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POLÍTICAS DE HABITAÇÃO, SAÚDE E SANEAMENTO: desafios no contexto de desconstrução de políticas públicas de Estado Coordenadora: POLÍTICA HABITACIONAL E QUESTÃO DA HABITACIONAL: em tempo de dissolução de políticas públicas Profª. Dra. Rosa Maria Cortês de Lima, Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFPE), Assistente Social, Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Habitação e Saneamento Ambiental (NEPHSA/UFPE). Email: [email protected] Participantes: SAÚDE E INTERSETORIALIDADE: os desafios à articulação intersetorial entre saúde, habitação e saneamento. Profª. Dra. Maria Dalva Horácio da Costa - Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFRN), Assistente Social, Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Seguridade Social e Serviço Social (GEPSSS-UFRN). E-mail: [email protected] POLÍTICA DE SANEAMENTO: desafios no contexto de desconstrução das políticas públicas do Estado Prof. Dr. Ronald Fernando Albuquerque Vasconcelos, Engenheiro Civil, Departamento de Arquitetura e Urbanismo (UFPE), Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Habitação e Saneamento Ambiental (NEPHSA/UFPE). Email: [email protected]. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: para além da interpretação jurídica Ms. Celso Severo da Silva; Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Habitação e Saneamento Ambiental (NEPHSA/UFPE); Assistente Social da PERPART-PE. Email: [email protected] QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL, CIDADE E POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE: em tempo de crise do capital Ms. Amanda dos Santos Paiva, Assistente Social da Secretaria Municipal da Assistência Social de Natal; Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Seguridade Social e Serviço Social (GEPSSS-UFRN). Email: [email protected]

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POLÍTICAS DE HABITAÇÃO, SAÚDE E SANEAMENTO: desafios no contexto de

desconstrução de políticas públicas de Estado

Coordenadora:

POLÍTICA HABITACIONAL E QUESTÃO DA HABITACIONAL: em tempo de dissolução

de políticas públicas

Profª. Dra. Rosa Maria Cortês de Lima, Docente do Programa de Pós-Graduação em

Serviço Social (PPGSS/UFPE), Assistente Social, Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas

em Habitação e Saneamento Ambiental (NEPHSA/UFPE). Email:

[email protected]

Participantes:

SAÚDE E INTERSETORIALIDADE: os desafios à articulação intersetorial entre saúde,

habitação e saneamento.

Profª. Dra. Maria Dalva Horácio da Costa - Docente do Programa de Pós-Graduação em

Serviço Social (PPGSS/UFRN), Assistente Social, Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa

em Seguridade Social e Serviço Social (GEPSSS-UFRN). E-mail:

[email protected]

POLÍTICA DE SANEAMENTO: desafios no contexto de desconstrução das políticas públicas do Estado

Prof. Dr. Ronald Fernando Albuquerque Vasconcelos, Engenheiro Civil, Departamento de Arquitetura e Urbanismo (UFPE), Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Habitação e Saneamento Ambiental (NEPHSA/UFPE). Email: [email protected].

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: para além da

interpretação jurídica

Ms. Celso Severo da Silva; Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Habitação e

Saneamento Ambiental (NEPHSA/UFPE); Assistente Social da PERPART-PE. Email:

[email protected]

QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL, CIDADE E POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE: em tempo de

crise do capital

Ms. Amanda dos Santos Paiva, Assistente Social da Secretaria Municipal da Assistência

Social de Natal; Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Seguridade Social e

Serviço Social (GEPSSS-UFRN). Email: [email protected]

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POLÍTICA HABITACIONAL E QUESTÃO DA HABITACIONAL em tempo de

dissolução de políticas públicas

Profª. Dra. Rosa Maria Cortês de Lima1 RESUNO Este artigo versa sobre a questão da habitação, da Política Nacional de Habitacional do país, atendo-se, em especial, as décadas iniciais do século vinte. Trata do marco legal estabelecido, suporte para a institucionalização da política, de programas, de avanços e assinala retrocessos. Situa firmes contradições no direito à moradia e à cidade, pela parcela de população na faixa de interesse social e, ao mesmo tempo, demarca desconstrução da política do Estado brasileiro. Habitação e saneamento configuram questões imbricadas historicamente e acirradas com a expansão urbana e o crescimento das cidades, indicativo de espaços em constantes disputas. Palavras-chave: Questão da Habitação; Política Habitacional; Cidade; Saneamento. ABSTRACT This article deals with the question of housing, the National Housing Policy of the country, especially the early decades of the twentieth century. It deals with the established legal framework, support for the institutionalization of politics, programs, advances and signals setbacks. It places firm contradictions in the right to housing and the city, by the portion of the population in the range of social interest and, at the same time, demarcates deconstruction of the Brazilian State policy. Housing and sanitation are issues that are historically overlapping with urban sprawl and the growth of cities, indicative of spaces in constant disputes. Keyword: Housing Issue; Housing Policy; City; Sanitation.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo trata da Política Nacional de Habitação (PNH), aborda a questão da

habitação, versa sobre a cidade e constituição do urbano, em sua dimensão histórica.

Entende-se que o urbano configura-se de forma diferenciada em tempos distintos, muito

1Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFPE), Assistente Social,

Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Habitação e Saneamento Ambiental (NEPHSA/UFPE). Email: [email protected]

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embora, preserve e mesmo ultrapasse a conformação inicial, demarcada pela associação

realizada entre urbanização e industrialização, do período da revolução industrial, para se

constituir em formas variadas e distintas nos dias atuais.

A Política Nacional de Habitacional (PNH) é discutida atendo-se, em especial, as

décadas iniciais do século vinte e um, assinaladas pela retomada da ação do Estado

brasileiro no campo da habitação, a definição do marco legal, fator importante para a

constituição e institucionalização da política, a formulação de programas, a destinação de

fontes de financiamento, a indicação de avanços e o apontar de retrocessos.

São fatores que sinalizam contradições, no que tange ao direito à moradia e à

cidade, pela parcela de população na faixa de interesse social e, em simultaneidade,

demarca elevada desconstrução da PNH, do Estado brasileiro. Habitação e saneamento

configuram questões imbricadas historicamente e acirradas com a expansão urbana e o

crescimento das cidades, indicativo de territórios em constantes disputas, acionados pelo

processo de produção capitalista do espaço (HARVEY, 2005), da financeirização e

mercantilização das cidades.

As particularidades da Região Metropolitana do Recife (RMR) são expressas e

engendradas na aproximação com o real, no contexto da temática examinada.

2 DA QUESTÃO DA HABITAÇÃO E DA CIDADE

A questão da habitação conforma expressões da questão social, aqui

apreendida enquanto universo de desigualdades sociais, econômicas, políticas, jurídicas

proveniente do processo de acumulação e exploração constituinte do modo de produção

capitalista. (ENGELS, 2015). Dessa forma, a questão da habitação apresenta-se enquanto

elemento imbricado com as relações sociais capitalistas estabelecidas e, nessa perspectiva,

a habitação agrega valor de uso e, ao mesmo tempo, valor de troca, caracterizando-se

como mercadoria na relação configurada com o mercado. Entra em pauta, nesse cenário, a

renda da população e o acesso à moradia.

Engels (2015) ao analisar a questão da habitação, no período da revolução

industrial, chamava a atenção para a ausência de renda solvável dos trabalhadores, e a

impossibilidade destes resolverem a questão da habitação pela via do mercado apontando,

ainda, que interessava a classe capitalista à penúria da habitação, uma vez que, assim

sendo, impingia-se acentuado processo de exploração, ao se considerar que os salários

eram insuficientes para responder as necessidades de sobrevivência, reprodução da força

de trabalho, de assegurar o alojamento sem precariedade, entre outras necessidades. Tal

situação conduzia os trabalhadores a se submeteram às precárias condições de trabalho.

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Novamente recorrendo a Engels (2008), destaca-se a análise realizada pelo

autor no livro "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra", no século XIX, no qual

registra as precárias condições de moradia e chamar a atenção para os chamados “bairros

de má fama”, fétidos, fugindo às normas vigentes, dispostos em lugares sem drenagem das

águas e desprovidos de saneamento. Tais lugares, onde habitava a população operária,

eram distantes das áreas habitadas pela população abastada, e marcados por vias de

circulação estreitas.

Nesses termos, a questão da habitação vinculava-se e, ainda, vincula-se a

fatores determinantes atrelados também ao processo saúde/doença que sinaliza para as

condições de vida, de pobreza, do acesso aos serviços de infraestrutura básica -

saneamento, água -, por parcela significativa da população brasileira. Essa questão ganha

força no processo de urbanização, associado com a industrialização, a partir do qual se

amplia a aglomeração de pessoas na cidade, período assinalado pela dissolução da

manufatura e da emergência da grande indústria, da dissolução da atividade do campo, da

introdução e utilização de maquinário que afetará e alterará, sobremaneira, o processo

produtivo. (LEFEBVRE, 2001) Assim, a questão da habitação envolve múltiplos, complexos

e contraditórios processos de constituição do urbano na sociedade capitalista.

Nessas circunstâncias, entende-se como fundamental a discussão sobre a

cidade e, nesse sentido, toma-se como referência o debate de Carlos (2015, p. 10) sobre a

produção do espaço quando defende que a "[...] produção do espaço, como construção

social é condição imanente para a produção humana ao mesmo tempo que é seu produto".

Acrescenta a mesma autora (2015, p. 10):

Nesse raciocínio, a produção do espaço seria uma das obras do processo civilizatório. O espaço, em sua dimensão real, coloca-se como elemento visível, em sua materialidade, mas também como representação de relações sociais reais que a sociedade (constrói) em cada momento da história.

Isso permite pensar que a questão da habitação, as cidades - nas fases mais

avançada da urbanização -, enfrentam momentos diferenciados e historicamente

constituídos e definidos, muito embora possam preservar e, ao mesmo tempo, superar

traços antecedentes. Desse modo, a cidade torna-se um lugar fundamental para a

materialização do capital, converte a habitação em mercadoria, possibilitando, assim,

assegurar maior lucratividade e fortes processos de acumulação. De outra parte, conformar

em sua estruturação a convergência de distintos agentes - Estado, proprietários de terra,

empresas imobiliárias e de construção, população -, que na construção desse espaço detêm

interesses diferentes, em constantes disputas, concorrendo e definindo a reorganização

espacial, estabelecendo a seletividade dos lugares e favorecendo a sua valorização.

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Atento a dimensão histórica, verifica-se que nos dias atuais, formas contínuas e

ampliadas aceleram a inter-relação entre o rural e o urbano, dilata os territórios das cidades,

aproximando-os ao campo, e vice-versa, estabelecem-se franjas aproximando convivências,

trocas permanentes, confluências, mas também distanciamentos, sejam, nas relações

estabelecidas no âmbito das atividades que abarcam, nos deslocamentos e na circulação de

pessoas, na circulação e no consumo de mercadorias, nas modalidades variadas de

produção, nas vivências cotidianas que concorrem para assegurando, também formas de

acumulação e, nesse ambiente, a questão da habitação persiste em ambos os espaços,

acentuando-se no urbano, entre outros.

3 DA POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO: as décadas inicias do século XIX

No ano de 2003, ao assumir o governo do país o Presidente Luiz Inácio Lula da

Silva, expectativas se fizeram sentir em relação a definição de uma política de habitação

que fosse pautada no diálogo com a população - movimentos sociais técnicos, acadêmicos

e trata no campo da reforma urbana. Nesse ambiente é criado o Ministério das Cidades e

formulada a Política Nacional de Habitação (PNH, 2004).

A definição dessa política teve referências nas propostas do Projeto Moradia,

construído no período antecedente as eleições majoritárias com a participação de diferentes

intelectuais ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT), que passa a incorporá-las para o

setor habitacional para o país.

O Ministério das Cidades criado constrói as bases da institucionalização,

organização e operacionalização da política. As definições concernentes ao direito à

moradia contida na Carta Constitucional de 1988, Ementa 26/2000, associa-se Lei federal

10.257/2001 do Estatuto da Cidade e são incorporados a Política Nacional de habitação

(PNH, 2004). Essa política obedece a princípios e diretrizes e estabelece como principal

meta "[...] garantir à população, especialmente de baixa renda, o acesso à moradia digna,

e considera para atingir seus objetivos a integração entre política habitacional e política

nacional de desenvolvimento urbano" (BRASIL, 2014, p. 29). Prever a articulação entre os

diferentes entes federativos no compartilhamento da atribuição para a realização da política.

Dessa forma, conta com um número significativo de instrumentos para viabilizar

sua implementação e operacionalização. Assim, cria como principal instrumento o Sistema

Nacional de Habitação (SNH), constituído por instância de gestão e controle, articulada e

integrada pelo Ministério das Cidades, o Conselho das Cidades, o Conselho Gestor do

Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, os Conselhos Estaduais, do Distrito

Federal e Municipais, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), bem

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como Fundos Estaduais e Municipais de Habitação de Interesse Social (FEHIS e FMHIS).

Esse sistema conta também com o Sistema Nacional de Habitação (SNH), agregando uma

rede de agentes financeiros.

Ademais, a gestão e o controle do Sistema Nacional de Habitação

compreendem dois subsistemas: o Subsistema de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e

o Subsistema de Habitação de Mercado (SHM), destinados congregar as fontes de recursos

para viabilizar o acesso à moradia digna, às distintas demandas e responder ao déficit

habitacional. A lei que cria o FNHIS define os pontos fundamentais para a instituição do

Sistema nacional de Habitação de Interesse Social, alicerçado no compartilhamento de

atribuições entre as instâncias federativas - estados, municípios, distrito federal, implicando,

inclusive a instituição de fundo, políticas, conselho com a participação popular e plano, no

qual deveriam ser estabelecidas as diretrizes e as prioridades na instância local. Instituído

em, o FNHIS, passou a contar com 2006 com a destinação de R$ 1 bilhão por ano, iniciando

a operacionalização os recursos com urbanização de assentamentos precários, construção

de unidades habitacionais, assistência técnica e a elaboração de planos habitacionais para

estados e municípios, cuja obrigatoriedade pala a formulação recaí em municípios acima de

20 mil habitantes.

As mudanças registradas no âmbito da política econômica do governo, já no ano

de 2006, com a destinação de recursos para os programas sociais, vistos como prioritários

(CARDOSO, 2013), se desdobrará na criação e lançamento do Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC), em 2007, no governo Lula. Nesse programa são definindo

investimentos de ampla envergadura para alavancar a infraestrutura do país. Nesse mesmo

programa foi incorporada a urbanização de favelas, com foco no saneamento, sendo a

habitação um componente atrelado conforme os requisitos e necessidades da realização da

obra. Cardoso et. al. (2017, p. 25-26) anotam que realizou "[...] na primeira etapa do (PAC-

1), um investimento de 20,8 bilhões para a urbanização de 2,113 assentamentos precários

de todo o país [...]" . Em 2012, no governo Dilma Rousseff, foi lançada a segundo etapa do

programa (PAC-2), quando foi disponibiliza a soma de "[...] R$12,7 bilhões para obras em

337 municípios de 26 estados", de acordo com a mesma fonte.

Outro investimentos são ainda registrados, nos períodos de governo Lula,

destinados ao PAR e ao Crédito Solidário, sendo o segundo utilizados no âmbito das

cooperativas responsáveis pela gestão.

Interessa observar que a implementação do PAC, levou o Banco Central a inicia

a redução da taxa básica de juros, construindo para o crescimento econômico com elevação

do PIC e a expansão do crédito imobiliário. Em simultaneidade, a implementação dos

programas sociais de transferência de renda concorreram para a redução dos índices de

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pobreza e de desigualdades, somando esforços e ampliando o financiamento habitacional.

Esse financiamento expande-se para os segmentos médios e terá sua versão mais definida

com a criação do Programa Minha Casa Minha Vida, em 2009.

Na realidade, para os críticos do governo o neodesenvolvimentismo estava se

instituído, como uma política de conciliação de classes. Dessa feita, as contradições

prementes se dissolviam em meio à conciliação em que todos ganhavam.

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), resulta da busca do governo em

se antecipar na adoção de alternativas que fizesse frente, antecipasse e evitasse os efeitos

da crise que se abateu entre 2007 e 2008, nos países avançados. De inspiração na

experiência chilena e mexicana, esse programa situava na perspectiva de criar as condições

para dinamizar a economia, tendo como elemento propulsor a construção civil. Com isso há

mudanças no sistema habitacional pensado e acionado a partir da criação do Ministério das

Cidades, visto que o FNHIS deixa de fazer os repasses para as ações de urbanização de

assentamentos precários, assumindo após o lançamento do PMCMV, o Fundo passa a

concentrar os recursos que lhes eram disponíveis na urbanização de assentamentos

precários e no desenvolvimento institucional, conforme orientação do Ministério das

Cidades. Na medida em que o PMCMV se concretiza, o fundo vai se esvaziando no governo

Dilma Rousseff, e isso afeta a proposta contida na PNH, voltada para a população na faixa

de renda de interesse social e os ocupantes de assentamentos precários. Nova agenda

conforma a PNH com a instituição do Programa Minha Casa, Minha Vida, gerando

mudanças no marco legal e regulatório instituído, como no Plano Nacional de Habitação

(2009).

O lançamento da segunda fase do programa, estave relacionada à avaliação

positiva das ações, que atuava também nas demandas reprimidas por habitação, atendia

faixa de renda mais ampliada do que aquelas situação nos assentamentos precários,

portanto, com possibilidade de resolver a necessidade da habitação pela via do mercado,

muito embora com financiamento subsidiado. Mantinha a economia dinâmica, acionava o

mercado da construção civil e imobiliário, mas repetia também práticas fortemente criticadas

do período do Banco Nacional da Habitação (BNH), 1964-1986 - grandes conjuntos,

distâncias dos centros urbanos, ausência de infraestrutura, seja no local ou no percurso.

Ainda foi anunciado o lançamento da terceira etapa, para o ano de 2015, no entanto as

mudanças políticas no país com a destituição da Presidenta Eleita Dilma Rousseff,

alteraram a rota.

Cardoso et. al. (2017, p. 33) mostram que:

O último levantamento divulgado pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão indica que até junho de 2016 já tinha sido contratadas a construção de

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4,36 milhões de unidades habitacionais em 96% dos municípios do país (com 2,9 milhões já entregues). Cerca de 35% delas estão concentradas na região sudeste, 28,4% na região nordeste, 18% na região sul, 11,35 na região centro-oeste e 6,8% na região norte;algo que corresponde a um investimento na ordem de R$ 309,6 bilhões.

Verifica-se que com o impacto da crise, em 2015, os recursos tornam-se

escassos e míngua o sistema de crédito, permanecendo ainda o crédito oriundo dos bancos

públicos, representado por 50% dos recursos disponibilizados. O agente financeiro de maior

monta, a Caixa Econômica Federal (CEF), responsável pelo maior volume de crédito, em

torno de 70%, inicia alterações nas normas e com isso dificulta a contratação de créditos

novos.

A instituição do PMCMV gera modalidade em que das ações oriundas da política

habitacional a se concentrar nesse programa, desviando-se, portanto, das propostas

inicialmente formuladas. Interessante observar que o de mercantilização da habitação,

quando PMCMV estabelece modalidade aciona a transferência da propriedade do bem.

Também na operacionalização do programa um amplo mercado de terra é mobilizado para

assegura a construção dos conjuntos habitacionais.

Entretanto, no que pese as mais variadas críticas, o PMCMV passou a

responder a necessidades de acesso á habitação para as diferentes faixas que atende.

4 REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE E SUAS CARACTERÍSTICAS

A Região2 Metropolitana do Recife (RMR) corresponde a quinta maior região

metropolitana do Brasil, atrás, somente, das RM's de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte e Porto Alegre. De acordo com o IBGE (2010) a população metropolitana

corresponde a 3.693.177 mil/hab., sendo a maioria mulheres, 1.953.844 mil/hab., que

residem, em especial, o urbano. Quanto à densidade demográfica é Olinda quem acumula a

taxa mais elevada - 9.344,64 hab/km² -, seguido de Jaboatão dos Guararapes - 9.068,36

hab./km² - e do Recife com taxa de 7.037,61 hab./km (Tabela 1). Prevalece na RMR a

população urbana, e considerando o conjunto de dos 14 municípios, três, Recife, Paulista e

Camaragibe, não dispõem de população rural. (IBGE, 2010).

Com uma área de 2.787,469km², e 1.111.213 domicílios particulares

permanentes (CONDEPE/FIDEM, 2012), a RMR registra Índice de Desenvolvimento

2A RMR foi criada por Lei Complementar N. 14/73 que instituiu oito regiões metropolitanas: Belém,

Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo e Porto Alegra. Reúne atualmente 14 municípios - Recife (capital do estado de Pernambuco e cidade polo), Olinda, Paulista, Igarassu, Moreno, Jaboatão dos Guararapes, São Lourenço da Mata, Cabo de Santo Agostinho, Ilha de Itamaracá, Itapissuma, Abreu e Lima, Ipojuca, Paulista e Cabo de Santo Agostinho.

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Humano (IDH), de 0,734, além de desenvolvimento educacional (IDHM-E), relativo a 0,662,

enquanto o índice de longevidade acumula 0,813. Essa metrópole apresenta renda per

capta de R$ 745,0, e o IDHM–Renda, e de acordo com o PNUD, atingiu 0,736 (ATLAS

BRASIL, 2010). O Produto Interno Bruto (PIB) resultou em um total de R$75.933.066,

correspondendo a 65,1% do PIB do estado de Pernambuco.

Estudos realizados por Pasternak e D’Ottaviano (2016), apontam que no ano de

2010 existiam no Brasil 11,4 milhões de pessoas morando em assentamentos precários,

88% desse universo residem em 22 grandes cidades do país, entre as quais São Paulo, Rio

de Janeiro, Recife e Salvador. Atento as particularidades da informação, verifica-se,

segundo o IBGE, que em 1991, “aglomerados favelados”, contabilizavam 3.187; em 2000,

atingiram 3.906 e, de acordo com o Censo Demográfico de 2010 (IBGE), esse número

ampliou-se para 6.329 aglomerados espalhados nas cinco regiões brasileiras, desvelando

permanente crescimento.

Os dados apontam para de desigualdades socioespaciais e territoriais na

apropriação e uso da cidade, indicando a negação do direito à moradia e à cidade.

Lefebvre (2001, p. 105) em reflexão analítico sobre o direito à cidade discorre

"[...] as necessidades sociais inerentes à sociedade urbana", vinculadas, na perspectiva

interpretativa do autor, as funções e estruturas da cidade, incluindo as econômicas,

políticas, culturais, entre outras. Segundo Lefebvre a cidade pode responder as

necessidades do ser humano da organização do trabalho, da diversão, do encontro, do

acumular energia e mesmo da solidão, e mais. Todavia, reconhece a capacidade estratégica

existente na cidade, assim, afirma: "Apenas grupos, classes ou frações de classes sociais

capazes de iniciativas revolucionárias podem se encarregar das, e levar até a sua plena

realização, soluções para os problemas urbanos: com essas forças sociais e políticas, a

cidade renovada se tornará a obra". (2001, p. 113).

Inspirado nas ideias de Lefebvre, o geógrafo David Harvey (2013) examina a

vinculação entre urbanização e capitalismo, analisa o acelerado crescimento das cidades e

aborda o direito à cidade como direito humano. Nesse sentido, reconhece a importância de

se definir o tipo de cidade que se quer, os vínculos sociais a serem estabelecidos e

referentes à natureza, o estilo de vida, as tecnologias a serem adotadas e os valores

estéticos a serem incorporados. No caminho discursivo empreendido, Harvey (2013) amplia

o debate iniciado por seu inspirador e diz:

O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é um direito de mudar a nós mesmo, mudando à cidade. Além disso, é um direito coletivo e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de fazer

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e refazer as nossas cidades, e a nós mesmo é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados.

De acordo com o IBGE (2010), o Recife concentra 41% dos assentamentos

precários da RMR, contabiliza 110 assentamentos, com destaca-se Casa Amarela como o

maior assentamento do município, somando 15.215 domicílios particulares. No segundo

plano está Jaboatão dos Guararapes, que registra 64, para em seguida anotar Olinda

representada por 57 assentamentos precários (Tabela 01).

Tabela 1 - CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS MUNICÍPIOS DA RMR.

Municípios

(RMR)

População

Dens. Demográfica

(Hab/Km²)

Taxa de Urbanização

(%)

Aglomerados Subnormais

(IBGE) Total Urbana Rural

Abreu e Lima 94.429 86.6 7.8 724,90 91,74 07 Araçoiaba 18.156 15.268 2.888 196,7 84,9 01 Cabo de Santo Agostinho

185.025 167.8 17.2 414,32 90,68 23

Camaragibe 144.466 144.466 ---- 2.821,93 100 11 Igarassu 102.021 93.931 8.090 333,09 92,7 04 Ilha de Itamaracá

21.884 16.993 4.891 328,18 77,65 03

Ipojuca 80.637 59.719 20.918 151,39 74,06 01 Itapissuma 23.769 18.320 5.449 320,19 77,8 02 Jaboatão dos Guararapes

644.6 630.6 14.0 9.068,36 97,8 64

Moreno 56.696 50.197 6.499 289,16 88,54 08 Olinda 377.7 370.3 7.4 9.344,64 98 57 Paulista 300.4 300.4 ---- 3.086,01 100 26 Recife 1.537,7 1.537,7 ---- 7.037,61 100 110 São Lourenço da Mata

102.895 96.777 6.118 392,49 94,05 06

Total RMR 3.693.177 3.591.806 101.371 1.324,92 97,26 323

Fonte: IBGE - Censo Demográfico (2010) e Atlas Brasil (2010)

Dados do Trata Brasil apontam Jaboatão dos Guararapes no 94º lugar no Ranking

do Saneamento, entre aqueles em melhor ao pior situação, nos 100 maiores municípios

brasileiros. É seguida por Olinda (84º), Paulista (81º), Recife (73º), Caruaru (64º)

e Petrolina (45º). Dados da mesma pesquisa mostram que a precariedade da infraestrutura

sanitária, atinge em particular, os assentamentos precários, e mesmo existindo a política de

resíduos sólidos, 70% dos municípios de Pernambuco ainda utilizam lixões. As consequências

aparecem na existência diferentes tipos de doenças convivendo com a população, como:

diarréias, problemas de pele, hepatite A, leptospirose, dengue, chycungunha, além de outras.

Embora a cobertura de água para a população ultrapasse 90%, há uma parcela que não dispõe

de encanada, além daquela que recebe água diariamente. Isso acarreta a necessidade de

armazenamento de água em depósitos desprotegidos, e provoca questões relacionadas à saúde

pública.

No Recife, nos assentamentos precários, vivem cerca de 366.028 mil pessoas, dos

quais somente 5.827 têm acesso, ao mesmo tempo, aos serviços de água e esgoto. No caso de

Olinda a situação se agrava, do total de assentamentos precários (Tabela 1), totalizando 90.810

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pessoas, 60.970 não dispõem dos serviços de água e esgoto. Enquanto em Jaboatão dos

Guararapes que responde por 34,7 % da população em assentamentos precários e reúne

238.259 pessoas, contata-se que apenas 108 mil dos habitantes contam com água e esgoto.

Retomando a discussão referente aos indicadores sociais dos municípios

metropolitanos, convém anotar os índices de pobreza angariados, esses apontam Araçoiaba

como de menor IDH-M, representado por 0,592. Merece destaque, ainda, em Araçoiaba,

IDHM-Educação registrando 0,498, mostrando-se elevado quando comparado com os

demais municípios da metrópole, bem como apresenta alta incidência de pobreza (71,82%),

correspondendo a 13 mil habitantes do total de (18.156) da população, enquanto a

indigência atinge (40,29%) (ATLAS BRASIL, 2010). Trata-se do último município a compor a

RMR, ao ser emancipado, em 1995, do município de Igarassu. As atividades e

características desse ente federativo, aproximam mais do rural, uma pequena cidade a

compor o território da metrópole, e situa-se no limite com a Zona da Mata Norte.

Índice de pobreza e de indigência elevado faz parte do município Ipojuca, visto

que mais de 1/4 da população (27,22%) localiza-se na faixa de pobreza, enquanto e 30,20%

respondem pela indigência, ao se adicionar os percentuais, atinge-se mais de 50% de sua

população fixada nesses patamares. Além desse, registra-se são os municípios de

Itamaracá, 60%, de Moreno 57,50%, e de Itapissuma 57,17% que ultrapassam 50% da

população, com altos índices de pobreza.

Dados expressivos em relação à renda percebida desvelam que a maioria da

população metropolitana aufere renda correspondente a meio salário mínimo e um salário

mínimo3 (308.934). Contudo, o acesso a cinco salários ou mais fica é recebido por apenas

60.981 indivíduos. Outro aspecto significativo, diz respeito ao número de pessoas que se

declararam sem rendimentos, correspondendo ao total de 136.246 mil pessoas (IBGE,

2010).

Os dados apontam para a imbricada relação entre habitação e saneamento básico e,

estreita a proximidade com a saúde/doença e o distanciando com o direito à moradia e à cidade.

Além de associar a relação entre a pobreza da população da população, as condições de

moradia e inclusive a ausência de regularização fundiária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão da habitação mantém-se persistente na realidade do país e da Região

Metropolitana do Recife e de seus municípios. Traços da formação social brasileira

3O salário mínimo no ano de 2010, correspondia a R$ 510,00 (quinhentos e dez reais).

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associam a dinâmica de crescimento das cidades, desvelando formas de produção e de

apropriação do espaço na produção capitalista.

A desigualdade e a seletividade dos lugares são expressão do distanciamento

ao acesso à moradia e à cidade, enquanto direito humano defendido por Harvey e mostra

que a ação do Estado na estruturação de políticas públicas, termina por direcionar recursos

que favorecem ao processo de acumulação em contraposição ao enfrentamento da questão

da habitação na dimensão e proporção necessária para fazer face às demandas da

ppulação situada na faixa de interesse social.

Assim, sinaliza fortes contradições que se desvelam nos espaços da cidade,

agravando essa situação com o recuo das ações do Estado, ao retomar a política liberal

demarcando a redução do seu papel, por meio das políticas públicas, de formas mais

acentuada nos dois últimos anos, e provocando a dissolução dessas políticas, ao mesmo

tempo em que alargam-se as desigualdade e as demandas por habitação.

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SAÚDE E INTERSETORIALIDADE: os desafios à articulação intersetorial entre

saúde, habitação e saneamento.

Profª. Dra. Maria Dalva Horácio da Costa4

RESUMO Esse artigo aborda os desafios à efetivação da saúde como direito de cidadania, fundamentada no conceito ampliado de saúde, assegurado pela Constituição de 1988, destacando os desafios à construção da intersetorialidade, no contexto de implementação e desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS), ressaltando o papel estratégico da participação social e da gestão democrática e participativa como requisitos inerentes à gestão intersetorial condições essenciais para assegurar a saúde como direito universal e integral. Palavras-chave: Saúde Coletiva; Cidadania; Intersetorialidade; Promoção da Saúde. ABSTRACT This article addresses the challenges to the implementation of health as a right to citizenship, based on the expanded concept of health, guaranteed by the 1988 Constitution, highlighting the challenges to the construction of intersectoriality, in the context of the implementation and development of the Unified Health System ), Highlighting the strategic role of social participation and democratic and participatory management as requirements inherent to intersectoral management conditions essential to ensure health as an universal and integral right. Keywords: Collective Health; Citizenship; Intersectoriality; Health promotion.

1 INTRODUÇÃO

A concepção ampliada de saúde, políticamente conquistada pelo Movimento

Sanitário Brasileiro (MRSB), sistematizada no relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde

(8ª. CNS) e inscrita no arcabouço jurídico-legal a partir da constituição de 1988 (CF. 1988),

atribui às articulações intersetoriais um papel estratégico essencial para efetivar a saúde

como política de seguridade, conforme preconiza a CF de 1988 e a legislação ordinária,

4 Profª. Dra. Maria Dalva Horácio da Costa, docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social (PPGSS/UFRN), Assistente Social, Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Seguridade Social e Serviço Social (GEPSSS-UFRN). E-mail: [email protected]

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especialmente a Lei Orgânica da Saúde de nº 8.080/90. Conforme explicitado no relatório da

8ª. CNS:

Em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1986, p. 4).

Ressalte-se que esse conceito além de destacar a relação entre a saúde e as

políticas setoriais como alimentação, habitação e meio-ambiente, dentre outras políticas,

incluindo a liberdade e ao vincular todos esses elementos à resultantes da organização

social da produção, aponta ao mesmo tempo para a necessidade de relações democráticas

entre estado e sociedade e para o enfrentamento dos determinantes das desigualdades

sociais como conditio sine qua non para a efetivação da saúde como direito humano em seu

sentido mais abrangente nos termos formulados pelo MRSB.

2 OS SENTIDOS DA INTERSETORIALIDADE ATRIBUÍDOS PELA PERSPECTIVA DA REFORMA SANITARIA BRASILEIRA

Do Artigo 196 ao 200, ao afirmar a saúde como direito de todos e dever do

Estado, a CF de 1988 consagra o conceito ampliado de saúde formulado pelo MRSB,

imputando a garantia do direito à saúde à articulação das políticas econômicas e sociais e

as correlacionando ao âmbito da promoção, proteção e recuperação da saúde.

Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988).

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; VIII- colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Nessa direção, a regulamentação das determinações constitucionais referentes

ao direito à saúde, através da Lei 8.080/90, adensa esse dever do Estado brasileiro e não

apenas do Sistema Único de Saúde (SUS), detalhando o dever de prover as condições

necessárias para a garantia e à produção social da saúde, ratificando o sentido mais amplo

da saúde enquanto direito humano universal, conforme se pode constar nos artigos 2º e 3º:

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Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover condições indispensáveis ao seu pleno exercício. §1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução dos riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Art. 3º - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços essenciais; os níveis

de saúde da população expressam a organização social e econômica do país. (BRASIL, 1990).

Observe-se que o conjunto do arcabouço constitucional e legislação ordinária,

além de ratificar o sentido mais amplo da saúde enquanto direito humano universal,

enfatizando os determinantes e os condicionantes, dentre os quais a moradia, o

saneamento e o meio-ambiente, concebem a saúde como direito social insculpido como

direito humano essencial que para ser efetivado necessita estar articulado aos demais

direitos sociais e de cidadania, se antecipa e contribui decisivamente para que o direito à

moradia fosse incluído no rol dos direitos sociais fundamentais através da Emenda

Constitucional de nº 26 de 14 de fevereiro de 2000 (EC/26) que alterou a redação do artigo

6º da CF de 1988, significando não apenas incluir a moradia como direito social, mas

ratificar o conceito ampliado de saúde incorporando um das condições básicas para se ter

saúde, que é a moradia:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 20008).

Tais artigos revelam, que as formulações e conquistas do MRSB, em termos de

incorporação do conceito ampliado de saúde, se traduziram no sentido de articulação das

políticas econômicas e sociais, com ênfase no sistema de seguridade social, conferindo-lhe

um sentido mais amplo, ao inscrever a intersetorialidade como elemento concreto implícito à

compreensão da saúde como política de seguridade social, influenciando a CF de 1988 e de

forma mais clara, precisa e concisa na LOS – 8080/90, no Capitulo III, que trata da

Organização, da Direção e da Gestão, especialmente em seu Artigo 12, ao determinar a

criação de comissões intersetoriais:

Art. 12. Serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional, subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, integradas pelos Ministérios e órgãos competentes e por entidades representativas da sociedade civil. Parágrafo único. As comissões intersetoriais terão a finalidade de articular políticas e programas de interesse para a saúde, cuja execução envolva áreas não compreendidas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

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As influências da 8ª. CNS na CF de 1988 e especialmente no capitulo da

Seguridade Social, ao qualificar a saúde como resultante das condições de vida e como

resultado das formas de organização social da produção, deixa patente a compreensão do

MRSB de que a conquista e a efetivação do direito à saúde, enquanto direito social e de

cidadania, extrapola o âmbito do sistema de saúde e, portanto, tem caráter intersetorial.

Ressaltando que “as modificações necessárias ao setor saúde transcendem aos limites de

uma reforma administrativa e financeira, exigem uma reforma mais profunda”

(BRASIL,1986). Em outros termos, essa reforma mais profunda, consiste na denominada

Reforma Sanitária.

A compreensão e o reconhecimento politico e legal de que a saúde, em seu

sentido mais abrangente é o resultado das formas de organização da social da produção,

associado ao reconhecimento da necessidade de articulação intersetorial expressa na CF

de 1988 e legislação ordinária, assentados no conceito ampliado de saúde formulado pela

8ª. CNS inscrito na legislação em vigor, vão muito além das proposições formuladas pelo

movimento de Atenção Primária de Saúde (APS), e principalmente pelo movimento de

Promoção de Saúde (P.S) na década de 1970, sintetizados na Conferência de Alma Ata em

1978 foram ampliadas e sistematizadas na Carta de Otawa em 1986.

Ao analisar tais movimentos, Schmaller; Vasconcelos (2014:52), enfatizam que a

concepção de P.S presente na literatura e nas práticas em saúde, a situam como “[...] um

nível de atenção da medicina preventiva“, destacam Buss (2000:18) a partir de uma citação

de Leawell; Clark, os quais definem os principais componentes que abrangeriam a PS:

Educação sanitária, bom padrão de nutrição, ajustado às fases do desenvolvimento da vida; atenção ao desenvolvimento da personalidade; moradia adequada; recreação e condições agradáveis de trabalho; aconselhamento matrimonial e educação sexual; genética; exames seletivos periódicos.

O caráter reducionista dessa compreensão, identificado pelo movimento da

medicina social latino americana, demonstram que tal conceito de P. S não é capaz de

apreender os efeitos das condições de vida e trabalho nos níveis de saúde das populações,

conforme corroboram Schmaller e Vasconcelos (2014, p. 52). O próprio movimento da P.S

buscou absorver essa critica, transformando-se em um movimento de Nova Promoção da

Saúde5 (NPS), imbuído da busca para ultrapassar a concepção restrita de saúde, Lalonde

(1986), define 04 amplos elementos integrantes do campo da saúde, dentre os quais, aqui

destacamos o meio ambiente:

5 Surgiu no Canadá nos anos 1970, oficialmente lançado através do documento: ‘A New Perspective on the Health of Canadians’, mais conhecido como Informe Lalonde (Cf. SCHMALLER; VASCONCELOS (2014: 56 Apud. CARVALHO, 2005).

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Meio ambiente abrange os fatores relacionados com a saúde que são externos ao corpo humano e sobre o quais tem pouco ou nenhum controle individual (com a qualidade da água e do ar,etc. (SCHMALLER; VASCONCELOS (2014, p. 56 apud. LALONDE, 1996).

Naquele contexto, em âmbito nacional e internacional, a inclusão do meio

ambiente expressa a importância desses elementos enquanto essenciais para a efetivação

da saúde coletiva e individual. Porém, conforme destaca Schmaller; Vasconcelos (2014,

p.58; apud Terris,1996), os dois marcos da NPS, precisamente o Informe Lalonde (1981) e o

Informe Gente Sana (OMS; OPAS, 1996), relaciona a P.S profundamente centrada nos

estilos de vida. Portanto, também constitui um enfoque reducionista.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que a PS e a sua compreensão acerca da

intersetorialidade está diretamente relacionada ao campo dos Determinantes Sociais da

Saúde (DSS), assim denominados desde I CNS do Canadá, realizada em 1981. E, que

ressurge na I Conferência Internacional de Saúde (CIS), vislumbrando a melhoria das

condições de saúde no planeta, passa a vincular o alcance de tal objetivo às seguintes

condições para a promoção da saúde: paz, habitação, educação, alimentação, renda,

ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade.

As dificuldades de incorporar a noção e as estratégias na perspectiva da

intersetorialidade, se faz notar na própria agenda de prioridades da OMS, a qual somente

em 1984, a incorporou na sua agenda de prioridades, como uma estratégia associada a

necessidade de superar abordagens setoriais, como uma das suas 5 metas a serem

recomendas para promover a sua inclusão na agenda de prioridades dos políticos e

dirigentes em todos os níveis e setores. Ainda assim, de fato, somente pós Carta de Otawa

em 1986 e pós 8ª CNS, no Brasil, a OMS, conferiu destaque à estreita relação entre

intersetorialidade e o conceito ampliado de saúde, recomendando a sua inclusão na agenda

governamental.

Além disso, esse processo ocorreu bastante influnciado pelo Movimento Cidade

Saúdáveis, o qual incorpora a perspectiva da P.S e a correspondente compreensão acerca

da intersetorialidade, moldada por uma concepção que “reduz as desigualdades sociais à

exclusão social e a uma mera questão de gestão de planejamento das políticas públicas e

das cidades. Portanto, ignorando as raízes das desigualdades sociais conferindo papel

onipotente às políticas sociais públicas, especialmente as políticas sociais (Cf. COSTA,

2010, p 125).

Ao não considerar que as expressões da questão social que se manifestam em

sua totalidade, ofertando resposta e tratamento setorial, as políticas econômicas e sociais

na sociedade capitalista, ao recortarem as necessidades da população e buscar atendê-las

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de forma isolada, fragmentada, setorializada, estão fadadas a iniquidades, ineficiência e

ineficácia de suas ações. (Cf. COSTA, 2010, 2014).

Note-se que o MRSB, se consolidou avançando nas críticas à perspectiva da

P.S e da NPS, sendo capaz de ir além problematizando e teorizando a perspectiva da

determinação social da saúde construindo o paradigma da produção social da saúde, que

na interpretação de Schmaller; Vasconcelos (2014:56), “reivindica mudanças não apenas no

modelo de atenção à saúde, mas na sociedade brasileira como um todo”.

Esses fundamentos constituem o núcleo central das teses do MRSB, cuja luta

política e sanitária se materializou na conquista da saúde como direito de cidadania

ancorado na concepção ampliada sistematizada no relatório da 8ª CNS e inscrita na CF de

1988 e correspondente legislação ordinária, conforme anotamos anteriormente.

Convíctos de que o direito à saúde não se materializa simplesmente pela sua

formalização no texto constitucional, o MRSB, afirma no relatório da 8ª. CNS, que a

efetivação do direito a saúde requer muito mais que a sua formalização constitucional:

Esse direito não se materializa, simplesmente pela sua formalização no texto constitucional. Há, simultaneamente, necessidade do Estado assumir explicitamente uma política de saúde, consequente e integrada às demais políticas econômicas e sociais, assegurando os meios que permitam efetivá-las. Entre outras condições, isso será garantido mediante o controle do processo de formulação, gestão e avaliação das políticas sociais e econômicas pela população. (BRASIL, 1986, p. 4).

Note-se que além de requerer a articulação intersetorial, o MRSB deixou claro

que para dar materialidade a saúde como direito de cidadania, em seu sentido mais

abrangente, conferiu centralidade ao processo de participação da população na formulação,

gestão e avaliação das políticas econômicas e socais. Sinalizando, que a efetivação do

direito à saúde, numa perspectiva intersetorial, requer um novo modo de conceber, planejar,

gerenciar, executar e avaliar as políticas econômicas e sociais.

Em outros termos, requer uma perspectiva transsetorial e interdisciplinar, o que

exige adensar, incorporar a perspectiva da gestão descentralizada, democrática e

participativa, não apenas na saúde, mas em todas as áreas com as quais tenha interface.

Por essa razão, incide sobre o modo de organizar a produção e as relações entre Estado e

sociedade.

Nesse sentido, podemos inferir que pós 8ª. CNS e a partir da CF de 1988, a

intersetorialidade se afirma como um dos principais eixos da seguridade social à medida que

é representada pela exigência de que o Estado assuma a responsabilidade por uma política

de saúde integrada às demais políticas sociais e econômicas e garanta a sua efetivação,

vinculando a saúde a luta por condições de vida dignas e pelo exercício pleno da cidadania.

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Porém, no plano gerencial e tático-operacional não se tem avançado na perspectiva da

intersetorialidade.

3 POR QUE NÃO SE TEM AVANÇADO NA PERSPECTIVA DA INTERSETORIALIDADE?

Embora se reconheça que o desenvolvimento de políticas intersetoriais constitui

um grande desafio à gestão das cidades e das políticas sociais públicas, observa-se que tal

reconhecimento teórico e político, em geral, não tem se traduzido em passos concretos na

perspectiva da gestão interseotorial, particularmente quando falamos de saúde, habitação e

saneamento as dificuldades e desafios são cada vez mais patentes.

Partimos da premissa de que atuar efetivamente de forma intersetorial requer

um novo modo de governar, capaz de superar a lógica setorial, mas necessariamente

afronta poderes e culturas institucionais tradicionais.

Reiteramos a nossa afirmação de que, no campo da saúde coletiva, atuar

intersetorialmente requer desenvolver a capacidade de combinar, articular, conectar ações e

serviços no sistema de proteção social e de seguridade social a partir de objetos e objetivos

comuns, à luz do Projeto da Reforma Sanitária. (Cf. COSTA, 2010).

Nessa linha de interpretação, afirmamos que a intersetorialidade constitui-se

estratégia para efetivar os direitos sociais e especialmente para assegurar a integralidade da

atenção à saúde, em sentido ampliado, podendo ser identificada como integralidade

ampliada. (Cf. COSTA, 2010).

Assim, sendo, chama à atenção para o fato de que não é à toa, que pouco se

registra a criação de comissões intersetoriais, conforme, por exemplo, tem ocorrido em

relação as políticas de habitação, saneamento e saúde, embora sejam políticas com

notórias necessidades de interfaces no financiamento, planejamento, execução e avaliação.

Reafirmamos que a intersetorialidade constitui uma das formas de dar

materialidade à necessidade de uma nova forma de abordar, atuar e responder a

necessidades de saúde, considerando a determinação social da saúde, os determinantes e

condicionantes, razão pela qual, mais que uma estratégia, a intersetorialidade configura uma

nova forma de abordar, organizar serviços e conceber a gestão pública. (COSTA, 2010).

Enquanto para a OMS, “[...] a intersetorialidade na saúde se constitui em

estratégia que busca superar a ótica fragmentada que orientou a formação do setor”. Para o

MRSB, representa a possibilidade de interferir nos determinantes e condicionantes do

processo saúde doença.

Para Costa (2010), apud Costa; Pontes; Rocha (2006, p 105) a intersetorialidade

se caracteriza pela atuação em conjunto com outros setores ou partes desses tendo em

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vista resultados mais afetivos do que poderiam ser alcançados pela saúde isoladamente.

Ressalta-se nesse conceito que a prática da intersetorialidade está referida aos modos de

atuação entre os setores, não eximindo as responsabilidades de cada um dos setores nem

anulando a importância da singularidade da ação e das práticas setoriais. O reconhecimento

do domínio e das especificidades dos setores interligados em intenções e práticas comuns

talvez constitua um dos princípios para a relação intersetorial.

Nessa perspectiva, o que caracteriza a intersetorialidade é a possibilidade de

síntese de práticas. No entanto, sua possibilidade está na faculdade de reconhecimento dos

limites do poder e de atuação dos setores, pessoas e instituições. Este reconhecimento de

insuficiência não é propriamente uma facilidade para os humanos, especialmente para quem

goza das condições oferecidas pelo poder institucional. A implementação da

intersetorialidade depende, mesmo que circunstancialmente, de uma organização matricial,

na qual a referência seja a lógica de atuação dos problemas. (Cf. COSTA; PONTES;

ROCHA, 2006, p. 106-107).

Notadamente, a intersetorialidade ao requerer atuação conjunta, que só é

possível com efetiva participação integrada dos setores e segmentos envolvidos e

interessados, reiteramos que “[...] a intersetorialidade refere-se ao que pode e deve ser feito

em conjunto pelos diversos setores que têm interface com a saúde”. Portanto, não é um

mero somatório de partes, mas ação coordenada, conjugada e compartilhada sobre um

objeto comum e com determinada direção social e/ou intencionalidade. Aqui, compreendida

na perspectiva do Projeto da Reforma Sanitária Brasileira (PRSB), que se vincula a um

projeto societário com vistas a uma democracia de massas (COSTA, 2014).

Conforme Costa (2010), se por um lado, grande parte das demandas que

chegam ao SUS, traduzidas em necessidades de consultas, exames, medicamentos e

internamentos tem uma clara relação com a ausência ou insuficiência no acesso a direitos

básicos de cidadania, dentre os quais se destaca a moradia e o saneamento básico. Por

outro, ao longo do processo de implementação e desenvolvimento do SUS registra um

grande avanço na sua capacidade de ofertar consultas, exames, cirurgias e outros

procedimentos curativos individuais e poucos avanços em relação a sua capacidade de

atuar na perspectiva da vigilância em saúde, donde se inclui as articulações de natureza

intersetorial, o que exigiria superar o modelo gerencial e assistencial privatista, médico-

hegemônicos e procedimento-centrado.

Ressalte-se que esse modelo gerencial e assistencial hegemônico é sustentado

pelos fortes interesses dos beneficiários do projeto: a indústria farmacêutica, de

equipamentos, de insumos biomédicos e dos prestadores privados que monopolizam a

prestação de serviços, incluindo as cooperativas médicas e empresas de apoio ao

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diagnóstico, conformando um poderoso bloco com capacidade para manter o SUS refém de

seus interesses redirecionando o papel do Estado, ao estilo da inciativa privada, agravados

com a Lei nº Lei 13.097/2015, que libera a hegemonia da participação do capital extrangeiro

na prestação de serviços no Brasil, subordina o SUS ao primado do contrato cujo negócio é

a compra de procedimentos. E, seu sucesso a quantidade de procedimentos

ofertados/executados.

Portanto, cada vez mais distante do SUS constitucional, cuja responsabilidade é

atuar na perspectiva de conjugar promoção, proteção e proteção, com prioridade para as

ações de promoção e prevenção através de uma gestão democrática e participativa,

conforme o artigo 198 da CF de 1988 e respectiva regulamentação através da Lei 8.142/90.

Também não é por acaso, que a incipiente incorporação da intersetorialidade no

campo da gestão pública e particularmente no contexto de implementação e

desenvolvimento do SUS, ocorre diretamente relacionado aos frágeis avanços nos

processos organizativos da sociedade brasileira, sendo reproduzido até mesmo nos

espaços de participação social, tendo em vista que os conselhos de políticas setoriais,

também atuam isoladamente e setorialmente.

Em outros termos, a própria sociedade organizada, sobretudo os representantes

do segmento dos usuários e dos trabalhadores dos sistemas e serviços que implementam

as políticas sociais, ainda não atuam de forma conjunta com capacidade propositiva e

articulação política capaz de reverter a correlação de forças hegemônicas que presidem a

condução da gestão públicas e das políticas econômicas e sociais. Mesmo com tantas

limitações, os espaços de controle social do SUS, sofrem ataques, e têm resistido

bravamente, em defesa do SUS, público, estatal e em defesa da vida. Assim, a sua

ampliação e fortalecimento são essenciais para a afirmação do Projeto da Reforma Sanitária

Brasileira (PRSB), que depende essencialmente da ampliação das articulações intersetoriais

também entre os espaços e instâncias de controle social com os movimentos social, sindical

e popular no sentido de avançar na compreensão da saúde em sentido ampliado.

Afinal, atuar intersetorialmente significa compartilhar poderes, saberes, recursos

em uma arena permeada por conflitos de interesses inerentes aos ideais e projetos

societários a que se vinculam os participantes dos processos de gestão no processo de

implementação das políticas públicas no contexto do Estado democráticos de direito.

Portanto, requerem a afirmação do primado da gestão participativa e da

democracia como valor central das relações Estado sociedade, na perspectiva da afirmação

dos direitos políticos, civis, trabalhistas e sociais como condição essencial para afirmar os

interesses coletivos e a proteção social dos cidadãos. Razão pela qual, os atuais ataques ao

Estado democrático de direito, que se traduziram no golpe parlamentar, tem como alvo

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principal a redução dos direitos sociais e trabalhistas, aprofundando os processos de

privatização da saúde e da previdência social (capitalização através da acelerada expansão

dos fundos de pensão), como mecanismos para promoverem a apropriação do fundo

público pelo capital monopolista, sob hegemonia do capital financeiro.

4.. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que para efetivar a saúde como direito de todos e dever do estado,

com base no conceito ampliado de saúde preconizado pela 8ª CNS e legalmente

assegurado pela CF de 1988 e legislação ordinária, ancorada em uma gestão intersetorial, é

absolutamente necessário criar e fortalecer os espaços de participação social, portanto

requer e avançar na perspectiva da gestão participativa.

Para construir esse modelo gerencial intersetorial, por sua vez, requer

reconhecer que as necessidades de saúde de um indivíduo ou coletividade, também

dependem de respostas que não são da estrita responsabilidade do SUS, vincula-se ao

dever do Estado brasileiro de garantir a saúde e não apenas do SUS, principalmente de

promover e proteger a saúde como direito de cidadania.

Nesse sentido, ainda que restrita aos fatores determinantes da saúde e não

alcance dimensões da estrutura social excludente, no que diz respeito à saúde, agir

intersetorialmente significa invocar o dever do Estado de garantir a saúde, o próprio direito à

vida lançando mão dos diversos poderes do Estado brasileiro, para atuar de forma conjunta

na perspectiva de prover as ações e condições necessárias, dentro e fora do sistema de

saúde, com vistas à garantia do direito à saúde, universal, integral e sob controle social.

Assim, mais que desencadear um processo de incorporação de medidas

intersetoriais que possam deslocar o atual tratamento dispensado - reduzido à ação ou

atividade, em direção à construção de ações estratégicas incorporadas ao planejamento em

saúde, como política de seguridade, requer que a responsabilidade da gestão dos três entes

federados transitem e sejam capazes de articular o Estado brasileiro em sentido amplo, que

do ponto de vista do Projeto da Reforma Sanitária Brasileira requer:

1) Inverter a cultura política das soluções individuais, de que são exemplos: a

segurança privada X ausência de defesa social; Planos privados de saúde, em

vez de fortalecer o SUS público/estatal sob controle social; Incentivos à

aquisição de automóveis para uso particular, em vez de ofertar transporte de

massa de qualidade; Poços artesanais e compra de água mineral água de

qualidade ofertada pelo sistema público de água e esgoto. Enfim, requer o

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combate a soluções que privatizam e mercantilizam a vida e a reduz ao poder de

compra de cada um.

2) Reafirmar e avançar em direção a ampliação dos espaços coletivos fundados na

rés-publica (coisa de todos). E, portanto na defesa e construção de uma

democracia de massas, tendo como exemplo a defesa do SUS Estatal, universal

e em defesa da vida. Portanto contra a mercantilização da saúde e da vida.

Ademais, se faz necessário compreender que as demandas de natureza

intersetorial, indicam a necessidade, em nível imediato, de lutarmos contra o

subfinanciamento das sociais públicas, especialmente as políticas voltadas para segurança

e seguridade social do cidadão, cujos sistemas e serviços cada vez mais tem sido

desmontado, em grau proporcional ao aprofundamento das privatizações.

No caso da saúde, a expansão do acesso a serviços curativos e individuais tem

se dado mediado pela compra/contratualização de serviços, os quais, ainda que com base

em metas, tende a reduzir as ações à oferta de procedimentos e consomem a grande

maioria dos recursos nas ações curativas individuais, inviabilizando as ações voltadas para

a promoção e a prevenção da saúde.

Essa lógica tem induzido a condução das políticas públicas cada vez mais longe

da concepção de que o dever do Estado brasileiro de garantir a saúde requer ações amplas

para além do próprio campo da seguridade social legalmente instituído.

Conclui-se que, incorporar a intersetorialidade, mais que uma decisão política,

constitui uma necessidade e condição fundamental para a efetivação do direito à saúde em

sentido amplo. Seu papel estratégico vincula-se ao requisito de avançar em medidas

capazes de produzir efetivos impactos nas condições de vida da população. Por isso,

incorporar a intersetorialidade, necessariamente, requer desde efetivas mudanças no

modelo assistencial e gerencial, avançando no sentido de que se estabeleçam pactuações

conjuntas nos momentos de formulação e aprovação dos plano anuais, plurianuais e

previsão orçamentária.

No caso da habitação e do saneamento urge a criação de comissões

intersetoriais nos espaços dos conselhos de saúde e nos colegiados de gestão nos níveis

estadual, municipal, regional e distrital, de forma a pautar e deliberar as questões que

envolvem simultaneamente saúde, habitação e saneamento.

Sobretudo requer fortalecer os sujeitos coletivos como condição para avançar na

perspectiva de práticas moldadas pela intersetorialidade com vistas à consolidação do SUS

como sistema e política universal de seguridade social. Pode se constituir estratégia capaz

de portar potencial prático, tácito operacional e teórico-político capaz de contribuir para

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acirrar as lutas em prol de profundas alterações nas relações de poder e de apropriação das

riquezas socialmente produzidas.

Por isso, avançar na perspectiva intersetorial, requer combate a mercantilização

da saúde e da própria vida! Nesse sentido, tem potencial para corroborar no acirramento

dos conflitos que perpassam a luta para abolir a propriedade privada e a sociedade de

classes.

REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13097.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017. BRASIL. República Federativa do Brasil. Emenda Constitucional de nº 26. Brasília, DF, Senado, 14 de fevereiro de 2000. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.conselho.saude.gov.br/legislacao>. Acesso em: 15 jun. 2017. BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.conselho.saude.gov.br/legislacao>. Acesso em: 15 jun. 2017. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. ______. Relatório da 8ª conferência nacional de saúde. Brasília, março de 1986. COSTA, Maria. Dalva Horácio da. PAIVA, Amanda Santos de. Ataques à política de saúde em tempos de crise do capital. In. Revista de Políticas Públicas, v. 20, n. 1 Jan/Jun. São Luis: EDUFMA, 2016. p. 75-84. COSTA, Maria Dalva Horácio da. A intrínseca relação entre intersetorialidade e promoção da saúde. In. Por uma crítica da promoção da saúde: contradições e potencialidades no contexto do SUS. VASCONCELOS, Kathleen Elane Leal de; COSTA Maria Dalva Horácio da (Org.). São Paulo: HICITEC, 2014. ______. Serviço social e intersetorialidade: a contribuição dos assistentes sociais à construção da intersetrialdiade no cotidiano do Sistema único de Saúde. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE. Recife, 2010. VASCONCELOS, K. E. L; SCHMALLER, V. P. V. Promoção da saúde: polissemias conceituais e ideopolíticas. In. Por uma crítica da promoção da saúde: contradições e potencialidades no contexto do SUS. VASCONCELOS, Kathleen Elane Leal de; COSTA, Maria Dalva Horácio da (Org.). São Paulo: HICITEC, 2014.

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POLÍTICA DE SANEAMENTO: desafios no contexto de desconstrução das políticas

públicas do Estado

Prof. Dr. Ronald Fernando Albuquerque Vasconcelos6

RESUMO Este artigo objetiva examinar a questão do saneamento, no contexto atual da crise do Estado brasileiro. Busca-se apresentar a problemática do setor e os principais desafios a serem superados face ao elevado déficit dos serviços e a forte redução dos investimentos em saneamento. Intrinsecamente relacionado com o saneamento encontra-se a questão, não resolvida da habitação, para as famílias de baixa renda. Saneamento e habitação são problemas não resolvidos que remontam ao século XIX. Os impactos decorrentes impõem fortes consequências na qualidade de vida da população. São, portanto, desafios a serem superados para melhoria das condições de vida nas cidades brasileiras. Palavras Chaves: Política de Saneamento; Política de Habitação; Desafios das Políticas Públicas.

ABSTRACT This article aims to examine the issue of sanitation in the current context of the Brazilian state crisis. It seeks to present the sector's problems and the main challenges to be overcome in the face of the high deficit of services and the strong reduction of investments in sanitation. Intrinsically related to sanitation lies the unresolved issue of housing for low-income families. Sanitation and housing are unresolved problems dating back to the nineteenth century. The resulting impacts have a strong impact on the quality of life of the population. They are, therefore, challenges to be overcome to improve Keywords: Sanitation Policy; Housing Policy; Public Policy Challenges.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo examinar a problemática do setor de saneamento

no Brasil, no contexto atual da crise do Estado vivida pelo país. Após a formulação e

aprovação da nova política de saneamento, há cerca de uma década, o elevado déficit dos

6 Engenheiro Civil, Professor do Departamento de Arquiteura e Urbanismos da Universidade Federal de Pernambuco - Recife-BRASIl. Pesquisador do NEPHSA/UFPE.

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serviços de saneamento continua a ser um desafio não superado das cidades brasileiras,

que tem forte interface com a questão da habitação para as camadas de baixa renda.

Inicialmente busca-se apresentar a problemática do setor e os principais

desafios a serem superados num contexto de elevado déficit dos serviços e de forte redução

dos recursos disponibilizados para implementação da política de saneamento.

Na segunda parte busca-se mostrar de forma sucinta como a problemática do

setor de saneamento está intrinsecamente relacionada com a questão da habitação,

também uma questão, também, não resolvida para as famílias de renda até três salários

mínimos e abaixo da linha da pobreza.

Na parte final do artigo, procura-se apresentar os principais desafios a serem

superados, no contexto atual de crise fiscal, para a execução da política de saneamento,

bem como indicar diretrizes para a superação do imobilismo atual, visando à melhoria das

condições de vida da população alvo nas cidades brasileiras.

2 QUADRO GERAL DA SITUAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO NO BRASIL7 O Brasil é um país continental, marcado por desequilíbrios socioeconômicos,

refletidos na repartição desigual do produto e da renda, ao que se somam as dificuldades de

acessos aos serviços básicos por segmentos expressivos da população.

A demanda por serviços de saneamento é determinada pelo crescimento da

população total, e no caso brasileiro pelo crescimento da população urbana, pois é nas

cidades onde está a maior parte da demanda e os principais problemas decorrentes da falta

dos serviços e de suas inter-relações com as questões de saúde e habitação.

Desde os anos 1970, tem ocorrido uma diminuição no número de pessoas por

domicílio urbano, que registrou o valor de 5,07 naquela década e estima-se chegar a 3,60,

no final da década atual, o que acarretará uma maior demanda por serviços de saneamento.

A evolução do PIB do país permite identificar a capacidade de geração de

recursos. No pós-guerra o PIB brasileiro registrou valores elevados até a década de 70 e, a

partir daí, devido à crise econômica vem apresentando taxas modestas de crescimento, o

que indica uma dificuldade na geração de recursos para fazer face à cobertura dos serviços.

Em termos de distribuição de renda, os dados do IBGE demonstram a

perversidade da situação, com 21,4% das famílias sobrevivendo com renda igual ou inferior

a um salário mínimo, fato agravado pela atual crise. A concentração de é brutal: os 5% mais

ricos ficam com 36,6% da renda nacional enquanto os 40% mais pobres com apenas 7,2%.

7 Para uma ampla visão da problemática do setor ver: Ronald F. A. Vasconcelos, Enigma de hidra, 2011.

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Destes dados pode-se inferir que, uma parcela expressiva da população tem

limitações fortes em sua capacidade de pagamento pela prestação de serviços. E, isto

acontece justamente naquela parcela da população na qual o desatendimento é maior.

Os indicadores de população, PIB e renda indicados são significativos. Se os

indicadores da população são positivos, no sentido de que a diminuição no seu crescimento

acarretará uma menor demanda; por outro lado, o baixo PIB e a distribuição de renda

mostram as dificuldades para o financiamento.

No que diz respeito à prestação dos serviços, a mesma está concentrada em 25

Companhias Estaduais de Saneamento, que prestam serviços de abastecimento de água,

em 3.887 municípios – 91,5% do total do país, atendendo a uma população de 94,5 milhões

de habitantes, que representa 73,3 % da população urbana do país e uma cobertura média

nos municípios atendidos pelas CESBs de 91,3%.

Nos serviços de esgotamento sanitário os níveis de atendimento são muito

menores. As CESBs são responsáveis pelos serviços de esgotamento sanitário em 893

municípios, cerca de 81,6% do total. Como observa Abicalil (2002, p. 14):

[...] geralmente as CESBs atendem em esgotos as capitais e as maiores cidades dos respectivos estados. Isso explica porque, apesar de atenderem poucos municípios, o número de habitantes atendidos alcança os 40,0 milhões, ou cerca de 50% do total de pessoas servidas por redes coletoras no país.

Os prestadores de abrangência Microrregional e Local são quantitativamente em

número de 7 e 342, respectivamente. Os primeiros prestam serviços de abastecimento de

água e esgotamento sanitário em 20 e 11 sedes municipais, respectivamente, enquanto os

segundos respondem pelo atendimento de água em 341 municípios e 190 em esgotos.

Estas duas classes de prestadores de serviços, são, na sua maioria, serviços municipais,

que estão em grande parte organizados sob a forma de autarquia.

Embora muito se tenha falado em privatização no Setor de Saneamento, a

participação do Setor Privado é, atualmente, incipiente. Esta participação limita-se a 210

concessões municipais, concentradas na região Sudeste, em cidades de porte médio.

Os serviços operados pelos municípios com apoio da FUNASA são aqueles de

pequeno porte de cidades interioranas. Não se restringem às sedes dos municípios,

registrando-se mais de duas localidades atendidas por municípios. A operação dos serviços

é de responsabilidade dos denominados Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAE).

O atendimento de água e esgotamento sanitário no Brasil está distante da

universalização. Quando se leva em conta o grau de desenvolvimento do país, persiste uma

considerável demanda não atendida, especialmente nos estratos de baixa renda.

De acordo com a PNSB, os índices de atendimento pelos serviços de abastecimento

de água, por meio de ligações domiciliares às redes, alcançaram, em 2000, o percentual de

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89,8% domicílios urbanos. No que se refere ao esgotamento sanitário, apenas 56% destes

domicílios estão ligados às redes coletoras (exclusivas ou conectadas a drenagem pluvial),

número que se eleva para 62,0% quando se considera a solução de tratamento em fossa

séptica como adequada. Assim, o déficit de abastecimento de água atinge os 10 milhões de

domicílios, e mais de 30 milhões não estão conectados às redes coletoras de esgotos.

Quadro Nº 01. Evolução da cobertura dos serviços de água e esgotos no Brasil - %

INDICADORES 1970 1980 1990 2000 Abastecimento de Água

Domicílios urbanos – rede de distribuição 0,5 9,2 6,3 9,8

Esgotamento Sanitário

Domicílios Urbanos – rede de coleta 2,2 7,0 7,9 6,0

Domicílios urbanos – fossas sépticas 5,3 2,9 0,9 6,0

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1970, 1980, 1990 e 2000, In: Vasconcelos (2011).

Os índices apresentados não são muito diferentes dos apresentados pela última

amostra de dados processados pelo SNIS. De fato,

[...] em 2004, o índice de atendimento dos prestadores de serviço do SNIS foi de 95,4% para água, 50,3% para coleta de esgotos e 31,3% para esgotos tratados (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005, p. 78).

As desigualdades regionais também estão explicitas nas carências dos serviços de

saneamento. Nas regiões mais pobres do país, no Norte e Nordeste, os índices de

atendimento são inferiores àqueles verificados nas regiões Sul e Sudeste. Na Região Norte,

o déficit em abastecimento d’água chega a ser quase cinco vezes o da Região Sul, que

junto com o Sudeste apresenta déficits inferiores à média nacional (ver Quadro a seguir).

Quadro Nº 02 – Distribuição regional dos déficits em saneamento básico

Região N° de Domicílios

Abastecimento de Água Esgotamento Sanitário – rede e fossa séptica

Déficit Déficit % Déficit Déficit %

Norte 2809912 1460770 51,99 1809015 64,38

Nordeste 11401385 3832238 33,61 7074641 62,05 Sudeste 20224269 2360528 11,67 3573507 17,67 Sul 7205057 1436542 19,94 2609759 36,22 C. Oeste 3154478 845630 26,81 1867729 59,21 Brasil 44.795.101 9.935.708 22,18 16.934.651 37,80

Fonte: IBGE, Censo 2000, In: Vasconcelos (2011).

Nove estados localizados nas regiões Sul, Sudeste, Centro Oeste e Norte,

apresentam índice de atendimento em abastecimento d’água na faixa de 80% a 90%8,

enquanto na faixa de 60% a 80% encontram-se 10 estados localizados em sua maioria na

8Estes estados são: Amazonas, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.

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Região Nordeste9. Na faixa de índice menor que 40% registra-se apenas o estado de

Rondônia, e na faixa maior de 90% estão Mato Grosso do Sul, São Paulo e o Distrito

Federal.

No tocante ao índice de atendimento total com coleta de esgotos, os dois

estados têm melhores índices (>70%), são: São Paulo e o Distrito Federal. Na pior faixa

(<10%) encontram-se cinco estados: Rondônia, Pará, Amapá, Tocantins e Piauí.

Na segunda melhor faixa (40% a 70%) estão outros dois estados do Sudeste (Minas Gerais e Rio de Janeiro), com os demais estados distribuindo-se nas outras duas faixas, sendo 8 entre 20% e 40%

10 e 10 na faixa de 10 a 20%

11 (MINISTÉRIO DAS

CIDADES, 2005, p. 80).

A implantação de sistemas de água e esgotamento produz externalidades

positivas. Entre os impactos positivos estão a redução nos casos de doenças como: a febre

tifóide, esquistossomose, disenteria bacilar, amebíase, gastroenterites e infecções cutâneas.

A incidência de doenças por veiculação hídrica, bem como os maiores

coeficientes de mortalidade infantil, são maiores nas regiões menos desenvolvidas do país e

nos municípios de menor renda. O quadro apresentado a seguir, permite fazer esta

constatação.

Quadro Nº 03 – Internações hospitalares provocadas por doenças relacionadas com a falta de

saneamento – regiões / Brasil – 1995 a 1999. CAUSAS DE INTERNAÇÕES REGIÕES BRASIL

N NE SE S CO Doenças Infecciosas Intestinais (*)

385.226 1.508.658 729.210 439.182 206.003 3.268.279

Doenças Transmitidas por vetores e reservatórios (**)

117.279 29.299 14.100 4.564 11.395 176.637

Fonte: Abicalil, Marcos Thadeu (2002).

Conforme se apresenta no Quadro Nº 03, as internações hospitalares

provocadas por doenças relacionadas à ausência ou insuficiência de saneamento

representam, no Nordeste 44%, do total do país, enquanto na Região Sudeste este número

é de apenas 21%, evidenciando assim a correspondência entre o déficit dos serviços de

saneamento e a maior incidência de doenças decorrente da ausência dos serviços, quando

se compara os déficits de água (62% e 33%) e esgotos (18% e 12%) nestas duas regiões,

respectivamente.

Em vista do exposto, para se atingir a universalização dos serviços, superando

os desafios impostos pela demanda não atendida, é fundamental que se priorize os

investimentos com subsídios ficais no atendimento às populações de baixa renda,

9Nesta faixa encontram-se: Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe,

Bahia, Amapá e Santa Catarina. 10

São eles: Ceará, Paraíba, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul. 11São eles: Amapá, Amazonas , Acre, Maranhão, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina.

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modernize-se, aumente-se a eficiência e capacidade de alavancagem de recursos para

investimento, buscando formas adequadas de financiamento dos investimentos necessários.

No tocante às receitas e despesas, em 2004, os prestadores de serviço

participantes do SNIS, tiveram uma receita total de R$ 17, 3 bilhões e despesas totais de R$

16,4 bilhões. Do valor da receita total, 81,5% correspondem às CESB, enquanto 18,5%

correspondem aos demais prestadores de serviço. Já com relação às despesas, observa-se

uma distribuição proporcional às receitas entre os subconjuntos de prestadores de serviço,

ou seja, 82,9% correspondem aos prestadores regionais e 17,1% aos demais.

Cabe destacar que, entre os prestadores de serviço regional, que são

constituídos pelas CESBs, 12 delas tiveram as receitas superiores às despesas, num

percentual da ordem de 3,7%, demonstrando o esforço que tem sido feito, nos últimos anos,

por estas empresas no sentido de atingir o equilíbrio financeiro, estando incluídas nesta

situação: SANEATINS/TO, CAERN/RN, CAGECE/CE, COMPESA/PE, DESO/SE,

CEDAE/RJ, CESAN/ES, COPASA/MG, SABESP/SP, CASAN/SC, SANEPAR/PR e

SANEAGO/GO. Por sua vez, entre os serviços locais, cerca de 67%, estão em situação

semelhante.

A composição das despesas totais dos serviços é, para efeito de apropriação,

desagregada nos tipos: despesas de exploração (DEX); depreciação, provisão e

amortização (DPA); serviço da dívida; despesas ficais ou tributárias; e outras despesas. No

Quadro, a seguir estão os percentuais por tipo de despesa para as CESBs e serviços locais.

Quadro Nº 04 - Composição média das despesas totais com os serviços (DTS) dos prestadores de

serviços participantes do SNIS

Tipo de despesa Participação na DEX

Regional Local

DEX (despesa de exploração) 68,0% 84,0% DPA (depreciação, provisão e amortização) 17,1% 5,9%

Parcela do Serviço da dívida (*) 9,3% 3,9% Despesas fiscais ou tributárias 3,1% 1,1% Outras despesas 2,6% 5,1%

Fonte: SNIS (2004). (*) Parcela do serviço da dívida que compreende juros e encargos mais variações monetárias e cambiais.

O peso das despesas de exploração corresponde a maior parcela na

composição do custo dos serviços, item que se apresenta menor nas CESB e maior nos

serviços locais, o que se deve ao fato de que os serviços locais, por serem autarquias,

contam com recursos fiscais para investimento e, em geral, não contabilizam a DPA.

O Quadro a seguir, mostra os tipos de despesas desagregadas de exploração

(DEX). Entre estas despesas, a de maior peso refere-se aos gastos com pessoal, tanto nas

CESBs (41,2% do total) quanto nos serviços locais (39,4% do total). Os demais itens com

maior peso são os serviços de terceiros, que inclui, inclusive, a contratação de mão de obra

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terceirizada (aumentando o peso das despesas com pessoal) e o gasto de consumo de

energia elétrica, que, não raro, assume o segundo lugar em algumas CESB, principalmente,

nas que atendem áreas no semiárido do NE, que operam adutoras de influência regional.

Quadro Nº 05 - Composição das despesas de exploração (DEX) dos prestadores de serviços participantes

do SNIS

TIPO DE DESPESA

PARTICIPAÇÃO NA DEX Regional Local

Pessoal próprio 41,2% 39,4%

Produtos químicos 3,2% 4,0% Energia elétrica 15,4% 17,4% Serviços de terceiros 17,8% 19,0% Água importada 0,3% 5,9% Despesas fiscais ou tributárias 10,7% 4,9% Outras despesas 11,4% 9,4%

Fonte: SNIS (2004).

As despesas com pessoal, conforme SNIS (2004), indicam para as CESBs uma

despesa média anual por empregado de R$ 51,4 mil, com máximo de R$ 90,2 mil. Os

serviços locais tiveram uma despesa média anual por empregado de R$ 24,3 mil, menos da

metade do gasto das CESBs, o que permite os serviços locais praticarem tarifas menores.

Outra despesa que cabe registro são as despesas fiscais e tributárias, cujo

montante em 2004 foi de R$ de 1,6 bilhões, dos quais 90,3% pagos pelas CESBs. Isso

indica que o Setor de Saneamento aporta fortes recursos para o governo. Esse elevado

montante de tributos pagos pelas CESBs, leva alguns especialistas a considerarem as

autarquias como a melhor solução do ponto de vista financeiro, dispensadas de pagar uma

série de obrigações fiscais, mas lhes “engessam” os procedimentos administrativos.

Quanto aos investimentos, os anos 70 foi o período de maiores investimentos,

alcançando a taxa média de 0,34% do PIB. Nos anos 80 a taxa caiu para 0,28% do PIB e

nos 90 para 0,13%. A maior taxa foi 1981, 0,41%, e a pior, 1994, com 0,07%.

Em 1995, se iniciou uma reversão da tendência de queda dos investimentos,

chegando a um valor de 0,38% do PIB, em 1998. Mas, em 1999, voltaram a cair para 0,25%

do PIB, e somente em 2002 se verificou uma retomada, que despencou em 2015.

Na série dos investimentos realizados na última década, a Região Sudeste

respondeu por 47,7% do total. Do total de recursos investidos (R$3,1 bilhões), 50,1% foram

recursos próprios dos prestadores de serviço, 20,4% recursos onerosos, 20,15% recursos

não onerosos e só 9,4% foram despesas capitalizáveis, indicando a tendência das CESBs

de se financiarem com os próprios recursos.

É importante destacar que, a realização dos investimentos por região tem sido

inversamente proporcional à demanda. Como observa Abicalil (2002, p. 20),

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[...] nos estados onde o déficit dos serviços é maior, menor é capacidade das empresas estaduais em alavancar financiamentos, dificultando ainda mais a universalização nestes estados.

Nestas circunstâncias, a alocação dos investimentos com recursos fiscais tem sido

priorizado para as regiões com maiores déficits, conforme pode ser visto no Quadro a

seguir. Mas deve-se destacar que, os investimentos fiscais, sozinhos, não são capazes de

financiar todos os investimentos necessários à universalização.

Quadro Nº 06 - Distribuição de investimentos totais e fiscais por região - %

Regiões Investimentos totais 1995-99 CESBs

Distribuição investimento fiscal

Participação relativa investimentos fiscais

Norte 1,2 14,0 67,6 Nordeste 9,7 54,4 36,2

Sudeste 47,6 8,1 2,2 Sul 26,4 12,3 10,1 C. Oeste 15,0 11,1 19,4

Fonte: SNIS (2004)

Assim, para superação do desafio da universalização faz-se necessário um

investimento maior do que o que vem sendo realizado. Para o que são estratégias centrais:

aumento da eficiência na prestação dos serviços; definição de novos mecanismos de

financiamento pela iniciativa privada; aperfeiçoamento do gasto público fiscal na adoção de

políticas compensatórias (através de subsídios fiscais da União para os mais pobres).

A perda de faturamento é um indicador importante para as avaliações de

desempenho das empresas. É um indicador bastante utilizado pela facilidade de percepção

por parte dos técnicos, dirigentes e o público em geral. O índice médio de perdas de

faturamento do conjunto dos prestadores de serviço foi de 40,4%, indicando que há espaço

para melhoria, em ações como hidrometração que trazem drásticas reduções nas perdas.

Em apenas três estados brasileiros e o Distrito Federal (Paraná, Minas Gerais,

Distrito Federal e Tocantins) a perda encontram-se na melhor faixa, <30%, enquanto outros

três estados da região Norte (Acre, Amazonas e Amapá) situam-se na pior faixa, >70%. Há

ainda outros sete estados na faixa entre 50,1% e 70%.

De acordo com o SNIS (2004), a tarifa média cobrada pelos serviços de água e

esgotos no Brasil foi de R$ 1,47/m3. O comportamento da tarifa média guarda semelhanças

às despesas médias destes mesmos prestadores de serviços. Observe-se que, em 2004, as

CESBs apresentam uma despesa média de R$ 1,57/m3, enquanto os serviços locais tiveram

este valor menor da ordem de R$ 1,05/m3, o que se justifica pela necessidade de cobrir

despesas que também são menores. Estes mesmos prestadores de serviço praticaram

tarifas médias de R$ 1,58/m3 e R$ 1,11/m3, respectivamente.

Por fim, cumpre destacar que, apenas 1/3 das CESB adotaram a tarifa social,

como forma de beneficiar a população mais pobre, cujos valores de consumo mensal não

ultrapassam os 10m3/mês (valor que corresponde a um consumo da ordem de 70 l/hab.dia).

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3 A QUESTÃO DA HABITAÇÂO E SUA INTERFACE COM O SANEAMENTO

Aqui o objetivo não é fazermos uma ampla análise da questão da habitação nas

cidades brasileiras, mas tão-somente situarmos sua interface com a problemática do

saneamento, que não terá perspectiva de solução sem que seja resolvida a questão da

habitação para amplos segmentos da população urbana, principalmente, as camadas de

renda familiar menor que três salários mínimos e abaixo da linha da pobreza.

Se para os segmentos de maior renda, de acordo com o último censo, a questão

da moradia já parece resolvida, para os segmentos de baixa renda o problema persiste. De

fato, à parte os demais fatores, entre os principais obstáculos à questão da moradia estão o

acesso a terra e a questão da renda.

Com efeito, a questão habitacional no Brasil, acumulada ao longo da história,

expõe aspectos relacionados aos determinantes econômicos e a concentração privada da

terra, resultando em desigualdades socioespaciais, situação agravada pela ocupação

irregular de locais inapropriados nas cidades brasileiras pela população de baixa renda. Nos

4565 municípios brasileiros, a problemática habitacional instalada requer a ação do Estado à

provisão da política pública de habitação e saneamento, por parte dos gestores públicos.

Não é por falta de política pública ou pela necessidade de criação de fundos

específicos de financiamento (que existem, mas estão quase sempre descapitalizados), que

o problema da moradia se apresenta grave, mas pela ocupação inadequada, pela falta de

renda, e de terrenos apropriados, que impõe aos mais pobres a ocupação de áreas de

preservação, encostas e fundo de vales, alagados ou áreas de aterros, que sem

abastecimento d’água, esgotamento sanitário, drenagem e coleta de lixo estão sujeitas a

múltiplos problemas, entre os quais aqueles que afetam a saúde dessa população.

O déficit habitacional é de duas naturezas: o quantitativo que se refere à

ausência de moradia para suprir as unidades situadas em áreas de risco ou insalubres. E, o

déficit qualitativo que está relacionado às condições inadequadas da habitação, como:

ausência de infraestrutura, ausência de iluminação e ventilação, carência ou precariedade

das instalações sanitárias, ausência de espaços de convívio ou de lazer, inadequação de

materiais da habitação, entre outros.

Sem lugar para morar, ao longo do século XX, as camadas populares foram

ocupando terras ociosas e erguendo suas moradias. E, com o advento da redemocratização

do país foram reivindicando a manutenção de suas construções nos locais que haviam

ocupado. Este movimento ensejou a formulação de políticas públicas nos níveis federal,

estadual e municipal, objetivando regularizar e urbanizar as ocupações existentes,

enfrentando o déficit qualitativo e quantitativo.

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É lamentável que, mesmo existindo uma política pública para dar conta do

problema, os governos, em todos os níveis, tenham preferido a construção de novos

conjuntos habitacionais, de forma semelhante à falida política do BNH, à urbanização e

implantação das infraestruturas (uma responsabilidade intransferível do Estado) dos

assentamentos de baixa renda nos locais onde se encontram instalados.

Com efeito, na última década, com a elevação da renda per capita nacional foi

possível se observar uma melhoria das condições de vida da população mais pobre, que

utilizou parte dos recursos disponíveis na melhoria de suas moradias e na aquisição de bens

duráveis como: televisores, fogões, geladeiras, entre outros. Entretanto, ao deixarem suas

residências todos os dias para irem trabalhar ou estudar se deparam com a lama e o lixo,

pela falta dos serviços públicos de infraestrutura.

Importa destacar que, nos locais onde foram realizadas ações de urbanização e

regularização das terras, as experiências realizadas se mostraram exitosas, a ponto de

algumas áreas de favelas hoje fazerem parte do tecido urbano de muitas cidades, dando

origem a comunidades e bairros. Outro aspecto a ser destacado é que, muitos programas

de universalização do saneamento, alguns até decorrentes de parceria com a iniciativa

privada, encontram como obstáculo a necessidade de urbanização dessas áreas onde estão

localizadas a população de baixa renda, sem o que se torna impossível a implantação dos

serviços de saneamento, tornando praticamente inócua a meta do atendimento pleno.

Enfim, os problemas de habitação e aqueles do saneamento, principalmente da

drenagem e do esgotamento sanitário, estão intrinsecamente ligados e não haverá solução

se o enfrentamento da questão não for realizado de maneira integrada, para o que o país já

conta com a Política de Habitação de Interesse Social (e o seu fundo específico), formulada

pelo poder público com participação dos segmentos populares, e cuja implementação em

algumas comunidades aponta para um resultado exitoso, por todo o território nacional.

4 OS DESAFIOS A SEREM SUPERADOS NO CONTEXTO ATUAL DA CRISE BRASILEIRA

A crise atual que o país atravessa tem uma de suas principais manifestações na

questão fiscal. Durante os governos militares o país endividou-se fortemente, acumulando

uma dívida externa, no inicio dos anos 80, que foi considerada a maior do planeta. Nos

últimos trinta anos do regime democrático, os dez primeiros anos foram gastos na

administração da crise econômica e no serviço da dívida.

Os dez anos seguintes, os anos 1990 e primeiros anos deste século foram

marcados pela busca da estabilização, após a deflagração do Plano Real que visou à

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redução brusca da inflação, resultante da administração do serviço da dívida, após o

amortecimento da dívida externa e sua conversão em dívida interna.

O relativo sucesso do Plano Real e a boa situação da economia internacional, no

período seguinte, últimos dez anos deste século, permitiram que a dívida externa fosse

zerada e que a dívida interna fosse bastante reduzida, alcançando pouco antes da eclosão

crise internacional de 2008, uma relação dívida/PIB de 38%, com boa chance de maior

redução desde que bem administrada. A crise internacional e as escolhas feitas pelo país

ampliaram fortemente os gastos governamentais12 trazendo à tona o fantasma da crise

fiscal, que atualmente o Brasil experimenta, e como consequência a redução do gasto

público.

Assim, face ao do agravamento da crise é possível se antever que o setor de

saneamento estará diante dos seguintes desafios:

• Forte redução na alocação de recursos públicos da União, estados e municípios e

nos financiamentos dos bancos públicos com recursos do FGTS e do BNDES;

• Aumento dos problemas de poluição difusa no meio urbano e dos recursos

hídricos;

• Aumento das doenças de veiculação hídrica: cólera, febre tifoide, diarreia aguda,

hepatite infecciosa, amebíase, giárdias e contaminantes químicos. E das doenças

relacionadas à falta de água e ao mau uso: tracoma, escabiose, conjuntivite

bacteriana aguda, salmonelose, tricuríase, enterobíase, e ascaridíase;

• Elevação do nível de ineficiências dos serviços prestados pelas empresas de

saneamento (devido ao corte nos gastos de operação e manutenção) com a

depreciação dos sistemas.

E, diante desses desafios é importante que iniciativas sejam tomadas visando à

quebra do imobilismo priorizando o saneamento:

• Os municípios precisam mudar a postura institucional e já tradicional de

coadjuvante para uma postura inovadora de PROTAGONISTA na condução da

Política de Saneamento e habitação;

• Os municípios devem cuidar dos projetos de urbanização das de baixa renda

priorizando o saneamento nessas áreas;

• Os municípios devem em conjunto com as CESB definirem as áreas prioritárias

para implantação de novos sistemas de água e esgotos nos municípios no âmbito

dos novos projetos de investimentos;

• Os novos Planos Municipais de Saneamento devem ter suas ações priorizadas;

• Participação privada nos investimentos a serem realizados.

12

Sobre os gastos públicos ver: Flávio Rezende, in: Revista Política Hoje, n.11, p. 124-137, 2001.

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5 CONCLUSÃO

De tudo o que foi exposto pode-se inferir quão grande é o desafio, e quão elevados

são os recursos a serem mobilizados pelo Estado para fazer face à universalização no setor

de saneamento, no contexto atual de crise fiscal. Mas deve-se destacar que, os

investimentos fiscais, sozinhos, não são capazes de financiar todos os investimentos

necessários à universalização devendo-se buscar recursos privados complementares.

Para a superação do desafio do atendimento pleno faz-se necessário um

investimento maior do que o que vem sendo realizado, o que se torna mais difícil devido a

crise. Para isso são estratégias centrais: aumento da eficiência na prestação dos serviços;

definição de novos mecanismos de financiamento, participação da iniciativa privada;

aperfeiçoamento do gasto fiscal na adoção de políticas compensatórias (via subsídios fiscais

da União para os mais pobres).

Além disso, para superar o desafio imposto pela demanda não atendida, é

fundamental que se priorize os investimentos com subsídios ficais no atendimento à baixa

renda, o que pode ser combinado com ações de urbanização de áreas pobres.

REFERÊNCIAS

ABICALIL, Marcos Thadeu. Uma nova agenda para o saneamento. In: O pensamento do Setor de Saneamento no Brasil: perspectivas futuras. Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano/PR, Brasília: 2002. 135p., v. 16. Série modernização do setor de saneamento. ______. A atual situação dos serviços de água e esgotos no Brasil. Brasília: 2002. p. 31., mimeo. ACQUAPLAN – Estudos, Projetos e Consultoria. Flexibilização institucional da prestação de serviços de saneamento. Ministério do Planejamento e Orçamento, Secretaria de Política Urbana/IPEA, Brasília: 1995. p. 189. v. 3. Série modernização do setor de saneamento. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Sistema nacional de informações sobre saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos (2006). Parte 1 – Texto: visão geral da prestação dos serviços. Brasília: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, 2007. p. 232. ______. Sistema nacional de informações sobre saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos (2006). Parte 2 – Tabelas de informações e indicadores. Brasília: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, 2007. p. 428. REZENDE, Flávio da Cunha. Políticas de controle dos gastos públicos e comportamento das organizações do governo: uma interpretação de arenas de políticas públicas. In: Revista Política Hoje, n.11, p.124-137, 2001. VASCONCELOS, Ronald F. A. Enigma de Hidra: o setor de saneamento entre o estatal e o privado. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2011. p. 405.

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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: para além da

interpretação jurídica.

Ms. Celso Severo da Silva13

RESUMO O presente artigo visa analisar como a regularização fundiária no Brasil se expressa na contemporaneidade, suas contradições e interpretações. Ao mesmo tempo, inserir a sua análise nas condições históricas, políticas e econômicas presentes na crise capitalista, o papel do Estado e a materialização do uso e ocupação do espaço urbano. Nesse sentido, a lógica capitalista insere o urbano e as cidades como lócus de reprodução. Assim, a análise da regularização fundiária, associada a discussão meramente jurídica, limita a compreensão de que moradia, propriedade privada e o capital fundiário não estão conectadas com os conflitos característicos da sociedade de classes. Palavras-chave: Regularização fundiária. Estado. Cidades.

ABSTRACT The present article aims to analyze how land regularization in Brazil is expressed in contemporaneity, its contradictions and interpretations. At the same time, to insert its analysis in the present historical, polítical and economic conditions of the capitalist crisis, the role of the State and the materialization of the use and occupation of the urban space. In this sense, the capitalist logic inserts the urban and the cities as locus of reproduction. Thus, the analysis of land regularization, coupled with purely legal discussion, limits the understanding that housing, private property, and land capital are not connected with the class conflicts characteristic of class society.

Keywords: Land tenure regulation. State. Cities.

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos 13 anos, governados pelo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e

Dilma Rousseff (2011-2016), ambos do Partido dos Trabalhadores (PT), o Brasil viveu

13

Ms. Celso Severo da Silva; Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Habitação e Saneamento Ambiental (NEPHSA/UFPE); Assistente Social da Pernambuco Participações e investimentos S/A Perpart - PE.

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momentos de mudanças significativas no campo da política urbana, com a criação do

Ministério das Cidades, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), e

vultosos investimentos em infraestrutura através do Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC,), que abarca os eixos: Logística (Rodovias, Ferrovias, Portos,

Aeroportos e Hidrovias), Energética (Geração e Transmissão de Energia, Petróleo e Gás) e

Social e Urbano (Habitação, Mobilidade Urbana, Saneamento, Prevenção de Riscos,

Recursos hídricos, Equipamentos Sociais, Cidades Históricas e Luz Para Todos). Segundo o

4º balanço do programa, até 2016 foram executados 386,6 bilhões de reais.14

Mas, nada se compara a dimensão política e social, que o Programa Minha

Casa Minha Vida (PMCMV), criado em 2009, teve no país. Programa esse, que esvaziou a

prioridade que vinha sendo dada pelo governo ao FNHIS, pois o PMCMV aparece não pela

lógica da Política Urbana que pesquisadores e os movimentos sociais de luta urbana

defendem, mas sim, com o intuito de diminuir os efeitos da crise econômica internacional,

iniciada exatamente com o estouro hipotecário e financeiro nos Estados Unidos (ROLNIK,

2015), bem como, a crise política no governo federal, com os efeitos dos casos de denúncia

de corrupção, no chamado “mensalão”.

Nesse sentido, como resposta imediata ao mercado e a população, o

lançamento do PMCMV, passa a atender essas duas necessidades, como afirmam Aragão e

Cardoso (2013, p. 35):

A reação do governo brasileiro à crise internacional foi rápida, adotando medidas de expansão do crédito pelos bancos públicos (Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica), de forma a compensar a retração do setor privado, e também medidas de apoio aos setores em dificuldades. Como medida de caráter anticíclico, o governo manteve os investimentos em infraestrutura previstos no âmbito do PAC e mobilizou a Petrobrás no sentido de que também mantivesse os investimentos previstos.

Na mesma perspectiva de analítica, referente ao PMCMV, Rolnik (2015, p. 306)

anuncia:

Entretanto, não é possível entender a gênese e o sucesso do programa sem atentarmos para suas dimensões políticas. A centralidade dos recursos para o financiamento define um papel centra por parte do governo federal sobre as políticas habitacionais, que resulta no controle de importante capital político-eleitoral. Não é de estranhar que o MCMV tenha sido lançado em março de 2009, um ano e meio antes do período eleitoral para presidente. Além de conter os efeitos políticos nefastos que uma crise econômica poderia gerar sobre a sucessão presidencial, serviu para fortalecer a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff – lançada como “mãe do Minha Casa Minha Vida” - à sucessão de Lula, que não podia mais ser reeleger.

Apesar dos esforços empreendidos com esses avanços, a base da estrutura

14 <http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/12c9979f887047791592a0e16c838e04.pdf>. Acesso em: 24 maio 2017.

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fundiária no país não foi alterada, pois partimos da compreensão de que a terra é um bem

limitado e não reproduzível, visto que não se constitui do trabalho humano, dessa forma,

não tem valor - trabalho socialmente necessário. Seu preço, embora não seja a expressão

“monetária”, funciona como uma mercadoria ao ser adquirida, através do mecanismo de

compra e venda, no mercado imobiliário, apresentando um preço que, apesar de não

expressar monetariamente o valor, é uma materialização da propriedade privada, que realiza

a renda obtida pelo proprietário fundiário.

De acordo com essa perspectiva, a política habitacional no Brasil, expressa as

contradições presentes na incompatibilidade entre necessidades habitacionais e domínio de

terras, por meio da concentração de terras.

Este artigo, não tem a pretensão de esgotar as complexas teias que envolvem a

Política Urbana, e aqui destacamos a Política Habitacional no Brasil, mas sim, tecer um

panorama do contexto atual da luta pelo direito à terra, e situá-la nas relações sociais,

políticas e econômicas, e não meramente no aspecto legal/jurídico, tão comum quando se

discute e/ou apresenta a regularização fundiária no país.

2 O FENÔMENO URBANO E AS CIDADES

Enquanto produção do homem permite-nos dizer que as cidades se constituem

como espaço de convivência, mesmo que seja conflituosa. É nas cidades que sob o modo

de produção capitalista o ser social, historicamente luta pela satisfação de necessidades

individuais e coletivas, e que aparecem sob a forma de conflitos.

Nessa perspectiva, o desenvolvimento do capitalismo, sobretudo, em uma

formação socioespacial como a brasileira, marcada por profundas disparidades, só ampliou

a dimensão e a diversidade dos conflitos urbanos, sejam eles implícitos ou explícitos.

Desse modo, a densidade territorial, combinada com exiguidade territorial e

grandes disparidades socioespaciais compõem um quadro adverso à satisfação simultânea

das necessidades individuais e coletivas.

Assim, segundo Davis (2006, p.106) é no “[...] cenário urbano que os conflitos de

classe mais intensos por espaço urbano ocorrem no centro das cidades e nos principais

entroncamentos urbanos” Na análise realizada sobre o urbano Lefebvre (2001, p. 87)

destaca que “[...] o urbano se baseia no valor de uso. Não se pode evitar o conflito”.

Ainda Lefebvre (2016, p. 79), ao trata da cidade e do urbano, afirma que:

O Urbano se distingue da cidade precisamente porque ele aparece e se manifesta no curso da explosão da cidade, mas ele permite reconsiderar e mesmo compreender certos aspectos dela que passaram despercebidos durante muito

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tempo: a centralidade, o espaço como lugar de encontro, a monumentalidade etc.

Os diferentes sujeitos que compõem a cidade e sua urbanidade agem e

competem em uma arena de conflitos, em processo permanente de produção e reprodução

do espaço urbano.

O crescimento das cidades e a problemática urbana são anteriores ao próprio

desenvolvimento da sociedade industrial. Mas no Brasil o processo de industrialização

acelerou a urbanização, contribuindo para o crescimento das cidades brasileiras. Assim, o

fenômeno urbano surge a partir do processo de industrialização trazido pela revolução

industrial. No país, é com a Lei de Terras em 1850, que se dá a institucionalização da

propriedade privada, com a separação da Igreja do Estado, sendo as cidades divididas em

lotes, atitude necessária para transformar o solo urbano em mercadoria. É a partir deste

momento que se dá a expansão das cidades brasileiras.

Salienta-se, que o direito à propriedade privada em nosso país, é garantido

desde a Constituição de 1824.

Na constituição de 1824 já se afirma a garantia da propriedade no Parágrafo XXII do Artigo 179 que rege sobre “Inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros”: “É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude (Constituição Política do Império do Brazil, 1824).(MAIA, 2006, p. 157).

De fato, como aponta Bernardes (2013, p, 143-144) a cidade, “[...] é por

excelência um espaço construído, ou seja, um espaço de edificações indispensáveis ao

abrigo de seus habitantes, dos bens que comercializa, produz e consume, dos serviços

públicos e privados que é um dos fatores essenciais de sua existência”. Portanto, é neste

contexto que o Recife se reproduz na sua formação urbana.

Dessa forma, as grandes cidades, como Recife, continuam atraindo elevado

contingente populacional, devido a sua vocação de metrópole, aqui compreendida como

espaço de concentração populacional, de riqueza, de tecnologia, de inovação e de

possibilidades, justamente pela existência concentrada de atividades e serviços. As

metrópoles são marcadas pelo aumento da pobreza, da violência, das formas precárias de

habitação e, atualmente, no caso brasileiro, pela ampliação do número de trabalhadores

informais que ocupam os espaços públicos para reprodução da vida. (ALVES, 2011), e são

nos assentamentos precários - favelas, palafitas e ocupações - que se consolidam na

maioria das vezes a opção de moradia para população de baixa renda.

Pelegrino (2005, p. 79) reforça a ideia de que as cidades crescem e desenvolvem

uma complexidade, marcada:

Pela exigência de valorização do capital, na medida em que o capitalismo

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desenvolve-se e consolida-se. Nesse sentido, a urbanização, bem como a suburbanização, a favelização e a periferização, contêm elementos fundantes da divisão social do trabalho e, igualmente, da divisão territorial do trabalho, portanto, no âmbito do capitalismo, a moradia no espaço urbano é concebida e se materializa como atributo de valor de uso e valor de troca”.

Sendo a habitação, uma mercadoria, sua legalidade requer instrumentos que

garantam a propriedade. Nesse cenário, que estão inseridos o controle, a regulação e a

ordenamento urbanístico do Estado, em consonância com a valorização da terra e a

concentração fundiária.

3 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL: algumas reflexões

Ao longo dos quase 30 anos de Política Habitacional no Brasil, seja na provisão

de moradias, massivamente via construção de grandes conjuntos habitacionais, urbanização

de favelas e/ou projetos de incentivo a autoconstrução, a política urbana não foi

necessariamente seguida da regularização fundiária. Desse modo, a exploração do espaço

urbano, enquanto mercadoria projeta a cidade como um grande negócio e a renda

imobiliária obtida se configura como seu motor central (MARICATO, 2011). Assim, o Estado

por meio da atuação empreendida via políticas públicas urbana, é o principal agente para a

concentração da renda fundiária e imobiliária.

Convém lembrar, que no capitalismo, o Estado tem um papel central na

produção e reprodução do espaço, posto que, segundo interpretação de Maricato (2015, p.

25).

É dele o controle do fundo público para investimentos, e cabe a ele, sob a forma de poder local, a regulamentação e o controle sobre o uso e ocupação do solo (seguindo, hipoteticamente, planos e leis aprovados no parlamento. É, portanto, o principal intermediador na distribuição de lucros, juros, rendas e salários (direto e indireto), entre outros papéis.

Esse papel, exercido pelo Estado na contemporaneidade em relação à política

urbana, se materializa em legislações, sobretudo após a promulgação da Constituição

Federal de 1988 e de leis federais e estaduais, daí decorrentes, como a Lei Federal nº

10.257/2001 (Estatuto da Cidade), a Lei federal nº 11.977/2009, e a Lei Estadual nº

15.211/2013/PE e, por fim, a Medida Provisória – MP nº 759/2016, que altera a

Regularização Fundiária, trazendo ameaças aos avanços sociais previstos nas legislações

destacadas.

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Após seis meses de sua proposição, em 31/05/2017 o Senado brasileiro

aprovou, por 47 votos a 12, a medida, que trata da regularização fundiária. Com isso, são

promovidas alterações estruturais em legislações do campo e da cidade, referentes ao

assunto.

Ao longo do período de tramitação na Câmara e no Senado, a proposta recebeu

mais de 700 emendas, entretanto, manteve a essência desejada pelo Planalto. De interesse

dos ruralistas, a MP altera, entre outras regras, a forma como são destinadas as terras

públicas no Brasil. Em tais circunstâncias, em vez da terra ser destinada na forma de

concessão para ser utilizada de acordo com sua função social da propriedade, nos moldes

adotados hoje, com base na legislação em vigor, o governo passa a dar uma titulação. Essa

nova modalidade, entre outras coisas, permite que o lote seja vendido a terceiros,

acarretando profundas implicações para os processos de regularização fundiária, urbana e

rural.

A Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, aprovada sofreu

diversas críticas, em razão da ausência de diálogo com os movimentos sociais, conselho

das cidades e pesquisadores da área do urbano, entre outros. O caminho traçado pelo

poder executivo federal, não diferente de outras medidas e contrarreformas apresentadas

pelo governo ilegítimo de Michel Temer15, desencadeando o desmonte da democracia e dos

direitos sociais, arduamente conquistados pelo conjunto da classe trabalhadora.

Mas, as primeiras disposições legais acerca da regularização fundiária vieram

com a Lei Federal nº 6.766/1979, que versa sobre o parcelamento urbano, e estabelece

entre outros pontos normatiza a obrigação dos municípios na regularização dos loteamentos

no âmbito de sua jurisdição.

Todo esse aporte legal (Legislações e Medida Provisória), tem como perspectiva

a falsa ideia da conciliação entre o controle do Estado, a garantia de direitos aos cidadãos

de permanecerem nos locais que habitam, a valorização da terra e o mercado imobiliário.

Partimos do pressuposto, de que há incompatibilidade entre esses fatores, uma vez que no

capitalismo, as formas de apropriação e utilização do espaço permitidas ou proibidas no

contexto de uma economia marcada por profundas desigualdades de renda, geraram uma

legislação urbana que “[...] acaba por definir territórios dentro e fora da lei, ou seja, configura

regiões de plena cidadania e regiões de cidadania limitada” (ROLNIK, 2007, p. 13), na qual

separa a ‘cidade legal’, ocupada pelas classes médias, grupos de alta renda e parte dos

setores populares, da ‘cidade ilegal’, destinada à maior parte das classes de baixa renda.

15

Michel Temer, assumiu o comando do país em 31/08/2016, após um golpe jurídico, parlamentar e midiático, contra a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff, sob alegação de um crime de responsabilidade.

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A regularização fundiária no Brasil é entendida como um conjunto de medidas

jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais. Mas é recorrente, no âmbito da esfera pública,

dos poderes executivo, legislativo, judiciário, bem como no acadêmico, a ótica meramente

jurídica, como se a regularização de um lote ou edificação, fosse o fim de sim mesma. Para

Gonçalves (2009, p. 240), a regularização fundiária “[...] envolve, finalmente, uma reflexão

de ordem propriamente jurídica, concernindo a legitimação da posse dos habitantes pela

transferência de títulos, individuais ou coletivos, de direitos reais aos moradores”.

Nesse contexto, defendemos a contraponto a essa ideia, uma vez que para a

questão fundiária ser resolvida, nos marcos do sistema capitalista, precisa enfrentar a

propriedade privada da terra e os limites do mercado consumidor. Isso nos leva a conclusão

de que a questão habitacional é intrínseca ao sistema e revela a profundidade da questão

social no capitalismo.

Há uma complexidade de fatores, característicos do modo de produção

capitalista do espaço, que lança uma série de desafios a sociedade a serem superados,

sobretudo nos fatores que se impõem como obstáculos ao desenvolvimento da sociedade

como um todo. Além disso, a questão habitacional é fruto de uma cadeia de fatos históricos

que modelaram sua situação atual. Assim, o conhecimento aprofundado dos fatores

socioeconômicos e históricos, que moldam as necessidades habitacionais do país, permite a

compreensão atual e a projeção futura da habitação.

Ao lançarmos as reflexões de que a regularização fundiária deve ser analisada

sobre o prisma dos fatores sociais e econômicos, não estamos negando os aspectos

jurídicos e, sim, afirmando que eles são componentes e não determinantes. Visto que, a

despeito desse viés, há um movimento no qual a sociedade precisa ser considerada, o

debate aprofundado, uma vez que, conforme assinala Lacerda e Melo (2009, p. 113)

O acesso à terra urbana decorre diretamente da magnitude do capital monetário acumulado por indivíduos ou grupos de indivíduos. Esse acesso realiza-se mediante duas formas institucionais diferentes: a primeira rege-se por um conjunto de normas legais advindas de um vasto aparato documental de fé pública; e a segunda prescinde de normas.

Dito isso, e se contraponto à produção imobiliária formal, há uma produção

informal, que acontece de modo irregular sob o ponto de vista da legislação urbanística16, a

partir do movimento entre proprietários de imóveis e seus respectivos compradores, e é

isso, que dá especificidade ao mercado imobiliário informal.

16Na nossa compreensão a legislação urbanística, faz parte do marco regulatório institucional do Estado para controle do espaço urbano.

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A classificação do acesso ao solo urbano e a lógica de mercado, é

dimensionada na tradição da economia urbana, em duas vertentes teóricas, uma é a

tradição ortodoxa que se “[...] apresenta como uma enorme e influente produção sobre os

processos de uso do solo, formação de preços e preferências locacionais familiares”, e outra

vertente é a que está baseada nos conceitos da economia urbana, pois “[...] procura

identificar os processos de geração da riqueza e da acumulação do excedente urbano a

partir da definição dos usos e da apropriação do solo urbano”. (ABRAMO, 2009, p. 18).

A dinâmica do controle do Estado, diante da informalidade urbana, sobre o uso e

ocupação no espaço territorial, direciona para um sistema jurídico que reconhece e valoriza

a propriedade, a partir do registro do imóvel/lote. Então, quem não registra não é dono,

dono/proprietário. Assim, a propriedade privada, no modo de produção capitalista,

impulsiona a população de baixa renda, a ocupar os lugares sobrantes das cidades.

Espaços que para valorização do capital ainda não se apresenta viável para a especulação

imobiliária e a concentração fundiária.

O acesso informal ao solo e, consequentemente, à moradia é um dos maiores

problemas da sociedade, uma vez que, há o agravado da falta de políticas habitacionais

adequadas para atender a população pobre. As populações de baixa renda não alcançam o

acesso às terras urbanas legalizadas devido ao custo do solo, a concentração de terras nas

mãos dos proprietários fundiários.

Marx (1980 p. 210-211) também nos chama a atenção sobre a relação entre os

processos de produção e reprodução social, frente a relação com as dimensões do valor de

uso e de troca e, nesse sentido, afirma:

[...] o produto, de propriedade privada, é um valor de uso, fios, calçados etc., mas, embora calçados sejam úteis à marcha da sociedade e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores. Produz valores - de - uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca

A análise de Silva (1989, p. 13) pressupõe que o urbano e a moradia se

circunscrevem no marco do sistema capitalista e que urbano:

[...] é gerado pelas necessidades de reprodução do capital, e a questão habitacional dele decorrente, se constituem (sic) espaço de luta de classes, onde os movimentos sociais se estruturam como instância representativa das classes populares e o Estado, como instância contraditória, por situar-se nas relações entre as classes.

Nesse sentido, a lógica do sistema capitalista em geral se funda em sua

capacidade de manter as condições que garantam a existência de certo padrão de relações

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de produção e, ao mesmo tempo, na constante reposição dos pressupostos que alimentam

o próprio modo de produção capitalista. Nas palavras Harvey (2006, p. 84) “O Estado

capitalista não pode ser outra coisa que instrumento de dominação de classe, pois se

organiza para sustentar a relação básica entre capital e trabalho”

Entretanto, falar em reprodução das relações de produção implica considerar o

papel do Estado nas sociedades capitalistas em sua dupla determinação: tanto a

intervenção econômica do poder estatal é uma necessidade constante e crescente da

reprodução capitalista, de modo particular no quadro da experiência brasileira, quanto essa

intervenção tem de se dar em todos os níveis que implicam a manutenção do capitalismo,

como é caso das condições urbanas de vida.

As várias experiências de regularização fundiária no Brasil, não rompem com a

lógica da concentração de terras, mas acabam imprimindo medidas de garantia de direitos,

mesmos que sejam restritos, como a entrega de um título, seja de concessão de uso ou de

propriedade, mas não materializam o direito à cidade, no seu sentido mais amplo e irrestrito.

CONCLUSÃO

A materialização da reprodução capitalista do espaço é o elemento central que

problematizamos, nesse artigo, uma vez que lógica do capital e a apropriação do espaço, a

partir do desencadeamento da contradição entre o capital e o trabalho, tem raízes históricas

e se constituem como próprios da estruturaração das cidades.

Nessa perspectiva, ao tratarmos dessa constituição histórica, o papel do Estado

torna-se elementar na determinação das condições de reprodução social, pois é ele que irá

criar às condições necessárias a reprodução do capital, sejam, por intermédio do arcabouço

jurídico-normativo, urbanístico, político ou ideológico.

Pode-se dizer que a principal contribuição do Estado, é via produção da

urbanização das cidades, que através da valorização imobiliária das áreas antes

desvalorizadas, potencializará as condições necessárias para produção social do espaço.

Assim, a valorização do solo urbano pode ser vista como condição da acumulação

capitalista.

Todavia, o estudo da questão da habitação, incluindo regularização fundiária, irá

decorrer necessariamente de análises das formas de intervenção do Estado e sua relação

com o mercado, e em que condições se reproduzem na sociedade. Além disso, a

concentração fundiária territorial influenciará a segregação socioespacial dos sujeitos

habitantes de territórios mais precários.

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Nesse processo, vimos que os territórios não são homogêneos, sendo

necessário que as intervenções públicas e as estruturas operacionais passem a adotar

estratégias de legitimação e controle da população pelas políticas públicas, que na maioria

das vezes são fragmentadas, impossibilitando, assim, a emancipação econômica, social e

política dos sujeitos.

Nesse sentido, o Brasil vem passando por um amplo processo de mudanças na

estrutura urbana, que nas relações políticas das últimas décadas, em face da conjuntura de

transformações ocorridas, no país surge como resposta à crise estrutural do capital. Por

outro lado, o modelo político-econômico adotado, é subordinado às regras do receituário

neoliberal, que traz em seu bojo o desmonte da esfera pública estatal, a redução de direitos,

a exacerbação da questão social, bem como, a fragmentação da classe trabalhadora e o

agravamento das desigualdades territoriais.

As formas de reprodução social capitalista do espaço, da moradia e da sua

regularização da terra, são apresentadas com um bem, que não é produzido da mesma

formo como ocorre com os bens não duráveis ou menos duráveis, mas é vendido como

mercadoria sob os arranjos semelhantes de mercado. O bem imóvel, porém, existe e

persiste no tempo como investimento lucrativo, independente de tais ciclos. Essa qualidade

deriva da própria natureza da propriedade como mercadoria dotada de um mercado dentro

da rede das relações sociais capitalistas.

Sendo assim, a regularização fundiária, apresenta-se como uma fração do

capital, organizado em torno dos investimentos de ocupação do solo, linha esta voltada para

a materialização do processo de desenvolvimento capitalista do espaço.

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QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL, CIDADE E POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE: em tempo

de crise do capital

Ms. Amanda Santos de Paiva17

RESUMO Este trabalho apresenta como objetivo debater a partir de fundamentos marxistas o direito à cidade, à saúde e expressões da questão socioambiental em cenário de crise. A investigação configura-se pela pesquisa bibliográfica. Constata-se que os embates de classe e urbanos atravessam um Estado classista. Enfim, as lutas pelas políticas sociais como saúde e habitação devem apresentar bandeira anticapitalista. Palavras-chave: Saúde; Cidade; Questão socioambiental. ABSTRACT This paper presents the objective of from Marxist foundations the right to the city, health and expressions of the social and environmental Issues in a crisis scenario. The investigation are configured by the bibliographical research. It is seen that the class and urban clashes cross a class state. Finally, the struggles for social policies such as health and housing must be anti-capitalist. Keywords: Health; City; Social and Environmental Issues.

1 INTRODUÇÃO

Em tempos temerosos, as reivindicações históricas da classe trabalhadora,

configurados por direitos sociais, são destituídas em prol de um projeto societário burguês.

Os ataques do capital reafirmam seu caráter insalubre e de depreciação da vida humana e

planetária. Corroboramos com o tema da campanha do dia do/a assistente social do

conjunto CFESS/CRESS de 2017: “Na luta de classes não há empates”, ou seja, o capital é

destrutivo e assim, a luta por políticas sociais é em sua essência revolucionária e com

bandeira anticapitalista.

17

Assistente Social da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social do Natal/RN; Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Seguridade Social e Serviço Social (GEPSSS-UFRN). Email: [email protected]

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Para embasamento de tal posicionamento ético-político, expomos barbarização

da vida social contemporânea por exprimir a desumanização, a selvageria, o não civilizado.

Essa se evidencia em situações de terror, de atentados, guerras, aumento crescente de

refugiados, promovendo uma verdadeira crise humanitária, surtos, epidemias,

miserabilidade. Assim, os rumos impostos pela continuidade do modelo de produção

capitalista revelam-se incapaz de garantir o direito à vida, sequer assegurando condições

mínimas de dignidade humana.

A partir destes fundamentos, debatemos a radicalização da questão

socioambiental. Principalmente, as apreensões críticas da política de saúde intrinsecamente

associadas ao direito à cidade e suas condições socioambientais. Mas também,

apresentamos uma análise da saúde e do direito à cidade como questão socioambiental no

que tange expressões de resistência e de desigualdade.

2 QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL E DIREITO À CIDADE: percursos de aproximações

O capital é uma organização social-econômica fundamentada pela apropriação

privada dos meios de produção o qual tem como objetivo gerar lucro para a burguesia a

partir da força de trabalho e da natureza, ambas transformadas em mercadorias. A classe-

que-vive-do-trabalho torna-se uma ferramenta:

Através da redução e degradação dos seres humanos ao status de meros “custos de produção” como “força de trabalho necessária”, o capital pode tratar o trabalho vivo homogêneo como nada mais do que uma “mercadoria comercializável”, da mesma forma que qualquer outra, sujeitando-a às determinações desumanizadoras da compulsão econômica (MÉSZÁROS, 2000, p. 8).

Nessa perspectiva, para a classe trabalhadora, a exploração se expressa por o

valor gerado na atividade laboral ser superior o da sua reprodução (salário), ou seja, a força

de trabalho gera um valor maior ao que custa (mais-valia) (NETTO; BRAZ, 2007).

E a lógica do capital para o meio ambiente impõe a própria destruição da

natureza ao buscar satisfazer interesses mercantis. Nas palavras de Coutinho (2009, p. 23-

24):

O metabolismo estabelecido pelo capital em sua relação com o meio ambiente pressupõe riscos ambientais crescentes, inerentes a um modo de produção que necessita destruir a natureza para transformá-la em mercadoria. A água, o solo, a vegetação, entre outros elementos, a partir do momento em que são contaminados, poluídos e degradados, justificam sua transformação em bens destinados ao mercado.

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Assim, o capital apresenta-se com caráter explorador tanto ao indivíduo quanto à

natureza para a obtenção de lucro, o qual se acumula nas mãos de uma pequena parcela

da população. “E esse despotismo é tanto mais mesquinho, mais odioso e mais exasperador

quanto mais abertamente proclama o lucro como sua finalidade exclusiva”. (MARX;

ENGELS, 1999, p. 13).

No tempo corrente, o cenário de crise estrutural do capital 18 promove a

intensificação da exploração e da mercantilização da vida. E nesta perspectiva que é

necessário apreender a configuração da “questão social” e ambiental sendo a depreciação

da vida e do meio ambiente como algo genético do capital. Dessa forma, a questão

ambiental dentro da “questão social” apresenta a mesma raiz: o capital.

Vejamos a seguir:

Fome e epidemias afligem a população excluída de suas mais elementares necessidades devido à incapacidade de transformar essas necessidades imediatas em demandas monetárias dando origem a “exclusão”, cuja natureza é econômica, produto desse regime de acumulação com predominância financeira (IAMAMOTO, 2010, p. 123, grifo nosso).

A partir dessa reflexão, entendemos a fome e as epidemias como exemplos de

expressões da “questão social” e não meramente um fenômeno natural-biológico, mas

apresentam uma determinação social configurada na dinâmica do capital. E transitamos

essa apreensão crítica, para o debate da crise ambiental.

Advogamos a “questão social” como a politização da miserabilidade, ou seja, é o

questionamento das desigualdades sociais pela classe trabalhadora, em outras palavras,

além das expressões das mazelas, é também resistência. Assim, “Foi a partir da perspectiva

efetiva de uma eversão da ordem burguesa que o pauperismo designou-se como 'questão

social'.” (NETTO, 2004, p. 43). Nessa perspectiva, temos a definição de Carvalho e

Iamamoto (1983, p. 77):

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia [...].

18 Destacamos que as crises são modos operantes da dinâmica do capital, aliás, são até mesmo funcionais para seu fortalecimento e redimensionamento. Todavia, a crise contemporânea com início da década de 1970 é diferenciada. A mesma está associada a aspectos fundantes do capital como a sua imposição pela exploração da natureza, ademais as reações burgueses radicalizam as contradições e fomentam um cenário do pior. Por tal, é denominada de crise estrutural do capital por apresentar como características: a permanência, a universalidade e a globalidade. (MÉSZÁROS, 2011).

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Para organização da classe trabalhadora em situação de crise política e do

acirramento capital X trabalho, torna-se central para as pesquisas contemporâneas, pensar

estratégias de resistência. E para tal, configuramos como adesão teórica o termo questão

socioambiental por apreendemos como indissociáveis a exploração da natureza e nela

incluído o indivíduo.

Correlacionam-se a “questão social” e a questão ambiental por entender que a

relação do indivíduo com o restante da natureza torna-se emblemática a partir da

impregnação da lógica do capital a qual configura uma suposta desarmonia entre a unidade

indivíduo-natureza expressa pelo cenário atual de crise ambiental.

Aliás, a unidade indivíduo-natureza fica clara na afirmação de Marx (1968) nos

Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 apud in Andrioli (2007, p. 1):

O ser humano vive da natureza significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele precisa estar em processo contínuo para não morrer. Que a vida física e espiritual do ser humano está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza.

A relação do indivíduo com a natureza a qual possibilitava a subsistência da

humanidade é o trabalho. De tal forma, a categoria trabalho é a relação mediada do

indivíduo com a natureza para a satisfação material da primeira (NETTO; BRAZ, 2007).

Ademais, as condições de existência para humanidade é garantida pela

construção do meio ambiente seja para alimentar-se, locomover-se, vestir-se, beber água,

ações de sobrevivência do ser social.

Essas mesmas garantidas nas legislações como direitos básicos são violadas

cotidianamente na vida de grande parte da classe trabalhadora:

Milhões de pessoas são obrigadas a viver em condições subumanas porque não têm acesso ou tem um acesso precaríssimo à alimentação, à saúde, à habitação, ao vestuário, ao saneamento, ao transporte etc. (TONET, 2009, p. 3-4).

Nesse direcionamento, o debate intrinsecamente correlaciona-se com o direito à

cidade. E principalmente, acesso ao saneamento ambiental, entendido nessa análise como

condições socioambientais. Compartilhamos, a cidade como:

[...] lócus das diferentes formas de desigualdades - social, econômica e política. Essas diferentes formas de desigualdade estão expressas no desemprego, nos baixos salários, no aumento da pobreza, no analfabetismo, nas crianças e nas famílias vivendo nas ruas, nos doentes sem tratamento, nas moradias precárias, na falta de terra para os/as trabalhadores/as, na violência e insegurança urbana. A luta pela cidade é a luta pelos direitos para todos/as ao trabalho, à educação, ao lazer, à saúde, à habitação,à participação política e tantos outros direitos. (CFESS, 2016, p. 8).

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As grandes periferias urbanas brasileiras apresentam serviços públicos precários

para atender as demanda da população como a falta de abastecimento de água e da coleta

de lixo (GUBLER, 1997 apud in SILVA et al, 2003). Destacamos que:

A intensificação da urbanização decorreu principalmente do avanço da industrialização, que atraiu grandes fluxos de mão-de-obra do campo, associada ao crescimento vegetativo da população urbana; no último meio século (XX) a urbanização brasileira caracterizou-se predominantemente por uma dinâmica desordenada e sem infra-estrutura adequada, com grandes contingentes populacionais em condições de pobreza e miserabilidade (MENDONÇA et. al, 2009, 259).

Em relação dialética com a dinâmica rural, a cidade é expressão do caráter

insustentável do capital por não seguir a prerrogativa de atender as necessidades dos

indivíduos e configurar relações desarmônicas com o restante da natureza. E por tal, sendo

um lugar promotor de processos de adoecimentos ao invés de vitalidades.

E nesta perspectiva, ressaltamos a apreensão da questão socioambiental como

parte constitutiva das relações capitalistas e por tal, impõe respostas para necessidades

coletivas dos trabalhadores que perpassa na afirmação da responsabilidade do Estado com

políticas sociais. Embora, tomamos como realidade a crise a qual fragiliza e promove a

retirada do Estado para a questão socioambiental abrindo caminho para a mercantilização

dos direitos e para políticas sociais pontuais e seletivas (IAMAMOTO, 2007).

Na parte a seguir, aprofundaremos como a cena de radicalização da questão

socioambiental interfere da garantia do direito à saúde e direito à cidade em um Estado

classista. Ademais, expomos o acirramento de lutas de classes.

3 (RE) POLITIZAÇÃO DA SAÚDE E LUTAS SOCIAIS: imposição à classe trabalhadora em frente à barbárie

A garantia do direito à saúde em seu conceito ampliado está diretamente

associado à infraestrutura das cidades e a seus serviços essências a população como

abastecimento seguro e intermitente de água e coleta e tratamento de efluentes.

Por exemplo, no caso de aumento de números de diarréias em uma comunidade

“x”, o problema de saúde não pode ser encarado somente no enfoque biológico-médico,

pois, nota-se que a diarréia é uma doença que se estabelece a partir de múltiplas

determinações e determinantes socioambientais como: a falta de saneamento desta

localidade, a renda da população, a desnutrição das crianças, o baixo grau de escolaridade

(falta de informações sobre higiene), as péssimas condições de trabalho, a história de luta

da comunidade entre outras expressões. Estes são apenas algumas questões que podem

demonstrar a amplitude de intervenções para garantir o direito à saúde (TEIXEIRA, 2012).

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Defendemos, então, a consolidação do direito à saúde como a Constituição

Federal de 1988, estabelece:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Logo, o Estado está diretamente correlacionado com o direito à saúde e os

direcionamentos das políticas públicas. O aparelho estatal é atravessado por lutas urbanas

a partir das reivindicações da classe trabalhadora por acesso a bens sociais. Em um Estado

classista, favorável aos interesses da burguesia, o mesmo é tensionado pela categoria

analítica da contradição trilhada por caminhos de avanços e retrocessos (BEHRING e

BOSCHETTI, 2010). Em nossa compreensão, as políticas públicas devem ser analisadas

em seus limites e possibilidades.

Nesse panorama, não se pode pensar na questão socioambiental sem

considerar um Estado ampliado o qual necessita ser permeável as demandas dos/as

trabalhadores/as para a reprodução do capital. Por exemplo, as políticas sociais são uma

forma de respostas à questão socioambiental. Ponderamos que essas não foram

fomentadas simplesmente pelo interesse dos trabalhadores diante de suas péssimas

condições de vida, mas também por medidas anticrises. Por tal, temos um Estado de

natureza burguesa, todavia é tensionado pelas classes. Apesar da constatação de um

Estado neoliberal19 com a destituição de direito, em tempo coetâneo.

Nesse cenário de satanização do Estado e desestatização, a classe

trabalhadora sofre com a maior precarização de suas condições de vida através do

desmonte do mundo trabalho (THERBORN, 1995; BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

Assim, há a predominância do interesse do capital o qual obstaculiza a

concretude plena de projetos a favor da classe trabalhadora com horizonte de

transformações estruturais como a política de saúde nos ideários do Movimento da Reforma

Sanitária Brasileira. Tal processo é nítido pelo prejuízo orçamentário para as políticas

sociais públicas.

Cenário atual incompatível ao direito à saúde em seu conceito politizado e amplo

o qual está intimamente relacionado com as condições de vida e com o conjunto dos direitos

sociais ambos depreciados na cena do capital. Entender, nessa perspectiva, que para

consolidar o direito à saúde no sentido ampliado é indiscutivelmente investir nas condições

de vida população e por tal, envolve a defesa do meio ambiente e o direito à cidade.

19 Suscita-se em um Estado que não providencia os serviços sociais para as liberdades do mercado, ou seja, um Estado livre de qualquer obrigação a promoção de bem-estar aos cidadãos.

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Ademais, a política de habitação e a política de saúde convergem nos percursos

históricos na realidade brasileira. Ambas apresentam a ponderação de interesses mercantis.

A localização de parcela dos trabalhadores em parte das cidades segregadas com

ineficiência de serviços de coleta de esgoto e de água fomentaram grandes e graves

problemas de saúde. E as resposta do Estado eram legislações com direção higienista: o

autoritarismo sanitário com enfoque de padrão de comportamentos (CFESS, 2016).

Com discurso e prática higienista20 voltadas para modernizar o país e limpar o

Brasil de doenças e epidemias, a população sofria com o braço coercitivo do Estado o qual

não abria espaços para diálogos ou esclarecimentos sobre suas ações. Todavia, esses

processos de respostas as expressões da questão socioambiental com autoritarismo, não

aconteciam em vista a passividade total dos trabalhadores.

Nos dias atuais, apesar de um cenário adverso, os/as trabalhadores/as resistem,

discutem, propõem, ocupam lugares de controle social, não estão silenciados e paralisados,

logo, movimentam-se, demonstrando que o capital não é o fim na história. Aliás, o

acirramento das contradições em período de crise demonstra a incapacidade do capital de

atender um caráter progressista. Seguindo, revelamos a pontuação de Antunes (2005) sobre

a rebeldia da classe trabalhadora. No cenário atual, não há “pacificação dos conflitos

sociais”:

Elas recuperam, isso sim, aquela que talvez seja a batalha central da humanidade hoje: a busca de uma vida cheia de sentido dentro e fora do trabalho. O que mostra, em nosso entendimento, a força e a centralidade contemporânea do trabalho. (ANTUNES, 2005, p. 38).

As greves recentes e explosões sociais articulam a luta social no seio do mundo

do trabalho, com luta de gênero, com a luta ecológica, com luta étnica partindo de uma

concepção ampliada do ser trabalho. Ou seja, uma luta por outra sociabilidade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estágio contemporâneo do capital em crise estrutural promove reações

burguesas como minimização da garantia de direitos fundamentais e injuria da natureza.

Defendemos ao longo do debate que a relação harmônica da unidade indivíduo-natureza

apresenta incompatibilidade com a dinâmica do capital pela supremacia do lucro e

20

Apesar da heterogeneidade e tensão deste campo, seguimos a perspectiva de Marins (1998) e apreendemos as práticas higienistas como o controle sobre os hábitos corporais e “limpeza” na cidade de populações e moradores indesejados ao progresso e à imagem de modernização do país. Exemplo clássico foi a demolição dos cortiços no Rio de Janeiro no início século XX.

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subsunção do trabalho ao capital. Assim, a exacerbação da questão socioambiental tem raiz

do capital.

Em uma sociedade de classes, a não garantia de direitos como acesso a água

potável se contrapõe a extrema concentração das riquezas. Assim, o cenário é de profundas

desigualdades que são orquestradas pelo capital e pelo mesmo são tratadas por políticas

sociais. Viabilizadas por um Estado mínimo para expressões da questão socioambiental, as

cidades são palcos de lutas sociais e retrato de não acesso e/ou precário de serviços

básicos resultado de uma urbanização fomentada por interesses mercantis que configuram

cidades com as massas doentes.

Enfim, apreendemos a reafirmação da associação do Projeto da Reforma

Sanitária e o direito à cidade, à luta anticapitalista, ou seja, a luta para uma sociedade justa,

sem classes sociais e com pacto harmônico do indivíduo com o restante da natureza.

REFERÊNCIAS

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