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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
JUSSARA KASUKO PALMEIRO
CARACTERIZAÇÃO FENOTÍPICA E GENOTÍPICA DE ISOLADOS
CLÍNICOS DE Streptococcus agalactiae
CURITIBA
2009
JUSSARA KASUKO PALMEIRO
CARACTERIZAÇÃO FENOTÍPICA E GENOTÍPICA DE ISOLADOS
CLÍNICOS DE Streptococcus agalactiae
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências da Saúde, Setor de
Ciências Biológicas e da Saúde da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Dr. Humberto Maciel França Madeira
Co-orientadora: Dra. Libera Maria Dalla Costa
CURITIBA
2009
Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central
Palmeiro, Jussara Kasuko P172c Caracterização fenotípica e genotípica de isolados clínicos de Streptococcus 2009 agalactiae / Jussara Kasuko Palmeiro ; orientador, Humberto Maciel França Madeira ; co-orientadora, Libera Maria Dalla Costa. -- 2009. 127, [15] f. ; il. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2009 Bibliografia: f. 110-127 1. Streptococcus agalactiae. 2. Epidemias. 3. Eletroforese. I. Madeira, Humberto Maciel França. II. Costa, Libera Maria Dalla. III. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. IV. Título. CDD 20. ed. – 610
Dedico este trabalho às pessoas que mais amo:
meus pais, meus irmãos e meu esposo.
AGRADECIMENTOS
Minha imensa gratidão a todas as pessoas que de alguma forma me
ajudaram a enfrentar as dificuldades que surgiram durante esses anos de minha
contínua formação pessoal e profissional. É com essas pessoas que desejo festejar,
hoje e sempre, todas as minhas conquistas.
Ao meu orientador, Dr. Humberto Maciel França Madeira, pelos
conhecimentos compartilhados, pelo apoio e por ter concretizado meu ingresso na
pós-graduação.
À minha mais que co-orientadora Dra. Libera Maria Dalla Costa, por todo o
incentivo e simplesmente por ter sido a coadjuvante de minha formação profissional.
Ao Dr. Sérgio Fracalanzza e seus colaboradores do Laboratório de
Bacteriologia Médica do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes da
UFRJ, pela enriquecedora contribuição no trabalho.
Ao Dr. Newton Sérgio de Carvalho, por me ajudar na aquisição dos dados,
pelas sugestões e conhecimentos compartilhados.
À Coordenação do curso, na pessoa do Dr. Roberto Pecoits, por permitir
concretizar este trabalho.
À minha companheira de labuta Keite da Silva Nogueira, por ter me auxiliado
indefinidamente na realização deste trabalho.
Aos meus amigos de trabalho Adriane Ceschin Maestri, Aurora da
Conceição F. da Silva Faria, Dilair Camargo de Souza, Gislene Maria Botão Kussen,
Helena Homem de Mello de Souza, Laura Lúcia Cogo, Mara Cristina Scheffer,
Margareth Indiukov Neves, Maria Estela de Lima, Marli Terezinha Karpstein e
Roberto Ribeiro dos Santos, pelo companheirismo, conhecimentos e amizade.
À Equipe maravilhosa do Setor de Bacteriologia e Central de Soluções e
Meios de Cultura do Hospital de Clínicas da UFPR, por terem colaborado sempre
que necessário.
À Rosângela Torres e seus colaboradores do Laboratório Central do Estado
do Paraná, pelos conhecimentos compartilhados e pela contribuição no trabalho.
Às alunas de Farmácia Danieli Conte, Fernada Maia e Giuliana Locatelli e de
Medicina Danila Yoshioka e Fernanda Almeida Leite, por contribuírem na execução
do trabalho.
Ao Núcleo de Estudos de Bacteriologia Clínica de Curitiba, pelo apoio e
conhecimento científico transmitido.
À Newprov Produtos para Laboratório Ltda., pelo fornecimento de materiais
emergenciais necessários ao desenvolvimento da pesquisa.
Aos professores que contribuíram para meu desenvolvimento profissional.
À minha família querida, alicerce de minha vida, por sempre acreditarem em
minha capacidade.
Ao meu esposo que foi meu refúgio para agüentar essa caminhada.
Aos meus amigos que me ajudaram a relaxar e esquecer por algumas horas
as responsabilidades do dia a dia.
Meu eterno muito obrigado!
"Somos feitos de carne, mas temos que viver
como se fossemos feitos de ferro”.
Sigmund Freud
RESUMO
Nos últimos quarenta anos, estreptococos do grupo B (EGB) têm sido descrito como relevante patógeno em infecções invasivas neonatais, e atualmente, em pacientes senis ou com condições debilitantes. A terapia antimicrobiana intraparto continua sendo a principal medida de prevenção à doença perinatal, entretanto vacinas estão sendo desenvolvidas. Entre os principais componentes bacterianos, alvos à produção de vacinas, estão os polissacarídeos capsulares de EGB. Têm-se relatado dez sorotipos, a saber, Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX. Penicilina permanece como antimicrobiano de primeira escolha ao tratamento e prevenção de infecções por EGB. Em casos de risco de anafilaxia e falha terapêutica pelo uso de beta-lactâmicos, recomenda-se eritromicina e clindamicina, porém tem ocorrido um aumento de EGB resistentes a esses antimicrobianos. No Paraná e região Sul, pouco se sabe sobre as características fenotípicas e genotípicas desse microrganismo. O objetivo principal deste estudo foi caracterizar fenotipicamente e genotipicamente isolados clínicos de EGB. Foram estudadas 190 amostras de EGB isoladas de três hospitais de Curitiba, no período de abril de 2006 a maio de 2008. A sorotipagem dos isolados foi realizada através do método de imunodifusão radial em gel de agarose para nove sorotipos (Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII e VIII). A suscetibilidade aos antimicrobianos foi determinada por disco difusão e diluição em ágar, conforme o CLSI. A pesquisa dos fenótipos de resistência MLSB foi realizada por métodos fenotípicos (dupla difusão em ágar) e genotípicos (PCR). A variabilidade genética das amostras foi pesquisada utilizando a técnica de PFGE. Os isolados clínicos foram recuperados de secreção anogenital de gestantes, de urina de adultos não gestantes e gestantes; de hemocultura, líquor, secreção de ferida cirúrgica, líquido peritoneal, biópsia, catéter endovenoso, abscesso e urina nos casos de infecção em três grupos de pacientes (neonatos, gestantes e não gestantes). Todas as amostras foram sensíveis a penicilina, ampicilina, cefazolina, levofloxacina e vancomicina. Apenas 4,7% dos isolados apresentaram resistência a eritromicina e clindamicina, sendo que todos revelaram o fenótipo constitutivo e amplificaram para o gene ermB. A combinação de genes (ermA e ermB) ocorreu na maioria das amostras resistentes. O sorotipo Ia foi prevalente, seguido dos sorotipos II, IV, Ib, V e III. Isolados não tipáveis compreenderam 10,5% desta população. O sorotipo IV apresentou-se mais associado à infecção. Apesar da ampla diversidade genética observada, quase metade dos isolados de EGB foram agrupados em dois grupos, dentro dos quais as amostras foram geneticamente relacionadas entre si. O sorotipo Ia mostrou menor variabilidade genética entre todos os tipos capsulares. Este foi o primeiro estudo a avaliar o perfil de suscetibilidade, sorotipos e epidemiologia molecular de EGB na região. Isso reflete a necessidade de mais estudos para melhor compreender o perfil epidemiológico de EGB nas distintas populações, buscando desenvolver melhores estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento nas instituições e hospitais do país.
Descritores: Estreptococos do grupo B. Sorotipos. Perfil de suscetibilidade
antimicrobiana. PFGE.
ABSTRACT
In the last forty years, group B streptococci (GBS) have been described as an important pathogen in neonatal invasive infections, and currently, in elderly or adults with underlying medical conditions. Intrapartum chemoprophylaxis remains the main measure for perinatal GBS disease prevention; however vaccines are under development. Studies on candidate vaccines based on capsular polysaccharides of GBS, and have been extensively reported for ten serotypes Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII, VIII and IX. Penicillin remains the drug of choice for treatment and prevention of GBS infections. Erythromycin and clindamycin are recommended when risks of anaphylaxis or therapeutic failure are present. However, there has been an increase in GBS resistance to these antibiotics. In Paraná and the southern region, little is known about the phenotypic and genotypic characteristics of the microorganism. The main aim of this study was to phenotypically and genotypically characterize human GBS isolates. One-hundred and ninety (n = 190) GBS isolates from patients of three hospitals in Curitiba isolated from April 2006 to May 2008 were studied. Serotyping was performed by the double immunodiffusion method for nine serotypes (Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII and VIII). Antimicrobial susceptibility testing was determined by disk diffusion and agar dilution according CLSI. Screening for MLSB resistance was performed by phenotypic (double-disk testing) and genotypic (PCR) methods. The genetic variability of samples was investigated using PFGE. Isolates were recovered from anogenital specimens of pregnant women, from urine of adult non-pregnant and pregnant women, from blood, cerebrospinal fluid, surgical wound, peritoneal fluid, biopsies, intravenous catheter, abscesses and urine in neonates, pregnant women and nonpregnant patients. All samples were sensitive to penicillin, ampicillin, cefazolin, levofloxacin and vancomycin. Only 4.7% of isolates were resistant to erythromycin and clindamycin, in which the constitutive phenotype was present, as revealed by the amplification of the ermB gene. Combination genes (ermA and ermB) was found in most of the resistant isolates. Serotype Ia was prevalent, followed by serotypes II, IV, Ib, V and III. Nontypeable isolates comprised 10.5% of this population. Serotype IV was more associated in infection. Despite the extensive genetic diversity among isolates revealed by PFGE profiles, almost half GBS isolates could be allotted to two major distinct groups of genetic relatedness. Serotype Ia showed lower genetic variability among all capsular types. This was the first study to assess GBS sensibility, serotypes and molecular epidemiology in this region. From these results, a need for more studies that would allow a better understanding of GBS epidemiological profile in the population of different Brazilian geographical regions can be envisioned. Also, to develop improved strategies for prevention, diagnosis and treatment being conducted in institutions and hospitals around the country.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO DOS PRINCIPAIS FATORES DE VIRULÊNCIA DE
S. agalactiae ........................................................................................31
FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DAS UNIDADES
POLISSACARÍDICAS REPETIDAS DOS NOVE SOROTIPOS
CAPSULARES DE S. agalactiae. .........................................................41
FIGURA 3 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA DISTRIBUIÇÃO DOS
DISCOS DE ERITROMICINA E CLINDAMICINA EM MHA
SUPLEMENTADO PARA A PESQUISA DOS FENÓTIPOS DE
RESISTÊNCIA MLSB ............................................................................57
FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DOS FENÓTIPOS DE
RESISTÊNCIA MLSB QUE PODEM SER OBSERVADOS EM
ISOLADOS DE S. agalactiae PELO TESTE DE DUPLA-DIFUSÃO
EM ÁGAR .............................................................................................57
FIGURA 5 – MULTI-INOCULADOR DE STEER UTILIZADO PARA
DISPENSAR O INÓCULO BACTERIANO EM PLACA DE ÁGAR
MULLER HINTON ................................................................................62
FIGURA 6 – GEL-PUNCH UTILIZADO PARA REALIZAR OS POÇOS NA
SUPERFÍCIE DO GEL DE AGAROSE .................................................65
FIGURA 7 – TESTE DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS PELO
MÉTODO DE DISCO-DIFUSÃO EM AMOSTRAS DISTINTAS,
DESTACANDO O TESTE DE DUPLA DIFUSÃO EM ÁGAR OU
TESTE D..............................................................................................82
FIGURA 8 – IMUNODIFUSÃO RADIAL EM GEL DE AGAROSE PARA
PESQUISA DOS SOROTIPOS CAPSULARES DE S. agalactiae .......83
FIGURA 9 – ELETROFORESE EM GEL DE AGAROSE DE LINHAGENS DE
S. pyogenes UTILIZADAS COMO CONTROLE POSITIVO PARA
PESQUISA DOS GENES DE RESISTÊNCIA ermA, ermB E mefA
EM ISOLADOS DE S. agalactiae .........................................................88
FIGURA 10 – ELETROFORESE EM GEL DE AGAROSE DOS ISOLADOS DE
S. agalactiae POSITIVOS PARA O GENE ermB .................................89
FIGURA 11 – DENDROGRAMA CONSTRUÍDO COM BASE NO
POLIMORFISMO DOS FRAGMENTOS DE RESTRIÇÃO EM
PFGE UTILIZANDO A ENZIMA SmaI DE 174 ISOLADOS DE
S. agalactiae ........................................................................................90
FIGURA 12 – EXEMPLOS DE PERFIS ELETROFORÉTICOS CLONAIS DE
PFGE DAS AMOSTRAS PAREADAS DE S. agalactiae
ISOLADAS DE MESMOS PACIENTES ...............................................92
FIGURA 13 – DENDROGRAMAS CONSTRUÍDOS COM BASE NO
POLIMORFISMO DOS FRAGMENTOS DE RESTRIÇÃO EM
PFGE UTILIZANDO A ENZIMA SmaI DE 174 ISOLADOS DE
S. agalactiae, DESTACANDO OS clusters GÊNICOS DOS
SOROTIPOS Ia e IV.............................................................................93
FIGURA 14 – DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL DE S. agalactiae RESISTENTES À
ERITROMICINA E CLINDAMICINA ...................................................100
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – DISTRIBUIÇÃO DOS 190 ISOLADOS DE S. agalactiae
PROVENIENTES DE INFECÇÃO E COLONIZAÇÃO NAS
UNIDADES DE ATENDIMENTO HOSPITALAR E
AMBULATORIAL ...............................................................................72
GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS 128 ISOLADOS DE S. agalactiae
ASSOCIADOS À COLONIZAÇÃO POR AMOSTRA CLÍNICA ..........73
GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DOS 62 ISOLADOS DE S. agalactiae
ASSOCIADOS À INFECÇÃO POR AMOSTRA CLÍNICA ..................74
GRÁFICO 4 – FREQÜÊNCIA DE 190 ISOLADOS DE S. agalactiae POR FAIXA
ETÁRIA E SEXO ...............................................................................75
GRÁFICO 5 – DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DE 190 ISOLADOS DE
S. agalactiae, CONSIDERANDO AMOSTRAS DE
COLONIZAÇÃO E INFECÇÃO ..........................................................75
GRÁFICO 6 – DISTRIBUIÇÃO DOS 190 ISOLADOS DE S.agalactiae POR
SOROTIPOS CAPSULARES.............................................................83
GRÁFICO 7 – SOROTIPOS DE S.agalactiae DISTRIBUÍDOS POR
AMOSTRAS ISOLADAS DE INFECÇÃO E COLONIZAÇÃO............84
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – SEQUÊNCIA DOS OLIGONUCLEOTÍDEOS INICIADORES
UTILIZADOS NA PCR PARA PESQUISA DE GENES DE
RESISTÊNCIA AOS MACROLÍDEOS EM ISOLADOS CLÍNICOS
DE S. agalactiae.................................................................................69
QUADRO 2 – CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO DOS ISOLADOS DE
S. agalactiae, SE PROVENIENTES DE INFECÇÃO OU
COLONIZAÇÃO .................................................................................73
QUADRO 3 – INFORMAÇÕES GERAIS E RESULTADOS DAS AMOSTRAS
PAREADAS DE S. agalactiae ISOLADAS DE MESMOS
PACIENTES E DOS CASOS DE DOENÇA PERINATAL ..................87
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – CARACTERÍSTICAS BIOQUÍMICAS FENOTÍPICAS DE
S. agalactiae ........................................................................................26
TABELA 2 – CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO DE SUSCETIBILIDADE E
CONCENTRAÇÕES DOS ANTIMICROBIANOS TESTADAS EM
ISOLADOS DE S. agalactiae ...............................................................59
TABELA 3 – SOLUÇÕES-ESTOQUE DE ANTIMICROBIANOS...............................60
TABELA 4 – DISTRIBUIÇÃO DOS 190 ISOLADOS DE S. agalactiae,
PROVENIENTES DE INFECÇÃO E COLONIZAÇÃO, NOS
HOSPITAIS ..........................................................................................71
TABELA 5 – DISTRIBUIÇÃO DOS 190 ISOLADOS DE S. agalactiae,
PROVENIENTES DE INFECÇÃO E COLONIZAÇÃO POR
GRUPOS DE PACIENTES ..................................................................76
TABELA 6 – FREQUÊNCIA DOS FATORES DE RISCO MATERNOS E
NEONATAIS PARA A PRESENÇA DE S. agalactiae EM 64 RNs
CUJAS MÃES APRESENTAVAM COLONIZAÇÃO OU
INFECÇÃO POR EGB (VARIÁVEIS QUALITATIVAS).........................79
TABELA 7 – FREQUÊNCIA DOS FATORES DE RISCO MATERNOS PARA A
PRESENÇA DE S. agalactiae EM 64 RNs CUJAS MÃES
APRESENTAVAM COLONIZAÇÃO OU INFECÇÃO POR EGB
(VARIÁVEIS QUANTITATIVAS) ..........................................................79
TABELA 8 – PERFIL DE SUSCETIBILIDADE DE 190 AMOSTRAS DE
S. agalactiae ISOLADAS DE COLONIZAÇÃO E INFECÇÃO EM
ABRIL DE 2006 A MAIO DE 2008 .......................................................80
TABELA 9 – MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DISTRIBUIÇÃO DOS
SOROTIPOS DE 62 ISOLADOS DE S. agalactiae ASSOCIADOS
À INFECÇÃO .......................................................................................85
TABELA 10 – DISTRIBUIÇÃO DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae POR
GRUPOS DE PACIENTES ..................................................................86
TABELA 11 – DISTRIBUIÇÃO DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae POR
PADRÕES CLASSIFICADOS DE PFGE .............................................91
TABELA 12 – DIVERSIDADE GENÉTICA DE 174 ISOLADOS DE S. agalactiae
AGRUPADOS CONFORME SOROTIPOS ..........................................92
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AAP - American Academy of Pediatrics
ABCs - Active Bacterial Core surveillance
ACOG - American College of Obstetricians and Gynecologists
AMP - Ampicilina
ATCC - American Type Culture Collection
CBM - Concentração Bactericida Mínima
CDC - Centers for Disease Control and Prevention
CFZ - Cefazolina
CIM - Concentração Inibitória Mínima
CLI - Clindamicina
CLSI - Clinical and Laboratory Standards Institute
CylE - Denominação do fator de virulência hemolisina de S. agalactiae
DNA - Ácido Desoxirribonucléico
dNTP - Desoxirribonucleotídeo trifosfato
DO - Densidade Óptica
EDTA - Ácido etilenodiaminotreacético
EGB - Estreptococo do Grupo B
ERI - Eritromicina
FBP - Fibronectin-binding protein
GBS - Group B Streptococcus
HC-UFPR - Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
HMVFA-UFPR - Hospital Maternidade Vitor Ferreira do Amaral da Universidade
Federal do Paraná
HMW - High Molecular Weight
HNSG - Hospital Nossa Senhora das Graças
L - Lincosamida
LEV - Levofloxacina
LMW - Low Molecular Weight
LPXTG - Denominação de um domínio protéico altamente conservado
presente em proteínas superficiais de S. agalactiae
M - Macrolídeo
MHA - Müeller Hinton Ágar
PAI - Profilaxia antimicrobiana intraparto
PENG - Penicilina G
PP - Parto prematuro
RN - Recém-nascido
S. agalactiae - Streptococcus agalactiae
Taq polimerase - Thermus aquaticus polimerase
TPP - Trabalho de parto prematuro
VAN - Vancomicina
MLST - Multi Locus Sequence Typing
PFGE - Pulsed Field Gel Electrophoresis
UPGMA - Unweighted Pair Group Method with Arithmetic mean
DICE - Coeficiente de similaridade
LISTA DE SÍMBOLOS
kb - kilobase
mg - miligrama
MgCl2 - Cloreto de Magnésio
mL - mililitro
mm - milímetros
NaCl - Cloreto de sódio
ng - nanograma
nm - nanômetro
pb - pares de base
pmol - picomol
rpm - rotações por minuto
S - Svedberg
U - Unidades
v/v - volume/volume
V/cm - voltz/centímetro
°C - grau Celsius
µ - micro
µg - micrograma
µL - microlitros
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................20
1.1 OBJETIVOS ........................................................................................................22
1.1.1 Objetivo Geral ..................................................................................................22
1.1.2 Objetivos Específicos .......................................................................................22
2 REVISÃO DE LITERATURA ............................ .....................................................23
2.1 HISTÓRICO ........................................................................................................23
2.2 CARACTERÍSTICAS MICROBIOLÓGICAS........................................................24
2.2.1 Taxonomia........................................................................................................24
2.2.2 Aspectos Gerais do Gênero Streptococcus......................................................24
2.2.3 Características Microbiológicas da Espécie Streptococcus agalactiae ............25
2.3 PATOGÊNESE....................................................................................................27
2.4 EPIDEMIOLOGIA: UMA VISÃO MUNDIAL.........................................................33
2.4.1 Infecções por S. agalactiae em neonatos.........................................................34
2.4.2 Infecções por S. agalactiae em parturientes ....................................................35
2.4.3 Infecções por S. agalactiae em adultos não-gestantes ....................................36
2.5 NO BRASIL S. agalactiae É UM PATÓGENO EMERGENTE?...........................38
2.6 A IMPORTÂNCIA DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae .....................................39
2.7 PREVENÇÃO, PROFILAXIA E TRATAMENTO DE INFECÇÕES ......................44
2.8 PERFIL DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS..............................47
2.9 EPIDEMIOLOGIA MOLECULAR.........................................................................50
3 MATERIAIS E MÉTODOS .............................. .......................................................53
3.1 AMOSTRAS BACTERIANAS..............................................................................53
3.1.1 Histórico Clínico dos Pacientes ........................................................................53
3.1.2 Aspectos Éticos................................................................................................54
3.2 MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO BACTERIANA................................................54
3.3 TESTE DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS...............................55
3.4 PESQUISA DOS FENÓTIPOS DE RESISTÊNCIA MLSB ...................................56
3.5 DETERMINAÇÃO DA CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA ........................58
3.5.1 Agentes Antimicrobianos Utilizados .................................................................58
3.5.2 Diluição do Antimicrobiano para o Preparo das Placas de Ágar Müeller-Hinton
Suplementadas ................................................................................................60
3.5.3 Preparo das Placas de Müeller-Hinton Suplementadas ...................................61
3.5.4 Preparo do Inóculo Bacteriano .........................................................................61
3.5.5 Inoculação Bacteriana em Ágar .......................................................................62
3.5.6 Interpretação da Concentração Inibitória Mínima.............................................63
3.6 CLASSIFICAÇÃO SOROLÓGICA DE Streptococcus agalactiae
(SOROTIPAGEM) ...............................................................................................63
3.6.1 Preparo do Extrato Bacteriano .........................................................................64
3.6.2 Preparo das Placas de Gel de Agarose para a Imunodifusão Radial...............64
3.7 MÉTODOS MOLECULARES ..............................................................................65
3.7.1 Eletroforese em Gel de Campo Pulsado (PFGE) .............................................65
3.7.1.1 Preparo dos Blocos com DNA.......................................................................66
3.7.1.2 Clivagem do DNA com Enzima de Restrição ................................................67
3.7.1.4 Análise dos Padrões Moleculares .................................................................68
3.7.2 PCR para Detecção dos Genes de Resistência aos Macrolídeos....................68
3.7.2.1 Extração do DNA...........................................................................................69
3.7.2.2 Amplificação ..................................................................................................69
3.8 MÉTODOS ESTATÍSTICOS ...............................................................................70
4 RESULTADOS....................................... ................................................................71
4.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL DAS AMOSTRAS DE S. agalactiae .....................71
4.2 ANÁLISE DO HISTÓRICO CLÍNICO DOS PACIENTES ....................................76
4.3 TESTE DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS E CONCENTRAÇÃO
INIBITÓRIA MÍNIMA ...........................................................................................80
4.3.1 Detecção dos fenótipos de resistência MLSB ...................................................81
4.4 CARACTERIZAÇÃO SOROLÓGICA DOS ISOLADOS DE S. agalactiae...........83
4.5 CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS CLÍNICOS DE
S. agalactiae........................................................................................................87
4.5.1 Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) para detecção de genes de
resistência tipo MLSB .......................................................................................88
4.5.2 Eletroforese em Gel de Campo Pulsado (PFGE) .............................................89
5 DISCUSSÃO ..........................................................................................................94
5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ..............................................................................94
5.2 PERFIL DE SUSCETIBILIDADE DE AMOSTRAS CLÍNICAS DE S. agalactiae
ISOLADAS EM TRÊS HOSPITAIS DE CURITIBA..............................................98
5.3 DISTRIBUIÇÃO DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae ISOLADOS DE DIVERSOS
MUNICÍPIOS DO ESTADO DO PARANÁ.........................................................103
5.4 EPIDEMIOLOGIA MOLECULAR DE ISOLADOS CLÍNICOS DE S. agalactiae 105
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. ....................................................108
6.1 HISTÓRICO CLÍNICO DOS PACIENTES.........................................................108
6.2 PERFIL DE SUSCETIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS............................108
6.3 DISTRIBUIÇÃO DOS SOROTIPOS..................................................................108
6.4 EPIDEMIOLOGIA MOLECULAR.......................................................................109
6.5 PERSPECTIVAS FUTURAS.............................................................................109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ..............................................110
APÊNDICES ...........................................................................................................128
ANEXOS .................................................................................................................139
20
1 INTRODUÇÃO
Durante quatro décadas, Streptococcus agalactiae ou estreptococos do
grupo B (EGB) tem sido descrito como um importante patógeno em infecções
invasivas perinatais e neonatais, ocasionando pneumonia, septicemia e meningite.
Além dessas doenças, em gestantes EGB pode causar infecção urinária,
corioamnionite, endometrite puerperal e contribuir para promover abortamento e
prematuridade (GIBBS et al., 2004). Na última década, EGB também se tornou
relevante patógeno em adultos não gestantes, particularmente em pacientes senis
ou com condições debilitantes significativas, causando infecções de pele e tecidos
moles, bacteremia, infecção genitourinária, pneumonia, peritonite, meningite,
osteomielite e artrite séptica (FARLEY, 2001).
As infecções perinatais por EGB, em aproximadamente 80% dos casos, são
adquiridas durante o parto por transmissão vertical do microrganismo, o qual pode
colonizar mucosas anogenitais em 10 a 40% das mulheres saudáveis (GIBBS et al.,
2004). Apesar da profilaxia antimicrobiana intraparto, em gestantes colonizadas, ter
sido recomendada desde 1996, nos EUA projetou-se que EGB possa ter causado
perto de 2.700 casos de infecção e 100 óbitos em recém-nascidos dos primeiros
meses de vida, em 2005 (PHARES et al., 2008). No Brasil e em países da América
Latina, o perfil epidemiológico dessa doença é pouco conhecido, o que torna
necessária a implantação de programas de vigilância, e consequentemente, a
divulgação dessas informações à comunidade.
Além de ser considerado um patógeno potencial em seres humanos,
S. agalactiae também é conhecido como uma das principais causas de mastite
bovina e pode promover infecção ou colonização em outros animais como ovinos,
suínos, caninos, felinos, roedores, rãs e até peixes (ELLIOTT et al., 1990;
LAMMLER et al., 1998).
S. agalactiae permanece universalmente sensível a penicilina, por isso esse
antimicrobiano continua sendo a primeira escolha para o tratamento e prevenção
das infecções causadas por esse microrganismo. Entretanto, aos pacientes que
podem desenvolver reações adversas aos beta-lactâmicos, eritromicina e
clindamicina são recomendados (SCHRAG et al., 2002). Estudos prévios têm
21
relatado o aumento da resistência a macrolídeos, lincosamidas e estreptograminas B
(MLSB), sendo que dependendo da região geográfica pode ocorrer variabilidade nas
taxas dessa resistência (DE AZAVEDO et al., 2001). Entre os mecanismos de
resistência MLSB mais comumente encontrados estão a modificação ribossomal
através de metilases e a bomba de efluxo codificadas por genes erm e mef,
respectivamente. Essa resistência pode ser expressa por fenótipos de resistência
cruzada (constitutivo e induzível) ou restrita aos macrolídeos (DESJARDINS et al.,
2004; LAMBERT, 2005).
Com o advento da profilaxia contra EGB, o uso de antimicrobianos tem
aumentado a preocupação quanto às mudanças no seu perfil de resistência e à
emergência de outros patógenos perinatais (LINDAHL et al., 2005). Diante desse
cenário surge o estímulo à busca de novas medidas preventivas, como o
desenvolvimento de vacinas. Inúmeras pesquisas estão sendo voltadas à procura de
componentes bacterianos efetivos na formulação dessas vacinas e em EGB,
polissacarídeos capsulares e proteínas de superfícies têm-se apresentado como
boas opções. Atualmente, nove sorotipos diferentes de EGB são descritos (Ia, Ib, II,
III, IV, V, VI, VII e VIII) e a diferenciação entre eles tem sido relevante à investigação
epidemiológica, pelo fato da distribuição variar de acordo com a região geográfica,
origem étnica, patologia desenvolvida, perfil de resistência aos antimicrobianos e até
período de isolamento (SCHUCHAT, 1998).
A falta de informações a respeito das características de EGB pertencentes à
população em estudo, especialmente quanto ao perfil de resistência e sorotipos,
motivou o interesse à pesquisa. Conhecer o microrganismo foi considerado
fundamental para analisar sua dinâmica de infecção e colonização, além de auxiliar
na implantação de medidas profiláticas eficientes. Estratégias competentes de
prevenção às infecções por EGB promoveriam a diminuição direta de custos com
tratamento e hospitalização, melhorando o prognóstico e a sobrevida dos pacientes.
22
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo Geral
Caracterizar fenotipicamente e genotipicamente isolados clínicos de
Streptococcus agalactiae de hospitais de Curitiba.
1.1.2 Objetivos Específicos
• Investigar achados clínicos relacionados à ocorrência de processo infeccioso
ou colonização por S. agalactiae, distinguindo-os entre grupos de pacientes
(gestantes, não gestantes e recém-nascidos). Comparar grupos de recém-
nascidos que apresentaram e não apresentaram o isolamento de
S. agalactiae, quanto às variáveis clínicas relevantes.
• Pesquisar os sorotipos de S. agalactiae pelo método de imunodifusão radial.
• Avaliar o perfil de suscetibilidade aos antimicrobianos através dos métodos de
disco-difusão e diluição em ágar.
• Caracterizar a resistência macrolídeo-lincosamida-estreptogramina do grupo
B (MLSB) pelos métodos fenotípico (Teste D) e genotípico (PCR).
• Avaliar a diversidade genética pela técnica de Eletroforese em Campo
Pulsado (PFGE - Pulsed Field Gel Electrophoresis), relacionando-a com
sorotipo e perfil de susceptibilidade aos antimicrobianos.
23
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 HISTÓRICO
Streptococcus agalactiae ou estreptococos do grupo B (EGB; também GBS,
de Group B Streptococcus) foi descrito pela primeira vez em 1887 por Nocard e
Mollereau como Streptococcus de la mammite, isto é, um patógeno da mastite
bovina (NOCARD; MOLLEREAU, 1887, apud BISHARAT et al., 2004). Desde então,
a classificação taxonômica da espécie foi modificada em vários momentos, mas em
1896 Lehmann e Neumann denominaram definitivamente a espécie como
Streptococcus agalactiae (BUCHANAN; GIBBONS, 1974).
Somente 50 anos depois, por volta de 1930, esse microrganismo foi
relacionado à colonização e a infecções humanas. A colonização foi descrita a partir
de isolados de cultura de secreção vaginal (LANCEFIELD, 1935) e infecções foram
relatos de septicemia puerperal e bacteremia (FRY, 1938; RANTZ; KIRBY, 1942).
Nas décadas de 1960 e 1970, EGB apareceu como importante agente
etiológico de doença neonatal, tornando-se a principal causa de morbidade e
mortalidade de recém-nascidos nos Estados Unidos (BAKER et al., 1973; BARTON;
FEIGIN; LINS, 1973; FRANCIOSI; KNOSTMAN; ZIMMERMAN, 1973;
MCCRACKEN, 1973). Com a emergência desse problema, vários estudos passaram
a ser realizados, fundamentalmente no âmbito da investigação epidemiológica,
clínica, microbiológica e profilática da doença. Baseada nesses estudos, a
comunidade científica representada pelo Centers for Disease Control and Prevention
(CDC), o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) e a
American Academy of Pediatrics (AAP) reuniram-se e, em 1996, apresentaram as
diretrizes de prevenção à doença perinatal causada por EGB.
Países da América do Norte e Europa, essencialmente, realizaram estudos
de vigilância e de implementação das estratégias de prevenção, com o objetivo
principal de verificar a eficácia das diretrizes de 1996. Com os resultados desses
estudos, as diretrizes foram reformuladas em 2002 e atualmente auxiliam na prática
clínica.
24
2.2 CARACTERÍSTICAS MICROBIOLÓGICAS
2.2.1 Taxonomia
O gênero Streptococcus pertence ao filo Firmicute, classe Bacilli, ordem
Lactobacillales e família Streptococcaceae. Essa família também inclui os gêneros
Lactococcus e Lactovum (MATTHIES et al., 2004). Atualmente, o gênero
Streptococcus contém 90 espécies e 17 subespécies, sendo distribuídas em
linhagens de origem animal e humana (GARRITY, 2008).
A taxonomia de estreptococos admitiu inúmeras modificações nos últimos
anos, principalmente devido aos avanços na tecnologia molecular, como exemplo, o
sequenciamento do gene do RNAr 16S (FACKLAM, 2002).
2.2.2 Aspectos Gerais do Gênero Streptococcus
Apesar dos avanços da biologia molecular para melhor reconhecimento das
linhagens bacterianas, a diferenciação fenotípica clássica de estreptococos,
baseada na reação de hemólise, tamanho de colônia e presença de diferentes
carboidratos de superfície, segundo classificação de Lancefield, ainda tem grande
valor à microbiologia clínica.
De maneira geral, estreptococos de importância clínica em humanos podem
ser divididos em dois grandes grupos: estreptococos piogênicos e estreptococos não
piogênicos ou do grupo viridans. Esse último grupo pode ainda ser subdividido em
(1) estreptococos do grupo S. mitis, onde se encontra S. pneumoniae; (2)
estreptococos do grupo S. anginosus; (3) estreptococos do grupo S. mutans; (4)
estreptococos do grupo S. bovis e (5) estreptococos do grupo S. salivarius
(SPELLERBERG; BRANDT, 2007). A divisão seguindo a reação de hemólise
(estreptococos beta, alfa e não hemolíticos) não é distintiva entre os grupos, já que
dentro deles existem espécies apresentando diferentes reações de hemólise.
Estreptococos são células gram positivas esféricas ou ovóides de 0,5 a 2,0
µm de diâmetro e ocorrem aos pares ou cadeias quando crescem em meio líquido.
Não são móveis, não formam esporos e são catalase negativa, isto é, não reagem
25
com peróxido de hidrogênio a 3%. Algumas espécies podem se apresentar
encapsuladas, como exemplo S. pneumoniae. São anaeróbios facultativos e
algumas espécies necessitam de 5% de CO2. São quimiotrópicos, ou seja, não são
capazes de realizar o metabolismo respiratório, já que não possuem as condições
para efetuar a fosforilação oxidativa por meio da cadeia transportadora de elétrons.
O crescimento é geralmente restrito à temperatura de 25 a 45 °C, mas a temperatura
ótima é de 37 °C. Possuem um metabolismo fermentati vo, produzindo a partir de
carboidratos o ácido lático, mas não gás; e requerem um meio de cultivo rico com
adição de sangue ou soro (HOLT; KRIEG; SNEATH, 1994; SPELLERBERG;
BRANDT, 2007).
Espécies de estreptococos comumente lisam ou não hemácias, produzindo
no meio de cultivo contendo sangue de carneiro ou cavalo uma hemólise parcial
(produção de uma coloração verde ao redor da colônia, chamada alfa-hemólise) ou
uma hemólise total (formação de uma zona clara ao redor da colônia, chamada beta-
hemólise). As espécies beta-hemolíticas, na maioria pertencente ao grupo piogênico,
podem ser classificadas conforme o tipo de polissacarídeo presente na parede
celular do microrganismo. Rebecca Lancefield (1933), trabalhando com testes de
precipitação e anti-soros, conseguiu distribuir primeiramente essas espécies em
sorogrupos A, B, C, D e E (LANCEFIELD, 1933). Mais tarde, outros grupos foram
observados e denominados F, G, H, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V. Dentro
desses grupos algumas espécies são alfa-hemolíticas e outras não-hemolíticas
(FACKLAM, 1995). Estreptococos beta-hemolíticos podem ainda ser denominados
de forma mais simplificada em estreptococos de colônia pequena (0,5 mm), englobando as
demais espécies (SPELLERBERG; BRANDT, 2007).
2.2.3 Características Microbiológicas da Espécie Streptococcus agalactiae
Streptococcus agalactiae (EGB) é a única espécie pertencente ao sorogrupo
B de Lancefield e está agrupada entre as espécies de estreptococos piogênicos.
Sua identificação presuntiva é verificada pela caracterização morfocolonial típica,
aparecendo cinza, com colônias grandes, circulares e levemente brilhantes em meio
de cultivo contendo sangue. A maioria das cepas apresenta uma beta-hemólise
26
discreta ao redor das colônias, mas pode exibir ausência de hemólise, também
chamada de gama-hemólise, o que possibilita uma confusão com espécies de
Enterococcus (SPELLERBERG; BRANDT, 2007).
EGB tem a habilidade de crescer em atmosferas aeróbia, microaerófila (5%
de CO2) e anaeróbia. A seguir, a TABELA 1 mostra algumas características
fenotípicas de EGB quanto ao perfil bioquímico da espécie.
TABELA 1 – CARACTERÍSTICAS BIOQUÍMICAS FENOTÍPICAS DE S. agalactiae
PROVAS BIOQUÍMICAS PERFIL BIOQUÍMICO
Fator CAMP(1) (+)
Bacitracina resistente (+)
Hidrólise de hipurato de sódio (+)
PYR(2) (-)
Hidrólise de arginina (+)
Hidrólise de esculina (-)
Ribose (acidificação) (+)
Trealose (acidificação) (+)
Inulina (acidificação) (-)
Manitol (acidificação) (-)
Rafinose (acidificação) (-)
Sorbitol (acidificação) (-)
Lactose (acidificação) (v)
Salicina (acidificação) (v)
VP(3) (+)
Crescimento a 45°C (-)
NaCl a 6,5% (v)
40% de bile (v)
FONTE: Adaptado de Bergey's Manual of Determinative Bacteriology (1994). NOTA: Símbolos – (+), positivo; (-), negativo; (v), variável (21-79%). (1) Reação do fator CAMP (Christie, Atkins e Munch-Petersen, 1944) refere-se à lise sinérgica de eritrócitos pela beta-hemolisina de S. aureus e a proteína extracelular CFB de S. agalactiae. (2) Verifica a presença da enzima pirrolidonil aminopeptidase. (3) Teste de Voges-Proskauer (formação de acetoína a partir da fermentação de glicose).
Conforme demonstrado na TABELA 1, existem várias provas bioquímicas
para a identificação fenotípica de EGB, entretanto, na prática da microbiologia
clínica, a observação da morfologia colonial por um microbiologista experiente e a
27
prova do fator CAMP são opções suficientes para a identificação presuntiva da
espécie.
Nesse contexto, a escolha do teste da bacitracina, da prova da hidrólise do
hipurato de sódio, dos testes que verificam o crescimento bacteriano em meio de
tolerância ao sal (NaCl a 6,5%) e em 40% de bile ou o teste PYR, além da prova do
fator CAMP, representam o melhor conjunto de testes que suprimem possibilidades
de identificação errônea com outras espécies de estreptococos. Os testes
sorológicos ou imunoensaios disponíveis comercialmente, os quais detectam os
sorogrupos de Lancefield por aglutinação de partículas de látex ligadas a anticorpos
e antígenos específicos, também são excelentes para uma confirmação rápida do
grupo ao qual pertence o estreptococo beta-hemolítico em identificação
(SPELLERBERG; BRANDT, 2007).
Existe uma espécie de estreptococo beta-hemolítico comumente isolada de
animais, designada S. porcinus (Grupos E, P, U e V de Lancefield). Essa espécie
raramente tem sido identificada em humanos, mas há relatos do seu isolamento em
sangue, ferida e secreção vaginal (FACKLAM et al., 1995). S. porcinus pode ser
erroneamente identificada como S. agalactiae, já que pode ser isolado do trato
genital feminino e apresenta reação positiva à prova do fator CAMP, além de reação
falso-positiva com anti-soro do grupo B disponível em kits comerciais. A hidrólise do
hipurato de sódio pode contribuir parcialmente na diferenciação das espécies,
contudo o teste PYR corrobora em 100% de distinção, visto que S. porcinus é PYR
positivo (FACKLAM et al., 1995).
2.3 PATOGÊNESE
S. agalactiae foi primeiramente identificado como patógeno de origem
animal, especificamente de bovinos. Desde sua descrição em 1887, esse
microrganismo apareceu como agente etiológico de doenças e colonização em
outros animais como ovelhas, cabras, suínos, caninos, felinos, roedores, rãs e até
peixes (ELLIOTT et al., 1990; LAMMLER et al., 1998). A partir de 1930 foi relatado
como patógeno e colonizante de seres humanos.
28
Durante as três últimas décadas, S. agalactiae emergiu como um relevante
agente etiológico de doenças humanas e passou a ser comumente associado a
infecções invasivas no período perinatal e neonatal, ocasionando septicemia,
pneumonia, meningite e endocardite (SCHUCHAT, 1998, 1999; LINDAHL et al.,
2005). Um fato interessante é que as infecções por S. agalactiae ocorrem em certos
grupos populacionais, além do recém-nascido. Esse microrganismo também é
considerado um importante patógeno em gestantes, visto que pode contribuir na
gênese do abortamento, prematuridade, infecção do trato urinário, corioamnionite e
endometrite puerperal (GIBBS et al., 2004; LINDAHL et al., 2005). Outro grupo
populacional susceptível a infecções por EGB que ascendeu nos últimos anos é o
dos adultos, geralmente com idade superior a 65 anos, imunocomprometidos ou que
apresentam co-morbidades como diabetes mellitus, neoplasias malignas, doença
hepática, danos neurológicos, alcoolismo ou HIV. A gama de infecções nesse perfil
de pacientes inclui infecções de pele e tecidos moles, bacteremia sem foco definido,
infecção do trato genital e urinário, pneumonia, peritonite, meningite, endocardite,
osteomielite e artrite séptica (FARLEY, 1995, 2001; PHARES et al., 2008).
Subtraindo esses grupos susceptíveis, a prevalência de infecções por S. agalactiae
não é muito preocupante, visto que esse microrganismo pode se apresentar apenas
como colonizante do trato genital e urinário, já que pertence a microbiota do trato
gastrintestinal, seu principal reservatório. No entanto, se ocorrer colonização no
grupo das gestantes, esse microrganismo torna-se extremante relevante, motivo
pelo qual esse é o principal fator de risco para o desenvolvimento da doença
invasiva neonatal (SCHUCHAT, 1996; GIBBS et al., 2004).
A colonização por EGB pode ser transitória, crônica ou intermitente.
Diversos estudos mostram variações na taxa de colonização em gestantes de 10 a
40% das culturas do trato genital e anorretal. Não só nessa população, mas também
crianças, mulheres não-grávidas e homens podem ser colonizados por esse
microrganismo, principalmente no trato urogenital, pele e faringe (GIBBS et al.,
2004).
As infecções neonatais podem apresentar duas manifestações clínicas
diferentes: a doença de início precoce e a de início tardio. De forma geral, essas
manifestações diferem quanto à apresentação clínica, prognóstico, características
epidemiológicas e patogênese. A infecção de início precoce é a manifestação mais
comum e é caracterizada pelo desenvolvimento de septicemia e pneumonia nos
29
primeiros sete dias de vida. A patogênese dessa doença inicia-se pela exposição do
neonato ao microrganismo S. agalactiae antes ou depois do nascimento. De maneira
geral, a infecção pode ocorrer de duas formas principais: durante a passagem do
recém-nascido pelo canal vaginal materno, ficando exposto à colonização por EGB,
ou por ascensão dessa bactéria pelo trato genital ao líquido amniótico, através da
ruptura das membranas fetais. No líquido amniótico o microrganismo se multiplica e
inicia uma colonização no trato respiratório do feto. Com isso pode desenvolver
pneumonia, o que possibilita a disseminação da bactéria à corrente sanguínea,
permitindo sua invasão em múltiplos tecidos e resultando em manifestações como
meningite e osteomielite (RUBENS et al., 1991; LINDAHL et al., 2005). É importante
ressaltar que alguns estudos afirmaram que esse foco infeccioso no líquido
amniótico também pode ocorrer através de membranas fetais intactas (KATZ;
BOWES, 1988; GIBBS et al., 2004). Já a infecção de início tardio ocorre entre sete
dias e três meses de idade, sendo mais comum meningite e septicemia (GIBBS et
al., 2004). A patogênese dessa infecção é pouco conhecida, principalmente porque
pode afetar neonatos nascidos após um período gestacional normal (SCHUCHAT,
2001), porém se afirma que tanto a transmissão vertical (materno-infantil) quanto a
transmissão horizontal (profissionais de saúde) sejam prováveis focos dessa doença
(LINDAHL et al., 2005). Geralmente, essa infecção apresenta menor taxa de
mortalidade (2 a 6%), porém alta morbidade, visto que 25 a 50% dos sobreviventes
desenvolvem sequelas neurológicas permanentes, cegueira, surdez, hidrocefalia e
perda da audição (TUROW, 2000).
Alguns fatores de risco maternos aumentam a probabilidade de infecção. O
fator mais importante é a colonização por EGB, principalmente entre a 35ª e 37ª
semanas de gestação (GIBBS et al., 2004). Além desse fator, incluem-se mulheres
negras, idade jovem (menor que 20 anos), histórico de filho com doença invasiva por
EGB, aborto espontâneo, múltiplas gestações, bacteriúria por EGB durante a
gestação, filho de baixo peso, trabalho de parto prematuro (menos de 37 semanas),
ruptura prolongada de membranas antes do trabalho de parto e do parto (superior ou
igual a 18 horas), monitoramento intra-uterino prolongado, corioamnionite, febre
intraparto superior ou igual a 38 °C e baixos nívei s de anticorpos maternos contra
polissacarídeos capsulares ou proteínas superficiais (GIBBS et al., 2004; LINDAHL
et al., 2005).
30
Geralmente, a ocorrência de infecções estreptocócicas invasivas depende
de características bacterianas, como a capacidade de produzir fatores de virulência
e das condições do hospedeiro, como a deficiência do sistema imune ou a falta de
anticorpos contra a bactéria como resposta da imunidade adaptativa. Assim como
outras espécies de estreptococos, S. agalactiae é extremamente hábil em colonizar
e causar infecções em seu hospedeiro. Isso se deve a sua eficiência em realizar os
mecanismos essenciais da patogênese: adesão a superfícies teciduais e mucosas;
competição com a microbiota; invasão, principalmente no epitélio alveolar e
endotelial e multiplicação no sítio de infecção. Conforme supracitado, toda essa
habilidade de S. agalactiae decorre de sua capacidade em produzir diversos fatores
de virulência, sendo os mais estudados, a cápsula, a proteína ligadora de laminina,
as proteínas alfa e beta, as proteínas ligadoras de fibronectina, a C5a peptidase, as
proteínas superficiais ancoradas à LPXTG (domínio protéico altamente conservado),
a hialuronidase e a hemolisina (CylE) (MITCHELL, 2003) (FIGURA 1).
S. agalactiae, além de ser classificado dentro do grupo B de Lancefield,
pode ser subdividido em sorotipos de acordo com o tipo imunogênico apresentado
pelos polissacarídeos capsulares dos isolados. A cápsula é um importante fator de
virulência de EGB, visto que apresenta função antifagocítica. Ou seja, é um
elemento que confere proteção ao microrganismo contra a deposição de fragmentos
opsonizantes C3b do sistema complemento, os quais sinalizam a migração de
células de defesa do sistema imune ao sítio de infecção (MARQUES et al., 1992).
Além da cápsula, algumas proteínas superficiais são consideradas
relevantes fatores de virulência. A proteína ligadora de laminina (Lmb), codificada
pelo gene lmb, é uma lipoproteína similar a adesinas (estruturas ligantes à matrix
extracelular). Alguns pesquisadores relataram a importância direta ou indireta dessa
proteína na dinâmica de colonização e invasão de EGB. Porém, nem todos os
isolados de S. agalactiae expressam essa proteína. (SPELLERBERG et al., 1999;
LINDAHL et al., 2005).
O primeiro antígeno de superfície identificado em S. agalactiae foi o antígeno
C, antes designado Ic e atualmente reconhecido como uma fração protéica presente
em alguns sorotipos. Com a caracterização do antígeno C, foi verificado que essa
proteína superficial é composta por outros dois componentes protéicos não
relacionados, as proteínas alfa e beta, que também compõem a gama de fatores de
virulência de EGB. O papel da proteína alfa na patogênese é pouco conhecido,
31
havendo relatos de que a inibição do gene que codifica o antígeno alfa-C atenua a
virulência de EGB (MITCHELL, 2003) e que há participação dessa proteína na
indução da resposta imune no hospedeiro (LINDAHL et al., 2005). Já a proteína beta
interage com diferentes componentes do sistema imune, IgA-Fc sérica e fator H
(uma proteína reguladora da via alternativa do sistema complemento), contribuindo
com mecanismos de escape do patógeno frente ao sistema imune do hospedeiro.
Pesquisadores ainda sugerem que a proteína beta também apresente propriedade
imunogênica (LINDAHL et al., 2005).
FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO DOS PRINCIPAIS FATORES DE VIRULÊNCIA DE S. agalactiae
FONTE: Adaptado de MITCHELL, T. J. (2003) NOTA: Lmb representa uma proteína ligadora de laminina1, ancorada a proteínas transportadoras da família ABC. PavA-like e FbsA representam proteínas ligadoras de fibronectina2. (1) Lipoproteína componente da membrana basal. (2) Glicoproteína que auxilia a adesão das células do hospedeiro à matriz extracelular.
O componente alfa é codificado pelo gene bca e pode variar quanto à
quantidade de cadeias polipeptídicas constituintes. O gene bac codifica o
componente beta, expresso como uma proteína ancorada à peptideoglicana através
de um motif denominado LPXTG (MITCHELL, 2003; DORAN; NIZET, 2004).
32
A função das proteínas ligadoras de fibronectina (FBP) na virulência de
S. agalactiae tem sido relacionada à invasão do microrganismo (GUTEKUNST et al.,
2004). Existem diversas FBPs no genoma de EGB, a exemplo de uma delas
encontra-se a proteína ligadora de fibronectina FbsA, a qual se afirma contribuir na
resistência à fagocitose, já que protege EGB da opsonização (MITCHELL, 2003;
LINDAHL et al., 2005).
Ainda quanto às proteínas de superfície representantes de virulência,
S. agalactiae possui uma proteína com atividade enzimática: a C5a peptidase
(ScpB). Essa enzima, codificada pelo gene cromossomal scpB, é uma serino-
protease capaz de clivar o fator C5a do sistema complemento, o qual é responsável
pelo recrutamento de neutrófilos ao sítio infeccioso (CHMOURYGUINA et al, 1996;
MITCHELL, 2003). Estudos apontaram ainda que a C5a peptidase pode se ligar à
fibronectina e que colabora com a adesão e invasão de células epiteliais (CHENG et
al., 2002). Outro fator de virulência com atividade enzimática secretado por EGB é a
hialuronidase, que se constitui em uma proteína com atividade hidrolítica sobre o
ácido hialurônico, um polímero importante de glicosaminoglicana encontrado na
matriz extracelular de tecidos animais. Afirma-se que essa degradação facilita a
disseminação do patógeno pelo tecido e fornece nutrientes após a lise do ácido
hialurônico. A hialuronidase é codificada pelo gene hyl, expressa em altos níveis em
amostras do sorotipo III e em isolados de infecções invasivas (HYNES; WALTON,
2000).
Outro fator de virulência relevante em S. agalactiae é a hemolisina (CylE),
proteína responsável pela reação de beta-hemólise de EGB em meio de ágar
sangue. Afirma-se que a produção de hemolisina esteja associada à invasão e
lesões no epitélio pulmonar (NIZET et al., 1996) e endotelial (GIBSON et al., 1999).
Além disso, CylE pode estimular a produção de óxido nítrico em macrófagos (RING
et al., 2000), a apoptose dessas células (HENNEKE et al., 2002), a liberação de
interleucina-8 e a hipotensão arterial (DORAN et al., 2002). A ação citolítica e pró-
inflamatória de EGB pode ser inibida pelo principal componente do surfactante
pulmonar, a dipalmitoil fosfatidilcolina, o que pode explicar, em parte, a maior
suscetibilidade do prematuro à doença invasiva, já que este possui esta substância
em menor quantidade (DORAN et al., 2002). Ressalta-se também que algumas
estirpes bacterianas de EGB não produzem beta-hemólise e geralmente são
isoladas de bovinos. Outro fator que pode contribuir com a invasão celular é o
33
chamado fator CAMP, uma proteína extracelular que forma poros e provoca lise de
membranas celulares do hospedeiro (SPELLERBERG, 2000).
Um aspecto importante e que confere grande virulência é a evasão
imunológica, ou seja, a presença de mecanismos que dificultam o reconhecimento
de EGB pelo hospedeiro. A capacidade de sobreviver por longos períodos dentro de
lisossomas de macrófagos, a produção da enzima superóxido-dismutase e de um
pigmento carotenóide, que protegem contra o estresse oxidativo e a inibição da
atividade do sistema complemento, reduzem ainda mais a capacidade de
reconhecimento e ativação dos mecanismos de defesa do hospedeiro,
especialmente de recém-nascidos prematuros (SPELLERBERG, 2000).
Assim como em outras espécies de estreptococos, principalmente
S. pyogenes e S. pneumoniae, o arsenal de virulência de S. agalactiae é completo,
extremamente evoluído e competente para causar infecções graves, especialmente
em indivíduos que não disponham de um sistema imune maduro e adequado.
Entretanto, ainda há necessidade de muitos estudos para melhor elucidar os
mecanismos e funções desse arsenal.
2.4 EPIDEMIOLOGIA: UMA VISÃO MUNDIAL
A emergência de graves infecções perinatais por S. agalactiae na década de
1970 instigou a realização de inúmeros estudos, principalmente em busca de
estratégias de prevenção. Em vista disso, em 1996 foi publicado pelo CDC um
consenso das primeiras diretrizes de prevenção.
Durante as décadas de 1980 e 1990, a grande maioria dos estudos
realizados nessa temática introduzia-se da mesma forma: “Estreptococos do grupo B
é a principal causa de infecções neonatais no mundo”. Após anos de pesquisa
atribuídos ao tema e à atualização das estratégias de prevenção, o questionamento
tornou-se evidente: “S. agalactiae continua sendo a causa principal de septicemia e
meningite em neonatos”?
Pesquisadores norte-americanos possuem um sistema bem desenvolvido de
vigilância denominado Active Bacterial Core surveillance (ABCs), pertencente ao
Programa Rede de Infecções Emergentes, o qual tem colaboração do CDC, das
34
secretarias estaduais de saúde e de universidades de dez estados dos EUA. Esse
sistema ABCs recentemente permitiu um estudo realizado por Phares e
colaboradores (2008), o qual revelou o perfil estatístico das infecções por
S. agalactiae nos EUA durante o período de 1999-2005. Essa pesquisa estimou a
ocorrência de incidência de 7,2 casos para cada 100.000 pessoas, em 2005, sendo
estimado ainda, que EGB possa ter causado 21.500 casos de doença e 1.700
mortes nesse mesmo ano.
2.4.1 Infecções por S. agalactiae em neonatos
Após a aplicação das primeiras diretrizes de prevenção, a incidência da
doença de início precoce nos EUA diminuiu aproximadamente 68%; de 1,7 casos
por 1.000 nascimentos em 1993 para 0,6 casos por 1.000 nascimentos em 1998
(SCHRAG et al., 2000; 200b). Com a implantação do consenso de 2002, a
incidência passou a ser de 0,34 casos por 1.000 nascimentos em 2003-2005
(PHARES et al., 2008). Apesar da incidência dessa doença ter diminuído
S. agalactiae ainda permanece como importante causa de infecção neonatal nos
EUA, principalmente pelo fato de que esse decréscimo não vem ocorrendo
gradativamente e aumentos sutis na incidência foram observados nos últimos anos
de estudo (PHARES et al., 2008).
Outro resultado interessante revelou que a incidência da doença foi maior
entre os recém-nascidos negros, fato que confirma a continuidade desse fator de
risco. Além disso, a maioria dos recém-nascidos que adquiriu infecção nasceu
prematura e apresentou septicemia (PHARES et al., 2008). Mulheres negras exibem
uma colonização vaginal e anorretal por EGB mais densa, o que poderia explicar o
aumento do risco e da incidência de infecção nesse grupo. Os recém-nascidos
prematuros, principalmente de idade gestacional igual ou inferior a 34 semanas,
mostram-se mais susceptíveis à infecção devido ao fato de que o transporte
transplacental de imunoglobulinas classe G maternos apresenta-se reduzido no
período gestacional precoce (SCHUCHAT, 1998).
A doença neonatal de início tardio demonstra maior complexidade. Apesar
de incomum sua incidência continua estável, apresentando uma taxa média de 0,34
casos por 1.000 nascimentos (2003-2005), similar a doença de início precoce
35
(PHARES et al., 2008). A análise de taxas de incidência em estudos a partir de 1990
sugere que a estratégia de prevenção utilizada na doença de início precoce, isto é, a
terapia antimicrobiana intraparto, não previne a doença de início tardio (SCHRAG et
al., 2000).
A meningite continua sendo a principal manifestação clínica da infecção
neonatal tardia e os recém-nascidos pré-termos também são os alvos mais
incidentes dessa infecção (PHARES et al., 2008).
2.4.2 Infecções por S. agalactiae em parturientes
Estudos internacionais demonstram que as infecções em gestantes
apresentaram um declínio sutil desde a implantação das estratégias de prevenção:
de 0,29 casos por 1.000 nascimentos (SCHRAG et al., 2000) para 0,11 a 0,14 casos
por 1.000 nascimentos (PHARES et al., 2008). O maior número dos casos de
infecção por EGB em parturientes foi associado ao trato genital superior, placenta ou
saco amniótico, resultando em morte fetal (PHARES et al., 2008). O aborto
espontâneo mostrou-se o principal evento obstétrico em consequência da infecção
(PHARES et al., 2008). Além disso, a maioria das gestantes não apresentou co-
morbidades ou comportamentos de risco (diabetes, obesidade, fumo, uso de álcool e
drogas de abuso) (PHARES et al., 2008).
Além de parturientes, as puérperas também podem apresentar septicemia,
meningite, infecções de ferida cirúrgica, celulite, fasciíte, osteomielite e endocardite
por EGB (SCHUCHAT, 1998).
Yancey e colaboradores (1996) realizaram um estudo prospectivo, o qual
investigou os fatores de risco associados à infecção periparto em uma população de
gestantes com cultura vaginal para S. agalactiae. A colonização por EGB, a ruptura
de membranas fetais com duração de mais de seis horas, o monitoramento
intrauterino sob um período maior que 12 horas e os exames vaginais antecedentes
ao parto por mais de seis vezes foram as variáveis independentes e de risco para
corioamnionite reveladas nesse estudo.
36
2.4.3 Infecções por S. agalactiae em adultos não-gestantes
O perfil estatístico de infecções por S. agalactiae mais preocupante nos
últimos anos foi constatado por estudos realizados nos EUA em adultos não-
gestantes, os quais evidenciaram um aumento de 32% na incidência de infecção
nessa população no período de 1999-2005, resultando em 7,9 casos por 100.000
pessoas em 2005. Sabe-se que, as infecções por EGB ocorrem naqueles adultos
que apresentam certos fatores de risco peculiares, principalmente doenças crônicas
e faixa etária elevada.
Estudos de vigilância realizados principalmente nos EUA, em um período
cronológico de 1991 a 2005, verificaram que houve um aumento gradativo na idade
média de adultos acometidos pela infecção por EGB, inferindo que a senilidade é um
importante fator de risco (SCHWARTZ et al., 1991; FARLEY et al., 1993; JACKSON
et al., 1995; EDWARDS; BAKER, 2005). Além da decrepitude, as co-morbidades
também são relevantes fatores de risco associados à infecção por EGB. Schwartz e
colaboradores (1991) e Farley (1993) e colaboradores estimaram que pessoas
diabéticas ou com neoplasia maligna apresentam maior risco de infecção quando
comparadas a outros adultos. Entretanto, um achado interessante em ambos os
estudos mostrou que os adultos com idade entre 20 e 64 anos foram mais
susceptíveis à infecção do que os adultos com faixa etária mais avançada. E em
pesquisa mais recente, 88% dos adultos com infecção apresentaram pelo menos
uma co-morbidade, como diabetes mellitus, doença cardíaca, câncer,
imunossupressão, obesidade, desordens neurológicas, doenças renais, hepáticas ou
pulmonares (PHARES et al., 2008).
No período de 1999-2005, houve um aumento significativo na incidência de
infecção por EGB em adultos de duas faixas etárias distintas: a) aqueles com idade
entre 15 e 64 anos, cuja incidência aumentou de 3,4 para 5,0 casos por 100.000
pessoas; e b) adultos com idade igual ou superior a 65 anos, cujo aumento foi de
21,5 para 26,0 casos por 100.000 pessoas. Os resultados ainda mostraram que
esse grupo demonstrou mais suscetibilidade à infecção, já que a taxa de mortalidade
foi maior, porém o aumento da incidência foi mais significativo em adultos inseridos
na primeira faixa etária (PHARES et al., 2008).
Em adultos não-gestantes, a manifestação clínica mais importante é a
bacteremia sem foco evidente. No entanto, infecções de pele e tecidos moles,
37
pneumonia, osteomielite, artrite, peritonite, abscesso e vaginite em mulheres
também são incidentes (PHARES et al., 2008). Pesquisas conduzidas por Farley e
colaboradores (1993) e Jackson e colaboradores (1995) apontaram que 32% e 26%
dos pacientes com bacteremia por EGB, respectivamente, também apresentaram
outro microrganismo isolado do sangue. Entre os microrganismos mais comuns
foram mencionados estafilococos e enterococos.
Estudos apontaram que o sexo é uma variável independente, podendo
homens e mulheres não-gestantes ser igualmente infectados. No entanto, a
incidência entre os negros mostrou-se particularmente alta (SCHWARTZ et al., 1991;
FARLEY, 1993, 2001).
Em um período de sete anos de estudo foi observada uma variabilidade
sazonal na incidência de infecção por EGB em adultos. Ocorreram aumentos
periódicos e consideráveis no último mês do verão, além de decréscimos durante a
estação de inverno de cada ano avaliado (PHARES et al., 2008).
A gama substancial de trabalhos epidemiológicos de grande impacto
envolvendo a temática S. agalactiae provém de pesquisadores norte-americanos e
europeus, uma vez que possuem competentes programas de vigilância e prevenção.
O aparecimento das infecções por EGB, assim como por outros
microrganismos, depende consideravelmente de fatores como acompanhamento
pré-natal, eficácia nos procedimentos de diagnóstico, presença de profissionais
qualificados, medidas preventivas e intervenções médicas rápidas. Dependendo das
condições sócio-econômicas e da política de saúde pública adotada pelo país, a
aplicabilidade desses fatores pode variar entre diferentes instituições e hospitais.
Essas considerações corroboram numa variabilidade epidemiológica, sobretudo em
medidas de frequência (prevalência, incidência, morbidade e mortalidade) de cada
região. Frequentemente se observa que as incidências de infecções por EGB são
mais elevadas em populações com qualidade de vida precária (SCHUCHAT;
WENGER, 1994). Além disso, em países que não apresentam programas
sistemáticos de vigilância, torna-se difícil obter informações epidemiológicas.
Em comparação com os países desenvolvidos, poucos estudos foram
realizados em países emergentes e menos desenvolvidos. Apesar das diferenças
social, cultural, econômica e educacional existentes entre esses países, a avaliação
da prevalência de colonização por EGB indicou medidas similares de frequência,
essencialmente quando as metodologias de isolamento e identificação foram
38
adequadas (WALSH; HUTCHINS, 1989; STOLL; SCHUCHAT, 1998). Ao contrário
dessa similaridade de colonização, dados de frequência de infecção não têm se
mostrado semelhantes, sobretudo quando comparados com países menos
desenvolvidos. Pesquisadores sul-africanos estimaram uma incidência para doença
neonatal precoce de 2,06 casos por 1.000 nascimentos e de 1,00 casos por 1.000
nascimentos para doença neonatal tardia, bem como taxas de mortalidade de 19,8%
e 13,6%, respectivamente (MADHI et al., 2003). Esse cenário confirma que as
diferenças sócio-econômicas contribuem com resultados epidemiológicos distintos e
que há necessidade de intervenções médicas, vigilância e estudos nessas regiões.
2.5 NO BRASIL S. agalactiae É UM PATÓGENO EMERGENTE?
No Brasil e em países da América Latina há limitada produção científica
nessa temática. A maioria das pesquisas a respeito de S. agalactiae realizadas no
Brasil concentra-se em centros universitários, principalmente do Rio de Janeiro e
São Paulo.
Os dados epidemiológicos brasileiros de infecções por S. agalactiae não são
bem conhecidos. Não existe um programa de vigilância específico para averiguar
casos e mortes por essas infecções na população. Em geral, estudos pontuais
mostraram que a prevalência de colonização e a incidência de infecção em neonatos
e parturientes têm-se apresentado semelhantes aos países desenvolvidos (EL
BEITUNE et al., 2006; ZUSMAN et al., 2006; SIMÕES et al., 2007). Diferenças de
suma importância foram observadas nas taxas de mortalidade e morbidade. Em
estudos brasileiros, essas taxas apresentaram-se maiores, entre 20 e 60%, quando
comparadas com de países do hemisfério norte (aproximadamente 7,9% nos EUA,
por exemplo) (MIURA; MARTIN, 2001; VACILOTO et al., 2002; PHARES et al.,
2008).
Um estudo realizado em Ribeirão Preto, SP, investigou uma população de
261 recém-nascidos que manifestaram desordem respiratória. Destes, 31
apresentaram bacteremia confirmada. Quanto aos agentes etiológicos, 70,9% e
29,1% dos isolados foram bactérias gram-positivas e gram-negativas,
respectivamente, sendo que EGB esteve presente em 19,4% dos casos de infecção
39
confirmados (MUSSI-PINHATA, 2004). Esse trabalho demonstrou que esse
patógeno realmente é importante em neonatos pertencentes à população brasileira.
As pesquisas localizadas inferem que as infecções por EGB no Brasil são
relevantes, sendo de suma importância que programas de vigilância sejam
implantados em todos os estados do país, a fim de se acompanhar o perfil
epidemiológico desse microrganismo.
2.6 A IMPORTÂNCIA DOS SOROTIPOS DE S. agalactiae
Baseado em variações na estrutura e composição de polissacarídeos
capsulares e nas respostas imunogênicas distintas, os sorotipos de S. agalactiae
foram também identificados inicialmente por Rebecca Lancefield (LANCEFIELD,
1933; LANCEFIELD; HARE, 1935). Atualmente, têm sido descritos nove sorotipos
diferentes, a saber, Ia, Ib, II, III, IV, V, VI, VII e VIII, os quais todos têm associação
com infecções humanas (JENNINGS et al., 1981, 1983a; 1983b; WESSELS et al.,
1987, 1989, 1991; VON HUNOLSTEIN et al., 1993; KOGAN et al., 1995, 1996).
Polissacarídeos extracelulares são características comuns em bactérias
gram-positivas e gram-negativas. Essas macromoléculas são importantes para
proteção contra condições do meio e do hospedeiro que podem ser prejudiciais à
sobrevivência do microrganismo. A capacidade de mimetizar estruturas do
hospedeiro e de intervir com vias de ativação do sistema complemento define esses
polissacarídeos como potentes fatores de virulência (EDWARDS et al., 1982;
HAYRINEN et al., 1989).
Estreptococos do grupo B, assim como outras bactérias gram-positivas,
apresentam uma parede celular espessa sob um arranjo complexo de cadeias
constituídas por peptideoglicana, carboidratos, ácido teicóico, lipoteicóico e
proteínas. A peptideoglicana é composta pelos monômeros elementares ácidos N-
acetilglicosamina e N-acetilmurâmico, e também por carboidratos redutores como
glicose, galactose e ramnose (KONEMAN et al., 2005). Além dessa estrutura básica,
estreptococos possuem um complexo polissacarídico grupo específico. Segundo o
sistema de classificação de Lancefield, a espécie S. agalactiae é constituída pelo
antígeno de grupo B. Esse complexo antigênico, de forma simplificada, é formado
40
por uma cadeia oligossacarídica principal composta por ramnose, glucitol (poliol) e
fosfato e por cadeias trissacarídicas laterais, compostas por ramnose, galactose e N-
acetilglicosamina, às quais estão ligadas a ramnose da cadeia principal
(PRITCHARD et al., 1984; MICHON et al., 1987).
A variação estrutural de S. agalactiae não se resume somente ao antígeno
grupo-específico B, havendo a presença de outro complexo polissacarídico,
localizado na região externa à parede celular que representa a cápsula. Essa
estrutura apresenta composição variável e é o que determina os nove tipos
sorológicos de EGB já descritos. De maneira geral, todos os sorotipos de
S. agalactiae são constituídos por unidades polissacarídicas repetidas que formam
um polímero linear composto pelos monômeros galactose, glicose e ácido N-
acetilneuramínico (ácido siálico), sendo este último localizado na porção terminal da
cadeia. Exceto nos sorotipos VI e VIII, N-acetilglicosamina também está presente.
Somente o sorotipo VIII possui a ramnose formando as unidades repetidas
(CIESLEWICZ et al., 2005). Substituindo N-acetilglicosamina, o sorotipo V possui 2-
acetamido-2-deoxi-D-glicose (WESSELS et al., 1991) (FIGURA 2).
Embora a composição dos carboidratos seja estreitamente semelhante e
conservada, a estrutura tridimensional, a posição das ligações glicosídicas e o
número de monossacarídeos na cadeia são variáveis, o que contribuem para as
diferenças antigênicas. Essas distintas estruturas capsulares de EGB são formadas
pela polimerização de nove tipos de unidades polissacarídicas repetidas. Essa
polimerização ocorre através de reações de acetilação entre os carboidratos,
formando ligações glicosídicas em determinadas posições (1, 2, 3, 4 ou 6). A análise
dos nove sorotipos revelou a presença de dois motifs básicos, isto é, regiões
genômicas altamente conservadas. Um motif foi representado pela cadeia
dissacarídica galactose-glicose, o qual se encontra em oito dos nove sorotipos. O
outro motif foi demonstrado pela cadeia trissacarídica variável ácido N-
acetilneuramínico-galactose-N-acetilglicosamina, o qual constitui a maioria dos
sorotipos, exceto Ib, VI e VIII. Além desses motifs, outras características
apresentam-se intimamente relacionadas entre os sorotipos, por simples
substituição ou por ausência e presença de ligações glicosídicas (FIGURA 2).
No contexto molecular, essa variedade limitada dos antígenos
polissacarídicos é codificada e sintetizada por um conservado cluster gênico (cps)
presente no cromossomo de S. agalactiae. Genes que codificam as enzimas
41
glicosiltransferases, polimerases, ácido siálico sintetases, sialiltransferases e
proteínas que exportam os polissacarídeos capsulares, são constituintes desse
cluster (CIESLEWICZ et al., 2005).
FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DAS UNIDADES
POLISSACARÍDICAS REPETIDAS DOS NOVE SOROTIPOS CAPSULARES DE S. agalactiae.
FONTE: Adaptado de CIESLEWICZ, M. J. et al. (2005) NOTA: As setas menores indicam a direção de polimerização e as maiores indicam a estreita relação entre as unidades polissacarídicas repetidas. β-D-Gal-p (em vermelho), β-D-Glc-p (em azul), β-L-Rha-p (em verde), α-D-Neu-pNAc (em rosa e preto) e α-D-Glc-pNAc (em azul e preto) representam galactose, glicose, ramnose, ácido N-acetilneuramínico e ácido N-acetilglicosamina, respectivamente.
Os determinantes imunogênicos, como os carboidratos e o ácido siálico, não
são os únicos componentes que contribuem para o aparecimento de reações
42
cruzadas. Alguns sorotipos possuem em comum certas proteínas de superfície, que
também se apresentam altamente imunogênicas e podem favorecer esse tipo de
reação. Entre elas encontram-se as proteínas C (alfa e beta), proteínas C alpha-like
2 e 3, proteínas R, X e proteína Rib. Estudos relataram que essas proteínas
apresentam associação com os sorotipos capsulares (KONG et al., 2002; LINDAHL
et al., 2005).
O antígeno C consiste em um complexo protéico composto pelas proteínas
alfa e beta, sendo que esta se apresenta resistente ao tratamento com a protease
tripsina e aquela se mostra sensível (JOHNSON; FERRIERI, 1984). Esse antígeno
de superfície é considerado fator de virulência, uma vez que sua presença pode
conferir a célula bacteriana resistência à fagocitose e à morte intracelular por
polimorfonucleares da resposta inata. Aproximadamente 60% dos sorotipos Ia, Ib e II
contêm um ou ambos componentes proteicos do antígeno C. Já para o sorotipo III
apenas cerca de 1% possuem esse(s) componente(s) (DORAN; NIZET, 2004).
A proteína Rib, assim denominada por Stalhammar-Carlemalm (1993), foi
detectada em inúmeras amostras do sorotipo III, sendo incomum nos demais
antígenos capsulares. Apresenta-se antigenicamente distinta das proteínas C e é
resistente às proteases tripsina e pepsina (KONG et al., 2002).
Frequentemente, amostras não tipáveis de EGB são encontradas, sobretudo
em isolados de animais. Um estudo apontou que 2,9% dos colonizantes e 1,4% dos
isolados invasivos nos EUA mostraram-se não tipáveis (BENSON et al., 2002). Já
outras pesquisas no México (12%), Canadá (13%), Nova Zelândia (8,7%) e Brasil
(17,4%), por exemplo, apresentaram proporções diferentes de amostras não tipáveis
(PALACIOS et al., 1997; TYRRELL et al., 2000; KONG, et al., 2002; SIMOES et al.,
2007), denotando a diversidade geográfica que existe entre as linhagens de
S. agalactiae. Entretanto, ressalta-se que nesses estudos foram utilizados métodos
fenotípicos de sorotipagem.
Estudos moleculares revelaram uma considerável heterogeneidade genética
entre amostras não tipáveis de EGB. Há indícios de que a distribuição gênica do
cluster cps afeta esses resultados, uma vez que esse locus compreende regiões
conservadas iniciais e terminais, relacionadas respectivamente, às enzimas ligadas
ao ácido siálico e às proteínas que exportam o polissacarídeo capsular; bem como a
regiões centrais variáveis que contêm os genes sorotipo específico (CIESLEWICZ et
al., 2005). Pesquisadores sugerem que o fenótipo não-tipável pode surgir a partir de
43
mutações ou inserções em genes da região variável do cluster cps (SELLIN et al.,
2000; KONG et al., 2008), de recombinação gênica nessa região (RAMASWAMY et
al., 2006), da diminuição na síntese dos polissacarídeos capsulares (PALACIOS et
al., 1997) ou do fenômeno chamado variação de fase, o qual produz linhagens com
modificação ou ausência de cápsula (CIESLEWICZ et al., 2001). A impossibilidade
de identificar amostras não tipáveis de EGB pelo método convencional (sorológico)
necessita de uma investigação mais complexa, através de métodos moleculares
como tipificação, amplificação e sequenciamento de DNA. No âmbito prático, essa
identificação mais detalhada permite a subdivisão de EGB em vários sorovariantes,
facilitando estudos epidemiológicos, patogenéticos e, sobretudo para produção de
vacinas.
Pesquisadores dinamarqueses e australianos recentemente propuseram um
novo sorotipo de S. agalactiae, denominado sorotipo IX (SLOTVED et al., 2007). As
amostras foram obtidas de humanos residentes da Dinamarca, Canadá, Alemanha,
Hong Kong e Sydney (Austrália). A princípio não apresentaram reação com a
maioria dos nove anti-soros conhecidos. Outros métodos fenotípicos foram
realizados, porém sem sucesso. Técnicas moleculares foram utilizadas para
identificar proteínas de superfície e sorotipos. Estruturas proteicas comuns a
determinados antígenos capsulares já descritos foram detectadas nessas amostras,
entretanto, diferenças significativas no cluster gênico cps também foram
identificadas. As inferências que sustentam a proposta dos pesquisadores referem-
se à ampla distribuição geográfica das amostras por pelo menos 20 anos e ao
ineditismo da sequência gênica do cluster cps presente na mesma localização e em
todas as cepas investigadas (SLOTVED et al., 2007).
A identificação dos sorotipos de EGB tem sido relevante à investigação
epidemiológica e à produção de vacinas, pelo fato da distribuição desses sorotipos
variar de acordo com a região geográfica, origem étnica, patologia desenvolvida e
perfil de resistência aos antimicrobianos.
Estudos realizados em diversos países têm revelado prevalências diferentes
entre os sorotipos. Geralmente os antígenos capsulares Ia, III e V foram os mais
comumente isolados (ANDREWS et al., 2000; PERSSON et al., 2004; UH et al.,
2004). Entretanto, o sorotipo II tem sido mais isolado em países da América Latina
(LOPARDO et al., 2003; PALACIOS et al., 2005). Curiosamente, os polissacarídeos
tipo VI e VIII foram identificados predominantemente em gestantes no Japão
44
(LACHENAUER et al., 1999), embora existam raros relatos em outros países
(SENSINI et al., 1997; PAOLETTI et al., 1999; LEE et al., 2000).
Quando S. agalactiae emergiu como um importante patógeno em doenças
neonatais, amostras do sorotipo III prevaleceram como causa dessas graves
infecções, sobretudo em meningite e doença neonatal de início tardio. Os antígenos
capsulares Ia e V também têm sido relevantes causas de infecções invasivas
(BAKER; BARRETT, 1974; BLUMBERG et al., 1996; HARRISON et al., 1998; LIN et
al., 1998; KALLIOLA et al., 1999).
O sorotipo V tem sido associado à presença de resistência à eritromicina e à
clindamicina em isolados de EGB (BLUMBERG et al., 1996; DIEKEMA et al., 2003).
Esses antimicrobianos são recomendados para o tratamento e prevenção de
infecções por EGB, especialmente em pacientes alérgicos aos beta-lactâmicos.
A importância de se identificar e classificar os polissacarídeos capsulares de
S. agalactiae tem sido extensivamente discutida. Várias metodologias foram
desenvolvidas para essa finalidade, incluindo imunoprecipitação (WILKINSON;
MOODY, 1969), ensaio imunoenzimático (HOLM; HAKANSSON, 1988),
coaglutinação (HAKANSSON et al., 1992), contraimunoeletroforese (TRISCOTT;
DAVIS, 1979), precipitação capilar (LANCEFIELD, 1933), aglutinação em látex
(ZUERLEIN et al., 1991) e microscopia fluorescente (CROPP et al., 1974). Todas
essas técnicas são trabalhosas e requerem altos títulos de anti-soros específicos
para se obterem bons resultados. Atualmente, métodos moleculares baseados em
PCR e sequenciamento têm sido desenvolvidos, uma vez que oferecem
reprodutibilidade e alto poder discriminatório (KONG et al., 2002).
2.7 PREVENÇÃO, PROFILAXIA E TRATAMENTO DE INFECÇÕES
A maioria das infecções por EGB pode ser prevenida através da profilaxia
antimicrobiana intraparto