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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
EDUARDO CANIZELLA JUNIOR
Princípios, limites da ponderação e argumentação jurídica na obra de Robert Alexy
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
EDUARDO CANIZELLA JUNIOR
Princípios, limites da ponderação e argumentação jurídica na obra de Robert Alexy
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Filosofia do Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Marcio Pugliesi.
SÃO PAULO
2014
Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
AGRADECIMENTOS
Sou grato àqueles cujo exemplo me incentivou a buscar novos passos. Aos amigos
Jivago Petrucci, Henrique Martini Monteiro, Márcio Coimbra Massei, Fabrizio de Lima
Pieroni e Denner Pereira, cujo convívio marcou indelevelmente meu caminho.
Agradeço à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, minha morada profissional,
onde é possível a conciliação do pleno exercício da advocacia pública com o aperfeiçoamento
intelectual e acadêmico.
Meu agradecimento ao Prof. Dr. Márcio Pugliesi, cuja ajuda e valorosa orientação
pôde lançar luzes em meus estudos, tornando esse trabalho possível.
Agradeço, por fim, à minha família, cuja dedicação, renúncia e amor me conduziram
até aqui.
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade analisar o conceito de princípio jurídico como
espécie de norma, seu especial modo de aplicação ao caso concreto (a ponderação), os limites
desse modo de aplicação e as teorias de argumentação jurídica que decorrem da constatação
desses limites. Cada um desses tópicos é desenvolvido com fundamento na obra de um dos
principais expoentes do pós-positivismo, Robert Alexy.
ABSTRACT
This work serves the purpose of analyzing the concept of legal principle as a kind of
standard, its special mode of application to the specific case (weighting) the limits of this
mode of application and the theories of legal argumentation arising from the realization of
these limits. Each of these topics is developed on grounds of the work of one of the leading
exponents of post-positivism, Robert Alexy.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
1. POSITIVISMO, PÓS-POSITIVISMO E PRINCÍPIOS JURÍDICOS .......................... 13
1.1. Breves notas sobre o positivismo jurídico ..................................................................... 14
1.2. Do surgimento do pós-positivismo ................................................................................ 16
1.3. Das críticas ao positivismo jurídico ............................................................................... 20
1.4. Positivismo, pós-positivismo e os princípios jurídicos .................................................. 22
2. DOS PRINCÍPIOS E DAS REGRAS ............................................................................... 24
2.1. Princípios: tudo-ou-nada versus dimensão de peso ....................................................... 25
2.2. Robert Alexy: dos princípios como mandamentos de otimização ................................. 29
2.2.1. Conflito entre regras ................................................................................................ 30
2.2.2. Colisão entre princípios ........................................................................................... 31
2.2.3. Colisão entre regras e princípios ............................................................................. 33
2.2.3.1. Do uso dos princípios em detrimento de regras ................................................... 35
2.2.4. Ponderação de regras? ............................................................................................. 37
2.3. Da relação circular entre princípios e regras.................................................................. 39
3. CONSTRUÇÕES TEÓRICAS PARA O CONTROLE DE ATOS RESTRITIVOS A DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................................. 44
3.1. Razoabilidade ................................................................................................................. 45
3.1.1. Razoabilidade como equidade ................................................................................. 48
3.1.2. Razoabilidade como congruência............................................................................ 50
3.1.3. Razoabilidade como equivalência ........................................................................... 51
3.1.4. Robert Alexy e a fórmula de Radbruch: razoabilidade como pretensão de correção ........................................................................................................................................... 52
3.2. Proporcionalidade .......................................................................................................... 53
3.2.1. Princípio, máxima, standard, regra ou postulado normativo? ................................. 55
3.2.2. Adequação ............................................................................................................... 57
3.2.3. Necessidade ............................................................................................................. 58
3.2.4. Proporcionalidade em sentido estrito ...................................................................... 59
4. PONDERAÇÃO E A COLISÃO DE PRINCÍPIOS ....................................................... 61
4.1. Variáveis envolvidas ...................................................................................................... 62
4.2. A Fórmula do peso ......................................................................................................... 64
4.3. Limites da ponderação ................................................................................................... 66
5. ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA ...................................................................................... 71
5.1. Robert Alexy: influência da teoria do discurso jurídico de Jürgen Habermas .............. 74
5.2. A teoria do discurso de Robert Alexy ............................................................................ 77
5.2.1. As regras e formas do discurso prático geral .......................................................... 80
5.2.2. O discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral .......................... 85
5.2.3. Limites do discurso jurídico .................................................................................... 87
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 90
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 96
9
INTRODUÇÃO
A adoção de determinado conceito de direito, que subordine em maior ou menor
medida o direito positivo a valores supralegais, tem repercussão direta sobre o funcionamento
do Estado e sobre o modo de interação entre seus Poderes. Uma comunidade jurídica que
privilegie o direito positivo em detrimento de pretensões de correção substancial dará grande
importância à atuação do Poder Legislativo, mas a rigidez de suas normas enquanto
arquétipos genéricos de conduta poderá tornar o direito inadequado às necessidades sociais e
às sutilezas do caso concreto. Por outro lado, se determinada comunidade optar pela
vinculação do direito positivo a valores, positivados ou não, o papel do Poder Judiciário será
sobrepujante, vez que cada comando institucional legislativo poderá ser flexibilizado por uma
norma considerada superior às positivadas. No entanto, em situações como essa, parece haver
grande comprometimento da segurança jurídica, gerando-se a permanente incerteza sobre as
decisões dos juízes, cuja liberdade pode facilmente desaguar em arbítrio. Essa tensão impõe
um desafio: a construção de uma teoria jurídica capaz de promover a necessária segurança e
estabilização de expectativas normativas, sem engessamento do ordenamento, e que permita a
necessária adequação das normas jurídicas ao caso concreto quando necessário, mediante um
procedimento racional que possibilite o controle da atuação dos juízes.
Sabe-se que são antiquíssimas as indagações filosóficas a respeito das relações entre
direito e moral, e que as variadas concepções de influência da esfera moral na esfera jurídica
dão origem aos mais diversos conceitos de direito. Na literatura grega, Sófocles (494-406 a.
C.) já demonstrava a reflexão acerca da vinculação da ordem positiva à moral em sua obra
Antígona, a terceira de suas peças tebanas. Polinice, morto em batalha e acusado de traição à
pátria, teve seu sepultamento proibido por ordem do rei Creonte, seu tio. Antígona, irmã de
Polinice, resiste à proibição e, surpreendida enterrando o corpo de seu irmão, brada ao tirano
que suas ordens são contrárias às leis imutáveis dos deuses1.
Tal concepção jusnaturalista condiciona a validade das normas postas pelos homens,
mediante sua ordem institucional, à normas morais superiores e decorrentes da natureza
humana. A distinção conceitual entre direito natural e positivo já se encontra no pensamento
1 MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. Tradução de Jefferson Luiz
Camarg; revisão técnica de Gildo Sá Leitão Rios. – São Paulo : Martins Fontes, 2006, p. 28.
10
de Aristóteles, que se utilizava de uma analogia com o fogo: as chamas, tal qual as leis
naturais, queimam invariavelmente e do mesmo modo na Grécia e na Pérsia, enquanto ideias
humanas de justiça e outras convenções variam quanto ao tempo e o lugar2. Tal dicotomia
está presente também no direito romano, no qual o jus gentium e o jus civile correspondem à
distinção entre direito natural e direito positivo, onde o primeiro se refere à natureza e suas
regras não se limitam a determinado povo, enquanto o segundo se refere às estatuições do
populus e é posto por uma entidade social criada pelos homens. Na antiguidade, o direito
natural era visto como “direito comum”, e o positivo como “direito particular” de determinada
sociedade, prevalecendo o direito positivo em caso de conflito, em aplicação do princípio lex
specialis derrogat generali3.
O jusnaturalismo permeou o pensamento filosófico do Ocidente por séculos,
compondo também o espírito dos pensadores da cristandade medieval, como Santo Agostinho
e São Tomás de Aquino, que “cristianizou” o pensamento de Aristóteles, e para quem a
justiça é a vontade constante e duradoura de dar a cada um o que lhe é devido: o devido a
cada um não pode ser determinado pelo direito positivo, mas pelas tendências naturais da
natureza humana, de certas qualidades fixas. Uma lei deve operar em conformidade com a
natureza, produto da razão divina, de tal modo que o direito positivo não pode impor
obrigações que não sejam razoáveis e compatíveis com a razão de Deus. Na Idade Média, o
direito natural é considerado superior ao positivo, visto que este é direito comum, e aquele
decorre da vontade divina4.
Com o advento do Renascimento, perde-se esse caráter sagrado do Direito, que passa a
ser visto como um instrumento para a fixação racional de regras de convivência. Embora não
tenha desaparecido a noção de direito natural, este não mais tem fundamento na prudência
aristotélica ou na razão divina, rejeitando-se a ideia de que qualquer ser transcendental fixe as
bases do que é correto e do que é justo. O Leviatã, de Thomas Hobbes (1588-1679), obra
fundamental da filosofia política, estabelece o “estado de natureza” hobbesiano, situação na
qual os homens vivem livres de amarras normativas; existem normas de conduta naturais, mas
que não são obrigatórias, de tal modo que o homem convive com o medo permanente da
morte violenta. Tal situação hipotética passa a ser um padrão para compreender a civilização,
2 MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. Tradução de Jefferson Luiz
Camarg; revisão técnica de Gildo Sá Leitão Rios. – São Paulo : Martins Fontes, 2006, p. 58. 3 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito. Comp. Nello Morra. Trad. Márcio
Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 18. 4 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 25.
11
as regras sociais e a convivência ordenada, inspirando a criação do Estado mediante a
renúncia de uma parcela de liberdade de todos os súditos. Com a formação do Estado
moderno, concede-se força a uma única instituição, o soberano, que monopoliza o poder
coercitivo e o normativo, impondo normas regulamentadoras de relações sociais que apenas
são respeitadas graças à coação do Estado. Nesse momento, deixa de ter valor o direito
natural, desrespeitado mesmo no estado de natureza, e o único direito que vale é o direito
positivo5. Hobbes é uma espécie de jusnaturalista que tem por justo o direito estatal6.
A tensão entre o direito positivo e o direito natural, como é possível perceber,
atravessa os séculos, permeia as investigações filosóficas. Referida tensão está nos alicerces
do presente trabalho. A doutrina que mais alcança a prática do jurista e do teórico do direito
contemporâneos é o positivismo jurídico7, corrente de pensamento segundo a qual não existe
outro direito senão o positivo. O positivismo nasce do impulso histórico para a legislação8 e
consiste em teoria do direito que privilegia o direito positivo em detrimento do direito natural,
este último desprovido de valor metodológico para a compreensão do conceito de direito. No
primeiro capítulo do presente trabalho, analisaremos os traços distintivos gerais do
positivismo jurídico, com fundamento em seus teóricos mais proeminentes, como H. L. A.
Hart, Hans Kelsen e Alf Ross, para os quais as normas postas pelas instituições competentes
são jurídicas independentemente de sua congruência com arquétipos éticos ou morais.
Ainda no primeiro capítulo, serão expostos os principais pressupostos do pós-
positivismo, teoria decorrente de uma reação histórica à separação intransigente entre as
esferas do imposto e do correto, e da dificuldade teórica positivista para fornecer respostas ao
controle de decisões judiciais não baseadas na mera subsunção de uma regra a um caso
concreto. Para o pós-positivismo, que encontra em Ronald Dworkin e Robert Alexy os seus
principais expoentes, o direito positivo está novamente vinculado à moral e a valores naturais,
de tal modo que seu conceito de direito, compreende, em linhas gerais: a) validade formal; b)
eficácia social; e c) correção substancial9. Conceitos de direito positivistas se limitam a
combinações das letras a e b, enquanto o jusnaturalismo limita o conceito de direito à letra c;
o pós-positivismo, por sua vez, busca superar essa dicotomia e as limitações que delas
5 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito. Comp. Nello Morra. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 35. 6 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 167. 7 MASCARO, Alysson Leandro. Op. cit., p. 313.
8 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 119. 9 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, p. 207-230.
12
implicam. A exposição minuciosa do pós-positivismo deixará claro o porquê de sua
preferência, neste trabalho, para o estudo dos princípios, essenciais a qualquer modelo que se
proponha a explicar o direito moderno.
Em seguida, todo um capítulo será dedicado à distinção entre regras e princípios, sua
distinção qualitativa e sua particular forma de aplicação ao caso concreto. Após, como
preparação para traçar cada um dos passos dessa especial forma de aplicação dos princípios, a
ponderação, foi preciso descortinar e distinguir os conceitos de razoabilidade e de
proporcionalidade, noções recorrentes em decisões judiciais nas quais juízes se deparam com
a necessidade de aplicação de princípios jurídicos. A posterior análise da ponderação
evidenciará seus limites, vez que, nos casos em que a decisão judicial não decorre de uma
lógica subsuntiva, o ônus argumentativo se potencializa, devendo o intérprete demonstrar,
analiticamente, a construção do seu raciocínio. Por tais razões, nosso estudo se encerra com
considerações acerca da teoria da argumentação jurídica.
Em suma, no presente trabalho, a partir dos pressupostos do pós-positivismo,
analisamos o conceito de princípio jurídico como espécie de norma, seu especial modo de
aplicação ao caso concreto (a ponderação), os limites desse modo de aplicação e as teorias da
argumentação jurídica que desses limites decorrem. Cada um desses passos é traçado com
base, em especial, na teoria desenvolvida por um dos principais expoentes do pós-
positivismo, Robert Alexy.
13
1. POSITIVISMO, PÓS-POSITIVISMO E PRINCÍPIOS JURÍDICOS
É incontestável a relevância e a repercussão prática da adoção desta ou daquela
concepção jusfilosófica pelo intérprete, pelo magistrado ou pela Corte Constitucional. Na
atual realidade jurídica brasileira, é digna de nota a profusão do ideário pós-positivista.
Argumenta-se que apenas a adesão a tal corrente jusfilosófica é capaz de concretizar
determinados direitos fundamentais, como forma de manter a coesão e a harmonia da
sociedade brasileira10.
As premissas teóricas do neoconstitucionalismo, que permeiam todos os demais ramos
da dogmática jurídica, são entabuladas a partir do argumento segundo o qual a Constituição
Federal de 1988 é principiológica, à semelhança das Constituições do pós-guerra,
consagrando mais princípios do que regras. Os princípios, ao exigir um método diferente de
aplicação, a ponderação, em vez da subsunção, substituem a noção de justiça geral pela
justiça individual, demandando maior participação do Poder Judiciário em relação aos
Poderes Legislativo e Executivo. Em perfeita síntese, “a norma traria o método; o método, a
justiça; a justiça, o Poder” 11.
No presente trabalho, analisamos o conceito de princípio jurídico como espécie de
norma, seu especial modo de aplicação ao caso concreto (a ponderação), os limites desse
modo de aplicação e as teorias da argumentação jurídica que desses limites decorrem. Cada
um desses passos é traçado com base, em especial, na teoria desenvolvida por um dos
principais expoentes do pós-positivismo, Robert Alexy. Esse capítulo, preambular, se propõe
a justificar tal escolha teórica, buscando descortinar os motivos de superação do positivismo
jurídico e a especial compatibilidade da teoria pós-positivista para a explicação e aplicação do
princípio enquanto norma jurídica.
10 AGRA, Walber de Moura. Neoconstitucionalismo e superação do positivismo. In: DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto (coord.). Teoria do direito neoconstitucional : superação ou reconstrução do positivismo jurídico?. São Paulo : Método, 2008, p. 446. 11 ÁVILA, Humberto (2009b). “Neoconstitucionalismo” : entre a “ciência do direito” e o “direito da ciência”. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009, p. 3. No mencionado artigo, Ávila se propõe a analisar a dinâmica entre os Poderes Legislativo e Judiciário decorrente do raciocínio acima exposto, concluindo que, num ordenamento que privilegia a participação democrática, reserva-se ao Poder Legislativo o papel de encontrar a solução para conflitos que admitem várias soluções justas, de modo que não se afigura adequado sustentar que se passou do Poder Legislativo para o Poder Judiciário, nem que se deve passar ou é necessariamente bom que se passe de um para outro (p. 18/19).
14
1.1. Breves notas sobre o positivismo jurídico
É certo que presenciamos uma época de profundas reformulações e transformações na
compreensão do fenômeno jurídico, alicerçada no propalado “fracasso político do
positivismo” 12. Argumenta-se que a realidade vivenciada pela sociedade atual se revela a
cada dia mais complexa, de modo que, em substituição ao preto e branco, pode-se verificar
que há uma infinidade de tons, colorações, opções e ambiguidades entre tais extremos. Essa
nova realidade não poderia ser subestimada pelo direito, impondo-se assim a superação do
estrito legalismo, retrógrado e incapaz de regular a contento tal sociedade em transformação13.
O surgimento do positivismo jurídico é associado ao esforço de estudar o direito como
ciência, com as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. O
campo científico somente se ocupa de juízos de fato, verificações da realidade, razão pela qual
o direito deveria abandonar os chamados juízos de valor, imponderáveis no campo científico,
caso pretenda-se ciência. Enquanto método, o positivismo exclui de seu estudo os juízos
morais, metafísicos, em busca da supressão da subjetividade que lhes caracteriza. Em síntese,
a validade de uma norma (sua existência no ordenamento jurídico) independe de seu valor
(conformidade com o direito ideal ou natural). A distinção entre juízo de validade e juízo de
valor veio a assumir a função de delimitação das fronteiras entre ciência e filosofia do
direito14. Assim, a dimensão valorativa do direito estaria presente somente na compreensão,
interpretação e aplicação das normas, assumindo maior ou menor importância de acordo com
a teoria hermenêutica adotada15.
A identificação total do direito à norma exprime a ideia de que, ao positivismo, norma
válida seria, necessariamente, norma justa16. Como assinalado por Norberto Bobbio, é
possível compreender o positivismo jurídico como método, como teoria e como ideologia.
12
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007, p. 4. 13
TAVARES, André Ramos. Abertura Epistêmica do Direito Constitucional. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição Salvador: Juspodivm, 2009, p. 27. 14
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito. Comp. Nello Morra. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 137/138. 15 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial : parâmetros dogmáticos. São Paulo : Saraiva, 2010, p. 37. 16 Cf. MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 313/314, apenas o chamado positivismo estrito, cujo maior representante é Hans Kelsen, promove tal absoluta redução analítica, e existem manifestações de juspositivismo que não professam um recorte absoluto do direito à realidade social, como o juspositivismo eclético da Escola Histórica e de Jhering no século XIX, como o culturalismo de Miguel Reale no século XX, e como o juspositivismo ético de Jürgen Habermas. Para os efeitos do presente trabalho, trataremos o chamado positivismo estrito sob a alcunha de positivismo jurídico.
15
Considerado o positivismo enquanto ideologia, necessário ainda cindi-lo em dois: o
positivismo “extremista” e o “moderado”. O primeiro é identificado pela teoria da obediência
absoluta da lei enquanto tal, sintetizada pelo aforismo “lei é lei” – Gesetz ist Gesetz
(comumente invocada pelos adversários teóricos para a desconstrução do positivismo). O
segundo, em versão “moderada”, exprime a concepção de que o direito tem, sempre, um valor
instrumental, vez que é sempre válido não por ser justo, mas porque é o meio necessário para
a realização da ordem, instaurada pela lei (suum quique tribuere) e por esta mantida (neminem
laedere)17. A validade do direito depende, ainda, de sua eficácia social: considerações sobre o
direito justo ou injusto influem sobre o comportamento das pessoas, fazendo com que o
direito seja ou não obedecido18. Dessa forma, o positivismo não tem nenhuma razão teórica
para sustentar uma equiparação, de cunho político, entre validade do direito e dever de
obediência19. Identificam-se entre os juspositivistas moderados expoentes como Kelsen,
Calamandrei e Hart20.
Por opção teórica do positivismo jurídico, adotou-se a tese da separação conceitual
entre direito e moral, ao considerar elemento essencial do direito a incorporação de ordens e
ameaças, e não a congruência com princípios da moral e da justiça, embora todos os sistemas
jurídicos reproduzam a substância de certas exigências morais fundamentais21. Isso porque,
entre positivistas, não pode haver noções de universalidade ou possibilidade de consenso
quanto a valores morais, de modo que sua análise depende de preferências subjetivas e,
portanto, incompatíveis com a principal finalidade do ordenamento jurídico, a prescrição de
normas de conduta e de sanções taxativas vinculantes22.
Mais do que isso: ao positivismo, a tese da separação entre direito e moral é preferível
à tese da vinculação principalmente em razão das consequências jurídicas de ambas. O direito
deflui da vontade dos detentores do poder político; sua relação com a moral é contingente,
podendo até mesmo ocorrer, eventualmente, coincidência plena das normas válidas com os
valores morais. Contudo, se determinada norma é injusta, é preferível descrever, criticar e
17 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito. Comp. Nello Morra. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 230/231. 18 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 138. 19 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. Coleção Professor Gilmar Mendes, v. 2. São Paulo : Método, 2006, p. 57. 20 MATOS, Anityas Soares de Moura Costa. Positivismo jurídico e autoritarismo político: a falácia da reductio ad hitlerum. In: DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto (coord.). Teoria do direito neoconstitucional : superação ou reconstrução do positivismo jurídico?. São Paulo : Método, 2008, p. 121. 21 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo : WMF Martins Fontes, 2009, p. 9/10. 22 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo : Martins Fontes, 2000, p. 72/78.
16
denunciar essa situação, e não ocultá-la mediante considerações pessoais23. Sustentar que
direito injusto não é direito é tão equivocado quanto sustentar que a canção ruim, a comida
insípida e a notícia falsa não são, respectivamente, música, alimento e informação.
1.2. Do surgimento do pós-positivismo
Na doutrina brasileira, as mais influentes teses pós-positivistas propugnam a superação
do positivismo jurídico em razão da inadmissão da prevalência de abordagens que
desconsideram a força normativa dos princípios e da Constituição, da limitação dos juízes à
aplicação mecânica da lei e da legitimação incondicional do direito, em negação a qualquer
influência moral ou valores supralegais.
Deve-se assinalar, ainda, que a alegada característica positivista de legitimação
incondicional do direito é por muitos associada à criação das condições necessárias para o
desenvolvimento e perpetração do nacional-socialismo, o mais bárbaro regime do século XX,
vivenciado pela Itália e pela Alemanha ao longo da Segunda Grande Guerra. Argumenta-se,
com frequência, que sua compreensão do fenômeno jurídico teria legitimado experiências
sociais totalitárias, alheias ao respeito dos mais basilares direitos humanos. O positivismo
jurídico é, assim, apresentado como a “teoria que traiu a causa do direito”, como garantia (ou
pelo menos tentativa) de pacificação, justiça, solidariedade social, enganando os operadores
jurídicos e oferecendo cobertura teórica a um regime criminoso. Tal tese traduz o espírito dos
juristas alemães no período de desorientação política após a queda do regime nazista, período
no qual todos estavam à procura de uma teoria do direito capaz de condenar a barbárie e evitar
sua repetição. Mesmo os numerosos juristas que colaboraram com o regime queriam se
distanciar do seu passado, atribuindo sua atuação em prol do nazismo a equívocos teóricos e
desejando modificar seu posicionamento24.
Sustenta-se que os movimentos políticos e militares do nacional-socialismo
ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente, para, em nome da lei e sob seu
amparo, perpetrar atrocidades sem precedentes. Reputa-se emblemático o fato de que os
principais acusados de Nuremberg invocaram o estrito cumprimento da lei e a obediência a
ordens emanadas da autoridade competente para a justificação de suas condutas. O cenário de 23
DIMOULIS, Dimitri. Op. cit., p. 208. 24
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. Coleção Professor Gilmar Mendes, v. 2. São Paulo : Método, 2006, p. 57, p.. 259/260.
17
devastação social e de menoscabo à condição humana impunha o abandono de todo o
subjacente arcabouço teórico, de modo que, ao fim da Segunda Grande Guerra, “a ideia de um
ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente
formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha aceitação no pensamento
esclarecido” 25.
Assim surge o pós-positivismo. Inicialmente, como uma designação provisória e
genérica de um ideário difuso, com propostas de nova hermenêutica constitucional,
reconhecimento da força normativa dos preceitos constitucionais e de uma teoria dos direitos
fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana26.
(...)(O pós-positivismo) esplende em riqueza e fecundidade inovadora, fazendo nascer da gestação de seus conceitos a Nova Hermenêutica, ao passo que o segundo (o positivismo jurídico) jaz embalsamado num formalismo álgido e refratário aos conteúdos velozes e dinâmicos daquele universo novo de direitos fundamentais em expansão; alheado da realidade, freqüenta unicamente as páginas do Direito Constitucional clássico, de inspiração liberal”. 27
Para Luís Roberto Barroso, o surgimento do novo direito constitucional foi motivado
por mudanças de paradigma que mobilizaram a doutrina e a jurisprudência, que podem ser
identificadas por três marcos fundamentais: o histórico, o teórico e o filosófico. O pós-
positivismo constitui o marco filosófico do novo direito constitucional, identificado pela
alcunha do neoconstitucionalismo28, assinalado como a superação dos antagonismos que
caracterizam o jusnaturalismo e o positivismo jurídico; o primeiro, superado pela história,
enquanto o segundo se demonstrara inapto ao abrigo da ética e de valores morais. Reputa-se
como a principal referência histórica do novo direito constitucional a Lei Fundamental de
Bonn, de 1949, e a subseqüente criação do Tribunal Constitucional Federal alemão, em 1951.
Nesse contexto, também adquirem relevo a Constituição da Itália de 1947 e a
redemocratização dos países ibéricos na década de 70 (Portugal, em 1976, e Espanha, em 25
BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. In. A nova interpretação constitucional/ Luís Roberto Barroso (organizador). 3ª Ed. Revista – Rio de Janeiro : Renovar, 2008, p. 335/336. 26
BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit., p. 336. 27
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed., São Paulo : Malheiros, 2006, p. 591/592. 28
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007.
18
1978). No Brasil, o marco histórico é também associado à “reconstitucionalização” do país,
por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de
1988. No plano teórico, o ideário do pós-positivismo culminou no reconhecimento da força
normativa da Constituição, na expansão da jurisdição constitucional e no desenvolvimento de
uma nova dogmática da interpretação constitucional29.
Sustenta-se que o positivismo jurídico, já inadequado e anacrônico, resume-se a uma
teoria formalista cujo objetivo exclusivo é a justificação do direito positivo, em inadmissível
abstração de quaisquer considerações sobre o conteúdo da norma posta e consequente
insuficiência enquanto modelo de compreensão do direito.
Nos termos de sua própria tese, o positivismo não chega a enfrentar esses casos difíceis e enigmáticos que nos levam à procura de teorias do direito. (...) Sua representação do direito como um sistema de regras tem exercido um domínio tenaz sobre nossa imaginação, talvez graças a sua própria simplicidade. Se nos livrarmos desse modelo de regras, poderemos ser capazes de construir um modelo mais fiel à complexidade e sofisticação de nossas próprias práticas. 30
Uma visão panorâmica das correntes que se apartam do positivismo jurídico permite
identificar duas tendências principais, de ordem sociológica e axiológica. Na vertente
sociológica, destaca-se a matriz do “realismo jurídico”, de Karl Llewelyn e Jerome Frank,
modelo dogmático que desloca a análise do direito para as decisões judiciais. Em oposição ao
normativismo positivista, opera-se autêntica inversão de sentido, de modo que a fonte do
direito por excelência passa a ser a jurisprudência. Para os realistas, é direito o que fazem os
juízes em relação aos conflitos31. Sem negar a lei como fonte do direito, o realismo considera
o relevo dos costumes e dos precedentes judiciários. No entanto, no que tange à relação entre
os conceitos de direito e moral, rejeita-se a conexão do direito a “ideais superiores”, razão
29
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007, p. 5. 30
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p.72. 31
RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial : parâmetros dogmáticos. São Paulo : Saraiva, 2010, p. 47.
19
pela qual há quem considere que o realismo está contido entre as escolas positivistas, ainda
que distante da abordagem tradicional32.
Surgem, ainda, sofisticadas e influentes teorias de vertente axiológica que se apartam
do positivismo, tentando recuperar, conquanto de modo restrito, o antigo postulado
jusnaturalista de identificação entre direito e preceitos morais. Tomado como referência o
antipositivismo ético que as une, essa alternativa teórica pode ser qualificada como
“moralismo jurídico” 33. Nesse contexto, merecem especial referência as construções teóricas
de Robert Alexy e Ronald Dworkin.
A teoria do direito e da Constituição, bem como a dogmática constitucional, foi
tomada por um fascínio pela principiologia jurídica desenvolvida por Ronald Dworkin desde
os anos 1960 e reconstruída por Robert Alexy a partir dos anos 197034.
Para Alexy, há necessária vinculação do direito aos preceitos morais, que permeiam a
interpretação das normas e permitem sua adequação às exigências do direito justo (argumento
dos princípios), ou, de forma ainda mais direta, subordinam a própria validade da norma
jurídica à sua consonância com a moral (argumento da injustiça). A invalidade da norma
injusta é adotada de forma relativa, pois sua admissão intransigente permitiria a qualquer
pessoa ou autoridade deixar de aplicar e observar normas que entenda injustas ou imorais;
cinge-se, assim, aos casos de extrema, intolerável ou proposital imoralidade, nos casos em que
a injustiça atinja um grau insustentável. A expressão mais conhecida do moralismo da
validade é a denominada Fórmula de Radbruch. Nesses casos, a lei não constitui somente
direito injusto, “mas carece totalmente de natureza jurídica. Isto ocorre porque podemos
definir o direito, incluído o direito positivo, somente como ordenamento e legiferação
determinados pelo intuito de servir a justiça”35 Dworkin, por sua vez, compreende haver mais
do que necessária conexão entre o direito e a moral; tais conceitos são, em seu sentir,
indissociáveis. O direito é definido mediante a moral, não se limitando a receber sua
influência para correções de interpretação ou invalidação pontual de normas jurídicas. Nega-
32
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. Coleção Professor Gilmar Mendes, v. 2. São Paulo : Método, 2006, p. 149/152.
33 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial : parâmetros dogmáticos. São Paulo : Saraiva, 2010, p. 52. 34 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 51. 35 RADBRUCH, Gustav. Gesetzliches Unrecht und übergezetziches Recht (1946). In: Rechtsphilosophie. Stuttgart: Koehler, 1973, p. 339-350, apud DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. Coleção Professor Gilmar Mendes, v. 2. São Paulo : Método, 2006, p. 93.
20
se ao direito autonomia conceitual, pois “em sistemas jurídicos complexos (...) nenhuma
distinção definitiva pode ser feita entre padrões jurídicos e morais, como insiste o
positivismo”36. O direito é compreendido como a tentativa de construir a melhor sociedade
possível, impondo-se ao juiz decidir conforme as exigências morais da comunidade.
No entanto, Dworkin não objetiva com isso promover o arbítrio do Poder Judiciário:
os juízes, “príncipes” do direito, não devem se portar como “profetas”, nem devem misturar
seus “sonhos” sobre o melhor direito com a jurisdição. Preceitua o princípio da integridade
na aplicação do direito que, aos juízes, impõe-se a tarefa de decidir de modo coerente com as
interpretações anteriores, sempre à luz atualizadora das exigências morais da comunidade37.
Em outras palavras, do juiz se exige “a” resposta certa, e não qualquer tipo de decisão
judicial. O arquétipo de juiz, para Dworkin, é aquele de capacidade e paciência sobre-
humanas, criterioso, metódico, impassível, que aceita e pratica o direito como integridade.
Esse tipo ideal, que carrega o ônus de encontrar a resposta ao conflito, recebe o nome de
Hércules, que evoca na mitologia grega um ser de força incomum, um semideus38.
1.3. Das críticas ao positivismo jurídico
São emblemáticas as máximas segundo as quais “o valor e o desvalor da lei
determinam-se pelos critérios do direito”, e “lei sem direito não pode transformar o ilícito em
direito.” Estas poderiam ser expressões da compreensão jurídica pós-positivista, acima
exposta, críticas do positivismo jurídico nas experiências nazistas e fascistas. No entanto, são
subscritas por Hans Frank em 1934, um dos conhecidos membros da Academia para o Direito
alemão, identificado com o regime nacional-socialista39. Os registros legais e doutrinários do
período evidenciam que os detentores do poder, em vez de positivar suas práticas, propunham
aos magistrados que a lei não poderia ser rígida demais; ao juiz era permitido e orientado
aplicar e interpretar a lei de acordo com a situação, flexibilizando o ordenamento jurídico.
36 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p.73. 37 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo : Martins Fontes, 1999, p. 486/488. 38 MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia. Rio de Janeiro : Campus, 2008, p. 38. 39 MAUS, Ingeborg. O Judiciário como Superego da Sociedade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 41.
21
Se revirmos os posicionamentos oficiais sobre a metodologia do sistema nazista, só podemos chegar à conclusão de que o judiciário foi sincronizado com o pensamento nazista não por meio da vinculação à lei, mas por meio da vinculação ao valor. A mesma instrumentária metodológica, com cujo auxílio o judiciário ampliara, antes de 1933, suas margens de ação contra o legislador, foi-lhe imposta após 1933 e empregada como meio de destruição de sua independência. Se, anteriormente a 1933, o judiciário usara de forma cada vez mais generosa as cláusulas gerais existentes no direito para, por meio delas, fazer prevalecer suas próprias concepções de valor, preponderantemente conservadoras, contra leis da República de Weimar, agora ela é instruída a aplicar essas e recém-criadas cláusulas gerais para fazer destas pontos de acesso de um sistema de valores política e previamente decidido. 40
Uma análise mais precisa da conjuntura social, política e jurídica das experiências
nacional-socialistas poderia desmistificar tais acusações feitas ao positivismo, utilizadas para
seu abandono e superação teórica. Mudanças políticas são impulsionadas por lutas e
imposições de interesses de certos grupos sociais. Tais mudanças não se baseiam apenas em
crenças teóricas, de modo que uma teoria sobre a validade do direito não teria o condão de
permitir a imposição de um regime41.
Argumenta-se que, por vezes, o discurso antipositivista reduz a análise, ao sustentar
que o positivismo permitiu a experiência do Estado totalitário na Alemanha, ou que, ao
menos, em razão de sua natureza, omitiu-se na crítica do conteúdo de suas normas,
legitimando o regime. Tal associação, da barbárie ao método, é identificada por positivistas
como uma reductio ad hitlerum.
(...) quando se pretende rejeitar uma teoria ou visão política, afirma-se que ela foi adotada pelo regime nazista, ou, pelo menos correspondia à ideologia nazista. Isso permite rejeitar imediatamente essa teoria ou visão política, já que ninguém aceitaria, em nossos dias, defender o pensamento nazista. Temos um artifício retórico que objetiva desqualificar os adversários sem análise da substância. No nosso tema, alega-se que os positivistas aprovam a forma de agir de Hitler. E, já que Hitler encabeçou a pior ditadura do século XX, o positivismo jurídico que se identifica com o nazismo merece a mais firme condenação!”42
40
MAUS, Ingeborg. O Judiciário como Superego da Sociedade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 51. 41
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. Coleção Professor Gilmar Mendes, v. 2. São Paulo : Método, 2006, p. 260. 42
DIMOULIS, Dimitri. Op. cit., p. 260.
22
Dessa forma, é possível questionar se ao positivismo jurídico são atribuídas
responsabilidades e culpas que dele não são. Nesse aspecto particular, deve-se considerar as
condições sociais e políticas que conduziram às experiências nacional-socialistas. No caso
alemão, deve-se recordar, por exemplo, que as potências vitoriosas ao fim da Primeira Grande
Guerra (na prática, Grã-Bretanha, França e EUA) impuseram à Alemanha uma “paz punitiva”,
estabelecida pelo Tratado de Versalhes de 1919, acordo que oficialmente encerrara os
conflitos. Tal tratado afrontara profundamente o orgulho alemão; ao país, eliminado das
relações internacionais, imputou-se a exclusiva responsabilidade pela guerra e suas
consequências (a chamada cláusula da “culpa de guerra”), perdas territoriais, limitação militar
e obrigações de reparação teoricamente infinitas às nações vitoriosas43. Em 1923, o país se
encontrava na mais absoluta e profunda crise econômica, situada em uma “grande zona de
derrota e convulsão”, impondo aos alemães o testemunho de um colapso monetário até então
inédito: sua moeda valia um milionésimo de milhão do valor de 1913, de modo que, na
prática, economias de toda uma vida de um alemão de classe média lhe permitiam somente
tomar seu café favorito. Os traumas sociais, políticos e econômicos que defluem dessa
conjuntura erigiram ao poder forças políticas do militarismo e da extrema direita, num
deliberado intento de rompimento com o status quo pelo confronto, se necessário militar. Tais
elementos prepararam a Europa central para o fascismo e o nazismo44.
Por tais razões, não há qualquer motivo para concluir que o positivismo jurídico tenha
levado à estatolatria e ao totalitarismo político. Ao contrário, conforme demonstrado, a
ideologia jurídica do nazismo era nitidamente contrária ao juspositivismo (decisão por
exclusivo amparo na lei), sustentando que os magistrados deveriam decidir com base no
interesse político do Estado, considerando, por exemplo, como delitos todos os atos
contrários ao “são sentimento popular” – gesundesVolksempfinden – mesmo que não
previstos em lei45.
1.4. Positivismo, pós-positivismo e os princípios jurídicos
43
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos : o breve século XX : 1914-1991. Tradução de Marcos Santarrita, revisão técnica de Maria Célia Paoli. São Paulo : Companhia das Letras, 1995, p. 41/43. 44 HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 93/95. 45 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito. Comp. Nello Morra. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 236.
23
A opção pela adoção, no presente trabalho, do estudo minucioso da teoria de um dos
principais expoentes do pós-positivismo, Robert Alexy, se deve à constatação de que a
descrição positivista do direito parece incapaz de incorporar à sua análise os princípios
jurídicos, cujo reconhecimento normativo e distinção qualitativa em relação às regras
constituem símbolos do pós-positivismo46. O positivismo é visto como um modelo de e para
um sistema de regras, normas aplicadas ao modo “tudo ou nada” (all-or-nothing), isto é,
apenas nos exatos termos de suas prescrições47.
Os princípios são essenciais a qualquer modelo que se proponha a explicar o direito
moderno, e uma teoria dos princípios, por claudicante que seja, é capaz de estruturar
racionalmente grande parte das decisões jurídicas que não podem ser prolatadas mediante a
subsunção de regras, de tal modo que “uma renúncia no plano dos princípios seria uma
renúncia à racionalidade” 48.
A superação teórica do positivismo jurídico não pode ser justificada com base nos
argumentos inaceitáveis expostos no item 1.3. O pós-positivismo é preferível, em especial,
porque, sem enveredar por categorias metafísicas do jusnaturalismo, não descarta a
importância das regras e da subsunção, e abre também espaço para os princípios e para a
ponderação, tentando racionalizar o seu uso. Trata-se de concepção que, sem desprezar o
papel das instâncias democráticas na definição do Direito, reconhece e valoriza o papel do
Poder Judiciário na promoção dos direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia49.
O positivismo jurídico é, portanto, respeitável corrente jusfilosófica, cuja superação
não passa pela justificação da estatolatria política, mas da necessidade de explicação teórica
do papel de princípios, políticas e outros tipos de padrões.
46 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007, p. 10. 47
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 36. 48
ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Trad. de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 172. 49
SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 67.
24
2. DOS PRINCÍPIOS E DAS REGRAS
No afã de distinguir os princípios das regras, é preciso salientar que não há uma única
definição de princípio jurídico, e a polissemia torna o tema mais tormentoso. Ao contrário dos
objetos materiais (coisas), cujo consenso em torno de sua denominação é mais fácil pela
referência que fazem a objetos sensorialmente perceptíveis, as categorias jurídicas, entre as
quais se inserem os princípios, são instrumentos analíticos abstratos (linguisticamente
formulados) 50. Por isso mesmo é mais difícil haver uma só definição de princípio. Chega-se
mesmo a afirmar que haveria quase tantas definições de princípios quantos são os autores que
sobre eles escrevem.
Deve-se considerar que, na prática jurídica brasileira, o termo "princípio" é
normalmente utilizado quando se pretende conferir a importância devida a determinados
conceitos. Segundo a doutrina jurídica tradicional no Brasil, princípio deve ser compreendido
como
(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico51.
Essa é a acepção mais corrente do termo "princípio" na linguagem jurídica pátria. As
normas de direitos fundamentais são comumente caracterizadas como “princípios”, quando se
busca frisar sua importância no ordenamento jurídico. Fala-se, contudo, que se tratam de
regras, quando o objetivo é salientar a sua força normativa, ou quando se aponta para a
possibilidade de fundamentação dedutiva também no âmbito dos direitos fundamentais52.
Contudo, a distinção entre princípios e regras exige um contorno preciso para sua utilização
sistemática.
A despeito da mencionada plurivocidade e do significado já consagrado pela doutrina
tradicional, buscaremos, daqui em diante, traçar os contornos dos princípios jurídicos em
oposição às regras jurídicas, com esteio nas teorias desenvolvidas por Ronald Dworkin e
50
ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, ano 1, volume 1. Salvador, 2001, p. 5. 51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 747-748; No mesmo sentido, AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo, p. 95. 52
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 86.
25
Robert Alexy. Não se trata, como alertado por Virgílio Afonso da Silva, de debater se há
classificações melhores ou piores, vez que qualquer classificação, desde que
metodologicamente sólida, dificilmente pode ser julgada com base em um maniqueísmo
bom/ruim; as distinções se devem aos diferentes objetivos daqueles que elaboram suas teorias,
e a qualidade de sua classificação não pode ser avaliada de forma generalizante53. Os
conceitos de princípio para Alexy e para Dworkin, embora próximos, se distanciam. Para
Alexy, os princípios são mandamentos de otimização, enquanto na teoria de Dworkin o
princípio conduz o juiz à única resposta correta para o caso. Enquanto Alexy se movimenta
num nível de reflexão que é matemático-semântico, Dworkin coloca sua reflexão num
horizonte hermenêutico-pragmático54.
Para Dworkin, os princípios diferem das regras porque somente contêm fundamentos,
cuja dimensão de peso (dimensions of weight) permite que um princípio prevaleça sobre o
outro sem que este perca sua validade55. Para Alexy, o que diferencia os princípios das regras
é sua peculiar forma de instituir obrigações: enquanto as regras estabelecem obrigações
absolutas, os princípios apenas o fazem prima facie, na medida em que outro princípio
colidente pode declarar sua superação ante o caso concreto56. No conflito de regras, é preciso
verificar se a regra está dentro de determinada ordem jurídica (problema do dentro ou fora),
enquanto a colisão de princípios já se situa no interior da ordem jurídica, cuja ponderação e
escolha do princípio preponderante não invalida o princípio superado.
Para evidenciar tais diferenças, elucidaremos, inicialmente, a concepção de princípio
de Ronald Dworkin, contrastando-a em seguida com a noção elaborada por Robert Alexy.
2.1. Princípios: tudo-ou-nada versus dimensão de peso
Na formulação do conceito de princípio, a teoria dos princípios de Ronald Dworkin
representa um marco, no âmbito jurídico, de uma transformação da teoria do direito e da
filosofia política anglo-saxônica, negando-se o utilitarismo e a tese positivista de separação
53
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 44/45. 54
OLIVEIRA, RAFAEL TOMAZ DE. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 24. 55
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 26. 56
Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.
26
entre moral e direito57. No entanto, tal reorientação não se limitou ao mundo anglo-saxônico e
teve repercussão nos sistemas jurídicos de tradição eurocontinental, destacando-se o
envolvimento de Jurgen Habermas com a filosofia jurídica58 e o modelo princípiológico de
Robert Alexy59, que, assim como a teoria de Dworkin, teve ampla recepção internacional.
Foi na tradição anglo-saxônica, portanto, que a definição de princípios recebeu
decisiva contribuição. A finalidade do estudo de Dworkin foi fazer um ataque geral ao
positivismo (“general attack on positivism”), sobretudo no que se refere ao modo aberto de
argumentação permitido pela aplicação do que ele viria a definir como princípios
(“principles”).
A teoria do direito de Dworkin pressupõe um diálogo com a teoria da justiça de John
Rawls, e o ponto de partida de sua concepção de princípio é a crítica à noção hartiana da
textura aberta do direito. Segundo tal noção, todas as situações que não fossem reguladas por
normas sob a estrutura de regras ficariam no âmbito da discricionariedade do juiz.
Dworkin indica expressamente, em seu artigo O Modelo de Regras I, seu intento de
examinar a solidez do positivismo jurídico, em especial a forma dada por H. L. A. Hart.
Considera que, embora nem todo filósofo denominado como positivista subscreva todas as
proposições a serem apresentadas, “o positivismo tem como esqueleto algumas poucas
proposições centrais e organizadoras”, e “a carne é distribuída diferentemente por diferentes
positivistas e alguns chegam mesmo a rearranjar os ossos”60. Os preceitos chaves do
positivismo elencados por Dworkin são os seguintes: i) o direito de determinada comunidade
constituído pelo conjunto de regras especiais, utilizadas direta ou indiretamente com o
propósito de determinar as condutas a serem punidas, e tais regras são identificadas a partir do
modo pelo qual foram formuladas (pedigree) e não por seu conteúdo; ii) caso não exista uma
regra apropriada para regular determinada situação, ou caso a regra existente seja vaga por
algum motivo, o julgador não aplicará “o direito”, mas decidirá a demanda exercendo seu
discernimento pessoal, orientando-se pela criação de nova regra jurídica ou complementação
de uma regra já existente; iii) uma regra jurídica que exige que alguém faça ou se abstenha de
57
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 43. 58 Como HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1997, que merece especial destaque, no âmbito jurídico. 59 Cuja obra mais proeminente, sem dúvida, é ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. 60 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 27/29.
27
fazer algo impõe a esse sujeito uma “obrigação jurídica”, e a ausência de regra válida impõe a
inexistência de tal obrigação61.
Dworkin opõe-se ao modo pelo qual o positivismo jurídico resolve os casos difíceis,
isto é, quando um determinado caso concreto não pode ser submetido a uma regra de direito
clara e de antemão estabelecida, momento no qual, aos positivistas, surge um “poder
discricionário” do julgador para decidir, inexistindo mecanismos para a aferição da qualidade
e acerto do conteúdo de sua decisão. Dworkin critica firmemente a concepção de Hart sobre a
discricionariedade, construindo uma noção de princípio pertencente ao sistema jurídico, que
vinculam o juiz quando as regras se mostram insuficientes para a solução do caso posto.
Para ele, a diferença entre os princípios jurídicos e as regras jurídicas é de natureza
lógica. Os dois padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em
circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem62.
As regras são aplicadas do modo “tudo ou nada” (“all-or-nothing”), no sentido de que
se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência
normativa deve ser aceita ou ela não é considerada válida. No caso de colisão entre regras,
uma delas deve ser considerada inválida.
Para Dworkin, princípio é “um padrão que deve ser observado, não porque vá
promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas
porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” 63.
Os princípios jurídicos seriam deduzidos de mandamentos morais universais, e se apoiam na
moralidade de determinada comunidade política, devendo tal princípio originariamente moral
passar pela prova da coerência para sua validade jurídico-constitucional64. Os princípios,
dessa forma, têm origem na moralidade comunitária, e são incorporador na prática dos juízes
e dos tribunais por um processo de descoberta e de controle da consistência constitucional,
mediante a atividade do juiz Hércules, arquétipo de juiz de Dworkin, tipo ideal que carrega o
ônus de encontrar a resposta ao conflito e que evoca na mitologia grega um ser de força
incomum, um semideus, aquele de capacidade e paciência sobre-humanas, criterioso,
metódico, impassível, que aceita e pratica o direito como integridade. O princípio da
integridade na aplicação do direito que, aos juízes, impõe-se a tarefa de decidir de modo
61
DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 27/28. 62 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 39. 63 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 36. 64 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 55.
28
coerente com as interpretações anteriores, sempre à luz atualizadora das exigências morais da
comunidade65. No entanto, Dworkin reconhece que sua teoria não prevê um “procedimento
mecânico” para demonstrar quais são os direitos das partes nos casos difíceis: ao contrário,
afirma-se que juristas e juízes sensatos frequentemente divergirão sobre a resposta a ser dada
ao caso concreto, de tal modo que não se pretende estabelecer um método garantidor de que
todos os juízes possam dar as mesmas respostas a tais questões66.
No contexto da teoria de Dworkin, não cabe falar de fronteira clara entre moral e
direito, pois a noção de princípios serve, a rigor, para enfraquecer ou mesmo diluir essa
fronteira67. Dworkin compreende haver mais do que necessária conexão entre o direito e a
moral; tais conceitos são, em seu sentir, indissociáveis. O direito é definido mediante a moral,
não se limitando a receber sua influência para correções de interpretação ou invalidação
pontual de normas jurídicas. Nega-se ao direito autonomia conceitual, pois, em sistemas
jurídicos complexos, nenhuma distinção definitiva pode ser feita entre padrões jurídicos e
morais. O direito é compreendido como a tentativa de construir a melhor sociedade possível,
impondo-se ao juiz decidir conforme as exigências morais da comunidade. Os princípios
traduzem tais exigências morais.
Os princípios, ao contrário das regras, não determinam vinculativamente a decisão,
mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos
provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das
regras, possuem uma dimensão de peso (“dimension of weight”), demonstrável na hipótese de
colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior sobrepõe-se ao
outro, sem que este perca sua validade.
Deve-se observar, contudo, que a teoria jurídica de Dworkin sofre críticas em termos
de “teoria geral do direito”, que se pressupõe geral a partir da análise e avaliação de uma
determinada cultura jurídica concreta, no caso, o direito anglo-americano68. Nesse sentido, os
conceitos de direito e moral são indistintos para Dworkin porque o próprio sistema jurídico
estadunidense, objeto de seu estudo, é considerado a encarnação histórica dessa ordem de
valores69.
65 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo : Martins Fontes, 1999, p. 486/488. 66 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 127/128. 67 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 55. 68 Cf. HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo : WMF Martins Fontes, 2009, p. 310. 69 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial : parâmetros dogmáticos. São Paulo : Saraiva, 2010, p. 53.
29
2.2. Robert Alexy: dos princípios como mandamentos de otimização
Alexy, partindo das considerações de Dworkin, precisou ainda mais o conceito de
princípio. Para Alexy, a distinção entre princípios e regras é a base para a teoria da
fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais, bem como uma chave para a solução de
problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais, representando, em suma, uma das
colunas-mestras do edifício de sua teoria70.
O primeiro ponto a salientar é o de que, para Alexy, regras e princípios são reunidos
sob o conceito de norma. Ambos são normas, porque ambos dizem o que deve ser, e podem
ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da
proibição71. A diferença entre tais espécies de normas não está em sua generalidade ou em seu
conteúdo axiológico, embora os princípios sejam relativamente gerais, por ainda não estarem
em contato com as possibilidades dos mundos fático e normativo, e sejam normas cujo
conteúdo axiológico seja mais facilmente identificável72. A diferença essencial entre regra e
princípio está em sua estrutura diversa, e tais normas se diferenciam qualitativamente73. Tal
distinção qualitativa está na definição dos princípios como mandamentos de otimização.
Este o ponto decisivo da distinção entre regra e princípio. Segundo Alexy, em já
clássica definição, “(...) princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”74, de tal modo que os
princípios podem ser satisfeitos em variados graus, a depender das possibilidades fáticas e dos
outros princípios e regras com estes colidentes. As regras, por sua vez, são mandamentos
definitivos, que ordenam que algo seja feito na exata medida de suas prescrições. As regras,
portanto, já contêm determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível, e
são sempre totalmente satisfeitas ou não satisfeitas.
Para os princípios, contudo, não se pode falar em realização sempre total daquilo que a
norma exige: ao contrário, essa realização é apenas parcial75, vez que os princípios não
contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie76. Isso porque os princípios
70 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 85. 71 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 87. 72 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 108. 73 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 90. 74 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 90. 75 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 45. 76 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 104.
30
apresentam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas, e não contêm a exata
extensão de seu conteúdo. As regras, por sua vez, por exigir que seja feito exatamente aquilo
que elas ordenam, têm exata determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das
possibilidades jurídicas e fáticas.
2.2.1. Conflito entre regras
Tais diferenças são evidenciadas quando expostas as colisões entre princípios e os
conflitos de regras. Existem um conflito de regras quando duas ou mais destas são aplicáveis
ao mesmo caso concreto, e, em tal caso, o conflito só pode ser solucionado se uma das regras
foi declarada inválida, ou se for introduzida uma cláusula de exceção que elimine o conflito77.
Por serem mandamentos definitivos, no conflito entre regras é preciso que se encontre uma
solução que não relativize essa definitividade78. O exemplo trazido por Alexy para a cláusula
de exceção trata do conflito entre as regras da proibição de deixar a sala de aula antes que o
sinal toque, e o dever de deixa-la ao soar o alarme de incêndio. Nesse caso, não é possível que
sejam válidos, simultaneamente, dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si, de
tal modo que se faz necessária a inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção.
Virgílio Afonso da Silva menciona uma conhecida exceção à regra que proíbe a retroação da
lei penal, qual seja, a de que a lei deve retroagir quando beneficiar o réu79.
As exceções a uma regra devem ser tomadas como se fossem parte da própria regra
excepcionada, de modo que todas as exceções podem ser arroladas e quanto mais o forem,
mais completo será o enunciado da regra80.
No entanto, se a inclusão de cláusulas de exceção não for possível, uma das regras
deverá ser extirpada do ordenamento jurídico. No curso de sua secular atividade de
interpretação das leis, a jurisprudência elaborou alguns critérios, comumente aceitos, para a
solução da antinomias das regras, como o critério cronológico (lex posterior derrogat legi
priori), o critério hierárquico (lex superior derrogar inferiori) e o critério da especialidade
77 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 92. 78 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 47. 79 art. 5º, XL, CRFB/1988. 80 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 40.
31
(lex specialis derogat legi generali), que devem decisão sobre qual das regras envolvidas no
conflito permanecerá válida81.
2.2.2. Colisão entre princípios
Em caso de colisão entre princípios, a solução passará por percurso diverso. Em razão
de sua peculiar natureza, os princípios não são declarados inválidos, e não se introduzem
quaisquer cláusulas de exceção para compatibilizá-los, de modo que, se dois princípios
colidem, um deles terá que ceder, aplicando-se o princípio sobrepujante em maior medida. A
colisão entre princípios ocorre porque dificilmente, no caso concreto, um princípio encontrará
sua realização máxima: normalmente sua consagração passará por barreiras para a proteção de
outro princípio ou de outros princípios82. O que ocorre é que um dos princípios terá
precedência em face do outro sob determinadas condições. Em feliz síntese de Alexy,
“conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios
– visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na
dimensão do peso” 83.
Para Alexy, portanto, a distinção entre princípios e regras não pode ser baseada
simplesmente no modo “tudo ou nada” de aplicação proposto por Dworkin, mas deve
resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à colisão, na medida em que os
princípios colidentes apenas têm sua realização normativa limitada reciprocamente, ao
contrário das regras, cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas
ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; diferença quanto à obrigação que
instituem, já que as regras instituem obrigações absolutas, já que não superadas por normas
contrapostas, enquanto os princípios instituem obrigações prima-facie, na medida em que
podem ser superadas ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes.
A solução para a colisão de princípios consiste, assim, no estabelecimento de uma
relação de precedência condicionada entre os princípios envolvidos, com base nas
circunstâncias do caso concreto, fixando-se as condições sob as quais um princípio tem
precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a questão de precedência
81 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Trad. de Denise Agostinetti ; revisão da trad. de Silvana Cobucci Leite. – 3ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2010, p. 249/254. 82 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 46. 83 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 94.
32
fosse resolvida de modo diverso. O método estabelecido por Alexy para a solução da colisão
de princípios é o da fórmula do peso, que está explicitado em capítulo posterior.
Pode-se argumentar que o estabelecimento de uma relação de precedência
condicionada de um princípio sobre outro equivale à criação de uma regra de exceção, de tal
modo que não haveria diferença substancial entre a solução dos conflitos entre regras e das
colisões entre princípios. No entanto, não é isso que ocorre. Se duas regras são aplicáveis
simultaneamente ao caso concreto, temos que a tal caso se aplicam dois mandamentos
definitivos, de conteúdo precisamente definido e contraditórios entre si, como no exemplo das
regras que proíbem os alunos de deixar a sala de aula antes que o sinal toque, e que lhes
impõe o dever de deixá-la ao soar o alarme de incêndio. Num conflito de regras como essas,
admite-se a criação de uma regra de exceção (os alunos não devem deixar a sala antes do
toque do sinal, salvo em casos de incêndio). A colisão entre princípios ocorre, contudo, em
âmbito diverso: dela decorre uma regra, que não os excepciona, mas os acomoda, os aplica
em maior medida, consideradas as condições existentes. Para melhor compreensão dessa
afirmação, pode-se observar que ambas as regras mencionadas acima decorrem, certamente,
de princípios que foram ponderados pela direção da escola quando de sua criação, princípios
como os que consagram, por exemplo, a liberdade de locomoção dos alunos, a hierarquia
existente entre estes e os professores e a proteção à vida e à saúde de todos os frequentadores
do estabelecimento de ensino. Uma regra como a que proíbe a saída dos alunos de sala de aula
antes do toque do sinal decorre, de certo modo, da ponderação entre os princípios que
consagram a liberdade de locomoção dos alunos e a hierarquia existente entre estes e os
professores, princípios que, de forma alguma, são excepcionados em razão da criação da
regra. A ponderação mantém os alunos livres, mas aplica em maior medida a hierarquia dos
professores sobre estes quando em ambiente escolar. Do mesmo modo, a regra que determina
a saída de todos da escola ao soar o alarme de incêndio decorre do entendimento de que a
proteção à vida e à saúde de todos é sobrepujante aos demais princípios, em tais condições.
Não se pode dizer que, em ocasiões de incêndio, a autoridade dos professores esteja
excepcionada. Ela apenas não tem peso suficiente para manter os alunos em sala, vez que,
nessas circunstâncias, outro princípio deve prevalecer.
É corolário desta teoria a constatação de que nenhum princípio possui precedência
absoluta sob outro, vez que as precedências são sempre condicionadas, e consideram as
condições do caso concreto. Ademais, a solução da colisão não estabelecerá somente a
precedência de um princípio, de um interesse, de uma pretensão, de um direito ou de objeto
33
semelhante; na verdade, são indicadas condições sob as quais se verifica uma violação a um
direito fundamental84. Isso porque, ao considerar que um princípio deve prevalecer sobre
outro em determinado caso concreto, considera-se, por via de consequência, que solução
diversa naquelas mesmas condições é proibida sob o ponto de vista dos direitos fundamentais.
Princípios são, portanto, mandamentos de otimização e, por sua natureza, não possuem
precedência absoluta sobre outros princípios. Quando em colisão, dadas as condições do caso
concreto, surgirá um enunciado de precedência condicionada de um princípio sobre outro,
enunciado tal que possui a natureza de regra e prescreve a consequência jurídica do princípio
prevalente85. A essa regra dá-se o nome de norma de direito fundamental atribuída, que surge
como resultado do sopesamento, e que possui estrutura idêntica às regras de direito positivo.
Essa regra, contudo, não é emanada pelo legislador, mas decorre da atividade de aplicação dos
princípios, mormente pelos juízes. Dessa forma, uma colisão de mandamentos de otimização
exigirá do juiz a criação de um enunciado de precedência condicionada de um princípio sobre
outro, que possui a estrutura de regra e contêm uma determinação precisa no âmbito daquilo
que é, naquelas condições, fática e juridicamente possível.
Dessa forma, o caminho que vai do princípio (direito prima facie) até o direito
definitivo passa pela definição de uma relação de preferência, o que equivale dizer que o
modo de aplicação dos princípios culmina na definição de uma regra. Nesse sentido, pode-se
afirmar que sempre que um princípio for a razão decisiva para um juízo concreto de dever-ser,
esse princípio é o fundamento de uma regra, que representa uma razão definitiva para esse
juízo concreto86.
2.2.3. Colisão entre regras e princípios
Como dito acima, os conflitos entre regras são resolvidos no plano da validade,
invalidando-se uma das regras envolvidas ou criando-se uma cláusula de exceção que as
compatibilize. Foi exposto, ainda, que a colisão entre princípios é resolvida por meio da
ponderação, em razão da estrutura dos princípios enquanto mandamentos de otimização, e que
o resultado final desse sopesamento criará uma relação de precedência condicionada entre os
84
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 98. 85
ALEXY, Robert. Op. cit., p. 99. 86
ALEXY, Robert. Op. cit., p. 108.
34
princípios envolvidos, aplicando-se um deles em maior medida. Contudo, duas normas de
estrutura diversa também podem colidir.
É o caso da colisão entre regras e princípios, talvez o ponto mais complexo e menos
explorado da teoria dos princípios87. Isso ocorre porque as regras são aplicadas pelo método
da subsunção, enquanto os princípios são aplicados mediante a ponderação.
Em tais casos, a aplicação de qualquer dos métodos acima parece problemática.
Caso seja feito o sopesamento, é possível que uma regra seja afastada em detrimento
de um princípio, sem que com isso perca sua validade. No entanto, as regras não possuem tal
dimensão de peso, e soa como casuísmo arbitrário afastar uma regra válida e aplicável sem
extirpá-la do ordenamento jurídico. Por outro lado, se resolvida a colisão entre regra e
princípio no plano da validade, seria necessário aceitar que um princípio pode ser considerado
inválido, ideia incompatível com o próprio conceito de mandamento de otimização.
Alexy não aprofunda o tema. No entanto, ao discorrer sobre os princípios como
mandamentos de otimização, considera que o âmbito das possibilidades jurídicas é
determinado pelos princípios e regras colidentes, esclarecendo, em nota de rodapé, que em tal
caso deve-se proceder a um sopesamento entre o princípio em colisão e o princípio que
materialmente sustenta a regra88.
Essa solução, no entanto, talvez gere mais problemas. Isso porque dá a entender que o
aplicador do direito tem liberdade para afastar qualquer regra válida e aplicável, em qualquer
caso e situação, sempre que compreenda haver um princípio mais importante que o justifique,
causando severa insegurança jurídica.
Um dos papéis mais importantes das regras no ordenamento jurídico é o de aumentar o
grau de segurança na aplicação do direito, e deve-se compreender que uma regra de direito
ordinário já é produto de um sopesamento, mas feito pelo legislador, que considerou todos os
princípios envolvidos no tema para a edição daquele mandamento definitivo. Desse modo, a
relação entre regra e princípio não é uma relação de colisão, mas uma relação de restrição:
87 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 51. 88 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.
35
uma regra que proíba uma conduta permitida prima facie por um princípio nada mais é do que
um processo de restrição a tal princípio, resultado da legislação ordinária89.
Tal colisão entre regra e princípio, nesses casos, é apenas aparente, vez que a regra já é
resultado da ponderação, e deve, no caso concreto, ser simplesmente aplicada por subsunção.
A regra não poderia ser ignorada pelo aplicador do direito.
Podem, no entanto, existir dúvidas quanto à constitucionalidade da regra, cabendo ao
juiz controlá-la. Caso a regra seja declarada inconstitucional em face de outo princípio, a
questão não será de colisão, que desaparece sem que haja modificação nos critérios de
aplicação das normas jurídicas90. Em tal caso, o juiz não ignora a regra por discordar do
sopesamento feito pelo legislador (e do qual a regra é resultado): o que ocorre é a declaração
de que o resultado da ponderação feita pelo legislador é incompatível com normas
constitucionais, sejam elas regras ou princípios.
2.2.3.1. Do uso dos princípios em detrimento de regras
Cabe, aqui, uma breve digressão a respeito da prática jurídica brasileira. O Poder
Judiciário brasileiro hoje sofre grande influência da teoria dos princípios de Ronald Dworkin
e Robert Alexy, e a Constituição Federal de 1988 é profícua na consagração de direitos
fundamentais sob a estrutura de princípios. No entanto, embora das teorias acima expostas tal
conclusão não seja decorrente, instalou-se na práxis jurídica pátria um ambiente intelectual
que aplaude e valoriza decisões principiológicas, considerando de menor importância as
decisões baseadas em regras legais, vistas como burocráticas ou positivistas – e positivismo
hoje no país é quase um palavrão91. Há evidentes efeitos deletérios na valorização irrefletida
dos princípios e da ponderação, muitas vezes desacompanhados do necessário cuidado com a
fundamentação de decisões judiciais. Expoentes do pós-positivismo brasileiro reconhecem
que, adotada a prevalência dos princípios e da técnica da ponderação, por muitas vezes o
89
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 141. 90
SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 53. 91
SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 60.
36
Judiciário abandona a adequada motivação de suas decisões, de modo que “provavelmente
nunca se motivou tão pouco e tão mal” 92.
Muitas vezes o legislador edita normas sobremaneira vagas, como é o caso da norma
civil que obriga os contratantes a observar um arquétipo de conduta equivalente à boa-fé
objetiva93. Em tal caso, o legislador delega ao juiz o poder de criar decisões judiciais a partir
de um princípio jurídico, cujos contornos apenas surgirão à luz do caso concreto. Em outros
casos, o legislador é expresso em suas intenções, editando um mandamento definitivo, como
na vedação à usucapião de bens públicos94. Poderia o juiz, no segundo exemplo, julgar
procedente ação de usucapião movida por pessoa comprovadamente pobre, inspirado na
“dignidade da pessoa humana”95, fundamento da República, “erradicação da pobreza”96,
objetivo fundamental, e direito fundamental à moradia97?
A diferença entre os casos da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa
humana/erradicação da pobreza/direito à moradia não está na estrutura das normas: todas
consagram princípios. O juiz não se choca com o legislador quando decide de acordo com
normas dessa natureza, vez que o legislador delegou poder para esses julgamentos. No
entanto, na existência de regra válida e aplicável (como a da vedação à usucapião de bens
públicos), se o juiz utilizar um princípio para construir um regime alternativo ao legal, estaria
usurpando a função do legislador98. Quando da edição de uma regra, como a que protege os
bens públicos da usucapião, o legislador já realizou o sopesamento entre todos esses
princípios, aplicando em maior medida o princípio da supremacia do interesse público. Não
caberia ao juiz realizar nova ponderação com resultado diverso.
A fascinação por princípios, em detrimento de regras válidas, tende a bloquear a
consistência jurídica e a dissolver o direito amorfamente em seu ambiente. A inflação de
92
BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. In. A nova interpretação constitucional/ Luís Roberto Barroso (organizador). 3ª Ed. Revista – Rio de Janeiro : Renovar, 2008, p. 352. 93 Lei 10.406/2002, Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 94 Lei 10.406/2002, Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. 95 Artigo 1º, III, CRFB/1988. 96 Artigo 3º, III, CRFB/1988. 97 Artigo 6º, CRFB/1988. 98
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 76.
37
princípios pode levar, no limite, à desestabilização de expectativas normativas, à insegurança
jurídica e à desconfiança da própria ordem constitucional99.
2.2.4. Ponderação de regras?
Conforme dito, Alexy distingue as regras dos princípios em razão de sua estrutura
(mandamentos definitivos versus mandamentos de otimização) e de sua forma de aplicação
(subsunção versus ponderação). Os conflitos de regras seriam resolvidos no plano da
validade, invalidando-se uma das regras envolvidas ou criando-se uma cláusula de exceção.
Merece destaque o fato de que há autores, como Humberto Ávila, que compreendem
que também as regras podem ser ponderadas. Isso porque, em seu entendimento, o modo de
aplicação não está determinado pelo texto objeto da interpretação, mas é decorrente de
conexões axiológicas que são construídas pelo intérprete, de modo que o caráter absoluto das
regras pode ser modificado quando consideradas todas as circunstâncias do caso100.
Humberto Ávila menciona exemplos nos quais a Corte Constitucional brasileira
afastou regras válidas ao considerar razões contrárias não previstas pela própria ou por outra
regra. No primeiro caso, o Supremo Tribunal Federal afastou a regra segundo a qual há
presunção incondicional de violência para o crime de estupro quando a vítima tem idade
inferior a 14 anos (artigo 224 do Código Penal), ao entender como não configurado o tipo
penal em caso no qual a vítima possuía 12 anos, por entender que a aquiescência da vítima ou
a aparência física e mental de pessoa mais velha afastava a violência presumida101. Em outro
caso, afastou-se a regra do artigo 37, II da Constituição Federal, que estabelece que a
investidura em cargo público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou
de provas e títulos, em contratação de gari por tempo determinado, por considerar que não era
razoável exigir um certame para uma única admissão em atividade de menor hierarquia,
afastando-se as regras que preveem penalidade por improbidade em tal caso102.
99
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 133. 100
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 45. 101 STF, 2ª Turma, HC 73.662-9-MG, rel. Min. Marco Aurélio, j. 21.5.1996, DJU 20.9.1996, p. 24.535. 102 STF, 2ª Turma, HC 77.003-4-PE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.6.1998, DJU 11.9.1998, p. 5.
38
Os julgados acima tratados indicam que as regras, embora sejam mandamentos
definitivos, podem deixar de ser aplicadas mediante condizente fundamentação, pelo exame
da razão que fundamenta a própria regra (rule´s purpose) ou por razões baseadas em outras
normas e que justifiquem o seu descumprimento (overruling), de tal modo que as regras, tal
qual os princípios, podem envolver a consideração de aspectos específicos abstratamente
desconsiderados103.
No entendimento de Humberto Ávila, portanto, as regras não são aplicáveis pelo
método tudo-ou-nada, vez que sua aplicação depende também de um prévio processo que
considere as circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto. O que diferencia as regras dos
princípios, desse modo, é apenas o grau de abstração anterior à interpretação, vez que as
consequências do descumprimento da regra são de pronto verificáveis, embora ainda devam
ser corroboradas quando de sua aplicação104.
O traço distintivo das regras e dos princípios não seria, de tal modo, o tipo de
obrigação instituído pela estrutura condicional da norma, se absoluta ou relativa, mas o modo
como o intérprete justifica a sua aplicação ou afastamento. Os princípios apenas descrevem
um estado de coisas, fins a promover, sem descrever precisamente comportamentos devidos,
enquanto as regras funcionam como razões para a adoção de comportamentos, tão precisas
que apenas são afastáveis na presença de motivos extravagantes com forte apelo
justificativo105. O caráter absoluto das obrigações estatuídas pelas regras não é, portanto, o
que as distingue dos princípios, mas sim o modo como sua superação deve ser validamente
fundamentada106.
Virgílio Afonso da Silva discorda dessa posição. Para tanto, retoma o exemplo do caso
no qual o Supremo Tribunal Federal não considerou estupro a relação sexual consentida com
mulher menor de 14 anos, afastando a regra que considera ser presumida a violência em tal
hipótese, em razão da aquiescência da vítima ou de sua aparência de pessoa mais velha. Em
primeiro lugar, porque não se pode argumentar contra uma decisão teórica apenas porque esse
ou aquele tribunal decidiu de forma diversa. Em segundo lugar, porque a decisão mencionada
103
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 47. 104
ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 48. 105
ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 49. 106
ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 51.
39
pode ser encarada apenas como uma decisão contra legem que desrespeitou o caráter absoluto
da regra107.
Virgílio considera também que, onde Ávila enxerga o sopesamento da regra do artigo
224 do Código Penal, apenas ocorreu sua interpretação, decidindo o Tribunal se o fato era
típico ou não. Se o tipo penal não se configurou, não se aplica a norma; se tivesse se
configurado, a norma seria aplicada, e por subsunção. São, portanto, muito diferentes as
hipóteses que Ávila chama de “sopesamento na aplicação de regras” e a ponderação entre
princípios: entre estes, todos os princípios em colisão são aplicáveis, embora nem todos
poderão ser aplicados em sua maior medida. No exemplo tratado, a regra foi considerada não
aplicável108.
O que a tese de Ávila ressalta é o fato de que a aplicação das regras não é feito do
modo tudo-ou-nada, ou seja, que pode ser feita de modo automático e sem esforço
interpretativo. No entanto, Virgílio salienta que a estrutura das regras enquanto mandamentos
definitivos não implica facilidade em sua aplicação, de tal modo que não é possível confundir
“tudo-ou-nada” ou “subsunção” com “automatismo” ou “facilidade na interpretação” 109.
2.3. Da relação circular entre princípios e regras
Em recente trabalho que se propõe a analisar a distinção entre os princípios e as regras,
Marcelo Neves compreende que o fato dos princípios jurídicos se submeterem à ponderação
não induz à conclusão de que se tratam de mandamentos de otimização, vez que não há razões
para crer que a decisão final do juiz é uma escolha ótima. Embora o conceito de Alexy não
seja empírico, mas contrafatual, e nesse sentido se aproxime da ideia de uma única decisão
correta de Dworkin, o modelo de otimização é inadequado por desconsiderar se tratarem de
normas que regem uma sociedade complexa, cujo sistema jurídico traduz internamente os
pontos de vista de uma pluralidade de esferas sociais (economia, ciência, técnica, política,
107
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 58. 108
SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 59. 109
SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 60.
40
saúde, religião, arte, esporte, família etc.), de tal modo que o que é otimizante em uma
perspectiva não o é em outra110.
Desse modo, embora a exigência de ponderação ou sopesamento no caso de colisão
entre princípios constitucionais seja inafastável, o vínculo proposto entre ponderação e
otimização, ou seja, a noção idealista do mandamento de ponderação otimizante, subestima a
complexidade de casos constitucionais em que se argumenta primariamente à luz de
princípios111.
Deve-se considerar que a colisão de princípios se baseia na concorrência entre diversas
esferas sociais, e que não é possível a adoção de um modelo semelhante ao da teoria da
escolha racional, que parte de um indivíduo idealizado apto a maximizar valores no cálculo de
custos e benefícios. Busca-se, assim, desenvolver um modelo próprio de distinção entre
princípios e regras constitucionais, salientando que se trata de uma diferença jurídico-
dogmática que emerge com o moderno constitucionalismo. Em seu modelo, os princípios são
definidos como mecanismos reflexivos em relação às regras, analisando-se a relação circular
que existe entre os dois tipos de normas, bem como a atuação dos princípios e regras no
processo de concretização constitucional.
No seu entendimento, os princípios não podem ser concebidos sem o fenômeno da
positivação do direito na sociedade moderna, de tal modo que essa peculiar espécie de norma
jurídica só surge e tem significado prático quando ocorre a diferenciação funcional do direito
como sistema social. Em formas arcaicas de sociedade, o direito não era aplicado, mas
afirmado diretamente pelos envolvidos ou por rituais tribais. Nas culturas e civilizações
antigas já se percebe a distinção entre norma e ação, embora o direito permaneça vinculado a
uma moral religiosa, de modo que as regras jurídicas estavam diretamente vinculadas a
valores verdadeiros e imutáveis, e tal imutabilidade impede a clara distinção entre regra e
princípio, que coincide com a diferença, na sociedade moderna, entre direito natural e direito
positivo, contexto no qual já se admite um direito mutável, o que significa uma transformação
na estrutura social112.
Marcelo Neves trabalha com a teoria dos sistemas de Luhmann, ao afirmar que o
fechamento do sistema jurídico decorre da Constituição no sentido moderno, que tem a
110 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 83. 111 NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 141. 112 NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 112/113.
41
função de “substituir apoios externos, tais como os que foram postulados pelo direito
natural”113. A Constituição pode ser vista como o acoplamento estrutural entre direito e
política. Se os modelos de direito natural perdem seu significado institucional na sociedade
complexa, marcada por enormes dissensos entre perspectivas morais e valorativas, os
princípios metajurídicos deixam de atuar como critério de orientação normativa. Dentro do
sistema jurídico, os princípios constitucionais passam a atuar como um filtro fundamental em
face da pluralidade de expectativas normativas existentes no ambiente do sistema jurídico114.
A distinção entre princípios e regras é, nesse sentido, uma diferença interna do sistema
jurídico, configurando duas categorias jurídico-dogmáticas, por serem definidos
conceitualmente de forma precisa pela dogmática jurídico-constitucional, entendida como
instância do próprio sistema jurídico115. As regras são normas gerais, de primeiro grau, que
condensam expectativas normativas que se dirigem imediatamente à solução do caso. São
razões definitivas para a solução de controvérsias, e, portanto, subcomplexas, insuficientes
perante uma pluralidade desordenada e conflituosa de expectativas do contexto social. Os
princípios, por sua vez, estão mais distantes do caso a decidir e possuem uma relação mais
flexível entre o antecedente e o consequente, são mais adequados a enfrentar a diversidade de
expectativas normativas que circulam na sociedade.
Quando da invocação dos princípios jurídicos, a relação entre antecedente (hipótese
normativa do fato) e consequente (hipótese normativa do efeito jurídico) é flexível,
importando uma causalidade jurídica incompleta116. Por sua natureza, os princípios
desempenham sua função especialmente em relação à adequação social do direito, em
particular nos casos controversos mais complexos. Um sistema que superestime as regras
tende a uma consistência extremamente rígida, enquanto a supervalorização dos princípios
pode levar à insegurança e desconfiança no funcionamento da própria ordem constitucional,
por serem topoi argumentativos que podem ser compatíveis com qualquer medida de
variedade do sistema117, possibilitando a defesa de qualquer ponto de vista, e emprestando
113 LUHMANN, Niklas. “Verfassung als evolutionäre Errungenschaft”. In: Rechtshistorisches Journal 9. Frankfurt am Main: Löwenklau, pp. 176-220, apud NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 118. 114
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 118. 115
NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 119. 116
NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 123. 117
NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 133.
42
respeitabilidade mesmo aos argumentos mais superficiais. No plano somente dos princípios,
quase todo mundo tem alguma razão no que diz118.
Por isso, Marcelo Neves compreende que exista uma relação de circularidade
reflexiva entre princípios e regras constitucionais. Utiliza-se como exemplo a função da
moeda na sociedade. Uma moeda nada vale sem os bens ou sem o poder para comprá-los, ao
passo que os bens, em uma sociedade complexa, nada valem sem o seu correspondente valor
monetário. Essa implicação recíproca pode ser encontrada na relação entre regras e princípios.
Os princípios constitucionais servem ao balizamento, construção, desenvolvimento,
enfraquecimento e fortalecimento de regras, assim como, eventualmente, para restrição e
ampliação do seu conteúdo, atuando como fundamento das regras, inclusive constitucionais,
nas controvérsias jurídicas complexas. As regras, por sua vez, são condições de aplicação dos
princípios na solução dos casos constitucionais, de tal modo que, caso não exista uma regra
prévia ou tal regra não seja construída pelo juiz (resultante da colisão de princípios), os
princípios perdem seu significado e servem apenas à manipulação retórica para afastar a
aplicação de regras completas. Dessa forma, a relação reflexiva circular entre princípios e
regras implica uma fortificação recíproca das respectivas estruturas (normas) e processos
(procedimentos)119.
Em casos constitucionais complexos, diversos princípios e regras são invocados na
cadeia argumentativa, e os princípios não podem ser aplicados sem a intermediação de regras,
sejam elas decorrentes do direito positivo ou construídas jurisprudencialmente120.
A teoria da relação circular entre regras e princípios de Marcelo Neves, em nosso sentir,
embora rejeite a ideia de princípios como mandamentos de otimização, reconhece que estes
estabelecem direitos prima facie, e não parece contrastar substancialmente com a teoria dos
princípios desenvolvida por Alexy. Isso porque, como já dissemos acima121, Alexy
compreende que, na inexistência de regra diretamente aplicável por subsunção, o caminho que
vai do princípio (direito prima facie) até o direito definitivo passa pela definição de uma
relação de preferência, o que equivale dizer que o modo de aplicação dos princípios culmina
na definição de uma regra. Nesse sentido, pode-se afirmar que sempre que um princípio for a
118 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 80. 119 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 134/135. 120 NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 140. 121 Item 3.2.2.
43
razão decisiva para um juízo concreto de dever-ser, esse princípio é o fundamento de uma
regra, que representa uma razão definitiva para esse juízo concreto122.
Caso exista uma regra aplicável ao caso concreto, esta pode ser afastada em razão de
outros princípios, mediante a aplicação de determinados critérios. Este é o tema do próximo
capítulo. Na inexistência de regra aplicável, o juiz deverá considerar todos os princípios
colidentes e estabelecer uma relação de preferência condicionada entre eles. O método pelo
qual o aplicador da norma atingirá tal regra, chamado de ponderação, é o objeto do capítulo
seguinte.
122 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 108.
44
3. CONSTRUÇÕES TEÓRICAS PARA O CONTROLE DE ATOS RESTRITIVOS A DIREITOS FUNDAMENTAIS
O controle de constitucionalidade das leis pode ser entendido como um caso particular
do discurso jurídico, no qual a Corte Constitucional valora os diversos argumentos
interpretativos favoráveis e contrários, de tal modo que a decisão adotada no final desse iter
tem a pretensão de ser correta e aceita como tal pela comunidade jurídica e política123. Uma
decisão correta é aquela devidamente justificada, que respeita as regras da lógica e que valora
corretamente os argumentos interpretativos relevantes no caso concreto.
O juiz, em sua busca pela valoração correta de argumentos interpretativos das
disposições legislativas e constitucionais, pode se valer dos critérios da razoabilidade e da
proporcionalidade, que cumprem dupla função: são critérios orientadores para a decisão
correta da Corte Constitucional, e critérios valorativos por meio dos quais as comunidades
jurídica e política examina e critica a correção de tais decisões.
A razoabilidade e a proporcionalidade são construções jurídicas que ostentam uma
função em comum, e, portanto, guardam considerável proximidade. São conceitos tão
próximos que são entendidos como sinônimos por grande parte dos teóricos do direito. Luis
Roberto Barroso trata ambos os conceitos indistintamente, compreendendo que os autores de
influência germânica preferem a denominação princípio da proporcionalidade124. A
jurisprudência do STF é profícua em julgados que tratam tais conceitos indistintamente
quando do controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. Na Corte Constitucional
brasileira125, a invocação da proporcionalidade e da razoabilidade é, não raramente, um mero
recurso a um topos, com caráter meramente retórico, e não sistemático. Em inúmeras
decisões, sempre que se queira afastar alguma conduta considerada abusiva, recorre-se à
fórmula "à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, o ato deve ser
considerado inconstitucional” 126.
É certo que os conceitos estão intimamente relacionados, e tal função comum é a
seguinte: ambas as construções surgiram com o objetivo de controlar atos estatais que
123 PULIDO, Carlos Bernal. O direito dos direitos : escritos sobre a aplicação dos direitos fundamentais. Trad. de Thomas da Rosa de Bustamante com a colaboração de Bruno Stiegert. – São Paulo : Marcial Pons, 2013, p. 60. 124 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 224. 125 Como, por exemplo, o HC 76.060-4 e a ADI 1407-2. 126 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, 2002, p. 31.
45
restrinjam direitos fundamentais, ou, em termos mais específicos, atuam no controle judicial
da constitucionalidade de leis restritivas de direitos fundamentais.
No entanto, a sinonímia nos parece empobrecedora sob a ótica técnico-jurídica, razão
pela qual aprofundaremos as distinções evidenciadas pela teoria do direito entre a
razoabilidade e a proporcionalidade, noções que se diferenciam “não só pela sua origem, mas
também pela sua estrutura” 127.
A dogmática dos direitos fundamentais corresponde, no geral, a um processo trifásico:
1°) análise do objeto tutelado pelo direito fundamental; 2°) análise da intervenção estatal e 3°)
análise da possibilidade de justificação desta em face da aplicação de um limite
constitucional. O controle da aplicação do limite constitucional é feito pela análise da
proporcionalidade. Daí se classificar o critério da proporcionalidade como sendo um “limite
do limite” (Schrankenschranke) constitucional128. A razoabilidade, por sua vez, também
exercerá o papel de imposição do limite constitucional, mas de modo diverso, como passamos
a elucidar.
3.1. Razoabilidade
Na dogmática jurídica, a razoabilidade assume o papel de um parâmetro para avaliar e
criticar decisões jurídicas particulares. O conceito de razoabilidade ou de razoável (ou,
equivalentemente, de irrazoabilidade ou de irrazoável) é de fundamental importância na
prática e na teoria da argumentação jurídica129. Trata-se de um critério utilizado por juízes e
por Tribunais Constitucionais para fundamentar suas decisões, e empregado pela comunidade
jurídica e política para valorar a correção de decisões jurisprudenciais.
A razoabilidade funciona, em última análise, como um critério – ou melhor, um feixe
de critérios – para decidir de forma correta. É, no entanto, um dos conceitos mais fluidos da
dogmática jurídica em geral, constituindo o que se denomina noção de conteúdo variável:
sobre ela, de modo geral, há amplo consenso enquanto resta indeterminada, mas sérias
127 SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 29. 128 MARTINS, Leonardo. Proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade: problemas de sua recepção pelo direito e jurisdição constitucional brasileiros. Cadernos de Direito, Piracicaba, 3(5): 15-45, jul./dez. 2003, p. 24. 129 ATIENZA, Manuel. Para una razonable definición de ‘razonable’. em Doxa, n. 4, 1987, p. 189.
46
controvérsias quando é aplicada em uma situação concreta130. A aplicação da razoabilidade
variará, assim, tanto em sentido histórico e social (dependendo das condições temporais e
espaciais) quanto em sentido lógico (o razoável em cada caso depende do campo a que se
aplique tal noção) 131.
Trata-se, portanto, de conceito ambíguo e polissêmico, de modo que a teoria do direito
adscreve múltiplos significados à razoabilidade. Ao mesmo tempo em que o conceito é
utilizado para tipos específicos de argumentação, aparece como noção de caráter geral,
aplicável a qualquer argumentação jurídica. Em termos gerais, pode-se dizer que a noção de
razoabilidade é um componente comum dos “conceitos jurídicos indeterminados”, que nada
mais são do que resultado da aplicação da razoabilidade, o mesmo conceito básico, a campos
distintos132.
De acordo com uma primeira acepção, exposta em especial por Manuel Atienza, a
razoabilidade pode ser compreendida como um conceito subsidiário da “estrita
racionalidade”133 dos procedimentos e raciocínios necessários às decisões judiciais. Uma
decisão judicial estritamente racional, e portanto razoável, se satisfaz as seguintes condições:
1) respeito às regras da lógica dedutiva; 2) respeito aos princípios da racionalidade prática
(consistência, coerência, generalidade e honestidade); 3) fundamento em uma fonte jurídica;
4) não estar fundada em critérios estranhos ao ordenamento jurídico, como critérios
meramente éticos ou políticos134.
Nesse sentido, uma decisão judicial é razoável quando representa um ponto de
equilíbrio entre todas as exigências que devem ser consideradas no caso concreto135, e é
admissível pela comunidade, entendida como um “auditório ideal”. Tais critérios se implicam
130 MACCORMICK, Neil. On Reasonableness, in Perelman, Chaïm et Vander Elst, Raymond (orgs.). Les notions a contenu variable en droit. Bruxelles, E. Bruylant, 1984, p. 131-133. 131 ATIENZA, Manuel. Para una razonable definición de ‘razonable’. em Doxa, n. 4, 1987, p. 190. 132 ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 189. 133 Atienza esclarece o porquê da utilização da expressão “estritamente racional”: a intenção é a de evitar contrapor o razoável ao racional, de tal modo que o razoável também é racional em sentido amplo, ainda que o racional possa não ser razoável. Todo razoável é racional, mas nem todo o racional é razoável – ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 193. 134 ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 193. 135 Tais “exigências” se aproximam da noção de princípios, que, quando igualmente e prima facie aplicáveis ao caso concreto, exigem a aplicação do método da ponderação para a solução da tensão e criação de precedência condicionada entre os princípios envolvidos.
47
reciprocamente: uma decisão é mais aceita pela comunidade quando melhor acomoda todas as
exigências a se considerar no caso concreto136.
A razoabilidade tem funcionado como um dos principais standards para avaliar e
criticar as possibilidades de decisão de casos difíceis. Para Luis Roberto Barroso, trata-se de
princípio137. Para Humberto Ávila, por outro lado, trata-se de postulado normativo aplicativo,
que se situa num plano distinto das regras e princípios: são normas de segundo grau,
metanormas, que não podem ser violadas em si, mas permitem verificar os casos em que as
normas cuja aplicação estruturam são violadas138.
Para Luís Roberto Barroso, a matriz da razoabilidade remonta à cláusula law of the
land, inscrita na Magna Charta, de 1215, e, modernamente, às emendas 5ª e 14ª da
Constituição norte-americana, sendo a cláusula due processo of law em sua dimensão
substantiva sua grande fonte, servindo o princípio de parâmetro de valoração dos atos do
Poder Público para aferir se estes estão informados pelo valor superior inerente a todo
ordenamento jurídico, a justiça139.
Segundo Willis Santiago Guerra Filho, na Inglaterra fala-se em princípio da
irrazoabilidade, e sua origem concreta remonta a decisão judicial proferida em 1948, a
decisão Wednesbury, na qual se formulou a assertiva segundo a qual “se uma decisão (...) é de
tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a corte intervir”.
Trata-se de teste menos intenso do que os exigidos pela regra da proporcionalidade,
destinando-se a afastar somente os atos absurdamente irrazoáveis140.
136 PULIDO, Carlos Bernal. O direito dos direitos : escritos sobre a aplicação dos direitos fundamentais. Trad. de Thomas da Rosa de Bustamante com a colaboração de Bruno Stiegert. – São Paulo : Marcial Pons, 2013, p. 68. 137 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 218. Contudo, importa frisar que o autor não emprega o termo de acordo com a tipologia de Alexy, segundo a qual os princípios são mandamentos de otimização, que devem ser aplicados na maior medida possível, dadas as circunstâncias fáticas e jurídicas existentes. Emprega-se o termo, assim, em acepção consagrada no Brasil, compatível com o conceito de Celso Antonio Bandeira de Melllo, segundo o qual princípio é “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico” - MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 747-748. 138 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 136/137. 139 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 218/224. 140 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Noções fundamentais sobre o princípio constitucional da proporcionalidade. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição Salvador: Juspodivm, 2009, p. 251.
48
Demonstrado que a razoabilidade é utilizada com diversos sentidos, passaremos a
elucidar as acepções de maior destaque, ressaltando que muitos dos critérios ou acepções da
razoabilidade se sobrepõem, inclusive quando aplicados pelos Tribunais, mas todos podem
ser definidos autonomamente e contribuem, ao seu modo, para justificar os juízos de valor
tomados diante dos casos que exigem seu exame. A classificação sistemática da razoabilidade
busca impedir que tal critério seja utilizado como “cláusula de bloqueio” à argumentação
jurídica, encerrando a discussão onde ela deveria se iniciar. Isso porque não basta dizer que
algo é razoável; é preciso saber com que parâmetros, em quais dos sentidos, e principalmente
por quê141.
3.1.1. Razoabilidade como equidade
Uma das acepções mais antigas da razoabilidade é aquela que associa tal critério com
a noção de equidade, tal como Aristóteles já o compreendia em sua Ética a Nicômaco.
Transcreveremos o seguinte parágrafo, que bem ilustra a concepção aristotélica de equidade:
(...) o equitativo é justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal. A razão disto é que toda lei é universal, mas a respeito de certas coisas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta. Nos casos, pois, em que é necessário falar de modo universal, mas não é possível fazê-lo corretamente, a lei considera o caso mais usual, se bem que não ignore a possibilidade de erro. (...) Portanto, quando a lei se expressa universalmente e surge um caso que não é abrangido pela declaração universal, é justo, uma vez que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade, corrigir a omissão – em outras palavras, dizer o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente, e que teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso142.
A razoabilidade como equidade exige que o direito seja adaptado ao caso concreto, em
rejeição à máxima ita lex o dura lex sed lex. O direito positivo deve ter suas normas
adequadas, caso a caso, à realidade que o legislador é incapaz de prever, em razão das
múltiplas possibilidades que o caso concreto proporciona.
141 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, p. 228. 142 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. A. Pickard – Cambridge. São Paulo : Abril Cultural, 1973, p. 336.
49
Nesse aspecto, a razoabilidade enquanto equidade é de longa data aplicada. O critério
pode ser encontrado em reflexões dogmáticas hoje consideradas relativamente antigas, como
a teoria da imprevisão, à qual, em linhas gerais, prevê que os contratos possui implicitamente
a cláusula rebus sic stantibus como modo de abrandar a categórica formulação do brocardo
pacta sunt servanda143.
Isso porque a razoabilidade, em primeiro lugar, impõe a consideração daquilo que
normalmente acontece, atuando como instrumento para determinar as circunstâncias de fato
que estão dentro da normalidade. Em segundo lugar, a razoabilidade exige a consideração do
aspecto individual do caso, nas hipóteses em que suas particularidades são desconsideradas
pela generalização legal, de tal modo que a norma geral não pode ser aplicada, por se tratar de
um caso anormal144.
Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça julgou mandado de segurança
impetrado por aprovados em concurso público para a Polícia Militar do Estado da Paraíba145.
Os candidatos foram aprovados fora do número de vagas previsto em edital para a
convocação e prosseguimento às demais fases do certame. Abertas novas vagas, foram, quase
um ano depois de homologado o resultado final, convocados pela Administração Pública para
prosseguirem no certame mediante simples comunicação publicada no Diário Oficial do
Estado, não tendo, no entanto, atendido ao chamamento. O Tribunal compreendeu que,
embora se exigisse dos candidatos aprovados dentro “caracteriza violação ao princípio da
razoabilidade a convocação para determinada fase de concurso público apenas mediante
publicação do chamamento em diário oficial quando passado considerável lapso temporal
entre a realização ou a divulgação do resultado da etapa imediatamente anterior e a referida
convocação”, uma vez que é inviável exigir que o candidato acompanhe, diariamente, com
leitura atenta, as publicações oficiais. Trata-se de utilização do critério da razoabilidade
enquanto equidade, vez que, em condições normais (aprovação dentro do número de vagas
previsto e chamada em curto lapso temporal) seria exigido dos candidatos o acompanhamento
das publicações em diário oficial. Contudo, dos candidatos aprovados além do número de
vagas e após considerável período, foge à normalidade, afigurando-se desarrazoado, portanto,
exigir o acompanhamento diário de publicações oficiais.
143 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, p. 216. 144 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 156. 145 STJ, AgRg no REsp. Nº 1.399.539 - PB (2013/0277427-0).
50
É nesse espaço intermediário entre fatos e normas que a razoabilidade atua,
fornecendo parâmetro metanormativo para a busca da justiça no caso concreto. Não se trata,
contudo, de manifestação de uma concepção jusnaturalista de equidade, vez que a exigência
de razoabilidade se contenta com uma busca de solução justa e adequada de acordo com os
princípios do ordenamento jurídico, permitindo-se decisões intra jus, e não contra legem146.
3.1.2. Razoabilidade como congruência
É diversa a perspectiva da razoabilidade como dever de congruência, que exige a
harmonização das normas com suas condições externas de aplicação147, o que significa dizer
que a medida estatal deve estar vinculada a realidade e ser, em relação a esta, congruente,
compatível.
A interpretação das normas exige o confronto com parâmetros externos a elas,
falando-se em dever de congruência e de fundamentação da natureza das coisas (Natur der
Sache), atuando os princípios constitucionais do Estado de Direito (art. 1º) e do devido
processo legal (art. 5º, LIV) como decisivos obstáculos à edição de atos legislativos de
conteúdo arbitrário ou irrazoável, impedindo a subversão dos procedimentos institucionais
utilizados. Desse modo, desvincular-se da realidade é violar os princípios do Estado de
Direito e do devido processo legal148.
Um exemplo de medida desarrazoada, porque incongruente com a realidade, é a
instituição de adicional de um-terço de férias para servidores públicos inativos149. Levada a
questão a julgamento no Supremo Tribunal Federal, entendeu-se que a vantagem era
destituída de causa, vez que apenas deve receber um adicional de férias quem tem férias,
anulando-se a medida por violação ao devido processo legal.
Em tal caso, a razoabilidade estabelece um teste de relevância para a realidade fática,
analisando a aceitabilidade racional das premissas empíricas das quais parte o legislador. A
razoabilidade como congruência busca verificar se a norma impugnada prevê um retrato
146 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, p. 218. 147 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. Op. cit., p. 217. 148 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 158. 149 STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 1.158-8-AM, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.12.1994, DJU 26.5.1995, p. 15.154.
51
suficientemente seguro da realidade extrajurídica150. Nesse sentido, tal exigência assume
relevo nas hipóteses de anacronismo legislativo, casos em que a norma, editada em
determinado contexto socioeconômico, já não guarda a necessária correspondência com a
realidade e não mais possui razão para ser aplicada151.
3.1.3. Razoabilidade como equivalência
A razoabilidade como equivalência exprime noção semelhante à da razoabilidade
como dever de congruência, mas nos informa a respeito da necessidade de correspondência
entre duas grandezas: exige uma relação de compatibilidade entre a medida adotada e o
critério que a dimensiona152.
Como exemplo, temos o caso no qual o Supremo Tribunal Federal considerou
desarrazoada taxa judiciária fixada em percentual fixo, por compreender que, em alguns
casos, essa seria tão alta que inviabilizaria o regular exercício do direito fundamental à
prestação jurisdicional, além de não ser razoavelmente equivalente ao custo real do serviço153.
Pode-se dizer, também que o chamado princípio da insignificância penal é expressão
da razoabilidade como equivalência, nos casos de condutas típicas que, embora formalmente
encaixadas no molde legal-punitivo, materialmente escapam desse encaixe. Em muitos casos,
nossos Tribunais aplicam o princípio da insignificância penal, considerando o crime praticado
como “de bagatela”, fazendo expressa menção ao critério da razoabilidade. Em recente
decisão, o Supremo Tribunal Federal enfrentou caso no qual determinada pessoa realizava a
operação de rádio comunitária sem autorização do poder público, incorrendo no crime
previsto no artigo 183 da Lei Federal 9.472/1997. Em sede de Recurso Ordinário em Habeas
Corpus154, o STF compreendeu que, embora o autor do fato tenha praticado atividades
clandestinas de comunicação, a rádio amadora operava em comunidade localizada na floresta
amazônica, a mais de 300 quilômetros distante da capital Manaus, e com transmissor de
potência tal que inapto a causar algum prejuízo para outros meios de comunicação ou para
150
BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, p. 218. 151
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 158. 152
ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 160. 153 STF, 2ª Turma, HC 77.003-4-PE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.6.1998, DJU de 20.4.2006, p. 5. 154 STF, 2ª Turma, RHC 118014-AM, Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.8.2013, DJe-163 div. 20.8.2013.
52
causar problemas ou interferências prejudiciais em serviços de emergência. Nos crimes de
bagatela, não é razoável a imposição de pena ao sujeito ativo, em razão da ausência de
compatibilidade entre a conduta praticada e a reprimenda prevista em lei.
3.1.4. Robert Alexy e a fórmula de Radbruch: razoabilidade como pretensão de
correção
Para os propósitos desse trabalho, parece-nos proveitoso ressaltar a tese de
razoabilidade defendida por Robert Alexy, segundo a qual existe, em todos os atos
institucionais de produção do Direito, uma chamada pretensão de correção, consistente em
uma pressuposição implícita no ato de decidir155. Não faria sentido um dispositivo de sentença
que dissesse, por exemplo: “Em nome do povo, condena-se o senhor N à pena de dez anos de
privação de liberdade, o que é uma interpretação equivocada do direito vigente”156. Dessa
forma, a pretensão de correção envolve necessariamente dois aspectos: a) a pretensão de que a
decisão está corretamente substanciada no direito positivo, seja qual for seu conteúdo; b) a
pretensão de que a decisão é justa e razoável.
Se a razoabilidade faz parte da denominada pretensão de correção, assumimos que ela
está implícita em todos os contextos de produção/aplicação do Direito. Aceita a pretensão de
correção, resolvido está o problema da fundamentação da exigência de razoabilidade em
qualquer ordem jurídica157.
Nesse sentido, sustenta-se que a razoabilidade é um instrumento para afastar a
aplicação de normas extremamente injustas, como, por exemplo, o Decreto n. 11, baixado
pelo regime nazista em 1941, segundo o qual o judeu com residência no exterior perdia sua
nacionalidade com a vigência do decreto, e seus bens se tornariam de propriedade do Reich
com a perda da nacionalidade. Um caso concreto expressamente citado por Alexy é o de uma
mulher judia que migrou para a Suíça em 1939, e, com o fim da guerra, retornou à Alemanha
para tentar recuperar depósitos e propriedades. Encontrou óbice no Decreto n. 11, que, apesar
155 ALEXY, Robert. The special case thesis, in Ratio Iuris, vol. 12, n. 4. Oxford: Blackwell Publishers, 1999, p. 374-384. 156 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hitchinson Schild Silva ; revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira de Cláudia Toledo. 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2013, p. 318. 157 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, p. 210.
53
de revogado, produziu efeitos na época em que vigorou. A Corte Constitucional alemã
considerou os dispositivos nulos, por seu “caráter iníquo, que contradiz as exigências
fundamentais de qualquer ordem baseada no Estado de Direito” 158.
Para Alexy, há uma conexão necessária entre direito e moral, defendendo a tese da
vinculação do primeiro à segunda. Seu conceito de direito, portanto, compreende: a) validade
formal; b) eficácia social; e c) correção substancial159. Conceitos de direito positivistas se
limitam a combinações das letras a e b, enquanto o jusnaturalismo limita o conceito de direito
à letra c; o pós-positivismo, por sua vez, busca superar essa dicotomia e as limitações que
delas implicam. A partir desse conceito de direito, com conexão necessária entre direito e
moral, é que se pode buscar um mínimo de correção moral como precondição para a
razoabilidade de qualquer decisão.
Alexy buscou incorporar a correção material ao seu conceito de direito, resgatando a
fórmula de justiça elaborada por Gustav Radbruch após o ocaso do nazismo, segundo a qual
“o direito extremamente injusto não é direito”. Incorporada a fórmula de Radbruch, a
razoabilidade pode ser vista como uma ponte que liga as esferas do direito e da moral,
harmonizando-os em casos extremos, vez que permanece uma prioridade prima facie dos
valores certeza e segurança sobre a correção substantiva.
3.2. Proporcionalidade
A noção da proporcionalidade, desenvolvida originalmente pela jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal alemão160, encontra-se arraigada no pensamento jurídico-
constitucional contemporâneo161.
Em decisão daquela corte, prolatada ainda na década de sessenta, asseverou-se que o
“princípio” da proporcionalidade “resultaria da própria substância dos direitos fundamentais”
158 ALEXY, Robert. A defence of Radbruch´s formula (trad. David Dyzenhaus), in Dyzenhaus, David (org). Recrafting the rule of law. Oxford: Hart Publishing, 1999, p. 18. 159 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de um mapa semântico, in Leituras Complementares de Direito Constitucional. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, p. 224. 160 BVerfGE 19, 342 (348 e ss.). 161 MARTINS, Leonardo. Proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade: problemas de sua recepção pelo direito e jurisdição constitucional brasileiros. Cadernos de Direito, Piracicaba, 3(5): 15-45, jul./dez. 2003, p. 17.
54
162. Pouco mais tarde o mesmo tribunal diria que por isso a proporcionalidade, embora não
positivada no texto constitucional, teria status constitucional163.
“Ponderação” significa para Schlink o próprio processo de aplicação da
proporcionalidade ao caso decidendo. Para ele, no contexto do desenvolvimento do Estado de
direito para o contemporâneo Estado democrático e constitucional, a exigência da reserva
legal transformou-se na exigência da reserva de lei proporcional164. Se antes o legislador
ordinário podia constitucionalmente relativizar, em matéria de direitos fundamentais, aquilo
que o legislador constituinte fixara enquanto direito fundamental, exigindo-se dele apenas
autorização nesse sentido constante do próprio texto constitucional, hoje, em razão do vínculo
do legislador aos direitos fundamentais, ele só pode concretizar a reserva legal de forma
proporcional.
Em razão da frequente associação com o conceito de razoabilidade, muitos autores
compreendem que a matriz da proporcionalidade remonta à cláusula law of the land, inscrita
na Magna Charta, de 1215, e é frequente, também, a associação entre a proporcionalidade e a
razoabilidade da jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, baseada no chamado
substantive due process165. No entanto, como salientamos, a regra da proporcionalidade no
controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento
jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente,
sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-
fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma estrutura
racionalmente definida, com sub-elementos independentes - a análise da adequação, da
necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito - que são aplicados em uma ordem
pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia,
claramente, da mera exigência de razoabilidade166.
Sobre o fundamento de validade da proporcionalidade, fala-se que esta deriva do
Estado de Direito, dos direitos fundamentais ou da unidade da Constituição, bem como da
conjugação de todos esses fundamentos. A exigência de proporcionalidade vem sendo aceita
162 BVerfGE 19, p. 342 (348) . 163 BVerfGE 23, p. 127 (133) . 164 SCHLINK, Berhard. Freiheit durch Eingriffsabwehr – Zur Rekonstruktion der klassischen Grundrechtsfunktion. Europäische Grundrechts-Zeitschrift. 1984, p. 457-468, apud MARTINS, Leonardo. Proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade: problemas de sua recepção pelo direito e jurisdição constitucional brasileiros. Cadernos de Direito, Piracicaba, 3(5): 15-45, jul./dez. 2003, p. 20. 165 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 218/224. 166 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, 2002, p. 30.
55
como um dever jurídico-positivo, o que, por si só, revela a importância de sua explicação e
descrição167. No entanto, o conceito não pode ser deduzido ou induzido de um ou mais textos
normativos, mas resulta da estrutura das próprias normas jurídicas estabelecidas pela
Constituição brasileira e da própria atributividade do Direito, que estabelece proporções entre
bens jurídicos exteriores e divisíveis. Vale dizer: a tentativa de extraí-lo do texto
constitucional será frustrada168.
Hoje, a chamada “proporcionalidade em sentido amplo” (Verhältnismäßigkeit im
weiteren Sinne) compõe-se dos princípios da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito169. Tais regras devem ser aplicadas de forma gradual
com o fim de descartar primeiro as medidas que ofendam ao princípio da adequação
(inadequadas, inaptas), depois as que ofendam a necessidade (desnecessárias) para,
finalmente, com a medida restante, avaliar a sua conformidade com o princípio da
proporcionalidade em sentido estrito.
Trata-se, portanto, de um processo seletivo classificatório (adequação), eliminatório
(necessidade) e axiológico (proporcionalidade em sentido estrito) e, destarte, de um processo
caracterizado por um afunilamento, que não deixa de ter sua lógica170.
O objetivo da aplicação da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer
com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para
usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições171.
3.2.1. Princípio, máxima, standard, regra ou postulado normativo?
A despeito da dúvida da categoria jurídica na qual a proporcionalidade está inserida,
no Brasil, o termo mais difundido é “princípio da proporcionalidade” 172. Contudo, a
utilização do termo pode ser errônea, principalmente quando se adota o conceito de princípio
em contraposição ao conceito de regra jurídica, com base na teoria difundida por Robert
167 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, 2002, p. 33. 168 ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, ano 1, volume 1. Salvador, 2001, p. 4. 169 MARTINS, Leonardo. Proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade: problemas de sua recepção pelo direito e jurisdição constitucional brasileiros. Cadernos de Direito, Piracicaba, 3(5): 15-45, jul./dez. 2003, p. 20. 170 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 20. 171 SILVA, Virgílio Afonso da. Op. ct., p. 24. 172 Como em BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 218.
56
Alexy. Tratam-se das espécies de normas jurídicas, que não se diferenciam pela generalidade
e especialidade da norma, mas por sua estrutura e forma de aplicação.
O termo “Grundsatz” pode ser traduzido como princípio, máxima ou postulado. O
próprio Alexy, no passado, referia-se à proporcionalidade literalmente como princípio
(Verhältnismässigkeitprinzip, e não Verhältnismässigkeitgrundsatz)173. Humberto Ávila
afirma que Alexy, "sem o enquadrar noutra categoria, exclui-o com razão do âmbito dos
princípios, já que não entra em conflito com outras normas-princípios, não é concretizado em
vários graus ou aplicado mediante criação de regras de prevalência diante do caso concreto, e
em virtude das quais ganharia, em alguns casos, a prevalência"174.
Contudo, parece-nos que Alexy classifica a proporcionalidade como regra175. Para
manter a coerência de sua teoria, a proporcionalidade de princípio não se trata, vez que os
princípios são mandamentos de otimização que podem produzir efeitos em várias medidas, e a
proporcionalidade é aplicada de forma constante, sem variações. Trata-se, portanto, de regra,
mandamento definitivo, bem como cada um de seus sub-elementos.
A proporcionalidade é também comumente compreendida como sinônimo de
proibição de excesso, como instrumento de controle contra o excesso dos poderes estatais.
São, contudo, conceitos distintos, vez que cada vez mais ganha importância a
proporcionalidade como instrumento contra, também, a omissão ou ação insuficiente dos
poderes estatais. Antes se falava apenas em Übermaßverbot, ou seja, proibição de excesso. Já
há algum tempo fala-se também em Untermaßverbot, que poderia ser traduzido por proibição
de insuficiência176.
Para Marcelo Neves, a proporcionalidade é uma condição de possibilidade do
funcionamento efetivo e consistente da ordem de regras e princípios, em especial de um
ordenamento de direitos fundamentais, e, em última instância, do funcionamento da
Constituição de um Estado constitucional177. Por tal razão, Neves não classifica a
proporcionalidade como norma, seja ela regra ou princípio; contudo, pondera que, caso a
173 ALEXY, Robert. “Zum Begriff des Rechtsprinzips”. In: Werner Krawietz, Kazimierz Opalek, Aleksander Peczenik e Alfred Schramm (orgs.). Argumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz. Berlim: Dunker & Humblot, pp. 59-87. 174 ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, ano 1, volume 1. Salvador, 2001, p. 24. 175 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 117. 176 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, 2002, p. 26/27. 177 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 110.
57
utilização do critério da proporcionalidade passe a ser um dever do aplicador do direito, a
imposição de obediência desse dever passa a ser uma norma desse sistema.
Para efeitos do presente trabalho e em consonância com a teoria de Alexy,
classificaremos a proporcionalidade como regra, composta por três elementos ou sub-regras,
quais sejam, a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A proporcionalidade exige, para sua correta aplicação, que se obedeça à ordem pré-
definida de suas sub-regras, que se relacionam de forma subsidiária, de forma que o juiz nem
sempre precisará proceder à análise de todas elas para decidir pela proporcionalidade ou
desproporcionalidade da medida. Tal análise pode ser resolvida, por exemplo, com simples
exame da adequação do ato estatal à promoção dos objetivos pretendidos.
Em termos concretos, a análise da necessidade somente será exigível quando resolvida
a análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito é imprescindível
somente quando superadas as análises da adequação e da necessidade. Será ilegítima a
intervenção em direitos fundamentais que não observe as exigências formuladas pelas sub-
regras da proporcionalidade.
3.2.2. Adequação
É adequado o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada,
promovida. Observa-se que a medida é aprovada no teste da adequação ainda que este
objetivo não seja completamente realizado.
O teste da adequação nada mais é do que um prognóstico das consequências práticas do
meio eleito pelo legislador para o alcance da medida. Adequado será um meio que,
comprovadamente, propiciar uma conexão entre o estado de coisas almejado pelo Estado por
meio da intervenção e o estado de coisas existente após tal intervenção, quando o propósito
puder ser considerado realizado. Todos os meios que não implicarem nessa conexão ou
relação de causalidade comprovável empiricamente são considerados inadequados, e,
portanto, desproporcionais e, por via de conseqüência, inconstitucionais178.
178 MARTINS, Leonardo. Proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade: problemas de sua recepção pelo direito e jurisdição constitucional brasileiros. Cadernos de Direito, Piracicaba, 3(5): 15-45, jul./dez. 2003, p. 33.
58
Ressalta-se que não é preciso que o objetivo estatal possa ser efetivamente alcançado
pela medida. O teste da adequação não possui tal exigência, bastando que a medida seja capaz
de, em tese, fomentá-lo ou promovê-lo, reputando-se inadequada somente a medida que em
nada contribui para fomentar a realização do objetivo pretendido179.
Para haver adequação, a medida adotada deve ostentar conformidade com o objetivo
(Zielkonformität) e a prestabilidade para atingir tal fim (Zwecktalglichkeit), ressaltando-se
que o estabelecimento de objetivos e dos meios para alcançá-los é um problema de política
legislativa ou administrativa, reservando-se a possibilidade de controle àqueles casos onde é
patente a inadequação e imprestabilidade do meio para a consecução do resultado180.
3.2.3. Necessidade
Um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a
realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por
meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido.
A verificação da necessidade do meio utilizado significa analisar e perquirir se não há
medida diversa ou outro estado de coisas que o Estado possa, sem maiores investimentos,
ocasionar menor gravame ao titular da liberdade intervinda, impondo-se que a medida diversa
também tenha conexão com o estado de coisas onde o propósito possa ser considerado
realizado, conexão esta que também possa ser comprovada. A noção de necessidade da
medida pode ser resumida com a averiguação da existência de medida diversa, que promova
menor intervenção aos direitos fundamentais com iguais ou menores investimentos, do ponto
de vista orçamentário. Tal condição corresponde à opinião dominante da doutrina alemã, mas
poderia, no entanto, ser questionada. É possível que existam medidas alternativas que
ocasionem menor restrição a direitos fundamentais, mas que se traduzam em meios mais
179 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, 2002, p. 36. 180 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Noções fundamentais sobre o princípio constitucional da proporcionalidade. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição Salvador: Juspodivm, 2009, p. 245.
59
onerosos para o Estado. Por representarem intervenção menos intensa, deveriam também ser
considerados no exame de necessidade para se dar sentido ao critério181.
A necessidade costuma ser associada à busca do “meio mais suave” (milderes Mittel)
dentre vários possíveis182.
Das noções acima expostas se extrai a diferença entre as sub-regras da adequação e da
necessidade: o exame deste é inevitavelmente comparativo, enquanto o exame daquela é
absoluto.
3.2.4. Proporcionalidade em sentido estrito
O exame da proporcionalidade em sentido estrito consiste na realização de um
sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância
da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da
medida restritiva.
Observa-se que, para que uma medida seja reprovada no teste da proporcionalidade
em sentido estrito, não é preciso que implique a não realização de um direito fundamental, ou
atinja o seu núcleo essencial. Basta que os motivos que fundamental a adoção da medida não
tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido183.
A proporcionalidade em sentido estrito inclui no seu conteúdo o mandamento do
sopesamento ou da ponderação, mas com ele não se confunde184. Como vimos no capítulo
sobre as regras e princípios, há casos em que uma restrição a um direito fundamental é
veiculada por meio de uma regra, presente em um texto normativo infraconstitucional.
Quando isso acontece, o legislador realizou a ponderação entre todos os princípios envolvidos
no tema, e a regra de direito ordinário é decorrente desse sopesamento. Se alguma dessas
regras que restringem direitos fundamentais tiver sua constitucionalidade questionada, deve o
181 MARTINS, Leonardo. Proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade: problemas de sua recepção pelo direito e jurisdição constitucional brasileiros. Cadernos de Direito, Piracicaba, 3(5): 15-45, jul./dez. 2003, p. 35. 182
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Noções fundamentais sobre o princípio constitucional da proporcionalidade. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição Salvador: Juspodivm, 2009, p. 245. 183
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, 2002, p. 41. 184
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 110.
60
aplicador do direito recorrer à regra da proporcionalidade, passando por suas três sub-regras.
Questionará, portanto, se a regra é adequada para fomentar seus objetivos, se há medida
alternativa tão eficiente quanto e menos restritiva, e, por fim, se há um equilíbrio entre a
restrição de um direito e a realização de outro185.
A proporcionalidade em sentido estrito exige, portanto, que o juiz refaça a ponderação
que foi feita pelo legislador na edição da regra. No entanto, há casos sobre os quais não se
debruçou e não editou qualquer regra, de modo que não existe no ordenamento jurídico uma
regra constitucional que discipline a colisão entre dois princípios. Em tal hipótese, os
princípios constitucionais devem ser aplicados diretamente ao caso concreto, o que requer que
seja feita a ponderação entre os potenciais princípios aplicáveis para a criação de uma relação
de precedência condicionada.
A proporcionalidade pressupõe que exista uma regra infraconstitucional restritiva a
direitos fundamentais a respeito do tema e cuja constitucionalidade é contestada, vez que as
suas três sub-regras, ao questionar se a medida é adequada, necessária e proporcional em
sentido estrito, o fazem em teste a uma medida concreta. Se não há uma regra editada pelo
legislador, não há a possibilidade de se adotar a regra da proporcionalidade186. A ponderação,
no entanto, prescinde de qualquer medida, e deve ser realizada quando não há regra prévia
regulando o caso concreto.
185
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 179. 186
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 179.
61
4. PONDERAÇÃO E A COLISÃO DE PRINCÍPIOS
No capítulo 2, foi exposta a distinção entre regras e princípios, que, nas lições de
Alexy, é a seguinte: enquanto as regras possuem conteúdo definido e são aplicadas pelo
método da subsunção, os princípios são normas que determinam que algo se realize na maior
medida possível, dentro das possibilidades fáticas e existentes, aplicáveis pelo método da
ponderação. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões
entre princípios ocorrem para além dessa dimensão: na dimensão do peso187.
A ponderação possui três problemas básicos: o de sua estrutura, da racionalidade e da
legitimidade. Tais problemas são relacionados, vez que a ponderação será mais legítima
quanto maior a racionalidade da operação, ao passo que sua estrutura é decisiva para a
racionalidade. A estrutura da ponderação é, portanto, seu problema central188.
A aplicação de um princípio depende de seu confronto com os princípios a ele opostos
no caso concreto, bem como com os princípios que respaldam as regras opostas. A
ponderação é necessária quando, no caso concreto, existe uma colisão entre princípios, na
qual são relevantes duas ou mais disposições jurídicas, prima facie igualmente aplicáveis, mas
que propõem soluções opostas para o caso.
Nesse capítulo, buscaremos descortinar o método de aplicação dos princípios
jurídicos, qual seja, a ponderação, na teoria de Robert Alexy. Para tanto, nos valeremos de um
exemplo trazido por Carlos Bernal Pulido, em esclarecedor artigo189, para ilustrar cada um dos
passos e variáveis envolvidas na aplicação dos princípios ao caso concreto.
O problema trazido é o de pais que, em respeito aos mandamentos de sua doutrina
religiosa, se negam a levar a filha ao hospital, apesar desta correr perigo de morte. Há, no
caso, colisão entre os princípios que estabelecem a liberdade de crença dos pais e o direito à
vida e à saúde da filha. Os pais têm, prima facie, o direito de não levar a filha ao hospital,
enquanto a filha tem, prima facie, o direito ao tratamento. A ponderação é a forma de resolver
187 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 94. 188 ALEXY, Robert. La formula del peso. In CARBONELL, Migel (coord.). El principio de proporcionalidade en el Estado Constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2007, p. 15/16. 189 PULIDO, Carlos Bernal. Estructura y limites de la ponderación. In Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho n. 26, 2003, p. 226.
62
tal incompatibilidade, estabelecendo, ao fim, uma relação de precedência condicionada entre
os princípios em colisão190.
Buscaremos elucidar a seguir os passos a serem seguidos pelo juiz para decidir qual
direito fundamental sob a estrutura de princípio deve prevalecer, no caso concreto, aplicando-
se a fórmula do peso.
4.1. Variáveis envolvidas
A lei da ponderação nos informa que quanto maior o grau de afetação de um dos
princípios, tanto maior deve ser o grau de satisfação do outro. A ponderação buscará a
definição do grau de não satisfação/afetação de cada um dos princípios, bem como definir se
o grau de satisfação do princípio contrário justifica a afetação do outro. O aplicador das
normas deverá, portanto, de início, conferir um peso concreto a cada um dos princípios
envolvidos.
Mas não é só. A fórmula do peso de Alexy contêm também uma variável deveras
curiosa: o peso abstrato dos princípios relevantes191
. A variável do peso abstrato se funda no
reconhecimento de que, embora os princípios em colisão tenham a mesma hierarquia (ex:
direitos fundamentais estabelecidos na CF possuem a mesma hierarquia normativa), em
ocasiões um deles pode ter maior importância em abstrato, de acordo com a concepção de
valores predominante na sociedade.
O peso abstrato desconsidera as circunstâncias fáticas e jurídicas existentes, embora
esteja inserido na fórmula do peso para solucionar uma colisão real. Pode-se reconhecer, por
exemplo, que a proteção da vida tem maior peso abstrato do que a proteção da liberdade,
porque, para exercer a liberdade, é necessário ter vida. Pode-se considerar que, em abstrato, a
liberdade de informação tem maior peso do que a honra e a intimidade, por sua conexão com
o princípio democrático, ou, por outro lado, maior peso à honra e intimidade, por sua conexão
com a dignidade humana.
190 PULIDO, Carlos Bernal. Estructura y limites de la ponderación. In Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho n. 26, 2003, p. 226/227. 191 ALEXY, Robert. La formula del peso. In CARBONELL, Migel (coord.). El principio de proporcionalidade en el Estado Constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2007, p. 28/29.
63
Nesse aspecto, parece inevitável questionar: qual a utilidade de se atribuir pesos aos
princípios, em abstrato, se a ponderação pressupõe uma colisão de princípios no caso
concreto? Não estaria o intérprete computando um mesmo valor, em duplicidade? Seria
contraditório atribuir maior peso abstrato a um princípio, escolhendo peso maior a outro
quando envolvidas as circunstâncias fáticas?
Para Alexy, o peso do princípio, abstratamente considerado, é também uma variável
importante para a determinação de qual dos direitos fundamentais prevalecerá quando da
colisão. E ocorre-nos um exemplo, futebolístico, para aclarar as questões acima suscitadas.
Imaginemos que, em vez de estabelecer uma preferência entre princípios, devêssemos
realizar escolhas entre seleções de futebol. Para facilitar o raciocínio, consideremos o
selecionado de três países: Brasil, Alemanha e França. A colisão entre os princípios equivale a
cada confronto entre duas das três seleções, e imaginemos que um analista de futebol deve
estabelecer qual dos países, em tese, venceria os demais. Nosso analista deve, portanto,
escolher um favorito para o embate, sem considerar, contudo, circunstâncias específicas de
cada jogo, apostando no vencedor apenas pelo “peso da camisa”. Para estabelecer uma
preferência absoluta entre as seleções, ele poderia utilizar como critério seguro a quantidade
de títulos mundiais conquistados por cada escrete, o que nos revelaria que, em abstrato, o
Brasil (com cinco conquistas) deveria vencer a Alemanha (com três títulos), que, por sua vez,
deveria vencer seleção da França (detentora de somente um troféu). Dessa forma, em abstrato,
saberíamos que nos confrontos entre Brasil e Alemanha, nosso estudioso do esporte bretão
optaria por maior peso ao Brasil, assim como nos embates entre a seleção canarinho e os
franceses, que também receberiam menor peso em abstrato quando confrontados com os
alemães.
Ocorre que o analista de futebol não incorreria em qualquer contradição ao subverter
a ordem acima descrita e decidir apostar em outro vencedor, quando consideradas as
peculiaridades de uma partida específica. Isso porque, embora a camisa do Brasil tenha mais
peso abstrato do que a camisa da França, há circunstâncias apenas aferíveis no caso concreto
(ou a cada jogo) que exigem do nosso analista a consideração de outras variáveis para a
escolha de um favorito para a vitória. Seria preciso verificar, por exemplo, qual geração de
jogadores é a melhor, a francesa ou a brasileira; se há importantes jogadores contundidos ou
não convocados; ou se este ou aquele país realiza o específico embate como anfitrião,
contando com maciça presença de sua torcida. A escolha do favorito “para o jogo”, portanto,
64
nem sempre coincidirá com a eleição do favorito de “todos os tempos”, embora ambas as
escolhas sejam computadas pelo analista quando de sua decisão final.
Para Alexy, portanto, não é possível estabelecer uma lista apriorística de princípios em
abstrato, que considere qual princípio deva prevalecer sobre os outros quando de uma colisão.
Aceitar o escalonamento de princípios dessa maneira equipararia a teoria de Alexy à de
Dworkin, determinando-se univocamente uma única resposta correta para cada caso posto em
juízo192.
Aclarada a questão do peso abstrato conferido aos princípios, entrará na equação,
ainda, a variável S, que se refere à certeza das apreciações empíricas. Ela versa sobre a
afetação da medida examinada no caso concreto. Tal variável surge do reconhecimento de que
as apreciações empíricas pertinentes à afetação dos princípios em colisão podem ter um
distinto grau de certeza, y; dependendo dele, maior ou menor deverá ser o peso que se
reconheça ao respectivo princípio.
No exemplo trazido por Pulido, a variável S, ou seja, a certeza de que a afetação do
direito a saúde da filha deve ser considerada segura, se existe conhecimento de que esta
morreria sem tratamento. Por outro lado, tal afetação será de menor intensidade caso as
consequências sejam menores, ou se os médicos não puderem identificar quais seriam as
consequências caso a filha não recebesse tratamento médico193.
4.2. A Fórmula do peso
No item anterior, verificamos que são três as variáveis envolvidas para a solução da
colisão entre princípios. A fórmula do peso somente estrutura os passos contidos na lei da
ponderação, e busca responder à seguinte pergunta:
(...) como se relacionam os pesos concretos e abstratos dos princípios em colisão, considerada a certeza das premissas empíricas, para determinar se a importância da satisfação de um dos princípios justifica o sacrifício do outro?194
192 ALEXY, Robert. “Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica”. Doxa, núm. 5, 1988, p. 145. 193 PULIDO, Carlos Bernal. Estructura y limites de la ponderación. In Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho n. 26, 2003, p. 229. 194 PULIDO, Carlos Bernal.Op. cit., p. 229.
65
A Fórmula tem a seguinte estrutura:
GPi,jC = IPiC . GPiA . SPiC / WPjC . GPjA . SPjC
A fórmula acima descrita considera dois princípios colidentes, Pi e Pj. O numerador
contêm as três variáveis atinentes ao princípio Pi, enquanto o denominador expressa as
variáveis do princípio Pj. O resultado da ponderação será determinado por qual princípio
adquiriu maior peso; se o numerador for numericamente maior, decidir-se-á pelo princípio Pi,
ao passo que o princípio Pj preponderará caso o denominador for numericamente superior.
Discursivamente, a fórmula do peso nos diz que GPi,Jc (peso do princípio Pi em
relação ao princípio Pj, no caso concreto) é igual ao quociente entre o produto de IPiC (peso
concreto/afetação do princípio Pi), GPiA (peso abstrato do princípio Pi) e SPiC (certeza das
premissas empíricas relativas à afetação do princípio Pi) e o produto de WPjC (afetação/peso
concreto do princípio Pj), GPjA (peso abstrato do princípio Pj), e SPjC (certeza das premissas
empíricas relativas à afetação do princípio Pj).
Alexy estabelece uma escala triádica para os pesos de cada variável195. As variáveis
relativas à afetação dos princípios e ao peso abstrato, numericamente, são classificadas de
acordo com os três graus da escala triádica: se o peso por leve = 2⁰ = 1; se o peso for médio =
21 = 2; se o peso for intenso = 22 = 4. Às variáveis relativas à certeza das premissas fáticas é
possível atribuir os seguintes valores: seguro = 20 = 1; plausível = 2-1 = ½; não evidentemente
falso = 2-2 = ¼.
Estabelecidas tais premissas, voltemos ao exemplo dos pais religiosos que, por sua
crença, se negam a levar a filha ao hospital, embora esta corra perigo de morte. Inexiste regra
específica para a solução do caso, e verifica-se, no caso concreto, colisão entre liberdade de
crença e direito à vida e à saúde.
Consideremos que Pi corresponde ao direito à vida, enquanto Pj se refere à liberdade
de crença. Aplicando-se a fórmula do peso, o resultado da colisão entre princípios pode ser
obtido mediante a atribuição dos pesos da escala triádica a cada uma das variáveis envolvidas. 195 ALEXY, Robert. La formula del peso. In CARBONELL, Migel (coord.). El principio de proporcionalidade en el Estado Constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2007, p. 25.
66
Estabeleceremos uma solução hipotética para o caso, ressaltando que as possibilidades
de decisão são praticamente ilimitadas, e a atribuição de pesos variará de acordo com as
concepções do juiz ou aplicador das normas. Digamos que o juiz, se defrontado com tal caso,
compreendesse que há grave afetação do direito à vida (IPiC = 4). Por sua concepção, há
intenso peso atribuído a este direito, vez que, sem ele, em última análise, os demais direitos
não são exercidos (GPiA = 4). Digamos, ainda, que o juiz considere segura a possibilidade de
afetação do direito à vida caso seja privilegiado o direito de crença, vez que existe iminente
risco de morte (SPiC = 1). Por outro lado, poderia tal juiz compreender que o tratamento da
criança traria somente uma média afetação da liberdade de crença dos pais (WPjC = 2).
Quanto ao peso abstrato, poderia atribuir peso médio à liberdade de crença face ao direito à
vida (GPjA = 2), e poderia considerar seguro que ordenar os pais a levar a filha ao hospital
supõe restrição à liberdade de crença (SPjC = 1).
No caso concreto, a aplicação da fórmula do peso ao direito da vida e saúde da filha
chegaria ao seguinte resultado: GPi,jC = 4.4.1/2.2.1 = 16/4 = 4. De forma correlata, o peso da
liberdade de crença dos pais seria o seguinte: GPj,iC = 2.2.1/4.4.1 = 4/16 = 0,25.
Dessa forma, em nosso exemplo, o aplicador da norma considerou que o direito à vida
possui peso quatro vezes maior do que a liberdade de crença dos pais, cuja satisfação imporia
desmedido sacrifício ao outro princípio em colisão, não justificando a intervenção nos direitos
à vida e à saúde da filha. Os direitos à vida e à saúde receberiam precedência condicionada,
no caso concreto, resolvendo-se a colisão de princípios, estabelecendo-se que os pais levem a
filha ao hospital.
4.3. Limites da ponderação
Pode-se argumentar que, na práxis forense, qualquer juiz que fundamentasse sua
decisão nesses termos, matematicamente e com base na fórmula do peso, poderia ser
representado à sua Corregedoria, em razão da excentricidade dos fundamentos da sentença.
Há objeções à fórmula do peso, segundo as quais Alexy “parece querer voltar no tempo da
evolução hermenêutica”, vez que a matematização do conhecimento jurídico foi uma etapa
vivenciada durante a modernidade por Descartes e reproduzida no positivismo e
neopositivismo. Sustenta-se ser impossível tentar reduzir o Direito a formas pré-determinadas
67
de aplicação das normas jurídicas, e que a proposta de Alexy se mostra “tão absurda quanto
tentar aplicar as fórmulas da física ou da química aos embates jurisdicionais”196.
Parece-nos, no entanto, que a crítica é injusta e decorrente de uma interpretação
equivocada dos intentos de Alexy. Isso porque a fórmula do peso oferece ao aplicador do
direito são critérios para a realização da ponderação, e em momento algum “reduz o Direito à
formas pré-determinadas de aplicação”. O método da ponderação enfrenta o problema da
possível subjetividade e discricionariedade judicial quando, no caso concreto, há ausência de
regra a subsumir princípios jurídicos em colisão. A fórmula do peso, acima descrita, tem
variáveis que podem, uma a uma, ser expressas discursivamente.
Imaginemos, por exemplo, um juiz que se deparasse com um pleito de proibição da
veiculação de uma obra literária biográfica não-autorizada, sob o argumento de que a venda
do livro é ofensiva à sua vida privada, honra e imagem. O autor da obra fundamentará o seu
direito à comercialização de seu livro no princípio jurídico que consagra a liberdade de
expressão. Na inexistência de regra prévia que discipline a publicação de biografias não-
autorizadas, deverá o juiz enfrentar a colisão entre os princípios, criando com sua sentença
uma relação de precedência condicionada entre eles.
Para tanto, o aplicador do direito não precisa aplicar matematicamente, em sua
decisão, a ponderação. Pode fazê-lo do seguinte modo: “Trata-se de ação judicial movida por
‘A’ em face de ‘B’, objetivando seja emanada ordem para proibição da circulação e venda dos
exemplares da obra literária ‘X’, de cunho biográfico de ‘A’. Alega que a publicação
representa ofensa à sua honra, imagem e vida privada. Em contestação, ‘B’ sustentou seu
direito a ver sua obra comercializada, em razão do seu direito à livre manifestação do
pensamento e liberdade de expressão. Decido. No caso em exame, não há regramento no
direito positivo sobre a matéria. Por outro lado, a força normativa dos direitos fundamentais
permite que se extraia, dos princípios constitucionais mencionados, os fundamentos
necessários para a decisão. Compreendo que, no plano abstrato, ambos os princípios
invocados possuem mesmo peso, cuja intensidade é inegável. No plano concreto, dado o teor
da obra biográfica impugnada, temos que a vida privada, honra e imagem de ‘A’ seria afetada
somente de modo leve, vez que as informações da obra constantes são, de longa data, de
público e notório conhecimento, e estão disponíveis de modo esparso em diversos veículos de 196 CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; OLIVEIRA, Felipe Faria de. A teoria da ponderação de valores e os direitos fundamentais: avanços e críticas. in Leituras Complementares de Direito Constitucional : teoria da Constituição. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, pp. 198/199.
68
comunicação publicados no passado. Por outro lado e pelos mesmos motivos, a liberdade de
expressão de ‘B’ seria intensamente afetada caso a veiculação da obra fosse proibida,
considerando-se que a produção literária corresponde a uma das facetas mais proeminentes da
liberdade de manifestação de pensamento, e cuja proibição apenas pode se dar em condições
excepcionais. Por fim, é seguro que a liberdade de expressão sofreria forte abalo caso a venda
da obra seja proibida, ao passo que não há segurança, e sequer plausibilidade, de que a honra
e imagem de ‘A’ seja afetada com a sua veiculação. Por todo o exposto, julgo a ação
improcedente”.
Uma sentença dessa natureza não causaria estranheza, perplexidade ou pareceria
resultante de uma técnica “absurda”. Da fundamentação acima, é possível extrair que o
aplicador do direito concedeu, à honra e imagem (Pi), peso abstrato intenso, peso concreto
leve e certeza das premissas empíricas não-evidentemente falsa, ao passo que, à liberdade de
expressão (Pj), concedeu-se pesos abstrato e concreto intensos e segura certeza das premissas
empíricas. Como resultado da fórmula do peso, teríamos que: GPi,jC = 4.4.1/ 4.1.(1/4) = 16/4
= 4. Ou seja, o juiz compreendeu que a liberdade de expressão, no caso concreto, possui um
peso quatro vezes maior do que a vida privada, honra e imagem.
O objetivo de Alexy quando da elaboração da fórmula do peso, por certo, não era a de
matematizar as decisões judiciais. O exemplo da sentença acima nos revela seu real intento,
qual seja, o de elevar substancialmente o ônus argumentativo do aplicador do direito quando
da colisão de princípios.
É preciso reconhecer, contudo, que não existe critério objetivo para determinar o peso
que têm os princípios na lei da ponderação. Não haverá, desse modo, uniformidade entre
juízes quanto a atribuição de pesos, em casos semelhantes ou mesmo idênticos, para o grau de
afetação dos princípios no caso concreto, seu peso abstrato e a certeza das premissas
empíricas relativas à sua afetação.
Por óbvio, existem casos fáceis no que concerne à graduação das afetações dos
princípios, como, por exemplo, o caso de uma revista satírica que denomine um paraplégico
como “aleijado”: verifica-se claramente uma grave ofensa ao seu direito à honra, enquanto a
publicação contribui apenas de maneira leve – se é que o faz de algum modo – à satisfação da
liberdade de informação.
Contudo, existem os casos difíceis, para os quais o dissenso quando da gradação dos
pesos tende a ser maior. Tal discordância se acentua nos princípios que consagram
69
determinada margem de liberdade a um indivíduo ou a uma coletividade, como, por exemplo,
a liberdade religiosa. A gravidade de uma intervenção nas crenças de alguém não é uma
variável suscetível de determinação em abstrato, com base em critérios objetivos. A gravidade
de obrigar uma pessoa testemunha de Jeová a autorizar uma transfusão de sangue em seu filho
ou em si é algo que apenas o titular da liberdade religiosa pode precisar, vez que, para ele,
pode ser preferível a morte à continuidade de uma vida impura, em pecado, à qual sobrevenha
a condenação eterna197.
Isso acontece porque a fórmula do peso não explicita claramente qual ponto de vista a
partir do qual se deve fazer a gradação das afetações dos princípios. Esta dúvida só pode
resolvida pelo operador do direito – pelo juiz, sobretudo -, depois de adotar uma postura
material e ideológica. Disso decorre que a aplicação da fórmula do peso, ao contrário de
buscar matematizar a solução dos casos difíceis, parece conferir liberdade o suficiente ao
aplicador do direito, para que se atinja “a sentença a que se queira chegar”.
Não parece ser possível, ainda, obter o consenso a respeito sobre quais casos são fáceis
e quais são difíceis quando da colisão de princípios e da necessidade de ponderá-los, podendo
acontecer que um caso que pareça fácil se revele, na verdade, um caso difícil. Um exemplo
citado pelo próprio Alexy ilustra esse raciocínio, quando este se refere a uma decisão sobre o
fumo prolatada pelo Tribunal Constitucional alemão198 para afirmar que tal sentença é
representativa “do conjunto de exemplos fáceis nos quais resulta plausível formar juízos
racionais sobre as intensidades das intervenções nos direitos fundamentais e sobre os graus de
realização dos princípios, de tal modo que mediante a ponderação se possa estabelecer um
resultado de forma racional”199. Trata-se de sentença que fixou a obrigação dos produtores de
tabaco de colocar, nos maços de cigarro, etiquetas com advertências sobre os malefícios à
saúde advindos do fumo. Alexy compreende medida que satisfaz de modo intenso a proteção
à saúde, ao passo que se trata de uma intervenção apenas leve na liberdade de profissão e
oficio, em especial se comparada com medidas alternativas, como a proibição de
comercialização do tabaco ou imposição de restrições à sua venda.
Contudo, a interpretação e gradação de pesos realizada por Alexy não é a única
possível, havendo gradações diversas que poderiam, também, levar a resultados diversos. Isso 197 PULIDO, Carlos Bernal. O direito dos direitos : escritos sobre a aplicação dos direitos fundamentais. Trad. de Thomas da Rosa de Bustamante com a colaboração de Bruno Stiegert. – São Paulo : Marcial Pons, 2013, p. 101. 198 BVerfGE 95, 173 (184). 199 ALEXY, Robert. “Epílogo a la Teoría de los derechos fundamentales”. Trad. de Carlos Bernal Pulido. Revista Española de Derecho Constitucional, n. 66, 2002, p. 33.
70
porque, do ponto de vista fático, é discutível que o fato de etiquetar os maços de cigarro com
advertências sobre seus perigos às pessoas se traduza em medida que satisfaça intensamente o
direito à saúde. Pode-se argumentar que o efeito prático de tais etiquetas é praticamente nula,
porque o vício do tabaco não é resultante da carência de informação sobre seu caráter nocivo;
ao contrário, as informações que seriam divulgadas nas etiquetas são altamente conhecidas, e
não surpreenderiam ninguém. Desse modo, advertências dessa natureza não são realmente
capazes de fazer alguém parar de fumar, hábito que parece um caso claro que fraqueza de
vontade, e, inclusive, “porque em certas ocasiões para a mente humana aquilo que é
considerado proibido ou nocivo é mais desejado” 200. Desse modo, mesmo os casos
aparentemente fáceis podem revelar sua complexidade, de tal modo que a atribuição de pesos
a princípios, definitivamente, não é tarefa tendente ao consenso.
A fórmula do peso de Alexy não tem a pretensão de fornecer à ponderação um
processo unívoco, infalível, inquestionável e algorítmico. Mas, em razão de sua manifesta
objetividade metodológica, confere elevada racionalidade no processo decisório, impõe alto
ônus argumentativo ao operador do direito para a atribuição dos pesos, o que, por
conseguinte, permite grande controle sobre o conteúdo e fundamentação de suas decisões.
É natural que, nos casos em que a decisão judicial não decorre de uma lógica
subsuntiva, o ônus argumentativo se potencialize. Na colisão de princípios, deve o intérprete
demonstrar, analiticamente, a construção do seu raciocínio201. Dados os limites da fórmula do
peso e da ponderação como modo de aplicação dos princípios, surge a necessidade de traçar
um panorama a respeito da argumentação jurídica, em nossa busca pela elucidação da
justificação das decisões judiciais nas quais a mera subsunção da regra ao fato não é possível.
É o que faremos a seguir.
200 PULIDO, Carlos Bernal. O direito dos direitos : escritos sobre a aplicação dos direitos fundamentais. Trad. de Thomas da Rosa de Bustamante com a colaboração de Bruno Stiegert. – São Paulo : Marcial Pons, 2013, p. 103. 201 BARROSO, Luis Roberto. Novos paradigmas e categorias da interpretação constitucional. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 170.
71
5. ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
A argumentação faz parte do mundo jurídico, que é feito de linguagem, racionalidade
e convencimento202. O ato de decidir é uma ação humana, e, portanto, um ato de
comunicação, vez que qualquer ação humana ocorre numa situação comunicativa, como falar,
sorrir, chorar ou correr, que, queiram ou não, diz algo a alguém203.
No processo judicial, todas as partes envolvidas apresentam seus argumentos, e,
quando da decisão judicial, a sentença terá por requisito essencial a sua fundamentação, nos
termos do artigo 93, IX da Constituição Federal204 e do artigo 458, II do Código de Processo
Civil205. Portanto, o fato de decidir juridicamente é um discurso racional, pois dele se exige
fundamentação. É um ato que não deve apenas ser provado, mas comprovado, o que não
significa que da decisão deva decorrer o consenso: para ser racional, o discurso decisório tem
de estar aberto à possibilidade de questionamento206. A argumentação jurídica é, assim,
instrumento de controle das próprias decisões jurídicas, e se revela o meio mais importante
tanto para estruturar a institucionalização do direito quanto para controlá-lo207.
Tal fundamentação é facilitada nos casos fáceis, que podem ser resolvidos mediante a
subsunção de regras aos fatos. Em tais hipóteses, a fundamentação tem por base a lógica
formal, dedutiva, aplicando-se um mandamento definitivo emanado pelo legislador, um
enunciado normativo cujo conteúdo é preciso e que contêm uma ordem no âmbito daquilo que
é fática e juridicamente possível.
A lógica formal dedutiva, no entanto, não se afasta da argumentação jurídica, e nela
exerce papel relevante, vez que o processo de subsunção não se confunde com o automatismo
lógico da dedução: demonstrado, por via hermenêutica, o sentido da regra, é preciso
202 BARROSO, Luis Roberto. Novos paradigmas e categorias da interpretação constitucional. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 170. 203 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito : técnica, decisão, dominação. 6ª ed. – 3ª reimpr. – São Paulo : Atlas, 2011, p. 299. 204 CRFB/1988, Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. 205 Lei 5.869/1973, art. 458. São requisitos essenciais da sentença: (...) II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito. 206 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Op. cit., p. 299. 207
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do direito. 4. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 183.
72
demonstrar que o caso a ser decidido nele se enquadra208. Sendo toda decisão jurídica
decorrente de um conflito que a provoca e de uma norma que lhe dá suporte, a operação
dedutiva comum à subsunção é a seguinte: (a) norma geral funciona como premissa maior;(b)
a descrição do caso conflitivo, como premissa menor; e (c) a conclusão, como ato decisório
strictu sensu209.
Sabe-se que a complexidade da decisão jurídica acaba por questionar a extrema
singeleza desse procedimento. Aristóteles já notara que, se era relativamente fácil identificar a
premissa maior, era extremamente difícil justificar e aceitar que o conflito descrito na
premissa menor constituísse um caso particular contido na generalidade da premissa maior210.
Alexy também aponta que, em um grande número de casos, a decisão que põe fim a uma
disputa judicial expressa um enunciado normativo que não se segue logicamente das
formulações das normas jurídicas que se supõem vigentes, por, no mínimo, quatro motivos:
(1) a imprecisão da linguagem do Direito, (2) a possibilidade de conflitos entre as normas, (3)
a possibilidade de haver casos que requeiram uma regulamentação jurídica, uma vez que não
cabem em nenhuma norma válida existente, e (4) a possibilidade, em casos especiais, de uma
decisão contrariar a literalidade da norma211.
Se a argumentação é inerente ao processo de subsunção, o ato de argumentar revela
sua inquestionável importância naqueles casos nos quais a solução do litígio ou do caso posto
não está em normas cujo conteúdo é precisamente delimitado. São os chamados casos difíceis,
nos quais inexistem regras a respeito, e a lógica subsuntiva nada nos tem a dizer. Nos termos
da teoria dos sistemas, pode-se dizer que a argumentação orientada pelas regras é uma
argumentação formal, mediante a qual o sistema jurídico pratica a autorreferência, sendo-lhe
fundamental “a necessidade de se chegar a uma decisão e de evitar um mergulho em toda a
complexidade dos dados de fato do mundo (Weltsachverhalte)”212. Já a argumentação
orientada por princípios pode ser vista como uma argumentação substancial, na qual o sistema
208 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Op. cit., p. 293. 209 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito : técnica, decisão, dominação. 6ª ed. – 3ª reimpr. – São Paulo : Atlas, 2011, p. 290. 210 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Op. cit., p. 292. 211 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hitchinson Schild Silva ; revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira de Cláudia Toledo. 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2013, p. 20. 212 LUHMANN, Niklas. Das recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993, p. 394, apud NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 132.
73
pratica heterorreferência, evitando o isolamento e possibilitando a reprodução complexamente
adequada do sistema jurídico em relação ao ambiente social do direito213.
Vimos, nos capítulo 2, que a distinção entre regras e princípios é uma das colunas-
mestras do edifício da teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy214, o principal
expoente da teoria dos princípios, ao lado de Ronald Dworkin. Dissemos também que
princípios são, para Alexy, mandamentos de otimização, e que, por sua natureza, não possuem
precedência absoluta sobre outros princípios. Quando em colisão, dadas as condições do caso
concreto, surgirá um enunciado de precedência condicionada de um princípio sobre outro,
enunciado tal que possui a natureza de regra e prescreve a consequência jurídica do princípio
prevalente215.
No capítulo 3, elucidamos a natureza de dois conceitos muito usados na práxis jurídica
quando da aplicação de princípios, o da razoabilidade e o da proporcionalidade. Elucidamos
que, a despeito de suas particularidades e inexistência de sinonímia entre conceitos, a
aplicação de tais critérios pressupõe a existência de uma regra a ser testada ou questionada,
um mandamento definitivo restritivo de direitos fundamentais e cuja restrição possa ser
desarrazoada ou desproporcional. A importância de tais conceitos se situa, em maior medida
no âmbito do controle de constitucionalidade de uma regra existente, o que nos leva a concluir
que tais critérios pouco nos tem a dizer no que concerne aos casos que exigem a aplicação
direta de princípios jurídicos ao caso concreto.
Esclarecemos, no capítulo 4, o modo peculiar de aplicação dos princípios jurídicos, a
técnica da ponderação, que considera o peso abstrato dos princípios envolvidos, seu peso no
caso concreto, bem como a certeza das premissas empíricas, para a definição do princípio que
será aplicado em maior medida no caso concreto. Elucidamos que, quando o resultado da
aplicação da fórmula do peso resultar em um empate, devem operar as cargas de
argumentação, e que a ponderação possui limites racionais, vez que não é possível, pela
fórmula do peso, eliminar a subjetividade do aplicador do direito na aplicação dos princípios,
embora seja um procedimento que imponha alto ônus argumentativo ao juiz. Isto é: embora já
tenhamos delimitado o caminho que o juiz deve percorrer quando da aplicação dos princípios
jurídicos, o esforço de Alexy no desenvolvimento da fórmula do peso não foi capaz de
213NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 132. 214 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. 215 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 99.
74
eliminar os limites de racionalidade à ponderação, vez que o juiz pode, na atribuição de pesos,
fazer valer sua ideologia e suas próprias valorações.
Por isso se justifica dedicarmos o último capítulo à argumentação jurídica, segundo
teorias que realizam a adequação do discurso jurídico a um modelo de atribuição ética do
direito, na qual o uso de ferramentais argumentativos (como, por exemplo, o consenso, o
convencimento, a comunicação ideal, a fala sem imposições) leva a um direito eticamente
responsável e fundamentalmente democrático216.
5.1. Robert Alexy: influência da teoria do discurso jurídico de Jürgen Habermas
Para Robert Alexy, a argumentação jurídica é um caso especial do discurso prático
geral, isto é, do discurso moral. Alexy não pretende simplesmente elaborar uma teoria
normativa da argumentação jurídica (que permita distinguir os bons dos maus argumentos), e
sim uma teoria de que seja também analítica (que penetre na estrutura dos argumentos) e
descritiva (que incorpore elementos do tipo empírico)217.
De todas as teorias da argumentação218, aquela que exerce influência fundamental em
Alexy é, sem dúvida, a da teoria do discurso de Habermas, vez que “a teoria de Alexy
significa, por um lado, uma sistematização e reinterpretação da teoria do discurso prático
habermasiano e, por outro lado, uma extensão dessa tese para o campo específico do direito” 219.
Habermas defende o discurso enquanto situação racional validadora e legitimadora de
ações finais, dele decorrendo decisões que se legitimam por sua racionalidade, e não apenas
pela imperatividade coativa do poder220. A concepção de discurso, em Habermas, é a
seguinte:
216 MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do direito. 4. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 188. 217 ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 160. 218 Conforme elucidado por ATIENZA, Manuel, Op. cit., p. 160, Alexy utiliza diversas teorias da ética analítica como passo prévio para a construção de uma teoria da argumentação jurídica, como as de Hare, Toulmin e Baier, a teoria da deliberação prática da escola de Earlangen e a teoria da argumentação de Perelman. A demonstração exaustiva dessas teorias foge ao escopo do presente trabalho. 219 ATIENZA, Manuel, Op. cit., p. 160. 220 DALLA-ROSA, Luiz Vergílio. Uma teoria do discurso constitucional. São Paulo : Editora Landy, 2002, p. 133.
75
Uma comunicação emancipada da experiência e despreocupada com o agir, não submetida a limitação alguma de participações, temas e contribuições convenientes para contrastar as pretensões de validade; na qual não se inclui outro motivo do que aquele da busca cooperativa da verdade. Sob estas condições, a vontade torna-se uma “vontade racional” 221.
A validade racional é obtida em condições especiais de desenvolvimento, surgindo a
necessidade de uma concepção de validade diversa daquela do discurso analítico (lógica
formal)222. A teoria do direito de Habermas evidencia a tensão entre facticidade e validade,
que, no discurso jurídico, se manifesta como a tensão entre o princípio da certeza jurídica e a
pretensão de pronunciar decisões corretas. Concisamente, a relação entre facticidade e
validade, no campo jurídico, corresponde à tensão entre certeza jurídica e correção223. Dessa
forma, uma teoria do discurso jurídico que queira satisfazer à pretensão de legitimidade do
ordenamento jurídico deve dar uma resposta à questão sobre o modo pelo qual as decisões
judiciais podem ser, simultaneamente, vinculadas institucionalmente (ao ordenamento ou aos
precedentes) e fundamentadas, materialmente, de modo razoável224.
Habermas parte, como Toulmin e Perelman, de um conceito amplo de razão, que lhe
permite sustentar a tese de que questões práticas podem ser decididas racionalmente. A base
da teoria de Habermas é uma pragmática universal que tenta reconstruir os pressupostos
racionais, implícitos no uso da linguagem. Em todo ato de fala dirigido à compreensão mútua,
o falante erige uma pretensão de validade (eine Anspruch auf Gültichkeit), pretendendo que o
dito por ele seja válido ou verdadeiro em sentido amplo: aquele que afirma, por exemplo,
pretende que seu enunciado seja verdadeiro; aquele que ordena ou repreende, pretende que a
ordem seja correta; aquele que descobre, pretende que sua afirmação seja veraz225.
Em resumo, os atos de fala consensuais (que têm como meta a obtenção de um
consenso ou acordo) pressupõe o reconhecimento de quatro pretensões de validade:
221 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e legitimidade. Uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 122. 222 DALLA-ROSA, Luiz Vergílio. Uma teoria do discurso constitucional. São Paulo : Editora Landy, 2002, p. 135. 223 ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Trad. de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 128. 224 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 129. 225 ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 161.
76
O falante tem de escolher uma expressão inteligível para que ele e o ouvinte possam entender-se mutuamente; o falante tem de ter a intenção de comunicar um conteúdo proposicional verdadeiro para que o ouvinte possa participar do seu saber; o falante tem de querer manifestar as suas intenções verazmente para que o ouvinte possa crer no que ele manifesta (confiar nele); finalmente, o falante tem de escolher a manifestação correta, com relação às normas e valores vigentes, para que o ouvinte possa aceitar a sua manifestação, de modo que ele e o ouvinte possam coincidir entre si no que se refere ao cerne normativo conhecido226.
Tais pretensões de validade estão presentes tanto na interação ordinária entre as
pessoas, quanto no plano do discurso. A teoria do agir comunicativo de Habermas trabalha
com a diferença dos conceitos de ação e discurso: no campo da ação, as pretensões de
validade não são problematizadas, e são aceitas de modo mais ou menos ingênuo. As pessoas
cumprem ou descumprem normas sem questionar de que modo elas vinculam seus
comportamentos, se de modo definitivo ou prima facie. A ação se desenvolve tendo como
pano de fundo o “mundo da vida”, no qual os agentes se movimentam sem questionar suas
afirmações e manifestações. Fazem parte dessas verdades inquestionáveis da prática cotidiana
a lei da gravidade terrestre, ou, no contexto do mundo contemporâneo, a assertiva segundo a
qual deve-se combater a pedofilia227.
Surge o discurso quando as pretensões de validade são problematizadas na interação
concreta, exigindo-se a justificação de ações ou atos de fala. Nesse plano, não se ganham
novas informações, mas há intercâmbio de argumentos228. As próprias pretensões de validade
que foram problematizadas se tornam o objeto da discussão, e, portanto, carecem de
fundamentação. O discurso rompe o consenso ingênuo na prática cotidiana, introduzindo o
dissenso no mundo da vida, como nas ações e atos de fala que supunham correta a conduta
dos pais que batiam vigorosamente nos filhos, questionada por novo discurso pedagógico
desenvolvido durante a segunda metade do século XX, movendo os agentes em busca de um
novo consenso sobre as pretensões de validade questionadas. Uma argumentação somente é
concluída quando os argumentos se condensam de modo coerente, e num horizonte de
226 HABERMAS, Jürgen. Qué significa pragmática universal? In: HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa; complementos y estúdios prévios (trad. M. Jiménez), Madri : Cátedra, 1989, apud ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 162. 227 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 96. 228 NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 96.
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concepções básicas ainda não problematizadas, que surge um acordo não-coercitivo sobre a
aceitabilidade da pretensão de validade controvertida229.
Para Habermas, o discurso remete a uma situação ideal de fala ou de diálogo, e a
verdade das proposições ou a correção das normas depende, em última instância, que se possa
alcançar um consenso numa situação de total liberdade e simetria entre os participantes do
discurso230.
5.2. A teoria do discurso de Robert Alexy
A teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy foi desenvolvida, em grande parte,
em razão do reconhecimento de que a técnica da ponderação, utilizada para a solução das
colisões de princípios que consagram direitos fundamentais, por muitas vezes não era capaz
de resolver o problema da indeterminação do direito e imprevisibilidade da decisão judicial,
redundando em uma insuficiência metodológica, e boa parte de sua teoria da argumentação se
articula no sentido de resolver essa insuficiência231.
Alexy compreende que um modelo de sistema jurídico formado por regras e por
princípios ainda não é um sistema completo. Isso porque tais normas “não regulam por si
mesmas a sua aplicação”, devendo-se acrescentar a estes dois níveis um terceiro, “que diga
como, sobre a base de regras e princípios, é possível uma decisão racionalmente
fundamentada” 232. Esse terceiro nível é o do discurso jurídico.
O ponto de partida da teoria do discurso jurídico é o reconhecimento de que, em
processos judiciais, trata-se sempre de questões de ordem prática, daquilo que é ordenado,
permitido ou proibido. Desse modo, para Alexy, o discurso jurídico é parte especial de um
discurso prático geral, que abrange todo o universo da cultura e do agir humano, que trata da
correção de enunciados normativos. Essa pretensão de correção existe também no âmbito
jurídico, consistente em uma pressuposição implícita no ato de decidir, uma pretensão de
229 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1997, p. 282. 230 ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 163. 231 OLIVEIRA, RAFAEL TOMAZ DE. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 181. 232 ALEXY, Robert. “Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica”. Doxa, núm. 5, 1988, p. 149.
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justiça233. No entanto, a argumentação jurídica sofre uma espécie de impedimento ou
restrição em seus argumentos. É por tal motivo que o discurso jurídico se trata de um caso
especial do discurso prático geral.
O discurso está condicionado a uma série de fatos que restringem a aplicação do
Direito, como a sujeição do discurso à lei, aos precedentes e à dogmática jurídica. Dessa
forma, o discurso jurídico se diferencia do discurso prático geral por sofrer limitações
endógenas do próprio sistema que pretende articular na forma de enunciados normativos234.
A argumentação jurídica chega até determinado ponto no qual já não são possíveis
outros argumentos especificamente jurídicos, em razão de tais restrições impostas pelo
próprio sistema. Atingido um estágio tal que os argumentos jurídicos não são suficientes para
fundamentar determinada decisão, o discurso jurídico é penetrado por argumentos baseados
em valores, incorporando-se a ele os argumentos do discurso prático geral235.
O que une os discursos jurídico e prático geral é a pretensão de correção,
característica comum a ambas as formas de discurso. Tal pretensão de correção atua como
uma ponte que liga o discurso jurídico ao discurso prático geral, atuando este último para
corrigir as insuficiências do discurso jurídico.
Como o discurso exige fundamentos ou justificações, implicando a argumentação, do
ponto de vista habermasiano e da teoria do agir comunicativo, a distinção entre regras e
princípios apenas tem lugar no nível do discurso236. Isso porque, no plano de ação e
comunicação jurídica, é irrelevante a distinção entre regras e princípios quando da mera
observância cotidiana das normas pelas pessoas, ou quando de sua aplicação burocrática.
Apenas quando surge um conflito interpessoal concreto, ou quando do controle abstrato de
normas, a distinção entre regra e princípio ganha relevo; ou seja, a distinção apenas pode ser
problematizada quando no plano da argumentação jurídica237.
A teoria da argumentação jurídica que Alexy desenvolve a partir da teoria do discurso
de Habermas pode ser caracterizada como uma teoria do procedimento, de tal modo que um
233 Tal pretensão de correção fundamenta, também, a noção de Alexy a respeito do critério da razoabilidade, conforme esclarecido no item 4.2.4. 234 OLIVEIRA, RAFAEL TOMAZ DE. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 182. 235 OLIVEIRA, RAFAEL TOMAZ DE. Op. cit., p. 183. 236 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 97. 237 NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 95.
79
enunciado normativo é correto apenas se puder ser o resultado de um procedimento, que, para
Alexy, se dá no âmbito da teoria do discurso racional.
A racionalidade das decisões judiciais é tipo particular da racionalidade enquanto
critério de valoração da conduta humana238, e é conceito mais abstrato e complexo do que a
razoabilidade e a proporcionalidade. Surge na teoria jurídica como sucedâneo da objetividade,
ideal dificilmente atingido em plano constitucional, repleto de disposições vagas239. A
racionalidade fornece parâmetros para a os casos difíceis, nos quais não é possível valorar a
correção de uma decisão e dos argumentos utilizados de modo objetivo, vez que inexiste regra
clara para a solução do caso concreto.
O catálogo destas exigências de racionalidade é bastante amplo e foi objeto de
sistematizações diversas em várias teorias da argumentação jurídica, e não pretendem
conduzir o juiz à única decisão correta, nos moldes da teoria de Ronald Dworkin, que exige
do juiz se exige “a” resposta certa, e não qualquer tipo de decisão judicial240. Isso porque a
comunidade jurídica não pode pretender eliminar uma irredutível margem de divergências e
discricionariedade nas valorações das Cortes Constitucionais. Embora inexista garantia de
objetividade, a função orientadora e valorativa dos critérios de racionalidade expostos fornece
a necessária clareza da argumentação, de tal modo que sua contribuição não pode ser
menosprezada241.
Embora inexista um catálogo consensual dos critérios de racionalidade, Carlos Bernal
Pulido elenca seis critérios de maior respaldo e consenso na doutrina, que constituem apenas
regras ideais, de tal modo que uma decisão e sua motivação serão tanto mais racionais quanto
mais satisfaçam os critérios de racionalidade242. São eles:
1. clareza e consistência conceitual: pela exigência da clareza, tem-se que o significado dos argumentos utilizados pela Corte Constitucional deve ser compreendido pelas comunidades jurídica e política, seguindo-se as regras linguísticas da comunidade. Trata-se de aplicação particular da regra da razão prática, segundo a qual
238 ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Trad. de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. 239 PULIDO, Carlos Bernal. O direito dos direitos : escritos sobre a aplicação dos direitos fundamentais. Trad. de Thomas da Rosa de Bustamante com a colaboração de Bruno Stiegert. – São Paulo : Marcial Pons, 2013, p. 61. 240 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010. 241 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 62. 242 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 64.
80
“diversos interlocutores não podem usar uma mesma expressão com significados diferentes”. A consistência conceitual impõe que a Corte Constitucional atribua sempre o mesmo significado aos conceitos empregados, de tal modo que seu uso seja constante e não contraditório;
2. consistência normativa: tal critério estabelece que a decisão é tanto mais racional quanto mais de baseie em argumentos que podem justificar os mesmos resultados interpretativos em fatos idênticos ou análogos;
3. saturação: de acordo com tal máxima, todo argumento utilizado como fundamento das decisões judiciais deve ser completo, ou seja, deve conter todas as premissas que lhe pertençam;
4. respeito à lógica dedutiva; 5. respeito às cargas de argumentação: os argumentos das decisões
constitucionais são tanto mais racionais quanto respeitem as cargas argumentativas peculiares ao controle de constitucionalidade das leis, como aquelas que derivam da presunção de constitucionalidade ou do princípio in dubio pro libertate;
6. consistência argumentativa e coerência: há consistência argumentativa na ausência de contradições entre as proposições, enquanto a coerência exige que tais proposições sejam baseadas em regras, valores comuns ou princípios jurídicos.
Grande parte desses critérios estão contidos nas regras do discurso elaboradas por
Alexy. Trataremos a seguir das regras do discurso racional, que não se referem apenas às
proposições, mas também ao comportamento do falante, o que significa que tais regras não
são apenas semânticas, mas também pragmáticas243.
5.2.1. As regras e formas do discurso prático geral
Para Alexy, a racionalidade do discurso é garantida mediante a obediência de uma
série de regras.
O discurso prático geral, segundo Alexy, é pautado por seis grupos de regras: 1) regras
fundamentais; 2) regras da razão; 3) regras sobre a carga da argumentação; 4) regras sobre as
formas dos argumentos; 5) regras de fundamentação; e 6) regras de transição. Dada sua
importância na teoria da argumentação de Alexy, vez que o discurso jurídico é somente um
243
ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 165.
81
caso especial do discurso prático geral, compreendemos relevante a elucidação das regras
abaixo expostas.
A regras fundamentais (die Grundregeln) compõem o primeiro grupo de regras do
discurso prático racional, cuja validade e condição para qualquer comunicação linguística
com pretensão de correção ou validade. Tais regras enunciam os princípios da não
contradição (inclusive entre normas), da sinceridade, da universalidade e do uso comum da
linguagem244. Alexy formula tais regras da seguinte maneira:
1.1. Nenhum falante pode contradizer-se. 1.2. Todo falante só pode afirmar aquilo em que ele mesmo acredita. 1.3. Todo falante que aplique um predicado F a um objeto a, deve estar
disposto a aplicar F também a qualquer outro objeto igual a a, em todos os aspectos relevantes.
1.4. Todo falante só pode afirmar aqueles juízos de valor e de dever que afirmaria também em todas as situações iguais, em todos os aspectos relevantes.
1.5. Falantes diferentes não podem usar a mesma expressão com significados diferentes. 245
As regras da razão (die Vernunftregeln) definem as condições mais importantes da
racionalidade do discurso, que definem um ideal, de tal modo que são regras que só são
cumpridas de modo aproximado. A primeira delas pode ser considerada a “regra geral de
fundamentação”, e as outras três contêm os requisitos exigidos por Habermas para a situação
ideal de fala ou de diálogo, quais sejam, igualdade de direitos, universalidade e não coerção.
Alexy as formula do seguinte modo:
2.1. Todo falante deve, se lhe é pedido, fundamentar o que afirma, a não ser quando puder dar razões que justifiquem negar uma fundamentação.
2.2. Quem pode falar pode participar do discurso. 2.3. a) Todos podem problematizar qualquer asserção. b) Todos podem introduzir qualquer asserção no discurso. c) Todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades. 2.4. A nenhum falante se pode impedir de exercer, mediante coerção
interna ou externa ao discurso, seus direitos fixados em 2.2 e 2.3. 246
244 ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 166. 245 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hitchinson Schild Silva ; revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira de Cláudia Toledo. 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2013, p. 287. 246 Cf. ALEXY, Robert. Op. cit., p. 288, e ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 167.
82
No entanto, o uso irrestrito das variantes da regra 2.3 poderia inviabilizar a
argumentação, e, por tal razão, deve-se acrescentar um terceiro grupo de regras, de caráter
essencialmente técnico, denominado de regras de carga de argumentação (die
Argumentationslasregeln), cujo sentido e propósito é justamente o de facilitar a
argumentação. São elas:
3.1. Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira diferente da adotada para uma pessoa B está obrigado a fundamentar isso.
3.2. Quem ataca uma proposição ou uma norma que não é objeto de discussão, deve dar uma razão para isso.
3.3. Quem apresentou um argumento só está obrigado a dar mais argumentos em caso de contra-argumentos.
3.4. Quem introduz, no discurso, uma afirmação ou manifestação sobre as suas opiniões, desejos ou necessidades que não se refira como argumento a uma anterior manifestação, tem, se isso lhe é pedido, de fundamentar por que introduziu essa afirmação ou manifestação. 247
Há, ainda, um quarto grupo de regras, pertinente às formas dos argumentos específicas
do discurso prático. Alexy parte da ideia de que há duas maneiras de fundamentar um
enunciado normativo (N): por referência a uma regra (R) ou assinalando-se as consequências
de N (F, de Folge = consequência). Quando se fundamenta um enunciado normativo por meio
de uma regra, deve-se pressupor também um caso concreto que descreva as condições de
aplicação desta regra (T, de Tatsache = caso concreto). Os argumentos possuem, então, a
seguinte forma248:
Pode-se exemplificar tal forma de argumento da seguinte maneira: A mentiu (caso
concreto T); Mentir é mau (regra R); logo, A agiu mal (enunciado normativo).
247
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hitchinson Schild Silva ; revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira de Cláudia Toledo. 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2013, p. 288, e ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 167. 248
ALEXY, Robert. Op. cit., p. 288.
4.1. T 4.2. F R R
___ ___ N N
83
Por outro lado, quando se fundamenta um enunciado normativo por suas
consequências, deve-se subentender que existe uma regra que diz que a produção de tais
consequências é obrigatória ou é algo bom249, em razão da pretensão de correção que permeia
toda a teoria do discurso de Alexy. Um exemplo de aplicação dessa forma de argumento seria
o seguinte: Ao mentir, A causa sofrimento desnecessário (F, consequência de N); Causar
sofrimento desnecessário é mau (a consequência de N é reprovável); A agiu mal (enunciado
normativo).
É preciso, ainda, um quinto grupo de regras, as chamadas regras de fundamentação
(die Begründungsregeln), variantes do princípio da universalidade, vez que as regras
anteriores ainda deixar aberto um amplíssimo campo de indeterminação. São elas:
5.1.1. A pessoa que afirma uma proposição normativa, que pressupõe uma regra para a satisfação dos interesses de outras pessoas, deve poder aceitar as consequências dessa regra também no caso hipotético de que ela se encontrasse na situação daquelas pessoas.
5.1.2. As consequências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada um devem ser aceitas por todos.
5.1.3. Toda regra deve poder ser ensinada de forma aberta e geral. 5.2.1. As regras morais, que servem de base às concepções morais
do falante, devem poder passar na prova da sua gênese histórico-crítica. Uma regra moral não passa nessa prova: a) se, embora originalmente possa ter sido justificada racionalmente, tenha perdido, depois, a sua justificação, ou b) se originalmente não pôde ser justificada racionalmente e tampouco foi possível apresentar novas razões que sejam suficientes.
5.2.2 As regras morais, que servem de base para as concepções morais do falante, devem poder passar na prova da sua formação histórico-individual. Uma regra moral não passa nessa prova se se estabeleceu apenas sobre a base de condições de socialização não-justificáveis.
5.3. É preciso respeitar os limites de possibilidade de realização dados de fato250.
As regras 5.1.1 a 5.1.3 se ligam, respectivamente, às concepções de Hare (princípio da
troca de papéis), Habermas (princípio do consenso) e de Baier (princípio da publicidade). As
regras 5.2.1 e 5.2.2 são inspiradas, respectivamente, em ideias hegelianomarxistas e em Freud,
e são regras de fundamentação que visam garantir a racionalidade das regras por meio de sua
249
ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 167. 250
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hitchinson Schild Silva ; revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira de Cláudia Toledo. 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2013, p. 289, e ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 169/170.
84
gênese social e individual. A última regra, 5.3, trata de garantir que se possa cumprir a
finalidade do discurso prático, que é a de resolução das questões práticas de fato existentes251.
O sexto e último grupo de regras, composto por regras de transição (die
Übergangsregeln), surge da constatação de que, no discurso prático, surgem problemas de
ordem teórica, linguística ou conceitual que exigem que se recorra a outros tipos de discurso.
São elas:
6.1. Para qualquer falante e em qualquer momento, é possível passar para um discurso teórico (empírico).
6.2. Para qualquer falante e em qualquer momento, é possível passar para um discurso de análise da linguagem.
6.3. Para qualquer falante e em qualquer momento, é possível passar para um discurso de teoria do discurso. 252
O discurso prático possui, no entanto, suas limitações. O próprio Alexy reflete a
respeito da utilidade das regras acima enumeradas, ao dizer que “a fraqueza principal da teoria
do discurso consiste nisto, que seu sistema de regras não oferece um procedimento que
permite em um número finito de operações chegar sempre, rigorosamente, a um resultado”253.
Isso quer dizer que o cumprimento de todas as regras acima enumeradas ainda não garante
que se possa alcançar um acordo sobre cada uma das questões práticas, ou ainda que,
alcançado esse acordo, todos estariam dispostos a cumpri-lo.
Essa dupla limitação do discurso prático que suscita a necessidade de estabelecer um
sistema jurídico que possa preencher essa lacuna de racionalidade. O Direito se justifica,
então, por aumentar a possibilidade de resolução de questões práticas e em razão da
imperatividade de suas normas.
Desse modo, ao discurso prático geral seria preciso acrescentar três tipos de
procedimento254. O primeiro deles se refere à criação estatal de normas jurídicas, cuja função
251
ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 169/170. 252 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hitchinson Schild Silva ; revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira de Cláudia Toledo. 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2013, p. 289, e ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 170. 253 ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Trad. de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 90. 254 ALEXY, Robert. “Die Idee einer prozeduralen Theorie der juristischen Argumentation”. Rechtstheorie, caderno 2. 1981, p. 177-188.
85
é a de selecionar algumas das normas discursivamente possíveis. Como vimos desde o início
do trabalho, as normas jurídicas não são capazes de prever em abstrato todos os casos
possíveis, exigindo-se o procedimento da argumentação jurídica ou do discurso jurídico, que
igualmente tem seus limites, por não ser capaz de dar sempre uma única resposta correta para
cada caso. É preciso, então, de um terceiro procedimento que preencha tal lacuna de
racionalidade, o processo judicial, ao final do qual restará somente uma resposta entre todas
as discursivamente possíveis.
5.2.2. O discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral
O procedimento do discurso jurídico se define pelas regras e formas do discurso
prático geral, bem como por regras e formas específicas. Como já elucidamos, o discurso é
um caso especial do discurso geral por estar limitado a três fatores: há, em tal discurso, a
sujeição do discurso à lei, aos precedentes e à dogmática jurídica. Dessa forma, o discurso
jurídico se diferencia do discurso prático geral por sofrer limitações endógenas do próprio
sistema que pretende articular na forma de enunciados normativos255.
As regras e formas específicas do discurso jurídico são pertinentes a tais
condicionantes. Alexy distingue dois aspectos na justificação das decisões jurídicas – a
justificação interna e a justificação externa, de tal modo que há dois tipos de regras e formas
do discurso jurídico.
Internamente, basta dizer que o dispositivo da decisão jurídica deve decorrer de suas
premissas, diretamente, por inferência dedutiva. Nos casos difíceis, nos quais tais raciocínio
não é possível, é preciso que se desenvolvam “passos de desenvolvimento que permitam
formular expressões cuja aplicação ao caso em questão não seja discutível” 256.
A justificação externa da decisão, por sua vez, se refere à justificação de suas
premissas. Alexy distingue seis grupos de regras e formas de justificação externa: regras
referentes à interpretação, à argumentação dogmática, ao uso de precedentes, à argumentação
prática geral, à argumentação empírica e às formas especiais de argumentos jurídicos. A
argumentação prática geral é o próprio fundamento da argumentação jurídica, e todas as suas 255 OLIVEIRA, RAFAEL TOMAZ DE. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 182. 256 ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 174.
86
regras já foram acima expostas. Alexy reconhece a importância da argumentação empírica,
sem, contudo, elaborar regras e formas específicas, limitando-se a constatar a aplicação da
regra do discurso geral segundo a qual “pode-se, em qualquer momento, passar da
argumentação a um discurso empírico” 257.
Alexy formula regras para os outros quatro grupos, que, contudo, são pouco
esclarecedoras. Quanto à interpretação, distingue seis grupos de argumentos interpretativos
(semânticos, genéticos, teleológicos, históricos, comparativos e sistemáticos), mas só elabora
formas dos três primeiros, considerando que o problema fundamental dos cânones de
interpretação é que os resultados a que se chega podem ser diferentes se se usam uns ou
outros258. Alexy considera ainda ser de grande importância a dogmática jurídica para a
argumentação:
Se se adota o uso das palavras dominantes entre os juristas, por “dogmática jurídica” ou “dogmática do Direito” deve-se entender a Ciência do Direito em sentido mais estrito e próprio, tal como é elaborada realmente por eles. Esta Ciência do Direito no seu sentido mais estrito e próprio é uma mescla de, ao menos, três atividades: (1) a descrição do direito vigente, (2) sua análise sistemática e conceitual e (3) a elaboração de propostas para a solução de casos jurídico-problemáticos259.
Alexy atribui à dogmática importantes funções, como a função de estabilização do
Direito (fixando determinadas formas de decisão por longos períodos), de progresso (vez que
amplia a discussão jurídica em dimensão temporal, de objeto e pessoal), de descarga (vez que
não é preciso rediscutir sempre um tema, a cada caso concreto), de técnica (vez que apresenta
a ciência de modo sistemático e unificado, facilitando o ensino e compreensão), de controle
(vez que, ao auxiliar na solução de casos, acrescenta eficácia aos princípios da universalidade
e justiça) e heurística (por conter modelos de solução e sugerir novas perguntas e
respostas)260. Suas regras para a argumentação dogmática são as seguintes:
257 ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 174. 258 ATIENZA, Manuel. Op. cit., p. 176. 259 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hitchinson Schild Silva ; revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira de Cláudia Toledo. 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2013, p. 247. 260 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 261/265.
87
1. Caso seja posto em dúvida, todo enunciado dogmático deve ser fundamentado mediante o emprego de, pelo menos, um argumento prático do tipo geral.
2. Todo enunciado dogmático deve poder ser bem sucedido numa comprovação sistemática, tanto no sentido estrito quanto no sentido amplo.
3. Se são possíveis argumentos dogmáticos, eles devem ser usados. 261
As regras sobre o uso dos precedentes em muito se assemelham às regras para a
argumentação dogmática, e seu uso se justifica porque o campo do discursivamente possível
não poderia ser preenchido com decisões mutáveis e incompatíveis entre si. Embora não haja
obrigação de seguir determinado precedente, Alexy compreende que quem se afasta de um
entendimento nele contido fica com a carga da argumentação.
Por fim, Alexy apresenta três formas de argumentos jurídicos especiais, por serem
utilizados especialmente, embora não exclusivamente, na metodologia jurídica: o argumento a
contrario, a analogia e a redução ao absurdo, exigindo, para o seu uso, o requisito da
saturação, segundo o qual todo argumento deve ser completo, contendo todas as premissas
que dele pertençam262.
5.2.3. Limites do discurso jurídico
Da explanação da teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy, não é possível
dizer que foi suprida a lacuna de racionalidade evidenciada quando falamos, no capítulo
anterior, a respeito dos limites da ponderação de princípios. É preciso reconhecer que o
discurso jurídico é limitado, pois, embora seja racional uma determinada decisão adotada em
respeito às regras do discurso, tais regras não garantem que, em cada caso, seja possível
atingir uma única resposta correta quando dos casos difíceis. Alexy reconhece essa
constatação, concluindo que “na realidade não existe nenhum procedimento que permita, com
uma segurança intersubjetivamente necessário, chegar em cada caso a uma única resposta
correta”263.
261 ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 177. 262 PULIDO, Carlos Bernal. O direito dos direitos : escritos sobre a aplicação dos direitos fundamentais. Trad. de Thomas da Rosa de Bustamante com a colaboração de Bruno Stiegert. – São Paulo : Marcial Pons, 2013, p. 63. 263 ALEXY, Robert. “Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica”. Doxa, núm. 5, 1988, p. 151.
88
Para Alexy, no entanto, essa dificuldade não retira a utilidade da teoria do discurso,
vez que o reconhecimento de que várias são as respostas possíveis discursivamente para o
caso não significa que todas sejam possíveis, cumprindo o procedimento discursivo ao menos
uma função negativa: a de assinalar limites que não podem ser ultrapassados. Além disso,
Alexy julga equivocada a tese de que há uma única resposta correta para cada caso, à maneira
de Dworkin: isso porque inexiste um inventário prévio de topoi que contenha todos os
princípios jurídicos, de tal modo que as colisões naturalmente dependerão das relações de
prioridade abstrata e concreta entre eles, caso a caso. O que os participantes do discurso
devem fazer é fundamentar suas afirmações “elevando a pretensão de que a sua resposta é a
única correta”, o que significa que “eles devem pressupor a única resposta correta como ideia
reguladora” 264.
Mas a teoria do discurso jurídico de Alexy possui outras limitações. Deve-se
considerar que, mesmo que cumpridas as regras do discurso, é possível que os vários
participantes do discurso jurídico adotem soluções igualmente racionais para determinado
caso concreto, mas absolutamente incompatíveis. Isso ocorre, em primeiro lugar, porque cada
participante do discurso jurídico elabora sua argumentação com base em convicções prévias e
distintas. Ademais, nem todos os passos da argumentação estão objetivamente determinados,
e algumas das suas regras só podem ser satisfeitas de modo aproximado265.
Deve-se também frisar que, para Alexy, sequer em um discurso ideal tal única
resposta correta prevaleceria (aquele no qual não existem limitações de tempo e de
participação, onde haja absoluta ausência de coação, absoluta clareza linguística e conceitual,
informação empírica completa, capacidade e disponibilidade para a troca de papéis e ausência
de preconceitos), vez que não se pode ignorar diferenças antropológicas que suponham um
freio para o discurso, e, por consequência, impeçam tal consenso266.
Mesmo a pretensão de correção, um pressuposto para o discurso geral e para o
discurso jurídico, é discutível quando da argumentação no âmbito de um processo judicial.
Diz-se que a argumentação é limitada em razão da vinculação do discurso jurídico ao direito
positivo, à dogmática jurídica e aos precedentes (e isso faz do discurso jurídico um caso
264 ALEXY, Robert. “Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica”. Doxa, núm. 5, 1988, p. 151. 265 ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 179. 266 ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Trad. de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 91.
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especial do discurso geral), e também relativa aos participantes do discurso, de suas
convicções normativas, do momento temporal, e da obediência a todo o procedimento
argumentativo na prática. Mas, além disso, deve-se considerar que, no processo, em geral a
conduta das partes é motivada não tanto pela justiça ou correção da decisão final, mas para
um resultado que lhes seja vantajoso, de tal modo que o que as leva a agir não é a busca
cooperativa da verdade, e sim a satisfação de seus interesses267.
Para Alexy, a teoria do discurso nada mais é do que um procedimento para o seu
tratamento racional. Seu modelo de Direito em três níveis (o das regras, o dos princípios e o
dos procedimentos) não permite alcançar a resposta correta para cada caso, o cumprimento de
regras do discurso prático geral e das regras específicas do discurso jurídico garante que as
respostas obtidas sejam, ao menos, “relativamente corretas”, e obedecem às exigências de
uma argumentação racional268.
267 NEUMANN, Ulfrid. “Juristische Argumentationslehre”. Darmstadt, Wisenschaftliche Buchgessellschaft, 1986, apud ATIENZA, Manuel. As razões do direito : teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 197. 268 ALEXY, Robert. “Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica”. Doxa, núm. 5, 1988, p. 151.
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CONCLUSÃO
No presente trabalho, nos propusemos a analisar o conceito de princípio jurídico como
espécie de norma, seu especial modo de aplicação ao caso concreto (a ponderação), os limites
desse modo de aplicação e a teoria da argumentação jurídica que decorre da constatação
desses limites. Cada um desses passos foi traçado, em especial, com fundamento na teoria
desenvolvida por um dos principais expoentes do pós-positivismo, Robert Alexy.
Robert Alexy é jusfilósofo cujas ideias possuem imensa repercussão nos sistemas
jurídicos atuais, e cuja teoria dos princípios é especialmente esclarecedora para a
compreensão da natureza, estrutura e modo de aplicação desse peculiar tipo de norma, de
patente importância na atual realidade jurídica brasileira. Nessa ambiência, deixou-se claro
que as teorias pós-positivistas, como a de Alexy e a de Dworkin, surgiram como propostas
superação do positivismo jurídico, desenvolvendo-se teorias nas quais o conceito de direito
fosse vinculado à moral; no positivismo, essa separação decorre de uma preferência
metodológica para o estudo do direito como ciência, excluindo-se do âmbito jurídico juízos
morais, metafísicos, em busca da supressão da subjetividade que lhes caracteriza.
A superação do positivismo jurídico é comumente associada à justificação da
estatolatria política e do nacional-socialismo, em razão da alegada característica de
legitimação incondicional do direito decorrente da exclusão de juízos morais do conceito de
direito, vez que, ao positivista, norma válida seria necessariamente norma justa.
Esclarecemos, contudo, que tal responsabilidade não pode ser imputada a uma determinada
teoria do direito, incapaz de induzir sociedades a regimes autoritários. Esclareceu-se, ainda,
que o nacional-socialismo justificava grande parte de suas decisões judiciais mediante a
flexibilização de normas, em vez da mera aplicação mecânica da lei. Dessa forma, a escolha
pelo estudo do pós-positivismo se deve à constatação de que a descrição positivista do direito
parece incapaz de incorporar à sua análise os princípios jurídicos, cujo reconhecimento
normativo impõe seu estudo sistemático. O positivismo é visto como um modelo de e para
um sistema de regras, normas aplicadas ao modo “tudo ou nada” (all-or-nothing), isto é,
apenas nos exatos termos de suas prescrições, e a escolha pelo estudo de teorias pós-
positivistas decorre da explicação teórica do papel de princípios, políticas e outros tipos de
padrões.
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Os princípios são essenciais a qualquer modelo que se proponha a explicar o direito
moderno, e uma teoria dos princípios, por claudicante que seja, é capaz de estruturar
racionalmente grande parte das decisões jurídicas que não podem ser prolatadas mediante a
subsunção de regras.
Foi preciso traçar a distinção entre regras e princípios. A despeito da polissemia que
marca o conceito de princípio e dos conceitos tradicionais de princípio da doutrina jurídica
brasileira, justificou-se a adoção do conceito e da classificação de Robert Alexy, para quem os
princípios são mandamentos de otimização, normas que traduzem direitos prima facie e que
determinam que algo seja feito na maior medida possível, consideradas as possibilidades
jurídicas e fáticas existentes. Reconhece-se a força normativa do princípio, que se situa, ao
lado da regra, como espécie de norma, vez que ambos dizem o que deve ser, e podem ser
formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição.
Pelo conceito de princípio, vê-se que a diferença entre tais espécies de normas não está em
sua generalidade ou em seu conteúdo axiológico, mas em sua estrutura e peculiar modo de
aplicação. Quando da colisão de princípios, o aplicador do direito se depara com duas ou
mais disposições jurídicas prima facie aplicáveis, e deve adotar um especial procedimento de
aplicação de tais normas, denominada ponderação, que consiste no final estabelecimento de
uma relação de precedência condicionada entre os princípios envolvidos, com base nas
circunstâncias do caso concreto, fixando-se as condições sob as quais um princípio tem
precedência em face do outro.
Em seguida, como preparação para traçar cada um dos passos dessa especial forma de
aplicação dos princípios, foi preciso descortinar e distinguir os conceitos de razoabilidade e de
proporcionalidade, comumente associados aos casos concretos nos quais juízes se deparam
com a necessidade de aplicação de princípios jurídicos. Esclareceu-se que tais critérios não se
confundem com a ponderação, necessária quando da colisão entre princípios e da inexistência
de regra válida para a subsunção ao caso; a proporcionalidade e a razoabilidade são conceitos
utilizados quando da existência de uma medida existente, de uma norma posta pelo legislador
e que, frente ao caso concreto, pode traduzir um comando desarrazoado ou desproporcional.
Por se tratarem de conceitos que possuem seu fundamento de validade na Constituição
Federal, os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade são instrumentos para o controle
da constitucionalidade das leis e de atos normativos, e cumprem a dupla função de critérios
orientadores para a decisão correta da Corte Constitucional, e de critérios valorativos por
92
meio dos quais as comunidades jurídica e política examina e critica a correção de tais
decisões.
Boa parte da doutrina constitucional compreende haver sinonímia entre os conceitos
de razoabilidade de proporcionalidade; contudo, para os efeitos deste trabalho, os critérios
foram distinguidos, e suas diferenças evidenciadas, embora ambos os conceitos atuem no
controle judicial da constitucionalidade de leis restritivas de direitos fundamentais. Foram
expostos os conceitos de razoabilidade como equidade, como dever de congruência e como
equivalência, bem como o conceito de razoabilidade compatível com a teoria de Robert
Alexy, a quem, em todos os atos institucionais de produção do Direito, uma chamada
pretensão de correção, de acordo com a qual sempre há, em toda decisão, a pretensão de que
tal decisão está corretamente substanciada no direito positivo, bem como de que se trata de
decisão justa e razoável. Alexy incorpora ao seu conceito de razoabilidade a fórmula de
justiça de Gustav Radbruch, segundo a qual “o direito extremamente injusto não é direito”.
Tal noção se compatibiliza com o conceito de direito de Alexy, que incorpora a correção
substancial entre seus elementos, e a razoabilidade pode ser vista como uma ponte que liga as
esferas do direito e da moral, harmonizando-os em casos extremos, vez que permanece uma
prioridade prima facie dos valores certeza e segurança sobre a correção substantiva.
A proporcionalidade, de modo diverso, é noção desenvolvida originalmente pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Esclareceu-se que há dúvidas no
que tange à categoria jurídica à qual a proporcionalidade pertence. Embora o termo mais
difundido no Brasil seja “princípio da proporcionalidade”, a utilização do termo não é
compatível com o conceito de princípio de Robert Alexy, a quem a proporcionalidade possui
a estrutura de regra. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem
uma estrutura racionalmente definida, com sub-elementos independentes - a análise da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito - que são aplicados em
uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a
diferencia claramente da exigência de razoabilidade.
Distinguimos a sub-regra da proporcionalidade em sentido estrito do conceito de
ponderação, vez que tais noções são frequentemente associadas, esclarecendo-se que a
proporcionalidade em sentido estrito inclui no seu conteúdo o mandamento da ponderação,
mas com ele não se confunde. Isso se deve ao próprio contexto no qual a proporcionalidade é
utilizada: afere-se se uma regra existente é proporcional, regra tal decorrente da atividade
legislativa onde foi feita a prévia ponderação de todos os princípios envolvidos no tema, de
93
tal modo que a regra de direito ordinário é decorrente desse sopesamento. Se alguma dessas
regras que restringem direitos fundamentais tiver sua constitucionalidade questionada, deve o
aplicador do direito recorrer à regra da proporcionalidade, passando por suas três sub-regras.
A ponderação, por sua vez, é necessária nos casos sobre os quais o legislador não se debruçou
e não editou regra alguma, de modo que não existe no ordenamento jurídico um mandamento
definitivo que discipline a colisão entre dois princípios, que devem ser aplicados diretamente
ao caso concreto, o que requer que seja feita a ponderação entre os potenciais princípios
aplicáveis para a criação de uma relação de precedência condicionada entre os mandamentos
de otimização prima facie aplicáveis.
Esclarecida sua distinção, elucidamos a estrutura da ponderação, a partir da exposição
da fórmula do peso de Robert Alexy, que disciplina a colisão de princípios mediante a
consideração das variáveis do peso abstrato, peso concreto e da certeza das apreciações
empíricas pertinente a cada um dos princípios envolvidos. Foram expostas as críticas à
fórmula do peso, que, para alguns, é mera manifestação matematizada do conhecimento
jurídico, sustentando-se ser impossível reduzir o Direito a formas pré-determinadas de
aplicação das normas jurídicas. No entanto, compreendemos que a fórmula do peso oferece ao
aplicador do direito critérios para a realização da ponderação, que, longe de matematizar a
aplicação do direito, por sua objetividade metodológica, confere elevada racionalidade no
processo decisório, impõe alto ônus argumentativo ao operador do direito para a atribuição
dos pesos, o que, por conseguinte, permite grande controle sobre o conteúdo e fundamentação
de suas decisões.
No entanto, a ponderação possui claros limites. Isso não existe critério objetivo para
determinar o peso que têm os princípios na lei da ponderação, inexistindo, portanto,
uniformidade entre juízes quanto a atribuição de pesos, em casos semelhantes, para o grau de
afetação dos princípios no caso concreto, seu peso abstrato e a certeza das premissas
empíricas relativas à sua afetação, vez que a fórmula não explicita claramente qual ponto de
vista a partir do qual se deve fazer a gradação das afetações dos princípios. Esta dúvida só
pode res resolvida pelo operador do direito – pelo juiz, sobretudo -, depois de adotar uma
postura material e ideológica.
Alexy certamente tinha consciência de tais limitações da fórmula do peso; tanto que
parte proeminente de sua obra é dedicada à argumentação jurídica, que estabelece diversas
regras a serem obedecidas para a racionalidade do discurso. Nos casos em que a decisão
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judicial não decorre de uma lógica subsuntiva, o ônus argumentativo do intérprete se
potencializa, devendo o intérprete demonstrar, analiticamente, a construção do seu raciocínio.
Na exposição de sua teoria do discurso, esclarecemos que, em Alexy, a argumentação
jurídica é um caso especial do discurso prático geral, isto é, do discurso moral. Sua teoria é
profundamente influenciada pelas ideias de Jürgen Habermas, a quem o discurso é situação
racional validadora e legitimadora de ações finais, dele decorrendo decisões que se legitimam
por sua racionalidade, e não apenas pela imperatividade coativa do poder, sustentando-se a
tese de que questões práticas podem ser decididas racionalmente. Em todo ato de fala dirigido
à compreensão mútua, o falante erige uma pretensão de validade, que têm como meta a
obtenção de um consenso ou acordo e que está tanto na interação ordinária entre as pessoas,
quanto no plano do discurso. A teoria do agir comunicativo de Habermas trabalha com a
diferença dos conceitos de ação e discurso: no campo da ação, as pretensões de validade não
são problematizadas, e são aceitas de modo mais ou menos ingênuo, surgindo o discurso
quando as pretensões de validade são problematizadas na interação concreta, exigindo-se a
justificação de ações ou atos de fala, plano no qual não se ganham novas informações, mas há
apenas o intercâmbio de argumentos.
Para Alexy, o discurso jurídico é parte especial de um discurso prático geral, que
abrange todo o universo da cultura e do agir humano, que trata da correção de enunciados
normativos. O discurso jurídico é um caso especial por estar condicionado a uma série de
fatos que restringem a aplicação do Direito, como a sujeição do discurso à lei, aos precedentes
e à dogmática jurídica. A argumentação jurídica chega até determinado ponto no qual já não
são possíveis outros argumentos especificamente jurídicos, em razão de tais restrições
impostas pelo próprio sistema, momento no qual o discurso jurídico é penetrado por
argumentos baseados em valores, incorporando-se a ele os argumentos do discurso prático
geral.
Expostas todas as regras do discurso prático geral e do discurso jurídico para Alexy,
encontramos, do mesmo modo, limites que não superam a lacuna de racionalidade que foi
encontrada quando da análise do procedimento da ponderação. Para Alexy, no entanto, essa
dificuldade não retira a utilidade da teoria do discurso, vez que o reconhecimento de que
várias são as respostas possíveis discursivamente para o caso não significa que todas sejam
possíveis, cumprindo o procedimento discursivo ao menos uma função negativa: a de
assinalar limites que não podem ser ultrapassados. Além disso, consideramos que, mesmo que
cumpridas as regras do discurso, é possível que os vários participantes do discurso jurídico
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adotem soluções igualmente racionais para determinado caso concreto, mas absolutamente
incompatíveis, assim como acontece quando da ponderação.
Para Alexy, a teoria do discurso nada mais é do que um procedimento para o seu
tratamento racional, e, embora seu modelo de Direito em três níveis (o das regras, o dos
princípios e o dos procedimentos) não permita alcançar a resposta correta para cada caso.
Assim como na ponderação, há certos limites no discurso, que permite a adoção de
concepções materiais e ideológicas pelo julgador. No entanto, o cumprimento de regras do
discurso prático geral e das regras específicas do discurso jurídico garante que as respostas
obtidas sejam, ao menos, “relativamente corretas”, e que obedecem às exigências de uma
argumentação racional.
O reconhecimento de limites à técnica da ponderação e à teoria do discurso de Alexy
não invalida seu valor metodológico. A teoria não é capaz de suprimir a discricionariedade na
aplicação da norma; não diz, precisamente, qual a melhor decisão judicial possível, e não
fornece uma única resposta correta para cada caso, ao modo de Dworkin. A propósito, Alexy
julga inadequado que exista teoria que o faça, por inexistir um inventário prévio de topoi que
contenha todos os princípios jurídicos, de tal modo que as colisões naturalmente dependerão
das relações de prioridade abstrata e concreta entre eles, caso a caso. Contudo, as repercussões
práticas da teoria de Alexy não equivalem àquelas existentes, por exemplo, nas teorias
juspositivistas, e delas dão um passo muito além. Em Hart, a textura aberta do direito permitia
ao juiz decidir discricionariamente nos casos difíceis, sem qualquer mecanismo de controle do
potencial poder ilimitado do juiz. Em Kelsen, o intérprete, ao concretizar o comando da
norma, deve adotar uma dentre as possíveis alternativas abrangidas por sua “moldura”
(Rahmen), silenciando a teoria pura quanto aos métodos interpretativos para a constatação
desses limites.
O que Alexy faz, de certo modo, é, ao reconhecer a impossibilidade de fornecer uma
única resposta correta para cada caso, estabelecer os “contornos” da moldura e limitar a
discricionariedade nos casos difíceis, impondo elevado ônus argumentativo ao aplicador do
direito em casos nos quais a mera lógica subsuntiva não é possível.
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