Amélia Pardal, vereadora com os pelouros das Obras, Planeamento, Administração do Território, Desen-volvimento Económico e Arte Contemporânea neste município, no capítulo 11 intitulado “Planear…construir cidades com emoções!” traz-nos uma perspetiva centrada já não do lado das políticas culturais, mas antes do lado do planeamento e do ordenamento do território. Partindo de um balanço da realidade concreta deste município e das políticas localmente desenvolvidas ao longo dos últimos anos, é defendida a vantagem de um maior cruzamento de abordagens, de com-petências e de conhecimentos, que é crescentemente exigido ao planeamento contemporâneo, a políticas que se pretendam como mais transversais e integradas.Para finalizar, o também vereador da Câmara Municipal de Almada, mas agora, neste caso, responsável direto pela área da Cultura, António Matos, apresenta-nos, no capítulo 12, “Da ação cultural ao desenvolvimento territorial”, uma panorâmica sobre a evolução da ação do município neste campo, enquadrado por um conjunto das contingências da evolução das políticas culturais de âmbito nacional. São apresentados os princípios de base assumidos na atuação e as principais linhas de ação municipal neste campo, sistematizando-se por fim os aspetos considerados fundamentais para a promoção de um projeto cultural de cidade mais integrado.

Finalmente, na quinta parte do livro, com caráter mais conclusivo, pretende-se abrir para a discussão sobre o futuro, numa dupla vertente. Por um lado, através do texto de Pedro Costa, “Políticas culturais para o desenvolvimento dos terri-tórios: alguns elementos de síntese”, que nos lança, a partir de uma perspetiva de síntese sobre os trabalhos deste encontro, um conjunto de pistas de reflexão suscitadas pela conferência organizada, nas quais se sistematizam um conjunto de desafios a equacionar em termos das políticas culturais, e a sua relação com o território e o desenvolvimento, os quais serão eventualmente relevantes para a ARTEMREDE ter em conta ao enquadrar e definir os seus percursos de atuação mais imediatos bem como ao estruturar o processo de reflexão futuro.

Por outro lado, o texto de Marta Martins e Vânia Rodrigues, “A ARTEMREDE: um projeto cultural a imaginar o seu futuro”, dá de forma mais direta conta do pro-cesso de reflexão estratégica efetuado, ao longo dos últimos meses, por parte da

ARTEMREDE, o qual culminou na apresentação do seu resultado final mais visível, o “Plano Estratégico da ARTEMREDE 2015-2020”, publicamente apresentado e distribuído nesta conferência. Após uma breve introdução sobre o projeto da ARTEMREDE e seu percurso, e de uma nota que nos dá conta acerca da opção de um compromisso com a metodologia do planeamento estratégico, são enunciadas as 10 grandes prioridades estratégicas desse plano estratégico e operacional, que guiará a ARTEMREDE ao longo dos próximos anos, a trilhar a construção deste caminho, entre a atuação cultural, os territórios e o seu desenvolvimento.

PARTE I - O contexto: Políticas culturais para o desenvolvimento? CAPíTULO 1 - Introdução: Políticas culturais, território e desenvolvimento

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CAPíTuLO 2

ARTEMREDE. 10 ANOS. UM CAMINHO. UM FUTURO. DA AçãO CULTURAL À POLíTICA CULTURAL PARA O DESENVOLVIMENTO.

António MatosPresidente da Direção da ARTEMREDE, Vereador da Cultura C.M. Almada

Este livro, na sequência da Conferência Políticas culturais para o desenvol-vimento, assinala os 10 anos de percurso da ARTEMREDE, numa altura em que, mais do que nunca, se impõe uma profunda reflexão sobre a cultura e o seu contexto, sobre a cultura e as condições que os atuais tempos lhe impõe, sobre as condições de exercício da ação cultural, quer no plano das práticas criativas, quer nos modelos de organização, quer nos sistemas de financiamento, quer ainda e, sobretudo, ou mesmo antes de tudo, sobre o lugar que ela ocupa e deve ocupar no contexto das atividades sociais e humanas.

Há 10 anos era o tempo em que as circunstâncias e as necessidades levaram um conjunto de Teatros a unir-se no sentido de resolver problemas associados

ao arranque do funcionamento das salas de espetáculos que os Municípios, tinham necessidade de fazer funcionar. Estes Municípios, diferentes em escala, em caraterísticas identitárias, em opções políticas, construíram um espaço de interseção de interesses e convergências que permitiu a cada um dos associados crescer na medida das suas condições e necessidades. A ARTEMREDE ajudou a formar equipas técnicas, apoiou a programação dos associados, elaborou, com a participação de programadores de cada Teatro, catálogos que refletiam prá-ticas criativas contemporâneas a que todos podem aceder e que incorporava as companhias locais. O referencial conceptual de que uma sala de espetáculos deve ter “um responsável/programador/diretor, um orçamento, uma equipa técnica e uma programação” foi assumido, de forma generalizada, pela ação persistente de diálogo, debate e aprendizagem coletiva que a ARTEMREDE viabilizou.

Mas hoje, quer pela profunda alteração das condições que condicionam a ati-vidade da ARTEMREDE – o agravamento das condições sociais e financeiras, a subalternização da cultura no plano da governação nacional – quer sobretudo porque, cumprida que foi uma primeira etapa deste projeto cultural e associati-vo, se reuniram as condições para avançar para um novo modelo concetual que melhor pudesse corresponder a um conjunto de novas expetativas e permitisse explorar outros campos de intervenção mais consentâneos com uma visão em que a cultura se assume, não como um “adorno” no contexto das atividades sociais, mas antes como algo profundamente ligado ao desenvolvimento integrado dos territórios e das suas populações.

Assim, ao longo do ano de 2014, os associados discutiram profundamente, a natureza e a essência deste projeto. Fizeram-no entre si – eleitos e técnicos autárquicos - e fizeram-no também com o exterior. Convidados a participar, deram-nos a honra de estar presentes num Encontro de Reflexão Estratégica realizado em Oeiras em 8 e 9 de Abril, diversos autarcas, programadores, artis-tas, académicos, agentes sociais e culturais, produtores, dirigentes associativos e municipais, que muito contribuíram para uma profunda reflexão e debate sobre a cultura e sobre o lugar que lhe cabe num modelo de desenvolvimento social em que as pessoas sejam o objeto primeiro.

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Deste amplo debate resultou a construção, amplamente participada, de um Plano Estratégico que se apresenta, julgamos, adequado aos tempos de constrangimen-to que vivemos mas, ao mesmo tempo, ousa um entendimento mais avançado sobre a importância da cultura na vida social e sobre a dimensão cultural das políticas públicas.

É esse Plano Estratégico e Operacional que agora se apresenta à região e ao País. Este Plano afirma e defende que a cultura não pode ser um “adorno” nem o “parente pobre” da ação pública, não se pode resumir às atividades, aos espetá-culos, é muito mais do que isso. A cultura está profundamente ligada à prática da democracia, ao exercício do direito à criação e à fruição cultural, à liberdade, à diversidade cultural, ao reconhecimento das necessidades e aptidões dos cidadãos, ao seu direito de participação. Por isso, é fundamental que a cultura esteja colocada no centro das preocupações governativas locais, e não seja nela uma área secundária, deve atravessar toda a ação governativa, deve ser um fator determinante das políticas de desenvolvimento e fazer parte dos dispositivos de planeamento estratégico dos Governos – Locais e Centrais.

Assim, o postulado fundamental deste Plano é: inscrever a cultura no centro das políticas de desenvolvimento dos territórios. O Território é o “ponto de vista” a partir do qual se desenhou esta visão. O território concreto, a paisagem humana e social real, o contexto sociológico objetivo – as pessoas, as gentes, as comuni-dades, as suas necessidades. A ligação da cultura ao território e às comunidades exige, mais do que uma política cultural, políticas públicas orientadas para o desenvolvimento integrado, sustentável e também solidário.

Este Plano avança com um Compromisso Político para esse tipo de intervenção governativa local.

Munida de um Plano Estratégico assim, a ARTEMREDE é um recurso para o desen-volvimento das comunidades. Respeita as diferenças entre associados, convive com elas e ajuda a potenciar cada um deles.

Assume objetivos de crescimento, densificando o território, alargando a ação, robustecendo o seu projeto, ampliando também, pela expansão da sua rede de teatros, os itinerários para maior circulação de artistas e companhias.

Este Plano Estratégico tem tanto de pragmático quanto de audaz. Parte do que temos e do que somos, aposta no crescimento, reinventa paradigmas, estabelece caminhos, aponta futuros.

É neste quadro de procura de caminhos para o futuro, que se inscreveu a rea-lização dessa conferência e que resulta agora este livro. Propõe-se um debate que contribua para o abandono de duas das ameaças mais gravosas identificadas nas políticas culturais locais, designadamente: “a setorialização das políticas em detrimento de estratégias integradas de desenvolvimento dos territórios” e “a insuficiência de processos colaborativos e de trabalho em rede ao nível local, regional, nacional e setorial”1 ;

Assim, ao longo deste processo, assumimos:

• a recusa de fazer um debate ‘cultural’ em torno da cultura: a integração dos aspetos da cultura associados ao desenvolvimento/planeamento territorial é assumida como premissa de partida.

• Iniciar o debate com a abordagem dos fundamentos politico/democráticos onde repousam as diversas formas de intervenção cultural, ao invés de aqui desfilar extensas ações e práticas e exemplos vários de projetos locais.

• Trazer aqui casos de políticas culturais, associadas a estratégias integradas de desenvolvimento local, não tanto pela importância do seu conhecimento em si, mas enquanto exemplo e ponto de partida para o debate.

• dar tempo para esse debate, para a reflexão. Porque consideramos fun-damental o pensamento de todos. Porque convosco e juntos, somos mais fortes, levaremos a cultura mais longe.

CAPíTULO 2 - ARTEMREDE. 10 anos.

1 Análise SWOT da ARTEMREDE, integrada no seu Plano Estratégico e Operacional.

PARTE I - O contexto: Políticas culturais para o desenvolvimento?

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PARTE II

O MANDATO DEMOCRáTICO DA CULTURA

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CAPíTuLO 3

A LEGITIMIDADE DAS POLíTICAS CULTURAIS: DAS POLíTICAS DO ACESSO ÀS POLíTICAS DO COMUM

Nicolás BarbieriInstituto de Governo e Políticas Públicas e Departamento de Ciência Política, Universidade Autónoma de Barcelona

1. AS POLíTICAS DO ACESSO (E A SuA DETERIORAçãO)

A institucionalização das políticas culturais como esfera de políticas públicas consolida-se na segunda metade do século xx. É bem conhecido o processo pelo qual o princípio da democratização da cultura orienta e legitima a maioria das políticas culturais desenvolvidas na Europa e no mundo anglo-saxónico a partir da década de 1960. Este paradigma, assim como o contrato entre agentes cultu-rais públicos e privados que o mesmo implica, tem um caráter eminentemente estatal-nacional. Isto é, de acordo com o modelo continental ou anglo-saxão, os ministérios da cultura ou os conselhos artísticos estatais são os principais agentes na conceção e implementação de políticas culturais. Estamos, em suma, perante

um período de institucionalização da política cultural como uma política públi-ca. Sem dúvida que, com deficiências, e graves, quando comparado com outras políticas públicas, incluindo as do âmbito social. Mas, apesar destas dificuldades, a política cultural estabelece-se como um objeto de intervenção do Estado, como um instrumento de intervenção governamental.

Pelo processo de institucionalização das políticas culturais consolida-se nessa altura o modelo de políticas do acesso à cultura. A intervenção governamental centra-se na promoção da oferta cultural considerada de melhor qualidade e na proteção do património. É neste período que podemos identificar um dos principais dilemas na evolução das políticas culturais: a necessidade de conciliar a promoção da excelência com a democratização. Prova disto é o mote que inspirou a fundação do “Arts Council of Great Britain em 1946: O melhor para a maioria”. Numa tentativa de popularizar as chamadas artes eruditas, são promovidas as infraestruturas culturais: dos museus às bibliotecas, aos teatros e à monumenta-lização dos espaços públicos. São as décadas dos grandes equipamentos culturais, bem como da produção de oferta cultural diretamente pelo Estado. É também uma etapa de consolidação institucional da relação entre a política cultural e a identidade nacional.

Por último, neste período consolida-se também uma dicotomia que é essencial para a compreensão da evolução das políticas culturais. Trata-se da dicotomia Estado-mercado, que não só exclui o desenvolvimento de modelos alternativos, mas implica também uma parceria entre o estatal e o público, por um lado, e entre o comercial e o privado, por outro.

Ao modelo de democratização é imediatamente agregado um tipo de políticas públicas que incorpora a promoção de espaços de participação e expressão socio-cultural. Um modelo de política qualificado como democracia cultural (Urfalino, 1996). Mas a participação generalizada, como é entendida no modelo da demo-cracia cultural, não se verifica (Wu, 2007). E são os governos que se reafirmam no papel de produtores culturais: a esfera institucional assume o papel do público.Neste contexto, ganha força a ideia de que os governos locais estão em condições

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iguais ou melhores para assumir a responsabilidade pela promoção da cultura. Os objetivos e instrumentos tradicionais da política cultural dão lugar a novas lógicas de intervenção, que têm origem a nível local: adoção de uma perspetiva sistémica da cultura, expansão da agenda de questões abordadas ou uma tenta-tiva de estabelecer um governo com vários níveis e o modelo de governação da cultura (Cherbo e Wyszomirski, 2000; Rodríguez Morató, 2005; Bonet e Negrier, 2008; Rius, 2012). Em suma, a consolidação das administrações regionais e locais, bem como o desenvolvimento do setor privado e do terceiro setor, também impli-cam uma transferência de responsabilidades no desenvolvimento das políticas (Barbieri et al. 2012)

Mas este contexto é também o do questionamento da ideia de cultura como um direito fundamental, que deve ser garantido pelo serviço público. Juntamente com as críticas ao papel do Estado como responsável pelo bem-estar, questiona-se igualmente a autonomia da arte e da cultura: afiguram-se como mais um produto que compete pelo tempo, interesse e dinheiro dos consumidores e que, por isso, deve demonstrar a sua utilidade social e económica.

Em suma, se falamos de cultura e cidade, se com a expansão urbana as cidades estão a perder o seu significado autónomo, a sua capacidade de serem promessas de integração e libertação (Subirats e Blanco, 2009), a cultura perde o seu estatuto de via para a liberdade, a identidade nacional e a universalidade da cidadania. Quais foram as respostas mais óbvias das autoridades públicas no âmbito da cultura contra este conjunto de fenómenos? Os processos descritos têm repercussões significativas na legitimidade do modelo de políticas do acesso à cultura. Se o modelo de democratização da cultura permanece até hoje como o núcleo da intervenção do governo, é patente a caducidade de boa parte dos princípios de uma política centrada no acesso à oferta cultural.

Os problemas que as políticas enfrentam hoje em dia (e que, portanto, não podem deixar de gerir) estão a tornar-se cada vez mais complexos, incertos e a acarretar cada vez mais riscos. Trata-se de problemas condicionados pelo desenvolvimento tecnológico e o surgimento da sociedade da informação (Castells, 2000), pelo

desenvolvimento económico à escala global com um caráter financeiro domi-nante e em que os símbolos e sinais ocupam um lugar central (Rifkin, 2000), bem como pelo desenvolvimento de sociedades mais heterogéneas e individualizadas (Bauman, 2003). Mais recentemente, as mudanças no tipo de participação e pro-dução cultural resultantes da consolidação da diversidade cultural, bem como da digitalização da cultura (Ariño, 2010) vão além da lógica dos equipamentos culturais tradicionais. A tudo isto é preciso acrescentar a reprodução das inter-rogações colocadas relativamente ao papel da intermediação política tradicional das instituições públicas e da retração do investimento público (Barbieri, 2012).

Em suma, não estamos apenas a passar por mudanças. Vivemos, nas palavras de Zygmunt Bauman (2012), num interregno, num momento de mudança de época (Subirats, 2011). É este o cenário no qual se discutem as políticas culturais hoje em dia. Tanto os princípios que suportavam o modelo de políticas do acesso como muitas das suas respostas defensivas são agora ultrapassados, sem qualquer legitimidade.

2. AS RESPOSTAS: A CuLTuRA COMO SuBSTANTIvO

Perante as questões levantadas, surgem então novas lógicas de justificação da intervenção do governo no domínio da cultura e, em particular, nos espaços ur-banos. Os governos optam por dinâmicas de relegitimação das políticas culturais desenvolvidas a partir de respostas que entendemos como reativas, defensivas. Tanto no âmbito económico como social. Por um lado, sob a pressão da crescente concorrência entre as cidades, com base em critérios de desenvolvimento económico, boa parte das administrações rea-firma o território como uma alavanca para o crescimento económico. A cultura e as políticas culturais estão no centro deste processo.

Neste sentido, uma das perspetivas mais adotadas e também cada vez mais discu-tidas nas agendas das políticas é a teoria das classes e as cidades criativas (Florida, 2002; Knudsen et al., 2007). Trata-se de um modelo amplamente contestado (Hall,

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2004; Glaeser, 2005; Pratt, 2008), que incorpora a mercantilização progressiva dos recursos culturais e da mesma ideia de convivência (na forma de branding urbano) como é o da estratégia de competitividade global da cidade (Peck, 2005).

Em termos gerais, as políticas culturais baseiam-se na mobilização de recursos para a promoção do mercado, onde a cultura é concebida como um sistema de produção e um fator de crescimento económico. Por sua vez, a intervenção do governo é imbuída de uma lógica particular: o desenvolvimento das indústrias culturais e criativas, bem como dos chamados setores culturais, é considerado um requisito primário para garantir a qualidade da cultura e o acesso à mesma.

Um segundo tipo de resposta tem a ver com a questão da coesão social e, por vezes, com o elemento da proximidade. Neste contexto, o fator de proximidade torna-se num argumento central para justificar a lógica da ação pública no domínio da cultura. A função principal das políticas de proximidade é, em larga medida, a promoção do acesso à cultura, das capacidades de expressão das pes-soas e de um sentimento coletivo de pertença. Ora mais do que a capacidade das políticas para produzirem respostas que sejam simultaneamente diversificadas e abrangentes, democráticas e eficazes, a proximidade pode ser desenvolvida, em certos casos, como um fator de políticas “reparadoras”. Mais do que a uma abordagem abrangente e regionalizada, as políticas de proximidade podem conduzir a uma resposta conservadora à colocação em causa da representação política, em geral, e à falta de legitimidade das políticas culturais, em particular (Barbieri et al. 2012).

Por um lado, a regeneração do discurso da função social da atividade cultural é o resultado da expiração das instituições e princípios do modelo das políticas do acesso. Os profissionais do setor cultural reivindicam para si um novo tipo de faculdade: o conhecimento do território vinculado à aparente capacidade de satisfazer os critérios de qualidade cultural (Dubois e Laborier 2003). Por outro lado, o discurso político sobre o impacto social da cultura centra-se na capaci-dade das políticas culturais para contribuir para a consecução dos objetivos de outras políticas e agendas públicas: educação, saúde, meio ambiente, segurança

ou urbanismo (Belfiore, 2006). Assim, a perspetiva adotada centrou-se sobre as externalidades da cultura. Defende-se e argumenta-se em favor da função ins-trumental da ação cultural, que é apoiada por parte da administração pública (Subirats et al. 2008).

Em suma, tanto as respostas construídas sobre aspetos do desenvolvimento económico como as relacionadas com a coesão social são baseadas em posições reativas por parte dos governos, como opções de política cultural que poderíamos apelidar de “defensivas”. Ora, reconhecendo o impacto dessa perspetiva para a visibilidade da ação das políticas culturais, é importante reconhecer algumas das suas limitações mais importantes.

Por um lado, resulta dela o perigo de sobrevalorizarmos o impacto das políticas culturais. Sobrevalorizar o impacto das políticas culturais e inclusivamente per-der o olhar crítico sobre os seus efeitos. Além disso, podemos acabar por gerar expectativas e pressões desmesuradas sobre os agentes culturais. Em muitos casos, em vez de discutir sobre o quê e como executam as suas tarefas em relação a problemáticas, diferenças e desigualdades, tanto globais como locais, as orga-nizações e instituições culturais dedicam os seus esforços a demonstrar se têm contribuído para atingir os objetivos de outras políticas sectoriais. Finalmente, esta tendência tem-nos distanciado da discussão sobre a capacidade das políticas culturais de terem um impacto real na nossa sociedade, o que, em última análise, se revela contraproducente para a legitimação da intervenção pública no domínio da cultura (Barbieri et al. 2011).

Estes aspetos tornam-se evidentes quando se analisa a forma como as políticas culturais se têm construído sobre a ideia da cultura como um substantivo, como um objeto, ou mesmo como a essência de um grupo ou coletivo. As políticas cul-turais têm-se estruturado muito mais em torno “da” cultura do que “do” cultural, daquilo que é cultural. Desenvolvemos políticas da cultura substantiva e não da cultura adjetiva. Todo o conjunto dos poderes públicos e do setor cultural se têm refugiado em políticas culturais interpretadas como políticas da cultura. Distanciamo-nos assim das políticas do cultural.

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Um exemplo neste sentido, que diz respeito à atividade das pessoas diariamente envolvidas na gestão da cultura, é a informação gerada sobre os resultados das políticas culturais. Desenvolvemos sistemas de informação cultural, como, por exemplo, as contas satélite, que pressupõem um avanço significativo. Mas a informação gerada sobre os resultados das políticas culturais consiste prin-cipalmente na quantificação das atividades e produtos do sector cultural, bem como no consumo cultural. Concebemos as políticas culturais como políticas dos setores culturais (cinema, teatro, etc.); pensamos nos problemas culturais como problemas dos agentes do setor cultural e avaliamos os resultados das políticas culturais em termos de consumo quase binário.

Em suma, produzimos informação sobre a cultura como um substantivo e mui-to menos sobre a cultura como um adjetivo. Conhecemos o número de pessoas que trabalham no sector cultural ou, por exemplo, em alguns casos, o número de bibliotecas públicas por habitantes de uma cidade. No entanto, pouco se sabe sobre as pessoas que visitam essas bibliotecas, como e com quem o fazem, e quais os efeitos da sua participação, não apenas em termos individuais, mas também coletivos. Em suma, têm havido muito poucos progressos na construção de ferramentas que informem sobre as repercussões que as políticas culturais podem ter em termos de processos sociais e efeitos transversais. São escassos os avanços na recolha (e, especial-mente, no uso na gestão diária) de informação sobre as componentes afetivas e intangíveis da experiência e da prática cultural, bem como a sua relação com valores como a igual-dade ou a justiça (Holden, 2004). Muito pouco se sabe sobre a contribuição (ou falta dela) das políticas culturais para questões como o desenvolvimento de identidades coletivas flexíveis, a regeneração de laços sociais, o desenvolvimento pessoal autónomo e criativo, a democratização na geração de conhecimento e acesso ao mesmo, a valorização de certos grupos (crianças, idosos) ou a governação abrangente do território.

3. AS POLíTICAS DO BEM COMuM

Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de assumir um desafio que não é novo, mas atual: compreender a cultura não apenas como um substantivo, mas

também (ou em vez disso) como um adjetivo. E, em seguida, construir políticas não da cultura, mas políticas do cultural.

O que significa assumir o desafio de promover políticas do cultural? Com in-vestigadores como Appadurai (1996), Garcia Canclini (2004), Barber (2008) ou Grimson (2003) aprendemos que a cultura não é apenas substantiva e que é importante entendê-la como um adjetivo (a cultura como aquilo que é cultural). Cultural será aquilo que nos permite ser agentes, que faz de nós protagonistas nas nossas práticas sociais. O cultural são as maneiras como nós, como atores, nos enfrentamos e negociamos e, portanto, também como imaginamos aquilo que partilhamos. O confronto e a partilha constituem uma parte indivisível de qualquer processo cultural.

Esta é uma visão política da cultura. Enfatiza o caráter político da cultura. E por político, não devemos entender simplesmente um jogo de interesses partidários ou uma luta para conseguir determinados recursos. Do pensamento destes au-tores aprendemos que pensar sobre o significado da cultura como um processo político significa pensar nela como um processo de confrontos que ocorrem justamente porque participamos em contextos comuns, e porque imaginamos aquilo que partilhamos.

Será, então, possível desenvolver políticas culturais que rejeitem esta perspetiva da cultura? É possível conceber políticas culturais que construam o público como algo heterogéneo, que não reduzam o que é público ao institucional ou estatal, e que trabalhem com uma noção do público como um espaço do comum (um espaço diverso e, portanto, não isento de conflito)? Não temos a certeza, mas podemos afirmar que há uma ligação entre este sentido da cultura e um processo de percurso histórico e de renovada atualidade, que analisamos abaixo.

A possibilidade de desenvolver políticas do cultural é proposta neste artigo como um modelo complementar (mas não de substituição) das políticas de promoção do acesso à oferta cultural. A necessidade de recuperar e enfatizar o sentido político da cultura é um processo que implica reequilíbrios no chamado setor

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cultural. Porque o sentido político da cultura está associado a uma perspetiva que entende a cultura como parte de um processo emergente na atualidade: o da reflexão e ação no domínio dos bens comuns.

O comum, os “commons”, o “pró-comum”, os “bens comuns” e até “comunalizar” são palavras que se repetem numa variedade de fóruns há já algum tempo. Estas palavras surgem não só como conceitos analíticos, mas também como poderosas ferramentas de ação política, social e jurídica (Holder e Flessas 2008), impulsiona-das por inúmeros movimentos sociais de todos os tipos e em diferentes espaços (ambiental, económico, urbano, digital, etc.).

Os bens comuns e o seu estudo não são uma realidade nova, muito menos na América Latina ou mesmo nos Estados Unidos. A vencedora do Prémio Nobel Elinor Ostrom analisou aprofundadamente mais de duas décadas de gestão dos bens naturais comuns (Ostrom, 1990). Mais recentemente, o professor Yochai Benkler, da Universidade de Harvard (2006) fez o mesmo no mundo digital, estu-dando iniciativas de colaboração, tais como software livre. Contudo, no âmbito cultural, os estudos a esse respeito são ainda incipientes. No entanto, falta-nos uma perspetiva própria (embora não isolada), que se revela necessária se consi-derarmos as diferenças entre os bens do tipo natural e digital.

Mas o que são, exatamente, os bens comuns? Em primeiro lugar, devemos com-preender que os bens comuns não são espaços nem objetos. Os bens comuns são constituídos por três elementos: recursos, comunidades que partilham esses recursos e as normas desenvolvidas por essas comunidades a fim de tornar todo o processo sustentável. Ou seja, os bens comuns são: a) sistemas de governação e gestão de recursos partilhados, b) sistemas desenvolvidos por determinadas comunidades, c) sistemas que têm normas e regras identificáveis. Isto significa que aprendemos a olhar para os bens menos como substantivos (o bem comum) e mais como adjetivos (o comum). O que propomos é a adoção de uma perspetiva semelhante também em relação à cultura e políticas culturais.

Nesta perspetiva, uma das primeiras observações que temos de ter em conta é o tom plural na ideia de bens comuns. A cultura como parte dos bens comuns e não tanto como bem comum, porque não postulamos uma possível superioridade moral daquilo que é cultural. A cultura não é uma esfera elevada e separada da sociedade ou da política. E então, por que falamos de cultura como parte dos bens comuns? Porque podemos colocar como hipótese a necessidade de que as políticas culturais reconheçam esse sentido da cultura. Que as políticas culturais sejam as políticas dos bens comuns (Barbieri, 2014).

Falar de políticas públicas e bens comuns, e da relação entre governos e bens comuns, tem implicações significativas. Sem dúvida que o papel do Estado em relação aos bens comuns tem sido descrito como prejudicial e até como depredador de muitos dos recursos e comunidades (Anthony e Campbell, 2011). Assim, são analisados abaixo os possíveis papéis alternativos que poderiam ser desempenhados pelas políticas públicas (os governos e partes interessadas) na gestão dos bens comuns e, neste caso, dos bens comuns culturais.

Uma visão das políticas culturais como políticas dos bens comuns, como políticas do comum, obriga-nos a duas coisas. Por um lado, se pensarmos na cultura como parte dos bens comuns, temos de assumir que falamos não só de recursos, sejam estes intangíveis - idiomas, expressões diversas -, ou tangíveis - equipamentos culturais, etc. Falamos fundamentalmente de formas coletivas de gerir destes recursos. Ou seja, as políticas culturais não deveriam pensar na cultura apenas como objetos ou serviços culturais, mas também ser capazes de identificar e reco-nhecer as comunidades que gerem de forma esses recursos de forma partilhada. Por outro lado, se pensarmos na cultura como parte dos bens comuns, temos de reconhecer o terceiro elemento fundamental que esta visão implica. Além dos recursos e das comunidades, os bens comuns incorporam normas próprias, formas de fazer. Se pensarmos nas políticas culturais como políticas dos bens comuns, temos de aceitar que a gestão coletiva dos bens comuns obedece a regras ou normas que são desenvolvidas pelas próprias comunidades e que permitem a sua sustentabilidade.

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Em lugares onde a administração pública está fortemente hierárquica, pensar nas políticas culturais como políticas do cultural, como políticas dos bens co-muns, pressupõe alguns riscos. Implica o desafio de ir além dos princípios que formam a base do modelo das políticas do acesso à cultura. Podemos, então, postular as características e diferenças entre os modelos de políticas do aces-so e as políticas dos bens comuns. Tanto na dimensão simbólico-substantiva como na dimensão processual-operacional das políticas (Gomà e Subirats, 1998).

Tabela 1. Políticas do acesso e políticas dos bens comuns Fonte: Elaboração própria

Sem repetir a informação constante na tabela, é necessário desenvolver duas áreas principais de diferenciação entre o modelo das políticas do acesso e da política dos bens comuns. A primeira grande diferença, que já apontámos ante-riormente, refere-se à ideia de cultura subjacente a cada uma destas abordagens. No modelo das políticas do acesso, a cultura é entendida como um produto ou

serviço. Cultura designa um sistema de produção que claramente diferencia os criadores, produtores, distribuidores e consumidores. Por seu lado, no modelo de políticas do bem comum, a ideia de cultura refere-se a bens comuns culturais, isto é, complexos sistemas de governação, com comunidades que desenvolve-ram as suas próprias regras de gestão dos recursos culturais. Neste caso, não se verifica a tradicional diferenciação de papéis de um sistema de produção, mas sim, exatamente o contrário.

Mas as diferenças não se limitam à dimensão concetual ou simbólica das políticas culturais. Falamos também de diferenças nas formas de governar, na dimensão operacional das políticas. Em particular, no papel do governo e no tipo de liderança que este pode exercer. No modelo de políticas do acesso, temos um governo que exerce um papel que qualificamos de administrativo, uma liderança vertical de comando e controlo e uma departamentalização horizontal das políticas culturais de acordo com os vários subsetores (cinema, teatro, etc.).

Por outro lado, nas políticas culturais que definimos como políticas dos bens co-muns, o papel do governo é compreendido e assumido como puramente político (no sentido mais amplo e complexo da palavra). É reconhecida a interdependência entre atores e comunidades e são desenvolvidos instrumentos para promover a colaboração, a corresponsabilidade colaborativa. Em suma, estaríamos perante governos que (sem deixar de assumir a sua quota de responsabilidade) providenciam apoio a modelos de gestão híbridos, que se desviam do excesso de intermediação tradicional, mas também da mercantilização das políticas.

4. NOvAS POLíTICAS, NOvAS RESPONSABILIDADES

Neste quadro que propomos, torna-se caduca a ideia do interesse público como algo determinado por uma autoridade centralizada e abstrata. Num cenário de mudança de época, as autoridades locais, a sociedade civil e muitas comunidades têm a sua própria conceção do comum e do público; e têm conseguido gerir bens comuns (naturais, culturais) de forma sustentável e socialmente justa.

Políticas do acesso Políticas dos bens comuns

Ideia de cultura

Produtos, bens e serviços públicos/privados

Sistema produtivo: criação, produção, distribuição, consumo  

Bens comuns: recursos, comunidades, normas. Propriedade distribuída

Sistemas de governação híbridos, sem estrita separação de funções

Liderança

Administrativa: controlo vertical, departamentalização horizontal

 

Político: reconhecimento da interdependência, transversalidade, garantia  

Modelo e instrumentos de relacionamento

Gestão pública: subsídio, mecenato, acordo-contrato

Gestão pública-comum: fundos de financiamento coletivo, rede de distribuição, capital de risco  

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E quais são, então, as políticas culturais do comum? Ainda não as conhecemos em detalhe, porque ainda se encontram numa fase preliminar. No entanto, cabe aqui pensar nas políticas que mais têm procurado transformar-se e reposicionar-se no interregno em que vivemos. Pensemos, por exemplo, nas bibliotecas, museus e centros culturais que têm abandonado a sua função de meros repositórios da cultura e exploram iniciativas conjuntas de aprendizagem partilhada e divulga-ção aberta de conhecimentos. As instituições culturais que se constituem elas próprias como bens comuns.

Tratam-se de instituições onde continua a existir um recurso central, como, por exemplo, os livros ou a informação no caso de bibliotecas. Além disso, o governo mantém, sem dúvida, um lugar importante na comunidade que gere a instituição; mas, ao contrário do que acontece no modelo de políticas do acesso, esse papel de intermediação é significativamente diferente. Assim, as regras e responsabili-dades de cada um dos agentes envolvidos na sustentabilidade da instituição são partilhadas e definidas de forma interdependente.

Este processo representa um novo desafio à legitimidade da intervenção governa-mental. Sobretudo para o tipo de intermediação que tradicionalmente assumem as políticas públicas. Por isso, e convém salientar este aspeto, uma espécie de resposta dos poderes públicos face a este cenário pode não ser o que propomos. Em vez disso, os governos poderiam optar pela desresponsabilização. O discurso dos bens comuns funcionaria, nesse caso, como uma nova resposta de caráter “defensivo” e com um efeito relegitimador contra as dificuldades de financia-mento das instituições culturais públicas. Os bens comuns funcionariam como uma resposta conservadora, que permitiria aos governos resolver o problema da crise da representação política. Os bens comuns seriam o novo recurso de um bem, conhecido realismo mágico da política.

Na verdade, começam a ser implementadas as primeiras ações neste sentido, respostas no sentido da desresponsabilização dos governos da gestão dos bens comuns culturais. No âmbito especificamente cultural, um dos eixos centrais a ter em conta na análise da evolução dos bens comuns é o desenvolvimento

dos bens comuns e do papel da política pública é a questão do financiamento. A questão do financiamento coletivo (ou crowdfunding, ainda que este termo possa reduzir a complexidade destas novas práticas) é uma questão fundamental para o futuro dos bens comuns culturais. E também para o papel que irão assumir as políticas públicas a esse respeito.

Torna-se propício observar como as primeiras iniciativas do governo relativas à questão do financiamento coletivo estão a interpretar esse fenómeno mais como uma resposta pontual às dificuldades económicas que muitas instituições públicas têm enfrentado sob o modelo das políticas de acesso. Um exemplo disso é a campanha de financiamento aberta aos cidadãos recentemente organizada pelo Museu de Belas Artes de Lyon. Com o objetivo de poder adquirir a pintura de Jean-Auguste-Dominique Ingres, “L’Aretin et l’envoye de Charles Quint”, o museu promoveu uma campanha de crowdfunding, com o intuito de angariar micromecenas. Através desta iniciativa, o museu conseguiu angariar 80 mil euros, o que representa mais de 10% do custo total da obra. Mas além do caso específico, há interesse em analisar e discutir a posição dos governos perante o fenómeno do financiamento coletivo. Atualmente, não só as instituições culturais de pequena dimensão, mas também grandes organizações estatais se assumem como recetoras de contribuições financeiras de particulares, ou seja, beneficiá-rios de micromecenato, como destinatários sem maiores responsabilidades no desenvolvimento do fenómeno do financiamento coletivo.

Ora, nem todas as instituições assumem um papel semelhante. Há casos em que, impulsionados pelas próprias plataformas de financiamento coletivo, estabelecem--se ligações mais consistentes com a profunda transformação que este fenómeno poderia representar para o setor cultural. Por exemplo, desde há algum tempo que a plataforma Goteo faz experiências com fórmulas como o “capital de risco” ou as “bolsas de investimento social” (Goteo, 2013). Nestas iniciativas, os governos (por exemplo, do País Basco e da Estremadura) comprometem-se a contribuir com uma soma equivalente à das contribuições individuais da população. Ou seja, por cada euro angariado pela plataforma com as contribuições individuais, o governo compromete-se a contribuir com outro euro (até um limite aprovado).

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Obviamente, este é também um exemplo concreto que não permite extrair conclusões definitivas sobre o papel das políticas públicas nos novos regimes de financiamento coletivo da cultura. No entanto, salienta-se a necessida-de de continuar a investigar até que as novas formas de financiamento (com o o crowdfunding) se tenham desenvolvido, em alguns casos, como bens comuns.

Para terminar, chamamos a atenção para a necessidade de aprofundar a investiga-ção e a reflexão sobre as políticas do comum. É importante saber de que forma as plataformas e coletivos têm sido capazes de gerar as suas próprias comunidades e estabelecer normas comuns para assegurar a sustentabilidade dos processos culturais. Também é importante questionar a ambiguidade que pode estar asso-ciada ao discurso dos bens comuns, tanto nas dinâmicas de desresponsabilização por parte dos governos como nas da exclusão no seio das comunidades, com conflitos que podem levar à perda do caráter público dos bens comuns. Ou seja, é necessário conhecer melhor como se desenvolveram os bens comuns culturais e questionarmo-nos sobre o papel das políticas públicas nestes processos.

CAPíTuLO 4

VALORIZANDO AS ARTES E A CULTURA john HoldenCity University, London; DEMOS Think Thank

Um pouco por todo o mundo, o valor das artes e da cultura tem-se transformando num assunto cada vez mais presente e sobre o qual as pessoas querem ouvir falar.

E isso é interessante. Isso não acontece simplesmente porque as artes precisam de encontrar formas de descrever o seu valor para poderem atrair o financiamento privado e público – tiveram de fazê-lo durante muito tempo -, mas sim porque se verificou uma mudança fundamental em termos do papel das artes e da cultura na sociedade. O que pretendo é afirmar que precisamos de repensar aquilo que queremos dizer quando utilizamos a palavra «cultura» e que precisamos de ter uma abordagem mais sofisticada à forma como valorizamos as artes e a cultura, uma abordagem que tenha em conta, quer os vários tipos de valor que fazem parte da cultura, quer as perspetivas e interesses plurais de diferentes grupos sociais.

Houve um tempo, há cerca de quarenta anos, em que o valor das artes era prati-camente um dado adquirido e o assunto não provocava demasiada preocupação.

PARTE II - O mandato democrático da cultura

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Existia um razoável consenso político acerca da necessidade das artes, apesar de serem marginais e não fazerem parte do mundo real da política, que tinha a ver com a economia e com as relações internacionais.

Mas, mesmo nessa altura, no século xx, quando uma pá era uma pá e não uma ferramenta pós-moderna concebida por um designer com potencial para mover terra, já nessa altura, tínhamos muitos problemas com a palavra «cultura». Para uma discussão realmente estimulante acerca da questão, apontar vos ia na di-recção de Raymond Williams, Professor em Cambridge e crítico de cultura, e do seu fundamental livro Keywords, publicado pela primeira vez em 1976.

Nessa altura, a palavra «cultura» era utilizada essencialmente com dois signi-ficados e muitas pessoas continuam a pensar nela dessa forma. Por um lado referia-se às ‘artes’– e as artes eram um cânone estabelecido de formas de arte (ópera, bailado, poesia, literatura, pintura, escultura, música e teatro). Cada uma destas artes continha as suas próprias hierarquias e era apreciada apenas por uma pequena parte da sociedade, aquela que era também, em geral, instruída e rica. Este grupo social definia a sua própria posição social, não só através do dinheiro e da instrução, mas também através do simples acto de apreciar as artes e, deste modo, consumo de arte e estatuto social tornaram-se sinónimos, levando as artes a serem classificadas como elitistas.

Mas a cultura tinha também um outro significado não relacionado com as artes, um significado antropológico que se prolongava para abranger tudo o que fazía-mos para nos exprimirmos e entendermos, desde a culinária ao futebol, à dança, ao ver televisão.

Estes dois significados de «cultura» conduziram a uma grande confusão porque eram, essencialmente, opostos. «Cultura» no sentido das artes e cultura popular excluíam-se mutuamente: uma era elevada, a outra inferior; uma refinada, a outra degradante. Enquanto indivíduo, poderia aspirar à alta cultura mas, por definição, a alta cultura nunca poderia ser adotada pelas massas – se fosse adotada por toda a gente deixaria de ser alta cultura.

Estas duas noções essencialmente contraditórias acerca do significado de «cultura» levaram a todos os tipos de confusões, inclusive na política, onde as abordagens à cultura se opõem à divisão esquerda/direita. Podemos ver as artes a serem atacadas pela esquerda por serem um “passatempo da classe alta” e a serem atacadas pelos “monetaristas fanfarrões da direita Reaganista e Thatcherista” por interferirem com o mercado. Mas também podemos ver as artes a serem defendidas pela esquerda por serem uma das coisas boas da vida a que todos deveriam ter acesso, e a serem defendidas pela direita por terem uma influência civilizadora e calmante sobre a sociedade.

O antigo modelo de cultura vigente nessa época é um modelo limitado a duas opções, mas atualmente temos de entender uma nova realidade. E isso significa que temos de abandonar essas velhas ideias de cultura como um conjunto de binários opostos do tipo elevado/inferior, refinado/degradante e elitista/popular.

A nova realidade exige uma forma diferente de olhar para o significado de «cul-tura» e, consequentemente, novas formas de olhar para o valor das artes e da cultura para a sociedade. Exige uma mudança na resposta política à cultura e requer mudanças na forma como os financiadores culturais e as organizações culturais atuam.

Permitam-me explicar o meu entendimento desta nova realidade.

Penso que agora, por motivos práticos, existem três esferas de cultura profun-damente interrelacionadas: a cultura financiada pelo setor público, a cultura comercial e a cultura criada em casa. Não estão separadas, nem são opostas, estão completamente interligadas, mas diferem de forma significativa umas das outras.

Na cultura financiada pelo setor público a cultura não é definida pela teoria mas pela prática: o que é financiado torna-se cultura. Esta abordagem pragmática permitiu uma expansão do significado de «cultura» neste sentido, para poder agora incluir coisas como o circo, as marionetas e a arte de rua, bem como a ópera e o bailado. Quem toma a decisão acerca daquilo que é financiado e, como tal,

PARTE II - O mandato democrático da cultura CAPíTULO 4 - Valorizando as artes e a cultura

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define este tipo de cultura é, por isso, uma matéria de assinalável interesse público. Por exemplo, as respostas oficiais à produção cultural de diferentes comunidades, grupos sociais, étnicos e religiosos transporta um profundo significado em termos de validação ou aceitação de diferentes culturas no âmbito da definição daquilo que o governo entende por cultura.

A cultura comercial é igualmente definida de forma pragmática: se alguém pen-sar que existe a possibilidade de uma canção ou um espetáculo ser um sucesso comercial, este/esta é produzido/a; no entanto, o consumidor é o juiz máximo da cultura comercial. O sucesso ou o falhanço é impulsionado pelo mercado, mas o acesso ao mercado — o elusivo ‘contrato discográfico milionário’ de Bruce Springsteen para a canção Rosalita, a estreia em palco ou o primeiro romance — é controlado por uma influente classe de produtores comerciais de topo, executivos de empresas discográficas e editores que são tão poderosos como os burocratas da cultura financiada pelo setor público. Por isso, na cultura financiada pelo setor público e na cultura comercial existem guardiões que podem ajudar bastante os artistas mas que, no entanto, controlam o acesso do artista a um público e definem o significado de cultura através das suas decisões.

Por fim, existe a cultura criada em casa que abrange desde objetos históricos até atividades de arte popular, passando pela banda de garagem punk pós-moderna e o upload no YouTube. Aqui, a definição daquilo que conta como cultura é muito mais abrangente. É definida por um grupo de pares informal auto-selecionado e as barreiras à entrada são muito menores. Tricotar uma camisola, inventar uma nova receita ou escrever uma canção e publicá-la no Facebook pode exigir muitas capacidades, mas pode ser feito de forma independente sem grande dificuldade — a decisão acerca da qualidade daquilo que é produzido está nas mãos daqueles que vêem, ouvem ou provam o artigo acabado. Nestas três esferas, os indivíduos assumem posições como produtores e consu-midores, autores e leitores, intérpretes e públicos. Cada um de nós tem a possi-bilidade de se movimentar entre diferentes papéis com uma crescente fluidez, criando e atualizando as nossas identidades ao longo do processo. Os artistas

viajam livremente entre os setores de financiamento, comercial e criado em casa: por exemplo, as orquestras financiadas pelo setor público fazem gravações comerciais que são vendidas em lojas de música e trocadas em sites de partilha de ficheiros; a moda de rua inspira a moda comercial; e uma banda independente pode conseguir um contrato discográfico e depois atuar numa casa de espetáculos financiada pelo setor público. A rápida e enorme expansão da Internet como espaço de comunicação cultural e como facilitador da criatividade de massas é vista como a causadora destas mudanças mas, na verdade, é apenas um de vários fatores. A disponibilidade de instrumentos musicais e máquinas fotográficas digitais baratas e de boa quali-dade, os softwares de fácil utilização, a construção de infraestruturas artísticas e a formação são igualmente importantes enquanto impulsionadores da expres-são criativa. Mas aquilo que a Internet fez - de forma singular e irrevogável - foi permitir que as pessoas comuniquem, colaborem e enriqueçam de formas que são inteiramente novas. Isto gerou o caos nos modelos de negócios dos setores da música, cinema e radiodifusão – por exemplo, a Tower Records, o maior vendedor de CD e DVD a retalho dos Estados Unidos, foi à falência apenas 5 anos após a introdução do i-tunes. Além disso, alterou as possibilidades à disposição das três esferas da cultura e de todas as formas de expressão cultural nelas contidas, apresentando, em todos os domínios, uma profusão de novas oportunidades (tais como novos públicos, novos canais de distribuição), mas também um conjunto de questões (o que fazer relativamente à propriedade intelectual, o investimento em tecnologia e a censura, por exemplo).

Por sua vez, a capacidade que as pessoas têm de criar a sua própria cultura a níveis profissionais alterou o debate acerca da qualidade, que deixou de se basear na ideia de que as artes são naturalmente superiores à cultura popular, para discutir a qualidade em nichos, onde quer que esta se encontre. Agora temos de perguntar, não se o teatro é melhor do que a Televisão – isso não faz sentido –. A pergunta agora é ‘foi um bom programa de televisão? foi uma boa

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que mais pessoas tivessem acesso às mesmas, por se pensar que seria uma boa coisa; podia defender-se que, em termos de estatuto nacional, deveria existir uma galeria e uma casa de ópera, mas o conceito de cultura seria algo essencialmente periférico, uma atividade de lazer e um ornamento da sociedade, algo para ser aproveitado e dar satisfação no final de um dia de trabalho árduo.

Mas, de acordo com o novo modelo de cultura de que tenho estado a falar, a polí-tica cultural tem de deixar de estar confinada a uma pequena rubrica orçamental e a um limitado conjunto de questões sobre a arte. Pelo contrário, se entendermos a cultura de acordo com as linhas gerais que descrevi - como uma atividade de trabalho em rede onde as culturas financiada, criada em casa e comercial estão profundamente interligadas -, então podemos começar a apreciar o valor mais abrangente que a cultura tem na/para a sociedade.

Deixo-vos três exemplos. O primeiro é relativo à economia. O trabalho criativo, a reflexão, o valor acrescentado do design e da produção cultural são característi-cas cada vez mais importantes das economias de sucesso. De facto, esta parte da economia é aquela que tem registado um crescimento mais rápido ao longo dos últimos vinte anos nos países da OCDE. No Reino Unido, os números mais recentes do Ministério da Cultura, relativos ao mês passado, mostram que as indústrias culturais e criativas representam 5,2% do Valor Acrescentado Bruto (VAB), 1,68 milhões de postos de trabalho, que correspondem a 5,6% do total de postos de trabalho do Reino Unido, e continuam a crescer a um ritmo de 10% ao ano - muito mais rapidamente do que a restante economia. Este desempenho excecional do setor é simplesmente um reflexo daquilo de que tenho estado a falar – o grande aumento no consumo, e na produção caseira, de filmes, programas de televisão, música, jogos de computador, livros, entre outros.

Nicola Mendelsohn, Vice-presidente do Facebook e Presidente do Creative Indus-tries Council afirmou o seguinte:

“Estes números demonstram claramente a enorme contribuição do nosso setor para a economia e é vital que esteja instituído o enquadramento correto para alimentar e apoiar a indústria. Estamos a trabalhar com o Governo no

interpretação de Otelo? como é que estes instrumentistas de jazz estão refe-renciados? e assim por diante.

Por isso, agora temos uma situação em que os setores públicos, comercial e feito em casa passaram a estar inextricavelmente unidos e interligados, tirando partido uns dos outros e alimentando-se uns dos outros. Acabo de concluir um extenso trabalho que se debruça sobre a ecologia das artes e da cultura no Reino Unido e o que descobri é que toda a gente parece ter um modelo de negócios de economia mista. Pessoas, ideias, dinheiro e produto estão de tal forma ligados que é praticamente impossível falar em diferentes categorias. Temos uma cul-tura global em que as três esferas trabalham intensamente em rede. Mas, isto tem alguma importância? Esta mudança - de um modelo binário de artes e de cultura popular para um modelo triplo de cultura financiada pelo setor público, comercial e criada em casa - é algo mais do que um mero exercício teórico? Bem, como poderão imaginar, a minha resposta é claramente Sim. É extremamente importante. Passo a explicar as razões. De acordo com o antigo modelo, a cultura financiada, ou alta cultura, podia ser marginalizada enquanto preocupação elitista de uma pequena minoria; a cultura comercial podia ser desprezada enquanto mero entretenimento; e a cultura criada em casa podia ser tratada de forma condescendente enquanto algo de natureza meramente amadora. Mas, se as juntarmos todas, elas tornam-se, nas palavras do Diretor de Cultura de Barcelona, Jordi Marti, ‘no segundo ecossistema da humanidade’.

Isto transforma a importância da cultura enquanto consideração política. De acordo com o antigo modelo, a política podia confinar a política cultural a um campo muito limitado e, como tal, esta tinha um valor reduzido na hierarquia dos governos, quer nacionais, quer locais.

No modelo antigo, a cultura popular podia ficar entregue aos seus próprios meios. Podiam ser impostos alguns limites em termos dos conteúdos de livros e filmes e censurá-los, podia ser necessária autorização para tocar música ao vivo em lo-cais públicos, mas a cultura popular podia, mais ou menos, seguir o seu caminho. Já no que diz respeito às artes, a chamada «alta cultura», podia pretender-se

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E isso irá afetar as perspetivas laborais do jovem, a sua capacidade de operar num mundo globalizado e o seu sentido de identidade individual e comunitário.

E, tal como a política cultural está hoje interligada com questões mais abrangen-tes, também essas questões mais abrangentes afetam aquilo que acontece na cultura. Por exemplo, precisamos de pensar de que forma as políticas de vistos afetam os artistas convidados e, consequentemente, as relações internacionais, e o modo como as políticas de planeamento atuam no sentido de fomentar ou afetar o crescimento de indústrias criativas. Acima de tudo, precisamos de pensar sobre a forma como as políticas educativas podem libertar os talentos criativos de todos e não apenas dos que estão destinados a seguir carreiras artísticas.

Assim, as intervenções da política cultural estão a tornar-se muito mais com-plicadas, pois têm de acontecer em todos os tipos de lugares que fazem parte desta mistura de cultura financiada, comercial e criada em casa e, na verdade, além deles.

Penso que é essencial percebermos o modo como a cultura funciona, aquilo que significa e, especialmente, aquilo que significa para diferentes pessoas, antes de pensarmos sobre a forma como a cultura é valorizada. Pois o valor da cultura, e o modo como descrevemos esse valor e o medimos, varia em função de quem somos.

No passado apresentei este diagrama simples para tentar articular os diferentes valores que a cultura pode assumir para diferentes grupos sociais. Resumidamente, o argumento é o seguinte: podemos olhar para o valor da cultura sob três perspe-tivas, utilizando diferentes tipos de linguagem em cada caso. Estes três pontos de vista não se excluem mutuamente. Pelo contrário, são complementares mas, dependendo de cada indivíduo, são mais ou menos importantes.

sentido de desenvolver uma estratégia de crescimento para o setor que irá identificar a forma como todos os envolvidos podem garantir que as indústrias criativas continuam a crescer cada vez mais.” Portanto, ela entende aquele que é o pacto vital entre o governo e as artes e a cultura.

O segundo exemplo de uma área onde a cultura se tem tornado muito mais importan-te são as relações internacionais. O turismo de massas, as notícias 24 horas por dia, os voos económicos, as notícias na Internet e o jornalismo do cidadão juntaram-se para tornar o mundo mais pequeno. Estamos todos a interagir muito mais e estamos muito mais expostos a outras pessoas e a outras nações. Encontramos divergências a cada instante e o que acontece nas ruas de Nova Iorque num determinado minuto pode levar a motins em Islamabad no minuto seguinte. Nestas circunstâncias, entendemo-nos, tal como nos desentendemos, através de um meio que é a cultura. E é por isso que, por exemplo, a forma como um museu lida com objetos de outro país, ou o facto de músicos israelitas e palestinianos poderem tocar juntos, ou a forma como os antigos persas são retratados num filme de Hollywood, ganham um significado que ultrapassa questões de qualidade estética ou artística.

O terceiro exemplo da crescente importância da cultura tem a ver com a identidade, no sentido em que hoje nos definimos não tanto através dos nossos empregos – porque esses vêm e vão – e não tanto através da nossa geografia – porque viajamos e deslocamo-nos –, mas através do nosso consumo e produção culturais. Eu sou quem sou, e o outro é quem é, por causa daquilo que vemos, lemos, ouvimos, escrevemos e tocamos.

Nestes três exemplos - economia, relações internacionais e formação de identidade - a cultura deixou de ser algo marginal para passar a ser algo central. Isso altera profundamente a forma como, quer os governos, quer os cidadãos, valorizam a cultura. E faz também com que a política cultural se torne muito mais compli-cada. Por exemplo, dar a uma aluna de treze anos a oportunidade de visitar um museu, pode ter sido, num dado momento, uma experiência agradável, que teria uma influência civilizadora sobre uma mente jovem, agora uma visita a um museu é uma parte essencial da integração do jovem na rede da cultura tripartida.

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e diferenciada e implica um julgamento sobre a qualidade. Não se encaixa de forma alguma no machismo pragmático que é suposto dominar os negócios, a política, o desporto e os meios de comunicação. Atualmente, algo que não se pode contar, não conta, e como é que se atribui um número a algo do género?

Mas, para mim, ou para vocês, enquanto indivíduos, é a nossa resposta subjetiva à cultura que realmente interessa. Quando me sento num auditório obscurecido a ouvir, por exemplo, Benjamin Britten, os meus sentimentos são desperta- dos e penso ‘isto é maravilhoso, é incrível, é espantoso.’ Não estou ali sentado a pensar, ‘Estou tão satisfeito pelo facto de esta interpretação estar a impulsio- nar a prosperidade económica e a ajudar a atingir as metas para o turismo.’

Por isso, para falarmos sobre o valor da cultura para as pessoas, temos de falar de qualidade, excelência, acesso físico e intelectual, assim como das características demográficas do público. Temos de ter em conta fatores qualitativos – discutir o que é boa e má arte, em que consiste a excelência e o modo como as experiências do público podem ser melhoradas.

É importante perceber que quando falamos de valor intrínseco, estamos a utilizar um substantivo de “valorizar” como verbo ativo. Eu valorizo alguma coisa, vocês valorizam alguma coisa, eles valorizam alguma coisa. E esse processo de valorização é subjetivo. Podem dizer-me que um quadro é bom e tentarem explicar-me porque são dessa opinião. Podem apresentar-me as estatísticas que mostram que dançar me vai trazer todo o tipo de benefícios, desde tornar-me mais saudável a fazer-me mais feliz. Mas apenas eu posso valorizar o quadro ou a dança. Na minha opinião, esta é uma questão fulcral e estudos recentes sobre as reações dos públicos e dos participantes a diferentes atividades culturais, como, por exemplo, um extenso estudo conduzido no ano passado em Manchester, adotaram esta abordagem.

Quando nos voltamos para o segundo tipo de valor, o valor instrumental, estamos a lidar com um conceito objetivo, pelo que, neste caso, temos de pensar em valor de forma diferente. O valor instrumental é utilizado para descrever situações em que a cultura é utilizada como ferramenta ou instrumento para atingir um outro objetivo

Figura 1: Os diferentes valores da Cultura

Fonte: elaboração do autor

Passo a explicar. No topo do triângulo encontra-se o valor Intrínseco. Intrínseco refere-se a algo que é parte integrante ou é uma parte essencial de qualquer coisa. Portanto, isto implica que os museus, a dança, o teatro, entre outros, têm um valor intrínseco único a cada um deles. Tenho defendido, em particular, que o valor intrínseco define as artes como um bem público por direito próprio e que devemos valorizar a dança por ser dança e a poesia por ser poesia e não apenas por outras razões, tais como o seu impacto económico e social.

Mas o valor intrínseco é também utilizado para descrever o modo como as for-mas de arte têm efeitos individuais e subjetivos sobre cada um de nós. O valor intrínseco é aquilo a que as pessoas se referem quando dizem ‘Adoro dançar’ ou ‘aquele quadro não presta’ ou ‘preciso de escrever poemas para me exprimir’.

Ora, o valor intrínseco é notoriamente difícil de descrever, quanto mais de medir, e a econometria racional do governo não é minimamente capaz de lidar com o mesmo, porque este aspeto da cultura lida com conceitos abstratos com o diversão, beleza e grandiosidade. Afeta as nossas emoções de forma individual

Intrinsic

Instrumental Institucional

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A política sempre pretenderá olhar para a cultura desta forma – faz todo o sentido – e isso significa que a política terá sempre uma relação muito ambivalente com a cultura que é puxada nas duas direções ao mesmo tempo. Por um lado, os polí-ticos querem manter alguma distância face à cultura por várias razões – porque as artes podem ser oposicionistas e problemáticas, porque nas sociedades livres não querem que a arte reflita as ideologias do Estado e porque não querem ter de defender a experimentação artística. Mas, por outro lado, querem interferir nas artes de modo a garantir que as artes atingem os seus objetivos mais abrangentes para a sociedade e garantir que o financiamento público é devidamente justificado.

No entanto, se quisermos medir o valor instrumental - a contribuição da cultu-ra para objetivos específicos em termos de política económica e social, então temos uma série de ferramentas técnicas e pessoais à nossa disposição. Aqui procuramos obter um benefício objetivo – o comportamento das crianças me-lhorou, a reincidência diminuiu, os negócios deslocaram-se para uma zona onde construímos uma galeria de arte? A medição pode ser realizada ao nível de um projeto individual ou relativamente a uma organização artística específica, ou a um qualquer nível agregado – uma cidade, uma região, uma forma de arte, en-tre outros. Esta medição tem muitos imprevistos e muitas dificuldades práticas inerentes, especialmente quando tentamos construir um quadro generalizado de longo prazo, mas existem inúmeros estudos e artigos de investigação que demonstram que o valor instrumental da cultura atravessa toda uma série de áreas, desde a saúde à economia e desde o desenvolvimento de competências sociais à terapia para idosos.

Os aspetos fundamentais que deveríamos procurar ao avaliar o valor destes exercícios são a sua objetividade, porque, por vezes, investigação e argumentação confundem-se, e a sua transferibilidade, o que é frequentemente problemático porque as circunstâncias e o contexto de um determinado projeto artístico nem sempre se traduzem em diferentes circunstâncias.

Voltando ao triângulo apresentado anteriormente na figura. O terceiro tipo de valor é algo que designo de valor institucional. Este valor resume-se à forma como

- como, por exemplo, a recuperação económica, ou melhores resultados nos exames, ou tempos de recuperação de pacientes mais favoráveis. Estas são repercussões da cultura, que visam atingir objetivos que poderiam ser igualmente atingidos por outros meios. Este tipo de valor tem tido um enorme interesse para os políticos e financiadores ao longo, mais ou menos, dos últimos trinta anos e, em alguns momentos, tornou-se de tal forma importante que os outros valores da cultura foram esquecidos.

Penso que o motivo para tal é perfeitamente compreensível. Tal como referi, do meu ponto de vista enquanto indivíduo, aquilo que me interessa é a minha experiência individual da cultura, se eu gosto da peça ou se aprecio a música. Mas o meu prazer individual não é algo que interesse minimamente aos políticos. Estes estão muito mais preocupados em saber se as experiências culturais irão ter algum tipo de efeito mensurável sobre as massas.

O escritor americano Philip Roth coloca a questão nestes termos. Ele afirma que “A política é a grande generalizadora e a literatura a grande particularizadora e estas têm, não só, uma relação inversa entre si, mas também uma relação an-tagónica. Como é que se pode ser artista e renunciar à nuance? pergunta Philip Roth. “Mas, como é que se pode ser político e permitir a nuance?”

Stravinsky afirmava algo semelhante quando escreveu “o que importa é o indivíduo, nunca as massas. As “massas,” no que diz respeito à arte, é um termo quantitativo que nunca tive em consideração.”

E, a partir de uma perspetiva política, Lenine colocou a questão de outra forma quando disse que odiava ouvir Beethoven porque o fazia querer acariciar as ca-beças das pessoas quando devia estar a fazê-las chocar umas contra as outras.

A questão aqui é que a política pretende atingir resultados sociais em massa e, por isso, valoriza a cultura em termos daquilo que a cultura pode fazer para atingir esses resultados, quer se trate de melhores tempos de recuperação em hospitais, de reduzir o grau de reincidência entre os presos ou de integrar refugiados na sociedade. Obviamente, tudo isto são metas perfeitamente dignas e sensatas.

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tucionalmente. Gostava de realçar que estas não são três categorias diferentes nas quais encaixamos diferentes experiências ou formas de arte. Não significa que a dança contemporânea tenha apenas a ver com valores intrínsecos e que o teatro tenha apenas a ver com valores institucionais. Aquilo que defendo é que estes três valores são pontos de vista ou perspetivas igualmente válidos e que devem ser considerados em conjunto. Permitam-me um exemplo. Se regres-sarmos à nossa aluna de treze anos durante a sua visita a um museu, esta pode perfeitamente ter uma experiência emocional marcante que pode ser abordada utilizando a linguagem do valor intrínseco; pode ser ensinada por um artista e reproduzir a sua aprendizagem na sala de exames e isso torna-se um benefício instrumental mensurável. Além disso, pode ganhar um sentido de orgulho cívico através deste museu, sentir-se parte da sua comunidade e ver o museu como um local público que tem o direito de partilhar com os outros - e isso seria um exemplo de valor institucional.

Ver estes três valores como aspetos essenciais da cultura, ou como pontos de vista equivalentes, evita a predominância de um deles. Se for dada demasiada ênfase ao valor intrínseco, a arte acaba por ser vista como algo precioso, apreendido por uma elite, e começamos a ouvir os diretores dos museus a dizerem que há demasiadas pessoas nos museus e os peritos a queixarem-se de uma simplificação excessiva. Quando é dada demasiada ênfase ao valor instrumental, os artistas e os profissionais são alienados e dão por si a serem utilizados como meio para um fim que é a correção de défices sociais. Quando é dada demasiada ênfase ao valor institucional podemos perder de vista a arte. Mas, se juntarmos os três, temos uma economia de valor mista sólida e um tripé estável para validar a cultura. E isso reflete a economia financeira do financiamento estatal, público, empre-sarial e privado que sustenta as artes e a cultura onde, novamente, a confiança nos outros pode conduzir a problemas.

Portanto, entender o valor total da cultura é uma questão complicada, embo-ra vivenciar esse valor e vê-lo em ação poder ser algo muito direto, poderoso e simples. Aquilo que valorizamos, a linguagem e a métrica que utilizamos para descrever esse valor depende de quem somos. A motivação parece-me ser algo

as organizações culturais atuam. São parte do domínio público e o modo como fazem as coisas gerar tanto valor como aquilo que fazem. Nas suas interações com o público, as organizações culturais têm o poder de aumentar - ou, pelo contrário, diminuir - aspetos como a nossa confiança uns nos outros, a nossa opinião sobre o facto de vivermos numa sociedade mais ou menos justa e equitativa, a convi-vência e o civismo mútuos, assim como toda uma série de outros bens públicos. Por isso, o modo como as nossas instituições atuam é importante. Aspetos como o horário de funcionamento, a forma de acolhimento, a disponibilidade de opor-tunidades para crescer e aprender não têm apenas a ver com o apoio ao cliente, como teriam no mundo comercial. Não, são muito mais importantes do que isso e podem contribuir para fortalecer o nosso sentido de sociedade coletiva e a nossa ligação à nossa localidade e comunidade.

No fim de contas, a cultura é o grande local onde os cidadãos interagem volunta-riamente com o domínio público: temos de mandar os nossos filhos para a escola, temos de ir a tribunal se formos citados, mas vamos a um teatro, a um museu ou a uma biblioteca se quisermos. Isto parece-me algo de interessante e algo que a política devia ter muito mais em consideração. Portanto, o valor institucional deve ser medido enquanto parte da contribuição da cultura para a criação de uma sociedade democrática e que funcione corretamente.

A questão é: como medir o valor institucional? Bem, ao contrário do valor ins-trumental, onde se procura descobrir o objetivo, os benefícios mensuráveis da cultura, aqui, aquilo que queremos saber é o valor que as pessoas, enquanto coletivo, atribuem à cultura. E para isso é preciso colocar-lhes essa pergunta. Uma das formas de fazer isso é através da utilização de técnicas de avaliação económica contingente; outra é através de tipos de medição de bem-estar. Ambas as abordagens estão bem desenvolvidas e no meu país de origem, o Reino Unido, são atualmente tema de investigação de dois estudos académicos financiados pelo Arts and Humanities Research Council.

Mas, para resumir o nosso triângulo de valores é possível ver as três formas em que a cultura pode ser valorizada: intrinsecamente, instrumentalmente e insti-

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CAPíTuLO 5

PARADOxOSDA ‘OFERTA CULTURAL’

António Pinto RibeiroDirector do Programa Gulbenkian Próximo Futuro

O estado geral da criação artística, principalmente da sua apresentação, difusão e recepção, traduz-se hoje em grandes dicotomias. Há por um lado um excesso de ‘oferta cultural’ nas metrópoles ocidentais e por outro lado uma míngua de actividades artísticas nas cidades do interior e nas periferias. No caso da ‘oferta cultural’ das metrópoles, a situação é de desorientação total, que se traduz, en-tre outros aspectos, numa relativização total da apresentação das obras, sejam elas performativas ou visuais. Aparentemente tudo é válido, tudo tem um valor semelhante, desde que apareça no espaço mediático e seja quantificado: quer por número de espectadores, quer pela quantidade de likes no .

Gostava de ser mais preciso nos termos que agora uso: criação, apresentação, difusão e recepção artística.

Isto para suspender por momentos a terminologia corrente e reflectir sobre ela: consumidores culturais, consumo cultural, marketing, turismo cultural etc… porque a entrar por este universo terminológico não há retorno possível da lógica do consumo. Entramos de imediato na quantificação, num registo com uma lógi-ca que privilegia o consumidor, essa figura nascida como a figura imposta após

crucial: um indivíduo vai querer julgar e avaliar as suas próprias experiências. Alguém que dirija uma organização artística quererá saber qual a contribuição que está a ter para o desenvolvimento e a saúde da sua forma de arte e também estará interessado em demonstrar aos seus financiadores o modo como as suas exigências foram cumpridas, quer ao nível de projetos individuais, quer ao nível da própria organização. Quererá também ter alguma forma de avaliar a satisfação do seu público e se está, ou não, a ir de encontro às necessidades daqueles que está a servir e que espera vir a servir.

Quanto aos financiadores e políticos, esses vão querer avaliar a contribuição das organizações individuais e do agregado de infraestruturas culturais para a con-cretização de um conjunto abrangente de prioridades políticas, em parte porque têm de efetuar juízos sobre o valor relativo da cultura em comparação com outras solicitações para os fundos disponíveis e, em parte, porque querem ser reeleitos. Necessitamos de um modelo de cultura que permita, não só acomodar todas estas perspetivas, mas que possa também ajudar as pessoas a entenderem as perspetivas dos outros. Acredito que estes conceitos de valor intrínseco, instru-mental e institucional são, pelo menos, um começo.

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Este situação não é específica do universo das artes – este não é um ilha isolada - e corresponde ao estado das sociedades globalizadas.

Na sua obra A sociedade do cansaço o filósofo coreano Byung-Chul Han evoca Kafka que numa particular interpretação do mito de Prometeu profetizou: “Os deuses cansaram-se, as águias cansaram-se, a ferida fechou-se de cansaço”. (Han, 2014)

Sociedade do cansaço, pois, associado a uma desatenção generalizada, como se o défice de atenção já não fosse uma doença de alguns, mas a condição comum a todos, devido ao excesso de estímulos de informação.

No início da revolução tecnológica na década de sessenta, muitos foram os autores crentes no facto de que as máquinas, substituindo muitas das funções dos traba-lhadores, contribuiriam para a redução das horas de trabalho e o aumento de horas de lazer dos trabalhadores. Não previram que o capitalismo assenta numa lógica de acumulação permanente e desenfreada do lucro e que se as máquinas vieram reduzir as horas de trabalho, a avidez do lucro impôs mais consumo e por isso maior necessidade ao trabalhador de trabalhar mais. Trabalha-se demais e “toda a actividade humana está sujeita a uma agitação permanente, e o ser humano foi obrigado a degradar-se, a transformar-se num animal laborans, um animal traba-lhador” afirma Byung-Chul Han a partir de Hannah Arendt. O que foi o princípio da emancipação dos trabalhadores no início do séc. xx transformou-se numa agitação permanente. Ninguém está parado, mas “a pura agitação não gera nada de novo. Reproduz e acelera o já existente” (Byung-Chul Han, 2014). Isto explica o consumo bulímico dos consumidores da produção cultural deste animal laborans hiperactivo e hiperneurótico (Byung-Chul Han, 2014).

Mas tem de ser necessariamente assim? Há algum modo alternativo que combine a condição de receptor artístico com a de ser humano vivendo na era da globali-zação e dentro de um sistema capitalista sem alternativa à vista?

No que aqui nos diz respeito, ao universo artístico, talvez seja possível que, da responsabilidade de quem oferece – do programador, do director do teatro ou

a Queda do Muro de Berlim, globalizada, que se apropriou de todas as categorias clássicas da modernidade e até pré-modernas: espectadores, criações, artistas, óperas, mecenas foram todas substituídas pela figura do consumidor tout court, que é o protagonista de tudo o que faz parte da cadeia dos mercados globais.

Nesta terminologia globalizada e neoliberalizada (o neoliberalismo impôs-se pela linguagem e apropriou-se do universo artístico, não lhe deixando qualquer exterior) o consumidor consome e consome tudo com o mesmo espírito com que consome o resultado da exploração dos recursos naturais.

Mas se eu recuar para uma linguagem anterior que tem a energia da modernidade, eu entendo como o que era mecenato se transformou em marketing e como os festivais, as óperas, os filmes não são outra coisa senão cabides de promoção das marcas (em especial operadores de telecomunicações e empresas de bebidas) cujo único objectivo é o apelo ao consumo dessas marcas e por isto a chamada oferta cultural não é senão – quase sempre- a espectacularização do mercado.

Disto resultou o sentimento geral de desorientação programática ficando-nos a sensação de que se perdeu a razão, o motivo, a justificação para a recepção do acto criativo. E esta desorientação nas grandes metrópoles vai a par de um excesso de oferta, seja ela de festivais, espectáculos, cinemas, traduzida numa bulimia, num consumo permanente que vai ficar registado como a imagem do princípio deste século e que é a do espectador consumido pipocas, bebendo cerveja ou enviando mensagens por telemóvel, enquanto assiste aos filmes, aos concertos ou se senta numa plateia de teatro. E se porventura alguém questionar a atitude deste espectador, ele responderá com certeza que pagou o seu bilhete e que por isso se pode comportar como quiser. O interesse democrático da defesa do con-sumidor tornou-se paradoxalmente na condenação do acto de recepção artística.

Pode parecer moralista esta avaliação do estado geral da apresentação e re-cepção artística, mas o objectivo é analisar as razões desta desorientação das programações artísticas onde impera a ideia de que toda a criação artística deve ser do agrado do consumidor.

PARTE II - O mandato democrático da cultura CAPíTULO 5 - Paradoxos da ‘oferta cultural’

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PARTE III

A MEDIAçãO CULTURAL JUNTO DOS TERRITóRIOS E DAS COMUNIDADES: RESPONSABILIDADE E COMPROMISSO SOCIAL

do Festival – reduzir a quantidade da apresentação das obras e, em segundo lugar, criar plataformas diferenciadas para as obras a apresentar (mais experimentais, mais expressamente minoritárias, mais lentas ou mais velozes). Colocar-se-á aqui o problema do acesso democrático a todos os que querem criar, mas é exacta-mente aqui que convém considerar – do ponto de vista do programador e da sua escolha – uma hierarquia de pertinência numa dada época e num dado lugar. Para o receptor a democracia existe na medida em que este possa escolher, da multiplicidade de ofertas, a que mais lhe interessa.

Assim, ao reduzir esta ansiedade de tudo programar, de programações permanentes, hiperactivas, hiperpublicitárias, talvez seja possível desviar a atenção do receptor para o acto de recepção e não só do consumo. Onde há espectáculos a mais, onde há exposições a mais, onde há festivais em demasia é preciso repensar as políticas culturais. Este não é o modelo a importar das grandes metrópoles, não é um modelo de desenvolvimento. Se admitirmos que, a par do consumo permanente, há também e cada vez mais uma valorização do trabalho cognitivo, admitiremos pois a necessida-de das programações minoritárias e exultemos com elas e com os tempos de silêncio ou de inactividade que podem existir entre dois espectáculos, entre duas exposições e experimentemos encontrar outros destinatários capazes de construírem o bem comum (António Negri, 2009). O bem comum não é uma utopia, um projecto político de construção de uma sociedade a partir do zero. É uma hipótese de trabalho que está para lá das organizações dos partidos tradicionais, dos sindicatos tradicionais, dos públicos tradicionais, das formas esclerosadas da democracia. O Comum (ainda Negri) revela-se na cooperação social, que requer cada vez mais trabalho intelectual onde a vida activa e a vida contemplativa possam existir. O bem comum traduz-se na necessidade de que as pessoas participem e no caso concreto da recepção artística traduz-se em manter uma tensão sobre o conhecimento – de que as artes são modos específicos – entre quem programa e quem está disponível para receber: umas vezes a favor, outras vezes contra. Sendo assim, talvez seja possível, em parte, desocupar o consumo de todo o espaço público e criar uma cena artística não é um shopping center de espectáculos ou de exposições. Numa cena artística as pessoas estão no centro, a qualidade da vida e as tensões entre a vida e a arte são a razão de ser da sua existência.,

PARTE II - O mandato democrático da cultura

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Esse sentido maior da Política como organização e estrutura ética que rege as relações isonômicas dos indivíduos em uma sociedade, anima os espíritos para um projeto comum de futuro a partir das lembranças do passado, entrou em colapso na modernidade. A ideia de política como lugar onde se estabelece direitos e se garante a capacidade de reinventá-los à luz das mudanças culturais de um tempo, parece ter hibernado, imerso em sono profundo.

A crença em um futuro comum, alimentado por memórias, lembranças, fragmen-tos do passado, é a crença na política, melhor, a crença na liberdade do homem de se reinventar no tempo. De imaginar outras e novas formas de estar juntos.Paul Valery, em Poesia Perdida, dizia:

“Para onde vão as ideias rejeitadas, os projetos esquecidos, as crenças arruinadas? A árvore está imóvel, permanece parada no seu banho de luz.Mas ontem mesmo ela se agitava com todas as suas folhas, ramos e galhos, até mesmo seu potente tronco, cor de pedra e quase pedra.Onde estão seu entusiasmo, sua agitação, suas torções de braços e mãos?” (Valery, 1952)

E o mesmo Valery, indaga se a crença na palavra, não é em si uma crença na ideia de política. Parece uma ideia clara, quando entendemos que a palavra, como imagem poética, repercute na consciência criadora abrindo um campo de significados novos e muitas vezes inquietantes.

Diria, e já entrando no território do tema, que a arte e a crença na palavra, são ainda o lugar da resistência ao sono e ao esquecimento da política. O lugar onde resiste a possibilidade de nos reinventarmos em tempos sombrios e destituídos de projeto de futuro.

Mas, vivemos um tempo onde o paradoxo entre essa resistência, da imaginação criadora, e seu fracasso, são evidentes. Da literatura vem uma figura de imagem que traduz esse paradoxo.

CAPíTuLO 6

ANTíDOTO CONTRA O SONO

Marta PortoEnsaísta e consultora

PREâMBuLOAntes de entrar no tema principal desse artigo, que indaga quais políticas cul-turais que são apropriadas para estimular o engajamento comunitário, quero fazer um amplo preâmbulo que situa as indagações que faço sobre esse nebuloso território da mediação e dos projetos culturais cujo foco são ideias de inclusão e transformação social. O que muitas vezes pode ser traduzido pelo velho e deja vù, “bom mocismo”.

Optei em posicionar o campo da política, onde filosofia e povo (no sentido filosó-fico) se encontram.

Vivemos em um tempo onde a Política – um modo de relação entre as partes para garantir o Bem Comum entre o que habitam e participam da vida na cidade (Aristóteles, in Ferreira, 1998) – parece esquecida, como nos lembra o intelectual brasileiros Adauto Novaes (Novaes, 2006).

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Esse é o lugar onde mora a Política. Crer na política, é crer na palavra. Crer na palavra, é crer na Política. A crença na imaginação criadora, que une sentidos espirituais da vida, para instigar uma nova estética do estar juntos. Que tensiona e oxigena as noções de bem comum, que se nega a facilidade dos controles sociais que entorpecem os sentidos e promovem estagnação, desesperança e mesmice.

Concluindo esse longo preâmbulo: pensar na relação entre política, arte e cultura é antes afirmar a liberdade criativa e criadora, a possibilidade da energia que se desloca momentaneamente da realidade para navegar em possibilidades ficcionais, incursionar em experiências cuja motivação é artística e nada mais. E assim, abrir o campo objetivo da atuação a reinvenção “da forma como entendemos e fazemos as coisas juntos”. Uma metáfora poética é a usada por ítalo Calvino no capítulo onde ele trata da Leveza, em Seis Propostas para o próximo milênio (Calvino,1990).

O escritor italiano nos lembra que a relação entre Perseu e a Górgona é comple-xa, do sangue dela nasce o cavalo alado Pégaso, ou seja “do peso da pedra pode reverter o seu contrário”. Mas é sempre na recusa da visão direta que reside a força de Perseu, “mas não na recusa da realidade do mundo de monstros entre os quais estava destinado a viver, uma realidade que ele traz consigo e assume como fardo”.

O que o mito parece nos dizer é a máxima de Aristóteles na Poética: “Não cabe aos poetas representar o mundo e sim imaginar como ele gostaria que o mundo fosse”. Isso não é uma recusa da realidade, como nos lembra Calvino, mas uma forma de abordá-la que abre espaço para uma imaginação criativa, mágica. Em Leveza, Calvino nos oferece uma imagem interessante para pensarmos na figura da arte como pulsão criativa que ao se deslocar do real pode reconfigurá-lo (Porto, 2009).

E a mediação? É possível buscar interpretações ou crer em ferramentas pedagó-gicas entre a criação – imagem poética – e sua repercussão?

Diria que há possibilidades quando se cria outras modulações para aproximar pessoas da fonte inspiradora que gera a experiência artística. Uma experiência de

O escritor Salman Rushdie, perseguido pelos mulás do Irã, por escrever Os Versos Satânicos, na sua condição de “escritor desaparecido”, escreve um livro para seu filho Zafar, Haroun e o Mar de Histórias, celebrando a liberdade de criar e contar histórias e a alegria de poder ouvi-las. Em um trecho, Rushdie pergunta:

“E para que servem essas histórias que nem sequer são verdade?Haroun queria pegar suas palavras de volta, arrancá-las de dentro do ouvido do pai e enfiá-las de volta na sua própria boca; mas naturalmente isto era impossível. E foi por isso que pôs a culpa em si mesmo quando, logo depois, nas cir-cunstâncias mais constrangedoras que se possa imaginar, aconteceu Algo Impensável: Rashid Kalifa, o fabuloso Mar de Ideias, o lendário xá do Blá--blá-blá, postou-se diante de um vasto público, abriu a boca, e descobriu que não tinha mais histórias para contar. Rashid não sabia dizer para que serviam as histórias que contava. Mas Kattam-Shud, o líder dos Tchupwalas, o Mestre do Culto de Bezaban, sabia muito bem, porque estava envenenando o mar de histórias, porque queria colocar uma rolha na fonte das histórias e parar o interminável fluxo de fios de histórias: as histórias são divertidas, fazem as pessoas imaginar. O mundo, porém, não é feito para ninguém se divertir, respondeu Kattam--Shud. O mundo é para se controlar.”(Rushdie, 1998)

Nada mais atual. Em tempos onde fundamentalismos de todos os matizes e origens, jogam artistas, escritores, intelectuais no cárcere de fato ou no simbólico, com medo de chocar, incomodar, ou pensar e criar livremente, a fábula de Rushdie nos pergunta se há uma função social para a arte ou se simplesmente ela é expressão criadora que revela uma dimensão, espiritual talvez, da vida humana.

Qual o valor de contar histórias? Qual o indicador que mede a diversão? O riso, o corpo que dança? A obra, a poesia, a música que te faz chorar?

Para Borges, a Biblioteca, templo da palavra, era onde residia o antídoto contra o medo e a apatia. A leitura, era um corpo presente, ativo, feito de muitas tessituras e linguagens, presença que se torna carne na resistência à morbidade do presente.

PARTE III - A mediação cultural junto dos territórios e das comunidades CAPíTULO 6 - Antídoto contra o sono

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Sugiro aqui o fim desses serviços? Não, mas a retomada da pesquisa, dos expe-rimentos e do silenciar de um certo ruído que tinge de cores pastéis o que pode ser uma paleta vibrante.

NOvOS PúBLICOS E ENGAjAMENTO COMuNITáRIOPor outro lado, há os projetos de engajamento comunitários cada vez mais rele-vantes para as políticas e programas culturais.

Há duas dimensões centrais nesse processo: uma que se refere ao trabalho com novos públicos, pessoas que não produzem arte, mas que podem ser sensibilizadas a parti-cipar da vida cultural mais ativamente. A outra dimensão é do trabalho com grupos artísticos comunitários a partir de espaços e programas de instituições culturais.

No primeiro caso, me parece quase uma imposição ética e de sobrevivência dos espaços culturais. Quando o público não se renova, sugere, recomenda, opina, os espaços e projetos perdem densidade e razão de existir. Projetos bem sucedidos nesta área acontecem invariavelmente extramuros das instituições e se valendo de propostas de engajamento nas coisas e onde as pessoas estão. Ensaios em praças públicas e mercados, piqueniques de livros no parque, integrar-se em redes que discutem problemas comunitários, desenvolver ações em diálogo com as pessoas comuns, se valendo de opções muitas vezes estranha a missão institucional, são formas de atrair e acolher novos públicos. O que deve ser feito cada instituição pode indicar o caminho, mas o centro é o diálogo e a abertura para criar experiências que façam sentido para as pessoas não especialistas, pensando em estratégias distintas para públicos diferentes.

O desafio de novos públicos e a participação nos processos são hoje uma dimensão que deveria ser tratada com planejamento específico dada a sua importância.A outra dimensão, a do trabalho com grupos artísticos comunitários, é antes uma ação de desmistificação de conceitos. E também um trabalho de discernimento de onde se quer chegar. A arte é meio ou fim? Ou é ambas as coisas?

performance como a que Marina Abramovic2 propõe, onde a presença do corpo institui o ato artístico, recebe uma modulação quando o rapper Jay Z propõe uma “sinfonia de corpos” 3 e produz uma música performance nos palcos do Metropolitan Museum. Ou quando o publico da exposição da artista Yayoi Kusama na Tate Modern, é convidado a intervir com uma cartela de círculos adesivos multicoloridos em uma sala branca composta como o quarto da artista. De alguma forma, os dois exemplos metaforizam a experiência criadora instituindo modulações para novas experiências. A ideia central é a que a experiência poética é vivenciada de forma pessoal e subjetiva, choca, provoca, emociona, inspira, e quando se torna objeto de projetos educativos ou de engajamento comunitário deve antes provocar, em novas modulações, esses sentidos criadores. Neste espaço, o processo ganha vigor, tônus e corpo.

Nesse sentido, a ideia de mediação não é a mais apropriada, pois não se busca interpretar, ou instruir, mas provocar. Isto é especialmente importante quando se trata de projetos educativos em espaços e programas culturais.

De fato, se observa uma grande sobrecarga de projetos em museus, bibliotecas e centros culturais que trabalham buscando mediar obras e experiências artísti-cas, muitas vezes usando de narrativas impessoais e alheias a energia presente no trabalho do artista. Gastasse muita ação e tempo com isto! Fichas, folders, descrições de quem foi o artista, sua obra, oficinas, traduções. E todo este trabalho integra as noções mais usais dos serviços educativos. O resultado são informações. E informações são básicas para quem as busca, mas irrelevantes para compor um quadro de estratégias que despertem ou revelem a imagem poética.

Interpretar sentidos também é um risco. Circuitos de museus onde há excesso de mediação são muitas vezes exercícios de apagamento dos sentidos e emoções pessoais de cada um diante do trabalho do artista. Indiferença, sono ou magia e reconhecimento, o pathus, campo das emoções, é o motor dessa experiên- cia e raramente pode ser compartilhado.

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2 The Artist is Present, MoMA 2010.3 Picasso Baby, MET 2013.

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“A Batalha do Passinho. Tem influências de Kraftwerk e Afrika Bambaataa. Juntam tudo e fazem uma coisa totalmente insólita. Você vê break, frevo... A surpresa não está só no som, mas na abordagem específica e global ao mesmo tempo.”

Esse é o tipo de espírito e de abordagem que os curadores e programadores de-veriam ter quando pensam em experiências, artistas e grupos cuja origem é não habitual para os estereótipos artísticos. Não há centro e periferia na arte. Há arte.E o que define se essas produções vão se constituir e ser reconhecidas como arte, são as oportunidades de desenvolvimento e de inserção nas programações ditas oficiais. Nada muito diferente do que vive todo artista, mas em condições muito mais difíceis e complexas.

Traçadas essas que me parecem distinções importantes entre o trabalho genui-namente artístico-cultural e o de vocações assistenciais, proponho um retorno ao início desse texto: onde se cruzam a dimensão política da vida, a arte e suas modulações de experiências?

Algumas ideias para indagações. Na crença na imaginação criadora e na sua re-percussão no Outro. Na tensão entre o espaço possível e desejável da reinvenção da política e seu entorpecimento contínuo. Um antídoto contra o sono, alojado em nós mesmos. Um corpo presente. Carne que resiste a morbidade do presente.E sobretudo nutrindo curadores, gestores, os propósitos e programas de arte e cultura de energia, curiosidade, risco e potência. Abrindo um caminho para libertar a arte e suas representações públicas de todo o tipo de domesticação que elimina inquietações e angústias e acaba por fazer o jogo do já jogado.

Se é meio, talvez não deva estar em programas artísticos culturais já que sua finalidade é medida por resultados que não podem ser evidenciados claramente pelo trabalho cultural. Exemplos são fartos e geram confusão conceitual e pro-cessual, entre ações de finalidade social, e mesmo assistencial, e aquelas cuja natureza é a de assegurar com métodos planejados e rigorosos a potencialização e a formação do trabalho artístico.

Digo isso, por que me deparo com ações cheias de boas intenções, que sinalizam com resultados como “a arte ajudando a reduzir a pobreza”, “a cultura como meio de reduzir a violência”, “arte e cultura juntas promovendo a auto-estima de jovens”, e outras tantas afirmações que se justificam quando se olha por lentes de acolher e trabalhar as vulnerabilidades e mazelas sociais, mas de difícil resultado quando a origem e a motivação é artística e mesmo cultura.

Tenho tratado disso em vários artigos e ensaios nos últimos anos e não gostaria de me alongar neste tema, mas apenas sublinhar um aspecto central que diferencia o trabalho social do cultural: em arte e cultura se trabalha com a potencia, o que exige rigor e indagações próprias. No social a mola propulsora é a vulnerabilidade do sujeito diante do meio, o que embaça resultados que possuem propósitos di-ferentes. A motivação de um trabalho cultural sério nunca pode partir de ideias como reduzir violência, mas sim de comungar com uma energia criativa que por óbvio, não tem origem, classe ou geografia privilegiada para existir, mas condições e oportunidades de florescer.

E como surgem as condições e as oportunidades para engajar trabalhos artísticos incríveis que surgem fora da cena tradicional? Primeiro fazendo os programadores serem mais curiosos com linguagens e produções que surgem dos territórios mais distantes do epicentro das produções conhecidas. Um exemplo inspirador vem do Lincoln Center em Nova York, onde o ex-curador público Bill Bragin, faz um trabalho de garimpagem planetário, abrindo espaços para trabalhos artísticos como o da Batalha do Passinho, linguagem coreográfica identificada com as comunidades populares do Rio de Janeiro. Em entrevista feita ao jornal O Globo4, quando perguntado se algo ainda o surpreende, Bragin afirma:

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4 Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/bill-bragin-produ-tor-curador-artistico-so-ha-um-ou-dois-degraus-entre-abu-dhabi-ny-14248125#ixzz3VLUK3bJR , 15/10/2014

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E há os artistas, sim os artistas. Longe vão os tempos de artistas puros de cora-ção, prontos a assumirem o risco das suas vidas numa relação corajosa consigo mesmos e com a vida. Hoje, a arte está-se a aproximar escandalosamente das técnicas mais assépticas e esterilizadas, em que o trabalho de campo daqueles que trabalham com o real se assemelha a uma caça ao tesouro para promoção posterior. Existe como tal uma obscenidade flagrante na forma como se absorve o real como de uma potente máquina de sucção, para débito posterior nas redes sociais e em obras de pensamento e autenticidade mais do que duvidosa. O que hoje se diz ser arte comunitária é, cada vez mais, um autêntico cenário de guerra mediática pelos projetos mais socialmente corretos, que nos dão aquele bene-plácito, sorriso seráfico de boas consciências em paz com as suas hipocrisias.

É pois de crise que estamos a falar. Vimos, por exemplo, passar nestes anos pela nossa região (no contexto do Nodar Rural Art Lab da Binaural/Nodar) toda uma legião de artistas que, confessemo-lo, nos foram deixando cada vez menos entusiasmos, numa suave curva descendente com belíssimas exceções. Tantas palavras, tantos projetos, tanta indiferença, tanto ego, tantas carreiras. Parece que hoje já ninguém questiona, por exemplo: porque raio um artista tem que ser cada vez mais um universitário para adquirir legitimidade? Não será esta asso-ciação o paradoxo e negação de toda a condição artística, daqueles que antes escolhiam deliberadamente outra estrada, mais perigosa, suja, rica e individual, como forma de expiarem demónios, culpas e talentos numa conexão invisível com o mais visível que há no mundo, naqueles átimos entre sensação e pensamento que nos ligam de forma irremediável ao outro, o qual não tem que ser um ser exótico e periférico ao nosso mundo, pode ser qualquer um que esteja ao lado das nossas escolhas de vida.

2. DO CADERNO DAS NOSSAS PERPLExIDADES, ALINHEMOS ALGuMAS EMANAçõES DESTES TEMPOS.

• Estes são tempos de produção maciça e rumorosa de imagens e sons e de indiferença crescente em relação ao específico, à poiesis, ao pathos, à crítica, ao subtil, ao difícil de ser contado.

CAPíTuLO 7

RED ALERT OU ISTO DA CRIAçãO ARTíSTICA COMUNITáRIA NOS TEMPOS QUE VãO CORRENDO

Luís CostaCoordenador da Binaural/Nodar

1. PROBLEMATIzANDO A COISA, NA FORMA DE COPO MEIO vAzIO.A vida está a mudar. Hoje é quase impossível despir-mos a ganga das nossas autorrepresentações, de tal forma a distância entre o sentir e o representar se anulou a milésimos de segundo. É agora mais difícil ganhar distância crítica, ganhar o lastro que o próprio tempo nos concede, escavar em lenta profundidade sobre as pregas do real, da memória e do inefável, processos que deviam exigir tempos de anos (décadas?) e não de dias, para pensar e recombinar variáveis, para depurar efemeridades, redundâncias e artifícios.

E os caminhos do desenvolvimento dos lugares? Esses estão irremediavelmente contaminados por simplificações, presunções de gente pequena que crê since-ramente que os territórios se desenvolvem de cima para baixo com meia dúzia de frases feitas (uma smart city? As montanhas mágicas? A capital ecológica? A magia das águas?). Felizmente a vida mais prenhe segue o seu curso e vai forrando os caixotes de lixo com cartazes e recortes de jornais de gente (quase sempre) com gravata e sem lágrimas.

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• Estes são tempos em que a palavra comunidade é usada e abusada em criações ditas empenhadas e solidárias mas que na maioria das vezes não escapam aos mais banais moralismos, tão corretos quanto assépticos.

• Estes são tempos de redes ditas colaborativas que muitas vezes mais não fazem do que empacotar e nivelar por uma média sensaborona os ditos “produtos” culturais.

• Estes são tempos em que os artistas são muitas vezes os últimos a terem a palavra na definição de políticas culturais. Muitos limitam-se a esperar ansiosamente as suas parcas oportunidades como peões de um xadrez alheio.

• Estes são tempos tão difíceis como os de Dickens, logo são tempos fascinantes.

3. E COMO A INvERSãO É SEMPRE POSSívEL, ATÉ DEIxAMOS uMAS QuANTAS uRGêNCIAS ARRANCADASAOS NOSSOS AvANçOS, RECuOS, DúvIDAS E ILuMINAçõES:

• Buscar temas, narrativas e lugares necessários para cada um. N-e-c-e-s-s-i-d-a-d-e.

• Colocar a técnica criativa como subsidiária da narrativa necessária (e não o inverso).

• Limpar as escolhas de efemeridades e floreados inúteis.

• Respeitar, nomear e convocar os que já trilharam caminhos análogos (agra-decimentos sinceros a….).

• Comparar, autocriticar, corrigir, sempre e mais uma vez.

• Romper clichés, trilhar a diferença, pois se são milhares as possibilidades

• Estes são tempos de uma profunda crise antropológica, em Portugal e na Europa, a qual poucos parecem afrontar, cómodos que estão nas suas zonas de conforto.

• Estes são tempos em que os jovens não querem saber nada disto. Estão-se nas tintas, é isso.

• Estes são tempos de homologação absoluta das ideias e das práticas, em que a arte e a cultura se tornam cada vez mais num adereço “modernaço” para ostentação territorial e/ou política.

• Estes são tempos mentais e acelerados, em que os corpos, as imagens, os sons se arriscam a serem meros instrumentos para uma subida de uns degraus no grau de reconhecimento de quem os cria.

• Estes são tempos em que o individualismo e a arrogância, mesmo entre os criadores, parece ser uma evidência crescente.

• Estes são tempos que nos impelem gradualmente a afastar do outro, daquele contacto quotidiano e improvável, não carregado de qualquer pretensão ou pré-conceito.

• Estes são tempos em que muitos artistas querem transformar-se a si pró-prios e aos que são retratados nas/através das suas obras em estrelas para consumo imediato (Rei Iutube).

• Estes são tempos em que tantos esquecem e respeitam o lastro de quem já por cá andou (e foram tantos e estão tão esquecidos, paz às suas almas).

• Estes são tempos em que se constroem castelos culturais no ar dos milhões europeus mas longe das raízes criativas mais profundas.

PARTE III - A mediação cultural junto dos territórios e das comunidades CAPíTULO / - Red Alert ou isto da criação artística comunitária

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CAPíTuLO 8

O QUE PODE O COMUM TER DE ExCECIONAL?

Elisabete PaivaDiretora artística do Festival Materiais Diversos

No ano de 2009, precisamente numa formação da ARTEMREDE, apresentei como premissa do trabalho que desenvolvia no Serviço Educativo do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, a substituição do termo “públicos” pelo termo “comuni-dades” para designar os destinatários daquele programa. Se me parecia evidente que precisávamos de incluir nos processos os mediadores da nossa intervenção, os adultos, pais ou educadores, a quem cabia a decisão de participar ou não nas atividades propostas, na verdade, o que me parecia mesmo necessário era ter uma postura crítica sobre o nosso papel, não apenas enquanto departamento educativo mas enquanto instituição cultural, responsabilizando-nos pela nossa forma de atuar num contexto onde éramos simultaneamente uma referência, para uns, um corpo alienígena, para outros, e nada, para alguns.

Resumindo, definir o programa educativo de uma instituição cultural de acordo com públicos-alvo e faixas etárias que deveriam (vir a) frequentar espetáculos

– basta fazer um esforço - porquê copiarmos indolentemente as escolhas do vizinho?

• Ouvir, ver e agir com paciência e profundidade, sempre.

• Não apaparicar comunidades com sorrisos seráficos (que lindas são estas velhinhas!) como meio para obter consentimentos criativos.

• Atuar com frontalidade no real, dizendo o que se pretende e esperar sauda-velmente o confronto e alguma dose de incompreensão (quão deliciosas podem ser as incompreensões).

• Não ter medo da solidão criativa. Mais vale um criador solitário que arrisca o pêlo quotidiano do que 100 criadores medianos “pour épater la bourgeoisie”.

PARTE III - A mediação cultural junto dos territórios e das comunidades

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Voltando ao ano de 2009.

As Comédias do Minho produziam Contrabando, de Madalena Victorino, e a AR-TEMREDE produzia Vale, também de Madalena Victorino, com música de Carlos Bica. Surgia, no Martim Moniz, o Festival TODOS – Caminhada de Culturas e, em Minde, o Festival Materiais Diversos. Em Guimarães, realizava-se a primeira edi-ção d’Os Dias a Crescer, programa que tinha como elemento central um projeto de criação comunitária (mais tarde corrigido para “participação comunitária”) e a apresentação lado a lado de manifestações de várias origens, do tradicional ao experimental, do popular ao erudito. Entretanto, a direção de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura constituía a sua equipa de programadores e assumia como uma área fundamental e autónoma o que designou como “área de Comuni-dade”, a primeira equipa que avançaria para o terreno, ainda no final daquele ano.

Algo estava a acontecer. Artistas, programadores e decisores políticos integravam nos discursos, nas práticas e nos orçamentos “as comunidades” em projetos de criação artística com grande ou razoável visibilidade pública, realidade que se consolidou e expandiu nos últimos cinco anos, ao nível da produção e do discurso. Mas, se este investimento se apresenta quase consensualmente como relevante e necessário, não deixa de ser urgente acautelar algumas questões nem sempre aprofundadas.

Quando falamos de projetos de criação artística com as comunidades, depreen-demos que habitualmente existe entre uma coisa e outra uma separação? Quem define essa separação e em que consiste ela? Terão as artes e as comunidades de andar juntas, mas separadas de alguma outra coisa? E o conhecimento, de modo mais geral, anda ligado às comunidades? Que outras dicotomias se revelam face a esta e deveriam ser discutidas: institucional/ alternativo, formal/ informal, erudito/ popular, tradicional/ experimental, cultural/ social, rico/ pobre?

Que tensão existe entre individual e coletivo? De que forma as comunidades inte-gram ou se impõem sobre os indivíduos? As comunidades em que queremos atuar são libertadoras, opressoras, fortes, frágeis, construtivas, dinâmicas, fechadas?

e oficinas parecia-nos francamente pouco, porque retirava ao “espaço do tea- tro” a possibilidade de ser um lugar de acontecimentos e atravessamentos, um lugar de risco, emocionante, um lugar verdadeiramente do lugar, ou, se quisermos figurar: uma praça em vez de um farol.

De forma simples começámos a identificar várias comunidades: a comunidade fa-miliar, nuclear ou alargada, tradicional ou não, a comunidade escolar, com as suas hierarquias específicas, a comunidade educativa, que inclui as duas primeiras e outros agentes locais; e o programa começou a contemplar os cruzamentos entre elas.

Num segundo momento tomámos consciência de que existem hoje diversas comunidades marcadas por uma espécie de institucionalização e não apenas aquelas que naturalmente já encaramos como institucionalizadas. Para além dos seniores, detidos, portadores de doença, pessoas com mobilidade reduzida, também as crianças e os jovens, que não podem (ou dificilmente podem) nego-ciar a sua obrigação social de “ir à escola”, e os professores, que cumprem neste quadro um papel tão ingrato, estão em boa medida sujeitos a processos de insti-tucionalização quotidianos, que pesam sobre os seus modos de pensar e de agir.Um terceiro ponto ainda: havia que ter consciência do peso que tem a divisão social entre os que produzem e os que não produzem e da voz que, por esse motivo, é dada a uns e retirada a outros.

Por último, era óbvio que teríamos de pensar sobre a pertença da própria insti-tuição. O que significa para um “teatro” (chamo-lhe assim por simplificação) ser um projeto da cidade? Quem é que um teatro representa, quando se trata de uma instituição pública? Uma comunidade, várias, todas, nenhuma?

Tornava-se claro que, apesar de identificarmos as comunidades já referidas, elas não esgotavam as diversas pertenças dos já referidos públicos... e muito menos o vasto leque de não-públicos... Começou-se então a formar a figura dos “outros”, que naquele caso representavam principalmente as comunidades rurais e subur-banas do concelho de Guimarães. E aí começámos a entrar num terreno em que as questões da identidade cultural adquiriram outro peso.

PARTE III - A mediação cultural junto dos territórios e das comunidades CAPíTULO 8 - O que pode o comum ter de excecional?

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âmbito ainda sofre de dois excessos: excesso de identidade e excesso de arte. Tentarei explicar.

Em que medida excesso de identidade?

As ditas comunidades surgem na maioria das vezes vinculadas à identidade de um território, mas há que pensar que comunidades ditas “naturais” provavelmente já não existem. E, por isso, ao falar da identidade de determinado território há que ser cauteloso e declinar o termo no plural – identidades. Assim, por exemplo, nas cidades portuguesas de média dimensão existem ainda muitos traços de ruralidade, que normalmente se quer esconder, e que convivem com o mesmo universo do digital e das redes sociais que em qualquer cidade europeia. Do mesmo modo, nem todas as comunidades migrantes se querem ver identificadas com as suas raízes, mas podem, ao invés, querer ser aceites como parte de um nós, onde quer que agora estejam. Ou, ao contrário, sofrem elas próprias de excesso de identi-dade e operar sobre esse sentimento pode promover um isolamento persistente.

Face a estas questões penso, pois, que pode ser mais produtivo operar nas tensões entre: as identidades individuais e as identidades coletivas, as múltiplas pertenças e outra noção de território – do imaginário e do porvir.

Excesso de arte porquê?

Porque fazer pesar sobre as artes aquilo que é da responsabilidade conjunta da política, da economia, da educação ou do urbanismo não é rigoroso e instrumen-taliza não apenas as artes e os artistas, mas também os desejos das comunidades. Por outro lado, face à incrível diversidade de linguagens, estéticas, metodologias e filiações filosóficas parece-me pouco que os projetos de criação com as comu-nidades se reduzam, na sua maioria, a projetos feitos com equipas artísticas que produzem espetáculos com não profissionais.

Por último, a ideia de investir nas comunidades de forma mais direta representa para muitos decisores (les élus, os eleitos, como dizem os franceses) um fator

O que define as comunidades? É o território? É uma identidade? É um sentimento interno ou definido por um olhar exterior? Se uma possível e simples definição de comunidade é “o sentimento de nós” (seg. Ferdinand Tonnies) não deixa de ser curioso perceber que na maioria dos casos nos projetos de criação comunitária as comunidades são “os outros”: outra cultura, outra zona da cidade, outro estrato socioeconómico, outra idade, ... Esses outros precisam de nós? Há uma vontade recíproca de nos encontrarmos e de fazermos algo em comum?

Fazemos parte de uma só comunidade? De várias?

Que “sentimento dos outros” é esse? Os artistas estão a operar em comunidades que sentem como suas ou não são suas as comunidades mas os problemas delas? Ou não são seus os problemas mas o património? Ou será um património em devir que é comum?

É um problema de responsabilidade? De quem, dos artistas?

Que papel cabe a cada ator nestes projetos - artistas, comunidades, programadores, decisores políticos? Ele é claro para todos os intervenientes? Existe uma definição de papéis a priori? Existe uma metodologia adequada para estes projetos? Os projetos artísticos com as comunidades têm sempre que se concretizar num produto final? E esse produto tem de ser sempre um objeto artístico? O que acontece quando esses projetos se tornam replicáveis? É replicada a metodologia ou é replicado o objeto criado?

Perdoem-me o excesso de perguntas.

O assunto tem crescido dentro e fora de Portugal ao ponto de, por exemplo, numa rede de programação europeia com parceiros muito diferentes dos portugueses em escala, mediatismo e consolidação, se fala da hipótese de passar a investir apenas em projetos artísticos com as comunidades a breve trecho...

Que projetos então? Para que territórios? Com quem? Com que fim?Do meu ponto de vista, a maioria dos trabalhos atualmente realizados neste

PARTE III - A mediação cultural junto dos territórios e das comunidades CAPíTULO 8 - O que pode o comum ter de excecional?

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Poderão ser projetos artísticos que têm o desejo de se ancorar numa pesquisa junto de cidadãos comuns, mas cujo objetivo não tenha na criação a sua participação direta.

Poderão ser projetos de co-criação ou projetos mais dirigidos.

Creio que todas estas abordagens configuram territórios de atuação possíveis, mas elas devem ser adequadas aos contextos, desejos e atores convocados para o pensar e para o fazer.

É necessário ter consciência do recorte que se propõe das referidas comunidades, que as dignifique e que as não encerre num tempo anacrónico, numa geografia confinada, num território cristalizado. Saber da necessidade de estar aqui e não acolá, com estas pessoas e não com aquelas. Saber da vontade de as pessoas darem do seu tempo, de se exporem, sem estar ao serviço de algum propósito alheio que venha confirmar o status quo.

É necessário que estes projetos se enquadrem num pensamento transversal sobre os lugares e sobre a sociedade.

É importante conferir materialidade a estes projetos, tornando-os visíveis, mas saber diferenciar a natureza adequada de cada projeto, de carácter mais artístico, mais transdisciplinar, mais engajado, mais poético, permitindo aos artistas o es-paço de experimentação formal que a eles compete, dando-lhes uma retaguarda justa, sólida e dialogante.

É essencial não ser moralista em relação às artes – não colocar sobre elas o peso da salvação, o peso da utilidade, o peso do serviço público, o peso do consenso. Não são essas as funções das artes. É por outros motivos que elas são absolutamente necessárias, para cada um e para que existam nós.

O que pode então o comum ter de excecional?

O que podem as artes, que lidam com a exceção, no terreno do comum?

de descriminação em relação ao financiamento de projetos protagonizados por artistas. Um projeto com a comunidade “em cena” pesa mais, levando a esquecer que a melhor forma de devolver aos cidadãos as suas expectativas é fazê-lo em diversidade de formas, não procurando o consenso de um auditório cheio, mas o acesso democrático a cidadãos com diferentes territórios imaginários a uma casa que é pública, comum – seja ela teatro, biblioteca ou museu.

Ao cabo de alguns anos de caminho e face a tanto potencial é de facto impor-tante repensar as formas como se podem desenvolver e manifestar os projetos de criação comunitária.

Poderão ser projetos de pesquisa de carácter social, educativo, económico ou científico destinados ao desenvolvimento de determinada comunidade ou terri-tório, integrando equipas pluridisciplinares onde também haja artistas – quantas vezes os artistas são chamados a integrar este tipo de equipas?

Poderão ser projetos de documentação e arquivo feitos por uma comunidade sobre si mesma ou por outra comunidade sobre essa ou, de forma transversal, sobre um deter-minado aspeto do território ou da atualidade que mereça atenção. E podem resultar desses projetos manifestações físicas evidentes, mas pode também colocar-se em primeiro plano a aquisição de ferramentas de registo, arquivo, comentário e debate, em processos de co-responsabilização dos cidadãos no combate ao esquecimento, à univocidade, à volatilidade, enfim, à morte do melhor que constitui as cidades.

Poderão ser projetos essencialmente educativos, em que a cooperação e a ho-rizontalidade na aprendizagem sejam o foco, em que aqueles que pensam que nada sabem vêm partilhar o que afinal sabem com outros com maior capital simbólico reconhecido.

Poderão ser projetos artísticos protagonizados por não profissionais em que não haja qualquer problema social a resolver, mas antes se realce a necessidade da poesia e do sensível na vida, compreendendo que a experiência de criar, interpretar, compor, ouvir, ver-se e ver os outros é profunda, comovente e edificante e, por vezes, transformadora.

PARTE III - A mediação cultural junto dos territórios e das comunidades CAPíTULO 8 - O que pode o comum ter de excecional?

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Mas o aspeto que mais me comove e me mobiliza nos projetos de criação comu-nitária é o trabalho em comum, o fazer em comum.

Porque a cooperação e em particular a cooperação entre os diferentes é, a meu ver, nesta sociedade em transição, uma resposta urgente e necessária à volatilização das relações, dos recursos, das ideias e dos compromissos. Porque abre lugar ao diverso e ao complementar e por isso se distancia do totalitarismo.

Porque o trabalho em comum exige negociação, exige a escuta e a manifestação de pontos de vista, exige presença e tempo, e por isso devolve à linguagem um lugar de possibilidade e ao corpo um lugar para existir.

E tudo isto não deixa de me encher de esperança5.

A energia partilhada nestes projetos, que se multiplica, contrasta com o dispêndio isolado de energia que com frequência sentimos na vida quotidiana, em particular nas cidades, onde as relações de vizinhança e de cooperação tendem a ser mais precárias. Esta vitalidade pode alimentar e inspirar, renovando as vontades e a capacidade de agir não só de quem participa como de quem frui dos resultados dessas ações quando eles são visíveis.

Ler e mapear o seu próprio território experiencial e relacioná-lo com outros ter-ritórios promove seguramente o desenvolvimento da consciência de si e amplia o conhecimento e o leque de referências de indivíduos e grupos, mas pode também desenvolver a autoestima, o sentido crítico, a curiosidade e o sentido de coletivo. Promove-se assim a construção de sentidos de pertença que transcendem o núcleo familiar, o espaço físico da casa (ou mesmo do quarto), a tribo, enfim, o nível mais comum das afinidades imediatas e quotidianas – percebemos, e isso é muito impor-tante, que não estamos sozinhos. Constrói-se um espaço e um potencial de relações. E coloca cada um e cada nós em contacto com ideias diversas sobre o outro, os outros e sobre si mesmo, contrariando o confinamento ideológico e aceitando a alteridade e a complexidade de ser indivíduo e de no viver presente poder reclamar múltiplas pertenças. Este é também um passo para uma operação intelectual fundamental, a abstração.O trabalho de criação é um trabalho de construção: ele manifesta-se, gera ma-téria e, nesse sentido, é afirmativo. Por outro lado, a criação artística integra o erro, o pormenor, o acaso, “o lado b”, a dúvida, o subconsciente, o inexplicá- vel, o subtil, enfim, é uma construção que não é obrigatoriamente eficiente nem eficaz, embora forme corpo.

O trabalho de criação também pode destruir. Ele pode ser um meio de pôr em causa, de questionar, de provocar, de desobedecer, de fraturar, mas porque se trata de um trabalho de ensaio e de representação, não compromete imediatamente a estabilidade que a realidade já conhecida representa na sua ordem. É por isso um espaço de enorme liberdade e de reinvenção.

CAPíTULO 8 - O que pode o comum ter de excecional?PARTE III - A mediação cultural junto dos territórios e das comunidades

5 Sugere-se a consulta de Cardoso (2011), Guimarães (2012), Rayner (2013) e Sarmento (2012, 2014), bem como dos seguintes sítios: http://www.collettivocinetico.it/age.html | http://joaosousacardoso.pt:https://www.facebook.com/pages/TEATRO-EXPANDIDO/820265858064722?sk=photos_stream; https://museudacrise.wordpress.com | http://www.museudodouro.pt/educacao.

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Teatro Expandido!, de João Sousa Cardoso | A Ronda, de Arthur Schnitzler, janeiro 2015, Teatro Municipal do Porto (Campo Alegre) | créditos Catarina Oliveira

Museu da Crise, de Daniela Paes Leão e Merel Willemsen, créditos Merel Willemsen, 1 - workshop na Universidade do Minho (2012), 2 - workshop na Plataforma das Artes (2013)

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PARTE Iv

AS POLíTICAS CULTURAIS ENQUANTO POLíTICAS PúBLICAS: QUE ESTRATÉGIAS INTEGRADAS PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL?

PARTE III - A mediação cultural junto dos territórios e das comunidades

HISTóRIAS CONTADAS NA PRIMEIRA PESSOA - RECOLHAS EM víDEOPrograma de recolha em vídeo de histórias singulares, contadas na primeira pessoa, por um habitante do Douro*. Pretende-se, de modo informal, aumentar a representação desta coleção, em suporte vídeo, de histórias singulares (cómicas, prosaicas, misteriosas, secretas…) que marcam a vida de habitantes destes lugares e tendo histórias de pessoas dos vários concelhos do Douro. Esta recolha é realizada pela equipa do serviço educativo como vontade de registar vozes e rostos singulares mas é também aberta a todas instituições e pessoas interessadas, constituindo-se, de modo progressivo, uma coleção de histórias vivas.

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rosos, como sucede com as políticas de transportes ou de inovação empresarial e tecnológica. Finalmente, não estão sob um escrutínio público permanente e intenso, como é o caso das políticas de saúde ou de educação. É a desigual inci-dência da força da lei, dos apoios públicos, da influência dos interesses organizados e da pressão da opinião pública que explica a diferença entre políticas “fortes” e políticas “fracas”. Essa distinção tem, aliás, uma clara expressão nas orgânicas governamentais. Alguém imagina um governo sem um ministério da economia, dos transportes, do ambiente ou da saúde? Já a inexistência de um ministério da cultura ou do ordenamento do território é vista por muitos com complacência e compreensão, senão mesmo como natural e inevitável dado tratarem-se de domínios considerados como subalternos para a vida coletiva das sociedades e, de forma mais genérica, dos países.

Esta visão diferenciada tende a agravar-se em tempos de crise, já que esta passa a ser invocada para legitimar uma perspetiva sequencial da ação pública, em que a prioridade vai “naturalmente” para as questões financeiras e económicas e, de forma secundária, para as situações de manifesta urgência social, adiando-se para períodos de maior prosperidade as preocupações com os domínios ambientais, culturais e outros, vistos como mais adequadas a fases de maior prosperidade.

As políticas de cultura integram, assim, o leque de políticas “fracas”. No entanto, há indícios de que outras agendas, que não têm especificamente a cultura como foco, lhe atribuem alguma relevância. Apesar de não existir uma política comu-nitária de cultura, o documento Europa 2020, aprovado pela Comissão Europeia para o novo ciclo de fundos estruturais 2014-20, e o Programa Portugal 2020, que traduz a aplicação das orientações estratégicas e das prioridades de investi-mento daquele documento no nosso país, incluem diversas referências à cultura. Ao mesmo tempo, e embora seja verdade que a cultura não mobiliza o interesse da maior parte dos atores económicos, verifica-se uma aposta crescente, por vezes meramente retórica mas noutras real, nas indústrias culturais e no turis-mo cultural. Por último, embora a cultura não esteja sob um escrutínio público comparável com o que se verifica em domínios sociais sensíveis como a saúde ou a educação, é justo reconhecer que, em grande parte como consequência das

CAPíTuLO 9

CULTURA E TERRITóRIO: COMO TORNAR MAIS EFICIENTE UMA POLíTICA “FRACA”?

joão FerrãoInstituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

Esta intervenção parte de uma questão inicial: como colocar a cultura em agendas mais vastas ou, dito de outra forma, como colocar uma política pública “fraca” em agendas poderosas de outros?

A questão colocada baseia-se num pressuposto que, na verdade, corresponde a uma constatação: as políticas culturais, como as de ordenamento do território e tantas outras, são estruturalmente “fracas”. Por quê? Porque não possuem nenhuma das características das políticas “fortes”. Em primeiro lugar, não inte-gram a família das políticas comunitárias, como a política agrícola comum (PAC) ou a política de ambiente, que por essa razão beneficiam da existência de quadros legais vinculativos para todos os estados-membros e ainda de apoios financeiros diretos avultados. Por outro lado, não mobilizam interesses económicos pode-

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cadeia de valor do turismo da Região, tendo uma grande importância na crescente captação de fluxos turísticos” (p. 123). Estipula-se, mesmo, que “As intervenções de promoção e desenvolvimento do património cultural e os projetos de animação e programação cultural ou de organização de eventos deverão estar devidamente enquadrados em estratégias de promoção turística.” (p. 127).

Em terceiro lugar, o acesso a serviços culturais como componente de estratégias de redução de desigualdades, promoção da inclusão social e combate à pobreza e à discriminação, envolvendo, por exemplo, ações de mediação intercultural em serviços públicos junto de comunidades imigrantes e minorias étnicas ou, ainda, atividades culturais dirigidas a idosos.

Finalmente, e em quarto lugar, a cultura como componente de estratégias de desenvolvimento socioeconómico de base territorial (intervenções integradas de regeneração urbanística e social em comunidades e zonas urbanas desfavo-recidas, intervenções locais de base comunitária), incluindo um leque reduzido de referências explícitas à componente cultural, como, por exemplo, a promoção e valorização económica do património cultural (p. 179).

Crescimento inteligente, atratividade turística, inclusão social e desenvolvimento socioeconómico de base territorial: estas são as quatro agendas, com destaque para as duas primeiras, presentes no Programa Regional de Lisboa 2014-20 que invocam o domínio da cultura, ainda que de forma muito distinta: como atividade económica, como recurso/ativo, como serviço aos cidadãos ou como fator de desenvolvimento local. Em todas estas situações a cultura ocupa um papel relevante mas instrumental em relação a objetivos que lhe são externos: a cultura é vista como um meio e não como um fim. Não surpreende, portanto, que a cultura enquanto domínio específico e agenda própria não tenha representação neste Programa Regional.

Face a esta constatação, não podemos deixar de colocar três questões para debate:

• Como podem os atores culturais aumentar a sua capacidade de iniciati-va, diálogo, mediação e coprodução no contexto de agendas produzidas

iniciativas de proximidade desenvolvidas nas últimas décadas pelas autarquias um pouco por todo o país, existe hoje uma maior consciência social em relação à importância da criação e da oferta culturais ao nível local.

Compreende-se agora melhor o sentido da questão inicialmente formulada: face à existência débil e mesmo em quebra das políticas culturais ao nível nacional, como colocá-las noutras agendas mais poderosas, como integrar as agendas dos outros, retirando dessa presença vantagem para criadores e prestadores de serviços culturais e, ao mesmo tempo, benefício para cidadãos, comunidades e territórios, do bairro ao município, da cidade à região? Em suma, como penetrar, com êxito individual e proveito coletivo, em estratégias e instrumentos de terceiros?A análise do Programa Operacional Regional de Lisboa para 2014-20, onde a cultura per se está praticamente ausente, entreabre, ou abre mesmo, quatro portas a partir de agendas específicas.

Em primeiro lugar, as indústrias culturais e criativas como componente de estra-tégias de crescimento inteligente da Região. As indústrias culturais e criativas são caracterizadas como tendo “um potencial de desenvolvimento acelerado” (p. 5), a valorização dos bens culturais e dos serviços que se lhe associam é classi-ficada como “fundamental para captar e densificar a ‘classe criativa’ e gerar um ambiente mais favorável à inovação” (p. 12) e as indústrias criativas e de produção de conteúdos são eleitas como um dos domínios e prioridades da especialização inteligente da Região (p. 40), sendo-lhes atribuída uma forte capacidade de integração de recursos humanos altamente qualificados nas empresas (p. 157).

Em segundo lugar, a valorização dos recursos culturais como componente de estratégias de atratividade turística. Os recursos culturais e patrimoniais são considerados como fatores simultaneamente identitários e diferenciadores da Região (p. 4) e a riqueza de ativos culturais (3 locais classificados como Patri-mónio da Humanidade, mais de uma centena de monumentos nacionais e sete dezenas de museus) é interpretada como a base da atratividade turística da área de Lisboa (p. 7), contribuindo para afirmar esta Região como um destino turístico de excelência (p. 31), já que os recursos culturais são a “base da experiência e da

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas CAPíTULO 9 - Como tornar mais eficiente uma política “fraca”?

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Existe hoje um número suficientemente diversificado de experiências deste casamento cultura / cidade para podermos avaliar os resultados e impactos alcançados em cada um dos casos, bem como os fatores e as circunstâncias que os influenciaram. Mas para agendas e políticas “fracas”, criar sinergias positivas e duradouras com outras agendas e políticas igualmente “fracas” pode constituir um contrabalanço decisivo em relação aos efeitos centrifugadores resultantes da participação em agendas “fortes” lideradas por protagonistas que olham para a cultura como uma componente basicamente instrumental das suas estratégias. É neste sentido que a cultura e o território deverão constituir dois pilares que se enriqueçam reciprocamente: a cultura contribui para alargar o conteúdo das estratégias de desenvolvimento territorial, com incidência em espaços especí-ficos ou envolvendo diversos lugares organizados em rede; o território amplia o potencial de convergência entre atores e de articulação entre intervenções em torno de projetos territorialmente enraizados, com ganhos de eficiência tanto do lado da oferta como dos públicos visados.

A cooperação entre “fracos” não os torna necessariamente “fortes”. Mas o casa-mento cultura-território surge como uma frente de trabalho particularmente profícua e ainda com um elevado potencial de progressão. Essa integração corresponde, talvez, à alternativa mais sólida e consistente entre uma agenda cultural autónoma mas anémica e uma presença da cultura em agendas pode-rosas e políticas “fortes” mas comandadas por protagonistas que lhe atribuem uma função essencialmente instrumental e uma posição não raro subordinada.

e comandadas por atores com visões, prioridades e interesses distintos dos seus e quase sempre com mais poder e recursos, e com maior visibilidade e reconhecimento social?

• Até que ponto podem os territórios, entendidos aqui na sua aceção mais ampla, do bairro ao município, da comunidade rural à região, funcionar como focos federadores de convergências e de co-construção de uma visão parti-lhada e de uma estratégia comum envolvendo uma pluralidade de indivíduos e organizações, incluindo os do domínio da cultura?

• Em que medida podemos prescindir do protagonismo político do Governo e das autarquias no que se refere à criação de um enquadramento que incentive e ajude a viabilizar os processos de convergência e de construção conjunta referidos na questão anterior?

Ser convidado, por muito atrativas que sejam as condições do convite e por mais afável que seja o anfitrião, não permite necessariamente ser coautor. Participar numa agenda que é pensada com objetivos próprios e liderada por protagonistas específicos impõe inevitáveis relações de assimetria, em termos de poder, autonomia e liberdade, entre quem comanda e quem é chamado a participar. É certo que os atores da cultura – na sua significativa diversidade - ganham em integrar agendas que lhes são externas. Mas essa não pode ser a única solução que lhes resta num contexto de insuficiente enquadramento político, apoios públicos parcos, reduzida responsabilidade cultural das empresas e escassa consciencialização dos cidadãos no que se refere ao valor social das várias atividades culturais. Por outro lado, a inserção da componente cultural em outras agendas não pode pautar-se exclu-sivamente por critérios de competitividade e de criação de emprego, por muito im-portantes que estes objetivos sejam, sobretudo num contexto de crise como o atual.

Ao nível internacional, e em particular na Europa, tem-se assistido nos últimos anos à aproximação crescente de duas agendas “fracas”: a da cultura e a das cidades. Esta aproximação, que em alguns casos permite mesmo falar em hibri-dização, tem assumido modalidades muito distintas, umas centradas numa ótica de mercadorização e marketing das cidades, outras baseadas em dinâmicas de animação, criação e capacitação cultural de base comunitária.

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas CAPíTULO 9 - Como tornar mais eficiente uma política “fraca”?

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• do papel da tecnologia na criação e difusão de obras e imaginários artísticos;

• do papel da tecnologia na reconfiguração de identidades e de sentidos de pertença.

II – AS LIGAçõES ENTRE áREAS DA GOvERNAçãO O campo de intervenção das políticas culturais tem, assim, deixado de se situar apenas no seu campo tradicional e sectorial relacionado com a criação, produção, difusão das artes e com a protecção e promoção do património, para se começar a infiltrar progressivamente nas demais áreas de actividade humana, de natureza económica, social, educativa, etc.

Esta evolução e transformação progressiva de uma área de intervenção sectorial para uma área de intervenção transversal, é complexa e multifacetada. Implica, num primeiro nível, uma abordagem e definição do sector, a partir da sua confi-guração tradicional, na sua pluralidade e diversidade intrínsecas:

• em termos dos diversos sub-sectores que a integram - do património às artes visuais, passando pelas artes performativas, pelas indústrias culturais;

• em termos dos bens materiais e imateriais e serviços criados e passíveis de ser fruídos;

• em termos dos mecanismos de criação, produção, difusão, sustentação financeira e organizacional em que assentam, nomeadamente, no facto de funcionarem num contexto de mercado livre ou de mercado assistido.

Nesse sentido, é fundamental pensar as políticas culturais, não apenas a partir das questões ligadas à viabilização de condições para a criação, produção, dis-tribuição e recepção de bens e serviços culturais, mas também a partir da ideia da promoção da cidadania, dos direitos culturais e da liberdade cultural - capa-cidade de escolha da identidade cultural em respeito pela diversidade e pelas diferenças culturais - entendida esta última como uma dimensão fundamental do desenvolvimento humano ou a partir da indispensável preservação e pro-moção da diversidade cultural, entendida como um recurso fundamental para o desenvolvimento sustentável da humanidade.

CAPíTuLO 10

CULTURA E TERRITóRIO: O DESAFIO DAS LIGAçõES

Catarina vaz PintoVereadora da Cultura, Câmara Municipal de Lisboa

I - INTRODuçãO O nosso tempo é um tempo de mudança e de transição. Todos o sabemos. A mu-dança tem a ver com a revolução tecnológica, com a globalização que esta induziu e as com consequências que estas têm provocado, nomeadamente em termos:

• das interdependências crescentes e multidireccionais entre os diversos fenómenos de natureza política, económica, cultural e social;

• da evolução do sistema de produção da economia capitalista no qual a criação, circulação e transformação de ideias, símbolos e imagens desempenham uma função fundamental na produção e criação de valor acrescentado de bens e serviços transaccionáveis;

• da intensificação e diversificação das migrações humanas;

• do protagonismo das cidades, dos espaços urbanos, que são hoje os lugares em que a parte mais significativa do pensamento e actividade humana acontece;

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Acresce que grande parte da criação e produção cultural contemporânea, acontece e ganha sentido em escalas e espaços físicos e virtuais que escapam à esfera de intervenção de poderes públicos moldados na generalidade a partir do conceito territorial e ideológico do Estado-nação, actualmente em crise profunda.

É necessário promover a articulação entre as diversas escalas territoriais: perce-ber o que faz sentido em cada uma delas, - descentralizar, centralizar ou ganhar escala e massa crítica.

Uma das ligações fundamentais a promover para este efeito é a do diálogo estru-turado entre a administração central e as autarquias nos vários sub-setores da atividade cultural: teatros, museus, bibliotecas....., bem com a criação de mecanis-mos jurídicos e de gestão que permitam às autarquias ter os meios organizativos e financeiros que viabilizem a dinamização de diversos equipamentos culturais da forma mais eficiente e eficaz, não só do ponto de vista económico e financeiro, mas também artístico. Como exemplo veja-se a nova Lei do SEL.

Ainda no contexto do território, assistimos à alteração e/ou diversificação dos centros de poder e de decisão à escala institucional. O Estado e a administração pública, em geral, deixaram, por outro lado, de ser os únicos ou principais deci-sores em matéria de alocação de recursos para a acção cultural, assistindo-se ao surgimento de novos actores com intervenções estrategicamente estruturadas, cruzando motivações públicas com motivações privadas, de ordem política, social, de legitimação e promoção de imagem, com capacidade de iniciativa e autonomia e que não se limitam a um papel de co-financiador de projectos que lhes são apresentados por terceiros.

Relacionada com a questão anterior, assistimos também à diversificação dos modelos institucionais e organizativos de criação, produção e difusão de cultura. Para além das instituições e espaços normalmente associados aos fenómenos de produção e difusão de cultura com configurações físicas e/ou arquitectóni-cas claras, e actividades permanentes e perenes de criação e difusão de bens e serviços - os museus, os teatros, os monumentos, os sítios, os centros culturais –,

A evolução de um sistema de governação vertical para um sistema de gover-nação horizontal (ou a co-habitação entre os dois) é extremamente complexa. Exige predisposição intelectual e novas atitudes perante os problemas. Talvez venha a ser mais fácil para os ‘nativos digitais’ do que para aqueles que nasceram e cresceram num ambiente analógico, treinados a pensar e agir em caixas. Exige também níveis de articulação e monitorização elevados e tempo, porque todas as transformações civilizacionais podem parecer evidentes, mas são lentas na sua interiorização, apropriação e implementação.

Importa ainda referir que, não obstante a multidimensionalidade e interdepen-dência crescente da generalidade dos fenómenos contemporâneos, importa ter um ponto de vista inicial e especifico sobre cada uma das áreas de governação, incluindo a consideração dos seus valores intrínsecos e que só a partir da argu-mentação baseada nesse ponto de vista específico e nesses valores é possível trabalhar e articular as demais dimensões (económica, social ou outra) que cada fenómeno comporta.

Assim , e no que respeita às políticas públicas para a cultura, é preciso olhar e agir sobre a realidade a partir de uma visão cultural , o que não é a mesma coisa que falar de instrumentalização da cultura. Exige peso político da cultura, o que nem sempre é óbvio e que contradiz o fato de todos sabermos que as grandes transformações do nosso tempo têm uma matriz cultural.

III – AS LIGAçõES NO TERRITóRIO Decorrente da mudança, assistimos também à alteração e/ou diversificação dos centros de poder e de decisão à escala territorial. São várias as escalas terri-toriais a partir das quais a cultura se cria, produz, promove e distribui: da micro-es- cala do bairro até à macro-escala global, passando pelas escalas intermédias da cidade, da região e do estado-nação, esta última deixando de assumir o papel pre- ponderante que até há bem pouco tempo exerceu, para ter que se reposicionar num novo contexto multicêntrico, que exige redefinição de espaços de intervenção e de articulação.

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas CAPíTULO 10 - O desafio das ligações

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os poderes públicos devem saber ativar, mobilizar, enquadrar. São essas energias criativas de indivíduos, comunidades e grupos, que se organizam em torno de interesses diversificados de natureza cultural, profissional, étnica, género, orien-tação sexual, que permitem construir afectividades várias, laços de pertença e de solidariedade, essenciais para partilhar essas identidades comuns e para ajudar a enfrentar as vicissitudes do quotidiano com que todos nos confrontamos.

Nessa mobilização de energias, importa dar lugar aos artistas trilhar com eles e através deles caminhos que possam trazer a cada um novas leituras sobre o mundo em que vivemos. E com isso, poder dizer como Italo Calvino que ‘não é nestas duas espécies (cidades felizes e infelizes) que faz sentido dividir a cidade, mas noutras duas: as que continuam através dos anos e das mutações a dar forma aos desejos e aquelas em que os desejos conseguem aniquilar a cidade ou são eles aniquilados.’ (Calvino, 2013, pp. 37-8).

proliferam hoje por todo o mundo eventos artísticos de natureza efémera e flexível, como as residências artísticas, bienais, festivais, espectáculos de ar livre, eventos artísticos site specific, bem como eventos virtuais de natureza imaterial que ocorrem na internet. Estes eventos correspondem, quer aos novos modos de criação, produção e difusão desenvolvidos pelos artistas e demais agentes culturais no seu confronto com as questões do mundo contemporâneo dominado pela globalização, tecnologia, problemáticas identitárias, quer a novas abordagens por parte dos sectores público e privado relativamente à sua função de dinamização e regulação das actividades artísticas e culturais. O espaço urbano configura-se, assim, como um mosaico de territórios simbólicos, de singularidades, como uma teia de relações entre grupos, indivíduos e instituições.

Iv – AS LIGAçõES ENTRE PESSOAS As cidades não são produtos, são antes organismos vivos, orgânicos, complexos, pessoas, fluxos, ideias, memórias, imaginários em comunicação, interacção, às vezes em sintonia, outras vezes em confronto. As cidades têm casas, edifícios de habitação, é certo, edifícios de escritórios, ruas, avenidas e becos, jardins, parques e automóveis, ícones arquitectónicos e patrimoniais, mas têm sobretudo pessoas que nelas vivem, umas que nelas nasceram e sempre viveram, outras que chegaram e nelas se instalaram, provisória ou definitivamente, pelas mais variadas razões. Mas todas essas pessoas necessitam hoje, cada vez mais de reconhecimento e identificação com o lugar onde habitam, de criar relações mais ou menos es-treitas com os que os rodeiam, de solidificar sentidos de pertença.

As pessoas devem estar no centro das políticas urbanas, no centro da acção, no centro das preocupações e motivações efectivas.

O território é, por excelência, o espaço da proximidade, da vizinhança, das ligações entre pessoas. As cidades são territórios onde abundam hoje energias difusas que

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas CAPíTULO 10 - O desafio das ligações

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Em Almada há 35 anos o passivo era gigantesco – um território sem as in-fraestruturas mais básicas, sem rede de equipamentos educativos, culturais e desportivos e com grandes problemas ao nível do ordenamento – só comparável à potencialidade física do território.

Nas últimas quase quatro décadas de Poder Local Democrático procurou-se melhorar o quadro de vida do território, dos que nele habitam, dos que nele traba-lham ou estudam e dos que o visitam. Tem sido um processo moroso de pequenas e grandes conquistas, de pequenos e grandes projectos com alguns contratempos, mas tem sido sem dúvida um processo de participação democrática, de grande consciência cívica e de cidadania. Mais de três décadas de planeamento municipal conduziram a um crescimento mais equilibrado, apesar de em alguns casos com algumas assimetrias, mas com uma resposta satisfatória quanto à distribuição equitativa dos equipamentos, o acesso à habitação condigna e a preservação da paisagem e dos recursos natu-rais, do património material e imaterial deste território.

Hoje este território tem uma importante rede de equipamentos culturais, uma programação cultural rica e diversa, públicos consolidados e em formação, tem o maior e mais importante Festival de teatro do país, Festival de Almada, e um dos mais destacados da Europa; tem uma rede de museus e bibliotecas assina-lável, tem um conhecido centro de arte contemporânea, a Casa da Cerca, uma importante rede de arte pública;

Tem uma resposta educativa alargada, de qualidade do pré-escolar ao Ensi- no Superior;

Tem índices de formação académica acima da média nacional, tem padrões de vida socioeconómicos assinaláveis no quadro da área Metropolitana de Lisboa;Uma cidade com elevados níveis de participação cidadã e com um tecido associativo forte e interveniente nas diferentes dimensões da vida da cidade;

CAPíTuLO 11

PLANEAR…CONSTRUIR CIDADES COM EMOçõES!

Amélia PardalVereadora das Obras, Planeamento, Administração do Território, Desenvolvimento Económico e Arte Contemporânea, Câmara Municipal de Almada

As Cidades são o espaço onde tudo acontece! O que é hoje planear as cidades?O que é hoje construir as cidades ?Quais são os maiores desafios que se nos colocam hoje nas cidades que governa-mos, que gerimos, onde vivemos?

As cidades são organismos vivos, em constante mudança, muito diversos.

Nas cidades vivem e convivem homens e mulheres muito diferentes entre si, com origens geográficas, culturais, sociais e económicas muito diferentes, histórias e percursos de vida completamente distintos.

Existem e coexistem comunidades muito diferentes nas suas múltiplas dimensões.

A cidade é um puzzle com muitas cidades…que vivem de formas e ritmos diversos.

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oferece, com territórios, comunidades e pessoas que estão longe destas realidades!Sabemos que a transformação, a qualificação, a regeneração e coesão territorial e social se assumem como factores estruturantes do desenvolvimento harmo-nioso e sustentável das cidades;

Estamos convictos que só com políticas locais, regionais e nacionais concertadas será possível intervir de forma sistemática, multidimensional e com efeitos reais na melhoria da qualidade de vida das comunidades e das pessoas.

Mas o desafio é …

Responder todos os dias aos problemas, necessidades, desejos, conflitos, pro-jectos e realizações das comunidades e dos cidadãos que habitam e constituem a(s) cidade(s) e em simultâneo pensar estrategicamente a cidade, o futuro…de forma criativa, inovadora, com todas as possibilidades que o conhecimento e a acção humana nos permitem.

Pensamos que a construção da cidade implica sempre uma comunidade informada, participativa, envolvida, uma comunidade comprometida com a sua própria vida e a do território que habita, ao qual pertence e é seu!

Para quem assume responsabilidades na governação e na gestão da cidade, a interrogação, a inquietude, a insatisfação, a capacidade de ouvir o outro, as suas razões, os seus problemas, os seus sonhos, os seus projectos são atitudes indispensáveis, estruturantes e de alguma forma determinantes para a acção que tem que concretizar!

É perante a tensão, o conflito, a diferença no estar, no fazer, no sentir de cada um/uma, de cada comunidade, de cada realidade, de cada homem e cada mu-lher que mostramos ou não ser capazes de ouvir, debater, reflectir, incorporar o que os outros nos podem dar, nos podem fazer pensar, avaliar e reformular propostas e projectos, é também a capacidade que temos de dar aos outros o que transportamos em nós!

Tem espaços urbanos bem planeados, com qualidade construtiva e estética, com escala à dimensão humana, onde as pessoas gostam de estar e de viver;

Tem o estuário do Tejo, a Costa Atlântica, a Paisagem Protegida, tem espaços verdes de recreio e lazer, parques com elevados níveis de fruição, como o Parque da Paz à entrada de Almada, tem projectos para o presente e o futuro…tem pla-nos estratégicos para o desenvolvimento do turismo e para a frente ribeirinha e costeira, tem o Plano de Urbanização Almada Nascente - Cidade da água.

Mas com esta realidade coexistem outras:Há uma importante área do território em processo de reconversão urbanísti-ca, resultado de um processo de urbanização e construção de génese ilegal com assinalável dimensão e relativamente à qual é necessário continuar a intervir para também aqui “fazer cidade”.

Há o território consolidado, os centros históricos que se foram desertificando e degradando, há um conjunto de áreas industriais desactivadas junto ao Rio, com particular relevo para a zona da antiga Lisnave – Margueira, para o Caramujo-Romeira e para o Ginjal.

Há os bairros degradados, deprimidos, onde continuam a existir habitações sem qualquer condição digna para as pessoas que ali têm que habitar, onde não existem infraestruturas básicas capazes de responder a necessidades básicas como o aquecimento das habitações ou a iluminação adequa-da para as crianças e jovens estudarem… as vias de circulação são más e a higiene e salubridade estão muito longe de satisfazer as necessidades destas comunidades.

Estas são as cidades em que vivemos e sobre as quais agimos… traços comuns às cidades contemporâneas, metropolitanas de um país como o nosso...

Coexistem propostas, projectos, realidades, comunidades, pessoas que criam, fruem e usufruem do melhor e mais avançado que a contemporaneidade nos

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas CAPíTULO 11 - Planear… construir cidades com emoções!

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de aumentar a morosidade e a inércia, concretizando projectos e programas com resultados muito positivos para a vida das populações.

Hoje planear as cidades é incorporar as diferentes sensibilidades, é pensar o edifício, as vias, os jardins, os arruamentos, os equipamentos, centrando-nos nas pessoas, nas comunidades, nas suas vivências, na sua diversidade social e cultural. Não basta ter uma cidade arquitectónica e esteticamente bela, é fundamental ter uma cidade mais capaz de proporcionar bem-estar, qualidade de vida, participação, envolvimento, compromisso cívico com o seu território.

Hoje a gestão da cidade é a que pensa nas actividades e dinâmicas humanas que existem e que se podem potenciar. Habitar ultrapassa hoje o conceito básico de abrigar para abranger todas as actividades das comunidades humanas.

Passou o período do grande crescimento urbano, …hoje precisamos de cozer, ligar, cerzir o território.

Estamos na fase de reutilizar a cidade. Hoje planear a cidade é reconverter, re-abilitar, regenerar, dar vida aos territórios, ter projectos e propostas capazes de transformar as diferentes realidades e com os quais as pessoas se identifiquem, dos quais se apropriem e deles usufruam. Isto implica uma relação próxima e permanente com as diversas comunidades que fazem a cidade, exige um intenso diálogo com as pessoas e a efectiva incorporação das suas propostas e das visões nos programas e projectos para a sua, nossa cidade.

Planear a cidade é hoje acompanhar a profunda alteração de paradigmas no que concerne ao território e entender, para melhor intervir, as novas dinâmicas e os outros actores que podem alavancar as transformações mais expressivas da cidade.

Muito mais que fazer para as pessoas é preciso fazer com as pessoas!

Planear as cidades é um acto de cultura!

Pensamos, pois, que esta é uma atitude primordial, fundamental, estruturante para responder às questões das cidades do nosso tempo.

Por outro lado, precisamos de ter cada vez mais, equipas capazes de pensar e agir sobre os problemas e as questões que uma cidade multidimensional nos coloca! Se é verdade que segmentámos o conhecimento para melhor compreender as partes, também é verdade que o excesso de especialização nos impede de ver o todo complexo em que vivemos.

Ora, se a realidade em que actuamos é cada vez mais complexa, diversa, inter-dependente e multidisciplinar, também a nossa acção e os agentes dessa acção, sejam eles autarcas, dirigentes, técnicos, académicos terão que assumir cada vez mais competências interdisciplinares e interdependentes.

A realidade da cidade é muito mais que a soma das suas diferentes partes, a rea-lidade é uma teia em permanente construção… intervir nessa construção implica entrar na tecitura do território.

Por isso e para isso as nossas equipas devem caminhar progressivamente para integrar os diferentes saberes e o cruzamento, o caldeamento desses saberes. Hoje quando discutimos, p.e., a instalação de uma superfície comercial, a construção de uma escola ou um museu, a instalação de uma unidade hoteleira ou o desen-volvimento de um processo participado de arte pública, diversos são os técnicos, os académicos, os investigadores, as associações ou projectos comunitários que são chamados a intervir…fazer de forma diferente implica pensar de forma dife-rente o que é diferente e exige a participação diferenciada dos envolvidos, implica conhecer o que desconhecemos, estar disponível para aprender e reflectir, para fazer com o(s) outros aquilo que desconhecíamos ou não dominávamos tão bem.

Existem experiências positivas e pioneiras, ao nível das intervenções locais, prota-gonizadas por equipas técnicas e autarcas, que com tenacidade e determinação conseguem resistir à multiplicação de instrumentos legais e regulamentares desarticulados, por vezes até contraditórios, que acabam por ter o efeito perverso

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas CAPíTULO 11 - Planear… construir cidades com emoções!

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CAPíTuLO 12

DA AçãO CULTURAL AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

António MatosVereador da Cultura, Câmara Municipal de Almada; Presidente da Direção da ARTEMREDE

Junta-nos o propósito de discutir a cultura. Mais que a cultura, a política cultural. E mais do que esta, o desenvolvimento dos territórios e das nossas comunidades.

E assiste-nos a convicção de que este debate exige que nos centremos, não só na abordagem das problemáticas próprias dos processos de criação e fruição cultu-rais, mas também nos processos associados aos instrumentos de planeamento e aos modelos de governação local.

E devemos fazê-lo tendo bem presente as atuais circunstâncias de enormes sa-crifícios impostos ao País e aos Portugueses, por opções governativas fortemente

Quando desenhamos o território estamos a acrescentar muito mais do que o desenho de arquitectura, a construção de engenharia, o programa artístico, cultural ou educativo, o edifício mais ou menos alto, a praça com mais ou menos árvores e bancos, estamos a dar alma ao espaço público, estamos a construir a possibilidade de fomentar outros espaços de partilha, de socialização, os espa-ços de encontro, de cooperação, de convívio, de inquietação, de festa, de criação artística e cultural, de participação cívica e pensamento crítico, de proposta e de acção, de cidadania e transformação.

Fazer cidade é estar aberto e ouvir quem está ao nosso lado e quem está noutros lados, fora e dentro da cidade, também noutras cidades, também noutros países. Fazer cidade é sentir a cidade com as emoções que nos fazem humanos, é sentir, pensar e agir para podermos viver momentos e situações mais humanas e mais felizes.

Este é o desafio… não há modelos, nem receitas…. as cidades são uma construção humana e só nós temos a capacidade e a obrigação de planear, construir cidades com os meios que temos, com a criatividade que nos é inerente, a determinação e a resiliência que em nós persiste e a sensibilidade que nos dá esta condição de sermos humanos.

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas

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Sujeitas a enormes estrangulamentos financeiros e legais, coartadas muitas vezes na sua autonomia, as autarquias têm vindo a ser capazes de assegurar condições para a criação e fruição culturais, de valorizar o património e as tradições popu-lares, a diversificação de gostos e a elevação dos hábitos culturais, a iniciativa e a produção dos agentes artísticos locais e regionais.

Para nós, Autarcas, os desafios da cultura são entendidos no seu sentido mais amplo, na sua dimensão social, mas também económica, e são contextualizados por uma moldura de complexas questões que se colocam hoje às cidades:

A organização e o planeamento urbano, o seu funcionamento orgânico, e acessi-bilidade e a mobilidade, os serviços básicos, os equipamentos sociais, a qualidade do seu ambiente, as relações que mantêm com outras cidades, o desenvolvimento económico que geram, as dinâmicas sócio culturais, o seu potencial de inclusão.

As políticas culturais dos municípios devem seguir algumas linhas de base que devem ser estruturantes das políticas a empreender e que parecem ser consensuais:

• Transversalidade: ligação das áreas da cultura a áreas adjacentes, que possam gerar sinergias positivas como sejam: a educação, o turismo, o ambiente, as áreas sociais, as atividades económicas;

• Equidade: democratização do acesso aos bens culturais por forma a adequar as diferentes necessidades à multiplicidade de públicos;

• Participação: desenvolvimento de políticas de proximidade e de relação com as populações que fomentem a identidade e o sentido de pertença aos territórios;

• Inclusão: através de um amplo conjunto de atividades se possa chegar a todos os públicos, designadamente aqueles que ficam na margem da vida comunitária, promovendo, através da cultura, o bem-estar social;

• Complementaridade: através de uma programação em rede, assegurar a complementaridade dos diferentes programas, fortalecendo, deste modo, as oportunidades de fruição pelos cidadãos;

• Parceria: mobilização de todos os agentes, dos recursos disponíveis e da massa crítica que se constituem numa rede local, em diálogo com outras redes, diversificando e qualificando os serviços e as propostas;

penalizadoras das condições de vida dos cidadãos, que influenciam gravemente as oportunidades de criação e de acesso aos bens culturais.

É suficientemente elucidativo estarmos num país em que o Governo, apenas com a má companhia da Hungria, governada pela direita radical, prescinde da existência de um Ministério da Cultura.

Longe da meta de 1% recomendada no Orçamento do Estado para a Cultura, de-corrido mais de um quarto de século, o financiamento é hoje quatro vezes menor, em termos percentuais, do que o do tempo de Cavaco Silva, primeiro-ministro, tendo perdido, desde 2011, 75 por cento do seu valor.

O grau zero dos orçamentos minguados, que já eram irrisórios, degenerou num infra grau, duma insignificância insultuosa, que tem conduzido ao aniquilamento das estruturas de criação, para além da sua ontológica missão primordial, ele-mentos não desdenháveis na criação de emprego qualificado e na animação da vida económica das regiões, são esmagadas pela redução dos apoios, tendo como certo o confronto com a instabilidade e a insegurança.

Os profissionais debatem-se com a precariedade e o desemprego crescente. Os jovens saídos da formação do ensino artístico, também ele defrontando obstá-culos de monta, têm enormes dificuldades em encontrar colocação profissional devido ao quadro de contração vigente.

As autarquias, sujeitas aos mesmos processos de emagrecimento forçado de meios e recursos e solicitadas por necessidades crescentes das comunidades locais, não desistem de, mesmo neste quando restritivo, pugnar pela defesa das necessidades dos seus munícipes e pela implementação de um modelo de desenvolvimento orientado para a promoção social e cultural das populações, pela democratização do acesso aos bens culturais e pelo reconhecimento e o incentivo ao exercício dos direitos e aspirações culturais da sua comunidade.

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas CAPíTULO 12 - Da ação cultural ao desenvolvimento territorial

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6. Acesso aos bens culturais e afirmação da cidade no roteiro da cultura: apoio à organização dos festivais do teatro, de dança, de artes para o público in-fantil, organização de mostras de teatro e de música, projetos de animação urbana e de espaços públicos, potenciar as singularidades locais, com vista à construção de um concelho/região policêntrico;

7. Renovação e Revitalização dos espaços públicos: investir nos espaços com valor simbólico, nomeadamente nas zonas antigas da cidade;

8. Ligações a redes nacionais e internacionais: Interlocal, ARTEMREDE, Teatros Associados, AICE - Associação Internacional das Cidades Educadoras, ICLEI - Governos Locais para a Sustentabilidade, Rede Agenda +, Rede da Campa-nha das Cidades para a Proteção do Clima, Rede da Campanha Procura +.

Um projeto cultural de cidade exige:1. Uma visão sobre o futuro (com um enunciado de ideias, causas e valores,

que integrem desígnios globais e identidades locais);2. Um modelo de desenvolvimento em que a cultura e a educação desempe-

nhem um papel central e transversal a todas as áreas de intervenção local; 3. Uma orientação governativa que as coloque no centro das opções políticas;4. Que se reúnam na administração local um conjunto de meios técnicos

e financeiros efetivos, associados a um funcionamento interdepartamen- tal robusto;

5. Que o processo de governação se desenvolva em permanente interação com a cidade e com os cidadãos e que conte sempre com a sua participação.

• Qualidade: o princípio da qualidade deve estar sempre presente para que a cultura possa desempenhar um papel nuclear na coesão social dos terri-tórios e das comunidades.

Em Almada e noutros concelhos assumiu-se a cultura como área nuclear do de-senvolvimento local e prosseguiu-se uma orientação governativa que se estrutura em oito grandes linhas de ação:

1. Preservação e Valorização da herança histórica e patrimonial: recuperação e refuncionalização de edifícios com valor patrimonial, intervenções arqueoló-gicas, renovação urbana, revitalização de lugares com valor histórico, expansão de arte pública, preservação do acervo documental histórico, preservação das memórias e das tradições locais, festas tradicionais, dias comemorativos;

2. Valorização das dinâmicas culturais e de participação: apoio às associações locais de cultura popular, apoio aos movimentos associativos juvenis, apoio às atividades de animação e lazer, apoio às diversas formas de expressão cultural, designadamente as relacionadas com as culturas regionais, e de outros povos residentes na cidade, incentivo à diversidade de projetos culturais;

3. Incentivo e apoio a projetos formativos formais e informais de educação ao longo da vida: formação dos agentes culturais, formação artística nos sistemas regulares de ensino, apoio à instalação de escolas artísticas nas várias áreas – música, artes visuais, conservação e restauro – apoio às uni-versidades séniores, formação dirigida aos mais jovens e apoio a projetos artísticos apresentados pelos jovens, diversificação dos sistemas de formação;

4. Construção de uma rede de equipamentos municipais: rede de bibliotecas, rede de museus, centros de exposições, centros de arte contemporânea, teatros municipais, casas da juventude, conservatório de música, recon-versão e requalificação dos espaços associativos com funções recreativas e culturais dotados de programas, projetos e iniciativas regulares e com planos de formação públicos, rede de espaços municipais de acesso a informação;

5. Incentivo à criação e à produção culturais: apoio às companhias de teatro e de dança, apoio aos grupos de teatro, apoio aos grupos corais e musicais, incentivos à criação literária, apoio à edição de trabalhos sobre o meio e as comunidades, apoio às artes plásticas e à fotografia;

PARTE IV - As políticas culturais enquanto políticas públicas CAPíTULO 12 - Da ação cultural ao desenvolvimento territorial

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PARTE v

E AGORA? (RE)DESENHANDO POLíTICAS CULTURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO

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forma selectiva, apontar um conjunto de questões-chave que se me afiguram como sendo cruciais, no contexto actual das políticas de âmbito municipal no nosso país, e no quadro de actuação territorial dos agentes culturais, para reflectirmos sobre a margem de manobra que hoje temos para a promoção do desenvolvimento com a cultura.

Por outro lado, também não se tem obviamente a ambição de esgotar a reflexão, que foi iniciada com todo o processo que conduziu a esta conferência e a este livro, por parte da ARTEMREDE, o que continuará naturalmente no futuro, no âmbito da metodologia de planeamento estratégico, que naturalmente prosseguirá.

Este livro, tal como a conferência que lhe esteve na base, pretendia reflectir sobre as políticas culturais para o desenvolvimento. A reflexão sobre as políticas cul-turais em Portugal, é bastante vasta e significativa, havendo muitos contributos que decerto valerá a pena explorar, para quem eventualmente esteja menos familiarizado com estas questões. Sem qualquer pretensão de exaustividade, deixamos aqui algumas referências centrais que poderão fornecer um enquadra-mento preliminar sobre esta temática, e possam servir como ponto de partida para quem quiser explorar mais a fundo estas problemáticas.

No campo académico, e numa vertente mais conceptual e analítica, o debate sobre as políticas culturais, em termos mais gerais, tem sido de alguma forma vivo e permanente ao longo das últimas décadas: vejam-se, a este propósito, por exemplo, contributos panorâmicos clássicos, como os de Pinto (1994, 1995, 1997), Silva (1994, 1997, 2000, 2003) ou Costa, A. (1997); ou alguns outros trabalhos que nos contextualizam as dinâmicas das políticas culturais à luz de aspectos específicos da evolução da sociedade portuguesa ou das dinâmicas globais, como os de Santos (1990, 1994, 1995), Conde (1997, 1998), Lopes (2003), Costa (2002), Fortuna (1997, 1999), Fortuna et al (1999), Silva et al (1998), ou Borges e Costa (2012). A análise das políticas culturais em Portugal, entendida de forma mais holística (Santos, 1998), comparativa com o enquadramento internacional (Santos 2000, 2001; Gomes e Martinho, 2012), ou em campos de análise mais específicos (por exemplo, Santos 1998a, 2004; Neves, 2000, 2005; Gomes et al. 2006) tem estado também

CAPíTuLO 13

POLíTICAS CULTURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DOS TERRITóRIOS: ALGUNS ELEMENTOS DE SíNTESE

Pedro CostaISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa / DINAMIA’CET

1. ENQuADRAMENTOEste livro traz-nos um conjunto muito interessante e rico de contributos, natu-ralmente muito diversos nas suas perspectivas, mobilizando enquadramentos teórico-conceptuais e ideológicos distintos, bem como abordagens relativamente diversificadas sobre a relação entre cultura, território e desenvolvimento. É certo que daqui resultarão portanto importantes estímulos para pensar as políticas culturais para o desenvolvimento e para (re)pensar a ARTEMREDE e a sua actuação estratégica futura, em particular num quadro, desejável, de desenvolvimento territorial integrado.

Não é ambição deste texto fazer um sumário ou uma reprodução de todas as ideias veiculadas nos diversos contributos reunidos nesta publicação, mas apenas, de

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1. EQUACIONAR AS POLíTICAS CULTURAIS ENQUANTO POLíTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO

O objectivo deste livro é discutir as “políticas culturais para o desenvolvimento”, no nosso contexto actual. Foi esse o pano de fundo da conferência realizada em Almada, e o mote que conduziu à elaboração desta publicação. Esse tema surge de um processo de reflexão estratégica, bastante longo e consistente, activamente delineado e coordenado, o qual apontou essa reflexão como premente.

Tal como seria natural, a discussão, de resto, sempre bastante apaixonada, em torno deste tema, leva-nos a diversas outras, com ela inter-relacionadas. Discutiu--se a política cultural em geral, discutiu-se a cultura, nos seus vários sentidos, discutiram-se as mutações e transformações estruturais por que as actividades culturais passam nos dias de hoje, bem como aqueles aspectos que sempre mar-caram, e continuarão a marcar, a fruição e a criação cultural, desde sempre. Mas o que estava aqui em foco era a relação entre cultura e desenvolvimento, e em particular a sua relação com os desafios do desenvolvimento territorial. Importa, como é amplamente referido e assumido politicamente ao longo das páginas deste livro, distinguir esta perspectiva da mera actuação no âmbito da política cultural, e estabelecer as diversas pontes que ela requere, seja intersectorialmente, seja interinstitucionalmente, quer ainda com os territórios concretos e as comunidades a quem ela se destina e com que ela se pode construir quotidianamente. Essa relação entre cultura e desenvolvimento passa por um conjunto de desafios nos dias de hoje, que serão aliás reforçados e ampliados ao considerarmos a rele-vância da dimensão territorial desse mesmo desenvolvimento (cf. Costa, 2002). Não entrando agora nestas questões a fundo, gostaria no entanto de deixar aqui um alerta e direccionar a atenção para três questões que importa não perder de vista ao situarmo-nos neste debate, e que de uma forma ou outra, resultam claramente também da discussão tida ao longo deste livro.

relativamente bem documentada, à qual se junta ainda todo um outro conjunto de referências, no campo mais pragmático do apoio ao desenho e à formulação de políticas públicas, incluindo, por exemplo, Santos (2005), Babo e Costa (2006, 2007); Costa (2009,2010); Mateus (2005, 2010); ou Garcia (2014).

É no entanto no campo mais específico da relação das actividades culturais com o território e com o desenvolvimento territorial que se inserem em grande parte as questões que nos interessa ver aqui discutidas. E neste quadro particular vários contributos se destacam: desde a relação mais genérica da cultura com a cidade e com os espaços urbanos (Silva, 1995; Lopes, 2000, 2000a; Fortuna e Silva, 2001, 2002; Costa, 2002, 2007), até ao equacionar da relação com as políticas territo-riais e o desenvolvimento local (Costa, 2002, 2007, 2007a, 2015; Costa e Babo, 2007; Babo 2010; Marques e Portugal, 2007; Seixas e Costa, 2010; Silva, 2007; Albuquerque. 2012; ou Silva et al, 2013, 2015) e a sua avaliação (Rato et al, 2010), ou até ao aprofundar da relação entre dinâmicas criativas e desenvolvimento territorial, nas suas diversas vertentes (Costa et al, 2007, 2008, 2011; Costa, 2008; 2011; Costa e Lopes, 2011, 2013).

Não importará aqui estar a revisitar todos estes contributos, nem sequer apro-fundar o debate sobre eles neste quadro específico. Ficam como sugestões para quem tiver interesse em fazê-lo. Importa aqui apenas, eventualmente, remeter antes para um conjunto de ideias-chave de síntese, de certa forma enquadradas e contextualizadas em pontos de partida anteriormente explorados nesta bi-bliografia, mas que decerto são, em grande parte, retomados neste processo de reflexão agora empreendido, e que estão subjacentes a muitos dos contributos apresentados e à discussão efectuada neste livro.

2. ALGuMAS IDEIAS-CHAvE

Fará portanto sentido elencar antes aqui então um conjunto de cinco pontos, que me parecem ser um conjunto de ideias-chave fundamentais que ficam após este debate e que importará ter em conta e realçar após este processo.

PARTE V - E agora? (Re)Desenhando políticas culturais para o desenvolvimento CAPíTULO 13 - Políticas culturais para o desenvolvimento dos territórios

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à UE -, à escala local - das agendas xxI para a cultura às práticas de planeamento estratégico mais transversal). No entanto, a reflexão efectiva sobre a noção de desenvolvimento, e sobre o desenvolvimento territorial que se pretende, e sobre o que fazer para lá chegar, não parece ainda ter assumido a centralidade pretendi-da, e a relevância que pode ter, inclusivamente, nos próprios processos e práticas de criação e fruição artística. É verdade que discutimos aqui o desenvolvimento, e assumimos a sua multidimensionalidade, mas também é certo que ele conti-nua em muitas agendas e em muitas mentes dominado ainda pela mera noção de crescimento económico, e isto não obstante há muitas décadas as próprias instituições internacionais assumam o desenvolvimento em várias dimensões que, apesar de tudo, não são apenas retórica. Obviamente que à noção da eficiência económica se vieram juntar progressivamente as questões da coesão social, da participação cívica, da qualidade ambiental, mas também a questão da expressão cultural e identitária. A dimensão cultural é portanto uma componente intrínseca do desenvolvimento, e a assunção dessa componente, de lógicas de promoção do desenvolvimento que veiculam e utilizam a cultura como um fim em si mesmo e não como apenas um meio para atingir os outros fins do desenvolvimento, será algo de muito importante a nunca deixarmos de ter em conta neste debate, seja qual for a posição que assumamos nesse campo, dos criadores e artistas aos produtores culturais, dos políticos preocupados com a intervenção social aos técnicos de planeamento, dos públicos culturais aos vereadores da cultura. E será portanto importante nós discutirmos a fundo o papel e a relevância intrínseca da cultura quando discutimos o desenvolvimento, também.

1.2. Assumir a dimensão “política” das políticasHá uma segunda vertente fundamental, quando se fala desta questão das po-líticas culturais para o desenvolvimento, que importa realçar. Ela foi bastante discutida na conferência em que se baseia este livro e está presente em diver-sos dos contributos aqui apresentados. Mas penso que será importante voltar a salientá-la. É a questão de que estamos a falar de uma dimensão política, e esse facto, a necessidade de uma dimensão política na actuação, ou seja, a assunção da dimensão política em toda a sua plenitude, que reflicta uma efectiva consciência

1.1. Problematizar conceitosA primeira dessas questões relaciona-se com a necessidade de problematização dos conceitos que aqui estão subjacentes. Isso tem sido feito, e bem, mas importa não perder de vista a utilidade de o continuar a fazer, em permanência. Ao longo dos diversos capítulos aqui apresentados eles são de certa forma questionados e são-nos colocados em perspectiva. A noção de cultura, por exemplo, é bastante problematizada, bem como a sua evolução ao longo do tempo e os vários tipos de entendimentos que sobre ela se foram afirmando ao longo da história, bem como as várias perspectivas com que hoje podemos olhar para a noção de cultura e os desafios que isso nos coloca (vejam-se em particular os textos da parte II, de Holden, Barbieri ou Ribeiro, mas também os da secção III, por exemplo).

O mesmo podemos dizer em relação à concepção de comunidades e à forma como as noções de públicos da cultura e de práticas culturais foram evoluindo para uma crescente articulação com a ideia de comunidade (e do seu enquadra-mento territorial) e da ideia de comunidades para uma noção de multiplicidade de comunidades, que colocam desafios muito estimulantes às lógicas de criação artística e de intervenção nesses territórios (de, com, para as comunidades...), aos mecanismos de fruição e recepção cultural, e às práticas de intermediação, gatekeeping e construção de reputações (vejam-se sobretudo a este propósito os textos da parte III, Porto, Costa, Paiva, mas também os da parte II, Ribeiro, Barbieri, Holden, e, também, mais na prática, em certa medida, os contributos reunidos na parte IV).

No entanto, eu diria que sinto a falta, no final deste percurso, de discutirmos mais o terceiro vértice deste triângulo cultura – territórios - desenvolvimento. Apenas pontualmente, e essencialmente nos contributos respeitantes à parte IV do livro, mais na vertente política (bem como no debate tido na conferência, no mesmo painel) esta questão foi aflorada com um pouco mais de profundidade. Faltará eventualmente os agentes culturais entrarem mais neste debate e aprofundarem o conceito de desenvolvimento. É certo que a cultura entrou nas agendas do desenvolvimento (desde a escala global, das grandes instituições internacionais - das diversas instituições e programas das Nações Unidas à OCDE, à OMC ou

PARTE V - E agora? (Re)Desenhando políticas culturais para o desenvolvimento CAPíTULO 13 - Políticas culturais para o desenvolvimento dos territórios

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discussões sobre as actividades culturais e criativas ao longo dos últimos anos. Como sempre, serão debates acesos, os que são suscitados pelas discussões sobre a instrumentalização da cultura. Eu não quereria entrar neles aqui. Desejo apenas alertar para os múltiplos riscos da instrumentalização. Por um lado, os vários riscos da instrumentalização que todos conhecemos, em que a cultura (e os artistas, e os seus projectos, e as suas vontades) é assumida como algo de útil e meritório, mas na senda de outros objectivos da actuação pública (seja a criação de valor económico e de emprego, seja a inclusão social, seja a expressão da multicultu-ralidade e da participação plena ou da cidadania, seja o seu papel nas lógicas de regeneração ou de revitalização urbana, etc.). Esta perspectiva, recorrentemente defendida ao longo das últimas décadas, face à evidente realidade dos factos, e ao peso político de algumas das retóricas associadas à “economia criativa”, não deixa de ser aqui também plenamente sublinhada. É clara, portanto, para todos nós, a perspectiva de como a cultura é, ou pode ser, instrumentalizada. Mas, não o esqueçamos, haverá também o risco contrário, ou seja, de o desenvolvimento também poder ser instrumentalizado pela cultura (com vários dos diversos outros objectivos e fins do desenvolvimento e da actuação em torno das comunidades ser apropriada e instrumentalizada pela criação e produção artística, em nome do desenvolvimento desses territórios, sem efectivo retorno para as comunidades envolvidas no processo) e, portanto, de termos aqui potenciais instrumentaliza-ções, a vários níveis, para as quais será importante estarmos alerta e que será interessante discutir.

Será portanto fundamental ter a noção de que há riscos de instrumentalização. Naturalmente que haverá. Será fundamental combatê-la; obviamente que sim; mas será também fundamental não ficarmos paralisados por isso, mas conse-guirmos em vez disso aproveitar o potencial e as oportunidades que, por exemplo, os actuais quadros de financiamento permitem (em particular no âmbito do financiamento da União Europeia e no âmbito do Quadro Portugal 2020), para a promoção do desenvolvimento territorial e das actividades culturais. Aproveitar portanto as hipóteses de genuínas colaborações que as partes, conscientemente, entre si estejam interessadas em explorar, conjugando motivações e interesses específicos em torno de oportunidades de colaboração comuns que satisfaçam,

e priorização desta questão na agenda das instituições, é fundamental. Isso é referido em diversos dos contributos aqui sistematizados e, inclusivamente, foi aqui institucionalmente assumido pela ARTEMREDE, reivindicando uma assunção política desta dimensão e a inserção da cultura, de forma mais holística e transversal, na agenda política. Agora, essa inserção da cultura na agenda passa, entre outras coisas, por aquilo que é a assunção de uma visão. E esse assumir de uma visão não poderá ficar apenas, como muitas vezes tem acontecido, pela retórica, mas tem de consubstanciar a assunção de uma visão partilhada entre os vários decisores políticos que fazem parte de uma instituição (seja um município, um governo, uma rede, ou uma organização que faça a gestão de um financiamento comunitário, por exemplo), que a coloquem efectivamente no centro da sua acção quotidiana. Na maior parte das instituições, será dos agentes que são responsáveis pelo sector cultural, de uma vereação cultural, de um departamento cultural, que eventual-mente este esforço de articulação terá de partir. E, neste quadro, a questão das agendas mais “fracas” e mais “fortes”, nos contextos de crise contemporâneos e face às actuais lógicas de governança é fundamental, como bem refere João Ferrão no seu texto, e será portanto fundamental para esta inscrição da dimensão política dentro de cada uma das instituições. Eventualmente estaremos todos de acordo ao dizer que a dimensão política e a inserção da Cultura na agenda será uma questão unânime. Será certamente ao nível da retórica, mas poderá não o ser efectivamente na prática, sendo importante trabalhar, dentro de cada instituição, para criar os mecanismos, formais e informais, que contribuam para essa assunção prática, associando-a a uma visão para o desenvolvimento de um território, para o desenvolvimento de um espaço comum, para o desenvolvimento de uma comunidade, em torno de projectos e acções comuns, mas que não façam perder de vista a especificidade da actuação no campo cultural.

1.3. Estar atento à(s) intrumentalização(ões) Uma terceira vertente que eu gostaria de destacar, ainda dentro desta questão das políticas para o desenvolvimento, é a questão da instrumentalização. Natu-ralmente, é sugerida por diversas vezes ao longo dos textos apresentados neste livro, como não poderia deixar de ser, tal como tem sido hábito nas diversas

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a. Combater a sectorialização das intervenções O primeiro e mais imediato nível de articulação é o sectorial, isto é, entre as diversas lógicas sectoriais institucionais que enformam a actuação dos diversos agentes (a “cultura”, o “planeamento”, a economia”, o urbanismo, a intervenção social, a educação, etc.). A ARTEMREDE, claramente, no seu Plano Estratégico está a assumir isso como prioridade, e o facto de termos tido aqui, em torno deste livro e deste processo, duas vereações diferentes, dentro da mesma Câmara, associadas a esta iniciativa, é um bom sinal. Mas para além deste exemplo, importa pensar o mesmo a todos os níveis da Administração Pública, de forma a termos claramente um debate e uma concertação de actuações entre a Cultu- ra, a Economia, o Turismo, o Planeamento Urbano, a Inclusão Social, a Educação, a Promoção do Desenvolvimento, e tantos outros.

b. As escalas de actuaçãoO segundo nível de articulação refere-se às diferentes escalas de análise e de interven-ção sobre os problemas: as escalas territoriais. Não foram aqui tão faladas, embora te-nham sido referidas em alguns textos, mas são inequivocamente fundamentais, e são--no em particular quando falamos especificamente da ARTEMREDE, para além disso. É fundamental a concertação e articulação das actuações às diversas escalas e a compatibilização de lógicas de política e estratégias de governança que concertem os diferentes interesses territoriais, e os compatibilizem, às escalas distintas: seja ao nível da articulação institucional dentro daquilo que será o nível mais local (municípios, freguesias, mas também actuação no seio das associações intermunicipais ou áreas metropolitanas), seja ao nível da articulação da actua-ção local com a Administração Central, seja ainda no campo daquilo que são as políticas da União Europeia e a definição de políticas transnacionais, seja também (e sobretudo...) com os níveis não institucionalizados administrativamente. E estes níveis não institucionalizados, exigindo esforços suplementares de negociação e concertação, podem ser muito relevantes, e serão-no claramente no caso de uma rede de municípios que nasceu numa base territorial regionalmente marcada, como a ARTEMREDE, mas que se move e colabora num espaço territorial que envolve um conjunto de municípios de três “regiões” estatístico-administrativas distintas (Lisboa, Centro, Alentejo), na actual configuração formal que condiciona estas

simultaneamente esses diversos interesses. Na prática, isso traduz-se em apro-veitar aqui sobretudo a questão de termos consciência de que apesar de existirem (natural e legitimamente, aliás...) agendas múltiplas, que serão a expressão dos diferentes interesses e motivações (uns económicos, outros culturais, outros associados à requalificação e revitalização urbana; outros à inclusão social ou ao fomento da cidadania, etc.) dos diversos agentes no terreno, temos, efectiva-mente, oportunidades que podem ser exploradas, com vantagem para as diversas partes, sem sacrificar (antes pelo contrário) os objectivos específicos da actuação de cada um, sejam estes artísticos, sociais ou outros.

2. COLOCAR O FOCO NAS ARTICULAçõES, NAS LIGAçõES, NA TRANSVERSALIDADE

A segunda grande questão que eu gostaria de realçar, e que é também de certa forma transversal aos diversos contributos apresentados neste livro, é a que se associa à necessidade de colocarmos o foco das nossas preocupações nas articulações entre os diferentes actores e as suas diversas formas de actuação. O foco nas ligações, o foco na transversalidade das acções, foi aqui referido por vários dos autores (vejam-se em particular os contributos da parte IV, Ferrão, Vaz Pinto, Pardal e Matos, mas também os da parte III, pela própria natureza dos trabalhos de mediação, naturalmente), e será decerto um elemento chave para o sucesso de uma actuação que se pretenda duradoura, resiliente e sustentada, tanto no campo cultural, como no campo do desenvolvimento dos territórios. Esta articulação pode ser vista pelo menos a cinco níveis distintos, os quais, mais do que aprofundar novamente, eu apenas gostaria aqui de elencar e sistematizar de seguida.

2.1. uma articulação múltipla, a várias dimensõesConforme referia, esta necessidade de articulação, necessita de ser equacionada e pensada pelo menos a cinco níveis distintos:

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e. Articulando indivíduos: políticos, técnicos e artistasUm quinto e último nível de articulação, menos destacado nestes contributos escritos (e polarizada, na conferência que lhes esteve na base, essencialmente pela referência à maior ou menor presença dos artistas e dos criadores neste processo de reflexão), mas não de somenos importância, é o que se associa à articulação entre as diversas práticas e tradições que constituem o trabalho numa instituição ou em torno de um projecto concreto: a dimensão política, a dimensão técnica, a dimensão artística e forma como as pessoas em concreto, que fazem essa li-gação, conseguem articular as suas vontades e interesses. Esta ligação é muitas vezes esquecida (sendo bem relembrada no capítulo da vereadora Catarina Vaz Pinto), mas é uma dimensão que é fundamental, em termos do funcionamento, na prática, do que são estas interacções. Só trabalhando competências (e vontades) que permitam este diálogo entre saberes-fazer tão diversos e práticas epistemo-lógicas e heurísticas muitas vezes tão díspares se podem obter resultados que garantam uma actuação duradoura e bem sucedida nestes campos de fronteira.

2.2. Conjungando e mobilizando interesses em torno de ideias e projectos comuns Na prática, o que nós teremos aqui é uma conjugação de interesses, individuais e colectivos, em torno de projectos concretos ou de actuações específicas. Con-forme é salientado em diversos dos textos apresentados, no campo da criação, no campo da mediação com as comunidades ou entre os agentes culturais, no campo da relação com os públicos, temos projectos concretos, que serão o resultado da conjugação de interesses particulares de cada actor ou instituição, decorrentes de uma sua visão estratégica sobre a sua acção. Mas esta é uma articulação que, na prática, para funcionar, tem de ser uma conjugação de motivações e de vontades de pessoas que queiram trabalhar em conjunto ou que tenham bases para dialogar e para estar em relação umas com as outras e que consigam portanto comunicar e trabalhar em conjunto. Terão de estar portanto, na prática, baseadas em motivações intrínsecas e não só em motivações extrínsecas, se queremos ter a pretensão que elas sejam resilientes e se afirmem em relações estáveis e duradouras, que possam contribuir para um desenvolvimento efectivo dos territórios onde se desenrolam.

sub-regiões para diversos fins (entre eles, o acesso a financiamentos comunitá-rios). Concluindo, num espaço fluído, de geometria cada vez mais variável, todos estes quadros se entrecruzam entre si, mais ou menos formalizados, tornando portanto a necessidade de diálogo entre escalas, e actores respectivos, como um desiderato fundamental da sua acção.

c. Público, privado e terceiro sectorTerceira dimensão de articulação: a ligação entre sector público, sector privado e terceiro sector; Esta articulação implica exigências crescentes, estando associada às transformações estruturais na organização das actividades culturais e criativas, dos mercados de trabalho artísticos e das próprias políticas culturais e das lógicas de governança territorial. Esta questão tem sido recorrentemente discutida e é le-vantada em diversos dos contributos apresentados neste livro, passando, claramente também, pela questão da densificação das relações entre os agentes culturais e as comunidades onde se inserem. É uma densificação que não será neutra, e terá efeitos significativos diferenciados em cada caso, face às relações de força e lógicas de actuação de cada um dos actores concretos, que em cada situação esteja em causa. Mas que exige portanto uma articulação crescente, internamente a cada muni-cípio, atenta àquilo que é o diálogo das instituições com as suas comunidades envolventes e a uma densificação destas relações com os actores locais.

d. A integração das diferentes subáreas do conhecimentoQuarta dimensão de articulação é a integração dos saberes e a integração disciplinar, a integração das várias dimensões e perspectivas através das quais podemos olhar para a realidade e formular projectos de actuação: a perspectiva cultural, a pers-pectiva territorial, a perspectiva económica, a perspectiva sociológica, a perspectiva antropológica, a perspectiva da história de arte, etc. Muitos passos têm sido dados neste campo, e perspectivas mais multidisciplinares (quando não mesmo, trans-disciplinares) têm vindo progressivamente a conseguir sobrepor-se a abordagens disciplinares necessariamente mais parcelares e redutoras. Este é no entanto um desafio que nunca estará plenamente completado, e importa continuar a explorar ferramentas, conceptuais e metodológicas, que nos permitam um conhecimento e uma actuação mais integrados e consequentes.

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o mesmo poder e, portanto, temos de ter capacidade de nos posicionar em relação a isso e desenvolver ferramentas para lidar com isso. Apenas teremos lógicas frutíferas e duradouras de articulação entre os diferentes interesses em colabo-ração se houver condições para que não haja uma relação muito assimétrica, em que alguns dos agentes abusem do seu poder (formal e informal) em relação aos outros, condenando com isso as hipóteses de sustentação futura e mutuamente frutuosa dessas colaboração. Em particular, as instituições públicas responsáveis pela formulação e concretização das políticas deverão ter uma atenção particular a este aspecto, possibilitando o desenvolvimento de soluções de governança que permitam explorar uma articulação adequada e equilibrada entre cada conjunto de actores específicos.

3. “NOVAS” FORMAS DE ACTUAR?

Terceira ideia de fundo que eu queria destacar: a noção de estarmos perante no-vas formas de actuar. Ou seja, aquilo que se pode depreender do que neste livro é apresentado (bem como dos debates tidos na conferência que lhe esteve na base), para um observador externo, será que nós estamos a passar nos dias de hoje por transformações estruturais e fundamentais, as quais exigirão eventualmente novas formas de actuar, novas formas de reinventar as actuações, e novos papéis para os vários intervenientes nos mundos da cultura. Não sei se estou comple-tamente convencido em relação a isso, eu pessoalmente. Concordo plenamente com a ideia, que também foi referida nestes debates, de que os “tempos difíceis” do Dickens estão aqui na mesma, nos dias de hoje. E serão os mesmos tempos difíceis; e serão aliás os mesmos tempos difíceis que estarão daqui a várias déca- das e a vários séculos. E que estarão, portanto, independentemente das con-junturas, independentemente das questões pragmáticas, em cada momen-to. Ou seja, cada tempo é sempre um tempo difícil, com os seus desafios e obstáculos, e em cada tempo se reinventam novas formas de criar, de actuar e novas formas de colaborar e de superar esses “novos” problemas. E, portanto, convirá eventualmente perceber o que é que efectivamente será novo no meio disto tudo. E eu penso que nesse debate possivelmente teremos ainda de avançar

Como corolário de tudo isto, relembramos que se falou aqui da necessidade da co-criação, da produção conjunta de oportunidades e, portanto, da necessidade de articulação nesse sentido. Agora, essa co-criação pode ser feita de forma mais ou menos instrumental, para receber fundos comunitários, por exemplo, ou para concorrer a outras fontes de financiamento, mas, na prática, ela só funcionará se nós tivermos efectivamente aqui um cruzamento daquilo que são as motivações extrínsecas (como essa, de carácter financeiro, ou outra, de cariz político-eleitoral, ou uma outra qualquer) com motivações efectivamente intrínsecas, associadas ao objecto e à prática dessa criação e dessa intervenção nesse território concreto, com essa comunidade concreta. E portanto, dependerá ao limite do facto de nós termos a capacidade de ter efectivamente interesse por parte dos agentes e motivação para trabalhar em conjunto, em torno de projectos e de ideias concretas.

2.3. De forma a assentar no diálogo e gerir as relações de poderE isso passa por duas coisas, duas palavras que não estão ao longo do livro (nem nas intervenções e debates que lhe estão na base) muito presentes, apesar de se falar muito em articulação: diálogo e poder.

Falou-se alguma coisa, mas ainda bastante pouco, em diálogo e, possivelmente, o diálogo (e trabalhar as condições para que ele aconteça) é fundamental para pensarmos em todas estas formas de articulação. Pensar como proporcionar e promover esse diálogo, a vontade de encontro que ele sugere, e a capacidade de ter ferramentas (operativas, mas também culturais e identitárias) que o concretizem são aspectos que não são de somenos importância e que deverão eventualmente ser ainda mais trabalhados. De que forma, com que objectivos, com que instrumentos, vou conseguir conhecer o outro, para poder dialogar e trabalhar com ele (sobretudo quando o outro vem de campos diversos e têm práticas, conceitos e motivações por vezes tão distintas dos meus)? Que passos terei de percorrer para que esse diálogo com o outro se torne efectivo e frutuoso?

E falou-se muito pouco em poder e em relações de poder. E temos consciência que o diálogo não é, nem nunca foi, nem nunca será, um diálogo entre partes com

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motivações mais imediatistas. Eu permito-me confiar nisso em relação ao caso concreto da ARTEMREDE. Nós estamos aqui perante algo que é um trabalho efec-tivo de articulação com os territórios, uma articulação com as comunidades, que é anterior a um conjunto de motivações extrínsecas que depois complementam essa mesma actuação e esses processos colaborativos intermunicipais. Mas que não são a sua razão única de ser. Este papel de interlocução entre actores e territórios, e de dinamização em rede, sendo uma vantagem competitiva natural da ARTEMREDE em relação a outras exeriências de tipo semelhante, no quadro das novas formas de organização, remetem-nos assim para duas outras questões, que eu considero que serão fulcrais face à discussão que é suscitada pelos diversos contributos aqui apresentados, e que foram ao longo destes vários contributos vezes referidas, por diversos autores, mas que eventualmente não foram ainda muito destacadas e que eu gostaria que não passassem tão discretas.

3.2. Normas, regras e mecanismos de governançaA primeira é a questão de que nós, ao actuarmos sobre territórios e sobre comu-nidades, estamos a falar sobre espaços que, entre outras coisas, são conjuntos de regras, de instituições, de lógicas de funcionamento e de mecanismos de gover-nança; vamos assumir a questão nesse sentido, são espaços que partilham lógicas de regulação próprias e mecanismos de governança específicos entre os vários agentes. Algumas destas regras serão formais, explicitas para todos, outras mais informais, por vezes apenas implícitas, para alguns. E o perceber essas lógicas, o perceber como funcionam esses mecanismos, seja nos campos mais institu-cionalizados (daquilo que são os mecanismos de funcionamento dos organismos da Administração Pública, por exemplo, ou dos mercados), ou seja nas lógicas, por exemplo, de legitimação e de criação de reputações nos diversos mundos da arte, serão aspectos fundamentais para nós entendermos estes processos, em cada um dos territórios. E são naturalmente diferentes, de território para território (e faz sentido que o sejam e que saibamos trabalhar com eles – cf. Ferrão, 2013). Portanto, esta questão do perceber bem as regras e de haver um domínio destas regras par-tilhadas quando se faz a intervenção, não é uma questão de somenos importância. E é uma questão que às vezes os próprios decisores políticos, mesmo apenas os do

um bocadinho mais do que o que é feito aqui. Ou seja, o que é que há de novo, actualmente, nos processos de criação? O que é que há de novo e o que é que isso implica para as dinâmicas criativas? Quem são os novos criadores? O que é que são as novas comunidades? O que é que são as novas formas de recepção? O que é que são as novas lógicas de mediação? Quem são os novos gatekeepers, ou o que serão os novos processos de gatekeeping? Qual é que é o papel das novas tecnologias, e em que difere das anteriores ondas tecnológicas? Fala-se aqui, ao longo do livro, alguma coisa (e bastante interessante...) disto tudo, é certo. Há coisas que são novas e que temos de entender como algo de novo, efectivamente; mas há coisas que possivelmente são apenas novas roupagens. E, sobretudo, quando nós pensamos que o papel do criador sempre foi esse, ao longo da história: o de criar o “novo” e o de reinventar o “novo” em relação a tudo isto... Essa sempre foi uma motivação dos criadores, e uma das características da arte, desde sempre, ao longo da História.

3.1. Que novos papéis?Portanto, esta questão do pensar o que é o “novo” papel de cada um, o que são os papéis dos diversos intervenientes nos processos culturais nos dias de hoje assume particular centralidade: o papel do criador nos dias de hoje; o papel do político nos dias de hoje; o papel do gatekeeper, do intermediário nos dias de hoje; o papel dos públicos, das audiências, das comunidades nos dias de hoje, e a forma como eles podem entrar nestes processos colaborativos será, eventualmente, algo em relação ao qual penso que temos ainda de prosseguir este debate. Em particular, isto assume particularmente relevância, do ponto de vista concreto da actuação de uma rede como a ARTEMREDE, porque o que nós temos aqui é um potencial para a conjugação de vontades. E como é sugerido por João Ferrão no seu contributo, a ARTEMREDE será um interlocutor privilegiado aqui, com um potencial enorme nestes processos colaborativos, que marcam estes novos tempos. É verdade que o é. Este papel dos interlocutores, que são fundamentais neste processo de cola-boração, na mediação e no fomento da colaboração, assume particular relevância neste caso concreto porque o que nós temos aqui é uma efectiva articulação de vontades, que não são só vontades assumidas por uma lógica extrínseca e por

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de oferta, de actuação, de busca de articulação com as comunidades, que eu pretenderia aqui associar mais à noção dos eventuais limites que possam ser associados ao voluntarismo da actuação e da acção, seja por parte dos poderes públicos, seja dos criadores ou promotores culturais, seja dos próprios públicos e dos restantes envolvidos nos processos de mediação cultural.

4.1. Os paradoxos do excessoExcesso de oferta cultural, excesso de arte, excesso de comunidades. Percebemos porquê e compreendemos com agrado esta ideia de slow culture, remetendo--nos para noções como as de slow food ou de slow science e para o facto de todos nós precisarmos de uma vida mais calma, nos tempos hiperconturbados e hiperconectados de hoje. Todos compreendemos isso e, eventualmente, todos percebemos que somos inundados por um conjunto de estímulos que invadem a nossa vida (incluindo uma vasta oferta cultural, sobretudo nas grandes cida-des), a que não conseguimos, não temos tempo, não queremos, corresponder. Estímulos culturais aos quais eventualmente não conseguimos dar resposta (e valorizar) como deveríamos, seja enquanto receptores, através da fruição que poderíamos ter desses objectos artísticos, seja como criadores e produtores cul-turais, através das condições que lhes poderíamos dar para a sua plena expressão e maturação. Mas estamos numa época que também (e isso foi muito referido, nos debates associados à conferência, sobretudo pelos intervenientes exteriores às mesas, cujos contributos aqui se reúnem...) é uma época de enorme privação, e de exclusões diversas, a vários níveis (ao nível socioeconómico, no campo dos recursos cognitivos e das competências e capitais culturais acumulados, no acesso aos recursos comunicacionais, etc.). E, portanto, estaremos obviamente também numa situação de assimetria clara em relação àquilo que são os terri-tórios que temos em cima de mesa quando falamos da ARTEMREDE. Podemos admitir um eventual excesso de oferta cultural, e mesmo de trabalho com as comunidades, nalguns municípios, mas essa não será decerto a realidade noutros dos associados da ARTEMREDE, nem será sequer, diga-se, a situação vivida pela generalidade das populações e dos potenciais públicos (e criadores), mesmo nos municípios onde a situação esteja melhor... Este excesso é um paradoxo e, na

campo cultural, têm dificuldade em dominar, em estar por dentro dessas regras partilhadas, mais ou menos codificadas, quanto mais quando nós começamos a alargar os processos a decisores políticos de várias áreas em simultâneo.

3.3. IdentidadesA outra questão, também muito falada, é a questão das identidadesA questão da identidade foi aqui muito referida e foi até complexificada e desmultiplicada, ou seja, a própria noção de identidade foi questionada, naturalmente, como faz sentido que seja, em processos deste tipo. A identidade de um lugar está ligada a uma multiplicidade de identidades individuais e colectivas, que se materializam nesse mesmo lugar. Mas eu permitia-me ressaltar duas outras coisas em relação à complexidade das noções de identidade, bem como à forma como elas, muitas vezes, podem ser até instrumentalizadas. A primeira, associa-se ao facto de que, muitas vezes, senti que se estava a falar de identidade de um território com um olhar relativamente externo para esse território. E é diferente eu estar a falar de olhar com um olhar interno ou com um olhar externo para esse território, e perceber endógena ou exogenamente o que é a identidade de um território, de uma colectividade, de um conjunto de pessoas, por mais bem intencionado que seja como artista, político ou programador. A segunda coisa, também aqui ressaltada, é a questão de que a identidade não é nunca uma realidade imutável, a identidade de um determinado território ou de um determinado espaço está em construção permanente e, portanto, todas as tendências para uma maior ou menor patrimonialização (e até turistificação) de uma identidade, do seu “congela-mento”, serão processos que necessitam de uma atenção e de olhar especial, bem como de uma monitorização de todos os perigos a essas estratégias associados.

4. OS “ExCESSOS” E OS LIMITES AO VOLUNTARISMO

A quarta ideia de fundo que eu queria destacar, e eventualmente uma das mais polémicas e provocantes que resulta dos contributos aqui reunidos (vejam-se por exemplo os contributos de A. P. Ribeiro ou de E. Paiva), é a ideia dos “excessos”,

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tura ao mesmo tempo, com criadores diversos, comunidades distintas, e tentando chegar a públicos bastante diferenciados. Eventualmente não poderá fazê-lo exac-tamente ao mesmo tempo com todos os agentes, mas a ARTEMREDE está a traba-lhar com diferentes “tipos” de cultura e com diferentes lógicas em termos desta assunção da reputação e da criação de distinção. Será neste quadro que importará eventualmente centrar a questão do paradoxo do excesso acima levantada. Sendo a actividade cultural baseada na distinção, numa afirmação simbólica que se associa aos diversos intervenientes envolvidos, a reputação dos artistas e da sua actividade (mas também dos programadores, mediadores, gatekeepers a ela associados...) joga--se nestas estratégias de assimilação e de distinção, e também, pela diferenciação. A gestão quotidiana destes mecanismos, a exploração de estratégias de liminaridade, transgressão e afirmação simbólica nalgum campo em particular, jogam-se também na gestão desses excessos (de oferta, de acessos, de trabalhos com as comunidades, de aberturas e de generosidades...), a que uns estarão, em cada momento, mais propensos a aderir do que outros, na gestão das suas próprias lógicas (individuais ou colecti-vas) de afirmação reputacional e de capital simbólico, em cada campo específico em que lhes interesse actuar.

5. NECESSIDADE DE MONITORIZAçãO DOS VALORIZAçãO E AVALIAçãO DO IMPACTOS

Finalmente, a quinta ideia de fundo que eu quereria ressaltar, e que está sobretudo patente no texto de John Holden, mas que está também já assumida naquilo que é o Plano Estratégico da ARTEMREDE, e que quanto a mim se afigura como um aspecto fundamental para pensar uma relação duradoura entre cultura, território e desenvolvimento, é a questão da valorização dos impactos (cul-turais, sociais, económicos, etc.) da actividade dos agentes e das instituições culturais. Neste caso concreto, que nos reúne em torno desta publicação, isso reflecte-se no que poderá ser o contributo para a ARTEMREDE pensar reflexiva-mente os seus potenciais impactos, nestes vários campos, à medida que define e assume a sua estratégia de actuação futura. Quais são os seus impactos na vida cultural em geral, nos agentes culturais que com ela trabalham, nas co-

melhor das hipóteses, terá de ser assumido assim mesmo, como um paradoxo, e não levarmos demasiado literalmente e às últimas consequências, no contexto específico da ARTEMREDE, algumas das ideias que lhe estão subjacentes e que aqui foram veiculadas, por muito úteis e valorosas que sejam, e que estas mantenham a sua total pertinência enquanto princípios genéricos, aos quais, naturalmente, devamos estar atentos e assumir como referência para o nosso trabalho.

4.2. Cultura, mecanismos de distinção, afirmação simbólica e liminaridade Estes excessos têm de ser vistos igualmente à luz de um outro aspecto que, apesar de estar subjacente de forma transversal aos diversos contributos aqui reunidos, de forma indirecta, não foi muito explicitado: são os próprios mecanismos de legitimação, dentro do(s) mundo(s) das artes respectivo(s), ou os mecanismos de distinção dos artistas, públicos e demais envolvidos na produção, criação, intermediação e recepção cultural, assumindo uma linguagem mais sociológica. Os mecanismos de afirmação simbólica e de distinção estão inextricavelmente ligados à produção e à fruição cultural, bem como lógicas e estratégias de li-minaridade, que não podemos descurar quando analisamos e actuamos sobre o(s) campo(s) da cultura. Estes mecanismos de distinção dentro dos mundos da arte serão transversais e estão inter-relacionados com um conjunto de debates e discussões convocados nos contributos presentes neste livro, sejam as questões sobre trabalhar a cultura mais ou menos para as elites, sobre uma maior ou me-nor democratização cultural, ou sobre uma maior ou menor assunção e partilha do discurso sobre o “criativo”, por exemplo; mas, de qualquer forma, o aspecto importante aqui subjacente é o de nós termos sempre aqui diferentes camadas de cultura. E estamos, efectivamente, sempre (das práticas mais eruditas às mais generalistas...), a falar de diferentes camadas de cultura, quando os próprios meca-nismos de criação e consumo cultural passam por fenómenos de distinção social (em diversos subcampos, sociais, culturais, económicos,...), e a própria afirmação e legitimação do trabalho artístico (e dos criadores, e dos mediadores, e dos pú-blicos...) se faz sempre nesse quadro, a diferentes níveis. E, quando falamos em concreto da actuação da ARTEMREDE, já sabemos que uma organização como a ARTEMREDE está a trabalhar necessariamente em diferentes “camadas” de cul-

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perienciação artística (seja como “consumidor”, seja como “produtor”, assumindo aqui os termos “económicos”), até aos impactos mais globais e colectivos que a comunidade, em geral, ou cada campo cultural, em específico, beneficiam com cada acção. Todos estes aspectos podem ser valorizados, avaliados, men-surados. Não necessariamente de forma quantitativa, mas qualitativa, confor-me for mais adequado ou possível, e desenvolvendo instrumentos para isso, tanto novos instrumentos analíticos e conceptuais, como operacionais. Seja no campo do valor intrínseco, seja no do instrumental, seja no do institucional, esta questão da necessidade da valorização é algo a que os agentes culturais não se devem, de todo, furtar, nem subestimar a sua importância, e isto inde-pendentemente de, obviamente, o facto de o fazerem (de pretenderem valori-zar os diversos impactos da sua atividade), não significar de todo que estejam a assumir que o propósito da sua actividade criativa seja dar ou criar valor em todas estas componentes ou em alguma dessas componentes em particular. Ao limite, esse propósito, pode ser, nalguns casos, pura e simplesmente (e é tam-bém legítimo que o seja...) a própria satisfação do próprio criador. Mas isso poder ser avaliado dessa forma, também é uma valorização, que importa ser efectuada. O fundamental será portanto desenvolver um sistema, conceptual e analítico, que permita uma melhor accountability da actuação desenvolvida. Que permita aos associados da rede, aos artistas envolvidos, aos contribuintes destes municípios, aos fundadores, aos utentes, aos artistas que não são escolhidos, a quem financia e faz funcionar qualquer estrutura (e que para isso pode ter as mais variadas mo-tivações), a qualquer momento, ter uma noção dos diversos impactos verificados nestes diversos níveis, e que portanto, lhes permita, da melhor forma, informar as suas decisões, as quais, naturalmente não terão de se subjugar à ditadura dos indicadores daí decorrentes.

3. EPíLOGOPara concluir, importará apenas referir que este debate obviamente não acaba aqui. Este livro marca um momento que corresponde ao início da implementação do Plano Estratégico da ARTEMREDE e de uma rede de parcerias e colabora-ções com um conjunto de agentes culturais que se associaram a esse processo

munidades com quem interagem, nos territórios em que trabalham? Eu tenho consciência que este é um discurso que não é politicamente correto para muita gente dentro dos mundos da cultura, e partilho todas as preocupações que normalmente essas pessoas veiculam acerca de todos os problemas de uma hiper-legitimação do quantificado e do quantificável e da hiper-legitimação de ideias “produtivistas” em relação àquilo que deve ser a cultura. Serei o primeiro a subscrever tudo isso. Mas o que é facto é que também será fundamental para um decisor político ter instrumentos para legitimar a sua própria actuação política. E será fundamental para o artista, e será fundamental para o mediador cultural, e será fundamental para uma comunidade, perceber o que é que são os benefícios desta actividade, saber em que é esta sua actividade impacta na vida das outras pessoas, na sua própria vida, no património e capital cultural quotidianamente produzido e acumulado em cada território. Não estou a natu-ralmente aqui a assumir que o que interessará é medir o seu retorno ou impacto financeiro. Também pode ser medido, esse impacto financeiro (e eventualmente será o mais fácil), mas há impactos a todos os níveis que importa ter em conta, e que se traduzem numa melhoria da qualidade de vida e do bem estar das pes-soas que com essas obras ou criações contactaram, num valor cultural que se acrescenta e materializa num determinado campo artístico, ou na capacitação e empoderamento de um criador num dado aspecto criativo particular. Tudo isso é relevante e pode/deve ser tido em conta numa avaliação séria dos impactos de uma dada actividade cultural. Por tudo isso, e por muito avessos que nós possamos ser a todas as lógicas quantitativistas e a tudo quanto decorre em termos de estruturação de políticas públicas a partir daí, o que é facto é que este será um instrumento fundamental para aquilo que é o funcionamento de todos os agentes da cultura e que a ARTEMREDE terá também de o fazer. A proposta de John Holden, apresentada no cap. 4, considerando uma distin-ção daquilo que será o valor intrínseco, daquilo que será o valor instrumental, e daquilo que será o valor institucional, é uma proposta interessante (tal como várias outras que têm surgido), mas é uma proposta que, acima de tudo, nos permite distinguirmos aqui claramente aquilo que é a variedade do conjunto de impactos que devem (e podem) ser medidos. Desde os impactos mais individuais, associados àquilo que é a fruição que cada um de nós tem com determinada ex-

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CAPíTuLO 14

A ARTEMREDE: UM PROJETO CULTURAL A IMAGINAR O SEU FUTURO

Marta Martins 1 e vânia Rodrigues 2

1 Diretora Executiva da ARTEMREDE;2 Assessora Estratégica da ARTEMREDE

1. A ARTEMREDE – O PROjECTO E O PERCuRSO.Uma rede de municípios, uma associação de teatros, um catálogo de programação. Vontade política, projeto artístico, economia de escala. São múltiplas as visões sobre a ARTEMREDE e aquilo que o projeto pode representar para quem com ele se cruza. Seria possível acrescentar ainda palavras como resiliência, confiança (e desconfiança), solidariedade, diversidade, consenso, conflito… A ARTEMREDE é tudo isto simultaneamente e é esta complexidade e aparente contradição que a caracteriza e a fortalece. É um projeto em permanente construção, um desafio extraordinário de tentar alcançar o interesse mútuo para lá das tensões e das diferenças. Os seus dez anos de existência demonstram que é possível encontrar esse bem comum em torno do qual se juntam realidades e visões políticas, artís-

e partilharam da discussão a ele associada.Só por esse facto, a ARTEMREDE merece ser já felicitada, pelo debate que resultou deste processo, e pelos impactos que esta discussão já teve, seja no que concerne à forma como a rede mobilizará as conclusões desse debate para a sua própria actuação quotidiana e o seu futuro, seja também (e não será menos importante...) pelos impactos que este debate teve em cada um de nós, que nele participámos, naquilo que é a actuação quotidiana de cada um de nós, nos nossos variados campos de acção: seja como políticos, seja como investigadores, seja como criado-res, seja como programadores, a reflexividade resultante deste processo tem um impacto na nossa actuação de amanhã, que importa não subestimar e faz sentido valorizar. E, portanto, também por isso será de dar os parabéns à ARTEMREDE, por esta oportunidade de mobilização de todos em torno desta reflexão, e será de fazer votos para que esses impactos se reflictam no processo de planeamento estratégico em curso, o qual, naturalmente, como todos os processos de efectivo planeamento estratégico, não termina com o facto de se ter chegado a um va-lioso documento denominado “Plano Estratégico e Operacional da ARTEMREDE (2015-2020)” (do qual se dá conta no capítulo seguinte deste livro), mas antes se completa e mobiliza através desse mesmo documento. O plano em si será apenas um instrumento de um processo, dinâmico e adaptável, que se vai desenrolar e (re)construir durante os próximos anos. E é nesse processo que se joga o futuro da ARTEMREDE e a sua capacidade de ser um agente activo do desenvolvimen-to integrado dos territórios em que se move, à luz de políticas culturais que se esperam mais holísticas, transversais e consequentes.

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nhias. Para os programadores, é também uma fonte de conhecimento e acesso à atualidade da criação artística nacional (e internacional). No entanto, desde os primeiros anos que a ARTEMREDE assumiu também uma vertente produtora, em regime de produção própria ou de coprodução. Esta faceta tem permitido fortalecer a imagem do projeto, descolando-a de um catálogo de programação e conferindo-lhe ‘corpo’. Enquanto produtora, a ARTEMREDE faz uma escolha artística, coincidente com as prioridades estratégicas definidas internamente. Em dez anos, a ARTEMREDE proporcionou, em exclusivo ou como coprodutora, a criação de vinte espetáculos de teatro, dança, teatro de marionetas, música, novo circo e interdisciplinar. De 2005 a 2015 estas companhias e artistas, de referência ou jovens criadores, contribuíram de forma inequívoca para a qualifi-cação da programação da ARTEMREDE e para o crescimento do projecto: Teatro Meridional, Mundo Perfeito, Rui Lopes Graça, Lua Cheia, SUL, Madalena Victorino, Carlos Bica, Casa Conveniente / Mónica Calle, Jangada de Pedra / Aldara Bizarro, Metropolitana de Lisboa, Figuren Theater Tübingen, Circolando, mala voadora, Inês Barahona, Miguel Fragata, Costanza Givone, Teatro O Bando, Teatro do Vestido, Ainhoa Vidal e Teatro e Marionetas de Mandrágora. Neste conjunto bas-tante diverso de projetos, é incontornável destacar aquele que representou um ponto de viragem, não só na imagem externa da rede, mas sobretudo naquilo que ela passou a representar internamente: Vale, uma encomenda da ARTEMREDE à coreógrafa Madalena Victorino, foi criado em residência em quatro concelhos de áreas geográficas distintas do território da rede, inspirando-se nas memórias e nos costumes locais e dialogando com as comunidades ainda antes de estre-ar. Em cada local onde era apresentado, abria fendas na coreografia, para que nela pudessem entrar as populações. Nos sete meses de criação e circulação na ARTEMREDE (e, posteriormente, para além dela), este projeto criou raízes e despertou afinidades que ainda hoje se sentem. Depois do Vale, reencontramos reiteradamente os participantes locais noutros espetáculos e revemos os intér-pretes e criadores noutros projetos.

A malha de cumplicidades foi assim, densificando-se, alargando-se de políticos a programadores, de programadores a técnicos, de técnicos a artistas, de artistas a públicos. Por vezes abrem-se buracos, resultado de opções estratégicas, de

ticas, sociais e culturais distintas. Criada em 2005 como um instrumento de apoio aos teatros e cineteatros recente-mente reabilitados na Região de Lisboa e Vale do Tejo, cedo a ARTEMREDE elegeu duas áreas prioritárias de intervenção: a programação e a formação. Nesta última, desenvolveu sucessivos e completos planos de formação dirigidos aos profissio-nais de cultura dos seus municípios associados. Formou e qualificou equipas nas áreas de programação, técnica, serviços educativos, marketing e comunicação, planeamento. Ao fazê-lo, não só fez um investimento no desempenho profissional daqueles que constroem, representam e materializam a ARTEMREDE, como teceu uma rede de laços e de cumplicidades que consolidaram o projeto e o levaram para além da sua esfera de intervenção.

A programação, considerada a vertente principal de atuação da rede, consubstancia--se desde o primeiro ano através de um catálogo, construído com contribuições da direção executiva, dos programadores dos teatros associados e das companhias profissionais locais. Neste processo, do qual faz parte a receção de candidaturas por parte de companhias e artistas nacionais e internacionais, privilegiam-se a adequação das propostas aos diferentes interesses dos programadores munici-pais e às estratégias definidas pela ARTEMREDE, a capacidade de otimização de recursos pela integração numa lógica de rede, o acesso a projetos que acrescen-tem algo à programação individual. O catálogo de programação da ARTEMREDE não é uma “central de compras”, mas sim uma plataforma de encontro, partilha e conhecimento. Todos os anos, iniciamos o plenário de programadores para definir a programação da ARTEMREDE com a sensação de que um consenso final será quase impossível. As variantes são muitas: regras obrigatórias e que garantem prioridades definidas pela rede, tetos financeiros, mínimos de escolhas; e as lógicas de programação locais, a capacidade de investimento, o conhecimento e o interesse de cada um. No entanto, e passadas horas de discussão, negociação e compromisso, conseguimos sempre encontrar o tal denominador comum que justifica o esforço de adaptação.

A circulação em regime de acolhimento tem sido uma das faces mais visíveis do projeto, criando relevantes oportunidades de difusão para artistas e compa-

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teatros, de programadores entusiasmados, de uma bela viagem a França. E de-pois os tempos mais duros. Por isso, naquela conversa num café do Porto, ficou decidido: o caminho era em frente, ou não era caminho.

Desenhar o Plano Estratégico de uma rede cultural a viver dias complicados e num contexto de crise económica e social adivinhava-se uma tarefa árdua. Na cultura estava muita gente baralhada, empobrecida, exausta. Planear o quê? Desejar o quê? Em nome de que ideia de futuro? E mesmo que conseguíssemos convencer os membros da rede de que não iríamos anunciar o paraíso na outra esquina, nem integrávamos nenhuma comissão liquidatária, conseguiríamos trabalhar juntos?

Propusemos então que uma das etapas de elaboração do plano estratégico fosse um encontro de reflexão que era uma adaptação pouco ortodoxa de uma metodologia intitulada Future Search, que tem sido usada, um pouco por todo o mundo, em pro-cessos de planeamento, por organizações de diversos sectores e dimensões. Apesar de termos tido que fazer alterações importantes à proposta metodológica (desde logo, a redução da duração de três dias para um dia e meio), mantivemo-nos fiéis aos quatro princípios fundamentais em que ela assenta, e procurámos incorporá-los no encontro: (1) todo o sistema numa só sala, ou seja que discutíssemos o futuro da ARTEMREDE com pessoas e instituições de proveniências disciplinares e sectoriais diversas, e que não tivessem, necessariamente, um histórico de relações com a rede ou, sequer, com a cultura, criando condições para um debate pluriperspectivado e abrindo o horizonte epistemológico da ARTEMREDE; (2) contexto global para ação local, ou, por outras palavras, para pensar na ARTEMREDE é preciso olhar pela janela e considerar o que se passa lá fora, como é evidente. Por muito específica que nos pareça a sua missão, a atuação da ARTEMREDE é indissociável do contexto social, económico, político, demográfico, simbólico, em que opera; (3) foco no futuro e no que é partilhado, não nos problemas: uma discussão alargada, aberta, horizontal, propositiva, e não uma catarse coletiva. Pensar o futuro a partir de um impulso progressista, e não de uma listagem de insuficiências; e (4) autogestão e responsa-bilização, um encontro com um guião mínimo de instruções: sem ‘oradores’, apenas uma intervenção inicial, um conjunto de questões críticas, quatro facilitadores – e o resto do tempo livre para pensar e discutir. Um encontro mais de pessoas do

dificuldades inultrapassáveis ou de incompreensões. Quando isso acontece, a redefica mais pobre. Empobrece porque perde massa crítica, contraditório, diversidade; mas perde também pessoas-aliados, cúmplices e ativos construtores. Outros vão, no entanto, entrando e trazendo novos desafios, diferentes visões, abanam o edifício e não nos permitem acomodar.

É também esse o desígnio por trás deste Plano Estratégico: abanar o edifício, sair da zona de conforto, ousar ambicionar quando a tendência é encolher. O Plano Estratégico que adiante sucintamente se apresentamos (e que foi objecto de publicação autónoma – ARTEMREDE, 2015) é o resultado de um intenso trabalho de dedicação e de envolvimento da rede na projeção do seu futuro. Definem-se prioridades estratégicas, apresentam-se propostas de ação e assumem-se metas. Conclui-se que são seis os eixos estruturantes do projeto ARTEMREDE, seis palavras--chave, seis princípios: Território, Artes, Política, Cooperação, Sustentabilidade, Conhecimento. Estes são os pilares sobre os quais sustentaremos a estrutura da ARTEMREDE. Para conseguirmos construir aquilo a que nos propomos neste documento, precisaremos destas e de outras palavras-compromisso: empenho, segurança, investimento, criatividade, abertura, crescimento, participação. Precisaremos da rede, incluindo aqui os seus Associados (atuais e futuros) e de aprofundar e criar novas parcerias. Mas necessitaremos, também, de um quadro favorável ao investimento na cultura e nas artes como peças elementares de uma cidadania ativa e construtiva e sustentáculos de uma sociedade democrática.

2. PENSAR O FuTuRO – O COMPROMISSO COM O PLANEAMENTO ESTRATÉGICO

Beginnings are always messy6

Como quase todos os planos, começou num café. Um papel cheio de rabis-cos, frases soltas e pontos de interrogação. Uma longa conversa. Conhecemos a ARTEMREDE desde o início, lembramo-nos de grandes transformações nos

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6 A expressão é de John Galsworthy, roubámo-la.

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democrático que a sustenta.Termos decidido elaborar um plano até 2020 significa necessariamente rever expe-tativas relativamente à capacidade prospetiva ou à longevidade deste exercício de planeamento. Não são as suas capacidades adivinhatórias que deverão importar, mas a sua capacidade de projetar um planeamento estruturado, que responda a ambições de grande alcance e compreenda as suas necessidades temporais de sedimentação.

Planear é imaginarÉ um exercício sempre estranho, o de traçar linhas de ‘intervenção prioritária’ e de-finir ‘indicadores de sucesso’. Não é possível fazê-lo sem imaginar um futuro em que esses detalhes técnicos fazem sentido porque as coisas estão a acontecer, porque o futuro entretanto se materializou nalguma coisa mais ou menos parecida com o que imaginámos. Para nós, isso é uma rede inteligente, aberta, cooperante, em que os teatros têm uma programação que é um festim e estão cheios de amigos. Isto passa-se, claro está, num país que já não tem dois milhões de pessoas em risco de pobreza e que tem um ecossistema cultural solidário e vibrante.

“Não adianta tentar - afirmou ela. - Não se pode acreditar em coisas impos-síveis. (Alice)- Eu diria que não tens treinado muito - retorquiu a Rainha. - Quando eu era mais nova, treinava sempre meia hora por dia. Ora, às vezes chegava a acreditar em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço” (in Alice do outro lado Espelho: Carrol, 1978, p.70).

3. PLANO ESTRATÉGICO E OPERACIONAL DA ARTEMREDE (2015-2020)

O Plano Estratégico da ARTEMREDE que a seguir resumidamente se apresenta8 elenca 10 prioridades de intervenção estruturadas em torno de seis eixos funda-mentais: Cooperação, Conhecimento, Política, Território, Artes e Sustentabilidade. Apresentam-se, sucintamente, as 10 prioridades estratégicas definidas este Plano:

que de especialistas.Optámos pelo puzzle, porque as grandes palavras já não nos servem7

Um dos pressupostos do processo de planeamento estratégico foi colocar em causa, à partida, a coerência conceptual da ARTEMREDE, propondo, com a mesma curiosidade com que uma criança desmonta um brinquedo, que a desmontásse-mos em quatro partes, quatro formas de entendimento, quatro pontos de tensão. O que nos movia eram perguntas como: o que acontece se olharmos para a ARTEMREDE como um projeto eminentemente político? Que implicações decor-rem de estruturarmos a ARTEMREDE como um instrumento de desenvolvimento económico regional? Até que ponto ela é relevante do ponto de vista artístico? Será diferente de outras associações de outras áreas? E por aí fora, num exercício de formulação de perguntas em cascata, de observação de fragmentos.

Sabíamos, naturalmente, que a ARTEMREDE era a combinação de todas estas perspetivas (e outras tantas). Mas talvez tenha havido vantagens nesse artifício de ‘desmontagem’: desde logo, ter-nos permitido pensar em profundidade - abandonando, por uns momentos, a tentativa de abarcar a total complexidade da ARTEMREDE; por outro lado, ter-nos obrigado a aceitar que essas quatro perspetivas são complementares mas, também, necessariamente, conflituantes; e, finalmente, porque as peças estavam agora soltas, ter-nos lançado num desafio de tornar a juntá-las, e traduzi-las num projeto de futuro.

Planear é escolherIndiscutivelmente, no contexto atual, a nossa capacidade de agir diminuiu drasti-camente. Os nossos projetos e ambições, todos eles, são fortemente condicionados pelo contexto de desinvestimento e de incerteza. Mas o mais assustador legado destes tempos de ‘crise’ e ‘austeridade’ não é a ausência de recursos para agir mas a sua capacidade de limitar, por vezes até paralisar, a nossa capacidade de pensar. Esperamos, que possam ver no desenho final do Plano Estratégico o fio condutor de um pensamento exigente (que não se resuma a ‘planear o futuro possível’), e uma tentativa de projetar o futuro da ARTEMREDE no quadro do mandato

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7 A expressão é de Toni Puig, roubámo-la. 8 Documento integral disponível para consulta na sua versão livro: ARTEMREDE (2015)

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alargar a base social dos públicos da cultura;

• Existe uma política de preços diversificada e acessível visando tendencial-mente o fim da gratuitidade;

• Os equipamentos culturais do município são dotados de equipas técnicas suficientemente habilitadas para desenvolverem as funções que lhe estão atribuídas, nomeadamente nas áreas de programação, produção e técnica, áreas nas quais deve ser evitada a sobreposição de funções;

Neste desígnio de aprofundamento do potencial político e democrático que a ARTEMREDE corporiza, será também iniciada a organização, anual, de um Fórum Político: uma reunião de autarcas que analise, discuta e possa vir a contribuir para influenciar as decisões políticas e estratégicas na área cultural, da gestão autárquica e da formulação e implementação de políticas públicas.

A ARTEMREDE congrega os esforços de um número não despiciendo de autarcas, representando um conjunto alargado de cidades e regiões cuja soma populacional é significativa no contexto nacional. No seguimento do Plano Estratégico em curso, a ARTEMREDE ambiciona ter uma incidência territorial ainda mais pronunciada, aumentando o número de membros e de parceiros. Nesse sentido, considera-se importante aproveitar essa representatividade – a existente e a ambicionada – e, por isso, lança um Fórum Político. Este Fórum visa analisar e debater as-suntos políticos relevantes, criando um espaço – na sempre preenchida agenda de um autarca – para o desenvolvimento, entre pares, do pensamento político e o intercâmbio de ideias e práticas políticas e de gestão municipal. Trata-se, igualmente, de favorecer o empenho e envolvimento do sector político no projeto da ARTEMREDE, bem como de valorizar o pensamento e a reflexão, numa época caracterizada por alguma erosão da esfera pública de debate.

2. Integrar estratégias de desenvolvimento territorialA ARTEMREDE está a operar um reposicionamento deliberado: a evoluir de uma rede de teatros para um projeto de cooperação cultural que se entende a si próprio como um pivot da inovação social nos territórios concretos em

1. Inscrever a cultura no centro das políticas governativasA ARTEMREDE tem um histórico muito relevante de cooperação e trabalho em rede na cultura, entre executivos municipais de diferentes filiações político-partidárias. Está plenamente consciente da importância de garantir o aprofundamento dessa tradição de cooperação, e da necessidade de passar do discurso à prática no que à centralidade da cultura diz respeito, pelo que propõe um aprofundamento da sua dimensão política. Desde logo, através de uma Carta de Compromisso, que traduza princípios orientadores e compromissos concretos de política e gestão cultural, subscrita por todos os atuais Associados e que será condição de filiação para os futuros membros.

A Carta de Compromisso não tem, porém, a pretensão de apresentar um novo conjunto de princípios de política cultural, nem, por outro lado, de ser um agre-gador de boas intenções. Pretende antes dialogar com os documentos de política e reflexão já existentes e adotar criticamente as melhores práticas no campo da política cultural, adequando-as às especificidades das dinâmicas culturais do território da ARTEMREDE.

A elaboração da Carta de Compromisso será precedida da adesão à Agenda 21 da Cultura, e incorporará os seus princípios. A ARTEMREDE será a primeira rede cultural de municípios em Portugal subscritora dos compromissos da A21C. A Carta de Compromisso da ARTEMREDE incluirá estes princípios e princípios de governança que decorrem da experiência e especificidade da ARTEMREDE. Para além disso, assumirá claramente compromissos concretos a serem implemen-tados pela ARTEMREDE e por cada município que a compõe.

De forma não exaustiva, referem-se alguns aspetos que serão incorporados na Carta de Compromisso:

• Todos os municípios da ARTEMREDE têm um pelouro da cultura e uma dotação orçamental própria para o sector cultural;

• Os equipamentos e espaços culturais definem estratégias consistentes para

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rede (as mais óbvias e as mais invisíveis).É fundamental que esse estudo garanta que a ARTEMREDE, após todo o inves-timento que realizou e que está subjacente às orientações estratégicas venha a estar em condições de:

• dar aos associados a perspetiva e a amplitude do que estão efetivamente a ganhar;

• dar aos eventuais associados a perspetiva do que podem usufruir se aderi--rem à rede;

• fornecer ao país uma aproximação ao valor e impacto real de um projeto como a ARTEMREDE;

Dada a pertinência desta matéria no contexto da ARTEMREDE mas também da sua inquestionável relevância no contexto das políticas culturais nacionais, este trabalho complexo terá de incluir o Return on Investment, equacionando os resul-tados e os impactos, não apenas no campo económico e financeiro, mas em todas as componentes do desenvolvimento. Isto é particularmente importante quando a atividade da ARTEMREDE se posiciona desta forma – para ser consequente, a ARTEMREDE tem de assumir o seu contributo para o desenvolvimento, e não medir apenas retorno e impactos no campo cultural (e muito menos exclusiva-mente na apresentação de espetáculos), mas os impactos a todos os níveis onde a sua atividade tem reflexo;

3. Qualificar a atividade cultural dos seus AssociadosA programação da ARTEMREDE assume como princípios orientadores a vocação de serviço público, a formação de espírito crítico, a educação para a cidadania e a promoção da criatividade e da criação artística. O cumprimento destes prin-cípios depende da existência de uma programação regular, continuada, de cariz profissional, onde se incluam diferentes disciplinas artísticas e a interdisciplina-ridade. A ARTEMREDE sublinha, assim, como eixos principais de investimento na programação:

• a produção própria e as coproduções

• a circulação de projetos artísticos em regime de acolhimento

que atua.Partindo portanto da premissa de que a partir da cultura se pode adequada-mente refletir acerca das políticas de desenvolvimento, coesão e planeamento, a ARTEMREDE propõe-se integrar as Estratégias de Desenvolvimento Local desenvolvidas no seu território de atuação. Defende uma efetiva integração das políticas públicas e de articulação intersectorial, tema do segundo painel da tarde. A experiência acumulada de dez anos de trabalho em rede adverte no entanto para o facto de a conceção e implementação de estratégias integradas de desenvolvimento territorial só ser passível de ser bem-sucedida se for concertada ao nível intermunicipal (aquele em que a ARTEMREDE opera), suficientemente forte para ultrapassar divergências partidárias ou ideológicas (algo em que a ARTEMREDE tem uma sólida experiência) e baseada em parcerias genuínas (isto é, que juntam pessoas e instituições com necessidades estratégicas convergentes e vontade de trabalhar juntas).

Esta necessidade de articulação intermunicipal e intersectorial tem sido apontada como fundamental no quadro do Portugal 2020 que reúne a atuação dos cinco Fundos Europeus e no qual se definem os princípios de programação que consa-gram a política de desenvolvimento económico, social e territorial a promover, em Portugal, entre 2014 e 2020. A territorialização das intervenções é uma das prioridades assumidas neste contexto, pelo que o capital acumulado, a abrangência geográfica, a aposta no fator distintivo da cultura e até a experiência de gestão e execução de fundos comunitários coloca, no nosso entender, a ARTEMREDE extraordinariamente bem posicionada para integrar estratégias integradas de desenvolvimento, em articulação com os agentes regionais e os parceiros locais.

Para além disso, iremos realizar um Estudo de Impacto da ARTEMREDE. Na se-quência deste processo de planeamento estratégico, e do reposicionamento daí resultante com novas áreas de intervenção, surge como prioridade inequívoca para os anos que se seguem o estudo do impacto da ARTEMREDE na dinâmica cultural dos seus Associados, bem como a reformulação da fórmula de cálculo do retorno do investimento dos associados, atuais e futuros, introduzindo métricas de aferição do impacto e do retorno consentâneas com o leque de atividades da

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a produção de projetos comunitários ou que tenham uma efetiva intervenção nos territórios. Entende-se por projetos comunitários, não necessariamente aqueles que chamam amadores para o palco ou que com eles partilham a autoria artística, mas, sobretudo, aqueles que promovam canais de comunicação e participação, que coloquem as pessoas no centro da discussão e que lhes confiram poder: de decidir, de voltar, de não participar, de criticar, de reivindicar…

Esta escolha representa uma aposta na participação das populações na vida cul-tural como elemento indissociável de construção de uma sociedade democrática e próspera, assim como um reconhecimento dos teatros como equipamentos públicos de proximidade, com um capital de confiança das comunidades que importa não desperdiçar.

A aposta em projetos integrados, que estimulem a experimentação artística, o pensamento crítico, o conhecimento e a aproximação às artes e reforcem a par-ticipação dos agentes culturais locais é, assim, assumida pela ARTEMREDE como uma prioridade estratégica. Por outro lado, o território onde a ARTEMREDE atua é social e culturalmente distinto. O conhecimento desse território e a constituição de parcerias locais são, assim, elementos essenciais para o cumprimento dos ob-jetivos a que a ARTEMREDE se propõe. Neste sentido, uma relação de proximidade e confiança com os programadores e equipas dos teatros e de outros equipamentos culturais integrantes da ARTEMREDE é fundamental, pelo que esta relação será reforçada pela participação mais intensa dos programadores na construção da programação da ARTEMREDE. Este reforço passa, a partir de 2016, pela definição de um discurso temático anual, inspirador de parte das propostas programáticas, que pretende potenciar a reflexão, o conhecimento e a atualidade da programação da ARTEMREDE. A proposta de ideias que concorram para a definição do discurso temático anual lançará um conjunto de questões associadas que permitam a re-flexão interna. A apropriação pelos programadores permitir-lhes-á sugerir linhas de desenvolvimento do conceito, desenhar propostas artísticas de exploração e, finalmente, suportar as suas escolhas de programação da ARTEMREDE.

Mais do que criar um tema que unifique a programação da ARTEMREDE, neces-

• os projetos Comunitários e os projetos integradosE lança, pela primeira vez, um programa anual de Residências Artísticas, tendo em conta, entre outros fatores, o facto de agregar, em 2015, 20 teatros e 110 espaços não convencionais de apresentação de espetáculos. Tendo também em conta que existe uma procura intensa, por parte de companhias e artistas, de espaços qualificados para ensaiar e criar os seus projetos. Portanto, para além de fazer uso do enorme potencial de espaços equipados e disponíveis, esta iniciativa pretende ainda apoiar a criação artística e os novos criadores; dinami-zar a economia local e aproximar artistas e comunidades, proporcionando aos públicos locais o acesso a algo que normalmente lhes é vedado - o processo de construção do objeto artístico.

4. Reforçar os laços da cultura e das artes com o território e a populaçãoA ARTEMREDE considera que as artes e a cultura têm um papel fundamental na construção da cidade e da cidadania, no reforço do sentimento de pertença às comunidades e na promoção do bem-estar-social. Para que esta premissa se concretize, é essencial encarar a programação cultural na perspetiva da mediação, não se bastando na relação artista-público e no mero acolhimento de propostas artísticas. Os projetos comunitários que se inscrevem num determinado território têm a faculdade de se ancorarem no imaginário dessas populações e de apelarem à ideia de uma memória social e cultural que contribui para o bem-estar coletivo e para a fixação de populações. Para isso importa apostar em projetos inovadores, que não tentem repetir fórmulas gastas mas que façam efetivamente a diferença nos territórios por onde passam.

Esta ideia de inscrição no terreno é algo muito acarinhado pela ARTEMREDE nos últimos anos e que agora se afirma, no âmbito do plano estratégico 2015-2020, como peça central de uma atividade que pretende contrariar a velocidade e a leveza de alguns discursos e práticas (artísticos e não só) em favorecimento da vivência atenta, lenta e enraizada, capaz de deixar lastro e criar afetos.

Neste sentido, a ARTEMREDE elege como prioridade, na área da criação artística,

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a atenção que a rede dará à manutenção de um projeto de cooperação governável e sustentado, cuja relativa concentração geográfica permita um efetivo e autêntico trabalho conjunto. A ARTEMREDE tentará sempre alcançar um equilíbrio entre as várias regiões, uma vez que assume como corolário da sua missão contribuir para a correção das assimetrias regionais e a coesão social.

• O crescimento (em número de membros) será feito numa lógica de densifi-cação, de agregar instituições e parceiros de diferentes perfis, que atuam no mesmo território, constituindo o território um elemento federador.

A adesão à ARTEMREDE poderá realizar-se, a partir de agora, através de duas categorias:

• Membros efetivos: municípios, cuja participação no projeto implica o paga-mento de quotas anuais

• Membros Associados: entidades nacionais ou internacionais de diversas áreas e perfis, que não municípios, que se envolvem em projetos ou programas de longo prazo (mínimo dois anos)

A participação dos Membros Associados na ARTEMREDE poderá acontecer através de duas opções:

• Troca de serviços / benefícios (nos campos da programação, formação, financiamento, entre outros);

• Pagamento de uma quota anual, definida no âmbito do acordo de colaboração.

6. Garantir a sustentabilidade económica da ARTEMREDENão pode, em bom rigor, dissociar-se esta área das restantes, pois só a conjugação de todas as estratégias e iniciativas, e o seu sucesso combinado, pode garantir, a médio prazo, a sustentabilidade económica da ARTEMREDE. Todavia existem medidas objetivamente tomadas no sentido de assegurar condições económicas favoráveis ao cumprimento da missão da ARTEMREDE, nomeadamente:

• A diversificação dos seus meios de financiamento e a evolução progressiva do seu respetivo peso orçamental

sariamente diversa de município para município, é importante criar um estímulo intelectual que permita a sua desagregação através de múltiplas abordagens artísticas, educativas, cívicas ou outras, seja no campo da programação da ARTEMREDE seja na programação local de cada equipamento ou município.

5. Abrir a ARTEMREDE ao exterior e crescer de forma criteriosa e governávelAo ter decidido, em meados de 2014 em Oeiras, discutir o seu futuro num encontro de reflexão estratégica com a participação de convidados externos e de áreas diversas, a ARTEMREDE deu um passo irreversível em direção a uma maior aber-tura ao exterior e a uma mais profunda colaboração intersectorial. Em resultado disso, a ARTEMREDE:

• Decide aproximar-se do tecido económico regional (com uma série de ini-ciativas, a primeira das quais será um Concurso de Ideias)

• Decide reformular o seu sistema de quotas e desenha uma estratégia de alar-gamento, criando uma nova tipologia de membros (os membros associados)

O Plano Estratégico constitui, em si mesmo, o mais determinado contributo para o crescimento da ARTEMREDE. São as suas ambições e as suas propostas concretas que se quer que constituam um fator de interesse para os municípios e os parceiros que até agora não tinham ainda considerado aderir à ARTEMREDE.

Mas existem, naturalmente, prioridades:

• O crescimento (em número de membros) será governável: far-se-á, priori-tariamente, dentro do território que corresponde sensivelmente à atual área geográfica de atuação. A intenção é consolidar a matriz territorial identitária da ARTEMREDE, isto é, crescer tendencialmente dentro das referências geográficas aproximadas do eixo constituído pelas cidades de Leiria-Elvas-Sines, privilegiando uma incidência territorial forte. O polígono constituído por estas cidades não constitui, em si mesmo, uma fronteira: antes uma indicação das prioridades eletivas que a ARTEMREDE perseguirá nos anos imediatos. Com efeito, não se exclui a hipótese de inclusão de um ou outro membro que esteja fora do referido polígono, apenas se sublinha

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permitirá viabilizar, ampliar e aprofundar a sua intervenção.A terceira estratégia de sustentabilidade económica e de aumento da robustez financeira é a criação dos grupos de missão cultura e planeamento. A decisão de propor aos Associados a criação de grupos de missão especializados nas áreas de planeamento e gestão de fundos comunitários, compostos por elementos das estruturas técnicas das autarquias, assenta, fundamentalmente no objetivo de aumentar o número de candidaturas a financiamento público; na importância de, neste quadro, promover um alargamento da posição da rede para “instrumento estruturante do desenvolvimento cultural dos territórios”, o que implica uma visão mais abrangente do seu papel (e do das próprias atividades culturais) no desenvol-vimento territorial, e portanto, uma colaboração interdepartamental acrescida; e na necessidade de ganhar know-how específico, que os departamentos/divisões (essencialmente culturais) envolvidos na ARTEMREDE como representantes dos associados não detêm, e ao agregar essas áreas de saber distintas em projetos e objetivos comuns, constituir-se efetivamente como uma rede inteligente.

7. Melhorar a governança e o planeamento estratégico Dois novos órgãos traduzem as novas responsabilidades da ARTEMREDE e melho-ram os seus mecanismos de governança, tornando-os mais abertos e participados: o Conselho Consultivo e a Comissão de Acompanhamento.

A Comissão de Acompanhamento será responsável pela monitorização e avaliação do Plano Estratégico.

No Conselho Consultivo terão assento profissionais nacionais e estrangeiros, de reconhecido mérito. Os seus membros cumprem mandatos temporais de dois anos, podendo tal duração máxima ser prolongada a título excecional. O Conselho Con-sultivo é um órgão permanente da ARTEMREDE, não remunerado, que reúne duas vezes por ano e pode emitir recomendações para análise e consideração interna. Com o Conselho Consultivo, a ARTEMREDE pretende forjar laços com outros seto-res da sociedade, com outras redes e países, detetar atempadamente tendências de desenvolvimento e necessidades sociais emergentes, inspirar-se e afirmar-se

• O aumento do número de candidaturas a projetos e programas de financia-mento, parcialmente suportado na criação dos Grupos de Missão Cultura e Planeamento

• O lançamento de uma estratégia global de mecenato

Esta é porventura a área mais dependente de uma análise detalhada que não é possível condensar neste texto, pelo que faremos apenas alguns apontamentos:

• Relativamente aos meios de financiamento – as decisões concentram-se sobretudo do lado da receita – é esse que importa transformar decisivamente, já que do ponto de vista dos seus custos de funcionamento, a ARTEMREDE apresenta um quadro bastante moderado.

• Preparou-se um quadro de investimento e previsão orçamental plurianual, que identifica as necessidades de investimento e antecipa prioridades de financiamento. No orçamento previsional de 2017, o nº de fontes de finan-ciamento passa de 4 para 7, uma vez que o objetivo de diversificação de fontes de financiamento é explicitamente assumido e tão importante quanto o crescimento gradual do orçamento global;

• Criou-se um novo modelo de quotas, que assenta numa lógica modular, segundo a qual, para além de uma quota-base, garante do funcionamento e da alavancagem económica da rede, existem módulos de quotas que cada município subscreve anualmente, de acordo com o seu perfil cultural e a sua estratégia específica para a cultura.

E, para além, disso, conceber e implementar uma estratégia global de mecenato. Esta estratégia de mecenato surge no momento certo: ao completar 10 anos de existência, a ARTEMREDE consolidou a sua identidade, provou a sua resiliência, construiu um capital simbólico de qualidade e perseverança e afirmou-se como um instrumento estruturante de desenvolvimento cultural dos territórios. Para além disso, a ARTEMREDE inicia este ciclo com uma vontade inequívoca de se abrir ao exterior, e de crescer em número de Associados. Tal como existe em 2015, a ARTEMREDE tem já um potencial de ativos extenso: 13 municípios, 20 teatros, 110 espaços culturais, 17 ecrãs de cinema, praticamente 1 milhão de habitantes. Concretamente, a ARTEMREDE propõe-se constituir um Fundo Mecenático, que

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9. Desenvolver iniciativas de formação especializada e de aprendizagem contínuaUm dos eixos de intervenção permanente da ARTEMREDE, desde a sua criação, foi a formação profissional e qualificação dos técnicos ao serviço dos teatros municipais. Esta vocação da ARTEMREDE era uma indicação que vinha desde o estudo-base que precedeu a sua constituição, e veio a ser uma das atividades regulares com mais expressivo retorno para os seus Associados, bem como para a consolidação de uma efetiva cultura de rede. O balanço do investimento realizado na qualificação dos profissionais a trabalhar nos teatros associados é notoriamente positivo e esta é uma área em que, desejavelmente, uma rede com as características da ARTEMREDE deverá sempre, quererá sempre, investir. É um dado inequívoco, portanto, que tanto os planos de formação estruturados, do campo da gestão às áreas técnicas, como as iniciativas de formação mais pontuais e/ou especializadas são requisitos de qualificação permanente da AR-TEMREDE e que as relações pessoais e o conhecimento mútuo aprofundado que os momentos de aprendizagem proporcionam constituem a base de sustentação efetiva de qualquer rede. Por isso mesmo, no atual Plano Estratégico esta área mantém-se como área de intervenção prioritária, embora se reconfigure, face tanto às necessidades internas como ao novo quadro de financiamento disponível para esta área. Não descartando embora a hipótese de se encontrarem possibili-dades de cofinanciamento adequado nos fundos nacionais ou comunitários, mas sabendo das limitações na sua aplicabilidade ao sector da cultura, a ARTEMREDE vai encarar o desafio de encontrar um modelo alternativo de financiamento da formação como um desafio transversal a todo o sector cultural e que, bem assim, terá uma melhor resposta no quadro de uma atuação em parceria. Constituem-se, assim, opções estratégicas da ARTEMREDE:

• Selecionar parceiros qualificados para o desenvolvimento de formação, entendendo-se essa parceria em todo o ciclo do processo, isto é, da construção de conteúdos à procura conjunta de financiamento, nacional ou comunitário;

• Adotar um modelo híbrido de formação: a ARTEMREDE pode organizar autonomamente ações de formação, exclusivas para os seus Associados ou com vagas disponíveis para parceiros; ou pode integrar iniciativas de

como espaço democrático de cooperação. Este Conselho Consultivo poderá aconselhar a ARTEMREDE relativamente ao seu rumo estratégico, em estreita ligação com as prioridades definidas no Plano Estratégico 2015-2020, propor a implementação de projetos especiais e a sua incorporação nos objetivos estratégicos da ARTEMREDE; discutir e propor à ARTEMREDE a consideração de tendências, modelos e conceitos das várias áreas de saber representadas no Conselho Consultivo: Programação cultural e artística; Educação, Formação e Ensino; Ordenamento do Território; Turismo; Economia; Ciência; Ação Social; Desenvolvimento Local e Ambiente e Pensamento.

8. Implementar uma estratégia de comunicação mais ágil, acessível e de notoriedadeAs ambições plasmadas no atual Plano Estratégico serão acompanhadas por uma estratégia de comunicação renovada, que promova a imagem do projeto ao nível local, regional, nacional e, em menor escala, internacional; que fomente o reconhecimento da marca ‘ARTEMREDE - Juntos mais Fortes’; e que facilite o acesso a informação de forma eficaz e responsável.

Paralelamente a este esforço de promoção da visibilidade e notoriedade da ARTEMREDE, impõem-se outras três linhas de atuação:

• o ajustamento progressivo da imagem da ARTEMREDE ao seu novo posicio-namento estratégico e à amplitude da sua intervenção (os Teatros como âncora de desenvolvimento, e não como foco exclusivo);

• o reforço da relação com os canais locais e regionais e um maior envolvi-mento dos Associados na divulgação dos projetos ARTEMREDE de forma a produzir um efeito disseminador mais evidente nos territórios de atuação da associação;

• a convergência dos meios e estratégias de comunicação da ARTEMREDE com o novo paradigma digital, deslocando gradualmente a centralidade dos meios tradicionais para os meios digitais.

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O processo de internacionalização da ARTEMREDE acontecerá de forma progres-siva ao longo dos próximos seis anos, pelo que é previsível que existam ajustes ao que agora aqui se propõe; no entanto, ficam definidas, desde já, três prioridades que deverão nortear as decisões da ARTEMREDE no que a projetos internacionais diz respeito.

• A primeira prioridade deverá ser o acesso a programação internacional de reconhecida qualidade;

• A segunda prioridade deverá estar relacionada com as oportunidades de formação contínua,

• A terceira prioridade privilegia projetos de cooperação inter-regional.

O FuTuRO SERá ASSIMEstas são as 10 decisões da ARTEMREDE, que entendemos que respondem aos desafios internos e externos à rede. Ameaças como a conjuntura económica adversa ao investimento público e privado no setor cultural e a ausência de um espaço de reflexão política para a procura de estratégias integradas de resolução dos problemas dos territórios e das populações impelem a ARTEMREDE a integrar as Estratégias de Desenvolvimento Local; a criar os Grupos de Missão Cultura e Planeamento e a redigir uma Carta de Compromisso; a propor a realização de um Estudo de Impacto ou a lançar uma Estratégia Global de Mecenato. Decidir continuar a promover a qualificação da atividade cultural dos seus Associados implica combater o retrocesso na ousadia das suas programações culturais e garantir que os projetos artísticos se inscrevem de forma duradoura no ter-ritório. Densificar a rede significa estabelecer parcerias que contribuam para a sustentabilidade do projeto e que viabilizem a sua implementação a nível local e regional. Assumir-se como um fator de coesão social nos territórios onde opera, e como um projeto que contribui inequivocamente para a correção das assimetrias regionais que aprofundam a desigualdade em Portugal.

formação (profissional, académica, de especialização) de outras entidades e instituições. Entende-se que o melhor posicionamento da ARTEMREDE é aquele que conjuga estas duas possibilidades.

Do ponto de vista dos conteúdos, a ARTEMREDE pretende focar a sua aposta forma-tiva em duas grandes áreas de especialização, que correspondem às duas áreas que assumem maior importância na sequência do recente reposicionamento estratégico:

• a programação e a mediação cultural, i.e., tudo o que é relevante do ponto de vista da formação de públicos, do trabalho com as populações, da participa-ção, das estratégias artísticas, educativas e de comunicação, mas também tudo o que indiretamente sustenta e influencia a atividade de programar: a reflexão em torno das questões que atravessam o mundo contemporâneo, temas filosóficos, estéticos e políticos, pensamento crítico e crítica de arte.

• a cultura como fator de desenvolvimento territorial, i.e., todo o saber teórico e técnico que contribua ou derive da formulação e implementação de políticas públicas que tenham na cultura um fator primordial, isto é, todas as áreas de conhecimento que beneficiam da intersecção das políticas e atividades culturais com outras áreas de intervenção pública (o planeamento e orde-namento do território, a educação, a ação social, o ambiente, o turismo…)

10. Desencadear um processo de internacionalizaçãoA dimensão geográfica abrangida pela ARTEMREDE, a sua longevidade enquanto rede de programação e a inevitável interdependência a que o sector cultural está atualmente sujeito, tornam facilmente evidente a necessidade de desencadear um processo de internacionalização. O facto de essa aposta ser, portanto, bastante óbvia não significa que não careça de ponderação estratégica e de um cuidado planeamento. Para a ARTEMREDE, é fundamental que esse processo abranja os seis anos do presente Plano Estratégico, permitindo clarificar os objetivos e as expectativas da internacionalização, desenvolver parcerias genuínas e sustentá-veis, adquirir conhecimentos, competências e ferramentas de trabalho úteis para o trabalho em projetos bilaterais e multilaterais, e garantir que os mesmos são efetivamente relevantes para os territórios que envolve.

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NOTAS BIOGRáFICAS DOS AuTORES

AMÉLIA PARDAL Amélia Pardal, é atualmente vereadora na Câmara Municipal de Almada, com os pelouros das Obras, Planeamento, Administração do Território, Desenvolvimento Económico e Arte Contemporânea. Licenciada em História pela Faculdade de Letras de Lisboa e pós-graduada em Gestão Cultural nas Cidades pelo ISCTE/INDEG. Técnica superior e dirigente na C.M.Almada, desde 1995, é vereadora desde 2009. É membro do Conselho Diretivo da Associação de Municípios da Região de Setúbal com a responsabilidade da coordenação do grupo de trabalho dos Vereadores da Cultura.

ANTóNIO MATOS António Matos é atualmente Presidente da ARTEMREDE, e vereador da Educação, Cultura, Desporto e Juventude da Câmara Municipal de Almada. Professor efetivo do Ensino Secundário (área da mecânica), foi vereador da Câmara Municipal do Seixal, com os Pelouros da Educação, Cultura e Desporto (1982-1989) e na Câmara Municipal de Almada, com os Pelouros da Educação, Ação Sociocultural e Des-porto (1989-2013), bem como os serviços de Turismo e de Informação (1993-2013).

ANTóNIO PINTO RIBEIRO António Pinto Ribeiro, formado em Filosofia, Ciências da Comunicação e Estudos

Silva, A. S. (1995), “Políticas culturais municipais e animação do espaço urbano. Uma análise de seis cidades portuguesas” in Santos, M. L. L. (coord.), Cultura e Economia - Actas do Colóquio realizado em Lisboa - 9 Abril 1994, Lisboa: ICS-UL Silva, A. S. (1997), “Cultura: das obrigações do Estado à participação civil”, Sociologia - Problemas e Práticas, nº23, 1997, pp. 37-48Silva, A. S. (2000), Cultura e Desenvolvimento: Estudos sobre a Relação entre Ser e Agir, Oeiras: Celta.Silva, A. S. (2003) “Como classificar as políticas culturais? Uma nota de pesquisa”. In OBS, nº 12, OAC.Silva, A. S. (2007), “Como abordar as políticas culturais autárquicas? Uma hipótese de roteiro”, Sociologia, Problemas e Práticas 54: pp. 11–33.Silva, A. S.; Babo, E. P.; Guerra, P (2013), “Cultural policies and local development: The Portuguese case”, Portuguese Journal of Social Science, Vol 12, nº2, pp 113-131.Silva, A. S.; Babo, E. P.; Guerra, P (2015), “Políticas culturais locais: Contributos para um modelo de análise”, Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 78, 2015, pp. 105-124.Silva, A.S., Babo, E. P., Santos, H., Guerra, P. (1998), ‘Agentes culturais e públicos para a cultura: Alguns casos ilustrativos de uma difícil relação’, Cadernos de Ciências Sociais 18: pp. 67–105.Subirats, J. (2011), Otra sociedad, ¿otra política?, Barcelona: Icaria.Subirats, J., Fina, x., Barbieri, N., Partal, A., Merino, E. (2009). El retorn social de les polítiques culturals. Barcelona: Departament de Cultura i Mitjans de Comunicació. Subirats, J.; Blanco, I. (2009), “¿Todo lo urbano es social y todo lo social es urbano?: dinámicas urbanas y dilemas de políticas públicas”, Medio ambiente y urbanización, 70, 1, pp. 3-13.Urfalino, P. (1996). L’invention de la politique culturelle. Paris: Hachette.Valery, P., (1952), Charmes. Paris: Gallimard.Wu, C. (2007), Privatizar la cultura, Madrid: Akal.

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em conferências internacionais sobre a temática.LuíS COSTA Luís Costa é curador, programador, editor, documentarista e artista sonoro. Coordenador da Binaural/Nodar (S. Pedro do Sul) um projeto cultural que atua no contexto rural dos maciços da Gralheira, Arada e Montemuro, onde são desen-volvidos e acolhidos desde 2006 projetos de documentação, reflexão e expressão contemporâneas, cruzando vivências quotidianas, criação artística sonora/media e pesquisa territorial e social.

MARTA MARTINSLicenciada em Direito (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), tem uma Pós-Graduação em Gestão Cultural nas Cidades (INDEG/ISCTE) e o Mestrado em Estudos de Cultura (Faculdade de Ciências Humanas / Universidade Católica Portuguesa). Colaborou com a Câmara Municipal de Lisboa, com a Associação Cultural Os Filhos de Lumière e com a Quaternaire Portugal. Desde 2005 que trabalha na ARTEMREDE, sendo Diretora Executiva da Associação desde 2010.

MARTA PORTOMarta Porto é jornalista e autora de livros de ensaios. Curadora de espaços, programas culturais e exposições artísticas, tem atuado como consultora no desenvolvimento de políticas e programas de gestão cultural e de comunicação pública.

NICOLáS BARBIERINicolás Barbieri é Doutorado em Ciência Política. É professor do Departamento de Ciência Política e investigador do Instituto de Governo e Políticas Públicas da Universidade Autónoma de Barcelona. A sua investigação centra-se na análise das mudanças institucionais e das políticas públicas, particularmente no domínio das políticas culturais e sociais. Publicou livros e artigos em revistas académicas diversas e fornece serviços de consultoria, assessoria e formação para instituições nacionais e internacionais.

PEDRO COSTAPedro Costa é professor no Departamento de Economia Política do ISCTE-IUL

Culturais. É professor, investigador, programador artístico e gestor cultural. Foi diretor artístico da Culturgest, de 1992 a 2004. Desde então, na Fundação Calouste Gulbenkian, foi coordenador do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística, e programou o fórum cultural O Estado do Mundo, o Progra-ma Gulbenkian Distância e Proximidade e, desde 2009, o Programa Gulbenkian Próximo Futuro.

CATARINA vAz PINTOCatarina Vaz Pinto é desde Novembro 2009, vereadora da Cultura (Câmara Muni-cipal de Lisboa). Gestora cultural. Consultora independente na área das políticas e do desenvolvimento cultural, formação cultural e artística. Secretária de Estado da Cultura (1997-2000). Cofundadora da Associação Cultural Fórum Dança, da qual foi Diretora-executiva (1991-1995).

ELISABETE PAIvAElisabete Paiva foi responsável pelo Serviço Educativo do Centro Cultural Vila Flor (2006 a 2014), na sequência de experiências marcantes de cruzamento en-tre criação, educação e território no CENTA (2003-2005). Programou o Serviço Educativo de Guimarães 2012 CEC e atualmente é diretora artística do Festival Materiais Diversos.

jOãO FERRãOJoão Ferrão: Geógrafo, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade de Lisboa, especialista em ordenamento do território e desenvolvimento regional e local. Avaliador de políticas para o Governo português e a Comissão Europeia. Foi consultor da OCDE, presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional e Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades. É atualmente pró-reitor da Universidade de Lisboa.

jOHN HOLDENJohn Holden é professor convidado da City University, em Londres, Professor Honorário na Universidade de Hong Kong e associado no think-tank Demos. É autor de várias publicações sobre cultura, estando presente de forma regular

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e investigador do DINAMIA’CET-IUL, do qual é vice-diretor e onde coordena o grupo de investigação “Cidades e Territórios”. Economista, doutorado em Planeamento Regional e Urbano, tem trabalhado sobretudo nas áreas da Economia da Cultura e do Planeamento e Desenvolvimento Territorial, tanto no campo académico como no apoio à formulação e avaliação de políticas públicas.

vâNIA RODRIGuES Gestora Cultural. Assessora Estratégica da ARTEMREDE e responsável pela gestão e programação na companhia de teatro mala voadora. Licenciada em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2001) e Mestre em Políticas Culturais e Gestão Cultural pela City University of London (2009). Membro do Strategy Group da rede Europeia A Soul for Europe e membro da European House for Culture.

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