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O trabalh
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Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
Mario Junior Alves Polo
Dos instrumentos jurdicos e prticas do IPHAN para a arqueologia:
o termo de ajustamento de conduta
Rio de Janeiro
2014
Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
Mario Junior Alves Polo
Dos instrumentos jurdicos e prticas do IPHAN para a arqueologia:
o termo de ajustamento de conduta
Dissertao apresentada ao Mestrado
Profissional do Instituto do Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional, como pr-
requisito para obteno do ttulo de Mestre em
Preservao do Patrimnio Cultural.
Orientadora: Prof. Dr. Alejandra Saladino.
Supervisor: Djalma Guimares Santiago.
Rio de Janeiro
2014
O objeto de estudo dessa pesquisa foi definido a partir de uma questo identificada no
cotidiano da prtica profissional da Superintendncia do IPHAN no Amap.
Este trabalho est licenciado sob uma Licena Creative Commons
Atribuio No Comercial Sem Derivaes 4.0 Internacional. Para ver uma cpia desta
licena, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/.
P778d Polo, Mario Junior Alves.
Dos instrumentos jurdicos e prticas do IPHAN
para a arqueologia: o termo de ajustamento de conduta
/ Mario Junior Alves Polo. Rio de Janeiro: 2014.
281 p. : il., 30 cm.
Dissertao (Mestrado em Preservao do
Patrimnio Cultural) Instituto do Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional, Rio de Janeiro, 2014.
Bibliografia: p. 237-245.
1. Patrimnio Cultural Proteo - Brasil. 2.
Arqueologia. 3. Legislao. 4. Interesses Difusos.
I. Ttulo.
CDD 363.69:930.1
CDU 363:902
Dedico este trabalho a todos aqueles que fizeram e fazem da
arqueologia um campo menos elitizado e menos territorialista.
AGRADECIMENTOS
Muitos foram aqueles que estiveram ao meu lado e que tiveram papel fundamental no
desenvolvimento deste trabalho. Neste sentido, reforo aqui e deixo registrados os meus
sinceros agradecimentos.
Alejandra Saladino, pela confiana, pela liberdade e pela ateno que recebi ao longo
do processo. Por todas as contribuies e incentivo, pelas conversas e desabafos partilhados,
por todo o apoio e aprendizado.
Ao Djalma Guimares Santiago, no apenas pela superviso e apoio, mas tambm pela
interlocuo, confiana, pacincia e pela amizade. Obrigado pelo acolhimento no Amap, e por
ser um exemplo de serenidade e determinao.
Juliana Morilhas Silvani, pela interlocuo constante, estmulo e pela amizade.
Obrigado pela ateno pesquisa e pelo exemplo de competncia e dedicao ao campo do
patrimnio.
Aos colegas da Superintendncia do IPHAN no Amap, que fizeram ou fazem parte da
unidade e que merecem meus agradecimentos: Simone Macdo, Lina, Wislem, Manuela,
Phelipe, Remo, Sndala, Jaqueline, Valria, Kilvya e Larissa. Obrigado pelo carinho, pela
torcida e pelo companheirismo.
Copedoc/DAF/IPHAN, pelo apoio recebido na forma das bolsas e ajudas de custo
obtidas por meio do Programa do Mestrado. toda a equipe da Copedoc, aos professores que
compem o Programa, Lia Motta, Adriana Nakamuta e Beatriz Landau, pelo carinho,
compreenso e dedicao, pela competncia e energia que transmitem.
Ao Evandro Domingues, pelo apoio e pelas observaes tecidas quanto ao anteprojeto.
Aos professores que compuseram a Banca de Qualificao, Luciano dos Santos Teixeira
e Adler Homero Fonseca de Castro, pela leitura atenta e pelas contribuies.
grande amiga e interlocutora Leilane Patrcia de Lima, a quem devo meus primeiros
passos efetivos no campo da arqueologia. Obrigado por todos nossos debates, pela torcida e
cumplicidade.
Ao Lcio Costa Leite, pela amizade, carinho e torcida, e pelas conversas e referncias
trocadas, seja na arqueologia ou fora dela.
toda a 3 Turma do Mestrado, pela amizade, cumplicidade, carinho, respeito s
diferenas, auxlio mtuo e ousadia. Por todos nossos debates, angstias e alegrias
compartilhadas e crescimento conjunto! Alm de grandes amigos, vocs so grandes
interlocutores e profissionais de grande competncia, aos quais devo grande aprendizado.
turma mais frtil do PEP!
Carolina Di Lello, Alba Bispo e Ana Rollemberg pelo carinho e acolhimento em
Braslia.
Karine Oliveira, pela amizade e amparo, pelo acolhimento em Gois, e por passeios
que incluem desde a Casa de Cora ao Morro do Macaco Molhado. Pelas danas e incentivo
constante.
Ao Andr Andrade pelo carinho e acolhimento em Belm, nas rpidas passagens por l.
Marielle Rodrigues Pereira, pelo apoio e interlocuo a respeito dos TACs de sua
unidade.
A todos os servidores e estagirios do IPHAN que gentilmente contriburam com a
pesquisa e com o levantamento de dados proposto, que mesmo diante da sobrecarga de
atividades ou da falta de dados organizados, se dispuseram a auxiliar: Mariana Neumann e
Priscila Oliveira (RS), Henrique Pozzi (AL), Luciano de Souza e Silva e Pala Bonfim (PB),
Denise Carvalho e Fbio Cruz (PA), Ticiano Miranda e Alessandra Guedes (PR), Divaldo
Sampaio (MS), Elenita Rufino e Maria Jos Fernandes (PE), Danilo Curado (RO), Ademir
Ribeiro Junior (SE), Elen Barros (AM), Vernica Viana (CE), Yuri Batalha (ES) e Roberto
Oliveira (RR).
equipe da Superintendncia do IPHAN em Santa Catarina e Liliane Janine Nizzola,
pela recepo e acolhimento quando do intercmbio de duas semanas.
Ao Procurador Nelson Lacerda, pelo amparo, amizade, interlocuo, estmulo e pela
grande confiana depositada em mim.
Ao Antnio Aisengart, pelo carinho e amizade, pelas referncias trocadas, pelos
questionamentos e desabafos partilhados, e pela maravilhosa companhia na SAB de Aracaju.
Aos demais amigos que fiz no Setor de Arqueologia da unidade catarinense: Sonia
Rampazzo, Guilherme Linheira, Edenir Lima e Ktia. Obrigado pelo generoso acolhimento,
pelas timas conversas e pelo interesse sobre a pesquisa.
Ao Procurador Geraldo Maia Neto (PF/IPHAN), pela acolhida, pelas referncias e pela
ateno pesquisa.
equipe do CNA/IPHAN pela recepo, conversas e contribuies.
Ao Danilo Curado (SE/RO), pelo apoio e por recepcionar to atenciosamente a minha
fala no Encontro da SAB Centro-Oeste em Braslia.
Maria Lcia Pardi (MinC), pela interlocuo, pelo interesse na pesquisa e pelas
referncias indicadas.
Ao Joo Saldanha e Mariana Cabral (IEPA), pelo apoio, debates, aprendizado e pelas
experincias que obtive com vocs, sobretudo em Laranjal do Jar e no Laboratrio Peter
Hilbert.
toda a equipe do IEPA e aos amigos da arqueologia amapaense: Alan Nazar,
Francisco Coutinho, Fabrcio Ferreira, Daiane Pereira, Bruno Barreto, Jos Ricardo, Deise
Frana, Avelino Gambim e Jelly Souza. Ao Michel Flores pela interlocuo e pelas lies de
Geoprocessamento.
Lidiane Vieira e fantstica famlia Vieira, por todo o carinho, amizade e por serem
minha famlia amapaense.
Aos colegas de Londrina, da UEL, do Museu Histrico de Londrina e do Projeto
Contao de Histrias do Norte do Paran.
Regina Clia Alegro, pelo amparo, carinho, amizade e confiana.
Elena Maria Andrei, pelo apoio, longas conversas, pelos itans narrados, pelas palavras
sempre capazes de devolver encantamento ao mundo.
Angelita Marques Visalli, Rogrio Ivano e outros exemplos acadmicos que orientam
meu caminhar.
Gisele Oliveira e Keila Batista, pela amizade, torcida e incentivo.
Aos colegas do MAE/USP, aos colegas da biblioteca e do setor de fotocpias que
auxiliaram na obteno de referncias utilizadas na pesquisa.
s amigas e amigos de vrios cantos, que sabem o quo fundamentais so em minha
vida, e que tiveram um papel imprescindvel neste percurso.
Aos meus pais, Romilde Alves e Mario Polo, pelo enorme amparo, por todo o carinho
e incentivo, pelo exemplo, pelo amor incondicional e por serem pessoas to raras e
maravilhosas.
Ao Luciano Matricardi, pelo amor, cumplicidade e pela pacincia. Por respeitar minha
deciso e enfrentar comigo a distncia e a saudade. Por todos os momentos e tudo que
partilhamos, por caminhar ao meu lado e, enfim, por fazer brotar beleza e fora dos momentos
difceis.
minha segunda me e Ialorix, Me Omin, e minha famlia de santo do Il Ax Op
Omin que tanto amo! Me Od, Iazinha da Oxum, I Faronin, Ogans e Ekedis, Dofono
Alexandre, Dofonitinho de Xang, Fomo de Oxaluf, Dofono da Oxum, I Dagan, meus mais
velhos e mais novos! Modup !
Finalmente, Gaia, companheira de madrugadas na fase mais solitria da escrita,
mesmo quando se interpunha entre mim e o teclado.
The problem for archaeologists, it appears,
is that they are always too late...
Tim Ingold (2000)
POLO, Mario Junior Alves. Dos instrumentos jurdicos e prticas do IPHAN para a
arqueologia: o termo de ajustamento de conduta. Dissertao (Mestrado Profissional em
Preservao do Patrimnio Cultural), Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional,
IPHAN, Rio de Janeiro, 2014.
RESUMO
O presente trabalho d enfoque incorporao do termo de ajustamento de conduta
(TAC) s prticas do IPHAN voltadas ao patrimnio arqueolgico, tendo em vista que este
instrumento jurdico oferece soluo extrajudicial a litgios que envolvam interesses e direitos
transindividuais o que inclui a proteo ao patrimnio cultural. A pesquisa tem por objetivo
compreender a recorrncia a este instrumento no campo da arqueologia, e as consequncias da
advindas. Neste esforo utilizo a abordagem oferecida pelo institucionalismo histrico,
partilhando, ainda, da ideia de que o ajuste de conduta pode atuar como um mecanismo
flexibilizante quanto s barreiras colocadas pelo licenciamento ambiental s obras de
infraestrutura em andamento no pas.
A pesquisa sinaliza que a recorrncia a este instrumento estaria ligada ao papel
desempenhado por ele frente ao precrio aparato legal disponvel aos atores institucionais para
a preveno s condutas ilcitas praticadas contra o patrimnio arqueolgico. Por meio de um
levantamento realizado junto s Superintendncias estaduais, apontada a proeminncia das
obrigaes compensatrias sobre as demais solues oferecidas pelo ajuste de conduta. Na
mesma direo, aponta-se para o estmulo prtica de uma arqueologia pstuma no pas e para
a necessidade de regulamentao interna quanto ao tema no rgo. Afirma-se, ainda, o
imperativo de que seja garantido o atendimento ao princpio da precauo neste campo, como
por meio do recurso a alternativas locacionais e tecnolgicas nos projetos a serem licenciados.
Palavras-chave:
Termo de Ajustamento de Conduta; patrimnio arqueolgico; IPHAN; licenciamento
ambiental.
POLO, Mario Junior Alves. Dos instrumentos jurdicos e prticas do IPHAN para a
arqueologia: o termo de ajustamento de conduta. Dissertao (Mestrado Profissional em
Preservao do Patrimnio Cultural), Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional,
IPHAN, Rio de Janeiro, 2014.
ABSTRACT
This paper focuses on the incorporation of the term of conduct adjustment (TAC) to the
IPHAN practices aimed to archaeological heritage, considering that this legal instrument offers
extrajudicial resolution to disputes involving transindividual interests and rights which
includes cultural heritage protection. The research aims to understand the recurrence of this
instrument in the field of archeology, and the consequences thereof. In this effort I resort to the
approach offered by historical institutionalism, and also share the idea that the adjustment of
conduct can act as a flexibilising mechanism for environmental licensing barriers to
infrastructure works underway in the country.
The research indicates that the use of this instrument would be linked to the role it plays
in face of the precarious legal apparatus available to institutional actors to prevent the illegal
conduct committed against the archaeological heritage. Based on a survey carried out with state
Superintendencies, I notice the prominence of countervailing obligations over other solutions
offered by the adjustment of conduct. In the same vein, I point out the stimulation of a
posthumous archeology in the country and the need for internal regulation of this subject in the
institution. It is also stated the need to ensure compliance with the precautionary principle in
this field, through the use of locational and technological alternatives in the projects to be
licensed, for instance.
Keywords:
Term of Conduct Adjustment; archaeological heritage; IPHAN; environmental
licensing.
LISTA DE ILUSTRAES
Grfico 01: Projetos de Arqueologia: total de Permisses e Autorizaes por ano (1991-2012)
.................................................................................................................................................. 37
Grfico 02: Nmero de casos por unidade, celebrados e em negociao ................................ 139
Grfico 03: Situao presente dos casos levantados ............................................................... 142
Grfico 04: Ano de abertura dos Processos Administrativos que compem os casos (nmero de
casos abertos por ano) ............................................................................................................ 143
Grfico 05: Compromissrios ................................................................................................ 144
Grfico 06: Compromissrios: porcentagem .......................................................................... 144
Grfico 07: Compromitentes .................................................................................................. 146
Grfico 08: Tipos de empreendimentos .................................................................................. 147
Grfico 09: Motivao ........................................................................................................... 150
Grfico 10: Obrigaes propostas .......................................................................................... 151
Grfico 11: Obrigaes: porcentagem .................................................................................... 152
Grfico 12: Modelos de termo de ajuste de conduta utilizados ............................................... 155
Grfico 13: Projetos de Pesquisa com localizao no estado do Amap: Permisses e
Autorizaes .......................................................................................................................... 184
Mapa 01: Superintendncias que integraram o levantamento ................................................ 137
Mapa 02: Superintendncias que no integraram o levantamento: solicitaes sem retorno e
unidades sem profissional responsvel pela rea de arqueologia ............................................ 138
Mapa 03: Nmero de casos por Superintendncia, celebrados e em negociao .................... 140
Mapa 04: Superintendncias Regionais e suas respectivas sedes (2002) ................................ 218
Mapa 05: Superintendncias Regionais e suas respectivas sedes (2004) ................................ 219
Mapa 06: Nmero de servidores do IPHAN por estado (2010) .............................................. 222
Mapa 07: Nmero de Procuradores Federais (PF/IPHAN) por estado (2013) ........................ 224
Figura 01: De lama lmina, instalao de Matthew Barney no Instituto Inhotim,
Brumadinho/MG. Foto: Vincius de Ornelas ......................................................................... 234
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Estrutura do SISNAMA, conforme atual redao da Lei n 6.938/81..................... 73
Tabela 02: Categorias de motivao adotadas ........................................................................ 149
Tabela 03: Tipos de obrigaes compensatrias .................................................................... 153
Tabela 04: Unidades descentralizadas do IPHAN (2002 e 2004): Superintendncias Regionais
e Unidades da Federao ........................................................................................................ 216
Tabela 05: Fora de trabalho por unidade do rgo (nmero de servidores) .......................... 220
Tabela 06: Unidade de lotao dos Procuradores Federais em exerccio no IPHAN ............. 223
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACP Ao Civil Pblica
ADA rea Diretamente Afetada
AGU Advocacia-Geral da Unio
AID rea de Influncia Direta
AII rea de Influncia Indireta
CACEL Compromisso de Ajustamento de Conduta s Exigncias Legais
CCR Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Federal
CDC Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078/90)
CF Constituio Federal
CNA Centro Nacional de Arqueologia, IPHAN
CNSA Cadastro Nacional de Stios Arqueolgicos
COEMA Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amap
CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente
Copedoc Coordenao-Geral de Pesquisa e Documentao, DAF/IPHAN
CPB Cdigo Penal Brasileiro
DAF Departamento de Articulao e Fomento, IPHAN
DEPAM Departamento de Patrimnio Material e Fiscalizao, IPHAN
DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8.069/90)
EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental / Relatrio de Impacto Ambiental
FATMA Fundao do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina
FDD Fundo de Defesa de Direitos Difusos
GEPAN Gerncia de Patrimnio Arqueolgico e Natural, IPHAN (2004-2009)
GESTA Grupo de Estudos em Temticas Ambientais, UFMG
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade
IMAP Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Amap
INCA Inventrio Nacional de Colees Arqueolgicas
INRC Inventrio Nacional de Referncias Culturais
IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
LACP Lei da Ao Civil Pblica (Lei n 7.437/85)
LAI ou LI Licena Ambiental de Instalao ou Licena de Instalao
LAO ou LO Licena Ambiental de Operao ou Licena de Operao
LAP ou LP Licena Ambiental Prvia ou Licena Prvia
LCA Lei de Crimes Ambientais (Lei n 9.605/98)
LT Linha de Transmisso
MinC Ministrio da Cultura
MMA Ministrio de Meio Ambiente
MPE Ministrio Pblico Estadual
MPEA Ministrio Pblico do Estado do Amap
MPF Ministrio Pblico Federal
MPU Ministrio Pblico da Unio
PAC Programa de Acelerao do Crescimento
PCH Pequena Central Hidreltrica
PF/IPHAN Procuradoria Federal do IPHAN, vinculada PGF
PGF Procuradoria-Geral Federal, vinculada AGU
Prodemac Promotoria de Justia do Meio Ambiente, Conflitos Agrrios, Habitao e
Urbanismo do MPEA
PROFER PF/IPHAN
SECULT Secretaria de Cultura do Estado do Amap
SETRAP Secretaria de Transportes do Estado do Amap
SICG Sistema Integrado de Conhecimento e Gesto
SICRO Sistema de Custos de Obras Rodovirias
SINAPI Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e ndices da Construo Civil
SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente
SNPC Sistema Nacional de Patrimnio Cultural
SR/AP Superintendncia do IPHAN no Amap
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
TCU Tribunal de Contas da Unio
UHE Usina Hidreltrica
VERA Valor Econmico do Recurso Ambiental
VERD Valor Estimado de Referncia para a Degradao Ambiental
SUMRIO
INTRODUO ..................................................................................................................... 18
Optando pelo institucionalismo histrico ................................................................................. 21
Rumos da pesquisa e do pesquisador ........................................................................................ 26
CAPTULO 1: Dos instrumentos para a gesto do patrimnio arqueolgico em mbito
federal ..................................................................................................................................... 30
1.1. Uma trajetria margem: a arqueologia no desenho do IPHAN ...................................... 30
1.2. O cenrio recente da arqueologia no pas .......................................................................... 38
1.3. Licenciamento ambiental: lacunas e abrangncia .............................................................. 42
1.4. Convvio e transversalidade entre os campos do meio ambiente, do patrimnio cultural e
da arqueologia .......................................................................................................................... 48
1.5. Os instrumentos de que dispem os atores institucionais e que conformam prticas ....... 54
1.6. O trato s condutas ilcitas praticadas contra o patrimnio arqueolgico: as ferramentas de
composio civil, penal e administrativa .................................................................................. 64
1.6.1. As trs esferas de responsabilizao por dano ambiental ................................... 66
1.6.2. Lei de Crimes Ambientais, IPHAN e SISNAMA ............................................... 68
1.6.3. Responsabilidade penal: os crimes tipificados na Lei n 9.605/98 ..................... 76
1.6.4. Responsabilidade administrativa e poder de polcia ........................................... 78
1.6.5. Contraponto proteo do patrimnio edificado ................................................ 82
CAPTULO 2: O Termo de Ajuste de Conduta: caracterizao e usos frente tutela do
patrimnio arqueolgico ....................................................................................................... 86
2.1. Caracterizao do Termo de Ajuste de Conduta ................................................................ 86
2.1.1. Estado Democrtico de Direito e direitos transindividuais ................................. 90
2.1.2. O Ministrio Pblico .......................................................................................... 95
2.1.3. Responsabilidade civil e compromisso de ajuste de conduta ............................. 98
2.1.4. Limites e natureza do instrumento .................................................................... 100
2.1.5. Os princpios que regem a aplicao do ajuste de conduta ............................... 103
2.1.6. Objeto e forma de celebrao do ajuste de conduta ........................................... 107
2.2. Especificidades do TAC em matria de patrimnio cultural e arqueolgico ................... 114
2.2.1. O compromisso de ajustamento de conduta em matria de arqueologia ........... 123
2.3. Levantamento de dados nacionais: o processo de elaborao e aplicao do instrumento
................................................................................................................................................ 130
2.4. Levantamento de dados nacionais: mapeamento e resultados ......................................... 136
2.4.1. Quantum debeatur: notas sobre a valorao dos danos e a destinao dos recursos
em jogo .................................................................................................................................. 156
2.5. Da prtica de uma arqueologia pstuma........................................................................... 166
CAPTULO 3: Condicionantes locais: um estudo de caso a partir do Amap
................................................................................................................................................ 179
3.1. O cenrio institucional de proteo ao patrimnio arqueolgico no Amap ................... 180
3.2. Sobre cacos e clculos: um panorama dos ajustes de conduta negociados junto unidade
amapaense do IPHAN ............................................................................................................ 185
3.2.1. Caso MMX ....................................................................................................... 186
3.2.2. Caso MPBA ...................................................................................................... 190
3.2.3. Caso Eletronorte ............................................................................................... 193
3.2.4. Caso Vila Nova ................................................................................................. 195
3.2.5. Caso DNIT ....................................................................................................... 198
3.2.6. Caso UNIFAP .................................................................................................. 202
3.2.7. Caso Infraero .................................................................................................... 205
3.2.8. Casos Manari e ICON ....................................................................................... 207
3.2.9. Outros apontamentos e contrastes ..................................................................... 208
3.3. Aproximao entre as experincias do Amap e de Santa Catarina: a identificao de
condicionantes locais ............................................................................................................. 212
CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 228
POSFCIO: Ogum/Mquina ............................................................................................. 234
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 237
ANEXOS ............................................................................................................................... 246
Anexo A. Portaria IPHAN n 230/02 ...................................................................................... 247
Anexo B. Lei n 6.938/81 ....................................................................................................... 251
Anexo C. Lei n 9.605/98 ....................................................................................................... 253
Anexo D. Decreto n 6.514/08 ................................................................................................ 259
Anexo E. Portaria PGF n 201/13 ........................................................................................... 261
Anexo F. Memorando Circular n 08/2008 PF/IPHAN/GAB ................................................ 265
Anexo G. Portaria IPHAN n 187/10 ...................................................................................... 268
Anexo H. Modelo de Termo de Compromisso ....................................................................... 272
Anexo I. Memorando Circular n 06/2012 Copedoc/DAF/IPHAN ........................................ 273
Anexo J. Formulrios de levantamento de dados enviado s Superintendncias .................... 274
Anexo K. Resoluo COEMA n 014/09 ............................................................................... 276
18
INTRODUO
A trajetria da pesquisa apresentada aqui tem por marco inicial minha chegada ao
Amap e equipe da Superintendncia do IPHAN no estado por ocasio de minha admisso
3 Turma do Mestrado Profissional em Preservao do Patrimnio Cultural desta instituio.
Com isso, passo a atuar nesta unidade do rgo federal de patrimnio, supervisionado pelo
Tcnico em Histria Djalma Guimares Santiago, atuando em diferentes frentes de trabalho e,
sobretudo, nas atividades de rotina da rea de arqueologia.
Minha atribuio original enquanto bolsista, conforme constava em edital, foi auxiliar
na lida com o crescente volume de trabalho e de processos de arqueologia na unidade. Partindo
de uma atribuio assim abrangente, tive liberdade para escolher o tema e a forma de conduzi-
lo ao longo da Dissertao.
A partir da experincia vivenciada na rotina institucional e por meio dos contedos
tericos e metodolgicos obtidos com as disciplinas, oficinas e leituras, passou a me inquietar
o lugar ocupado pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre os instrumentos de que
dispem os atores institucionais para a proteo do patrimnio arqueolgico, e os
comportamentos que parecem se cristalizar em torno deste mecanismo. Igualmente chamavam
ateno o prprio lugar da arqueologia no desenho institucional, as prticas relacionadas ao
licenciamento ambiental e a proximidade jurdica entre os campos do patrimnio cultural e do
meio ambiente, e ainda a parca regulamentao dos instrumentos de que dispomos para a
preveno e represso das condutas ilcitas produzidas contra os bens arqueolgicos.
A interlocuo com meu supervisor e outros atores institucionais lanou ainda mais
interesse sobre a figura do compromisso de ajuste de conduta conforme aplicado proteo do
patrimnio arqueolgico, sobretudo quanto s especificidades produzidas por este quadro de
aplicao, em que a irreversibilidade das leses aos bens arqueolgicos e a dificuldade em se
valorar o dano causado so alguns dos elementos que tornam a sua utilizao na rea bastante
singular. A situao encontrada na Superintendncia do Amap, por sua vez, parecia bastante
apropriada para subsidiar o debate, sendo que contvamos com nove casos de compromissos
de ajuste de conduta ainda em negociao, e nenhum deles celebrado, portanto. Tendo-se em
vista o intuito de que o trabalho do bolsista do Mestrado possa retornar Instituio, acreditei
que a atuao em torno dos TACs tambm poderia ser til para guiar o andamento destes casos.
O ajustamento de conduta o instrumento de soluo de conflitos pela via conciliatria
efetivamente instaurado por meio do Cdigo de Defesa do Consumidor e das alteraes que
19
este dispositivo promove Lei n 7.347/85 Lei da Ao Civil Pblica1. , portanto, um
instrumento recente de composio de litgios na esfera extrajudicial, isto , que no depende
da atuao de juiz ou de sua tramitao pela esfera judicial para se concretizar. Sua abrangncia
se d porque seu objeto prevenir, fazer cessar ou buscar indenizao do dano aos interesses
classificados como transindividuais ou metaindividuais2.
O ajuste de conduta visa, em resumo, a uma composio de litgios. destinado a colher
daquele que ameaou ou causou dano aos interesses transindividuais, um ttulo executivo3
extrajudicial de obrigao de fazer, de no fazer ou de indenizar, mediante o qual o responsvel
pelo dano ou pela ameaa de dano assume o dever de adequar sua conduta s exigncias legais,
sob pena de sanes fixadas no prprio termo. A promotora Geisa de Assis Rodrigues, em uma
definio bastante apurada, assim o descreve:
O Termo de Ajustamento de Conduta uma forma de soluo extrajudicial de
conflitos, promovida por rgos pblicos, tendo como objeto a adequao do
agir de um violador ou potencial violador de um direito transindividual
(direito difuso, coletivo ou individual homogneo) s exigncias legais,
valendo como ttulo executivo extrajudicial. um negcio jurdico bilateral,
um acordo, que tem apenas o efeito de acertar a conduta do obrigado s
determinaes legais. Independentemente do seu rtulo, no pode ter como
resultado disposio nem transao do direito transindividual (RODRIGUES,
2011: 281).
Nas duas ltimas dcadas tem sido vastamente utilizado enquanto ferramenta para a
soluo de conflitos ambientais, pois comprovaria a construo de um consenso ou de um
acordo entre as partes litigantes. Ao TAC, dessa forma, tem sido atribuda a feio de uma
ferramenta bastante prtica e clere de proteo dos interesses transindividuais, especialmente
no que concerne ao meio ambiente, devido conflituosidade dos litgios nesta seara. Ainda
apontada como uma de suas vantagens o fato de prevenir que o sistema jurdico seja abarrotado
por processos que demorariam a ser solucionados, tornando este sistema ainda mais moroso.
Por outro lado, o ajuste de conduta pode ser encarado como um instrumento capaz de
privilegiar o acordo ou a conciliao em si, se norteado por uma lgica de compensao que
pode levar produo de efeitos perversos. Ao invs de haver a promoo de um modelo de
1 Em seu art. 5, 6, a referida Lei atualmente define: Os rgos pblicos legitimados podero tomar dos
interessados compromisso de ajustamento de sua conduta s exigncias legais, mediante cominaes, que ter
eficcia de ttulo executivo extrajudicial. 2 Por ora defino interesses transindividuais como aqueles que ultrapassam a esfera individual, sem contudo
abandonar a ideia de indivduo. Esta uma categoria dentro da qual se encaixam os interesses difusos, coletivos e
tambm os interesses individuais homogneos. No item 2.1.1 apresento uma melhor definio destes interesses. 3 O que significa dizer que, caso descumprido, o TAC pode gerar ao de execuo junto a juiz que acolher o
caso.
20
tutela baseado no princpio da precauo, a prtica de aplicao do ajuste de conduta permitiria
classific-lo como um mecanismo flexibilizante, conforme prope o socilogo Marcos Zucarelli
(2006a) quanto aos instrumentos formais utilizados para dar continuidade aos licenciamentos
ambientais.
Assim, embora o ajuste de conduta seja frequentemente tomado como um instrumento
avanado de proteo aos interesses coletivos, busquei aqui problematizar seus limites, a prtica
de sua aplicao e a repercusso do seu crescente uso no campo da arqueologia. A proteo ao
patrimnio arqueolgico um interesse difuso, e assim passvel de defesa por meio deste
instrumento, bem como o IPHAN rgo pblico legitimado para tomar o ajuste de conduta
do violador da norma. O TAC pode ser tomado, alis, por qualquer rgo pblico legitimado
Ao Civil Pblica, como o Ministrio Pblico, a Defensoria Pblica, a Unio, os Estados-
membros, os Municpios, o Distrito Federal, as autarquias e as fundaes pblicas.
Tratei de explorar a figura do TAC dentro do campo patrimonial e da arqueologia. A
pesquisa aqui apresentada tambm se adequa demanda do IPHAN, rgo cujos tcnicos e
gestores tm lidado com o crescente nmero de TACs firmados junto instituio, chegando a
ser cunhada a ideia de uma cultura do TAC.
Minha principal inquietao se voltava forma como tem se dado a aplicao do TAC
na prtica institucional. O objetivo da pesquisa, neste mesmo sentido, foi compreender a grande
recorrncia ao ajustamento de conduta no rgo, dentre as prticas destinadas ao patrimnio
arqueolgico. Muitas outras questes giram em torno desta primeira, como quanto aos efeitos
da irreversibilidade do dano aos bens arqueolgicos no tipo de acordo que tem sido proposto,
ou quanto ao modo como as obrigaes previstas nos TACs parecem suprir a falta de polticas
de fomento na rea.
Entre os objetivos especficos, o primeiro deles seria verificar como se relaciona o
ajustamento de conduta ao aparato de que dispe o IPHAN para a preveno e represso s
condutas lesivas contra o patrimnio arqueolgico. Trata-se, portanto, de investigar o lugar do
TAC entre os instrumentos e as prticas do IPHAN para a arqueologia, sobretudo frente s
medidas existentes de responsabilizao penal e administrativa. Um segundo objetivo seria
identificar padres na forma como se d a negociao do ajuste de conduta em diferentes
unidades do rgo, e assim indicar a forma como o instrumento em tela tem sido adotado, e os
efeitos deste processo. A inteno questionar, ademais, quais escolhas tm sido feitas dentro
de todas as possibilidades que os atores institucionais possuem e que o prprio instrumento
enseja. Tambm figura como objetivo especfico o interesse em apontar quais condicionantes
21
interferem na forma como o TAC instrumentalizado localmente, isto , quais fatores internos
e externos possuem influncia sobre as prticas conduzidas nas Superintendncias.
Optando pelo institucionalismo histrico
Conforme fica expresso nos objetivos apontados acima, o TAC no me interessou
apenas como instrumento jurdico ou em termos da eficcia de sua aplicao matria, mesmo
porque, para explor-lo de tal forma, o mais apropriado seria uma anlise de cunho
propriamente jurdico. Busquei, em vez disso, examinar a dimenso concreta desta categoria
jurdica e a forma como tem afetado o cenrio nacional de proteo ao patrimnio arqueolgico.
Questionei, ainda, a forma como se articula instituio e como reflete as lacunas da proteo
ao patrimnio arqueolgico em mbito federal.
Investiguei, portanto, o modo como o IPHAN, em particular, tem aplicado o ajuste de
conduta, considerando, ainda, as restries e preferncias que interferem na forma como o TAC
utilizado por este rgo e as consequncias no-intencionais que da resultam.
Neste sentido, a pesquisa se filia diretamente s proposies apresentadas pela
museloga Alejandra Saladino em sua tese de doutorado (2010), a respeito do rgo federal de
patrimnio cultural e de como este rgo opera a proteo ao patrimnio arqueolgico. luz
do institucionalismo histrico, Saladino analisa a trajetria e o desenho institucional do IPHAN
para compreender o processo de construo e consolidao do campo de proteo do patrimnio
arqueolgico, atenta aos instrumentos e s prticas institucionais consideradas enquanto
sistemas de transmisso de valores. justamente a partir destes sistemas que Saladino
compreende a relao entre instituio e comportamento, procedendo ao exame do processo
pelo qual o rgo federal surgiu e modificou-se em relao ao patrimnio arqueolgico.
O institucionalismo histrico, um dos enfoques da abordagem neoinstitucionalista
oriunda da Cincia Poltica, permitiu que a autora discutisse as assimetrias de fora nas prticas
do rgo e o lugar marginal da arqueologia no desenho institucional. Para Saladino, se o projeto
museolgico de Mrio de Andrade para a instituio do patrimnio cultural foi postergado,
como afirma Mrio Chagas, o projeto arqueolgico teria igualmente sido preterido
(SALADINO, 2010: 77).
22
O argumento central dos neoinstitucionalistas que as instituies moldam a ao. Para
eles, a teorizao dentro da cincia poltica deve levar em conta que a ao no ocorre em um
vcuo institucional (LECOURS, 2005; PARSONS, 2007).
O novo institucionalismo utiliza as instituies como varivel explicativa para os
fenmenos polticos. Trata-se de escola cuja expanso se d entre os anos 1980 e 1990, em
resposta tanto s perspectivas behavioristas dentro das Cincias Sociais, quanto s perspectivas
estruturalistas, influentes nos anos 1960 e 1970. Por reagir a estas duas correntes, o novo
institucionalismo considera o sujeito social no mais como um ator autnomo e todo poderoso
ou como um elemento passivo, sujeitado s estruturas sociais que delimitam suas possibilidades
de ao. Por conseguinte, a ao social ou os resultados sociais so tanto o produto das condutas
individuais como o reflexo de determinadas estruturas.
[...] a perspectiva neo-institucionalista tenta demonstrar a necessidade de
combinar a agncia (a capacidade dos indivduos de transformar e alterar a
estrutura) e a estrutura como forma de explicar os fenmenos e resultados
sociais (aqui, naturalmente, incluem-se, alm das dimenses estritamente
sociais, a poltica e a economia) (NASCIMENTO, 2009: 98).
Todavia, o que chamado de novo paradigma institucional est longe de representar um
todo unificado. De acordo com o cientista poltico Emerson Nascimento, mais apropriado
dizer que existem muitos neo-institucionalismos, locados a partir de tradies intelectuais
distintas: cincia poltica histrica tradicional, teoria da escolha racional e sociologia
(NASCIMENTO, 2009: 116). O novo institucionalismo, de tal forma, inclui vrios ramos que
vm desenvolvendo uma relativa autonomia metodolgica e epistemolgica entre si.
Tipicamente, trs ramos so identificados: o histrico, o da escolha racional e o sociolgico.
Porm, todos os trs ramos veem a instituio como a nica e mais importante varivel para a
explicao poltica. Em comum, alm disso, as diferentes perspectivas neoinstitucionais
guardam a oposio ao dito velho institucionalismo, em razo das referidas bases
estruturalistas e voluntaristas que sustentavam a anlise institucional num primeiro momento.
Este debate tem se desenrolado principalmente no seio da cincia poltica nos Estados Unidos.
A diversidade do novo institucionalismo oferece como vantagem um enorme escopo e
capacidade para compreender os mais variados processos polticos e sociais. Sua aplicao
bastante usual em se tratando da rea de anlise de polticas pblicas, em estudos comparados
de trajetrias de instituies congneres e em estudos do poder legislativo norte-americano.
Quanto ideia de instituio, para o velho institucionalismo esta se tratava de alguma
estrutura material, referente a rgos do Estado ou, mais precisamente, ao governo. Poderiam
23
ser constituies, gabinetes ministeriais ou presidenciais, parlamentos, burocracias, cortes,
organizaes militares, arranjos federais e, em algumas instncias, sistemas partidrios
(NASCIMENTO, 2009: 101). A ideia de instituio no era problematizada at ento. Mais
recentemente, o debate se afasta desta concepo mais materialista e se volta a normas, valores
e ideias, s regras do jogo poltico, chegando-se definio de instituio como um conjunto
de regras e rotinas correlacionadas.
Nascimento destaca, entre alguns dos denominadores comuns s perspectivas
neoinstitucionais, os seguintes pontos:
- Os agentes individuais e os grupos perseguem seus projetos em um contexto
coletivamente constrangido (constraints).
- Estas restries tomam de instituies, padres organizados de normas e
papis socialmente construdos, e condutas socialmente prescritas, os quais
so criados e recriados continuamente. [...]
- Os mesmos fatores contextuais que constrangem as aes dos indivduos e
dos grupos tambm moldam seus motivos, desejos, preferncias.
- Estas restries podem ser o produto de razes histricas, resduos de aes
e decises pensadas.
- As restries preservam, representam e distribuem diferentes recursos de
poder a diferentes grupos e indivduos.
- As aes individuais e coletivas, contextualmente constrangidas e
socialmente modeladas so o motor que conduz a vida social.
(NASCIMENTO, 2009: 98-99).
Em que pese o compartilhamento de variveis explicativas, as trs escolas usualmente
identificadas dentro da gramtica neoinstitucionalista podem ser descritas nos seguintes termos,
conforme descreve o cientista poltico Craig Parsons:
O institucionalismo racionalista compartilha da racionalidade da lgica
estruturalista, mas, para alm do cenrio material do estruturalismo, enfatiza
as restries institucionais produzidas pelos indivduos [...]. Institucionalistas
sociolgicos, pelo contrrio, veem instituies afetando a ao por meio de
uma dinmica de legitimao ou adequao [...]. Os indivduos se
comportariam segundo padres relativos a modelos organizacionais, regras e
normas informais porque tomam por garantida a legitimidade desses padres
(e assumem a ilegitimidade das alternativas, ou sequer as cogitam). O
institucionalimo histrico usualmente descrito como situado entre estes dois,
combinado mecanismos de restrio e legitimao (PARSONS, 2007: 67).
Tais perspectivas divergem quanto a de onde surgem estas instituies, por que
indivduos agem conforme padres institucionalizados de comportamento em determinado
momento, e por que as instituies perduram.
O enfoque sociolgico permite compreender a forma como atores enraizados dentro de
estruturas sociais moldam suas crenas e preferncias, e o que confere a legitimidade dos
24
arranjos institucionais. O foco reside sobre a rotinizao de efeitos psicolgicos, reconhecendo-
se que as aes e relaes sociais do-se numa dimenso intermediria entre os atores e as
macroestruturas. Institucionalistas sociolgicos argumentam que o que voc sustenta
(preferncias, interesses, posies e finalmente, a ao) usualmente, depende do ambiente
normativo e dos modelos cognitivos prevalecentes naquela sociedade (NASCIMENTO, 2009:
117). As instituies, nestes termos, so definidas como normas, valores, cultura e ideias, que
moldam a percepo dos atores e condicionam o comportamento a favor de reproduo destas
mesmas instituies. Nas palavras dos cientistas sociais Peter Hall e Rosemary Taylor, as
instituies, segundo este enfoque, compreenderiam regras, procedimentos ou normas formais,
mas tambm sistemas de smbolos, esquemas cognitivos e modelos morais que fornecem
padres de significao que guiam a ao humana (HALL; TAYLOR, 2003:209).
O institucionalismo da escolha racional, por seu turno, define instituies como
restries estratgicas, deitando o foco de anlise sobre microestratgias do comportamento
individual, cujos resultados podem ser explicados em termos do comportamento racional. Aqui,
as instituies so vistas em termos materialistas como as regras que governam o jogo poltico,
sendo capazes tanto de oferecer oportunidades, como impor restries aos agentes
(NASCIMENTO, 2009: 115). Neste esquema, indivduos comportam-se objetivando a
maximizao de suas preferncias.
J o institucionalismo histrico caracteriza-se pela nfase na desigualdade e assimetria
entre grupos intra-institucionais e pela anlise da evoluo institucional com o foco sobre a
trajetria, as situaes crticas e as consequncias imprevistas resultantes das escolhas diante
das contingncias (SALADINO, 2010: 61). O foco aqui direcionado s tenses inerentes s
prprias instituies e forma como conferem a certos grupos um acesso desproporcional sobre
o processo de deciso.
Estes institucionalistas histricos postulam que esta tenso existe porque
instituies so criadas em diferentes perodos histricos e tendem a
incorporar o panorama sociopoltico do seu tempo. [...] Em outras palavras,
instituies se assentam sobre diferentes perodos histricos e carregam
consigo diferentes interesses e identidades. Assim, um mecanismo de
ajustamento acionado quando a tenso torna-se insupervel. Deste ngulo, a
tenso existe dentro de um cenrio institucional antes do que entre as
instituies e a sociedade, e os ajustes emanam das prprias instituies e no
da sociedade (NASCIMENTO, 2009: 109-110).
Instituies so compreendidas como procedimentos, normas e convenes, so
parcialmente autnomas em relao ao cenrio estrutural e constrangem ou incentivam certos
25
tipos de ao (PARSONS, 2007: 86). Esto situadas dentro de uma cadeia causal que tambm
deixa espao para outros fatores, em particular os fatores socioeconmicos e a difuso de ideias.
O que distingue esta perspectiva a tentativa de agregar sua anlise uma dimenso
temporal que permita interpretar como o passado incide sobre o presente, sem perder de vista
que indivduos so dotados de escolhas. Todavia, ao invs de se ater liberdade dos indivduos,
o institucionalismo histrico prefere explorar a forma como os atores institucionais esto
condicionados aos efeitos produzidos no tempo. Reporto-me, assim, a foras ativas que so
modificadas pelas propriedades de cada contexto local, propriedades essas herdadas do passado
e que conformam a chamada path dependence, ou dependncia da trajetria. Este modelo, por
sua vez, desenhado pelos cientistas polticos Theda Skocpol e Stephen Skowronek como o de
um ambiente complexo e imprevisvel em que indivduos com escolhas racionais so
constantemente confrontados com as consequncias inesperadas de suas escolhas anteriores. O
impacto das instituies sobre a ao pensado mais em termos de consequncias no
intencionais do que sob restries estratgicas.
Parsons condensa a ideia de path dependence nestes termos: uma vez que algum d um
passo em uma direo, engendra obrigaes, expectativas e custos que encorajam os prximos
passos na mesma direo (PARSONS, 2007: 72). Ainda segundo ele,
A adaptao institucional limitada porque o custo das transaes para
promover uma mudana institucional efetiva muito alto, e porque pequenos
grupos de indivduos frequentemente possuem poder coercitivo para defender
os arranjos existentes. [...] A qualquer momento os atores racionais podem
desejar construir ou alterar as instituies para melhor, de acordo com seus
interesses previstos, mas mesmo indivduos influentes usualmente se
encontram presos a consequncias imprevistas de aes passadas (PARSONS,
2007: 87).
Hall e Taylor (2003) destacam quatro caractersticas prprias ao institucionalismo
histrico, e que resumem as premissas apresentadas at aqui.
Em primeiro lugar, esses tericos tendem a conceituar a relao entre as
instituies e o comportamento individual em termos muito gerais. Segundo,
eles enfatizam as assimetrias de poder associadas ao funcionamento e ao
desenvolvimento das instituies. Em seguida, tendem a formar uma
concepo do desenvolvimento institucional que privilegia as trajetrias, as
situaes crticas e as conseqncias imprevistas. Enfim, eles buscam
combinar explicaes da contribuio das instituies determinao de
situaes polticas com uma avaliao da contribuio de outros tipos de
fatores, como as idias, a esses mesmos processos (HALL; TAYLOR, 2003:
196).
26
De tal forma, o institucionalismo histrico e o substrato oferecido por Saladino me
permitiram questionar que elementos convencionam a aplicao do ajuste de conduta, e de que
forma este dispositivo conforme praticado no interior do IPHAN reflete as assimetrias de
fora do rgo. A abordagem neoinstitucionalista garantiu, portanto, que a aplicao do TAC
fosse pensada luz da atual situao da arqueologia no desenho institucional, e que o foco tenha
sido voltado no ao instrumento em si, mas ao seu uso e sua recorrncia. Neste sentido,
acredito que esta anlise tenha atendido, em certa medida, indicao feita por Saladino sobre
a necessidade de que futuras pesquisas viessem a identificar fragmentos de outros processos
para compor uma anlise relacional, ressaltando os pontos de contato entre os campos
cientfico e jurdico-legal na proteo do patrimnio arqueolgico (SALADINO, 2010: 282).
Rumos da pesquisa e do pesquisador
Com os objetivos e a questo norteadora delineados, assim como a abordagem
metodolgica, foi preciso que me debruasse, entre outros temas, sobre o campo jurdico de
proteo ao patrimnio cultural, me valendo inclusive de leitura nas reas de Direito Civil e
Direito Ambiental. Alm do esforo de familiarizao com outros campos do conhecimento
um dos vieses de um Mestrado interdisciplinar como este , tambm desejei participar dos
eventos afeitos s reas entre as quais transitava, no sentido de estabelecer interlocuo com
agentes que atuam em diferentes meios e que poderiam oferecer olhares distintos sobre o objeto.
De tal modo, participei do V Encontro Nacional do Ministrio Pblico na Defesa do
Patrimnio Cultural, realizado no Rio de Janeiro em setembro de 2012, evento que se mostrou
bastante frtil e proveitoso para a pesquisa, e no qual pude acessar alguns discursos dos agentes
do Ministrio Pblico em face do instrumento estudado. Tambm foi possvel apresentar
comunicao oral sobre o andamento da pesquisa em dois importantes eventos de arqueologia
do ano de 2012: o II Congresso Iberoamericano de Arqueologia, Etnologia e Etno-histria
(CIAEE), ocorrido ainda em junho em Dourados, Mato Grosso do Sul, e a IV Reunio de Teoria
Arqueolgica da Amrica do Sul (TAAS), realizada em Goinia, Gois, no ms de setembro.
Neste mesmo ano ainda participei da 4 Reunio da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Setor
Sudeste (SAB-SE), realizada em novembro, na capital do Rio de Janeiro. Apesar da pouca
familiaridade dos arquelogos que no trabalham na instituio ou mais diretamente no
campo da gesto com o tema do ajuste de conduta, logrei obter significativas contribuies.
27
Mais recentemente, compus mesa no II Encontro da Sociedade de Arqueologia
Brasileira, Setor Centro-Oeste (SAB-CO), que ocorreu em Braslia no ms de maio de 2013,
quando tive chance de apresentar alguns resultados preliminares da pesquisa. Tambm em
2013, no ms de agosto, participei do XVII Congresso Nacional da Sociedade de Arqueologia
Brasileira, em Aracaju, Sergipe, com comunicao oral inscrita em parceria com Saladino. As
contribuies nesta fase permitiram entrever situaes em que o ajuste de conduta tem afetado
a prtica profissional dos arquelogos que atuam por contrato, bem como avanar na discusso
sobre como esse instrumento se relaciona promoo de polticas pblicas no campo ou
falta delas. Em virtude do tema da pesquisa, tambm tive a oportunidade, neste mesmo ano, de
ministrar duas palestras sobre instrumentos e polticas de preservao do campo do patrimnio,
uma no Museu Histrico de Londrina, em Londrina, Paran, e outra na Faculdade Estcio de
S em Macap.
Durante a pesquisa optei por tratar dos termos de ajustamento de conduta em negociao
no Amap como um estudo de caso. Assim, acompanhei o andamento destes processos ao longo
do perodo de atuao na Superintendncia, bem como procedi consulta e anlise dos
Processos Administrativos que compem esse corpo documental de referncia. Todavia, tendo
sido identificada a relevncia do estudo em mbito federal, e para que fosse possvel pensar a
instituio como um todo, cogitei um instrumento de coleta de dados a ser remetido a todas as
Superintendncias, e que pudesse auxiliar a responder algumas das questes surgidas com a
pesquisa. Tendo em mente os objetivos estabelecidos, buscou-se fundamentalmente obter uma
imagem da forma com que sua aplicao tem sido operada.
De tal modo, elaborei um modelo de formulrio a ser livremente preenchido pelos
tcnicos e demais profissionais afeitos ao campo da arqueologia na instituio, sediados nas
Superintendncias estaduais. Por meio da contribuio gentilmente oferecida por estes agentes
seria possvel compor um quadro nacional, por mais que soubesse que a contribuio de todas
as unidades seria, no mnimo, improvvel o que se verificou, de fato. Ao todo, obtive os dados
de quinze Superintendncias, que somaram um total de setenta e cinco casos de ajustes de
conduta, incluindo-se aqueles ainda em negociao.
A anlise da amostragem obtida, por sua vez, me permitiu recolher pistas do quadro
geral se tomada como representativa ou sintomtica do que enfrenta a instituio. Os
formulrios, no molde em que foram propostos (Anexo J), resultaram da experincia de
levantamento e organizao de dados do tipo realizada na Superintendncia do IPHAN no
Amap.
28
Ainda dentro do esforo de interlocuo com outros agentes e do levantamento de
dados, fui cedido pela Superintendncia do IPHAN no Amap unidade de Santa Catarina pelo
perodo de duas semanas do ms de abril de 2013. O intercmbio com a unidade catarinense
ocorreu junto equipe do Setor de Arqueologia e Procuradoria-Federal do IPHAN
(PF/IPHAN) no estado, representada pelo procurador Nelson Lacerda. Nesta ocasio, alm de
preencher o formulrio com os dados daquela Superintendncia, produzi o levantamento
documental dos casos de ajuste de conduta identificados como produto a ser entregue ao final
do perodo.
Em maio de 2013 ocorreu o perodo de atuao junto sede do IPHAN em Braslia e,
sobretudo, ao Centro Nacional de Arqueologia (CNA), vinculado ao Departamento de
Patrimnio Material e Fiscalizao (DEPAM/IPHAN). Durante pouco mais de uma semana me
dediquei ao levantamento de documentao localizada no CNA, mas, principalmente, ao
dilogo com os atores institucionais quanto ao objeto de pesquisa e quanto aos casos de ajuste
de conduta com que tiveram contato. Ainda na sede do IPHAN me reuni com Geraldo Maia
Neto, Procurador-Geral do rgo. De tal forma, neste momento foi possvel debater impresses
sobre o objeto, afinar o dilogo com a rea central e verificar de que forma os objetivos da
pesquisa poderiam se alinhar aos interesses da instituio.
Todo este processo culmina na Dissertao aqui apresentada, e que se organiza a partir
dos objetivos apontados acima.
Assim, no Captulo 1 tratei de investigar o lugar do ajustamento de conduta entre os
instrumentos e as prticas do IPHAN para a arqueologia. O captulo corresponde, portanto, ao
objetivo de identificar o papel dado ao TAC em relao aos instrumentos de que dispe o rgo
para a proteo do patrimnio arqueolgico, sobretudo no que concerne s demais medidas de
preveno e represso s condutas lesivas contra esta categoria de bens culturais. Nesta direo,
procedi s discusses quanto arqueologia no desenho institucional, ao campo de atuao da
disciplina no Brasil, ao licenciamento ambiental e ainda transversalidade entre os campos do
meio ambiente, do patrimnio cultural e da arqueologia. Ao longo do captulo pude questionar
se a recorrncia ao ajuste de conduta representaria mais uma escolha dos tcnicos e profissionais
da rea ou o resultado de um condicionamento dado por fatores extra e intrainstitucionais.
No Captulo 2 me voltei detidamente ao ajuste de conduta, no intento de caracteriz-lo
do ponto de vista jurdico e apontar seus limites e possibilidades, para a seguir discorrer sobre
o levantamento de dados realizado com as Superintendncias e sobre os seus resultados. O
captulo corresponde ao objetivo de verificar como se d a aplicao do TAC no IPHAN, isto
, de verificar a existncia de padres nas formas de negociao e celebrao destes
29
compromissos. De tal modo, aps a caracterizao do instrumento e das especificidades de sua
aplicao em matria de patrimnio cultural e arqueolgico, apresentei o processo de
elaborao e aplicao da ferramenta de coleta de dados junto s unidades estaduais. Na
sequncia foi possvel debater os resultados e apontar que especificidades tm marcado a
aplicao do compromisso de ajustamento de conduta rea. O questionamento acerca de quais
consequncias imprevistas tm sido produzidas em funo da recorrncia aos TACs me
permitiu sugerir, ademais, que estaria havendo o estmulo prtica de uma arqueologia
pstuma no pas, da qual o ajustamento de conduta tributrio.
J no Captulo 3 parti da experincia com os casos de ajuste de conduta que se encontram
em negociao junto unidade amapaense para debater os fatores intra e extrainstitucionais que
possuem influncia sobre a prtica local de aplicao do instrumento. Parti do cenrio
institucional de proteo ao patrimnio arqueolgico do Amap para, a seguir, discorrer sobre
os casos em negociao junto unidade do IPHAN no estado. Este percurso me permitiu,
adiante, contrapor o cenrio vivenciado no Amap quele vivenciado em Santa Catarina
conforme observado no perodo em que estive cedido unidade catarinense. Tal contraponto,
assim como a anlise pormenorizada dos TACs amapaenses, me levaram a apontar
condicionantes que interferem na forma como o ajuste de conduta instrumentalizado
localmente ou seja, elementos que condicionam ou constrangem (constraints) a atuao dos
atores locais.
Nas consideraes finais reuni as questes levantadas ao longo deste estudo e os
resultados obtidos por meio da anlise desenvolvida, o que permitiu sinalizar, ainda, aqueles
pontos sobre os quais novos estudos podero se debruar. Tambm neste momento apontei
alguns caminhos que, conforme acredito, podem subsidiar o rgo em seus esforos de
reestruturao e regulamentao interna.
30
CAPTULO 1
Dos instrumentos para a gesto do patrimnio arqueolgico em mbito federal
O presente captulo corresponde ao esforo de perceber qual lugar ocupa o termo de
ajustamento de conduta entre os demais instrumentos que compem o aparelho de proteo ao
patrimnio arqueolgico do IPHAN. Para pensar estes instrumentos julguei necessrio recorrer
anteriormente trajetria da arqueologia no rgo e s transformaes pelas quais passa a
disciplina no pas nas ltimas dcadas. Nesse sentido, explorei o lugar da arqueologia no
desenho institucional, bem como o tema da transversalidade jurdica entre os campos do meio
ambiente, patrimnio cultural e arqueologia. Tratei, ainda, da influncia da legislao sobre o
tipo de pesquisa que realizada e das prticas produzidas em razo do licenciamento ambiental.
Com este percurso, cheguei aos instrumentos que incidem sobre a proteo ao patrimnio
arqueolgico, sejam eles prprios ao campo patrimonial ou no, e afinei o debate rumo s
formas de responsabilizao pelas condutas irregulares contra os bens arqueolgicos. Alm de
oferecer as bases sobre as quais o restante da pesquisa se desenvolve, este primeiro esforo
ainda permite que adiante se proceda ao contraste entre o TAC e outros meios de preveno e
represso a condutas ilcitas na rea.
1.1. Uma trajetria margem: a arqueologia no desenho do IPHAN
Para que seja possvel adiante compreender a recorrncia aos compromissos de
ajustamento de conduta dentre as prticas de preservao do patrimnio arqueolgico,
interessante conhecer a trajetria de conformao da arqueologia no desenho do rgo federal
de patrimnio e, consequentemente, explorar o papel dos instrumentos de que o rgo pde se
valer quanto proteo do patrimnio arqueolgico. Saladino (2010), conforme introduzido
anteriormente, ofereceu uma primeira e densa anlise desta trajetria, sobre a qual discorri a
seguir, dando ateno aos momentos de maior interesse pesquisa. Foi possvel identificar,
com este percurso, que o lugar assumido pela arqueologia diretamente condicionado pelo
modelo inicialmente adotado para o rgo, pelos primeiros anos de seu estabelecimento e
atuao, e pela prpria constituio do campo da preservao no pas.
31
Nos anos 1930 o Governo Federal teria se posicionado quanto preservao patrimonial
quando o ministro Gustavo Capanema, na gesto de Getlio Vargas, solicita a Mrio de
Andrade que redija um anteprojeto para criao de um rgo especificamente voltado
preservao do patrimnio histrico e artstico nacional. O anteprojeto de Mrio de Andrade
mostrou-se inovador, dando lugar tanto s manifestaes eruditas como populares, assim como
s Artes arqueolgica e amerndia (ANDRADE, 2002: 274). Alm da valorizao do popular
e da presena de intelectuais de vanguarda, outra particularidade bastante significativa e que
diferenciava esse anteprojeto da experincia de muitos outros pases, que nestes as iniciativas
preservacionistas se organizavam em torno de bens isolados e por meio de setores especficos,
como aqueles destinados a museus, monumentos, obras de arte ou bens arqueolgicos. Na
perspectiva de Mrio de Andrade, entretanto, propunha-se uma nica instituio para proteger
todo o universo de bens culturais, sem hierarquias pr-concebidas.
A estruturao e a garantia da aplicao de um aparato jurdico esbarravam, porm, nos
direitos de propriedade privada. No Brasil, a conformao de instrumentos legais e de um
quadro institucional para a preservao patrimonial enfrentou, desde o incio, os obstculos
colocados pela defesa destes direitos, como afirma a historiadora Maria Ceclia Londres
Fonseca (2005: 104-105) problema, este, parcialmente superado com a Constituio de 1937.
Segundo a autora, as principais alteraes no anteprojeto de Mrio de Andrade concernem
defesa da garantia da propriedade individual.
Com a criao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN) e a
promulgao do Decreto-Lei n 25, de 30 de novembro de 1937, se firmou o lugar da
arqueologia no rgo o qual, de acordo com Saladino, condicionado parceria com o Museu
Nacional, dirigido por Helosa Alberto Torres poca (SALADINO, 2010: 56 e 75). Essa
cooperao teria resultado em uma espcie de terceirizao das aes de preservao em
matria de arqueologia pelo rgo, delineando-se uma poltica que se estende por um delongado
perodo.
Entre as dcadas de 1950 e 1970 o SPHAN firma Termos de Cooperao com
instituies cientficas que prestam, com isso, uma espcie de consultoria quanto s aes na
rea. Trata-se do Instituto de Pr-Histria da USP, o Museu Paraense Emilio Goeldi e,
fundamentalmente, o Museu Nacional, na figura do antroplogo Luiz de Castro Faria. O
relacionamento estabelecido entre essas instituies teria sido um fator claramente responsvel
pelo retardamento da estruturao de um setor de arqueologia no rgo federal (SALADINO,
2010: 213).
32
Nos anos seguintes organizao do SPHAN as polticas de preservao do patrimnio
no Brasil adotaram uma perspectiva predominantemente esttica em detrimento do aspecto
histrico (FONSECA, 2005: 11), e praticamente no havia historiadores no quadro de
funcionrios do SPHAN, em que prevaleciam os arquitetos. Dessa forma, o conceito de
patrimnio nacional, at o final da dcada de 1970, se encontrava firmemente voltado
preservao de bens imveis, e os Livros do Tombo, com o passar do tempo, acabaram por se
hierarquizar.
Em 1956 foi produzida a Carta de Nova Dlhi, a qual define conceitos e princpios gerais
quanto proteo do patrimnio arqueolgico e estruturao de instncias nacionais para tal.
Por influncia deste documento e, entre outros fatores, por conta do engajamento de Paulo
Duarte, Castro Faria e Loureiro Fernandes, foi promulgada a Lei n 3.924/61, cuja elaborao
e aprovao em nada dependeram da DPHAN (SALADINO, 2010: 85). O texto legal, redigido
em um momento marcado pela destruio de sambaquis, estabelece a proteo automtica aos
stios arqueolgicos, alando-os categoria de bem da Unio.
Sonia Rabello, contrastando a Lei n 3.924/61 ao Decreto-Lei n 25/37 nico
instrumento jurdico efetivo de que se dispunha at ento para a preservao patrimonial ,
observa que No caso especfico das jazidas arqueolgicas, a proteo se d ex vi legis, isto ,
imediatamente, por fora da prpria lei e, por tal motivo prescinde de processo e ato
administrativo, pois seus efeitos decorrem da vigncia da lei (RABELLO, 2009: 20). No se
investiu, assim, em uma poltica de identificao desses bens no rgo, ficando esta tarefa a
cargo dos prprios arquelogos, que deveriam comunicar a existncia de tais jazidas ao longo
de suas pesquisas, ou havendo descobertas fortuitas. Somente muitos anos depois, nos anos
1990, se efetuou uma poltica de registro, enquanto ato declaratrio, por meio do Sistema de
Gerenciamento do Patrimnio Arqueolgico (SGPA) e do Cadastro Nacional de Stios
Arqueolgicos (CNSA).
Na dcada de 1970 ocorreu a indicao do muselogo Alfredo Theodoro Russins para
o desempenho das funes de Castro Faria, relativas ao repasse de verbas para pesquisas e
gerenciamento do registro de stios arqueolgicos (SALADINO, 2010: 130). Se esboou, nesse
perodo, a estruturao de um setor especfico para o patrimnio arqueolgico no instituto, alm
de ser criada a categoria de Representantes do IPHAN para assuntos de arqueologia, que se
manteve ativa at a dcada de 1980 (SALADINO, 2010: 90). Somente em 1979 ocorreu a
primeira contratao de um profissional da rea de arqueologia para integrar o quadro funcional
da instituio, a arqueloga Regina Coeli Pinheiro. Constituiu-se, com base em relatrio de sua
autoria, um Ncleo de Arqueologia no rgo federal (SALADINO, 2010: 93).
33
Os anos 1980 foram marcados pela estruturao da poltica ambiental no pas e pela
nova Constituio Federal de 1988. Em 1986 o Conselho Nacional de Meio Ambiente aprovou
a Resoluo CONAMA n 001, que garantiu a obrigao de intervenes arqueolgicas nas
obras de engenharia. A seguinte fala de Saladino sinaliza a relevncia deste momento:
Da preservao do patrimnio arqueolgico no Brasil identifiquei trs marcos
fundamentais: a criao do IPHAN e do Decreto-Lei n 25/37; a homologao da
Lei n 3.924/61 e o estabelecimento da legislao ambiental. Este ltimo ponto
trouxe a reboque o desenvolvimento da arqueologia de contrato, que est a
transformar tanto o campo no mbito acadmico quanto a prpria instituio do
patrimnio cultural (SALADINO, 2010: 278).
Ainda em 1986 foi criada a Coordenao de Arqueologia, levando adiante os arranjos
iniciados na dcada anterior. Nos anos seguintes foi emitida a Portaria SPHAN n 07 de 1988,
e ocorreu o recrudescimento das tenses entre o rgo e arquelogos. A esse respeito, a
arqueloga Gislene Monticelli considera que o recrudescimento das relaes entre esses agentes
teria sido tambm um dos desdobramentos da consolidao da legislao ambiental e do
desenvolvimento da arqueologia de contrato em si (MONTICELLI, 2005: 149). Soma-se a isso
os novos atores que entram em cena, como o IBAMA. O estmulo ao desenvolvimento da
arqueologia de contrato, enfim, se constituiu como um novo desafio ao rgo, ao qual exigido
atuar dentro de um complexo aparato legal, tendo de lidar com tcnicas, prazos e exigncias
que muitas vezes escapam a sua experincia e atribuies (DELPHIM, 2004 apud
SALADINO, 2010: 99).
Com a Poltica Nacional de Meio Ambiente (Lei n 6.938/81), as Resolues CONAMA
e a Portaria SPHAN n 07 de 1988, se firmaram as prticas de Avaliao de Impacto Ambiental
no Brasil, cujos estudos passaram a reservar importante espao arqueologia. O licenciamento
ambiental foi exigido para a aprovao dos empreendimentos pblicos ou privados, rurais ou
urbanos, industriais ou no, desde que lesivos ao meio ambiente, como afirma Jos Luiz de
Morais (2006: 194). A Resoluo CONAMA n 001/86, especificamente, teve como propsito
salvaguardar o ambiente de impactos desastrosos de grandes e mdios empreendimentos, sendo
que, para isso, os rgos ambientais estaduais, com a delegao do IBAMA, ficaram
incumbidos de exigir dos empreendedores a produo do EIA/RIMA Estudo de Impacto
Ambiental/Relatrio de Impacto Ambiental4.
4 O EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental / Relatrio de Impacto Ambiental) est entre os documentos e
outros estudos ambientais previstos na legislao federal como possveis exigncias ao longo do processo de
licenciamento obrigatrio de determinadas obras ou atividades pontuais causadoras de impacto ambiental. Alm
do EIA, o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhana), o RAP (Relatrio Ambiental Preliminar) e o PCA (Plano de
Controle Ambiental) devem subsidiar a emisso de uma Licena Ambiental Prvia, conforme o caso.
34
Em 1990 a SPHAN e, junto com ela a Coordenao de Arqueologia, so
temporariamente extintas com o desmantelamento do Setor da Cultura pelo Governo Collor.
Tambm neste ano foi emitida a Carta de Lausanne, documento internacional cuja repercusso
foi claramente sentida nos anos seguintes no Brasil. Nos anos subsequentes foi elaborado o
Manual de Gerenciamento do Patrimnio Arqueolgico por agentes do rgo, que buscavam
normatizar as prticas de gesto sobre este campo.
Com o IPHAN reestabelecido, em 1998 foi implantado o Sistema Nacional do
Patrimnio Arqueolgico (SGPA). Este sistema consistia em um banco de dados com campos
para o preenchimento das fichas do Cadastro Nacional de Stios Arqueolgicos (CNSA),
compreendendo, ainda, o Inventrio Nacional de Colees Arqueolgicas (INCA) e o controle
do que foi agrupado em Projetos e Relatrios de Pesquisa Arqueolgica (PPA/RPA). De acordo
com a arqueloga Maria Lcia Pardi, por mais de seis anos uma Ficha de Registro dos Stios
Arqueolgicos teria sido estudada e testada por pessoal cientfico e tcnico especializado at
ser finalmente regulamentada pela Portaria IPHAN n 241/98 de acordo com a qual
profissionais e amadores encaminhariam registros, que uma vez revisados e confirmados,
poderiam ser agregados ao banco de dados que compe o CNSA (PARDI, 2002: 133-134). O
SGPA foi criado no mbito do Departamento de Documentao e Identificao do rgo
(DID/IPHAN), com colaborao de arquelogos e tcnicos em informtica e sob coordenao
da arqueloga Catarina Eleonora Silva, ento Coordenadora de Identificao (PARDI, 2002:
134-135).
Todavia, somente em 2001 criada a nova Coordenao de Arqueologia o que leva
emisso da Portaria IPHAN n 230 em 2002 (Anexo A), uma vez que havia carncia quanto
normatizao das pesquisas arqueolgicas que deveriam ser desempenhadas em cada etapa do
licenciamento ambiental (MORAIS, 2006: 195). A Portaria, portanto, visou compatibilizar as
atividades de pesquisa com a obteno das licenas ambientais: Licena Prvia, Licena de
Implantao e Licena de Operao estabelecidas na Resoluo CONAMA n 237/97.
Ainda na dcada de 1990 foi aprovada a Lei Rouanet (Lei n 3.813/91), e em 1996 foi
criado o Programa Monumenta, em um quadro de incentivo s polticas culturais que, todavia,
teve pouco apelo no mbito da arqueologia. Em 2003 teve incio o Plano de Acelerao do
Crescimento, e ganharam espao polticas desenvolvimentistas que tm afetado drasticamente
o campo da preservao nos dias de hoje.
preciso frisar que ainda em 2000 foi aprovado o Decreto n 3.551/00, que instaura a
Poltica Nacional de Patrimnio Imaterial e o Registro dos Bens Culturais de Natureza
Imaterial, seguido poucos anos depois pela criao do Departamento do Patrimnio Imaterial
35
(DPI) no rgo. O ano de 2009, por sua vez, marcou grandes mudanas no campo, com a
aprovao do Estatuto dos Museus, a criao do IBRAM e o Decreto n 6844/09, que
estabeleceu a reestruturao do IPHAN e a readequao de seu desenho institucional. Por meio
deste Decreto foi criado o Centro Nacional de Arqueologia (CNA), tido como Unidade Especial
vinculada ao Departamento de Fiscalizao e Patrimnio Material (DEPAM). Saladino, a este
respeito, pde fazer a seguinte avaliao:
A consolidao do discurso do patrimnio intangvel provocou a criao de um
departamento especfico, responsvel pelo desenvolvimento de um conjunto de
aes e instrumentos de proteo. A articulao dos atores do campo dos museus
resultou na criao de uma autarquia comprometida com a consolidao de uma
poltica nacional para o setor. No entanto, considerando a evoluo do desenho
formal da organizao e a dotao oramentria destinada a uma categoria de
bem diretamente afetada por questes extra-institucionais (como o Plano de
Acelerao do Crescimento), foi possvel compreender que a forma
organizacional do IPHAN de certa forma ainda reproduz os valores relacionados
ao patrimnio edificado em detrimento daqueles relacionados aos vestgios de
sistemas culturais pretritos (SALADINO, 2009: 170).
Na trajetria do rgo seria, assim, claramente possvel observar que o local destinado
arqueologia tem sido um local secundrio ou auxiliar, havendo um processo de
marginalizao que se arrasta desde a criao deste aparelho. Este quadro tem sido evidenciado
com o desenvolvimento da arqueologia de contrato, que, por sua vez, tem transformado a
prpria disciplina e permitido visualizar a insuficincia do atual aparato federal de proteo ao
patrimnio arqueolgico sobretudo quando condies extrainstitucionais dificultam o
cumprimento das normativas de que dispomos.
Como sabemos, as inovaes na legislao nacional geraram um volume crescente de
pesquisas arqueolgicas no pas. Foi em funo do licenciamento ambiental que se desenvolveu
aqui a chamada arqueologia de contrato, definio utilizada para se referir s pesquisas
produzidas a respeito do patrimnio arqueolgico a ser impactado pela instalao ou operao
de algum empreendimento de infraestrutura. A realizao destas pesquisas, por sua vez,
compreende a prestao de servios de entes privados, ou seja, a atuao de instituies ou
empresas de consultoria em arqueologia ou patrimnio cultural.
As transformaes que caracterizam o cenrio recente da arqueologia por contrato
incluem a dinamicidade das pesquisas e a emergncia de um novo tipo de profissional, muito
mais ativo e multifacetado, embora levado a dar conta de funes que originalmente no lhe
competiam. preciso considerar que, anteriormente, as pesquisas eram realizadas pelos poucos
acadmicos e profissionais que atuavam em Universidades, Museus ou outras instituies de
36
pesquisa, produzindo-se trabalhos esparsos, de longa durao e de mbito regional, muitas
vezes isolados e com pouca socializao dos resultados. O processo licenciatrio, por sua vez,
exige maior celeridade s pesquisas, previstas para ocorrer em um reduzido prazo de tempo e
em espaos bastante delimitados pelo carter do empreendimento. So pesquisas pontuais,
portanto, que permitiriam ao arquelogo divulgar e contrapor seus resultados com maior
presteza.
O volume destas pesquisas tem exigido a formao de muitas equipes pelo pas,
constitudas idealmente por coordenadores de campo, tcnicos em arqueologia, auxiliares,
tcnicos de laboratrio, gestores, muselogos, educadores, entre outros profissionais. O prprio
arquelogo teve que se adaptar a novas reas de atuao e a um novo perfil que lhe exigido.
A formao profissional na rea, dessa forma, tambm passou por grandes alteraes e
crescimento.
Mais recentemente, este quadro tem sido fortalecido pelo contexto econmico nacional,
marcado por programas desenvolvimentistas, em especial de carter federal, sendo este,
notadamente, o caso do Plano de Acelerao do Crescimento (PAC). Estes grandes programas
preveem inmeras obras, dos mais diferentes tipos, estando todas sujeitas s licenas
ambientais. Podem ser lembrados ainda os projetos que concernem Copa do Mundo em 2014
e s Olimpadas em 2016, e srie de reformas urbanas que estes abarcam previstas para
contar com intensivo acompanhamento de profissionais da rea de preservao do patrimnio
cultual e, por conseguinte, arqueolgico.
Nesse sentido apresento o grfico abaixo, com a relao de projetos de arqueologia
aprovados atravs das Portarias de pesquisa emitidas pelo Centro Nacional de Arqueologia a
cada ano das ltimas duas dcadas. notvel o crescimento vertiginoso do nmero de Projetos.
Se em 1991 cinco deles foram aprovados, em 2011 este nmero chega a mil e vinte e dois.
37
Grfico 01: Projetos de Arqueologia: Total de Permisses e Autorizaes por ano (1991-2012).
interessante lembrar a distino entre Permisso e Autorizao, j utilizada na Lei n
3.924/61 e reiterada na Portaria SPHAN n 07 de 1988. A primeira dirigida a pessoas jurdicas
privadas, como as empresas de consultoria, e a segunda referente s instituies cientficas
especializadas da Unio, dos Estados e dos Municpios, para realizarem escavaes e pesquisas
em propriedade particular. Embora este dado no esteja representado no grfico, o nmero de
Autorizaes mnimo se comparado ao de Permisses. Todavia, esta distino precisa ser
relativizada na medida em que muitas instituies situam-se no liame entre as duas categorias.
A seguir, avancei justamente no debate introduzido aqui sobre os tipos de pesquisas
arqueolgicas realizadas no pas.
5
15
21
21
19
25
68
45
69
77
142
232
265
323
414
424
525
771
756
862
1022
947
0 200 400 600 800 1000 1200
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Projetos de Arqueologia: Total de Permisses e Autorizaes por ano*
*Incluindo-se os casos de Renovao. Dados obtidos junto ao Centro Nacional de Arqueologia,atravs do Grupo de Divulgao das Aes do CNA (grupo de e-mails criado em 2011).
38
1.2. O cenrio recente da arqueologia no pas
Pareceu-me fundamental introduzir alguns pontos quanto ao desenvolvimento da
arqueologia por contrato no pas, inclusive para que adiante fosse possvel verificar em que
medida a recorrncia aos TACs acompanha a conformao deste quadro. As discusses sobre
arqueologia no licenciamento ambiental foram aqui tratadas brevemente, com a finalidade de
no desviar o foco da pesquisa, sendo levantadas na medida em que auxiliam a tomar certos
posicionamentos e a compreender a trajetria de adoo dos TACs, como citado. Afinal, um
bom nmero de trabalhos j se voltou ao tema, havendo uma bibliografia bastante rica a
respeito.
Monticelli, em sua tese intitulada Arqueologia em obras de engenharia no Brasil: uma
crtica aos contextos (2005), comps um panorama das pesquisas arqueolgicas em obras de
infraestrutura brasileiras por meio de uma anlise crtica e contextual do cenrio formado. Nesse
sentido, desenvolveu extenso levantamento das legislaes em vigor sobre a matria em vrios
pases, indicando algumas convenes internacionais e as leis especficas que tratam do impacto
das grandes obras e intervenes arqueolgicas. A autora elaborou, ainda, um histrico da
discusso no Brasil a esse respeito, explorando os eventos em que tais debates tomam lugar, o
tratamento dado ao tema nos congressos da rea e as publicaes sobre tal campo de atuao.
Quanto s primeiras pesquisas desenvolvidas no mbito do contrato, Monticelli aponta:
Podemos destacar, no Brasil, como trabalho pioneiro na rea de arqueologia de
salvamento, aquele desenvolvido, desde a dcada de 1960, pelo arquelogo Igor
Chmyz, da Universidade Federal do Paran, na UHE Salto Grande, no Rio
Paranapanema, entre os anos de 1965-1968, UHE Xavantes (1965-1968) e na
parte brasileira da Usina Hidreltrica Itaipu (1975-1983) (MONTICELLI, 2005:
229).
Este ltimo caso, particularmente, foi marcado pela elaborao de convnio, em 1975,
entre a Itaipu Binacional e a Subsecretaria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
(SPHAN), ento subordinada Secretaria de Cultura do MEC (MONTICELLI, 2005: 231). A
autora, contudo, fez um remarque:
O grande impulso recebido pela arqueologia em obras, sejam elas civis ou
pblicas, no aconteceu propriamente pela acelerao da ocorrncia de grandes
obras (na medida em que estas j estavam sendo implantadas nas ltimas duas
dcadas de forma cada vez mais intensa), mas se deu por conta da implantao
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de legislao que regulamenta o impacto ambiental dessas obras, onde incluiu-
se, em alguns casos, a pesquisa arqueolgica. em resposta obrigatoriedade
determinada pela lei que se cria esta aplicao da arqueologia, e o mercado de
trabalho da profisso alterado (MONTICELLI, 2005: 151-152).
propriamente nesse sentido que para o arquelogo Andr Penin de Lima a arqueologia
de contrato teria por marco inicial no pas a Resoluo CONAMA 001/86 (LIMA, 2010: 42).
O principal impulso transformador, assim, teriam sido as normativas em avaliao de impactos
ambientais, e no os empreendimentos ou o desenvolvimentismo em si, por mais que obras de
grande porte e respectivas pesquisas arqueolgicas tenham sido desenvolvidas anos antes.
Compreendi, quanto ao tema, que os intervalos desenvolvimentistas correspondentes
presidncia de Juscelino Kubistchek e ditadura militar teriam estimulado a implantao de
grandes empreendimentos de infraestrutura, que, assim como em outras partes do mundo,
chamaram ateno necessidade de que fosse promovida legislao especfica para tratar da
proteo ambiental.
De qualquer forma, tendo em vista fatores como a influncia da legislao internacional,
a ratificao das convenes que tocam esta matria e a presso do movimento ambientalista,
muitos pases implantaram suas leis de proteo ambiental e ao patrimnio arqueolgico por
volta da dcada de 1980 (MONTICELLI, 2005: 129). Tambm foi neste perodo que as
discusses sobre o assunto se complexificaram e as produes a respeito ganharam maior
visibilidade.
Um dos assuntos recorrentes na bibliografia existente quanto ao tema diz respeito
legislao e aos programas governamentais de proteo organizados nos Estados Unidos como
Cultural Resources Management (CRM) Gesto de Recursos Culturais, hoje referida mais
como Cultural Heritage Management a partir de 1969, ou em outros pases como
Archeological Heritage Management5.
[CRM] um termo bonito que significa tentar tomar conta daquilo que
importante para as pessoas por razes culturais incluindo stios arqueolgicos, mas incluindo tambm velhas edificaes, vizinhanas, msicas, histrias,
formas de dana, crenas e prticas religiosas no contexto das leis, poltica, governos e formas econmicas do mundo moderno (KING apud LIMA, 2010:
27).
Embora a definio de Thomas King seja bastante abrangente, na prtica o campo
acabou tendo por foco a ar