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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
DOUTORADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA
LINGUAGEM
“COMPREENSÃO ATIVA E CRIADORA”:
UMA PROPOSTA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA DO JORNAL IMPRESSO
CLÁUDIA GRAZIANO PAES DE BARROS
ORIENTAÇÃO: PROF.ª DR.ª ROXANE HELENA RODRIGUES ROJ O
SÃO PAULO
2005
CLÁUDIA GRAZIANO PAES DE BARROS
“COMPREENSÃO ATIVA E CRIADORA”: UMA PROPOSTA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA DO
JORNAL IMPRESSO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Roxane Helena Rodrigues Rojo.
Cláudia Graziano Paes de Barros
São Paulo, dezembro de 2005
BANCA EXAMINADORA __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por meios fotocopiadores ou eletrônicos.
AGRADECIMENTOS
Palavras não são suficientes para expressar a gratidão a todas as pessoas que contribuíram para a concretização deste trabalho. Em todo o tempo, até mesmo nos momentos mais difíceis, não me vi sozinha. Por isso, obrigada A Deus, doce presença em minha vida; À Prof.ª Dr.ª Roxane Helena Rodrigues Rojo, pelo diálogo, orientação e pela compreensão ativa em todos os momentos; Aos professores doutores Beth Brait, Sheila Grillo, Geraldo Tadeu de Souza, Maria Inês Batista Campos e Raquel Fiad pelo diálogo empreendedor na leitura das qualificações desta tese; À direção, professores, funcionários e, em especial, aos alunos, sujeitos desta pesquisa, da Escola Estadual Maria Isabel Cavalcanti, por todo carinho com que me acolheram e pelo seu surpreendente envolvimento com este trabalho; À Universidade Federal de Mato Grosso, por me conceder o afastamento, sem o qual não seria possível realizar desta pesquisa; Aos funcionários e à presidência do setor de pós-graduação da PUC-SP, em particular, ao setor de bolsas, pela atenção e bom atendimento, pelo estímulo e ajuda na ‘questão da bolsa’. À CAPES, pela bolsa PICDT, que promoveu estes anos de estudo e crescimento profissional; Aos colegas de doutoramento, Laura (valeu mesmo, amiga!), Andréia, Lucinha, Ana Cláudia, Rossana, Romualdo, Paulinho, Shirley, Adelma (pelos toques, apostilas, leituras, choros e risadas compartilhados nestes anos); À Simone, querida amiga, quando Deus prepara as coisas, elas acontecem e ficam para sempre. Obrigada por tudo que compartilhamos nestes anos. E tem um povo especial, que merece meu carinho, amor e gratidão: Maria, Anabela, Isabel e a galera de São José: Márcia e Paulo, Arthur e Elieth, Dinha, Bispos Ana Gláucia e Wantuir Terra, Bernadete e as meninas da célula... e tem a Vera, que cuidava da casa, de mim e dos meninos... À Tainá, Ana Luiza, Luiz Felipe e Julinho, chuva no deserto, alegria de viver... Aos meus sogros, Arthur e Elialda, cujos pés são formosos, meu reconhecimento e gratidão pelo amor que têm por mim e por não calarem a Palavra. Ao Adriano e à Cláudia, Ulisses e Vânia, pelas orações e estímulos, por não me abandonarem em nenhum momento. À minha mãe e ao meu pai, por me fazerem crescer entre livros, estimularem a busca pelo conhecimento desde sempre, torcerem pelas minhas conquistas e me ensinarem sobre as coisas que valem a pena. Amo vocês! Ao Marcos, amigo e companheiro, pelo tempo em que olhávamos juntos na mesma direção... Obrigada, de coração. Ao Lucas e ao Marquinhos, que, como Josué e Calebe, souberam atravessar o deserto. Amo vocês, luz da minha vida. E que venha Canaã!
Resumo __________________________
Este estudo objetivou defender a tese de que os gêneros discursivos podem ser utilizados como objetos de ensino de leitura e de que as aulas de língua materna podem se constituir em espaços onde a interação entre os alunos e destes com a professora pode colaborar para o desenvolvimento de suas capacidades de linguagem. Procuramos, então, desenvolver um projeto de leitura com alunos de oitava série de escola pública estadual do Estado de São Paulo, em que se utilizou a primeira página de jornal impresso como objeto de ensino. Para a elaboração do projeto de ensino, recorremos às considerações de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano e o aprendizado e a importância das interações na construção do conhecimento. Estes pressupostos vygotskianos aliaram-se às idéias de Bakhtin acerca da natureza social da linguagem e de sua constituição dialógica, a partir da qual a leitura é considerada como um processo de compreensão ativa que acarreta uma série de inter-relações complexas que enriquecem o já compreendido com novos elementos no diálogo dos enunciados. A análise dos dados revelou que o gênero “primeira página de jornal impresso” atuou como um instrumento de ensino-aprendizagem de leitura e pudemos observar como o conhecimento sobre o gênero foi promovendo novas possibilidades de leitura, indicando novos caminhos para as reflexões que iam sendo tecidas no ato de compreender. Esses momentos de interação são os que melhor desvelaram o ato de leitura como um processo de compreensão ativa, em que as palavras do outro – colega ou professora – constituíram elos na cadeia da enunciação verbal que se ligavam e construíam novos sentidos o que possibilitou a ampliação das capacidades de leitura dos alunos, através da observação e integração dos materiais verbais e pictográficos.
Abstract __________________________ This study has as its aim to defend the thesis that discourse genres can be used as a resource for teaching reading and that mother language lessons can be spaces where the interaction between pupils and the teacher and pupils among themselves can encourage the development of their linguistic capacities. We have then made efforts to develop a reading project with pupils of the last grade of the basic level at a state public school of São Paulo State, using the first page of a printed newspaper as an educational resource. For the elaboration of the education project, we appealed to Lev Vygotsky’s proposals on human development and learning and the importance of interactions in the construction of knowledge. Vygotskian assumptions were combined with Bakhtinian ideas concerning the social nature of language and of its dialogical constitution, a perspective that sees reading as a process of active understanding that produces a series of complex inter-relationships that enrich the already understood with new elements in the utterances dialogue. Data analysis showed that the first page of a printed newspaper worked out as an instrument for teaching-learning reading and we could notice that knowledge about genre brought to the fore new possibilities of reading, indicating new ways for the reflections that were created in the very act of understanding. These moments of interaction were the places that better demonstrated the reading act to be a process of active understanding where the words of the other – be they a colleague or a teacher - constitute links in the chain of verbal enunciation whose relationships construct new senses that make possible broadening the pupils reading capacities by means of the reflection on and the integration of the verbal and pictorial materials.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................
01
CAPÍTULO 1 – LETRAMENTO, LEITURA E PRÁTICA ESCOLAR ....................
09
1.1. Letramento ou letramentos?....................................................................
10
1.2. Práticas de leitura: das reflexões teóricas à leitura na escola.................
19
1.2.1. Modelos cognitivos de leitura...................................................................
20
1.2.2. A leitura para as teorias da vertente discursiva e enunciativo-discursiva
28
1.2.2.1. A leitura para a vertente discursiva.......................................................... 29
1.2.2.2. A leitura para a vertente enunciativa .......................................................
32
CAPÍTULO 2 – ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA: VYGOTS KY E BAKHTIN ...............................................................................................................
37
2.1. A Teoria de Aprendizagem Vygotskiana..................................................
37
2.2. A Leitura como Atividade Dialógica.........................................................
42
2.3. Os gêneros discursivos............................................................................
51
2.4. Os gêneros discursivos como objetos de ensino de leitura e escrita......
53
CAPÍTULO 3 – O JORNAL IMPRESSO: A ESFERA JORNALÍSTI CA E A
ESFERA ESCOLAR
58
3.1. A esfera jornalística..................................................................................
58
3.2. Sobre o jornal impresso............................................................................
65
3.3. Sobre a multimodalidade..........................................................................
80
3.4. O jornal impresso nas escolas.................................................................
85
3.4.1. Os programas educacionais mantidos pelos jornais................................
87
3.4.2. Iniciativas de professores e pesquisadores para o ensino de Língua Materna com a utilização do jornal.........................................................
89
3.4.2.1. Propostas que incentivam a leitura de textos jornalísticos e a
produção de jornais escolares................................................................
90 3.4.2.2. Propostas de ensino-aprendizagem que tomam os gêneros
jornalísticos como objetos de ensino......................................................
92
3.5. Leitura do jornal impresso: uma proposta............................................... 95
CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA DE PESQUISA .................................................
97
4.1. Metodologia de Coleta dos dados............................................................
99
4.1.1. Descrição do locus...................................................................................
101
4.1.2. Os sujeitos...............................................................................................
103
4.1.3. Metodologia de sala de aula....................................................................
104
4.1.3.1. O projeto..................................................................................................
104
4.1.3.2. Os materiais utilizados nas aulas.............................................................
104
4.1.3.3. O planejamento das atividades...............................................................
105
4.2. Metodologia de análise dos dados...........................................................
111
CAPÍTULO 5 – OS SUJEITOS E OS ENCONTROS ............................................
115
5.1. Os Sujeitos: Práticas de Letramento.........................................................
115
5.2. Os Encontros............................................................................................
126
5.2.1. O outro e a construção dos sentidos.......................................................
126
5.2.2. O encontro e o aprendizado......................................................................
138
5.2.2.1. O gênero como mega-instrumento de aprendizagem...............................
139
CAPÍTULO 6 – A(S) LEITURA(S) DO JORNAL IMPRESSO ..............................
148
6.1. Capacidades de linguagem e ensino de leitura do jornal impresso.........
149
6.2. Ler é entender o que tá escrito... e o que não tá escrito também é
compreender.............................................................................................
158
CAPÍTULO 7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... 180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................
192
ANEXOS............................................................................................................. 204
1
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, tem se observado uma crescente demanda pela
leitura e pelo domínio da linguagem escrita em todas áreas da vida social. Tal
demanda não se restringe ao contexto brasileiro, mas diz respeito a um contexto
mundial, que hoje coloca o domínio das diversas capacidades de linguagem, em
especial das capacidades de leitura, como condição para acesso ao
conhecimento, à participação social e o exercício efetivo da cidadania. O domínio
de tais capacidades diz respeito tipos e níveis de letramento que vão além da
decodificação da escrita, concernentes às diversas capacidades de leitura e
escrita necessárias em diferentes práticas sociais.
Para responder a essas demandas, o sistema educacional brasileiro
vem propondo várias instruções oficiais para o ensino. Dentre essas ações,
destacam-se a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a
elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para os diversos
níveis de ensino e a reformulação do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD).
A partir dessas políticas públicas adotadas, também se implantaram
programas nacionais de avaliação – SAEB e ENEM – do rendimento dos
alunos nos níveis fundamental e médio. Esses exames têm demonstrado um
baixo rendimento do alunado, cuja principal causa é, sobretudo, o nível de
leitura dos avaliados.
O SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) é
realizado a cada dois anos e consiste em uma avaliação do desempenho de
alunos da quarta e oitava séries do ensino fundamental e terceira série do
2
ensino médio. De acordo com o INEP1, os resultados dos anos de 2001 e 2003
apresentam uma pequena diminuição nos índices de desempenho dos
estudantes brasileiros de 8ª série relativos à leitura, o que, de acordo com o
Instituto, não representa uma mudança significativa na média nacional, que
passou de 235,2 para 232 pontos. Segundo o Instituto, nesse patamar, os
alunos conseguem identificar a descrição de um lugar em textos publicitários e
tema de texto poético de baixa complexidade (MEC/INEP, 2004: 9). Para esse
nível de escolarização, a média que representaria um padrão mínimo
satisfatório, considerando oito anos de escolarização, é de 300 pontos
(MEC/INEP, 2004: 10).
O ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio) é uma avaliação que se
realiza anualmente com os alunos do terceiro ano e egressos do Ensino Médio
que objetiva ajudar o estudante a conhecer melhor suas possibilidades
individuais para enfrentar os desafios do dia-a-dia, por meio da verificação dos
conhecimentos adquiridos na escola (MEC/INEP, 2005c: s/p).
De acordo com o INEP, o ENEM de 2004 objetivou avaliar os alunos em
relação ao domínio de linguagens, a compreensão de fenômenos, o
enfrentamento de situações-problema, a construção de argumentações e a
elaboração de propostas de intervenção na realidade. Os resultados do ENEM
2004 demonstraram que, na parte objetiva do exame, os participantes tiveram
mais dificuldades quanto às capacidades de relacionar informações,
representadas de diferentes formas e de usar os conhecimentos disponíveis
em situações concretas.
Jurado (2003), analisando os resultados do relatório do ENEM 2002,
afirma que estes indicam que:
Parece aumentar ainda mais a distância entre o leitor desejado e o leitor
real: 74% dos participantes obtiveram desempenho entre insuficiente e
regular, apenas 23% regular a bom e 2,5%, bom a excelente. O baixo
1 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – órgão autárquico vinculado ao
Ministério da Educação (MEC) – que tem como objetivos, entre outros: organizar e manter o sistema de informações e estatísticas educacionais; planejar, orientar e coordenar o desenvolvimento de sistemas e projetos de avaliação educacional, visando o estabelecimento de indicadores de desempenho das atividades de ensino no País (INEP, 2005a: s/p, disponível em www.inep.gov.br/ institucional/ finalidades. htm, acesso em 09/08/05)
3
rendimento é relacionado ao maior número de alunos pobres e que
freqüentaram, exclusivamente, escola pública (73% do total) –
participantes deste último exame (Jurado, 2003: 164).
A autora conclui que os resultados do relatório do ENEM, diferentemente
dos do SAEB, não apontam para um perfil de leitor que temos, m as para
um perfil de leitor que não temos e seria esperado que tivéssemos
(Jurado, 2003: 164, ênfase adicionada).
Além desses programas, o Brasil tem participado, desde o ano de 2000,
do PISA2 (Project for Internacional Student Assessment, ou, como vem sendo
denominado no Brasil, Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Este
programa tem como objetivo produzir indicadores sobre a efetividade dos
sistemas educacionais de cada país, avaliando o desempenho dos alunos na
faixa etária dos 15 anos, idade que pressupõe o término da educação básica.
Essa avaliação ocorre a cada três anos com provas que trazem ênfases
distintas em três áreas: Leitura, Matemática e Ciências. Em cada edição, o foco
recai principalmente sobre uma dessas áreas. Em 2000, o foco era a Leitura:
em 2003, a área principal foi a Matemática; em 2006, a avaliação terá ênfase
em Ciências. No ano de 2000, o desempenho dos alunos brasileiros foi
considerado sofrível, segundo o relatório do INEP, tendo alcançado o último
lugar na colocação dentre os países participantes da avaliação. Já no ano de
2003, o Brasil saiu da última colocação, melhorando o seu desempenho geral,
no entanto, essa melhora não se verificou no que trata da leitura: Na geral de
Leitura, o Brasil não mostrou variação, se comparado com 2000 (...)
(MEC/INEP, 2005b: s/p), esse avanço no desempenho corresponde às áreas
de Matemática e Ciências.
A partir desses resultados, observa-se que os sistemas de avaliação
esperam dos alunos capacidades de leitura ainda não alcançadas nesses
níveis de ensino. De acordo com Jurado (2003: 52),
2 O Pisa é um programa da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico –, uma organização global que declara ter como objetivo auxiliar os países envolvidos no desenvolvimento de melhores políticas nas áreas econômicas e sociais.
4
Tanto os sistemas de avaliação quanto os exames de vestibulares estão
preocupados em medir e avaliar as capacidades letradas desenvolvidas
pelos alunos na vida escolar. Pensando essas capacidades em termos
de capacidades leitoras, essas avaliações, mais que documentos como
os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, vêm
determinando o leitor idealizado que, segundo eles, em linhas gerais, é o
leitor crítico; o leitor que domina uma diversidade de usos sociais da
leitura, como, por exemplo, ser capaz de ler um jornal.
Refletindo sobre esse contexto, nosso interesse se volta para a
construção de um trabalho que encaminhe para a formação de leitores críticos,
capazes de atribuir significados a quaisquer textos. Por essa razão, pensamos
em uma pesquisa que procurasse contribuir para as questões que se colocam
quanto ao desempenho de leitura dos estudantes brasileiros de textos de
circulação social mais ampla que a escolar – textos jornalísticos..
A leitura tem sido objeto de pesquisa já há muito tempo, em diversas
áreas do conhecimento no Brasil, tais como Linguagem, Educação, Psicologia,
entre outras. Tais pesquisas têm contribuído com trabalhos significativos,
como os de Freire (1982); Silva (1987, 1988); Kato (1985, 1986); Kleiman
(1989a, 1989b, 1992); Orlandi (1987, 1996, 1998, 1999); Lajolo (1997), para
citar alguns, dentre muitos.
Ainda não há muitos trabalhos, no entanto, que abordem a leitura a partir
de uma perspectiva dialógica bakhtiniana. Dentre estes, podem-se destacar as
pesquisas de Jurado (2003) e Lodi (2004). O trabalho de Lodi, trata a leitura
como espaço de construção dos sentidos em interação com surdos; Jurado
discute questões relativas à leitura e o letramento no Ensino Médio.
É nesse contexto que esta pesquisa se insere, discutindo e propondo
um trabalho de ensino de leitura no nível fundamental, a partir de uma
perspectiva sócio-histórica da aprendizagem (vygotskiana) e discursiva de
texto, língua e linguagem(s) (bakhtiniana). Portanto, recorremos aos
pressupostos de Bakhtin e seu círculo (1929, 1934-1935/1975, 1937-
1938/1975, 1953/1979) e de Vygotsky (1930, 1934, 1935).
Vygotsky esteve presente na construção deste trabalho durante toda a
reflexão sobre o projeto de ensino de leitura que pretendíamos desenvolver e
5
na tessitura do planejamento de ensino. Suas considerações sobre o
desenvolvimento humano e o aprendizado serviram de alicerce para o
planejamento das aulas; suas reflexões sobre a importância das interações na
construção do conhecimento se aliaram às idéias bakhtinianas acerca da
natureza social da linguagem e de sua constituição dialógica, a partir da qual a
leitura é considerada como um processo de compreensão ativa, um processo
que acarreta uma série de inter-relações complexas que enriquecem o já
compreendido com novos elementos no diálogo dos enunciados.
De Bakhtin também se adotaram as considerações sobre os gêneros
discursivos que, aliadas aos pressupostos de Vygotsky sobre os instrumentos
semióticos que medeiam a aprendizagem, possibilitaram-nos traçar um
planejamento de ensino de leitura, tomando os gêneros discursivos como
objetos de ensino.
Além disso, a análise dos dados deste trabalho se fundamentou na
ordem metodológica proposta pela teoria enunciativa de Bakhtin e seu círculo
(Bakhtin/Volochinov, 1929), enfocando:
1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições
concretas em que se realiza.
2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados. Em
ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é,
as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se
prestam a uma determinação pela interação verbal.
3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação lingüística
habitual (Bakhtin/Volochinov, 1929: 124).
No transcorrer da pesquisa, também se recorreu a outros fundamentos
teóricos, como aqueles que tratam das peculiaridades da esfera jornalística e
de seus gêneros, além dos estudos que tratam da multimodalidade e da leitura
de textos multimodais.
Para a realização da pesquisa, foi então organizado um planejamento de
ensino para trabalhar a leitura numa perspectiva enunciativa bakhtiniana,
utilizando o jornal impresso como objeto de ensino, aplicado na oitava série do
Ensino Fundamental de uma escola pública estadual do Estado de São Paulo.
6
Inseridos no quadro mais amplo da educação pública brasileira, procuramos,
também, conhecer e descrever as práticas de letramento dos alunos sujeitos
da pesquisa, de modo a desvelar o melhor possível o contexto de produção em
que esta se realizaria.
Considerando os diversos gêneros presentes no jornal, era preciso
pensar em um recorte, já que um jornal impresso é composto de várias
editorias e seções. Dessa maneira, focamos a primeira página como objeto
principal para o ensino de leitura, pois esta se relaciona com o conjunto do
jornal.
Procuramos desenvolver um trabalho de ensino que partiria da
identificação e reconhecimento de cada um dos componentes da primeira
página: fotografias, manchetes, diagramação, observando-se também aspectos
lingüísticos como os tempos verbais presentes nas manchetes, por exemplo –
entre outras etapas de ensino –, que objetivou, em última instância, levar os
alunos a lerem o jornal impresso, desvelando o não dito presente nas primeiras
páginas e percebendo que a compreensão de um texto necessita de diferentes
recursos (inclusive não-lingüísticos) para ter eficácia.
A perspectiva da natureza dialógica da linguagem alicerçou tanto a
etapa pedagógica do projeto, no ensino da leitura, como também a etapa de
análise da pesquisa, pois foi o alicerce teórico em que se fundamentou a forma
de se observarem e analisarem os eventos discursivos durante as aulas,
buscando considerar, com Bakhtin, por exemplo, que o objeto das ciências
humanas é o ser expressivo e falante (Bakhtin, 1974/1979: 395).
Este trabalho objetivou, portanto, em linhas gerais:
1. Conhecer as práticas de leitura que são desenvolvidas por alunos
de oitava série (quarto ciclo) do Ensino Fundamental de uma
escola estadual paulista, bem como os gêneros que fazem parte
dessas práticas;
2. Desenvolver um projeto de leitura com esses alunos,
implementando a proposta em duas salas de oitava série do EF e
analisar seus efeitos.
7
Para alcançar esses objetivos, procurou-se responder às seguintes
perguntas de pesquisa:
1. Que práticas de letramento, particularmente que práticas de leitura,
têm os alunos da oitava série do Ensino Fundamental da escola
pesquisada, nos contextos escolar e extra-escolar?
2. As interações entre os alunos e professor(a) interferem na
construção dos significados dos textos? De que forma?
3. Que capacidades de leitura os alunos utilizam na reconstrução dos
sentidos? Que capacidades a proposta de ensino foi capaz de
implementar?
Assim, no capítulo 1 deste estudo, foi realizada uma releitura das
discussões sobre letramento e o ensino de leitura no Brasil. Nele, poderão ser
observadas as diferentes concepções de leitura que historicamente
fundamentaram as práticas de ensino-aprendizagem de leitura nas escolas
brasileiras.
O capítulo 2 expõe os pressupostos teóricos que alicerçaram este
trabalho: em primeiro lugar, serão apresentadas as considerações de Vygotsky
sobre o desenvolvimento humano e o aprendizado; em segundo lugar,
discutiremos algumas concepções do círculo bakhtiniano acerca da natureza
social da linguagem e dos gêneros discursivos, os quais foram tomados, em
nosso trabalho, como instrumentos semióticos utilizados para mediar a
aprendizagem e como objetos de ensino.
No capítulo 3, são apresentados e discutidos aspectos particulares da
esfera jornalística e do jornal impresso, não somente em seu contexto de
circulação, mas também no âmbito da esfera escolar, partindo das condições
sócio-históricas de seu surgimento à sua função sócio-discursiva e
desenvolvimento no âmbito das atividades sociais. Além disso, serão discutidas
certas particularidades do jornal impresso, discorrendo-se, por exemplo, sobre a
questão da ‘objetividade’ no relato dos fatos. Fechando o capítulo, é abordada a
utilização do jornal impresso como material educativo e a proposta de ensino
que desenvolvemos.
8
O capítulo 4 descreve a metodologia adotada e a forma como foi
traçada, além do contexto no qual a pesquisa foi desenvolvida e os sujeitos
participantes. No capítulo 5, são apresentados e analisados os dados
referentes à primeira pergunta de pesquisa, relativos ao letramento dos alunos
sujeitos da pesquisa, e os dados que se referem à segunda pergunta de
pesquisa sobre o modo como as interações realizadas nas aulas tomaram
parte do processo de ensino-aprendizagem.
No capítulo 6, são apresentados e analisados os dados obtidos no
decorrer das aulas, quanto às capacidades de leitura dos alunos e no capítulo
7 constam as considerações finais desta pesquisa, seguidas das referências
bibliográficas consultadas para a realização desta tese.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 9
LETRAMENTO, LEITURA E PRÁTICA ESCOLAR
Entre as leis sociais que modelam a necessidade ou a capacidade de leitura, as da escola estão entre as mais importantes, o que coloca o problema, ao mesmo tempo histórico e contemporâneo, do lugar da aprendizagem escolar numa aprendizagem da leitura, nos dois sentidos da palavra, isto é a aprendizagem da decifração e do saber ler em seu nível elementar e, de outro lado, esta outra coisa de que falamos, a capacidade de uma leitura mais hábil que pode se apropriar de diferentes textos.
Roger Chartier
Letramento e leitura nas escolas
Os estudos da leitura, muito discutidos nos últimos anos, compõem um
mosaico de teorias e conceitos pertencentes a várias áreas do conhecimento.
Inserido nesse contexto, o objeto do nosso estudo é a leitura na escola, mais
especificamente, o ensino da leitura e, sobretudo, d’esta outra coisa (...) a
capacidade de uma leitura mais hábil que pode se apropriar de diferentes textos.
Tendo em vista esse objeto de estudo – o ensino da leitura que busque
desenvolver a capacidade de se apropriar de diferentes textos – um dos objetivos
deste trabalho é conhecer as práticas de letramento dos alunos de último ano do
Ensino Fundamental de uma escola pública, em especial suas práticas de leitura.
Por essa razão, neste capítulo, serão discutidos o surgimento e utilização do termo
letramento, os modelos de letramento segundo Street (1984) e seus
desdobramentos e implicações pedagógicas nas aulas de leitura das escolas
brasileiras, tendo em vista as teorias de leitura que se constituíram a partir desses
modelos.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 10
1.1. Letramento ou letramentos?
Nos países desenvolvidos, o termo letramento apareceu a partir da verificação
de que parte da população alfabetizada não dominava certas capacidades de leitura
e de escrita importantes para uma efetiva participação nas práticas sociais e
profissionais que envolvem a língua escrita. De acordo com Soares (1995), o termo
surgiu a partir de uma nova questão: a de se observar o estado de quem sabe ler e
escrever, em contraposição a uma preocupação anterior, que se voltava apenas para
o estado ou condição de alfabetismo, quando da alta incidência de pessoas adultas
não alfabetizadas. Tal preocupação veio como conseqüência da compreensão de
que é necessário não apenas saber ler e escrever, mas saber fazer uso efetivo da
leitura e da escrita, respondendo às exigências desses usos na sociedade.
Na França, como elucida Lahire (1999), o termo illettrisme surgiu em função
da observação de que parte da população alfabetizada não dominava a escrita em
algumas das atividades requeridas socialmente, seja em razão de exigências
profissionais, sociais ou culturais:
São consideradas como relevantes as situações de iletrismo das pessoas com
mais de dezesseis anos que não dominam suficientemente bem a escrita em
face das exigências mínimas requeridas por sua vida profissional, social,
cultural e pessoal. As pessoas que são alfabetizadas dentro das escolas e que
saem do sistema escolar sem adquirir os saberes escolares primeiros por
razões sociais, familiares ou funcionais (Lahire, 1999: 41).
Discussão semelhante ocorreu nos Estados Unidos, onde, a partir de
resultados de avaliações realizadas com jovens graduados na high school,
começou-se a perceber que estes não dominavam as capacidades de leitura
requeridas nas práticas sociais que envolvem a escrita. Kirsch & Jungeblut (1986),
pesquisando as capacidades de leitura da população jovem norte-americana,
afirmam que o ‘problema’ não estava na illiteracy (analfabetismo, não saber ler e
escrever), mas na literacy (domínio de competências de uso da leitura e da escrita).
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 11
Já no Brasil, de acordo com Soares (1998), o aparecimento3 do termo letramento
também ocorre nos anos 80, associado à erradicação do analfabetismo:
À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez
maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que,
concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na
escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não
basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam,
aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática
da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar
a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita. (...)
Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente
resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social,
cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura
e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades além de novas
alternativas de lazer (Soares, 1998: 45-46).
Dessa maneira, o surgimento do termo letramento ocorre em países distantes
não somente geográfica, mas social e economicamente, para designar práticas
sociais de leitura e de escrita
mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do escrever resultantes
da aprendizagem do sistema de escrita. Assim, é em meados dos anos 1980
que se dá, simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do
illettrisme , na França, da literacia , em Portugal, para nomear fenômenos
distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation (Soares, 2003,
ênfase adicionada)4.
3 No Brasil, o termo letramento foi usado pela primeira vez por Mary Kato, em 1986: (...) a função
da escola, na área da linguagem, é introduzir a criança no mundo da escrita, tornando-a um cidadão funcionalmente letrado, isto é um sujeito capaz de fazer uso da linguagem escrita para sua necessidade individual de crescer cognitivamente e para atender a várias demandas de uma sociedade que prestigia esse tipo de linguagem como um dos instrumentos de comunicação. Acredito ainda que a chamada norma-padrão, ou língua falada culta é conseqüência do letramento , motivo por que, indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada institucionalmente aceita (Kato, 1986: 07).
4 Trabalho apresentado no GT Alfabetização, Leitura e Escrita, durante a 26ª Reunião Anual da
ANPEd, realizada em Poços de Caldas, de 5 a 8 de outubro de 2003.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 12
A partir dos anos 90, a necessidade de se compreender o processo de
letramento permitiu situar a alfabetização como um longo processo delineado por
duas vertentes indissociáveis: a aquisição do sistema de escrita e a efetiva
possibilidade de seu uso em contextos sociais. Mais do que conhecer as letras,
regras ortográficas, sintáticas ou gramaticais, o ensino da língua escrita requer a
apropriação das práticas sociais de uso, contribuindo assim para a conquista de um
novo modo de estar e ser na sociedade (Soares, 1998). Soares também procura
distinguir os conceitos de alfabetização e letramento: Alfabetizar seria ensinar a
pessoa a ler e escrever; letrar seria levar essa pessoa não só a saber ler e escrever,
mas a praticar isso em contextos específicos (Soares, 2000: 32). Assim, alfabetizado
designa o sujeito que se apropriou do sistema (alfabético) da língua escrita e letrado
aquele faz uso da escrita nas práticas sociais de leitura e produção de textos. Além
da necessária contextualização e definição do termo, também a preocupação de
observar as implicações pedagógicas levou Street (1984) a distinguir dois modelos
segundo os quais se pode pensar o letramento.
O modelo autônomo se alicerça na idéia de um caminho único de
desenvolvimento de habilidades e de aprendizagem do sistema da escrita. O termo
autônomo se refere ao fato de que a escrita é tomada, nesta visão, como um
produto acabado, completo em si mesmo. Este modelo não considera o contexto
social ou cultural. Para Kleiman (1995), essa concepção é predominante e é
justamente ela que legitima o ensino em massa. Além disso, tem o agravante de
atribuir o fracasso e a responsabilidade por esse fracasso ao indivíduo que pertence
ao grupo dos pobres e marginalizados nas sociedades tecnológicas (Kleiman, 1995:
23).
Já o modelo ideológico (Street, 1984) associa as práticas de letramento ao
contexto sociocultural em que o sujeito está inserido e considera os significados da
escrita como dependentes de e interligados às instituições e ao contexto onde esta é
utilizada. Dessa forma, o contexto social ou cultural é, nesse modelo, determinante
das práticas de leitura e escrita. Nele, a real natureza do letramento é modo como as
práticas de leitura e escrita se inscrevem em determinados contextos sociais. Essa
natureza está intimamente ligada às instituições sociais que realizam e exigem
essas práticas.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 13
Scribner & Cole (1981) pontuam que alfabetizado designava o sujeito que
dominasse códigos aprendidos na escola, como o alfabético e o numérico, o que, de
acordo com a visão autônoma, só acontecia como resultado de uma capacidade
cognitiva individual (Scribner & Cole, 1981). Esse conceito foi largamente difundido
e se tornou tão arraigado que era comum, no Brasil, ainda na segunda metade do
século vinte, os pais retirarem os filhos – sobretudo, as meninas – da escola, se já
tivessem aprendido a ler, escrever e fazer contas. Para ilustrar o que vimos
discutindo, apresentamos uma carta produzida por uma senhora, filha de
trabalhadores rurais, que saiu da escola na segunda série para trabalhar com seus
pais na lavoura. Em suas representações sobre a escrita, considera-se analfabeta;
por isso, pede à bisneta para passar pro papel o texto que precisa construir:
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 15
Esse exemplo demonstra – como ocorre no belo filme de Walter Sales Central
do Brasil, em que pessoas de diferentes idades solicitam à personagem Dora que
escreva suas cartas ditadas – que a autora não se percebe como escriba no/do ato
de produção do texto, pois termina dizendo: quem escreveu é a minha bisneta Ela
tem nove anos e já está 4ª série.
Apesar de não se reconhecer no papel de produtora do texto, a autora
reconhece o valor que a escolarização e o domínio das capacidades de leitura e
escrita tem em nossa sociedade, pois termina a carta em tom orgulhoso Ela tem 9
anos e já está na 4ª série. A seguir, a reprodução de outro texto produzido pela
mesma pessoa, em outro contexto, para outro interlocutor, muitos anos antes:
Oscar recebi a sua carta Fiquei muito triste com a Perda do Sílvio e da neném Mas é a vontade de Deus. Oscar e Cida esse ano pas- sarei o natal aqui em Cuiabá O ano que vem, passarei com vocês. Que Deus abençoe todos vocês Desejo um feliz natal E um próspero ano novo. Para todos, todos vocês Oscar Cida Luciano Um beijão da Nena Quem escreveu é a Minha bisneta Ela tem 9 anos E já está na 4ª série
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 17
Nena faz uso da escrita em diferentes práticas sociais e, apesar de se
considerar analfabeta, seu nível de letramento permitiu que, muitos anos antes de
ditar a carta apresentada anteriormente, escrevesse um texto que – de acordo com
as suas representações sobre a escrita e apreciações valorativas sobre o
interlocutor – seria adequado a seu interlocutor, sua neta, menina moça: um texto
poético, onde ela procura não somente escrever em versos, mas também o faz
utilizando corretamente a norma culta no primeiro verso, conjugando o verbo na 2ª
pessoa do singular, forma lingüística que não utiliza na oralidade, mas que
reconhece como própria da linguagem escrita. De acordo com Soares (1998), vemos
que
(...) um adulto pode ser analfabeto, porque é marginalizado social e
economicamente, mas se vive em um meio que a leitura e a escrita têm
presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um
alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que
um alfabetizado as escreva (é significativo que, em geral, dita usando
vocabulário e estruturas próprios da língua escrita ) (...) é, de certa forma,
letrado por que faz uso da escrita, envolve-se em p ráticas sociais de
leitura e de escrita (Soares, 1998: 24, ênfase adicionada).
Claudia estas menina moça
Tão linda Como aquela pequena criança
Que veio ao mundo. Da para mim tamta alegria.
E a seus pais muitas
esperança
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 18
No caso de Nena, temos alguém alfabetizado, já que escreveu os textos.
Portanto, podemos pensar em diferentes níveis e tipos de letramento, que variam de
acordo com a sócio-história de cada sujeito.
A escola exerce um papel significativo na constituição do letramento de seus
alunos. É a principal responsável pela sua constituição. Mas, como observamos
acima, não a única. Rojo (2001b: 67) alerta para essa questão: começa-se a
reconhecer processos e práticas diferenciados entre diversas agências de letramento
(família, igreja, escola, sindicatos etc.) (...) Começa-se a pensar em letramentos5.
Discutindo sobre os desdobramentos que o modelo ideológico traz para o
estudo das práticas de letramento, sobretudo para as relações entre escolaridade e
letramento(s), a autora prossegue: Escola é letramento e dele decorre, quer suas
práticas sejam orais ou escritas; quer haja ou não texto escrito sendo utilizado na
sala de aula. Logo só é admitida a forma composicional adjetiva: “letramento
escolar” (Rojo, 2001b: 70).
Soares (1998) afirma, ainda, que certas práticas escolares reduzem e limitam
o conceito de letramento, ao selecionar apenas algumas capacidades e práticas de
leitura e escrita. Como conseqüência, ocorre que, por meio da escolarização, as
pessoas podem se tornar capazes de realizar tarefas escolares de letramento, mas
podem permanecer incapazes de lidar com usos cotidianos de leitura e escrita em
contextos não escolares - em casa, no trabalho e no seu contexto social (Soares,
1998: 100).
Rojo (2004), por sua vez, considera que a escolarização na sociedade
brasileira não leva à formação de leitores e produtores de textos eficazes e, por
vezes, chega a impedi-la. Também para esta autora, isto ocorre porque as práticas
de leitura desenvolvidas no letramento escolar abarcam somente uma parcela das
5 Nesse aspecto, podemos refletir com Barton (1994) que a escola é (ou deveria ser, também ela)
um nicho ecológico, um ambiente onde se encorajam formas específicas de crescimento, onde ocorrem práticas e eventos de letramento sempre situados em seus contextos, que se diferenciam de outros letramentos em outras esferas sociais. Segundo o autor, a chave para as novas concepções de letramento é situar a leitura e a escrita em seu contexto social. Ele também considera que a metáfora ecológica pode ser aplicada à interrelação de uma área de atividade humana e o ambiente onde esta se desenvolve: When applied to humans, it is the interrelationship of an area of human activity and its environment. It is concerned with how the activity – literacy in this case – is part of the environment and at the same time influences and is influenced by the environment. An ecological approach takes as its starting-point this interaction between individual and their environments (Barton, 1994: 29).
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 19
capacidades de leitura exigidas pela sociedade: aquelas que interessam à leitura
para o estudo na escola, entendido como um processo de repetir, de revozear falas
e para que o currículo se cumpra (...) por meio de práticas de leitura lineares e
literais, principalmente de localização de informação em textos e de sua repetição ou
cópia em respostas de questionários, orais ou escritos (Rojo, 2004: mimeo).
Como se pode observar, de acordo com as autoras, o ensino de leitura no
contexto brasileiro se encontra ligado ao modelo autônomo de letramento, pautando
sua prática em decodificação e repetição da escrita, não levando ainda à
constituição de alunos que sejam capazes de desenvolver variadas práticas
letradas. Na última década, vários estudiosos – Lahire (1993), Kleiman (1995),
Signorini (1995), Privat (1995), Soares (1998), Rojo (2001b) – têm apontado para o
fato de que o letramento escolar está baseado no modelo autônomo de letramento,
que se desvela em uma prática como a descrita por Rojo (2004) acima.
Como a questão do letramento está intimamente ligada à questão da leitura,
ou do ensino-aprendizagem da leitura nas escolas brasileiras, voltaremos nosso
olhar um pouco mais para este aspecto. Tendo em vista o primeiro dos objetivos
deste estudo – que é conhecer as práticas de leitura de alunos do último ano do
ensino fundamental de uma escola pública –, faremos uma exposição sobre o modo
como os modelos de leitura se traduzem nas práticas de leitura desenvolvidas nas
escolas.
1.2. Práticas de leitura: das reflexões teóricas à leitu ra na escola
Somente em meados da década de 70 a leitura passou a constituir um campo
de investigação teórica e metodológica em nosso país, assumindo um novo status,
já que se desvinculava das questões relativas à alfabetização e aprendizagem da
escrita. Isto ocorreu, entre outros fatores, em virtude da constatação de que nossa
sociedade enfrentava uma “crise de leitura” ocasionada por problemas específicos
da educação e pelo crescente afastamento da população dos materiais escritos.
De acordo com Kato (1985), os estudos sobre leitura do ponto de vista da
cognição começam a ser desenvolvidos no Brasil a partir das pesquisas sobre leitura
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 20
instrumental em Língua Inglesa6, quando os professores constataram que as
dificuldades de leitura de seus alunos não se encontravam no desconhecimento da
língua, mas partiam, no dizer da autora, de uma dificuldade em interagir com o texto
escrito. A partir desse diagnóstico, os pesquisadores voltaram sua atenção para os
processos cognitivos subjacentes ao ato de ler.
1.2.1. Modelos cognitivos de leitura
As teorias de leitura de cunho cognitivo podem ser divididas em três
grandes modelos de processamento de informação: 1. Modelo de Processamento
Ascendente (bottom-up), 2. Modelo de Processamento Descendente (top-down) ou
Modelo Psicolingüístico e 3. Modelo de Processamento Ascendente/Descendente ou
Modelo Interativo. Essas abordagens têm como preocupação básica a pesquisa dos
processos cognitivos que envolvem o ato de compreender o texto. Seu foco principal
é a investigação das ações ou reações psicolingüísticas vivenciadas pelo leitor no
momento da leitura e os mecanismos lingüísticos (fonológicos, sintáticos,
semânticos, pragmáticos) e psicológicos intervenientes no processo.
O primeiro modelo, ascendente (bottom-up) pressupõe um processo em
que ler é identificar sucessivamente as sílabas, as palavras, os sintagmas, os
períodos que aparecem no texto como estruturas organizadas contígua e
seqüencialmente: através da compreensão das partes menores, o leitor vai
compondo os significados do texto. Ler, para essa concepção, envolve a percepção
visual do estímulo escrito, sua representação mental, análise das informações
escritas em partes – identificação/decodificação para posterior associação aos
correspondentes fonológicos – e armazenamento da informação no módulo de
memória primária (memória de trabalho ou de curto-termo), em que os mecanismos
de compreensão são ativados através do reconhecimento das regras ortográficas e
das informações lexicais, sintáticas e semânticas. Posteriormente, a compreensão
ocorrerá no módulo de memória secundária (ou de longo-termo), em um processo
indutivo: o processamento ascendente (bottom-up) faz uso linear e indutivo das
6 Esses pesquisadores tinham contato com os trabalhos desenvolvidos em Língua Inglesa:
Goodman, 1980; Singer & Rudell, 1980; Laberge & Samuels, 1980, entre outros.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 21
informações visuais, lingüísticas, e sua abordagem é composicional, isto é, constrói
o significado através da análise e síntese do significado das partes (Kato, 1985: 50).
Esse modelo de processamento está baseado na teoria estruturalista, na qual
a linguagem escrita é tida como representativa da língua falada e, por esse motivo,
ler implica em decodificar; é uma habilidade que depende do aprendizado anterior
da oralidade, compreendido apenas a partir da estrutura da língua. Segundo esse
modelo, a linguagem é vista de maneira mecânica, de tal forma que os segmentos
menores se juntam para formar os maiores. Assim, um fonema se junta a outro
formando as sílabas e as palavras e estas, juntas a outras, formam estruturas
maiores. Dessa soma do significado de cada palavra é que surgiria o sentido do
texto.
De acordo com Kato (1985), a escola parece priorizar o processamento
ascendente, pois centraliza sua atenção nos elementos lingüísticos num percurso
que vai das ordens mais baixas às mais altas (sílaba, palavra, frase). A autora
enfatiza, ainda, que o leitor que privilegia esse modo de processamento apresenta
uma leitura com pouca fluência, tem dificuldades de apreensão dos detalhes do
texto e de compreender aquilo que vai além do que está escrito. Assim, de acordo
com esse modelo, a leitura é concebida como um processo de percepção e
decodificação. O texto escrito é tratado como um objeto determinado e cabe ao leitor
realizar um processo linear de análise e síntese do significado das partes das
informações lingüísticas para a apreensão do significado linear e literal do escrito.
O modelo de processamento descendente (top-down) ou psicolingüístico ,
diferentemente do anterior, baseia-se principalmente no conhecimento do leitor, que
irá reconstruir e recriar o significado do texto escrito, recorrendo a elementos que
não estão necessariamente explícitos no texto. Assim, para a compreensão, é
preciso que o leitor realize previsões, antecipações que partem de seu
conhecimento de mundo. Sua leitura parte da macro-estrutura (estrutura global do
texto). Kato (1985: 50) afirma que o processamento descendente (top-down) é uma
abordagem não linear, que faz uso intensivo e dedutivo de informações não-visuais
e cuja direção é da macro para a micro-estrutura e da função para a forma.
Goodman (1967) considera que o conhecimento de mundo do leitor, sua
cultura, seu conhecimento prévio, seu controle lingüístico e as atitudes e esquemas
conceituais desenvolvidos no decorrer da vida são fundamentais para a
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 22
compreensão da leitura. Nessa medida, o autor toma a compreensão como um jogo
de adivinhações psicolingüístico que implica em contínuas transações que envolvem
pensamento e linguagem.
Assim, ler significa empregar um amplo esquema voltado à obtenção,
avaliação e utilização das informações contidas no texto, possível, apenas, através
do uso de estratégias que são desenvolvidas e modificadas no próprio processo de
leitura: 1. estratégia de seleção; 2. estratégia de predição; 3. estratégia de
inferência; 4. estratégias de confirmação ou rejeição das predições prévias.
Kato (1985) considera que o leitor que privilegia o modelo psicolingüístico de
leitura apreende as idéias do texto com facilidade; é um leitor fluente, muito embora,
caso utilize excessivamente as adivinhações, sem buscar confirmá-las pelos dados
fornecidos pelo texto, possa realizar leituras “não autorizadas”. De acordo com esse
modelo, o ensino enfatiza os conhecimentos prévios dos alunos; por essa razão,
estes devem ter contato com diferentes tipos de texto, aprendendo a buscar, nos
aspectos verbais e/ou nos não-verbais, os índices que lhe possibilitem o uso de seus
conhecimentos prévios e de seu conhecimento lingüístico necessários para a
compreensão textual. Sabendo para que está lendo (metas de leitura), o leitor tem
também condições de decidir quais os conhecimentos necessários para a
construção dos significados do texto.
O modelo ascendente/descendente ou interativo foi inicialmente proposto
como uma alternativa à dicotomia entre os modelos bottom-up e top down, nos quais
o processamento procede de modo hierarquizado, dos elementos mais baixos (da
correspondência entre letra e som até chegar ao sentido) aos mais complexos ou
dos elementos mais altos para os mais mecânicos (sentido imposto pelo leitor e sua
configuração no texto através do reconhecimento dos aspectos formais). Assim,
nesse terceiro modelo, a leitura é vista como um processo que pressupõe os dois
processos anteriores, o ascendente e o descendente, que interagem na
compreensão do texto.
Kleiman (1989a) considera que os modelos de leitura concebidos como
interação são modelos formais que se detêm, basicamente, na leitura como
processo, onde o leitor estabelece relações entre os diversos níveis de
processamento da escrita, porque o “desvendamento” do texto se dá
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 23
simultâneamente através da percepção de diversos níveis ou fontes de informação
que interagem entre si (Kleiman, 1989a: 38).
Para a autora, há uma visão interativa nesses modelos, todavia o leitor é
concebido apenas como sujeito cognitivo e o texto apenas como um objeto formal.
Não há, de acordo com esses modelos, possibilidades de ampliação de leituras de
um texto, já que as hipóteses levantadas só podem ser verificadas a partir dos
aspectos formais. Nas palavras de Kleiman (1989a: 39):
Mais rico é o conceito de interação que vem da pragmática, retomado e
ampliado por Orlandi (1981,1983), Prat (1977), Tierney e LaZanski (1980), para
descrever o processo da leitura. Neste processo são cruciais a relação entre o
locutor e o interlocutor através do texto e a determinação de ambos pelo
contexto num porcesso que se instuitui na leitura
Dessa forma, a autora defende o que denomina de uma perspectiva
interacionista de abordagem da leitura, perspectiva esta que considera a leitura como
um ato individual de construção do significado num contexto de interação entre leitor
e autor, que se configura como único para cada leitor, já que depende de seus
conhecimentos e objetivos.
Nesse processo, para a compreensão da leitura, o leitor recorre a estratégias
de leitura (cognitivas e metacognitivas) e a habilidades lingüísticas. Segundo a
autora, o termo estratégia refere-se a operações regulares que o leitor realiza para
abordar o texto (Kleiman, 1989a).
De acordo com Kato (1985), a formulação das estratégias de cognição e
metacognição se inspiraram em Vygotsky (1962) e sua lei do estado da
consciência, segundo a qual podemos distinguir duas faces no desenvolvimento do
conhecimento: uma fase de desenvolvimento automático e inconsciente e uma em
que se observa um aumento gradual ao controle ativo desse conhecimento (Kato,
1985: 123-124).
Para as estratégias cognitivas – aquelas que o leitor opera de forma
inconsciente e que partem de seu conhecimento lingüístico –, o professor atua
dando condições para os alunos utilizarem suas habilidades lingüísticas em
aspectos locais dos textos (como a estrutura das sentenças e o vocabulário), além
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 24
da busca das intenções do autor. Essas estratégias são procedimentos que utilizam
um conhecimento sobre o qual não há controle consciente, por isso também são
denominados de automatismos de leitura. Para Kato (1985), são procedimentos
utilizados para o leitor construir a coerência local do texto, como se seguisse certos
princípios de construção do texto, tais como princípio da coerência (global, local e
temática), princípio da canonicidade ou da ordem natural, princípio da parcimônia e
outras regras ou princípios que permitem desvendar o texto em sua macro-estrutura
e em sua micro-estrutura.
As estratégias metacognitivas – aquelas que o leitor opera de modo
consciente, realizadas com algum objetivo em mente (Kleiman, 1992: 50),
determinando seus objetivos de leitura e controlando seu conhecimento sobre o
texto – requerem o professor como mediador para estabelecer objetivos e formular
perguntas ou hipóteses sobre o texto. Kato (1985) acrescenta ainda que esse
planejamento consciente possibilita que os aspectos mais importantes da
mensagem sejam identificados, recebendo, assim, uma atenção maior por parte do
leitor. Além disso, possibilita o envolvimento do leitor na revisão e auto-indagação de
suas hipóteses, confirmando seus objetivos e assegurando que estes sejam
atingidos ou modificados caso necessário.
Kleiman (1989b) afirma que o conhecimento prévio é um processo que se
caracteriza pela utilização de todo o conhecimento que o leitor adquiriu em sua vida.
Segundo a autora, são vários níveis de conhecimento que entram nesse processo:
1. Conhecimento lingüístico – abrange desde o conhecimento do vocabulário
ao conhecimento de uso da língua. Para Kleiman, o conhecimento
lingüístico desempenha um papel central no processamento do texto,
processamento este que deve ser entendido como atividade pela qual as
palavras, unidades discretas, distintas, são agrupadas em unidades ou
fatias maiores, também significativas, chamadas constituintes da frase. À
medida que as palavras são percebidas, a nossa mente está ativa,
ocupada em construir significados (Kleiman, 1989: 14-15);
2. Conhecimento textual – trata-se das noções e conceitos sobre o texto –
sua estrutura, tipo de discurso ou gênero (Kleiman, 1989b, 1992);
3. Conhecimento enciclopédico – abrange o conhecimento de mundo do
leitor – pode ser adquirido tanto formal como informalmente (Kleiman,
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 25
1989b: 20) e se refere ao conhecimento estruturado na memória do
leitor sobre assuntos, situações etc.
Tomando a compreensão como um esforço inconsciente na busca de
coerência do texto, Kleiman (1989b) defende que a procura da coerência é um
princípio que rege não somente a leitura, mas diferentes atividades humanas. Na
leitura, um dos caminhos que auxiliam nessa busca é a ativação do conhecimento
prévio. Além deste, outro caminho que o leitor pode seguir é o estabelecimento de
objetivos para a leitura. A formulação de objetivos para a leitura promove uma
melhor compreensão, já que as atividades solicitadas para a compreensão são
ativadas a partir de um propósito específico. O estabelecimento de objetivos também
é importante para um outro aspecto que contribui para a compreensão: a formulação
de hipóteses.
Como expusemos anteriormente, Kleiman postula que a leitura é uma
espécie de jogo de adivinhação, já que o leitor ativo, realmente engajado no
processo elabora hipóteses e as testa, à medida que vai lendo o texto. (Kleiman,
1989b: 36). Essas duas atividades – o estabelecimento de objetivos para a leitura e
a formulação de hipóteses – são de natureza metacognitiva, uma vez que
pressupõem um monitoramento consciente por parte do leitor da atividade da leitura.
A autora considera, ainda, que as reflexões sobre a compreensão devem abranger
também o componente textual presente no processo.
A autora considera que os componentes textuais devem ser definidos mais
adequadamente como cotextuais, componentes que definem as relações e as
propriedades internas do texto, os elementos que materializam a significação do
texto. Desse modo, o texto é considerado como uma unidade semântica onde os
vários elementos de significação são materializados através de categorias lexicais,
sintáticas, semânticas, estruturais (Kleiman, 1989b: 45). Desse modo, o
levantamento desses elementos estabelece a coerência do texto.
Kleiman defende que o processo de compreensão do texto envolve atividades
inconscientes (processos cognitivos) realizadas pelo leitor que o fazem interpretar
essas marcas formais do texto. O leitor procura a coerência e a coesão textuais,
tanto no nível micro-estrutural do texto (elementos que estabelecem a coerência
local do texto) como no nível macro-estrutural (elementos que ligam seqüências
maiores e que propiciam a coerência global). Segundo ela,
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 26
O processo através do qual utilizamos os elementos formais do texto para fazer
as ligações necessárias à construção de um contexto é um processo inferencial
de natureza inconsciente, sendo, então, considerado uma estratégia cognitiva
de leitura. (...) e o seu conjunto serve essencialmente para construir a
coerência local do texto, isto é, aquelas relações coesivas que se estabelecem
entre elementos sucessivos, seqüenciais no texto (Kleiman, 1989b: 50).
Para que a compreensão ocorra, o leitor recorre a uma série de regras ou
princípios internalizados, que modulam e guiam os processos inferenciais:
1. Princípio da economia ou parcimônia – consiste na tendência do leitor de
reduzir ao máximo o número de personagens, objetos, processos no
quadro mental que vai construindo. Esse princípio rege determinadas
regras como a da recorrência (marcada pelo uso de mecanismos como
repetições, substituições, dêiticos etc). A regra da continuidade temática é
outra regra que regula os comportamentos automáticos, inconscientes do
leitor na busca de ligações no texto, através da unicidade temática que
permite a interpretação de elementos seqüenciais, separados, mas que
estejam relacionados ao mesmo tema;
2. Princípio de canonicidade ou da ordem natural – é o agrupamento de
vários princípios relacionados às expectativas que construímos acerca da
ordem natural do mundo e o modo como essa ordem reflete na linguagem.
Ligadas a esse princípio há regras como:
• regra de linearidade: é o pressuposto de que os elementos formais
obedeçam (no papel) a uma certa ‘ordem natural’. Quanto mais um
texto se conformar às expectativas (de seqüencialidade), mais
automáticas serão as inferências que proporcionam as ligações entre
os elementos;
• regra da distância mínima: quanto mais próximo estiver um
antecedente de um pronome ou dêitico, mais possível será de ser
interpretado como o antecedente.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 27
3. Princípio da coerência – quando há interpretações conflitantes, escolhe-se
aquela que torne o texto coerente; e
4. Princípio da relevância – em casos de informações conflitantes, escolhe-
se aquela que for mais relevante para o desenvolvimento do tema.
Além desses dados acerca dos processos cognitivos que são ativados na
leitura, Kleiman procura reforçar a idéia de interação que advoga, através da
assunção de que tanto leitor como o autor desempenham papéis importantes no ato
da leitura: o leitor, por exemplo, constrói e não apenas recebe um significado global
para o texto: ele procura pistas formais, antecipa essas pistas, formula e reformula
hipóteses, aceita ou rejeita conclusões (Kleiman 1989b: 65). A autora, entretanto,
defende que não há reciprocidade dessas ações com as do autor, que, por sua vez,
procura a adesão do leitor, através de bons argumentos, de marcas formais mais
claras etc. Para ela, o autor se faz presente no texto não só em termos da
organização formal dos elementos referenciais do texto, mas também através de
outras marcas formais que explicitam sua atitude proposicional, ou seja, seu
posicionamento diante do referente. Essas marcas são observáveis através de três
procedimentos básicos:
1. Articulação e organização de temas e subtemas, mediante o uso de
operadores lógicos que vão refletir a forma de raciocínio do autor, disposto
em forma de argumentações, explicitações, exemplificações,
enumerações etc.;
2. Utilização de modalizadores, de expressões que indicam o grau de
comprometimento do autor com o referente, relativizando a sua posição
entre a certeza absoluta ou possibilidade mais remota;
3. Utilização de adjetivações, nominalizações, uso de nomes abstratos
indicativos de qualidades que refletem a atitude ou a idéia do autor diante
daquilo que escreve.
Kato (1985) e Kleiman (1989a) afirmam que o professor tem um papel
importante como mediador no ensino da leitura nesse modelo, pois é ele quem
estabelece as estratégias e as relações entre leitor, autor e texto. Nas palavras de
Kleiman (1989a: 39), No contexto escolar, o professor, um dos fatores da ação do
contexto imediato no leitor, é também constitutivo do processo. Ele determina, em
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 28
grande medida, os objetivos de leitura, (...) isto é, uma leitura adequada ou
inadequada a um objetivo específico.
Nessa perspectiva, bom leitor é aquele que se apropriou das estratégias de
leitura características das diferentes práticas sociais das quais participa, de tal forma
que os utiliza no processo de (re)construção dos sentidos dos textos. Algumas
dessas estratégias estão mais diretamente ligadas ao processo de aquisição da
linguagem escrita, como aquelas ativadas nos processos de decodificação; outras
mais complexas são utilizadas na leitura de textos que exigem diferentes
capacidades dos leitores, de diferentes ordens.
O contexto escolar tem se apropriado parcial e limitadamente da discussão
das estratégias de leitura efetuada nessa abordagem, divulgadas em diferentes
cursos de formação de professores, com destaque para as estratégias de
formulação de hipóteses, para o valor do conhecimento prévio do leitor e para as
inferências que o leitor fará a partir das marcas formais do texto.
1.2.2. A leitura para as teorias da vertente discur siva e enunciativo-discursiva
Para Coracini (1995), apesar da ênfase dada ao caráter interacional da
leitura através da valorização do papel do leitor, o modelo interativo ainda coloca o
texto como elemento central no processo de leitura, já que cabe ao leitor recuperar
seu sentido e as intenções do autor através de suas marcas formais e da checagem
das hipóteses levantadas. Também Orlandi (1988: 09) indica que a abordagem
interacionista (modelo interativo) está ainda centrada na objetalidade do texto,
argumentando que:
O leitor não interage com o texto (relação sujeito/objeto), mas com outro(s)
sujeito(s). A relação (...) sempre se dá entre homens, são relações sociais; eu
acrescentaria, históricas, ainda que (ou porque) mediadas por objetos (como o
texto). Ficar na “objetalidade” do texto, no entanto, é fixar-se na mediação,
absolutizando-a, perdendo a historicidade dele, logo, sua significância (Orlandi,
1988: 09).
Essas críticas à forma com que se aborda o texto no modelo interativo e a
introdução das discussões teóricas no âmbito da análise do discurso descortinam,
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 29
no contexto brasileiro, uma outra abordagem teórica: a vertente discursiva. Nessa
abordagem, a leitura se caracteriza como um processo discursivo, em que o texto
não é tomado como unidade com sentido pré-estabelecido, já que os sentidos se
encontram não no texto, mas são determinados pelas posições ideológicas
colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas
(Orlandi, 1988: 58).
1.2.2.1. A leitura para a vertente discursiva
Orlandi, no trabalho citado anteriormente, explicita o conteúdo teórico que
sustenta as discussões propostas na maior parte dos textos que tratam a leitura sob
a perspectiva discursiva. O objeto da análise do discurso é a linguagem; seu
enfoque difere do da lingüística tradicional, pois trata dos processos de constituição
do fenômeno lingüístico e não meramente de seu produto. Suas bases filosóficas
situam-se no materialismo histórico, em Foucault e na filosofia da diferença.
Para essa abordagem, o texto é definido pragmaticamente como a unidade
complexa de significação, consideradas as condições de sua produção (Orlandi,
1988: 21) e a leitura é concebida como um processo discursivo, onde atuam dois
sujeitos – o leitor e o autor – que, inseridos em um momento sócio-histórico definido,
produzem sentido:
As palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as
empregam. Elas tiram seu sentido dessas posições, isto é, em relação às
formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem.
A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica
dada (isto é a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica
dada) determina o que pode e deve ser dito.
As palavras recebem, pois, seu sentido da formação discursiva na qual são
produzidas. (...)
A formação discursiva, é enfim, o lugar da constituição do sentido e da
identificação do sujeito. É nela que todo sujeito se reconhece (em sua relação
consigo mesmo e com outros sujeitos) e aí está a condição do famoso consenso
intersubjetivo (a evidência de que eu e tu somos sujeito) em que ao se
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 30
identificar, o sujeito adquire identidade (Pêcheux, 1975). É nela também, como
dissemos, que o sentido adquire a sua unidade (Orlandi, 1988: 58).
Assim, de acordo com a autora, o sentido é determinado pelas diferentes
posições ideológicas e formações discursivas nelas inscritas, sem as quais não
existiria discurso. Para se pensar a leitura na perspectiva discursiva da análise
francesa de discurso, é necessário considerar que toda leitura tem sua história, ou
seja, o sentido de um texto é variável de acordo com as condições em que se lhe
atribui sentido(s). Orlandi (1988) defende que há leituras previstas para um texto,
muito embora não haja uma previsão absoluta, vários elementos podem determinar a
previsibilidade das leituras de um texto:
1. Os sentidos têm a sua história, isto é há sedimentação de sentidos segundo as
condições de produção da linguagem.
2. Um texto tem relação com outros textos ( a intertextualidade)
(Orlandi, 1988: 42).
Essas relações constituem a história de leitura dos textos; além delas,
também há a história de leitura do leitor, as leituras já realizadas que vão auxiliar no
processo de atribuição de sentido a um texto. O reconhecimento desses fatores que
produzem a história das leituras implica, para Orlandi, algumas conseqüências
pedagógicas: permitindo que os alunos construam as suas histórias de leituras e
resgatando a história dos sentidos dos textos, é possível segundo a autora, a
sistematização de alguns processos da leitura, o que promoveria a possibilidade de
ensinar-se leitura (Orlandi, 1988: 44), sem que se caia na forma como a escola
atual trata disso:
a) através de julgamento de autoridade, em que a avaliação cumpre sua função
mecânica, isto é, dá-se nota baixa até o aluno ‘mudar’ ou,
b) pelo espontaneísmo, em que o aluno acaba por aprender sozinho, o que talvez
seja mesmo possível, sendo, nesse caso, dispensável a escola (Orlandi, 1988:
44).
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 31
Com essa crítica, Orlandi reforça a idéia de que o conceito de autoridade que
a escola desenvolve acaba por censurar as leituras possíveis dos alunos, o que
prejudica e impede a possibilidade de se instaurar o sujeito-leitor (Orlandi, 1988: 45).
A autora também pondera sobre o reducionismo pedagógico (também por ela
denominado pedagogismo), que se deve ao fato de a escola restringir a reflexão
sobre a leitura ao seu caráter mais técnico, refletindo exclusivamente sobre soluções
pedagógicas para a leitura, o que acaba por desvinculá-la de seu caráter histórico
mais amplo, reduzindo-a a estratégias pedagógicas imediatistas. Esse mesmo
reducionismo, presente nas relações de acesso ao conhecimento, dá-se também na
relação escola/leitura, por exemplo, através do fato de que na constituição sujeito-
leitor/escola tem-se excluído a relação dele com outras linguagens que não a verbal
(a da música, da pintura, do cinema, da computação, etc) e sua prática de leitura
não-escolar (Orlandi, 1988: 47). A autora prossegue, afirmando que a imagem de
um sujeito leitor que se relaciona somente com a linguagem escrita verbal dentro da
escola tem sido o primeiro fundamento para as metodologias de leitura que são
propostas.
Já Possenti (2001) considera que, na leitura, os sentidos são construídos
através das relações que o texto estabelece com outros textos:
Aprendemos (...) a nunca supor que o texto (ou mesmo vários) fornece todas
as condições de sua leitura (aprendemos sempre a supor que, mesmo no
domínio textual ou até mesmo no do enunciado do texto mais restrito, é
necessário acionar mais de um fator relevante – considerar os pressupostos, a
intertextualidade...) etc. (Possenti, 2001: 25).
Geraldi, em seu livro de 1984, O texto na sala de aula, já defendia o ponto de
vista de que as aulas de Língua Portuguesa deveriam centrar-se em três práticas
fundamentais: leitura de textos , produção de textos e análise lingüística. O autor,
naquela época, já discutia a artificialidade do uso da linguagem no ensino-
aprendizagem de língua materna nas escolas brasileiras:
• Na escola não se escrevem textos, produzem-se redações. E estas nada
mais são do que a simulação do uso da língua escrita.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 32
• Na escola não se lêem textos, fazem-se exercícios d e interpretação e
análise de textos. E isso nada mais é do que simula r leituras.
• Por fim, na escola não se faz análise lingüística, aplicam-se dados de
análise preexistentes. E isso é simular a prática científica da análise
lingüística (Geraldi, 1984: 90, ênfase adicionada).
O autor defende que a leitura é um processo de interlocução que envolve
leitor/autor mediado pelo texto (Geraldi, 1984: 91). Geraldi também foi um dos
pesquisadores brasileiros que introduziu conceitos enunciativos bakhtinianos nos
contextos acadêmico e escolar brasileiros, criticando a artificialidade da prática
escolar tradicionalmente desenvolvida em nossas escolas e trazendo ao debate
acadêmico um olhar mais discursivo. É sobre esse contexto que discorreremos na
próxima seção.
1.2.2.2. A leitura para a vertente enunciativa
Pensar a leitura a partir da teoria enunciativa bakhtiniana é tomá-la como uma
prática social em que atuam autor e leitor em uma situação de enunciação. Nessa
concepção, a leitura é vista como um processo de compreensão ativa no qual os
diversos sentidos em circulação no texto são instituídos a partir da relação dialógica
estabelecida entre autor e leitor, entre leitor e texto e entre a multiplicidade de
linguagens sociais que permeiam essas instâncias. Assim, pode-se afirmar que a
leitura, nessa concepção, é um processo dialógico que promove um encontro entre
discursos e enunciados, que acabam por construir conjuntamente os sentidos dos
textos.
Bakhtin/Volochinov (1929: 132) defende que a compreensão é uma forma de
diálogo que está para a enunciação como uma réplica está para outra no diálogo.
Compreender é contrapor à palavra do locutor uma contrapalavra. E o autor
prossegue, afirmando que a significação só existe no processo de compreensão
ativa e responsiva (Bakhtin/Volochinov, 1929: 132). É essa concepção da
compreensão como um processo ativo que implica na co-criatividade do
compreendente (Bakhtin 1970-1971: 382) que embasa a presente pesquisa. Por
essa razão, aprofundaremos essas concepções do círculo bakhtiniano mais
detidamente no próximo capítulo.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 33
Retomando as questões relativas às reflexões que vêm sendo desenvolvidas
sobre a leitura no Brasil, remetemo-nos a Rojo (2004):
Mais recentemente, a leitura é vista como um ato de se colocar em relação um
discurso (texto) com outros discursos anteriores a ele, emaranhados nele e
posteriores a ele, como possibilidades infinitas de réplica , gerando novos
discursos/textos. O discurso/texto é visto como conjunto de sentidos e
apreciações de valor das pessoas e coisas do mundo, dependentes do lugar
social do autor e do leitor e da situação de interação entre eles – finalidades da
leitura e da produção do texto, esfera social de comunicação em que o ato da
leitura se dá. Nesta vertente teórica, capacidades discursivas e lingüísticas
estão crucialmente envolvidas (Rojo, 2004: s/p, ênfase da autora).
Sobre essas capacidades discursivas e lingüísticas, Schneuwly & Dolz
(1997/2004) defendem que toda ação de linguagem envolve diversas capacidades
por parte do sujeito: adaptar-se às características do contexto e do referente
(capacidades de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e
dominar as operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas (capacidades
lingüístico-discursivas) (Schneuwly & Dolz, 1997/2004: 74).
Cristóvão (2001), em pesquisa sobre o ensino de leitura em língua
estrangeira, ressalta que esses autores trabalham com o conceito de capacidades
exclusivamente para a questão da produção escrita. Segundo a autora, essa mesma
abordagem pode ser estendida para a leitura, o que permitiu, em seu contexto de
pesquisa, a análise das possibilidades de desenvolvimento dessas capacidades.
De acordo com Schneuwly & Dolz (1997/2004: 74), uma ação de linguagem
consiste em produzir, compreender ou memorizar um conjunto de enunciados (orais
ou escritos); um texto, no sentido geral que damos a esse termo como unidade
lingüística. Em outro texto, Dolz & Schneuwly (1998), os autores explicam cada uma
dessas capacidades:
As capacidades de ação possibilitam ao sujeito adaptar sua produção de
linguagem aos contextos: representações do ambiente físico, dos participantes e do
lugar social onde a interação ocorre. Os autores reforçam que estas representações
têm relação direta com o gênero, já que este se relaciona com o interlocutor, o
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 34
conteúdo e tem objetivos específicos. De acordo com os autores, essas capacidades
implicam em três tipos de representações:
a) as representações relativas ao ambiente físico onde se realiza a ação (local e
momento onde o texto é produzido, a presença ou ausência de receitar);
b) as representações relativas à interação comunicativa: o estatuto social dos
parceiros (os papéis representados pelo enunciador e pelo destinatário), o lugar
social dentro do qual se realiza a interação e o objetivo da interação;
c) os conhecimentos de mundo estocados na memória e que podem ser
mobilizados na produção de um texto (Dolz & Schneuwly, 1998: 77).
As capacidades discursivas, de acordo com os autores, são aquelas que o
sujeito utilizaria na escolha da estrutura geral do texto e na escolha e elaboração dos
conteúdos.
Já as capacidades lingüístico-discursivas dizem respeito a operações
mobilizadas para a produção escrita, que envolvem:
• Operações de textualização: os mecanismos de conexão, segmentação e
coesão nominal e verbal;
• Mecanismos de gerenciamento de vozes ou de tomada de posição
enunciativa: também envolvem dois tipos de operação, a organização das
vozes enunciativas e as expressões de modalização;
• As operações de construção de enunciados; e
• Escolha dos itens lexicais (Dolz & Schneuwly, 1998: 79-82).
As reflexões levantadas aqui por esses e outros autores influenciaram as
mudanças curriculares ocorridas na década de noventa no país, a partir da edição
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)7 (1998). Nesse documento, encontra-
se uma definição de leitura alicerçada nos preceitos bakhtinianos acerca da
compreensão, mas, como veremos a seguir, não são somente esses os preceitos
que ali se encontram:
7 Neste trabalho, quando nos referirmos aos Parâmetros Curriculares Nacionais ou utilizarmos a
abreviação “PCN” estarendo tratando, especificamente, aos PCN de Língua Portuguesa - 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental, publicados em 1998.
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 35
A leitura é o processo no qual o leitor realiza um tr abalho ativo de
compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a
linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra,
palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de
seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é
possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar
o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de
compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições feitas (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998: 69, ênfase
adicionada).
Além da concepção de Bakhtin/Volochinov sobre a compreensão, também
podem ser encontradas, neste excerto, observações sobre as estratégias a que um
leitor tem de recorrer na construção dos sentidos dos textos, entretanto, se
analisarmos atentamente esse excerto, observamos que o documento inicialmente
procura se fundamentar nos preceitos discursivos bakhtinianos, mas estes vão se
diluindo no decorrer do parágrafo, dando lugar a uma abordagem principalmente
cognitiva de leitura.
No momento em que escrevemos este trabalho, já decorrida mais de uma
década do início dessas reflexões no Brasil, algumas pesquisas apontam que à
escola têm chegado diferentes fragmentos de informações esparsas e, por vezes,
contraditórias. Fragmentos de uma postura enunciativo-discursiva começam a
penetrar no discurso escolar, mas a prática se mantém na leitura de extração de
informação linear e literal do texto. Zappone (2001), na conclusão da pesquisa que
desenvolveu sobre os saberes sobre a leitura e seus desdobramentos nas práticas
escolares, afirma que estes provêm de várias fontes que produzem certos modos de
leitura:
E assim, o saber sobre leitura e mesmo a aula de leitura se constrói a partir de
várias fontes. Os Parâmetros Curriculares são um bom ponto de partida, mas
passa-se, também, pelas idéias das abordagens acadêmicas de leitura que,
nas falas dos professores, soam pouco ou muito fragmentadas. Contam,
também, as idéias que pululam na mídia, as “dicas” dos catálogos de editoras,
Capítulo 1 – Letramento, Leitura e Prática Escolar 36
as sugestões de periódicos de divulgação pedagógica como Nova Escola e
outras fontes.
(...)
Fruto de muitas mediações, esse saber em forma de mosaico acaba por
produzir alguns modos de leitura: (...) a) um modelo de leitura designado na
pesquisa como estruturalista, que entende a leitura como decifração e
recuperação do sentido do texto (...); b) um modelo de leitura que procura
trabalhar leitura como modo de patrocinar a interdisciplinaridade e, poder-se-ia
acrescentar, a discussão dos temas transversais solicitados pelas diretrizes
governamentais; c) modelos de leitura que procuram recuperar algumas
premissas de diferentes teorias de leitura com as quais o professor tem contato
(Zappone, 2001: 235).
No capítulo seguinte, bucaremos um maior aprofundamento das questões
relativas ao ensino-aprendizagem de leitura. Para isso, serão traçadas algumas
considerações sobre a teoria vygotskiana de aprendizagem e os construtos teóricos
de Bakhtin (Volochinov) (1929, 1934-1935/1975, 1937-1938/1975, 1953/1979, 1970-
1971/1979), no que trata da compreensão ativa.
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 37
ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA: VYGOTSKY E BAKHTIN
Neste capítulo, buscaremos apresentar e discutir alguns conceitos traçados
por Vygotsky e pelo Círculo Bakhtiniano.
Vygotsky esteve presente em nossos estudos durante toda a reflexão sobre o
projeto de ensino de leitura que pretendíamos desenvolver e na tessitura do
planejamento de ensino. Suas considerações sobre o desenvolvimento humano e o
aprendizado serviram de alicerce para esse planejamento; suas reflexões sobre a
importância das interações na construção do conhecimento se aliaram às idéias
bakhtinianas acerca da natureza social da linguagem.
De Bakhtin também se adotaram as considerações sobre os gêneros
discursivos que, aliadas aos pressupostos de Vygotsky sobre os instrumentos
semióticos que medeiam a aprendizagem, possibilitaram-nos traçar um
planejamento de ensino de leitura tomando os gêneros discursivos como objeto de
ensino. Por essas razões, esse alicerce teórico será exposto e discutido nas seções
que seguem.
2.1. A Teoria de Aprendizagem Vygotskiana
O desenvolvimento humano, a aprendizagem e a relação entre ambos são
temas centrais na obra de Vygotsky. Segundo ele, a aprendizagem conduz ao
desenvolvimento, acarretando uma série de processos mentais que não
aconteceriam fora da aprendizagem. Assim, Vygotsky defende que o indício
substancial da aprendizagem é o de que ela cria uma zona de desenvolvimento
imediato, ou seja, suscita para a vida na criança, desperta e aciona uma série de
processos interiores de desenvolvimento (Vygotsky, 1935: 484).
Vygotsky definiu como desenvolvimento real a capacidade da criança realizar
tarefas de forma independente. O desenvolvimento real revelaria os processos de
desenvolvimento consolidados, os construtos já realizados que, originados nas
trocas interpessoais, já estariam transformados em conhecimento intrapessoal
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 38
através da internalização. Desse modo, pode-se apreender que o desenvolvimento
da criança ocorre primeiro no nível social, interagindo com pessoas em seu
ambiente, e depois no nível individual, através da internalização ou apropriação.
Para ele, o principal aspecto da aprendizagem é o fato desta:
Criar a zona de desenvolvimento proximal ; ou seja, o aprendizado desperta
vários processos internos de desenvolvimento, que s ão capazes de
operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente
e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados,
esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento
independente da criança (Vygotsky, 1930: 117-118, ênfase adicionada).
As suas proposições sobre a zona de desenvolvimento proximal explicitam a
importância das relações interpessoais para a construção das funções mentais
superiores. Vygotsky enfatiza, portanto, a importância das relações sociais para o
desenvolvimento da criança. Lunt (1995) pondera que é importante se reforçar a
idéia que Vygotsky pretende passar quando trata do social: Para facilitar o ensino e
a aprendizagem (a palavra obuchenie, em russo, como em algumas outras línguas,
engloba os dois conceitos), o conceito de aprendizagem mediada implica a
vinculação do ensino à aprendizagem (...) (Lunt, 1995: 235, ênfase adicionada).
Desse modo, no decorrer do desenvolvimento, a criança constrói socialmente
sistemas semióticos e os transforma através da imitação e da aprendizagem,
ocorrendo um processo que vai do intersubjetivo (construído na interação social)
para o intra-subjetivo (conhecimento internalizado). Toda função psicológica superior
foi antes externa, ou seja, foi social na sua origem.
O processo de internalização deve ser entendido como a reconstrução
interna de uma operação externa (‘externo’ entendido como referente às relações
sociais que o indivíduo vivencia). Assim, Vygotsky evidencia o papel do outro
enquanto mediador para o funcionamento intrapsicológico, isto é, o indivíduo
inicialmente necessita do auxílio do outro para realizar aquilo que, mais tarde,
conseguirá realizar sozinho. O exemplo mais característico desse processo em
Vygotsky (1930) refere-se ao gesto de apontar:
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 39
A criança tenta pegar um objeto colocado além de seu alcance; as mãos,
esticadas em direção àquele objeto, permanecem paradas no ar. Seus dedos
fazem movimentos que lembram o pegar. Nesse estágio inicial o apontar é
representado pelo movimento da criança (...)
Quando a mãe vem em ajuda da criança, e nota que o seu movimento indica
alguma coisa, a situação muda fundamentalmente. O apontar torna-se um
gesto para os outros. A tentativa mal sucedida da criança engendra uma
reação, não do objeto que ela procura, mas de uma outra pessoa. (...) Somente
mais tarde, quando a criança pode associar o seu movimento à situação
objetiva como um todo, é que ela, de fato, começa a compreender esse
movimento como um gesto de apontar. Nesse momento, ocorre uma mudança
naquela função do movimento: de um movimento orientado pelo objeto, torna-
se um movimento dirigido para uma outra pessoa, um meio de estabelecer
relações. O movimento de pegar transforma-se no ato de apontar
(Vygotsky, 1930: 74).
O processo de internalização consiste, pois, numa série de transformações,
primeiramente no nível social, na interação entre as pessoas e, depois,
individualmente: Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas
vezes: primeiro no nível social, e, depois, no nível individual; entre pessoas
(interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). (...) Todas as
funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos
(Vygotsky, 1930: 75).
Assim, o processo de formação do funcionamento mental superior ocorre à
medida que os sujeitos são afetados por signos e sentidos produzidos nas relações
com os outros. Ou seja, o sujeito vai se constituindo através das e nas práticas
sociais significativas.
Torna-se claro, portanto, que o desenvolvimento humano é um processo que
se constitui a partir de relações sociais, que, através dos meios simbólicos,
possibilitam que ocorra a construção de conhecimentos, valores, modos de agir, no
curso da individuação. Nessa perspectiva, a linguagem assume função central. É
através dela que o homem se comunica e vai se constituindo em suas interações.
Ela permite a categorização do mundo, a possibilidade de abstração e generalização
dos objetos, enfim, o funcionamento psíquico superior, pois o homem pode agir e
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 40
pensar sobre os objetos sem que eles estejam presentes e relacionar-se com o
mundo através da mediação dos significados construídos pelo grupo social do qual
ele faz parte.
Schneuwly (1992: 15), em suas reflexões sobre a aplicação do conceito zona
proximal de desenvolvimento8 ao ensino-aprendizagem, afirma que este conceito
não é tão facilmente aplicável ao ensino:
Encontra-se contida, portanto, no conceito de zona proximal de
desenvolvimento, a noção de fracasso do empreendimento de ensino (e de
aprendizagem e desenvolvimento). Em tal contexto de reflexão, ela está longe
de ser uma ferramenta operacional facilmente aplicável ao ensino e à
educação, capaz de servir de base a um procedimento do tipo: deve-se
descobrir a zona de desenvolvimento proximal para permitir que o aluno passe
de um nível a outro. Ela contém antes a idéia de que, ficticiamente, o professor
ou o educador define uma zona que poderá ser aquela do próximo nível do
desenvolvimento e ensina como se o desenvolvimento fosse automaticamente
se seguir ao seu ensino (Schneuwly, 1992: 15) 9.
De acordo com Schneuwly, portanto, é somente no processo de ensino, nas
atividades compartilhadas entre aluno e professor, que a zona proximal pode
mostrar sua possibilidade de construção, que está pressuposta para o sucesso do
ensino:
É somente no processo de ensino, na atividade comum entre professor e
alunos, que a zona pode se revelar, zona cujo estabelecimento, cuja
possibilidade de construção, é o pressuposto do sucesso de ensino. O
desenvolvimento, por outro lado, depende efetivamente desta ficção que
antecede o ensino, mas não se processa segundo as leis que essa ficção
pressupõe, mas segundo leis que são próprias ao aluno. O ensino não implanta
novas funções psíquicas na criança, mas coloca à disposição as ferramentas e
cria as condições necessárias para que a criança possa construí-las
8 Ao nos referirmos à Zona de Desenvolvimento Proximal ou Potencial (ZDP), adotaremos a forma
Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD), pois, com Rojo (2001a), ponderamos que a força da adjetivação não recai sobre o desenvolvimento, mas sobre a zona de intercessão criada pelo ensino-aprendizagem.
9 Tradução própria.
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 41
(Schneuwly, 1992: 15)9.
Assim, podemos concluir que a ZPD é a criação de um espaço onde o aluno
entra como ator de seu desenvolvimento. Esse espaço permite que o sujeito
transforme a si mesmo. O ponto essencial do desenvolvimento humano é a
transformação dos processos psíquicos através da apropriação dos instrumentos
semióticos. E quais seriam os instrumentos semióticos adequados para um
aprendizado significativo da linguagem oral ou escrita?
Schneuwly (1994: 156) considera que os gêneros discursivos, quando
enfocados como objetos de ensino-aprendizagem de línguas, podem ser
considerados mega-instrumentos de aprendizagem, ou seja, o gênero pode ser
considerado como uma ferramenta psicológica no sentido vygotskiano do termo, um
instrumento semiótico que, quando utilizado, pode dar forma a uma atividade de
linguagem. Os gêneros, nessa medida, podem ser utilizados como ferramentas de
mediação semiótica que implicariam, por si próprios, a construção de instrumentos
menos complexos nele envolvidos, no nível da linguagem e do pensamento.
Constituem-se, portanto, em importantes ferramentas de ensino-aprendizagem de
línguas:
(...) toda capacidade humana é construída pela apropriação de instrumentos
semióticos. O sujeito que age sobre o mundo – podendo aqui o mundo ser seus
próprios processos psíquicos – com a ajuda de instrumentos que são
ferramentas psicológicas ou semióticas constrói novas funções psíquicas,
exatamente concebidas como transformações dos próprios processos psíquicos
pela integração desses novos instrumentos (...) (Schneuwly, 1997/2004: 141).
Nossa pesquisa, como exposto anteriormente, procurará abordar não somente
os gêneros discursivos, mas também a sua função como instrumento de ensino-
aprendizagem de língua materna, especialmente como instrumentos mediadores, no
sentido vygotskiano do termo, da aprendizagem das capacidades de leitura.
Neste ponto, também é fundamental a contribuição de Bakhtin no que trata da
compreensão ativa, que se constituiu como eixo central do presente trabalho. O que
nos interessa, particularmente, é demonstrar como a questão da significação
bakhtiniana traduz uma forma de entender a compreensão dos textos; trata-se, no
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 42
desenvolvimento do nosso trabalho, de olhar a leitura a partir da ótica bakhtiniana
acerca da compreensão ativa. Para tanto, faz-se necessário deslindar conceitos
bakhtinianos como os de dialogismo, sinal, signo, compreensão ativa, polissemia,
pluri-acentuação, esferas de atividade e gêneros discursivos; além do conceito de
cronotopo.
2.2. A leitura como atividade dialógica
A questão do dialogismo está no cerne das idéias bakhtinianas. Desde as
discussões sobre a natureza da linguagem, o Círculo de Bakhtin já defende que
esta nasce da relação social. Na perspectiva da teoria bakhtiniana, a origem e
desenvolvimento da linguagem se encontram na organização sócio-política e
econômica da sociedade. A linguagem é o resultado da atividade humana coletiva,
cuja criação e representação é de natureza social. O que a constitui é o fenômeno
social da interação verbal, que se concretiza através de enunciações.
Em contrapartida, a linguagem também exerce um importante papel social: na
organização da vida sócio-política e econômica e na formação dos sistemas
ideológicos (o direito, a religião, a moral, a ciência, entre outros), produtos estes do
desenvolvimento socio-econômico da sociedade. Como se observa, há uma
complexa reflexão dialógica na relação da linguagem com o social e ideológico:
surgindo da necessidade da comunicação social, a linguagem se materializa na
forma de interação. As enunciações, portanto, são o ‘produto’ das interações verbais
dentro de contextos socialmente organizados. Como produtos de contextos
organizados histórica e socialmente, os enunciados estão sempre em contato com
outros enunciados, dialogando com eles:
O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado
momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios
dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado
objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo no diálogo
social. Ele também surge desse diálogo como seu prolongamento, como sua
réplica (...) (Bakhtin, 1934-1935/1975: 86).
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 43
Como produtos das interações verbais, elos na cadeia da comunicação verbal
− ligados a outros elos que os antecederam e que os seguirão −, os enunciados
também trazem, em sua natureza, a dialogicidade: respondendo a outros
enunciados no interior da cadeia da comunicação, também são elaborados a partir
da apreciação valorativa de um locutor sobre o(s) interlocutor(es) e sobre os temas,
em função dos quais são feitas todas as escolhas que os comporão – do gênero e
de sua forma composicional, tema e estilo. Essa forma de diálogo é responsável
pelo caráter constitutivo do enunciado: é sempre destinado a alguém, um outro sem
o qual ele não existiria. As formas peculiares, os modos típicos de se dirigir a esse
outro é que vão traçar as particularidades de composição dos enunciados em
gêneros discursivos.
De forma totalmente diversa dos enunciados, as unidades da língua
(palavras, orações) não têm um destinatário. Por não se dirigirem a ninguém, as
unidades lingüísticas necessitam de uma relação com a palavra do outro, a
enunciação do outro.
O enunciado concreto (e não a abstração lingüística) nasce, vive e morre no
processo da interação social entre os participantes da enunciação. Sua forma e
significado são determinados basicamente pela forma e caráter desta
interação. Quando cortamos o enunciado do solo real que o nutre, perdemos a
chave tanto de sua forma quanto de seu conteúdo – tudo que nos resta é uma
casca lingüística abstrata ou um esquema semântico igualmente abstrato (a
banal “idéia da obra”, com a qual lidaram os primeiros teóricos e historiadores
da literatura) – duas abstrações que não são passíveis de união mútua porque
não há chão concreto para sua síntese orgânica (Bakhtin/Volochinov, 1926: 9-
10)
Os enunciados existem em contextos concretos de comunicação e são
criados em função de um interlocutor com o qual se dialoga. O que se deve levar
em consideração, portanto, não é se o uso que está fazendo está em conformidade
à norma, mas a nova significação que essa forma lingüística produziu. Assim, do
ponto de vista do locutor, a forma lingüística não tem importância enquanto sinal
estável e sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto signo, sempre variável e
flexível; criado para uma função ideológica precisa.
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 44
Do ponto de vista do receptor, tampouco importará a forma lingüística
enquanto sinal. Bakhtin/Volochinov (1929: 93) afirma que, na verdade, não se pode
reduzir – é impossível reduzir, nas palavras do autor – o ato de ‘descodificação’10 ao
reconhecimento como familiar de uma norma lingüística utilizada pelo locutor. Pelo
contrário, essencial para a descodificação não é o reconhecimento da forma
utilizada, mas a sua compreensão num determinado contexto; é apreender sua
significação em uma enunciação particular. Ou seja, apreender a enunciação não é,
para o interlocutor, detectar se uma determinada forma lingüística está em
conformidade com a norma, mas considerá-la como um signo variável e flexível. O
essencial na tarefa de descodificação não consiste em reconhecer a forma
lingüística utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso,
compreender sua significação numa enunciação particular (Bakhtin/Volochinov,
1929: 93).
Distinguindo o processo de descodificação (compreensão) do processo de
identificação, Bakhtin/Volochinov (1929) assevera que há que se distinguir signo de
sinal. Este é uma entidade de conteúdo imutável, não substitui, reflete ou refrata
coisa alguma, não pertence ao domínio da ideologia; faz parte do mundo dos objetos
técnicos:
Enquanto uma forma lingüística for apenas um sinal e for percebida pelo
receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor lingüístico. A
pura ‘sinalidade’ não existe, mesmo nas primeiras fases de aquisição da
linguagem. Até mesmo ali, a forma é orientada pelo contexto, já constitui um
signo, embora seja real. Assim, o elemento que torna a forma lingüística um
signo não é sua identidade como sinal, mas sua mobilidade específica; da
mesma forma que aquilo que constitui a descodificação da forma
lingüística um signo não é o reconhecimento do sina l, mas a
compreensão da palavra no seu sentido particular, i sto é, apreensão da
orientação que é conferida à palavra por um context o e uma situação
precisos, uma orientação no sentido da evolução e não do imobilismo
(Bakhtin/Volochinov, 1929: 94, ênfase adicionada).
10 Bakhtin/Volochinov utiliza o conceito de descodificação como compreensão, diferenciando-o de
decodificação como identificação (1929: 93).
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 45
O que o autor está chamando de compreensão da orientação conferida à
palavra é o “germe” da idéia de compreensão ativa, que Bakhtin desenvolverá mais
adiante em sua obra (1952-53/1979). Para ele, a compreensão no sentido da
evolução é o que se acha na base da responsividade, no processo de interação
verbal. O ato de compreensão é uma resposta ativa, na medida em que ele introduz
o objeto da compreensão num novo contexto – o contexto potencial da resposta
(Bakhtin/Volochinov, 1929: 94). Uma vez que a comunicação só se concretiza na
enunciação, ele defende que a enunciação é, portanto, produto da interação entre
dois indivíduos socialmente organizados (Bakhtin/Volochinov, 1929: 112) e que, até
mesmo no nível do diálogo interior, o indivíduo tem um auditório social, em função
do qual se constroem as apreciações, deduções, motivações etc. Ainda que dentro
de si, o homem adota uma postura ativa no mundo. Toda enunciação compreende
uma resposta a algo. A palavra vai sempre se dirigir a um interlocutor. É uma “ponte”
que une, em dois extremos, locutor e interlocutor. É nesses dois extremos que a
palavra-ponte assenta as suas fundações.
Reafirmando essa idéia, Bakhtin/Volochinov (1929: 98) considera que mesmo
uma inscrição em um monumento constitui-se em um elemento presente na cadeia
da comunicação verbal, uma vez que tal inscrição foi produzida para ser
compreendida; por isso, foi orientada para uma leitura no contexto do processo
ideológico do qual faz parte. Deste modo, uma dada inscrição vai prolongar outras
que a antecederam, polemizar com elas. Por mais monológicas que possam
parecer, as inscrições fazem parte de certas esferas ideológicas (ciências, literatura,
política) e, como tal, têm a sua função enunciativa bem determinada; foram escritas
e inscritas para a leitura num desses contextos ideológicos.
A compreensão inevitavelmente passiva do filólogo-lingüista projeta-se sobre a
própria inscrição, sobre o objeto de estudo lingüístico, como se essa inscrição
tivesse sido concebida, desde a origem, para ser apreendida dessa maneira,
como se ela tivesse sido escrita para os filólogos. Disso resulta uma teoria
completamente falsa da compreensão, que está na bas e não só dos
métodos de interpretação lingüística dos textos, ma s também de toda a
semasiologia européia. Toda a sua posição em relaçã o ao sentido e ao
tema da palavra está impregnada dessa falsa concepç ão da compreensão
como ato passivo – compreensão da palavra que exclu i de antemão e por
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 46
princípio qualquer réplica ativa (Bakhtin/Volochinov, 1929: 99, ênfase
adicionada).
A discussão levantada aqui é de grande importância para o nosso trabalho,
porque vai se contrapor a toda uma corrente de práticas didáticas – ligada ao
modelo autônomo de letramento e à visão de leitura como extração de sentido literal
do texto de que tratamos no capítulo anterior – que influenciou (e influencia)
fortemente as práticas de leitura presentes até os nossos dias nas escolas. Como
os autores disseram acima: Disso resulta uma teoria completamente falsa da
compreensão, que está na base não só dos métodos de interpretação lingüística dos
textos (...); essa teoria completamente falsa de compreensão está diretamente
associada à visão da língua como um sistema de normas lingüísticas, estável e
imutável, distante da sócio-história, somente analisado a partir da identificação dos
elementos e, como conseqüência, à prática da leitura como decodificação e
repetição dos elementos do texto.
Este tipo de compreensão nada tem ver com a compreensão da linguagem e
da língua no sentido bakhtiniano, porque já ‘exclui de antemão’ a possibilidade de
resposta. Dessa forma, ele elabora a idéia de que há dois tipos de compreensão: a
ativa, que se caracteriza por uma atitude de tomada de posição; e a passiva, que se
caracteriza pelo reconhecimento dos componentes lingüísticos, pela percepção do
signo como objeto-sinal (Bakhtin/Volochinov, 1929: 99). Distinguir essas duas
formas de compreensão é uma questão central para a prática de leitura que foi
adotada no desenvolvimento deste trabalho.
A compreensão passiva do significado lingüístico de um modo geral não é
compreensão; é apenas seu momento abstrato, mas é também uma
compreensão passiva mais concreta do sentido da enunciação, da idéia do
falante. Permanecendo puramente passiva, receptiva, não trazendo nada de
novo para a compreensão do discurso, ela apenas o dubla, visando, no
máximo a reprodução completa daquilo que foi dado de antemão num discurso
já compreendido: ela não vai além do limite do seu contexto e não enriquece
aquilo que foi compreendido (Bakhtin, 1934-1935/1975: 90).
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 47
De acordo com o que já foi exposto, podemos observar que há uma distinção
profunda entre a compreensão ativa e aquilo que o autor denominou compreensão
passiva: esta nada acrescenta à idéia do falante, permitindo apenas a reprodução do
que já foi compreendido no discurso, uma espécie de ventriloquismo, de dublagem
da fala alheia, que pouco ou nada contribui para o entendimento, não caminha para
a evolução. Para exemplificar, podemos pensar num contexto de aula de leitura em
que o aluno, ao tentar explicar ao professor o que foi lido, reconta o que leu, preso
ao texto, não caminha nem encaminha a sua leitura a outro contexto para além
daquele que já conhece, limitando-se ao seu próprio contexto, ao seu próprio círculo,
sem fazê-lo sair dos seus limites. Desta maneira, o que estamos defendendo, com
Bakhtin/Volochinov, é que só existe compreensão quando esta é ativa, quando no
ato de compreender ocorre uma série de interrelações complexas que enriquecem o
compreendido com novos elementos no amplo diálogo dos enunciados.
Aprofundando-se na questão da significação, Bakhtin/Volochinov (1929)
discorre acerca da distinção entre tema e significação, que vai, justamente,
fundamentar a idéia de compreensão ativa. Nessa distinção, o autor defende que o
tema deve ser visto como uma característica particular - uma peculiaridade -
pertencente a cada enunciação/enunciado distintos. Por isso, o tema é sempre
único. Só é apreensível dentro de uma situação histórica concreta, de modo que
somente a enunciação tomada em toda a sua amplitude completa, como fenômeno
histórico, possui um tema (Bakhtin/Volochinov, 1929: 129). O caráter único do tema,
por sua refração ideológica particular àquela situação de enunciação, também se
constitui em uma plasticidade e mobilidade capaz de traduzir, numa mudança de
entoação, uma diversidade considerável de enunciações, conforme veremos a
seguir.
Bakhtin/Volochinov (1929) adverte, todavia, que, ao se limitar seu caráter não
reiterável e único, poder-se-ia cair em uma dialética medíocre. Por essa razão, é
reforçada a idéia de que no interior do tema se encontra a significação – que se
caracteriza pelos elementos da enunciação que são “reiteráveis e idênticos” e
sempre podem ser repetidos. Para esclarecer melhor, o autor usa o exemplo do
enunciado “Que horas são?” – sua significação é idêntica em todas as circunstâncias
históricas em que aparecer (assim como sua estrutura sintática, seus componentes
morfológicos, a entoação interrogativa) –, mas o tema dessa enunciação só é
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 48
apreendido na situação histórica concreta – onde se fundem não só a sua
significação (e as formas lingüísticas já indicadas), mas também os elementos não
verbais da situação. Segundo ele, apenas o tema significa de maneira determinada
(...). A significação não quer dizer nada em si mesma, ela é apenas um potencial,
uma possibilidade de significar algo no interior de um tema concreto
(Bakhtin/Volochinov, 1929: 131). Ou seja, “Que horas são?” pode significar “Mãe, o
almoço está pronto?”, num diálogo entre mãe e filho; ou “A aula ainda não acabou,
professora?”, quando enunciado momentos antes de o sinal bater encerrando as
aulas.
Para o estudo da leitura, é interessante que se entenda a distinção entre tema
e significação em conexão com a noção de compreensão ativa. Só pode haver
realmente compreensão se esta for ativa, em contraposição à idéia de compreensão
passiva, sobre a qual já discorremos. Somente a compreensão ativa permite que se
apreenda o tema, o que ocorre quando, no processo de compreensão, elaboramos
uma série de réplicas. Daí o termo “ativa” – só se apreende o tema da enunciação
se estivermos mantendo um diálogo: a cada palavra da enunciação corresponde
uma série de réplicas que formulamos para a nossa compreensão. O tema, é, em
última análise, o resultado da apreciação.
Desse modo, a enunciação formula em nossas mentes um contexto ativo e
responsivo. Voltando ao exemplo acima, caso a mãe, envolvida em suas tarefas,
não perceba que está próximo o horário do almoço e que a entoação usada pelo
garoto indicava que estava com fome, ela não seria capaz de apreender o tema da
enunciação e poderia se restringir, por exemplo, a responder sobre as horas.
Notamos aqui, que mesmo em um diálogo simples, cotidiano, de interação face a
face, há possibilidades polissêmicas.
Portanto, os temas de uma palavra (ou de um enunciado) são tantas quantos
os contextos possíveis de sua utilização, seu sentido é determinado pelo seu
contexto de uso. Bakhtin/Volochinov (1929: 135) afirma que não se pode construir
uma enunciação sem modalidade apreciativa. Toda enunciação compreende antes
de mais nada uma orientação apreciativa. É por isso que, na enunciação viva, cada
elemento contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação.
Dentre as formas de dialogismo, a polissemia é uma das que vai nos
interessar em especial para o desenvolvimento desta pesquisa. Como vimos, para
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 49
compreender como se dá o processo de construção do sentido, é preciso ver a
palavra como um signo ideológico; somente assim é possível perceber a sua
capacidade de assumir múltiplas tonalidades em diferentes campos como o político,
o moral e o religioso, por exemplo. É o contexto, a situação social, o lugar ocupado
pelo falante que determinam o sentido. Ligada à polissemia se encontra a pluri-
acentuação: uma palavra pode configurar dois contextos absolutamente distintos
pela mudança de um acento apreciativo. A polissemia e a pluri-acentuação se
servem da constituição plástica e móvel do tema que o torna capaz de traduzir,
numa mudança de entoação, uma diversidade considerável de enunciações. É
preciso que se reflita sobre a interrelação entre apreciação e tema, porque a palavra
em uso é sempre acompanhada de um acento apreciativo determinado pela
situação imediata – o tema de muitas enunciações só pode ser apreendido através
da entoação expressiva, que expressa justamente as apreciações de valor. z
Um outro conceito bakhtiniano que interessa ao nosso trabalho é o de
cronotopo. Inserido por Bakhtin para a análise literária, o termo foi ‘emprestado’ das
Ciências Matemáticas, foi introduzido e fundamentado com base na teoria da
relatividade (Einstein) (Bakhtin,1937-1938: 211) e significa, literalmente, tempo-
espaço. Bakhtin considera importante a representação indissolúvel que há entre
tempo e espaço e utiliza o cronotopo como uma metáfora para trabalhar a estética
literária. Na esfera literária, segundo o autor, o cronotopo é um processo de
assimilação do tempo, do espaço e do indivíduo real que se revela neles.
Bakhtin ressalta a importância dos cronotopos na constituição do romance.
Eles têm tanto um significado temático quanto um significado figurativo. Em relação
ao significado temático, eles são os centros organizadores dos principais
acontecimentos temáticos do romance. É no cronotopo que os nós do enredo são
feitos e desfeitos (Bakhtin, 1937-1938: 355). O significado figurativo dos cronotopos
ocorre porque neles o tempo adquire um caráter sensivelmente concreto; no
cronotopo, os acontecimentos do enredo se concretizam, ganham corpo e enchem-
se de sangue (Bakhtin, 1937-1938: 355). Em uma obra, é possível se encontrar uma
variedade de cronotopos que se inter-relacionam. No entanto, os cronotopos do
romance referem-se a uma assimilação artística que se efetua através da
elaboração do autor, apropriando-se no romance do espaço do tempo e do homem
históricos, ou seja, referem-se ao mundo representado na obra.
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 50
A obra o e mundo nela representado penetram no mundo real enriquecendo-o,
e o mundo real penetra na obra e no mundo representado, tanto no processo
da sua criação como no processo subseqüente da vida, numa constante
renovação da obra e numa percepção criativa dos ouvintes-leitores (Bakhtin,
1937-1938: 358).
Embora Bakhtin tenha tomado o conceito de cronotopo das ciências exatas
para a esfera literária, também considera que a interpretação de qualquer fenômeno
compreende também um elemento de apreciação, o que a inclui não somente na
esfera da existência espaço-temporal, mas também da esfera semântica, por isso, o
autor conclui:
Pois nos importa o seguinte: para entrar na nossa experiência (experiência
social, inclusive), esses significados, quaisquer que eles sejam, devem receber
uma expressão espaço-temporal qualquer, ou seja, uma forma sígnica audível
e visível por nós (um hieróglifo, uma fórmula matemática, uma expressão
verbal e lingüística, um desenho, etc.) Sem esta expressão espaço-temporal
é impossível até mesmo a reflexão mais abstrata. Co nseqüentemente,
qualquer intervenção na esfera dos significados só se realiza através da
porta dos cronotopos 11 (Bakhtin, 197312: 361-362, ênfase adicionada).
Refletindo sobre os encontros espaço-temporais, Bakhtin levanta uma questão
muito particular sobre a leitura: o texto não é inerte, a sua materialidade ocupa um
lugar definido no espaço, embora a sua criação e as suas informações fluam no
tempo e através dele. Assim, autores e leitores podem se encontrar em um novo
cronotopo: ultrapassando barreiras espaço-temporais, o encontro entre eles sempre
ocorre:
Naturalmente, esses seres reais, autores e ouvintes leitores, podem-se
encontrar (e freqüentemente se encontram) em tempos-espaços diferentes,
separados às vezes por séculos e por distâncias espaciais, mas se encontram
11 Por essas razões, estaremos também utilizando o conceito de cronotopo na análise dos dados
interacionais da pesquisa, mais adiante. 12 O excerto acima é parte do texto O cronotopo idílico no romance, escrito em 1937-1938, intitulada
Observações Finais. Segundo nota do organizador da obra bakhtiniana, essa parte foi escrita somente em 1973.
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 51
da mesma forma num mundo uno, real, inacabado e histórico que é separado
pela fronteira rigorosa e intransponível do mundo representado no texto. Por
isso nós podemos chamar esse mundo criador do texto: pois todos os seus
elementos – a realidade refletida no texto, os autores que o criam, os
intérpretes (se eles existem), e finalmente, os ouvintes-leitores que o
reconstituem e, nessa reconstituição, o renovam – participam em partes iguais
da criação do mundo representado. Dos cronotopos reais desse mundo
representado, originam-se cronotopos refletidos e criados do mundo
representado na obra (no texto) (Bakhtin,1973: 358).
2.3. Os gêneros discursivos
Como vimos anteriormente, na teoria enunciativa bakhtiniana, a utilização da
língua vai sempre se realizar em forma de enunciados que advém das diferentes
esferas de atividade humana. Desse modo, o enunciado vai refletir e refratar as
condições específicas que uma dada esfera lhe impõe. Além disso, os enunciados,
dentro de uma dada esfera de atividade, são sempre orientados em função de
outras intervenções anteriores no interior da mesma esfera. Qualquer enunciação,
por mais significativa e completa que seja, constitui-se apenas de uma pequena
fração na cadeia da comunicação verbal em uma esfera ou campo. Assim, o
discurso escrito sempre será parte integrante de uma discussão ideológica em
grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas
e objeções potenciais, procura apoio etc. (Bakhtin/Volochinov, 1929: 123).
Cada esfera de atividade gera determinados tipos de enunciados, que Bakhtin
denominou de gêneros do discurso (Bakhtin, 1952-53/1979: 279). Cada gênero
reflete e refrata, em seu conteúdo temático, estilo e construção composicional, as
condições e as finalidades da esfera em que circula. O autor reforça a idéia de que
estes três elementos se fundem num todo unificado – o enunciado. O enunciado (a
produção verbal), enquanto todo historicamente individual é único, irreproduzível
(Bakhtin, 1952-53/1379: 357). O autor acentua que, quando se realiza uma pesquisa
sobre um material lingüístico, vai se trabalhar com enunciados concretos que se
relacionam com as diversas esferas de atividade.
A variedade dos gêneros do discurso é infinita e, tal como são as atividades
humanas, ilimitada em suas possibilidades, de forma que cada esfera de atividade
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 52
comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e
ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa
(Bakhtin, 1952-53/1979: 279).
A diversidade genérica é foco de cuidadosa atenção e Bakhtin destaca que
coexistem gêneros padronizados - por exemplo, os gêneros oficiais, que mantêm
uma certa estabilidade - e gêneros mais flexíveis, das reuniões sociais, da intimidade
familiar, da esfera literária. Por outro lado, o autor formula a idéia de que há gêneros
primários e secundários – estes, ligados a esferas mais complexas (oficiais) de
interação, que se manifestam, principalmente, pela escrita; aqueles, ligados a
esferas mais cotidianas, como a familiar, manifestando-se, principalmente, pelo
discurso oral.
Não há razão para minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros do
discurso e a conseqüente dificuldade quando se trata de definir o caráter
genérico do enunciado. Importa, nesse ponto, levar em consideração a
diferença essencial existente entre o gênero primário (simples) e o gênero de
discurso secundário (complexo). Os gêneros secundários do discurso – o
romance, o teatro, o discurso científico, o discurso jornalístico, etc. – aparecem
em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e
relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica,
sóciopolítico (Bakhtin, 1952-53/1979: 281).
Como se observa, distinguir os gêneros primários dos secundários tem
grande importância para elucidar a natureza do enunciado; para o autor, é
necessário estudar-se a interrelação entre os gêneros primários e secundários e o
processo histórico de formação dos gêneros secundários – que absorveriam e
reelaborariam os gêneros primários, transformando-os: A interrelação entre os
gêneros primários e secundários de um lado, o processo histórico de formação dos
gêneros secundários de outro, eis o que esclarece a natureza do enunciado (e,
acima de tudo, o difícil problema da correlação entre língua, ideologias e visões do
mundo) (Bakhtin, 1952-53/1979: 282).
Os gêneros evoluem, transformam-se, surgem ou desaparecem, são
absorvidos por outros, de acordo com as esferas de atividade humana. No dizer do
autor, cada campo de atividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 53
a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua
própria função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que
coloca todos os fenômenos ideológicos sob a mesma o rientação geral
(Bakhtin/Volochinov, 1929: 33, ênfase do autor).
A relação entre linguagem e sociedade e seu reflexo na construção dos
enunciados e dos gêneros deve ser tomada a partir de uma perspectiva em que se
reconheça a sua relação recíproca.
2.4. Os gêneros discursivos como objetos de ensino de leitura e escrita
No contexto educacional brasileiro do final do século XX acontece um forte
apelo – inicialmente por parte da academia e, posteriormente, também através de
algumas ações governamentais – em prol da leitura de textos que fazem parte do
universo extra-escolar dos alunos, para que estes possam constituir-se em leitores
competentes – textos de circulação social mais ampla, que caracterizem usos
públicos da linguagem. Dessa maneira, gêneros discursivos de esferas sociais tais
como as artísticas, jornalísticas, publicitárias, passam a ganhar um estatuto novo e
a compor o universo de leituras nas escolas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam que, sobretudo no 3º e 4º
ciclos, a formação de leitores competentes é fundamental, uma vez que é nesses
ciclos que os alunos podem desistir de ler se não conseguirem alcançar os objetivos
traçados pela escola:
O terceiro e quarto ciclos têm papel decisivo na formação de leitores, pois é no
interior destes que muitos alunos desistem de ler por não conseguirem
responder às demandas de leitura colocadas pela escola, ou passam a utilizar
procedimentos construídos nos ciclos anteriores para lidar com os desafios
postos pela leitura, com autonomia cada vez maior (Brasil/MEC, 1998: 70).
Para alcançar esses objetivos, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(doravante, PCN) trazem propostas que encaminham para um trabalho de ensino de
leitura em que a escola se constitua num espaço de formação de leitores, onde cada
aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 54
assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas
situações (Brasil/MEC, 1998: 19). Para que se efetivem estes objetivos, é necessário
que haja uma criteriosa seleção dos materiais a serem utilizados em sala de aula:
É preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem
os textos que caracterizem os usos públicos da linguagem. Os textos a serem
selecionados são aqueles que, por suas características e usos, podem
favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas do pensamento mais
elaboradas e abstratas, bem como a fruição dos usos artísticos da linguagem,
ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada
(Brasil/MEC, 1998: 24).
Diante dessa orientação, refletindo sobre textos que caracterizem os usos
públicos da linguagem e que podem favorecer a reflexão crítica, acreditamos que os
gêneros da esfera jornalística podem ser um eficiente instrumento para a leitura e
produção de textos por parte dos alunos do Ensino Fundamental e Médio. O
professor, no trabalho com os gêneros como ferramenta de ensino – sobretudo com
os gêneros da esfera jornalística − tem a possibilidade de criar, nas aulas de Língua
Portuguesa, espaços onde os discursos circulem e as opiniões possam ser
debatidas, mas, principalmente, pode dar voz aos alunos, possibilitando que eles
leiam diferentes textos, leitura tida aqui não somente no sentido estrito, mas na sua
acepção mais ampla: que possam ler também o que não está escrito, as entrelinhas
dos discursos, os temas de fatos e atitudes que fazem parte da vida cotidiana. A
utilização do jornal impresso em sala de aula pode se constituir em um bom caminho
para as aulas de língua materna, porque nele estão presentes todos os assuntos
que permeiam a vida: desde fatos históricos relevantes, até a moda ou a
programação da televisão. Rodrigues (2000: 214) afirma que:
A entrada dos diferentes gêneros jornalísticos na escola como objetos de
ensino/aprendizagem encontra seu respaldo na necessidade de compreensão e
domínio dos modos de produção e significação dos discursos da esfera
jornalística, criando condições para que os alunos construam os conhecimentos
lingüístico-discursivos requeridos para a compreensão e produção desses
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 55
gêneros, caminho para o exercício da cidadania, que passa pelo
posicionamento crítico diante dos discursos.
Além disso, numa sociedade em que os meios de comunicação de massa
exercem forte influência sobre a população de um modo geral, e sobre os jovens em
particular, a percepção do papel da mídia na formação da opinião pública e na
geração de uma consciência crítica é fundamental. Neste sentido, refletir sobre o
trabalho com os gêneros da esfera jornalística nas aulas de língua e seu papel na
construção da cidadania é uma tarefa necessária.
Um trabalho como esse encaminha para a transversalidade, tema que já tem
sido discutido e também está presente nos PCN, como um dos caminhos para a
constituição do cidadão. Os temas transversais podem perpassar significativamente
a aprendizagem da língua, se forem criadas situações em que os trabalhos dos
alunos possam integrar-se em atividades de interesse da comunidade. Também
podem ser trabalhados em situações de reflexão sobre a língua, com o objetivo de
se conhecer e analisar criticamente o seu uso enquanto veículo de valores e
preconceitos. Nos objetivos dos PCN de Língua Portuguesa, também é reforçada a
importância de os cidadãos desenvolverem sua capacidade de compreender e
textos orais e escritos, de assumir a palavra e produzir textos em situações de
participação social ou de protagonismo.
Seguindo o percurso metodológico que se traçou para o desenvolvimento da
pesquisa, bakhtinianamente baseado, analisaremos a esfera do jornalismo impresso
tomada como uma forma de comunicação social específica, com finalidades,
características e gêneros discursivos que lhe são próprios. Para isso, é preciso,
então, considerar os elementos constitutivos dessa esfera, os quais balizam a
compreensão do funcionamento e constituição dos gêneros nela veiculados, tais
como: as condições sócio-históricas tanto de seu aparecimento quanto do seu
desenvolvimento e a sua função sócio-discursiva no conjunto da vida social, o que,
para Bakhtin, não deve ser analisado somente no domínio da própria esfera mas
também nas suas relações com outras esferas de comunicação.
Desse modo, no próximo capítulo, passaremos, inicialmente, a observar as
especificidades da esfera jornalística no contexto das atividades e da comunicação
humanas, os gêneros que compõem essa esfera e o jornal impresso,
Capítulo 2 – Ensino-aprendizagem de leitura: Vygotsky e Bakhtin 56
particularmente a primeira página, tomada como gênero discursivo. Na segunda
parte do capítulo, trataremos da utilização do jornal impresso como material
educativo.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
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O JORNAL IMPRESSO: A ESFERA JORNALÍSTICA E A
ESFERA ESCOLAR
Cenário: uma banca de jornal no centro de uma cidade. Personagens: um jornalista que tenta comprar jornais e revistas e um cidadão de meia idade que lê as manchetes dos jornais expostos na banca. Cidadão – Eu acho que conheço o senhor...O senhor é jornalista, não é mesmo? Jornalista – É, eu sou... Cidadão – Já vi sua fotografia no jornal... Jornalista – É, ela já saiu algumas vezes... Cidadão – Posso lhe perguntar uma coisa? Jornalista – Veja, eu estou meio apressado... Mas pode perguntar, sim. Cidadão – Por que os jornais se parecem tanto? Jornalista – Como? Cidadão – Por que os jornais são tão parecidos? Por que tratam quase sempre dos mesmos assuntos? Jornalista – Por que notícias importantes interessam a todos eles. E são publicadas por todos. Cidadão – E quem sabe que uma notícia é importante? Jornalista – Ora, nós sabemos quando estamos diante de uma notícia importante. Cidadão – Então são os jornalistas que decidem quando uma notícia é importante? Jornalista – Bem, digamos que seja... Cidadão – E se os jornais se parecem tanto é porque os jornalistas pensam da mesma maneira? Jornalista – Mais ou menos... ... Cidadão – Os jovens lêem jornais? Jornalista – Lêem pouco. E cada vez menos. Cidadão – Mas o que os jornais fazem para atraí-los? Jornalista – Não fazem muita coisa. Cidadão – Se não atraírem leitores jovens, no futuro os jornais não terão mais leitores, estou certo? Jornalista – Está sim. É mais ou menos isso. Cidadão – Então a idéia dos jornalistas é acabar com os jornais... Jornalista – O senhor me desculpe, mas tenho que ir embora. (O jornalista sai de cena. O cidadão e as demais pessoas ficam por ali comentando baixinho o que ouviram. A cortina baixa.)
Ricardo Noblat - A arte de fazer um jornal diário 2002
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Tendo em vista as atividades de ensino envolvidas neste trabalho, que se
propõe a ensinar a leitura utilizando o jornal impresso em sala de aula a partir de
uma perspectiva sócio-histórica bakhtiniana, este capítulo pretende apresentar e
discutir aspectos da esfera jornalística e do jornal impresso, não somente em sua
esfera original de circulação, mas também no âmbito da esfera escolar. Assim,
passaremos a apresentar as especificidades da esfera do jornalismo impresso,
partindo das condições sócio-históricas de seu surgimento à sua função sócio-
discursiva e desenvolvimento no âmbito das atividades sociais. Além disso,
estaremos apresentando certas particularidades do jornal impresso, discutindo, por
exemplo a questão da ‘objetividade’ no relato dos fatos. Fechando o capítulo, será
abordada a utilização do jornal impresso como material educativo e a proposta de
ensino que desenvolvemos.
3.1. A esfera jornalística
A esfera jornalística abarca não somente os jornais impressos, mas o conjunto
de impressos e outros meios que compõem o processo de difusão de informações
jornalísticas, através dos diferentes ‘veículos’ – impressos ou eletrônicos –, tais como
os jornais impressos, as revistas, o jornalismo radiofônico, televisivo e digital.
Seu surgimento é controverso. Diferentes pesquisadores da área apresentam
opiniões divergentes sobre a origem dessa esfera de circulação dos discursos. É
óbvio que suas primeiras manifestações se compusessem apenas na mídia
impressa. Daí o nome imprensa, utilizado até hoje e que abarca inclusive os jornais
veiculados pela mídia eletrônica.
Segundo Melo (1994), a partir do século XVl, as primeiras manifestações
jornalísticas podem ser divididas em dois grupos: as publicações clandestinas
(manuscritas ou impressas), que tinham como principal característica o desafio ao
poder absolutista e que eram marcadas, sobretudo, pela manifestação e propagação
das idéias da burguesia contra o domínio aristocrático e as publicações oficiais,
sempre submetidas à censura. Devido principalmente à censura, essas publicações,
apesar de informarem sobre fatos da atualidade, também não podem ser
consideradas jornalismo, uma vez que lhes faltava a periodicidade (Melo, 1994).
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Lage (2004), por sua vez, afirma que o jornalismo surge com o renascimento e
a formação dos estados nacionais modernos:
Com o renascimento e a formação dos estados nacionais modernos, as línguas
nacionais foram impostas a áreas territoriais extensas através de mecanismos
compulsórios e sistemas escolares que partiram da estruturação dessas
línguas em documentos literários canônicos, como Os Lusíadas, de Camões,
Dom Quixote, de Cervantes, peças de Shakespeare e poemas de Mílton, o
teatro de Racine e Molière.
A literatura (...) passou a ser o padrão ao qual deveriam formar-se os discursos
institucionais. É por esse tempo que nasce o jornalismo, caracter izado,
inicialmente, como publicismo e com a tarefa histór ica de confrontar a
aristocracia a serviço da ideologia burguesa. Os grandes jornalistas do
século XVIII foram escritores, nem sempre brilhantes, e críticos do poder
aristocrático; consideravam-se e eram considerados portadores da verdade
iluminista. O jornalismo era, ao mesmo tempo, retórico e literário (Lage,
disponível em http://www.jornalismo.cce.ufsc.br/gratex1.html, acesso em
14.07.2004, ênfase adicionada).
Já Marcondes Filho (2000) considera o jornalismo como ‘filho legítimo’ da
revolução francesa, uma vez que ele se expande a partir da luta pelos direitos do
cidadão, no que foi a chamada ‘revolução símbolo’ da destituição da aristocracia, do
fim das monarquias e do sistema absolutista reinante na Idade Média:
A Revolução Francesa, símbolo da queda dos regimes monárquicos e do poder
aristocrático, foi também, ao mesmo tempo, a conquista do direito à
informação. Além de decapitar nobres, tratava-se agora de abrir os diques de
seus segredos. Assim todo o saber acumulado e reservado aos sábios passa
agora a circular de forma mais ou menos livre. E são os jornalistas que irão
abastecer esse mercado; sua atividade será a de procurar, explorar, escavar,
vasculhar, virar tudo de pernas para o ar, até mesmo profanar, no interesse da
notícia (Marcondes Filho, 2000: 10).
Esse momento histórico é considerado como o do primeiro jornalismo, de
1789 à metade do século XlX, quando começa a ruir o controle do saber
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característico da Idade Média e também as formas de manipulação e manutenção
da autoridade, que cedem lugar ao “esclarecimento” político e ideológico. É nessa
época que surgem as redações dos jornais, lugar de troca de informações e de
criação, e é quando os jornais passam a ser escritos com fins ideológicos de
formação política.
O segundo jornalismo é caracterizado pela visão capitalista, do jornal como
uma grande empresa, que reflete o jogo das forças políticas, o que ocorre a partir da
inovação tecnológica da metade do século XlX, quando a empresa jornalística
necessita de se auto-sustentar e, para isso, irá se transformar de uma atividade
praticamente “livre” de pensar e fazer política, em uma operação que precisará
vender, e muito, para seu autofinanciamento.
A grande mudança que se realiza nesse tipo de atividade noticiosa é a inversão
da importância e da preocupação quanto ao caráter de sua mercadoria: seu
valor de troca – a venda dos espaços publicitários para assegurar a
sustentação e a sobrevivência econômica – passa a ser prioritário em relação a
seu valor de uso, a parte puramente redacional-noticiosa dos jornais. A
tendência – como se verá até o final do século XX – é a de fazer do jornal
progressivamente um amontoado de comunicações publicitárias permeado de
notícias (Marcondes Filho, 2000: 14, ênfase adicionada).
Como se observa, a entrada dos textos publicitários no jornal impresso não é
algo tão recente, nem característico da imprensa atual; há todo um contexto sócio-
histórico que gera um alto investimento de capital, mas que ocasionará e manterá
uma das características originais da atividade jornalística: a busca da notícia, da
atualidade, do ‘furo’. Este contexto de imbricamento das duas esferas – jornalística e
publicitária – marca o aparecimento da imprensa de massa. Com o surgimento da
publicidade, o custo de produção dos jornais diminui, possibilitando um aumento do
público leitor, o que alterou a demanda de informação. Lage traz um interessante
relato sobre esse momento histórico:
O público multiplicou-se, alterando a demanda de informação. Dentre os vários
caminhos tentados – novelas contadas no rodapé das páginas, desenhos e
gravuras que dariam origem às charges e às histórias em quadrinhos,
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campanhas de opinião contundentes, etc. – o que mais se mostrou frutífero foi
a exploração do noticiário. Os novos leitores apreciavam histórias fantásticas e
sentimentais, acontecimentos emocionantes e portentosos, relatos de países
distantes, selvagens ou misteriosos e a ampliação de dramas do cotidiano.
Daí ao sensacionalismo foi um passo. A má qualidade literária – herdada da
época do publicismo – somou-se aí, ao exagero retórico para produzir relatos
da realidade muito distorcidos e eventualmente mentirosos (...) (Lage,
disponível em http://www.jornalismo.cce.ufsc.br/gratex1.html, acessado em
14.07.2004).
Dessa maneira, o surgimento da esfera publicitária ocasiona uma série de
transformações na esfera jornalística: em primeiro lugar, o aumento de seu público
leitor e, em função deste, ocorre o aparecimento de novos gêneros, que dariam
origem, posteriormente, a outros. Além disso, em função de seu público, a qualidade
do que se escrevia se compromete, o que nos faz pensar se também não é isso o
que vem ocorrendo com certos setores da imprensa nos dias de hoje. Essa reflexão
nos leva a concluir que o método sociológico que o círculo bakhtiniano elaborou nos
permite, como pesquisadores, entender de forma mais abrangente um determinado
objeto de estudo. Muitas questões indefinidas presentes na esfera jornalística na
atualidade encontram respostas em sua gênese.
Já no século XX, com o crescimento das empresas jornalísticas, ocorre o
chamado terceiro jornalismo, que é o dos monopólios, que, segundo Marcondes
Filho, só terão seu poder ameaçado pelas guerras e pelos governos autoritários.
Segundo este autor, esse jornalismo é o que melhor reflete o espírito da
modernidade que marcou o século XX.
Por esse mesmo motivo, o processo de desintegração da atividade, seu
enfraquecimento, sua substituição por processos menos engajados (que já não
buscam a "verdade”, que já não apostam numa evolução para “uma sociedade
mais humana”) é um sintoma de mudança dos tempos e dos espíritos.
Mudamos para uma época semelhante àquilo que Nietzsche atribuía a toda a
modernidade: o de ser uma “época fraca, decadente, niilista” (Marcondes Filho,
2000: 15).
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Essa época da modernidade traz inovações tecnológicas que acarretam uma
ampliação do conceito de imprensa: o surgimento do rádio e da televisão e dos
jornais presentes nesses dois veículos amplia a própria esfera jornalística. O
surgimento do rádio no Brasil tem um papel de nacionalizar as informações, já que,
até então, os jornais escritos circulavam apenas na “Corte”. Além disso, o rádio
trouxe uma nova fase ao papel do jornalismo, pois foi um grande instrumento
revolucionário, já que permitiu o acesso dos não escolarizados aos meios de
comunicação de massa e à informação.
Os grandes monopólios acabam por incluir também rádio e a televisão13, os
quais exercem grande importância na difusão de fatos históricos relevantes, todavia,
de acordo com Ramonet (1999: 27), até o fim da década de oitenta, o jornalismo de
referência era mesmo o impresso. O autor relata que o telejornal se organizava em
torno das informações veiculadas nos jornais diários.
Retomando a história do aparecimento do jornal, observamos que este sofreu
dois fortes impactos de natureza tecnológica que provocaram grandes mudanças na
atividade: o primeiro, a partir de 1850, com a criação das máquinas rotativas e dos
processos de comunicação de massa. O aumento na produção significou uma forte
reorientação da indústria jornalística, em função de render lucros e se tornar auto-
sustentável. Por essa razão, o jornalismo deixou de ser tão livre, para se tornar um
produto voltado ao mercado, dependente dos gostos e do interesse da massa de
consumidores.
A segunda grande inovação tecnológica ocorre a partir de meados de 1970 e
tem dois pontos fundamentais: o desenvolvimento acelerado das novas tecnologias
de comunicação e de informação e a sua tradução no campo do conhecimento e da
cultura: o conceito de comunicação invade com furor extraordinário todos os
domínios da vida social (Marcondes Filho, 2000: 17). É o início do quarto jornalismo.
A revolução cibernética acontece como decorrência dos investimentos
militares na Guerra Fria, em função da necessidade da construção de sistemas que
se regulassem e que fossem manipulados e dirigidos à distância. Os primeiros
13 Não nos cabe detalhar as diferentes modalidades da esfera jornalística (digital, televisiva,
radiofônica), já que nosso objeto é o trabalho pedagógico com o jornal impresso.
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aparelhos criados para essas funções eram dispositivos de guerra não
convencionais, utilizados para capacitar o conflito militar de um componente de
inteligência que não poderia ser alcançado pelo inimigo. Por essa razão,
desenvolveu-se a concepção de rede, um sistema de informações, sem sede central,
sem um núcleo centralizante das informações, capaz de se reproduzir em todos os
seus terminais: Nascia a Internet.
A partir de então, essa tecnologia se expande para outras instâncias e, como
decorrência, no jornalismo, todo o ambiente da redação se modifica: as máquinas de
escrever são substituídas por terminais de computadores; a diagramação deixa de
ser manual para se tornar eletrônica e, o mais notável: o texto passa a ser virtual,
uma imagem na tela que é ao mesmo tempo distribuída, mexida, adaptada segundo
a dinâmica da própria página (Marcondes Filho, 2000: 30).
A tecnologia, num primeiro momento, volta-se para um barateamento da
produção, mas logo é submetida a uma forte tendência de mercado:
Todos os meios de comunicação se informatizando, criam um “sistema
absoluto”, do qual não dá para escapar. Não há estradas marginais para a
tecnologia digital. A informática obriga todos a entrarem no mesmo barco, pois
muda a lógica do conjunto como um todo, do sistema total de trânsito de
informações. Sua força e sua potência – hoje inabaláveis – estão na unificação
de todos segundo a sua própria e arbitrária lei (Marcondes Filho, 2000: 35).
A adoção dos computadores, sistemas em rede, acesso on line à Internet
levaram as empresas jornalísticas a promoverem uma reformulação de seu sistema
de trabalho, tendo que se adaptar à alta velocidade de circulação das informações,
exigindo que o jornalista trabalhe na velocidade do sistema.
Bom jornalista passou a ser mais aquele que consegue, em tempo hábil, dar
conta das exigências de produção de notícias do que aquele que mais sabe ou
melhor escreve. Ele deve ser uma peça que funciona bem, “universal”, ou seja,
acoplável a qualquer altura do sistema de produção de informações
(Marcondes Filho, 2000: 36).
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
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Esse contexto trouxe ao texto jornalístico características peculiares da rapidez
exigida: privilegia-se a notícia curta, de três parágrafos, e mesmo as matérias mais
extensas não são construídas linearmente do ponto de vista narrativo, mas pela
aglutinação de fragmentos que repetem as mesmas idéias sob vários ângulos.
Segundo o autor, essa forma de estruturação da notícia segue a lógica da
digitalização do conhecimento: a redução do saber a blocos sintéticos de informação.
Além desse aspecto formal, o jornal passa a restringir o número de termos de seu
uso diário através dos manuais de redação, os quais, segundo Marcondes Filho,
passam a funcionar na cultura e na sociedade em que são hegemônicos como fontes
normativas da linguagem efetivamente falada ou escrita (Marcondes Filho, 2000: 37).
Observando o surgimento e desenvolvimento da esfera jornalística, apreende-
se que o contexto sócio-histórico e econômico propiciou determinadas condições
para o aparecimento de uma nova forma de comunicação, com funções,
características e objeto próprios. Essa esfera, em seu desenvolvimento, engendrou
ou se integrou com uma outra: a esfera publicitária. Dessa gênese, podemos concluir
que não somente os gêneros discursivos engendram e são engendrados pelas
motivações sociais, mas diferentes campos de atividades também surgem de acordo
com as condições sócio-históricas de cada época.
De forma oposta ocorreu com a Internet: nasceu da necessidade do
desenvolvimento de táticas de guerra e foi incorporada por outras esferas, dentre
elas, a jornalística, numa ‘atualização’ da esfera, como reflexo da era pós-moderna.
Além de todas as modificações acarretadas no jornalismo impresso já
descritas, a Internet também favoreceu o surgimento de novos gêneros e de uma
nova mídia para a circulação dos gêneros jornalísticos, promovendo também a
migração de gêneros do jornalismo impresso para o jornalismo digital.
Nessa atualização, o jornalismo assume de vez a natureza multimidiática e
multimodal, onde diferentes linguagens atuam: texto escrito, oral, imagens estáticas
e em movimento.
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3. 2. Sobre o jornal impresso
Melo (1994: 24) afirma que, historicamente, há duas categorias jornalísticas
fundamentais, que correspondem a modalidades de relato dos fatos e das idéias
e, segundo ele, essas categorias desfazem o dilema da questão da objetividade
da atividade jornalística, ou a dicotomia segundo a qual o jornalismo informativo se
limita à transmissão de informações e o opinativo se restringe ao universo das
apreciações, da opinião.
O reconhecimento dessas duas modalidades, defende o autor, não implica no
desconhecimento de que a atividade jornalística se constitui em um processo social,
com implicações valorativas específicas, que nascem da necessidade de se
diferenciar a exposição dos fatos da opinião do jornalista. O autor também considera
que essas diferentes categorias são uma divisão de natureza profissional e sócio-
política:
Profissional no sentido contemporâneo, significando o limite em que o jornalista
se move, circulando entre o dever de informar (registrando honestamente o
que observa) e o poder de opinar , que constitui uma concessão que lhe é
facultada ou não pela instituição em que atua. Político no sentido histórico:
ontem, o editor burlando a vigilância do Estado, assumindo riscos calculados
nas matérias cuja autoria era revelada (comments); hoje, desviando a vigilância
do público leitor em relação às matérias que aparecem como informativas
(news), mas na prática possuem vieses ou conotações (Melo, 1994: 24, ênfase
adicionada).
Bakhtin (1952-1953/1979), também teceu considerações acerca do papel do
jornalista; para ele:
O jornalista é acima de tudo um contemporâneo. É obrigado a sê-lo. Vive na
esfera de questões que podem ser resolvidas em sua atualidade (ou ao menos
num tempo próximo). Participa de um diálogo que pode ser terminado e até
concluído, que pode passar à ação, pode tornar-se força empírica
(Bakhtin,1952-53/1979: 388-389).
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Esse diálogo na contemporaneidade registrado diariamente nas páginas dos
jornais impressos também faz com que o jornal seja considerado por especialistas da
área um registro da história no seu dia a dia. De acordo com Noblat (2002: 21), um
jornal é ou deveria ser um espelho da consciência crítica de uma comunidade em
determinado espaço de tempo. Um espelho que reflita com nitidez a dimensão
aproximada ou real dessa consciência .
Um dos modos de se conhecer o conteúdo de um jornal é examinar a sua
primeira página. Ali estão expostas as informações mais importantes, as manchetes
do dia e os assuntos que serão destaques em diferentes meios de comunicação.
Considerada por grande parte das empresas jornalísticas como a vitrine do jornal, a
primeira página expõe os principais assuntos da edição. De acordo com o Manual de
Redação da Folha de S. Paulo, seu texto
Precisa ser exemplar em qualidade, concisão e clareza. Fotos e artes (de
preferência em cores) têm prioridade. É feita por uma equipe exclusiva. Seu
conteúdo é discutido em reuniões vespertinas diárias. A definição de seu
desenho e da manchete é feita pela Secretaria de Redação e submetida à
Direção de Redação (Folha de S. Paulo, disponível em http:// www1. uol.
com.br/ cgi-bin/ bibliot/ arquivo. cgi? html=manual &banner= banner sarqfolha,
acesso em 29.10.2004).
Segundo Frias Filho (2000), as primeiras páginas retratam o cotidiano,
de tal forma que estas:
Se convertem, assim em espelho do mundo, de acordo com a metáfora
famosa, mas se trata de espelhos não só convexos, como também d uplos.
Por meio deles, ficamos conhecendo tanto sobre a realidade objetiva, exterior,
que procuraram focalizar, quanto sobre o recorte humano – suas
idiossincrasias, hábitos e ilusões – que determinou a escolha entre o que
‘vale’ e o que ‘não vale’ estar na Primeira Página. A decisão é
condicionada por uma mescla, em parte inconsciente, de fatores de
mercado, de política editorial, tradição jornalísti ca, gosto plástico,
valores. Por trás da multiplicidade de influências, que se articulam de maneira
tão incidental quanto os próprios ventos do dia, avultam, porém, duas trações
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antagônicas. Toda Primeira Página será resultado de seu conflito e tentará
expressar a fórmula de equilíbrio entre ambas (Frias Filho, 2000: 7).
Para Sevcenko (2000: 11, ênfase adicionada), todavia, a primeira página tem
uma função importante que é a de participar da produção da imagem que a
sociedade compõe da realidade:
Nem espelho do real, nem falsificação grosseira. Há muito que aprender sobre
o processo pelo qual o jornal não só fala do mundo, mas participa
efetivamente da produção da imagem que todos nós co mpomos da
realidade e do cotidiano .
Refletindo acerca dessas assertivas, escritas por quem produz o jornal
impresso e seleciona o que vale e o que não vale estar na primeira página,
podemos refletir que o jornalismo impresso apresenta duas vozes distintas: uma
explícita, da editoria do jornal, que organiza a escolha de fotografias, manchetes e
demais gêneros em uma diagramação específica, de forma a atrair ao máximo a
atenção de seus leitores, e uma segunda voz, menos aparente, que é aquela que se
desvela na dialogia interna dos gêneros ali expostos; perceptível como um texto
não-verbal, não explícito, envolvido em uma série de mitos, sobretudo o de
transparência e objetividade do jornal impresso. Em Benites (2005), encontramos:
Se é verdade que não existem discursos objetivos, existem estratégias
discursivas que, habilmente empregadas, constroem o efeito de objetividade.
Dentre elas, destacam-se os relatos de fala, que, na visão do NMR14, conferem
credibilidade à informação e dão vivacidade à reportagem, além de ajudar o
leitor a conhecer melhor a personagem da notícia (Benites, 2005: s/p).
Com Bakhtin/Volochinov (1929: 147), podemos refletir que quem apreende a
enunciação de outrem não é um ser mudo, privado de palavra, mas ao contrário, um
ser cheio de palavras interiores. No caso específico do discurso jornalístico,
principalmente nas formas canônicas – a notícia e a reportagem –, as formas de
14 Novo Manual de Redação da Folha de S. Paulo
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citação usuais são os discursos direto e indireto; as outras formas, como o discurso
indireto livre – em que o narrador assume a subjetividade de quem está citando –
ocorrem com menor freqüência em textos jornalísticos e é justamente este um dos
recursos que se utiliza para manter a idéia de transparência do jornal ao transmitir
uma notícia.
Segundo Bakhtin/Volochinov (1929), o discurso citado é visto pelo falante
como a enunciação de uma outra pessoa, completamente independente na origem,
dotada de construção completa e situada fora do contexto narrativo é o discurso no
discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre
o discurso, uma enunciação sobre a enunciação (Bakhtin/Volochinov, 1929: 144).
Através dessa independência, o discurso de outrem passa para o contexto narrativo,
conservando o seu conteúdo e ao menos rudimentos de sua integridade lingüística e
de sua autonomia estrutural primitiva.
A seguir, apresentamos um quadro em que Bakhtin esquematiza os tipos de
discurso citado, com o objetivo de mostrar a bivocalidade e os possíveis modos de
orientação centrada no discurso do outro, a qual complexifica a habitual orientação
objetiva do discurso (Bakhtin, 1929/1961-1962: 173). O autor reforça, no entanto,
que esta classificação é meramente abstrata, já que a língua viva, a palavra
concreta, tem um caráter mais dinâmico e pode pertencer a diferentes e variados
tipos:
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I. Discurso direto imediatamente orientado para o seu referente como expressão da última instância
semântica do falante.
II. Discurso objetificado (o discurso da pessoa representada)
1. Com predomínio da definição sociotípica.
2. Com predomínio da precisão caracterológica-
individual
Diferentes graus de concretude
III. Discurso orientado para o discurso do outro (discurso bivocal)
1. Discurso bivocal de orientação única:
a) estilização;
b) narração do narrador;
c) discurso não-objetificado do herói-agente (em
parte) das idéias do autor;
d) Icherzählung15.
Reduzindo-se o grau de concretude tendem para a
fusão das vozes, isto é, para o discurso do primeiro
tipo.
2. Discurso bivocal de orientação vária:
a) paródia em todas as suas gradações ;
b) narração parodística;
c) Icherzählung parodístico;
d) discurso do herói parodisticamente
representado;
e) qualquer transmissão da palavra do outro
com variação no acento.
Havendo redução do grau de concretude e ativação
da idéia do outro, tornam-se internamente dialógicas e
tendem para a decomposição em dois discursos
(duas vozes) do primeiro tipo.
3. Tipo ativo (discurso refletido do outro):
a) polêmica interna velada;
b) autobiografia e confissão polemicamente
refletidas;
c) qualquer discurso que visa ao discurso do
outro;
d) réplica do diálogo ;
e) diálogo velado.
O discurso do outro influencia de fora para dentro; são
possíveis formas sumamente variadas de inter-
relação com a palavra do outro e variados graus de
sua influência deformante.
(Bakhtin, 1929/1961-1962: 173)
Refletindo sobre os tipos que destacamos em negrito no quadro acima,
podemos considerar que alguns destes se fazem presentes no jornal impresso: em
primeiro lugar, qualquer transmissão da palavra do outro com variaç ão no
acento : muito embora o jornalismo se preocupe em transmitir a idéia de isenção da
notícia, de transparência do jornal, o que se pode constatar é que, muitas vezes, ao
transmitir a fala alheia – o discurso de outrem –, o jornalista acaba por imprimir um
15 Narração da primeira pessoa (ich - eu, erzählung - narração).
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certo acento seu ou encaminhar a leitura para uma determinada direção. Prova
disso são os muitos processos movidos por pessoas que se sentiram lesadas ao
darem uma entrevista.
Em segundo lugar, a réplica do diálogo nas entrevistas do tipo “pingue-
pongue”, em que o repórter procura transmitir a entrevista “na íntegra” para a página
do jornal. Neste tipo de entrevista, há dois modos de bivocalidade presente: a
seleção de perguntas e as respostas apresentam uma forma de dialogia interna em
que o discurso do outro penetra no discurso em elaboração, a pergunta leva o
entrevistado a responder de um e não de outro modo. Embutidas em perguntas e
respostas está a orientação do outro para este ou aquele lugar ideológico. Além
disso, na escrita dessas respostas pode haver também a infiltração da voz do outro.
Em terceiro lugar, a paródia em todas as suas gradações: podemos pensar
nos gêneros jornalísticos que podem apresentar a ironia, explícita ou não, de uma
situação real ou de personagem pública, por exemplo. Um gênero que pode
exemplificar isso no jornal impresso é a charge. Bakhtin/Volochinov (1929) reflete
cuidadosamente sobre esse tipo de discurso irônico:
Cada palavra da narrativa pertence simultaneamente, do ponto de vista da
sua expressividade, da sua tonalidade emocional, do seu relevo na frase, a
dois contextos que se entrecruzam, a dois discursos : o discurso do
autor-narrador (irônico, gozador) e o da personagem (que não tem
nada de irônico) . É essa simultânea participação de dois discursos,
diferentemente orientados na sua expressão, que explica a particularidade
das construções das frases , as “rupturas da sintaxe” e a particularidade do
estilo (Bakhtin/Volochinov, 1929: 169).
Em nosso contexto de análise do jornal impresso, podemos pensar em uma
ironia que pode ser desvelada em uma análise cuidadosa dos modos de citação
utilizados no jornal ou na disposição e conteúdos dos gêneros que o compõem.
Ao discutir a questão do plurilingüismo no romance, Bakhtin (1934-
1935/1975) ressalta que há gêneros discursivos que permitem a introdução de
diferentes gêneros em sua composição, tanto literários como extraliterários, através
do fenômeno da intercalação ou da hibridização. O autor ressalta que é muito difícil
encontrar um gênero que não tenha sido incluído em algum romance e reforça que
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
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há um grupo de gêneros cujo papel se torna tão importante que chega a determinar
a estrutura do conjunto, instituindo formas variantes do gênero romanesco, tais
como a carta, a confissão, o diário, entre outros. Por outro lado, o romance também
utiliza desses gêneros como formas de assimilar a realidade (Bakhtin, 1934-
1935/1975: 125).
De modo semelhante ocorre com a primeira página do jornal impresso: seus
gêneros intercalados, dispostos em uma determinada disposição gráfico-editorial,
compõem-se – com fotografias, ilustrações, infográficos e textos escritos em outros
gêneros – num todo unificado de sentido, configurando um gênero discursivo.
Bunzen & Rojo (2005: 17, ênfase dos autores), em estudo sobre o livro didático de
Língua Portuguesa, também defendem que este se constitui em um gênero
discursivo a partir do fenômeno complexo da intercalação de textos em gêne ros
diversos . Segundo esses pesquisadores, o livro didático pode ser estudado como
um gênero do discurso constituído por outros gêneros intercalados , assim como o
romance (Bakhtin,1929/1963; 1934-193) ou o jornal.
No caso da primeira página do jornal impresso, especificamente, essa
intercalação compreende não somente gêneros verbais – notícias, artigos,
manchetes, lides etc –, mas também incluem as fotografias, a diagramação da
página que se compõem em um todo do enunciado, com características
determinadas: conteúdo temático, estilo e construção composicional, em que cada
uma é marcada fortemente pela esfera de atividade específica em que se insere e
pela autoria (institucional, neste caso), refletindo não somente as idéias do autor,
mas também apreciação valorativa desse autor sobre os temas e os leitores.
Nessa medida, podemos considerar, com Benette (2001: 4, ênfase
adicionada), que é da combinação dos enunciados presentes nos gêner os
discursivos de cada página que se origina o enuncia do verbal que, crê-se,
como é visto em diferentes manifestações, estaria no texto primeiro que nasce das
declarações colhidas pelo repórter junto a sua fonte; de documentos que viram
notícias; da percepção de alguém diante da ‘realidade/fato’.
Brait (1996), por sua vez, afirma que o jornal impresso apresenta um plano de
expressão com particularidades, cujas características o diferem do discurso oral e
do escrito, ou do discurso puramente visual, mas que essa orquestração de
discursos provoca, segundo a autora, uma seqüência irônica:
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
72
As particularidades de seu plano de expressão explicitam-se, e diferenciam-se
de outros “veículos”, pelo fato de que tanto a linguagem verbal quanto a
visual são acionadas de forma a provocar a interpen etração e
conseqüentemente a atuação conjunta . Isso pode ser constatado na
organização dos cadernos e das páginas, na diversidade de tipos e tamanhos
de letras utilizadas, nas mais diferentes combinatórias envolvendo texto-foto,
foto-legenda, texto-ilustração (Brait, 1996: 65-66).
A partir das considerações de Brait (1996), vemos que o jornal - com essa
orquestração de discursos - apresenta-se como um sistema de linguagens em que
cada elemento isolado é definido por uma unidade estilística a que ele se subordina
e à qual se integra. Segundo a autora,
Esses elementos, somados a vários outros, caracterizam estratégias
discursivas e textuais que, construídas e constituídas ao longo da história do
jornal impresso, obrigam o analista a pensar determinadas questões de
significação também a partir dessas particularidades (Brait, 1996: 66).
Grillo (2001), em estudo sobre a noção de representação do real na imprensa
brasileira, afirma que são os títulos e o discurso citado que conectam os gêneros
informativos com a exterioridade, através de efeitos de apagamento da instância de
produção jornalística em relação ao referente e da apreensão do leitor, como se o
colocasse em contato direto com os fatos.
É justamente nos elementos que procuram persuadir os leitores da
transparência do jornal em relação aos fatos, títul os e discurso citado,
que encontramos as marcas de opinião. Isto se dá porque os gêneros
informativos são engendrados entre a finalidade, auto-representada nos
manuais e constitutiva do compromisso com o leitor, de reprodução dos fatos e
a impossibilidade de neutralidade característica de qualquer uso da linguagem.
Ou seja, o lugar do qual fala o jornal é do fazer saber dos fatos da realidade,
mesmo que a necessária mediação dos sujeitos e da linguagem torne esse
compromisso irrealizável (Grillo, 2001: 200).
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
73
De acordo com o Manual de Redação da Folha de S. Paulo, a matéria prima
do jornal, a notícia, consistiria no puro registro de fatos, sem opinião; todavia, esse
caráter impessoal é superficial, já que, na realidade, as notícias refletem as
perspectivas da editoria e do jornalista que a produziu. Benites (2005), em pesquisa
recente em que analisa o uso das citações no jornal Folha de S. Paulo, defende que:
Esse efeito de objetividade comumente atribuído pela imp rensa ao relato
do discurso do outro revela-se, porém, ilusório , já que, conforme Bakhtin
(1979) (sic), as palavras do outro introduzidas em um discurso sã o
revestidas, inevitavelmente, da compreensão e da av aliação do locutor
que delas lança mão, tornando-se, portanto, bivocai s. Dessa forma, o relato
de fala constitui-se em um recurso altamente argumentativo, utilizado para
persuadir, "atingir a vontade", buscar adesão, e envolve, basicamente,
subjetividade (Benites: 2005, s/p).
Para ilustrar o que vimos discorrendo, tomemos o exemplo da primeira página
do jornal O Estado de S. Paulo, veiculado em 26/07/2002, época de campanha à
Presidência da República:
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
75
Em um primeiro plano, temos a fotografia em destaque, a foto-manchete
(fotografia que ocupa o lugar da manchete verbal, quase centralizada na primeira
página, logo abaixo do cabeçalho), nela aparece um grande incêndio na Floresta
Nacional das Sequóias, nos Estados Unidos; nota-se que o incêndio, em cores
vivas, numa tonalidade avermelhada16, abarca toda a área da fotografia, tornando-a
bastante chamativa. O bombeiro que aparece à frente, parece afastado, distante,
incapacitado de agir diante da do grande incêndio que já atinge a copa das árvores.
A legenda dessa fotografia traz: Risco – Incêndio na Floresta das Sequóias (EUA)
ameaça árvores de até 1.500 anos; uma suspeita foi presa.
Ao lado direito da foto-manchete, aparece a manchete verbal; Dólar rompe a
barreira dos R$ 3 com ajuda do efeito Ciro , a chamada da notícia, que será
apresentada em detalhes na página B 3, traz O dólar rompeu ontem a barreira dos
R$ 3,00, chegando a ser cotado a R$ 3,30. A alta do dia começou com informações
de nova pesquisa eleitoral confirmando o forte crescimento de Ciro Gomes (PPS). A
ascensão dele já vinha incomodando o mercado, principalmente após declarações
de que pretende restringir o envio de recursos das contas CC5. (...). A chamada
prossegue, indicando que, ao final do dia, com ‘novos boatos’ (desta vez, sobre um
novo acordo com o FMI), houve um alívio da pressão sobre o mercado e o dólar
acabou fechando em R$ 2,995.
Abaixo dessa chamada, encontra-se uma outra, cujo título é Ciro vence Lula
no segundo turno, mostra Ibope. Abaixo desse título, aparece a chamada: Nova
pesquisa do Ibope confirmou aumento da intenção de voto em Ciro Gomes (PPS),
que passou de 22% para 26%, ainda em 2º lugar. Lula (PT) se mantém em 1º, com
os mesmos 33% da pesquisa anterior. Serra (PSDB) caiu de 15% para 13%.
Garotinho (PSB) tem 11%. Numa simulação do 2º turno, Ciro tem 47% e Lula, 40%.
Ao lado esquerdo da chamada - abaixo da foto-manchete - outra fotografia
aparece em primeiro plano, também apresentando cores vivas, um sinal de trânsito
vermelho, onde se pode perceber a figura de um homenzinho. Abaixo do sinal, mais
à esquerda, aparece o então candidato à Presidência da República, José Serra, em
meio a várias pessoas, no bairro Bom Retiro em São Paulo; mais ao fundo, pode-se
16 A primeira página original apresenta fortes cores avermelhadas, tanto para a foto-manchete, quanto
para a fotografia abaixo. Ao transformá-la em imagem digital, a qualidade da impressão foi comprometida, ficando mais pálida e menos vermelha.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
76
notar uma bandeira do PSDB atrás do candidato. A legenda dessa foto indica: Na rua
– Serra em campanha no Bom Retiro, em São Paulo: nova estratégia.
Uma terceira fotografia, ao final da página mostra velhinhos fazendo ginástica
na praia de Botafogo, no Rio de Janeiro; a legenda desta foto traz Perfil – Idosos
fazem ginástica em Botafogo, no Rio. IBGE mostra aumento de peso da terceira
idade na economia.
Como bem observa Brait (1996), o plano de expressão dos jornais apresenta
características particulares que diferem do discurso oral, do escrito ou do puramente
visual. Assim, observamos, com a autora, que é possível afirmar que eles utilizam
recursos que lhe são próprios para construir uma seqüência irônica. Desse modo,
pode-se observar nessa página:
1. Nos textos verbais: a repetição da palavra aumento – que aparece tanto na
chamada sobre Ciro vencendo Lula quanto na legenda da foto ao final da
página. Pertencentes ao mesmo campo semântico, temos: alta, ascensão e
crescimento que aparecem na mesma chamada cujo título é “Dólar rompe a
barreira dos R$ 3 com ajuda do efeito Ciro”. Dessa maneira, pode-se inferir
que esse reforço tenha alguma significação, que não seja mero “acaso
lingüístico”;
2. Nos textos não-verbais: a foto-manchete com o incêndio em cores vivas, (em
tons avermelhados no original) seguidas da fotografia do sinal de trânsito,
indicando “pare” com um símbolo representando um homenzinho em
vermelho, na qual, pouco abaixo aparece o então candidato Serra; pode
indicar que a disposição destas fotografias, a escolha dos tons em vermelho
também não seja “mero acaso da sintaxe visual”.
Se pensarmos, com Brait (1996), que as diferentes combinatórias envolvendo
texto-foto, foto-legenda, texto-ilustração (...) somados a vários outros caracterizam
estratégias discursivas e textuais, as quais nos permitem observar essa página como
um enunciado bivocal onde há uma seqüência nada irônica (como aponta
Bakhtin/Volochinov, 1929: 169) e outra irônica, que se pode desvelar através da
constituição desse todo enunciado - a página do jornal, sua diagramação e a escolha
de seus componentes.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
77
Refletindo sobre os efeitos de sentido que estão sendo produzidos a partir do
título da manchete: Dólar rompe a barreira dos R$ 3 com ajuda do efeito Ciro; esta
manchete, relacionada à foto-manchete do incêndio parece indicar que o efeito da
candidatura Ciro pode “incendiar” a economia.
Observando a fotografia do meio da página, em que o candidato Serra
aparece abaixo de um sinal que indica pare, pode-se levantar a hipótese de que o
“sinal” esteja fechado para este candidato. Através da presença forte da cor
vermelha, a possibilidade de se pensar que o candidato cujo nome menos aparece
“Lula”, e que é citado uma única vez, seja, portanto, o que não oferece riscos à
economia do país.
Ao se refletir sobre a junção desses componentes da página, poderíamos nos
remeter à noção bakhtiniana de tema. Para Bakhtin, o tema é sempre único. Só é
apreensível dentro de uma situação histórica concreta, de modo que somente a
enunciação tomada em toda a sua amplitude completa, como fenômeno histórico,
possui um tema e apenas o tema significa de maneira determinada (...). A
significação não quer dizer nada em si mesma, ela é apenas um potencial, uma
possibilidade de significar algo no interior de um tema concreto (Bakhtin/Volochinov,
1929: 131). Em outro trabalho do círculo bakhtiniano, pode-se observar que o tema
não é um elemento da língua, mas que a transcende, orienta-se a um enunciado
concreto enquanto atuação discursiva em um contexto sócio-histórico:
O tema sempre transcende à língua. Além disso, o que está orientado para o
tema não é uma palavra isolada, nem somente uma oração ou período, é um
enunciado inteiro, como atuação discursiva. A totalidade e suas formas,
irredutíveis a formas lingüísticas, são as que necessariamente dominam o
tema. O tema da obra literária é o do enunciado completo, enquanto ato sócio-
histórico determinado. Portanto, o tema é inseparável de toda enunciação
como dos elementos lingüísticos17 (Bakhtin/Medvedev, 1928/1994: 211-212).
Em outra obra, Bakhtin também reforça que não se pode construir uma
enunciação sem modalidade apreciativa. Toda enunciação compreende antes de
mais nada uma orientação apreciativa. É por isso que, na enunciação viva, cada
17 tradução própria
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
78
elemento contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação
(Bakhtin/Volochinov, 1929: 135). Quais apreciações valorativas a editoria do jornal
tece a respeito do contexto sócio-histórico em que foi criada essa página?
Parece-nos, através de uma leitura em que se conectem os componentes da
página e observando o tema, surgido da seqüência irônica construída pela editoria
do jornal, que esta apresenta uma tendência político-ideológica que pende para o
candidato Lula, que não está com os sinais fechados, nem incendiaria a economia do
país. Brait (1996: 66) pondera que:
A localização da ironia referencial ou situacional na primeira página não
compromete, num primeiro momento, a idéia de que o jornal transmite
objetivamente os fatos. Mesmo que um leitor contraste a manchete verbal com
a foto, descobrindo a contradição, cada um dos fatos aconteceu realmente e a
relação, que pode até ser vista como uma simples coincidência, fica por conta
da recepção do leitor. Entretanto, da perspectiva lingüística, isto é dos fatos
constituídos pela linguagem, se o conhecimento de que a organização do jornal
é meticulosamente programada não fosse o suficiente para suspeitar do
“acaso” da junção texto-foto no exemplo escolhido, bastaria recorrer aos
inúmeros outros exemplares em que a ironia segue o mesmo esquema, ou
seja, processa-se pelos mesmos mecanismos.
Para o desenvolvimento do planejamento de ensino que se realizou nesta
pesquisa, todos os pressupostos elencados aqui nos conduziram a pensar o jornal
como um sistema de gêneros, conforme elabora Bazerman (2005). O autor
considera que uma dada área centrada no conhecimento – cujo sistema de
atividades é organizado em torno de documentos escritos e estabelece relações
padronizadas de circulação e uso desses documentos – organiza um sistema de
gêneros que compreende o conjunto de gêneros utilizados nessas atividades; nas
palavras do autor:
Um sistema de gêneros compreende os diversos conjuntos de gêneros
utilizados por pessoas que trabalham juntas de uma forma organizada e
também as relações padronizadas que se estabelecem na produção, circulação
e uso desses documentos. Um sistema de gêneros captura as seqüências
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
79
regulares com que um gênero segue um outro gênero, dentro de um fluxo
comunicativo típico de um grupo de pessoas (Bazerman, 2005: 32).
No âmbito desse sistema de gêneros, consideramos a primeira página do
jornal impresso como um como um gênero discursivo, no qual diferentes gêneros e
modalidades de linguagem - verbais e não verbais – intercalam-se e compõem um
todo unificado, um enunciado, muitas vezes velado por trás das fotografias e
manchetes e que só se desvela a partir de um olhar mais atento (não só à
composição e disposição dos discursos ali integrados, mas ao contexto sócio-
histórico em que esse enunciado foi produzido).
Se, como lingüistas, não podemos deixar de analisar os fatos constituídos pela
linguagem, como lingüistas aplicados, temos como trabalho promover o ensino para
levar os alunos a ler os jornais, textos publicitários, discursos políticos e quaisquer
outros gêneros de circulação social, caminho para a constituição da cidadania.
Para finalizar esta seção, gostaríamos de refletir sobre a apreciação valorativa
dos jornais a respeito dos contextos históricos e sociais que retratam e em que estão
inseridos, por trás do mito da objetividade e da isenção da notícia, assumem
posições ideológicas:
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
80
Refletindo sobre o texto acima, gostaríamos de partilhar do ponto de vista
proposto por Benette (2001), quando afirma que:
Engana-se quem acredita que lê a tradução em linguagem verbal feita pelo
jornalista quando pega em mãos um jornal impresso diário (JID) qualquer. A
diferença entre o que o jornalista percebe na “realidade/fato” – e traduz em
palavras escritas – e o que o leitor lê, toda manhã, no JID pronto, está na
linguagem visual que toda página de jornal possui (Benette, 2001: 37,
ênfase adicionada).
Por esse motivo, e em virtude dos objetivos de ensino deste trabalho, na
seção que segue, estaremos discutindo aspectos particulares da leitura de textos
que aliam a linguagem verbal e não-verbal.
3.3. Sobre a multimodalidade
Atualmente, as demandas sociais de leitura e escrita são cada vez mais
exigentes e, conforme já discutimos no capítulo inicial deste trabalho, requerem dos
sujeitos capacidades cada vez mais avançadas de letramento, como por exemplo, a
capacidade de atribuir sentidos a textos multimodais que contêm diversos tipos de
linguagem. No caso específico da primeira página do jornal impresso, temos a
linguagem visual em fotografias, gráficos, infográficos, que aliam a materialidade
visual à escrita, à diagramação, ao tamanho e formato de tipos, o que o constitui em
um gênero multimodal.
Estudos recentes têm apontado para a necessidade de se atentar para as
diferentes linguagens presentes em um texto, quer seja impresso ou digital. Assim,
nesta seção, estaremos recorrendo alguns dos pressupostos teóricos da semiótica
social, no que trata dos estudos realizados sobre a multimodalidade das formas de
representação que compõem os textos; além de recorrer a alguns dos estudos que
vêm sendo realizados pela psicolocia cognitiva no que concerne a construção dos
sentidos de textos multimodais.
Segundo a semiótica social, a língua faz parte de um contexto sociocultural no
qual a cultura é produto de um processo de construção social. Nessa medida,
nenhuma modalidade de linguagem pode ser inteiramente estudada de maneira
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
81
isolada. A língua – falada ou escrita – não pode ser entendida senão ligada a outros
modos de representação que participam da composição de um texto. De acordo com
essa teoria, os textos são construtos multimodais, sendo que a escrita é tão somente
uma das modalidades de representação. Essas, por sua vez, são culturalmente
determinadas e constantemente redefinidas no interior dos grupos sociais em que
estão inseridas. Assim, o ato de ler não deve se centralizar apenas na escrita, já que
esta se constitui como um elemento representacional que coexiste com a presença
de imagens e de diferentes tipos de informação. Delphino (2005: s/p), baseando-se
em Kress, Leite-Garcia & Van Leeuwen (1996), pondera que:
1. Um número variado de modos semióticos está sempre envolvido em uma
determinada produção textual ou leitura, pois todos os signos são
multimodais ou signos complexos, existindo num número de modos
semióticos diferentes;
2. Cada modo tem sua representação específica, produzida culturalmente,
além de seu potencial comunicacional;
3. É necessário um entendimento sobre como ler estes textos.
Para a semiótica social, o texto escrito per si é multimodal, isto é, também se
compõe por mais de um modo de representação. Numa página, por exemplo, além
da linguagem escrita, outras formas de representação, como a diagramação da
página, a qualidade do papel, o formato e a cor das letras, entre outros elementos,
contribuem e interferem nos sentidos dos textos. Dessa forma, nenhum sinal ou
código pode ser entendido em sua amplitude quando estudado isoladamente, já que
os elementos se complementam na composição dos sentidos. A opção pelo
emprego de certos elementos e não de outros, de certas formas de representação e
não de outras deve ser entendida em relação ao seu uso e em situações de
circulação e de interlocução específicas.
Desse modo, Van Leeuwen (2004) defende que os gêneros da fala e da
escrita são, de fato multimodais: os gêneros da fala combinam a linguagem oral e a
ação, num conjunto integrado. Os gêneros da escrita combinam a linguagem escrita,
imagens e gráficos, também compondo um conjunto integrado. Desse modo, o autor
defende que os gêneros da fala podem ser chamados de “performed” e os gêneros
da escrita de “inscribed”. No caso de nosso objeto de estudo, o jornal impresso,
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
82
podemos refletir, com o autor, que este se constitui, em um gênero inscribed
‘’inscrito’, ou seja, que suas significações se constituem a partir do ‘entalhe’ dos
elementos verbais e não-verbais presentes em suas páginas.
Pensando no ensino de leitura de um gênero multimodal como este,
remetemo-nos a Dionísio (2005: 160), quando afirma que na sociedade
contemporânea, a prática de letramento da escrita, do signo verbal deve ser
incorporada à prática de letramento da imagem, do signo visual. A autora ressalta
que a multimodalidade é um traço constitutivo tanto do discurso oral como do escrito
e que a escrita tem apresentado cada vez mais arranjos não-padrões em função do
desenvolvimento tecnológico, o que requer dos leitores modificações em seus
modos habituais de ler. Com a autora, levamos em consideração, neste trabalho,
que:
1. As ações sociais são fenômenos multimodais;
2. Gêneros textuais orais e escritos são multimodais;
3. O grau de informatividade visual dos gêneros textuais da escrita se
processa num contínuo; e
4. Há novas formas de interação entre o leitor e o texto, resultantes da
estreita relação entre o discurso e as inovações tecnológicas (Dionísio,
2005: 161).
A autora também considera que os gêneros orais e escritos se constituem em
fenômenos multimodais, porque, quando falamos ou escrevemos um texto, usamos
pelo menos dois modos de representação: palavras e gestos, palavras e
entonações, palavras e imagens, palavras e tipográficas, palavras e sorrisos,
palavras e animações etc (Dionísio, 2005: 161-162). Desse modo, ao utilizarmos a
linguagem, realizamos operações individuais e sociais que são manifestações sócio-
culturais, materializadas em gêneros. Em uma primeira página de jornal impresso, os
aspectos verbais e visuais se aliam e se complementam de um modo tal que se
tornam uma unidade textual, onde cada elemento contribui para um todo de
significação.
Dionísio (2005) também defende a idéia que os meios de comunicação de
massa escritos e a literatura são espaços sociais muito produtivos para a
experimentação de arranjos visuais. A autora reforça que até mesmo a disposição
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
83
gráfica dos textos no papel ou na tela do computador igualmente se constitui como
fenômeno multimodal.
Para discorrer sobre as estratégias utilizadas para a construção dos sentidos
de textos multimodais, recorremos aos achados de pesquisa do grupo de Richard E.
Mayer (2001), da Universidade da Califórnia. Seus estudos sobre a psicologia
cognitiva e educacional têm se centrado na aprendizagem dos multimedia.
Concordando com Dionísio (2005: 173) quando afirma que a Teoria Cognitiva da
Aprendizagem Multimídia (TCAM) pode ser inserida na elaboração e análise de
materiais didáticos como suporte para o tratamento da multimodalidade dos gêneros
textuais no contexto de ensino-aprendizagem, recorremos a Mayer (2001).
O pesquisador define como multimedia o material que associa palavras ao
material pictográfico, sendo que palavras designam os textos verbais (tanto em
impressos como em textos orais) e o material pictográfico inclui gráficos, ilustrações,
fotografias, mapas. Assim, o termo multimedia abrange não somente os textos
digitais como também os textos impressos.
Mayer realizou uma série de estudos experimentais que se basearam em
testes de retenção e transferência das informações a partir de textos instrucionais.
Esses testes foram baseados em sete princípios e seus resultados demonstraram
que há especifidades particulares na leitura de materiais visuais e escritos. De seus
resultados, apontaremos três que, a nosso ver, aplicam-se à leitura de textos
jornalísticos:
• Princípio multimídia - os estudantes aprendem melhor através das
palavras e das imagens do que apenas pelas palavras;
• Princípio da contigüidade espacial - os estudantes aprendem melhor
quando as palavras estão perto das imagens correspondentes;
• Princípio da contigüidade temporal: os estudantes aprendem melhor
quando palavras e imagens são apresentadas simultaneamente.
O autor ilustra cada princípio, observando a aprendizagem tanto em materiais
impressos como por computador. Ele esboça também uma estrutura teórica para
uma teoria cognitiva da aprendizagem dos multimedia, segundo a qual o sistema
humano de processamento de informações possui dois canais: um para o material
verbal e outro para o material visual. Segundo o autor, ambos canais têm
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
84
capacidade limitada. A aprendizagem dos multimedia superaria esta limitação, pois
se dirigiria a ambos canais simultaneamente.
Mayer (2001) considera, portanto, que uma aprendizagem realmente
significativa envolve uma conexão de ambos canais de processamento cognitivo.
Desse modo, selecionar, organizar e integrar a informação de ambos canais é a
chave para uma aprendizagem realmente significativa dos textos que aliam a
materialidade visual à escrita. Poderíamos refletir, então, que a construção dos
sentidos na leitura desses textos deve ativar outras capacidades cognitivas, além
daquelas já descritas. Podemos concluir, então, que os leitores têm de recorrer a
estratégias de observação da multimodalidade, estratégias que utilizam na
reconstrução dos sentidos dos textos multimodais. A seguir, será exposto um
esquema que elaboramos, objetivando desvelar o processo cognitivo desenvolvido
na leitura dos textos que aliam a materialidade visual à escrita:
1. Seleção e verificação das informações verbais – refere-se à ativação
das capacidades compreensão e apreciação da leitura dos textos
verbais, como parte do processo de compreender a significação do texto
como um todo.
2. Organização das informações da sintaxe visual – trata-se da
observação dos elementos pictográficos de modo a selecionar e
organizar as informações relevantes à construção da significação.
3. Integração das informações verbais e não verbais – trata-se da
capacidade de observar e conjugar as informações da materialidade
verbal à pictográfica, relacionando-as no ato de construção dos sentidos
dos textos.
4. Percepção do todo unificado de sentido que se co mpõe através da
integração dos materiais verbais e não verbais – trata-se da ativação
de diversas capacidades de leitura aliadas à organização e observação
das informações, através das quais o leitor constrói um todo de
significação.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
85
Desse modo, as especificidades dos textos que aliam a materialidade verbal à
pictográfica exigem que o leitor recorra não somente às estratégias de compreensão
e apreciação, mas também a estratégias particulares de observação multimodal que
levam o leitor a selecionar e verificar as informações verbais e organizar as
informações da sintaxe visual. Estas últimas proporcionam a integração dos
materiais verbais e pictográficos que, por sua vez, ocasiona a percepção do todo
unificado de sentido que se compõe através da integração dos materiais verbais e
visuais.
A compreensão desses processos cognitivos complexos que se realizam na
leitura dos textos multimodais (de materiais impressos e também digitais) leva-nos a
refletir sobre a importância da leitura de textos multimodais na escola para o ensino-
aprendizagem de línguas.
3.4. O jornal impresso nas escolas
Conforme vimos discutindo, certos contextos histórico-sociais produzem novas
esferas de atividade e, nessas esferas, novos gêneros discursivos aparecem ou se
transformam. As motivações sociais também podem encaminhar os gêneros
surgidos em uma esfera para outra totalmente diversa. São essas motivações que
têm trazido à sala de aula gêneros de circulação de outras esferas sociais. Dando
prosseguimento ao percurso metodológico indicado por Bakhtin, nesta seção,
voltaremos nossa atenção para a utilização do jornal impresso em salas de aula
como objeto de ensino.
A utilização do jornal como material educativo é relatada desde o século XVIII,
na França. Todavia, o primeiro registro de um trabalho sistemático a partir de uma
metodologia inspirada em jornais é o desenvolvido por Freinet, durante a segunda
grande guerra. De maneira resumida, podemos dizer que seu trabalho consistia no
recolhimento mensal de uma coletânea de textos-livres, escritos diariamente pelos
alunos e agrupados numa encadernação especial para assinantes e
correspondentes. Tais textos eram criados a partir de experiências educativas,
relatadas oralmente e depois transcritas pelos alunos, que selecionavam os
conteúdos que julgavam interessar mais a seus leitores – por meio de textos escritos
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
86
e desenhos que os ilustravam. Após a leitura para a classe, os alunos escolhiam os
textos e coletivamente os aperfeiçoavam, quanto ao conteúdo e aspectos
gramaticais, para então serem impressos e agrupados, mês a mês, numa
encadernação especial, para os assinantes e correspondentes (Freinet, 1974: 19).
O autor defendia que este trabalho trazia vantagens pedagógicas,
psicológicas e sociais. As vantagens pedagógicas consistiam no fato de que a
criação de textos livres proporcionava aos alunos a possibilidade de escrever sem
temores, sendo a correção coletiva dos textos uma forma de aprender livremente.
Além disso, a possibilidade das trocas interescolares aguçava a curiosidade dos
alunos para realidades diversas da suas. No que trata das vantagens psicológicas, o
autor ressalta que as produções escritas e os desenhos revelavam a intimidade das
crianças, podendo servir de análise para os especialistas e, diferente dos exaustivos
exercícios de cópias, o jornal era um produto de seus trabalhos escolares cuja
realização trazia grande satisfação aos alunos. Como vantagens sociais, Freinet
destacava o trabalho coletivo, o resgate de laços familiares e a inserção do aluno em
um universo mais amplo que o âmbito escolar, uma vez que buscavam notícias fora
desse espaço.
Para Schneuwly & Dolz (1997/2004: 78), Freinet é quem foi mais longe na
consideração da escola como um autêntico lugar de produção e utilização de textos.
Para o autor, o trabalho de Freinet tornava a escola um espaço de comunicação,
onde as situações de produção se poderiam multiplicar: na classe, entre alunos;
entre classes de uma mesma escola; entre escolas.
No contexto brasileiro, observamos que há duas iniciativas distintas nesse tipo
de trabalho: uma que parte das empresas jornalísticas (tanto de jornais de grande
circulação no país, como também de pequenas cidades), que mantêm diferentes
programas de utilização de jornais nas escolas, com objetivos e metas educacionais,
capacitação dos professores e busca pela formação de alunos leitores de jornais,
atendendo a um grande número de estudantes por todo o país. Outra, de caráter
mais diretamente didático ou curricular.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
87
3.4.1. Os programas educacionais mantidos pelos jo rnais
O primeiro programa educacional desenvolvido por uma empresa jornalística é
datado de 1932, por iniciativa do jornal The New York Times. Tal programa
objetivava incentivar a leitura do jornal nas salas de aula e previa uma distribuição
regular de exemplares para as escolas. A partir da década de 70, mais de 350
jornais americanos desenvolviam este tipo de programa; atualmente, são 700 as
empresas jornalísticas americanas que patrocinam projetos semelhantes.
No Brasil, a distribuição do jornal às salas de aula cresceu rapidamente.
Segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a primeira iniciativa de programa
educativo de jornal brasileiro foi do Jornal Zero Hora, implantada em 1980, que
propunha o aproveitamento do jornal em atividades curriculares junto às redes
pública e privada de ensino, no estado do Rio Grande do Sul.
No projeto inicial, estava previsto que, além do envio de exemplares para as
escolas, os professores também receberiam fascículos contendo sugestões de
atividades para as diversas disciplinas do currículo escolar, reprintes de matérias
publicadas em cadernos especiais de Zero Hora para pesquisa nas bibliotecas
escolares, encontros e palestras para os professores envolvidos no programa,
boletins informativos como forma de intercâmbio de experiências e publicações de
trabalhos realizados,
Desde essa iniciativa pioneira do Jornal Zero Hora, chega-se, neste início de
século, a um total de 38 programas. De acordo com a Associação Nacional de
Jornais - ANJ -, atualmente, a associação e seu Comitê de Leitura e Circulação
incentivam programas em todo o país, atingindo um total de 8.500 escolas em 16
estados brasileiros e no Distrito Federal, levando a leitura do jornal a cerca de 3,5
milhões de estudantes. A associação acredita que as empresas jornalísticas devem
desenvolver ‘movimentos estratégicos’ na preparação dos leitores do futuro e na
formação do hábito de leitura dos jornais:
Os jornais têm um futuro, e esse depende muito de movimentos estratégicos
das próprias empresas como a preparação do leitor do futuro, o que pressupõe
não apenas a melhoria dos índices nacionais de instrução, mas também a
formação do hábito de leitura de jornais, adquirido, em geral, em certos
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
88
momentos críticos da vida das pessoas. Esses momentos variam de sociedade
para sociedade, embora tenham algumas semelhanças. No contexto brasileiro,
o hábito se forma nas seguintes oportunidades: a familiaridade com a imprensa
(desde a infância a partir da experiência doméstica com adultos que já o
possuem), a necessidade de informação diversificada e de atualidade em
virtude do vestibular e em função da atividade profissional. A essas
circunstâncias soma-se uma quarta, que tende a ser extremamente rentável,
que é o uso do jornal em apoio às atividades escolares. (ANJ, disponível em
http://.patamar.inf.br/webc/web/anj/Programas/jornal.cfm, acessado em
21/04/2003).
Os programas de jornal na educação mantêm, de modo geral, objetivos
bastante semelhantes:
• Despertar nos alunos o interesse e o gosto pela leitura, especialmente a do
suporte jornal, estimulando-os a se manterem informados;
• Levar os alunos a relacionarem a importância da leitura e a compreensão
da realidade, desenvolvendo o espírito crítico, objetivando a formação do
cidadão crítico.
• Viabilizar a utilização do jornal como recurso de apoio didático às
diferentes disciplinas, promovendo integração dos currículos à realidade
cotidiana.
• Promover atividades que estejam em consonância com as recomendações
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que indicam a utilização dos
“textos do Mundo” nas salas de aula;
• Despertar o interesse para a leitura dos diferentes cadernos do jornal, de
modo a estarem sempre atualizados com as notícias;
• Aprimorar a capacidade de expressão oral e escrita dos alunos. (Pavani,
2002: 22).
Observando o crescimento das implantações de programas de jornal na
educação, nota-se que o uso do jornal como suporte para práticas educativas é um
fato inconteste. Recentemente, pesquisadores têm voltado seu olhar para analisar as
práticas de sala de aula que têm sido desenvolvidas através desses programas.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
89
Camargo (2002), em trabalho que analisa o fluxo de crescimento das implantações
de programas de Jornal na Educação, chama a atenção para o fato de que, em
grande parte dos programas, utilizam-se jornais de encalhe, muito embora, para a
autora, há que se considerar que as possibilidades de trabalho com o jornal na
escola não se anulam, já que a leitura é priorizada, principalmente através da
capacitação dos professores, em que estes se atualizam e passam a substituir as
tenebrosas aulas em que os alunos tentam, em voz alta, decifrar foneticamente os
textos, sem atribuir-lhes qualquer significado, pela identificação do cotidiano
expresso pelo texto jornalístico (Camargo, 2002: 192).
3.4.2. Iniciativas de professores e pesquisadores para o ensino de Língua
Materna com a utilização do jornal
Além da iniciativa descrita anteriormente, também se observa que os textos
dos jornais impressos têm estado presentes nas salas de aula no país com maior
freqüência nas duas últimas décadas. O que se pode notar é um movimento que
parte das pesquisas realizadas no final da década de 70 e início de 80 que indicam
a necessidade de se trabalharem textos de circulação social.
Geraldi (1984) relata que, em trabalho anterior, de 1981, já recomendava o
trabalho com os jornais. Criticando a prática tradicional da redação escolar, propunha
um outro destino para os textos dos alunos, para que estes não tivessem somente
como interlocutores os próprios professores:
Antes de mais nada, é preciso lembrar que a produção de textos na escola
foge totalmente ao sentido de uso da língua: os alunos escrevem para o
professor (único leitor, quando lê os textos). A situação de emprego da língua
é, pois, artificial. Afinal, qual é a graça em escrever um texto que não será lido
por ninguém ou que será lido por apenas uma pessoa (que corrigirá o texto e
dará nota para ele)? (Geraldi, 1984: 65)
Fazendo essa critica, o autor recomenda a produção de textos com objetivos
distintos para cada série: para a quinta série, a junção dos textos produzidos para a
confecção de um ‘livrinho’; para a sexta, a organização de um jornal mural; para a
sétima série, a organização de um jornal ‘mimeografado’, com circulação mensal;
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
90
para a oitava série, a sugestão é solicitar a um jornal comunitário ou da localidade
que publique os textos dos alunos em uma coluna de responsabilidade do professor.
Já Perini, em 1985, defendia a leitura dos textos jornalísticos e técnicos nas
escolas, por estes apresentarem uma regularidade gramatical e estilística nas
diversas regiões do país; ou seja, para o autor, estes textos representam a variedade
padrão do português brasileiro. Durante os anos 80, como dissemos, observa-se
uma forte tendência de se recomendarem a utilização de textos de circulação social
em sala de aula. Nesse contexto, surgem as publicações de Faria (1989, 1996), que
relatam experiências educativas de leitura e produção de textos jornalísticos. Essas
publicações atraem outras que relatam experiências de leitura e produção de textos
jornalísticos e jornais escolares. Assim, em nosso levantamento, observamos dois
tipos distintos de trabalho com o jornal na sala de aula. O primeiro tipo parte de
propostas quase lúdicas com o jornal, que parecem ter como foco principal o
incentivo à leitura dos textos jornalísticos no âmbito escolar; nessas propostas, os
alunos são convidados a ler os textos, entrevistar colegas, pesquisar assuntos
diversos para criarem reportagens ou criar jornais escolares. O segundo tipo, mais
recente no Brasil e que poderíamos qualificar de instrumental, surge após a edição
dos Parâmetros Curriculares Nacionais e procura apresentar propostas de ensino-
aprendizagem dos gêneros jornalísticos que se coadunem àquelas apontadas nos
PCN.
3.4.2.1. Propostas que incentivam a leitura de text os jornalísticos e a produção
de jornais escolares
Faria (1989), mantendo contato com o grupo de Hélène Romian na França
nos anos 70, começa a trabalhar no Brasil com o jornal em sala de aula, sustentando
a tese de que as aulas de Língua Portuguesa deveriam partir de atividades que
associassem a leitura e a escrita numa relação dialética (Faria, 1989: 12). Na opinião
da autora, a partir da leitura crítica do jornal, os alunos poderiam começar a escrever
textos jornalísticos e jornais escolares, num aprendizado onde não haveria
diretamente um trabalho de sistematização da língua. A autora propõe que os alunos
conheçam cada gênero jornalístico, através da leitura e discussões dos assuntos, de
forma contextualizada.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
91
Em um novo trabalho, datado de 1996, a autora retoma os estudos sobre esse
assunto e se aprofunda, oferecendo aos professores de Língua Portuguesa uma
espécie de roteiro através do qual podem elaborar suas atividades com o uso do
jornal na sala de aula. Faria propõe que se desenvolva com os alunos uma série de
atividades para que eles entrem em contato com os jornais de forma solta e variada
(p. 29), para que conheçam a linguagem dos gêneros jornalísticos, localizando-os e
diferenciando-os no corpo do jornal. A autora também propõe uma análise profunda
de um jornal, “dissecando” as partes, tomando os componentes, como por exemplo,
os da primeira página, mostrando a importância de cada foto, chamada, etc.,
propondo jogos e atividades com a linguagem jornalística.
De acordo com Baltar (2004), na França dos anos 70 e 80, inúmeras
associações de imprensa escolar foram criadas com o apoio de diferentes jornais, o
que levou educadores a se interessarem pelo discurso jornalístico, pelo que estava
por trás da mídia (Baltar, 2004: 111). Desse modo, segundo o autor, surgem vários
trabalhos que buscam analisar o discurso jornalístico contextualmente, enfocando
sua condição de produção e, cotextualmente, enfocando sua organização interna
(Baltar, 2004: 111). O autor relata que, em 1981, é publicado o La presse un outil
pédagogique, de Cipra & Hemelin, que tinha como objetivo subsidiar os educadores
no seu trabalho de mostrar aos cidadãos franceses a necessidade de conhecer os
grandes mecanismos de informação. Isso para evitar o perigo da manipulação da
opinião exercido pela mídia (Baltar, 2004: 111).
No início dos anos noventa, também surgem no Brasil publicações
estrangeiras que atraem os professores, por apresentarem propostas significativas
com o trabalho de diferentes textos em sala de aula, em especial os livros de Josette
Jollibert Formando Crianças Leitoras e Formando Crianças Produtoras de Textos,
que descrevem experiências com crianças de pré-escola e séries iniciais.
Atualmente, há uma grande variedade de material disponível sobre o trabalho
com o jornal nas livrarias. Em nosso levantamento, chamou-nos a atenção o número
de publicações indicando diferentes propostas de ensino de leitura e, principalmente,
de escrita com textos de circulação social. Dentre os textos de circulação social, os
jornalísticos (talvez por representarem um bom reflexo da língua padrão, como disse
Perini) são os que têm recebido maior atenção para a elaboração de propostas de
ensino.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
92
Um exemplo disso é o livro Faça seu próprio jornal, de Chris & Ray Harris, que
traz, em sua primeira página, explicações para por que todo mundo gosta de fazer
um jornal: (...) Os editores dos jornais locais escolhem notícias que seus leitores
desejam conhecer. Quando você faz seu próprio jornal, você é o editor, e você
escolhe as notícias que são importantes para você e para seus leitores. Esse é o
lado vibrante (emocionante) – e a responsabilidade – de ser jornalista. (Harris &
Harris, 1993: 5).
Além desse, há ainda o trabalho de Herr (1997) que defende que a leitura do
jornal na escola deve ser estimulada porque o objetivo da escola é formar cidadãos
livres, autônomos e responsáveis e a introdução de diferentes meios de
comunicação é essencial para atingir essa meta (Herr, 1997: 06). Além desses,
outro título que traz um trabalho que caminha em direção semelhante a essa é
Vamos fazer um jornal? (Maggio & Sgroi, 1998).
Já o livro de Paulino et al. (2001) busca apresentar o trabalho com o jornal a
partir da leitura crítica de suas notícias; seu pressuposto é de que cada texto suscita
no leitor diferentes reações e que cabe ao professor trabalhar de modo
particularizado cada espécie de material (Paulino et al., 2001: 6). Na mesma linha
segue o trabalho de Menezes et al. (2000), buscando trazer à escola textos de
circulação social; as autoras recomendam o trabalho com textos de televisão, jornal,
gibis, outdoors e rótulos. Para isso, as autoras sugerem que esse trabalho ocorra
concomitante ao desenvolver das aulas de língua materna e apresentam blocos de
atividades que podem ser desenvolvidas em quantas aulas forem necessárias. Um
exemplo dessas atividades com o jornal é que a turma escolha assuntos de seu
interesse e procure lê-los nos jornais de grande circulação nacional.
3.4.2.2. Propostas de ensino-aprendizagem que tomam os gêneros jornalísticos
como objetos de ensino
A partir da edição dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que recomendam o
trabalho com os gêneros discursivos como objetos de ensino, conforme expusemos
anteriormente, vários trabalhos têm sido escritos relatando experiências de ensino-
aprendizagem ou encaminhando propostas. Novamente, observa-se uma tendência
de maior presença de gêneros jornalísticos em detrimento dos de outras esferas.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
93
No ano de 2000, a editora Cortez lança uma série intitulada Gêneros do
Discurso na Escola, que, como resultado de uma grande pesquisa realizada, busca
oferecer exemplos aos professores de como se poderiam ler, analisar e interpretar
diferentes textos, fornecendo-lhes alguns instrumentos fundamentais para trabalhar a
especificidade de cada um e as estratégias lingüísticas aí utilizadas (Chiappini, 2000:
11). Nessa série, não há uma proposta específica com um dos gêneros jornalísticos,
mas o texto de Tavares analisa o discurso político a partir de um corpus de textos
dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, a partir do qual, a autora
focaliza as características do discurso político, através das funções da linguagem,
construção do enunciador e dos marcadores argumentativos.
Nesse mesmo ano, Rojo (2000) organiza uma coletânea de artigos em que se
descrevem diferentes experiências com o ensino-aprendizagem dos gêneros
discursivos: A Prática de Linguagem em sala de aula: Praticando os PCNs. Nesse
volume, encontram-se os textos de Bräkling (2000), Rodrigues (2000) e Barbosa
(2000), que relatam experiências com gêneros da esfera jornalística (notícias e
artigos de opinião).
Nos últimos anos, alguns desses autores procuraram abordar diferentes
aspectos do ensino-aprendizagem, desde a descrição do funcionamento de gêneros
específicos e sua possibilidade de ensino (Rodrigues, 2001), ou os critérios de
seleção de gêneros e de estabelecimento de progressões curriculares (Barbosa,
2001a). Já os trabalhos de Bräkling (2000) e de Matos da Silva (2003) trazem relatos
de experiências de ensino com o gênero artigo de opinião, que suscitam novos
questionamentos quanto ao desenvolvimento de propostas de produção escrita. A
editora FTD, no ano de 2001, apresenta uma coleção intitulada Trabalhando com os
gêneros do discurso que busca tratar dos diversos gêneros discursivos – alguns
deles da esfera jornalística: notícias, crônicas e, além desses, contos de fadas,
fábulas, narrativas de enigma. No livro que corresponde à notícia, organizado por
Barbosa (2001b), pode-se observar a preocupação da autora em apresentar aos
leitores as características desse gênero, tais como forma composicional, histórica do
gênero, dados sobre a esfera jornalística e sobre os diferentes tipos de jornais. Pode-
se observar que essa proposta se encaixa nos moldes do que recomendam os PCN
quanto ao trabalho com os gêneros.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
94
Outro trabalho que merece destaque é Gêneros: artimanhas do texto e do
discurso, organizado por Brait & Rojo (2002) Trabalhando com os gêneros
discursivos, as autoras apresentam ao leitor – aluno de Ensino Médio – alguns
conceitos bakhtinianos como os de interação, gêneros discursivos e esferas de
circulação, por exemplo – e tratam o ensino de alguns gêneros de forma clara e
divertida, apresentando a esfera jornalística e os jornais a partir de sua história e
características composicionais.
Em 2004, é publicada a edição brasileira18 de uma série de textos Schneuwly,
Dolz e seus colaboradores, da Equipe de Didática de Línguas da Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra, cujos textos trazem
discussões sobre o trabalho com os gêneros discursivos, transposições didáticas,
interações em sala de aula e a produção de textos orais e escritos. Também
propõem agrupamentos de gêneros para a construção da progressão escolar.
Nesses agrupamentos, os gêneros da esfera jornalística se encontram em diferentes
ordens que mobilizam capacidades de linguagem diversas: na ordem do relatar:
notícia, reportagem, crônica social e crônica esportiva e na ordem do argumentar:
carta do leitor, resenha crítica, artigos de opinião e ou assinados, editoriais.
Também no ano de 2004, Baltar publica o livro Competência discursiva e
gêneros textuais: uma experiência com o jornal na sala de aula, onde relata uma
pesquisa que desenvolve a partir do trabalho da confecção do jornal na sala de aula,
utilizado como uma ferramenta metodológica para criar situações legítimas de escrita
e desenvolver a competência discursiva através dos gêneros textuais em alunos do
Ensino Médio (Baltar, 2004: 109). O autor relata experiências de confecção de
jornais em duas escolas de Ensino Médio da rede pública gaúcha. Segundo ele,
dentre várias vantagens que a experiência promoveu, a desmitificação do ato de
escrever é uma das que deve ser levantada. Além disso, o autor também relata que
a pesquisa também apontou para o surgimento de novos gêneros textuais híbridos,
que se compuseram pelo deslocamento da esfera de produção jornalística para a
escolar.
18 Essa edição reúne uma série de textos que relatam experiências de ensino-aprendizagem, onde se
tomam os gêneros discursivos como objetos de ensino, transposições didáticas e interações em sala de aula. Traduções avulsas de tais textos já circulavam há alguns anos no meio acadêmico e escolar brasileiro em seus originais e influenciaram muitos trabalhos semelhantes no Brasil, além dos próprios PCN.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
95
3.5. Leitura do jornal impresso: uma proposta
Buscando entender como trabalhar com os gêneros discursivos em aulas de
língua materna, tivemos acesso a relatos de experiências, realizadas no Brasil e no
exterior, marcadamente na Suíça francófona - alguns destes apresentados na seção
anterior. Observamos que seu principal foco de ensino-aprendizagem é a produção
escrita do aluno, em que os gêneros são tomados, um a um, esmiuçados quanto ao
seu conteúdo, construção composicional e estilo. Pareceu-nos interessante procurar
desenvolver um trabalho especificamente com a leitura de gêneros discursivos
Trabalhos mais recentes, como o de Matos da Silva (2003), trouxeram
resultados que apontaram para a necessidade do desenvolvimento de mais
pesquisas sobre as capacidades leitoras de estudantes brasileiros, nos níveis
fundamental e médio, uma vez que além de não haver muitas pesquisas sobre leitura
tomando-se os gêneros discursivos como objetos de ensino, também se observou
que os resultados de algumas dessas experiências de trabalho com a escrita não
alcançaram certos objetivos esperados, por deficiências nas capacidades leitoras.
Pensamos, inicialmente, em um percurso didático que não partiria da leitura
de partes de um jornal, dos textos em gêneros diversos: notícias, artigos de opinião,
reportagens, editoriais, etc. tomados um a um, mas lidos em conjunto, discutidos a
partir do lugar de quem o produz, da localização de uma dada notícia no jornal, da
diagramação, da escolha das fotografias – de modo a se buscarem com os alunos,
os meandros das notícias, suas implicações ideológicas, posições políticas etc.
Em outras palavras, o que se propõe é uma reelaboração do trabalho com os
gêneros discursivos, enfocada por outro aspecto: partindo do ponto de vista de um
trabalho que tome o jornal não somente como um suporte onde são veiculados
textos em gêneros diversos, mas como um sistema de gêneros composto por
gêneros intercalados e a primeira página considerada como um gênero multimodal,
onde os vários gêneros intercalados (verbais e não-verbais) estão sempre em
diálogo entre si, cuja leitura seria melhor apreendida se fossem considerados, como
no dizer de Bakhtin (1952-53/1979: 316, ênfase adicionada): um elo na cadeia da
comunicação verbal de uma dada esfer a.(...) cujos enunciados não são
indiferentes uns aos outros nem são auto-suficiente s; conhecem-se uns aos
outros, refletem-se mutuamente.
Capítulo 3 - O jornal impresso: a esfera jornalística e a esfera escolar
96
Consideramos, com Benette (2001: 42, ênfase adicionada) que uma notícia
(...) dissemina-se na cadeia de gêneros discursivos que podem ser entendidos a
partir dos recursos próprios da edição do jornal, tais como: título, imagens
(fotografias , ilustração, infografia, selo, charges ). A edição pode, também, exigir
recursos gráficos (olho, linhão) que também se enquadram como gêneros
discursivos . Dessa maneira, cada gênero presente na primeira página do jornal é
parte integrante e com função específica, cuidadosamente escolhido, cuja percepção
e leitura constituirão na compreensão do todo indissolúvel que é o enunciado.
Desse modo, elaborou-se um plano de curso para trabalhar a leitura da
primeira página do jornal impresso, tomada como um gênero discursivo multimodal,
com alunos de 8ª série do Ensino Fundamental, num percurso didático que partiria
da identificação e reconhecimento de cada um dos componentes da primeira página:
fotografias, manchetes, diagramação, observando-se também aspectos lingüísticos
como os tempos verbais presentes nas manchetes, por exemplo, - entre outras
etapas de ensino -, com o objetivo de levar os alunos a lerem o jornal impresso,
desvelando o não dito presente nas primeiras páginas e percebendo que a
compreensão de um texto necessita de diferentes recursos (inclusive lingüísticos)
para ter eficácia.
As etapas de elaboração, planejamento e execução da experiência didática
serão detalhadas no próximo capítulo, bem como o locus e os sujeitos que tomaram
parte na pesquisa.
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 97
METODOLOGIA DE PESQUISA
O encontro das diferenças atravessa as criações mais diversas, inclusive em outras ciências que não apenas as chamadas humanas, e onde Bakhtin identifica como equivalente o tema do contato. Na literatura, segundo ele, o cronotopos mais difundido para o tema do encontro é o da estrada . Na estrada, os encontros inesperados acontecem. Esses encontros colocam em jogo, justamente, a possibilidade de mudança de estrada ou de rumo, e nisto reside, a nosso ver, o aspecto mais interessante desse cronotopos. É que ele é lugar por excelência de alteridade: o encontro com o outro traz em si a possibilidade de me desencaminhar (Amorim, 2001: 223).
Neste capítulo, serão apresentados os aspectos concernentes à metodologia
adotada para o desenvolvimento da pesquisa, o contexto de produção em que foi
realizada, os instrumentos de coleta dos dados, os corpora utilizados e as categorias
de análise. A análise e interpretação dos dados comporão os capítulos subseqüentes.
O trabalho de campo constituiu-se do planejamento e aplicação de um projeto
de ensino de leitura, com alunos de oitava série do Ensino Fundamental, que
pretendeu, a partir da consideração de um quadro teórico-metodológico sócio-histórico
da aprendizagem e enunciativo do discurso, propor possibilidades de ensino-
aprendizagem da leitura do jornal impresso em aulas do Ensino Fundamental.
Para tal, organizou-se um planejamento de ensino de leitura do jornal impresso,
em especial das primeiras páginas, que objetivou levar os alunos a reconstruírem os
sentidos dos textos, através da leitura dos componentes verbais e não-verbais das
primeiras páginas e a perceber o ‘não-dito’ como componente importante para a
compreensão de textos de circulação social, como é o caso dos textos presentes no
jornal impresso.
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 98
Nessa medida, para o desenvolvimento do projeto, a primeira página foi
tomada, como no dizer de Schneuwly (1994/2004), como um mega-instrumento para o
ensino-aprendizagem: o gênero pode ser considerado como uma ferramenta
psicológica no sentido vygotskiano do termo: um instrumento semiótico que pode dar
forma a uma atividade de linguagem19, através do qual os alunos fossem imersos em
várias situações de leitura, onde a linguagem – verbal e não-verbal – fosse
considerada em sua dimensão discursiva. Essa visão da natureza dialógica da
linguagem pontuou não somente o modo de se trabalhar a leitura como também a
forma de se observarem e analisarem os eventos discursivos que se desenvolveram
nas aulas. Nessa perspectiva, este estudo objetivou, em linhas gerais:
1. Conhecer as práticas de leitura que são desenvolvidas na oitava série (quarto
ciclo) do Ensino Fundamental de uma escola estadual paulista, bem como os
gêneros que fazem parte dessas práticas;
2. Desenvolver um projeto de leitura e implementar a proposta em duas salas de
oitava série do EF, avaliando seus efeitos.
Para alcançar tais objetivos, procurou-se responder às seguintes perguntas de
pesquisa:
1. Que práticas de letramento, particularmente que práticas de leitura, têm os
alunos da oitava série do Ensino Fundamental da escola pesquisada, nos
contextos escolar e extra-escolar?
2. As interações entre os alunos interferem na construção dos significados dos
textos? De que forma?
3. Que capacidades de leitura os alunos utilizam na reconstrução dos sentidos?
Que capacidades a proposta de ensino foi capaz de implementar?
19 Como exposto no capítulo 2 deste trabalho
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 99
Para responder a essas perguntas, em primeiro lugar, apresentaremos a
metodologia adotada para a coleta de dados. Nessa mesma seção, serão
apresentados o locus e os sujeitos participantes, as aulas e os materiais utilizados
nestas últimas. Finalizando o capítulo, será apresentada a metodologia a ser utilizada
na análise dos dados.
4.1 Metodologia de coleta dos dados
Quanto a mim, em tudo eu ouço vozes e relações dialógicas entre elas (Mikhail Bakhtin)
Fundamentar a metodologia de pesquisa em uma perspectiva enunciativa
bakhtiniana é considerar os sujeitos, o contexto e os fenômenos, a partir da dimensão
histórica e social em que estes se inserem. Bakhtin considera que o objeto de estudo
das Ciências Humanas é o ser expressivo e falante. Esse nunca coincide consigo
mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado (Bakhtin, 1952-53: 395).
Por essa razão, o tratamento dos dados partirá do ato de ouvir as vozes que
compuseram o campo de pesquisa, que será tomado, então, como um espaço onde as
histórias são construídas no encontro do eu e do outro, que se constituem
dialogicamente através das e nas interações.
Bakhtin/Volochinov (1929) observa que o processo de interação social e a
construção dos conhecimentos pressupõem o outro, de modo que é no tecido das
relações interdiscursivas construídas no campo de pesquisa que o objeto de estudo vai
se constituindo. Nessa medida, campo de pesquisa corresponde à construção de um
quadro para o encontro do outro que ajude o pesquisador a se situar. (Amorim, 2001:
224).
Desse modo, a atividade de pesquisa nas Ciências Humanas deve partir de um
distanciamento que permita ao pesquisador ouvir o outro – sujeito de sua pesquisa –,
para colocá-lo como objeto de estudo, instaurando entre o sujeito cognoscente e o
sujeito a conhecer uma relação de alteridade fundamental que emerge de uma
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 100
diferença de lugar de construção do saber. O outro se torna estrangeiro pelo simples
fato de eu pretender estudá-lo (Amorim, 2001: 31). Amorim alerta que os métodos,
técnicas e projetos podem tratar da alteridade, mas sempre conterão estratégias de
encontro, através das quais o pesquisador procura fazer o sujeito falar, compreendê-
lo, influenciá-lo e deixar-se influenciar por ele.
Bakhtin reflete que essa compreensão consiste em transformar o alheio-pessoal,
em transmutar as palavras do outro sem que elas se tornem palavra pessoal, que é o
princípio da exotopia, e reforça a importância da complexa relação entre o sujeito
compreendente e o sujeito compreendido . Essa relação leva em conta o tempo, o
espaço, a cultura daquele (s) que se quer compreender. Bakhtin conclui, afirmando
que o limite da exatidão nas ciências naturais é a identidade (a=a). Nas ciências
humanas, a exatidão consiste em superar a alteridade do que é alheio se m
transformar em algo que é pessoal (Bakhtin, 1974/1979: 412, ênfase adicionada).
De acordo com Freitas (2003: 32), nessa perspectiva ‘nova’ da pesquisa nas
Ciências Humanas, o pesquisador tem papel importante, pois está com os sujeitos
produzindo sentidos dos eventos observados. De fato, o que se busca com esta
observação não é realizar uma análise, entendida em seu sentido etimológico
(ana=semelhança e lise=quebra, fragmentação), mas uma compreensão marcada pela
perspectiva da totalidade construída no encontro dos diferentes enunciados produzidos
entre pesquisador e pesquisado. O pesquisador, então, participa do evento e se
constitui como componente do campo de pesquisa, no encontro com o outro,
entretanto, ao mesmo tempo mantém uma visão exotópica que lhe possibilita o
encontro. A autora considera que o campo de pesquisa se constitui em uma esfera
social de circulação de discursos e os textos que dela emergem como um lugar
específico de produção do conhecimento que se estrutura em torno do eixo da
alteridade (Freitas, 2003: 32).
A partir desses pressupostos, o trabalho de campo desta pesquisa foi
desenvolvido. A alteridade não foi somente considerada no trabalho, como também foi
ponto de partida para a observação de determinados fenômenos, por exemplo, a
construção dos sentidos dos textos, em que o outro se constituía como co-construtor de
significados e sentidos através das interações. Desse modo, os alunos sujeitos da
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 101
pesquisa e a pesquisadora assumiram papéis de co-construtores e co-autores da
história que se constituiu no desenrolar das aulas.
4.1.1. Descrição do locus
A pesquisa foi realizada em duas turmas de 8ª série de uma escola estadual,
localizada em uma região afastada do núcleo central da cidade de Campinas, que faz
divisa com a área rural do município. Nessa região, os moradores contam com
atendimento de água, esgoto, luz, asfaltamento, transporte coletivo e uma relativa infra-
estrutura comercial e de serviços. O bairro não possui muitas áreas de lazer, como
praças e parques, o que torna a escola um espaço de convivência social para os
jovens, inclusive nos finais de semana.
A escola possui seis salas de aula, sala dos professores, cozinha, despensa,
sanitário para os professores e para os alunos e uma quadra de esportes. Todavia, em
uma única sala funcionam direção, vice-direção, secretaria, coordenação pedagógica e
um pequeno acervo literário, em prateleiras, composto principalmente por livros
paradidáticos, sobretudo os distribuídos pelo governo20. Esse acervo serve de biblioteca
e os alunos podem retirar livros mediante anotação do nome do aluno e do livro retirado
em um caderno, controlado pela secretária da escola.
A escola conta com recursos áudio-visuais compostos por: antena parabólica,
três televisores e três vídeos-cassete. Suas atividades são divididas em:
20 Referimo-nos, particularmente, aos programas PNLD e PNBE: O PNLD - Programa Nacional do Livro
Didático objetiva oferecer a alunos e professores de escolas públicas do ensino fundamental, de forma universal e gratuita, livros didáticos e dicionários de Língua Portuguesa de qualidade para apoio ao processo ensino-aprendizagem desenvolvido em sala de aula. O PNBE - Programa Nacional Biblioteca da Escola, instituído em 1997, objetiva democratizar o acesso de alunos e professores à cultura e à informação, contribuindo, dessa forma, para o fomento à prática da leitura e à formação de alunos e professores leitores. São distribuídos acervos formados por obras de referência, de literatura e de apoio à formação de professores às escolas do ensino fundamental. (Disponível em: http://www.mec.gov.br/sef/fundamental/avaliv.shtm#2 acessado em 07/01/2005)
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 102
• período matutino: Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries;
• período vespertino: Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries;
• período noturno: Ensino Médio em forma de suplência, atendendo, no ano de
2003, a um total de 378 alunos, nos três períodos.
A comunidade em que está inserida a escola é composta por uma população
heterogênea quanto ao nível sócio-econômico e cultural. Uma parcela pertence à
classe média, cujos filhos estudam em escolas particulares e freqüentam áreas de lazer
de outras regiões da cidade; outra parcela pertence à classe média-baixa, cujos filhos
freqüentam escolas públicas e não têm muito espaço para o lazer. Apesar disso, boa
parte das famílias dos alunos possuem automóvel, telefone, vídeo-cassete, jogos
eletrônicos, embora poucos alunos possuam computadores em casa.
Segundo pesquisa realizada pela direção da escola, a expectativa das famílias
quanto ao papel da escola é de que esta atenda aos alunos em suas necessidades
mínimas, como a freqüência obrigatória por um período na escola, não havendo
cobranças quanto ao nível de ensino-aprendizagem. Também não há acompanhamento
diário das tarefas realizadas pelos alunos. De maneira geral, a expectativa profissional
dos pais em relação aos filhos é que estes possam, futuramente, manter ou superar o
atual nível social das famílias.
Desde os contatos iniciais com a direção da escola, houve um grande interesse
por parte desta para que a pesquisa se realizasse, facilitando o acesso da
pesquisadora aos professores, em forma de palestras e reuniões. Nesses contatos, foi
explicado aos professores, coordenação e direção que o projeto de pesquisa propunha
um trabalho com a leitura que partiria do uso do jornal impresso. Houve, então, a
necessidade de a pesquisadora esclarecer à comunidade escolar que a pesquisa a ser
realizada não se relacionava com o trabalho desenvolvido pelas empresas de
comunicação, já que a escola estava começando, nesse mesmo ano, a participar de um
programa de jornal na educação – o Correio-escola21 − promovido pela Rede
21 O Correio-escola faz parte de um dos programas de jornal na educação desenvolvidos pelas empresas
jornalísticas de que tratamos no capítulo anterior.
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 103
Anhangüera de Comunicação, programa que prevê a capacitação de professores para
uso do jornal Correio Popular em sala de aula e que oferece exemplares do jornal
diariamente22 para a realização do trabalho com os alunos.
4.1.2 Os sujeitos
Os primeiros contatos com os alunos aconteceram no mês de agosto do ano de
2003. As duas turmas de 8ª série apresentavam, no segundo semestre do ano letivo,
poucos alunos (17 alunos na 8ª A e 12, na 8ª B). Quando perguntados sobre o motivo
de haver um número tão reduzido de alunos, eles explicaram que muitos colegas do
início do ano foram saindo da escola por desistência, mudança de turno por causa de
trabalho e por que a escola saiu com eles. Também informaram que a escola sugeriu a
união das turmas, mas que eles foram categóricos ao rejeitar a proposta. As duas
turmas receberam muito bem a pesquisadora e a proposta de participar de uma
pesquisa, empolgando-se com o fato de que o trabalho desenvolvido com eles
resultaria em ‘um livro’23 Por essa razão, participaram ativamente de todas as tarefas
solicitadas. Ao todo, 33 alunos freqüentavam as duas salas: 8ª A e 8ª B.
Os alunos da 8ª A participavam vivamente de todas as atividades e faziam
brincadeiras entre si e com a pesquisadora sobre as filmagens. A faixa etária dos
alunos era homogênea, variando entre 14 e 16 anos. Os alunos da 8ª B também
apresentavam características semelhantes, participando de todas as atividades
propostas com interesse. A faixa etária dessa sala também variava entre os 14 a 16
anos. Esses alunos, nos primeiros contatos com a pesquisadora, gostaram muito da
idéia de ter alguém para trabalhar um componente escolar – a leitura – sem certas
obrigações do tipo Vai fazer prova, dona?.
22 O Correio Popular fica exposto no pátio da escola durante todo o período de aulas, em um stand
móvel que os alunos podem manipular, pois proporciona uma visão das páginas do jornal que ficam abertas em compartimentos de plástico e podem ir sendo viradas e lidas. Este stand faz parte do programa Correio-escola.
23 O ‘livro’ a que nos referimos nessa passagem é a tese de doutorado que resultaria da pesquisa realizada com os alunos.
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 104
Para responder a algumas das perguntas de pesquisa sobre o letramento dos
alunos e para uma boa caracterização dos sujeitos, aplicamos um questionário aos
alunos. No próximo capítulo, estaremos apresentando os dados desse questionário e a
análise dos mesmos.
Tendo em vista o fato de que a pesquisadora atuou como professora na parte
pedagógica da pesquisa, no desenvolvimento das aulas, buscaremos diferenciar os
dois aspectos dessa participação: na próxima seção será exposta a metodologia das
aulas e, mais adiante, a metodologia utilizada na pesquisa:
4.1.3. Metodologia de sala de aula
4.1.3.1. O projeto
Os encontros do projeto foram realizados entre o início de outubro e o final de
novembro de 2003, compondo um total de dezoito encontros em cada turma. Todos os
encontros foram gravados em vídeo.
A direção da escola nos forneceu todo o apoio para a realização da pesquisa,
abrindo a possibilidade inicial de que duas aulas semanais fossem dadas em cada
turma, mas no desenrolar das atividades, passaram a ser ministradas quatro aulas por
semana em cada turma.
O desenvolvimento das aulas ocorria, principalmente, através da leitura dos
jornais pelos alunos. Esta leitura era realizada em duplas na maioria das aulas e feita
com os originais dos jornais. Algumas vezes, eles respondiam a um roteiro de questões
organizado pela professora-pesquisadora. Após a leitura dos alunos, os jornais eram
afixados no quadro negro, para que as duplas explicassem os seus achados e toda a
classe pudesse debater os temas.
4.1.3.2. Os materiais utilizados nas aulas
A seleção do corpus de jornais utilizados nas aulas partiu da busca da
pesquisadora por primeiras páginas que demonstrassem, sobretudo, a possibilidade de
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 105
relacionar o material iconográfico e os textos verbais dos jornais, compondo um todo-
enunciado. Desse modo, foram escolhidos vários exemplares dos jornais Folha de S.
Paulo e Correio Popular (jornal da cidade de Campinas); além desses, também houve
aulas com os jornais O Estado de S. Paulo e Agora S.Paulo. Essa seleção e o modo de
utilizar os jornais nas aulas se deveu ao fato de a pesquisadora buscar desenvolver um
trabalho o mais próximo possível da realidade da escola. Os exemplares do jornal
Correio Popular utilizados, por exemplo, eram os disponíveis na própria escola, que à
época, participava do Projeto Correio-escola.
4.1.3.3. O planejamento das atividades
Para o planejamento das aulas, procurou-se levar em conta as necessidades de
ensino e as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Inicialmente, traçamos os
objetivos do nosso planejamento, com uma organização aberta. Em primeiro lugar,
foram pensados os conteúdos que seriam trabalhados e as capacidades de leitura
exigidas por cada um deles. Procuramos observar, então, as possibilidades de
aprendizagem dos alunos, levando em conta os conhecimentos que eles procuravam
ativar para resolver os problemas propostos em cada atividade. Além disso, os dados
coletados através de entrevista informal gravada com os alunos e os questionários
aplicados logo nos primeiros contatos, também foram considerados para a elaboração
do planejamento, para que se obtivessem mais dados acerca das práticas letradas que
os alunos já desenvolviam em seu cotidiano, de modo a melhor direcionar as atividades
para as suas necessidades de ensino e as possibilidades de aprendizagem.
As possibilidades de aprendizagem dos alunos foram apontando, então, o
caminho para o ensino dos conteúdos. Um exemplo desse movimento pode ser
relatado no tratamento do conteúdo ‘leitura das manchetes e chamadas’. O
planejamento previa a leitura desses componentes como etapa do processo de
desvelar o mito de isenção das notícias. Para tanto, era necessário que os alunos
observassem os tempos verbais mais recorrentes nas manchetes e chamadas das
primeiras páginas, para que se discutisse, a partir da observação do fenômeno
lingüístico, a utilização dos tempos e modos verbais como uma das formas de produção
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 106
de efeitos de sentido – produção do real – no jornalismo impresso brasileiro (Grillo,
2001).
Todavia, na leitura direcionada para a observação dos aspectos lingüísticos, os
alunos foram apontando suas dificuldades com relação a esses aspectos. Apesar de
alguns alunos identificarem que a maioria dos verbos aparecia no presente, foi
necessária a intervenção da professora, no sentido de se ensinar alguns aspectos
referentes aos verbos, por exemplo, o que difere os modos indicativo e subjuntivo.
Nessa intervenção, os alunos pediram que se lhes ensinasse não somente a diferença
dos modos verbais como também outros tópicos como a diferença aspectual em
tempos verbais, por exemplo. Assim, um novo conteúdo – o ensino de tempos e modos
verbais - foi incorporado, a partir da necessidade dos alunos – necessidade esta que
partiu não somente do conteúdo, mas do contexto espaço-temporal em que surgiu: a
aproximação da data de realização da prova do SARESP. Dessa forma, pode-se
observar como a materialidade lingüística serviu para a leitura, proporcionando o ensino
gramatical a partir de um contexto real de uso da língua escrita. Mais adiante,
voltaremos a discutir esse assunto, ao tratarmos da análise dos dados.
Essas mudanças nas situações de produção e ações de linguagem ocorreram
por que estávamos buscando considerar os conhecimentos anteriores dos alunos em
relação àquele que se pretendia ensinar, tomando por base o nível de complexidade
(PCNS, 1998) dos conteúdos e o grau de autonomia dos alunos na realização das
atividades, para traçar o aprofundamento de cada conteúdo em função das
possibilidades de compreensão dos alunos. Buscou-se pensar, com Vygotsky (1930)
que é necessário criar um espaço onde o aluno entra como ator de seu
desenvolvimento, levando em consideração as suas capacidades individuais em
relação ao objeto de estudo assim como suas potencialidades de aprendizado na
interação com outros pares e com a pesquisadora. Em outras palavras, a partir do
conceito Vygotskiano de zona proximal de desenvolvimento (ZPD), pensou-se em um
ensino que atuaria não somente sobre o que o aluno já sabe, mas nas potencialidades
de seu aprendizado nas interações com o outro.
Nessa medida, um programa inicial foi traçado, pensando-se no ensino de leitura
do jornal impresso, particularmente a primeira página, considerada como um gênero de
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 107
circulação social, um gênero onde são integrados diversos gêneros discursivos que
estão sempre em diálogo entre si. Sua leitura seria melhor apreendida se esses
gêneros fossem tomados, no dizer de Bakhtin (1952-53/1979: 316) como um elo na
cadeia da comunicação verbal de uma dada esfera, lidos a partir do lugar de produção,
circulação e dos modos de recepção da esfera jornalística impressa. Ganhavam
importância a localização de uma manchete, a análise da diagramação, da escolha das
fotografias – de modo a se buscarem os meandros das notícias, suas implicações
ideológicas, posições políticas, etc., buscando levar os alunos a reconstruírem os
sentidos dos textos através da leitura dos componentes verbais e não-verbais das
primeiras páginas e a perceberem o ‘não-dito’ como componente importante para a
compreensão de textos de circulação social. A análise das primeiras páginas seguiu
esse programa e se realizou, como delineado no exemplo exposto no capítulo anterior.
A seguir, apresentamos o programa inicialmente traçado e o planejamento de
ensino:
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 108
1. Contextualização 1.1. As empresas jornalísticas e seu papel
2. Caracterizando primeiras páginas de jornal l 2.1. Compreendendo capas de jornal 2.2. A Primeira Página – Componentes
3. Caracterizando primeiras páginas de jornal ll 3.1. Comparação das primeiras páginas dos jornais Folha de S. Paulo e Correio Popular
4. Estratégias de leitura 4.1. Identificando a organização dos textos e fotografias
4.2. Compreendendo os títulos:
4.3. Focalizando componentes lingüísticos I:
Tempos verbais
4.4. Focalizando componentes lingüísticos II:
Marcas de expressão pessoal
Formas de transmissão da fala de outros
4.7. Objetividade, subjetividade e neutralidade
4.8. Observando as variedades da linguagem
4.9. Explicitando a situação de produção
4.10. Analisando textos verbais e não-verbais que compõem as primeiras páginas de jornal
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 109
Conteúdo
Data/ duração
Objetivos
Atividades
Avaliação
Materiais
Identificação dos componentes das primeiras páginas
07/10 2 aulas
Conhecer as particularidades do gênero (os gêneros que compõem as primeiras páginas) Observar a forma composicional das primeiras páginas
Leitura em dupla das primeiras páginas e anotação de seus componentes, relacionando seus nomes, função e localização.
Acompanhamento, monitoração e diarização da pesquisadora
Corpus de jornais
Identificação e comparação dos componentes das primeiras páginas Leitura de charges
30/10 2 aulas
Analisar, localizar e comparar os componentes da primeira página em dois jornais diferentes Levar os alunos à leitura de um gênero que alia o verbal e o não-verbal.
Leitura individual e apresentação oral dos componentes das pp da Folha de S. Paulo e do Correio Popular Leitura de charges em duplas e exposição oral pelos alunos
Acompanhamento da professora e verificação das respostas escritas pelos alunos Observação e monitoramento da discussão sobre as charges
Corpus de jornais
História do jornal: As empresas jornalísticas e seu papel Observar as fotografias das pp
06/11 2 aulas
Conhecer a história do jornal impresso e discutir sobre seu papel na sociedade Observar as fotografias, relacionando-as às manchetes à discussão sobre o papel do jornal
Leitura de texto sobre a história do jornalismo impresso e discussão sobre o papel do jornal na sociedade. Leitura em dupla das fotografias, exposição e debate oral.
Exposição e explicação nos grupos e para a sala Debate oral sobre a relação entre fotografias, manchetes e chamadas na pp.
Texto sobre a história do jornal impresso e o papel da imprensa Corpus de jornais
Manchetes e títulos: observando os tempos e modos verbais
07/11 2 aulas
Encontrar as características específicas presentes nas manchetes e títulos dos jornais Folha de S. Paulo e Correio Popular
Leitura individual e análise das manchetes e títulos de pp, escrita dos achados individuais e discussão em grupo.
Acompanhamento e monitoração da professora
Corpus de jornais
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 110
Conteúdo
Data/ duração
Objetivos
Atividades
Avaliação
Materiais
Tempos e modos verbais
08/11 2 aulas
Diferenciar os modos verbais indicativo e subjuntivo Discutir a presença do presente nas manchetes e títulos
Aula expositiva e exercício de análise dos tempos e modos verbais nas primeiras páginas. Discussão sobre a utilização do presente do indicativo e do futuro do presente nas manchetes e títulos
Exposição oral dos alunos e discussão
Corpus de jornais
Discurso citado
12/11 2 aulas
Perceber as formas de inserção do discurso de outrem nos textos jornalísticos
Leitura em duplas para localização das formas de discurso citado
Acompanhamento da pesquisadora e observação das respostas escritas
Corpus de jornais
Discurso citado
18/11 2 aulas
Discutir as diferentes formas de inserção do discurso de outrem
Atividade em grupos: Procurar nos jornais as formas mais recorrentes para a citação do discurso nos jornais
Respostas orais e escritas
Corpus de jornais
Comparação das primeiras páginas dos jornais Folha de S.Paulo e Agora S.Paulo
27/11 2 aulas
Comparar e discutir o estilo das primeiras páginas de jornais de um mesmo grupo de comunicação
Leitura coletiva dos jornais e debate oral.
Acompanhamento e monitoração da professora Participação no debate oral
Corpus Dos jornais Folha de S. Paulo e Agora S.Paulo
Desvelando o mito da isenção da notícia
28/11 2 aulas
Analisar e discutir as primeiras páginas de diferentes jornais Desvelar os textos possíveis formulados na composição de manchetes e fotografias das pp
Leitura em duplas, exposição oral e debate com o grupo.
Acompanhamento e monitoração da professora Participação oral dos alunos durante as aulas
Corpora formado por vários jornais de diferentes empresas
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 111
Como se observa, entre o programa inicialmente traçado e o planejamento,
houve alterações na seqüenciação dos conteúdos, que se deveram justamente ao fato
de se considerar as necessidades, possibilidades e potencialidades de aprendizado dos
alunos. Inicialmente, por exemplo, havia se pensado em começar as atividades pela
contextualização do jornalismo enquanto esfera de atividade social e seu papel em
nossa sociedade. Todavia, nos contatos com os alunos, as aulas se organizaram de
outra maneira, já que se desvelou a necessidade de contato desses com o jornal
mesmo e, então, algumas aulas foram planejadas para que eles conhecessem,
manipulassem jornais, observassem a sua organização, etc.
Nos próximos capítulos, serão apresentadas as análises e os resultados do
projeto de leitura desenvolvido, de maneira a responder às questões de pesquisa.
4.2. Metodologia de análise dos dados
A metodologia de análise procurou compreender e descrever os processos e
fenômenos discursivos, a partir de seu contexto de produção – as aulas e as interações
que nela se desenvolveram –, apoiando-se, para tanto, na perspectiva enunciativa
bakhtiniana, que busca considerar os sujeitos, o contexto e os fenômenos a partir da
dimensão histórica e social em que estes se inserem. Nessa medida, a linguagem é
tomada como interlocução e lugar de interação humana. Dessa maneira, estaremos
considerando as situações discursivas tais como ocorreram e as condições de
enunciação específicas dos eventos ocorridos nas aulas.
Para tal, baseamo-nos no método sociológico para o estudo da língua, delineado por
Bakhtin/Volochinov (1929: 124) (exposto na introdução deste trabalho). No caso
específico deste estudo, buscou-se adequar esse método de maneira que se
relacionasse à interação em sala de aula especificamente. Em outras palavras, a
análise partiria:
Capítulo 4 – Metodologia de Pesquisa 112
a) Do contexto de produção e circulação das enunciações, ou seja da situação
de produção das aulas e das enunciações que nela circularam;
b) Das interações e enunciações produzidas em suas particularidades e em
sua conexão com enunciados sociais mais amplos;
c) Do exame dessas enunciações e sua interpretação enquanto fenômeno de
ensino-aprendizagem.
O corpus selecionado para análise de nossa pesquisa se compõe de gravações
das aulas filmadas durante toda a aplicação do projeto de leitura, de entrevistas
informais com os alunos – também gravadas – e de anotações de campo da
pesquisadora, coletadas durante as aulas, além dos questionários que delineiam o perfil
de letramento dos alunos. Os dados escolhidos para a análise são os que se
mostraram mais significativos para este estudo, selecionados em forma de episódios a
partir dos quais serão traçados os processos que envolvem as relações interdiscursivas
nas quais se constituiu o aprendizado. Estes episódios se compõem de eventos de
duração variável, determinados por um mesmo meio didático24 cujas ações se orientam
para um mesmo objetivo.
O foco de nossa análise é, principalmente, a forma como os alunos construíram
os sentidos dos textos e como a participação do outro – par mais desenvolvido
(Vygotsky, 1930) – interferiu nessas construções. Para tal, estaremos recorrendo aos
construtos de Vygotsky acerca do aprendizado e do desenvolvimento, como os
conceitos de Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD), Internalização, entre outros.
Além disso, as concepções do círculo bakhtiniano sobre interação, dialogismo, réplica e
compreensão ativa, cronotopos estarão orientando e direcionando nossa análise, que
será apresentada nos capítulos seguintes.
24 Meio didático entendido como um espaço semiótico em que o aluno encontra o objeto ensinado (ou
uma de suas dimensões) que deve ser aprendido.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 113
OS SUJEITOS E OS ENCONTROS
No romance, os encontros ocorrem freqüentemente na ‘estrada’. Ela é o lugar preferido dos encontros casuais. Na estrada (‘a grande estrada’) cruzam-se num único ponto espacial e temporal os caminhos espaço-temporais das mais diferentes pessoas. (...) Este é o ponto do enlace e o lugar onde se realizam os acontecimentos.
Mikhail Bakhtin
Este capítulo será dividido em duas seções centrais: os sujeitos, onde se
apresentam as práticas de letramento dos alunos participantes da pesquisa e a
análise desses dados de letramento, e os encontros, onde serão expostos episódios
de sala de aula, focando a análise dos processos interacionais.
5.1. Os sujeitos: Práticas de Letramento
Nesta seção, serão apresentados os dados de caracterização de nossos
sujeitos, para que possamos responder a primeira pergunta de pesquisa :
Que práticas de letramento, particularmente que práticas de leitura, têm os
alunos da oitava série do Ensino Fundamental da escola pesquisada, nos
contextos escolar e extra-escolar?
Conforme expusemos no capítulo anterior, a organização das perguntas
desse questionário baseou-se principalmente nos itens selecionados no questionário
do INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional – de modo que, ao
apresentarmos os dados coletados em nosso universo micro (as duas turmas de
oitava série com que trabalhamos), estaremos também os comparando com os
dados macro nacionais, coletados e divulgados pelo INAF, no livro organizado por
Ribeiro, Letramento no Brasil, lançado pela Global Editora em 2003. O INAF
pretendeu olhar dentro da casa dos brasileiros e objetivou traçar um panorama do
letramento no Brasil, em diferentes camadas da sociedade; de modo semelhante,
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 114
pretendemos traçar aqui uma descrição do universo de letramento dos alunos
sujeitos da pesquisa.
Inicialmente, estaremos apresentando os dados que enfocam as atividades
de leitura e escrita dos alunos25, comparando-os, conforme dissemos, com o
indicador nacional:
Tabela 1: Tipo de material que mais gosta de ler Dados da pesquisa 26 INAF Revistas 54,8% 52% Gibis, revistas em quadrinhos 35,4% 16% Bíblia, livros sagrados ou religiosos 19,3% 42% Livros 16,1% 26% Jornais 12,9% 45% Outros 6,4% 1%
Tabela 2: Pessoas que mais influenciaram o gosto p ela leitura Dados da pesquisa INAF Mãe ou responsável do sexo feminino 54,8% 42% Algum professor 51,6% 37% Pai ou responsável do sexo masculino 16,1% 26% Algum amigo 12,9% 16% Padre/Pastor ou líder religioso 9,6% 8% Ninguém 9,6% 15% Outro parente 6,4% 11% Colega de trabalho 3,2% 4% Outra pessoa 0% 3%
A análise das práticas de letramento dos alunos através das atividades de
leitura e escrita que realizam aponta para dados interessantes, em primeiro lugar,
porque contrariam o senso comum ocasionado pela propagação de idéias a respeito
25 Dentre os 33 alunos que freqüentavam as aulas com regularidade, 31 responderam ao
questionário. 26 Os dados numéricos apresentados indicam valores percentuais para as duas pesquisas. O número
total de alunos que respondeu ao questionário de nossa pesquisa é de 31 (n = 31). A pesquisa realizada pelo INAF entrevistou 2000 pessoas (n=2000).
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 115
do desinteresse dos jovens pela leitura. A tabela 1 aponta que, tanto em nossa
pesquisa como nos dados nacionais, mais de 50% dos jovens gosta de ler revistas e
que livros sagrados ou religiosos também têm destaque como objetos de leitura. Em
seguida, com relação à pergunta referente às pessoas que influenciaram o gosto
pela leitura, temos um segundo achado relevante: na esteira do que se propala
acerca do ensino brasileiro, o papel do professor seria um dos destaques negativos.
No entanto, nos dois contextos – tanto de nosso universo particular quanto nos
dados do INAF –, notamos que o professor ocupa papel relevante não somente
como influenciador de práticas de leitura, mas, principalmente, como aquele que
colabora para o desenvolvimento do gosto de ler. Chama a atenção também que as
mães ou responsáveis do sexo feminino desempenham igualmente esse papel de
estimuladoras da leitura, o que nos leva a considerar que práticas de letramento que
se iniciam em casa, na infância, marcam a história dos sujeitos, colaborando para a
continuidade dessas práticas até a adolescência, como é o caso dos sujeitos de
nossa pesquisa.
Tabela 3: Freqüência com que lê o jornal Dados da pesquisa INAF Algumas ou uma vez por semana 45,1% 29% Eventualmente/de vez em quando 29,0% 32% Não costuma ler jornal 22,5% 26% Todos os dias 3,2% 13%
No que tange à leitura do jornal – objeto de nosso estudo –, 45,1% dos alunos
relatam que lêem o jornal pelo menos uma vez por semana, o que nos leva a
pensar que a presença do jornal Correio Popular, exposto diariamente no pátio da
escola, colabora para essa prática. Também é relevante pensar que, em ambos
contextos de pesquisa, há muitos sujeitos que lêem o jornal, ainda que
eventualmente: 77,3% em nossa pesquisa e 74% nos dados do INAF, contra 22,5%
(em nossos dados) e 26% (nos dados nacionais) que não costumam ler o jornal.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 116
Tabela 4: Freqüência com que lê revistas Dados da pesquisa INAF Pelo menos uma vez por semana 54,8% 33% Eventualmente 35,4% 44% Não costuma ler 9,6% 23%
Tabela 5: Tipos de revista que costuma ler Dados da pesquisa INAF Fofocas e novelas (Caras , Contigo, Amiga etc.) 41,9% 47% De informação (Veja, Época, Isto É etc.) 38,7% 38% Quadrinhos, gibis, humor 35,4% 26% De religião 16,1% 20% Femininas (Cláudia, Nova, Marie Claire etc.) 12,9% 17% Masculinas (Playboy, Sexy etc.) 12,9% 13% Nenhum desses/ Outros 9,6% 1% Especializadas (saúde, informática, música, esportes) 9,6% 23%
Os dados a respeito da leitura de revistas apontam também para aspectos
interessantes: quase a totalidade de nossos sujeitos lê revistas, ainda que
eventualmente: 90,4%. Quanto ao tipo preferido de revista, em ambos os resultados
aparecem as revistas de fofocas e novelas como sendo as preferidas nessa faixa
etária (41,9% de nossos sujeitos e 47% dos entrevistados pelo INAF), sendo
seguidas pelas revistas de informação. Este dado chama a atenção (38,7% de
nossos entrevistados e 28% dos entrevistados pelo INAF) – dada a faixa etária dos
entrevistados – já que a leitura das revistas de informação supera a leitura de
quadrinhos e gibis (35,4% em nossos dados e 26% nos do INAF).
Tabela 6: Tipo de livro que costuma ler, ainda que de vez em quando Dados da pesquisa INAF Romance, aventura, policial, ficção 51,6% 36% Bíblia, livros sagrados ou religiosos 48,3% 51% Não costuma ler livros 12,9% 11% Biografias, relatos históricos 6,4% 14% Livros técnicos, de teoria, ensaios 6,4% 8% Auto-ajuda, orientação pessoal 0% 10%
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 117
Os dados que tratam da leitura de livros revelam, em ambos os contextos de
pesquisa, que os jovens lêem livros , contrariando um discurso corrente sobre o
desinteresse dos brasileiros pela leitura e sobre sua baixa familiaridade com os
livros, no dizer de Abreu (2003: 33). Ambos resultados trazem um número alto de
leitores de livros: 87,1% de nossos entrevistados responderam ler algum tipo de
livro (apenas 12,9% afirmaram não costumar ler livros); 89% dos entrevistados pelo
INAF costumam ler livros. O destaque, nos nossos dados – invertendo aqui os
resultados do INAF – é para a ficção, seguida de muito perto, como vimos, por livros
sagrados ou religiosos.
Tabela 7: O que costuma escrever, criando ou copian do, no tempo livre Dados da pesquisa INAF Não costuma escrever 38,7% 33% Letras de músicas 35,4% 21% Poesia 29,0% 21% Receitas 9,6% 26% Histórias reais ou inventadas 9,6% 12% Outros 9,6% 3% Cartas e e-mails 6,4% 11% Álbuns familiares 3,2% 8% Diário íntimo 3,2% 7%
Quanto ao que os alunos costumam escrever em seu tempo livre, chamou-
nos a atenção que os gêneros poéticos da esfera artístico-literária (Padilha, 2005) –
letras de música e poemas – são aqueles que fazem parte de seu cotidiano de
escrita extra-escolar, sendo que, em seu tempo livre, 64,4 % dos nossos sujeitos,
ocupa-se de escrever, contra 38,7% que respondeu que não costuma escrever.
Observe-se que esse último índice, em nossos dados, é mais alto que o do INAF.
Observamos, também que, dentre os alunos que escrevem letras de músicas,
72,7% de nossos sujeitos são do sexo feminino, contra 27,2% de sexo masculino.
Dados semelhantes para a escrita de poesia: 77,7% dos que afirmaram escrever
poesias são do sexo feminino e 22,2% do sexo masculino.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 118
Com que freqüência consulta, lê livros, revistas ou jornais em bibliotecas Tabela 8: Retira livros Dados da pesquisa INAF Às vezes 45,1% 29% Nunca 41,9% 62% Sempre 12,9% 9%
Tabela 9: Lê e consulta livros Dados da pesquisa INAF Às vezes 54,8% 30% Nunca 32,2% 55% Sempre 9,6% 15% Não respondeu 3,2%
Tabela 10: Lê e consulta revistas e jornais Dados da pesquisa INAF Às vezes 48,3% 29% Sempre 29,0% 12% Nunca 25,8% 59%
Sobre a consulta de livros e jornais realizada em bibliotecas, os dados
apontam para uma prática que a escola parece estar desenvolvendo: 54,8% dos
sujeitos retiram ou consultam livros e 48,3% lêem e consultam jornais e revistas. Tal
fato surpreende, já que em nosso contexto, conforme foi exposto no capítulo
anterior, a escola pesquisada fica em uma região um pouco afastada do núcleo
central da cidade onde há bibliotecas públicas e a escola mesma não dispõe de uma
biblioteca organizada em um espaço adequado, muito embora os alunos possam
retirar os materiais quando necessitem e, no ano em que a pesquisa se realizou, a
escola também contasse com a presença do jornal Correio Popular, diariamente
disponível aos alunos.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 119
Tabela 11: Atividades que realiza na escola Dados da pesquisa INAF Copiar matérias e exercícios do quadro negro 90,3% 57% Fazer redação ou trabalhos 70,9% 61% Responder a questionários ou fazer exercícios 70,9% 57% Ler em voz alta 70,9% 57% Apresentar seminários ou trabalhos 64,5% 25% Fazer resumos ou fichamentos de textos 58,0% 31% Estudar e preparar-se para provas e avaliações 54,8% 56%
Agendar provas e entrega de trabalhos 48,3% 42% Escrever textos ditados pelo professor 38,7% 44% Fazer perguntas e esclarecimentos ao professor 38,7% 57% Copiar textos dos livros 35,4% 52% Elaborar projetos de pesquisa ou relatórios 35,4% 20% Fazer anotações sobre as aulas 32,2% 42% Controlar suas próprias notas ou conceitos e faltas 32,2% 29% Participar de debates ou discussões 29,0% 24% Consultar quadros de horários 19,3% 25% Participar de reuniões para organizar atividades 3,2% 19% Nenhum destes 0% 3%
Tabela 12: Textos lidos na escola Dados da pesquisa INAF Livros didáticos 87,0% 57% Apostilas 67,7% 42% Matérias, textos ou exercícios no quadro negro 51,6% 39% Jornais 45,1% 19% Seus próprios textos ou dos colegas 45,1% 23% Folhetos e cartazes 35,4% 27% Textos e exercícios em folhas avulsas 35,4% 33% Revistas 25,8% 38%
Livros técnicos 9,6% 9% Manuais 9,6% 14% Sites ou páginas na Internet 0% 3% Nenhum destes 0% 2%
Das práticas escolares, nossos dados apontam a cópia de matérias e
exercícios do quadro negro como a atividade mais realizada, seguida das redações
e das respostas a questionários e exercícios. É interessante também a semelhança
entre nossos dados e os dos INAF no item ‘estudar e preparar-se para provas’
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 120
apenas pouco mais da metade dos sujeitos afirma estudar e preparar-se para
provas: 54,8% em nossa pesquisa e 56% nos dados do INAF.
Dentre as atividades que realizam na escola, chama a atenção que fazer
redação ou trabalhos figure entre as atividades mais realizadas na escola: 70,9%
dos nossos entrevistados e 61% dos entrevistados pelo INAF. Em dados de
pesquisas anteriores, atividades de escrita que não se restringiam à mera cópia,
eram muito pouco realizadas na escola. Acompanhando esses resultados em nossa
pesquisa, está a leitura de textos próprios ou dos colegas: 45%,1 dos nossos
entrevistados responderam que lê seus textos ou os escritos pelos colegas.
Quanto a ler em voz alta e responder a questionários, há uma semelhança
entre ambos os contextos: 70,9% dos nossos sujeitos e 57% dos entrevistados na
pesquisa nacional afirmam realizar essas duas atividades com freqüência.
Uma observação se faz necessária: nenhum dos contextos aponta para os
textos lidos na Internet como uma atividade realizada na escola. Em nosso contexto
micro, conforme relatamos na descrição do locus de pesquisa, a escola não
dispunha, na época em que esta foi realizada, de nenhum computador para uso dos
alunos. O que indica que nosso contexto pesquisado não se distancia muito dos
dados de letramento levantados pela pesquisa nacional: 0% dos nossos sujeitos e
apenas 3% dos sujeitos entrevistados pelo INAF responderam ler textos na Internet
em contexto escolar. Os dados do INAF também apontam para a ausência quase
total de computadores conectados à Internet nas escolas brasileiras.
Tabela 13: Materiais escritos que possui na resid ência Dados da pesquisa INAF Calendários e folhinhas 83,8% 90% Dicionário 80,6% 69% Livros didáticos 80,6% 64% Bíblia, livros sagrados ou religiosos 77,4% 90% Álbum de família, fotografias 74,1% 93% Agenda de telefone/endereços 67,7% 70% Livros de receitas de cozinha 64,6% 59% Guias, listas e catálogos 61,2% 45% Livros infantis 54,8% 53% Livros de literatura/romances 51,6% 45% Enciclopédia 35,4% 34% Livros técnicos 30%
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 121
Tabela 14: Quantidade de livros que possui na resid ência Dados da pesquisa INA F De 15 a 50 livros 35,4% 46% De 51 a 100 livros 32,2% 8% Menos de 10 livros 32,2% 38% Não tem livros em casa 0% 3%
Quanto aos textos lidos na escola, os livros didáticos ocuparam, em nossos
dados, posição de destaque: 87,0% dos alunos responderam que estes são os
textos mais lidos no ambiente escolar, seguidos das apostilas 67,7%. Os livros
didáticos também encabeçam a lista dos textos escolares mais lidos em nível
nacional: 57%. Sua presença nas residências também foi apontada em ambos os
contextos de pesquisa: 80,6% dos nossos sujeitos responderam que há livros
didáticos em suas residências e 64% dos entrevistados pelo INAF. A presença dos
livros didáticos e de dicionários nas residências – 80,6% de nossos sujeitos e 69%
dos entrevistados pelo INAF – parece refletir os resultados de algumas ações
educacionais e programas como, por exemplo, o PNLD27. Outro dado que
encaminha nessa direção é encontrado na pesquisa do INAF: 34% dos analfabetos
possuem dicionários em casa (Ribeiro, 2003: 248).
A tabela 14 aponta para a forte presença de livros nas residências: 67,6% de
nossos sujeitos possuem de 15 a 100 livros em casa e 54% dos entrevistados pelo
INAF, Em nosso contexto, nenhum dos entrevistados afirmou não ter livros em casa
e nos dados do INAF, apenas 3% o fizeram. Chama a atenção também a grande
presença de enciclopédia em boa parte das residências dos dois contextos de
pesquisa: 35,4% dos nossos entrevistados têm enciclopédias e 34% dos
entrevistados pelo INAF responderam de igual modo.
27 Segundo Batista (2003: 25-26): O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC). Seus objetivos básicos são a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do ensino fundamental brasileiro.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 122
Outros dados
Na seção seguinte, estaremos apresentando atividades que se referem a
diferentes aspectos da caracterização dos letramentos de nossos sujeitos: a
utilização do computador, o nível de escolaridade de seus pais e suas práticas de
leitura.
Tabela 15: Freqüência de uso do computador Dados da pesquisa INAF Eventualmente/de vez em quando 48,3% 4%
Nunca utilizou computador 28 29,0% Um ou dois dias da semana 9,6% 3% Todos os dias da semana 6,4% 2% Quase todos os dias da semana 6,4% 1%
Quanto à utilização do computador, as diferenças reveladas entre os dados
do INAF e os de nossa pesquisa são muito grandes: apesar de a escola não possuir
computadores para a utilização dos alunos; 48,3% deles afirmaram fazer uso de
computadores ainda que eventualmente. O item nunca utilizou foi acrescentado ao
nosso questionário com base em entrevista informal, na qual os alunos revelaram
bastante interesse pelos computadores, lamentando o fato de sua escola não tê-los.
Os dados desse item apresentam também, um alto índice: 29,0% dos sujeitos
responderam que nunca utilizaram o computador.
Tabela 16: Grau de instrução do pai ou responsável do sexo masculino Dados da pesquisa Menos de 4ª série 35,4% Ensino Fundamental completo/ até a 8ª série 19,3% Ensino Fundamental incompleto/ até a 7ª série 16,1% Ensino Médio/ até ao 2º ano 12,9% Ensino Médio/ até o 3º ano 9,6% Superior incompleto 0% Superior completo 0% Nenhuma 0%
28 Este item foi colocado para os nossos sujeitos, mas não se encontra nos dados do INAF
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 123
Tabela 17: Grau de instrução da mãe ou responsável do sexo feminino Dados da pesquisa Menos de 4ª série 32,2% Ensino Médio/ até ao 2º ano 16,1% Ensino Médio/até o 3º ano 16,1% Ensino Fundamental incompleto/ até a 7ª série 9,6% Não respondeu 9,6% Superior completo 6,4% Ensino Fundamental completo/ até a 8ª série 3,2% Superior incompleto 3,2% Nenhuma 0%
Tabela 18: Práticas de leitura de pais ou parentes Dados da pesquisa Ler a Bíblia, livros sagrados ou religiosos 77,4% Ler jornais 45,1% Ler revistas 41,9% Ler ou escrever receitas 19,3% Ler folhetos 16,1% Ler ou escrever tarefas do trabalho 12,9% Fazer trabalhos escolares 12,9% Ler ou escrever cartas 3,2% Não sabe 3,2% Nenhuma delas 0%
Os dados acima revelam a pouca escolaridade dos pais: 35,4% dos pais ou
responsáveis do sexo masculino e 32,2% das mães ou responsáveis do sexo
feminino estudaram até a 4ª série do ensino fundamental, mas há mais mulheres
que homens com escolaridade mais longa. Apesar disso, os dados indicam que
realizam práticas de leitura, como é o caso de leitura da Bíblia ou de livros religiosos:
77, 4% dos sujeitos apontaram esta ser a leitura mais freqüente de seus pais. Além
da leitura de caráter religioso, os jornais e revistas também estão entre as
preferências dos pais: 45,1% dos pais lêem jornais e 41,9% são leitores de revistas.
Na comparação dos dados sobre o nível de escolaridade de pais e mães, nota-se
que estas permaneceram por mais tempo na escola, provavelmente por que os pais
tiveram de deixá-la mais cedo para trabalharem.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 124
Atividades diversas
Na próxima seção, serão expostas algumas outras atividades de que os
alunos costumam tomar parte. Nesta seção, porém, não serão comparados os
dados desta pesquisa com os nacionais, pois nos dados do INAF não há uma
descrição das atividades culturais na categoria ‘grau de instrução’, utilizada nas
seções anteriores.
Com que freqüência você Tabela 19: Assiste à televisão Dados da pesquisa Sempre 67,7% Às vezes 32,2% Nunca 0%
Tabela 20: Ouve rádio Dados da pesquisa Sempre 67,7% Às vezes 32,2%
Nunca 0% Tabela 21: Vai a exposições ou feiras Dados da pesquisa Às vezes 51,6% Nunca 41,9% Sempre 6,4%
Tabela 22: Vai a shows Dados da pesquisa Às vezes 48,3% Nunca 48,3% Não respondeu 3,2% Sempre 0%
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 125
Tabela 23: Vai a cinemas Dados da pesquisa Às vezes 90,3% Nunca 6,4% Sempre 3,2%
Conforme esses dados indicam, os alunos têm a televisão e o rádio como
meios de comunicação mais presentes em sua vida cotidiana: 67,7% dos sujeitos
afirmam assistir à televisão e ouvir o rádio sempre. Este dado leva-nos a refletir com
Serra (2003: 69) sobre a qualidade da programação da televisão aberta no Brasil,
uma vez que esta é a principal fonte de entretenimento e informação de nossos
jovens, parece-nos importante discutir sobre alternativas para a melhoria da
qualidade dos programas oferecidos, sobretudo às crianças e aos jovens.
Quanto à freqüência com que vão ao cinema, também chama a atenção o
fato de que 90,3% dos alunos tenham respondido que vão ‘às vezes’ ao cinema, já
que o bairro onde vivem é distante de cinemas e o valor de suas entradas não é tão
acessível.
Observando os dados estatísticos da entrevista formal, cruzando-os com os
dados de entrevistas informais, nota-se que esses sujeitos estão inseridos em
diversas e variadas práticas de letramento – característica da sociedade atual –
todavia, alguns dados nos surpreenderam: escreverem em seu tempo livre, por
exemplo. Letras de canções e poesia fazem parte de seu cotidiano (à época da
coleta, havia duas bandas de música formadas por alunos das duas turmas e era
costume se reunirem pra compor, tocar ou simplesmente ouvir músicas). A leitura de
livros de ficção também foi um dos achados que nos surpreenderam: em entrevista
informal gravada com os alunos durante uma das aulas, os meninos discutiram o
conteúdo de Olga de Fernando Morais (antes do lançamento do filme).
De maneira geral, o que se pode concluir sobre as práticas letradas de
nossos sujeitos é que estas não se distanciam daquelas apontadas pela pesquisa de
âmbito nacional realizada pelo INAF. Ambos os contextos apontam para a
desmistificação da tão propalada idéia de que o jovem brasileiro não lê. É possível
discutir a necessidade de implementação de políticas de leitura, partindo não mais
da visão negativista acerca do desinteresse, mas de um outro ponto de vista: o
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 126
jovem no Brasil (em nosso contexto: jovem, aluno de escola pública estadual, de
baixa renda) lê e escreve em suas horas vagas; o que se pode implementar a partir
daí é um acesso a materiais escritos de boa qualidade, incentivando atividades
escolares e extra-escolares para o desenvolvimento das práticas que já têm,
promovendo o acesso ao letramento digital em localidades de menor poder
aquisitivo, entre outras ações.
Na próxima seção, passaremos a observar as interações entre os alunos no
processo de atribuição dos sentidos aos textos.
5.2. Os encontros
Nesta seção, estaremos apresentando alguns episódios de sala de aula,
procurando analisar as interações realizadas durante as aulas, de modo a responder
à nossa segunda questão de pesquisa:
As interações entre os alunos interferem na construção dos significados dos
textos? De que forma?
5.2.1. O outro e a construção dos sentidos
Chamo sentido ao que é resposta a uma pergunta. O que não responde a nenhuma pergunta carece de sentido. Mikhail Bakhtin
Conforme expusemos no capítulo anterior, as aulas seguiram um programa
que foi traçado de modo a se ensinar a leitura da primeira página do jornal impresso,
considerada como um gênero de circulação social, que se constitui pela intercalação
de outros gêneros, verbais e não-verbais. Essas aulas compreenderam um período
de dois meses letivos e totalizaram dezoito em cada turma.
Os eventos selecionados neste capítulo não correspondem a uma descrição
dessas aulas, mas a uma seleção de episódios que revelam como o outro (par mais
avançado, Vygotsky, 1930) interferiu na construção dos significados dos textos.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 127
Episódio 1 30/10/2003
Aula sobre os componentes das primeiras páginas de jornal. Na identificação
destes componentes, os alunos são convocados a observar também a página
seguinte – nesse momento, especificamente, a página dois do jornal Folha de S.
Paulo, onde aparecem os editoriais, artigos de opinião e charge. Nesse episódio de
aula, os meninos procuram ler as charges29, relacionando-as com as manchetes da
primeira página:
29 No próximo capítulo, no qual serão discutidos os conteúdos ensinados, serão explicitadas as
razões de se haver trabalhado também um gênero presente na segunda página do jornal.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 129
Raq. levanta e mostra a charge do jornal que observou: Raq. — Aqui ó...cinco hominhos com canequinha na mão e um pára-quedas escrito vale-refeição... P. — O que quer dizer essa charge... Qual é o assunto dela? Raq. meneia a cabeça, negativamente, com um meio sorriso sem jeito. P. (dirigindo-se aos outros alunos) — Se vocês quiserem ajudar, podem ajudar... Rom. — Eles estão passando necessidades... Raq. — Isso!!!!! Di. — Entrega em domicílio!!! (risadas) Rom. — Eles estão passando necessidades e daí... Raq. — Tudo o que cai lá... Al. 1 — O que cai do céu... Rom.— O que cai do céu está bom, né...? se for chuva... melhor ainda... (todos riem) P. — Lembra do que a gente viu sobre as charges? Elas têm uma função que é de fazer humor através de uma imagem que reproduz algum assunto da atualidade...Qual é o assunto da charge que ela apresentou? Raq. — É a fome!... P. — É a fome... em que lugar...? Raq. — No sertão. P. — Como é que você pode provar que é no sertão? Raq. — Por causa do cacto... P. —Tem cacto no sertão? Rom. — Tem... Eu vim de lá... P. — Veio de onde, Rom.? Rom. — De Serra Talhada...
Raq., ao iniciar sua apresentação, descreve a imagem que vê na charge, os
sentidos do texto que, para ela, vão sendo construídos na interação com os colegas.
Seus construtos interiores, seu discurso interior vê respostas quando o colega Rom.
toma o turno:
Rom. — Eles estão passando necessidades... Raq. — Isso!!!!! O tom de Raq., ao responder ao colega, denota satisfação, pois se defronta
com a exteriorização do seu discurso interior, não exposto. Inicialmente, a situação
provoca na menina uma reação tipicamente escolar, do aluno que deve se levantar
da carteira e expor algo aos colegas e professor, numa atitude de revozear o já dito
– num ventriloquismo comum em momentos em que alunos têm de explicar algo em
voz alta – de não assumir a sua palavra naquele contexto. Assim, ela opta por
descrever o que vê na charge.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 130
Bakhtin afirma que, ao buscar a sua voz de autor é que um homem torna-se
homem, distinguindo-se entre os outros. Raq. inicialmente não assume a sua
palavra no processo de atribuição de sentidos, porque estes ainda estão em
construção. Nesse percurso, a menina vai se distinguindo e se firmando no ato de
compreender. A compreensão ativa emerge das reações respostas. O tom utilizado
por Raq. ao concordar com o colega, desvela que a palavra do outro – seu colega –
no processo de atribuição de sentidos ao texto, provoca um encontro com o que
determina, obriga, envolve, é o momento supremo da compreensão, nas palavras de
Bakhtin (1970-71/1979: 382).
A entonação de Raq. ao pronunciar “Isso!!” e as suas respostas no
transcorrer da aula denotam que a sua hesitação inicial não partia de não-
compreensão, mas apenas de uma das etapas de seu processo de compreender.
Bakhtin/Volochinov (1929, 147, ênfase adicionada) esclarece esse processo mental:
Toda a essência da apreensão apreciativa da enunciação de outrem, tudo o que
pode ser ideologicamente significativo tem sua expressão no discurso interior.
Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado de
palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua
atividade mental, o que se pode chamar o ‘fundo per ceptivo’ é mediatizado
para ele pelo discurso interior e é por aí que se o pera a junção com o
discurso apreendido pelo exterior. A palavra vai à palavra. É no quadro do
discurso interior que se efetua a apreensão da enun ciação de outrem, sua
compreensão e sua apreciação , isto é a orientação ativa do falante.
É na interação com o texto e com os colegas que Raq. vai se constituindo
sujeito do seu ato de compreender. Quando, mais adiante, a professora pergunta à
classe qual ‘o assunto’ da charge, quem responde é a própria Raq., nesse momento
sem qualquer hesitação: — É a fome!...
Já ao observarmos Rom., notamos que o caminho que percorre para construir
os sentidos do texto está ancorado no reconhecimento de um assunto que já
conhece. Na verdade, para a atribuição de sentidos à charge que Raq. está
apresentando, o garoto recorre ao seu conhecimento prévio (veio do sertão,
conhece a fome). Rom., diferente da colega, convoca um diálogo interior, entre as
informações novas, trazidas pela charge, com o seu conhecimento de mundo, o que
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 131
lhe confere segurança para expor sua opinião: É um processo interacional diferente
do anterior: a atribuição de sentidos ao texto parte desse diálogo interior e lhe
confere segurança para exteriorizar na sala de aula aquilo que já construiu
internamente e ir além, convidando os colegas a perceber outros sentidos através do
humor:
Rom. — Eles estão passando necessidades e daí... Raq. — Tudo o que cai lá... Al. 1 — O que cai do céu... Rom.— O que cai do céu está bom, né...? se for chuv a... melhor ainda...
Episódio 2 27/11/2003
Os alunos estão analisando comparativamente duas primeiras páginas de
jornais Folha de S.Paulo e Agora São Paulo, ambos da mesma empresa jornalística:
o Grupo Folha.
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 134
P. — O objetivo que a gente quer alcançar é que vocês, daqui para frente, quando forem ler um jornal, vocês consigam perceber não só o que está escrito, mas também como o que está escrito se relaciona com outras coisas... os efeitos ou intenções de uma determinada notícia, por exemplo... Hoje eu trouxe para vocês dois jornais que são da mesma empresa, que é dona da Folha de S.Paulo, do jornal Agora São Paulo, do Uol, provedor de Internet... O jornal FSP está há 82 anos em circulação e o Agora há dois anos. Essas perguntas são de comparação entre os dois, vamos pensando e respondendo juntos, tá? Qual é a primeira pergunta? Pam. , lê aí pra gente... Pam. — Há diferenças no modo de transmitir informações nas duas páginas? Quais? P. — Existem diferenças entre os dois? Als. — Existem!... Al. — A imagem... P. — A imagem, o que mais? Rom. — As letras...assim... (faz gesto com as mãos, indicando tamanho) P. — Lembra daquelas coisas que eu ensinei pra vocês? Cabeçalho, composição do jornal...?... Como é a composição do Agora e da Folha? Al.1 — A Folha tem menos e o Agora tem mais ... (sua voz vai se tornando inaudível) P.— Ah ... sim... quais as diferenças entre os dois? Als. — A composição, a ordem... Al.2 — As manchetes... Elis. ..... — Uma é maior e a outra é mais pequena, ...não...? Al.3 — O Agora é mais colorido... Als. — O Agora chama mais atenção,... P. — Por que chama mais atenção? Al.4 — Por que tem muita fotografia, né, dona? É mais colorido. Gis. — Heim, professora, o Agora não tem índice, né? A Folha tem índice... P. — Vou dizer mais, tem uma diferença dessas pequenininhas, que é a grande diferença entre os dois... Gis. — È o índice, dona! Ed. — Os quadrinhos, lá naquele tem, na 1ª página da Folha não... P. — Não é quadrinho... Gis. — É charge! Ed. — É charge!!!! Gis. — Dona, aquele calendário, não sei o que lá, janeiro, tipo assim... P. — Cabeçalho? (a garota ri, assentindo com a cabeça) Al.1 — Ah... dona, charge na 1ª página, dona? P. — É verdade...É uma grande diferença... P. — Vamos ver...conforme vocês estão falando, há muitas diferenças, por que eles são tão diferentes, então, sendo da mesma empresa? Pam. — Não são tão diferentes, não... Als. — Nesse tem... (inaudível) P. — Nesse tem o quê? Pam.— Mesma reportagem... P. — Certo... Mas, se acontece alguma coisa importante, por exemplo, no país, vários jornais vão publicar ... Mesmo que sejam de empresas diferentes... aparece na televisão, em todos os canais... (Enquanto a professora fala, a câmera focaliza dois alunos discutindo as duas páginas; quando percebem a câmera, um deles diz:) Di. — Dona, o Jornal Folha é mais caro e o Agora é mais barato!... P. — Essa diferença provoca outras diferenças... Por que isso?
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 135
Thi. — Aqui tá R$ 1,30 o jornal... aqui tá R$ 2,20.., dá uma diferença enorme, dona!!! Al. — Ô dona, é o mesmo número de páginas, ou é igual? P. — A Folha é mais grossa... Di. — A Folha, né...? (A professora pega as edições completas dos dois jornais e mostra aos alunos) Al.5 — A Folha é bem mais grossa, dona... P. — Vamos pensar juntos, qual é a diferença de colocar o preço, quase a metade do preço do Agora...pra Folha...em que isso influencia? Ed. — O material melhor, né, dona? Di. — É, o material... P. — Material em que sentido...? Ed. — Melhor...assim...sei lá... (várias respostas inaudíveis) Thi. — O Agora é mais informal... Ro. — Mais informal...mais informado? Di. — Na conclusão...das pessoas...assim... (nesse momento, vários alunos procuram responder, vozes se misturam) Pam. — Ele vai vendendo do mesmo jeito...! Pam. — Ele vai vender do mesmo jeito, tanto pras pessoas que tenham condições financeiras não muito boas, vai comprar... vão comprar o jornal da mesma empresa!!!
Esse episódio, que transcrito parece longo, passa-se em alguns minutos de
aula em que os alunos vão intercalando as suas vozes, seguindo pistas, ora levados
pela professora, ora pela corrente discursiva que vai se desenvolvendo no processo
de compreensão conjunta. Os sentidos vão sendo atribuídos no interior dessa
corrente discursiva como elos que se ligam e encadeiam novos sentidos. Assim, a
palavra do outro, a palavra alheia - do colega quando fala - torna-se a palavra
pessoal no curso discursivo que vai se desenvolvendo. Retomando a frase de
Bakhtin na epígrafe deste capítulo, o sentido existe quando responde a uma
pergunta. Perguntas e respostas, novas respostas e novas perguntas vão tecendo a
malha da compreensão. A compreensão vai se constituindo, nesse episódio, através
da reconstrução dos sentidos atribuídos por cada voz que se manifesta – audível ou
não – pelas repetições, pelas entoações, pelos gestos. O sentido é potencialmente
infinito, mas só se atualiza no contato com outro sentido, mesmo que seja apenas
no contato com uma pergunta no discurso interior do compreendente (Bakhtin,
1970-1971: 386).
Pode-se notar que os alunos, no início da aula, procuram se ancorar em
pontos materiais das duas páginas (aspectos da forma composicional) do gênero,
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 136
suas respostas iniciais se baseiam nos componentes das páginas, comparando-as,
percebendo os pontos comuns e distintos entre elas:
Al. — A imagem... P. — A imagem, o que mais? Rom. — As letras...assim... (faz gesto com as mãos, indicando tamanho)
Partindo dessas respostas, a professora prossegue no mesmo percurso,
indicando novas pistas, também concretas, que apontem caminhos para a
compreensão:
P. — Vou dizer mais, tem uma diferença dessas pequenininhas, que é a grande diferença entre os dois...
Quando a dupla Di e Thi toma o turno para falar do preço, a professora
procura encaminhar a discussão para além da análise dos componentes materiais
das páginas, mas ainda ocorrem algumas perguntas que se ancoram na
materialidade:
Di. — Dona, o Jornal Folha é mais caro e o Agora é mais barato!... P. — Essa diferença provoca outras diferenças... P or que isso? Thi. — Aqui tá R$ 1,30 o jornal... aqui tá R$ 2,20.., dá uma diferença enorme, dona!!! Al. — Ô dona, é o mesmo número de páginas, ou é ig ual? P. — A Folha é mais grossa... Di. — A Folha, né...? (A professora pega as edições completas dos dois jornais e mostra aos alunos) Al.5 — A Folha é bem mais grossa, dona...
As perguntas e respostas, nesse momento, parecem indicar um cronotopo
desigual entre quem pergunta e quem responde; a professora – guiada pelos
achados da dupla – supõe que o grupo esteja percebendo outros enunciados que
não os explicitados, mas o grupo ainda caminha no terreno daquilo que reconhece.
Compreensão dos elementos reproduzíveis e do todo irreproduzível. Reconhecer e
encontrar o novo, o desconhecido. Os dois aspectos (reconhecimento do
reproduzível e descoberta do irreproduzível) devem fundir-se indissoluvelmente no
ato vivo da compreensão (Bakhtin,1970-1971: 383). Apoiados nos componentes que
reconhecem (a quantidade de páginas em cada jornal, por exemplo), os alunos vão
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 137
recuperando e realinhando os sentidos em construção. A este respeito, podemos
retomar uma afirmação de Bakhtin:
Perguntas e respostas não pertencem a uma mesma relação (categoria) lógica;
não podem ser contidas numa única e mesma consciência (única e fechada em
si mesma); toda resposta gera uma nova pergunta. Perguntas e respostas
supõem uma exotopia recíproca. Se a resposta não dá origem a uma nova
pergunta, separa-se do diálogo e junta-se a um sistema cognitivo, impessoal
em sua essência.
Cronotopos diferentes de quem pergunta e responde e universos diferentes de
sentido (eu e o outro). A pergunta e a resposta do ponto de vista da terceira
consciência e do seu universo “neutro” onde tudo se despersonaliza, onde
tudo é intercambiável (Bakhtin, 1974/1979: 412, ênfase do autor).
No momento seguinte, o grupo vai se distanciando dos aspectos materiais,
reconstruindo os sentidos, atribuindo novos sentidos à questão dos valores dos dois
jornais. Os enunciados que vão se seguindo, ‘elos na cadeia da comunicação verbal’
não se compõem em vozes distintas, mas as várias vozes se compõem em uma voz
de autoria conjunta que vai reconstruindo, coletivamente, os sentidos, conferindo
novos sentidos a enunciações anteriores:
P. — Vamos pensar juntos, qual é a diferença de colocar o preço, quase a metade do preço do Agora...pra Folha...em que isso influencia? Ed. — O material melhor, né, dona? Di. — É, o material... P. — Material em que sentido...? Ed. — Melhor...assim...sei lá... (várias respostas inaudíveis) Thi. — O Agora é mais informal... Ro. — Mais informal... mais informado? Di. — Na conclusão... das pessoas... assim... (nesse momento, vários alunos procuram responder, v ozes se misturam) Pam. — Ele vai vendendo do mesmo jeito...! Pam. — Ele vai vender do mesmo jeito, tanto pras pe ssoas que tenham condições financeiras não muito boas, vai comprar.. . vão comprar o jornal da mesma empresa!!! Quando Ed. faz a pergunta se o material é melhor, poderia estar se referindo,
ainda, ao componente material dois jornais: a Folha ser mais grossa, ter mais
reportagens etc., mas Di. assente em seguida e retoma mais abaixo, encaminhando
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 138
a rede discursiva para um aspecto ainda não explicitado – ainda que o garoto se
expresse por meio de pistas: “na conclusão... das pessoas ...assim....”, a tessitura
da rede discursiva ganha nova malha. Quando Pam. toma o turno, a classe assente
e se diverte... vozes se misturam, como se tivessem chegado juntos a um novo
lugar. Os eventos que seguem nesses episódios são de discussão sobre os leitores
dos dois jornais, sobre os modos de recepção de um e de outro e seu papel.
5.2.2. O encontro e o aprendizado
Refletindo sobre o processo de aprendizado nesses episódios, podemos
observar que os alunos vão atribuindo os sentidos aos textos conjuntamente,
participando de um diálogo em que as perguntas e respostas vão dando ‘origem a
novas perguntas’ e a novos sentidos. Partindo da observação da materialidade dos
textos – prática que provavelmente se origina no costume escolar de se enfatizar a
localização e cópia de informações na leitura – para ir construindo através da troca,
da interação com os colegas, é assim que os alunos vão se constituindo como
sujeitos de seu aprendizado, como bem revela Vygotsky (1930): o aprendizado
desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar
somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em
cooperação com seus companheiros (Vygotsky, 1930: 117-118).
Episódio 3 06/11/2003
A professora realiza uma entrevista informal com os alunos durante uma das aulas: P. — Quando vocês têm de se preparar para uma prova, por exemplo, um conteúdo de História...Vocês conseguem ler os textos sozinhos...e entender? Como é isso? (Als. falam coisas incompreensíveis.) P. — É fácil? Als. — Não... P. Por que não? Raq. — É...ah...professora... é porque eu num entendo muito bem...Eu sou meio lenta...aí eu tenho que pedir ajuda da minha amiga (aponta para a colega Pam.)
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 139
Neste episódio, vemos a aluna que responde à pergunta da professora, Raq.,
é a mesma que no episódio 1 vai atribuindo sentidos à charge, que vai construindo
com os colegas o seu aprendizado. Relacionando os dois eventos, vemos, no
episódio 3, Raq. se qualificar ‘sou meio lenta’, todavia, em vários eventos de sala de
aula, a aluna procura expressar suas opiniões, ainda que de maneira hesitante,
ainda que ‘pedindo ajuda da colega’.
Os eventos de sala de aula revelam indícios do processo de internalização
(Vygotsky,1930) a reconstrução interna de uma operação externa (‘externo’
entendido como referente às relações sociais que Raq. e seus colegas vão
vivenciando). Vygotsky afirma que toda função psicológica superior foi antes externa,
ou seja, foi social na sua origem. Assim, o autor evidencia o papel do outro enquanto
mediador para o funcionamento intrapsicológico, isto é, o indivíduo inicialmente
necessita do auxílio do outro para realizar aquilo que, mais tarde, conseguirá realizar
sozinho. É a interação que permite a categorização do mundo, a possibilidade de
abstração e a generalização dos objetos; dito de outra maneira: o homem pode agir
e pensar sobre os objetos sem que eles estejam presentes e relacionar-se com o
mundo através da mediação dos significados construídos pelo grupo social do qual
faz parte. Raq., apesar das representações acerca de seu aprendizado, está
participando de um processo de aprendizado mediado que está em constante
reelaboração e reconstrução.
5.2.2.1. O gênero como mega-instrumento de aprendi zagem
Bakhtin (1952-1953/1979) pondera que o enunciado reflete as condições
específicas e as finalidades da sua esfera, não somente pelo seu conteúdo temático,
e pelo seu estilo (recursos lexicais, gramaticais), mas sobretudo pela sua construção
composicional (Bakhtin, 1952-1953/1979: 280) e defende que esses três elementos
se compõem em um todo do enunciado.
Para discorrer sobre o gênero primeira página de jornal, considerado como um
instrumento de ensino-aprendizagem, voltaremos a refletir sobre o processo de
construção dos sentidos que ocorre no episódio 2 transcrito anteriormente, podemos
observar que os alunos partem sua leitura da observação dos aspectos materiais
das primeiras páginas: primeiramente, dos aspectos ligados à forma: observam a
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 140
posição das manchetes, fotografias, a composição da página. Nesse momento, os
sentidos vão sendo construídos na observação da construção composicional do
gênero:
Rom. — As letras...assim... (faz gesto com as mãos, indicando tamanho) P. — Lembra daquelas coisas que eu ensinei pra vocês? Cabeçalho, composição do jornal...?... Como é a composição do Agora e da Folha? Al.1 — A Folha tem menos e o Agora tem mais ... (sua voz vai se tornando inaudível) P.— Ah ... sim... quais as diferenças entre os dois? Als. — A composição, a ordem... Al.2 — As manchetes... Elis. ..... — Uma é maior e a outra é mais pequena, ...não...? Al.3 — O Agora é mais colorido... Als. — O Agora chama mais atenção,... P. — Por que chama mais atenção? Al.4 — Por que tem muita fotografia, né, dona? É mais colorido.
Ao notarem os aspectos da forma das duas primeiras páginas, os alunos
observam, inicialmente, as características comuns entre elas, características da
construção composicional do gênero: presença de manchete, título, cabeçalho,
fotografias. Em um segundo momento (quase simultâneo), eles vão notando as
particularidades que os diferenciam, ainda alicerçados em seu aspecto visual,
percebem que a disposição das fotografias é diferente, que a composição de cada
página difere da outra. Aos poucos, os alunos vão avançando para além da
materialidade espacial da página, levados, no processo interacional, pelas perguntas
da professora e pelos sentidos que vão sendo construídos pelo grupo. No momento
seguinte, a partir da forma composicional das duas páginas, as atenções vão se
voltando para outro elemento componente do gênero: o estilo. Ao notarem as
características composicionais particulares de um e de outro jornal, eles passam a
atentar para as escolhas verbo-visuais de cada página e passam a tecer novos
construtos de sentido:
Raq. — E essa foto desse sino? (referindo-se à foto-manchete do jornal Folha de S. Paulo) O que a fome tem a ver com sino??? P. — Boa, Raq. ...Vamos pensar... Elis. — É pra dar mais curiosidade, a manchete fala de uma coisa e a fotografia fala de outra... Al. — Eu acho que não tem nada a ver... Di. — Ah... mas não tem lógica, eles num iam colocar aí uma coisa que não tem nada a ver...
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 141
P. — É isso mesmo Di... algum significado para estar aí tem... observem bem as fotografias, as manchetes e a localização onde está cada um desses itens, e o que todos juntos podem estar formando... Ed. — Tem a curiosidade, de quem vai ler, olha assim e vê esse sino, mas se for pensar bem... tem mais coisa... tem que ter uma relação dessas coisas...
Nesse evento, os alunos vão, partindo da forma composicional e da percepção
do estilo particular das duas páginas, tecendo considerações que os encaminharão
ao aspecto do conteúdo temático da página. Nesse momento, os alunos observam a
página do jornal Folha de S. Paulo e se intrigam ao notar que a fotografia abaixo da
manchete não se relaciona diretamente ao conteúdo desta última. Começam a
perceber que a forma composicional e o estilo estão compondo uma significação
(que nesse momento eles ainda não conseguem alcançar), começam a perceber que
há algo ainda que não viram, que não perceberam ao fazerem sua leitura:
Ed. — Tem a curiosidade, de quem vai ler, olha assim e vê esse sino, mas se
for pensar bem... tem mais coisa... tem que ter uma relação dessas coisas...
Brait (2005), em trabalho sobre o conceito de estilo em Bakhtin, faz uma
análise do estilo de página de jornal e conclui que a página por ela analisada pode
ser considerada um enunciado concreto, um texto formado pela combinatória de
várias seqüências, tanto verbais quanto visuais, todas pertencentes, grosso modo,
ao gênero informativo. A autora defende que o conjunto (o enunciado) poderia ser
confrontado com outras primeiras páginas, até do mesmo jornal, e essa confrontação
revelaria um estilo de se fazer notícia. O estilo no jornal, de acordo com Brait, revela
um modo determinado de o jornal
ir além dos acontecimentos narrados, reiterando para o leitor um determinado
discurso, uma determinada posição diante dos fatos. Isso acontece por meio de
comentários diretos em relação aos acontecimentos, mas pela entonação dada
pela forma, pelo projeto gráfico (Brait, 2005: 86).
É essa posição diante dos fatos que os alunos passam a perseguir em sua
construção de sentidos conjunta:
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 142
Episódio 4
27/11/2003
Pam. — A Folha de S. Paulo traz conteúdos mais sérios... P. — Moçada, preste atenção... a Pam. está falando que a Folha traz conteúdos mais sérios. Que vocês acham...? Eu vou ler as notícias e vocês vêem: A manchete da Folha é “A fome cresce no mundo e cai no Brasil”, a manchete do Agora é “Sai calendário do INSS para 2004”. Só nas manchetes já há diferenças grandes. Quais? Ed. — A Folha fala sobre o mundo e o Agora fala principalmente sobre o Brasil. P. — Isso ... Essa é a principal diferença do assunto dos dois... A Folha vai tratar de assuntos mais relacionados a coisas internacionais, olha aqui:... “Aids bateu recorde neste ano, afirma ONU”, “Aumentam os idosos na Internet” e “EUA revêem para cima a expansão da economia”. Essas aqui são as principais notícias internacionais. Quem vai ler essas notícias? Pensem... A quem interessa esse tipo de notícia? Rom. — Pessoas que gostam de estar informadas... (risos, vozes se misturam) Al. — Pessoas mais estudadas... P. — E aqui (apontando o jornal Agora S. Paulo) a quem interessa esse tipo de notícia? Pam. (sorrindo muito, responde) — Os leitores de fofoca... o povo que gosta... que compra de revista de fofoca... Olha o que tem no Agora “Dolabella e João Gordo brigam no estúdio”... (risos). Ao discutirem os aspectos composicionais e os estilos peculiares dos dois
jornais (escolhas lexicais, visuais, de diagramação), os alunos vão desvelando os
significados das duas páginas e o conteúdo temático de cada uma. Esses aspectos,
que parecem separados, integram um todo de significação e, na atribuição dos
sentidos, buscando atribuir significados às partes, para o entendimento do todo
enunciado, os alunos constroem, desmontam e reconstroem os elementos do gênero
no ato de compreender. Bakhtin (1952-1953/1979: 184, ênfase adicionada) chama a
atenção para o fato de que o estilo se vincula ao tema, compondo um todo:
indissociavelmente vinculado a unidades temáticas d eterminadas e, o que
é particularmente importante, a unidades composicionais : tipo de
estruturação e conclusão de um todo, tipo de relação entre locutor e os
parceiros da comunicação verbal (relação com o ouvinte, ou com o leitor, com o
interlocutor com o discurso do outro, etc).
Na seqüência das interações, observamos os alunos se voltando ao conteúdo
temático, relacionando os aspectos verbais e não-verbais, buscando a apreensão
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 143
dos significados do todo composto pelos enunciados da página. Nessa busca, mais
uma vez, a atenção do grupo se volta ao componente visual:
Episódio 5
27/11/2003
Raq. — E essa foto desse sino? (referindo-se à foto-manchete do jornal Folha de S. Paulo) O que a fome tem a ver com sino??? P. — Boa Raq. ...Vamos pensar... Elis. — É pra dar mais curiosidade, a manchete fala de uma coisa e a fotografia fala de outra... Al. — Eu acho que não tem nada a ver... Di. — Ah... mas não tem lógica, eles num iam colocar aí uma coisa que não tem nada a ver... P. — Isso mesmo... O que vocês acham? É por acaso que foi colocada essa fotografia, que pega quase metade da página do jornal, debaixo da manchete, que é a coisa mais importante? Ed. — tem alguma coisa a ver... P. — Beleza... eu acho que o caminho é esse... tem alguma coisa a ver... Vamos tentar descobrir...? (diversas vozes se misturam) P. — Isso!... se observar bem...não há nenhuma notícia nessa página sobre essa foto... Ed. — Nenhuma? O que tá escrito aí? P. — Na legenda? Que a notícia está na página 4C. e fala que o badalo do sino foi roubado, então...a minha pergunta é... Por que essa foto está na capa da Folha, embaixo de uma manchete que fala sobre a fome? Tali. diz coisas indefinidas (bem baixinho), a professora estimula a menina: P. — Fala Tali, é por aí mesmo... Tá certinho (os alunos estimulam a colega: Als. —Vai, Tali, fala de novo... vai que é isso mesmo... Tali.— Ai, dona, é que quem roubou deve tá passando fome... Al.(o) — Deve estar feliz da vida com um pedaço desse de ouro... Al.(a) — vai ver que roubou pra comer... (Vozes se misturam) Pam. — Acho que tá assim por causa do público que ele atende... P. — Como assim? O que tem a ver o público? Pam. — Pelo público... assim, a Folha colocou essa foto, desse jeito... por causa do público... Pam. — Por que o Agora colocou de uma forma assim mais despojada, como que eu vou dizer? mais popular... E a Folha não... tá mais ajeitadinho... P. — Por quê? Als. — Daquilo que a gente tava falando, do preço... também é por causa de quem vai ler... P. — Isso!... É em função de quem vai ler que se fazem as escolhas do modo de falar, das palavras, do que se vai falar... quando a gente vai pedir alguma coisa importante para o pai por exemplo, não chega lá berrando... escolhe primeiro o que vai falar, como vai falar, se estamos conversando com um grande amigo, um assunto de interesse dos dois, já não é do mesmo jeito, né? Assim, quando a gente fala, escreve, interage, de alguma forma com alguém, é preciso escolher o conteúdo, a forma de dizer e a situação em que se vai dizer,
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 144
sempre em função de quem estará nos escutando ou lendo... é o interlocutor que interfere nessas escolhas... Ed. — Então o jornal faz isso de propósito? Coloca essas fotos que parecem nada a ver, mas tem um motivo por causa do cara que vai ler, se é um cara que tem negócios, empresário, sei lá, tem mais coisas de economia... Tali. — E pro povão tem coisas de novela... artistas... (risos)
Observando a seqüência desses episódios, vemos que os alunos, na
interação com a professora e os colegas, vão construindo os sentidos dos textos
num processo de compreensão ativa (Bakhtin/Volochinov, 1929), já que, no ato de
compreender, o grupo vai tecendo uma série de inter-relações complexas que
enriquecem o já compreendido (a diferença material e de valor dos jornais) com
novos elementos no diálogo dos enunciados (o estilo e o conteúdo de cada página).
O processo de ensino-aprendizagem vai se desenvolvendo, inicialmente,
como vimos observando, a partir da observação da materialidade visual das páginas
(episódio 2), no decorrer das interações, os alunos vão observando o aspecto
particular de estilo dos dois jornais, que se alia ao tema de cada página e os alunos
avançam na construção dos significados: percebem que as escolhas dos
componentes das páginas se realizam em função de um componente que não se
apresenta visual ou verbalmente: os leitores dos jornais, em função de quem as
páginas foram produzidas.
Episódio 6
27/11/2005
Raq. — Poxa, dona, mas por que a gente num percebe, tipo assim, de cara, que essa foto aí desse jeito, num tem nada a ver? Por que quando a gente olha a gente num vê? Só depois é que para pra pensar por que...por que que tem esse sinão aí...? Gis. — Por que é pra gente ficar assim mesmo, com cara de tonto, tipo assim, quem lê num percebe, né, essas coisas... Al.1 — É por que as coisas num são assim na cara... Al.2 — Então tem um jornal pra quem é de mais dinheiro, mais posse, mais estudo e tem outro jornal que é meio que pro povo, que vai ter coisas pro povo ver, mas todos eles têm coisa que a gente só enxerga... Di. — Quando presta atenção!
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 145
No evento acima, notamos os estudantes debaterem a questão da escolha da
fotografia e tirarem suas conclusões sem a interferência direta da professora, nesse
momento, eles vão se ajudando mutuamente no ato da compreensão.
Na seqüência desses eventos, vemos que a tessitura da malha da
compreensão vai sendo feita aos poucos. Inicialmente (no episódio 2), vemos os
alunos buscando como alicerce de seu aprendizado recortes de informações,
observando informações localizadas, separadamente, em seguida, na construção
conjunta que fazem, vão conseguindo observar os aspectos específicos do gênero e
as características peculiares do estilo dos dois jornais. Avançando, percebem que o
conteúdo temático do jornal Folha de S. Paulo traz algo mais, algo que ainda não
definem, mas que, por haverem avançado em sua leitura, inferem que exista.
P. — Mas a página traz mais coisas... Olha, tem essas fotografias aqui, (a professora aponta mais duas fotografias na página) vários homens vestidos de papai noel e vários muçulmanos ajoelhados... Pam. — Tem três fotos e a manchete tá dizendo que a fome cresce no mundo e cai no Brasil... Ed. — O que dá pra entender é que a fome é o assunto de tudo... Di. levanta-se e lê a legenda da fotografia: — “Sino da Igreja de São Geraldo (SP), cujo badalo de chumbo e ferro, de mais de 50 kg, foi roubado” (informação de que teria sido ouro a motivação) Di. — É, dona, é o lance da fome mesmo... Olha esse monte de papai noel aí embaixo... eles tão procurando emprego na Alemanha... No Pólo Norte num tem mais... (Todos riem, vozes se misturam) P. — Eles já arrumaram, veja a legenda... Mas o que dá pra gente pensar, então, sobre essa página? Pam. — Olha, dona, o que eu to pensando... assim... é que isso tem a ver com o lance da fome do governo, como que ta dizendo que o Lula tá mesmo acabando com a fome no Brasil... Ed. — Diminuindo ela, pelo menos... e tem outra coisa, sino também é símbolo do natal, papai Noel... hummm... num sei não, mas parece que quer dizer assim ...tipo assim, tão dizendo que num tem fome no Brasil, mas no Brasil o povo rouba até sino de igreja, rouba coisa do natal por que num tem o que COMÊ!!!!!!! Al.1 (várias vozes se misturam) — É isso mesmo, dona, é dona, o povo tá dizendo que num tem fome, na manchete, mas tem fome... Al.2 — Por isso que o sino taí... pra fazer a gente prestar atenção... Tali. — É, tipo assim, como se o jornal tivesse falando óóó, num é bem assim... P. — É, essa é uma possível leitura disso tudo, das fotos com a manchete... pelo menos agora ta fazendo algum sentido essa fotografia tão grande de um sino embaixo da manchete... (as discussões prosseguem nessa linha, alunos e professora discutem mais sobre essa e outras primeiras páginas que leram)
Nessa seqüência de episódios, que se desenrolam no decorrer de duas aulas,
após quase dois meses de curso em que os alunos estiveram em contato com os
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 146
jornais, aprendendo sobre sua importância no contexto social, sua circulação, seus
efeitos na sociedade, também observando e aprendendo características dos
gêneros ali presentes, escolhas lexicais (tempo verbal nas manchetes), formas de
discurso citado, entre outros conteúdos, podem-se ressaltar alguns aspectos:
1. No início da primeira aula, ao observarem as características das duas
primeiras páginas, os alunos ainda se detêm em procurar respostas em
partes isoladas dos jornais;
2. Aos poucos, vão observando diferentes aspectos que dizem respeito à
construção temática e, a partir desta, percebem o estilo particular de cada
página e vão tecendo a compreensão para discutirem em seguida o tema
de cada uma. Nota-se, também, que a página da Folha de S. Paulo,
provavelmente por parecer mais intrigante, é aquela em que se detém
mais demoradamente;
3. Em todos os momentos, a compreensão foi construída em conjunto, ora
levados pela corrente discursiva do debate em torno das páginas, ora
pelas perguntas da professora.
Encerrando esta seção, gostaríamos então de refletir sobre a questão de
pesquisa que a motivou:
As interações entre os alunos interferem na construção dos significados dos
textos? De que forma?
É possível depreender da seqüência dos eventos desenvolvidos nessas aulas,
que o discurso do outro (parceiro mais desenvolvido) funcionou como mediador na
construção dos significados: as perguntas da professora, direcionando os olhares e
as colocações dos colegas levaram os alunos a irem tecendo suas conclusões. O
conhecimento foi sendo construído coletivamente, em um movimento que Vygotsky,
1930, apontou: Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas
vezes: primeiro no nível social, e, depois, no nível individual ; entre pessoas
(interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). (...) Todas as
funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos
(Vygotsky, 1930: 75). Podemos refletir, com o autor, que os sujeitos participantes
Capítulo 5 – Os sujeitos e os encontros 147
dessa pesquisa foram afetados pelos signos e sentidos produzidos nas relações com
os outros.
Além disso, também pudemos observar, no desenrolar dessas aulas, o gênero
primeira página de jornal impresso sendo utilizado como um instrumento de
mediação semiótica através do qual os alunos atuaram construindo suas
significações, ou seja, vimos a primeira página como mega-instrumento de
aprendizagem; uma ferramenta psicológica no sentido vygotskiano do termo,
(Schneuwly, 1994: 156), um instrumento semiótico que, segundo o autor, deu forma
à atividade de linguagem; uma ferramenta de mediação com a qual os sujeitos agem
sobre o mundo.
Observa-se, também, que os estudantes se detiveram mais ao relacionar o
conteúdo dos textos não-verbais a manchetes, sobretudo quando esses elementos
não apresentavam relação de significação explicitamente, como é o caso da primeira
página do jornal Folha de S. Paulo, objeto de estudo nessas aulas. Por essa razão,
no próximo capítulo, estaremos voltando nosso olhar para as capacidades de leitura
que os alunos utilizaram na construção dos sentidos, em especial, à leitura do todo
de significação entre textos verbais e não-verbais.
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 148
A(S) LEITURA(S) DO JORNAL IMPRESSO
Compreender o texto como compreendia o próprio autor. Mas a compreensão pode e deve ser superior à dele. (...) A compreensão completa o texto: exerce-se de uma maneira ativa e criadora . Mikhail Bakhtin
No capítulo anterior, observamos como a interação entre os alunos e destes
com a professora interferiu na construção dos sentidos dos textos. Este capítulo, por
sua vez, tem como objetivo mais geral observar essa construção dos sentidos,
discutindo o que foi possível ensinar no trabalho com o gênero primeira página de
jornal impresso e o que os alunos efetivamente aprenderam.
Nessas aulas, procurou-se trabalhar a leitura considerada como um processo
de compreensão ativa, no qual os leitores pudessem construir os sentidos dos textos
verbais e não-verbais, observando-os como componente de um todo de significação,
a ponto de desvelar o não-dito presente na dialogia das primeiras páginas. Para
tanto, era necessário percorrer um caminho de ensino; procurar didatizar o gênero
primeira página de jornal impresso de modo a se contemplarem os objetivos
traçados.
De um lado, tínhamos um gênero de circulação em esfera social, com papéis
bem definidos; de outro lado, a esfera escolar e as práticas de leitura a que os
alunos estavam habituados. Refletindo sobre essas duas instâncias discursivas que
se encontrariam para os fins didáticos que nos propusemos a delinear, recorremos,
não somente à literatura de referência sobre a esfera jornalística, como à que trata
do ensino-aprendizagem de língua quanto à didatização de gêneros de circulação
social. Nessa busca, notamos que eram necessárias não somente a seleção dos
conteúdos a serem ensinados e sua observação cuidadosa, mas também a
observação das formas de articulação entre as práticas de linguagem dos alunos e
seu aprendizado.
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 149
Em seu texto Os gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos
de ensino, Schneuwly & Dolz (1997/2004) debatem a questão da necessidade de se
saber como as práticas de linguagem se articulam entre si e com a atividade do
aprendiz, os autores defendem que quanto mais precisa for a definição das
dimensões ensináveis de um gênero mais ela facilitará a apropriação deste como
instrumento e possibilitará o desenvolvimento de capacidades de linguagem
diversas que a ele estão associadas (Schneuwly & Dolz, 1997/2004: 89, ênfase
adicionada). Assim, neste capítulo, buscaremos apresentar e discutir os dados
relativos às capacidades de linguagem – particularmente, as de leitura – que os
alunos, sujeitos de nossa pesquisa, mobilizaram durante as aulas. Para isso, o texto
será organizado em duas seções: a primeira é dedicada à analise dos conteúdos e
das possibilidades de ensino dos conteúdos e das capacidades de linguagem que se
pretendeu trabalhar. A segunda seção pretende observar e discutir mais
detidamente as capacidades de leitura mobilizadas durante o curso, com o objetivo
de responder à nossa última questão de pesquisa:
3. Que capacidades de leitura os alunos utilizam na reconstrução dos sentido?
Que capacidades a proposta de ensino foi capaz de implementar?
6.1. Capacidades de linguagem e ensino de leitur a de primeira página de
jornal impresso
De acordo com Schneuwly & Dolz (1997/2004: 75), a aprendizagem da
linguagem ocorre no espaço que se situa entre as práticas e as atividades de
linguagem. É nesse lugar que se produzem as transformações sucessivas da
atividade do aprendiz, que conduzem à construção das práticas de linguagem.
Assim, era nosso objetivo criar em nossas aulas esse espaço para a
construção de práticas de linguagem no qual os alunos pudessem ser “atores de seu
aprendizado”. Para tanto, organizávamos os alunos aos pares e disponibilizávamos
os jornais a eles; essa organização buscava proporcionar um ensino que levasse em
conta as capacidades individuais de aprendizado em relação ao objeto de estudo e
as potencialidades desse aprendizado na interação com o outro (Vygotsky, 1930).
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 150
Retomando a questão da necessidade de se definir as dimensões ensináveis
para a leitura do gênero primeira página de jornal impresso, exporemos a seguir os
conteúdos selecionados, discutindo as capacidades de linguagem que se pretendeu
mobilizar no ensino de cada um deles.
Sabemos que os autores mobilizaram essas capacidades para trabalhar com
a produção de textos, mas como buscamos tratar da leitura a partir de um trabalho
com os gêneros discursivos, pareceu-nos possível desenvolver as aulas nos
apoiando em seus construtos, sobretudo naqueles quue tratam das particularidades
do aprendizado do gênero.
Quadro 1: Identificação dos componentes das primeiras páginas
07/ 10
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
Identificação dos componentes (gêneros intercalados) presentes nas primeiras páginas
Conhecer as particularidades do gênero (os gêneros que compõem as primeiras páginas). Observar a forma composicional das primeiras páginas
Leitura em dupla das primeiras páginas e anotação dos seus componentes relacionando seus nomes, função e localização.
Capacidades discursivas, referem-se à estrutura global do texto, à observação da forma composicional do gênero.
Nas aulas relativas à identificação dos componentes – gêneros intercalados:
manchetes, fotografias, legendas, entre outros – das páginas, os alunos são levados
a observar estes componentes, objetivando não somente o conhecimento de sua
nomenclatura, levando-os a reconhecer o seu papel e valor no interior do gênero,
mas também para que fossem atentando para os aspectos composicionais das
primeiras páginas. São mobilizadas, nestas atividades, as capacidades discursivas,
particularmente, de observação da forma composicional do gênero. De acordo com
Dolz & Schneuwly (1998), é necessário trabalhar esses aspectos para que se tenha
uma definição clara do objeto a ser ensinado; os autores defendem que é preciso
instrumentalizar os alunos para os conhecimentos sobre o gênero.
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 151
Durante os exercícios e as perguntas surgidas nestes, a professora pôde
também discutir com os alunos a importância das editorias do jornal; ou seja, no
decorrer das duas aulas, o foco do ensino-aprendizagem se alternava: ora sobre os
aspectos presentes nas primeiras páginas, ora sobre o contexto extra-verbal (como
o papel das editorias) que interferiam nesses aspectos.
Nessas primeiras aulas, os alunos logo se mostraram interessados em
manipular os jornais, observando as primeiras páginas e fazendo os exercícios, mas
além disso, também viravam as páginas e liam o que lhes interessava, trocavam os
jornais com os colegas, perguntavam sobre os assuntos, reconhecendo e utilizando-
se, nestes momentos, do papel hipertextual das primeiras páginas. Logo nas
primeiras aulas, a professora chama a atenção dos alunos para a relação entre
fotografia e o tema das manchetes e chamadas presentes nas primeiras páginas
(conferir episódio 7, mais adiante).
Quadro 2: Comparação das primeiras páginas
30/ 10
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
Identificação e comparação dos componentes das primeiras páginas Leitura de charges
Analisar, localizar e comparar os componentes da primeira página em dois jornais diferentes Levar os alunos à leitura d um gênero que alia o verbal e o não-verbal.
Leitura individual e apresentação oral dos componentes das pp da Folha de S. Paulo e do Correio Popular Leitura de charges em duplas e exposição oral pelos alunos
Capacidades discursivas e de apreciação: referem-se não somente à observação da forma composicional do gênero, mas também à observação do contexto de produção e circulação dos jornais.
Nessas aulas, os alunos são convocados a observar os componentes das
páginas, comparando-as, observando o que têm em comum e em que diferem. Para
isso, foram entregues exemplares da Folha de S. Paulo (jornal de São Paulo, mas
com circulação nacional) e do Correio Popular (jornal que circula na cidade de
Campinas e região). Objetivou-se, nesse momento, mobilizar as capacidades de
ação (voltadas ao conhecimento do gênero, seu contexto de produção e circulação),
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 152
como também as discursivas (as quais dizem respeito à infra-estrututra geral do
texto, como sua forma composicional, por exemplo).
No transcorrer dessas aulas, observou-se que a comparação entre as páginas
encaminha para a aprendizagem de duas características do gênero: além de se
proporcionar o conhecimento das características genéricas pela observação da
forma composicional, também se coloca os alunos em contato com o estilo
particular de cada página.
Também compôs essa atividade a observação das charges, que fazem parte
da segunda página do jornal Folha de S. Paulo. Esta leitura de um gênero presente
na segunda página do jornal ocorreu motivada não somente pela curiosidade dos
alunos, que, ao manipularem os jornais, acabavam também por observar as charges
e comentá-las com os colegas e com a professora, mas, além disso, também porque
se trata de um gênero verbo-visual. Aproveitando essa curiosidade, foram
introduzidas no conteúdo, então, aulas de leitura das charges, para que os alunos já
fossem construindo a leitura de imagens. É o primeiro momento em que os alunos
são convocados a prestar atenção aos componentes não-verbais, fundamentais na
construção da compreensão das charges (e das primeiras páginas). Observamos
que eles se detiveram mais em sua leitura, apresentando dúvidas, debatendo com
os colegas, envolvendo-se com a leitura de modo diferente do que demonstraram na
identificação dos componentes verbais.
Quadro 3: Situação de produção e circulação dos jornais
06/ 11
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
História do jornal As empresas jornalísticas e seu papel Observar as fotografias das primeiras páginas
Conhecer a história do jornal impresso e discutir sobre seu papel na sociedade Observar as fotografias, relacionando-as às manchetes à discussão sobre o papel do jornal
Leitura de texto sobre a história do jornalismo impresso e discussão sobre o papel do jornal na sociedade. Leitura em dupla das fotografias, exposição e debate oral.
Capacidades de ação (referem-se à situação de produção e circulação dos gêneros)
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 153
Nessas aulas, as capacidades mobilizadas são principalmente as
capacidades de ação, particularmente, recuperação do contexto de produção do
texto, já que objetivaram situar o gênero histórica e socialmente e observar a as
particularidades da esfera de produção e circulação do jornalismo. Os alunos
discutem o papel da imprensa na sociedade e, no debate, a mídia televisiva é o
assunto de maior destaque. Esse assunto dá abertura para a introdução da
observação das fotografias das primeiras páginas, pois os alunos passam a debater
sobre os modos que os meios de comunicação utilizam para chamar a atenção dos
leitores ou espectadores. Nessa observação das fotografias, nota-se que os alunos
tendem, em sua exposição, a descrever o que vêem.
Quadro 4: Tempos e modos verbais utilizados nas manchetes e títulos
07/ 11
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
Manchetes e títulos: observando os tempos e modos verbais
Encontrar as características específicas presentes nas manchetes e títulos dos jornais Folha de S. Paulo e Correio Popular
Leitura individual e análise das manchetes os títulos de pp, escrita dos achados individuais e discussão em grupo.
Capacidades lingüístico- discursivas, observação das escolhas discursivas -estilo dos jornais
Esse conteúdo objetivou levar os alunos a perceber e discutir a questão da
objetividade dos jornais. As capacidades de linguagem que se objetivou trabalhar
eram as lingüístico-discursivas: observar os mecanismos utilizados nas páginas,
particularmente, o estilo dos jornais. Num primeiro momento, requereu-se dos alunos
que observassem e anotassem os tempos dos verbos presentes nas manchetes dos
jornais. Ao iniciarem o exercício, muitas perguntas surgiram e, na discussão iniciada
pelo grupo, a turma solicitou à professora que lhes ensinasse não somente a
diferença dos modos verbais como também outros tópicos como a diferença
aspectual em tempos verbais, por exemplo. Assim, um novo conteúdo – o ensino de
tempos e modos verbais – foi incorporado, a partir da necessidade dos alunos,
necessidade esta que partiu não somente do conteúdo, mas também do contexto
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 154
espaço-temporal em que surgiu: a aproximação da data de realização do exame do
SARESP.
Com Vygotsky (1930), observa-se que, para que ocorra o aprendizado, é
necessário criar um espaço onde o aluno possa atuar em seu desenvolvimento;
deve-se levar em consideração as suas capacidades individuais em relação ao
objeto de estudo e as suas potencialidades de aprendizado na interação com outros
pares e com a professora. Dessa maneira, um novo conteúdo foi selecionado e
desenvolvido com os alunos:
Quadro 5: Tempos e modos verbais
08/ 11
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
Tempos e modos verbais
Diferenciar os modos verbais indicativo e subjuntivo Discutir a presença do presente nas manchetes e títulos
Aula expositiva e exercício de análise dos tempos e modos verbais nas primeiras páginas. Discussão sobre a utilização do presente do indicativo e do futuro do presente nas manchetes e títulos
Capacidades lingüístico- discursivas (mecanismos de textualização e estilo)
Essas aulas, que objetivaram o ensino dos tempos e modos verbais,
surgiram, como dissemos anteriormente, na situação de ensino-aprendizagem, pois
foram motivadas pelas necessidades dos alunos. Assim, o ensino do tópico
gramatical foi selecionado a partir de um contexto real de uso da língua escrita.
Conteúdo este inicialmente pensado como parte dos conteúdos a serem ensinados
para a compreensão dos jornais, para que os alunos viessem a perceber a presença
recorrente do tempo presente do indicativo nas manchetes como um dos efeitos de
produção do real na imprensa (Grillo, 2001).
Observou-se, nessas seqüências de ensino-aprendizagem – onde as
capacidades lingüístico-discursivas foram mobilizadas para o ensino de leitura – o
ensino de gramática, que não partiu da regra, mas da observação do fenômeno
lingüístico, da língua em uso, ou seja, o ensino de uma gramática discursiva.
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 155
Quadro 6: Discurso citado I
12/ 11
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
Discurso citado
Perceber as formas de inserção do discurso de outrem nos textos jornalísticos
Leitura em duplas para localização das formas de discurso citado
Capacidades lingüístico- discursivas (mecanismos enunciativos), distribuição de vozes e estilo
Esses conteúdos foram selecionados tendo em vista os objetivos
relacionados à desmitificação da objetividade da notícia. Este assunto, como o das
aulas anteriores – tempos verbais presentes nas manchetes – fundamentou-se
principalmente no trabalho de Grillo (2001), que aponta que ambos os recursos
lingüístico-discursivos (tempos verbais e discurso citado) são utilizados, nos jornais
impressos como estratégia de produção do real na imprensa brasileira.
Quadro 7: Discurso citado II
18/ 11
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
Discurso citado
Discutir as diferentes formas de inserção do discurso de outrem
Atividade em grupos: Procurar nos jornais as formas mais recorrentes para a citação do discurso nos jornais
Capacidades lingüístico- discursivas (mecanismos enunciativos), distribuição de vozes e observação do estilo
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 156
Nessas aulas, o objetivo traçado era a observação das diferentes formas de
inserção do discurso de outrem nos textos das primeiras páginas30, trabalhando-se
as capacidades lingüístico-discursivas, especificamente a observação dos
mecanismos enunciativos – a distribuição de diferentes vozes nas manchetes e
chamadas. Nesses exercícios, os alunos deveriam observar e destacar todas as
formas de citação do discurso de outrem que encontrassem, sobretudo nas
chamadas das primeiras páginas. Durante o exercício, os alunos se envolveram com
a atividade, encontrando exemplos variados. Pôde-se avançar na questão do estilo
utilizado pelos jornais para citar o discurso de outrem. Nessas aulas, alguns alunos
criaram uma atividade não prevista anteriormente: brincaram com as chamadas,
substituindo a forma de citação por outra. Essa atividade promoveu a possibilidade
de se observarem que as escolhas lexicais dos jornais partiam de intenções de se
criar a idéia de objetividade nos jornais impressos.
Quadro 8: Comparação de primeiras páginas
27/ 11
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
Comparação das primeiras páginas dos jornais Folha de S.Paulo e Agora S.Paulo
Comparar e discutir o estilo de primeiras páginas de jornais de um mesmo grupo de comunicação
Leitura coletiva dos jornais e debate oral
Capacidades lingüístico-discursivas (estilo) E de ação (voltadas ao contexto de produção e circulação dos jornais)
Os objetivos traçados nestes dias relacionavam-se, principalmente, a levar os
alunos a perceber o estilo de cada jornal, a discutir as escolhas lexicais, de modo a
debater essas escolhas e relacionar o conteúdo lingüístico-discursivo ao contexto de
produção e circulação dos jornais. Todavia, para se alcançar tais objetivos, as 30 É necessário esclarecer que, devido a restrições de extensão do trabalho, não serão abordados
todos os tópicos das diversas aulas ministradas, como por exemplo o tratamento do discurso reportado, mas foram selecionados eventos que julgamos mais relevantes dentro desse amplo contexto, ou seja, aqueles que pudessem retratar melhor o ensino e a aprendizagem dos alunos.
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 157
capacidades mobilizadas nestas aulas foram de diferentes ordens, tanto aquelas
voltadas aos aspectos lingüístico-discursivos, como as capacidades de comparação
de informações, além das capacidades de ação, pois as discussões partiam da
observação das formas lingüísticas e do material pictográfico selecionados e
encaminhavam para os contextos de produção e circulação dos jornais. Nessas
aulas, as fotografias recebem atenção especial dos alunos que começam a
relacioná-las ao tema das manchetes. Desta maneira, mais uma característica
genérica pôde ser trabalhada: a questão do tema e da significação. Objetivou-se
também que os alunos chegassem a discutir a circulação e a apreciação valorativa
dos jornais acerca de seus leitores.
Quadro 9: Desvelando o mito da isenção da notícia
28/ 11
Conteúdo
Objetivos
Atividades desenvolvidas
Capacidades mobilizadas durante as aulas
2 aulas
Desvelando o mito da isenção da notícia
Analisar e discutir as primeiras páginas de diferentes jornais Desvelar os textos possíveis formulados na composição de manchetes e fotografias das pp
Leitura em duplas, exposição oral e debate com o grupo.
Capacidades lingüístico- discursivas e de ação
Nessas aulas, o objetivo principal era levar os alunos a perceber a dialogia
presente nas primeiras páginas, o não-dito, o tema, perceptível através da relação
dos textos não-verbais e verbais selecionados. Inicialmente, as capacidades
pensadas para este momento foram as lingüístico-discursivas e de ação,
mobilizadas a partir da observação do plano global do texto e dos tipos de seqüência
e discurso; contudo, a observação e conclusões dos alunos encaminharam nossa
análise a uma outra questão:
A leitura de textos que aliam a materialidade verbal ao não-verbal mobiliza
outras capacidades de linguagem? Sobre essas questões discorreremos na seção
que segue.
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 158
6.2. Ler é entender o que tá escrito... e o que não tá e scrito também... é
compreender
A introdução do jornal impresso na escola pública, como dissemos
anteriormente, não é fato novo. Mesmo os alunos sujeitos de nossa pesquisa tinham
contato com jornais impressos em seu ambiente escolar diariamente, já que a escola
escolhida como locus da pesquisa fez parte, naquele ano, do projeto Correio Escola,
uma parceria da Rede Anhangüera de Comunicações e escolas da rede pública de
Campinas.
Este projeto previa, como expusemos no capítulo 4, a entrega de exemplares
diários do jornal Correio Popular, e a capacitação de professores, nas quais estes
recebiam instruções variadas de desenvolvimento de trabalhos com o jornal de
maneira interdisciplinar. Além disso, os exemplares eram expostos no pátio escolar,
o que colocava os alunos em contato com o jornal impresso diariamente.
Mesmo com este contato constante com o jornal, a cada aula de leitura, os
alunos se mostravam sempre interessados e participativos. Desde o momento em
que recebiam os jornais, os alunos já começavam a ler suas manchetes, viravam as
páginas, discutiam seus conteúdos.
Nas aulas iniciais, que se dedicavam principalmente ao conhecimento do
gênero, particularidades de sua construção composicional, de sua esfera,
observávamos os alunos preocupados com as questões que levantávamos (boa
parte delas para serem respondidas por escrito). Nesses momentos, muitas eram
suas perguntas quanto ao tipo de resposta que deveriam dar. Uma vez que cada
dupla recebia um exemplar diferente do de seus colegas, as respostas não se
repetiam, o que gerava certa insegurança nos alunos, e, provavelmente, também um
maior interesse pelas atividades:
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 159
Episódio 7
07/10/2003
Os alunos estão divididos em duplas e observam diferentes primeiras páginas
dos jornais Folha de S. Paulo e o exercício solicita que observem manchetes, os
títulos das chamadas, legendas, cabeçalho dos jornais, fotografias, atentando para
sua localização nas páginas e seu conteúdo (uma página fotocopiada com os
verbetes legenda, manchete, olho, foto-manchete etc., extraídos de um manual de
redação de jornal, foi entregue a cada dupla para que observassem os verbetes e os
relacionassem aos componentes das páginas):
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 162
Cam. — Ô dona, precisa copiar? P. (dirigindo-se a todos) — É, vocês poderiam colocar a data do jornal que estão observando e que manchete ele traz, também dizer quais são as fotografias... Coloquem também o que o jornal traz no cabeçalho... Olhem na folha que eu dei para conferir se vocês estão dando os nomes corretos às partes do jornal... And. — Mas o que é pra falar da foto? É pra copiar o que tá embaixo...? P. — Como é o nome do que vem escrito embaixo de uma foto? Lembra? A gente já viu... Als. respondem: — É legenda... P. — Então é interessante colocar também o conteúdo das legendas... P. — As fotografias... seria legal se vocês conseguissem descrever o que elas trazem, qual é o seu assunto... (...) Adel. — Ô dona, esse jornal aqui, a foto tá mais em cima... a...como chama mesmo?... Tá debaixo da foto... P. — Interessante isso, Adel. Alguém mais tem um jornal assim? Vamos olhar os jornais, levantem as páginas... Olha, o que aparece mais em cima? (aponta para a manchete de um deles) Como é mesmo o nome disso aqui? Als. — Manchete... P. — Essa foto do jornal do Adel. está no lugar da manchete, é chamada foto-manchete... (...) P. — Vocês estão vendo algo em comum nesses jornais? Qual é o principal assunto dessas páginas? Al.1— Guerra.. Als. — Quase todos tão falando da guerra... Lê. — Do Iraque... P. — Vocês têm acompanhado as notícias sobre o que está acontecendo no Iraque? Adel. — É a reação dos Estados Unidos ao ataque... Al.1 — É o assunto mais falado quando teve o ataque do 11 de setembro, os Estados Unidos procurando os culpados... (vozes se misturam). Os alunos passam a debater as questões que envolvem a invasão ao Iraque. (...) A professora seleciona dois dos jornais e leva ao quadro, chamando a atenção dos alunos para eles. P. — Pessoal, preste atenção nesses jornais... Qual é o assunto das manchetes? Ju. — ONU... Jac. — Crescem as reações anti-EUA no Iraque! Fla. — Estados Unidos... Al.3 — EUA devem in..ten...sificar ação di...plo...mática na ONU... Lê. — Tão falando dos Estados Unidos e do Iraque... Inicialmente, o que chama a atenção nesse episódio é a famosa frase
modelar das práticas escolares: Precisa copiar? De tal modo habituados a atividades
escolares que envolvem a reprodução pela cópia, os alunos tendem a reproduzir,
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 163
mesmo nas aulas de um projeto de leitura, aquilo que compreendem faça parte de
uma atividade escolar: o exercício de copiar informações.
Outro dado que se pode observar nesse episódio é os alunos procurarem
alicerçar a construção dos sentidos dos textos principalmente em seu conhecimento
de mundo, levantado a partir das perguntas da professora e da corrente discursiva
gerada nas discussões do grupo; além disso, procuravam fundamentar seus
construtos na localização das informações nos textos das chamadas. Alguns deles
extraem palavras das manchetes; outros repetem, revozeando, aquilo que está
escrito:
Ju. — ONU... Jac. — Crescem as reações anti-EUA no Iraque ! Fla. — Estados Unidos... Al.3 — EUA devem in..ten...sificar ação di...plo...mática na ONU... Lê. — Tão falando dos Estados Unidos e do Iraque...
Não se observa, nesse evento, a construção dos sentidos desses textos por
parte dos alunos: é como se estivessem passivos diante daquilo que têm de
compreender, já que apenas reproduzem o já dito. Bakhtin/Volochinov (1929),
discutindo esse tipo de leitura, defende que :
A compreensão passiva do significado lingüístico de um modo geral não é
compreensão; é apenas seu momento abstrato, mas é também uma
compreensão passiva mais concreta do sentido da enunciação, da idéia do
falante. Permanecendo puramente passiva, receptiva, não trazendo nada de
novo para a compreensão do discurso, ela apenas o dubla, visando, no
máximo a reprodução completa daquilo que foi dado de antemão num
discurso já compreendido: ela não vai além do limite do seu contexto e não
enriquece aquilo que foi compreendido (Bakhtin, 1934-1935/1975: 90, ênfase
adicionada).
Quando as questões da professora se dirigiram às fotografias, os alunos
parecem hesitar um pouco mais em responder:
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 164
Episódio 8
07/10/2003
P. — E as fotografias?... O que vocês me dizem dessas fotos? (aponta para as foto-manchetes) Lê. — (apontando para um dos jornais) Nessa daí tem um homem em cima dum troço. Al.1 — Na outra tem batata frita... (risos) Al. 2— O que é isso na cara do cara? Adel. — É uma máscara... A.P. — Parece com a propaganda do Mc Donald’s... Al.3 — É uma fotografia do Mc Donald’s!... And. — O homem daquela tá em cima duma bota... P. — Vocês não viram na televisão nenhuma imagem parecida com essa? Não se lembram de ter visto? (os alunos levantam-se, observam as fotografias e dão risadas, falam frases inaudíveis... voltam aos seus lugares) Adel. — O cara tá em cima de uma estátua do Saddam... P. — Muito bem, Adel...(o garoto continua falando) Adel. — Dona, tipo assim, eu li né... (o garoto dá risadas) Tá escrito aí do lado... Como se vê, ao falar do conteúdo temático das fotografias, os alunos se atêm
a descrevê-las, focalizando os elementos das imagens de maneira isolada; não
parecem observar as fotografias como textos que trazem um conteúdo de
significação e um tema, nem fazem comentários que revelem que tenham visto a
relação da ironia presente na fotografia da propaganda do Mc Donalds e a legenda:
Soldado americano passa por estande de fast food no Kuait, durante treinamento
para possível ação no Iraque. Quando Adel. descreve o que viu na fotografia da
estátua, dá risadas, por que leu o que estava escrito ao lado do homem retratado,
em uma legenda deslocada para dentro do corpo da fotografia. Provavelmente, o
menino ri porque seus colegas já tinham olhado para a fotografia e não tinham visto
a legenda. A risada do garoto parece ironizar o fato de que a compreensão do
conteúdo da fotografia poderia estar na leitura do texto escrito, ignorado por seus
colegas.
Percebe-se, nessa seqüência, que os alunos buscam a compreensão
alicerçada naquilo que reconhecem, sobre o que têm segurança. Também na
observação das fotografias, eles alicerçam seus construtos de sentido sobre o
conhecimento de mundo que trazem:
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 165
A.P. — Parece com a propaganda do Mc Donald’s...
Al.3 — É uma fotografia do Mc Donald’s!...
É necessário comentar, neste ponto, que o objetivo das aulas desse dia era
colocar os alunos em contato com os componentes particulares do gênero para que
percebessem seu papel e para que também fossem atentando para os aspectos
composicionais da primeira página. Dessa maneira, não era nosso objetivo
específico, nesse momento, preocuparmo-nos com o que os alunos conseguiam ou
não ler. Era preciso constituir as diferentes etapas de ensino-aprendizagem
traçadas, para que eles relacionassem os textos verbais aos não-verbais e fossem
se apropriando das características do gênero, até que pudessem chegar a ler o todo
enunciado formado nas primeiras páginas e a desvelar o não-dito, muitas vezes aí
presente.
Uma dessas etapas de ensino-aprendizagem consistia na observação dos
tempos e modos verbais presentes nas manchetes e títulos. Como expusemos
anteriormente, essas aulas tinham, como atividades preparadas pela professora, a
observação, seleção e reflexão sobre os tempos e modos verbais. Todavia, no
momento de se realizar a tarefa, os alunos demonstraram não conhecer ou ter
dúvidas sobre esta categoria lingüística. Assim, novas aulas foram desenvolvidas,
nas quais, a partir das dúvidas e colocações dos alunos, pôde-se ensinar o conteúdo
gramatical. A seguir, será exposto o recorte que fizemos sobre o ensino desse
componente gramatical, apresentando somente a parte que trata da diferença dos
modos verbais:
Episódio 9
07/11/2003
P. — Vamos pensar em uma frase bem simples, por exemplo, “eu amo”. Em que tempo está este verbo aqui? Als. — Presente! P. — Presente! ... Qual é o modo? Al. — (bem baixinho) Modo indicativo... P. — Modo indicativo. Muito bom... E o que é o modo indicativo? Vocês sabem a diferença entre os modos verbais, o que eles representam? Nesse momento, a professora passa a explicar as diferenças entre os modos verbais: P. — Modo indicativo indica fato real. Olha... “eu te amo...”! (alunos dão risadas)
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 166
Al.1 — Eu não te amo! (Fala, dirigindo-se a uma colega) Muitas risadas se ouvem e a professora aproveita e diz... P. — Qual a diferença entre esse “Eu não te amo” e “se eu te amasse”... (mais risadas) P. — É igual? ... Se eu amasse... é um fato real? (Os alunos balançam a cabeça e respondem não em uníssono) P. — E vocês sabem dizer por que não é igual... Onde está a diferença? P. — Há uma diferença de tempo, mas há o que realmente difere os dois é o que o “Eu te amo”, ou o “NÃO te amo” indicam fatos reais e o “se eu amasse”, indica fato hipotético, vocês sabem o que é isso?... Hipótese? Le. — É como uma dúvida ...tipo assim ...pode ser... P. — Isso. Fato hipotético é algo que pode ou que não pode acontecer. Não é certo... P. — Quem pode me dar outro exemplo? Cam. — Se a Jac. estudasse... (risos)...num levava pau... P. — É um bom exemplo... (A professora prossegue a aula falando sobre os tempos do modo indicativo e do subjuntivo). Mais adiante, o grupo retoma as manchetes e a professora diz aos alunos: P. — Eu quero saber o seguinte: O que vocês conseguiram perceber analisando os verbos dos títulos das chamadas e das manchetes? Elis. — Que todos estão no presente... Als. — Todos estão no presente... Al.1 — Presente do indicativo... P. — Apareceu algum que não esteja no presente do indicativo?... Als. — Aqui... Ed. (Levanta a mão. A professora diz ao menino que fale para todos o que encontrou.) Ed. — Cães terão regra de segurança. (A professora repete o título da chamada e o menino balança a cabeça afirmativamente. Então a professora pergunta:) P.— Em que tempo está esse verbo? Pam. — Futuro...(vozes se misturam)... do indicativo.. é certeza... (A aula prossegue com os alunos lendo em voz alta as manchetes e títulos e indicando os tempos verbos. Em um dado momento, a professora pede que eles reflitam sobre o que encontraram): P. — Depois de a gente ver todos esses, não dá para vocês tirarem uma regra sobre os títulos das chamadas e notícias? O que vocês perceberam de comum na maioria delas? Als. — Estão no presente. P. — Isso, a maioria está no presente Al.2. — O que num tá no presente, tá no futuro... Pam. — Mas é sempre do modo indicativo... P. — Por que será que isso acontece? Vamos pensar? Depois de alguma discussão sobre essas escolhas de tempo e modo verbal
nos títulos, a professora passa a discutir os efeitos de sentido dos verbos no
presente e no futuro do presente do indicativo como uma das marcas lingüístico-
discursivas utilizadas pelos jornais para a criação do efeito de real (Grillo, 2001).
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 167
Ed. — Quer dizer que a escolha do verbo é pra fazer parecer que é verdade então? Pam. — Então, pela escolha do verbo, o jornal quer passar, assim, uma idéia de alguma coisa como sendo verdade, né? Nessa seqüência, podemos observar, com Bakhtin/Volochinov (1929), que os
alunos não conseguiam aliar o conhecimento lingüístico (os tempos verbais) à
necessidade de leitura daquele momento, seu (des)conhecimento sobre o fato
lingüístico não possibilitava a compreensão, pois, segundo o autor:
Enquanto uma forma lingüística for apenas um sinal e for percebida pelo
receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor lingüístico. A
pura ‘sinalidade’ não existe, mesmo nas primeiras fases de aquisição da
linguagem. Até mesmo ali, a forma é orientada pelo contexto, já constitui um
signo, embora seja real. Assim, o elemento que torna a forma lingüística um
signo não é sua identidade como sinal, mas sua mobilidade específica; da
mesma forma que aquilo que constitui a descodificação da forma
lingüística um signo não é o reconhecimento do sina l, mas a
compreensão da palavra no seu sentido particular, i sto é, apreensão da
orientação que é conferida à palavra por um context o e uma situação
precisos, uma orientação no sentido da evolução e não do imob ilismo
(Bakhtin/Volochinov, 1929: 94, ênfase adicionada).
Saindo do imobilismo, os olhares se voltam às manchetes e o grupo passa a
discutir se as notícias veiculadas são verdadeiras. Nessa discussão, a professora
retoma o tópico do papel da imprensa na sociedade e os alunos trazem suas
opiniões sobre os programas de televisão e sua influência etc. Vemos, então, a
compreensão da palavra no seu sentido particular, i sto é, apreensão da
orientação que é conferida à palavra por um context o e uma situação precisos.
Essas aulas encaminham nossa reflexão para os tipos de práticas de linguagem que
ali se desenvolveram. Em um primeiro momento, temos a observação de um fato
lingüístico que geraria uma discussão sobre as escolhas lexicais dos jornais
impressos e os motivos dessas escolhas. No momento seguinte, no entanto, o grupo
se distancia desse objetivo inicial – já que não domina o conhecimento requerido na
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 168
atividade para a apreensão dos significados que estão sendo construídos
coletivamente.
Retomando Vygotsky (1930), vemos, portanto, que as capacidades individuais
de aprendizado em relação ao objeto de estudo – a observação dos tempos verbais
das manchetes e dos títulos – motivaram a retomada do assunto, redirecionando o
ensino: sozinhos, os alunos não encaminhariam seu aprendizado; nesse momento,
pode-se observar a professora no papel de mediadora do conhecimento, isto é,
auxiliando os alunos nas tarefas que não conseguiram realizar individualmente. É o
que Vygotsky defende ocorrer em uma situação de aprendizagem, a criação de um
espaço onde o aprendiz pode atuar como sujeito de seu aprendizado, na realização
das tarefas que consegue executar e as potencialidades desse aprendizado na
interação com o outro.
O autor pondera, ainda, que é preciso refletir sobre a relação do objeto de
ensino com o processo de desenvolvimento do aprendiz, é preciso observar que
essa relação se modifica quando o aluno passa de um nível de aprendizado a outro.
Vygotsky defende que os processos de desenvolvimento não coincidem com os
processos de aprendizagem, os primeiros vêm atrás dos segundos, que criam as
zonas de desenvolvimento imediato. E o autor prossegue, apontando que sua
hipótese estabelece a unidade mas não a identidade dos processos de
aprendizagem e dos processos internos de desenvolvimento. Ela pressupõe a
transformação de um em outro. (Vygotsky, 1935: 486)
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 170
Episódio 10
28/11/2003
Nessas aulas, algumas primeiras páginas são expostas no quadro negro e a
professora vai lendo, em voz alta, suas manchetes e chamadas, solicitando aos
alunos que procurem relacionar as fotografias aos textos verbais presentes nas
páginas:
P. — Pessoal, observem esta manchete: “Cresce a aprovação do governo Lula”... Agora vejam a fotografia... Le. — Ô dona, é uma foto bonita... enorme, mas o que tá escrito na legenda? P. — Muito bem, Le. Você lembrou bem...é importante observar a legenda... (alunos levantam-se e observam atentamente a página e seus enunciados) Le. lê em voz alta: — “Grávidas da campanha - Mulheres que apareceram grávidas em peça de propaganda do então candidato L ula, veiculada na televisão em 2002; agora, quando o governo petista entra no nono mês, elas fazem críticas, mas revelam paciência com a si tuação do país e também esperança no futuro” (Após a leitura, alguns dos alunos começam a expressar frases de reconhecimento, como se tivessem já compreendido o que a professora ainda não havia perguntado) (A.P. se aproxima de Lê e ambos vão fazendo a leitura, o resto da sala ouve e interrompe com frases de concordância:) A.P. — Ah , dona, esse tá fácil: olha... (fala baixinho) Lê. auxilia a colega: — É mesmo dona, olha só...tipo assim: A manchete diz que o povo tá aprovando o governo do Lula, né? A.P. — E daí aparece essa foto bem bonita, cheia de mulher com bebezinhos no colo e o povo, tipo assim, bate o olho e pensa: “hum o governo tá bom”... Le. Interrompe a colega e diz: — Só que isso num é verdade, dona... Por que se olhar a legenda da foto... (Faz-se um alvoroço na sala e Ju. lê a legenda novamente:) Ju. — “Grávidas da campanha - Mulheres que apareceram grávidas em peça de propaganda do então candidato Lula, veiculada na televisão em 2002; agora, quando o governo petista entra no nono mês, elas fazem críticas, mas revelam paciência com a situação do país e também esperança no futuro”... A.P. — É , dona, se olhar bem, o jornal quer passar a idéia pro povo de que o governo ta bom, mas quem ler pra valer, vai ver que num é isso... Andri. — É por que tem essa foto bonitinha, mas a legenda fala que elas não tão contente com o governo... Lê. — É, elas tão criticando... Esse episódio, diferente dos anteriores, mostra os alunos em um outro nível
de domínio de certas características composicionais do gênero primeira página de
jornal impresso; não hesitam mais em nomear gêneros que o compõem:
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 171
Le. — Ô dona, é uma foto bonita... enorme, mas o que tá escrito na legenda ?
Com Bakhtin (1974/1979), vemos que a compreensão também ocorre
quando o alheio se transforma pessoal:
Palavra do outro e palavra pessoal. A compreensão concebida como
transmutação em “alheio-pessoal”. O princípio de exotopia. A complexa relação
entre o sujeito compreendente e o sujeito compreendido, entre o cronotopo do
criado e o cronotopo do compreendente que introduz a renovação (Bakhtin,
1974/1979: 412).
Podemos perceber, no exemplo acima que os alunos começam a reproduzir
aquilo que efetivamente aprenderam: a fala da professora transparece na do aluno, é
aquilo que Vygotsky (1930) chamou de processo de internalização - no discurso do
aluno o desvelar de seu aprendizado – com o autor, percebemos o aluno sendo
afetado pelos signos e sentidos produzidos nas relações com os outros Vygotsky,
1930: 75).
Além disso, pode-se observar a facilidade com que vão relacionando o
conteúdo da legenda ao que se encontra na fotografia. Nesse evento, diferente dos
anteriores, quando o colega lê a legenda em voz alta, ouvem-se expressões de
concordância, interjeições, risadas: os alunos respondem ao enunciado, mesmo
antes de a professora formular claramente o que espera que eles percebam nas
relações de significação entre manchete, fotografia e legenda.
A.P. — Ah , dona, esse tá fácil: olha... (fala baixinho) Esse exemplo também nos desvela outro nível de aprendizado. Inicialmente,
os alunos se restringiam a reproduzir aquilo que enxergavam nas imagens ou a
repetir o que estava escrito. Nesse momento, a leitura dos alunos passa de mera
reprodução (verbalização) do que vêem para uma leitura inferencial, já que vão
construindo os sentidos através da reflexão sobre as relações entre a imagem e os
textos escritos, relacionando-os também ao contexto de produção dos textos. O
tema surgido do diálogo entre os textos verbais e não-verbais, só é passível de ser
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 172
apreendido através de uma leitura que desvela a dialogia entre eles e o contexto de
produção em que foram criados. Nesse evento, vemos os alunos apreendendo o
tema, respondendo ativamente a ele, lançando mão, mais uma vez, da capacidade
de réplica. No momento da compreensão ativa, o ato de ler se torna “fácil”.
Observa-se, também, que a dupla A.P. e Le. vai construindo conjuntamente
os sentidos dos textos, em um processo que possibilita e facilita a construção dos
conhecimentos. É esse processo interacional que faz com que eles possam ir se
constituindo como sujeitos de seu aprendizado, já que, de acordo com Vygotsky
(1930), este [o aprendizado] desperta vários processos internos de desenvolvimento,
que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em
seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros (Vygotsky, 1930:
117-118).
(A.P. se aproxima de Lê e ambos vão fazendo a leitura, o resto da sala ouve e interrompe com frases de concordância:) A.P. — Ah , dona, esse tá fácil: olha... (fala baixinho) Lê. auxilia a colega: — É mesmo dona, olha só...tipo assim: A manchete diz que o povo tá aprovando o governo do Lula, né? A.P. — E daí aparece essa foto bem bonita, cheia de mulher com bebezinhos no colo e o povo, tipo assim, bate o olho e pensa: “hum... o governo tá bom”... Le. Interrompe a colega e diz: — Só que isso num é verdade, dona... Por que se olhar a legenda da foto... Faz-se um alvoroço na sala (...)
De acordo com o autor, essa interação é importante pois é através dela que o
homem se comunica e vai se constituindo através das relações interpessoais. Essas
relações permitem a categorização do mundo, a possibilidade de abstração e
generalização dos objetos. Esse processo interacional de construção de
conhecimentos promove a compreensão: o alvoroço que se ouve na sala revela a
atitude responsiva dos alunos frente ao que estão compreendendo; é, no dizer de
Bakhtin (1970-1971: 382), o encontro com o que é grande, concebido como
encontro com o que determina, obriga, envolve, é o momento supremo da
compreensão .
Refletindo mais detidamente sobre as capacidades de leitura a que os alunos
recorrem nesses eventos, observamos como o aprendizado interferiu para a
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 173
construção dos significados. Em primeiro lugar, temos o conhecimento dos alunos
sobre o gênero primeira página de jornal impresso. Nesse evento, os alunos, além
de nomearem mais adequadamente os gêneros intercalados na primeira página, já
demonstram reconhecer as características peculiares dessa intercalação. Percebem,
então, que esse gênero se compõe de outros intercalados que dialogam ativamente
entre si e que esse diálogo entre os gêneros produz novos significados que precisam
ser apreendidos. Em segundo lugar, vemos a capacidade de relacionar as
informações, daquelas que vão lendo no jornal às que se referem ao contexto de
circulação do gênero – no momento de produção e circulação da página, começa no
país um certo desagrado com relação ao governo Lula –.
Em terceiro lugar, vemos a capacidade de inferência dos alunos quando
apreendem, na leitura das informações verbais e não-verbais, a apreciação
valorativa do jornal sobre seus leitores:
A.P.— É, dona, se olhar bem, o jornal quer passar a idéia pro povo de que o governo tá bom, mas quem ler pra valer, vai ver que num é isso...
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 175
Episódio 11
28/11/2003
Algumas primeiras páginas dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo estão expostos no quadro negro. Os alunos começam falar sobre o que vêem
estampado nas páginas. Leo. pergunta:
Leo. — O que é isso aí, é um barco? P. — É um barco... P. — Eu vou ler as manchetes e as legendas das fotos... (...) P. — Olha só, vocês lembram aquela aula, que a gente discutiu, sobre o mito da notícia?... Se ela é isenta... ou não é isenta... Pensa agora, constrói na sua cabeça uma relação entre essa manchete e essa foto aqui... Al.1 — É o que está escrito ali... se tem a ver...??? P. — Não tá escrito... Quero que vocês vejam o que não está escrito... A intenção por trás do jornal... Ed. — Bancada do PT... Al.1— É um barco, né? (referindo-se à fotografia). Num tô vendo nada de barco, ali... (referindo-se a manchete). Ed. — É...... os projetos de Lula indo por água abaixo... P. — Muito bemmmm!!!!!! Als. — Ehhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!! Al.2—Olha só que menino inteligente!! (grande algazarra) P. — Olha só, moçada... Na verdade, se a gente for observar, nas coisas escritas... O que está escrito, não tem relação nenhuma realmente, mas essa não relação, é feita de propósito, para aparecer um outro texto, que é esse texto que o Ed. acabou de falar, que é o quê? Que os projetos de Lula estão naufragando... O episódio transcrito acima apresenta um pequeno trecho de aula em que os
alunos vão atribuindo sentidos aos textos verbais e não-verbais, procurando
desvelar o não-dito como um elemento de tema nas primeiras páginas de jornal. Já
mais acostumados a observar as fotografias e manchetes, os olhares dos alunos se
direcionam não somente ao conteúdo das fotografias, mas também procuram
estabelecer relações entre as informações da materialidade verbal e a pictográfica.
Como vimos no capítulo 3 deste trabalho, uma aprendizagem realmente
significativa ocorre quando os leitores são capazes de aliar a materialidade verbal à
pictográfica. Desse modo, podemos notar nestes episódios que os alunos recorrem
a outras estratégias de compreensão:
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 176
Al.1 — É um barco, né? (referindo-se à fotografia). Num tô vendo nada de barco, ali... (referindo-se a manchete).
Na atitude responsiva do Al.1 ao observar a fotografia e a manchete,
podemos notar que o garoto – de modo totalmente diverso do que ocorria no
episódio 1 (exposto no capítulo anterior) ou no episódio 8, em que os alunos se
atinham a descrever as imagens presentes nas fotografias – observa a fotografia,
procurando construir sentidos não somente naquilo que está explícito e que pode
descrever, mas também aliando o que vê (a imagem de um barco) ao que está
escrito na manchete. Observamos, neste evento, que a localização de informações
se torna mesmo uma estratégia de construção de significados. Como um degrau que
se alcança mais facilmente e que conduz a outro no processo de atribuição dos
sentidos. Observando a fotografia, o aluno procura galgar um outro degrau que o
auxilie a compreender o que lê. Este episódio revela a localização de informações
não somente como reprodução, mas como uma etapa da construção da
compreensão dos textos. Inicialmente, víamos os alunos localizando informações se
atendo somente a verbalizar aquilo que viam. De diferente modo ocorre nesse
momento, a localização é a base que o levará a desvelar a intertextualidade dos
textos.
Conforme apontamos no capítulo 3, na leitura de textos multimodais, a
construção dos sentidos parte de estratégias de observação da multimodalidade,
que envolvem a seleção, verificação e organização das informações da sintaxe
visual para que ocorra a integração das informações verbais e não-verbais.
Concluimos, naquele capítulo, recorrendo à literatura acerca da
multimodalidade, que a leitura de textos multimodais requer do leitor a capacidade
de observar e conjugar as informações da materialidade verbal à pictográfica,
relacionando-as no ato de construção dos sentidos dos textos.
A partir dessa integração e conjugação dos sentidos dos textos verbais e não-
verbais, os leitores podem perceber o todo unificado de sentido que se compõe
através da integração dos materiais verbais e não-v erbais, ou seja, a leitura dos
textos multimodais requer do leitor a ativação de diversas capacidades de leitura
aliadas à organização e observação das informações, através das quais o leitor
constrói um todo de significação.
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 177
Quando observamos, no episódio acima, o aluno Ed. expressar a sua
compreensão daquilo que apreende da página analisada “— É...... os projetos de
Lula indo por água abaixo...” , podemos refletir que o aluno inferiu o tema do texto
não mais preso ao léxico utilizado nas manchetes, nem tentando reproduzir o que se
achava escrito na legenda, mas foi capaz de perceber a ambigüidade presente entre
os enunciados verbais em relação com o conteúdo temático da fotografia. De acordo
com Brait (1996: 71),
É possível flagrar a ambigüidade, reconhecendo um efeito de sentido irônico,
humorístico, desde que seja estabelecida uma relação literal entre a foto e a
imagem, ou seja que se leia o texto como legenda da foto ou a foto como
ilustração do texto.
A expressão ‘estão indo por água abaixo’ que não está escrita em nenhum
lugar da página, desvela o todo de significação composto por ambos enunciados que
o aluno foi capaz de apreender no seu ato de compreensão.
Retomando Bakhtin (1970-1971: 382), à epigrafe deste capítulo, refletimos
que a compreensão completa o texto: exerce-se de uma maneira ativa e criadora. É
essa compreensão ativa e criadora que vemos os alunos irem exercendo durante as
aulas ministradas. Se pensarmos com Schneuwly & Dolz (1997/2004) sobre as
práticas de linguagem desenvolvidas e aquilo que se pode ensinar durante as aulas,
poderíamos dizer que estas se constituíram como um espaço de construção
conjunta de significados e temas dos textos através da interação, de forma que o
outro interferiu de maneira fundamental nesses construtos e o gênero primeira
página de jornal impresso atuou como um instrumento de ensino-aprendizagem de
leitura que possibilitou a ampliação das capacidades de leitura dos alunos, através
da observação e integração dos materiais verbais e pictográficos.
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 178
Episódio 12
28/11/2003
Os alunos observam vários jornais, a professora pede à Cam. que leia um deles:
(A aluna, intimidada, responde, baixinho) Cam.— É só pra ler, né, professora? A professora chama a atenção dos alunos: — Moçada, ajuda aqui a Cam. Pedi a ela que lesse aqui (aponta para o jornal, afixado no quadro negro) e ela disse: “É só pra ler né, professora?”... Eu disse: É...na minha concepção de leitura... Como é que eu concebo a leitura? O que é ler... pra mim? Nesses meses que vocês estão comigo... O que é ler? Cam. — Vai gente, me ajuda aqui... Al.1 — É entender... Al.2 — É entender o que tá escrito... Al.3 — É compreender ... do meu jeito... (os alunos dão essas respostas quase simultaneamente) P. — Escrito? (vozes se misturam)... Als. — Não... Al.3 — Não.... não é só... isso... Dan. — É entender... o que tá e o que não tá escrito també m... é compreender... Retomando a questão de pesquisa que motivou este capítulo, podemos
refletir que, inicialmente – conforme demonstram os episódios 7 e 8 –, os alunos
alicerçavam a construção dos significados dos textos em duas capacidades de
leitura principais: o conhecimento de mundo que traziam e a localização de
informações. No transcorrer do curso, pudemos observar como o conhecimento
sobre o gênero foi promovendo novas possibilidades de leitura, indicando novos
caminhos para as reflexões que iam sendo tecidas no ato de compreender. Nesses
momentos de interação é onde melhor notamos o ato de leitura como um processo
de compreensão ativa, em que as palavras do outro – colega ou professora –
constituíram elos na cadeia da enunciação verbal que se ligavam e construíam
novos sentidos.
Inicialmente, observou-se que os alunos – ainda não habituados à
observação e análise de textos não-verbais –, quando liam uma imagem, como as
foto-manchetes, apenas se atinham a descrever o que estava retratado, sem atribuir
uma unidade de significação às imagens.
Refletindo sobre os dados, referentes às capacidades de leitura, aliados aos
que correspondem às práticas letradas dos alunos dentro e fora da escola,
Capítulo 6 – A(s) leitura(s) do jornal impresso 179
apresentados no capítulo anterior, podemos concluir que essas práticas – ler
jornais, revistas e livros, ainda que eventualmente – contribuíram para que os alunos
se envolvessem com o projeto de leitura que desenvolvemos. Poderíamos refletir
sobre os dados de suas capacidades letradas como o seu nível de desenvolvimento
real (Vygotsky, 1930). Sua participação interessada que, muitas vezes, ampliava a
leitura prevista (da primeira página para as demais), promoveu muitos debates e
ampliou as possibilidades de ensino-aprendizagem, como foi o caso das aulas sobre
charges ou das discussões sobre o papel da imprensa na sociedade, por exemplo.
Pudemos observar o gênero primeira página de jornal impresso atuando
como instrumento mediador da aprendizagem e vimos os alunos avançar em seu
conhecimento. O desenvolver do processo de ensino-aprendizagem procurou
proporcionar as possibilidades de aprendizado dos gêneros não-verbais,
intercalados na primeira página do jornal impresso, e aliá-los também aos textos
verbais para que os alunos conseguissem construir os sentidos dos textos e chegar
a entender... o que tá e o que não tá escrito também. .. (a) compreender...
Capítulo 7 – Considerações Finais
180
CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________
Inicialmente, a idéia desta pesquisa partiu como resposta a uma demanda por
trabalhos que desenvolvessem propostas de ensino-aprendizagem, em que os
gêneros discursivos fossem considerados como objetos de ensino. Percorrendo o
caminho apontado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), buscamos
responder a alguns questionamentos iniciais: Quais gêneros são adequados para
um trabalho profícuo com a língua materna? De que forma ensiná-los? Quais os
aspectos seriam mais relevantes no ensino de língua materna em contexto de escola
pública brasileira?
Para responder a essas questões iniciais, procuramos conhecer os trabalhos
que já vinham sendo desenvolvidos e seu aporte teórico. Tivemos acesso, assim, a
relatos de experiências, realizadas no Brasil e no exterior, marcadamente na Suíça
francófona. Observamos que seu principal foco de ensino-aprendizagem é a
produção escrita do aluno, em que os gêneros são tomados, um a um, esmiuçados
quanto ao seu conteúdo, construção composicional e estilo. Pareceu-nos
interessante procurar desenvolver um trabalho especificamente com a leitura de
gêneros discursivos.
O grupo de pesquisa de que fizemos parte também contribuiu para o delinear
deste trabalho, pois trazia resultados que apontaram para a necessidade do
desenvolvimento de mais pesquisas sobre as capacidades leitoras de estudantes
brasileiros, nos níveis fundamental e médio. Além de não haver muitas pesquisas
sobre leitura tomando-se os gêneros discursivos como objetos de ensino, também se
observou que os resultados de algumas dessas experiências de trabalho com a
escrita não alcançaram os objetivos esperados, principalmente, por deficiências das
capacidades leitoras dos estudantes.
Além disso, a divulgação dos resultados de avaliações que objetivam medir
essas capacidades – conforme discutimos na introdução deste trabalho – colocou
Capítulo 7 – Considerações Finais
181
ainda a questão de se trabalhar com um gênero que contribuísse para a formação de
leitores críticos, capazes de atribuir significados a quaisquer textos.
Por essa razão, pensou-se em uma pesquisa que procurasse contribuir não
somente com as questões que se colocam quanto ao desempenho de leitura dos
estudantes brasileiros, mas também que objetivasse a leitura de textos de circulação
social. Para o desenvolvimento do trabalho, foi então organizado um planejamento
de ensino-aprendizagem de leitura a partir de uma perspectiva enunciativa
bakhtiniana, utilizando o jornal impresso como objeto de ensino, que seria aplicado
em duas turmas de oitava série do Ensino Fundamental de uma escola pública
estadual do Estado de São Paulo.
A escola em que desenvolvemos o projeto nos recebeu de um modo muito
gratificante para a realização da pesquisa; diretor, professores, funcionários e alunos
se mostraram bastante abertos e receptivos à presença da pesquisadora.
A partir desse contato, passou-se a traçar o planejamento das atividades que
seriam desenvolvidas. Pensamos, primeiramente, em um percurso didático que não
partisse da leitura de partes de um jornal, dos textos em gêneros diversos: notícias,
artigos de opinião, reportagens, editoriais, etc. tomados um a um, mas lidos em
conjunto, discutidos a partir do lugar de quem o produz, da localização de uma dada
notícia na primeira página, da diagramação, da escolha das fotografias – de modo a
se buscarem com os alunos, os meandros das notícias, suas implicações
ideológicas, posições políticas etc.
Dessa maneira, procurou-se desenvolver uma re-elaboração do trabalho com
os gêneros discursivos, enfocada por outro aspecto: partindo do ponto de vista de
um trabalho que tomasse a primeira página de jornal impresso como um gênero
multimodal, onde vários gêneros intercalados estão sempre em diálogo entre si, cuja
leitura seria melhor apreendida se fossem considerados, como no dizer de Bakhtin,
1953/1979:316: um elo na cadeia da comunicação verbal de uma dada
esfer a.(...) cujos enunciados não são indiferentes uns aos outros nem são auto-
suficientes ; conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente. (ênfase
adicionada)
Ao iniciar os contatos com a instituição parceira – uma escola pública
estadual da zona periférica da cidade de Campinas-São Paulo, cujas características
foram descritas na metodologia deste trabalho – um novo objetivo se delineou:
Capítulo 7 – Considerações Finais
182
conhecer e descrever as práticas de letramento dos alunos sujeitos da pesquisa.
(Como expusemos no capítulo metodológico, nossa instituição parceira carecia, à
época da coleta de dados, de muitos aspectos relacionados à infra-estrutura,
apontados como necessários para um ensino produtivo, de acordo com os PCN, por
exemplo). Desse modo, no desenvolvimento do projeto, procurou-se responder a
questão:
1. Que práticas de letramento, particularmente que práticas de leitura, têm
os alunos da oitava série do Ensino Fundamental da escola pesquisada,
nos contextos escolar e extra-escolar?
Observando os dados estatísticos relativos à entrevista formal realizada,
cruzando-os com os dados de entrevistas informais, nota-se que esses sujeitos
estão inseridos em diversas e variadas práticas de letramento – característica da
sociedade atual –. No entanto, há alguns dados que gostaríamos de ressaltar:
1. Os alunos produzem textos escritos, prática que exercem em seu tempo
livre. Os gêneros poéticos como as letras de canções e a poesia fazem parte de seu
cotidiano (à época da coleta, havia duas bandas de música formadas por alunos das
duas turmas e era costume se reunirem pra compor, tocar ou simplesmente ouvir
músicas).
2. Nossos sujeitos de pesquisa lêem livros de ficção: em entrevista informal
gravada com os alunos durante uma das aulas, os meninos discutiram o conteúdo
de Olga de Fernando Morais (antes do lançamento do filme).
3. As práticas de letramento de nossos sujeitos não se distanciam daquelas
apontadas pela pesquisa de âmbito nacional realizada pelo INAF. Ambos os
contextos apontam para a desmitificação da tão propalada idéia de que o jovem
brasileiro não lê.
Esses dados, tanto em nosso contexto micro, como os da pesquisa realizada
pelo INAF, levam-nos a refletir sobre a necessidade de se discutir a implementação
de políticas de leitura, partindo não mais da visão negativista acerca do
desinteresse, mas de um outro ponto de vista: o jovem no Brasil (em nosso contexto:
jovem, aluno de escola pública estadual, de baixa renda) lê e escreve em suas horas
vagas. A partir desse dado, é possível discutir a necessidade de se proporcionar o
Capítulo 7 – Considerações Finais
183
acesso a materiais escritos de boa qualidade, o incentivo de atividades escolares e
extra-escolares para o desenvolvimento das práticas letradas que já têm, como
forma de acesso a outras que ainda não dominam.
A segunda questão de pesquisa que pretendemos responder em nosso
trabalho dizia respeito a se constituir, em sala de aula, um espaço discursivo que
proporcionasse o aprendizado dos alunos através da interação:
2. As interações entre os alunos e a professora interferem na construção
dos significados dos textos? De que forma?
Como dissemos, um dos objetivos que se pretendia alcançar ao procurar
trabalhar o ensino-aprendizagem de leitura a partir de uma abordagem enunciativa
bakhtiniana e sócio-histórica da aprendizagem era tornar na sala de aula um espaço
discursivo onde os alunos se constituíssem sujeitos de seu aprendizado. Ou seja,
pretendemos criar em nossas aulas esse espaço para a construção de práticas de
linguagem no qual os alunos pudessem ser ‘atores de seu aprendizado’,
desenvolvendo variadas capacidades de linguagem. Para tanto, organizávamos os
alunos aos pares e disponibilizávamos os jornais a eles; essa organização buscava
proporcionar um ensino que levasse em conta as capacidades individuais de
aprendizado em relação ao objeto de estudo e as potencialidades desse
aprendizado na interação com o outro (Vygotsky, 1930).
Refletindo sobre o processo de aprendizado, podemos observar que, na
perspectiva adotada, os alunos puderam atribuir os sentidos aos textos
conjuntamente, participando de um diálogo em que as perguntas e respostas
proporcionavam ‘novas perguntas’ e novos sentidos.
Vygotsky evidencia o papel do outro enquanto mediador para o
funcionamento intrapsicológico, isto é, o indivíduo inicialmente necessita do auxílio
do outro para realizar aquilo que, mais tarde, conseguirá realizar sozinho. É a
interação que permite a categorização do mundo, a possibilidade de abstração e a
generalização dos objetos; dito de outra maneira: o homem pode agir e pensar sobre
os objetos sem que eles estejam presentes e relacionar-se com o mundo através da
mediação dos significados construídos pelo grupo social do qual faz parte.
Capítulo 7 – Considerações Finais
184
Dentre os vários eventos que evidenciam esse modo de aprender, ressaltam-
se os construtos da aluna Raq., que se julgava lenta e sempre necessitava de ‘uma
ajudinha da colega’ participava de um processo de aprendizado mediado que se
realizava em constante reelaboração e reconstrução. A ‘ajudinha da colega’ se
constituía no papel do outro enquanto mediador para o funcionamento
intrapsicológico, isto é, inicialmente, a menina necessitava do auxílio do outro para
realizar aquilo que, mais tarde, conseguia realizar sozinha.
Nessa construção conjunta dos significados dos textos, vemos a aluna ir se
tornando mais segura ao participar das aulas, suas respostas, inicialmente,
duvidosas, vão assumindo mais firmeza no decorrer das aulas. Ao se perceber em
dúvida, a aluna passava a arriscar sua participação, aos poucos, Raq. ia se
constituindo como sujeito de seu aprendizado, como no dizer de Vygotsky (1930): o
aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são
capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu
ambiente e quando em cooperação com seus companheiros (Vygotsky, 1930: 117-
118).
Nesse processo de ensino-aprendizagem, objetivou-se alcançar resultados
específicos, voltados ao desenvolvimento das capacidades de linguagem dos
alunos, em particular as capacidades de leitura; para tanto, buscou-se responder a
questão:
3. Que capacidades de leitura os alunos utilizam na reconstrução dos
sentidos? Que capacidades a proposta de ensino foi capaz de
implementar?
Ao escolher a primeira página de jornal impresso como objeto de ensino,
objetivamos não somente trabalhar com um gênero discursivo de circulação social,
como levar os alunos a refletir sobre a questão da objetividade no relato dos fatos.
Para que isso ocorresse, traçamos um percurso didático que trabalhasse com
diferentes capacidades de linguagem que proporcionariam um processo de ensino
através do qual os alunos pudessem, gradativamente ir desvelando as estratégias
de construção da imagem de objetividade no jornalismo impresso. Como
discorremos no último capítulo, foi criado um planejamento de ensino com diferentes
Capítulo 7 – Considerações Finais
185
etapas que objetivou trabalhar as diversas capacidades de linguagem para se
chegar ao objetivo de que os alunos lessem os textos verbais, os não-verbais e
fossem construindo os sentidos na leitura do jornal aliando estes, àqueles, na
construção de um todo de significação.
Nesse processo, um dos aspectos que mais chamou atenção é o trabalho que
se desenvolveu acerca dos tempos dos verbos presentes nas manchetes dos
jornais. Inicialmente, pretendeu-se levar os alunos a observarem a utilização dos
tempos verbais como um recurso de produção do efeito de real, utilizado pela
imprensa (conforme Grillo, 2001).
No entanto, ao iniciarem o exercício, muitas perguntas surgiram, e, na
discussão iniciada pelo grupo, este solicitou à professora que lhes ensinasse não
somente a diferença dos modos verbais como também outros tópicos como a
diferença aspectual em tempos verbais, por exemplo. Assim, esse novo conteúdo –
o ensino de tempos e modos verbais – foi incorporado, a partir da necessidade dos
alunos – necessidade esta que partiu não somente do conteúdo, mas também do
contexto espaço-temporal em que surgiu: a aproximação da data de realização do
exame do SARESP.
Com Vygotsky (1930), observa-se que, para que ocorra o aprendizado, é
necessário criar um espaço onde o aluno possa atuar em seu desenvolvimento;
nesse espaço, deve-se levar em consideração as suas capacidades individuais em
relação ao objeto de estudo e as suas potencialidades de aprendizado na interação
com outros pares e com a professora. Dessa maneira, um novo conteúdo foi
selecionado e desenvolvido com os alunos.
Essas aulas, que objetivaram o ensino dos tempos e modos verbais,
surgiram, como dissemos anteriormente, na situação de ensino-aprendizagem, pois
foram motivadas pelas necessidades dos alunos. Assim o ensino do tópico
gramatical foi selecionado a partir de um contexto real de uso da língua escrita.
Conteúdo inicialmente pensado como parte dos conteúdos a serem ensinados para
a compreensão dos jornais, para que os alunos viessem a perceber a presença
recorrente do tempo presente do indicativo nas manchetes como um dos efeitos de
produção do real na imprensa.
Observou-se, nessas seqüências de ensino-aprendizagem – onde as
capacidades lingüístico-discursivas foram mobilizadas para o ensino de leitura – o
Capítulo 7 – Considerações Finais
186
ensino de gramática, que não partiu da regra, mas da observação do fenômeno
lingüístico, da língua em uso, ou seja, o ensino de uma gramática discursiva.
Pudemos observar as capacidades individuais de aprendizado em relação ao
objeto de estudo – a observação dos tempos verbais das manchetes e dos títulos –
motivaram a retomada do assunto e redirecionaram o ensino: os alunos, sozinhos,
não avançariam em seu aprendizado; pode-se observar, nesses episódios, a
professora no papel de mediadora do conhecimento, auxiliando os alunos nas tarefas
que não conseguiram realizar individualmente. É o processo que Vygotsky defende
ser necessário ocorrer em uma situação de aprendizagem, a criação de um espaço
onde o aprendiz pode atuar como sujeito de seu aprendizado, na realização das
tarefas que consegue executar e as potencialidades desse aprendizado na
interação com o outro.
Acreditamos, também, que o percurso didático delineado colaborou
fortemente para a efetivação dos objetivos de ensino traçados, já que pudemos
observar os alunos assumindo, ao longo do curso, posturas diferentes das que
inicialmente traziam ao ler os jornais.
Outro aspecto que se destaca nesse percurso é o modo como os alunos liam
os textos não-verbais.
Nas aulas iniciais, ao discutir o conteúdo temático das fotografias, os alunos
se atinham a descrevê-las, focalizando os elementos das imagens de maneira
isolada; não pareciam perceber as fotografias como textos que trazem um conteúdo
de significação, nem teciam comentários que revelassem perceber os textos não-
verbais como detentores de um conteúdo de significação. Partiam, portanto, da
observação da materialidade dos textos – prática que provavelmente se origina no
costume escolar de se enfatizar a localização e cópia de informações na leitura –
para ir construindo os significados.
Essa forma de compreensão também se alicerçava naquilo que reconheciam,
sobre o que tinham segurança. Também se pode refletir que, inicialmente, os alunos
partiam da identificação das imagens, para irem tecendo seus construtos de sentido,
alicerçando-os sobre o conhecimento de mundo que traziam.
Conforme discorremos no capítulo anterior, foi possível observar que, na
leitura de textos multimodais, a construção dos sentidos parte de outras estratégias.
Para trabalhar com esses dados, tivemos que recorrer a estudos realizados por
Capítulo 7 – Considerações Finais
187
outras áreas do conhecimento como a Semiótica Social e a Psicologia Cognitiva,
assim, partindo dos dados teóricos e dos dados da observação do modo de os
alunos construírem os sentidos, elaboramos um quadro com as estratégias que
acreditamos sejam utilizadas na leitura dos textos multimodais.
Estratégias como a observação da multimodalidade, que envolvem a seleção,
verificação e organização das informações da sintax e visual para que ocorra a
integração das informações verbais e não-verbais, já que a leitura desses textos
requer do leitor a capacidade de observar e conjugar as informações da
materialidade verbal à pictográfica, relacionando-as no ato de construção dos
sentidos dos textos. A partir dessa integração e conjugação dos sentidos dos textos
verbais e não-verbais, os leitores podem perceber o todo unificado de sentido
que se compõe através da integração dos materiais v erbais e não-verbais.
Dito de outra maneira, a leitura dos textos multimodais exige do leitor a
mobilização de diversas capacidades de leitura aliadas à organização e observação
das informações, através das quais o leitor pode construir um todo de significação.
Observamos, em alguns episódios, os alunos utilizando as estratégias de
leitura que dominavam inicialmente, de localização de informações e ativação de seu
conhecimento de mundo, aliando a essas capacidades, as outras que se podem
trabalhar na leitura de textos multimodais.
No episódio 11, vemos a atitude responsiva do Al.1 ao observar a fotografia e
a manchete. Podemos refletir que o garoto – de modo totalmente diverso do que
ocorria no episódio 1 ou no episódio 8, em que os alunos se atinham a descrever as
imagens presentes nas fotografias – observa a fotografia, procurando construir
sentidos não somente naquilo que está explícito e que pode descrever, mas também
aliando o que vê (a imagem de um barco) ao que está escrito na manchete.
Quando o aluno Ed. expressa a sua compreensão daquilo que apreende da
página analisada “— É... os projetos de Lula indo por água abaixo...” , podemos
refletir que o aluno construiu o tema do texto, não mais preso ao léxico utilizado
nas manchetes, nem tentou reproduzir o que se achava escrito na legenda, mas foi
capaz de perceber a ambigüidade presente entre os enunciados verbais e o
conteúdo temático da fotografia.
A expressão ‘estão indo por água abaixo’ que não está escrita em nenhum
lugar da página, desvela o todo de significação, o tema, composto por ambos
Capítulo 7 – Considerações Finais
188
enunciados que o aluno foi capaz de apreender no seu ato de compreensão. Vemos,
então, o que Bakhtin expressou como compreensão ativa e a criadora.
A compreensão completa o texto: exerce-se de uma maneira ativa e criadora.
É essa compreensão ativa e criadora que vemos os alunos irem exercendo durante
as aulas ministradas. Se pensarmos com Schneuwly & Dolz (1997/2004) sobre as
práticas de linguagem desenvolvidas e aquilo que se pôde ensinar durante as aulas,
poderíamos ponderar que estas se constituíram um espaço de construção conjunta
de significados dos textos através da interação, de forma que o outro interferiu de
maneira fundamental nesses construtos e o gênero jornal impresso atuou como um
instrumento de ensino-aprendizagem de leitura que possibilitou a ampliação das
capacidades de leitura dos alunos, através, sobretudo, da observação e integração
dos materiais verbais e pictográficos. Revendo não somente o processo de ensino-
aprendizagem, mas o processo de elaboração, aplicação e desenvolvimento desta
pesquisa, algumas questões se colocam.
É preciso um entendimento de que o trabalho com os gêneros discursivos
requer tempo de pesquisa acerca de seu contexto de produção, circulação e na
elaboração de etapas de ensino. Mesmo as aulas de ensino de leitura requerem
uma seleção de conteúdos a serem trabalhados e a observação cuidadosa do que
se pretende ensinar e aquilo que os alunos estão efetivamente aprendendo. Ou,
seja exige a seleção e criação de dispositivos didáticos e a modelização didática do
objeto de ensino.
Esses dados apontam então, para a necessidade de implementação de
políticas públicas que proporcionem ao professor não somente o conhecimento
teórico sobre os gêneros discursivos, mas também que discutam as potencialidades
e possibilidades de seu ensino.
Nessas ações, a divulgação de experiências positivas que relatem as
capacidades de linguagem dos estudantes, ou os resultados de pesquisas como as
do INAF – ainda desconhecidos pelos professores – podem servir de caminho para
uma visão menos assustadora e mais promissora do ensino de leitura e escrita em
contexto de escolas públicas brasileiras.
Não queremos aqui apontar que as práticas de letramento de nossos
estudantes estão perto dos níveis desejáveis; longe disso. Há, por certo, um longo
caminho a ser percorrido para que os estudantes brasileiros alcancem as práticas
Capítulo 7 – Considerações Finais
189
letradas desejáveis aos diferentes níveis de ensino. No entanto, com nosso estudo,
pudemos constatar que há caminhos a serem seguidos; pudemos constatar que os
alunos (de escola pública, periférica, onde não havia computadores ou biblioteca)
tomam parte de diferentes práticas de letramento. Pudemos constatar seu
envolvimento curioso com a leitura de um gênero que nada tinha de lúdico, mas que
exigia percepção e leitura, não somente de seu conteúdo verbal e não-verbal, mas
dos contextos sócio-históricos em que foram produzidos e circulavam.
Buscamos, neste trabalho, defender a tese de que os gêneros discursivos
podem ser utilizados como objetos de ensino de leitura e de que as aulas de língua
materna podem se constituir em espaços onde a interação entre os alunos e destes
com a professora pode colaborar para o desenvolvimento das capacidades de
linguagem. Procuramos, então, desenvolver um projeto de leitura em que esta se
constituísse como um processo dialógico de compreensão ativa, para isso,
desenvolvemos, em nossas aulas, situações de ensino-aprendizagem em que os
alunos pudessem ler os textos em conjunto, construir e reconstruir os sentidos dos
textos, respondendo a esses sentidos em todos os momentos.
Em alguns deles, pôde-se observar que os alunos apresentavam níveis
diferenciados de compreensão. Estes níveis variavam de acordo com aquilo em que
alicerçavam sua atribuição de sentidos, ora sobre os aspectos materiais das
páginas, ora sobre o léxico, ora sobre as imagens. Em alguns momentos, notou-se
a professora com dificuldades para perceber em que nível da compreensão os
alunos estavam, o que gerava a necessidade de um realinhamento nas questões,
tanto nas que delineava, quanto naquelas que surgiram nas discussões do grupo.
No desenvolver desse percurso, deparamo-nos com algumas questões
teórico-metodológicas que nos chamaram atenção.
Uma questão que nos exigiu um cuidado e atenção especial se deve às
capacidades mobilizadas na leitura de textos não-verbais. No estudo bibliográfico a
que recorremos, observamos que há muitos trabalhos que tratam das capacidades
de leitura relacionadas aos textos verbais, mas, para que pudéssemos observar o
aprendizado dos alunos quanto à leitura dos textos não-verbais e daqueles que
aliam o verbal ao não-verbal (textos multimodais), tivemos que recorrer à literatura
da Semiótica Social e da Psicologia Cognitiva para refletir sobre esse aprendizado e
Capítulo 7 – Considerações Finais
190
elaborar as capacidades de leitura desses textos, conforme apresentamos
anteriormente.
Acreditamos que esta contribuição sirva para iniciar essas discussões no
âmbito da Lingüística Aplicada e possa abrir novas questões sobre esse campo de
pesquisa. Algumas delas já se delinearam na reflexão sobre o nosso trabalho:
Como têm sido tratados os gêneros multimodais nas aulas de língua
materna? Há um tratamento diferenciado desses gêneros em aulas de leitura?
Os livros didáticos têm apresentado uma forte presença desses gêneros nos
últimos anos. De que modo são trabalhados? As questões de leitura que trazem
procuram mobilizar quais capacidades letradas?
Outro aspecto que nos parece interessante comentar nestas considerações
diz respeito à análise dos dados que desenvolvemos. Optamos por utilizar os
conceitos bakhtinianos não somente para a elaboração e desenvolvimento do
projeto de leitura que desenvolvemos, mas também recorrer a seus construtos
teóricos como alicerce para a nossa análise de dados. No desenvolvimento da
análise, pudemos notar que os eventos observados encontravam na literatura do
círculo bakhtiniano o diálogo necessário para a compreensão dos eventos pela
pesquisadora. Pudemos observar, além disso, o ato de compreensão dos eventos
concebido como descoberta do que existe, mediante o ato da visão (contemplação),
e como adjunção, mediante a elaboração criadora a que o submetemos (Bakhtin,
1974/1979: 402). O autor, em outro momento, explica essa observação e
descoberta, defendendo também, que o pesquisador, ao observar, não se situa fora
do mundo observado, mas é parte integrante dele, pois participa do diálogo que se
estabelece no ato da compreensão: A compreensão do todo do enunciado e da
relação dialógica que se estabelece é necessariamente dialógica (é também o caso
do pesquisador nas ciências humanas): aquele que pratica o ato de compreensão
(também no caso do pesquisador) passa a ser participante do diálogo, (...)(Bakhtin,
1959-1961:355).
Finalmente, gostaríamos de refletir que a escolha de um gênero multimodal,
como a primeira página de jornal impresso e a forma que optamos por ensinar tal
gênero – através de um trabalho que proporcionasse aos alunos a visão dos
gêneros intercalados no interior da página como gêneros que estão em diálogo entre
si – acreditamos que este trabalho pôde trazer à discussão sobre as capacidades
Capítulo 7 – Considerações Finais
191
letradas dos estudantes um novo foco: o ensino da leitura através da exploração das
características genéricas – estilo, forma composicional e conteúdo temático –
proporcionou a ampliação das capacidades de leitura dos alunos, os quais durante o
processo de ensino-aprendizagem foram ampliando seu olhar, anteriormente
acostumado a localizar e reproduzir informações, para um olhar ativo e responsivo;
capaz de definir o ato de ler como o fez o aluno Dan.: Ler é entender... o que tá e o
que não tá escrito também... é compreender...
192
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Entrevista Nome_____________________________________________________ Série_____________ Idade________ Endereço___________________________________________ ________________________________________________________________ telefone__________________ Nome dos pais ou responsáveis Pai ou responsável do sexo masculino ___________________________________________ Idade_________ Grau de instrução ( ) Nenhuma ( ) Menos de 4ª série ( ) Ensino fundamental incompleto/ até a 7ª série ( ) Ensino fundamental completo/ até a 8ª série ( ) Ensino Médio/ até ao 2ºcolegial ( ) Ensino Médio/até o 3º colegial ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo Profissão____________________ local de trabalho ___ _____________ Mãe ou responsável do sexo feminino________________ ____________ Idade_________ Grau de instrução ( ) Nenhuma ( ) Menos de 4ª série ( ) Ensino fundamental incompleto/ até a 7ª série ( ) Ensino fundamental completo/ até a 8ª série ( ) Ensino Médio/ até ao 2ºcolegial ( ) Ensino Médio/até o 3º colegial ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo Profissão____________________ local de trabalho ___ _____________ Renda familiar ___________________________________ __________ Quando era criança, alguém lia textos para você? Sim ( ) Não ( ) Não sei ( ) Em caso positivo, responda: Quem lia ( ) Mãe ou responsável do sexo feminino ( ) Pai ou responsável do sexo masculino ( ) Irmão mais velho ( ) Irmã mais velha ( ) Avô
( ) Avó ( ) Tio ( ) Tia ( ) Outra pessoa O que costumava ler ( ) Livros infantis ( ) Bíblia, livros sagrados ou religiosos ( ) Outros tipos de livros ( ) Gibis, revista e quadrinho ( ) Jornais e revistas Tipos de material que mais gosta de ler ( ) Revistas ( ) Jornais ( ) Bíblia, livros sagrados ou religiosos ( ) Livros ( ) Gibis, revistas em quadrinhos ( ) Outros Pessoas que mais influenciaram o gosto pela leitur a ( ) Algum professor ( ) Mãe ou responsável do sexo feminino ( ) Pai ou responsável do sexo masculino ( ) Algum amigo ( ) Outro parente ( ) Padre/Pastor ou líder religioso ( ) Colega de trabalho ( ) Outra pessoa ( ) Ninguém Freqüência com que lê o jornal ( ) Todos os dias ( ) Algumas ou uma vez por semana ( ) Eventualmente/de vez em quando ( ) Não costuma ler jornal Freqüência com que lê revistas ( ) Pelo menos uma vez por semana ( ) Eventualmente ( ) Não costuma ler
Tipos de revista que costuma ler ( ) De informação (Veja, Época, Isto É etc.) ( ) Fofocas e novelas (Caras , Contigo, Amiga etc.) ( ) Especializadas (saúde, informática, música, esportes) ( ) De religião ( ) Femininas (Cláudia, Nova, Marie Claire etc.) ( ) Quadrinhos, gibis, humor ( ) Masculinas (Playboy, Sexy etc.) ( ) Nenhum desses/ Outros Tipo de livro que costuma ler, ainda que de vez em quando ( ) Bíblia, livros sagrados ou religiosos ( ) Romance, aventura, policial, ficção ( ) Biografias, relatos históricos ( ) Livros técnicos, de teoria, ensaios ( ) Auto-ajuda, orientação pessoal ( ) Não costuma ler livros O que costuma escrever, criando ou copiando, no tem po livre ( ) Receitas ( ) Letras de músicas ( ) Poesia ( ) Cartas e e-mails ( ) Histórias reais ou inventadas ( ) Álbuns familiares ( ) Diário íntimo ( ) Outros ( ) Não costuma escrever Freqüência de uso do computador ( ) Todos os dias da semana ( ) Quase todos os dias da semana ( ) Um ou dois dias da semana ( ) Eventualmente/de vez em quando ( ) Nunca utilizou computador Materiais escritos que possui na residência ( ) Calendários e folhinhas ( ) Álbum de família, fotografias ( ) Bíblia, livros sagrados ou religiosos ( ) Agenda de telefone/endereços ( ) Dicionário
( ) Livros de receitas de cozinha ( ) Livros didáticos ( ) Livros infantis ( ) Guias, listas e catálogos ( ) Livros de literatura/romances ( ) Enciclopédia ( ) Livros técnicos Quantidade de livros que possui na residência ( ) Menos de 10 livros ( ) De 15 a 50 livros ( ) De 51 a 100 livros ( ) Não tem livros em casa Práticas de leitura de pais ou parentes ( ) Ler a Bíblia, livros sagrados ou religiosos ( ) Ler jornais ( ) Ler ou escrever cartas ( ) Ler revistas ( ) Ler ou escrever receitas ( ) Ler folhetos ( ) Ler ou escrever tarefas do trabalho ( ) Fazer trabalhos escolares ( ) Nenhuma delas ( ) Não sabe Com que freqüência você Assiste à televisão Ou ve rádio ( ) Sempre ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Às vezes ( ) Nunca ( ) Nunca Vai a exposições ou feiras Vai a sh ows ( ) Sempre ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Às vezes ( ) Nunca ( ) Nunca Vai a cinemas ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Nunca
Com que freqüência você consulta, lê livros revista s ou jornais em bibliotecas Retira livros Lê e consulta livros ( ) Sempre ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Às vezes ( )Nunca ( ) Nunca Lê e consulta revistas e jornais ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Nunca Textos lidos na escola ( ) Livros didáticos ( ) Livros técnicos ( ) Manuais ( ) Apostilas ( ) Textos e exercícios em folhas avulsas ( ) Matérias, textos ou exercícios no quadro negro ( ) Revistas ( ) Jornais ( ) Sites ou páginas na Internet ( ) Folhetos e cartazes ( ) Seus próprios textos ou dos colegas ( ) Nenhum destes Atividades que realiza na escola ( ) Copiar matérias, textos e exercícios do quadro negro ( ) Copiar textos dos livros ( ) Fazer anotações sobre as aulas ( ) Fazer resumos ou fichamentos de textos ( ) Fazer redação ou trabalhos ( ) Responder a questionários ou fazer exercícios ( ) Escrever textos ditados pelo professor ( ) Elaborar projetos de pesquisa ou relatórios ( ) Ler em voz alta ( ) Apresentar seminários ou trabalhos ( ) Participar de debates ou discussões ( ) Fazer perguntas e esclarecimentos ao professor ( ) Consultar quadros de horários ( ) Agendar provas e entrega de trabalhos ( ) Controlar suas próprias notas ou conceitos e faltas
( ) Estudar e preparar-se para provas e avaliações ( ) Participar de reuniões para organizar atividades ou tomar decisões ( ) Nenhum destes Atividades fora da escola Trabalha?____________________________Onde?__________________________ Atividade que realiza no trabalho ________________________________________ Freqüenta algum curso?_____________ Qual(is)? __________________________ Por que escolheu fazer esse(s) curso(s)? __________________________________ Faz teatro? _________________________________________________________ Freqüenta locais em que se usa a Internet?_______Qual(is)?__________________ Caso trabalhe, responda à seção a seguir: Quantidade de materiais que lê no trabalho ( ) Não lê nenhum ( ) Lê um material ( ) Lê dois materiais ( ) Lê três materiais ( ) Lê quatro materiais Tipos de material que escreve no trabalho ( ) Bilhetes e recados ( ) Contas, orçamento ( ) Pedidos, comandas ( ) Relatórios ( ) Agenda ( ) Fatura, notas fiscais, recibos, duplicatas ( ) Formulários ( ) Cartas, ofícios ( ) Memorandos ( ) Nenhum destes Quantidade de materiais que escreve no trabalho ( ) Não escreve/nenhum ( ) Escreve um material ( ) Escreve dois materiais ( ) Escreve três materiais ou mais
Equipamentos que utiliza no trabalho ( ) Calculadora ( ) Metros/fitas métricas/réguas/contadores/medidores/balanças ( ) Outras máquinas em geral e outros equipamentos eletrônicos ( ) Computador ( ) Fax ( ) Fotocopiadora/xerox ( ) Máquina registradora ( ) Terminal de leitura ótica ( ) Nenhum destes Atividades que realiza no trabalho ( ) Trabalho em equipe ( ) Atendimento ao público ( ) Participação me reuniões para planejar ou avaliar o trabalho ( ) Supervisão do trabalho de outras pessoas ( ) Participação em treinamentos da empresa ( ) Participação em congressos ou feiras ( ) Nenhuma destas ( ) Atividades que já realizou sem dificuldade para buscar emprego ( ) Preencher fichas de emprego ( ) Ser entrevistado para trabalhar ( ) Preparar currículo para se candidatar ao emprego ( ) Procurar empregos em anúncios ( ) Participar de concursos ou testes ( ) Participar de cursos preparatórios para concursos ou testes Como se mantém informado sobre assuntos da atualid ade ( ) Televisão ( ) Rádio ( ) Jornal ( ) Conversas com parentes, amigos e colegas ( ) Reuniões na Igreja ( ) Reuniões de associação de moradores ( ) Internet ( ) Nenhuma destas