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Artigos Doutrinários 41 Pólo Norte e Pólo Sul: Uma análise comparativa do Direito Internacional Ambiental no Ártico e na Antártica, reflexo dos regimes jurídicos de Hard Law e Soft Law Gabriela Garcia Batista Lima* Vitor Eduardo Tavares de Oliveira** 1. Introdução: Os regimes internacionais e o Direito Internacional Ambiental O presente artigo visa comparar os dispositivos normativos sobre direito ambiental que regulam as regiões Ártica e a Antártica. Nesse sentido, cabe, pri- meiramente,destacaralgumasassimetriasgeográficas, políticaseeconômicasparamelhorentendimentodo assunto.Ilustra-se,inicialmente,ocontextoemqueas regulamentaçõesambientaisdetaisregiõesseinserem, qual seja, o Direito Internacional Ambiental com foco paraoestudodadiferençaentreosrespectivosregimes ambientais,abordandonesseaspecto,comoparâme- tros de pesquisa, a natureza desses regimes e o modo decontroledesuasnormas,nosentidodeseidentificar comosetrataaefetividadedostratadosecomosedáa exigência do seu cumprimento. Osregimesinternacionaissãoosprincípios,nor- mas,regrasedecisõesreflexosdaconvergênciadein- teresses de seus atores. Os princípios são o conjunto coerentedeestabelecimentosteóricos,asnormases- pecificamformasgeraisdecomportamento,easregras edecisõessereferemaprescriçõesespecíficasdecom- portamento em áreas definidas. 1 *Mestranda, bolsista da CAPES, em Direito das Relações Internacionais do UniCEUB, em Brasília. Pesquisadora do UniCEUB,membrodosgruposdepesquisa:Ainternacionalização dos Direitos, Núcleo de Estudos Constitucionais - NEC, GERIMA, Governança Corporativa. Cursa a especialização em Direito Internacional Ambiental da United Nation Institute for Training and Research/UNITAR. ** PesquisadorbolsistadoConselhoNacionaldeDesenvolvimento CientíficoeTecnológico–CNPq,membrodosgruposdepesquisa: AinternacionalizaçãodosDireitos,MercosuleNovasTendências do Direito Público, todos do Uniceub. Cursa a especialização em Direito Internacional Ambiental da United Nation Institute for Training and Research/ UNITAR. 1 KRASNER, Stephen D. Structural Conflict: The Third WorldAgainstGlobalLiberalism.UniversityofCalifornia Press/ Berkeley, Los Angeles, London, p. 04. O desenvolvimento do Direito Internacional Ambiental foi sendo estabelecido no parâmetro dos interesses dos diversos sujeitos das relações interna- cionais,emváriasquestões.Osregimesrepresentama própria dinâmica do Direito Internacional na medida emcomportamopróprioresultadodainteraçãointer- nacional, que não se limitam mais somente aos Esta- dos,alémdasváriasformasqueessesregimespossam adquirir na elaboração das normas. É dizer que os regimes constituem a própria expansão do direito internacional, pois se verifica a necessidadederegulamentaçãointernacionaldeas- suntos que antes eram tratados apenas no âmbito in- terno, como ocorre com o âmbito do meio ambiente, conseqüênciadadescentralizaçãodasfontesdoDirei- to Internacional. Essa descentralização é oriunda da atribuiçãoprogressivadecapacidadeparaseemanar e controlar as normas internacionais às organizações internacionais e supranacionais. 2 Os regimes ambientais se inserem na concreti- zaçãododesenvolvimentosustentável 3 ,namedidaem que compõem a regulamentação da exploração dos respectivos recursos naturais de modo a viabilizar o desenvolvimentodasatividadeshumanascomama- nutençãodaqualidadeambiental,paraaspresentese futuras gerações. É a normatização da racionalização daaçãohumana,levando-seemcontaosaspectosde suas conseqüências no meio ambiente. Em suma, a multiplicidade de atores na cena in- ternacionaleaexploraçãodesetoressociais,cujasex- 2 VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídicointernacional:algunsproblemasdecoerênciasistêmica. RevistadeInformaçãoLegislativa.Brasíliaa.42n.167jul/set.2005. 3 Utiliza-seoconceitodedesenvolvimentosustentáveltendocomo princípiosaquelesorientadosporIgnacySachs,emque,emsuma, odesenvolvimentodeveinseriremsuaperspectiva,aconciliação da atividade com a preservação dos recursos ambientais que utiliza e nos quais afeta ou pode vir a afetar. SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento:crescersemdestruir.SãoPaulo:Vértice,1986, p. 09. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 20, n. 5, maio. 2008

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Pólo Norte e Pólo Sul: Uma análise comparativa do Direito Internacional Ambiental no Ártico e na Antártica, reflexo

dos regimes jurídicos de Hard Law e Soft LawGabriela Garcia Batista Lima*

Vitor Eduardo Tavares de Oliveira**

1. Introdução: Os regimes internacionais e o Direito Internacional Ambiental

O presente artigo visa comparar os dispositivos normativos sobre direito ambiental que regulam as regiões Ártica e a Antártica. Nesse sentido, cabe, pri-meiramente, destacar algumas assimetrias geográficas, políticas e econômicas para melhor entendimento do assunto. Ilustra-se, inicialmente, o contexto em que as regulamentações ambientais de tais regiões se inserem, qual seja, o Direito Internacional Ambiental com foco para o estudo da diferença entre os respectivos regimes ambientais, abordando nesse aspecto, como parâme-tros de pesquisa, a natureza desses regimes e o modo de controle de suas normas, no sentido de se identificar como se trata a efetividade dos tratados e como se dá a exigência do seu cumprimento.

Os regimes internacionais são os princípios, nor-mas, regras e decisões reflexos da convergência de in-teresses de seus atores. Os princípios são o conjunto coerente de estabelecimentos teóricos, as normas es-pecificam formas gerais de comportamento, e as regras e decisões se referem a prescrições específicas de com-portamento em áreas definidas.1

* Mestranda, bolsista da CAPES, em Direito das Relações Internacionais do UniCEUB, em Brasília. Pesquisadora do UniCEUB, membro dos grupos de pesquisa: A internacionalização dos Direitos, Núcleo de Estudos Constitucionais - NEC, GERIMA, Governança Corporativa. Cursa a especialização em Direito Internacional Ambiental da United Nation Institute for Training and Research/UNITAR.

** Pesquisador bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, membro dos grupos de pesquisa: A internacionalização dos Direitos, Mercosul e Novas Tendências do Direito Público, todos do Uniceub. Cursa a especialização em Direito Internacional Ambiental da United Nation Institute for Training and Research/ UNITAR.

1 KRASNER, Stephen D. Structural Conflict: The Third World Against Global Liberalism. University of California Press/ Berkeley, Los Angeles, London, p. 04.

O desenvolvimento do Direito Internacional Ambiental foi sendo estabelecido no parâmetro dos interesses dos diversos sujeitos das relações interna-cionais, em várias questões. Os regimes representam a própria dinâmica do Direito Internacional na medida em comportam o próprio resultado da interação inter-nacional, que não se limitam mais somente aos Esta-dos, além das várias formas que esses regimes possam adquirir na elaboração das normas.

É dizer que os regimes constituem a própria expansão do direito internacional, pois se verifica a necessidade de regulamentação internacional de as-suntos que antes eram tratados apenas no âmbito in-terno, como ocorre com o âmbito do meio ambiente, conseqüência da descentralização das fontes do Direi-to Internacional. Essa descentralização é oriunda da atribuição progressiva de capacidade para se emanar e controlar as normas internacionais às organizações internacionais e supranacionais.2

Os regimes ambientais se inserem na concreti-zação do desenvolvimento sustentável3, na medida em que compõem a regulamentação da exploração dos respectivos recursos naturais de modo a viabilizar o desenvolvimento das atividades humanas com a ma-nutenção da qualidade ambiental, para as presentes e futuras gerações. É a normatização da racionalização da ação humana, levando-se em conta os aspectos de suas conseqüências no meio ambiente.

Em suma, a multiplicidade de atores na cena in-ternacional e a exploração de setores sociais, cujas ex-

2 VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns problemas de coerência sistêmica. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 42 n. 167 jul/set. 2005.

3 Utiliza-se o conceito de desenvolvimento sustentável tendo como princípios aqueles orientados por Ignacy Sachs, em que, em suma, o desenvolvimento deve inserir em sua perspectiva, a conciliação da atividade com a preservação dos recursos ambientais que utiliza e nos quais afeta ou pode vir a afetar. SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986, p. 09.

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pectativas ampliaram-se para alcançar, além dos aspec-tos econômicos da vida humana, outras necessidades e modo de organização os mais variados, como, por exemplo, a própria questão da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável, extrapolando os limites clássicos de percepção da juridicidade territorial, pro-vocaram o surgimento de regimes normativos autôno-mos dissociados do Estado, liberados dessa limitação territorial estatal.4

Talvez a mais significante contribuição da teoria dos regimes tem sido a sua ênfase no âmbito das or-ganizações internacionais voltadas para a questão am-biental, e na efetividade da aplicação de suas normas.5 Os regimes são específicos no que se refere à matéria e ao modo de tratar essa matéria, adquirindo uma verda-deira autonomia na regulamentação daquela questão, e por isso se verifica uma mudança na perspectiva da efetividade do Direito Internacional.

Nessa perspectiva, a presente análise atua no âm-bito do direito internacional ambiental, dirigida para o estudo da diferença entre os regimes ambientais das regiões Ártica e Antártica, abordando como parâme-tros de pesquisa, a natureza dos regimes e o modo de controle de suas normas, no sentido de se identificar como tratam a efetividade dos tratados e como exigem o seu cumprimento.

2. O Direito Internacional Ambiental da região Antártica

O continente antártico é rodeado pelo Oceano Austral, delimitado pela chamada Convergência An-tártica, que é formada pelas correntes geladas do Oce-ano Antártico e as águas quentes do norte, formando uma barreira biológica própria que caracteriza o seu ecossistema.6 O continente onde foi registrada a tem-peratura mais fria de todos os tempos (-89,2°C na esta-ção Vostok em 21/07/1983)7 é localizado no Pólo Sul

4 CONI, Luís Cláudio. A internacionalização do Poder Constituinte. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editora, 2006, p. 65.

5 SAND, Peter H. The role of international organizations in tje Evolution of environmental Law. UNITAR, Geneva, Switzerland, 1997, p. 04.

6 CCAMLR. General Introduction. Disponível em: [http://www.ccamlr.org/pu/e/gen-intro.htm]. Acesso em 15/03/2008.

7 INFO_ESCOLA. Disponível em: [http://www.infoescola.com/geografia/antartica-antartida/]. Acesso em 15/03/2008.

do planeta, cercado pelos oceanos Pacífico e Atlântico. Durante todo o ano quase que sua totalidade territorial permanece congelada. A Região Antártica é o único continente que não possui população permanente.

A regulamentação ambiental pertinente é pre-dominantemente marinha. Como uma das peculiari-dades do Direito Internacional Ambiental, destaca-se o Tratado da Antártica. Segundo o Núcleo Antártico da UFSM, órgão suplementar do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM):

Em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos realizaram sua primeira expedi-ção de grande porte à Antártica, denominada Ope-ração High Jump, Salto Grande, comandada pelo Almirante Byrd, a qual contou com nove navios, um submarino e um navio quebra-gelos. Posterior-mente, entre 1949 e 1952, ocorreu a primeira ex-pedição internacional, com a participação da Ingla-terra, Noruega e Suécia, fornecendo as bases para o Ano Geofísico Internacional. No Ano Geofísico Internacional, ocorrido de 1º de julho de 1957 a 31 de dezembro de 1958, foi realizado um programa científico de grande envergadura, com a partici-pação de 12 países, a saber: Argentina, Austrália, África do Sul, Bélgica, Chile, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, ex-URSS, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos da América do Norte. Em 1959, esses países elabora-ram e assinaram, em Washington, o Tratado da An-tártica, firmando o primeiro estatuto jurídico para a Antártica. Depois do Ano Geofísico Internacional, muitas nações estabeleceram estações na região.8

Desse modo, o continente Antártico é regido pelo Tratado da Antártica, onde os países abrem mão da soberania sobre determinadas regiões do continen-te e fica acordado que a Antártica será usada somente para pesquisa científica com cooperação entre os paí-ses. Esse tratado é o único no campo do Direito Inter-nacional Público, com os seguintes destaques:

A Antártica só pode ser usada para fins pa-cíficos. Todas as atividades militares são proibidas, mas a utilização de pessoal ou equipamento mili-tar para pesquisas científicas ou outro fim pacífico pode ser feita. (Artigo I)

8 O Núcleo Antártico da UFSM é um órgão suplementar do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Disponível em: [http://www.ufsm.br/antartica/41.html]. Acesso em 14/03/2008.

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A liberdade de pesquisa científica na Região Antártica é o princípio básico do Tratado. (Artigo II)

A cooperação internacional na investigação científica deve ser promovida através do intercâm-bio de planos de programas científicos, cientistas, observações científicas e resultados. (Artigo III)

O Tratado colocou de lado todas as reclama-ções territoriais e não permite nenhum novo pedi-do ou extensão dos pedidos existentes. (Artigo IV)

Qualquer explosão nuclear ou depósito de lixo atômico são proibidos na Antártica. (Artigo V)

Todas as estações e equipamentos podem ser inspecionados por observadores indicados por um ou mais membros do Tratado. (Artigo VII).9

O Tratado da Antártica não estabeleceu estrutu-ras permanentes, pois o artigo IX assevera que as Par-tes Contratantes reunir-se-ão em intervalos e lugares convenientes, a fim de formularem e recomendarem, a seus Governos, medidas modificativas dos seus princí-pios e objetivos. Contudo, vale citar as observações do Núcleo Antártico da UFSM, que pondera:

Atualmente, existem duas posições políticas defendidas pelos países com interesse na Antártica: a territorialista e a não-territorialista. Os defensores da posição territorialista alegam que o Continente Antártico é passível de apropriação e de ser sub-metido a soberania e jurisdição nacionais. Reivindi-cam a anexação de seções do Território Antártico às respectivas soberanias nacionais. Essa posição é defendida pela Argentina, Austrália, Chile, França, Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido. Em torno de quatro quintos da Antártica foram divididos em setores pelos meridianos que se encontram no Pólo Sul. Somente o Setor do Pacífico, o quinto restante, não foi demarcado. Países como o Chile, Argentina e Reino Unido reivindicam porções territoriais que se superpõem. Os defensores da posição não-ter-ritorialista não reivindicam nem aceitam qualquer reivindicação territorial, preferindo a liberdade de atuação em qualquer setor da Antártica. Essa posi-ção é defendida pelos demais países do grupo con-sultivo do Tratado da Antártica, dentre os quais o Brasil, Equador, Peru e Uruguai.

Uma nova corrente vem marcando, ultima-mente, uma terceira tese, a posição internacionalis-ta, opositora do Tratado da Antártica, deseja ver o Continente Antártico alçado à situação de patrimô-

9 SOUTO, Erick Nilson, O Brasil e a Antártida, aspectos ambientais, científico-tecnológico e de cooperação internacional. PUC/MINAS. Disponível em: [http://www.falke.com.br/introducao.htm]. Acesso em 13/03/2008.

nio comum da Humanidade, sob a égide das Na-ções Unidas. 10

Além desse tratado constitutivo, existem duas convenções que visam à exploração de recursos na-turais, que são a Convenção para a Conservação das Focas Antárticas, que tem o objetivo de monitorar o desenvolvimento das populações de focas marinhas antárticas (CCAS); e a Convenção sobre a Comissão Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, que entrou em vigor em 1982, como parte e em confor-midade com o Tratado da Antártica, e visa regulamen-tar o aproveitamento de todas as espécies de recursos vivos marinhos na área do Tratado (CCAMLR).11 Estas duas convenções geram reuniões separadas e podem ser ratificadas por Estados não participantes do Trata-do da Antártica.

Em 1991, foi aprovado o “Protocolo sobre Prote-ção Ambiental para o Tratado da Antártica”, conheci-do como Protocolo de Madri, na “XI Reunião Consul-tiva Especial do Tratado da Antártica”. Esse protocolo impede a exploração mineral que não seja para fins de pesquisa e prescreve normas de preservação ambiental.

Existem, ainda, cinco anexos do Protocolo Am-biental que regulamentam o EIA, Environmental Im-pact Assessment (Avaliação de Impacto Ambiental), sob os aspectos de depósito de lixo, conservação da flora e fauna, poluição marinha, e a proteção de áreas especiais. E um sexto anexo, sobre responsabilidades econômicas em caso de dano ambiental encontra-se em negociação atualmente.

Tais convenções remetem para a concretização do desenvolvimento sustentável, na medida em que determinam a necessidade de uma exploração racional dos recursos, pelo estabelecimento de um critério de precaução para minimizar o risco associado às práticas econômicas pertinentes, requerendo, para tanto, a for-mulação de informações e técnicas científicas adequadas.

A Antártica é detentora de recursos naturais que certamente motivam a cobiça dos países. Pesquisas ali

10 Núcleo Antártico da UFSM é um órgão suplementar do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Disponível em: [http://www.ufsm.br/antartica/43.html]. Acesso em 14/03/2008.

11 SOUTO, Erick Nilson, O Brasil e a Antártida, aspectos ambientais, científico-tecnológico e de cooperação internacional. PUC/MINAS. Disponível em: [http://www.falke.com.br/introducao.htm]. Acesso em 13/03/2008.

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conduzidas mostram a ocorrência de mais de cento e setenta e seis minerais, energéticos e não energéticos, entre eles prata, ferro, urânio, carvão, ouro e petróleo. Estudos do litoral e da plataforma continental revelam a existência de lençóis de gás natural e de petróleo em quantidade que pode ser medidas em bilhões de barris. “Logo, a decisão por parte de algum país em explorar recursos em área reivindicada por outro Estado, cer-tamente seria fator de tensão que poderia colocar em perigo todo o sistema do Tratado da Antártica”12.

“Assim, devem ser cumpridas certas regras de procedimento, dentre as quais, as abaixo listadas:

a. Evitar ao máximo caminhar sobre a vege-tação;

b. Não perturbar desnecessariamente os ani-mais naturais da região;

c. Não afugentar, nem fustigar as aves (skuas, petréis, gaivotas e pingüins) nos ninhos;

d. Não caminhar indiscriminadamente den-tro de colônias de aves;

e. Não usar arma de qualquer natureza;

f. Não introduzir plantas ou animais na An-tártica sem prévia consulta formal ao Programa An-tártico Brasileiro (PROANTAR);

g. Não entrar nas áreas consideradas, por acordos internacionais, “Área especialmente protegidas”(“SPA”) – e somente penetrar nos “Sí-tios de Especial Interesse Científico “ (“SSSI”) para realização de pesquisa aprovada pelo Programa An-tártico Brasileiro (PROANTAR);

h. Não pintar ou escrever nas rochas e insta-lações da região;

i. Não coletar ovos, fósseis, liquens, animais de qualquer espécie; e

j. Não deixar ao relento lixo, por exemplo, pontas de cigarros, plásticos, papéis, etc... “Esses detritos deverão ser coletados e transportados para o(s) navio(s), aeronave(s) ou para a Estação Antártica “Comandante Ferraz”.” 13

No que se refere à concretização das normas des-sas Convenções, um dos atores mais importantes para o desenvolvimento da conservação ambiental na An-tártica é a Comissão para a Conservação dos Recursos

12 SOUTO, Erick Nilson, O Brasil e a Antártida, aspectos ambientais, científico-tecnológico e de cooperação internacional. PUC/MINAS. Disponível em: [http://www.falke.com.br/introducao.htm]. Acesso em 13/08/2008.

13 PROGRAMA ANTÁRTICO BRASILEIRO (PROANTAR): Informações aos participantes do vôo, 1998, p. 19-21.

Vivos Marinhos Antárticos, formada por alguns dos Estados partes, dentre eles o Brasil.14 A Comissão im-plementa a Convenção para a proteção das Focas da Antártica e a Convenção para a conservação dos Re-cursos Vivos Marinhos Antárticos.15

Em geral, são os membros da Comissão que são responsáveis pela eficácia das normas, todavia, eles têm efetuado diversas publicações para um apoio ao seu trabalho e ao trabalho do Comitê Científico, que são o Informe da Reunião Anual da Comissão, o Informe da Reunião Anual do Comitê Científico, a lista das Medi-das de Conservação e um Boletim Estatístico. 16

Quanto à identificação da natureza do regime, e de como se exige o cumprimento das normas, na região da Antártica, merece destaque as Medidas de Conservação. São adotadas pela Comissão, baseadas no assessoramento científico disponível e o seu cum-primento determina o seu grau de eficácia. Na medida em que os recursos adquirem maior importância eco-nômica, aumenta a tentação de se ignorar as medidas de conservação. Além disso, a imensidade do Oceano Austral é um obstáculo para a aplicação controle das medidas, sendo o maior problema é na área da pesca.

Essas medidas são atualizadas todos os anos, e a fim de melhorar a sua implementação, foi adotado um sistema de documentação de capturas, para controlar o desem-barque da pesca, sendo que o Bacalhau foi o primeiro a ser regulado pelo sistema, a fim de monitorar a pesca e o comércio.17

A título ilustrativo, a Lista das Medidas de Con-servação vigentes na Temporada 2007/2008 retrata para o estabelecimento de regras adicionando as no-vas pesquisas e regulamentos que se fazem necessários diante destas, determinando uma série de orientações do procedimento a ser adotado pelos membros que querem estabelecer a atividade naquela região, sendo que, no que tange as medidas para promover o cum-primento das regras estabelecem como sanções o can-

14 CCAMLR. Afiliación a la Comissión. Disponível em: [http://www.ccamlr.org/pu/s/ms/contacts.htm]. Acesso em 15/03/2008.

15 SAND, Peter H. The role of international organizations in tje Evolution of environmental Law. UNITAR, Geneva, Switzerland, 1997, p. 48.

16 CCAMLR. Publicaciones. Disponível em: [http://www.ccamlr.org/pu/s/pubs/intro.htm]. Acesso em 15/03/2008.

17 CCAMLR. General Introduction. Disponível em: [http://www.ccamlr.org/pu/e/gen-intro.htm]. Acesso em 15/03/2008.

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celamento da licença de pesca, confiscar a captura dos peixes, proibir o apoio a tais barcos, e etc, tudo a ser feito pela parte contratante responsável.18 Verificada alguma irregularidade, cabe ao Estado membro res-ponsável aplicar a sanção pertinente, sendo que isso é apurado mediante informações entre os Estados, com o auxílio da Comissão, e das informações coletadas pelo seu sistema e pelo Comitê Científico.

As medidas de conservação consistem em uma série de princípios e normas que norteiam a atividade dos membros. Nesse sentido, vale ressaltar que os res-ponsáveis pela implementação de tais normas, e pela punição quando do não cumprimento são as partes, e não um órgão internacional autônomo designado para isso. A resolução de conflitos no que tange ao descum-primento é realizada por meios diplomáticos de troca de informações e relatório de ações, a fim de saber se os membros cumpriram as medidas.

Nesse sentido, a efetividade das normas, em es-pecial, das Medidas de Conservação, que representam o principal conjunto de normas de proteção ambiental na região da Antártica, depende da atuação das partes, cujo principal instrumento para tanto se demonstra ser o incentivo para a atuação regular da atividade, a fim de que os pescadores respectivos obedeçam às medi-das de conservação aplicadas, sendo que as sanções são aplicadas pelos próprios membros, e não por um ente autônomo, ou um Tribunal próprio.

3. O Direito Internacional Ambiental da região do Ártico

A região do Ártico possui mais de 30 milhões de quilômetros e vinte e quatro fusos horários, e uma população de cerca de quatro milhões de pessoas, sen-do uma região de vastos recursos naturais.19 É região ao norte, onde se encontra o Oceano Ártico e o Pólo Norte e essa região está praticamente toda inscrita no Círculo Polar Ártico. Existem culturas locais indígenas – Esquimós – que são adaptadas ao frio e às condições extremas (vegetação escassa, noite polar, ...). Ela ocupa

18 CCAMLR. Lista de las medidas de conservación vigentes en la temporada 2007/08. Disponível em: [http://www.ccamlr.org/pu/s/pubs/cm/07-08/all.pdf]. Acesso em 15/03/2008.

19 ARCTIC COUNCIL. About Arctic Council. Disponível em: [http://arctic-council.org/article/about]. Acesso em 15/03/2008.

uma posição chave no equilíbrio físico, químico e bio-lógico do planeta. É uma região sensível às mudanças climáticas e suas reações repercutem largamente pelo meio ambiente global.

Além disso, a região Ártica está localizada em águas internacionais, o Pólo Norte pertence a todo o mundo, ou seja, a nenhum Estado. Ele é regido pela Convenção Internacional do Direito do Mar, da Or-ganização das Nações Unidas (ONU), que declara serem os fundos marinhos, situados além das jurisdi-ções nacionais, “patrimônio comum da humanidade”. Tal Convenção foi assinada em 1982, e ratificada no final de 1994, essa convenção estabelece a soberania de um país, na superfície do mar, em 12 milhas marí-timas (22,2 km), contadas a partir da costa. Também considera como sua zona econômica exclusiva (ZEE), incluindo os recursos submarinos, uma faixa maior, de 200 milhas (360 km).

Um estudo da agência governamental norte-americana US Geological Survey estima que 25% das reservas mundiais de hidrocarbonetos estão localizadas ao norte do círculo polar[2]. Um novo eldorado, que os países costeiros – Rússia, Estados Unidos, Canadá, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Suécia e Islândia – poderiam reivindicar e explorar, sob condição de que sua plataforma continental en-tre no jogo de extensão territorial.20

Nota-se que o Ártico está num processo de derretimento das calotas de gelo, pois mesmo divergindo sobre as causas do fenômeno, a comunidade científica é unânime: o Ártico está derretendo! Segundo um estudo do Arctic Climate Impact Assessment (ACIA), publicado em 2004, 4,988 milhões de km2 de geleiras – quase 60% da superfície do Brasil – desapareceram ao longo dos últimos 30 anos. Em perspectiva, o desaparecimento das geleiras permitirá a exploração de jazidas de petróleo e minérios (diamante, ouro, prata, cobre, chumbo, zinco) hoje inacessíveis. Um potencial formidável emerge das profundezas. É ainda mais atraente por se situar em zona geopolítica muito mais estável do que o Oriente Médio.21 Dominique Kopp, pondera:

20 KOPP, Dominique. Guerra fria sobre o Ártico. Le Monde. Disponível em: [http://diplo.uol.com.br/2007-08,a1898]. Acesso em 12/03/2008.

21 ARCTIC CLIMATE IMPACT ASSESSMENT (ACIA). Disponível em [http://amap.no/acia/]. Acesso em 13/03/2008.

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Enquanto isso, uma expedição norte-ameri-cana tomou o rumo do Pólo Norte. E outra, norte-americano-norueguesa, explora a Dorsal de Gakke, situada entre a Sibéria e a Groenlândia. Em 12 de agosto, a Dinamarca enviou uma equipe de cientis-tas para tentar provar que a Dorsal de Lomonosov é uma extensão da Groenlândia. Essas operações também integram a agenda do Ano Polar, sob a nobre justificativa de reforçar a pesquisa científica e desenvolver a cooperação internacional. O inte-resse científico é real. Mas o interesse econômico é ainda mais. Aliás, a última cúpula do G8 foi bem clara, ao reunir, em uma mesma sessão de trabalho, a discussão sobre as mudanças climáticas e a utiliza-ção dos recursos naturais.22

Além desse complicado cenário repleto de in-teresses, observa-se que os ancestrais de caça e pesca, as populações autóctones da Rússia, Canadá, Estados Unidos e Groenlândia não têm voz nessa história. “Elas estão presentes apenas no Conselho Ártico na quali-dade de participantes permanentes e não de Estados-membros, já que não formam uma nação”23.

Desse modo, verifica-se que ao contrário da Região Antártica a Região Ártica não conta com um tratado constitutivo internacional que lhe garanta um estatuto e uma segurança quanto ao seu território. No subitem anterior, foi citado o Tratado Antártico que consagra o continente à paz e à ciência. Este tratado foi reforçado pelo Protocolo de Madri, em vigor desde 1998, que declara a zona situada abaixo do paralelo 60° “reserva natural” e proíbe qualquer exploração dos re-cursos minerais até 2041.

No Ártico não há nada disso, uma vez que os embates de interesses são demasiadamente intensos e situam-se num contexto geopolítico particularmente tenso24. Para a União Européia, a situação é especial-mente delicada. É difícil, para ela, condenar abertamen-te as ostensivas pretensões russas ou as mais discretas, da Noruega: os dois países garantem mais de um terço das suas necessidades energéticas. Além disso, a Total,

22 KOPP, Dominique. Guerra fria sobre o Ártico. Le Monde. Disponível em [http://diplo.uol.com.br/2007-08,a1898]. Acesso em 12/03/2008.

23 CONSELHO ÁRTICO. Disponível em: http://www.arctic-council.org/. Acessado em 14/03/2008.

24 Sobre este assunto, ver Claude Comtois e Caroline Denis: Le potentiel de trafic maritime dans l’Arctique canadien [O potencial do tráfego marítimo no Ártico canadense]. Montreal, Universidade Laval, 2006.

associada ao gigante russo Gazprom, acaba de obter a exploração de 25% da jazida petrolífera de Shtokman, no Mar de Barents, tomando a dianteira em relação a norte-americanos e noruegueses. Uma jazida imensa, de 3,8 trilhões de m3 – “mais do que exportamos para a Europa nos últimos 30 anos”, anunciou Serguei Kou-prianov, porta-voz da companhia de gás russa25.

Em que pese, como composição do direito in-ternacional ambiental do Ártico, merece destaque o Conselho do Ártico, considerado um elevado fórum intergovernamental, formalmente criado pela Decla-ração de 1996, para fornecer um meio para promover a cooperação, coordenação e interação entre os Esta-dos, com a participação das comunidades indígenas do Ártico e outros habitantes, em questões específicas do desenvolvimento sustentável.26

As decisões no Conselho são por consenso das partes.27 Os Estados-membros do Conselho são o Ca-nadá, Dinamarca (incluindo a Groenlândia e as Ilhas Faroé), Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia, Suécia e Estados Unidos. Além deles, há a categoria de Parti-cipantes Permanente, aberta também às organizações dos povos indígenas do Ártico, garantindo a sua am-pla participação. E também, há a possibilidade de não membros como Organizações Intergovernamentais, não governamentais, inter-parlamentares, globais e regionais, assistirem e mesmo auxiliarem as reuniões, que são bianuais, e mesmo no âmbito dos Grupos de Trabalho. 28

O trabalho realizado nesse aspecto configura em uma excelente ilustração da própria implementação do desenvolvimento sustentável, vale ressaltar, pois, a conscientização dos problemas ambientais leva a re-gião a se reunir e buscar métodos diferentes de cres-cimento, com vistas a harmonizar o desenvolvimento local e nacional, com uma gestão racional do ambiente,

25 RIA Novosti, Moscou, 1° de agosto de 2007.26 ARCTIC COUNCIL. About Arctic Council. Disponível em [http://

arctic-council.org/article/about]. Acesso em 15/03/ 2008.27 ARTIC COUNCIL. Declaration on Establishment of the Artic

Council. Disponível em [http://arctic-council.org/filearchive/Declaration%20on%20the%20Establishment%20of%20the%20Arctic%20Council.pdf. Acesso em 15/03/2008.

28 ARCTIC COUNCIL. About Arctic Council. Disponível em [http://arctic-council.org/article/about]. Acesso em 15/03/2008.

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e essa é a idéia do ecodesenvolvimento, enfatizando as potências locais e buscando suprir o que está fraco.29

Os Grupos de Trabalho do Conselho e respecti-vos Grupos Científicos, responsáveis por reuniões em intervalos regulares durante todo o ano. Cada Grupo de Trabalho tem um calendário diferente, divulgado pelo respectivo Secretariado. Atualmente, existem seis grupos de trabalho, sendo que cada um deles possui um mandato específico em que opera, com vistas ao desenvolvimento sustentável da questão que regula.30

As disposições de proteção ambiental existentes no Ártico comportam uma natureza de soft law, tendo em vista o caráter norteador dominante. Isso pode ser ilustrado pela Estratégia para a Proteção Ambiental no Ártico, de 1991, que resultou em inúmeros relatórios técnicos e científicos e em uma estratégia para a con-servação ambiental, exigindo a necessidade de coope-ração entre os membros.31

A regulamentação no Ártico possui um maior número de objetos que na Antártica, tendo em vista frisar para outras questões ambientais relevantes além da conservação do ambiente marinho. Nesse sentido, são estudados no Conselho e nos Grupos de Estudo, questões como as Mudanças Climáticas, Proteção do Ambiente Marinho, Poluição, além de levar em consi-deração também, os interesses das comunidades indí-genas. E isso, levando-se em consideração o contexto político que expõe o cenário a um aspecto normativo diferente daquele da Antártica, conforme se analisa a seguir.

4. Estudo Comparado dos Regimes Jurídicos do Ártico e da Antártica

Observou-se que as Regiões Ártica e Antártica, geo-politicamente não têm muitas semelhanças. Se-gundo Margarita González: Aunque el Ártico y la An-tártida sean realidades práticamente opuestas en térmi-nos geográficos, topográficos y políticos, tienen en común las bajas temperaturas, el aislamiento y la dureza de su

29 SACHS, Ignacy, Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986, p. 12.

30 ARCTIC COUNCIL. About Arctic Council. Disponível em: [http://arctic-council.org/article/about]. Acesso em 15/03/2008.

31 ARCTIC COUNCIL. About Arctic Council. Disponível em: [http://arctic-council.org/article/about]. Acesso em 15/03/2008.

entorno.32 Contudo, ambas são de fundamental impor-tância para o meio ambiente global.

Nesse sentido, verificou-se que a região antártica possui tratados específicos de preservação ambiental (Protocolo ao Tratado da Antártida sobre Proteção ao Meio Ambiente ou Protocolo de Madri), adaptados a sua realidade, enquanto a região ártica tem seu meio ambiente amparado por um tratado genérico (Con-Con-venção Internacional do Direito do Mar – ONU) que não cuida das peculiaridades da região. Assim, compa-rar-se-á esses dois dispositivos normativos que visam a proteção ambiental nessas duas regiões de suma im-portância para o mundo e a humanidade.

Iniciar-se-á pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar33, celebrada em 1982, na cidade de Montego Bay34 (Jamaica), é um tratado multilate-ral celebrado com auxílio das Nações Unidas – ONU – que define conceitos do direito internacional costu-meiro e estabelece os princípios gerais da exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e os do subsolo. O Brasil, que ratificou a Convenção em dezembro de 1988, ajustou seus direi-tos internos, antes de encontrar-se obrigado no plano internacional. A Lei 8.617 adota o conceito de zona econômica exclusiva35 paras as 188 milhas adjacentes.

A Convenção regula as instalações de segurança e de auxilio à navegação e outros dispositivos, respon-sáveis pela prevenção, redução e controle de poluição. No art. 56, que disciplina as zonas econômicas exclusi-

32 GONZÁLEZ, Margarita Yela. Investigacíon Polar Española. Revista Ejército: C/Alcalá 18, 4° 28014, Madrid, 2007, p. 17.

33 A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar pode ser consultada em sua integralidade no endereço eletrônico [http://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_LI_6815_1_0001.htm].

34 Montego Bay caracterizou de forma contundente o que a sociedade internacional tentava fazer desde início do século passado e não conseguia, sempre com relutância pelos membros do G7 (hoje G8), encabeçada sempre ou na maioria das vezes pelos Estados Unidos, que insistia com a idéia do mar territorial de 3 milhas, lembrando o alcance do tiro de um canhão. MATTOS, Adherbal Meira. Direito do Mar. Rio Grande, Escola Superior de Advocacia da OAB/RS, 17 Dez. 1998. I Congresso de Direito Ambiental Marítimo. Palestra realizada na UFRG.

35 Esta Convenção também definiu, de forma precisa, os espaços marítimos, e, como conseqüência, nos dias atuais, mesmo os países não signatários da Convenção adotam e respeitam os conceitos relacionados com as definições dos espaços marítimos e ao meio ambiente. MATTOS, Adherbal Meira. O Novo Direito do Mar, Rio de Janeiro, Renovar, 1996

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vas36, está prevista a cláusula de proteção e pre-servação do meio marinho que os Estados devem respeitar.

A convenção preceitua sobre a conservação dos recursos vivos (art. 61) e sobre a utilização dos recursos vivos (art. 62). Ainda, verifica-se que o texto da con-venção preocupou-se com espécies migratória (art. 64), mamíferos marinhos (art. 65), peixes anádromos (art. 66), espécies catádromas (art. 67) e espécies se-dentárias (art. 68), ou seja, com a fauna marinha.

A convenção asseverou sobre a investigação cien-tífica marinha, que deve ser realizada exclusivamente com fins pacíficos e em benefício da humanidade em geral (art. 143). E sobre a proteção do meio marinho, onde os Estados membros devem prevenir, reduzir e controlar a poluição e outros perigos para o meio ma-rinho, incluindo o litoral, bem como a perturbação do equilíbrio ecológico do meio marinho, prestando especial atenção à necessidade de proteção contra os efeitos nocivos de atividades, tais como a perfuração, dragagem, escavações, lançamento de detritos e outros dispositivos relacionados com tais atividades (art. 145)

36 Este conceito foi estabelecido pela Convenção como um meio de conciliação entre interesses dos países em desenvolvimento, que advogam maiores larguras para o Mar Territorial, e as pretensões dos países desenvolvidos em proteger a liberdade dos mares. Assim, esse novo conceito do Direito do Mar foi definido como sendo uma zona situada além do Mar Territorial e a ele adjacente, que se estende a até 200 da linha da costa a partir da qual se mede a largura do Mar Territorial. Nessa área qualquer Estado goza do direito de navegação e sobrevôo, cabendo-lhe ainda, a liberdade de instalação de cabos e dutos submarinos, os Estados costeiros têm o direito de exercer sua soberania para fins de exploração e aproveitamento dos recursos biológicos e minerais existentes no leito e subsolo do mar e nas suas águas sobrejacentes, devendo a pesca ser praticada dentro dos limites de captura exigidos para a preservação das espécies, cuja reprodução esteja gravemente ameaçada, cabendo-lhe a autorização, mediante licença, para que outros países completem o nível de captura recomendada pelos organismos internacionais, estabelecendo as cotas, o período de tempo em que a pesca ocorrerá e as espécies que poderão ser capturadas. SÓRIA, Mateus da Fonseca, Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, Disponível em [http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6021]. Acesso em 12/03/2008.

Nota-se, assim, que a região Ártica não possui um mecanismo próprio de preservação ambiental que cuida das peculiaridades de seu clima, geo-grafia e demais aspectos. Outro ponto relevante é a não proibição de exploração dos minérios.

No que tange à região Antártica, esta possui um tratado específico para proteção ambiental, qual seja, o Protocolo de Madrid, que segundo Valter Bischoff “atualmente atingiu-se definitivamente o consenso de um regime global e unitário, no texto do Protocolo ao Tratado e quatro de seus Anexos, sobre a “Avaliação do Impacto Ambiental”, “Conservação de Fauna e Flo-ra Antárticas”, “Eliminação e Tratamento de Resíduos” e “Prevenção da Poluição Marinha”37.

Verifica-se que o Protocolo de Madri possui uma abrangência muito superior, uma vez que está ampla-mente voltado para a avaliação, a adoção de medidas preventivas e o controle ecológico, pois ele desdobra-se ao longo de vinte e sete artigos e cinco anexos e dei-xa claro que deve ser interpretado “como um comple-mento ao “Tratado da Antártica” e que, sem emendá-lo ou modificá-lo, visa a garantir que a região não venha a se converter em cenário ou objeto de discórdia inter-nacional, designando a Antártica como reserva natural, consagrada à paz e à ciência.”38Assim, o artigo sete do Protocolo veio afirmar, de forma contundente, a “proi-bição de qualquer atividade relacionada com recursos minerais, exceto a pesquisa científica”39.

As principais diferenças entre os regimes am-bientais da Região Ártica e da Antártica consiste na variedade de membros que o Conselho do Ártico, principal atributo representante do Direito Internacio-nal Ambiental nessa região, que vão além dos Estados, comportando também Organizações Civis, a fim de efetivar a representação dos indígenas da região, bem como permitir observadores de outras organizações, enquanto que na Antártica, a Comissão só é formada por Estados.

Esse aspecto da pluralidade de atores na partici-pação da constituição do Direito Internacional Am-

37 BISCHOFF, Valter. Antártica. Disponível em: [www.library.jid.org/en/mono35/bischoff.pdf]. Acesso em 12/04/2008.

38 HENRIQUES, Elber de Mello. Uma visão da Antártica. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, Editora, 1984, p. 15.

39 Protocolo ao Tratado da Antártica sobre Proteção do Meio Ambiente (Protocolo deMadri - 1991).

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biental que pode ser percebido pela análise da proteção ambiental do Ártico ilustra essa nova concepção de se fazer o Direito Internacional ambiental, de outros su-jeitos que não somente os Estados, mas organizações e etc, e justamente onde se verifica um vasto panorama de interesses que necessitam de atenção e regulamen-tação, o que representa a expansão do direito interna-cional, em especial, no âmbito ambiental.

Além disso, destaca-se a amplitude do rol de objeto de proteção no Ártico, que releva uma série de questões além da marinha, de modo a abranger tam-bém os interesses das populações indígenas, enquanto que na Antártica, a proteção é voltada praticamente para o âmbito da pesca.

No que se refere à natureza das normas acima es-tudadas, no Ártico são disposições de soft law, na me-dida em que possuem a função principal de orientação do comportamento nos diversos assuntos que são tra-tados, visando sempre implementar o desenvolvimen-to sustentável, e na Antártica, existe a exigência nor-mativa de que no caso de descumprimento, os Estados devem aplicar às sansões pertinentes, apresentando assim características de hard law.

Ambas as regiões possuem regimes autônomos na medida em que possuem princípios, regras e normas próprias, contudo, o modo de tratamento é diferente. A efetividade das normas na Antártica é realizada, na medida em que se vejam modificados os comporta-mentos sancionados diante da punição, e no Ártico, a questão é relativizada para o limite das normas com na-tureza de soft law, em que devem ser intensificados os mecanismos de incentivo (embora isso também deve ser feito em normas hard law) a fim de que não haja a violação, pois a punição ai não é oriunda da norma, mas da própria característica das relações internacio-nais, em que se mede o interesse no cumprimento ou não da norma.

5. Conclusão

Finalmente cabe destacar que as duas regiões (Ártica e Antártica) são de fundamental importância para biosfera, principalmente, no tocante as alterações climáticas. Contudo, devido às conjecturas políticas essas regiões são distintamente reguladas pelo direito internacional ambiental.

Nota-se que a região antártica possui um conjunto normativo maior e específico tanto no âmbito da preservação ambiental como nos atri-butos políticos da região, enquanto a região ártica possui apenas um documento legal que regula a proteção e preservação ambiental da região de forma genérica. Além disso, o Ártico encontra-se assolado pelos interesses dos países como Rússia, Estados Unidos, Canadá e outros do norte da Eu-ropa (UE).

Desse modo, entende-se que os conflitos de in-teresses da região ártica, com destaque para os recur-sos minerais como os hidrocarbonetos, impossibilita a criação de mecanismos jurídicos de preservação am-biental. Em contrapartida a Antártida é um exemplo que pode ser seguido pela Região Ártica, no sentido de proteção ambiental pelo direito internacional. Contu-do, a Antártica, também pode adotar mecanismos uti-lizados no Ártico, como por exemplo, a não restrição dos entes privados na participação e gerência do ecos-sistema do pólo sul.

O assunto abordado nesse estudo é tema funda-mental na agenda global, inclusive para a preservação ambiental dessas duas regiões. Ambas, de fundamental importância para um mundo ecologicamente saudável.

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