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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP A Capacidade de Depressão Normal Entre Mães de Bebês em UTI Neonatal: uma perspectiva winnicottiana Flávia Ianzini Carnielli Mestrado em Psicologia Clínica São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 

PUCSP 

 

 

A Capacidade de Depressão Normal Entre Mães de Bebês em UTI

Neonatal: uma perspectiva winnicottiana

Flávia Ianzini Carnielli

Mestrado em Psicologia Clínica

 

 

 

 

 

 

São Paulo

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 

PUCSP 

 

 

Flávia Ianzini Carnielli

A Capacidade de Depressão Normal Entre Mães de Bebês em UTI

Neonatal: uma perspectiva winnicottiana

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Clínica, sob a orientação do Prof. Dr. Alfredo Naffah Neto.

São Paulo

2014

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Banca Examinadora 

 

____________________________________________ Prof. Dr. Alfredo Naffah Neto ____________________________________________ Profª Drª Julieta Maria de Barros Reis Quayle ____________________________________________ Profª Drª Rosa Tosta

   

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iv  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aos meus pais, Marcos Roberto Carnielli e Maria Cecília I. Carnielli.

À minha irmã, Bianca Ianzini Carnielli.

Ao meu marido, Felipe Bottan Teixeira.

Aos meus familiares.

   

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v  

Agradecimentos 

 

Aos meus pais, Marcos e Cecília, que sempre me incentivaram a buscar meu

próprio caminho e me encorajaram e apoiaram nos momentos mais difíceis.

Obrigada por estarem sempre ao meu lado.

À minha irmã, Bianca, pelo carinho e por me escutar e me ajudar com

sugestões durante esse período.

Ao meu marido, Felipe, por todo amor, apoio, paciência e compreensão.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Alfredo Naffah Neto, por compartilhar sua

experiência e conhecimento.

À Profª Drª Julieta Quayle, pelo carinho diante das dificuldades e pela

inspiração durante o caminho percorrido.

À Profª Drª Rosa Maria Tosta, por suas palavras de incentivo e importantes

contribuições durante o desenvolvimento desse trabalho.

Aos meus avós, tios e primos que sempre estiveram tão presentes.

Aos meus amigos por acreditarem em mim.

   

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vi  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“A persistência realiza o impossível.”

Provérbio Chinês

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Resumo 

CARNIELLI, Flavia I. A Capacidade de Depressão Normal Entre Mães de Bebês em UTI Neonatal: uma perspectiva winnicottiana. 2014, 64 p. Dissertação (Mestrado). Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014.  

Na atualidade a depressão aparece como uma das maiores causas de adoecimento emocional e frequentemente é associada à tristeza, à apatia e ao fracasso. A partir dessa perspectiva, os movimentos introspectivos e de retraimento, que muitas vezes se caracterizam como movimentos depressivos, não são levados em conta como necessários à elaboração de perdas reais ou imaginárias. Do ponto de vista de D. W. Winnicott, para fazer frente aos desafios psíquicos existentes diante de situações que quebrem com as expectativas e idealizações é necessário que o indivíduo tenha passado pelo estágio do concern, quando adquire a capacidade para deprimir, relacionada pelo autor ao amadurecimento emocional. O presente trabalho busca compreender, no contexto da maternidade, de que forma a capacidade materna de deprimir se associa à possibilidade de a mãe elaborar os aspectos negativos referentes à internação de seu bebê em uma UTI Neonatal e, assim, poder vir a desempenhar o papel da mãe suficientemente boa. Para tanto, realiza um estudo de caso comparativo entre uma mãe capaz de depressão normal, contrapondo-o a outros casos (apresentados por meio de vinhetas clínicas) de mães com dificuldades ou incapacidade na realização desse processo.

Palavras-chave: depressão; concernimento; maternidade; Winnicott; UTI Neonatal; mãe suficientemente boa.

 

 

   

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Abstract 

CARNIELLI, Flavia I. Normal Depression Capacity among Mothers of Babies in Intensive Care Units: a Winnicottian Approach 2014, 6 p. Master Dissertation. Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014.

Nowadays depression appears as a major cause of emotional illness and is often associated with sadness, apathy and failure. From this perspective, introspection and withdrawn, which are often characterized as depressive movements, are not taken into account as necessary for elaborating real or imagined losses. From the point of view of DW Winnicott, to deal with the existing psychic challenges, facing situations that break the expectations and idealizations, it is necessary that the individual has surpassed the stage of concern, acquiring the ability to depress which the author relates to emotional maturity. This paper seeks to understand, in the context of motherhood, how the mother's ability to depress associates with the mother's capacity to elaborate the negative aspects regarding the hospitalization of her baby in a Neonatal ICU and, thus, be able to play the role of a good enough mother. For this, a comparative case study was performed between a mother able to develop normal depression, in contrast to other cases (submitted through clinical vignettes) of mothers with difficulties or inability in achieving this process.

Keywords: Depression; stage of concern; Materhood; Winnicott; NICU; good enough mother.

   

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Sumário  

1.Introdução ............................................................................................................................... 10 

2.Ser mãe: intempéries e dificuldades da maternidade ..................................................... 13 

3.Contribuições de Winnicott à Problemática da Maternidade ......................................... 24 

4.Distúrbios Emocionais e o Ciclo Gravídico Puerperal ..................................................... 28 

5.B. e seu Bebê ........................................................................................................................ 34 

6.Discussão ............................................................................................................................... 48 

7.Considerações Finais ........................................................................................................... 60 

Referências Bibliográficas ....................................................................................................... 62 

 

 

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1.Introdução

Ao longo dos anos, com os avanços tecnológicos e a crescente compreensão a

respeito das patologias que podem acometer os recém-nascidos, a taxa de

mortalidade desses bebês vem diminuindo. Isso ocorre mesmo entre aqueles

que se encontram dentro de algum grupo de risco físico, como o associado à

prematuridade ou às doenças congênitas, por exemplo.

As Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTIN) estão cada vez mais

sofisticadas, com recursos que podem proporcionar aos recém-nascidos toda a

assistência necessária para garantir melhores condições de sobrevivência. Tais

Unidades foram criadas com o objetivo de salvar a vida de bebês em risco

iminente, reduzir a mortalidade e garantir a sobrevida de recém-nascidos,

através de procedimentos extremamente complexos e da utilização de

avançadas tecnologias, aliados à habilidade técnica e ao conhecimento

científico dos profissionais que nela trabalham.

Klaus e Kennell (1993) afirmam que os primeiros berçários surgiram no início

do século XX, com a criação de técnicas rigorosas para isolar pacientes

infectados, em função da alta taxa de mortalidade dessa população. As

medidas incluíam barreiras entre os leitos e a não estimulação de visitas, com

a crença de que os visitantes eram responsáveis pela propagação de germes e

bactérias.

A neonatologia como especialidade surgiu na França. Budin (apud VALANSI;

MORSCH, 2004) afirma que um grande número de mães abandonava os

bebês que haviam permanecido por muito tempo em isolamento, uma vez que

não lhes era permitido estar próximas aos filhos nem cuidar deles. Essa

observação originou uma série de mudanças no ambiente da UTI Neonatal, a

fim de que as mulheres pudessem estar mais atentas às necessidades dos

filhos. A amamentação foi encorajada e as incubadoras com paredes de vidros

apareceram, para que os recém-nascidos pudessem ser observados e

interagissem mais com as mães.

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Ao longo do tempo, a presença materna no tratamento intensivo de recém-

nascidos foi tornando-se cada vez mais importante, quando questões sobre o

desenvolvimento do apego e do desapego deixaram de ser específicas do lar e

foram trazidas para o hospital, e as instituições de saúde passaram a adotar

um modelo de assistência centrado no bebê e na família. No entanto, uma

questão primordial que se faz presente quando pensamos na internação de

bebês nessas Unidades, refere-se impacto que esse ambiente pode ter no

desenvolvimento dos recém-nascidos e suas famílias.

Nesse sentido, torna-se necessário um olhar para além do corpo físico e sua

sobrevivência, um olhar que permita enxergar os sujeitos envolvidos na

situação, que favoreça a relação entre eles e que assim possa proporcionar

formas mais saudáveis de desenvolvimento físico e emocional.

Durante minha prática clínica no contexto da UTI Neonatal, comecei a observar

as reações das mães dos recém-nascidos internados e pude perceber que

normalmente elas apresentam ansiedade, raiva, negação, apatia e sintomas

depressivos, especialmente diante de uma notícia inesperada. No entanto, em

meu trabalho com elas, notei que estas apresentavam respostas emocionais

diferentes em situações parecidas, em função de suas histórias de vida, da

relação com sua própria mãe, casamento, bem como das expectativas diante

da gestação e maternidade.

Além disso, a partir da observação do relacionamento entre as mães e seus

bebês, percebi que aquelas mães que não se apresentavam emocionalmente

estáveis tinham maiores dificuldades de estar disponíveis às demandas do

bebê, não conseguindo atender à criança de maneira adequada.

Dessa forma, a maneira como essas reações emocionais ocorriam e o quanto

se associavam à capacidade da mãe de elaborar uma situação negativa e

desempenhar o papel materno tornaram-se assunto de meu interesse e passei

a estudar o tema, especialmente no que diz respeito aos sintomas depressivos

e como eles interferiam na forma de a mãe lidar com a realidade.

Para tanto, busquei referências na teoria psicanalítica de D. W. Winnicott,

especialmente em seus conceitos de mãe suficientemente boa, capacidade

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para deprimir e depressão saudável, subsídios para compreender as

vicissitudes iniciais da relação mãe/bebê nesse contexto.

Assim, o objetivo deste trabalho foi entender de que forma a capacidade

materna de deprimir se associa à capacidade da mãe de elaborar os aspectos

negativos referentes à internação de seu bebê na UTI Neonatal e, assim, poder

vir a desempenhar o papel da mãe suficientemente boa.

Para tanto, organizei um estudo que seguisse por duas vias: a primeira,

constituída por uma reflexão sobre o tema proposto e os conceitos envolvidos à

luz da psicanálise winnicottiana; a segunda, marcada pela ilustração da

problemática, por meio da contraposição entre um caso principal e pequenas

vinhetas de outros casos, todos atendidos por mim.

Para a coleta de dados, seguiu-se o método de pesquisa psicanalítico, a partir

da pesquisa-investigação, que, segundo Naffah Neto (2006), complementa a

pesquisa clínica, desenvolvida como investigação de uma questão a ser

respondida e que acrescentará algo novo ao campo de conhecimentos

psicanalíticos, a partir de uma perspectiva teórico-metodológica.

Foram utilizados fragmentos de um caso clínico atendido por mim dentro de

uma maternidade particular da cidade de São Paulo, além de dados obtidos a

partir da observação da interação entre mãe e bebê. O caso foi escolhido por

permitir que sejam identificados sinais da depressão normal na fala da

participante, ilustrando, assim, o tema da pesquisa. Foram usados também

fragmentos de atendimentos de outras pacientes, que exemplificam

dificuldades para deprimir (ou depressão patológica) como forma de

contraposição à ideia levantada pelo estudo.

O registro dos dados ocorreu após os atendimentos realizados, sem a

presença das participantes, e se baseiam nas minhas impressões acerca de

cada uma das sessões feitas.

Os procedimentos éticos foram respeitados e as participantes, cujos dados são

apresentados adiante, assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido.

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2.Ser mãe: intempéries e dificuldades da maternidade

Do ponto de vista emocional, a gestação consiste em um período

extremamente complexo na vida de uma mulher, repleto de transformações

nas mais diferentes áreas. É um momento de sentimentos, emoções e

expectativas intensas, que repercutem em seu psiquismo durante toda a

gravidez.

De acordo com os padrões das sociedades atuais, a gravidez é uma fase na

vida da mulher vista como de grande riqueza e harmonia. No entanto, devemos

levar em conta que cada gravidez é única e recebe influências de diversos

fatores internos e externos à mãe.

Questões muitas vezes “não ditas” ou não elaboradas, que marcam e

atravessam a história dessa mulher, podem aparecer inconscientemente, pela

maneira como ela se relaciona com a maternidade e seu futuro bebê, ou ainda

se apresentar sob a forma de sintomas, como dificuldades para engravidar e

abortos espontâneos anteriores, além de insegurança diante do papel materno,

entre outras possibilidades (DE FELICE,2000).

Iaconelli (2005) acredita que a transformação da filha em mãe, as mudanças

corporais e a relação entre sexualidade e maternidade exigem da mulher uma

nova forma de reorganização psíquica que pode, muitas vezes, gerar angústia

e dificuldades emocionais.

Szejer e Stewart (1997) acreditam que o desejo de tornar-se mãe é sempre

ambivalente e envolve questões bastante paradoxais, com sentimentos que

vão do êxtase total à tristeza.

Dessa forma, o tornar-se mãe não ocorre como uma consequência natural do

parto. É uma construção na vida da mulher, repleta de regressões,

identificações, ressignificações, experiências e adaptações que, de alguma

forma, farão ressurgir desejos e fantasias experimentados na infância da

mulher, inclusive diante de sua própria mãe.

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As fantasias infantis ficam, então, adormecidas durante grande parte da vida da

mulher, até que ela tenha maturidade suficiente para que seja capaz de

procriar por si mesma (DEBRAY, 1988).

O nascimento de um filho e a vontade de ser mãe podem surgir como um

projeto aparentemente integrado a um plano de vida consciente. No entanto, no

campo da psicanálise, diversos autores apontam as motivações da ordem do

inconsciente que estão envolvidas nesse projeto. Freud (1930) comenta que a

maternidade deriva dos desejos inconscientes de cada mulher, associados a

sua história passada, desde o início de sua infância e seu relacionamento com

a própria mãe.

O estar grávida coloca a mulher frente a uma série de angústias e incertezas,

que aparecem na contramão de sua vontade consciente. Ferrari, Lopes e

Piccinini (2007) relacionam essa ambivalência à mudança de posição que a

gravidez impõe, do lugar de filha ao de mãe. Além disso, o desejo de ter um

filho é diferente da vontade de ser mãe. Desejar um filho é projetá-lo no futuro,

ao passo que o projeto de ser mãe é projetar a si mesma como mãe desse filho

(SZEJER e STEWART, 1997).

Iaconelli (2013) coloca que o primeiro bebê existente no psiquismo da mulher é

o bebê edípico, que surge durante a fase do Complexo de Édipo, quando a

menina, por identificação com a mãe, fantasia ter um bebê com o pai. Com a

interdição paterna, as fantasias do Édipo são recalcadas para que, no futuro, a

mulher possa estar livre para acolher seu bebê e desempenhar as funções

maternas.

A relação entre a mãe e seu bebê, tem início desde o período pré-natal, e com

a confirmação da gravidez, começa a se estabelecer, baseada inicialmente nas

expectativas da mãe sobre o filho. Essas expectativas, assim como o desejo da

maternidade, têm origem no mundo interno da mulher e se referem às suas

necessidades conscientes e inconscientes. Stern (1997), observa que além do

crescimento físico da criança, ocorre no psiquismo da mulher a formação da

ideia de ser mãe e a construção de uma imagem do bebê.

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Soulé (apud TEIXEIRA e MORAES, 2008) acredita que, no início da gravidez, o

que preenche a mãe não é o filho biológico, mas sim aquele que é sonhado. A

mãe, aos poucos, vai personificando o bebê, atribuindo-lhe características

físicas e de personalidade. Esse bebê aparece como uma primeira inserção do

filho no mundo imaginário da mãe, em torno do qual ela poderá organizar sua

gravidez.

À medida que o feto cresce no útero da mãe, ela passa a criar fantasias sobre

o filho que está gerando, através de um trabalho psíquico de construção do

bebê que Lebovici (apud VALANSI e MORSCH, 2004) chama de bebê

imaginado. Segundo o autor, este é precedido pelo bebê fantasmático e pelo

bebê imaginário. O primeiro deles tem início quando a mãe ainda é bebê,

dependente dos cuidados maternos, e vai se fortificando durante a infância,

com as brincadeiras de boneca e as fantasias de tornar-se mãe. O bebê

imaginário aparece quando a mulher se percebe grávida, dando forma à nova

pessoa que surgirá em seu corpo. Movimentos, imagens e ultrassonografias

permitem novas construções, originando o bebê imaginado.

Dessa maneira, a mãe começa a se relacionar com o filho, atribuindo-lhe um

lugar de sujeito, investindo libidinalmente e preparando um espaço que será

ocupado por ele dentro da família.

Todas essas expectativas e incertezas a respeito do filho, e também da

gestação, acabam por gerar na mãe angústias frente ao desconhecido. Quayle

(2005) aponta que, na primeira metade da gravidez os conflitos associados à

ambivalência de sentimentos são os mais frequentes e incluem pensamentos

sobre o feto, sua concepção, alterações de papéis (esposa, mulher, mãe,

profissional), medo de perder o bebê, medo de doenças e má formação. A

mulher apresenta-se mais regredida ou infantilizada, repleta de desejos e

vontade de ser cuidada.

Winnicott (1987) observa a importância dos nove meses da gestação para a

transformação da mulher. Nesse período, a mulher poderá se identificar com a

própria mãe, com o futuro bebê e recordar-se do bebê que ela mesma já foi um

dia, com lembranças de ter sido cuidada, que poderão ajudá-la (ou atrapalhá-

la) na sua experiência como mãe.

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Segundo Szejer e Stewart (1997), ainda no primeiro trimestre da gravidez, as

angústias coincidem com as primeiras transformações no corpo e na imagem

que a mulher tem de si, e com o início dos mal-estares. Os sintomas

decorrentes desse processo têm sentido particular a cada gestação. No

entanto, podem ser compreendidos a partir de um quadro geral, que tem como

base o fato de que estar grávida remete a mulher a seu próprio nascimento,

permitindo que ela vivencie sentimentos ambivalentes semelhantes aos de sua

mãe, identificando-se assim com ela. Inconscientemente, identifica-se também

com o bebê e, a partir dessa identificação enriquecedora, torna-se capaz de

entender as necessidades do filho e se adaptar a elas.

O que parece certo, porém, de acordo com os autores, é que esses sintomas

são específicos de cada gestação e não existe coincidência no fato de

aparecerem no início da gravidez, momento de grandes conflitos psíquicos.

Com o fim da maior parte dos sintomas físicos, no segundo trimestre da

gravidez aparecem os sintomas psíquicos. O feto já se torna perceptível para a

mãe nesse momento, e ela pode sentir os movimentos da criança e até saber

seu sexo. A relação entre mãe e filho é favorecida, ocasionando um

investimento libidinal ainda maior. O segundo trimestre é visto por grande parte

das mães como o melhor de toda a gestação. Em decorrência de todas as

experiências vividas nesse período, aparecem angústias referentes ao medo

de separar-se desse filho quando chegar a hora do parto (SZEJER e

STEWART, 1997).

Ainda de acordo com os autores citados, ao entrar no terceiro trimestre da

gravidez, a mulher torna-se mais suscetível a uma série de descompensações

psíquicas. Ocorrem estados de ansiedade e depressão, distúrbios de sono e

fobias, dentre outros, que constituem o que Stern (1997) chama de

Constelação da Maternidade. A mãe sente medo do parto, da dor, de não ser

capaz de dar à luz, de se separar de seu filho. Além disso, passa a questionar

sobre a saúde do bebê, revendo seus comportamentos e condutas durante a

gestação.

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Quayle (2005) afirma que, nessa fase, com o aumento dos movimentos fetais,

a mãe direciona sua energia para a realidade externa e surgem receios de

situações concretas.

O parto normalmente é sentido pela mãe como o momento de grande tensão,

pois, além do medo da dor e das fantasias de morte, ele é visto como algo

irreversível, de que não se tem controle, o momento a partir do qual mãe e filho

irão se separar (MALDONADO, 1997).

Pode-se pensar, dessa forma, que todo o ciclo gravídico puerperal é

potencialmente traumático, pois, durante esse período, a mulher precisa lidar

com uma série de informações e mudanças, buscando novas formas de se

adaptar a elas.

De acordo com Iaconelli (2013), o que acontece no corpo da mulher nem

sempre encontra um correlato em seu psiquismo.

Quayle (1995) afirma que o ciclo gravídico puerperal aparece como uma das

crises normativas na vida da mulher, juntamente com a puberdade e a

menopausa. As crises normativas, ou crises vitais, são biologicamente

determinadas e envolvem uma série de mudanças físicas, corporais e

metabólicas que colocam a mulher diante de um desequilíbrio emocional

temporário, decorrente de todas as expectativas relacionadas à necessidade

de nova adaptação, à reorganização de papéis sociais e às mudanças de

identidade (MALDONADO apud QUAYLE, 1995).

A crise normativa da gestação não termina com o parto, mas se estende

durante o período do puerpério, enquanto a mulher assimila o papel de mãe e

as funções maternas (QUAYLE, 1995).

Nesse período do puerpério, algumas mulheres sofrem com a pressão social

diante do papel idealizado da boa mãe, segundo o qual a mulher deve ser

capaz de qualquer sacrifício pelos filhos, entre eles ser amável, tranquila,

pacificadora, equilibrada e acolhedora.

Ocorre, porém, que após o nascimento do bebê, muitas vezes a mulher

enfrenta sentimentos opostos, incompatíveis com a imagem da mãe perfeita

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criada culturalmente, o que origina uma série de conflitos entre o ideal e o

sofrimento psíquico vivido (real).

Ferrari et al. (2007) apontam que, ao nascer, o bebê real não corresponde em

sua totalidade ao imaginado pela mãe. A imagem que ela vê não corresponde,

ou corresponde apenas em parte, ao que ela sonhou, fazendo com que se

decepcione em relação ao seu poder, uma vez que, antes de nascer, o filho é

imaginado pela mãe como aquele que realizará tudo aquilo o que ela não pode.

Quando o bebê nasce, a mãe precisa manter em seu psiquismo algo do bebê

imaginário, que a guiará nos cuidados com o filho. No entanto, é preciso que

ela se reorganize, para poder identificar as necessidades e desejos do bebê

real. Além disso, em um primeiro momento, é necessário o estranhamento da

mãe em relação a esse bebê, pois é partir daí que ela estará pronta para

conhecer o filho real. Isso significa atentar para suas próprias características e,

assim, aceitar (ou não) o bebê real.

Se a imagem do bebê sonhado não é “quebrada”, a mulher permanece em

uma identificação narcísica com a criança e tem dificuldades em olhar para o

bebê real como outro (IACONELLI, 2013).

Teixeira e Moraes (2008) comentam que as diferenças entre o filho idealizado e

o filho real, fazem com que a mãe enfrente um trabalho de elaboração do luto

pelo bebê perdido, muitas vezes através de um movimento depressivo que lhe

permita entrar em contato com seu mundo interno na tentativa de se

reorganizar emocionalmente.

Caso isso não possa ocorrer por qualquer que seja a razão, a mãe se defronta

com uma angústia que a paralisa e a impede de investir em seu bebê e

desempenhar seu papel materno, já que não vê o bebê como seu. É

necessário, então, que ela viva a perda do filho idealizado, para que possa

adotar o filho real, em um lugar construído para ele, a partir do qual será

inserido no mundo social.

Essa experiência de estranheza e incerteza torna-se ainda mais evidente

quando a mãe se defronta com situações que rompem drasticamente com seus

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planos. Acontecimentos inesperados, que frustram as expectativas da mulher

durante uma fase de crise normativa, podem ser extremamente destrutivos.

Esses fenômenos se caracterizam como crises acidentais, ou, como afirma

Quayle (1995), “crises dentro da crise”, no período em que a mulher se

encontra bastante vulnerável.

Uma gestação de risco, um diagnóstico negativo para a mulher ou o bebê, a

necessidade de hospitalização prolongada e a ameaça de abortamento

espontâneo são alguns exemplos de crises acidentais nesse período.

O nascimento de um bebê prematuro e/ou a necessidade da internação deste

na UTI Neonatal também podem aparecer como “crises dentro da crise” e

aumentar a fragilidade materna. A mãe então se defronta com uma série de

reflexões sobre a vivência de sua gestação, e a ela torna-se necessário

elaborar a perda do filho imaginado para poder se relacionar com o filho real. O

filho que se apresenta e causa decepção, dificilmente pode ser sustentado no

lugar de filho, uma vez que a mãe não consegue se sustentar no lugar de mãe

desse filho.

A esse processo de elaboração associa-se uma série de processos

depressivos que poderão se desenvolver de uma maneira normal ou

patológica, como veremos mais adiante.

Sentimentos de amor e ódio aparecem lado a lado, marcando a ambivalência

da mãe em relação ao bebê e a situação em ela que se encontra. Winnicott

(1964) aponta que toda mãe odeia seu bebê inicialmente e em diversas vezes,

pois ele a machuca, ele traz riscos ao seu corpo e frustra suas expectativas,

razões pelas quais o ódio pode existir.

De acordo com Kaplan e Mason (apud OLIVEIRA, 2001), a reação da mãe

diante da internação do bebê, segue um processo de sentimento de perda e

fracasso por gerar uma criança que não está saudável. A capacidade de gerar

um bebê perfeito é frustrada e surgem questões relacionadas à impotência

materna, que parece refletir a “ferida narcísica” da mãe, onde existe o

sentimento de culpa pelo fato de a criança haver nascido “com defeito”.

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A mãe projeta na criança o adulto ideal, com potenciais para se desenvolver

plenamente, o que vai ao encontro de seu próprio narcisismo. A esse filho,

atribui apenas características positivas, deixando de lado tudo aquilo que possa

interferir na perfeição, esquecendo ou ocultando as deficiências. Teixeira e

Moraes (2008) apontam que se reconhecer no filho idealizado sustenta a ideia

de continuidade, e o filho sadio desejado confirma toda sua potencialidade.

Dessa forma, o nascimento de um bebê que precisa ser internado abala a

imagem narcísica da mãe, que vê naquele corpo doente a representação de

suas impossibilidades.

Além disso, a internação do bebê provoca intensa mobilização psíquica

materna e a mulher revive sua experiência gestacional buscando em si, e não

no filho, o sentido de suas frustrações. Essa “perda de controle” da situação

frustra seus desejos e impede que ela viva o exercício da maternidade nesse

momento.

Ao se deparar com essa frustração, a mãe vive um momento de estranheza,

pois não sabe lidar com essa situação, não se preparou para ela. Surgem

sentimentos de desespero, medo, raiva, tristeza, abandono e indecisão. Além

disso, a angústia de separação e morte da criança torna-se frequente, e a mãe

passa a sentir-se aterrorizada, com medo de que o filho lhe seja tirado a

qualquer momento.

Acontecem sucessivas perdas: da barriga, do filho idealizado, dos sonhos, da

convivência familiar e social, e a mãe vive um duplo abandono, pois já não tem

mais o filho na barriga e, muitas vezes, precisa deixá-lo no hospital, após sua

alta. À crise da gestação sobrepõe-se, frequentemente, a da doença.

O adoecer envolve diversos processos de investimento, desinvestimento,

motivações conscientes e inconscientes (TEIXEIRA e MORAES, 2008). Nesse

sentido, a patologia do bebê não tem seu início com o diagnóstico médico nem

com os primeiros sinais da doença. A mãe passa a olhar para o quadro e dar

sentido a ele quando consegue contextualizá-lo na história do filho e na própria

história.

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Todas as mudanças decorrentes do adoecimento e da hospitalização do bebê

são geradoras de angústias, pois, além da ansiedade vivenciada durante esse

período, muitas vezes ela ainda tem preocupações fora do ambiente hospitalar,

como outros filhos, trabalho, família e serviços domésticos.

Milanesi, Collet, Oliveira e Vieira (2006) comentam que à hospitalização do filho

a mãe reage com períodos de instabilidade emocional, apresentando

problemas emocionais decorrentes do ambiente em que ela se encontra e da

situação presente. Surgem sentimentos ambivalentes entre aquilo o que a mãe

sente e o que acha que seu filho precisa. A expectativa de não saber o que vai

acontecer a mantém em constante alerta, motivada por frequentes

preocupações.

Outro aspecto que se faz bastante presente no comportamento da mãe de uma

criança hospitalizada é o sentimento de impotência. Esse sentimento pode

aparecer quando a mãe se dá conta de que a permanência do filho no hospital

não depende dela, mas sim do estado clínico deste e da opinião da equipe

médica. Essa situação pode reforçar sentimentos de inadequação como mãe e

de culpa. Além disso, a mulher também se depara com uma série de

impossibilidades e limites, quando os cuidados de que o filho necessita são

desempenhados por profissionais de saúde, o que pode gerar nela fantasias de

perda de seu lugar na maternidade.

Em alguns casos, a mãe pode ter dificuldades de reconhecer o bebê como seu

e ter a sensação (quase delírio) de que ele ainda não nasceu e está em seu

útero.

Bowlby (apud OLIVEIRA e COLLET 1999) afirma que a presença e o

investimento materno são tão importantes para a saúde mental de uma criança

em desenvolvimento quanto as proteínas e vitaminas o são para a saúde física.

Klaus e Kennell (1989) relatam a importância da relação mãe/bebê. Segundo

os autores, esse processo é dividido em duas fases: a gestacional, que ocorre

durante a gravidez; e a neonatal (após o parto), quando o bebê pode ser

tocado, acariciado e cuidado. A internação do recém-nascido na UTI Neonatal

pode dificultar a segunda fase, pois ocorre uma descontinuidade da relação,

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uma vez que a mãe participa pouco dos cuidados oferecidos ao bebê e, muitas

vezes, sente receio de estar em contato com ele.

Os primeiros dias após o parto são extremamente sensíveis para favorecer o

relacionamento mãe/bebê, o que torna a presença da mãe na Unidade ainda

mais importante (KLAUS e KENNELL, 1989).

Segundo Gomes (apud CUNHA, 2000), a permanência da mãe na UTI

Neonatal e o convívio desta com seu filho podem ser algo doloroso e gerador

de conflitos, pois ela se sente responsável pelo bebê, porém despreparada

para lidar com a situação. Muitas vezes, não entra em contato com a realidade

que a cerca e tem dificuldades para assimilar os acontecimentos.

Kubler-Ross (apud CAMARGO, LA TORRE, OLIVEIRA e QUIRINO, 2004) fala

a respeito das etapas enfrentadas pela mãe frente à hospitalização do recém-

nascido e à elaboração da perda do bebê idealizado. Diante do luto, é

necessário que ela passe por cinco estágios: negação, raiva, negociação,

depressão e aceitação.

O autor afirma que, no primeiro (negação), a mãe tenta negar a condição do

filho, uma vez que não pode abandonar subitamente seus planos e se protege

até poder enfrentar a realidade. Assim, quando consegue olhar para a situação

do bebê, entra no estágio da raiva e surgem sentimentos como inveja e

amargura.

No estágio da negociação, é comum que a mãe se apegue a suas crenças,

motivada pela necessidade de ajudar o recém-nascido. Já durante o estágio da

depressão, a mãe expressa falta de esperança e fantasias de impotência,

tornando-se mais calada e introspectiva. Esse é um estágio de direcionamento

para a aceitação, quando reconhece o quadro do bebê e sente-se pronta para

lidar com ele (KUBLER-ROSS apud CAMARGO et al., 2004).

Ainda sobre as reações parentais no processo de luto pelo filho ideal perdido,

Quayle (1997) comenta que, em 1975, Drotar e colaboradores passaram a

estudar as reações dos pais diante do nascimento de uma criança com

malformação congênita e, a partir de entrevistas realizadas, observaram a

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existência de cinco estágios de reação parental: choque, negação, tristeza e

cólera, equilíbrio e reorganização.

O choque era a reação inicial frente à notícia, caracterizado por respostas de

desespero e desamparo. Em seguida, aparecia a negação, marcada pela

descrença diante do diagnóstico. Com a aceitação lenta e gradual, sentimentos

de tristeza e cólera eram observados, gerando intenso sofrimento psíquico.

Aos poucos, a intensidade desses sentimentos diminuía e os pais entravam em

um estágio de equilíbrio, que poderia durar meses até que, enfim,

conseguissem se reorganizar para acolher o filho real (QUAYLE, 1997).

Os estágios propostos por Kubler-Ross e Drotar e colaboradores são

semelhantes e cabe ressaltar que a partir de observações feitas pelos autores,

os pais podem passar por essas fases de maneiras diferentes, em uma

evolução que nem sempre ocorre de forma linear, podendo haver avanços e

retrocessos.

É importante frisar que, frente à hospitalização do bebê e por encontrar-se em

um período propício ao aparecimento de problemas emocionais, a mãe pode

apresentar estados depressivos, ansiosos e fóbicos, que provavelmente a

acompanharão durante a permanência do filho na UTI Neonatal.

A maneira como a mulher lida com todas as questões e mudanças envolvidas

no período da gestação irão influenciar fortemente a forma como se relaciona

com seu filho ao nascer.

O nascimento do bebê marca o fim da gestação e o início do puerpério. Soifer

(1986) descreve esse período como a discriminação entre o perdido (gestação,

filho ideal) e o adquirido (filho real), entre fantasias, devaneios e realidade.

Para a autora, esse processo de elaboração é gradativo, e a mãe pode

apresentar alternância entre comportamentos depressivos, persecutórios e de

negação diante da nova realidade que se impõe.

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3.Contribuições de Winnicott à Problemática da Maternidade

Winnicott (1958) comenta que, em relação às identificações maternas, no final

da gestação, a mãe associa seu filho a um objeto interno, e, não é incomum

que desvie o interesse de si própria para investir na criança. Essa situação dá

base para o aparecimento do que ele chama de “preocupação materna

primária”, a capacidade especial da mãe de fazer a coisa certa.

Segundo ele,

Ela sabe como o bebê pode estar se sentindo. Ninguém mais sabe. Os médicos e enfermeiras talvez saibam muito a respeito de psicologia, e certamente conhecem tudo sobre a saúde e a doença do corpo. Mas não sabem como o bebê está se sentindo a cada minuto, pois estão fora dessa área de experiência (WINNICOTT,1958/2005, p. 21).

A “área de experiência” corresponde ao vínculo existente entre a mãe e seu

filho. Nesse relacionamento, é preciso que se diferencie o que é da mãe e o

que começa a se desenvolver na criança, entendendo que essa identificação

existe de ambos os lado – da mãe com o filho e do filho com a mãe

(WINNICOTT, 1956).

Winnicott (1987) observa que, nesse estado, a mãe se torna capaz de se

colocar no lugar do bebê, desenvolvendo um processo de identificação que lhe

permite decifrar toda e qualquer necessidade do filho, de uma forma que

ninguém imita e que não pode ser ensinada.

No entanto, é possível que essa habilidade ocorra de maneira inadequada, ou

porque a mãe não é capaz de abandonar seus interesses próprios, ou porque

está sempre preocupada com o filho. Nesse caso, sua preocupação é

patológica.

Quando a preocupação materna primária ocorre de maneira saudável, a mãe

vai aos poucos se preocupando menos com o filho. Winnicott (1958) denomina

esse período de desmame. O autor comenta que, no caso da mãe que não

conseguiu investir no filho, o desmame não ocorre, pois nunca houve a fase em

que a mãe tinha o filho para si. A mãe com preocupação excessiva, no entanto,

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não consegue chegar a esse momento, ou então o faz bruscamente, sem

entender de fato as necessidades da criança.

Quando a mãe se apresenta como uma mãe suficientemente boa, ou seja,

capaz de satisfazer tão bem as necessidades do filho, que lhe permite viver

uma experiência de onipotência, a criança pode iniciar um processo de

desenvolvimento pessoal. A mãe apresenta os objetos de maneira que o filho

os crie. Ela satisfaz as necessidades deste, de modo que ele passa a

necessitar exatamente daquilo que ela lhe oferece. Assim, o filho se sente

confiante e capaz de criar objetos e o mundo como real; começa a se

conhecer, descobrindo suas possibilidades e limites, e pode então viver a

experiência pessoal (WINNICOTT, 1963).

Segundo o autor, quando a mãe não é suficientemente boa, a criança

desenvolve o que ele denomina falso self patológico, que permanece ocultando

seu verdadeiro self para se defender, evitando as invasões e agressões vindas

do mundo exterior.

Winnicott (1958) acredita que as necessidades da criança mudam à medida

que ela caminha da dependência para a independência. Para ele, a criança

parte de um estado de dependência absoluta em relação ao ambiente, que é

desconhecida para ela. Aos poucos, consegue mostrar quando necessita de

ajuda e recebê-la, conquistando certos graus de independência. No entanto,

essa independência é conquistada e perdida, reconquistada e novamente

perdida. À mãe cabe a tarefa de auxiliar o filho nesse caminho, até que ele

possa passar da dependência relativa para a independência propriamente dita.

No estado de dependência, o bebê precisa que a mãe identifique suas

necessidades e se adapte a elas, Existem, em primeiro lugar, as necessidades

do corpo. É preciso que a mãe (ou alguém que cumpra essa função) levante o

bebê, vire-o, aqueça-o, resfrie-o, entenda suas dores, cólicas, proteja-o de

diferentes tipos de perturbações. Em seguida, há a necessidade do contato

humano, de sentir o cheiro da mãe, de ouvir sons que tragam a sensação de

vivacidade, de perceber cores e movimentos no ambiente, para não ser

deixado a sós com suas angústias quando ainda não tem idade nem

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maturidade para assumir a responsabilidade pela própria vida (WINNICOTT,

1987).

O autor aponta que, com a experiência de ver sua dependência satisfeita, o

bebê se torna capaz de reagir às falhas e exigências que cedo ou tarde serão

impostas pela mãe e pelo ambiente. Para Winnicott (1987, p 73), nesse

caminho da dependência absoluta ao estado que denominou rumo à

independência, “uma criança ou adulto amadurecidos têm um tipo de

independência que se mescla, de uma forma feliz, a todos os tipos de

necessidade, e ao amor, o que se torna evidente quando a perda provoca um

estado de luto”.

Sobre a identificação do filho com a mãe, é necessário considerar que, nos

primeiros meses de vida, o ego da criança encontra-se totalmente misturado ao

da mãe. Não existe a diferenciação entre eu e não-eu (WINNICOTT, 1958).

Ao longo do processo rumo à independência, a criança, a partir do vínculo

materno, consegue atingir a integração, quando se torna capaz de se

diferenciar do outro, baseada em experiências emocionais e afetivas. A

integração está intimamente ligada à função de segurança da mãe (ambiente),

baseada na unidade, aonde primeiro vem o “eu”, para depois vir o “eu sou”. Ao

alcançar seu desenvolvimento psíquico, a criança pode então relacioná-lo ao

corpo. Ocorre, nesse momento, a delimitação de um self dentro do corpo,

quando psique e soma aprendem a conviver. Winnicott (1958) denomina essa

etapa de personalização, a partir da qual a criança pode apreciar a si mesma

no tempo e no espaço em que se encontra. Em outras palavras, a psique

habita o soma e o bebê passa a sentir-se, experimentando a junção mente-

corpo, percebendo-se como pertencente a esse corpo. O referido momento

ocorre a partir do toque materno, proporcionado pelo que o autor denominou

handling.

Dessa forma, as funções da mãe suficientemente boa, segundo o autor, seriam

holding, handling e apresentação de objetos.

O holding corresponde à capacidade da mãe de se identificar com o filho,

proporcionando um ambiente compatível com as suas necessidades e

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protegido das agressões fisiológicas. É a sustentação, o acolhimento que

aquela oferece à criança e acontece durante o período da dependência

absoluta (ABRAM, 2000).

Já o handling é definido como o manejo, a manipulação da criança, que facilita

sua formação psicossomática. Abram (2000) aponta que esse manejo é o

ambiente de holding, a retenção do bebê no psiquismo da mãe, associada a

alimentá-lo, banhá-lo e vesti-lo. O manejo ativo e adaptativo suficientemente

bom dá base para a integração psicossomática (WINNICOTT,1963).

Na apresentação de objetos, a mãe, a partir da preocupação materna

primária, entrega ao bebê aquilo que ele deseja no momento em que tem

uma necessidade, dando a ele a sensação de ter criado o objeto, o que

reforça sua onipotência. Além disso, é através do uso do objeto que o bebê

pode dar início às relações interpessoais, diferenciando objeto subjetivo

(fantasia) de objeto objetivo (realidade), discriminando paulatinamente

mundo interno e mundo externo (ABRAM, 2000).

Moraes (2005) afirma que a mãe suficientemente boa também deve ser capaz

de auxiliar o bebê na integração da mãe-ambiente e da mãe-objeto a partir da

ambivalência. Segundo a autora, Winnicott descreve a mãe-ambiente como

aquela que dá holding e afeto, que compreende e satisfaz necessidades e é

amada pelo bebê tranquilo. Já a mãe-objeto aparece no momento em que o

bebê excitado começa a ter experiências instintivas. Ela precisa sobreviver aos

impulsos agressivos do filho, que a ataca e a destrói, em sua fantasia. A mãe-

objeto deve estar presente para que o bebê tenha um tempo disponível para

elaborar o que acontece em seu mundo interno e aprenda a lidar com as

consequências desta experiência, na tentativa de encontrar uma atitude de

reparação.

Ao longo do processo de identificação materna, a criança, não organizada

inicialmente, vai se organizando na relação com a mãe, e nessa parceria é

capaz de se constituir enquanto sujeito, diferenciando-se da mãe a partir de

suas próprias experiências emocionais e afetivas.

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4.Distúrbios Emocionais e o Ciclo Gravídico Puerperal

O desenvolvimento da função e do papel materno pode ficar comprometido em

virtude da ocorrência de distúrbios emocionais durante o ciclo gravídico

puerperal.

Muitos desses transtornos se associam a sintomas depressivos, sendo, então,

importante descrevê-los brevemente para que se possa, posteriormente,

discriminar raízes saudáveis (e suas manifestações) de patológicas.

Szejer e Stewart (1997) indicam que a depressão está entre os principais

distúrbios emocionais do ciclo gravídico puerperal, junto ao baby blues

(melancolia da maternidade) e a psicose puerperal.

A Psicose Puerperal é um transtorno psíquico grave, cujo tratamento, muitas

vezes, requer internação. Acomete cerca de 0,2% das mulheres e nesses

casos é importante que a família seja alertada, pois existe risco de vida para a

mãe e o bebê. A mulher em surto perde o senso da realidade, tem delírios,

fantasias persecutórias, medos e não reconhece o bebê como tal (não é

recomendável a amamentação).

A Depressão Pós Parto (DPP) é um quadro clínico severo e agudo que

acomete cerca de 10 a 20% das mulheres e pode aparecer entre a primeira

semana após o parto e durar até dois anos. Surgem sintomas, como:

irritabilidade, tristeza profunda, mudanças bruscas de humor, desinteresse pelo

bebê, sentimentos de impotência e incapacidade e falta de disposição no

cotidiano. Pode, também, haver pensamentos suicidas e mesmo homicidas em

relação ao bebê (IACONELLI, 2005).

O baby blues (também conhecido como tristeza materna ou melancolia da

maternidade) acomete 80% das mulheres ou mais. Algumas mulheres sentem

dificuldades em assumir seus sentimentos negativos em um momento

considerado de extrema felicidade; por esse motivo, o número de casos pode

ser maior do que as estimativas.

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É um estado de humor depressivo, com tristeza, irritabilidade, insegurança,

baixa autoestima e sentimentos de incapacidade, que geralmente aparece na

primeira semana depois do parto, como um estado reativo à nova situação

vivida. Iaconelli (2005) acredita que o quadro emocional é coerente com a difícil

tarefa de elaboração psíquica existente nessa fase da vida.

A mulher sente que perdeu o lugar de filha sem que ainda tenha segurança

para assumir o lugar de mãe. Seu corpo é irreconhecível – não está mais

grávida nem voltou à forma original. O bebê aparece entre a mulher e o marido

como um terceiro, que precisa ser inserido na relação existente entre eles, sem

que comprometa questões referentes à sexualidade do casal (IACONELLI,

2005).

Ainda de acordo com a autora, esse quadro é benigno e regride à medida que

a mulher passa a elaborar as questões emocionais impostas pela gestação e o

nascimento do bebê.

O que difere Melancolia da Maternidade e Depressão Pós-Parto é a

intensidade com que os sintomas se manifestam (maior no segundo quadro) e

o quanto interferem na vida da mulher, incapacitando-a e colocando em perigo

sua vida e a de seu bebê.

Não obstante, é importante lembrar que reações depressivas são normais e

saudáveis em situações de perda e luto, tal como a perda do bebê ideal, a

prematuridade e internação do bebê recém-nascido. 

A necessidade de internação do bebê na UTI Neonatal, coloca a mãe frente a

uma série de reflexões sobre seu período gestacional, quando repensa seu

passado e busca nele algum comportamento seu que possa ser responsável

pela hospitalização da criança. O evento traz consigo um sentimento de falha

em relação à maternidade, que pode determinar a forma como a mãe se vê no

papel materno.

A constatação da "falha" pode provocar uma série de angústias na mulher,

pois, associada a esta, vem a fantasia de que, se não pode gerar um filho

saudável, perfeito, consequentemente não será uma boa mãe.

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Surgem, também, sentimentos ambivalentes em relação ao bebê que não

nasceu da forma esperada, o que exige da mãe adaptação frente à nova

realidade que se impõe. O filho “imperfeito” e doente é “odiado” e a mãe

(conscientemente ou não) tem raiva da situação.

Na visão winnicottiana, para conseguir lidar com os sentimentos negativos

existentes diante da internação do bebê e com os próprios impulsos

agressivos, para poder então sentir culpa e empenhar-se na tentativa de

elaborar o luto pela perda do bebê imaginário, é necessário que a mãe (quando

bebê, na relação com a própria mãe) tenha passado pelo que Winnicott (1955)

chamou de estágio do concern (estágio do concernimento1), tendo se

apropriado de sua agressividade de maneira positiva.

Segundo o autor, o concernimento é o fenômeno que coloca o bebê (a pessoa)

diante da culpa, em posição de responsabilidade e consideração pelo outro,

devido a seus impulsos destrutivos.

Moraes (2005) aponta que a consolidação desse estágio se caracteriza como a

conquista do amadurecimento emocional. É alcançado quando o bebê

finalmente pode integrar a mãe-ambiente e a mãe-objeto a partir da

ambivalência.

A integração dessas duas mães ocorre quando o bebê percebe que a mãe-

ambiente esteve presente na experiência instintiva e sobreviveu. A ideia de que

existe destruição mesmo no amor traz o sentimento de culpa, relacionado ao

estrago que imagina ter causado na mãe.

Quando a mãe suporta a agressividade do bebê sem retaliações, ela permite

que, a partir da culpa, ele possa imaginar um modo criativo de restituir e

reparar o dano que causou, visando neutralizar suas preocupações. Essa

fantasia de destruição, seguida de reparação constitui o que Winnicott

denomina ciclo benigno, e é a sua experiência, ao longo do tempo, que permite

que o bebê se aproprie dos impulsos agressivo-destrutivos, ao perceber,

gradativamente, que aquilo que destrói pode ser reparado, o que diminui seu

sentimento de culpa.                                                             1 Neologismo proposto pelo Profª Drª Elsa Oliveira Dias como tradução para o conceito winnicottiano stage of concern. 

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Dessa forma, o bebê deixa de ser incompadecido, passa a ter concernimento

na relação com o outro e se importar com as consequências de suas

experiências instintivas (MORAES, 2005).

A conquista do concernimento traz consciência ao bebê de que tem intenções

que podem afetar o outro e por isso deve assumir a responsabilidade por elas.

Quando essa conquista se consolida, ele adquire capacidade para deprimir.

Winnicott (1984) relaciona a capacidade para deprimir com o amadurecimento,

a partir da ideia de que para deprimir é preciso ser amadurecido. Sendo assim,

em sua teoria sobre a depressão defende que esta, por mais intolerável que

seja, deve ser respeitada como sinal de saúde, pois indica integração do

indivíduo.

O indivíduo que atinge o concernimento sente culpa e, então, deprime, ou seja,

entra em um estado de recolhimento sempre que precisa de um tempo para

resolver as questões conflitantes entre elementos bons e maus em seu mundo

interno.

Esse distanciamento das questões externas permite que a pessoa acomode

sua agressividade para suportar os impulsos agressivos e a culpa resultante

desse processo (MORAES, 2005).

No entanto, ainda que caracterize a depressão como um fenômeno universal,

Winnicott (1984) aponta que ela faz parte da psicopatologia, uma vez que pode

ser severa e muitas vezes incapacitante, quando for sobrecarregada por

elementos de imaturidade decorrentes de um amadurecimento tardio ou

inadequado.

Assim que atinge o concernimento, o bebê precisa que a mãe sustente essa

conquista por um período de tempo indeterminado, estabelecendo, assim, um

ciclo benigno, que dará ao bebê a capacidade para a ambivalência. Esta,

porém, é uma fase que pode ser extensa, o que facilita o aparecimento de

falhas ambientais.

Se o ciclo benigno é quebrado ou não se estabelece, o indivíduo desenvolve

um sentimento de culpa insuportável, que o leva a reprimir os instintos

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agressivos/destrutivos. Essa repressão produz um tônus desvitalizante, de teor

depressivo, que impede o contato do indivíduo com os impulsos reprimidos,

que podem, de vez em quando, eclodir e causar medo de contato com o

mundo interno. Entretanto, caso o ciclo benigno seja estabelecido, surgirá uma

experiência de integração e fortalecimento do eu, onde a capacidade para

deprimir permitirá que a pessoa tolere seu mundo interno, por haver se

apropriado dos impulsos agressivo-destrutivos, sem temê-los, em demasia, ou

se sentir culpado de forma insuportável (WINNICOTT,1984).

Dessa forma, o autor aponta que os problemas relacionados à depressão

dizem respeito aos conflitos no mundo interno, voltados à aceitação ou não dos

impulsos agressivos.

A depressão constitui um fenômeno que pode apresentar manifestações quase

normais ou quase psicóticas. A distinção entre os tipos de depressão ocorre a

partir do conhecimento da capacidade do indivíduo para suportar o peso das

responsabilidades e do sentimento de culpa sem utilizar, a todo instante,

defesas antidepressivas. Winnicott (1984) apresenta, então, a depressão

reativa e a depressão psicótica.

Na depressão reativa aparecem os estados depressivos que são

experienciados pelos indivíduos que alcançaram o concernimento e são

capazes de admitir e aceitar a agressividade como algo de seu mundo interno.

Pode ser simples ou patológica.

A depressão reativa simples surge quando o indivíduo sente culpa, preocupa-

se com as consequências de seus impulsos agressivos ou arrepende-se delas.

Indica, pois, que ele é capaz de suportar tudo aquilo o que existe em sua

realidade interna. Geralmente se caracteriza por um retraimento passageiro e,

por isso, será suspenso de forma gradativa e espontânea, sem necessidade de

um modo específico de tratamento.

É importante, porém, que o estado de retraimento seja respeitado para que a

pessoa tenha tempo de organizar seus conflitos internos. Winnicott (1964)

comenta que algumas pessoas adoecem fisicamente para que tenham

permissão de ficar emocionalmente retraídas.

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Caso o tempo da depressão seja quebrado de alguma forma por um terceiro

que distancie o indivíduo de sua participação nesse processo, a elaboração

que ocorre é superficial e não promove amadurecimento.

A depressão reativa patológica aparece como reação a uma perda. Existe, aí, a

incapacidade de lidar com esta. Surgem problemas tardios relacionados ao

estágio do concernimento, e a pessoa tende a encontrar alívio para os conflitos

no mundo externo, por meio de mecanismos, como a projeção e a repressão.

Moraes (2005) aponta que, por esse motivo, Winnicott via muita semelhança

entre a depressão reativa patológica e a neurose, o que justifica o uso de

interpretações em alguns momentos do tratamento.

A autora ainda comenta que esse tipo de depressão se caracteriza por uma

impossibilidade de elaborar o luto e indica a existência de falhas ambientais ao

longo do estágio do concernimento. O luto seria a forma madura de reagir a

uma perda, possível apenas após a conquista do concernimento.

Na depressão psicótica, são característicos estados depressivos relacionados

a uma perda onde nem o luto nem a depressão reativa patológica são

possíveis (devido à imaturidade do indivíduo).

Moraes (2005) afirma que, nesse tipo de depressão, ocorre uma alternância

entre os estados depressivos, que podem ir de uma manifestação neurótica até

uma doença psicótica, pois existem falhas ambientais relacionadas à

estruturação da personalidade ou ao rompimento da integração pela quebra do

ciclo benigno.

A depressão psicótica caracteriza-se por um estado de humor alterado, uma

vez que a agressividade e a ambivalência nos relacionamentos geram dúvidas

e fuga do mundo interno, já que o contato com a agressividade-destrutividade

pode gerar um sentimento de culpa insuportável, ou mesmo um sentimento de

ameaça ao próprio self. Dessa forma, é um distúrbio afetivo que necessita de

atendimento especializado.

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5.B. e seu Bebê

B., como será chamada a participante do estudo, tem 27 anos, é casada e

primigesta. Ela teve um bebê com 25 semanas de gestação (prematuro

extremo), pesando 500 gramas, e o acompanhou durante cerca de quatro

meses de internação na UTI Neonatal.

No entanto, B. já estava internada no hospital havia um mês, com o diagnóstico

de Incompetência Istmo Cervical2, diagnóstico esse que frequentemente leva a

partos prematuros ou abortamentos espontâneos.

Durante a gestação, os atendimentos ocorreram no quarto da paciente, duas

vezes na semana, com duração indeterminada, já que no hospital, muitas

vezes, era necessário prolongar ou diminuir o tempo das sessões, em virtude

de exames ou outros procedimentos médicos.

Após o nascimento do bebê, meus encontros com a mãe aconteceram sempre

na UTI Neonatal, ao lado da incubadora do filho. Não existiam dias nem

horários pré-definidos. As sessões se davam à medida que eu ou a paciente

achava necessário.

O atendimento psicológico, solicitado pela equipe médica, teve início logo após

a internação da paciente, pois esta se apresentava chorosa, com sintomas de

ansiedade. B. estava com 20 semanas de gestação e a médica informou que

ela permaneceria no hospital até o bebê nascer.

No primeiro atendimento, ela estava acompanhada da mãe, M. Esta tem 47

anos e 3 filhos: B. e seu irmão mais velho, do primeiro casamento, e um irmão

menor (com 10 anos), do segundo casamento.

A paciente comentou que estava ansiosa, pois era “muito ativa” e, naquele

momento, encontrava-se impedida de realizar qualquer atividade. Estava de

repouso absoluto, restrita ao leito, pois, segundo ela, apresentara sangramento

e seu colo do útero encontrava-se “fino demais”.

                                                            2 Problema no canal cervical que perde a capacidade (ou não a tem) de suportar o peso da gravidez sem se dilatar (BARINI et al, 2000). 

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B. não pode realizar o procedimento da cerclagem3, pois o mesmo poderia

romper sua bolsa e ela poderia entrar em trabalho de parto.

B. estava casada com F. havia seis anos. Morava com o marido e a sogra e

descreveu a relação com eles como “maravilhosa”. Contou-me que sempre

quisera ter filhos, mas, quando começou a tentar, teve dificuldades e procurou

ajuda médica. Fez diversos exames e o médico informou que ela não poderia

engravidar por ter um útero com dimensões menores que o esperado. Nessa

consulta, a paciente já estava grávida e não sabia – sempre apresentou ciclos

menstruais irregulares e achava que sua menstruação se atrasara.

Procurou outro médico para ter uma segunda opinião e na mesma época fez

um teste de farmácia, “só pra descartar a possibilidade de estar grávida” (sic).

Quando viu o resultado positivo, B. contou que ficou “extremamente feliz e com

muito medo”, pois não queria se decepcionar e também porque estava

preocupada com ela mesma, uma vez que não acreditava ser capaz de gerar

um bebê.

O segundo médico confirmou a gestação de cinco semanas e solicitou uma

ultrassonografia, para ver como o bebê estava. No exame, observou-se que o

útero da paciente apresentava “dimensões normais”.

Com nove semanas de gestação, B. teve o primeiro sangramento e foi ao

médico. Este verificou que o sangue estava fora da placenta e o bebê não

corria qualquer risco. Após esse episódio, a paciente continuou tendo

pequenas perdas sanguíneas até que, com 20 semanas, ocorreu um

sangramento intenso, com a presença de coágulos.

A paciente procurou o hospital, onde se constatou um colo do útero curto

(incompetência istmo cervical – IIC) e a necessidade de internação imediata.

Novamente, o sangramento era fora da placenta, o que não prejudicaria o

bebê. Segundo B., o médico disse que aquilo poderia ter “um fundo

emocional”.

                                                            3 Cerclagem corresponde a uma sutura em bolsa como maneira de manter o colo do útero fechado, impossibilitando

anatomicamente sua dilatação antes do final da gravidez, evitando, assim, a prematuridade (MATTAR, 2006).

 

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Nesse primeiro atendimento, B. e sua mãe demonstraram bom relacionamento,

com cumplicidade e parceria. A mãe da paciente se apresentava muito calma e

serena, permitindo que a filha se expressasse, sem invadir a sua fala.

B. comentou que a mãe havia ficado com ela durante a semana, e o marido,

nos finais de semana, pois moravam numa cidade, e ele trabalhava em outra.

Disse que não gostava de ficar sozinha no hospital, pois se sentia “deprimida”.

Em outro atendimento, a paciente comentou que se sentia “sufocada” com o

marido a acompanhando, pois, devido à sua preocupação com o bebê, ele

tornara-se superprotetor em relação a ela (e indiretamente ao bebê),

impedindo-a de fazer até mesmo pequenas coisas: “não posso nem me virar na

cama”.

Quando encontrei B. com o marido (F), ele demonstrou estar preocupado com

a esposa e o filho. Tentou ser bastante participativo, no que diz respeito aos

cuidados com a paciente. Como a gestação evoluía satisfatoriamente, ele

apresentou-se menos ansioso – B. saiu da cama, caminhou pelo quarto e

sentou-se no sofá.

F. falou do medo que sentiu quando a esposa precisou ser internada e disse

que se colocou ao lado dela naquela situação para apoiá-la no que fosse

preciso: “perguntei até onde ela iria para ter nosso filho, até onde ela suportaria

(...) a partir do momento em que ela me disse que aguentaria qualquer coisa,

pois aquele era seu maior sonho, independente da dor, do período de

internação, de um nascimento prematuro e da realidade de uma UTI neonatal,

me coloquei junto dela e vamos passar pelas dificuldades e alegrias juntos”.

Na semana seguinte, B. disse estar chateada e haver chorado ao ver o marido

arrumar as coisas para ir embora. Contou que tinha “a maior motivação do

mundo” para estar no hospital, mas que se sentia “presa, impotente e

dependente” e não gostava dessa sensação.

Ela comentou que durante o tempo em que o marido estivera com ela no

hospital, ele falou sobre a casa que estavam reformando e o trabalho que tal

reforma dava. A paciente disse, então, que se sentiu culpada por não poder

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dividir o trabalho com ele e que sugeriu que ele fosse embora mais cedo

naquele dia, para poder descansar.

Como sua internação foi repentina, a paciente disse que não tivera tempo para

organizar suas coisas em casa e no trabalho – ela era vendedora em uma loja.

Quando a mãe de B. chegou, a paciente disse se sentir culpada por fazê-la

ficar longe do filho menor e chorou ao falar do irmão. M. acalmou a filha,

dizendo que estava tudo bem, pois acompanhava o filho pelo telefone e ficava

com ele nos finais de semana. Disse, ainda, que assim como B. fazia tudo pelo

filho que ainda nem nascera, ela também fazia o que podia pelos filhos, e

naquele momento estar ali com a paciente era importante para ela.

Observei que M. se apresentou muito tranquila, segura do que falava e com

extrema clareza.

Em outro atendimento, encontrei a paciente sozinha. Ela contou que o marido

estava no trabalho, e a mãe fora para casa, pois o irmão menor tivera um

problema na escola – ele havia apanhado da professora.

B. mostrou-se extremamente nervosa com o ocorrido e disse que ela e os

irmãos nunca haviam apanhado da mãe, que sempre fora “carinhosa demais,

atenciosa (...) a mãe acordava a gente cantando”, apesar de todas as

dificuldades pelas quais já haviam passado.

Pedi a ela que me falasse sobre sua infância e a paciente contou que seu pai

era alcoólatra e violento com sua mãe. Quando B. tinha 6 anos, M. resolveu se

separar e foi criticada por toda a família (exceto seu pai), que nunca a acolheu

com os filhos.

M. se casou com 16 anos, com o rapaz que sua mãe (avó de B.) escolheu – “a

mãe casou sem amor. Disse que a avó também se casara cedo, com 14 anos,

e tivera nove filhos.

A paciente descreveu a avó como uma pessoa “muito difícil, ruim, egoísta” e

disse que seu avô era o oposto: “a pessoa mais maravilhosa do mundo, muito

bondoso”. Falou que ele sempre fora carinhoso com os filhos e os netos e que

todos iam à casa dos avós apenas para vê-lo. Há oito anos, ele faleceu e B.

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comentou que, após isso, quase ninguém mais ia lá, só sua mãe, pois era ela

quem cuidava da avó.

Disse que, durante algum tempo, sentiu raiva e rancor da avó, mas que já

superou esses sentimentos ruins. B. contou que sua avó não acolheu a filha e

os netos quando M. se separou, mesmo tendo propriedades para alugar: “a

gente foi morar na garagem dela, junto com os ratos”. Falou que sua mãe

herdou o jeito do avô e aprendeu com ele a ser generosa.

B. comentou que tinha sorte pelo fato de a mãe estar por perto e que foi difícil

aceitar quando ela decidiu se casar novamente. No entanto, contou que ver a

mãe feliz e “com uma pessoa legal” a deixou mais tranquila. Saber que a mãe

tinha outra pessoa e o nascimento do irmão mais novo permitiram que a

paciente amadurecesse.

Em relação ao pai, B. falou que passou muito tempo sem ter contato com ele,

mas nos últimos anos ele demonstrou estar arrependido do passado e quis

retomar o relacionamento com os filhos. Ela disse que ainda sentia mágoa,

mas que estava tentando dar uma nova chance ao pai, “o que nem sempre é

fácil”. Chorou durante o atendimento e foi até o banheiro lavar o rosto.

A paciente falou que, quando se sentia triste, nervosa ou com raiva, precisava

chorar e preferia ficar sozinha.

Na 22ª. semana de gestação de B., fui informada pelos médicos que ela

evoluía clinicamente bem e que seu colo do útero, apesar de fino, se mantinha

preservado, permitindo ao bebê se desenvolver. Relataram que a paciente era

bastante aderente ao tratamento e seguia corretamente as recomendações da

equipe, que esperava pela 24ª. semana da gravidez para iniciar um tratamento

com injeções de corticoide, a fim de fortalecer o pulmão do bebê. Com essa

idade gestacional, as chances de sobrevida do bebê aumentavam.

Em outro atendimento, encontrei a paciente novamente sozinha. Ela

apresentou-se calma e falou que a mãe e o marido haviam levado algumas

coisas de casa (notebook, DVD, crochê e livros) para ajudar a passar o tempo.

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B. contou que a mãe estava cuidando de sua avó e falou novamente sobre o

jeito carinhoso de M.: “ela é tão calma, não guarda mágoa, nem depois de

sofrer tudo o que sofreu na vida”.

A paciente disse, ainda, que sua mãe era seu “ponto fraco”, pois não gostava

de vê-la triste. Falou sobre uma briga que tiveram, quando B. ficou nervosa por

estar no hospital. Disse que M. permaneceu muito calma e que, quando ela foi

embora, a paciente telefonou para se desculpar: “a mãe me atendeu super bem

e disse que não estava brava, que eu podia ficar tranquila (...) ela nunca brigou

com a gente (B. e seus irmãos), sempre conversou muito, aconselhou, mas

nunca batia ou ficava nervosa” (sic).

Perguntei se aquilo era coisa de mãe: “acho que é, né? Olha eu aqui, sofrendo

um monte por causa do meu filho, mas nem ligo (...) tudo pra ele nascer

fortinho, gordinho e saudável (...) tô até presa! Não sei como tem gente que faz

coisas ruins, se soubesses como é horrível ficar preso! E olha que eu tô num

lugar muito bom e tenho o melhor motivo do mundo” (sic).

Ao completar 25 semanas de gestação, fui informada pelos médicos que B.

havia começado a sentir contrações e por esse motivo a equipe iniciara o

planejamento para o parto nas horas seguintes. Encontrei a paciente sozinha e

um pouco agitada. Ela disse que havia discutido com o marido no dia anterior,

pois sua mãe precisou ir resolver assuntos pessoais em casa e ele queria que

a sogra de B. viesse para o hospital ficar com ela. No entanto, a paciente disse

que preferia ficar sozinha, pois, com a proximidade do parto, estava mais

ansiosa e queria pensar, descansar e se “preparar para a próxima etapa”. Ela

disse que o parto estava programado para aquele mesmo dia e que sua família

viria mais tarde para estar com ela.

B. contou que nos últimos dias passara a pensar mais no filho, nas coisas que

ainda não havia comprado para ele, pois antes tinha “medo de que as coisas

não dessem certo”. Ela falou que foi difícil segurar a ansiedade e “não sair

comprando todas as roupinhas que pudesse”, mas que preferiu esperar e se

“concentrar no que era realmente importante”, sua saúde e seu bebê.

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Quando voltei para atendê-la no dia seguinte, o parto já havia sido feito e o

bebê se encontrava na UTI Neonatal. A paciente contou que se sentia bem e

com a sensação de ter “feito tudo o que podia”. Disse que fora submetida a

uma cesárea, pois, mesmo com dilatação total, não pôde fazer o parto normal,

já que o bebê não se encaixara na posição que deveria. B. falou que sentiu

muito medo e que na hora não conseguiu nem chorar, uma vez que estava

“muito aflita”.

Ela contou, ainda, que, enquanto permaneceu na sala de Recuperação Pós

Anestésica, a enfermeira que a estava acompanhando se disse surpresa por

ver que ela não reclamava de dor, como acontecia com a maioria das

pacientes. B. disse que, naquela hora, não sentia nada, estava concentrada,

relembrando os últimos acontecimentos e “deixando a ficha cair”.

Quando perguntei sobre o bebê, ela comentou que se sentiu muito bem por

poder andar até a UTI Neonatal. Contou que o filho era “muito pequeno,

diferente do que imaginava (...) mas é lindo”.

A. pesou 500 gramas ao nascer. Dentro da incubadora totalmente vaporizada

para manter seu corpo úmido e aquecido, estava entubado, com um cateter

umbilical, acesso para soro e medicações no pé, oxímetro de pulso para

monitorar batimentos cardíacos e oxigenação.

B. disse que, ao vê-lo, sentiu uma mistura intensa de “felicidade, orgulho,

medo, prazer e preocupação”. Falou que viu seu maior sonho realizado, mas

ainda tinha receio de que a qualquer momento ele lhe fosse tirado. A paciente

contou que não queria tocar no filho na primeira visita e que preferiu ficar pouco

tempo na Unidade, pois sentia tontura e “ainda precisava se acostumar com

tudo aquilo”.

Ela foi para o quarto e solicitou à mãe e ao marido que comunicassem os

parentes e amigos sobre o nascimento de A., mas pediu que as pessoas não

fossem visitá-la, pois ela passaria grande parte do tempo na UTI Neonatal e

preferia receber as visitas quando já estivesse em casa.

No dia em que B. recebeu alta hospitalar, encontrei-a chorosa e pouco

comunicativa. Ela falou que sempre imaginara sair da maternidade com seu

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bebê no colo e que sabia que ainda levaria algum tempo até que aquilo

acontecesse. A paciente disse se sentir triste e pedi, então, que ela me

explicasse aquele: “é uma vontade muito grande de ficar sozinha, sabe? De

ficar quietinha, comigo mesma, pensando, sem ter que me preocupar com o

que vou falar, se os outros vão entender ou o que vão pensar (..) Depois de um

tempo me sinto melhor”.

B. falou também que evitava pensar em coisas ruins, mas que ainda sentia

medo pelo filho, “muito pequeno e frágil”. Disse que naquele dia iria cedo para

casa, pois precisava descansar e se recuperar da cirurgia, mas que nos

próximos dias passaria a maior parte do tempo ao lado de A., aprendendo as

necessidades do filho.

Em outro atendimento, encontrei B. já na UTI Neonatal acariciando o filho,

dentro da incubadora. Ela falou que estava “surpresa” consigo, pois estava

conseguindo “suportar bem a situação”. Ela contou que, quando estava com o

bebê, sentia-se muito calma e feliz. No entanto, disse que, se estava em casa e

longe de A., sentia-se irritada, ansiosa, preocupada. A paciente falou que,

naqueles momentos, costumava ir arrumar as coisas do filho: “comprei

algumas coisinhas pra e ele e começamos a montar o quarto, então estou

decorando e lavando as roupinhas (...) me ajuda a passar o tempo e parece

que assim cuido um pouco dele” (sic).

Passadas duas semanas do nascimento do bebê, B. já se sentia mais à

vontade no ambiente da UTI Neonatal e no papel materno. Observei que ela já

conseguia tirar suas dúvidas com a equipe de saúde, interagia com o filho, era

capaz de perceber quando ele estava mais agitado e em qual posição preferia

ficar.

Nos dias que se seguiram, A. apresentou alguns hematomas na pele,

decorrentes das intervenções necessárias aos seus cuidados, e B. comentou

ter ficado chateada. Disse que o filho vinha apresentando bons resultados e

que ficou triste por ver que ele estava tendo dificuldades em relação à

regeneração da pele. Durante o atendimento psicológico, ao lado da

incubadora, ela se mostrou incomodada e perguntou ao bebê “por que o

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remédio não fez efeito?”. Ela encerrou o atendimento, justificando que estava

na hora de tirar leite e que precisava descansar um pouco.

Na semana seguinte, quando A. completava um mês de vida, um outro bebê

internado na Unidade (também prematuro, de 24 semanas de gestação) foi a

óbito e a notícia se espalhou entre as mães que estavam por lá. Encontrei B.

agitada. Ela disse estar emocionada e “muito mexida” com aquela situação. Ela

decidiu sair da UTI Neonatal para “respirar” e passou a maior parte da manhã

sem retornar.

Quando a encontrei novamente, já ao lado do filho, ela contou que ia rezar pela

família do bebê que falecera, mas que pensou e percebeu que precisava estar

“focada no A.” para não deixar que as histórias que presenciava com as outras

mães a afetassem. Disse que era “impossível não se sensibilizar diante da

morte de um bebê e do sofrimento da mãe, mas preciso separar o que

acontece com elas e o que acontece comigo e meu bebê (...) se eu não fizer

isso não consigo ficar aqui, fico louca”.

Em outro atendimento, B. contou que o filho havia tido três apneias4 no dia

anterior, uma enquanto ela estava com ele. A paciente disse que o bebê ficara

“todo roxo, sem ar” e que ela sentiu muito medo. Falou que aquele tipo de

situação a deixara “acabada” e que, quando foi embora, sentia-se “cansada e

com dor no corpo” (sic).

Ao chegar a casa, comentou que não tinha vontade de conversar com

ninguém, mas entendia a preocupação da família e o desejo por notícias, por

isso passava todas as informações para o marido e pedia que ele as

repassasse aos familiares. Novamente B. disse ocupar seu tempo e

“espairecer”, organizando as coisas do filho.

Nesse mesmo período, o bebê teve uma infecção que os médicos demoraram

a diagnosticar, pois não conseguiam descobrir qual bactéria A. pegara. A

paciente se mostrou bastante agitada e falou que a quantidade de seu leite

                                                            4 As apneias acontecem quando exista a interrupção do fluxo de ar nas vias respiratórias por um período igual ou superior a 20 segundos, ou por período de menor duração, se acompanhado de diminuição dos batimentos cardíacos, palidez ou cianose. Ocorre em 84% dos bebês prematuros com peso inferior a um quilo (LESSA; MARGOTTO, 2002).  

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havia diminuído, devido às preocupações com o bebê. Ela contou que se sentia

culpada e chateada, pois o leite era uma das “únicas formas de ajudar o A.”.

Por isso, resolveu conversar com a equipe do Banco de Leite do hospital, que a

aconselhou a beber mais líquido, incluindo “um tipo de chá, o chá da mamãe”.

B. disse que nunca gostou de chá, mas que fazia “o que puder para ajudar”.

Ela se disse muito cansada com a rotina do hospital e “emocionalmente

desgastada por causa das várias notícias ruins”.

A paciente disse estar “menos comunicativa” durante aquela semana e relatou

não conseguir ficar na companhia das outras mães na sala que o hospital

reservara para elas: “fico feliz de verdade ao saber que os outros bebês estão

indo bem e muitos já estão até indo para casa, mas como o A. está em uma

fase mais complicada, prefiro ficar sozinha, no meu canto (...) não tenho

vontade de ficar falando o tempo todo sobre como ele está, se piorou, se

melhorou (...) naquela sala não existe outro assunto, só UTI, apneia, peso,

quantos mls de leite cada uma tirou (...) parece uma competição, cansa um

pouco”.

Alguns dias depois, encontrei B. aparentemente mais animada. Ela disse que o

bebê havia melhorado e que por esse motivo estava “chegando mais tarde nos

fins de semana, para descansar”. A paciente aproveitou para comentar que seu

irmão mais novo estava com dificuldades na escola, tirava notas baixas e não

se relacionava com os amigos. B. falou que sua mãe evitava contar sobre os

“problemas da família” para não deixá-la preocupada, e ela se disse bastante

incomodada com tal situação: “eles são minha família, eu também quero

participar (...) não é porque virei mãe que deixei de ser irmã ou filha”.

Ainda nesse período, o bebê completou um mês de vida e B. falou que se

sentia “aliviada”, pois as coisas “agora parecem que estão mesmo

acontecendo, mesmo que de uma forma meio torta” (sic).

Passados mais alguns dias, a paciente recebeu a notícia de que o peso de A.

havia ultrapassado um quilo. Ela se emocionou muito e se disse

“extremamente feliz e orgulhosa”. Além disso, B. falou outra vez sobre uma

“sensação de alívio” (sic), comentando que A. estava “finalmente se

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comportando depois de dar muitos sustos” e que, a partir daquele momento,

podia ficar mais calma.

Parece que diante desses acontecimentos, B. começou a acreditar de maneira

mais legítima na sobrevida de A., como se a partir daquele ponto a

maternidade fosse de fato uma realidade.

Durante esse período, B. começou a pensar na amamentação, pois, com mais

alguns gramas e chegando perto de completar dois meses de vida, o bebê já

seria liberado para mamar no peito. Esse assunto deixou a paciente ansiosa e

ela contou que suas ideias sobre “o que é ser mãe e como cuidar do bebê”

sempre estiveram relacionadas a poder amamentar. Por esse motivo, ela

comentou que estava “enfim (se) sentido mãe”.

Alguns dias depois, encontrei B. bastante agitada. Ela disse que estava “muito

ansiosa, sensível, com as emoções à flor da pele”. Ela comentou que não

entendia seus sentimentos, pois passara a ficar mais angustiada no momento

em que seu filho estava progredindo.

Senti como se, a partir da evolução de A., a relação entre ele e B. se

fortificasse. Estando ela mais apegada ao bebê, ficava ainda mais difícil lidar

com uma futura notícia ruim.

A paciente se emocionou e disse estar “cansada, querendo que A. saia logo do

hospital”. Ela disse, ainda, que passava grande parte do tempo pensando em

cuidar do bebê e sentia que tais ideias a assustavam. A fala de B. demonstrava

preocupação e, quando questionei o que a incomodava, ela respondeu que,

pelo fato de A. ser “prematuro e muito pequeno”, sentia-se incapaz de cuidar

dele e tinha receio de não conseguir atender a todas as suas necessidades ou

até de “machucar ele” (sic).

A paciente disse que não gostaria de ter aqueles pensamentos, pois seu “maior

desejo é levar A. para casa”. Ela acrescentou que, a cada dia, ficava mais difícil

ir embora do hospital e deixar o filho, pois na fase em que ele estava (estável e

sem o tubo de oxigênio), já passava boa parte do dia acordado, o que permitia

que B. tivesse mais contato com seu bebê.

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Após algumas semanas, encontrei B. animada ao lado do filho, dizendo para

ele estar “muito orgulhosa e contente”. Ela contou que A. estava respirando

bem e já podia ficar sem o cateter de oxigênio no nariz, apenas com um pouco

a mais de ar circulando na incubadora.

A novidade sobre o quadro clínico do bebê vinha acompanhada das notícias de

que ele havia atingido um quilo e meio e que, por esse motivo, seria liberado

pela equipe de pediatras para começar os estímulos de amamentação no seio

da mãe.

Naquele momento, a paciente começou a chorar, dizendo estar “muito feliz e

emocionada por finalmente poder viver a experiência que sonhava” (sic). Ela

comentou que sempre que se imaginava mãe associava à ideia ao ato de

amamentar.

Na primeira tentativa, o bebê superou as expectativas de toda a equipe e

conseguiu mamar bem, sugando com força, sem perder o ar. B. chorou mais

uma vez e descreveu a experiência como “incrivelmente assustadora”. Pedi

para que ela me explicasse e a paciente comentou que o fato de estar mais

ativa nos cuidados com o filho a deixava “feliz, mas preocupada com todas as

responsabilidades que estão por vir”.

Ela acrescentou que, a cada dia, ficava mais difícil manejar sua ansiedade

diante das expectativas que cresciam com a evolução do filho. Além disso,

comentou já estar “cansada e com menos paciência” em relação à sua rotina,

uma vez que estava completando três meses de UTI Neonatal.

Em outro atendimento, passados alguns dias em que não via a paciente, ela

me contou que se sentia “nervosa e com raiva” (sic) de outra mãe que também

estava com a filha na UTI Neo. Esta tivera filhas gêmeas e a menor, que

nascera mais ou menos com o mesmo peso do bebê de B., falecera ainda na

sala de parto, pois não conseguia respirar.

Segundo a paciente, essa mãe fazia comentários comparando a filha morta

com seu filho, e dizia não entender como A. havia sobrevivido enquanto a dela

estava morta. B. disse que teve “vontade de bater nela, de voar no pescoço

dela” e que estava incomodada com os comentários. Ela contou, ainda, que

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chegou a pedir que a outra mãe parasse com aquele tipo de fala, mas que sua

atitude não havia solucionado o problema.

Quando questionei o que ela havia feito então, a paciente disse que se afastou:

“chorei muito, fiquei nervosa, mas decidi que era melhor sair de perto (...) fui

dar uma volta na rua, não quis nem ficar com as outras mães, não queria ter

que explicar a confusão (...) achei melhor ficar na minha até passar (...) depois

de um tempo voltei e decidi ignorar os comentários dela agora (...) vou me

preocupar com o que importa mesmo que é a evolução do A., e ele está indo

tão bem que só isso me interessa” (sic).

Nesse mesmo período, A.,que já estava com cerca de quatro meses, foi

diagnosticado com hérnia, comum em prematuros, e a paciente recebeu a

notícia de que o bebê seria submetido à cirurgia.

O procedimento era relativamente simples, mas a ideia da operação nos bebês

sempre deixa as mães assustadas, uma vez que remete à possibilidade de

perda dos filhos. B. relatou sua ansiedade, descreveu seus sentimentos de

medo e falou ainda sobre as orações que havia feito para o filho.

Após a cirurgia, A. evoluiu com extrema rapidez e os médicos começaram a

pensar na possibilidade de alta para o bebê. Ele foi transferido para a Semi

Intensiva Neonatal, onde B. passou a ter mais autonomia nos cuidados com

ele. Ela já podia dar banho, trocar e alimentar seu bebê da maneira que julgava

mais adequada, iniciando uma preparação para irem para casa.

Nos dias que se seguiram, ela demonstrou muita segurança e desenvoltura nas

suas funções. Disse que as técnicas sabiam muita coisa, mas que “existem

coisas sobre o A. que só eu sei, por ser mãe dele”.

A fala da paciente ilustra a preocupação materna primária de Winnicott (1958),

quando ele aborda a área de experiência existente entra mãe e filho, onde a

mãe tem a capacidade especial de fazer a coisa certa.

Próximo à alta de A., após cinco meses de hospitalização, B. foi orientada a

procurar pela equipe do hospital, caso o bebê ou ela tivesse alguma dificuldade

em casa. A paciente demonstrou entender todas as informações que lhe foram

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passadas e demonstrou estar segura e confiante quando ela e A. deixaram a

instituição.

B. não voltou a procurar o hospital, o que sugere que ela tenha passado bem

pela etapa da internação de A. e sua adaptação em casa.

   

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6.Discussão

A gestação é uma fase da vida da mulher cuja representação social surge

como repleta de realizações e alegrias, quando aquela pode se sentir plena e

feliz.

No entanto, do ponto de vista psíquico, a gravidez marca um período de

grandes mudanças, alterações e transformações que exigem que a mulher

repense vários aspectos de sua existência, buscando novas formas de

organização psíquica que lhe possibilitem lidar com os desafios desse período

crítico, conforme sugere Quayle (1997).

As transformações corporais, as mudanças de papéis, a responsabilidade que

a nova função (a função materna) exige e as reorganizações sociais que têm

origem com a gestação podem ocasionar intensa mobilização psíquica e, junto

com os sentimentos positivos, podem surgir angústias, medos e preocupações

frente ao desconhecido, ao desafio que se impõe.

Para lidar com todos esses sentimentos e tornar-se emocionalmente disponível

para essa nova realidade, muitas vezes é necessário que a mulher redirecione

sua energia psíquica para si mesma, adotando uma postura introspectiva, de

recolhimento, na tentativa de elaborar suas emoções mistas e reorganizar-se.

Não é diferente com B. Podemos observar que a ambivalência (natural em

outras fases da vida e presente durante todo o processo de amadurecimento

emocional) se torna bastante acentuada durante o período gravídico-puerperal.

Ela se diz “extremamente feliz e com muito medo” ao descobrir a gravidez,

demonstrando sentimentos mistos diante da notícia, o que se apresenta de

acordo com o proposto por Szejer; Stewart (1997), que apontam que o desejo

de tornar-se mãe é sempre ambivalente.

A essa ambivalência inicialmente trazida por B., além dos sentimentos de

alegria e felicidade pela descoberta da gestação, o medo parece associar-se à

preocupação com a gravidez e com sua própria incapacidade, real ou

fantasiada, de desempenhar a função materna. Embora a rigor o medo não

seja empecilho para a felicidade, é usual considerar que ele não a acompanha.

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A paciente demonstra a mesma ambivalência, quando se queixa da internação,

dizendo que se sente “presa”, ou quando fala da tristeza ao ver o marido deixar

o hospital, enquanto ela precisa permanecer internada. Apesar de acreditar ter

“a maior motivação do mundo”, B. deixa “escapar” em seu discurso algo de seu

inconsciente e sua insatisfação, bem como sentimentos de raiva diante da

situação vivida.

Essa mistura de sentimentos não fica restrita ao período gestacional e ainda

pode ser percebida na fala da paciente, quando ela relata suas primeiras

impressões ao ver o filho. Ela comenta sentir “felicidade (...) medo (...)

preocupação” ao estar com o bebê. Evita, inclusive, tocar nele, com receio de

machucá-lo, o que pode indicar uma tentativa de conter seus impulsos

agressivos frente ao filho tão diferente do esperado, mas também pode se

relacionar à sua autoimagem de uma mãe ainda não amadurecida para o papel

materno, incapaz de fazer frente às demandas extraordinárias da situação.

Essa visão de si mesma é algo bastante comum às mães durante o período

puerperal. No entanto, exige que a paciente busque uma nova forma de

reorganização psíquica que lhe permita a transformação da filha em mãe, como

sugere Iaconelli (2005).

Na mesma fala de B., é possível identificar uma tríade de sentimentos:

felicidade pelo nascimento do filho; medo de que esse filho não sobreviva; e

preocupação pelo seu (mau) desempenho no papel de mãe.

O estranhamento ao se deparar com o bebê real, comum a qualquer mãe,

conforme apontam Ferrari et al. (2007), inicialmente, parece dar a B. a

sensação de que não será capaz de cuidar de seu bebê, uma vez que para ela

a maternidade teve inicio de forma muito diferente da sonhada e usual. A

elaboração do luto pelo filho perdido e a aceitação do filho real frequentemente

aparecem como um desafio existente a todas as mulheres, em qualquer

gestação (TEIXEIRA; MORAES, 2008). No entanto, torna-se particularmente

mais difícil para mães que se deparam com crianças mais fragilizadas e que

exigem mais delas.

Para B., considerando seu percurso, essa situação parece ser ainda mais

desafiadora, uma vez que, ao longo desse período crítico e potencialmente

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traumático, ela diversas vezes depara-se com notícias inesperadas que vão de

encontro aos seus desejos e planos.

Inicialmente, a paciente surpreende-se com a notícia da gestação, quando não

acreditava ser capaz de gerar um filho. Logo em seguida, aparece o

diagnóstico de IIC que lhe exige nova adaptação, já que B. se depara com a

possibilidade de não conseguir levar a gravidez adiante, de gestar e acolher

esse filho, e precisa ser internada. Novamente acontece o inesperado e a

paciente se vê mãe de um bebê prematuro que lhe exige entrar em contato

com uma realidade que não corresponde à sua realidade psíquica, assim como

proposto por Iaconelli (2013) através da ideia de que o que acontece no corpo

da mulher nem sempre encontra um correlato em seu psiquismo.

Encontramos, no caso de B., diversos elementos que aparecem como “crises

dentro da crise”, conforme proposto por Quayle (1997) ao considerar o ciclo

gravídico puerperal como uma crise normativa. Essa situação acentua a

ambivalência de B. e dificulta ainda mais o processo de elaboração de luto pelo

bebê ideal.

A imagem do filho que a paciente tem diante de si não corresponde àquele com

o qual ela sonhou, e isso parece lhe causar intensa decepção diante de seu

poder, uma vez que, de acordo com Teixeira; Moraes (2008), o filho

inicialmente é visto pela mãe como aquele capaz de realizar tudo aquilo o que

ela não conseguiu.

As diferenças entre o bebê idealizado e o bebê real exigem que B. inicie um

processo de elaboração desse luto pelo filho “perdido” para que possa, então,

aceitá-lo e acolhê-lo com todas as suas características e necessidades

peculiares. Esse processo é acompanhado por certo distanciamento, inclusive

físico, de seu filho. A paciente comenta que nos primeiros dias preferia ficar

pouco tempo na UTI Neonatal com o filho, pois “ainda precisava se acostumar

com tudo aquilo”, marcando a necessidade de se afastar das demandas

externas para poder elaborar a perda do filho idealizado e “adotar” o filho real,

em um lugar construído para ele, a partir do qual ele poderia ser inserido no

mundo social, familiar e particularmente na trama afetiva que possibilita a

subjetivação.

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Esse período de elaboração sugere a ruptura com a imagem do bebê

idealizado, o que permite à paciente olhar para o bebê real como outro,

conforme propõe Iaconelli (2013).

As primeiras reações de B. diante do filho parecem abalar sua imagem

narcísica, uma vez que ela vê naquele corpo doente a representação de suas

impossibilidades. Além disso, o bebê exterioriza e concretiza os seus receios.

Dessa forma, novamente B. se questiona sobre suas capacidades, algo que já

aparecia durante a gestação. Considerando o histórico da gravidez, o medo de

não conseguir gerar um filho e o diagnóstico de IIC associado à fala do médico

de que seu quadro clínico poderia ser de “fundo emocional”, podemos pensar

que essa situação toda representa uma ferida narcísica para a paciente, que,

segundo Kaplan e Mason (apud OLIVEIRA, 2001), aparece diante de questões

que trazem à mãe o sentimento de impotência. É como se a IIC aparecesse

para confirmar a falta de capacidade de B. de levar a gestação adiante e,

dessa forma, ela “causasse” a própria internação por não dar conta de seus

sentimentos e deixar que eles influenciassem em seu corpo. Dessa forma, o

filho prematuro e fragilizado é a exposição crítica dessa ferida.

Mais importante do que apenas discutir se a prematuridade, no caso de B., é

de fundo emocional ou tem alguma origem psicossomática, é importante

constatar que o parto prematuro de A., nesse contexto, acaba se constituindo

uma ferida narcísica para a paciente.

B., a princípio, não acreditava ser capaz de gerar um bebê, com base nas

informações de seu primeiro médico, de que seu corpo seria inadequado para

uma gestação. Ao descobrir a gravidez e começar a resgatar sua potência para

a maternidade, a paciente se vê frente à IIC e novamente tem suas

expectativas frustradas: surge nova possibilidade de fracassar, uma vez que

agora ela seria incapaz de gestar seu bebê.

Com o nascimento prematuro de A. e a necessidade de internação deste na

UTI Neonatal, uma série de obstáculos e limitações se impõe a B., que tem

dificuldades para exercer a função materna e assim questiona sua capacidade

de cuidar do filho, sua capacidade de ser mãe.

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Apesar da ferida narcísica decorrente dessa sequência de “falhas”, B. é capaz

de, em certa medida, identificar e nomear seus sentimentos e organizar-se

emocionalmente de forma a manejá-los adequadamente, sugerindo uma boa

relação com seus objetos internos, sejam eles bons, sejam ruins.

Em diferentes situações geradoras de angústias, que parecem causar intensa

mobilização psíquica na paciente, ela relata movimentos de recolhimento e

introspecção, como forma de elaborar a realidade. No dia do parto, por

exemplo, B. relata que preferiu ficar sozinha para pensar e “se preparar para a

próxima etapa”. Parece que diante de um conflito a paciente se dá conta de

que precisa ficar sozinha para buscar recursos que a ajudem a lidar com a

situação.

Cabe ressaltar que nem sempre um movimento introspectivo está relacionado

a uma depressão. No caso de B., esse retraimento emocional aparece como

equivalente a um movimento depressivo. Sugere a tentativa da paciente de

acomodar seus impulsos agressivos no mundo interno, até que se sinta segura

para expressá-los de forma sustentável, assertiva e atuante. Essa acomodação

visa à recuperação de memórias e sentimentos construtivos, levando os bons

objetos a prevalecerem sobre os maus objetos, de acordo com o que Winnicott

(1984) diz sobre o amadurecimento emocional.

B. refere necessidade de ficar sozinha nos momentos de raiva e tristeza e, ao

longo do período em que ocorreram os atendimentos, age dessa forma,

buscando sua organização emocional.

Podemos perceber esse movimento logo após o parto prematuro (situação

potencialmente traumática), quando, ainda na sala de recuperação pós-

anestésica, a paciente fica calada, “deixando a ficha cair”. B. também refere

vontade de estar só no dia em que tem alta e deixa seu bebê na UTI: “é uma

vontade muito grande de ficar sozinha, sabe? De ficar quietinha, comigo

mesma, pensando, sem ter que me preocupar com o que vou falar, se os

outros vão entender ou o que vão pensar (...) Depois de um tempo, me sinto

melhor” (sic).

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Diferentemente de B., outras pacientes que atendi com bebês na mesma

situação pediam que familiares e amigos as visitassem, justificando que era

mais fácil não pensar o tempo todo na situação difícil que estavam enfrentando.

No caso dessas mães, podemos pensar na dificuldade que apresentam em

lidar com situações ameaçadoras, lançando mão de defesas psíquicas

bastante primitivas (e muitas vezes ineficazes) para lidar com a realidade. Ao

não quererem pensar nas dificuldades da situação vivida, utilizam-se da

negação como mecanismo de defesa, na tentativa de diminuir as angústias

existentes, favorecendo atuações maníacas no distanciamento dos problemas.

B., por sua vez, parece mergulhar da realidade vivida, procurando formas mais

elaboradas de lidar com ela. Na ocasião em que teve um atrito com outra mãe

em razão dos comentários desta, a paciente refere que sentiu “vontade de

bater nela, de voar no pescoço dela (...) chorei muito, fiquei nervosa, mas

decidi que era melhor sair de perto (...) fui dar uma volta na rua, não quis nem

ficar com as outras mães, não queria ter que explicar a confusão (...) achei

melhor ficar na minha até passar (...) depois de um tempo voltei e decidi ignorar

os comentários dela agora (...) vou me preocupar com o que importa mesmo

que é a evolução do A., e ele está indo tão bem que só isso me interessa” (sic).

A paciente demonstra, aí, recursos emocionais bastante satisfatórios para lidar

com suas angústias. Ao discutir com outra mãe e expressar sua raiva diante da

situação, B. assume sua preocupação, responsabilidade e consideração pela

outra mãe, em relação a seus impulsos destrutivos, o que parece compatível

com o estágio do concernimento proposto por Winnicott (1955).

B. parece associar a raiva pela outra mãe à raiva diante de sua realidade, seu

sentimento de impotência e seu bebê prematuro. Ao se dar conta dos

sentimentos destrutivos, a paciente retoma a situação vivida, buscando seus

bons objetos que lhe remetam ao amor pelo filho e lhe permitem elaborar sua

agressividade, atingindo o concernimento.

Com base na teoria de Winnicott sobre as depressões, podemos pensar que a

paciente apresenta capacidade para a depressão saudável, adquirida a partir

do estágio do concernimento, com o amadurecimento emocional.

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Ao olharmos para a história de vida de B. e sua relação com a própria mãe

(M.), entendemos que, apesar de todas as dificuldades por que passou, a

paciente cresceu em um ambiente favorável e pôde internalizar a figura de uma

mãe suficientemente boa. M., por sua vez, parece que teve o pai (avô de B.)

desempenhando, por vezes, a função materna de acolhimento e aceitação, e, a

partir da relação com ele, pode introjetar adequadamente as funções maternas.

Para Moraes (2005), ao suportar a agressividade do filho sem retaliações, a

mãe permite que, a partir da culpa, ele possa imaginar um modo criativo de

restituir e reparar o dano que causou, visando neutralizar suas preocupações.

B., por diversas vezes, fala da mãe como uma pessoa carinhosa e amorosa,

capaz de compreender e aceitar os sentimentos e as necessidades dos filhos.

A capacidade de B. de deprimir de forma saudável, de reorganizar seu mundo

interno, sugere que ela é capaz de enfrentar a situação vivida e lidar com ela

de forma adequada. A partir dos sentimentos de culpa inicialmente presentes e

decorrentes de suas “falhas maternas”, a paciente parece imaginar um modo

criativo de restituir e reparar o dano que causou (ou que poderia ter causado),

visando neutralizar suas preocupações, por exemplo, no caso do atrito com a

outra mãe.

Na fase em que A. apresenta dificuldades e sua evolução torna-se mais lenta,

B. diz-se muito cansada com a rotina do hospital e “emocionalmente

desgastada por causa das várias notícias ruins”. Dessa forma, ela diz estar

“menos comunicativa”, sem vontade de ter a companhia de outras mães, uma

vez que entre elas “(...) não existe outro assunto, só UTI, apneia, peso, quantos

mls. de leite cada uma tirou (...) parece uma competição, cansa um pouco”.

Essa fala de B. sugere raiva diante do que vive e parece que, ao se dar conta

de sua insatisfação e cobranças em relação ao filho, a paciente sente-se

culpada pelo ódio da realidade e, consequentemente, do filho que a obriga a

viver essa situação. Dessa forma, ela encontra na introspecção, no

recolhimento e no isolamento recursos para elaborar seus impulsos agressivos

a partir da depressão normal, que, nesse caso, aparece como uma depressão

de caráter reativo, demonstrando o que Moraes (2005) afirma ao sugerir que

esse distanciamento das questões externas permite que a pessoa acomode

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sua agressividade para suportar os impulsos agressivos e a culpa resultante

desse processo.

Esse movimento parece ser natural diante da situação que B. vive, mas exige

que ela, novamente, entre em contato com suas frustrações e limitações,

repensando a maternidade e suas funções diante daquilo que lhe é possível no

papel materno.

Outra paciente em atendimento, por sua vez, diante da lenta evolução da filha,

passa a tentar desvalorizar a evolução de todos os outros bebês, como se, ao

minimizar o sucesso alheio, minimizasse também seu insucesso e seus

problemas. Ela comenta que “todo mundo está meio devagar (...) um só

ganhou 10 gramas em dois dias, isso não é nada, né? (...) a filha da G. não

consegue aumentar a quantidade de leite faz um tempão (...) tem tanta mãe

que não tá produzindo leite (...)” (sic).

Diante da própria frustração e quebra de expectativas, essa paciente, incapaz

de se distanciar do mundo externo e olhar para si, projeta as próprias

dificuldades nos outros, para, assim, poder se sentir menos inferior.

Ao se reorganizar emocionalmente, B. demonstra ter conseguido lidar com a

perda do bebê e da maternidade idealizados, estando disponível para aceitar,

então, o bebê real e a maternidade da maneira como estes se apresentam.

Nesse sentido, inicia uma série de atividades que parecem lhe trazer a

sensação de cuidar do filho e, assim, estar mais participativa de seu processo

de evolução.

Ela relata cuidar do quarto do bebê, lavar e passar as roupas deste e ainda

conversar com a equipe sobre formas de poder ajudar, passando a tomar o chá

que lhe auxilia na amamentação, por exemplo. Nesse movimento, a paciente

consegue atuar seu papel materno de maneira compensatória e se sentir ativa

diante da maternidade.

Além disso, B. mostra criatividade em seu pragmatismo ao buscar soluções

possíveis para as dificuldades existentes durante esse período, o que parece

amenizar os conflitos intrapsíquicos emergentes diante da realidade vivida. Em

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certo momento, ela comenta: “é isso o que eu posso fazer pra ajudar meu

filho? Então é isso o que eu vou fazer” (sic), referindo-se ao chá que lhe foi

indicado beber para ajudar na amamentação, por exemplo.

A paciente parece estar identificada com o filho, quando é capaz de perceber

as necessidades de seu bebê e pode acalmá-lo nos momentos em que este se

apresenta mais agitado e, ainda, busca descobrir em qual posição ele se sente

mais confortável, ilustrando bem o quadro de identificação materna primária,

proposto por Winnicott (1958).

Outra mãe de prematuro extremo me disse, certa vez, que quase não mexia no

bebê, pois não sabia como cuidar dele, e que preferia que as enfermeiras e

técnicas de enfermagem fizessem isso, pois “elas sabem o que é melhor para

os bebês”. Esse receio é comum nas mães de bebês prematuros, mas denota

uma dificuldade da mãe de enxergar seu bebê como único, de supor nele um

sujeito com vontades e necessidades próprias, já que ela generaliza que todos

devem ser cuidados da mesma forma, que o que é bom para um é bom para

todos e que existe um outro mais capaz do que ela de cuidar de seu bebê o

tempo todo.

B. ainda demonstra amadurecimento emocional quando outro bebê prematuro

vai a óbito. Ela diz estar emocionada e “muito mexida” (sic) com aquela

situação e decide sair da UTI Neonatal para “respirar”, ficando grande parte da

manhã afastada da Unidade.

Ao viver uma realidade bastante semelhante à da mãe que perdeu seu bebê, a

paciente ainda se identifica com ela e, dessa forma, se sensibiliza com a

situação. B. parece sentir raiva do que vive, raiva de seu bebê e raiva da

equipe de saúde que, ao mesmo tempo em que está lá para salvar, também

pode “falhar” e frustrar as expectativas das mães. Dessa forma, a ideia de que

pode existir destruição e ódio mesmo no amor traz à paciente o sentimento de

culpa pelo estrago que imagina que possa causar ao filho e à equipe, o que vai

ao encontro do proposto por Moraes (2005).

Assim, B. distancia-se de questões externas na tentativa de acomodar sua

agressividade e suportar os impulsos agressivos resultantes desse processo.

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Outra paciente, também com um bebê prematuro, refere, durante um

atendimento, estar “inconformada, revoltada com o que aconteceu” e passa a

discutir com os médicos tudo aquilo o que eles sugerem para o tratamento de

seu bebê. Ela mostra-se agressiva, demonstra raiva da equipe e diz ter

vontade de mudar o filho de hospital, pois não confia mais nos profissionais da

instituição.

Podemos pensar na dificuldade dessa paciente de se diferenciar do mundo

externo. Ela se identifica com a mãe que perdeu seu bebê, mas, por não saber

lidar com isso, projeta seus conteúdos agressivos nas outras pessoas, incapaz

de pensar nas próprias questões e elaborar a situação vivida. Nesse caso,

aparecem sintomas característicos da depressão reativa patológica, como

reação a uma perda, onde existe a incapacidade de lidar com esta e a pessoa

tende a encontrar alívio para os conflitos no mundo externo, através de

mecanismos como a projeção e a repressão. Segundo Moraes (2005), esse

tipo de depressão se caracteriza por uma impossibilidade de elaborar o luto e

indica a existência de falhas ambientais ao longo do estágio do concernimento.

Com sua capacidade para uma depressão saudável, B. demostra habilidade

para entrar em contato com seu mundo interno e identificar e nomear seus

sentimentos. Isso aparece na época em que A. precisa ser submetido à cirurgia

de hérnia, quando a paciente relata sua ansiedade e consegue descrever seus

sentimentos de medo e fantasias de perda diante da situação.

A outra mãe, cujo bebê também iria ser operado, não fala sobre a cirurgia da

filha durante o atendimento psicológico. Ela refere-se apenas às compras que

havia feito para o bebê, comportamento que me parece uma defesa maníaca,

característico da depressão reativa patológica, segundo Moraes (2005). Além

disso, percebo nessa paciente desânimo, muita dor e revolta diante da perda

de uma das filhas no parto. No entanto, ela não entra em contato com esses

sentimentos. Fala o tempo todo da morte do bebê, mas nunca sobre como se

sente em relação a essa perda.

Essa mãe demonstra grande dificuldade de lidar com seus sentimentos,

principalmente os de natureza destrutiva, o que sugere que ela não atingiu o

estágio do concernimento nem a aquisição para a ambivalência. Assim, ela

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desenvolve um sentimento de culpa insuportável, que a leva a reprimir os

instintos agressivos/destrutivos, produzindo um tônus desvitalizante, de teor

depressivo, que impede seu contato com os impulsos reprimidos, que podem,

de vez em quando, eclodir e causar medo de contato com o mundo interno.

Em um de seus atendimentos, ela me diz que não quis ver o corpo da filha,

pois achou que “não ia aguentar”. Iaconelli (2013) afirma que a elaboração do

luto se torna mais difícil quando não existe um corpo como representação.

Observo que a paciente não consegue estar disponível para a filha que estava

viva, pois ainda não havia elaborado a morte da outra, e enquanto em seu

psiquismo a ideia existente for morte, ela dificilmente poderá lidar com vida,

uma vez que se mostra incapaz de lidar com sentimentos ambivalentes.

B., diante das mais diversas situações de perda e frustração, nas quais se

exigiu sua reorganização emocional, demonstra capacidade para a depressão

normal, experimentada apenas pelos indivíduos que alcançaram o

concernimento e são capazes de admitir e aceitar a agressividade como parte

de seu mundo interno. Assim como o proposto por Winnicott (1964), ao ter seu

tempo de retraimento respeitado, a paciente é capaz de organizar seus

conflitos internos e, assim, lidar de maneira adequada com a realidade vivida,

tendo bem elaboradas suas perdas e idealizações.

Assim como em outras situações de crise, ter um espaço de escuta e

acolhimento favorece a introspecção, o concernimento e a depressão normal, e

permite à paciente olhar-se e adaptar-se aos desafios da situação.

Cabe ressaltar que, no contato com os profissionais da área da saúde mental,

as pacientes devem ter esse espaço respeitado, que lhes permitam o contato

com o mundo interno até que, de maneira gradativa e espontânea, o

retraimento seja suspenso. Caso contrário, estas podem adoecer fisicamente

na tentativa de terem permissão para ficarem emocionalmente retraídas

(WINNICOTT, 1964).

Para os profissionais da saúde, para a família e para todas as pessoas que não

vivenciam diretamente o ciclo gravídico puerperal, torna-se mais difícil entender

a ambivalência da gestação, que, muitas vezes, se manifesta sob a forma de

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choro, medos, preocupações, angústias e sentimentos ambivalentes, que

podem se aproximar de um diagnóstico de baby blues.

No entanto, certas vezes estamos diante de um processo de introspecção, um

movimento que aparece na tentativa de entrar em contato o mundo interno e

que se relaciona a um movimento depressivo saudável, que permite a paciente

apropriar-se da realidade vivida.

B. demonstra em sua história que, ao poder deprimir diante de uma situação de

crise, de frustração e quebra de expectativas, ela é capaz de abandonar suas

idealizações e elaborar suas perdas para vivenciar a realidade da melhor

maneira possível. Dessa forma, ela parece se desprender de suas fantasias e,

assim, pode desempenhar de forma adequada o papel da mãe suficientemente

boa.

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7.Considerações Finais  

Procurei, neste trabalho, compreender de que forma a capacidade materna de

deprimir se associa à capacidade da mãe de elaborar os aspectos negativos

referentes à internação de seu bebê na UTI Neonatal e, assim, poder vir a

desempenhar o papel da mãe suficientemente boa.

Foi visto, então, que nesse contexto, existe uma perspectiva saudável (e não

patológica) da depressão, que se associa a um movimento introspectivo de

elaboração de situações de perda e, por mais intolerável que seja, deve ser

respeitada como sinal de saúde, pois indica integração e amadurecimento

emocional. Assim, entende-se que seja fundamental dar à mulher, nesse tipo

de situação, a oportunidade para deprimir, uma vez que, caso ela tenha

atingido o concernimento, poderá entrar em um estado de recolhimento sempre

que precisar de um tempo para resolver as questões conflitantes entre

elementos bons e maus em seu mundo interno e assim se adaptar à realidade.

Como foi visto no caso de B., esta, ao ter seu tempo de retraimento respeitado,

mostrou-se capaz de organizar seus conflitos internos e, assim, lidar de

maneira adequada com a realidade vivida, tendo bem elaboradas suas perdas

e idealizações, estando disponível para aceitar seu bebê real e a maternidade

da maneira como estes se apresentavam para ela.

Dessa forma, a presença de um profissional da saúde mental torna-se

fundamental para discriminar quando a depressão aparece como um

movimento patológico (de fuga, de infantilização ou de incapacidade de

elaboração de perdas) ou saudável, caracterizada por um retraimento que é

passageiro, e por isso será suspenso de forma gradativa e espontânea, sem a

necessidade de um modo específico de tratamento.

Muitas vezes, o que se vê como patológico é um processo necessário. Para

que esse diagnóstico seja feito com propriedade, é importante que o

profissional de saúde mental (seja ele um psicólogo ou um psiquiatra) esteja

inserido em uma equipe multidisciplinar, que tenha como objetivo o

fortalecimento emocional da mãe para que a relação entre ela e o bebê seja

favorecida. Além disso, é necessário que nesse contexto se ofereça um espaço

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de escuta às mães onde se possam diferenciar situações em que existe uma

patologia que necessita de medicação e uma intervenção mais assertiva

daquelas onde a orientação e o suporte familiar se mostram suficientes.

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