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Disciplina: Função dos Tribunais Superiores Profs.: Cassio Scarpinella Bueno, Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim e Teresa Celina Arruda Alvim 1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” – MESTRADO 2º SEMESTRE/2018 TEMA: SÚMULA VINCULANTE Data da exposição: 05 de dezembro de 2018 Professores avaliadores: Teresa Arruda Alvim e Marcus Vinicius de Abreu Sampaio Aluna expositora: Yrlanna Borges de Carvalho Simionatto 1. Considerações iniciais ao instituto da Súmula Consoante elucida Maria Helena Diniz, a súmula do latim summula (sumário ou resumo) , enunciado que sintetiza uma tendência a respeito de certa matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal, traduz uma forma de expressão jurídica, haja vista dar certeza a determinada maneira de decidir. 1 Noutras palavras, súmulas correspondem a entendimentos firmados pelos tribunais, após reiteradas decisões num mesmo sentido e quanto a tema específico de sua competência, sendo emitidas no intuito de demonstrar qual o posicionamento sedimentado nas Cortes sobre dado assunto recorrente, de sorte a constituir, por sua utilidade e praticidade, um referencial para o mundo jurídico. Na lição de Evandro Lins e Silva, súmula foi o termo de que se valeu o Min. Victor Nunes Leal, no ano de 1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo de modo reiterado acerca de temas que se repetiam com frequência em seus julgamentos. Era uma medida de natureza regimental destinada, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do Tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus ministros. Ao mesmo tempo, a súmula servia de informação a todos os magistrados do País e aos advogados, trazendo a lume a orientação da Corte Suprema nas questões mais frequentes. 2 Precisamente no dia 28 de agosto de 1963, acrescenta Marco Antonio Botto Muscari, o Min. Victor Nunes Leal, integrante da Comissão de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e preocupado com o elevado número de processos distribuídos à Corte, muitos dos quais versando temas já apreciados e pacificados, concebeu aquilo que consideraria ser “um método de trabalho”, resultando daí, em 13 de dezembro do mesmo ano, a edição da Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal 1 DINIZ, Maria Helena Diniz. Fontes do direito. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Alvaro de Azevedo; FREIRE, André Luiz (coord.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, 2017. Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/157/edicao-1/fontes-do-direito>. Acesso em: 24 nov. 2018. 2 SILVA, Evandro Lins e. Crime de hermenêutica e súmula vinculante. Revista Consulex, Brasília, v. 1, n. 5, mai. 1997.

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Disciplina: Função dos Tribunais Superiores

Profs.: Cassio Scarpinella Bueno, Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim e Teresa Celina Arruda Alvim

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” – MESTRADO

2º SEMESTRE/2018

TEMA: SÚMULA VINCULANTE

Data da exposição: 05 de dezembro de 2018

Professores avaliadores: Teresa Arruda Alvim e Marcus Vinicius de Abreu Sampaio

Aluna expositora: Yrlanna Borges de Carvalho Simionatto

1. Considerações iniciais ao instituto da Súmula

Consoante elucida Maria Helena Diniz, a súmula – do latim summula (sumário ou resumo) –,

enunciado que sintetiza uma tendência a respeito de certa matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo

tribunal, traduz uma forma de expressão jurídica, haja vista dar certeza a determinada maneira de decidir.1

Noutras palavras, súmulas correspondem a entendimentos firmados pelos tribunais, após reiteradas

decisões num mesmo sentido e quanto a tema específico de sua competência, sendo emitidas no intuito de

demonstrar qual o posicionamento sedimentado nas Cortes sobre dado assunto recorrente, de sorte a

constituir, por sua utilidade e praticidade, um referencial para o mundo jurídico.

Na lição de Evandro Lins e Silva, súmula foi o termo de que se valeu o Min. Victor Nunes Leal,

no ano de 1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo

de modo reiterado acerca de temas que se repetiam com frequência em seus julgamentos. Era uma medida

de natureza regimental destinada, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do Tribunal,

simplificando e tornando mais célere a ação de seus ministros. Ao mesmo tempo, a súmula servia de

informação a todos os magistrados do País e aos advogados, trazendo a lume a orientação da Corte

Suprema nas questões mais frequentes.2

Precisamente no dia 28 de agosto de 1963, acrescenta Marco Antonio Botto Muscari, o Min. Victor

Nunes Leal, integrante da Comissão de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e preocupado com o

elevado número de processos distribuídos à Corte, muitos dos quais versando temas já apreciados e

pacificados, concebeu aquilo que consideraria ser “um método de trabalho”, resultando daí, em 13 de

dezembro do mesmo ano, a edição da Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal

1 DINIZ, Maria Helena Diniz. Fontes do direito. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Alvaro de Azevedo;

FREIRE, André Luiz (coord.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo – PUC-SP, 2017. Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito. Disponível em:

<https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/157/edicao-1/fontes-do-direito>. Acesso em: 24 nov. 2018. 2 SILVA, Evandro Lins e. Crime de hermenêutica e súmula vinculante. Revista Consulex, Brasília, v. 1, n. 5, mai. 1997.

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Federal, ocasião na qual ainda não se pensava na vinculação de juízes e tribunais ao que fora sumulado.3/4

Tal qual projetadas pelo ministro, as súmulas vinculariam apenas o próprio Supremo, simplificando a

motivação de suas decisões, e teriam, no concernente aos demais órgãos do Poder Judiciário, eficácia

meramente persuasiva.5

Todavia, modificações na legislação constitucional/infraconstitucional pátria redimensionaram a

atribuição de efeito vinculante no direito brasileiro, culminando na criação da súmula vinculante, objeto

do presente trabalho. Neste contexto, por força da Emenda Constitucional n 45/2004, responsável pela

inclusão do art. 103-A na Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal, e somente ele, é

capaz de editar súmula vinculante, a qual seria útil para atingir o ideal de igualdade na prestação

jurisdicional, bem como para a aplicabilidade do princípio da celeridade e economia processual, nos

moldes do art. 5º, LXXVIII, da Constituição. Assim sendo, a decisão sumular é considerada eficaz não só

no seu conteúdo interpretativo, mas também nos fundamentos invocados, como melhor se abordará no

decorrer deste estudo.6/7

1.1. Relação entre a súmula vinculante e o assento do direito português

Quanto ao instituto da súmula vinculante, é irrecusável a relação corriqueiramente feita

com os assentos do direito português, conforme se depreende das obras de José Afonso da Silva8 e de

Georges Abboud9, para quem “[a] súmula vinculante é um instituto semelhante ao assento português (...),

uma vez que a súmula, ao prescrever uma solução jurídica de maneira geral para casos futuros, possui uma

vinculação que não é a histórico-concreta própria do caso julgado, que seria a coisa julgada erga omnes,

prevista no art. 103 do CDC, nem a vinculação analógica e difusa do regime dos precedentes, contudo,

sua vinculação é genérico-abstrata, própria de um pensamento jurídico lógico e normativista. Em sua

natureza, a súmula é texto normativo que [tem] observância obrigatória e eficácia pro-futuro. Possui,

portanto, todas características ínsitas à legislação.”10

3 MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 37. 4 Em seu Anteprojeto do Código de Processo Civil, nos idos de 1964, Alfredo Buzaid chegou a prever a emissão de Assento

com força vinculativa para todo o território nacional (vide art. 519 e p. 29 da Exposição de Motivos), mas, pela falta de

aprovação do Congresso Nacional nesse sentido, essa ideia não se concretizou. 5 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 258. 6 Maria Helena Diniz exprime também que, com as súmulas vinculantes, poderá ficar inviabilizado o acesso ao Poder Judiciário

de demandas fadadas ao insucesso, por estarem estas baseadas em fundamentos opostos àqueles constantes da decisão sumular,

acarretando o respectivo ajuizamento insegurança jurídica e inútil hipertrofia dos serviços judiciários. Para a professora, dar

obrigatoriedade, com efeito erga omnes, a súmulas seria colocá-las no mesmo patamar das leis. Por conseguinte, acredita Diniz,

o Supremo Tribunal Federal usurparia as funções do Poder Legislativo e retiraria dos juízes o seu livre convencimento e a

liberdade de apreciação (Fontes do direito. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Alvaro de Azevedo; FREIRE,

André Luiz (coord.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP, cit.). 7 DINIZ, Maria Helena. Fontes do direito. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Alvaro de Azevedo; FREIRE,

André Luiz (coord.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP, cit. 8 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 570. 9 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 977. 10 Idem e ibidem.

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Prossegue Georges Abboud, afirmando que a súmula vinculante, em similaridade ao

assento português, desvincula-se dos julgados que a formaram e adquire autonomia, de modo que seu

enunciado, por si só, passa a ter valor e eficácia impositiva. Neste pensamento, não se admitir a natureza

legislativa da súmula vinculante implica caracterizá-la como ato jurisdicional com o caráter da

imutabilidade do caso julgado; todavia, no ordenamento brasileiro tal súmula tem vigência até que sua

revisão ou cancelamento (CF/1988, art. 103-A, § 2º) seja proposta por um dos legitimados elencados no

art. 3º da Lei n. 11.417/2006, pelo que, estando a revogabilidade, a qual é característica essencial da

legislação, presente no respectivo procedimento de revisão, reforça-se a natureza legislativa desse

instituto.11

Alicerçado em razões de mesma ordem, José Afonso da Silva resgata os conceitos e a

diferenciação desenvolvidos por João Mendes de Almeida Júnior, a seguir explicitados: “Não

confundamos os arestos com os assentos. Os assentos são atos do Poder Judiciário, não resolvem litígios

hit et nunc, isto é, são determinações sobre a inteligência das leis, quando da execução delas ocorrem

dúvidas manifestadas por julgamentos divergentes: os arestos são casos julgados entre certas e

determinadas partes litigantes. Os assentos associam o Poder Judiciário ao Poder Legislativo, ao passo

que os arestos mantêm o Poder Judiciário na esfera de suas atribuições: os assentos são leis, ao passo que

os arestos são simples exemplos que podem ser seguidos ou não em casos semelhantes e que não obrigam

senão às próprias partes.”12

Sob tais premissas, então, Silva deflui que “[o]s assentos eram (...) as súmulas vinculantes

de outrora, com a mesma força de lei, como uma forma de interpretação oficial, impositiva”13.

1.2. Distinção entre súmula vinculante e precedente

Súmulas, enfatizam de plano Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas, não são precedentes.

São a expressão verbal do núcleo (da essência, do extrato) de várias decisões antecedentes de um mesmo

tribunal, num mesmo sentido. As súmulas consolidam enunciados que resumem o entendimento de um

tribunal ou órgão fracionário acerca de um determinado assunto que lhe foi submetido por meio de

recursos ou ações.14 Djanira Maria Radamés de Sá, com amparo em Nelson Nery Junior, as define como

o conjunto de teses reveladoras da jurisprudência predominante no tribunal, cuja apresentação se dá na

forma de verbetes numerados e sinteticamente enunciados.15

O precedente, no esclarecimento de Alexandre Freitas Câmara, fornece uma norma

universalizável que pode ser aplicada como critério de decisão em casos sucessivos, em função da

identidade ou da analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do segundo caso, enquanto na

jurisprudência em rigor não se emprega a análise comparativa dos fatos, mas se identifica uma norma, que

11 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 977 e 978. 12 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, cit., p. 571. 13 Idem e ibidem. 14 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 256. 15 SÁ, Djanira Radamés de. Súmula vinculante: análise de sua adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 54.

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é apresentada como enunciado de caráter genérico. A jurisprudência, assim, permite a identificação da

norma a ser enunciada em caráter mais genérico do que o precedente. É um “meio caminho” entre a

completa abstração do texto normativo e a concretude do precedente, estabelecendo o modo como um

tribunal em particular, ou os tribunais em geral, tem interpretado e aplicado determinada norma, sem

examinar as circunstâncias de dado caso concreto, mas a partir da identificação de uma tendência na forma

de decidir certo tipo de questão submetida ao Judiciário.16

Daí se extrai a ideia de súmula, repositório de enunciados que representa um resumo da

jurisprudência dominante de um tribunal. Logo, na súmula, cada tribunal enuncia, por meio de verbetes

(ou enunciados), as teses que em sua atuação foram identificadas nas linhas de jurisprudência constante.17

A par disso, Luiz Guilherme Marinoni adverte que as súmulas foram pensadas como enunciados abstratos

voltados a facilitar o trabalho de correção das decisões dos tribunais, sendo ilógico tentar dar-lhes a função

de precedentes, na medida em que só a decisão do caso concreto é capaz de espelhar em toda a sua

plenitude o contexto fático em que a ratio decidendi se insere.18

No dizer do Min. Victor Nunes Leal, idealizador do instituto:

“A Súmula realiza (...) o ideal do meio-termo, quanto à estabilidade da jurisprudência. Como

observou o Prof. José Frederico Marques, ela ficou entre a dureza implacável dos antigos assentos

da Casa da Suplicação, ‘para a inteligência geral e perpétua da lei’, e a virtual inoperância dos atuais

prejulgados.19/20 É um instrumento flexível, que simplifica o trabalho da Justiça em todos os graus,

16 CÂMARA, Alexandre Freitas. Súmula da jurisprudência dominante, superação e modulação de efeitos no novo Código de

Processo Civil. Revista de Processo – RePro, v. 264, p. 281-320, fev. 2017. 17 Idem. 18 MARINONI, Luiz Guilherme. O julgamento nas cortes supremas: precedentes e decisão do recurso diante do novo CPC.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 23. 19 MARQUES, José Frederico, em artigo publicado n‘O Estado de São Paulo de 29 de março de 1964. 20 Anote-se, tendo em mente o direito luso-brasileiro, que os assentos expedidos pela Casa de Suplicação – a qual, na monarquia

portuguesa, decidia em última instância –, identificados como uma experiência semelhante à das súmulas, chegaram a ter

vigência no sistema brasileiro por conta das Ordenações Manuelinas (1521-1603), Filipinas (1603 até boa parte do período de

Brasil Império, iniciado em 1822 e resultando na Constituição Imperial de 1824) e pela Lei da Boa Razão (de 18 de agosto de

1769), no campo cível, até a entrada em vigor do Código Civil de 1916, no ano de 1917.

Os assentos, anteriormente esboçados em tópico mais específico, são prescrições normativas tomadas ex-novo, isto é, critérios

jurídicos, universalmente vinculantes, mediante enunciado de normas gerais e abstratas, stricto sensu, prescritos por um órgão

judicial.I Diferenciam-se de outros institutos do direito comparado, como a doctrina legal espanhola e a jurisprudência

obrigatória mexicana, porque, nestas, o que se torna vinculante é a orientação jurídica firmada em jurisprudência estabilizada

e reiterada e, nos assentos, não há qualquer exigência de teses jurisprudenciais em conflito, não sendo eles fruto da manifestação

reiterada da Corte.II Em dedução de Castanheira Neves, pois, “o assento é ‘norma’ (constitui-se ex-novo visando o futuro) e

não ‘jurisprudência’ (consagração de soluções que vêm do passado e persistem)”.

Dito isso, Mônica SifuentesIV noticia que em Portugal os assentos perderam espaço com a promulgação da Constituição

portuguesa de 1982, a qual proibiu a eficácia externa dos atos interpretativos, até que, por obra do acórdão n. 810/1993 do

Tribunal Constitucional, a força obrigatória geral desse instituto restou banida. Por seu turno, Bruno DantasV explica que a

doutrina exposta nos assentos permaneceu intacta, porém, a força vinculativa do instituto terminou restrita aos tribunais

judiciais, transformando-o numa fonte interna de direito. No Brasil, como visto, a Súmula foi instituída por emenda regimental

de 28 de agosto de 1963 e aprovada, nos primeiros 370 enunciados, em sessão de 13 de dezembro do mesmo ano.

Notas I CASTANHEIRA NEVES, A. O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais. Coimbra: Coimbra,

1983, p. 11. II NEVES, Fernando Crespo Queiroz. A influência das súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça

na admissibilidade dos recursos extraordinário e especial. In: ARRUDA ALVIM W., Teresa (coord.). Aspectos polêmicos e

atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. III CASTANHEIRA NEVES, A. O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais, cit., p. 11.

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mas evita a petrificação, porque a Súmula regula o procedimento pelo qual pode ser modificada.

Ela não estanca o fluxo criador da jurisprudência, nem impede a sua adaptação às condições

emergentes. Apenas exige, para ser alterada, mais aprofundado esforço dos advogados e juízes. Deverão eles procurar argumentos novos, ou aspectos inexplorados nos velhos argumentos, ou

realçar as modificações operadas na própria realidade social e econômica. Com essa precaução, a

Súmula substitui a loteria judiciária das maiorias ocasionais pela perseverança esclarecida dos

autênticos profissionais do direito.”21

Corroborando o asseverado, Sálvio de Figueiredo Teixeira diz que “tal mecanismo, ao

sintetizar a posição dos tribunais na fixação de teses jurídicas, reflete não só o posicionamento dos mesmos

em temas controvertidos, quando reiterados os julgamentos, mas também serve como orientação aos

consumidores da prestação jurisdicional, que têm, através de tais enunciados, com nitidez e presteza, a

autêntica exegese dos órgãos judiciais em temas geralmente polêmicos.”22 Quanto ao mais, no que tange

à força persuasiva de que é dotada a súmula, confunde-se saudavelmente, apontam Teresa Arruda Alvim

e Bruno Dantas, com a consciência da inexorabilidade de que a questão seja afinal decidida em

conformidade com o entendimento dos tribunais superiores, os quais têm o condão de gerar condutas e

decisões judiciais (de 1º e 2º graus de jurisdição) já de acordo com o que se sabe será a decisão do STJ ou

do STF.23

Afora isso, vislumbrando-se como insuficiente essa persuasão, não só pela repetição de

ações e recursos em temas já assentes, inclusive nos tribunais superiores, bem como pelo descaso da

Administração com a orientação reiterada dos tribunais, a aumentar abusivamente o volume do serviço

forense, nasce a ideia, concretizada com a inserção, pela EC n. 45/2004, do art. 103-A na CF/1988, da

súmula com eficácia jurídica obrigatória, vinculante, por meio da qual as instâncias jurisdicionais

inferiores ficam obrigadas a decidir em consonância com o conteúdo sumulado, sendo a vinculação

igualmente aplicável às instâncias administrativas.24 Ainda, para o que interessa a este trabalho, é de se

ressaltar que as súmulas vinculantes também não são precedentes (tidos como decisões sobre casos

concretos entre A e B), mesmo que os dois institutos, sob o ponto de vista funcional, substancialmente

sejam equivalentes devido à sua busca por um sistema mais operativo, além de ambos valorizarem a

isonomia.25

IV SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

199. V DANTAS, Bruno. Reflexões sobre a súmula vinculante. Disponível em:

<https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iii-constituicao-

de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-a-consolidacao-das-instituicoes/hermeneutica-constitucional-sumula-vinculante-o-stf-entre-

a-funcao-uniformizadora-e-o-reclamo-por-legitimacao-democratica>. Acesso em: 25 nov. 2018. 21 LEAL, Victor Nunes. Atualidade do Supremo Tribunal. Palestra proferida em Belo Horizonte, datada de 12 de agosto de

1964. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/26723/25591>. Acesso em: 25 nov.

2018. 22 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O juiz, seleção e formação do magistrado no mundo contemporâneo. Belo Horizonte:

Del Rey, 1999, p. 199. 23 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 260. 24 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O juiz, seleção e formação do magistrado no mundo contemporâneo, cit., p. 200. 25 A jurisprudência consolidada, ilumina José Rogério Cruz e Tucci, garante a certeza e a previsibilidade; assegura a igualdade

dos jurisdicionados; evidencia a submissão moral de respeito à sabedoria acumulada pela experiência; e constrói uma presunção

em prol do acerto do precedente (Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 296

e 297).

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1.3. Principais argumentos, favoráveis ou contrários, à adoção da súmula vinculante

Apesar do acréscimo da súmula vinculante na Constituição Federal brasileira não significar

que, acerca do assunto, estabeleceu-se um consenso26, a patente necessidade de segurança e previsibilidade

torna propícia a escolha de uma postura receptiva ao instituto. Luís Roberto Barroso manifesta, em sentido

favorável, que a súmula vinculante está alinhada com a crescente tendência de valorização da

jurisprudência no Direito contemporâneo, existindo diversas razões capazes de justificar o fenômeno.

“Uma delas é o aumento da litigiosidade, que produziu, ao longo dos últimos anos, uma significativa

elevação do número de ações judiciais em tramitação no país. Uma segunda razão, dentro desse contexto,

é a expressiva quantidade de demandas em torno do mesmo objeto, de uma mesma controvérsia jurídica,

como por exemplo a constitucionalidade de um plano econômico ou da cobrança de um tributo.

Circunstâncias como essas passaram a exigir a racionalização e a simplificação do processo decisório. Em

uma realidade de litígios de massa, não é possível o apego às formas tradicionais de prestação artesanal

de jurisdição. A súmula vinculante permite a enunciação objetiva da tese jurídica a ser aplicada a todas as

hipóteses que envolvam questão idêntica. Como consequência, contribui para a celeridade e eficiência na

administração da justiça, bem como para a redução do volume de recursos que chega ao STF.”27

Em contrapartida, sustentando a inconveniência de se aderir a essa espécie de súmulas, há,

dentre outros, o argumento de que sua adoção feriria a regra da separação de poderes, base dos Estados de

Direito modernos. Isto porque o Poder Judiciário seria autor de ato normativo geral, função esta cabível

ao Poder Legislativo. Defende-se também que, no sistema brasileiro, o juiz só pode decidir com fulcro na

lei, a qual representa a vontade geral.28 Rebatendo tais argumentos contrários, Teresa Arruda Alvim e

Bruno Dantas alertam que a separação de poderes pode existir sem, no entanto, ser absoluta, não ficando

comprometida simplesmente ao se optar pela súmula vinculante. Tal qual permanecem vivos os princípios

da isonomia e da legalidade mesmo ante a circunstância de o sistema tolerar que haja decisões totalmente

diferentes para situações fáticas absolutamente idênticas. É preciso levar em conta, ainda, que o

26 Reprise-se que, na visão de Maria Helena Diniz, dar obrigatoriedade, com efeito erga omnes, a súmulas seria colocá-las no

mesmo patamar das leis. Em decorrência disso, o Supremo Tribunal Federal usurparia as funções do Poder Legislativo e

retiraria dos juízes o seu livre convencimento e a liberdade de apreciação. Os magistrados perderiam a independência de decisão

tão necessária para garantir os direitos dos jurisdicionados, porque passariam a cumprir normas ditadas pelo Tribunal Superior,

reproduzindo-as. A súmula vinculante criaria o julgamento pétreo. Deveras, deflui Diniz, “os juízes, sob o manto da celeridade,

não decidiriam conforme as leis e a sua consciência, pois prolatariam sentenças de acordo com o resolvido pelo Tribunal

Superior, apesar de haver possibilidade de revisão e cancelamento da jurisprudência sumulada com efeito vinculante” (Fontes

do direito. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Alvaro de Azevedo; FREIRE, André Luiz (coord.).

Enciclopédia jurídica da PUC-SP, cit.).

Ao cuidar da opção pelo instituto dos assentos feita no direito português, Castanheira Neves alude à dicotomia entre

independência decisória e igualdade das decisões, referindo-se especificamente ao problema da liberdade do juiz contraposta

à necessidade de uniformização da jurisprudência. Os assentos, clarifica, foram concebidos para rigoroso cumprimento do

princípio da igualdade de todo cidadão perante a lei, garantida pela uniformidade da jurisprudência. Seriam eles, obtempera

o professor português com respaldo em Alberto dos Reis, a única garantia contra a exorbitância do poder judicial (O instituto

dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais, cit., p. 98). 27 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 75 (versão eletrônica do livro). 28 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 262.

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magistrado, quando decide baseado em súmula vinculante, o faz com apoio na lei considerada em sua

interpretação “oficial” (isto é, tida como correta no sistema).29

Ao arremate, sendo possível a revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito

vinculante, não prevalece a alegação de engessamento da jurisprudência, do qual resultaria a imobilidade

do direito. Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, “[à] evidência, não

procede o argumento de que a súmula vinculante impede mudanças que ocorrem por demanda da

sociedade e do próprio sistema jurídico, uma vez que há previsão constitucional da revisão e revogação

dos seus enunciados. Ademais, a revisão da súmula propicia ao eventual requerente maiores oportunidades

de superação do entendimento consolidado do que o sistema de recursos em massa, que são respondidos,

também, pelas fórmulas massificadas existentes hoje nos tribunais. Tal questão foi objeto de observação

do Ministro Sepúlveda Pertence, em pronunciamento perante a Câmara dos Deputados: ‘É muito mais

fácil prestar atenção a um argumento novo, num mecanismo de revisão de súmula, do que num dos 5 ou

6 mil processos a respeito que subam num determinado ano ao Supremo Tribunal Federal, até porque a

sentença que contém o argumento novo tem de ser sorteada, porque não dá para conferir mais do que por

amostragem’.”30 Destarte, incumbe frisar que a súmula vinculante contribui para o desafogamento dos

órgãos do Poder Judiciário31, desempenhando papel relevante sobre os valores segurança32 e

previsibilidade, prezados pelos sistemas jurídicos.

2. O art. 103-A da CF/1988, incluído pela EC n. 45/2004, e a Lei n. 11.417/2006

A EC n. 45/2004 introduziu a figura da súmula vinculante no sistema brasileiro, incluindo o art.

103-A na CF/1988, ao passo que a Lei n. 11.417/2006, em conformidade com tal dispositivo

constitucional, dispôs sobre pontos relacionados à edição, à revisão e ao cancelamento de súmula

vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. Importa dizer que, embora o art. 103-A contenha a expressão

29 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 262 e 263. 30 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva,

2015, p. 994. 31 Ovídio Batista da Silva, manifestando-se contra o instituto da súmula vinculante, teme “que o Supremo Tribunal Federal

acabe não tendo o ensejo de revogá-las, porque os pleitos em que a matéria sumulada venha a ser questionada dificilmente terão

oportunidade de subir à Suprema Corte” (A função dos Tribunais Superiores. In: CARDOSO, Fábio; MACHADO, Rafael

Bicca (coord.). A reforma do Poder Judiciário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 483). 32 No controle “difuso” (ou concreto) de constitucionalidade, todos os órgãos judiciários, inferiores ou superiores, federais ou

estaduais, têm o poder e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais aos casos concretos submetidos a seu julgamento. A

introdução desse método “americano” de controle, em hipótese levantada por Mauro Cappelletti considerando tal método nos

sistemas de civil law, levaria à consequência de que uma mesma lei ou disposição de lei poderia não ser aplicada, porque

julgada inconstitucional, por alguns juízes, enquanto, ao revés, poderia ser aplicada, porque não julgada em contraste com a

Constituição, por outros. Certamente, seria possível se formarem verdadeiros “contrastes de tendências” entre órgãos judiciários

de tipo diverso (por exemplo, entre os órgãos da justiça ordinária e os da justiça administrativa), ou entre órgãos judiciários de

diferente grau (por exemplo, entre órgãos judiciários inferiores e órgãos judiciários superiores – os primeiros, compostos não

raro de juízes mais jovens e, por conseguinte, menos ligados a um certo passado, inclinam-se a declarar a inconstitucionalidade

de leis que os segundos, cujos juízes são mais velhos, tendem, ao contrário, julgar válidas. A consequência, extremamente

perigosa, de tudo isto poderia ser uma grave situação de conflito entre órgãos e de incerteza do direito, situação perniciosa

quer para os indivíduos, quer para a coletividade e o Estado (cf. CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de

constitucionalidade das leis no direito comparado. Trad. Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,

1992. Reimpressão 1999, p. 76-78).

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“na forma estabelecida em lei”, dele já constavam todos os elementos necessários à sua efetivação33, pouco

ou em nada acrescendo a este dispositivo, no intuito de atribuir-lhe eficácia, a lei que disciplinasse acerca

da espécie de súmula sob análise, pois:

O que poderá ser objeto de súmula vinculante já foi regulamentado com minúcia pelo art. 103-A da CF/1988,

como bem comprovam seu caput e § 1º, não sendo possível, portanto, acrescentar nada ao dispositivo

constitucional em apreço ou dele retirar. Por sua vez, o § 2º do mesmo artigo define, com precisão, quem tem

legitimidade para provocar a deliberação respectiva à criação de súmula vinculante, “sem prejuízo do que vier a

ser estabelecido em lei”. Logo, além das pessoas referidas, outras poderão sugerir a aprovação, revisão ou

cancelamento desta espécie de súmula, desde que surja lei nesse sentido. Essa legitimidade, entretanto, decorre

não de futura lei, mas sim da disposição constitucional. Para mais, de acordo com o caput do art. 103-A, o

incidente pode ocorrer de ofício, isto é, independentemente de provocação das pessoas a que alude o destacado

§ 2º.

Outrossim, o precitado dispositivo constitucional, com clareza, especifica em seu caput quem tem competência

para decidir acerca da criação, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante. Dado

isso, o Supremo Tribunal Federal poderá fazê-lo “mediante decisão de dois terços dos seus membros [8

ministros]”. Afinal, o § 3º do art. 103-A estabelece inclusive a forma de se impugnar a decisão que não acata

súmula vinculante, a saber: reclamação, dirigida ao Supremo, o qual, julgando-a procedente, “anulará o ato

administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a

aplicação da súmula, conforme o caso”.34

Por derradeiro, afora não ser possível a uma norma infraconstitucional, no caso à Lei n.

11.417/2006, regular de maneira diversa aquilo que o art. 103-A da CF/1988 fixou com exatidão a respeito

de súmula vinculante, o legislador ordinário, efetivamente, apenas poderia atuar quanto ao que não

houvesse sido regulado de modo exauriente pela norma constitucional. A título ilustrativo, cite-se o art.

3º da Lei n. 11.417/2006, o qual, sem ofender o art. 103-A (que remete a quem, consoante o rol do art.

103 da Constituição, pode propor ação direta de inconstitucionalidade), permite também ao Defensor

Público-Geral da União (art. 3º, VI) e aos tribunais (art. 3º, XI) sugerir a edição, cancelamento ou revisão

de súmula vinculante.35

2.1. Objeto da súmula vinculante

As súmulas vinculantes, leciona Luís Roberto Barroso, “poderão ter por objeto a validade,

a interpretação ou a eficácia de normas determinadas, da Constituição ou da legislação ordinária, editadas

por qualquer um dos entes federativos. Nesses termos, tanto poderão conferir eficácia geral ao

entendimento do STF sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de dispositivos

infraconstitucionais (ou mesmo de emenda à Constituição), quanto fixar a interpretação e o alcance que

devem ser conferidos a determinado enunciado normativo [o texto, o relato abstrato contido no

dispositivo], incluindo os artigos da própria Carta. Na prática, as súmulas prestam-se a veicular o

33 “O exercício da competência deferida pelo art. 103-A, caput, da Constituição Federal teve de aguardar a edição da Lei Federal

n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, porquanto a norma veiculada pelo dispositivo, embora suficientemente demarcada em

quase todos os seus elementos, teve a sua plenitude eficacial condicionada ao advento da legislação infraconstitucional

disciplinadora do instituto” (RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução.

São Paulo: Saraiva, 2010, p. 373). 34 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 264 e 265. 35 Idem, p. 265.

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entendimento do Tribunal acerca de qualquer questão constitucional. Isso porque, estabelecida uma

interpretação vinculante para determinado enunciado normativo, a consequência será a invalidade de

qualquer ato ou comportamento que lhe seja contrário, oriundo do Poder Público ou mesmo de

particulares. Foi assim que o STF pôde editar súmulas vinculantes para declarar a invalidade de práticas

como o uso indiscriminado de algemas [vide Súm. Vinc. n. 11] e o nepotismo [vide Súm. Vinc. n. 13],

considerando-as incompatíveis com o sentido atribuído a princípios constitucionais como a dignidade da

pessoa humana e a moralidade administrativa, respectivamente.”36/37

Apesar de o art. 2º da Lei n. 11.417/2006 fazer menção, na esteira do caput do art. 103-A

da CF/1988, a matéria constitucional, Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas exprimem que talvez o

legislador tenha pretendido falar mais do que falou, visto as súmulas poderem tratar de matéria

constitucional no sentido amplo da expressão. De fato, esclarecem, a súmula vinculante pode versar sobre

matéria infraconstitucional e dispor, por exemplo, acerca da compatibilidade do texto legal, ou de certa

interpretação, com a Constituição Federal. O objeto sumulado, então, não será propriamente matéria

constitucional.38 Na mesma corrente, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco expõem que

tal instituto deve ter como cerne “questões atuais sobre interpretação de normas constitucionais ou destas

em face de normas infraconstitucionais”, podendo ser federais, estaduais ou municipais.39

Por seu turno, o art. 5º da Lei n. 11.417/2006 preceitua que, revogada ou modificada a lei

em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou

por provocação, procederá à revisão ou cancelamento do enunciado. Conforme acima alinhavado, pois, as

matérias sobre as quais deverão versar as súmulas vinculantes não são só as constitucionais, no sentido

estrito, mas também as consideradas como tal em sentindo amplo. Por conta disso, a súmula poderá

abranger a lei, dizendo respeito a como deve ser entendida ou interpretada para que seja compatível com

a CF/1988.40 A ofensa ao texto da Constituição que se perfaz por meio de decisão aplicando lei

inconstitucional é objeto de recurso extraordinário e, consequentemente, satisfeitos os demais requisitos

para tanto, exigidos na legislação pertinente, pode dar origem a uma súmula vinculante. Assim sendo, dos

56 enunciados de súmula criados até o momento41, muitos cuidam da observância de garantias

constitucionais, enquanto outros atinem à inconstitucionalidade de lei federal ou de lei ou ato normativo

estadual ou distrital.

36 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 76 (versão eletrônica do livro). 37 Teresa Arruda Alvim separa os planos da validade, concernente às nulidades, e de eficácia, relacionado ao problema da

produção de efeitos. Eficácia e validade são palavras que normalmente vêm juntas, apresentando nítida conexão contextual,

embora não queiram significar a mesma coisa. Eficácia, para a professora, tem o sentido de efetiva produção de efeitos típicos

(efeitos estes pretendidos pelo agente, se for um ato, e pelo legislador, se for uma norma). Já nulidade corresponde à situação

na qual se encontra um ato, que o torna vulnerável quanto à sua eficácia. Ou, em outros termos, nulidade é o estado no qual se

encontra um ato, que o torna passível de deixar de produzir seus efeitos próprios e, em alguns casos, destrói os já produzidos

(Nulidades do processo e da sentença. 1. ed. em e-book baseada na 8. ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017,

p. 95 e 96 (versão eletrônica do livro)). 38 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 265. 39 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, cit., p. 993. 40 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 265 e 266. 41 Leia-se, até dezembro de 2018.

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Nessa toada, quanto à edição de uma súmula vinculante, resta evidente que vários pontos

precisam ser observados, indo desde o conhecimento exato do que pode ser sumulado, até como uma

súmula é redigida.42 Insta salientar que exclusivamente teses jurídicas podem ser objeto de súmula.43

Alvim e Dantas definem tese jurídica como uma verdade jurídica, a qual não deixa de sê-lo em virtude

de especificidades dos casos concretos que lhe são subjacentes. Na sequência, ponderam que as súmulas,

uma vez com efeito vinculante, devem ser elaboradas de forma bastante criteriosa, a fim de não gerarem

problemas interpretativos mais complexos do que os gerados pela própria norma de que derivam.

Destarte, para serem enquadradas como questões de direito – teses jurídicas puras –, as regras passíveis

de virar súmula devem se aplicar a fatos cujos aspectos dotados de consequências jurídicas possam ser

resumidos em uma ou duas frases, por não envolverem peculiaridades relevantes à sua qualificação ou à

indicação do respectivo regime jurídico. Em suma, os aspectos fáticos dos casos a que se aplica a súmula

devem ser inteiramente absorvidos pela expressão nela contida, nada mais, nenhuma peculiaridade,

precisando ser verificada para tanto.44

Por sua vez, no sentir de Barroso, “[e]ssa tese deve corresponder fielmente à decisão ou às

razões de decidir (ratio decidendi) dos julgados dos quais se originou a súmula, e não de eventuais

argumentos laterais (obiter dicta) ou do entendimento livre do STF acerca de determinado tema. É a

correspondência com uma orientação jurisprudencial específica que legitima a edição da súmula e a

eficácia vinculante que lhe é atribuída. Em outras palavras, a súmula apenas confere eficácia geral a uma

linha de decisão estabelecida na Corte, que presumivelmente seria reproduzida em todo e qualquer caso

similar que chegasse ao STF. O que a súmula faz é tentar produzir, já nas instâncias ordinárias, a

observância desse entendimento, promovendo valores como isonomia e eficiência na prestação

jurisdicional. Respeitando-se essa exigência – correspondência fiel entre o enunciado sumular e o

42 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, p. 266. 43 Segundo Luís Roberto Barroso, “a súmula vinculante não se limita a ser um mecanismo para conferir eficácia vinculante a

decisões produzidas em sede de controle incidental de constitucionalidade, embora seja essa uma das aplicações possíveis do

instituto. Mais do que isso, as súmulas permitem que o STF estabeleça uma determinada tese jurídica, cristalizando as razões

de decidir adotadas pela Corte (ratio decidendi) em um enunciado dotado de eficácia geral. Não por acaso, também decisões

produzidas em controle abstrato podem dar origem à edição de súmulas vinculantes.I Na prática, os enunciados poderão ter

objeto mais ou menos amplo de acordo com a redação que venha a ser aprovada pelo STF, variando desde uma afirmação sobre

a inconstitucionalidade de determinado dispositivo infraconstitucionalII até a definição da interpretação adequada de um artigo

da própria ConstituiçãoIII” (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 76 e 77 (versão eletrônica do livro)).

Notas I A Súm. Vinc. n. 2, para Barroso, fornece um exemplo expressivo, porque, tendo sido editada a partir de um conjunto de ADIns

no qual o STF declarou a inconstitucionalidade de leis estaduais específicas, o enunciado veiculou o entendimento do Tribunal

acerca da competência legislativa em matéria de loterias (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no

direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência, cit., nota de rodapé 213, p. 283 (versão

eletrônica do livro)). II Vide Súm. Vinc. n. 8. III A título ilustrativo, vide as Súm. Vinc. ns. 3, 5, 14 e 21, cujos enunciados são todos relativos à extensão do direito à ampla

defesa. 44 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, p. 266.

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conteúdo decisório dos julgados de origem –, a edição de súmula vinculante não caracterizará usurpação

da função legislativa.”45

É de se ressaltar, porém, a imprescindibilidade de que o enunciado sumular seja menos

abrangente do que a lei, devendo a súmula vinculante ser redigida de sorte a gerar menos dúvidas

interpretativas do que a própria lei, principalmente no tocante à sua incidência. Sendo o processo

interpretativo equiparável a um processo de refinamento pelo qual passa o entendimento do sentido da

norma, hão de ser rechaçadas proposições com a pretensão de clarificar o sentido da norma, bem como

aquelas mais genéricas do que a própria norma. Se a súmula é a interpretação predominantemente dada à

norma por certo tribunal, por óbvio têm de ser mais específica do que a norma em si. Finalmente, a súmula

não conter, em seu enunciado, linguagem aberta constitui uma das formas de evitar que dela resultem

problemas de interpretação – e, portanto, de incidência.46

Afora isso, as súmulas vinculantes devem, predominantemente, ater-se a situações capazes

de se repetir ao longo do tempo de modo absolutamente idêntico ou muito semelhante. Por esta razão, são

bem-vindas em hipóteses nas quais a segurança e a previsibilidade, inerentes à ideia de direito, estejam

em primeiro lugar, mas não quando a mobilidade e a flexibilidade do direito responderem melhor às

necessidades sociais. Considerando esse panorama, é possível avistá-las como uma das técnicas jurídicas

voltadas a atingir algum grau de estabilidade, no intuito de se aproximar da previsibilidade desejável.47

Outrossim, tendo em mente o § 1º do art. 103-A da CF/1988 e o § 1º do art. 2º da Lei n.

11.417/2006, a súmula vinculante deve ter por objeto controvérsia atual que acarrete grave insegurança

jurídica e tenha inegável potencial na multiplicação de processos.48 Condizentes com o explanado, Ferreira

Mendes e Gonet Branco enfatizam que esta espécie de súmula “só pode ser editada depois de decisão do

Plenário do Supremo Tribunal Federal ou de decisões repetidas das Turmas. Esses requisitos acabam por

definir o próprio conteúdo das súmulas vinculantes. Em regra, elas serão formadas a partir das questões

processuais de massa ou homogêneas, envolvendo matérias (...) suscetíveis de uniformização e

padronização.”49

A propósito, Rodolfo de Camargo Mancuso faz interessante resgate do que o Deputado

Jairo Carneiro, na condição de relator, explicitou à época do substitutivo ao projeto de EC n. 96/1992

(precedente remoto da PEC n. 29/2000, da qual decorreu a EC n. 45/2004): “A súmula vinculante constitui

(...) eficaz instrumento para impedir a pletora repetitiva em relação a determinada questão de direito, já

decidida pelos Tribunais Superiores por remansosa jurisprudência, como, por exemplo, as causas que

tratam de devoluções de empréstimos compulsórios e as relativas à correção monetária dos salários de

contribuição, para efeito de cálculo de aposentadorias, entre outras. E o Judiciário precisa ser liberado

dessas questões, notadamente o STF, que, tendo a missão precípua de guarda da Constituição, vê-se

45 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 78 (versão eletrônica do livro). 46 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, p. 267. 47 Idem e ibidem. 48 Idem, p. 267 e 268. 49 MENDES, Gilmar F.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, cit., p. 993.

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obstado do cumprimento oportuno, como necessário, dessa mais relevante competência, envolvendo-se

no enfrentamento de toda a sorte de irracionalidades de milhões de processos praticamente iguais, cujo

julgamento nenhum progresso resultará para a ciência jurídica, já que se trata de um amontoado de peças

padronizadas”.50

Dessarte, nos casos em que a súmula vinculante incidir, o juiz deverá observar a

interpretação sumulada e, ao fazê-lo, não estará deixando de decidir de acordo com a lei, dado aquele

raciocínio de que, no enunciado da súmula com efeito vinculante, foi retratada a lei em sua interpretação

“oficial” (interpretação esta correta aos olhos do sistema).51 À luz do magistério de Alfredo Buzaid, “a

Súmula é estabelecida não para impor cega obediência ao primado da exegese, estancando, desvanecendo

ou estiolando o espírito criador dos juristas em busca de fórmulas novas que atendam ao objetivo da

justiça. A sua finalidade é pôr um clima de segurança na ordem jurídica, sem a qual fenecem as esperanças

na administração da justiça. (...) Seguir uma orientação uniforme é um bem para a estabilidade da ordem

jurídica. Inspira confiança, guarda acatamento aos órgãos superiores da Justiça e mantém autoridade.”52

Num ambiente de interpretação judicial mais criativa53, complementa Barroso, “surge a

necessidade de que os entendimentos adotados por diferentes órgãos judiciais sejam coordenados e

aplicados com base em parâmetros que propiciem isonomia e coerência. Apesar da pluralidade de

instâncias decisórias, o poder político exercido pelo Estado é essencialmente uno, e não se deve aceitar

como plenamente natural que ele produza manifestações incompatíveis entre si. No caso das decisões

judiciais, torna-se ainda mais importante que haja a maior uniformidade possível, na medida em que elas

constituem atos de aplicação do Direito, e não opções discricionárias.”54 E é em tal ordem de ideias que

Mancuso arremata, indicando como motivo determinante do implemento da súmula vinculante o

“propósito de conter a caótica dispersão de ações judiciais sobre um mesmo tema, prática que projeta

efeitos perversos, tanto para o Estado-juiz, que se vê assoberbado com a sobrecarga do serviço, quanto

para o jurisdicionado, que recebe uma resposta tardia e de conteúdo imprevisível.”55

50 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 6. ed. rev., atual. e ampl. Salvador:

Juspodivm, 2018, p. 424. 51 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 268. 52 BUZAID, Alfredo. Uniformização da jurisprudência. Revista Ajuris, Porto Alegre, n. 34, 1985, p. 212. 53 Atualmente, a interpretação jurídica “está longe de ser compreendida como uma atividade mecânica de revelação de

conteúdos integralmente contidos nos textos legislativos. Especialmente quando eles se utilizam de termos polissêmicos, de

conceitos jurídicos indeterminados ou de princípios gerais. Nessas situações, o intérprete desempenha o papel de coparticipante

do processo de criação do Direito, dando sentido a atos normativos de textura aberta ou fazendo escolhas fundamentadas diante

das possibilidades de solução oferecidas pelo ordenamento” (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade

no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência, cit., p. 75 (versão eletrônica do

livro)). 54 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 76 (versão eletrônica do livro). 55 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, cit., p. 431.

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2.2. Competência para a criação de súmula vinculante e legitimidade para a proposta de

edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante

No direito brasileiro, atribuiu-se exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal (e apenas

em matéria constitucional, no sentido amplo da expressão, como dantes delineado) o poder de criar súmula

vinculante, dependendo a aprovação desta súmula, emitida quando determinada matéria já tiver sido

reiteradamente decidida nessa Corte, do voto de dois terços dos integrantes do Supremo (CF/1988, art.

103-A, caput, e Lei n. 11.417/2006, arts. 1º e 2º, caput e § 3º).56 Noutras palavras, as súmulas vinculantes

podem ser editadas, revistas ou canceladas por decisão de 8 dos ministros do STF (= 2/3), fruto de

iniciativa própria de seus membros ou por provocação dos legitimados para tanto (CF/1988, arts. 103 e

103-A, § 2º, e Lei n. 11.417/2006, art. 3º). O quórum qualificado, aclara Luís Roberto Barroso, “contribui

para a legitimidade da vinculação imposta, além de promover segurança jurídica, atestando a estabilidade

do entendimento sumulado.”57

De outra banda, os outros tribunais somente poderão criar súmulas “não vinculantes”, cuja

força é relativa para impedir o julgamento de uma ação ou para determinar o sentido em que ele se dê.

Dada a ausência de vinculação que as caracteriza, tais súmulas devem ser objeto de um juízo crítico, o

qual é realizado pelo julgador e eventualmente pode resultar no acolhimento da tese e na consequente

aplicação ao caso concreto.58 Assim, demonstrando serem distintas entre si a figura geral da súmula e a

súmula vinculante, a EC n. 45/2004 previu, em seu art. 8º59, que as súmulas já existentes do Supremo

Tribunal Federal somente produziriam efeito vinculante “após sua confirmação por dois terços de seus

integrantes e publicação na imprensa oficial”.

Pois bem, a proposta de edição de súmula vinculante pode ser feita pelos próprios membros

do Supremo, tal qual esboçado, ou pelos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade, na

sequência discriminados nos moldes dos incisos do art. 103 da CF/1988. Os referidos, por força do § 2º

do art. 103-A da Constituição, também têm legitimidade para requerer a revisão ou o cancelamento de

enunciado de súmula com efeito vinculante. São eles:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

56 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 268. 57 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 77 (versão eletrônica do livro). 58 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 268. 59 Art. 8º da EC n. 45/2004: “As atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua

confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial.” A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal

decidiu que “as súmulas anteriores devem preencher os requisitos previstos na Constituição para serem dotadas do efeito

vinculante. Daí a necessidade, estabelecida pela própria emenda constitucional, de as mesmas serem submetidas à nova

apreciação do próprio STF” (STF, AgIn-AgR-ED 414.207/RJ, j. 02.05.2006, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 26.05.2006, p. 35).

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VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Essa, portanto, é a regra, sem prejuízo do estabelecido em lei, desde que nela não se

contrarie o texto constitucional, obviamente. Depreende-se daí, tendo em mente o aludido § 2º, não haver

empecilho a que lei ordinária estenda esse rol de legitimados. Dito isto, o art. 3º da Lei n. 11.417/2006,

ampliando-o, autoriza o Defensor Público-Geral da União (VI), bem como os tribunais (XI)60 a sugerirem

a edição, cancelamento ou revisão de súmula vinculante. Ademais, pelo § 1º desse mesmo art. 3º, o

Município poderá propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula com efeito

vinculante, sendo-lhe permitido fazê-lo incidentalmente ao curso de processo no qual seja parte, sem que,

contudo, haja com este pedido a suspensão do processo.

Na acertada conclusão de Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas, as súmulas vinculantes

deveriam poder ser alteradas por um sistema de iniciativa acessível às partes. Todavia, não é o que se

extrai dos destacados arts. 103-A, § 2º, da norma constitucional, e 3º, da norma infraconstitucional. Mas

tanto a CF/1988 (art. 103-A, caput) quanto a Lei n. 11.417/2006 (art. 2º, caput) estatuem que o STF poderá

editar súmulas vinculantes de ofício (ou seja, por iniciativa própria, além de, como visto, mediante a

provocação daqueles legitimados), razão pela qual nada impede que, no curso do processo em trâmite

perante o Supremo, as partes provoquem esta Corte no intuito de que se crie, revise ou cancele enunciado

de súmula com efeito vinculante.61

Em síntese apresentada por Luís Roberto Barroso sobre o procedimento ora analisado,

“uma súmula vinculante somente deverá ser editada após reiteradas decisões do STF acerca da questão

constitucional em que se verifique controvérsia relevante entre órgãos judiciais ou entre estes e a

Administração Pública. Naturalmente, as decisões que são utilizadas como suporte à edição da súmula

devem estar alinhadas em um mesmo sentido, sem prejuízo da possibilidade de que tenha havido

controvérsia no Tribunal até se pacificar determinado entendimento. O quórum de dois terços referido

acima diz respeito à deliberação para a edição da súmula, não se exigindo que as decisões anteriores o

hajam observado. A Constituição e a lei não especificaram o número de decisões que deve anteceder a

medida e nem seria o caso de fazê-lo. Embora a exigência constitucional de reiteração não possa ser

desprezada, cabe ao próprio STF avaliar em que momento determinada questão encontra-se madura para

ser sumulada.”62/63

60 Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, Tribunais Regionais Federais,

Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Militares. Observe-se que a proximidade destes

tribunais com o exercício da atividade jurisdicional pode auxiliar na identificação de questões reincidentes e controvertidas. 61 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 269. 62 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 77 e 78 (versão eletrônica do livro). 63 Quanto ao procedimento em questão, Barroso expõe ainda que, pela relevância dos efeitos da súmula, espera-se “que qualquer

inovação – edição, revisão ou cancelamento – seja precedida de debate consistente na Corte. Tendo em vista esse mesmo

objetivo, o Procurador-Geral da República deverá ser necessariamente ouvido, emitindo parecer nos casos em que não tenha

sido autor da proposta. Por fim, a lei permite ainda que o relator, cuja decisão é irrecorrível, autorize a manifestação de terceiros.

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2.3. Efeitos da súmula vinculante

As súmulas vinculantes, de per si, não têm efeitos ex tunc (retroativos), no sentido de

decisões de juízes, tribunais e administração pública deverem estar em conformidade com tais súmulas

antes delas serem editadas.64/65 Porém, é possível que, paralela ou sucessivamente, tramitem ação

declaratória de inconstitucionalidade e procedimento tendente à criação, revisão ou cancelamento de

súmula vinculante, sendo proferida, no julgamento da ação declaratória, decisão com eficácia ex tunc.

Neste lanço, embora a súmula vinculante, ordinariamente, produza efeitos de imediato, o art. 4º da Lei n.

11.417/2006 preceitua que o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros (8

ministros), “poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro

momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público”.66

Dessa maneira, a lei em comento admite que a eficácia imediata das súmulas seja

excepcionada, nas situações jurídicas que mereçam ser preservadas em nome de outros princípios de

relevo67, justificando-se nessas hipóteses a aplicação, pelo Supremo, da técnica da modulação temporal

Cuida-se, também aqui, da figura do amicus curiae, cuja admissão tem sido cada vez mais frequente na prática do STF”

(BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 78 (versão eletrônica do livro)). 64 Os efeitos são consequências naturais da eficácia de um determinado ato jurídico, relacionando-se com a produção concreta

de alterações na vida das pessoas.I Enquanto a eficácia é o efeito em estado potencial ou a potencialidade que um ato jurídico

tem para produzir seus efeitos, o efeito é a eficácia realizada concretamente.II Feito o aparte necessário, Luís Roberto Barroso

obtempera, acerca da eficácia temporal das súmulas vinculantes, ser preciso “distinguir entre os efeitos das decisões que

originaram a súmula – que poderão ser retroativos, no caso de declaração de inconstitucionalidade – e os efeitos da própria

súmula, que, como regra, serão imediatos. A vinculação se produz a partir da edição do enunciado, como não poderia deixar

de ser. Isso significa que os casos ainda pendentes de julgamento deverão observar a orientação firmada, mas também que as

decisões já produzidas não se tornam nulas, não são automaticamente desconstituídas e tampouco dão ensejo ao ajuizamento

de reclamação. A sua modificação, como a das decisões judiciais em geral, dependerá do manejo dos recursos eventualmente

disponíveis ou de ação rescisória, quando esta seja possível.”III

Notas I LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000,

p. 147. II MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2006. v. 2, p. 636. III BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 80 (versão eletrônica do livro). 65 Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu não ser cabível alegar violação de súmula vinculante por lei anterior à

edição de tal súmula: “A Constituição Federal dispõe, em seu art. 103-A, caput e § 3º, que a súmula aprovada por dois terços

dos membros do STF terá efeito vinculante a partir de sua publicação na imprensa oficial, cabendo reclamação do ato

administrativo ou decisão judicial que a contrariar ou que indevidamente a aplicar. No presente caso, verifico que o decreto

impugnado foi editado em 28.06.2006 (fls. 62-63) e publicado, segundo informação das próprias reclamantes, em 29.06.2006

(fl. 16), datas anteriores à publicação da Súmula Vinculante 2 na imprensa oficial, ocorrida em 06.06.2007. Não ocorre,

portanto, a hipótese que autoriza a propositura da reclamação por descumprimento de súmula vinculante. Ademais, a

jurisprudência do STF é no sentido de que inexiste ofensa à autoridade de pronunciamento da Corte se o ato de que se reclama

é anterior à decisão por ela emanada” (STF, Rcl n. 5.400/SP, dec. da Presidência, j. 25.07.2007, DJ 02.08.2007). No mesmo

sentido: “A Súmula Vinculante 2 foi editada após o início de vigência do ato reclamado. Ora, a vinculação tem efeito somente

‘a partir de sua publicação na imprensa oficial’ (CF, art. 103-A). Não há falar, portanto, em descumprimento, que seria

retroativo, pelos reclamados” (STF, MC na Rcl n. 5.600/SP, j. 29.10.2007, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 07.11.2007, p. 36). 66 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 269 e 270. 67 Em um Estado Democrático de Direito imperam os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança do cidadão.

Esse princípio, consoante expõe José Joaquim Gomes Canotilho, citado por Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas, “se reconduz

à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos (...)”.I Na esfera dos direitos privados, finalizam Alvim e

Dantas, “esses temperamentos têm como base fundamentalmente a necessidade de se proteger a boa-fé e, no plano do direito

público, predominantemente, a presunção de legitimidade dos atos emanados de autoridade pública.”II

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dos efeitos vinculantes da súmula. Este tipo de modulação temporal, adverte Luís Roberto Barroso, não

terá o condão de conferir à súmula eficácia retroativa, servindo, ao contrário, para protrair a sua aplicação

ou limitar o alcance de seus efeitos. Ao que tudo indica, deflui Barroso, essa providência tende a ficar

limitada aos casos em que o STF resolva atribuir efeitos prospectivos à própria decisão que originou a

súmula.68 Por seu turno, Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas, partindo da observação de que as súmulas

vinculantes, regra geral, produzem efeitos imediatos (ex nunc), ponderam que o legislador quis criar a

possibilidade de que, em vez de imediatamente, a súmula passe a ser vinculante num futuro próximo. Isto,

exemplificam, por se entender como desaconselhável a eficácia imediata da súmula, porque geraria

tumulto naquele momento.69

Outrossim, se o teor da súmula disser respeito à inconstitucionalidade de determinada

norma, emergirá daí, por um lado, o ponto de que a afirmação da inconstitucionalidade liga-se ao

nascimento, isto é, à própria existência da norma e, por outro lado, o de ser cediço que súmulas têm efeito

ex nunc. Acerca disso, Alvim e Dantas iluminam que, apesar de o teor da súmula se confundir, na hipótese

levantada, com uma “declaração” de inconstitucionalidade, de rigor, os efeitos produzidos são ex tunc,

mas pode o STF determinar que a súmula só deva ser eficaz a partir do ano seguinte. De mais a mais,

existe, no mesmo art. 4º da Lei n. 11.417/2006, uma outra ferramenta criada pelo legislador, pertinente à

possibilidade de se atenuar o impacto da súmula vinculante. Logo, afora decidir que a súmula só tem

eficácia vinculante dali a dado momento que não aquele da edição, o Supremo, por decisão de dois terços

de seus integrantes, poderá restringir os efeitos vinculantes da súmula.70

Trata-se da possibilidade de que haja outro tipo de restrição, além da temporal. Deste

modo, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público, a eficácia vinculativa da

súmula poderá ficar adstrita a pessoas ou regiões. Para fins de adaptabilidade à regra contida na súmula,

pois, o STF pode, com fulcro no art. 4º em epígrafe, estabelecer a vinculatividade gradativa, norteado num

cronograma preestabelecido para a Administração Pública. Do exposto, é de se deduzir que o legislador,

propositadamente, criou brechas para evitar o impacto da súmula vinculante, quando a segurança jurídica

ou razões de excepcional interesse público tornarem isso necessário.71 A edição de uma nova lei, a

declaração de inconstitucionalidade de norma até então em vigor ou a edição de súmula vinculante,

Notas I CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 14 reimpressão. Lisboa:

Almedina, 2003, p. 264. II ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 270. 68 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 80 (versão eletrônica do livro). 69 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 270. 70 Idem, p. 270 e 271. 71 Decerto, o art. 4º da Lei n. 11.417/2006 goza de acentuada similitude com o art. 27 da Lei n. 9.868/1999, pelo qual, “[a]o

declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional

interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos

daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a

ser fixado”.

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portanto, causam impacto social, atenuado com o uso, quando preciso, dessas “brechas” criadas pelo

legislador.72/73

De mais a mais, a súmula vincula os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração

Pública, direta e indireta, municipal, estadual e federal (CF/1988, art. 103-A, caput, e Lei n. 11.417/2006,

arts. 2º, caput, e 7º).74 Em virtude disso, todos os juízes e tribunais terão de adotar o entendimento previsto

na súmula – emitida pelo Supremo – nos casos concretos que decidirem, nos exatos limites em vista dos

quais a súmula foi editada e, de igual forma, os agentes da Administração terão o dever de adotar a

orientação sumulada nas situações concretas com as quais se depararem.75 Mas tal vinculação “não

equivale a um dever de aplicação automática das súmulas. A realidade pode apresentar inúmeras variáveis,

e cabe ao aplicador verificar se a situação concreta submetida a julgamento enquadra-se efetivamente na

situação-tipo que a súmula pretendeu capturar. Ainda quando se verifique a correspondência, é possível

que circunstâncias excepcionais façam com que a súmula não deva ser aplicada, a fim de evitar a produção

de um resultado incompatível com a Constituição. Sem prejuízo dessas possibilidades, o normal é que a

súmula opere seus efeitos em todas as situações enquadradas em seu relato abstrato, sob pena de perder

inteiramente sua utilidade. O afastamento de súmula pertinente deve ser manifestamente excepcional e,

como tal, fundamentado de forma analítica.”76

Desrespeitada súmula vinculante, seja pelos outros órgãos do Poder Judiciário, seja pela

Administração num dos três níveis federativos, caberá reclamação para o STF (CF/1988, arts. 102, I, l, e

103-A, § 3º, e Lei n. 11.417/2006, art. 7º). A fim de evitar o esvaziamento do instituto por eventual

insubordinação dos órgãos que deveriam aplicar as súmulas, explica também Barroso, “o § 3º do art. 103-

A previu o cabimento de reclamação contra a decisão judicial ou ato administrativo que deixar de aplicar

súmula vinculante pertinente ou aplicá-la de forma indevida. Essa é uma forma de levar os casos de

aparente descumprimento diretamente ao STF, que poderá cassar o ato impugnado e determinar a sua

substituição por outro que esteja em consonância com o entendimento sumulado. A despeito da

importância da reclamação na hipótese, a verdade é que o mecanismo pressupõe a observância espontânea

72 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 271 e 272. 73 Percebe-se que a possibilidade de a súmula poder gerar efeitos vinculantes em momento posterior ao de sua edição é

fenômeno que guarda indiscutível semelhança com a vacatio legis (período que vai da publicação da lei à sua vigência). 74 “[A] súmula vincula a Administração Pública nos três níveis federativos, além dos demais órgãos do Poder Judiciário. A

dicção do texto constitucional e também da lei parecem dar a impressão de que o próprio STF estaria obrigado a seguir a

orientação sumulada, ressalvando-se a possibilidade de que promova a sua revisão ou cancelamento. A verdade, porém, é que

tais procedimentos exigem a maioria qualificada de dois terços dos ministros, o que poderia levar à seguinte situação, no

mínimo inusitada: em caso de mudança no entendimento da Corte acerca de questão sumulada – sem que se atinja, contudo, o

quórum qualificado – o STF poderia estar obrigado a aplicar orientação que não mais corresponderia ao entendimento da

maioria de seus Ministros. Em outras palavras, a maioria absoluta dos membros do STF poderia se ver compelida a adotar

decisão que não lhe pareça a melhor. Para evitar esse resultado, tem-se sustentado que a vinculação do próprio STF deve ser

entendida de forma limitada, estando a Corte impedida de afastar casuisticamente enunciado sumular existente, mas admitindo-

se a possibilidade de que seja superado por decisão expressa da maioria absoluta de seus membros” (BARROSO, Luís Roberto.

O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência,

cit., p. 78 e 79 (versão eletrônica do livro)). 75 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 272. 76 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 79 (versão eletrônica do livro).

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das súmulas na generalidade dos casos. Sem isso, o STF logo se veria soterrado sob um novo tipo de

avalanche, agora composta por milhares de reclamações.”77

No que diz respeito aos atos administrativos, prossegue o professor em seu raciocínio, “a

própria Lei n. 11.417/2006 pretendeu evitar esse risco por meio de algumas disposições racionalizadoras.

Em primeiro lugar, a via da reclamação para o STF somente se abre após o esgotamento das instâncias

administrativas. Em segundo lugar, nos recursos administrativos em que se alegue violação à súmula, a

autoridade encarregada de decidir estará obrigada a expor as razões que a levam a considerar o enunciado

aplicável ou inaplicável, conforme seja o caso. Por fim, uma vez provida reclamação, a autoridade

administrativa será notificada para adequar sua conduta no caso em concreto e também nos subsequentes,

sob pena de responsabilização pessoal.”78

De outra banda, o Poder Legislativo, no exercício de sua função normativa, não fica

vinculado à súmula, podendo inclusive editar lei em sentido oposto ao que foi sumulado (CF/1988, art.

103-A, § 2º, parte inicial). Em contrapartida, se o Supremo tiver editado súmula vinculante sobre assunto

relativo a lei que, posteriormente, venha a ser revogada ou modificada, evidentemente, poderá haver a

revisão ou o cancelamento da súmula, conforme o caso (cf. art. 5º da Lei n. 11.417/2006). Já em

consonância com o art. 6º da norma infraconstitucional ora estudada, “a proposta de edição, revisão ou

cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se

discuta a mesma questão”. Essa regra, observe-se por último, coaduna com o disposto no art. 4º, outrora

examinado, segundo o qual a súmula vinculante produz efeitos ex nunc.79

77 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e

análise crítica da jurisprudência, cit., p. 79 (versão eletrônica do livro). 78 Idem, p. 79 e 80 (versão eletrônica do livro). 79 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais

superiores: precedentes no direito brasileiro, cit., p. 272.

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LEGISLAÇÃO PERTINENTE E SÚMULAS VINCULANTES

CF/1988 (arts. 103, caput e incisos, e 103-A)

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus

membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa

oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas

esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º. A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja

controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e

relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º. Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada

por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º. Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá

reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial

reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

LEI N. 11.417, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006

Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei n. 9.784,

de 29 de janeiro de 199980, disciplinando a edição, a revisão e o

cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal

Federal, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º. Esta Lei disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal

Federal e dá outras providências.

Art. 2º. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,

editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais

órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como

proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

§ 1º. O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais

haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica

e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

§ 2º. O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão

ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante.

§ 3º. A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante dependerão de decisão tomada por

2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária.

§ 4º. No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o

Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado

respectivo.

Art. 3º. São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - o Procurador-Geral da República;

V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VI - o Defensor Público-Geral da União;

VII - partido político com representação no Congresso Nacional;

VIII - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

80 Lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

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IX - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais

Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

§ 1º. O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o

cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.

§ 2º. No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por

decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Art. 4º. A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois

terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento,

tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

Art. 5º. Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal

Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.

Art. 6º. A proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos

processos em que se discuta a mesma questão.

Art. 7º. Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou

aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios

admissíveis de impugnação.

§ 1º. Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias

administrativas.

§ 2º. Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial

impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

Art. 8º. O art. 56 da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:

“Art. 56. (...)

(...)

§ 3º. Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora

da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da

aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.” (NR)

Art. 9º. A Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 64-A e 64-B:

“Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso

explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.”

“Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante,

dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras

decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.”

Art. 10. O procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante obedecerá,

subsidiariamente, ao disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor 3 (três) meses após a sua publicação.

Brasília, 19 de dezembro de 2006; 185º da Independência e 118º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Márcio Thomaz Bastos

SÚMULAS VINCULANTES (atualizadas até dezembro de 2018)

Súmula Vinculante n. 1: Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias

do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar

n. 110/2001.

Súmula Vinculante n. 2: É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de

consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

Súmula Vinculante n. 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa

quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a

apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Súmula Vinculante n. 4: Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de

base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.

Súmula Vinculante n. 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a

Constituição.

Súmula Vinculante n. 6: Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças

prestadoras de serviço militar inicial.

Súmula Vinculante n. 7: A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional n. 40/2003,

que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.

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Súmula Vinculante n. 8: São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e

46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.

Súmula Vinculante n. 9: O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem

constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58.

Súmula Vinculante n. 10: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal

que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência,

no todo ou em parte.

Súmula Vinculante n. 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à

integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de

responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se

refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Súmula Vinculante n. 12: A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da

Constituição Federal.

Súmula Vinculante n. 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o

terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia

ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração

pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido

o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Súmula Vinculante n. 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que,

já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao

exercício do direito de defesa.

Súmula Vinculante n. 15: O cálculo de gratificações e outras vantagens do servidor público não incide sobre o abono utilizado

para se atingir o salário mínimo.

Súmula Vinculante n. 16: Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição, referem-se ao total da

remuneração percebida pelo servidor público.

Súmula Vinculante n. 17: Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de

mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.

Súmula Vinculante n. 18: A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade

prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal.

Súmula Vinculante n. 19: A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou

destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.

Súmula Vinculante n. 20: A Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa - GDATA, instituída pela Lei

nº 10.404/2002, deve ser deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no período

de fevereiro a maio de 2002 e, nos termos do artigo 5º, parágrafo único, da Lei n. 10.404/2002, no período de junho de 2002

até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a que se refere o artigo 1º da Medida Provisória no 198/2004, a partir

da qual passa a ser de 60 (sessenta) pontos.

Súmula Vinculante n. 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para

admissibilidade de recurso administrativo.

Súmula Vinculante n. 22: A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos

morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que

ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04.

Súmula Vinculante n. 23: A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência

do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.

Súmula Vinculante n. 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n.

8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

Súmula Vinculante n. 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

Súmula Vinculante n. 26: Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado,

o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar

se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo

fundamentado, a realização de exame criminológico.

Súmula Vinculante n. 27: Compete à Justiça estadual julgar causas entre consumidor e concessionária de serviço público de

telefonia, quando a ANATEL não seja litisconsorte passiva necessária, assistente, nem opoente.

Súmula Vinculante n. 28: É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial

na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.

Súmula Vinculante n. 29: É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo

própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.

Súmula Vinculante n. 30: (A Súmula Vinculante 30 está pendente de publicação)

Súmula Vinculante n. 31: É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre

operações de locação de bens móveis.

Súmula Vinculante n. 32: O ICMS não incide sobre alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras.

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Súmula Vinculante n. 33: Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social

sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar

específica.

Súmula Vinculante n. 34: A Gratificação de Desempenho de Atividade de Seguridade Social e do Trabalho – GDASST,

instituída pela Lei 10.483/2002, deve ser estendida aos inativos no valor correspondente a 60 (sessenta) pontos, desde o advento

da Medida Provisória 198/2004, convertida na Lei 10.971/2004, quando tais inativos façam jus à paridade constitucional (EC

20/1998, 41/2003 e 47/2005).

Súmula Vinculante n. 35: A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada

material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade

da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.

Súmula Vinculante n. 36: Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação

e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de

Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.

Súmula Vinculante n. 37: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores

públicos sob o fundamento de isonomia.

Súmula Vinculante n. 38: É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

Súmula Vinculante n. 39: Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias civil e militar

e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal.

Súmula Vinculante n. 40: A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos

filiados ao sindicato respectivo.

Súmula Vinculante n. 41: O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.

Súmula Vinculante n. 42: É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais

a índices federais de correção monetária.

Súmula Vinculante n. 43: É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia

aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente

investido.

Súmula Vinculante n. 44: Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.

Súmula Vinculante n. 45: A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função

estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.

Súmula Vinculante n. 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo

e julgamento são da competência legislativa privativa da União.

Súmula Vinculante n. 47: Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido

ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de

pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.

Súmula Vinculante n. 48: Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do

desembaraço aduaneiro.

Súmula Vinculante n. 49: Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos

comerciais do mesmo ramo em determinada área.

Súmula Vinculante n. 50: Norma legal que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se sujeita ao princípio

da anterioridade.

Súmula Vinculante n. 51: O reajuste de 28,86%, concedido aos servidores militares pelas Leis 8622/1993 e 8627/1993,

estende-se aos servidores civis do poder executivo, observadas as eventuais compensações decorrentes dos reajustes

diferenciados concedidos pelos mesmos diplomas legais.

Súmula Vinculante n. 52: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das

entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades

para as quais tais entidades foram constituídas.

Súmula Vinculante n. 53: A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança a

execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e

acordos por ela homologados.

Súmula Vinculante n. 54: A medida provisória não apreciada pelo congresso nacional podia, até a Emenda Constitucional

32/2001, ser reeditada dentro do seu prazo de eficácia de trinta dias, mantidos os efeitos de lei desde a primeira edição.

Súmula Vinculante n. 55: O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos.

Súmula Vinculante n. 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime

prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.