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 PEDRO MIGUEL SALVADO CASTELO BRANCO MMXI Elementos para a história da cooperação transfronteiriça do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior PONTES  A ESTE CIRCULAR NA RAIZ, PASSAR FRONTEIRAS

Pontes a Este: Circular na raíz, passar fronteiras

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Título: "Pontes a Este: circular na raíz, passar fronteiras"Autor: Pedro Miguel SalvadoApresent. Maria Celeste CapeloEdição: SAMFTPJCastelo Branco, 2011Distribuído com o Boletim Informativo da SAMFTP, n.º 8.(Cadernos Materiaes)

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PEDRO MIGUEL SALVADO

CASTELO BRANCO

MMXI

Elementos para a história da cooperação transronteiriça do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior

PONTES  A ESTECIRCULAR NA RAIZ, PASSAR FRONTEIRAS

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*Este olheto é parte integrante do Boletim anual da Sociedadedos Amigos do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior.

TÍTULO:

PONTES A ESTE: CIRCULAR NA RAIZ, PASSAR FRONTEIRASElementos para a história da cooperação transronteiriçado Museu de Francisco Tavares Proença Júnior (Castelo Branco)

AUTOR:Pedro Miguel Salvado

EDIÇÃO:Sociedade dos Amigos do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior.Castelo Branco

DESIGN:Hugo Landeiro Domingues

IMPRESSÃO:

Grasete, Lda

ISBN:978-989-96109-1-0

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APRESENTAÇÃOEste encarte que juntamos ao nosso Boletim anual tem a especial unção deexplicitar melhor o sentido passado e uturo da visita, e em especial o seupercurso cultural, que zemos a Cáceres, a qual intitulámos: Patrimónios a Este.

As Pontes e as margens.É um texto refexivo da autoria do nosso associado Pedro Salvado, que nospermite conhecer e refectir sobre este património territorial que podemos edevemos valorizar enquanto entidade preocupada com o conhecimento e suadivulgação.Pensamos que será um bom contributo para o início do IV Mouseion,que curiosamente irá reunir em Alcântara.

Maria Celeste Capelo

(Vice-Presidente da SAM)

PONTES  A ESTECIRCULAR NA RAIZ, PASSAR FRONTEIRAS

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PONTES A ESTE:CIRCULAR NA RAIZ, PASSAR FRONTEIRAS

Elementos para a história da cooperação transronteiriça do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior

(Castelo Branco)

(…), tenía un museo el más extraordinario que había en el mundo, porque no

tenía fguras de personas que eectivamente hubiesen sido ni entonces lo ue-

sen, sino unas tablas preparadas para pintarse en ellas los personajes ilustres

que estaban por venir, especialmente los que habían de ser en los venideros

siglos (…)

Miguel de Cervantes, Los trabajos de Persiles y Sigismunda,

Não oi indierente a escolha do título “Patrimónios a Este: As pontes e as mar-gens” como mote a partir do qual se estruturou a visita que, anualmente, orga-niza a Sociedade dos Amigos do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior. Oenunciado, expressando um rumo denido, aponta uma rota que atravessa oshorizontes culturais e paisagísticos dos campos do sul da Beira e da desnudadaRaia ou Arraia das terras das Idanhas em múltiplos cenários que se ampliam para

leste da ancestral ronteira.A inserção dos vocábulos ponte e margens no título da proposta de visitaçãopretendeu reorçar o proundo valor metaórico e simbólico dos mesmos e, prin-cipalmente, o seu enraizamento, material e imaterial, a uma determinada imagemcirculante e, em construção continuada, destes territórios periéricos. Com a pon-te e as margens avivou-se o pensamento de Georg Simmel quando escreveu: “Anoção de separação seria desprovida de sentido se nós não tivéssemos começadoa religá-las (como as margens do rio), nos nossos pensamentos nalizados, nasnossas necessidades, na nossa imaginação.” Com eeito, unir e separar constituemdois movimentos de um mesmo processo que expressam mais do que uma dicoto-

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mia, uma geograa de temporalidades e de espaços tecidos por unidades e rag-mentos, por laços e nós, interruptamente eitos e deseitos pelas sociedades. Asvárias pontes que atravessamos, desde o monumento oitocentista do rio Ponsul,na Moinheca, começado a ser edicado em 1872 e terminado em 1875 segundo

dá conta uma inscrição de bronze, que se sobrepôs a outro de maior antiguidade,até à ponte romana de Segura que vence o Erges e estabelece a linha invisível en-tre as duas soberanias ibéricas ou a extraordinária milenar ponte de Alcântara, al-tar do Tejo, já na raia espanhola, concretizam sentidas materialidades. O caminhoque as une deve ser lido e entendido como um desao e como uma interrogaçãocontinuada que nos ajude a apreender as realidades que organizam as quietudesou as mutações da paisagem contemporânea. É um percurso que ultrapassa e

une, entre outras, ronteiras aquáticas e geológicas, limites de línguas, de sons ede cheiros, traçando uma carta de espiritualidade e de signicação particular queenvolve os lugares - os topoi - da ronteira do Este. É mapeamento mental quese começa a descortinar quando se contempla o vasto horizonte que se avistado monte do castelo templário da cidade alva e que a visita pretendeu abarcar,perscrutando a sua memória e a sua actualidade, um denso património dos senti-dos e dos sentires transronteiriços que urge reiluminar e compreender. O périploproporcionou, igualmente, o contacto com realidades museológicas ao nível daarte contemporânea, unidades que situando-se numa margem económica e socialace ao centro nacional, assumem e desenvolvem na perieria, com a arte e pelaarte, uma notável centralidade cultural.Com eeito, os territórios que são bordejados pela ronteira política passaram deuma condição histórica em que o desespero e a negação dominavam os quoti-dianos, para áreas que desaam a imaginação e armam as possibilidades dasdierenças. No caso da Beira e das vizinhas Extremadura e Castela e Leão, há

 já alguns anos, que uma dilatada rede de actores, onde se incluem instituiçõesvariadas como universidades, politécnicos e, principalmente, associações de de-senvolvimento, empreende e pretende a implantação de um novo paradigma“reuncionalizado” para estas zonas periéricas e económica e socialmente de-primidas. Despontam, ensaiam-se e promovem-se múltiplas acções, num mistode excitação e de desânimo, que encerram como objectivo primordial o surgir deoutro dinamismo social e cultural em paisagens que são muitas vezes ainda lidas,em anacronias identitárias, como rias, cinzentas, deserticadas e silenciosas.A preservação, o desenvolvimento, a transmissão e a reprodução das especicida-des identitárias associadas a estes territórios estruturados pela ronteira política,

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pretendendo-se o surgimento de uma leitura integrada de espaços, de tempos eprincipalmente de esperanças na construção de um uturo comum para a grandeperieria das duas grandes nações da velha Ibéria, deverão também azer partedos propósitos de acção das entidades museológicas aqui situadas.

Ora, ao contrário do que recentemente de uma maneira precipitada se escreveue se concluiu, desconsiderando vários actos, as relações transronteiriças desen-volvidas pelo Museu de Francisco Tavares Proença Júnior ao longo da sua Históriacentenária assumiram uma relevância singular e pioneira. De motivações e comintenções evidentemente distintas, em todas as direcções que se sucederam nainstituição identicam-se experiências que podem ser qualicadas de “relaçãotransronteiriça”. Começando pelo seu undador: Francisco Tavares Proença Jú-

nior (n. 1883- m.1916) promoveu ao longo da sua vida cientíca, inelizmen-te tão curta, a internacionalização dos saberes arqueológicos; das relações quedesenvolveu com os centros da arqueologia espanhola de inícios do século XXrevele-mos, entre outras componentes, as visitas que eectuou a várias realidadespatrimoniais do país vizinho e as recepções da produção bibliográca cientícaaí surgida; numa das visitas eita ao Museu Arqueológico de Madrid descortinariaum paralelo do antástico menir insculturado pré-histórico por si encontrado, em1903, no monte de S. Martinho, estação arqueológica situada nos arredores deCastelo Branco. António Elias Garcia, director do Museu entre 1930 e 1959, des-dobrou-se durante a sua gestão em aturados estudos e permutas com os grandesespecialistas peninsulares da numismática da Hispânia visigótica, ornecendo umsentido europeu à colecção museal. Por sua vez, Fernando de Almeida, respon-sável pelo Museu de 1963 a 1973, traçou, com Garcia y Bellido, um programa depesquisa ibérico que provocou um incontornável impacto historiográco luso-es-panhol; para ele a ponte de Alcântara e a cidade de Cáceres, por exemplo, eram

pólos de um território ronteiriço que se completavam na promoção e estudo deuma geo-história comum entre a Beira Baixa e a Extremadura.Mas, a ronteira e as suas representações estiveram totalmente ausentes nos di-versos discursos museográcos que se sucederam no Museu de Castelo Branco.Até mesmo as questões relativas às origens e diusões dos denominados Bordadosde Castelo Branco ignoram as geograas de contacto e os “mundos do outro” quenão se restringem ao distrito e que percorrem, entre outros horizontes, Valverdedel Fresno, aldeia da raiana Serra da Gata, Alcântara, Toledo, passando por LaAlberca até ao norte da Europa e às longínquas terras e mares da China e da Índianum complexo alabeto simbólico comum que continua silenciado.

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A invisibilidade ronteiriça ou transronteiriça tem sido colmatada com a apareci-mento, em dados momentos, de uma rede, mais ou menos inormal, de permutascientícas e de contactos que discorrem e se estabelecem incluindo e a partirdas e com as realidades do outro. Contudo, oi na direcção de António Salvado,

entre 1973 até 1989, que as ligações e acções de cooperação entre o Museu deFrancisco Tavares Proença Júnior e a Espanha oram incentivadas e assumidascomo um dos eixos de reorientação programática da instituição. Após um longoperíodo de letargia e de indenição uncional e locativa, o Museu havia reabertoao público, em 1971, em novas instalações mas cujas actividades ou verdadeirosdesempenhos culturais eram, incompreensivelmente, inexistentes.António Salvado sabia que: “É nas pequenas cidades do interior, ilhas echadas

eitas de distância, é ao museu que se pedirá uma larga contribuição no sentidode tornar os membros da comunidade menos isolados, é ao museu que competirálevar, enm, os outros a acreditarem que a cultura deverá viver-se como umanecessidade”1, palavras datadas de 1977 que não perderam pertinente actuali-dade. Ora, oi neste desígnio que a aproximação aos cenários transronteiriçosnaturalmente se estabeleceu, vincando-se o Museu de Castelo Branco como umcentro museológico que via na sua posição de proximidade ace à ronteira umamais valia no desenhar das suas dinâmicas e projectos. “Nuestro propósito es muysimple. Contribuir a que comencemos a vernos de caras, a encarar problemascomunes, a tender nuevos puentes, a elevar velos ronterizos”2, oram premo-nitórias palavras de Eduardo Barrenochea e de Antonio Pintado então tidas emconsideração. Corajosamente, na Primavera de 1972, estes jornalistas espanhóistinham desocultado as unestas perierias da grande península, azendo emergira verdadeira triste realidade do limite político dos dois estados, apelidando-o de“ronteira do subdesenvolvimento”. Regionalmente, os primeiros anos da década

de oitenta oram tempos de grande excitação interior, de descobertas e de sonhosenvolvidos por essas novas esperanças que as palavras democracia e liberdadetransmitiam. A busca de um ancoramento denitivo da Ibéria à Europa revelavaos horizontes e as vontades: estávamos longe da parábola de José Saramago daJangada de Pedra. Repensava-se a utopia ibérica mas sempre com os olhos pos-tos no além Pirenéus. A ronteira, qual cicatriz da História, era uma realidade que

1. António Salvado, Museu e Comunidade. Sep. de Estudos de Castelo Branco, Nova Série, nº3, 1978.

2. Antonio Pintado e Eduardo Barrenechea, La raya de Portugal: la frontera del subdesarrollo, Cuadernos para el Diálogo, Madrid, 1972.Há tradução portuguesa: A raia de Portugal: A fronteira do subdesenvolvimento, Porto, Arontamento, 1974.

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ainda separava. De linha controlada e temida, a ronteira passou a ser enunciadacom o prexo trans, antecedido da palavra cooperação. E aquilo que hoje seencontra tão banalizado – a cooperação transronteiriça – era, para muitos, en-tendido como uma nova invasão, de pouco interesse, algo que provocava muitas

desconanças...O papel então desempenhado pelo Museu de Francisco Tavares Proença Júniorconstituiu um exemplo (a merecer análise aproundada) de como é que uma ins-tituição aparentemente à margem dos processos de planeamento do desenvolvi-mento regional, conseguiu armar a cultura e o Museu como uma parte insubs-tituível nas práticas dos quotidianos e nos uturos das comunidades. O territórioque então começava a debater a sua designação e ronteiras internas, que variava

entre Beira Baixa, Distrito de Castelo Branco ou Beira Interior, oi percorido, pen-sado e projectado como um todo, numa busca de endogeneidades caracterizado-ras de uma almejada identidade regional. Foi um programa transversal a todas asdisciplinas da arqueologia à botânica, da etnologia à história da arte que contoucom o interesse e com a prestimosa dedicação de um admirável conjunto de co-laboradores que, com o seu entusiasmo dinâmico e generoso, particularizou umadeterminada época da museologia regional portuguesa. Foram muitos os amigosdo Museu. Relembremos aqui, entre outros, os nomes dos reverendos cónegosAnacleto Martins, à escala local, e António Nogueira Gonçalves que, com PedroDias trouxeram as realidades patrimoniais da região das diversas coordenadasartísticas para a história da arte portuguesa; do arquitecto Mário Varela Gomes,autor do inovador projecto museológico e de reabilitação de Idanha-a-Velha) edo desenho da sala da arte rupestre do Vale do Tejo do Museu; de José ManuelGarcia, Vasco Mantas e José d’ Encarnação, que relançaram o estudo e a descodi-cação da epigraa romana da região numa perspectiva ibérica; do Grupo para

o Estudo do Paleolítico Português – GEPP nas pessoas de Luís Raposo e AntónioCarlos Silva, responsáveis pela primeira trasladação na Península de estruturas dehabitat paleolíticas para um espaço museológico; de António Martinho Baptista,analista do complexo de arte do Vale do Tejo, e, principalmente, de HenriqueCoutinho Gouveia, indutor da importância das refexões teóricas nas práticasmuseográcas que aspiravam conjugar comunidade e memória com território.

3. Ole Strardggard oi outro nome da museologia nórdica que infuenciará a prática museológica regional então em construção.Ole Strardggard, “A importância dos Museus”, in Estudos de Castelo Branco, nova série, nº5, 1979, p. 17-20, apontava: “O objectivodo museu local é o de ajudar os habitantes (hoje e amanhã, residentes ou visitantes) no conhecimento progressivo das condições epossibilidades no espaço e no tempo.” A tradução do texto oi de António Salvado.

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Nesta última coordenada, o programa contou com dois excepcionais, atentos eactivos coadjutores: Hugues de Varine que como presidente do Instituto Franco--Português promoveu várias sessões de trabalho no distrito e o saudoso AntónioPaulouro, construtor e activador de renovadas identidades regionais, digníssimo

director do Jornal do Fundão. Um periódico de reerencia nacional que haveriade preparar com o apoio do Museu Francisco Tavares Proença Júnior, o painel“Raia traço de união”, incluído nesse grande órum sobre o pensar do uturo, asII Jornadas da Beira Interior, que decorreram em Monortinho entre 10 e 12 deOutubro de 1986: os museus da e na ronteira luso-espanhola oram aí muitoalados. Hugues de Varine complementou e aproundou aquilo que a convivênciacom Per-Uno Ägren, museólogo sueco que anos antes havia percorrido a Beira e

a serra da Estrela, tinha, em conjunto, idealizado para uma desejada mutação dopanorama museológico nacional periérico3. A paisagem regional estava em mu-tação acelerada e a sua ancestral ruralidade desestruturava-se. A deserticaçãodo território avançava causada pelos fuxos emigratórios que marcaram os viveresda interioridade. É e oi neste pano de undo que as perspectivas projectivas eanalíticas de Hugues de Varine4, imbuídas pelas enunciações teóricas da NovaMuseologia, irão atravessar, de uma maneira muito determinada, as práticas doprojecto museal albicastrense. Um propósito que elevava a teoria, com a prática ecom a utopia5 e que se aproximava muito da ideia do museu-comunitário, pluri--nucleado e territorializado, que mais do que públicos queria sim implicar na suaacção as populações.Cedo se percebeu que essa reidenticação teria, obrigatoriamente, de conter e deabarcar a ronteira, não apenas aqui entendida como algo que delimita, mas simcomo aquilo que ela revela e signica. Anal, uma ronteira é sempre metáorae conceito. Assistimos então ao entendimento da ronteira como um campo de

pesquisa, dando-se importância à sua história e aos seus processos de memória,evidenciando-se o gradual contacto entre as populações dos dois lados da raia.É-me muito grato relembrar esses tempos em que oram lançadas as sementes detoda uma prática de colaboração transronteiriça hoje entendida como comum.Entre várias actividades que a imprensa portuguesa e espanhola registaram, re-

4. “Hugues de Varine apresenta o Instituto Franco-português” in Jornal do Fundão de 13 de Janeiro de 1984, p.7; “Hugues de Varineem Castelo Branco. Instituto Franco-Português não vai ser supermercado da cultura” in Jornal do Fundão de 20 de Janeiro de 1984,

pp. 12-13; Joaquim Duarte, “ Museus e Património Cultural Regional. Denidas as linhas de cooperação entre o IPPC, InstitutoFranco-Português e Poder Local e Regional” in Jornal do Fundão de 13 de Janeiro de 1984, pp.12-13.

5. Aurora León, El museo. Teoría, praxis y utopia, Madrid, Ediciones Cátedra, 1978.

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levemos a exposição Arte Rupestre na Meseta Espanhola (Províncias de Zamora,Ávila, Salamanca e Cáceres) 6, em cujo catálogo traduzimos o primeiro capítulo daobra do catedrático de pré-história e arqueologia da Universidade de SalamancaFrancisco Jordá Cerdá História del Arte Hispânico, estudo e acção que internacio-

nalizaram denitivamente a representação do menir de S. Martinho. A FranciscoJordá Cerdá devemos a estruturação de um singular ciclo de conerências sobrearte pré-histórica que teve lugar durante um ano no Museu de Castelo Branco ea criação de um programa de escavações dirigidas por si, por Julián Bécares e porClara Vaz Pinto no povoado de S. Martinho7, conjunturas que possibilitaram tan-tos e tão diversicados momentos de refexão e sonho sobre o papel do Museu deCastelo Branco no porvir da cooperação transronteiriça na Beira interior. Lugar

de destaque assumiu a realização (com a colaboração da Câmara Municipal deIdanha-a-Nova já nas mãos de Joaquim Morão que então começava a denir umavisão estratégica e política para as questões transronteiriças8) da mesa redonda Os museus da raia luso-espanhola - Lugar mais de destino que de passagem. Opequeno cartaz anunciador da iniciativa é elucidativo da mensagem que se de-sejava transmitir: a linha separadora entre as duas nações oi propositadamenteriscada com traços que queriam esboçar, mais de que uma anulação do limite po-litico, a premência do surgimento de outros eixos de circulação cultural capazesde romper os destinos evocados no título. Na silhueta cartográca da Penínsulaapenas se indicaram dois pontos: Lisboa e Madrid as despóticas capitais. E oicom o mesmo empenho que, entre os dias 22 e 25 de Abril de 1983, responsáveisde instituições museais dos dois lados da ronteira se juntaram à mesma mesa,contrariando aquela visão centralista de locus desertus cultural das perierias

6. J(osé). S(antolaya)., “Salamanca y su Arte Rupestre en el Museo Tavares Proença Junior de Castelo Branco. Valiosa colaboraciondel Departamento de Arqueologia de la Universidad de Salamanca” in El Adelanto de 9 de Noviembre de 19 82, p.3. As otograase textos dos painéis expositivos oram da autoria dos Proessores Javier Fortea, Julián Bécares Pérez e de Maria Carmen SevillanoSan José, sob orientação cientíca do Proessor Doutor Francisco Jordá . A iniciativa teve, na sua logística, o apoio empenhado eraternal da arqueóloga extremenha Cleoé Rivero de la Higuera e de Julián Bécares, arqueólogos que percorreriam e reconhece-riam algumas realidades arqueológicas da Beira Baixa, nomeadamente associadas à arte pré-histórica e ao megalitismo, ao sistemade povoamento antigo, por exemplo, das antas da Granja de S. Pedro em Alcaozes (Idanha-a-Nova), de Monsanto da Beira e dopovoado de S. Martinho (Castelo Branco).

7. Joaquim Duarte, “No monte de S. Martinho arqueólogos portugueses e espanhóis à procura da história perdida» in Jornal doFundão de 26 de Agosto de 1983, pp. 12-13 e 18. “Ora diga lá - Julián Bécares in Jornal do Fundão de 12 de Julho de 1983, p. 2.Este arqueólogo, proessor na Universidade de Salamanca, lamentava que, nessa data, “em Portugal não há uma ronteira aberta24 horas por dia”.

8. Para além dos discursos de intenção e do patrocínio do almoço nas Termas de Monortinho que então ainda não era zona depassagem transnacional, releve-se, nesta linha da cooperação e do desenvolvimento cultural, o incontornável papel desempenhadopelo Dr. Domingos dos Santos Rijo, à data vereador da cultura da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova. A necessidade da existênciade um centro de estudos ronteiriços que conjugasse memória com uturo aforou aqui pela primeira vez…

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nacionais. O programa das questões abordadas oi extenso. A comunicação socialassistiu, relatou e apoiou a experiência9; e, é de elementar justiça relembrar o im-portante e notável papel então desenvolvido por José Santolaya, grande amigo dePortugal e da Beira10, no desenhar de acções transronteiriças uturas. A propósito

dessa experiência José Manuel Hidalgo, ao tempo director do Museu Quinõnes deLeón, Castrelos, de Vigo, escreveria: “Uno de los temas principales que se estudiaronen esta reunión conjunta luso-hispana, ue la deensa del patrimonio cultural y ar-tístico que habría que realizar, según los casos, los respectivos Museos. La problemá-tica se planteo en la esera de competencias de los museos nacionales, provincialeso municipales. La legislación en ambos países se muestra ambigua para determinarestas competencias y es de esperar que se regule de orma más satisactoria. Tambi-

én se planteo los problemas que se pueden derivar de los Museos Municipales o Lo-cales cuando la Corporación Municipal (Cámara Municipal, en Portugal) no atiendedebidamente a los mismos y pueden correr el peligro de abandono o desaparición.Una de las soluciones para paliar el problema podría estar en la conección dereglamentos vinculantes para el uncionamiento correcto de dichos Museos. Un ca-pítulo muy interesante dentro de esta primera mesa-redonda de Museos ronterizosespañoles-portugueses ue el relativo a las experiencias levadas acabo en cada unode los museos participantes en dicha reunión museística. Así se ueron exponiendolas actividades realizadas en cada centro, en las que destacaron las encaminadasa una mayor comprensión del Museo para los visitantes al mismo: conección decatálogos didácticos; comics y puzles para niños, etc. En el terreno del museo comocentro de investigación, se destaco el papel de los Museos con secciones de Arque-ología, a la hora de emprender excavaciones en su zona en las que participaríanpersonas vinculadas a ella. (…) Como conclusiones se apuntó la colaboración de losMuseos participantes en actividades uturas. Se tomo como ejemplo la exposición

de Arte Esquemático realizada por la Universidad de Salamanca y que ue exhibidaen el Museo portugués de Castelo Branco”.

9. “Os museus da raia luso-espanhola num encontro inédito” in Jornal do Fundão de 29 de Abril de 1983 e José Manuel HidalgoCuñarro “Coloquio sobre Museos Fronterizos españoles portugueses” in Suplemento Dominical de Faro Vigo de 29 de Mayo de1983, p. 36. Estiveram presentes representantes dos museus de Viseu, Guarda, Covilhã, Évora, Miranda do Douro, Mação, Zamora,Salamanca, Badajoz, Cáceres e Mérida e dos parques nacionais da Peneda-Gerês e da Serra da Estrela e alguns quadros e colabora-dores do Museu de Castelo Branco. As sessões de trabalho decorreram em Castelo Branco, no Museu de Francisco Tavares ProençaJúnior, e em Idanha-a-Velha. Nesta aldeia salientem-se as intervenções do saudoso D. José Maria Alvarez Sáenz de Beruaga e deD. José Maria Alvarez Martinez, do Museu Nacional de Arte Romana de Mérida , que salientaram todas as relações estabelecidas,desde as últimas décadas do século I a. C. até ao século VIII, entre a pequena capital da civitas Igaeditanorum e Emerita Augusta,realidades e vínculos culturais que estes dois investigadores consideravam que deveriam ter tradução museográco no território

raiano luso-espanhol.

10. José Santolaya, “Museus e Parques da raia luso-espanhola vão reunir em Salamanca” in Jornal do Fundão de 1 de Julho de1983, p.15.

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Quando, há alguns anos, a Dr.ª Ana Mercedes Stoel Fernandes, então dinâmicadelegada da Associação Portuguesa de Museologia da região centro, se aproxi-mou da realidade da museologia beiroa centralizada em Castelo Branco e ao sercotejada com este passado de cooperação, desenvolveu de imediato, com uma

pequena equipa (na qual tive o prazer de azer parte desde a primeira hora11), apossibilidade da criação de novos cenários e campos que avivassem uma desejadae renovada prática museológica transronteiriça. Creio que o I Mouseion - Encon-tro transfronteiriço de museologia que teve lugar nos entre 1 e 5 Maio de 2002,signicou o relançar desse ideário que havia sido começado a traçar décadasantes pelo Museu de Castelo Branco12.Decerto que a antiga ronteira já denota muito pouco: contudo a pericidade

que circunda as deserticadas terras do Este continuará a signicar algo. Hojeparte-se e chega-se a um ponto: já não se sente o passar de uma ronteira. Tudomudou desde essa surpreendente e tão esperançosa década de oitenta. No en-tanto, creio que a vontade da xação de um fuxo museológico transrontei-riço continua imparável. Uma corrente que distinguindo linha de ronteira eárea ronteiriça, assuma o sentido desta geograa em que a ronteira-linha e aronteira-zona constituem uma “dialética intrínseca à cultura de ronteira”. Umacultura de ronteira deste modo estabelecida pelo antropólogo extremenho LuisUriarte: “La cultura de rontera en el Area Rayana se caracteriza por una fuidapermeabilidad sociocultural que vertebra y estructura una uerte interdependen-cia simétrica entre las poblaciones ubicadas a uno y otro lado de La Raya y a lolargo y ancho del Area Rayana”, acrecentando que “la cultura de rontera requiererelaciones de complementariedad e interdependencia transnacionales. (…) En lacultura de rontera los Rayanos necesitan ser dos (naciones) para realmente seruno (área cultural). (…) Y es precisamente para mantener y reorzar esa articula-

ción complementaria que necesitan tener ronteras claramente demarcadas parapoder transgredirlas o respectarlas según requiran el contexto y las estrategias enun momento dado.”13

 11. Da comissão organizadora deste Encontro, que reunia na Câmara e no Museu Municipal de Portalegre, zeram parte, para alémda sua coordenadora geral Ana Mercedes Stoel, Carlos Abaa, Sónia Alves e José Miguel Santolaya, este último oi o responsávelpela maior parte dos contactos internacionais desenvolvidos. O programa de cada localidade incluída no percurso da iniciativa oi,respectivamente, da responsabilidade de João Mendes Rosa (Fundão), de Elisa Pinheiro (Covilhã), de Manuel Santonja (Salamanca),de Carlos Piñel (Zamora), de Maria Jesús Herreros de Tejada (Plasencia) e de Juan Valadés (Cáceres).

12. Leonor Veloso, “Museus precisam de se modernizar”, in Jornal do Fundão de 10 de Maio de 2002, p.40, Nuno Francisco, “Encontro transronteiriço de Museologia. Hugues de Varine homenageado pela Câmara Municipal do Fundão”,in Jornal do Fundão de 10 de Maio de 2002 . Realce-se o texto de Fernando Paulouro,”Para Hugues de Varine” in Jornal do Fundão de 18 de Maio de2002, p. 3 que historicam as ligações de trabalho deste museólogo com a Beira interior.

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E oram todas estas memórias e considerações que também conduziram a nossavisita. Uma visita que percorreu um itinerário cultural muito dierenciado vincadonum caminho que condensa múltiplas realidades e tempos. Uma visita que quisdecirar e ler as ronteiras-pontes não como marcos ísicos ou naturais, mas sim

como estremas simbólicas, quais linhas móveis e transcendentes14.Uma viagem é sempre um desassombrar continuado. E, tal como queria Sarama-go, o m de uma viagem é apenas a origem de outra. Este eixo cultural CasteloBranco e Cáceres poderá e deverá ser potencializado cabendo aos museus nelesituados a tarea de iluminar e de azer circular todas as suas ontes e acçõescriativas, que conjuguem todas as temporalidades, em renovadas transormaçõese interrogações. Anal um museu, como dizia Malraux, é sempre uma conronta-

ção de metamoroses15

.Sinónimo de união ou divisão, intransigência, domínio e confito, o termo ron-teira intercepta e irradia sentidos muito polissémicos que se prestam a usos di-

13. Luis Uriarte. “Culturas de rontera y ronteras culturales: la Raya Hispano lusa y Peruana-ecuatoriana”, in Culturas, identidadese globalização. Actas das III Jornadas, Beja, 2005, pp. 76-77. e Luis M. Uriarte, La Codosera. Cultura de Fronteras y FronterasCulturales en la Raya Luso-Extremeña, Mérida, Asamblea de Extremadura. 1994.

14. Por exemplo, na história da construção da paisagem ronteiriça da Beira Baixa, a ponte de Segura pela sua dupla unção delimite e de passagem, constituiu o locus geográco de convergência dos movimentos transnacionais que se desenvolveram nestaparcela da ronteira mais antiga do velho continente. A ronteira é aqui estabelecida pelo Erges, rio para os portugueses e ribeira

para os espanhóis, como se ouve em Zarza la Mayor. O rio nasce a norte, na majestosa serra de Xalima, passando pelas povoaçõesde Eljas e de Valverde del Fresno antes de se assumir como limite. Ao unicar as margens do rio separador das duas soberanias ibé-ricas, a ponte constitui um grande plano material da permeabilização de uma ronteira linear invisível e mental. Ainda que tenhasorido variadíssimos restauros, principalmente ao nível do tabuleiro, o monumento ainda conserva a estrutura romana original,alargando-se em cinco arcos. O seu desenho arquitectónico liou-se na ponte de Alcântara. É, portanto, uma construção dos pri-meiros anos do século II d. C.. A estrada que une estes dois monumentos era um ramal da grande via de la Plata que unia o nortecom o sul peninsular e desenvolvia-se a partir de Norba Caesarina, a progressiva e monumental cidade de Cáceres, em direcção aAlcântara seguindo, e depois de atravessar a actual Beira, para Bracara Augusta. A ponte prolonga, no seu nome, a povoação quea domina: Segura. As estratégias de povoamento da Reconquista e a necessidade de um controlo mais eectivo da ronteira comLeão relacionam-se com a génese do povoado. Pelo seu carácter situacional de hiper-perieria ace aos centros do poder e de con-vergência da rede de caminhos raianos, o sítio da ponte de Segura oi também um palco de todas as confitualidades entre os doisreinos peninsulares. Durante 28 longos anos, entre 1640 e 1688, oi na perieria que se vão plasmar as confitualidades dos centrospolíticos de Madrid e de Lisboa, iniciando-se a imagem de raia-ronteira carregada de cromias negras. Aí tiveram lugar, durantea Guerra da Restauração, vários episódios e será pela ponte de Segura que, no Inverno de 1807, passará, em direcção a CasteloBranco, grande parte do exército de Junot, aquando da 1ª Invasão Francesa. Vencida a ronteira, a povoação mais próxima é

Piedras Albas. Os seus antigos postos da Guardia Civil e da Policia Nacional são agora casas arruinadas. Nos, outrora ocultos, pátiosinteriores pastam ovelhas. A presença do grandioso escudo ranquista, na diluída achada do velho posto em abandono completo,az-nos recordar águias temidas. Mas são cegonhas que cruzam os céus e nos acompanham ao longo da estrada. Aqui e alémurdões e longos muros de propriedades dão um toque humano à desnudada paisagem. Algumas cabeças de gado relembram apresença raiana dos grandes rebanhos transumantes que marcavam o ritmo sazonal dos viveres. Depois de uma estrada coleante,chega-se ao Tejo. Emerge do horizonte, a vila de Alcântara, sede da antiga ordem de S. Julião do Pereiro, grande baluarte militarque determinou a história ronteiriça entre Espanha e Portugal a partir do século XVII. Alcântara é a reconrmação toponímicade uma ‘das maravilhas do mundo’ como reerindo-se a esta terra e á sua ponte, sentiu o poeta e geógrao muçulmano do séculoXII Idrisi. “Los potentes pilares de los ojos centrales, la espaciosidad de sus arcos, la magnitud de los sillares rústicos de granitoempleados en su obra, la severa simplicidad de líneas, todo armoniza a maravilla con el imponente paisaje”, descreveu-a AntónioGarcia y Bellido. Terá sido construída no ano 103 por C. Iulius Lacer a expensas de municípios da Lusitânia, como consta de umainscrição colocada no arco da monumental ponte, entre os quais os igeditanos, cuja capital territorial era a Egitânia, a deserti-cada aldeia de Idanha-a-Velha. Em Alcântara voltamos a entrar em contacto com a espessura metaórica da ponte num autênticoaltar ao Tejo: o rio da união. A partir daqui passamos num ritual de distâncias raianas, por terras de luz e de água, por castelos eigrejas, por casarios alvos, por nomes de pintores e de linguistas, unidos por uma toponímia misteriosa e apelante que une e irradia

da paisagem percorrida. Nos ‘Barruecos’, em Malpartida, ranqueamos limites que nos levam até geograas mais artísticas, densase alegóricas e a antásticos geo-labirintos. São as modelações do grande artista e mestre de todas as ronteiras e margens Wol 

 Vostell, para quem estar na margem signicou, somente, ocupar um lugar de criatividade a partir do qual se construiu um outrosentido do e para o mundo.

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erenciados, por vezes opostos e de percepção contraditória. Sentimento con-traditório tão bem revelado por Miguel Torga quando, em Setembro de 1941,em Monortinho, não num museu mas diante de um limite então tão temido dapaisagem, sentiu: “Olho daqui. Vejo, de acto, serras com restolhos de centeio e

trigo, sobreiros com autêntica casca de cortiça, e um rebanho a caminhar, nomeio do qual sai uma nuvem de poeira e de som. Mas é do lado de lá do ribeiro.E um inexplicável terror, uma imprecisa inquietação apoderam-se de mim. Sinto--me em relação a tudo aquilo como diante duma outra natureza. Uma naturezaevidentemente de calhaus, de ervas, de sol, de gente, mas onde tudo diz D. Filipe,quando eu digo D. Sebastião”16.

15. Sobre este assunto vid. Santos Zunzunegui, Metamorfosis de la Mirada. Museo y semiótica, Frónesis Cátedra, Universitatde Valência, 2003.

16. Miguel Torga, Diário II , Coimbra, 1960, p. 12.

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Capa do catálogo da exposição Arte Rupestre da Meseta Espanhola (Províncias deZamora, Ávila, Salamanca e Cáceres) apresentada no Museu de Francisco TavaresProença Júnior entre Novembro e Dezembro de 1982.

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Mesa redonda “Estratégias de intercâmbio cultural transronteriço” decorreu nodia 2 de Maio de 2002, em Castelo Branco, no Museu de Francisco Tavares ProençaJúnior A sessão, coordenada por mim, contou com as participações da Drª AnaMargarida Ferreira, digníssima Directora do Museu de Francisco Tavares ProençaJúnior, do Eng. Armindo Jacinto, da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, do Dr.

Paulo Fernandes, vereador da Cultura da Câmara Municipal do Fundão, do proessorDoutor Cláudio Torres, do Campo Arqueológico de Mértola, de D. Vasquez Mao e domeu velho amigo Doutor José Manuel Hidalgo, representantes da Xunta da Galiza.

Dois aspectos de uma sessão de trabalho da mesa Redonda “Os museus da raia luso-espanhola Lugar mais de destino que de passagem”, Castelo Branco, Biblioteca doMuseu de Francisco Tavares Proença Júnior, 23 de Abril de 1983.

   A   n   t   ó

   n   i   o   V   e   r   r   í   s   s   i   m   o

   L   e   o   n   o   r   V   e   l   o   s   o

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Cartaz da Mesa redonda “Os museus da raia luso-espanhola-Lugar mais de destinoque de passagem” que teve lugar em Castelo Branco e em Idanha-a-Velha nos dias22, 23 e 24 de Abril de 1983.

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