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POLÍTICAS DE REVITALIZAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS: materialidades e
questões pertinentes a programas de habitação no Centro Histórico da cidade de São Luís
(MA/Brasil)
Aline Batista Cabral1
Érica Natacha Batista Cabral2
RESUMO: Reflexões sobre a moradia em centros históricos,
enfatizando-se programas de habitação social no contexto das
políticas de preservação e revitalização desses espaços. O
recorte empírico da pesquisa a capital do estado do Maranhão,
São Luís, cujo Centro Histórico é reconhecido como
Patrimônio Cultural da Humanidade, e em especial os projetos
habitacionais desenvolvidos no âmbito do Programa de
Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís
(PPRCHSL). Reúne indicações para o debate sobre a
importância, necessidade e desafios de uma política de
moradia para o Centro Histórico de São Luís.
Palavras-chave: Centros Históricos. Políticas de preservação
e revitalização. Direito à moradia. Programas de habitação.
São Luís - MA.
ABSTRACT: Reflections on housing in historic centers,
emphasizing social housing programs in the context of policies
to preserve and revitalize these spaces. The empirical study of
the capital of the state of Maranhão, São Luís, whose Historical
Center is recognized as a World Cultural Heritage, and
especially the housing projects developed under the
Preservation and Revitalization Program of the Historic Center
of São Luís (PPRCHSL). It brings together indications for the
debate on the importance, necessity and challenges of a
housing policy for the Historical Center of São Luís.
1 Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
2 Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
Keywords: Historic Centers. Policies for the preservation and
revitalization. The right to housing. Housing programs. Sao
Luis - MA.
1 INTRODUÇÃO
Políticas de revitalização de Centros Históricos não ocorrem somente no Brasil,
mas também em âmbito internacional, tornando-se tendência a partir de meados da década
de 1970. Os primeiros países a realizarem políticas nessa perspectiva foram os europeus,
como a Bélgica, Inglaterra e Espanha. São muitas as características afins que podem ser
visualizadas nos fundamentos e justificativas das propostas de preservação e revitalização
de áreas urbanas centrais e, de modo particular, de centros históricos. No entanto, a
despeito da existência desses traços gerais e comuns, as experiências concretas dessas
políticas assumem perfis particulares, a exemplo daquele que se manifesta na sociedade
brasileira.
Nesse contexto, as áreas urbanas centrais, em geral, passaram por tal processo.
Antes da fase de declínio, em muitas cidades de diversos países, o “centro” foi amplamente
habitado por segmentos sociais abastados que detinham prestígio político e social.
Também parte expressiva dessas áreas abrigou importantes atividades comerciais,
culturais, portuárias ou fabris. Tais condições exigiram e possibilitaram a formação de
grandes conjuntos espacial-arquitetônicos de valor histórico-cultural significativos, que na
atualidade são reconhecidos como patrimônio.
Desse modo, um conjunto amplo e complexo de transformações político-
econômicas, sócioculturais e territorial-urbanas foi determinante para a continuidade da
perda de importância e centralidade dos antigos centros de muitas cidades mundiais, já
consideravelmente modificadas na segunda metade do século XX, em razão dos
desdobramentos da expansão capitalista e da aceleração dos processos de urbanização.
Porém, a partir da década de 1970 do séc. XX, em meio ao ideário modernizador,
surgiu uma espécie de contracultura, que denuncia o abandono das áreas centrais. A partir
desta começa a se disseminar a necessidade de preservação do patrimônio arquitetônico,
paisagístico e cultural herdados de momentos históricos anteriores, dada a sua importância
na constituição da história, memória e identidades de sociedades, cidades, grupos sociais e
comunidades. Nesse âmbito, os centros históricos são valorizados como produtos e
dimensões de identidade sóciocultural, como suportes de memória e identidade, e, também,
como importantes legados para as próximas gerações. Essa forma particular de pensar e
compreender os núcleos históricos das cidades influenciou e fundamentou um leque amplo
de ações - promulgação de leis relacionada à preservação dos bens considerados
patrimônios, atuação de órgãos fiscalizadores, intervenções concretas mediante obras de
reabilitação, pesquisas, movimentos sociais, etc. – convergentes, gradativamente, a
formulação das chamadas políticas de preservação e revitalização de centros históricos.
Assim, a referida pesquisa expõe o resultado de estudos sobre o lugar do uso
habitacional nas políticas e intervenções públicas do Estado brasileiro em centros
históricos. Tendo referência socioespacial e institucional de análise, projetos realizados na
área da habitação no contexto do Programa de Preservação e Revitalização do Centro
Histórico de São Luís (PPRCHSL), desenvolvido pela esfera estadual. Este Programa se
constituiu como primeira proposta para restauração e revitalização do Centro Histórico de
São Luís. A partir daí sucessivos governos estaduais, mediados por ações federais e
municipais, vêm dando continuidade a tal ação estatal através de diversas ações e
subdivisão em etapas. Dentre os principais objetivos do PPRCHSL figuram: a fixação da
população local no Centro Histórico de São Luís e a promoção social e implantação de
projetos de habitação para vários casarões ocupados em condições irregulares.
A proposição deste estudo tem, portanto, como objetivo central demarcar ações
voltadas para habitação no contexto das políticas de revitalização implantadas no Centro
Histórico de São Luís, e expressas, principalmente, no Projeto de Promoção Social e
Habitação, identificando limites, entraves e perspectivas em face da importância da
funçãomoradia para a preservação e revitalização dos centros históricos e frente à
concretização do direito à moradia. A perspectiva deste estudo é fornecer alguns elementos
analíticos a diferentes atores sociais - principalmente moradores -, com vistas a reivindicar
do Estado medidas que promovam qualidade de vida para quem depende, direta e
indiretamente, da vida nesses espaços, além de projetar ações futuras no que diz respeito à
habitação em centros históricos, especialmente o da cidade de São Luís.
2 PROGRAMA DE PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO DE
SÃO LUÍS (PPRCHSL) E SUAS INCIDÊNCIAS NO DIREITO A MORADIA: materialidades
urbanas e político-institucionais
Para analisar alguns desdobramentos e impactos no direito à moradia dos
programas habitacionais desenvolvidos a partir de políticas de preservação e revitalização
do Centro Histórico de São Luís, torna-se necessário demarcar certos significados
atribuídos, na atualidade, ao termo Centro Histórico. Do ponto de vista histórico e
socioespacial, a vida urbana sempre esteve a girar em torno dos centros das cidades e
suas múltiplas funções. Nessa perspectiva, Gonçalves (2006, p. 63) aponta três tipos de
centros urbanos:
a) Centro urbano ou centro funcional: é aquele que apresenta inúmeras atividades
funcionais, porém, não contém necessariamente valores históricos e simbólicos.
b) Centro tradicional ou centro principal: é quando se trata do primeiro núcleo de
formação da cidade. “No entanto, devido a fatores como a possibilidade de
descaracterização e a ampliação dos seus limites, estes centros podem ou não
corresponder a um centro histórico.”
c) Centro histórico ou centro antigo: para esta definição, a autora usa como referência
o conceito que a UNESCO atribui a centros históricos.
Considera-se conjuntos históricos ou tradicional todo agrupamento de construções de
espaços, inclusive de sítios arqueológicos e paleontológicos, que constituam um
assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são
reconhecidos do ponto de vista arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético
ou sócio-cultural (UNESCO, 1976 apud GONÇALVES, 2006).
As características assinaladas podem ser encontradas no Centro Histórico da
cidade de São Luís, no Maranhão. Atualmente, ele abrange uma área de 220 hectares de
extensão e possui 2.500 imóveis tombados pelo Patrimônio Histórico Estadual, e 1000 pelo
IPHAN. Além disso, é reconhecimento internacionalmente pela UNESCO como o nono
monumento histórico-cultural do país incluído na Lista do Patrimônio Mundial Cultural e
Natural. No mapa abaixo é possível visualizar as áreas de tombamento, protegidas em
âmbito internacional, nacional e estadual. O Plano Diretor de São Luís considera como
Centro Antigo a área circunscrita pelo Anel Viário e Avenida Beira-Mar.
Figura 1 - Mapa do do Centro Histórico de São Luis.
Fonte: Andrés 1998 apud Gonçalves 2006.
Dessa forma, o Centro Histórico de São Luís tem, no presente, um conjunto de leis
e instituições estatais que orientam, assim como controlam a intervenção, usos e/ou
conservação do seu patrimônio edificado, incluindo-se tanto os bens públicos quanto os
privados. Segundo Carneiro (2010 apud BOGEA, BRITO E PESTANA 2007), atualmente,
os órgãos estatais responsáveis por esse Centro são:
a) IPHAN e o Ministério da Cultura, em nível nacional;
b) Departamento do Patrimônio Histórico Artístico e Paisagístico do Estado do
Maranhão (DPHAP/MA), em nível estadual;
c) Fundação Municipal de Patrimônio Histórico (FUMPH), em nível municipal;
d) Secretaria Municipal de Terras Habitação e Urbanismo (SEMTHURB), órgão
vinculado à Prefeitura de São Luís, é responsável pela Fiscalização Urbanística/Polícia
Administrativa e Aprovação de Projetos e Obras e concessão de alvará de obras e serviços,
e) Núcleo Gestor do Centro Histórico de São Luís, órgão responsável pelo
gerenciamento e articulação entre os órgãos de preservação de todas as esferas e
operacionalização de ações,
f) Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura e Agronomia do Maranhão
(CREA/MA), responsável pela supervisão de obras ou reformas nos prédios.
g) Ministério Público, denunciante legítimo de crimes contra o ordenamento
urbano e o Patrimônio Cultural.
O atual Plano Diretor de São Luís, Lei nº 4.669 de 11 de outubro de 2006, reserva
um de seus títulos para a Conservação do Patrimônio, descrevendo uso, finalidade ou
qualquer tipo de intervenção no Centro Histórico, estabelecendo, em seu art. 69, que:
A Política de Preservação do Patrimônio Cultural do Município visa assegurar a
proteção, disciplinar a preservação e, resgatar o sentido social do acervo de bens culturais
existentes ao possibilitar sua apropriação e vivência por todas as camadas sociais que a
eles atribuem significados e os compartilham, criando um vínculo efetivo entre os habitantes
e sua herança cultural e garantindo sua permanência e usufruto para as próximas gerações.
(PLANO DIRETOR DE SÃO LUÍS..., 2006)
É nessa perspectiva que busca-se demarcar e analisar as ações desenvolvidas
pelo Estado no campo da habitação no Centro Histórico de São Luís, como estratégia para
alavancar o processo de revitalização urbana dessa área, mediante políticas de
preservação e revitalização. Para isso, é fundamental recuperar algumas particularidades
históricas atinentes à expansão urbana da cidade e do abandono da área central e sua
posterior revalorização, quando passou a ser vista como Centro Histórico.
2.1 São Luís: expansão urbana e abandono do Centro Antigo
A primeira fase diz respeito ao afastamento de famílias integrantes da elite
ludovicense, devido às “misturas” de funções que o núcleo primitivo da cidade passava,
progressivamente, a abrigar: comercial, residencial, portuária, etc.
Incentivado e apoiado pela Prefeitura Municipal, esse movimento inicia-se em
meados dos anos 1920 com a instalação dos serviços de esgotos em novo setor da cidade,
contíguo ao núcleo original (O REGULAMENTO...,1926), e institucionaliza-se em 1930 com
a delimitação, pelo Decreto 330 (São Luiz, 1938), de uma nova zona residencial
compreendida pelas ruas de Santana, Passeio, Ribeirão, São Pantaleão e Direita, onde
medidas legais intentam impedir a presença de construções populares, como cortiços e
casas térreas, e incentivam a renovação arquitetônica. (BURNETT, 2008, p.94)
A segunda etapa da expansão urbana de São Luís acontece com a chegada dos
automóveis e dos novos padrões urbanos residenciais originados nos subúrbios americanos
dos anos 40 e 50, viabilizados pela melhoria do acesso rodoviário para a Cidade Balneária
do Olho d’Água realizado, mais uma vez, com o decisivo apoio do poder público que investe
em infra-estrutura e moderniza o bulevar da Avenida Getúlio Vargas (UMA VISITA..., 1938
apud BURNETT 2008 p.95).
Processos históricos e urbanos atinentes às décadas de 1960 e 1970, que
influenciaram a expansão e delinearam a São Luís de hoje, são considerados por Burnett
(2008) como o terceiro conjunto de determinantes da decadência do núcleo primitivo da
cidade. Nessa perspectiva, ganham destaque os projetos do engenheiro Ruy Mesquita,
elaborados na década de 1950. Estes possuíam propostas modernizadoras “propondo
cruzar os rios Anil e Bacanga, que restringiam o crescimento urbano ao sentido oeste-leste,
o plano de Mesquita sugere um acesso direto às praias e ao futuro porto do Itaqui.”
(BURNET 2008, p. 96). As décadas de 1960 e 1970 são importantes também em virtude
das grandes indústrias implantadas em São Luís. Mais uma vez, mudanças socioespaciais
definitivas demarcam a nova dinâmica urbanística de São Luís. Segundo Burnet, o tripé
novas terras, verbas federais e investimentos privados (ALCOA e Vale do Rio Doce) é a
base para a configuração sócio-espacial da nova São Luís.
Também o Plano Diretor de 1975 traça a configuração socioespacial da atual São
Luis e reserva as áreas litorâneas para as elites. Toda essa dinâmica urbana contribuiu
para a desvalorização e degradação da área central, pois o Estado, tanto na esfera
estadual quanto municipal, deixava de investir nesse espaço, já considerado obsoleto, na
medida em que este não correspondia aos padrões de modernização e aos interesses
político econômicos e culturais das frações de classe dominantes.
À medida que os segmentos mais abastados abandonaram, cederam ou alugaram
seus imóveis edificados na área central, principalmente àqueles localizados no espaço que
corresponde hoje a Praia Grande, estes passaram a ser ocupados, muitas vezes de forma
irregular, por segmentos pobres da população urbana. Então, no ano de 1970, já se
percebia claramente o descaso dos proprietários privados em relação aos seus imóveis e
do poder público no tocante aos espaços públicos dessa parte da cidade, que não chegou a
ficar completamente abandonada por causa da atividade comercial.
Na perspectiva de reverter o abandono do Centro Antigo, em 1980, foi articulado o
PPRCHSL, influenciado, segundo Botelho (2006), pelo Programa Nacional Integrado de
Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste, da Secretaria de Planejamento da
Presidência da República. O autor destaca a liderança e responsabilização por parte do
governo estadual, apoiado pelo governo federal e, em última instância, pela esfera
municipal.
Segundo Silva (2010), para a concretização do objetivo geral arrolado no
PPRCHSL foram traçados os seguintes subprogramas:
a) Subprograma de Obras do Largo do Comércio: tinha o objetivo de consolidar
o processo de recuperação social e econômica da área da Praia Grande;
b) Subprograma Social de Habitação no Centro Histórico de São Luís: se
voltava para criar condições, não só para permanência das famílias que habitavam na área,
mas também assegurar o aumento da oferta de unidades habitacionais;
c) Subprograma de Revitalização das Atividades Portuárias: consistia na
revitalização das atividades portuárias como fator de geração de emprego e renda;
d) Subprograma de Pesquisa e Documentação: objetivava identificar, catalogar
e manter um arquivo organizado com as informações e os documentos essenciais para
ajudar na “preservação do Centro Histórico”.
e) Subprograma de Aquisição e Recuperação de Imóveis para implantação de
Projetos de Interesse Social: visava à obtenção de recursos financeiros para a aquisição de
imóveis no Centro Histórico, para a implantação de programas de interesse social;
f) Subprograma de Restauração de Prédios Públicos no Centro Histórico:
destinava-se a fazer cumprir a obrigação do poder público de restaurar seus imóveis
localizados no Centro Histórico;
g) Subprograma de Restauração do Patrimônio Artístico e Arquitetônico: tinha
como objetivo assegurar a restauração e conservação dos monumentos mais inéditos e
outros de caráter religioso.
h) Subprograma de Recuperação da Infra-estrutura Urbana e Serviços Públicos:
preocupava-se com questões referentes a transporte, sinalização e trânsito, saneamento,
limpeza urbana e drenagem, abastecimento d’água, redes de esgoto, redes de energia
elétrica e telefone;
i) Subprograma para a Recuperação da Arquitetura Industrial do Centro
Histórico: almejava recuperar as fábricas e adequar suas instalações e usos mais intensivos
pela comunidade;
j) Subprograma de Recuperação do Patrimônio Ambiental urbano: objetivava
recuperar praças e jardins e integrá-los ao conjunto arquitetônico;
k) Subprograma Editorial e de divulgação: publicaria, periodicamente, as
principais propostas e planos, bem como o resultado dos estudos e pesquisas;
l) Subprograma de Planejamento e Administração: visava suprir as carências
de recursos humanos, através de um Grupo de Trabalho capaz de atuar com regularidade.
O objetivo geral de “preservação e revitalização do Centro Histórico de São Luís,
através de intervenções de caráter social, físico, econômico e cultural” deveria guiar todas
as etapas do Programa. Porém, de acordo com Silva, (2002) na primeira etapa somente
foram realizadas poucas obras: Albergue do Voluntariado, Beco da Prensa, Feira e Praça
da Praia Grande. Vale destacar que nada foi feito em relação a programas de habitação,
sendo este o subprograma que detinha o menor orçamento, apenas 3,6% dos recursos
disponíveis. Assim, essa etapa se restringiu à melhoria da infra-estrutura da área. Após as
citadas intervenções houve uma estagnação das ações, só retomadas alguns anos depois.
A segunda etapa do PPRCHSL foi denominada de Projeto Reviver. Realizada no
ano de 1988 tinha como objetivo retomar as atividades paralisadas, mantendo-se os
objetivos e as diretrizes gerais traçadas no Projeto Praia Grande. Dessa forma, o Projeto
Reviver deu continuidade ao Projeto Praia Grande. Porém, nessa etapa do Programa
destacou-se o forte marketing em torno das ações do “novo” Projeto. Tal força levou ao fato
de que, até hoje, o bairro da Praia Grande é facilmente conhecido pelos moradores da
cidade como “Reviver”. Assim, o Projeto Reviver aparece, ao mesmo tempo, como
continuidade e ruptura: “[...], não só a preservação está inserida no projeto, mas também o
desenvolvimento de atividades, relacionadas ao comércio varejista, ao turismo, à cultura,
economicamente viáveis.” (MARANHÃO, 1988 apud SILVA, 2002 p.92)
Como principal resultado do Projeto Reviver sobressai-se ações de restauração da
parte infra-estrutural, com obras como galerias subterrâneas, iluminação, rede de telefonia.
Também o controle do trânsito e definição de estacionamentos contribuiram para diminuir o
fluxo de veículos e caminhões, que prejudicava a estrutura das ruas. Foram restaurados
alguns prédios que encontravam-se a ponto de ruírem. Após restauro, edificações situadas
na Praia Grande passaram a abrigar, dentre outras, instituições como o Centro de
Criatividade Odylo Costa Filho, Teatro João do Vale, Sede do Projeto Reviver, Sobrado da
Praça do Comércio e Museu de Artes Visuais.
No entanto, mais uma vez, nada foi feito no sentido de programas de habitação e
de incentivo a moradia na área alvo das ações de preservação e revitalização. Vale notar,
que, apesar da promoção da habitação já existir como objetivo desde o Projeto Praia
Grande, em 1981, a definição de programas de habitação no âmbito do PPRCHSL somente
foi traduzida efetivamente, na terceira etapa desse Programa, no período de 1990 a 1994,
mediante o objetivo de garantir o uso residencial do Centro Histórico destinando prédios
degradados e ocupados irregularmente para a habitação. Assim, concretizou-se a
restauração de um sobrado para a habitação de dez famílias de baixa renda que já
moravam no Centro e viviam em condições precárias numa das mais antigas modalidades
de moradia dos segmentos empobrecidos da população urbana: os cortiços.
Figura 2- Prédio destinado ao Projeto de Habitação (Praia Grande São Luís, 2011)
Fonte: Acervo da autora.
Compreender a relação entre o morador, o Projeto Piloto de Habitação e o Centro
Histórico de São Luís em termos de vantagens e desvantagens desse modo de morar
contribuiu, de modo significativo, para demarcar alguns impasses e perspectivas atinentes a
moradia nesse Centro. Em relação às vantagens e desvantagens da moradia no Centro
Histórico, todos os moradores entrevistados responderam que a maior vantagem está na
facilidade de acesso a alguns equipamentos e serviços fundamentais à vida na cidade
presentes no conjunto da área central. Segundo o senhor Francisco de Almeida de 67 anos,
“é perto de tudo, tudo o que você quer está perto, não tem precisão de pegar ônibus”. No
campo das vantagens da moradia no Centro Histórico, outro ponto citado diz respeito à
oportunidade de lazer propiciada pelas múltiplas atividades culturais muito freqüentes nessa
área da cidade de São Luís.
Como desvantagem foi ressaltada a dificuldade de acesso a certos serviços,
principalmente na área específica da Praia Grande, na medida em que, na sua maioria, os
negócios comerciais estão voltados, prioritariamente, para turistas.
De acordo com definições atinentes ao Projeto Piloto de Habitação, após a entrega
do imóvel foi realizado o acompanhamento dos moradores. Então, perguntei aos
entrevistados como eles avaliavam esse acompanhamento. Todos responderam que foi
insuficiente, pois não capacitou os moradores a enfrentar e superar duas das grandes
dificuldades: o convívio com os vizinhos e a resistência às regras existentes em
condomínios. Tal situação prejudica a manutenção do imóvel que apresenta, atualmente,
péssimo estado de conservação externo e interno, como é possível visualizar nas imagens
a seguir apresentadas.
Sucedeu-se outra etapa do PPRCHSL. Desta vez o foco principal voltou-se para o
incremento do turismo tendo como referência o “valor” arquitetônico e cultural do Centro
Antigo de São Luís. A quarta etapa do programa, desenvolvida nos anos 1995 e 1996, tem
importãncia estratégica, na medida em que ela antecedeu ao ano em que a cidade de São
Luís, receberia o título da UNESCO de Patrimônio Cultural da Humanidade. Então,
ocorreram importantes concessões de recursos através do Programa de Desenvolvimento
do Turismo no Nordeste, PRODETUR/NE.
Na quinta etapa do Programa Preservação e Revitalização do Centro Histórico de
São Luís (PPRCHSL), nos anos de 1996/1999, foram retomadas as ações voltadas para a
habitação, sendo então lançado o Projeto de Habitação no Centro Histórico de São Luís
para Funcionários Públicos. Também promovido pelo governo estadual, se constituiu numa
proposta diferenciada do Projeto Piloto de Habitação, .no que diz respeito, principalmente,
ao público alvo. Os prédios restaurados foram destinados à moradia de funcionários
públicos do governo do Estado do Maranhão, objetivando:
a) Ampliação do uso residencial, humanizando o espaço urbano e intensificando
o vínculo e o compromisso do cidadão com a área;
b) Geração de diversidade motivando o surgimento de novos comércios,
restaurantes, bares, hotéis, hospedarias, livrarias, escolas;
c) Intensificação do aproveitamento econômico dos investimentos em infra-
estrutura urbana;
d) Proporcionar aos servidores estaduais a oportunidade de moradia próxima ao
local de trabalho;
e) Incentivar investimentos privados assegurando melhor aproveitamento a
imóveis particulares, (GONÇALVES, 2006 p.54).
A assistente social destacou a importância da moradia para revitalização do Centro
Histórico de São Luís. Segundo ela, a manutenção dos imóveis é melhor quando existem
pessoas morando. Cita o exemplo de goteiras e uma série de outros problemas que
aparecem nos prédios, e que são imediatamente resolvidos quando existem moradores.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para fins de investigação utilizei a pesquisa teórica e documental, buscando dados
históricos e elementos conceituais referentes a centros históricos, a fim de chegar a
demarcações históricas, socioespaciais e político-institucionais relacionadas às
intervenções realizadas no Centro Histórico de São Luís. Já na pesquisa empírica,
privilegiando a área da Praia Grande - tombada pelo IPHAN - utilizei a observação direta do
cotidiano do lugar e entrevistas com moradores desse singular território. Ainda entrevistei
técnicos responsáveis pela implantação dos projetos de habitação, buscando a
compreensão dos seus desenhos institucionais, impactos na vida de moradores e
trabalhadores e na revitalização desse Centro Histórico. Também, através de entrevistas
com sujeitos estratégicos em relação ao tema, procurei identificar possíveis caminhos para
programas de habitação de maior envergadura. Registros fotográficos quanto ao abandono
desse Centro e de prédios restaurados para fins habitacionais integraram ainda a pesquisa
que subsidia o estudo ora apresentado.
4 CONCLUSÃO
O respectivo estudo possibilitou a apreensão das políticas de revitalização de
áreas urbanas centrais como uma tendência mundial e contemporânea, privilegiei como
referência socioespacial e político-institucional de análise projetos habitacionais pertinentes
ao Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís (PPRCHSL).
Trata-se da primeira proposta estatal ampla e sistemática de revitalização do Centro Antigo
de São Luís, executada pela Superintendência de Patrimônio Histórico e Cultural (SPHC)
de responsabilidade do governo do estado do Maranhão. Dentre os principais objetivos do
PPRCHSL figuravam: a fixação da população local nessa área da cidade e a promoção
social e implantação de projetos de habitação para várias edificações ocupadas em
condições irregulares.
Nesse âmbito, confirmou-se que, a moradia tem importância estratégica, não só
pela possibilidade de reverter o esvaziamento da área em termos demográficos, mas pode
contribuir para a sua revitalização, na medida em que o vínculo morador - local de moradia
implica na necessidade de manutenção permanente da edificação que abriga as unidades
habitacionais e preocupações com o entorno da moradia.
De fato, o acervo fotográfico produzido, a observação do cotidiano da área da
Praia Grande e as entrevistas com técnicos/profissionais envolvidos diretamente na
formulação e execução desses projetos de habitação permitem confirmar a importância da
moradia nos contextos das políticas de preservação e revitalização de centros históricos
degradados, a exemplo do Centro Antigo de São Luís, e da ampliação do direito à moradia,
conforme definido na norma constitucional vigente, no Estatuto da Cidade e no Plano
Diretor da Cidade de São Luís 2006.
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