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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP CESAR CALO PEGHINI A aplicação da boa-fé objetiva nas Situações Jurídicas Reais Doutorado em Direito São Paulo 2017

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP CESAR … · 2017. 10. 7. · CESAR CALO PEGHINI A aplicação da boa-fé objetiva nos Negócios Jurídicos Reais Doutorado

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  • Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    PUC-SP

    CESAR CALO PEGHINI

    A aplicação da boa-fé objetiva nas Situações Jurídicas Reais

    Doutorado em Direito

    São Paulo

    2017

  • CESAR CALO PEGHINI

    A aplicação da boa-fé objetiva nos Negócios Jurídicos Reais

    Doutorado em Direito

    Tese apresentada a Banca Examinadora de

    qualificação da Pontifícia Universidade Católica

    de São Paulo, como exigência parcial para a

    obtenção do título de Doutor em Direito Civil sob

    a orientação do Prof. Dr. Willis Santiago Guerra

    Filho

    São Paulo

    2017

  • Banca Examinadora

    ____________________

    ____________________

    ____________________

    ____________________

    ____________________

  • AGRADECIMENTO

    Apenas para quem passou horas a fio em um

    computador, limitado no tempo e seio familiar

    compreende a magnitude e determinação rumo

    ao conhecimento, elevação espiritual e

    profissional. Concluir esta tese remete a

    concretude de um sonho, sendo assim,

    inúmeras são as pessoas que oportunizaram

    findá-la com esmero.

    Agradecer a família, os amigos e a própria vida

    por conferir horas de estudo e reflexão não

    bastaria. Contudo e indubitavelmente agradeço

    minha família, amada mãe, amado pai em

    respeitosa e saudosa memória, avôs, tios,

    primos e amigos por compreenderem tanta

    ausência no convívio familiar e social. Agradeço

    aos meus pais de coração, os quais me

    adotaram meio ao furacão de atividades e

    sentimentos, sogra e sogro, além de sua grande

    família.

    Agradeço em especial o compartilhamento das

    ideias e infinitas conversas acerca da vida e do

    tema da presente tese, aos amigos e

    professores que igualmente compartilham da

    missão de elevar e levar conhecimento.

    Uma das pessoas valiosas que passaram em

    minha vida trata da querida Professora Doutora

    Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim, qual me

    permitiu adentrar ao estudo acadêmico e tornar

    o que sou hoje, um profissional amante da

    docência e do conhecimento, infinitamente

    muito obrigado. Ao grande amigo, Professor

  • Doutor Daniel Willian Granado pela confiança

    em minha retidão profissional, sem o qual, talvez

    não conseguisse êxito no ingresso dessa

    empreitada.

    Para os grandes mestres, os quais participaram

    dessa trajetória ao longo dos últimos quatro

    anos de minha vida, Professor Doutor Renan

    Lotufo que recepcionou a orientação, Professor

    Doutor Roberto Senise Lisboa qual me manteve

    na orientação elucidando o caminho a ser

    seguido e Professor Doutor Willis Santiago

    Guerra Filho que recepcionou e potencializou

    com sua sabedoria a presente tese ramificando

    a pesquisa para outras áreas do conhecimento.

    À ilustre Banca Examinadora Convocada do

    presente trabalho Professora Doutora Ana

    Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti, Professor

    Doutor Erik Frederico Gramstrup, Professor

    Doutor Flávio Murilo Tartuce Silva, Professora

    Doutora Marcia Cristina de Souza Alvim,

    Professor Doutor Roberto Senise Lisboa,

    Professor Doutor Rogério Luiz dos Santos Terra

    e Professor Doutor Willis Santiago Guerra Filho

    os quais influenciaram de forma significativa e

    valorosa cada ponderação e, por fim, porém não

    menos importante a Banca Examinadora

    Convocada do presente trabalho que dividirão

    comigo este momento tão importante e

    esperado ficando aqui meus sinceros

    agradecimentos.

  • Dedico este trabalho à minha amada filha Alice

    Costa Peghini que deu seus primeiros passos em

    meio a tanto trabalho; cujo sorriso recarregou

    minhas energias a cada propósito de vida. Para

    ela registro que não se trada de alcançar o topo do

    mundo, mas sim que a caminhada até lá, te

    fortalece. E, minha amada esposa Aline que me

    incentivou e compartilhou cada caminhar e

    proporcionou uma nova forma de olhar a vida,

    agora, compartilhando um pedaço de mim fora do

    peito, minha família.

  • Liberdade cristã e libertinagem

    “A mim tudo é permitido, mas nem tudo me

    convém. A mim tudo é permitido, mas não me

    deixarei dominar por coisa alguma” (I Cor 6,12)

  • RESUMO

    Fruto da atividade humana, o direito tem como marco referencial o fato social, qual

    visa à pacificação social por meio da aplicação de normas e técnicas de solução de

    conflitos. Com fim de pacificação social a norma é aplicada em todos os ramos do

    direito, oriunda da influência do meio que a circunda, acha-se inclusive refletida no

    Direito Civil, em especial para a presente tese, no que tange aos Direitos Reais.

    Frente à corporeidade imanente do ser humano, imperioso condicioná-lo a existência

    das coisas e suas relações intersubjetivas. Assim o presente trabalho tem como objeto

    a análise dos direitos reais, bem como a confrontação da aplicação da boa-fé objetiva

    em referidas relações. Trafegará entre a evolução legislativa dos referidos institutos,

    bem como a suas características gerais, tratará acerca do paradigma da boa-fé

    objetiva que permeia todo o direito e seus nítidos reflexos ao Direito Real, para

    finalmente, explorar a efetividade da aplicação da boa-fé objetiva às seguintes

    situações jurídicas reais: propriedade; superfície; servidões; usufruto; uso; habitação;

    direito do promitente comprador do imóvel; penhor; hipoteca; e anticrese, e, seus

    reflexos no atual enquadramento do sistema jurídico normativo. Portanto, esmiuçado

    doutrina e decisões oriundas dos tribunais nacionais, em especial o Superior Tribunal

    de Justiça a partir da vigência do Código Civil de 2002 até o dia 01 de julho de 2017,

    verificou a concretude da aplicação da boa-fé objetiva, nas situações jurídicas reais.

    Palavras-chave: Direito Civil. Direito das Coisa. Direitos Reais. Situações Jurídicas

    Reais. Boa-fé objetiva.

  • ABSTRACT

    Originating from human activity, the law relies on the social fact as a landmark

    reference which seeks social peace upon application of conflict-resolution rules and

    techniques. In pursuing social peace, the legal rule is applied to all branches of the law

    and stems from the influence of the environment surrounding it, being even reflected

    in the Civil Law, especially within the ambit of this paper, when it comes to Property

    Rights. In view of the corporeal nature of the human being, it is imperative to condition

    it to existing things and to their intersubjective relationships. Thus, the subject-matter

    of this paper consists in analyzing property rights and in confronting the application of

    objective good faith to such relations. This study will cover the legislative development

    of said legal institutes, their general features, the objective-good-faith paradigm

    pervading the law and their perceptible impacts in Property Rights, to finally explore

    the effectiveness of the application of objective good faith to the following legal

    situations: property; surface; easements; usufruct; use; dwelling; the right of the

    purchaser of real property; pledge; mortgage; and antichresis, and their impacts on the

    current normative legal system’s framework. Therefore, by scrutinizing both academic

    writings and judgments from domestic courts, particularly the Superior Court of Justice,

    as of the effective date of the Brazilian Civil Code of 2002 up until July 1, 2017, one

    has examined the concrete aspects involving the application of the objective good-faith

    to actual legal situations.

    Keywords: Civil Law; Rights In Rem. Property Rights. Actual Legal Situations.

    Objective Good-Faith.

  • RÉSUMÉ

    Produit de l'activité humaine, le droit a comme cadre référentiel le fait social, qui

    objective la pacification sociale moyennant l'application des normes et techniques de

    solution de conflits. Dans ce dessein de pacification sociale, la norme est appliquée

    dans tous les domaines du droit, originaire de l'influence du moyen environnant, et se

    reflète même dans le droit civil, notamment pour la présente thèse, en ce qui concerne

    les droits réels. Face à la corporéité immanente de l'être humain, il est impérieux de

    le conditionner à l'existence des choses et leurs rapports intersubjectifs. De cette

    façon, le présent travail a comme objet l'analyse des droits réels, ainsi que la

    confrontation de l'application de la bonne foi objective en relations référées. Il transitera

    entre l'évolution législative des instituts référés, ainsi que leurs caractéristiques

    générales, tout en abordant le paradigme de la bonne foi objective qui se répand dans

    le droit tout entier et ses évidents réflexes dans le droit réel, pour finalement explorer

    l'effectivité de l'application de la bonne foi objective aux suivantes situations juridiques

    réelles: propriété; superficie; servitudes; usufruit; usage; habitation; droit du promettant

    acheteur de l'immeuble; gage; hypothèque; et antichrèse, et leurs reflets dans l'actuel

    encadrement du système juridique normatif. Par conséquent, tout en examinant la

    doctrine et les décisions des tribunaux nationaux, notamment la Cour Suprême de

    Justice depuis l'entrée en vigueur du Code civil de 2002 jusqu'au 1er juillet 2017, il a

    été vérifié la concrétude de l'application de la bonne foi objective dans les situations

    juridiques réelles.

    Mots-clé: Droit civil. Droit du patrimoine. Droits réels. Situations juridiques réelles.

    Bonne foi objective.

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

    CAPÍTULO 1 – OS DIREITOS REAIS E O DIREITO POSITIVADO ........................ 18

    1.1. ETIMOLOGIA E NOÇÃO DA PALAVRA “DIREITOS REAIS” ........................................... 18

    1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA ....................................................................................... 26

    1.2.1. Direito Romano ..................................................................................... 26

    1.2.2. Os Direitos Reais do Direito Medieval até a Pré-codificação nacional .. 29

    1.2.3. Os Direitos Reais no Direito Pátrio ....................................................... 36

    1.3. OS DIREITOS REAIS E SUA ATUAL CODIFICAÇÃO NACIONAL ..................................... 38

    1.4. FUNDAMENTO E TEORIAS .................................................................................... 40

    1.5. DISTINÇÃO ENTRE OS DIREITOS REAIS E PESSOAIS ................................................ 43

    1.6. CONCEITOS INTERMEDIÁRIOS .............................................................................. 46

    1.7. EFEITOS DOS DIREITOS REAIS ............................................................................. 49

    1.8. TIPICIDADE DOS DIREITOS REAIS NA ATUAL LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ..................... 55

    CAPÍTULO 2 – NEGÓCIOS JURÍDICOS E A APLICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA

    .................................................................................................................................. 63

    2.1. TERIA GERAL DO NEGÓCIO JURÍDICO .................................................................. 63

    2.1.1. Noção do Negócio Jurídico ................................................................... 63

    2.1.2. Característica dos negócios jurídicos ................................................... 69

    2.1.3. Interpretação do negócio jurídico .......................................................... 73

    2.2. PLANOS DO NEGÓCIO JURÍDICO ........................................................................... 75

    2.2.1. Existência ............................................................................................. 77

    2.2.2. Validade ................................................................................................ 81

    2.2.3. Eficácia ................................................................................................. 87

    2.3. A BOA-FÉ NA NO DIREITO PÁTRIO ......................................................................... 92

    2.3.1. Análise histórica acerca da boa-fé ........................................................ 99

    2.3.2. Codificações anteriores e o Código Civil de 1916 .............................. 101

    2.3.4. A Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 ............................... 103

    2.4. OS PRINCÍPIOS NORTEADORES: OPERABILIDADE; ETICIDADE E SOCIALIDADE .......... 104

    2.5. A BOA-FÉ E SUA SISTEMÁTICA HERMENÊUTICA .................................................... 111

    2.5.1. A boa-fé nos sistemas jurídico fechado e aberto ................................ 111

    2.5.2. Boa-fé como elemento autopoiético sistêmico e a contribuição dos

    ensinamentos de Willis Santiago Guerra Filho ........................................................ 122

    2.6. AS FUNÇÕES DA BOA-FÉ ................................................................................... 133

    2.6.1. Função interpretativa .......................................................................... 134

  • 2.6.2. Função sanção, controladora ou reativa e o abuso do Direito ............ 137

    2.6.3. Função integração .............................................................................. 139

    2.7. A BOA-FÉ E OS DEVERES SECUNDÁRIOS OU ANEXOS ........................................... 150

    2.7.1. Dever de lealdade ............................................................................... 152

    2.7.2. Dever de cooperação ou colaboração ................................................ 152

    2.7.3. Dever de informação ou de esclarecimento ........................................ 153

    2.7.4. Dever de segurança e proteção .......................................................... 157

    2.7.5. Dever de prestação de contas ............................................................ 157

    2.7.6. Dever de sigilo .................................................................................... 159

    2.7.7. Quebra dos deveres secundários ou anexos ...................................... 160

    2.8. CONCEITOS PARCELARES DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS DERIVATIVOS DA

    FUNÇÃO INTEGRATIVA ............................................................................................. 164

    2.8.1. Tu quoque ........................................................................................... 164

    2.8.2. Exceptio Doli ....................................................................................... 167

    2.8.3. Venire contra factum proprium non valet ............................................ 168

    2.8.4. Supressio (Verwirkung) e surrectio (Erwirkung) .................................. 170

    2.8.5. Doctrine of mitigation ou duty to mitigate the loss ............................... 173

    2.8.6. Teoria do adimplemento substancial .................................................. 176

    2.8.7. Droit de Suite ...................................................................................... 179

    2.8.8. Nachfrist .............................................................................................. 181

    CAPITULO 3 – DIREITO REAIS EM ESPÉCIE ANÁLISE ACERCA DA

    APLICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA ................................................................... 184

    3.1. PROPRIEDADE ................................................................................................. 186

    3.2. PROPRIEDADE ESPECIAIS ................................................................................. 191

    3.2.1. Condomínio Geral ............................................................................... 191

    3.2.2. Condomínio Edilício ............................................................................ 194

    3.2.3. Loteamentos Fechados ...................................................................... 205

    3.2.4. Propriedade Resolúvel. ....................................................................... 209

    3.2.5. Exercício do direito de Vizinhança ...................................................... 213

    3.2.6. Bem de família .................................................................................... 215

    3.3. DIREITO REAL DO PROMITENTE COMPRADOR ...................................................... 218

    3.4. DIREITOS REAIS DE GOZO ................................................................................. 220

    3.4.1. Superfície ............................................................................................ 220

    3.4.2. Enfiteuse ............................................................................................. 225

    3.4.3. Servidões ............................................................................................ 227

  • 3.4.4. Usufruto .............................................................................................. 229

    3.4.5. Uso ..................................................................................................... 232

    3.4.6. Habitação ............................................................................................ 234

    3.5. DIREITOS REAIS DE GARANTIA .......................................................................... 235

    3.5.1. Penhor ................................................................................................ 235

    3.5.2. Hipoteca .............................................................................................. 239

    3.5.3. Anticrese ............................................................................................. 244

    CONCLUSÃO ......................................................................................................... 246

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 259

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................ 281

    ANEXOS ................................................................................................................. 296

    ANEXO I – BOA-FÉ OBJETIVA E PROPRIEDADE ......................................................... 296

    ANEXO II – BOA-FÉ OBJETIVA E CONDOMÍNIO GERAL ................................................ 309

    ANEXO III – BOA-FÉ OBJETIVA E CONDOMÍNIO EDILÍCIO ............................................ 311

    ANEXO IV – BOA-FÉ OBJETIVA E LOTEAMENTOS FECHADOS ...................................... 312

    ANEXO V – BOA-FÉ OBJETIVA E PROPRIEDADE RESOLÚVEL ...................................... 313

    ANEXO VI – BOA-FÉ OBJETIVA E EXERCÍCIO DE VIZINHANÇA ..................................... 314

    ANEXO VII – BOA-FÉ OBJETIVA E BEM DE FAMÍLIA .................................................... 316

    ANEXO VIII – BOA-FÉ OBJETIVA E DIREITO REAL DO PROMITENTE COMPRADOR .......... 322

    ANEXO IX – BOA-FÉ OBJETIVA E SUPERFÍCIE ........................................................... 323

    ANEXO X – BOA-FÉ OBJETIVA E ENFITEUSE ............................................................. 324

    ANEXO XI – BOA-FÉ OBJETIVA E SERVIDÕES ........................................................... 325

    ANEXO XII – BOA-FÉ OBJETIVA E USUFRUTO ........................................................... 326

    ANEXO XIII – BOA-FÉ OBJETIVA E USO ................................................................... 328

    ANEXO XIV – BOA-FÉ OBJETIVA E HABITAÇÃO ......................................................... 342

    ANEXO XV – BOA-FÉ OBJETIVA E PENHOR .............................................................. 345

    ANEXO XVI – BOA-FÉ OBJETIVA E HIPOTECA ........................................................... 346

    ANEXO XVII – BOA-FÉ OBJETIVA E ANTICRESE ........................................................ 350

  • 14

    INTRODUÇÃO

    O direito é fruto da atividade humana, em especial, tem como marco referencial

    o fato social, que visa à pacificação social1 por meio da aplicação de normas e técnicas

    de solução de conflitos2.

    Da doutrina, verifica-se a percepção de que nossa vida se desenvolve no

    mundo das normas, onde os sujeitos acreditam ser livres, mas estão envolvidos em

    verdade, em estreitíssimas regras de conduta3.

    Não obstante, tal definição não é tão simples, pois conforme anota Tércio

    Sampaio Ferraz Júnior4 há uma ambivalência ao referido instituto, pois se de um lado

    consiste em procedimentos judiciais representado por símbolos; de outro,

    corresponde a um dos fatores de estabilidade social, onde diferentes situações e

    pessoas podem encontrar ordem e aceitação.

    Referida ordem e aceitação tem forte reflexo no Direito Civil5, que conforme se

    percebe contém forte influência do meio que o circunda6, em especial no que se refere

    à família, o contrato e a propriedade7.

    1 ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do direito: o fenômeno jurídico como fato social. 17ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004. 2 SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim. Sociologia e Direito: Leituras básicas de sociologia jurídica. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1980. 3 PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2ª ed, p. 32, 2008. 4 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 9ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016. p. 12. 5 Importante registrar que no presente trabalho foi realizado um corte metodológico quanto à retirada dos direitos reais públicos, como exemplo podem ser citados a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007), bem como a concessão de direito real de uso (Redação dada pela Medida Provisória nº 759, de 2016), ambos institutos previstos no art. 1.225 do CC ou a legitimação fundiária da lei nº 13.465, de 2017. 6 CUNHA, Paulo Ferreira da. Direito Constitucional Geral: Uma perspectiva Luso-Brasileira. São Paulo: Método, 2007. 7 Quanto ao aspecto da propriedade a ocupação do solo anota-se a leitura da seguinte obra: GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do uso do solo Urbano. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1981.

    http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:livro:2004;000695865http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11481.htm#art10http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv759.htm#art25http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv759.htm#art25

  • 15

    O objeto da presente tese tem forte relação com a presente tríade, em especial

    com o último emento citado, uma vez que o estudo se dedica a estudar os Direitos

    Reais.

    Nessa toada, deve ser registrado que tido direito está longe de ser um estudo

    ultrapassado e arcaico, pois trata perenemente atual por várias razões. O principal

    delas é que a corporiedade acha-se imanente ao ser humano, e de certo modo a

    existência humana se condiciona a existência das coisas8.

    Referida afirmação, tem como base o artigo 1º, do Código Civil qual dispõe a

    distinção entre pessoa e coisa indicando “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres

    na ordem civil”, bem como, mesmo com o avanço tecnológico não há como afastar a

    aplicação das normas do referido ramo, em especial sob o enfoque das relações

    intersubjetivas.

    Assim o presente trabalho tem como objeto a análise dos direitos reais na atual

    condição que se encontra, bem como o confrontar uma possível aplicação da boa-fé

    objetiva em referidas relações.

    Para ser tracejado um caminho assertivo, importante se faz constar que

    galgaremos alguns pontos fundamentais de tal forma a ser possível extrair o objetivo

    fundamental do presente trabalho.

    Assim, inicialmente, será examinada a evolução legislativa dos referidos

    institutos, bem como a suas características gerais. Tal cortejo desse processo

    evolutivo permitirá a melhor compreensão do instituto e seus efeitos atuais.

    Após tal estudo adentraremos no paradigma da boa-fé objetiva que permeia

    todo o direito e traz seus nítidos reflexos ao direito real.

    8 PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2ª ed, p. 32, 2008.

  • 16

    Por fim, será verificada a aplicação da boa-fé objetiva às situações jurídicas

    reais, bem como e seus reflexos em seu atual enquadramento no sistema jurídico

    normativo.

    Para a elaboração do referido trabalho científico, os métodos de pesquisa

    utilizados será inicialmente o dedutivo9, fazendo referência às leis referentes ao tema,

    bem como, utilizando de artigos específicos, doutrinas e ainda analogia, costumes, e

    aos princípios gerais do direito.

    Já em um segundo momento será utilizado o método indutivo10 partindo de

    dados particulares e localizados, podendo ser obtidas conclusões mais amplas e

    genéricas do que os dados e premissas de quais derivam. Por fim, porém não menos

    importante, será utilizado o critério empírico, segundo o qual tem os seguintes critérios

    de pesquisa:

    Pesquisou-se no site do Superior Tribunal de Justiça, Acórdãos Repetitivos,

    Súmulas, Acórdãos, Decisões de Afetação, Decisões Monocráticas, ou Informativos

    de Jurisprudência que apresentassem relação temática aos tópicos da presente tese,

    bem como, da existência ou não do reconhecimento da boa-fé objetiva.

    A premissa inicial para ensejar a busca dos temas, ou seja, dos julgados

    relacionados à tese, foi entrar em contato com o departamento central de pesquisa de

    jurisprudência do site: http://www.stj.jus.br.

    Nesse departamento, obteve a informação de que a busca deveria se pautar

    em restringir a pesquisa, pela utilização da informação a partir da vigência do Código

    Civil de 2002, ademais, deveria contar com a conjunção “e” a fim de que as palavras

    buscadas não fossem variáveis.

    Desta forma, a pesquisa realizada, obteve como palavras-chave “boa-fé

    objetiva e propriedade”, “boa-fé objetiva e condomínio edilício”, “boa-fé objetiva e

    9 GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; FONSECA DIAS, Maria Tereza. (RE) pensando a pesquisa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 23. 10 Idem.

  • 17

    loteamentos fechados”, “boa-fé objetiva e propriedade resolúvel” etc., conforme os

    termos indicados pela central de pesquisas do Superior Tribinal de Justiça, para busca

    de julgados.

    Assim, foram 156 (cento e cinquenta e seis) resultados obtidos, ora as palavras-

    chave buscadas apresentavam relação temática, ora não, ora apresentava a

    indicação da presença da boa-fé, ora não.

    Portanto, a fim de restringir a temática, os casos em que nas buscas não

    apresentaram relação temática, este resultado negativo foi imediatamente descartado

    quanto da insignificância da existência da boa-fé ou não.

    Todavia, se da busca realizada houvesse a apresentação de Acórdãos,

    Decisões ou Informativos de jurisprudência, por exemplo, foi verificada a existência

    ou não do julgamento pautado na boa-fé, ou não.

    Ou seja, analisou se o Excelso Superior Tribunal de Justiça pauta suas

    decisões - desde que com relação temática - às vistas da boa-fé objetiva.

    Ademais imperioso destacar que a busca foi realizada como data final o dia

    01/07/2017, momento qual findou a pesquisa junto ao site do Superior Tribunal de

    Justiça. Sendo essas considerações iniciais, passamos às temáticas.

  • 18

    CAPÍTULO 1 – OS DIREITOS REAIS E O DIREITO POSITIVADO

    1.1. ETIMOLOGIA E NOÇÃO DA PALAVRA “DIREITOS REAIS”

    Para Limongi França11, o termo Real tem origem na palavra latina res, que

    significa “coisa”. Esse era o precedente Romano, segundo o qual, a coisa poderia até

    ser sinônimo de bem.

    O conceito de Direito Real no dicionário jurídico de Maria Helena Diniz12 trata

    do quanto segue:

    Direito civil. Trata-se do jus in re, ou seja, do poder imediato

    sobre a coisa. É uma relação entre o homem e a coisa corpórea

    ou incorpórea que contém um sujeito ativo, uma coisa e a

    inflexão imediata daquela sobre esta. É oponível erga omnes,

    isto é, a quem quer que seja, havendo uma relação jurídica entre

    o titular e toda humanidade, que fica obrigada passivamente a

    respeitar o direito do sujeito ativo. Com isso seu titular tem ação

    real e direito de sequela contra quem injusta ou indistintamente

    detiver a coisa. Portanto, o direito real é o direito subjetivo de ter

    como seus objetos materiais ou coisas corpóreas ou incorpóreas

    (Goffredo Telles Jr.)

    Para De Plácido e Silva13, Direito Real pode ser conceituado nos seguintes

    termos:

    Direito Real. Assim se diz da relação jurídica que atribui ou

    investe a pessoa, seja física ou jurídica, na posse, uso e gozo

    de uma coisa, corpórea ou incorpórea, que é de sua

    propriedade.

    11 FRANÇA. Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 341. 12 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2ª ed. rev. e atual. e aum. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. p. 203. 13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1973. Vol. II, D-I. p. 543.

  • 19

    Em virtude do mencionado, pode ser anotado que o conceito de direito real é

    complexo, e que se relaciona com outros ramos do direito civil.

    Em continuidade, não há outra forma de tratar do tema sem alocar que os

    Direitos Reais são um ramo do Direito Civil, ao lado se outros, como Obrigações e

    Família14, porém não é só, há de se questionar se existe diferença entre os institutos

    denominados bem e coisa.

    Nesse sentido, o conceito de bem e coisa sempre foram apresentados pela

    doutrina de forma controvertida15, pois, não cabe Lei necessariamente conceituar

    institutos.

    Para Caio Mário16, bem é tudo que nos agrada, como dinheiro, casa, a herança

    de um parente, direito a sua integridade moral e física. Todavia os bens jurídicos são

    aqueles que se ponde integrar no patrimônio do sujeito tendo expressão patrimonial

    ou não, como por exemplo respectivamente, uma casa ou nome.

    Assim, a questão por evidente resta não pacificada, pois, se verifica na doutrina

    notória oscilação, tanto é assim que para parte dessa17 bem é gênero a qual coisa é

    uma espécie. Nesse exato pensamento Limongi França18 anota: “dada a latitude que

    se define as coisas, vê-se que preferiu a referência às coisas à referência dos bens

    (...) tomar bem como uma noção mais genérica, englobando toda a realidade que

    possa ser objeto do direito”

    14 Nessa toada, se faz necessário anotar, que na origem histórica do instituto não havia essa distinção, pois, os Direitos Reais somente eram uma categoria de direitos subjetivos. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2015. p. 11. 15 PEREIRA. Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. Vol. IV. p. 346. 16 Idem, p. 347. 17 MAGALHÃES, Lúcia Regina Esteves de. Direitos Reais na Atualidade. Série Aperfeiçoamento de Magistrados. Rio de Janeiro: Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, 2013. Disponível em: . Acesso em: 08 mar. 2017. 18 FRANÇA. Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 341.

  • 20

    Já para Maria Helena Diniz19 e Silvio de Salvo Venosa20, o caminho seria o

    inverso, ou seja, coisa é gênero, segundo o qual bem é espécie.

    Nos termos do apresentado na Codificação Civil, bem como pautada na

    legislação e doutrina Alemã21 é possível entender que bem é gênero, vez que Livro II

    do da Codificação de 2002 é denominado “Dos Bens”, já a coisa, seria uma espécie

    alocada no Livro III, neste último conceito, enquadram-se apenas as utilidades

    corpóreas ou materiais.

    Levando-se em consideração esses aspectos, existe uma forte relação entre

    bem e coisa, segundo a qual até mesmo os conceitos dos institutos acabam

    convergindo em uma mesma ideia, porém pode ser extraído que bem é gênero o qual

    coisa é espécie cabendo esse último somente para coisas corpóreas ou materiais.

    Outra impressão terminológica se faz colocada por Ascenção22 da distinção

    entre o Direito das Coisas e Direitos Reais. Lembra referido autor que na Alemanha,

    usa-se a designação Sachenrecht23 com significado literal Direito das Coisas utilizado

    pela opção legislativa Brasileira.

    Meneses Leitão24 anota que os Direito Reais visam distinção dicotômica da

    composição romana das ações reais e pessoais, já os Direitos das Coisas regulam a

    atribuição das coisas corpóreas com eficácia real perante terceiros.

    Retomando a ideia de Ascenção25 anota que por uma questão sistêmica, não

    obstante a aproximação entre as propostas terminológicas, tanto um conceito como

    outro não são suficientes. Tal situação pode ser sentida nos manuais acadêmicos

    19 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1: Teoria Geral do Direito Civil. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 365. 20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direitos Reais. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1. 21 SCHAPP, Jan. Direito das Coisas: Sachenrecht. Tradução de Klaus-Peter Rurack e Maria da Glória Lacerda Rutack. 3ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010. . 22 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direitos Reais. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. p. 17. 23 SCHAPP, Jan. Direito das Coisas: Sachenrecht. Tradução de Klaus-Peter Rurack e Maria da Glória Lacerda Rutack. 3ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010. 24 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2015. p. 15. 25 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direitos Reais. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. p. 17.

  • 21

    utilizados hodiernamente, pois utilizam ora o termo Direitos Reais, ora o termo Direito

    das Coisas para o tratamento da matéria.

    No Brasil, junto ao livro III, do Código Civil, segue na nomenclatura Direito das

    Coisas não trata somente dos direitos reais, mas, inclui no referido tratamento o

    instituto da posse, que de forma lídima não pode ser tido como direito real.

    Transparece ter usado o legislador propositalmente um termo mais amplo para

    o referido capítulo, ou seja, ao trabalhar os institutos da posse e direitos reais indicou

    que o mesmo caminho seria a situação de gênero e espécie, segundo a qual o direito

    das coisas é gênero, e, posse e direitos reais são espécies. Caminho esse seguido

    na presente tese.

    Tendo em vista os aspectos observados, há ainda uma questão no Direito

    Nacional terminológica que pode ser observada, segundo qual os Direito das Coisas

    e Direitos Reais não podem ser confundidos. Pois conforme pode ser extraído da

    organização dos livros e matérias estabelecidas na atual codificação a nomenclatura

    Direito das Coisas não trata somente dos direitos reais, mas, inclui no referido

    tratamento o instituto da posse. Assim, sendo os direitos reais uma fração do campo

    de atuação do Direito das Coisas.

    Outros conceitos importantes dos quais devem ser aventados, tendo em vista

    o forte elemento correlato com os direitos reais, - de forma arrazoada -, são eles: o

    conceito de propriedade, patrimônio e domínio.

    Inicialmente conceituar propriedade é um trabalho árduo, pois o legislador não

    conceituou, cabendo assim a doutrina referida tarefa, nesse sentido vale a citação de

    Gustavo Tepedino26:

    A redescoberta do direito civil, que se intensificou desde então

    de maneira impressionante, deve muito a estes queridíssimos

    decanos. Construíram os alicerces da dogmática do direito civil

    26 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil – TOMO II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 386.

  • 22

    brasileiro atual, instigaram com suas obras o interesse de todas

    as gerações de estudiososa que se dedicaram ao ensino

    jurídico. O Professor Caio Mário, que pontificou por tantos anos

    entre Minas Gerais e Rio de Janeiro, sistematizou de maneira

    formidável o direito civil, ao mesmo tempo que suscitava em

    seus leitores, mesmo nos mais jovens acadêmicos, o ímpeto

    invencível pelo estudo aprofundado dos temas por ele tratados.

    O Professor Silvio Rodrigues, com sua didática insuperável,

    formou dezenas de turmas na Universidade de São Paulo,

    espairando por todo o Brasil a afeição pelo direito civil. Aqueles

    seus livros de capa azul são ainda conduzidos com devoção por

    milhares de admiradores.

    Desta forma não é possível deixar de registrar a importância da doutrina na

    construção do Direito e não se vislumbra outra forma mais assertiva de enfrentar a

    presente temática, sem fazer as devidas referências nesse sentido. Assim, para Clóvis

    de Beviláqua27:

    O conceito da propriedade coletiva, familial, ou privada, não

    pode ser idêntico; mas, em todos esses regimes, que

    representam a evolução do fenômeno econômico-jurídico da

    propriedade, há uma idéia essencial comum, no obstante as

    profundas diferenças que os caracterizam. Economicamente, é

    a utilização das forças naturais, e depois também das psíquicas,

    para a satisfação das necessidades humanas, reduzidas, nos

    primeiros tempos, e variando infinitamente, com o envolver da

    cultura. E, juridicamente, é a segurança, que o grupo social

    oferece a essa utilização. A utilização assim assegurada é o

    poder atribuído a um sujeito e cuja extensão e intensidade

    variam. As coisas utilizadas são bens.

    27 BEVILÁQUA. Clóvis. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1951. p. 155.

  • 23

    Já para o professor Silvio Rodrigues28 “a propriedade representa a espinha

    dorsal do direito privado, pois o conflito de interesses entre os homens, que o

    ordenamento jurídico procura disciplinar, manifesta-se, na quase generalidade dos

    casos, nas disputas sobre bens”.

    Dessa forma, não se pode negar que a propriedade é um direito real, ou seja,

    de um direito qual recai diretamente sobre a coisa e independe, para o seu exercício,

    de prestação de quem quer que seja.

    Nesse sentido, Maria Helena Diniz29 pontua: “a propriedade é a relação

    fundamental do direito das coisas, abrangendo todas as categorias dos direitos reais,

    girando em seu torno todos os direitos reais sobre coisas alheias, sejam direitos reais

    limitados de gozo ou fruição, sejam os de garantia ou de aquisição”. Já para Cristiano

    Chaves de Farias e Nelson Rosenvald30, pontuam assertivamente:

    A propriedade é um direito complexo, que se instrumentaliza

    pelo domínio, possibilitando ao seu titular o exercício de um feixe

    de atributos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar,

    dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto (art.1228 do

    CC). A referida norma conserva os poderes do proprietário nos

    moldes tradicionais. (...) Na Constituição Federal o termo de

    propriedade é conceituado de forma bem mais ampla do que no

    Código Civil, servindo a qualquer espécie de titularidade aferível

    patrimonialmente. Em verdade a Lei Maior tutela diversas

    propriedades. A garantia do direito de propriedade não se limita

    por conseqüência ao direito real, mas também incide em direitos

    e obrigacionais, de conteúdo patrimonial. (...) Enfim,

    perceberemos quando do estudo da função social, que a

    disciplina do diversos moldes de propriedade é examinada e

    28 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. Vol. 3. p. 76-77. 29 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 4: Direito das Coisas. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 104. 30 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

  • 24

    concretizada a luz da promoção do princípio da solidariedade,

    sobre o qual se alcança a dignidade da pessoa humana no plano

    dos direitos reais.

    De todos os apontamentos apresentados quanto a construção de uma possível

    construção do conceito de propriedade, pode ser afirmado com clareza que nenhum

    deles encontram-se equivocados; não obstante, se faz necessário entender - como

    muito bem colocado pela doutrina31 – que a evolução do fenômeno econômico-jurídico

    da propriedade32, sempre deve ser observada nos termos do fato histórico e social,

    qual também deve ser acompanhado para os Direitos Reais.

    Em continuidade, não nos termos anotado acima, Limongi França33 discorre

    duas acepções do direito de propriedade. A primeira, em um sentido amplo recaindo

    sobre coisas corpóreas como incorpóreas, bem como, uma segunda situação, qual o

    direito de propriedade recai exclusivamente sobre coisas corpóreas, que tem a

    denominação peculiar de domínio.

    Desta colocação pode ser notada a clara distinção entre a noção de

    propriedade, mostra-se, destarte, mais ampla e mais compreensiva do que a de

    domínio, segundo a qual, somente recai sobre coisas corpóreas.34

    Por fim, porém não menos importante, temos a nomenclatura utilizada no

    instituto do patrimônio. Cumpre registrar que no passado, a doutrina35 – economicista

    devido ao positivismo de Comte – entendia que patrimônio era apenas a

    representação econômica da pessoa.

    31 BEVILÁQUA. Clóvis. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1951. p. 155. 32 PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2ª ed, 2008. 33 FRANÇA. Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988. 34 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Coisas. 37ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Vol. 3. p. 83. 35 PEREIRA. Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. Vol. IV. p. 396.

  • 25

    Referido conceito tem como base o momento histórico nos quais a burguesia,

    ao ascender ao poder político no período iluminista compreendido entre o final do

    século XVIII e a primeira metade do século XIX consagrou no plano jurídico apenas

    valores que refletissem os ideais do novo sistema capitalista36 baseado na doutrina

    de Adam Smit37,38.

    Nesse mesmo sentido Clóvis Beviláqua39: patrimônio é "o complexo das

    relações jurídicas de uma pessoa, que tiverem valor econômico". Não obstante, pode

    ser afirmado que o patrimônio é a universalidade de direitos e obrigações vinculada à

    determinada pessoa.

    Desta forma, anota a doutrina40 que não obstante a natureza nitidamente o

    patrimônio tenha característica economia, essa ainda pode contar a feição ou

    extensão distinta da ideia pecuniária, embora sem valor venal pode representar uma

    utilidade simplesmente moral com valor de afeição para o seu proprietário

    Assim, de acordo com a doutrina mais recente de Cristiano Chaves de Farias

    e Nelson Rosenvald41, verifica-se que há uma preocupação com o ser humano,

    verificam também o patrimônio moral, relacionado em conjunto dos direitos da

    personalidade.

    Dada visão é a base do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, desenvolvida

    pelo Luiz Edson Fachin42. Com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana da

    Carta Magna, há necessidade imperiosa de o ordenamento jurídico civil observar um

    mínimo de patrimônio a cada pessoa, a fim desse indivíduo levar uma vida digna,

    como exemplo, cita-se o instituto do Bem de Família.

    36 PEGHINI, Cesar Calo. A função social da propriedade no Código Civil e na Constituição Federal. Revista Forense, São Paulo, vol. 404, p. 43-105, 2009. 37 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: Livro I. Tradução de Maria Teresa de Lemos Lima, Curitiba: Juruá. 2006. 38 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: Livro II. Tradução de Maria Teresa de Lemos Lima, Curitiba: Juruá. 2007. 39 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975. p. 209. 40 HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal: Artigos 155 a 196. São Paulo: Forense, 1955. Vol. VII. p. 9. 41 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Reais. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. Vol. 5. p. 253. 42 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2ª ed. São Paulo: Renovar, 2006.

    http://lattes.cnpq.br/9161418107804194

  • 26

    Em virtude do que foi mencionado não é possível confundir os institutos da

    propriedade, domínio e patrimônio uma vez que não obstante sua proximidade, pois

    a propriedade um sentido amplo recaindo sobre coisas corpóreas como incorpóreas.

    Já por sua ver o domínio recai exclusivamente sobre coisas corpóreas, e por fim, o

    patrimônio tem relação ao complexo das relações jurídicas de uma pessoa que não

    necessariamente guarda relação econômica em seu escopo de formação.

    1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

    1.2.1. Direito Romano

    O Direito Romano não conhecia a distinção entre direitos obrigacionais e

    direitos reais, mas, distinguia dos grandes núcleos de ações ditas como as actiones

    in rem (dentre outras a ação reivindicatória) e, as actiones in personam43. Nesse

    sentido por ser retirado das institutas de Gaius44:

    § 1. ______ | __ quot genera actionum sint, uerius uidetur duo

    esse, in rem et in personam; nam qui IIII esse dixerunt ex

    43 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. Vol. I. p. 352. 44 NEW YORK. G A I – Institvtiones or Institutes of Roman Law by Gaius. London: Edinburgh, MDCCCCCIV. p. 442-443. (...) § 1. We have now to treat of Actions, which according to the better view fall into two classes, being either Real or Personal: for those who count four classes, including the forms of sponsio, commit the error of co-ordinating sub-class with classes § 2. A Personal action is na action which seeks to enforce na obligation imposed on the defendant by his contract or delict, that is to say, is na action by which one claims in the intentio of the formula that he is bound to convey some property too ne, or to perform for one some servisse, or to make some other kind of performance. § 3. A Real action is na action by which one claims as one’s own in the intentio some corporal thing or some particular right in the thing, as a right of use or usufruct of a thing belonging to a neighbour, or a right of horse-way or carriage-way through his land, or of fetching water from a source in his land, or of rainsing one’s house above a certain height, or of having the prospect from one’s Windows unobstructed; or when the opposite party (that is the owner) brings the negative action asserting that there is no such right in the thing. § 4. Real and Personal actions being thus distinghuished, it is clear that I cannot, demand my own property from another in the following form; ‘If it be proved that the defendant is bound to convey such property to me.’ For what is already, my own cannot be conveyed to me, since conveyance to me makes a thing mine, and what is already mine cannot be made mor mine than it is. Yet, to show the law’s detestation of thieves, in order to make them liable to a greater number of actions, it is received doctrine that besides the penalty of twice the value of the thing stolen awarded against the thief not cought in the act, and the penalty of four times the value against the thief caught in the act, damages for the thing itself may be recovered by a personal action in which the contention is thus defendant ought to convey the thing in question, ‘although they are also liable to be sued by na action with the intentio thus formulated: ‘If it be proved tha the plaintiff is owner of the thing in question.’ § 5. A Real action is called vindicatio; a Personal action whereby we contend that some property shold be conveyed to uso r some servisse performed for us, is called condictio. § 6º. We sue sometimes only to obtain property, sometimes only for a penalty, sometimes both for property and for a penalty. § 7. We sue, for instance, only for property in actions founded on contract. § 8. We sue, for instance, only for a penalty in the action of Theft ando f Outrage, and, acoording to some, of Rapine; for we may obtain restitution on account of the thingitself either by vindicatio or condictio. (...)

  • 27

    sponsionum generibus, non animaduerterunt quasdam species

    actionum inter genera se rettulisse. Inst. 4, 6, 1. § 2. In personm

    actio est, qua agimus cum aliquo, qui nobis uel ex contractu uel

    ex delicto obligatus est, id est cum intendímus DARE FACERE

    PRAESTARE OPORTRE. Inst. 1. c. (...) § 3. In rem actio est,

    eum aut corporalem rem intendimus mostram esse, aut ius

    aliquod nobis conpetere, ueluti utendi aut utendi fruendi, eundi

    agendi aquamue ducendi uel altius tollendi prospiciendiue; actio ex diuerso aduersario est netatiua. Inst 1. c. § 4. Sie

    itaque discretis actionibus certum est non posse nos rem

    mostram ab alio ita petere SI PARET EVM DARE OPORTERE,

    nec enim quod nestrum est nobis dari potest, cum seilicet id dari

    nobis intellegatur, quod nostrum fiat; nec res quae

    mostra amplius fieri potest. plane ódio furum,

    quo magis pluribus actionibus teneantur, receptum est, ut extra

    poenam dupli aut quadrupli rei recipiendae nomine fures etiam

    hac actione teneantur SI PARET EOS DARE OPORTERE,

    quamuis sit etiam aduersus eos haec actio, qua rem mostram

    esse petimus. Inst. 4, 6, 14. § 5. Appellantur autem in rem

    quidem actiones uindicationes, in personam uero actiones,

    quibus DARI FIERIVE OPORTERE intendimus, condictiones.

    Inst. 4, 6, 15. § 6. Agimus autem interdum, ut rem tantum

    consequamur, interdum ut poenam tantum, alias ut rem et

    poenam. Inst. 4, 6, 16. § 7. Rem tantum persequimur uelut

    actionibus, ex contractu agimus. Inst. 4, 6, 17. § 8.

    Poenam tantum persequimur uelut actione furti et iniuriarum et

    secundum quorudam opinionem actione ui bonorum raptorum;

    nam ipsius re et uindicatio et condctio nobis copetit. Inst. 4, 6, 18.

    (...)

  • 28

    Assim, nas institutas de Gaio e Justiniano pode ser retirada a base polarizada

    nos textos da vindicatio e da actio45,46,47, bem como nessa toada, a actio, tem como

    base uma determinada pessoa obrigada por uma prestação; por sua vez a vindicatio,

    tem forte referencial nas questões de violação de direitos como família, sucessões e

    direito reais48.

    Uma outra grande classificação para o tema em referência, relaciona-se com

    os poderes atribuídos ao iudex para decidir o litígio. Referida classificação tem como

    elemento três planos distintos as ações de direito estrito - iudicia stricti iuris -, ações

    arbitrárias e ações de boa-fé - iudicia bonae fidei - 49.

    Respectivamente, a ações em sentido estrito está relacionada com a situação

    segundo o qual o iudex somente se encontra rigorosamente vinculado a absolver ou

    condenar o réu, enquanto a segunda, o juiz deve convida o réu a “devolver a coisa”

    antes da condenação. Por fim, porém não menos importante a ações de boa-fé

    segundo o iudex tem mais poder para apreciar os fatos mais livremente, julgando ex

    fide bona (de acordo com a boa-fé)50.

    Sendo assim, a categoria de Direito Reais tem origem nas actiones in rem, que

    corresponde atualmente aos direitos cujo incidem sobre as coisas, segundo qual, a

    atual característica unitária correspondente à denominada eficácia real51-52.

    45 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. Vol. I. 46 NÓBREGA. Vandikc, Londres da. História e Sistema do Direito Privado Romano. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995. 47 BUNAZAR. Maurício. Obrigação Propter Rem: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Editora Atlas, 2014. p. 27. 48 VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações. 10ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. Vol. I. p. 165. 49 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. Vol. I. p. 316. 50 Idem, p. 317. 51 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2015. p. 12 52 Em especial quanto aos direitos reais de garantia anota a doutrina pontua que essas modalidades não são comuns ao cotidiano romano, pois a fiança seria o meio mais importante de garantia dos créditos, tendo em vista seu significado prático e configuração técnica. COSTA JUNIOR, Francisco José de Almeida Prado Ferraz. As garantias reais no Direito Romano. Revista de Direito Imobiliário, Santa Catarina, vol. 77, p. 13-28, jul.-dez. 2014.

  • 29

    Todo o desenvolvimento posterior53 assentará no estudo dos direitos pessoais

    e direitos reais, ainda que não exista expressa referência do termo direito real, no

    Direito Romano54.

    Por todos esses aspectos se faz possível afirmar que no direito romano não

    havia uma distinção, mas sim as actiones in rem (dentre outras a ação reivindicatória)

    e, as actiones in personam55,56 segundo a qual a questão era analisada pelo campo

    do do exercício de uma ação. Assim, a categoria de Direito Reais tem origem nas

    actiones in rem, que corresponde atualmente aos direitos cujo incidem sobre as coisas

    que reflete em todo o desenvolvimento posterior.

    Porém não é só, outra constatação importante no direito romano tem relação

    aos poderes atribuídos ao iudex para decidir o litígio. Segundo o qual pode ser

    extraído a possiblidade daquele em determinadas demandas, o iudex ter mais

    poderes para apreciar os fatos livremente, julgando ex fide bona (de acordo com a

    boa-fé).

    1.2.2. Os Direitos Reais do Direito Medieval até a Pré-codificação nacional

    Não obstante a configuração romana, os juristas medievos impuseram à

    construção romana um elemento interessante que segue até a modernidade. Qual

    seja, se toda a ação tem por pressuposto um direito, desloca-se a questão para o

    direito subjetivo, iniciando a ideia da ius in rem e ius in personam57, ou seja, o direito

    recai sobre uma coisa ou uma determinada prestação.

    53 Nesse sentido: “O Direito Romano está nas bases de todos grandes Códigos ocidentais, bem assim dos orientais como o do Japão e o da China, devendo chamar-se, ao seu conjunto, de “sistema romano”, em substituição à errónea perspectiva segundo a qual corresponderia a um extrapolado “sistema francês”. 3. Os Códigos Civis e de Direito Privado de toda América Latina, desde os primeiros até os mais recentes e avançados, assentam as suas bases nos princípios fundamentais oriundos do Direito Romano.” FRANÇA, Rubens Limongi. Recepção do Direito Romano no Direito Brasileiro. Doutrinas Essenciais de Direito Civil, vol. 1, p. 963, 2010. 54 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direitos Reais. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. p. 135. 55 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. Vol. I. p. 352. 56 VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações. 10ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. Vol. I. p. 165. 57 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direitos Reais. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. p. 135

  • 30

    Porém não é só, pois, historicamente o papel dos Direitos Reais se confunde

    com Direito Civil, bem como o instituto da propriedade - em especial o mais relevante

    deste -, tem tratamento especifico na Idade Média.

    Como é sabido, com a queda do Império Romano pelos bárbaros, se fez

    necessária uma nova fórmula de exploração da terra58. Referido fenômeno histórico

    percorreu uma longa evolução, segundo a qual, o servo inicialmente, não tinha direito

    algum sobre a terra, para ao final se tornar proprietário pleno59.

    Nesse ínterim, - de forma muito pontual -, inicialmente os donos das terras

    mantinham para si a propriedade não atribuindo qualquer direito ao cultivador direto.

    Todavia, a questão historicamente se agravou por falta de mão de obra, que resultou

    na necessidade de outorgar aos cultivadores alguns direitos. Tais direitos, visavam a

    proteção do cultivador frente ao senhorio, que após um longo desenrolar econômico

    possibilitou a figura da enfiteuse e conceitos jurídicos como domínio direto

    (concedente) e domínio útil (enfiteuta)60.

    Dada situação, perdura até o advento da Revolução Francesa, pois nos termos

    dos objetivos liberais, afasta-se por vez a figura do senhorio de forma definitiva, tendo

    em vista os encargos decorrentes da utilização da terra61.

    Nesse momento, reformula-se o conceito de propriedade atribuindo a mesma

    uma caraterística absoluta, bem como com seus nítidos desdobramentos conhecidos

    ius utendi, fruendi et abutendi62.

    Deve ficar anotado que o direito privado do dado momento foi marcado por um

    momento de codificações, bem como de ideologia da propriedade privada absoluta e

    pela ampla liberdade contratual como instituto auxiliar para facilitar as transferências

    e a criação de riqueza.

    58 OLCESE, Tomás. Formação histórica da real property Law inglesa: tenures, estates, equity & trusts. São Paulo: USP, 2012. 186 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito. 59 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direitos Reais. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. p. 136. 60 Idem. 61 Idem, p. 138. 62 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direitos Reais. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. p. 138.

  • 31

    Nesse sentido, a doutrina63 aponta a ideologia jurídica da seguinte forma:

    Podemos denominar de “ideologia dos 3 cs“: pretende-se que a legislação civil

    (leia-se, os códigos) seja completa, clara e coerente. A ideologia da completude

    significa que a legislação é (supostamente) completa, não possuindo lacunas; a idéia

    de legislação caracterizada pela sua clareza significa que as regras jurídicas são

    facilmente interpretáveis, não contendo significados ambíguos ou polissêmicos. E a

    ideologia da coerência afasta a possibilidade de antinomias. Tudo isso deriva do mito

    do legislador iluminista, inteligente, onisciente, previdente, capaz de tudo regular

    detalhadamente, antecipadamente, de forma clara e sem contradições.

    Compre registrar que referidos elementos foram reproduzidos de forma

    evidente nos primeiros Códigos Civis64 da era moderna, sendo eles o Código Civil

    Francês (1804)65, e Código Civil Alemão (1896)66. Deve ser lembrado que ambos os

    diplomas visavam combater o absolutismo Estatal, eram patrimonialistas e

    individualistas, realidade apresentada pelo período as quais foram promulgados.

    Dado o exposto deve ser anotado que o os direitos reais no direito medieval até

    a pré-codificação nacional sofreram duas fortes influencias a primeira delas que toda

    63 FACCHINI NETO, Eugênio. A Constitucionalização do Direito Privado. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ano 1, nº 1, 2012. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2017. 64 Sobre a codificação é importante anotar que: “A codificação é um movimento jurídico aparecido no Ocidente no século XIX, em função do qual os direitos ocidentais, quanto à forma, se dividem em: Direito continental ou codificado que compreende o grupo francês, tendo por ponto de partida o Código de Napoleão (Code Civil des Français), e o grupo alemão; e so sistema comum law ou do grupo Anglo- Americano. O movimento, apesar de não ser muito antigo, pois data de pouco mais de um século, foi conhecido desde a Antigüidade. A história do Direito Romano processa-se entre duas codificações: a Lei da XII Tábuas e o Corpus Juris de Justiniano. Na Suméria existiram codificações famosas. Até bem pouco tempo, era tido o Código de Hamurabi como a mais antiga codificação. Entretanto, em 1948, outro código mais antigo foi descoberto, o Código de Ur-Namu.” OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A codificação do Direito. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 03 mar. 2011. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2017. 65 FRANÇA. Code Civil Napoleon (1840). Bibliothèque nationale de France. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2016. 66 ALEMANHA. Bürgerliches Gesetzbuch (BGB). Bundesministerium de Justiz und für Verbraucherschutz, [s.d.]. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2016.

  • 32

    a ação tem por pressuposto um direito, desloca-se a questão para o direito subjetivo,

    iniciando a ideia da ius in rem e ius in personam, ou seja, o direito recai sobre uma

    coisa ou uma determinada prestação.

    Já em segundo momento, é possível afirmar que os direitos reais se confundem

    no referido período com propriedade, segundo a qual foram dois movimentos claros

    tidos como anterior e posterior a revolução francesa, segundo qual o servo

    inicialmente, não tinha direito algum sobre a terra, para ao final se tornar proprietário

    pleno.

    1.2.2.1. Direitos Reais na pré-codificação nacional

    Brasil enquanto colônia portuguesa, encontrava-se sobre a égide dos diplomas

    legais de Portugal, ou seja, a aplicação de toda a legislação lusitana, tinha seus

    devidos efeitos em vigor dentro do território brasileiro que se inicia com a concessão

    de terras pelas sesmarias do Século XVI67, até a sua separação jurídica que ocorrerá

    em 1822 com a independência do Brasil.68

    Em continuidade, não obstante a Independência do Brasil ter ocorrido, deve ser

    registrado que nos termos da Lei Imperial de 20 de outubro de 1823, determinou o

    mantenimento da legislação do Reino de Portugal, no Direito pátrio.69, 70

    67 MAGALHÃES, Lúcia Regina Esteves de. Direitos Reais na Atualidade. Série Aperfeiçoamento de Magistrados. Rio de Janeiro: Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, 2013. Disponível em: . Acesso em: 08 mar. 2017. 68 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O Direito Real de Superfície. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1993. p. 45. 69 Neste sentido: TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In: ALVIM, José Manuel de Arruda; ALVIM Thereza (org.). Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004. Vol. 12. 70 CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 30.

  • 33

    A legislação aplicada tem como marco referencial três momentos, o primeiro

    deles – em razão da ordem cronológica – as Ordenações Afonsinas, em um segundo

    momento analisaremos ainda as Ordenações Manuelinas e por fim Filipinas71.

    Com intuito de alocar o presente estudo temporalmente72, bem como fazendo

    um breve apontamento quanto à vigência das Ordenações no Brasil, verifica-se que

    as Ordenações Afonsinas tiveram seu início de vigência em 1500, com o

    descobrimento do Brasil, não obstante ser datada de 1446.

    Ato seguinte em 1514, deu-se início as Ordenações Manuelinas que

    perduraram até 1603, com o início de vivencia das Ordenações Filipinas. Por fim, deve

    ser registrado que a Consolidação das Leis Civis aproveitou parte significativa deste

    último diploma português73.

    1.2.2.2. Ordenações Afonsinas

    O Direito Português antigo, tem como influência o Direito Romano, Direito

    Germânico e o Direito Canônico. Tais fontes, foram sustentáculos para elaboração do

    da primeira codificação portuguesa, ou seja, as Ordenações Afonsinas de 1446.

    Neste sentido, pontua Marcus Vinicius dos Santos Andrade74:

    O ordenamento português, a partir de então, teve como base

    cultural o direito romano e leis esparsa promulgadas pelos reis,

    além de normas consuetudinárias. Posteriormente, em 1446 ou

    1447, veio a primeira codificação, conhecida por Ordenanças

    71 OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A codificação do Direito. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 03 mar. 2011. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2017. 72 MAZZEI, Rodrigo Reis. O direito de Superfície no Ordenamento Jurídico Brasileiro. São Paulo: PUC-SP, 2007. 404 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p. 92. 73 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 56. 74 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba: Juruá, 2009. p. 45.

  • 34

    Afonsinas, congregando não só essa legislação nacional,

    esparsa, consolidando costumes, mas, de outro lado o direito

    romano subsidiariamente aplicado

    Conforme pode ser apercebido, não obstante a influência do Direito Alemão,

    não há registro claro dos direitos reais. Tal situação é muito clara tendo em vista a

    organização política, segundo a qual havia o nítido binômio de exploração do vassalo

    pelo senhor feudal75.

    1.2.2.3. Ordenações Manuelinas

    Em continuidade, o então Rei de Portugal, D. Manuel, em 1512, manda editar

    as Ordenações Manuelinas, trabalhos este, que somente fora concluído em 1521 com

    a duplicidade das primeiras duas edições de 1512 e 1514. Pontua Marcus Vinicius

    dos Santos Andrade, que foram editadas as Ordenações Manuelinas, com as mesmas

    influencias de um conjunto de normas locais, contudo com a participação dos

    glosadores76 teve a existência de vultoso número de leis acompanhada de atos

    modificadores das Ordenações Afonsinas.

    Em decorrência disto, ou seja, tendo em vista a forte influência das Ordenações

    Afonsinas, há pequenas inovações quanto aos direitos reais, mas já pode ser

    percebido o instituto das sesmarias e seus desdobramentos como enfiteuse e os

    arredamentos77.

    75 PORTUGAL. Ordenações Afonsinas. Coimbra: Universidade de Coimbra, [s.d.]. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2016. 76 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba: Juruá, 2009. p. 46. 77 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 60.

  • 35

    1.2.2.4. Ordenações Filipinas

    Por fim, em 1603 fora publicada as Ordenações Filipinas, quando Portugal se

    encontrava sob dominação espanhola, bem como toda as normas aplicadas a este

    foram encampadas por aquele 78.

    Registra-se que juntamente com as leis extravagantes, tiveram vigência no

    Brasil de 1603 até 1916. Sendo que praticamente foram encampadas as regras

    anteriores das ordenações que antecederam, ou seja, as sesmarias continuam

    previstas em conjunto dos seus desdobramentos como enfiteuse e os arredamentos79.

    Dada situação se manteve até 1769 quando foi editada a Lei da Boa Razão,

    por Marquês de Pombal que sem revogar as Ordenações Filipinas teve como objetivo

    verificar novos critérios ao sistema de fontes do direito português para a aplicação das

    normas jurídicas80.

    Em virtude do que foi mencionado, os direitos reais na pré-codificação nacional

    sofreram forte fluência dos diplomas legais de Portugal, em especial as Ordenações

    Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, que de forma pontual contribuíram aos direitos

    reais, Tais contribuições foram evidenciadas pela inclusão do instituto das sesmarias

    e seus desdobramentos como enfiteuse e os arredamentos tendo em vista seu

    contexto histórico.

    78 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 62. 79 PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Coimbra: Universidade de Coimbra, [s.d.]. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2016. 80 MACIEL, José Fábio Rodrigues. A Lei da Boa Razão e a formação do direito brasileiro. Jornal Carta Forense, São Paulo, 03 jun. 2008. Disponível em: . Acesso em: 06 jul. 2017.

    http://www.cartaforense.com.br/autor/jose-fabio-rodrigues-maciel/8

  • 36

    1.2.3. Os Direitos Reais no Direito Pátrio

    A história dos Direitos Reais no Brasil começa a traçar suas linhas com a

    entrada em vigor da Constituição Imperial de 25 de março de 1824 deliberou, no artigo

    179, XVIII,81 a necessidade da elaboração de uma Codificação Civil.

    Anotada Constituição previa a elaboração do Código Civil no prazo de um ano,

    bem como foram várias tentativas para criação de uma codificação tanto no império

    como na república.

    Dentre todas as tentativas, deve ser anotado e referenciado Teixeira de Freitas

    que foi contratado no ano de 1855 para elaboração inicial de uma Consolidação da

    Leis Civis, trabalho esse concluído em 1858 do referido trabalho82.

    Nesse sentido, tendo em vista o aproveitamento de elementos apresentados

    nas ordenações anteriores, não há grande evolução no que se refere aos Direitos

    Reais, restando somente duas referências interessantes.

    A primeira delas prevista no art. 62 que dispõe serem bens particulares os

    alodiais, bem como as enfiteuses. Já em um segundo momento, tem-se a hipoteca

    como elemento referenciado no atr. 1.270 e seguintes, da referida codificação. De

    forma primária constam na codificação nacional, os primeiros direitos reais nacionais,

    os primeiros de gozo e segundo de garantia83.

    Tendo em vista o sucesso da referida obra, Teixeira de Freitas foi indicado para

    criação de um esboço ou o que se pode chamar de 1ª Projeto de Código Civil

    81 FRANÇA, Rubens Limongi. Recepção do Direito Romano no Direito Brasileiro. Doutrinas Essenciais de Direito Civil, vol. 1, p. 963, 2010. 82 CAVALHEIRO, Rodrigo da Costa Ratto. A Vida e a Obra e Teixeira de Freitas. Direito no Brasil: passado e presente - Law in Brazil: Past and Present. Piracicaba, vol. 2, nº 4. 2003. 83 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. Vol. 2. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2016.

  • 37

    Brasileiro, elaborado no período de 1860 e 1865, com 5.000 artigos, demonstra um

    avanço nas concepções iniciais da Consolidação84

    Como é sabido, em razão do avanço de sua obra, está foi rejeitada no Brasil.

    Todavia, vale ressaltar que o esboço do Código de Direito Civil Brasileiro de Teixeira

    de Freitas foi aproveitado na Argentina85.

    Por fim, porém não menos importante, já em 1899, tendo em vista a rejeição

    do esboço de Teixeira de Freitas, foi contratado o Clóvis Beviláqua, cujo Código foi

    aprovado em 1916 pela Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916.

    A codificação sofreu forte influência de do Esboço Teixeira de Freitas, ao

    Código Civil Frances, Código Civil Português e até mesmo o Código Civil Alemão,

    todavia a ordem do referido momento histórico era prestigiar o patrimonialismo e o

    individualismo, característica essas marcantes no Código Civil de 191686.

    Nesse sentido, o art. 674 regulamentava que:

    Art. 674. São direitos reais, além da propriedade: I - A emfiteuse.

    II - As servidões. III - O usofruto. IV - O uso. V - A habitação. VI

    - As rendas expressamente constituídas sobre imóveis. VII - O

    penhor. VIII - A anticrise. IX - A hipoteca.

    Nesses termos, ocorrerá uma grande guinada na regulamentação civil, pois o

    rol estabelecido foi ampliado, assim como o desenvolvimento do instituto.

    Sentida alteração perpetuou – claro, que com alterações87 - até a entrada em

    vigor do Código Civil de 2002.

    84 CAVALHEIRO, Rodrigo da Costa Ratto. A Vida e a Obra e Teixeira de Freitas. Direito no Brasil: passado e presente - Law in Brazil: Past and Present. Piracicaba, vol. 2, nº 4. 2003. 85 CAVALHEIRO, Rodrigo da Costa Ratto. A Vida e a Obra e Teixeira de Freitas. Direito no Brasil: passado e presente - Law in Brazil: Past and Present. Piracicaba, vol. 2, nº 4. 2003. 86 MARCOS, Rui Figueiredo; MATHIAS, Carlos Fernando; NORONHA, Ibsen. História do Direito Brasileiro. São Paulo: Gen, 2014. p. 416. 87 Dentre as alterações pode ser citada a lei de alienação fiduciária em garantia de bens móveis (Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969), alienação fiduciária em garantia de bens imóveis (Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997) e o Estatuto das Cidades Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.

    http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%203.071-1916?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEL%20911-1969?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.514-1997?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.514-1997?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2010.257-2001?OpenDocument

  • 38

    Levando-se em consideração esses aspectos, os Direitos Reais no Brasil

    começam a traçar suas linhas com a entrada em vigor da Constituição Imperial de 25

    de março de 1824 dada a necessidade de criação de uma nova codificação. Tal

    codificação de fato somente ocorreria em 1916 pela Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de

    1916. Todavia não pode ser deixado de lado a contribuição da obra de Teixeira de

    Freitas que influenciou não somente a referida codificação, mas também a legislação

    de outros países.

    1.3. OS DIREITOS REAIS E SUA ATUAL CODIFICAÇÃO NACIONAL

    Na Codificação atual, os Direitos Reais têm previsão expressa no art. 1.225 do

    Código Civil de 2002, o qual cabe referência:

    São direitos reais: I - a propriedade; II - a superfície;III - as

    servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação; VII - o

    direito do promitente comprador do imóvel; VIII - o penhor; IX - a

    hipoteca; X - a anticrese. XI - a concessão de uso especial para

    fins de moradia; XII - a concessão de direito real de uso; e XIII

    - a laje.

    Conforme pode ser apercebido, há um rol estabelecido, qual será objeto de

    análise posterior, pois como é sabido, existem outros Direitos Reais que não foram

    referenciados, como exemplo, a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis (Lei

    nº 9.514, de 20 de novembro de 1997).

    Não obstante deve ser ressaltado que da mesma forma da experiência

    portuguesa88, o legislador nacional referenciou um dos Direitos Reais em seu texto,

    em especial o instituído do direito de propriedade no art. 5º, segundo o qual no XXII e

    XIII dispõe: “é garantido o direito de propriedade e a propriedade atenderá a sua

    função social”

    88 Há previsão da tutela constitucional do Direito de Propriedade no art. 61 nº 1 da Continuação Portuguesa. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2015. p. 14.

    http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%203.071-1916?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%203.071-1916?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.514-1997?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.514-1997?OpenDocument

  • 39

    Tal situação é uma guinada histórica, tendo em vista o Direito Civil, e em

    especial os Direitos Reais até a Constituição Federal de 1988, não se aproximou de

    forma efetiva das normas Constitucionais.

    Esse nítido distanciamento entre as normas civis e constitucionais permitiu de

    forma clara que o Código Civil anterior sobrevivesse há 4 (quatro) Constituições -

    Constituição de 1934 (Segunda República); Constituição de 1937 (Estado Novo);

    Constituição de 1946; e Constituição de 1967 (Regime Militar), - sem sofrer severas

    alterações relevantes89,90,91.

    Não obstante, a Constituição de 1988 denominada de constituição cidadã

    passa a regular de forma contundente tanto as relações de Direito Público, como

    aquelas de Direito Privado, estabelecendo as diretrizes do Direito Civil

    fundamentadas, a partir daí na tábua de valores Constitucionais92.

    Tais valores são pautados na dignidade, solidariedade, liberdade e igualdade,

    e ainda pelos demais direitos referidos nos artigos 1º, 3º, 5º e 7º, do mesmo Codex.

    Com essa alteração, alteraram-se ainda os valores Civis, que passam a

    proteger a pessoa humana, nos mesmos valores afirmados pela constituição. Logo, a

    partir da Constituição Federal de 1988 foi necessária a elaboração de um novo Código

    Civil, desta feita, garantista como a constituição93.

    89 PONTUAL, Helena Daltro. Uma breve história das Constituições do Brasil. Brasília: Senado Federal, [s.d.]. Disponível em: . Acesso em: 06 jul. 2017. 90 ABREU, Natasha Gomes Moreira. O mapeamento conceitual da propriedade e sua função social. In: PAE KIM, Richard; MAFRA, Tereza Cristina Monteiro. Direito Civil Constitucional. XXV Encontro nacional do CONPEDI - BRASÍLIA/DF, Florianópolis: CONPEDI, 2016. Disponível em: . Acesso em: 03 jul. 2017. 91 JELINEK, Rochelle. O princípio da função social da propriedade e sua repercussão sobre o sistema do código civil. Porto Alegre: PUCRS, 2006. 41 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Especialização em Direito Ambiental, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Disponível em: . Acesso em: 03 jul. 2017. 92 TARTUCE, Flávio. Direito Civil e a Constituição. In: TAVARES, André Ramos; OLAVO, Augusto Viana Alves Ferreira; LENZA, Pedro (coord.). Constituição federal 15 anos: mutação e evolução, comentários e perspectivas. São Paulo: Editora Método, 2003. 43 f. (Texto digitado). Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br/artigos/6. Acesso em: 06 jul. 2017. 93 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2015. p. 16.

  • 40

    Portanto, na Codificação atual, os Direitos Reais têm previsão expressa no art.

    1.225 do Código Civil de 2002, bem como pode ser apercebido, não obstante o um rol

    estabelecido há outros direitos reais não alocados no referido dispositivo. Porém não

    é só, deve ser registrado que a Constituição de 1988 denominada de constituição

    cidadã passa a regular de forma contundente as relações de Direito Privado incluindo

    temáticas como a dignidade, solidariedade, liberdade e igualdade fundamentais nas

    relações intersubjetivas.

    1.4. FUNDAMENTO E TEORIAS

    Primacialmente Ascenção94 anota que “todo o direito serve objetivos práticos.

    (...) O direito real serve a função substancial da atribuição das coisas às pessoas,

    permitindo-lhes beneficiar da utilidade daquelas”

    Não obstante acertada anotação, o fundamento, bem como o objeto dos

    direitos reais derivam das teorias históricas existentes, as quais são de suma

    importância para o instituto95.

    Inicialmente a corrente realista ou clássica, no sentido de os Direitos Reais

    constituem um poder imediato que exerce sobre a coisa, ou seja, há uma relação

    jurídica entre a pessoa e a coisa.

    Assim o direito real opõe-se ao direito pessoal, pois esse último traz uma

    relação pessoa-pessoa, ou seja, não há relação pessoal96.

    Já a segunda corrente a personalista, no sentido que os Direitos Reais são

    relações jurídicas estabelecidas pelas pessoas, mas intermediada pelas coisas, sendo

    o sujeito passivo indeterminado, ou seja, há uma obrigação passiva universal.

    94 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direitos Reais. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. p. 14. 95 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2015. p. 27. 96 Idem, p. 28.

  • 41

    Meneses Leitão97 analisando a contribuição de Pufendorf e Kant, pondera que

    embora pareça que há uma relação da pessoa com a coisa, na verdade existe

    efetivamente uma vinculação dos outros para com o proprietário da coisa.

    Tal situação poderia ser exercida por meio da vindicatio, ou seja, por exigir a

    eventual entrega, ou retomada da coisa, passando assim a oponibilidade erga omnes

    a constituir uma característica distintiva dos direitos reais.

    Prosseguindo na análise das teorias dos direitos reais, Menezes Leitão98 anota

    que houve um debate importante entre Thibaut e Feuerbach no século XIX quanto a

    actio, para a configuração do direito real.

    Thibaut afastou-se da concepção da ius in re e ius in personam, anotando que

    mais importante que a distinção romana, se faz com a ação em si, ou seja, “acção de

    reivindicação”, pois ela tem um caráter de direito absoluto qual pode ser tutelado por

    uma ação absoluta, como exemplo, a filiação.

    Por outra via Feuerbach retoma o conceito quanto à distinção, permitindo que

    o objeto do direito real, seja aquele que se situaria de forma exterior de uma obrigação,

    possibilitando o direito de ação quanto a coisa que lhe pertence, em desfavor a todas

    as pessoas.

    Todavia, tendo em vista que parte da doutrina entende ser possível uma

    eficácia interna da obrigação, as teorias acima citadas são insuficientes, pois nos

    termos de Antunes Varela99, na verdade o que efetivamente existe são os direitos

    mais fortes e mais fracos, sendo aqueles os direitos reais.

    Sendo assim, houve uma um grande desenvolvimento em torno do direito real

    após a pandectistica alemã fundando-se nas seguintes teses: a) teoria do poder direto

    97 Idem, p. 29. 98 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2015. p. 30. 99 VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações. 10ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. Vol. I. p. 166.

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    e imediato sobre uma coisa; b) teoria do poder absoluto; c) as teorias mistas; e d)

    novas orientações100.

    Inicialmente a teoria do poder direto e imediato considera que o direito real recai

    direta e imediatamente sobre a coisa corpórea, sem necessitar de colaboração de

    ninguém para ser exercido101.

    Em seguida, verifica-se a teoria do poder absoluto, - em um contraponto a

    primeira teoria -, esta, tem como base a relação com outros sujeitos da ordem jurídica,

    por meio de uma faculdade de exigir dos sujeitos a abstenção de perturbar o exercício

    do direito sobre a coisa102.

    Aplicada inicialmente na Alemanha, e influenciando os sistemas normativos da

    França e Portugal, foi criticada pela sua abstração na relaç