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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Silvia Trentin Gomes
Arte, Jogo e Educação:
A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística.
MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL
SÃO PAULO
2014
2
Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
Silvia Trentin Gomes
ARTE, JOGO e EDUCAÇÃO:
A educação estética na relação entre jogo e o estudo das características da
pintura artística.
MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL
Dissertação apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como
exigência parcial para a obtenção do título de mestre
em Tecnologias da Inteligência e Design Digital sob
a orientação do Prof. Dr. Luís Carlos Petry.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
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Banca examinadora
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A Deus e meus Anjos por me iluminarem e terem colocado em meu percurso de vida
as pessoas maravilhosas que conheci nesta etapa de trabalho, que me fizeram crescer
como pessoa e profissional.
Ao Prof. Dr. Luís Carlos Petry pelas horas de dedicação na orientação deste trabalho,
pela confiança em mim depositada, desde o primeiro encontro de orientação, pelo seu
conhecimento, sabedoria, competência e, acima de tudo, um ser humano incrível que
pelos seus exemplos e vontade de nos fazer pessoas melhores, mostra-nos a importância
de amar sua profissão para contribuir com o mundo acadêmico e social.
À Doutora Pollyana Notargiacomo Mustaro e ao Doutor Hermes Renato Hildebrand
que participaram da banca examinadora e leram o trabalho com espírito crítico e me
ajudaram a buscar o melhor.
Aos Doutores do curso que foram meus professores, pelo incentivo e pelo muito que
aprendi com eles.
À Edna Conti, pela atenção e esclarecimentos das dúvidas referentes ao curso.
Aos meus pais, Joao Antônio Trentin e Marilde Trentin, pelo constante apoio,
incentivo e exemplos de dedicação e perseverança para alcançar caminhos cada vez
mais distantes.
Ao meu marido, José Batista Gomes, e à minha filha, Luíza Trentin Gomes, que
entenderam minhas ausências e compreenderam a importância do mestrado para mim.
Ao professor Danilo A.B.Trentin e Diego Borelli pela revisão feita.
Aos colegas Winna Hita Iturriaga Zansavio e Gabriel C. Marques, com os quais
convivi, neste período, pelas preciosas sugestões que deram para meu trabalho.
Aos meus alunos que sem os quais essa dissertação dificilmente poderia ter sido
realizada.
Às minhas amigas Vanessa Barreto Pastorello, Mariana Toledo, Marycelle Berber e
Julianna Carrozzino que, comigo, conviveram durante o tempo de mestrado e
contribuíram com as experiências do jogo.
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
RESUMO
A pesquisa investiga o conceito de jogo e a sua incidência em uma modalidade especial
designada por jogo modificado (Mod), que tem como objeto as características da pintura
artística e o seu ensino. Parte de três relatos de experiências que buscam descrever o
processo educativo estético encontrado durante a execução de um jogo modificado para
o ensino das artes. A necessidade de tal ação se dá na reflexão sobre as estratégias para
o enfrentamento do problema do incentivo à pesquisa de história da arte, à leitura de
imagens e ao conhecimento das características da arte e da pintura artística, junto aos
alunos de artes e público interessado. Do ponto de vista metodológico, engaja-se em
uma reflexão, dentro do conceito de experiência estética, no contexto de uma relação de
aplicação do jogo modificado com alunos da disciplina de Artes do segundo ciclo,
organizando questões e sugestões correlatas aos arte-educadores, no que tange ao
estímulo do interesse e motivação dos alunos para o gosto, a imagem, sua leitura e,
consequentemente, o conhecimento e expressão da arte por meio do jogo modificado.
Do ponto de vista da fundamentação, as referências teóricas situam-se em pesquisadores
da filosofia e da arte, tais como Ana Mae Barbosa, Arlete dos Santos Petry, Lev
Vygotsky, Friedrich Schiller, James Paul Gee e Johan Huizinga, que apresentam
perspectivas relevante ao conceito de jogo e sua aplicação na educação, na educação
estética e para a arte em geral. A pesquisa indicou a alternativa metodológica de um
estudo descritivo acerca de três relatos de experiência, os quais evidenciaram que o
processo educativo estético encontrado e produzido durante a execução de um jogo
modificado para o ensino das características da pintura artística, em ambientes formais e
informais de ensino no interior do Rio Grande do Sul, norteados pela teoria da
problematização, que mostraram que o jogo artístico modificado (Modarte) que propõe
que o desafio, o conhecimento, a ludicidade e a leitura de imagens, se constitue em uma
modalidade plausível e produtiva para o processo de ensino aprendizagem, apontando
para uma educação estética na relação entre jogo e as características da pintura artística.
Palavras chaves: jogo, arte, leitura de imagens, educação estética, topofilosofia, Mod
Artístico
7
ABSTRACT
This research investigates the concept of gaming and its impact on a particular game
mode called modified game, which has as its object the artistic painting characteristics
and its teaching. It starts from three experiments reports which attempt to describe the
esthetic education process encountered during execution of a modified game for the arts
game teaching. The need for such action takes place in the debate on strategies for
addressing the problem of encouraging research in art history, the reading of images and
knowledge of the art features and artistic painting, along with students of arts and
interested public . From the methodological point of view, engages in reflection, within
the concept of aesthetic experience, in the context of a relationship of application of
modified second cycle game Arts student, organizing questions and suggestions related
to art educators in With respect to stimulating interest and motivation of students to
taste, image reading and the knowledge and art expression through the modified game.
From the point of view of the grounds, the theoretical references are located researchers
in philosophy and art, such as Ana Mae Barbosa dos Santos Arlete Petry, Lev
Vygotsky, Friedrich Schiller, James Paul Gee and Johan Huizinga, who present relevant
perspectives the game concept and its application in education, aesthetic education and
art in general. The survey indicated the methodological alternative of three experience
reports which showed that the aesthetic education process found and produced during
the execution of a modified for teaching the characteristics of artistic painting, in formal
and informal environments game education in the state of Rio Grande do Sul, guided by
the theory of questioning, which showed that the modified game art (Modarte) which
proposes that the challenge, knowledge, playfulness and reading images, constitutes a
plausible mode and productive to the teaching and learning process, pointing to an
aesthetic education in the relationship between game and features the artistic painting.
Key words: game, art, reading images, aesthetic education, topofilosofia, Artistic Mod
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
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Sumário
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13
Capítulo 1 - FUNDAMENTOS ESTÉTICOS DO JOGO E DA ARTE NO PROCESSO
EDUCACIONAL ........................................................................................................... 20
1.1 - Por um conceito ontológico-construtivista de Jogo ............................................ 23
1.2 - Ontologia do jogo educativo: entre o jogar e o aprender no jogo ....................... 27
1.3 - Caraterísticas de um ―bom jogo‖ segundo James Paul Gee ................................ 31
1.4 - A perspectiva ontológica socioconstrutivista do jogo ......................................... 39
1.5 - Rumo a um conceito de jogo e estética ............................................................... 41
1.6 - Entre a estética e a arte ........................................................................................ 47
1.7 - O ensino da arte e seus parâmetros ..................................................................... 49
1.8 - Processos metodológicos apresentados na pesquisa ........................................... 67
1.8 a) - Jogo modificado .......................................................................................... 67
1.8 b) - Leitura de imagens ...................................................................................... 68
Capítulo 2 - A ABERTURA DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA NO CONTEXTO DA
RELAÇÃO ENTRE APRENDER SOBRE ARTE E JOGAR UM JOGO .................... 71
PARTE I – A) A primeira experiência ........................................................................... 72
2.1 - Começando o relato da primeira experiência estética ......................................... 73
2.1 a) - Considerando o contexto do aluno ............................................................. 74
2.1 b) - O jogo escolhido ......................................................................................... 77
2.1 c) - Como jogar ................................................................................................. 78
2.1 d) - Conteúdo ..................................................................................................... 78
2.1 e) - Funções das cartas de ação ........................................................................ 79
2.1 f) - Saindo .......................................................................................................... 79
2.1 g) - Pontuação ................................................................................................... 80
2.1 h) - Vencendo o Jogo ......................................................................................... 80
2.1 i) - Penalidades .................................................................................................. 80
2.2 A modificação para tornar o jogo artístico ao estudo das características da pintura
artística ......................................................................................................... 81
2.2 a) - Criando um novo design ............................................................................. 81
2.2 b) - Imagens inseridas nas cartas ...................................................................... 82
2.2 c) - Design das cartas – uma comparação entre o jogo Uno e o jogo
Modificado Artisticamente (Modarte) ......................................................... 89
2.2 d) - Conteúdo do jogo artístico (Modarte) ........................................................ 91
2.2 e) - Objetivo do jogo artístico (Modarte) .......................................................... 91
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
2.3 Apresentação do jogo modificado artisticamente (Modarte) aos alunos na primeira
experiência estética ...................................................................................... 92
2.3 a) - Como jogar ................................................................................................. 92
2.3 b) - Iniciando o jogo a partir do método da Leitura de imagens ...................... 93
2.3 c) - Leitura de imagens do jogo artístico – no processo de Apreciar – a
apreciação ................................................................................................... 93
2.3 d) - Questões realizadas no apreciar as imagens artísticas do jogo modificado
..................................................................................................................... 97
2.3 e) - Leitura de imagens do jogo artístico – no processo do Fazer – à produção
artística ........................................................................................................ 98
2.2 f) - Leitura de imagens do jogo artístico – no processo do Contextualizar –
criando as regras ao jogo .......................................................................... 100
2.3 g) - Entendendo as regras de ação criadas pelos alunos ................................ 101
2.4 As regras de ação do jogo modificado artisticamente (Modarte)no contexto da
tendência artística de cada carta ................................................................ 103
2.4 a) - Regras das cartas de ação – fixas ............................................................. 113
2.4 b) - Regras do jogar ........................................................................................ 114
2.4 c) - Regras da pontuação................................................................................. 115
2.4 d) - Regras do vencedor .................................................................................. 115
PARTE I – B) A segunda experiência .......................................................................... 116
2.5 Experiência no ateliê de desenho e pintura ......................................................... 116
2.5 a) - A descoberta das regras do jogo modificado artisticamente (Modarte) .. 116
2.6 Opiniões de alguns alunos das experiências um e dois e demais pessoas sobre o
Jogo modificado artisticamente, apresentado em rede social .................... 118
2.7 Conclusões a partir da proposta do jogo modificado (Mod Artístico) ................. 123
PARTE II – A terceira experiência............................................................................... 124
2.8 A condução da experiência estética em outro contexto educacional - Os futuros
docentes de Artes Visuais .......................................................................... 124
2.8 a) - Primeira proposta - releitura das imagens pictóricas da história da arte 125
2.8 b) - Segunda proposta - modificar um jogo a tornar um jogo artístico
modificando as regras ............................................................................... 136
2.8 c) - Pensando nas atividades dos futuros docentes ......................................... 140
2.9 Considerações sobre as três experiências estéticas desenvolvidas ...................... 141
Capítulo 3 - PARA UM FUTURO ENTRE JOGO E ARTE NO CAMPO DA
EDUCAÇÃO ESTÉTICA ............................................................................................ 142
3.1 Para um caminho de um jogo sócio construtivista das experiências relatadas .... 143
3.1 a) - Aspectos afetivos e cognitivos do jogo ...................................................... 144
3.2 No caminho de um jogo educativo-lúdico ........................................................... 146
11
3.2 a) - Inserção dos conteúdos pela via da ludicidade dada pela criação,
descoberta e modificação das regras no jogo ........................................... 146
3.2 b) - As regras e a pesquisa .............................................................................. 147
3.3 Dialogismo do contexto sobre o contexto da história da arte no jogo Mod Artístico
................................................................................................................... 148
3.4 Aspectos metodológicos analisados de um Jogo Mod Artístico (Modarte) utilizado
nas experiências ......................................................................................... 151
3.4 a) - Jogo Mod Artístico - Características de um bom jogo ............................. 151
3.4 b) - Leitura de imagens do Jogo Mod Artístico - O apreciar, o fazer e o
contextualizar ............................................................................................ 157
3.4 c) - Processo avaliativo das experiências estéticas......................................... 159
3.5 O futuro presente da educação estética na relação entre o jogo e as artes .......... 161
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 164
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 186
ANEXOS ...................................................................................................................... 193
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
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INTRODUÇÃO
Sabe-se que o maior desafio da educação é tornar o processo de ensino aprendizagem
algo que seja motivador e prazeroso para todos os envolvidos, ou seja, para a
comunidade, escola, pais e principalmente para os alunos.
Referir-se a jogos ou games atualmente e percebendo o interesse da maioria dos
estudantes pelo entretenimento do jogar é que a escola pode apropriar-se deste elemento
para ensinar, já que se sabe do poder envolvente que eles possuem por serem
motivadores e produzirem a ludicidade de maneira a contagiar muitas crianças, jovens,
adolescentes e adultos. No entanto, é necessário analisar qual jogo relaciona-se com os
objetivos educacionais escolares. Assim, faz-se necessário estudá-los para a
aplicabilidade em sala de aula, podendo apropriar-se dele como ele é, ou modificá-lo
para os estudos e objetivos específicos do contexto escolar.
Essas observações deram-se e originaram-se devido a um problema encontrado em
sala de aula: alunos, que estavam aos meus cuidados pedagógicos, pesquisavam
assuntos teóricos apenas copiando e colando os textos das páginas sem, na maioria das
vezes, haver uma compreensão do que estavam estudando.
Os alunos, a que me refiro, eram alunos do ensino fundamental, quando tive a
oportunidade da experiência docente na disciplina de Artes em uma escola do Rio
Grande do Sul. Essa função de ser professor se deu pela minha paixão pelas artes e por
fazer parte do grupo de pessoas que acreditam que a educação é capaz de transformar
positivamente a vida dos sujeitos, e que a arte estimula os sentidos, desenvolve a
criatividade, nos conduz à uma reflexão, transmite emoções e ideias, auxiliando na
formação completa do indivíduo, contribuindo para o equilíbrio da razão com a emoção.
Acompanhada de tais pensamentos, iniciei minha formação acadêmica em Educação
Artística com habilitação em Artes Plásticas, alcançada na Universidade de Passo
Fundo, Rio Grande do Sul, seguindo imediatamente o curso de especialização em Artes
Visuais: Cultura e Criação, oferecida pelo SENAC de Porto Alegre. Uma busca
incessante pelo aprimoramento técnico, movida pela paixão iniciada em 1998, no ateliê
de desenho e pintura Contraste Artes, envolvida com alunos de diferentes faixas etárias
(dos cinco aos 80 anos) e que se seguiu na atividade de magistério universitário,
posteriormente, na Universidade de Passo Fundo, RS, nos cursos de Artes Visuais,
Moda, Design Gráfico e Pedagogia, da mesma instituição.
Assim, esses momentos e experiências vividas despertaram em mim o interesse ao
estudo e pesquisa educacionais, de aprofundar os conhecimentos e técnicas artísticas
relacionadas à docência, a fim de buscar colaborar no processo de ensino e
aprendizagem dos alunos com os quais me encontrava envolvida.
Este foi o panorama a partir do qual ingressei no mestrado em Tecnologias da
Inteligência e Design Digital da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ele se
deu quando senti a necessidade de investigar mais a fundo o sentido do jogo na arte e
suas relações no campo da educação estética. Um percurso que produziu um
envolvimento muito maior de ação e pesquisa que inicialmente imaginara, o qual me
levou a descobrir relações que nunca antes imaginara existir. Tal experiência de
descoberta foi propiciada, em grande medida, pelas orientações, estudos e pesquisas
14
Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
conduzidas pelo meu orientador, o professor Dr. Luís Carlos Petry, com o conjunto de
colegas, com os quais pude conhecer e compreender, cada vez mais, o poder do jogo e
do jogar no processo do aprender e sensibilizar, rumo à construção do conhecimento.
Foi por imergir neste campo de pesquisas e estudos é que tive a oportunidade de
levar ao conhecimento do público brasileiro e de outros pesquisadores do Consórcio
Doutoral do SBGames de 2013 os relatos e estudos correspondentes a esta pesquisa aqui
aprofundada, os quais me auxiliaram com questões bastante pontuais e essenciais ao
meu trabalho.
Levando esse ponto em consideração é que, diante da necessidade de desenvolver a
educação estética na relação com o jogo e a arte, despertando nos alunos o gosto pela
pesquisa teórica artística, o exercício da leitura de imagens e um maior interesse,
conhecimento pela arte por meio do jogo, se deu o início aos estudos e relatos de
experiências aqui mencionados na presente dissertação de mestrado.
Dessa maneira, por sabermos que os alunos fazem parte de uma geração de cultura
visual, na qual precisam ser orientados na direção de uma educação estética em que o
professor necessita assumir o papel de mediador juntamente com o jogo, é que cabe à
escola propiciar experiências no fazer, no ler e contextualizar imagens fornecendo as
instruções sobre como aprender pela pesquisa, introduzindo os alunos no mundo da
estética, mundo dentro do qual podem vir a ser capazes de se encantar com experiências
sensoriais prazerosas e construtivas.
Portanto, é na tentativa de tornar as aulas teóricas de artes desafiadoras e
incentivadoras é que se pensou em fazer e conduzir a modificação (Mod), ou seja,
apropriação, adaptação de um jogo já existente e conhecido dos alunos, para o estudo
das características da pintura artística, com a possibilidade de o aluno ler as imagens e
criar, descobrir e modificar as regras baseando-se no novo design do jogo.
As experiências relatadas constam em oferecer aos alunos e professores uma forma
de vivência e experiência artística estética que possibilitará formas de pensar,
provocando a imaginação, a criatividade, reflexão, expressão, afeto, cultura, desafio,
ludicidade aprendizado e conhecimento, contribuindo para o desenvolvimento da
totalidade e equilíbrio do ser.
Um jogo educativo pode vir a despertar a vontade de aprender do aluno, tornando-se
um poderoso aliado no desenvolvimento da arte na escola, desencadeando o processo
criativo, cognitivo e artístico do aluno, porque, como veremos, o lúdico e o processo
artístico se encontram fundados na mesma base radical: a tensão entre razão e
sensibilidade, como mostraremos com Petry, A. e Schiller.
A arte educação prioriza o conhecimento da cultura e da história juntamente com a
livre interpretação da Obra de Arte, e a utilização de um jogo como um meio de
expressão e como ferramenta de pesquisa poderá auxiliar o professor a impulsionar o
encontro da cultura de imagens, textos, para aproximar o aluno do conhecimento
cultural estético de poder compreender e usufruir da arte com a ludicidade, tornando
assim o processo educativo mais eficaz.
15
Desse modo é que se acredita que nisto reside o grande valor de uma educação que
privilegie a estética por meio do lúdico e da leitura de imagens; inserir estas vivências é
uma tarefa importante da educação.
É nesses pensamentos que surgiram as questões da nossa pesquisa, tais como: (1)
refletir sobre como desenvolver a educação estética por meio do jogo e da arte? (2) a
leitura de imagens estimula o gosto pela arte e pela pesquisa da História da Arte? (3)
como que a modificação de um jogo para as artes e a ação do aluno em criar, descobrir e
elaborar as regras ao jogo, por meio da leitura de imagens estimulará o conhecimento
das características da pintura artística? (4) quais metodologias serão aplicadas para
trabalhar a educação estética e qual instrumento será utilizado?
Logo, na referida pesquisa, buscamos reflexões das experiências estéticas dos
trabalhos desenvolvidos com os alunos, aliando os jogos no ensino artístico, como uma
maneira de, por meio da educação estética, da leitura de imagens, de novos olhares e do
lúdico, proporcionar o desenvolvimento dos aspectos cognitivos, afetivos e sociais para
conduzir ao equilíbrio da razão com a sensibilidade, por meio do estímulo ao gosto pela
pesquisa da história da arte, na especificidade do conhecimento das características da
pintura artística e leitura de imagens através do jogo para a reflexão sobre como
desenvolver a educação estética na relação do jogo e da arte, no qual se deu pelas
metodologias de modificar um jogo, Mod Artístico e ler as imagens deste jogo.
Sendo esses os objetivos, tendo como objeto de estudo um jogo modificado,
apresentaremos a pesquisa dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado
como Fundamentos estéticos do jogo da arte no processo educacional, nosso propósito
é mostrar os aportes teóricos estudados referente à arte, jogo e educação estética.
Partindo dos estudos da educação estética de Friedrich Schiller e da produção e
construção do conhecimento no/com o jogo de Arlete dos Santos Petry (2010) e da
experiência estética no processo do apreciar, fazer e contextualizar, enfatizaremos a
abordagem de Ana Mae Barbosa, presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Artes. Assim, com estes autores, apoiar-nos-emos também em Johan Huizinga (1872-
1945) e Lev Vygotsky (1896-1934) nas questões de jogo como elemento cultural e o
aprendizado por meio da mediação, respectivamente.
Assim, dentro dos estudos referenciados, damos início ao capítulo, introduzindo os
aspectos que se referem ao desafio da educação para desenvolver o humano em sua
totalidade de maneira equilibrada. Focando no construtivismo em que o aluno possa
participar de maneira ativa no processo de ensino aprendizagem, na relação com o outro
e com o meio social. É nessa interação que mostraremos quem e o que entrará como
mediação para auxiliar na internalização do aprendizado.
A partir desta introdução, citaremos o conceito de jogo por Huizinga e Petry e como
ele pode contribuir para o desenvolvimento social, intelectual e emocional do indivíduo.
São com essas contribuições que discutiremos como um jogo educativo, ou seja, no
processo educacional alcança seus objetivos a fim de trabalhar algumas das
características da estética tais como a tensão, equilíbrio, compensação, contraste,
variação, solução união e desunião.
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
Assim, iremos destacar se num jogo não há os aspectos didáticos e lúdicos podemos
nos apropriar dos estudos das características de um bom jogo de James Paul Gee para
modificá-lo e, então, aplicá-los com os alunos para auxílio da educação. Uma educação
em que a educação estética esteja presente.
Desse modo, definiremos o conceito de estética para Schiller, por ser ele o autor da
ideia de educação estética e por ele acreditar que a dimensão estética faz parte da
formação humana, e que esta formação se completa quando, além do intelectual, o
sensível é fundamental para tornar-se humano.
Olhando nestas perspectivas, abordaremos como a estética está presente no jogo e na
arte. Considerando isso, damos continuidade aos estudos feitos, falando do ensino das
artes, sua importância no contexto educacional e como ela deve ser conduzida pelas
orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, citando exemplos das experiências
que serão apresentadas aqui, neste estudo, bem como em outras atividades que
desenvolvemos com os alunos.
É a partir destes estudos que encerramos o primeiro capítulo, mostrando as
metodologias utilizadas na pesquisa de modificar um jogo e os métodos de ler as
imagens deste jogo, e poderemos refletir sobre uma das questões de nossa pesquisa que
é como desenvolver a educação estética por meio do jogo e da arte?
No segundo capítulo, A abertura da experiência estética no contexto da relação
entre aprender sobre arte e jogar um jogo, apresentamos as experiências estéticas
vividas com alunos. Alunos presentes em ambientes formais e informais de
aprendizagem, como sala de aula e ateliê de desenho e pintura, apresentados na primeira
parte do capítulo e do ensino superior, na segunda parte do capítulo. Divisão dada desta
forma pela primeira parte serem alunos do mesmo contexto educacional, ou seja, do
ensino fundamental; já na segunda parte, com alunos do ensino superior, no qual
buscavam formação para a licenciatura em artes visuais para trabalhar também com os
alunos do ensino fundamental.
Estas experiências deram-se no Rio Grande do Sul, no período de 2008 a 2011. Foi a
partir do contato com os alunos da primeira experiência que surgiram questões para
serem solucionadas e assim conduzir as experiências com a turma da escola, do ateliê e
do ensino superior.
Foi com o contato com os alunos que surgiram os problemas tais como: pensar
estratégias de como estimular a pesquisa para a História da Arte; como estimular o
interesse e conhecimento dos alunos pela leitura de imagens; como possibilitar o
conhecimento e o aprendizado das características da pintura artística de maneira
dinâmica e prazerosa, sem ser um processo mecânico de cópia dos textos extraídos dos
livros e da internet, sem interpretação e absorção dos conhecimentos.
E foi a partir destes questionamentos que o presente estudo se deu, originando a
reflexão apresentada na teoria e aqui apresentada na prática de como desenvolver a
educação estética por meio do jogo e da arte, e apresentando, neste capítulo, os
objetivos de: (a) revelar quais estratégias foram implementadas para trabalhar a
educação estética; (b) descrever quando se identificou a necessidade de uma ação para
17
desenvolver o interesse pela pesquisa em artes e pela leitura de imagens; (c) apontar
qual instrumento foi utilizado; enfim, (d) descrever como se deu a modificação de um
jogo para o ensino das características de um estilo acadêmico e os movimentos artísticos
pictóricos. Foram com tais objetivos que as experiências foram vividas e a pesquisa
utilizou-se deles para aprofundar seus objetivos de refletir sobre as experiências
estéticas dos trabalhos desenvolvidos com os alunos mostrando:
(a) que se pode aliar os jogos na educação em artes como uma maneira de por
meio da educação estética, da leitura de imagens, de novos olhares e do lúdico
proporcionar a reflexão, criatividade, o conhecimento, o aprendizado, desafio, a
ludicidade, afeto, cultura podendo desenvolver o equilíbrio da razão com a
sensibilidade;
(b) atividades que podem estimular o gosto pela pesquisa da história da arte,
conhecimento das características da pintura artística e a leitura de imagens no
processo de criar, modificar e descobrir as regras de um jogo.
Assim, partindo dos problemas encontrados e dos objetivos, teremos, neste capítulo,
o processo de construção de um jogo conhecido chamado Uno, o qual foi modificado
para o estudo das características pictóricas de um estilo acadêmico e de alguns
movimentos artísticos da modernidade. Como se deu a escolha deste jogo de cartas
Uno. Como foi elaborado o novo design das cartas, o seu conteúdo e composição visual
e de cartas, os seus objetivos e as instruções de como jogar partindo da metodologia de
apreciar, fazer e contextualizar, chamada de abordagem triangular que especificaremos
com detalhe cada uma das etapas. Tendo a resposta da quarta questão da nossa pesquisa.
Dessa maneira, para os alunos jogarem, mostraremos como eles tiveram que
contextualizar as imagens para elaborar as regras, na primeira experiência com os
alunos; descobrir as regras na segunda experiência com os alunos; e modificar as regras
na terceira experiência com os alunos.
No entanto, foi com a primeira experiência que os alunos criaram as regras;
também apresentaremos ao leitor uma melhor compreensão deste processo de
contextualizar para elaborar uma regra de ação ao jogo e ao jogar, no qual será descrito
com detalhes como foi o processo a partir do contexto teórico presente na história da
arte, do estilo acadêmico realista e dos movimentos artísticos tais como o
impressionismo, expressionismo, cubismo, futurismo, abstracionismo, surrealismo, pop
art e op art. Nestes estudos, o que foi priorizado foram as características da pintura
artística, não desprezando as demais como arquitetura e escultura, e sim pelo objetivo
da disciplina de artes de apresentar os conteúdos pictóricos naquele momento em que se
viveu a experiência com a turma. As imagens presentes no baralho são imagens
pertencentes a era pré-industrial, mecânica e eletro eletrônica, divisão apresentada por
Paulo Laurentiz.
Ainda na primeira parte do capítulo, mostraremos como este mesmo jogo modificado
foi aplicado com a turma de desenho em pintura de um ateliê chamado Contrate Artes.
Nesta segunda experiência com o jogo modificado, os alunos tiveram que descobrir o
porquê das regras de ação existentes por meio da pesquisa teórica, ou seja, pelo
processo de contextualização da abordagem triangular. Isso se deu porque algumas
18
Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
alunas já haviam jogado o jogo na escola e, então, acabaram falando as regras
existentes. Devido a isso é que conduzi os outros alunos, com exceção destas duas, a
pesquisarem o porquê da regra de ação do jogo modificado era desta maneira e não de
outra, ou seja, o que aquele símbolo, sinal, som ou gesto tinha a ver com as
características presentes no período da imagem da carta apresentada.
Considerando as duas experiências nesta primeira parte, ao final mostraremos a
opinião de alguns alunos que vivenciaram ambas as experiências em uma imagem
postada (publicada) na rede social (da internet) do corrente ano, pois não há registros na
época em que as atividades foram desenvolvidas.
Portanto, partindo das experiências citadas é que, na segunda parte do capítulo,
teremos uma outra experiência estética vivida com os alunos do curso de licenciatura
em Artes Visuais da Universidade de Passo Fundo, RS. Por eles apresentarem e
relatarem dificuldades semelhantes as citadas na primeira experiência, citada na
primeira parte deste capítulo é que os alunos, futuros docentes da disciplina de Artes
Visuais, realizaram a leitura de imagens e modificaram jogos e suas regras baseados em
jogos já existentes para o estudo das características da pintura artística. Atividade
desenvolvida para futuramente poderem utilizar e aplicar métodos semelhantes de um
jogo adaptado e ou modificado, com seus futuros e atuais alunos.
O interesse em destacar, neste segundo capítulo, as experiências estéticas vividas
fundamenta-se, pois de posse de tais informações poderá permitir o professor de artes
ou até mesmo de outras disciplinas do currículo escolar e de outras áreas do
conhecimento, pensar estratégias iguais ou semelhantes para o enfrentamento do
problema de incentivo à pesquisa, à leitura de imagens e ao conhecimento das
características da arte, junto aos alunos, em um processo ao mesmo tempo dinâmico e
interativo.
Já no terceiro capítulo, intitulado Para um futuro entre jogo e arte no campo da
educação estética, buscou-se analisar a relação existente entre a arte e o jogo no campo
da educação estética, pensando na relação dos conceitos teóricos do capítulo I com a
prática das experiências apresentadas no capítulo II.
Assim pretende-se relatar neste último capítulo, de maneira mais específica, como o
processo de ensino e aprendizagem, proporcionados por meio de um jogo modificado,
pode propiciar melhoras no sentido de estimular a pesquisa, leitura de imagens e
conhecimento pela arte.
Conforme vamos adentrando neste capítulo, teremos como se fez presente nas
experiências o sócio construtivismo, a cognição o afeto. Como um jogo educativo que
tem a ludicidade pode ser instruído a jogar pelo desafio regido pelas regras através de
uma pesquisa de assuntos teóricos da disciplina. E nestes assuntos teóricos,
destacaremos o dialogismo do contexto sobre o contexto da história da arte no jogo
modificado artisticamente, para a compreensão do estilo acadêmico realista e dos
movimentos artísticos da modernidade presentes nas cartas, no qual podemos nos referir
a todos eles como sendo manifestações artísticas do período histórico contemporâneo.
19
Apresentaremos as análises das metodologias que foram utilizadas nas experiências
vividas. Em seguida, apresentaremos o jogo modificado artisticamente, intitulado por
nós de Mod Artístico, nas características de um bom jogo apresentado por James Paul
Gee no primeiro capítulo e como a metodologia de ler imagens de Ana Mae Barbosa foi
conduzida nas três experiências e como foi o processo avaliativo das experiências
estéticas.
Dessa maneira, com as análises que aqui trouxermos, poderemos pensar nas
possíveis respostas da segunda e da terceira questão e, então, encontrar a maneira, pelas
reflexões feitas, de como desenvolver a educação estética na relação com o jogo e a arte
e, assim, apresentar como é possível pensar em melhoras educacionais para um futuro
entre jogo e arte no campo da educação estética. Nesse sentido, espero que a leitura
colabore para instigar também em nosso leitor as questões aqui inicialmente delineadas.
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
Capítulo 1 - FUNDAMENTOS ESTÉTICOS DO JOGO E DA ARTE NO PROCESSO EDUCACIONAL
No primeiro capítulo proposto, nos dedicaremos a organizar as bases conceituais da
presente pesquisa nos termos de jogo, educação, estética e arte. Partindo do trabalho de
Friedrich Von Schiller (1759-1805) e Arlete dos Santos Petry (2010), no qual
relacionam o conceito de educação estética e construção do conhecimento no/com o
jogo e a relação da experiência estética com a arte, abordaremos o ponto de vista de Ana
Mae Barbosa. Barbosa defende a Abordagem Triangular que contribui com o ensino da
arte, no contexto em que o aluno aprende a sentir a arte, compreendê-la historicamente,
apreciá-la esteticamente e a produzir arte. Neste sentido:
―A produção de arte ajuda a criança a pensar inteligentemente sobre a criação de imagens
visuais. Ela pode criar imagens que tenham força expressiva, coerência, discernimento e
inventividade. A crítica de arte desenvolve sua habilidade para ver, ao invés de
simplesmente olhar, as qualidades que constituem o mundo visual – um mundo que inclui,
e excede, trabalhos formais da arte. A história da arte ajuda a criança a entender alguma
coisa de tempo e lugar, pelos quais todos os trabalhos artísticos se situam: nenhuma forma
de arte existe em um vácuo descontextualizado. A estética é o mais novo componente
curricular da arte educação – compõe as bases teóricas que permitem o julgamento da
qualidade daquilo que se vê. Entender a variedade de critérios que podem ser aplicados às
obras de arte e refletir sobre os significados o conceito ―arte‖ é o principal objetivo da
estética‖ (Eisner , 1997, p. 83apud Matias; Pinto, 2007).
Dentro desta perspectiva seremos capazes de pensar as possibilidades de trabalho
com os alunos, em conjunto com outros autores como Johan Huizinga (1872-1945) e
Lev Vygotsky (1896-1934), que considerando o contexto o qual eles estão inseridos e a
realidade em que vivem, para propiciar através do jogo e suas regras o aprendizado das
artes, envolvendo a história da arte, o apreciar, o produzir, o contextualizar dentro de
atividades e estudos sequenciais que possibilitam a sensibilidade estética. Neste sentido
iremos refletir sobre uma das questões da pesquisa, que é como desenvolver a educação
estética por meio do jogo e da arte?
21
Figura 1: Criança brincando desenho de Silvia Trentin.
No universo da cultura humana, falar em jogo é o mesmo que falar em desafio,
conhecimento e aprendizado. Tal é quando nos referimos a algumas características da
educação. A educação conta com o eterno desafio de promover o desenvolvimento da
capacidade intelectual, emocional e social do indivíduo, o que vale dizer que pensar no
ser humano é pensar em sua totalidade, nas suas relações existentes com o meio social
para promover um desenvolvimento adequado possível através da união do jogo e da
arte na educação.
Desde muito tempo, vêm-se estudando o comportamento do ser humano, a fim de
promover uma educação na qual a escola possa proporcionar um ambiente adequado
para cumprir com seu objetivo. Filósofos e estudiosos, tais como Platão (427 A.C. – 347
A.C.), Aristóteles (384 a.C.-322 A.C.), John B. Watson (1878-1958), Frederic Skinner
(1904-1990), Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky (1896-1934) entre tantos outros,
se dedicaram a pesquisar o comportamento humano para contribuir com o desafio de
educar auxiliando no desenvolvimento completo do ser humano.
Hoje, no contexto atual, mediante as inúmeras informações e tecnologias disponíveis,
faz-se necessário, ações de orientar os alunos a uma aprendizagem para a construção do
conhecer do aluno com o seu meio, estabelecendo relações como na teoria
construtivista, em que o aluno passa a ser um agente ativo da aprendizagem. Esta é a
orientação seguida na educação proposta pelo Ministério da Educação1.
O construtivismo é uma teoria que busca um processo que seja construído
internamente pelo sujeito da aprendizagem (o estudante), em que o conhecimento e
1 A orientação do Ministério da Educação pode ser encontrada em A Constituição de uma Referência
Curricular Concepção de Ensino e de Aprendizagem. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf. Acesso em: 30/06/14.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
estrutura partam do aluno, a sua relação com o professor, para o meio, pesquisando e
estudando estas relações.
Esta corrente construtivista teórica deriva das teorias da epistemologia genética de
Jean Piaget que contribuem muito em suas pesquisas devido às análises de
desenvolvimento mental do ser humano, dadas através do pensamento, linguagem e da
afetividade. Assim como Piaget, Lev Vygotsky, do qual deriva a perspectiva do sócio
construtivismo, propõe que o aluno seja agente ativo na própria aprendizagem, mediante
a interação, experiências em grupo sendo estimulado (pelo professor) a buscar e
encontrar respostas, a questionar e criar pensando no interior do meio social, cultural e
físico no qual se encontra – e, também a transformá-lo, na medida em que possível.
Tanto Piaget como Vygotsky são observadores argutos do comportamento infantil. A
perspectiva construtivista foi amplificada por Vygotsky com a abordagem do
materialismo dialético (na perspectiva sociocultural). Ele concebe o organismo como
uma estrutura de alto grau de plasticidade e, capaz da observação do meio ambiente
como contextos culturais e históricos em constante mudança. Será dentro deste que as
crianças nascem eventualmente participando da sua transformação. ―Enquanto Piaget
destaca os estágios universais, de suporte mais biológico, Vygotsky ocupa-se mais da
interação entre as condições sociais em transformação e os substratos biológicos do
comportamento‖ (Steiner e Souberman, 2007 in Vygotsky (2007, p. 152).2 O
pensamento de Vygotsky constitui a base teórica de uma análise do desenvolvimento
dialético-interacionista do ser humano, a qual se refere a interação do sistema funcional
de aprendizado entre as bases biológicas de comportamento e as condições sociais da
atividade humana (idem, p. 154).
Nestas análises de desenvolvimento das interações com o outro e com o meio
Vygotsky apresenta o jogo. Referência a ele nos termos brinquedo e jogo como
sinônimos ao ato de brincar, brincadeira e jogo de regras, e que na criança as ―maiores
aquisições são conseguidas no brinquedo‖ (Vygotsky, 2001, p. 118), ou seja, no jogo.
Neste aspecto, vamos priorizar em nosso trabalho o ponto de vista de Vygotsky,
quando afirma que: a partir do contexto do jogo e no contexto escolar a criança:
―[...] elabora habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis que passará a
internalizar. Durante as brincadeiras todos os aspectos da vida da criança tornam-se temas
de jogos; na escola, tanto o conteúdo do que está sendo ensinado como o papel do adulto
especialmente treinado que ensina são cuidadosamente planejados e mais precisamente
analisados‖ (Steiner; Souberman, 2007, p. 162 in Vygotsky, 2007).
Nesse sentido, em que ocorre a internalização da aprendizagem pelo social, chamada
de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) em que se apresenta em ambos, no jogo e
na escola.
2 As autoras são Vera John-Steiner e Ellen Souberman, fazem parte da organização do livro A Formação
Social da Mente, L.S. Vygotsky (2007), juntamente com Michael Cole e Ellen Souberman, cuja
citação está no posfácio do livro.
23
Vygotsky apresenta a Zona de Desenvolvimento Proximal, como uma maneira de
interiorizar os conteúdos e as ferramentas psicológicas de sua cultura, mostrando como
ocorre esta transição do interpessoal ao intrapessoal, (Cubero, Luque in Coll, Marchesi,
Palacios &col., 2004, p. 99) assim, Mustaro (2013) enfatiza como esta relação se dá
com o jogo, afirmando: ―os jogos eletrônicos possibilitam às crianças testarem suas
hipóteses, realizar descobertas, etc., além de permitirem que as distâncias envolvidas em
Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZDP) possam ser reduzidas, funcionando como
mediadores da aprendizagem‖ (Mustaro, 2013, p. 50 in Camargo; Mansano, 2013)
Logo, esta relação mostra como o jogo assume um papel de suma importância no
processo de ensino aprendizagem, permitindo o indivíduo ir além de suas competências
atuais.
As competências, as descobertas, o aprendizado e seu conhecimento adquirido por
meio do jogo, se dão na relação com outros indivíduos. Como referencia Moreira (1999)
ao citar Vygotsky (1930). ―No desenvolvimento cultural da criança, toda função aparece
duas vezes - primeiro em nível social, e depois em nível individual; primeiro, entre
pessoas (interpessoal, interpsicológica) e, depois, se dá no interior da própria criança
(intrapessoal e intrapsicológica)‖ (Vygotsky, 1930 apud Moreira, 1999, p. 111). Assim
percebemos como ele foca a interação social como papel crucial e determinante para a
construção do conhecimento. Então, nas relações entre seres humanos, consideramos
uma ideia sócio interacionista construtivista de jogo.
1.1 - Por um conceito ontológico-construtivista de Jogo
Definir o conceito de jogo relacionando com os conceitos de conhecimento, cultura,
desenvolvimento e a ludicidade no aprendizado do indivíduo, que significa trabalhar em
um recorte de pensamento transdisciplinar. Neste sentido, a abordagem transdisciplinar
que aqui iremos enfocar, realiza a leitura e junção de autores como Friedrich von
Schilller (1759-1805), Lev Vygotsky, Johan Huizinga (1872-1945) e Hans-Georg
Gadamer (1900-2002), isto a partir da perspectiva traçada pela pesquisadora Arlete dos
Santos Petry (2010).
Em sua tese de doutorado, Petry (2010) apresenta uma investigação do conceito de
jogo, que recolhe o essencial do seu desenvolvimento dentro da tradição Ocidental, dos
gregos aos nossos dias, situando o ponto norteador em uma abordagem considerada por
alguns com a da filosofia continental (europeia), na qual toda a reflexão sobre o jogo
remonta às relações entre iluminismo pascalino com o pensamento do romantismo
alemão de Goethe (1749-1832) e Schiller.
Petry (2010), situa a definição de jogo a partir do palavra na língua alemã Spiel,
encontrando em spielen um verbo de significado e espectro muito amplos. Como
designando diversas atividades lúdicas, tais como: brincar, realizar jogos de salão,
participar de competições esportivas, praticar jogos de azar, bem como fazer uma
representação em um espetáculo ou, na vida real e, ainda, a atividade lúdica do ato de
24
Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
tocar um instrumento, de dançar, etc. (Buytendijk, 1997; Inwood, 2002 apud Petry,
2010, p. 31)3.
Ora, considerando esta multiplicidade de interpretações do jogo e por ser um
elemento muito conhecido e vivenciado na vida fática humana, com uma variada
diversidade de aplicações e ações presentes, Petry (2010, p. 30) enfatiza que o mesmo
conceito de jogo nem sempre corresponde aos mesmos fenômenos. Entretanto, mesmo
em seus diferentes sentidos, diferentes linguagens, possuem algo em comum que os liga
por um secreto e profundo laço, capaz de sustentar a progressiva construção do
conhecimento através das várias progressões do fenômeno jogo. É nesse sentido que
nossa investigação se alinhará à pesquisa de Petry, na medida em que o jogo não
somente colabora, mas também se constitui no centro da construção do conhecimento,
aqui colocado no contexto da atividade artística e da aprendizagem das características
da pintura artística da arte moderna, tal como será desenvolvimento de forma expositiva
e mostrativa4 através de uma experiência de construção de um jogo no contexto de uma
experiência de aprendizagem.
Este ponto de vista segue a ideia de que o jogo se constitui como um formador da
cultura humana (Huizinga, 2012). Desta forma, como cultura, ele é igualmente um
poderoso construtor do conhecimento artístico e científico, precedendo a todas as
demais formas da cultura humana: ―o jogo é mais antigo e muito mais original do que a
civilização (Huizinga, 2012, p. 85)‖. Tão antigo como coloca Luis Carlos Petry em suas
notas de arguição intituladas de Spieltraum5:
―Ele possui (o jogo) aproximadamente a mesma idade da chamada tradição Ocidental que
remonta aos Gregos, quer contemos pelo nascimento dela na filosofia com Anaximandro ou
na literatura com Homero. Assim, para mostrar isso, lembramos que o filósofo Heráclito
(535 a.C. - 475 a.C.) nos deixou um fragmento inaugural sobre o jogo: ―Tempo é criança
brincando, jogando; de criança o reinado‖ (Heráclito, 1978, p. 84). O que temos aqui é o
fato constatado pela observação de Heráclito, há cerca de 2.500 anos atrás, de que o jogo e
a sua problematização são velhos conhecidos da filosofia‖ (22/05/2014, p. 1).
Mesmo sendo antigo está presente atualmente em nosso meio como algo recente,
inédito e de vanguarda. (Petry, Spieltraum) Esta realidade dá-se porque a intensidade do
jogo e seu poder de fascinação, sua capacidade de excitar são características próprias
essenciais e primordiais do jogo. Essas características não podem ser explicadas por
3 A tese de Arlete dos Santos Petry é uma pesquisa que norteou os nossos estudos e abre um campo de
investigação que possibilita o entendimento das formas do jogar como elementos participantes da
produção de conhecimento e autoria. Foi lançada em livro em 2014: Petry, A. S. (2014). Jogo, autoria
e conhecimento: fundamentos para uma compreensão dos games. São Paulo. Paco Editorial. ISBN:
9788581484204. Durante o nosso texto, poderemos em momentos referir-nos à autora das seguintes
formas: (1) Petry, A.; (2) Arlete dos Santos Petry e por (3) Arlete Petry. 4 Conforme o colocado por Luís Carlos Petry, em sua Tese de Doutorado, 2003: Topofilosofia, na qual
nos mostra que o mostrar se constitui em homólogo ao demonstrar, na imagem, na hipermídia e nos
jogos (Vide Bib.). 5 Notas de nosso Orientador Luís Carlos Petry para leitura na arguição da Qualificação de Mestrado de
Angelica Caniello, A interação e o lúdico no game educativo: um olhar semiótico. Orientadora: Profa.
Dra. Luciana Coutinho Pagliarini de Souza. PPG em Comunicação e Cultura da UNISO-SP, em
22/05/2014.
25
análises biológicas porque apresentam um caráter profundamente estético, em que a
tensão, a alegria e o divertimento resistem às interpretações racionalistas (Huizinga,
2012, p. 5).
O divertimento no jogo, por mais que não possa ser explicado ele pode ser
vivenciado em sua totalidade, pois ―é legítimo considerar o jogo uma ‗totalidade‘, no
moderno sentido da palavra, e é como totalidade que devemos procurar avalia-lo e
compreendê-lo (idem, p. 5-6)‖.
É nesta compreensão que Huizinga, define o jogo como uma ―forma específica de
atividade, como forma significante, como função social.‖ (2012, p. 6). É na função
social, com interações dos jogadores com o meio que Vygotsky (2012) apresenta o
brincar, o jogo, a diversão como um elemento essencial para a construção do
conhecimento, que auxiliará no desenvolvimento social, intelectual e emocional do
indivíduo.
Portanto, o jogo no contexto educacional apresenta relação entre os jogadores, no
caso os alunos, que podem desenvolver o seu aspecto afetivo e cognitivo. Esta
afirmação subsidiada por Tezzani, que nos coloca que: ―no uso dos jogos, há dois
aspectos primordiais: um referente à afetividade, expresso durante a ação, e outro
referente aos aspectos cognitivos, por meio dos quais o jogo proporciona avanços nos
processos de aprendizagem e desenvolvimento (2006, p. 2)‖. Em uma reflexão sobre os
processos artísticos (na aprendizagem), designamos este fenômeno como elaboração.
Elaboramos situações dentro do jogo pelo jogar – produzimos mundos de imaginação –
os quais foram igualmente identificados pela pesquisa psicanalítica, como nos bem
mostra a leitura crítica de Arlete Petry (2010)6.
Dessa maneira, será no elaborar que encontraremos as dimensões do aprendizado
ocasionadas por meio do brinquedo, do brincar, do jogo, na relação entre o indivíduo e
o meio, desencadeando o processo interno do mesmo, que corresponderia a relação
sócio interacionista, a qual conduziu Vygotsky a formular o conceito da Zona de
Desenvolvimento Proximal. Ora, a chamada ZDP é a relação existente entre o
desenvolvimento real e potencial do sujeito humano. No [1] desenvolvimento real, a
criança encontra soluções aos problemas de maneira independente. No [2]
desenvolvimento potencial, a solução dos problemas é dada sob a orientação de um
adulto. Por outro lado, quando ela consegue realizar algo que foi mediado por outra
pessoa de maneira independente, ela atinge então a Zona de Desenvolvimento Proximal.
Dadas estas possibilidades (na relação entre [1] e [2]), Vygotsky nos mostra que esta
ZDP hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã, portanto aquilo que o aluno faz
com assistência hoje, ele será capaz de fazer por si mesmo amanhã (2007, p. 98).
Seria na relação entre seres humanos com o ambiente físico e social, que a ZDP se
completaria quando a orientação de um adulto for de maneira adequada, ou seja, com
sugestões de problemas, mediando análises, e não dando a solução dos problemas às
6 Por exemplo, em seu artigo para o SBGames de 2012, intitulado, Pode a filosofia auxiliar na
compreensão do que é Game? Disponível em: http://www.sbgames.org/papers/sbgames10/
culture/full/full20.pdf Acesso em: 25/05/2014.
http://www.sbgames.org/papers/sbgames10/culture/full/full20.pdfhttp://www.sbgames.org/papers/sbgames10/culture/full/full20.pdf
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
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crianças. Um professor que trabalhe instigando seus alunos a encontrar as soluções, sem
dar as respostas diretas (prontas e como fórmulas simplesmente a serem aplicadas),
estará estimulando a reflexão, a criatividade, o senso crítico, desenvolvendo o lado
afetivo e contribuindo com o aprendizado como um todo.
Desse modo, a ZDP mostra que o indivíduo só desenvolve com a participação e
colaboração de outros indivíduos, na relação indivíduo com seu ambiente sócio cultural,
pois, o que hoje o mesmo realiza com a ajuda de alguém, futuramente ele conseguirá
realizar sozinho, isso porque como afirma Vygotsky:
―O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de
operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em
cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se
parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança‖ (2007, p. 103).
É nesta relação social com os colegas, que se acredita ser na afetividade o desejo da
vontade de aprender, de construir conhecimentos, para auxiliar nesta ligação do aluno
com o meio para a aquisição de novos conhecimentos. Toda a participação no seio de
uma relação com o outro é uma relação social e permeada pelo que os pesquisadores
chamam de afetividade7.
Ora, juntamente com os aspectos cognitivos, construídos no social, a afetividade
como um poderoso laço social, participa da construção e coloca em movimento a ZDP.
A cognição possui direta vinculação com a afetividade. Fernández (1990, p. 18) nos diz
que é na afetividade que se realiza a libertação da inteligência aprisionada e o encontro
com o perdido prazer de aprender (Tezani, 2006, p.11). Nesta linha de pensamento
encontramos Weiss (2000, p. 23), observando que ―os aspectos emocionais estariam
ligados ao desenvolvimento afetivo e sua relação com a construção do conhecimento e a
expressão deste através da produção escolar‖. E na sequência, o pesquisador chama em
seu favor os conceitos da psicanálise, pois a afetividade nos remete ―aos aspectos
inconscientes envolvidos no ato de aprender‖ (sic). Para ele, a afetividade como carinho
e cuidado contribuem para uma diminuição dos fracassos escolares e um aumento do
interesse no conhecimento e, igualmente, dar sentido ao que é realmente significante
para quem quer aprender.
Tal perspectiva nos conduz a ideias que não são novas e que precisam ser resgatadas
na história do pensamento do Ocidente, tal como nos adverte Arlete Petry (2010). Nelas
é que é possível ―a construção de um espaço de jogo, de interação e de criatividade
proporcionaria o aprender com seu objetivo máximo, com sentido e significado, no qual
o gostar e o querer estariam sempre presentes‖, como complementa Tezani (2006, p. 11-
12)
7 De acordo com as informações da Wiki, afetividade é ―Afetividade é a relação de carinho ou cuidado
que se tem com alguém íntimo ou querido. É o estado psicológico que permite ao ser humano
demonstrar os seus sentimentos e emoções a outro ser ou objetos. Pode também ser considerado o laço
criado entre humanos, que, mesmo sem características sexuais, continua a ter uma parte de "amizade"
mais aprofundada‖ (Vide: http://pt.wikipedia.org/wiki/Afetividade). A ideia dos afetos é
primeiramente construída na psicanálise de Freud e os trabalhos de Arlete dos Santos Petry (vide Bib.)
mostram a sua pertinência nos games em todos as suas relações com a psicanálise.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Afetividade
27
Ora, tais posições deixam claro que os aspectos afetivos fazem parte do processo de
aprendizagem, para o desenvolvimento cognitivo dentro dos processos de interação e
desenvolvimento social, e que se pode buscar o sucesso escolar por meio de atividades
significativas, proporcionadas por meio do jogo. Como Arlete Petry afirma na fala de
Lacan (2002, p. 514), que a produção do conhecimento, deixa aberto um caminho para
pensarmos o jogo relacionando com o desejo e a sua presença em nossas vidas. (Petry,
2010, p. 66). Da ideia inicial de afetividade descobrimos o seu fundamento como
desejo.
É no desejo de jogar, no brincar, na ludicidade e no prazer de um ambiente, em que o
jogo proporciona possibilidades, estímulos, será pelo imaginário, pelo mundo dos
símbolos e das regras que acontecerá o aprendizado. O que nos conduz a pensar a
relação entre os pensadores (Petry, Tezani, Weiss e Fernández acima) e o formulado por
Vygotsky, quando este apresenta o jogo como brinquedo e nos mostrar que
―O brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos. Ensina-a a desejar, relacionando
seus desejos a um ―eu‖ fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as
maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro
tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade‖ (2007, p. 118).
Estas aquisições adquiridas farão parte da sua história de vida uma vez que o jogo foi
trabalhado tanto nas dimensões cognitivas quanto afetivas. Portanto cabe ao professor
no processo de ensino aprendizagem trabalhar com jogos educativos que possuam fins
educacionais, com objetivos de aprendizagens bem definidos, como observa a semiótica
de Santaella (2012). Ou seja, é trabalhando com conteúdos das áreas de conhecimento,
promovendo o desenvolvimento de competências para ampliar a capacidade cognitiva e
intelectual dos estudantes, atentando para as questões fundamentalmente lúdicas (p.
188).
Os objetivos e bons princípios da aprendizagem, devem estar inseridos no jogo.
Assim como salienta James Paul Gee (2009): um jogo para que ser educativo deverá ser
aquele, em que mesmo dentro e fora das escolas, os jovens os jogam com sentido
reflexivo e estratégico. (Gee, 2009, p. 167) Ao mesmo tempo, em que apresente
conteúdos significativos e a ludicidade.
1.2 - Ontologia do jogo educativo: entre o jogar e o aprender no jogo
Um jogo educativo deve promover o conhecimento pela via da ludicidade, caso
contrário ele acaba se tornando apenas outra maneira de apresentar os conteúdos, sem
proporcionar diversão, desafios, regras próprias, motivação e sem se dar de forma
voluntária, fugindo do conceito do que é jogo (Huizinga, 2012).
Portanto, dessa maneira é que está o desafio, de desafiar através do jogo educacional,
em que o aluno esteja inserido em um ambiente do qual queiram estar, sentido prazer
pelo conhecimento, refletindo, pensando estrategicamente, sem serem obrigados, se
envolvendo de tal maneira, que aprendam sem perceberem que estão aprendendo,
reconhece Souza (2011) quando nos diz sobre Prensky (2006) que:
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
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―Prensky (2006, p. 5) defende que o fator que mais atrai os jovens nos jogos não é a
violência, ou o assunto superficial. O grande motivo que os atrai e os faz jogar por dezenas
de horas é o fato de que eles estão aprendendo, e aprendendo coisas que são importantes
para o seu futuro. Da mesma forma que nós, adultos, adoramos passar horas treinando
nossas habilidades na pesca, futebol ou quaisquer hobbys, os jovens também adoram
aprender quando isto não ocorre de forma impositiva‖ (Prensky, 2006, p. 5 apud Souza,
2011, p. 19).
Souza (2011), em sua pesquisa de mestrado, seguindo Gee (2004) trabalhou a
possibilidade da utilização de jogos blockbusters, os chamados jogos comerciais, nos
processos de ensino-aprendizagem. Foi partindo das ideias de Gee, dentre outros, como
Moita (2007), Manovich (2001), Prensky (2006), Jenkins (2009), Johnson (2005) e
Petry (2003), que Souza realizou experimentos com vários jogos no contexto escolar
para o suporte da motivação dos alunos/jogadores. Assim demonstrou como nos diz
Malone (1981) que os jogos educativos devem apresentar três características que tornam
os jogos intrinsecamente motivadores, no caso o desafio, fantasia e curiosidade.
(Malone, 1981, apud Santaella, 2012, p. 192).
Será no desafio, na fantasia e na curiosidade que o papel do jogo educativo vinculará
as necessidades cognitivas e afetivas, ideias para um bom desenvolvimento da
sociedade. Petry (2014), revisando a abordagem de Amaral (1989), acrescenta ainda o
ponto de vista de Dewey a esta perspectiva, nos dizendo que o filósofo norte americano
atribuía ao jogo infantil o papel de expressão máxima da atividade espontânea da
criança e funcionando como o poderoso instrumento educativo, capaz de vincular as
necessidades cognitivas humanas e os ideais sociais de uma comunidade democrática.
O jogo contribuiria assim, para o alargamento da visão humanista do homem na
perspectiva de relacionar os sujeitos em uma sociedade que visa o todo. É nesse sentido
e caminho que encontramos também Almeida (1995) referenciado por Lago (2010)
quando escreve sobre o jogo educacional:
―Contribui e influencia na formação da criança, possibilitando um crescimento sadio, um
enriquecimento permanente, integrando-se ao mais alto espírito democrático enquanto
investe em uma produção séria do conhecimento. A sua prática exige a participação franca,
criativa, livre, crítica, promovendo a interação social e tendo em vista o forte compromisso
de transformação e modificação do meio‖ (Almeida 1995, p. 41 apud Lago 2010, p. 5).
Assim, todo jogo educativo deve ter seus aspectos lúdicos, agregando características
essenciais dos jogos de entretenimento que envolvem as crianças e adolescentes, dentro
de trabalhos que hoje aparecem no cenário educativo que mesclam jogos de
entretenimento, atividades sócio-culturais e estímulos à educação8.
8 Neste caso, destaca-se a ONG "Jogos pela Educação" foi fundada em 2010, a partir de uma pesquisa
acadêmica, desenvolvida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por Jaderson de Souza,
dentro da linha de pesquisa em jogos digitais do PPG Tecnologias da Inteligência e Design Digital,
orientada pelo Prof. Dr. Luís Carlos Petry. A partir de então, a Jogos pela Educação busca contribuir
com a educação de nossas crianças e jovens através de atividades realizadas com VIDEOGAMES. De
acordo com informações colhidas no site, a Jogos pela Educação parte do princípio de que os jogos
são objetos repletos de possibilidades, as quais desembocam de diversas formas na construção de
saberes. Apoiados em diversas pesquisas realizadas no Brasil e em outros países, e em especial nas
pesquisas realizadas pelo TIDD, a ONG desenvolve atividades que trazem à tona o potencial dos
29
Um jogo que apresente as características essências de um jogo de entretenimento,
possui como já citado por Huizinga, desafio, fantasia, curiosidade além de conteúdos,
regras e elementos como tensão, equilíbrio, compensação, contraste, variação, solução,
união e desunião (2012, p. 13).
Nestas características eles acabam por tornar através de uma atividade lúdica um
ambiente ativo de aprendizagem, pois o sujeito não absorve de um ambiente passivo, se
há estímulos, se há intervenção ativa, pedagógica, há experiências maiores de
aprendizagem. Interferir intencionalmente com o auxílio de uma atividade lúdica é
importante para ocorrer o desenvolvimento afirma Vygotsky9.
A atividade lúdica de uma forma abrangente foi abordada primeiramente por
Huizinga (2012), no qual define a natureza e o significado do ato lúdico, aquilo que em
nossa língua portuguesa definimos como jogar, brincar, representar, dançar, divertir, etc.
Capaz de absorver de maneira completa o jogador como afirma Huizinga:
―Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos considerá-lo
uma atividade livre, conscientemente tomada como ‗não-séria‘ e exterior à vida habitual,
mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma
atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter
qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma
certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a
rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por
meio de disfarces ou outros meios semelhantes‖ (Huizinga, 2012 p. 16).
Tendo em vista que por apresentar o jogo como uma atividade exterior a vida
habitual, e a ludicidade como sendo um mundo de ―ilusão, simulação‖ segundo
Huizinga (2012, p. 41), então podemos dizer, que o jogador, a criança, está simulando
um outro mundo só para ela, como afirma Figueiredo (2011) ―dando-lhe uma
característica marcante, e ao mesmo tempo oferecendo-lhe novos poderes. No jogo a
criança cresce, liberando-se do domínio sob o qual ela era nada mais que um submisso e
como se sente pequena, tenta se realizar no seu mundo lúdico, evadir-se‖. Entretanto, é
nestas afirmações que o que Vygotsky fala a respeito do brinquedo e da criança e seus
desejos, confirmando que suas maiores aquisições são dadas por ele (brinquedo), e que
futuramente farão parte de seu nível básico de ação real e moralidade. (2007, p. 118).
Por este meio, o jogo permite um espaço de representação para a criança, dentro das
videogames para os processos de aprendizagem. Suas atividades para-educacionais são desenvolvidas
a partir dos jogos de entretenimento de prateleira. Tal posicionamento é diferente de muitos dos
trabalhos que ocorrem dentro da questão dos games e educação (jogos educativos), ao passo que
trabalhamos a partir de parâmetros conceituais do jogo que apontam para a liberdade do ato de jogar e
também o jogo com fim em si mesmo. A Jogos pela Educação está constituída como ONG
(organização não governamental) sem fins lucrativos e também como M.E.I (Micro Empresa
individual), distribuindo seus projetos nas áreas de filantropia e prestação de serviços. Para
informações mais detalhadas, consulte o site da ONG Jogos pela Educação:
http://www.jogospelaeducacao.com.br/. Acesso em: 30/06/2014. 9 Quem referencia é Martha Kohl de Oliveira por meio de um vídeo sobre Vygotsky que pode ser
visualizado no youtube em: http://www.youtube.com/watch?v=ih_e4O8xOqUAcesso em 19 de abril
de 2014.
http://www.jogospelaeducacao.com.br/
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
quais múltiplos cenários podem ser ensaiados, experimentados e, assim tanto o interesse
se mantém ativo como a vontade de compreender é estimulada.
Dessa forma, acredita-se que é pelo desafio e curiosidade que se desenvolve a
vontade de aprender, pois através do lúdico oportuniza-se à aprendizagem ao aluno, seu
saber, seus desejos, curiosidades, fantasias e desafios que permanecerão no indivíduo
dados pela via do prazer, e que poderão fazer parte de suas experiências futuras.
Os jogos educacionais com características lúdicas, possuindo conteúdos e
entretenimento, são uma área pouco explorada no campo educacional. Essa é a
observação que nos faz Santaella
―Um dos motivos encontra-se na dificuldade em se criar um jogo educacional que seja
interessante ao jovem. Até agora, a maioria dos jogos educacionais apenas atraem aqueles
que já têm um interesse em determinada área e não o público em geral. Por outro lado, os
games de entretenimento que atraem o grande público não são produzidos com o objetivo
explícito de fazer o jogador aprender alguma coisa‖ (Santaella, 2012, p. 193).
Quando pensamos em trabalhar com um jogo educativo que possua os aspectos
didáticos e lúdicos podemos adaptar, modificar um jogo já existente para torná-lo
prazeroso e espontâneo. Como afirma James Paul Gee, referindo-se a importância de
modificar um jogo, no qual usa a palavra customizar, ―os jogadores em geral podem, de
um jeito ou de outro, customizar um game para que ele se ajuste aos seus estilos de
aprender e de jogar‖ (Gee, 2009, p. 171) e a escola estabelecer intersecções verdadeiras
entre o currículo e os interesses, desejos e estilos dos aprendizes (idem).
O termo adaptado, refere-se aqui ao mesmo significado que o próprio verbo adaptar
é definido no dicionário da Língua Portuguesa Mini Aurélio, como adequar, ou
modificar o texto de (obra literária), aqui no caso do jogo, adequando-o ao seu público,
tornando mais apto a fazer algo. (2009, p. 93) No mundo digital dos jogos, nos games,
estes conceitos são definidos como Mods.
De acordo com a Wiki10
, um Mod consiste em uma modificação que permite que um
game seja alterado parcialmente ou mesmo em sua totalidade. Mod é uma abreviatura
da ideia de modificação e no contexto dos jogos eletrônicos, é utilizado para designar
um jogo que é construído pela modificação de outro jogo, seja de aspectos de seu
design, roteiro, código, etc., geralmente com o suporte de um motor de jogo que é
distribuído juntamente com o jogo original, com a proposta de que os seus jogadores
realizem as suas próprias modificações, gerando assim novas possibilidades para o jogo
inicial. Um caso famoso mais recente de modificação que resultou em um novo jogo foi
Dear-Esther. Em 2008, a partir de uma modificação de Half Life 2, o pesquisador Dan
Pinchbeck, da Universidade de Portsmouth (Uk), cosntruíu um Mod que o levou a uma
experiência acadêmica sobre as possibilidades da narrativa no ciberespaço, construindo
uma experiência poética que resultou na primeira versão de Dear-Esther11
.
10 Mod: Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Modification. Acesso em: 28/05/2014.
11 O site de Dear-Esther é: http://dear-esther.com/. Acesso em: 28/05/2014.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Modificationhttp://dear-esther.com/
31
Figura 2: Imagem de Conceito do Jogo Dear-Esther.
Em 2009, o artista de jogos Robert Briscoe12
, empolgado com a experiência subjetiva
que Dear-Esther proporcionava, tomou para si o projeto de realizar uma completa
reformulação de sua arte e design de nível13
, superando as deficiências que o Mod
impunha e mostrando o mais profundo potencial do projeto artístico e poético do
projeto. Dear-Esther tornou-se um ambiente para a experiência estética e poética.
*
Da mesma forma, um Mod construído para ou por um professor pode se tornar, como
jogo modificado, em um ambiente de experimentação, experiência e aprendizagem, tal
como temos os famosos laboratórios de física, química, matemática e biologia nas
escolas. Ao professor caberia analisar e proporcionar aos seus alunos as experiências de
jogos e modificações que melhor se adequem com a sua realidade de ensino-
aprendizagem. Desta forma, inseridos em uma história (narrativa) e defrontados com
desafios (Sousa, 2011), os jogadores-alunos podem se colocar diante do conhecimento
de uma forma diversificada e desafiadora.
1.3 - Caraterísticas de um “bom jogo” segundo James Paul Gee
Para esta análise, Gee (2003, 2004, 2005) nos apresenta alguns princípios de
aprendizagem que os bons jogos incorporam tais como: [1] identidade, [2] interação,
[3] produção, [4] riscos, [5] customização, [6] agência, [7] boa ordenação dos
12 O site de Briscoe é: http://www.littlelostpoly.co.uk/info/. Acesso em 28/05/2014.
13 Com o apoio da VALVE, descrito em http://dear-esther.com/?page_id=2 (Acesso em 28/05/2014). A
VALVE é uma plataforma de desenvolvimento de jogos. Veja:
http://www.valvesoftware.com/index.html. Acesso em 28/05/2014.
http://www.littlelostpoly.co.uk/info/http://dear-esther.com/?page_id=2http://www.valvesoftware.com/index.html
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Arte, Jogo e Educação. A educação estética na relação entre jogo e o ensino das características da
pintura artística. Dissertação de Mestrado. Silvia Trentin. PPG-Tecnologias da Inteligência e Design
Digital - PUCSP
problemas, [8] desafio e consolidação, [9] “na hora certa” e “a pedido”, [10] sentidos
contextualizados, [11] frustração prazerosa, [12] pensamento sistemático, [13]
explorar, [14] pensar lateralmente, [15] repensar os objetivos, [16] ferramentas
inteligentes, [17] conhecimento distribuído, [18] equipes transfuncionais, [19]
performance anterior a competência. Vejamos estes princípios colocados por Gee e
comentados.
[1] Identidade:
O ponto de vista do pesquisador é de que nenhuma aprendizagem profunda pode
ocorrer sem um compromisso a longo prazo por parte do aprendiz ou aprendente. Ao
realizar esta colocação, Gee nos traz os exemplos da física e da carpintaria, nos dizendo
que no processo do aprender, o aprendiz necessita assumir uma nova identidade.
Identidade significa aqui ser um sujeito que assume o compromisso de ver e valorizar o
trabalho e o mundo da forma como o fazem os bons físicos e carpinteiros (Gee, 2009, p.
179). Um bom carpinteiro precisa conhecer a fundo a essência e natureza dos materiais
com os quais trabalha a madeira, suas propriedades e possibilidades, é condição sine
qua non. Nos jogos digitais não é diferente (Petry et al., 2012), inclusive quando são os
jogadores que tem a possibilidade de construir, desde o começo, a sua personagem de
jogo, como em Elder Scrolls III: Morrowind (The Elder, 2002). Tanto quanto podemos
dizer que na carpintaria (como no desenho ou na pintura), faz-se necessária a formação
de um compromisso entre os sujeitos para que um objeto ou obra venha a ser
construído. Aqui o pensamento de Gee, parece que se alinha ao pensamento de
Heidegger14
(1927) e Sennet (1999), no sentido de que o trabalho colocado em uma
produção demanda de seu produtor, artista ou jogador, um aproximar-se da coisa
produzida pautado pelo signo do comprometimento – o qual os transforma: objeto
produzido e jogador. E diz então Gee: ―de qualquer modo, os jogadores se
comprometem com o novo mundo virtual no qual vivem, aprendem e agem através de
seu compromisso com sua nova identidade. Por que deveria a identidade de um cientista
ser menos atraente?‖ (p. 170). Tal fenômeno se dá pelo uso das ferramentas digitais, tal
como nos mostra, por exemplo, Petry (2003), quando diz que modelar é uma forma
ontológica de pensar. E o jogador que escolhe cuidadosamente o modo de ser de sua
personagem, que persegue os chamados itens para melhor situa-se dentro deste
necessário comprometimento. Em muitos casos podemos falar daquele sujeito que
jogou formando uma espécie de unidade com o jogo: um com o jogo com o qual joga e
é jogado.
14 Ver, por exemplo, a tradução de ―Heidegger: Interaction as tool use‖, de Dag Svanaes, realizada por
Rodrigo Freese Gonzatto: ―Heidegger usou um carpinteiro e seu martelo como um exemplo (Figura
11.5B). Winograd e Flores argumentam que um computador pode ser visto como uma ferramenta:
Para usuários habilidosos de computadores, o computador é transparente em uso – é ready-to-hand
(traduzindo: ser-à-mão, ser-disponível). Quando eu escrevo um documento em um editor de texto,
meu foco é no texto e não no editor de texto. Se meu editor de texto trava, meu foco se move do texto
no qual eu estava trabalhando para o próprio editor de texto. É apenas quando nós temos uma situação
de breakdown (traduzindo: de quebra ou bug) e o computador para de funcionar como uma
ferramenta que ele emerge como um objeto no mundo – ele se torna unready-to-hand (traduzindo:
ser-não-disponível). Se nós não formos capaz de corrigir o problema que causa o breakdown, ele se
torna present-at-hand (disponível)‖