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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC – SP
Adriana Maria Biaggio Frenham
Atividade docente e jogos educativos no processo de
ensino-aprendizagem: significações constituídas por professores de
Ensino Fundamental I de uma rede pública em município da Grande São Paulo
Mestrado em Educação
São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC – SP
Adriana Maria Biaggio Frenham
Atividade docente e jogos educativos no processo de
ensino-aprendizagem: significações constituídas por professores de
Ensino Fundamental I de uma rede pública em município da Grande São Paulo
Mestrado em Educação
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação da Profa. Dra. Claudia Leme Ferreira Davis.
São Paulo
2016
Banca Examinadora
_________________________________________________
_________________________________________________
________________________________________________
Põe quanto És no mínimo que fazes
Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis
in “Odes” Heterônimo de Fernando Pessoa
Meus agradecimentos ao povo brasileiro que, por
meio de suas contribuições, possibilitou que o
CNPq pudesse fornecer o apoio financeiro ao
custeio de meus estudos e desta pesquisa.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus: força, luz e certeza em meu caminhar.
Ao meu amor e amigo Marcos, pelo incentivo e paciência; aos meus pais
Vicente e Dirce e às minhas irmãs Rose e Solange, pelo apoio.
À querida Profa. Claudia Davis, orientadora desta pesquisa, flexível,
coerente e compreensiva em suas intervenções ao longo desse meu processo de
construção e, ao mesmo tempo, de desconstrução. Minha sincera admiração!
À Profa. Ia, que tanto colaborou para meus avanços teóricos e reflexivos
no decurso das aulas, dos encontros do grupo de pesquisa e na banca
examinadora.
Através da Profa. Mimi, agradeço a todos os professores do PED, cada
um, a seu modo e em suas áreas, muito contribuiu para meu crescimento
acadêmico.
À Profa. Claudia Bertoni Fittipaldi, que muito colaborou com as
postulações teóricas de sua pesquisa e ao participar da banca examinadora.
Aos colegas, pessoas importantes e marcantes nesse momento de minha
vida, em especial Emi, por sua parceria mais experiente, Adriana Barros e Márcia
Machado pela amizade.
Ao Edson, por sua disponibilidade e paciência em orientar nossas
dúvidas.
À SEM do município da Grande São Paulo onde foi realizada esta
pesquisa. Às Equipes das escolas e, principalmente, aos docentes e colegas de
profissão que aceitaram disponibilizar seu tempo e conhecimento para a produção
dos dados da presente pesquisa.
À Equipe Gestora da Unidade Escolar na qual atuo – Eliane, Mônica e
Silvia –, pelo incentivo, pelo apoio e, principalmente, pela parceria e crédito desde
sempre. Vocês sabem como foram importantes nesse processo!
Ao Luiz Severo, por seu apoio e suporte técnico nas questões
estatísticas, mas, principalmente, pelo profissionalismo, dedicação e paciência.
RESUMO
A.M.B.FRENHAM. Atividade docente e jogos educativos no processo de ensino-aprendizagem: significações constituídas por professores de Ensino Fundamental I de uma rede pública em município da Grande São Paulo. 215 p. Dissertação (Mestrado em Educação: Psicologia da Educação) – PUCSP – São Paulo, 2016. O presente trabalho tem como objetivo principal apreender e compreender as significações que professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto à importância dos jogos educativos como estratégia no processo de ensino-aprendizagem. Participaram da pesquisa professores que atuam no Ensino Fundamental I, em uma rede pública de município da Grande São Paulo. O foco do estudo encontra-se na atividade docente, dado que se pretende conhecer quais são os aspectos que levam o sujeito-professor, ao optar (ou não) pelo uso da estratégia de jogos educativos em sua prática pedagógica. O referencial teórico-metodológico adotado foi o da psicologia sócio-histórica. A produção dos dados foi feita mediante o emprego de um questionário de autopreenchimento, com perguntas fechadas e abertas. Utilizou-se, para a análise, dados quantitativos e qualitativos. Os primeiros foram organizados em tabelas e gráficos; já os segundos foram construídos de modo a formar núcleos de significação, como proposto por Aguiar e Ozella (2006; 2013), Aguiar, Soares e Machado (2015). Com base no resultado desses procedimentos, foi possível constatar que os sujeitos compreendiam (ainda que não plenamente) as possibilidades lúdica e pedagógica da estratégia dos jogos educativos e dela faziam uso na mediação de diferentes conteúdos (conceituais, procedimentais e atitudinais). Além disso, consideravam que esse recurso se apresentava como um aliado do trabalho docente e, também, como facilitador da aprendizagem.Foram encontrados, por outro lado, alguns aspectos que os professores consideravam como empecilhos ao emprego de jogos educativos, indicando a necessidade de se repensar a configuração das rotinas escolares. Uma outra indicação dada foi a necessidade de se repensar a natureza da formação contínua disponibilizada aos docentes. Palavras-Chave: psicologia sócio-histórica; atividade docente; jogos educativos na aprendizagem; significações docentes.
ABSTRACT
A.M.B.FRENHAM. Teaching activity and educational games in the teaching-learning process: meanings constituted by elementary school teachers to a public network in the municipality of São Paulo.215P. Dissertation (Master of Education: Educational Psychology) – PUCSP – São Paulo, 2016.
This study aims to perceive and understand the meanings that acting in elementary
school teachers are who are acting in class, see the importance of educational
games as a strategy in the teaching-learning process. The participants were teachers
working in elementary school, in a public municipality of São Paulo. The study's focus
is on teaching activity, because we want to know which factors led the subject
teacher chooses (or not) the use of educational games of strategy in their practice.
The theoretical framework adopted was the Socio-historical psychology. The
production data were made through the use of a self-administered questionnaire with
closed and open questions. In the analysis, quantitative and qualitative data were
employed. The first were organized in tables and graphs; the latter have been
constructed to form meaning cores, as proposed by Aguiar and Ozella (2006; 2013),
Aguiar, Soares and Machado (2015). Based on the outcome of these procedures, it
was possible to consider that the subjects understood (though not fully) the playful
and educational possibilities of the games strategy as well as use the mediation of
different content (conceptual, procedural and attitudinal). Moreover, they considered
that this feature was presented as an ally of teaching and as a facilitator of learning.
On the other hand, it was possible to identify some aspects that teachers considered
as obstacles to the use of educational games, indicating the need to rethink the
configuration of school routines. Finally, another indication given by the participants
was to rethink the nature of the continuous formation offered to them.
Keywords: Socio-historical psychology; teaching activity; educational games
learning; meaning teachers.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Número de pessoas que residem na moradia com os docentes pesquisados (Questão 8)..........................................................114
Gráfico 2. Número de pessoas provedoras na moradia dos docentes pesquisados (Questão 9)..........................................................115
Gráfico 3. Tipo de rede em que os docentes pesquisados atuam (Questão 14)............................................................................................117
Gráfico 4. Tipo de rede em que os docentes pesquisados já atuam (Questão 15)............................................................................117
Gráfico 5. Universidade frequentada pelos docentes pesquisados: pública ou privada (Questão 11)..........................................................118
Gráfico 6. Ano de Formação dos docentes pesquisados (Questão 10)...121
Gráfico 7. Turnos em que os docentes atuam no Ensino Fundamental na Escola em que atuam no ano letivo de 2016 (Questão 21)......124
Gráfico 8. Áreas do conhecimento nas quais os docentes propõem jogos (Questão 28).............................................................................137
Gráfico 9. Outras aprendizagens que o uso de jogos permite aos alunos (Questão 32).............................................................................145
Gráfico 10. Jogos que os docentes pesquisados propõem aos alunos (Questão 31).............................................................................149
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Perfil das escolas por tamanho (número de alunos atendidos) e número de questionários respondidos........................................107
Tabela 2. IDEBs de 2011 e 2013 – Brasil/Municípios/Município campo....108
Tabela 3. Escolas pesquisadas e os respectivos IDEBs em 2011 e 2013, por tamanho......................................................................................109
Tabela 4. Sexo dos docentes pesquisados (Questão 3)............................111
Tabela 5. Faixa Etária dos docentes pesquisados (Questão 6).................113
Tabela 6. Estado Civil e Número de Filhos dos docentes pesquisados (Questões 5 e 7).........................................................................114
Tabela 7. Redes em que os docentes pesquisados trabalham atualmente (Questão 16)...............................................................................118
Tabela 8. Formação Acadêmica dos docentes pesquisados (Questão 10)...............................................................................................120
Tabela 9. Cursos de pós-graduação dos docentes pesquisados (Questão 12)...............................................................................................121
Tabela 10. Tempo de Atuação no Magistério dos docentes pesquisados (Questão 13)...............................................................................122
Tabela 11. Tempo de Atuação docente somente nesta rede municipal de ensino (Questão 17)...................................................................122
Tabela 12. Tempo de Atuação no Ensino Fundamental I (Questão 18)......123
Tabela 13. Tempo de Atuação somente nesta escola da rede municipal de ensino (Questão 20)...................................................................123
Tabela 14. Ano(s) de Atuação no Ensino Fundamental I, somente na escola em que leciona, por ano letivo (Questão 22)..............................124
Tabela 15. Escolha (ou não) dos docentes por atuar no Ensino Fundamental I (Questão 19)...............................................................................125
Tabela 16. Subgrupos de questionários para análise das questões da Parte B........................................................................................128
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 20
1.1. A história do jogo na constituição da infância e na educação ......................... 22
1.2. Jogo na perspectiva sócio-histórica e sua relação com aprendizagem e o
desenvolvimento .................................................................................................... 34
2 – REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................. 51
2.1. Historicidade ................................................................................................... 58
2.2. Mediação ........................................................................................................ 60
2.3. Atividade, consciência e subjetividade ............................................................ 63
2.4. Pensamento e Palavra na constituição de Significados e Sentidos ................ 71
2.5. Atividade docente e a importância da educação escolar ................................ 79
3 – MÉTODO ............................................................................................................. 91
3.1. Pressupostos metodológicos .......................................................................... 91
3.2. Local ............................................................................................................... 96
3.3. Definindo critérios: escolas e sujeitos ............................................................. 98
3.4. Definição e validação do instrumento ........................................................... 100
3.5. Procedimento para produção de dados ........................................................ 103
3.6. Procedimento e referencial de análise dos dados......................................... 104
4 – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ...................................... 105
4.1. Análise preliminar dos dados obtidos – organização dos questionários ....... 105
4.2. Caracterização das escolas pesquisadas ..................................................... 106
4.3. Caracterização dos sujeitos de pesquisa.......................................................110
4.4. Os Núcleos de Significação .......................................................................... 125
4.4.1. Processo de constituição dos núcleos .................................................... 125
4.4.2. Apresentação dos Núcleos de Significação e a Análise Intranúcleos ..... 132
4.4.2.1. Núcleo 1 ........................................................................................... 134
“O jogo faz parte da infância e as crianças são envolvidas a participarem.”
(Professor de 2º Ciclo)
“Considero uma estratégia fundamental para o desenvolvimento global dos
alunos.” (Professor de ambos os ciclos)
4.4.2.2. Núcleo 2 ........................................................................................... 151
“Talvez por falta de experiência, acabo me prendendo no conteúdo dos livros
e me atrapalho na administração do tempo para complementar com jogos [...]”
(Professor de 2º ciclo)
4.4.2.3. Núcleo 3 ........................................................................................... 168
“Quando foi implementado na prefeitura o ensino fundamental, me interessei e
gostei, ficando então no ensino fundamental [...]” (Professor de 1º Ciclo)
“Gosto de ensinar com jogos e incentivá-los.” (Professor de 1º Ciclo)
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 174
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 184
ANEXO 1 – Carta de apresentação para realização da pesquisa ........................... 197
ANEXO 2 – Questionário para coleta de informações ............................................ 198
ANEXO 3 – Dados da parte B que permitiram tabulação ........................................ 200
ANEXO 4 – Pré-Indicadores (falas) e Indicadores .................................................. 204
ANEXO 5 – Indicadores e Núcleos de Significação ................................................ 214
ANEXO 6 – Folha de Rosto – Comissão de Ética em Pesquisa – Submissão ....... 215
13
INTRODUÇÃO
Não, não fuja não Finja que agora eu era o seu brinquedo Eu era o seu pião O seu bicho preferido Vem, me dê a mão A gente agora já não tinha medo No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido.
Canção “João e Maria”, Música de Sivuca e letra de Chico Buarque, 1977.
A decisão por realizar esta pesquisa surgiu, primeiramente, das
experiências vivenciadas desde a infância, quando, menina, com minhas irmãs no
chão da sala de casa, entre as escolhas das brincadeiras estavam os jogos: damas,
dominó, trilha, batalha naval, memória, cinco Marias, cama de gato, stop, ludo,
detetive, rouba-monte, pega-vareta, entre outros. Essa escolha é também fruto de
meu percurso profissional, quando, bem mais tarde, já adulta, me reencontrei com
os jogos e resgatei o encantamento. Optei por eles novamente, elegendo-os como
objeto de estudo.
Cursei Licenciatura em Pedagogia e, ao término da graduação, já no
início da década de 1990, atuei na rede pública estadual de São Paulo e, também,
na rede particular. Ao final dessa mesma década, ao cursar minha primeira pós-
graduação, tomei contato com a Psicopedagogia. No início dos anos 2000, ingressei
na rede pública municipal de uma cidade situada na Grande São Paulo, conciliando
a atividade docente com os atendimentos psicopedagógicos. Nesse ínterim, mais
especificamente em ambiente psicopedagógico, utilizava como recurso, nos
atendimentos, os jogos. Fiz, então, a tentativa de levar algumas situações lúdicas
para a sala de aula, pois percebia que o jogo se constituía em um recurso educativo
eficaz na promoção da construção, desenvolvimento e interação de vários
conteúdos escolares, bem como na elaboração de estratégias cognitivas e
habilidades operatórias.
Essas ideias, à época, eram pautadas na proposta piagetiana que, como
bem indica Rebeiro et al. (2012), entende habilidades metacognitivas como a
coordenação das próprias ações com as do outro, a adoção da perspectiva do outro, a
tomada de consciência de que as próprias ações constituem um processo de
construção gradativa, a autorregulação e a autonomia de pensamento, buscando lidar
14
com a “situação de conflito”, que envolve um jogo com regras realizado em grupo. Da
mesma forma, Antunes (2002) explica as habilidades operatórias como a capacidade
cognitiva e apreciativa que possibilita a compreensão e a intervenção do sujeito nos
fenômenos sociais e culturais, ajudando-o na construção de conexões variadas, de
ordem escolar e também cotidiana. Comparar, identificar semelhanças e diferenças,
ordenar, classificar, relatar, observar, criticar, argumentar, sintetizar etc.
Assim, cresceu o interesse por compreender mais e melhor os jogos e a
ludicidade como estratégias pedagógicas. Pus-me em busca de cursos, orientações
e bibliografia que instrumentalizassem meu fazer pedagógico e passei a utilizar os
jogos como recurso para a mediação de diversas situações em sala de aula, no
Ensino Fundamental I (anos iniciais) – resolução de problemas, otimização da
aprendizagem, convívio e trabalho em comportamentos sociais, entre outras –
alcançando resultados promissores ao processo de ensino-aprendizagem.
Nesta mesma rede pública municipal, pude experienciar também funções
de gestão, nas quais realizava formações e acompanhamento do trabalho
pedagógico. Ao longo do tempo, no convívio com os colegas, percebia que a prática
com jogos em sala de aula tendia a acontecer de maneira pontual e individual,
mesmo existindo uma genuína busca por um ambiente escolar constituído na e pela
coletividade. Apesar das muitas discussões e formações com essa temática, ela
pouco se constituía em prática.
Recentemente, no ano de 2014, pude participar de um curso oferecido
pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa (PNAIC)1. Tratava-se de um programa, cujo foco estava na
Alfabetização Matemática e que adotava, como eixo principal, o uso de jogos em
sala de aula. Desta formação puderam participar docentes atuantes nos anos iniciais
do Ensino Fundamental I – 1º, 2º e 3º anos que compõem o ciclo de alfabetização –
ao longo de dez meses.
Constituiu-se, então, mais um fórum importante para o aprendizado e
reflexão acerca da prática pedagógica, mesmo com muitos docentes optando em
1O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (http://pacto.mec.gov.br) é um compromisso formal assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios a fim de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental.
15
não participar da formação oferecida. Assim, considerando minhas vivências
anteriores e as situações observadas durante essa ação formativa, pude levantar a
questão: a história do professor, envolvendo a sua profissionalização, pode ser
determinante na escolha de uma dentre várias estratégias de ensino? E, se o for,
como e por que escolhem empregar jogos educativos em suas práticas
pedagógicas? Assim, o embrião gerador desta pesquisa começou a ganhar vida.
É importante esclarecer que, ao olharmos para o professor, o fazemos
sob a ótica da psicologia sócio-histórica, adotando sua concepção de homem: um
sujeito ativo, histórico e social. Nesse sentido, diz Aguiar (2000):
O homem é, assim, visto como um ser social, de carne e osso e, como tal, constituído nas e pelas relações sociais. Este homem, além de produto da evolução biológica das espécies, é produto histórico, mutável, pertencente a uma determinada sociedade, estando em uma determinada etapa da evolução (histórica) (AGUIAR, 2000, p. 126).
Concordamos, ainda, com Aguiar (2006), quando acreditamos que o sujeito
deve ser entendido como sendo, ao mesmo tempo, único e singular, mas, também,
social e histórico, pois homem e sociedade vivem uma relação de mediação, sem que
se diluam um no outro, sem perda da singularidade de cada um. Nessa visão dialética
da constituição humana, o ser humano é constituído pelo social (e, portanto, pelo
cultural) e é, ao mesmo tempo, deles constituinte. De fato, o sujeito humano converte
o social e o cultural em psicológico e descortina, para si, um mundo de escolhas2 a
serem feitas. O mesmo acontece com o professor em relação às suas escolhas
pedagógicas. Ainda citando Aguiar (2006), falamos em “escolhas” considerando as
mediações sociais e históricas como constitutivas do sujeito.
Assim, Aguiar (2006) salienta ser preciso que se tenha clareza de que
existem aspectos a serem mais bem estudados e que dizem respeito ao
conhecimento que o sujeito tem e ao que pensa possuir; o conhecimento que
realmente lhe falta e o que acredita lhe faltar; o que escolhe ter e aquele que deixa
de escolher, sempre considerando as condições vividas pelo sujeito. Explica a
autora: “se quisermos apreender o processo de escolha, temos que focar as
2 Não é nosso objetivo, no presente estudo, discutir o processo de escolha, mas apenas destacar sua existência e o fato de que a escolha participa dos mais diversos encadeamentos de objetivação/subjetivação vivenciados pelos sujeitos ao longo de todo seu processo de desenvolvimento.
16
mediações sociais e históricas constitutivas de tal processo e observar como o
sujeito configura tais determinações” (AGUIAR, 2006, p. 14), detendo-nos na
compreensão dos processos e não apenas nos objetos, como postulou Vygotski
(1930/2007)3. Indo além, Netto e Leal (2010) apontam que, ao tratar da questão da
escolha, é preciso abordar, também, outras questões:
a questão do controle da própria conduta, da vontade, da ação voluntária e da liberdade, além de outros fenômenos que permeiam esses, como a questão da consciência, das necessidades, finalidades e motivos das atividades humanas (NETTO e LEAL, 2010, p. 55).
Por isso, houve o interesse em investigar, em nossa pesquisa, a atividade
docente, a qual emprega, na mediação dos processos de ensino-aprendizagem, um
instrumento cultural e técnico (criado pelo homem) – o jogo – como uma estratégia
nos referidos processos. Validamos essa opção nas colocações de Soares (2011):
Ao delimitarmos a nossa discussão ao campo dessa atividade, devemos não perder de vista o fato de que ela não é uma atividade qualquer, mas uma atividade de trabalho, isto é, uma atividade (humana) que sintetiza sonhos, objetivos, ideologias, estratégias de ação e, sobretudo, uma dimensão histórico-subjetiva do sujeito (SOARES, 2011, p, 16, grifo nosso).
Elegendo a atividade docente como eixo central, buscamos apreender e
compreender as significações4 que professores, atuando no Ensino Fundamental I,
constituem quanto à importância dos jogos educativos como estratégia no processo
de ensino-aprendizagem,tendo como sujeitos professores de uma rede pública
municipal, em um município da Grande São Paulo, na qual atuo.
Cabe lembrar que Bernardes (2009), destaca que a atividade docente
pode ser objetivada duplamente na atividade pedagógica, ou seja, na ação de
3 O nome do autor é originário do idioma russo e não há consenso quanto à grafia mais adequada tanto em Língua Portuguesa como em outras línguas europeias. Optamos, assim, por escrever “Vygotski” no corpo de texto, preservando, na bibliografia, a grafia usada na obra consultada.
4 Considerando o referencial teórico utilizado no presente estudo, a psicologia sócio-histórica, entendemos significações como um fenômeno psicológico produzido pelos sujeitos, podendo ser objetivadas na materialidade da fala (palavra) ou não, mantendo-se enquanto pensamento. A significação é a unidade, o todo, sendo movimentada por duas categorias nela contidas: o sentido e o significado, que, ao mesmo tempo, se articulam e também a compõem. São forças que se constituem mutuamente, que se contrapõem, uma não é sem a outra, sempre numa relação dialética. Tais categorias serão explicadas mais detalhadamente no capítulo teórico. (Trechos de aulas na Disciplina Projeto “A Dimensão Subjetiva dos Processos Educacionais III” – PUC-SP – março de 2016.)
17
ensinar. A primeira objetivação encontra-se indiretamente materializada na atuação
do professor, pois concerne à própria finalidade da educação escolar, que é a de
levar o ser humano a se apropriar da produção social e historicamente elaborada
para que ele possa se constituir em um sujeito bem informado, capaz de pensar sua
realidade, tomar decisões e avaliá-las de acordo com critérios importantes para si e
sua sociedade. A segunda objetivação diz respeito ao conteúdo da atividade de
ensino, relacionando-se ao que se ensina e a como se organiza o ensino. Nas
palavras da autora: “O produto desta atuação profissional [a do professor] é a
elaboração de um instrumento que medeia o conhecimento que se objetiva e se
materializa na organização das ações do ensino” (BERNARDES, 2009, p. 237).
Dessa forma, cabe salientar que, conforme apontado por Soares (2011, p. 17),
dentre tantas questões que envolvem a atividade pedagógica, o planejamento das
estratégias de ensino também carrega em si muito das experiências do sujeito, as
quais “uma vez vividas simbólica e emocionalmente [...], no seu espaço de trabalho
se integram por meio de elementos de sentido que, histórica e dialeticamente,
passam a constituir a sua subjetividade docente”.
A relevância social desta pesquisa é trazida ao considerarmos a extensa
e histórica discussão, que permeia a educação brasileira nas últimas décadas –
principalmente após a universalização da educação pública, na década de 1980 –, a
respeito da conquista de qualidade educacional e, consequentemente, das questões
afeitas à equidade, na expectativa de que se consiga garantir o desenvolvimento e a
aprendizagem para todos os alunos. Sendo assim, necessitamos incentivar e
divulgar, cada vez mais, práticas inclusivas e integradoras, que favoreçam a
mediação dos mais diversos conhecimentos historicamente acumulados pela
humanidade e a construção de ricas e variadas estratégias de pensamento, algo que
vai muito além da simples transmissão de conteúdo.
O documento “As Desigualdades na Escolarização no Brasil – Relatório
de Observação nº 5”, organizado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social – CDES5 (BRASIL, 2014a), aborda questões referentes à Educação Básica
5 Esse documento trata de questões referentes à Educação Básica no Brasil, a partir de dados agrupados e analisados, advindos de informações da PNAD/IBGE, do EducaCenso do INEP/MEC e de outras fontes oficiais, no período de 2005 a 2012, considerando seus avanços e possibilidades, bem como a persistência de fenômenos historicamente estabelecidos nessa importante etapa da educação brasileira.
18
no Brasil, a saber: visão panorâmica (com base em dados estatísticos) sobre as
etapas e modalidades6 de ensino da Educação Básica, focando aspectos como
atendimento educacional (matrículas, retenção e evasão); frequência; desempenho
educacional dos alunos (aprovação, distorção idade-série, analfabetismo etc.);
infraestrutura dos estabelecimentos de ensino; escolaridade e qualificação dos
professores em atuação.
Cada um desses pontos é explicitado no documento, chegando-se à
proposição de duas questões, ambas consideradas pelos relatores como
necessárias para fazer avançar a educação brasileira: elaborar um projeto a ser
orientado pelo Plano Nacional de Educação e reformular o sistema educacional
brasileiro. Apontam os relatores:
O encaminhamento dessas duas questões é condição necessária para a construção de um ambiente institucional onde a ousadia, a inovação e as melhores práticas possam ser disseminadas, com a velocidade e intensidade desejadas, para se avançar na melhoria do sistema educacional brasileiro (BRASIL, 2014a, p. 13, grifo nosso).
Um desafio citado no mesmo documento refere-se a “intensificar a
qualificação pedagógica e de gestão educacional e escolar, acelerando as melhorias
na infraestrutura educacional e a disseminação de melhores práticas” (BRASIL,
2014a, p. 14). Assim, destacamos dois aspectos com base nessa afirmação trazida
pelo documento do CDES (BRASIL, 2014a). O primeiro aspecto adentra a relevância
teórica deste estudo, por estar calcado no fato de acreditarmos ser o jogo um
recurso a ser utilizado nas práticas pedagógicas, sendo cada vez mais disseminado
por se constituir em uma atividade7 da criança, como menciona Vygotski
(1930/2007):
6O sistema educacional brasileiro é dividido em Educação Básica e Ensino Superior. A Educação Básica, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB nº 9.394/96), passou a ser estruturada por etapas e modalidades de ensino. Como etapas da Educação Básica temos: a Educação Infantil (alunos de 0 a 5 anos), o Ensino Fundamental (alunos de 6 a 14 anos) e o Ensino Médio (alunos acima de 14 anos). Como modalidades temos: a Educação Escolar Indígena, a Educação Especial, a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a Educação do Campo e a Educação Profissional (BRASIL, 2013).
7 Termo utilizado na psicologia sócio-histórica para designar movimentos psicológicos conscientes de objetivação e subjetivação do ser humano frente às suas necessidades, das mais básicas às mais complexas, que se configuram no decorrer de sua história individual, que é histórica e social (LURIA, 1979). Relaciona-se com a representação, a consciência das necessidades e motivos internos do ser humano (KISHIMOTO et al., 2011a). Por se configurar também como uma categoria de análise, será retomada no capítulo teórico.
19
é impossível ignorar que a criança satisfaz certas necessidades no brinquedo. Se não entendemos o caráter especial dessas necessidades, não podemos entender a singularidade do brinquedo como uma forma de atividade (VYGOTSKI, 2007, p. 108).
O próprio autor aponta, no mesmo texto, que há, na idade escolar, uma
evolução do brinquedo para os jogos com regras. Por isso, em concordância com o
autor, e também com Leontiev (1944/2010a), vemos no jogo uma situação fértil para
a produção de sentidos e significados por parte dos alunos, algo que também nos
encaminha para essa estratégia no presente estudo. O segundo aspecto remete-nos
à necessidade de intensificação da qualificação pedagógica, para que se acelerem
as melhorias, principalmente nas práticas pedagógicas. Em sintonia, esses pontos
podem ampliar, em muito, a compreensão da atividade docente/profissional, vindo a
divulgar, eventualmente, o emprego dos jogos educativos nos processos de ensino-
aprendizagem. Encontramos apoio para isso em Aguiar e Machado (2012):
Para nós, os estudos sobre a docência devem dar visibilidade aos significados e sentidos, aos aspectos e processos constitutivos e constituintes da subjetividade, [...] acreditamos que assim poderemos evidenciar processos que nos permitirão conhecer melhor este profissional e suas formas de pensar, sentir e agir na atividade, agregando conhecimento importante para que os processos de formação docente sejam cada vez mais voltados para o professor concreto (AGUIAR e MACHADO, 2012, p. 27, grifo nosso).
A apresentação do atual estudo inicia-se por uma revisão bibliográfica
acerca dos jogos educativos, com o intuito de expor uma retomada de sua evolução
histórica e cultural; esclarecer algumas características do jogo, relacionando-o à
infância e à educação e trazer a perspectiva teórica, da psicologia sócio-histórica por
meio de seus principais estudiosos. No capítulo posterior, expomos tanto os
fundamentos teóricos e metodológicos dessa vertente psicológica como o que é
entendido como atividade docente, pois ambos são aspectos importantes para o
nosso estudo. Na sequência, tratamos do método adotado na pesquisa,
especificando seus procedimentos. Posteriormente, temos o capítulo dedicado à
análise dos dados produzidos, com a caracterização dos sujeitos pesquisados e a
apresentação dos núcleos de significação. E, por fim, nas considerações finais, são
ressaltados os aspectos tidos como mais relevantes quanto ao problema de
pesquisa, levantando sobre ele algumas hipóteses, questionamentos e
contribuições.
20
1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Mas o que podemos referenciar como certo é que crianças e adultos jogam e sempre jogaram e que é uma atividade social que requer contato humano, reflexão e posturas determinadas. Creio que podemos considerá-la uma entre tantas outras atividades sociais possíveis que conduzem ao desenvolvimento humano.
Ruth de Manincor Capestrani, Quem joga o jogo de quem? Uma experiência com jogos na
periferia de São Paulo.
Conforme explicitado na introdução do trabalho, elegemos como foco de
pesquisa a atividade docente porque buscamos apreender e compreender as
significações que professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto
à importância dos jogos educativos como estratégia no processo de ensino-
aprendizagem, considerando o jogo como um instrumento cultural e técnico (criado
pelo homem), configurando-se, assim, em uma estratégia no referido processo.
Vygotski (1930/2007), ao discorrer sobre atividade prática8 das crianças (própria do
período pré-verbal e anterior à fala), menciona que há uma evolução no uso de
instrumentos ao longo do desenvolvimento infantil. No período pré-verbal, o uso de
instrumentos é limitado, essencialmente motor e baseado na percepção; porém,
mediante a aquisição da fala e a introdução de signos, o uso de instrumentos
especificamente humanos, se aprimora.
Antes de controlar o próprio comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a ajuda da fala. Isso produz novas relações com o ambiente. A criação dessas formas caracteristicamente humanas de comportamento produz, mais tarde, o intelecto e constitui a base do trabalho produtivo: a forma especificamente humana do uso de instrumentos (VYGOTSKI, 1930/2007, p. 12).
Leontiev (1944/2010a) também considera a brincadeira, o brinquedo e o
jogo como atividades próprias da criança em diferentes momentos de seu
desenvolvimento. Referenciados nesses dois pesquisadores, reiteramos a ideia de
que “jogo” assume dupla vertente no desenvolvimento humano, a saber: instrumento
8Ao utilizar o termo “atividade prática da criança”, Vygotski referiu-se ao período pré-verbal de desenvolvimento – que outros autores chamaram de “inteligência prática” ou “raciocínio técnico” – e fez comparações com pesquisas realizadas com chimpanzés. Tal período é marcado pelo uso de instrumentos de maneira básica, com forte presença motora, mediante movimentos sistemáticos calcados na percepção. Porém, com a fala, essa atividade se aprimora na criança e há o desenvolvimento do que Vygotski chamou de processos psicológicos superiores (VYGOTSKI, 1930/2007).
21
de mediação9 e atividade.
Importante esclarecermos alguns pontos relevantes no tocante ao estudo
apresentado. Jogo e educação (formal) nem sempre estiveram associados ou, pelo
menos, não diretamente como nos dias atuais. Por isso, torna-se relevante
compreender em linhas gerais a sucessão de acontecimentos que, ao longo da
história, possibilitou essa aproximação.
Assim, optamos por discutir o conteúdo pesquisado em momentos
didaticamente organizados, a saber: (i) a evolução histórica do jogo, considerando
seus aspectos culturais e sua dimensão lúdica, focando, principalmente, em sua
dimensão educativa e pedagógica nos ambientes educacionais; (ii) os principais
conceitos defendidos por Vygotski (1930/2007), Leontiev (1944/2010a) e Elkonin
(1978/2009) acerca do jogo; e (iii) as concepções defendidas por Vygotski
(1930/2007) a respeito do desenvolvimento e da aprendizagem, quando
relacionadas ao jogo.
Um segundo ponto diz respeito às fontes bibliográficas utilizadas para
nossos estudos acerca dos jogos, pois tivemos a oportunidade de constatar a
existência de um considerável número de publicações a respeito, datadas do final da
década de 1990 e início dos anos 2000, como repercussão de discussões sobre o
tema, que ganharam força no campo da educação naqueles anos (PUGLISI, 1997).
Nessas publicações, encontramos importantes informações que não obtivemos em
outras, mais recentes.
No tocante às referências datadas dos últimos cinco anos, principalmente
compostas por artigos pesquisados em periódicos da base Scielo, encontramos
questões muito específicas em relação à temática dos jogos, que, em sua maioria,
não atendiam ao objetivo de nosso estudo. Exemplificamos algumas delas:
concepções teóricas acerca do uso de jogos, havendo larga vantagem de estudos
referenciados na epistemologia de Jean Piaget; o trabalho com jogos na
especificidade das disciplinas, principalmente educação física e linguagem;
publicações mesclando os termos jogos, brinquedos, brincadeira, ludicidade, a partir
do enfoque de áreas como psicologia, filosofia, teatro, saúde, ambiente empresarial.
9 O termo “mediação”, próprio da psicologia sócio-histórica, será mais explorado no decorrer do capítulo.
22
Tais fatores demandaram seleção pormenorizada, algo que,
consequentemente, restringiu a quantidade de artigos voltados ao foco assumido
para esta pesquisa. Sendo assim, contamos com referências dos anos citados
anteriormente e também dos mais próximos.
1.1. A história do jogo na constituição da infância e na educação
Capestrani (2002) afirma que o jogo se faz presente na vida do ser
humano desde que ele vive em sociedade e Huizinga (1938/2001) aponta-nos que o
jogo é, de fato, mais antigo do que a cultura, pois os animais já brincavam entre si,
antes que os seres humanos criassem seus “rituais”, ressaltando ser esse o
elemento lúdico da civilização. Carneiro (2003) e Ariès (2011) destacam que a
prática de jogos envolvia a sociedade como um todo, não somente as crianças,
sendo que muitos jogos e brincadeiras tiveram sua origem em ritos religiosos e na
tradição popular, para estreitamento de laços coletivos e em momentos festivos.
Brougère (1998) e Ariès (2011) indicam que apenas com o passar do tempo, ao
longo dos séculos da história, o jogo passou a ser próprio do universo particular da
infância, pois perdeu o caráter comunitário e adentrou o campo do individual.
Brougère (1998) ressalta que, para se estudar a visão a respeito do jogo
nas diferentes épocas da história, é necessário conhecer e associar a ela uma visão
de criança e de infância. Ariès (2011) explica a construção do conceito de infância
utilizando a arte como referência. O autor informa que, até por volta do século XII, a
arte reproduzia o pensamento da sociedade da época, razão pela qual a infância
não era sequer representada; não havia, possivelmente, um lugar para a criança
naquele contexto histórico e social. A representação de criança foi elaborada ao
longo de vários momentos, no decorrer dos séculos.
É interessante notar que o jogo surgiu, desde a Antiguidade, como
situação oposta ao trabalho, sendo associado a lazer, diversão e repouso, ou seja,
relacionado ao “não sério”, visão que teve modificações no final do século XVIII
(BROUGÈRE, 1998). Daí o fato de jogos terem sido empregados pelo mundo adulto
antes de adentrar o universo da infância. Na Grécia, se configurava na esfera de
jogo uma forte ideia de competição aliada à diversão, demonstrada por meio de
concursos, lutas e jogos públicos. Em Roma, o jogo surge com o sentido de
exercício, de treinamento, de simulação. O termo utilizado era “ludus”, que
23
“representava, portanto, a diversão das crianças, seus estudos e o lugar que é o
teatro desses estudos, a escola, onde se instruem os gladiadores, a parada e a
representação das cerimônias do Estado” (BROUGÈRE, 1998, p. 37).
Villas Bôas (2003) aponta que desde a Antiguidade Clássica é possível
perceber um processo de escolarização dos jogos, mais precisamente nos textos de
Platão e Aristóteles, ambos associando jogo e educação formal por meio da infância.
A autora indica que Platão em seu texto “As leis” propõe que a correta formação da
infância – principalmente até os seis anos – deveria acontecer pela integração de
jogos e educação. Indica também que, para Aristóteles, o jogo era considerado
como um aspecto do relaxamento, voltado para a restauração dos ânimos e para a
promoção do desenvolvimento psíquico e físico das crianças, embora não servisse
para a construção de conhecimento, uma atividade penosa, segundo o autor. Para
Aristóteles, os jogos deveriam ser imitações das ocupações sérias da vida posterior
à infância. Apesar de os dois filósofos apresentarem visões diferentes sobre o
assunto, Villas Bôas (2003) indica que:
De qualquer modo, o jogo associado à Educação, tanto para Platão quanto para Aristóteles, facilitaria a aprendizagem das atividades a serem desenvolvidas na idade adulta (VILLAS BÔAS, 2003, p.36).
Com o início da era medieval, os jogos passam a ser marginalizados e
malvistos para servirem à educação, por transitarem na contramão do que se
considerava adequado e educativo. Villas Bôas (2003) explica que a ideia
aristotélica sobre aprender “ser um processo penoso” e, consequentemente, sofrido,
teria relação direta com a educação disciplinadora das escolas episcopais, modelo
educativo daquele período (Idade Média). De fato, os padres incentivavam a
obediência e a memorização, associando os jogos ao prazer e à corrupção, inibindo,
consequentemente, qualquer atividade lúdica ou de entretenimento.
No período conhecido como Baixa Idade Média (entre os séculos X e XV),
os jogos passaram a ser considerados pecaminosos, razão pela qual foram banidos
da cultura popular. Carneiro (2003) esclarece-nos que, ao final do século XVII, a
aristocracia volta a praticar os jogos em locais denominados “academias”, espaços
que serão determinantes para os jogos de azar e de destreza disseminados no
momento renascentista europeu. As crianças tinham acesso aos jogos de azar, visto
ser essa uma prática comum na sociedade da época. Explica Ariès:
24
Se os jogos de azar não provocavam nenhuma reprovação moral, não havia razão para proibi-los às crianças: daí as inúmeras cenas de crianças jogando cartas, dados, gamão etc., que a arte conservou até nossos dias (ARIÈS, 2011, p. 61).
Com a construção do conceito de criança, no decorrer dos séculos XV e
XVI, as pinturas passaram a representá-las tanto em seu cotidiano como em seu
grupo. No entanto, como menciona Ariès (2011, p. 21), “nunca era o modelo de um
retrato de uma criança real, tal como ela aparecia num determinado momento de
sua vida”. A criança era vista de forma negativa, pois, de acordo com a visão
religiosa da época, estava marcada pelo pecado original e nem mesmo tinha uma
alma, uma personalidade. Devido aos altos índices de mortalidade infantil, os fatores
envolvendo a morte e a vida na infância não eram mobilizadores sociais e/ou
afetivos, pois a criança era mesmo considerada um ser frágil, diante do qual todos
se sentiam impotentes.
O autor destaca dois grandes marcos na história da infância e dos
sentimentos: um deles se passou no século XVI, com o aparecimento do retrato de
uma criança morta; o outro se deu no século XVII, com a representação da criança
por ela mesma, aparecendo sozinha, fora do grupo familiar. As famílias passaram a
desejar retratos de seus filhos ainda crianças, de forma que esse costume veio
avançando ao longo do tempo, chegando ao século XIX com o advento da
fotografia.
Kishimoto (2008), explica que, mediante as ideias humanistas do
Renascimento, um ideal de “felicidade terrestre”, de desenvolvimento corporal e
intelectual, passou a permear as concepções pedagógicas, deixando de lado a
exigência medieval da mortificação do corpo. Dessa maneira, “os jogos do corpo” e
outros jogos – banidos na Idade Média – foram retomados no século XVI, como
forma de oposição às ideias escolásticas.
Ariès (2011) esclarece que, ao longo do século XVII, principalmente nos
colégios da Companhia de Jesus, viu-se no jogo uma possibilidade para a formação
do ser humano, sendo preconizada sua utilização como recurso auxiliar do ensino.
Contudo, mesmo com a iniciativa apresentada pelos jesuítas no tocante aos jogos
na educação, o autor alerta, que o uso dos primeiros tinha fins disciplinares,
reguladores, numa perspectiva denominada pelos padres de “divertimentos
25
reconhecidos como bons”. Assim, concordamos com Villas Bôas (2003) ao indicar
que o jogo, no âmbito da instituição escolar, naquele momento histórico, tornou-se
possível na medida em que perdeu algumas de suas características (lúdicas)10,
sendo utilizado mais no sentido de coerção e controle.
Segundo Brougère (1998), a pedagogia pré-romântica era baseada na
vigilância e na correção, indicando um aprendizado marcado pela rigidez e pela
severidade, cuja principal meta era suprimir a natureza negativa e pecaminosa do
ser humano em formação. Por isso, o controle sobre a criança era exercido a todo o
momento, até mesmo em seus jogos e em suas brincadeiras.
Com o período romântico, a criança passou a ser associada ao lado mais
primitivo do ser humano, expressão da verdade e da poesia natural, devido a sua
estreita ligação com os poetas, a quem cabia preservar suas almas infantis para que
pudessem acessar os gêneros literários ligados ao povo, ao simples, ao verdadeiro
espírito humano. Portanto, a criança não era mais um adulto em miniatura, mas um
adulto em germinação.
Ao final do século XVIII, filósofos como Kant e Schiller passam a ver a
arte e o jogo como importantes expressões humanas, defendendo que ambos não
poderiam ser considerados fúteis. Então, com o advento do século XIX,
encontramos uma verdadeira retomada do conceito de jogo, pois, como ressaltam
Brougère (1998) e Capestrani (2002), anteriormente não se pensava de fato no jogo
como instrumento educativo: era visto apenas como atividade recreativa, fútil, ruim
e, desse modo, algo que não poderia ser empregado na educação.
Capestrani (2002) e Brougère (1998) apontam que só a partir de
10A autora não menciona quais seriam tais características, porém, assumimos para este estudo algumas elencadas por Kishimoto (2008, 2011b): (a) não literalidade, com a predominância da realidade interna sobre a externa; (b) flexibilidade, em que os sujeitos se mostram mais dispostos em suas atividades, o brincar leva a criança a ser mais flexível; (c) prioridade do processo de brincar; (d) liberdade de ação do jogador, de motivação interna, com prazer ou desprazer; (e) controle interno, pois no jogo os próprios jogadores são responsáveis por seu desenvolvimento e acontecimentos, com a presença de regras implícitas ou explícitas. Complementadas com outras referidas por Huizinga (1938/2001): (f) atividade temporária, visando satisfação no próprio jogo; (g) respeita certos limites de tempo e espaço, com começo, meio e fim; (h) oferece capacidade de repetição; (i) apresenta aspectos fascinantes, cativantes, mas com doses de tensão, compensação, contrates, variação, equilíbrio, união, desunião, solução.
26
Rousseau11, com uma nova concepção de criança, foi firmada a real possibilidade
de o jogo ocupar um espaço significativo na educação, principalmente na educação
da primeira infância:
Propunha-se uma nova concepção de criança e de natureza e o jogo começou a ocupar um espaço ainda mais significativo na educação infantil, pois a criança deixou de ser tratada como um adulto em miniatura, uma figura marcada pelo pecado original, como exortava o pensamento cristão da época, e considerada uma criatura frágil, precedente de cuidados para desenvolver-se, uma expressão da natureza, boa em sua origem. Com os olhos voltados para a criança, a sociedade da época reconhece a importância do jogo para o desenvolvimento infantil (CAPESTRANI, 2002, pp. 115-116).
Miranda (2002) estabelece, em ordem cronológica, os principais nomes
dentre aqueles que se dedicaram a pensar a educação e a criança a partir da nova
forma de vê-la, ou seja, como um ser em germinação. Pestalozzi e Froebel (final do
século XVIII e início do século XIX) colocaram em prática as ideias do antecessor
Rousseau, ganhando proeminência no campo educacional. Nesse mesmo período,
encontramos Decroly, reconhecido como o criador do termo “jogos educativos”,
afirmando que educação e sociedade deveriam estar em constante interação, de
modo que a escola pudesse ser um prolongamento da vida. Ao final do século XIX e
início do século XX, Claparède via no jogo um modelo educativo e Dewey defendia a
educação como parte do desenvolvimento humano. Cousinet, um dos fundadores do
escolanovismo, entendia o jogo e a brincadeira como uma atividade natural dos
pequenos, e, por esse motivo, propôs um método pedagógico voltado para seu uso.
Capestrani (2002) menciona, ainda, a importante contribuição de Maria Montessori
com seus materiais estruturados.
Portanto, neste estudo, concordamos com Brougère (1998), Carneiro
(2003) e Villas Bôas (2003) quando afirmam que somente a partir do século XIX o
jogo passou a ter real valor educativo, sendo utilizado como recurso didático.
Brougère (1998) indica que, até esse momento da história, era possível
11 Jean Jacques Rousseau (1712–1772) trouxe a questão da infância para o centro da educação, considerando-a como uma idade autônoma e dotada de características específicas, diversas daquelas próprias da idade adulta. Afirmava que a infância não era conhecida, de modo que era necessário considerar que as crianças encontravam-se em estado de aprender, abandonando a ideia, que até então vigorava, de que cabia procurar o homem na criança, desconsiderando o que a criança seria, antes de ser homem (FURLANETTO, 2008, p. 2709).
27
identificarmos três modos preponderantes para se pensar em jogo e educação, a
saber: (i) jogo como recreação, relaxamento, opondo jogo e trabalho, jogo e
seriedade; (ii) jogo como artifício pedagógico, como um chamariz, um suporte de
sedução para criança, mas sem valor educativo; (iii) jogo para explorar a
personalidade infantil, oportunidade de testar e observar as crianças, pois quando
em situação de jogo, elas revelavam suas inclinações reais. Villas Bôas (2009)
indica ainda, que:
Ao longo do processo histórico, o jogo foi entendido de diversos modos: algumas vezes associado à educação formal; outras, totalmente distanciado dela; e, por vezes, aceito, mas só na aparência. Diversas concepções contribuíram para que isso ocorresse, sem que houvesse, contudo, uma unanimidade sobre os resultados e as possibilidades do uso do jogo na educação sistematizada (VILLAS BÔAS, 2009, p. 205).
Na França, em 1833, criaram-se as salas asilo, reforçando a ideia que a
criança é um indivíduo capaz de ser educado (BROUGÈRE, 1998), algo que
impactou diretamente as medidas educativas dos anos seguintes: era preciso,
agora, educar e cuidar da infância. Em 1887, com as escolas maternais, passou-se
a defender um ensino estruturado, próprio da escola e dividiu-se as crianças mais
novas (com menos de 4 anos) daquelas com mais idade. Dessa forma, passou-se a
pensar em “programas” diferenciados de ensino, nos quais os jogos foram
considerados prioridade, havendo, inclusive, uma discreta tentativa de incluí-los não
só no ensino maternal, mas também na escola primária. Daí em diante, vários
debates são encadeados acerca do papel do jogo na educação da infância, mas
apenas no início do século passado é que se dá o surgimento da noção de “jogo
educativo”. Podemos considerar que essa foi uma mudança de paradigma: o jogo
passa a ser aceito como instrumento educativo e ganha uma organização didática
(sem prejuízo das vantagens do jogo livre), passando a ser praticado sob a
orientação e auxílio de um professor, em ambiente escolar. Adentrando o século XX,
os estudos a respeito do jogo foram, no campo pedagógico, protagonizados pelos
escolanovistas12 e, no campo da psicologia, eles foram tratados por diferentes
12 No Brasil, o movimento da Escola Nova teve início durante a década de 1920. Uma de suas metas era eliminar o ensino tradicional, de fins puramente individualistas, buscando os princípios de ação, solidariedade e cooperação social. Para isso, propunha a introdução de novas técnicas e ideias pedagógicas. A concepção da Escola Nova relaciona-se ao conjunto de ideias e realizações voltadas para a renovação da mentalidade dos educadores e das práticas pedagógicas (RIBEIRO, 2004, pp.171-173).
28
abordagens, como as de Melanie Klein, Winnicott, Piaget, Vygotski, Wallon.
No Brasil, Kishimoto (2003) explica que, mediante as reformas educativas
ocorridas nos anos de 1920 e 1930, com os escolanovistas, deu-se a expansão do uso
dos jogos educativos o que, mesmo com certas ressalvas quanto à concepção
subjacente, para a época era algo inovador. Explica a autora:
Predominava na época, especialmente nas escolas públicas, o hábito de utilizar jogos de uma forma bastante diretiva para o ensino de conteúdos escolares. Porém, não passavam do emprego de material concreto, de forma mais significativa que a metodologia de ensino verbalista vigente até então. Não se observa, em nenhum momento, a ação lúdica da criança. Prevalece a total direção do professor. Entretanto, para os anos 30, essa inovação tinha o significado de jogo, um jogo capaz de atender interesses e necessidades infantis que se contrapunha ao ensino tradicional que ignorava recursos materiais como auxiliares do ensino (KISHIMOTO, 2003, p. 108).
A mesma autora esclarece ainda que, em 1938, foi divulgado no Rio de
Janeiro um documento que tratava dos objetivos dos jogos educativos. Um grupo de
estudiosos do movimento escolanovista – como Fernando Azevedo, Lourenço Filho,
Anísio Teixeira e tantos outros – defendia que os brinquedos educativos tinham um
real valor no desenvolvimento de hábitos, comportamentos e condutas voltados para
o desenvolvimento do indivíduo. Inspirados em Dewey, Decroly e Froebel, os
pioneiros defendiam que a ludicidade poderia facilitar a aquisição do conhecimento.
Em nosso país, os jogos chamados tradicionais, chegaram carregados da
tradição europeia e sofreram a influência dos povos negro e indígena (KISHIMOTO,
2003). No início do século passado, o ritmo de vida era mais lento e os jogos
tradicionais infantis mais abundantes. A rua era espaço de jogos, principalmente
para as crianças das classes operárias, visto que as mães trabalhavam fora, nas
fábricas. O jogo e a brincadeira de rua eram associados ao prazer, eram também
vistos como causas de corrupção da criança, razão pela qual ambos mantinham-se
restritos às crianças de rua, filhos dos operários. Já às crianças das classes
abastadas era vetado esse convívio nas ruas, de modo que suas brincadeiras se
restringiam ao espaço dos quintais e dos clubes.
Os parques infantis, criados em 1935, tinham justamente a intenção de
retirar as crianças das ruas. A partir de então, encadearam-se estudos a respeito
dos jogos educativos, jogos didáticos, jogos pedagógicos e seus aspectos lúdicos no
universo escolar, ampliando-se ao longo do tempo e mediante as diferentes
29
influências nas práticas pedagógicas vigentes, como se pode observar nas diversas
Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (doravante LDBEN) existentes no
decorrer do século XX. A LDBEN 9.394, de 20 de dezembro de 1996, foi seguida
pela elaboração e divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Fundamental (doravante PCNs), no ano de 1997, que seriam apenas referências
para orientar as medidas educacionais adotadas em todo território nacional.
Conforme indicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP) em seu portal:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são a referência básica para a elaboração das matrizes de referência. Os PCNs foram elaborados para difundir os princípios da reforma curricular e orientar os professores na busca de novas abordagens e metodologias. Eles traçam um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas para a inserção dos jovens na vida adulta; orientam os professores quanto ao significado do conhecimento escolar quando contextualizado e quanto à interdisciplinaridade[...]13.
Antunes (2005) destaca que a orientação proposta nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) apoia-se em uma ideia de aprendizagem que
reconhece a participação ativa do aluno no processo de ensino-aprendizagem, com
a mediação do professor. O autor explicita que, a mediação “é essencial na
interação do sujeito com o objeto a ser conhecido. A multiplicidade de propostas de
jogos concretiza e materializa essas interações” (ANTUNES, 2005, p. 43).
Azevedo e Betti (2014), Kishimoto et al. (2011a) e Rocha (2009) apontam
que, a partir da LDBEN 9.394/1996, modificações na estrutura do Ensino
Fundamental foram empreendidas. Os autores fazem referência à lei 11.114 de 16
de maio de 2005, que alterou o texto da LDBEN/96 em alguns artigos, tornando
obrigatória a matrícula de crianças de 6 anos no Ensino Fundamental.
Logo após, a lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, também modificou
alguns artigos do texto da LDBEN/96, ampliando para 9 anos o Ensino Fundamental.
Nessa perspectiva, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação
Básica (doravante MEC/SEB), elaborou e divulgou, em 2006, um documento em que
propunha orientações para a inclusão das crianças de 6 anos no Ensino
Fundamental, proposta que se somava ao que vinha sendo discutindo acerca da
13 Fonte: <http://portal.inep.gov.br/web/saeb/parametros-curriculares-nacionais>. Acesso em: 16 jul. 2016.
30
presença do aspecto lúdico na rotina escolar.
A leitura dos documentos oficiais em que se propõe o novo Ensino Fundamental permite identificar o reconhecimento de que sua implantação/implementação não deve se limitar a atos burocráticos de matrículas de crianças mais novas, mas sim que exigirá grandes esforços para garantir: 1) a necessária construção de um novo currículo, e 2) a presença privilegiada da atividade lúdica neste novo currículo (ROCHA, 2009, p. 204).
No referido documento do MEC/SEB (BRASIL,2007) foi dedicada especial
atenção à garantia do aspecto lúdico, fazendo-se, por várias vezes, referência ao
pensamento de Vygotski, que destacou a importância do brincar. Porém, Azevedo e
Betti (2014), Kishimoto et al. (2011a) e Rocha (2009) puderam constatar, em suas
pesquisas, que ainda há dificuldades no emprego do aspecto lúdico na rotina escolar
do Ensino Fundamental I, tendo maior preponderância na etapa precedente, a
Educação Infantil.
Azevedo e Betti (2014) tecem considerações a esse respeito,
mencionando que, embora muitos documentos oficiais e inúmeros autores dos
campos da filosofia, da psicologia e da sociologia apontem a importância do jogo e
da brincadeira para o desenvolvimento das crianças, há uma pressão social em
favor do ensino de conteúdos curriculares e, com isso, aumenta o risco de que a
dimensão lúdica e seus desdobramentos possam ser pouco valorizados ou mesmo
percebidos em oposição às atividades escolares tidas como “sérias”, ou seja, o ler, o
escrever e o contar. Nas palavras dos autores:
Em síntese, diríamos que a abrupta ruptura entre os modelos de educação infantil e o ensino fundamental, que já se constituía antes como um problema pedagógico sério no Brasil, acirrou-se com a antecipação do ingresso no primeiro ano para seis anos (AZEVEDO e BETTI, 2014, p. 259).
Em consonância com a literatura pesquisada foi possível identificar que
tratar a temática dos jogos na escola requer esclarecer que eles, juntamente com a
brincadeira e o brinquedo, compõem a chamada dimensão lúdica (AZEVEDO e
BETTI, 2004; SMOLE et al., 2007).
É comum encontrarmos autores que não se preocupam em distinguir jogo,
brinquedo e brincadeira, embora admitam o aspecto lúdico como algo comum às três
situações. Azevedo e Betti (2014) explicam que o termo “lúdico” provém da palavra
31
latina “ludus” que se refere a jogo, divertimento e recreação. Entretanto, esses
mesmos autores ampliam essa definição, considerando o termo “ludicidade” como um
processo dinâmico e comum às situações em que o lúdico esteja presente, pois ele é
um componente da dimensão humana.
Outros autores (SANTOS, 1997; CARNEIRO, 2003; ROCHA, 2005;
MACEDO et al., 2005; SMOLE et al., 2007; KISHIMOTO, 2008; RETONDAR, 2011),
ao abordarem a temática, também se utilizam de diferentes terminologias para se
referirem ao lúdico e a seus aspectos: impulso lúdico, função lúdica, atividade lúdica,
entre outros. Contudo, todos eles salientam sua importância para o processo de
humanização e desenvolvimento social, afetivo e cognitivo das crianças. Miranda
(2002) indica que o brinquedo, a brincadeira e o jogo estão imbricados uns aos
outros, de modo que a dimensão lúdica abarca todos eles14. Kishimoto (2008,
2011b), ao diferenciar os termos brincadeira, brinquedo e jogo, explica a(s)
característica(s) que envolvem cada um deles. Para a autora, brincadeira consiste
na ação lúdica feita pela criança ao concretizar um jogo e/ou ao utilizar um objeto
para brincar. O brinquedo é entendido como algo que representa certa realidade, um
objeto substituto do real, que favoreça a evocação da criança de algo próprio de seu
universo, dando suporte à brincadeira.
Finalmente, o jogo é um instrumento com significações e regras que lhe
conferem uma estrutura própria (regras), que os diferenciam entre si e permitem
certa superposição à situação lúdica, definida por Smole et al. (2007) como
“dimensão educativa do jogo”. Segundo os autores, o trabalho com jogos, no
ambiente escolar, entre tantas outras possibilidades, consiste em
um dos recursos que favorece o desenvolvimento da linguagem, diferentes processos de raciocínio e de interação entre os alunos, uma vez que durante um jogo cada jogador tem a possibilidade de acompanhar o trabalho de todos os outros, defender pontos de vista e aprender a ser crítico e confiante em si mesmo (SMOLE et al., 2007, pp. 11-12).
A opção que fizemos ao tratar mais especificamente do jogo,
concentrando a investigação nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º
anos, posteriores à pré-escola ou educação infantil), deve-se a: (a) acreditarmos que
14 Autores vinculados à psicologia sócio-histórica, como Vygotski (1930/2007), Leontiev (1944/2010a) e Elkonin (1978/2009) também nos remetem aos três termos.
32
a situação de jogo concilia tanto a dimensão lúdica como a dimensão educativa; (b)
considerarmos a colocação feita por Vygotski (1930/2007, p. 110) de que o
“desenvolvimento do jogar com regras começa no fim da idade pré-escolar e
desenvolve-se durante a idade escolar”15, apontando, ainda, que as crianças
pequenas (aqui entendidas como aquelas em idade pré-escolar, ou seja, 4 e 5-6
anos) lidam com diversas situações imaginárias e, também, com jogos infantis, que
possuem regras internas e não explícitas.
Essa situação se inverte, ao longo do desenvolvimento, quando as
crianças a partir dos 6 anos passam a lidar com os jogos a partir da explicitação de
regras, que deixam de ser implícitas e se tornam explícitas (mais adiante, neste
mesmo capítulo, essa questão será mais bem desenvolvida); e (c) percebermos
como válidas as constatações trazidas e, citadas anteriormente, por Azevedo e Betti
(2014), Kishimoto et al. (2011a) e Rocha (2009), em suas pesquisas, no que diz
respeito às dificuldades de se difundir o uso dos jogos nesta etapa posterior a
Educação Infantil.
Da mesma forma, Carneiro (2003), ao mencionar jogo como ação
organizada, com um limite de espaço e tempo, apresenta funções que se destacam:
(i) socializadora – desde os jogos simbólicos até os grupais, utilizando regras
implícitas ou explícitas (como mencionam por Vygotski e Leontiev), colaborando
para a aprendizagem do convívio e para o trabalho em grupo; (ii) pedagógica –
quando utilizado na escola (nosso foco principal) como estratégia no processo de
ensino-aprendizagem; (iii) exploradora – considerando que jogo é ação, é
movimento, implicando participação direta por parte dos jogadores, desde a
manipulação material até a exploração cognitiva de elaborar hipóteses, estabelecer
15 Na obra utilizada como referência, “A Formação Social da Mente”, Vygotski não faz indicação de faixa etária ao fazer menção à “idade pré-escolar” e/ou à “idade escolar”. Contudo, ao lermos suas postulações na referida obra, entendemos que havia relação direta com a organização da Educação Básica assumida no Brasil. A Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica nº 4, de 13 de julho de 2010, em seu Título VI, Capítulo I, Artigo 21, prevê as Etapas da Educação Básica como sendo etapas correspondentes a diferentes momentos constitutivos do desenvolvimento educacional: (I) a Educação Infantil, que compreende: a Creche, englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses; e a Pré-Escola, com duração de 2 (dois) anos; (II) o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, com duração de 9 (nove) anos, organizado e tratado em duas fases, a dos 5 (cinco) anos iniciais e a dos 4 (quatro) anos finais. E, mais adiante, no Artigo 23, sobre o Ensino Fundamental, indica matrícula obrigatória para crianças a partir dos 6 (seis) anos de idade.
33
relações, concluir, ser capaz de atribuir significações e de ressignificá-las a cada
situação de jogo.
Considerando que nem todo conteúdo escolar e/ou curricular se presta a
ser desenvolvido por meio de jogos (BRANDÃO et al., 2009), é importante
acrescentar que, tal como apontado por Retondar (2011), também consideramos o
jogo como um conteúdo em si mesmo, capaz de ensinar por meio de sua dinâmica,
permitindo que os jogadores façam parte de um espaço fecundo no qual é preciso
aprender a administrar sua autonomia, seu autocontrole, seus limites e suas
possibilidades, aspectos esses gerados pela presença das regras.
Podemos encontrar posicionamento semelhante em Leontiev
(1944/2010a), quando ele salienta que as regras auxiliam o sujeito a exercer o
controle de sua própria conduta, algo necessário para o convívio em sociedade. Tais
questões também são discutidas por Rebeiro et al. (2012), quando apontam que,
para se lidar com as regras em situação de jogo, há um convite aos jogadores para
interagir, cooperar entre si, algo que estimula os aspectos cognitivos e sociais.
Queremos ressaltar, ainda, que Campos e Macedo (2011), Smole et al.
(2007) e os cadernos do PNAIC (BRASIL, 2014b) ressaltam que os jogos são
possibilidades reais e importantes para a prática docente, na medida em que
constituem um instrumento fecundo de mediação, pois:
não se ensinam diretamente as habilidades de um bom jogador. Essas não dependem apenas de um treinamento, mas resultam de construções progressivas por parte do aluno/jogador, as quais são beneficiadas por uma orientação adequada, sensível e intencional, por parte do professor (CAMPOS e MACEDO, 2011, p. 212).
É possível localizarmos na literatura as contribuições de muitos autores
quando se pensa em jogo e educação, contudo há grande destaque para as obras
de Piaget e Vygotski.
De acordo com Kishimoto (2008), o primeiro concebia o jogo como
elemento coadjuvante no processo evolutivo da criança e na progressiva
socialização do pensamento, pois o jogo, com suas regras, é visto como um espaço
social interessante a ser exercitado em ambientes formais. Tratando-se de Vygotski,
a autora ressalta que o pensamento desse autor a respeito do jogo pode ser uma
opção à teoria piagetiana, pois o psicólogo russo considerava a brincadeira como a
34
atividade predominante nos primeiros anos de vida e importante como espaço de
aprendizagem.
Assim, concluímos que o jogo é uma atividade da criança, que tem
caráter lúdico e também educativo, possibilitando o exercício do convívio social (uso
de regras compartilhadas) bem como a proposta de situações-problema de maneira
reflexiva, compartilhada e favorável ao ensino e à aprendizagem. Como mencionado
anteriormente, optamos por trazer as concepções de Vygotski (1930/2007) acerca
do jogo, as quais serão complementadas pelas ideias de Leontiev (1944/2010a) e
Elkonin (1978/2009), outros dois adeptos da escola sócio-histórica que, embora
tenham escrito sobre o assunto, não fizeram referência direta ao uso de jogos no
processo educativo nem trataram claramente de sua importância para a
aprendizagem e desenvolvimento infantil.
1.2. Jogo na perspectiva sócio-histórica e sua relação com aprendizagem e o desenvolvimento
Vygotski, Elkonin e Leontiev, pesquisadores da escola sócio-histórica da
psicologia, são os principais nomes a tratar do jogo/do brinquedo infantil. Apesar de
aceitarem os mesmos pressupostos teóricos, cada um desses autores dedicou sua
atenção a aspectos diferentes do assunto, de modo que suas conclusões se
complementaram de maneira significativa. Nascimento et al. (2009) esclarecem:
Os escritos de Vygotski e Leontiev sobre as relações entre o jogo e o desenvolvimento estabeleceram o jogo como uma atividade especial da criança, não só porque permite que ocorram importantes transformações psíquicas no sujeito (plano ontogenético), mas também porque se trata de uma atividade que só pode surgir em um determinado momento da vida em sociedade (plano filogenético) (NASCIMENTO et al., 2009, p. 294).
Rocha (2005) explica que os teóricos da corrente histórico-cultural
buscaram superar, em suas hipóteses e investigações, as posições naturalistas
tradicionais da pesquisa psicológica, incluindo as que se pautavam no jogo. A autora
aponta que, no modelo sócio-histórico, foi Vygotski quem primeiro tratou do papel do
brinquedo e de sua importância no desenvolvimento humano, notadamente para a
infância, tendo como foco os processos psicológicos superiores e a aprendizagem.
Ainda segundo Rocha (2005), o autor russo indicou as principais características dos
jogos e sua evolução.
35
Elkonin assume o legado de Vygotski (de quem se tornou assistente no
ano de 1930), destacando que suas ideias necessitam de maior aprofundamento e
clareza. Como cita Szundy (2009, p. 278), Elkonin dedicou-se a pesquisar os jogos
protagonizados e os jogos de papéis16, notadamente suas características, evolução
e importância, na medida em que “exercem no processo de desenvolvimento e
aprendizagem da criança e (em sua) consequente preparação para os papéis
sociais que virá a exercer na sua vida adulta”. Já Leontiev (1944/2010a) buscou, em
seus estudos sobre o jogo/brinquedo, os princípios psicológicos das brincadeiras
pré-escolares, na tentativa de compreender a atividade lúdica na criança “de
maneira integrada com seu interesse em entender as atividades do homem e seus
componentes (ações e operações)” (ROCHA, 2005, p. 59).
É importante considerar que os três autores não propuseram nenhuma
classificação para os jogos, como fez Piaget17, pois essa não era para eles uma
preocupação; além disso, raramente fizeram uma distinção entre brinquedo e jogo.
Szundy (2009) destaca que o termo “brinquedo” era usado por Vygotski relacionado
à atividade lúdica da criança, incluindo os jogos de papéis ou protagonizados, os
jogos de regras etc. Assim, de uma maneira geral, brinquedo e jogo teriam
provavelmente o mesmo sentido para o autor. Podemos considerar, no entanto, uma
questão que nos leva a distinguir o brinquedo do jogo, na obra dos referidos autores,
a menção de que as regras se encontram em ambos, porém, em um primeiro
16Tanto os jogos de papéis quanto os jogos protagonizados envolvem a representação da criança de algum papel, porém nos jogos de papéis, a criança “desempenha” papéis relacionados ao mundo real do qual é integrante, como papai, mamãe, professora, médico etc. Nos jogos protagonizados, os papéis “representados” relacionam-se ao mundo da ficção, como um super-herói, o personagem de um conto, de um desenho etc. (SZUNDY, 2009, p. 278 – nota de rodapé).
17Para Piaget (1896-1980), as manifestações lúdicas na criança acompanham o desenvolvimento da inteligência. Assim, cada uma de suas etapas está atrelada a um tipo de atividade lúdica. O autor classifica tais atividades lúdicas em: (i) Jogos de Exercício (a partir dos primeiros meses de vida até por volta de dois anos, podendo acompanhar o indivíduo ao longo de toda sua vida) – advindos do prazer que a criança tem em realizá-los, pois são vinculados ao movimento do seu corpo, sua principal característica é a repetição de movimentos; (ii) Jogos Simbólicos (dos dois aos seis anos) – constituídos, basicamente, pela imitação dos adultos, sendo que é a partir deles que as crianças podem construir novos e importantes conceitos para o desenvolvimento cognitivo e para as novas aprendizagens; (iii) Jogos de Construção – Piaget não os cita como uma classe, pois os considera como transição entre os jogos e as condutas adaptativas, permitindo, assim a convivência com regras; (iv) Jogos de Regras simples e complexas (dos cinco anos até a idade adulta) – progressivamente desenvolvidos e assimilados pela criança, eles introduzem a regra, entendida como resultado da interação coletiva das atividades lúdicas.
36
momento, elas se apresentam de maneira implícita (brinquedo) e, em um segundo
momento, elas se mostram de maneira explícita (jogo), aspecto que será mais
explorado adiante.
Vygotski (1930/2007), ao falar a respeito do brinquedo e do jogo, deixa
claro que, para ele, essa seria a atividade própria da criança, cabendo evitar vê-la
como mera representação da realidade. De fato, como bem explica o autor, a
criança pode satisfazer certas necessidades bem específicas fazendo uso do
brinquedo, razão pela qual ele é uma forma singular de atividade, com motivações
próprias. Nesse aspecto, trazemos uma explicação dada por Leontiev (1944/2010a),
ao afirmar ser possível encontrarmos uma discrepância entre a atividade infantil e
sua satisfação.
A satisfação de suas necessidades vitais é, na realidade, ainda diferente dos resultados de sua atividade: a atividade de uma criança não determina e, essencialmente, não pode determinar a satisfação de suas necessidades de alimento, calor etc. [...] Muitos tipos de atividades nesse período (pré-escolar) do desenvolvimento possuem seus motivos (aquilo que estimula a atividade) em si mesmos, por assim dizer. [...] Que tipo de atividade é caracterizado por uma estrutura tal que o motivo está no próprio processo? A atividade comumente chamada “brincadeira” (LEONTIEV, 1944/2010a, p. 119).
Ainda com seus argumentos a respeito do assunto, Vygotski (1930/2007)
posiciona-se firmemente, até mesmo refutando outros teóricos, ao afirmar que o jogo
ou brinquedo não proporciona necessariamente prazer, pois, como ele, existem
outras tantas atividades que cumprem muito melhor esse papel. O autor afirma que
há jogos em que a própria atividade não é prazerosa. Os jogos de competição, cujos
finais implicam ganhar ou perder, são muitas vezes acompanhados de desprazer,
principalmente quando o resultado não é favorável à criança. Vygotski, destaca três
características fundamentais que devem estar presentes em qualquer
jogo/brinquedo: a imaginação, a imitação e as regras, as quais se fazem presentes
nas situações lúdicas desde muito cedo. Essas características têm maior ou menor
predomínio conforme a evolução que o jogo/brinquedo sofre no decorrer do
desenvolvimento da criança.
Vygotski (1930/2007) menciona que a imaginação se caracteriza como
um processo psicológico especificamente humano de atividade consciente, que
surge da ação. E conclui, explicando:
37
O velho adágio de que o brincar da criança é imaginação em ação deve ser invertido; podemos dizer que a imaginação, nos adolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo sem ação (VYGOTSKI, 2007, p. 109).
A alternância da imaginação, da imitação e das regras é explicada pelo
desenvolvimento do sujeito. Para uma criança pequena, o campo da percepção
visual é integrado a uma reação motora, de modo que ela age motivada por aquilo
que vê. Para o autor, no brinquedo isso muda, pois a criança vê o objeto, mas não
age com ele como o vê e sim de forma independente, uma situação que é possível a
partir da idade pré-escolar, quando a criança, para satisfazer desejos e
necessidades que não consegue concretizar, cria uma situação imaginária na qual
as coisas cumprem o papel fantasiado. Leontiev (1944/2010a) dá um exemplo de
como isso ocorre ao mencionar uma criança que deseja ela mesma guiar um carro
ou remar um barco, mas ainda não pode fazer isso por não dominar as operações
que tais ações requerem. Assim, ela cria uma situação imaginária na qual uma caixa
de papelão pode se tornar um carro a ser guiado e um barco a ser remado.
A ação numa situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação (VYGOTSKI, 1930/2007, p. 114).
As situações imaginárias possuem regras implícitas para seu
funcionamento, pois, como destaca Vygotski (1930/2007), uma criança não se
comporta numa situação imaginária sem a presença de regras: ao brincar de
mamãe/papai e filhinhos com seus bonecos, a tendência é obedecer às regras de
comportamento materno/paterno que reconhece. “O papel que a criança representa
e a relação dela com um objeto [...] sempre terão origem nas regras” (VYGOTSKI,
1930/2007, p. 112). Considerando os exemplos e explicações citados, encontramos
outra característica atribuída por Vygotski ao jogo/brinquedo: a imitação. Para
efetivamente externar o que imaginou, a criança assume um papel e imita o
comportamento de alguém (por exemplo, sua professora) ou representa algo (por
exemplo, fazer compras no supermercado). Para tanto, respeitará as regras de
comportamento que reconhece na pessoa que imita, bem como manterá a
sequência de ações que percebe como necessárias à realização da situação que
está representando. Elkonin (1978/2009) também menciona a esse respeito que:
38
O importante para as crianças é o cumprimento dos requisitos do papel e subordinam a eles todas as suas ações lúdicas. Surgem regras internas não escritas, mas obrigatórias para os que jogam, provenientes do papel e da situação lúdica. Quanto mais desenvolvido está o jogo, tanto maior é o número de regras internas e os aspectos lúdicos multiplicam-se e ampliam-se cada vez mais (ELKONIN,
1978/2009, p. 243).
Mediante as pesquisas sobre o jogo iniciadas por Elkonin, Vygotski
escreveu-lhe, no ano de 1933, para abordar questões pontuais a respeito
(mencionadas em Elkonin 1978/2010, p. 4 da introdução), uma delas sendo a
imaginação e a imitação. Para Vygotski, não há imaginação antes do jogo. Ele
afirma que, para existir uma situação fictícia, a imitação também tem papel central.
Podemos considerar que a criança, sujeito participante do mundo real, não parte do
zero quando traz para uma situação imaginária a imitação e, sim, parte de algo
existente. Portanto, a imitação, nessa ótica, aparece como fator fundamental no
desenvolvimento, pois, como menciona Fittipaldi (2002, p. 20), “na medida em que [a
criança] indica que ela faz aquilo que viu o outro fazendo, aquilo que aprendeu
observando o outro [...] a imitação não é mais uma simples atividade mecânica, mas
é [uma] reconstrução individual”.
No decorrer da idade pré-escolar, portanto, na situação de brinquedo, é
possível encontrarmos a gênese de uma separação entre o campo da percepção
visual e o campo do significado, que, até então, não existia. Em tal situação, a
criança já é capaz de olhar para um objeto e lhe dar novo sentido, embora o objeto
não perca seu significado original. Explica Vygotski (1930/2007) que o pensamento
separa-se dos objetos de modo que a ação surgirá das ideias e não mais das coisas
e de seus significados aparentes. Por exemplo, um pequeno pedaço de madeira
poderá tornar-se um telefone celular; um cabo de vassoura tornar-se um cavalo;
uma garrafa plástica tornar-se um foguete espacial. Assim, a mesma ação regida por
regras passa a ser determinada pelas ideias da criança, pela motivação cognitiva
que ela possa ter e não mais pelos objetos em si.
Todo esse processo, que parece simples, não o é, pois se trata de uma
verdadeira transformação no pensamento infantil, “porque é extremamente difícil
para ela [criança] separar o pensamento (significado de uma palavra) dos objetos”
(VYGOTSKI, 1930/2007, p. 115). Embora os objetos se mantenham com seu
significado e forma próprios, um pedaço de madeira, um cabo de vassoura, uma
39
garrafa plástica, nos explica Leontiev (1944/2010a): (os objetos) passam a adquirir
um novo e particular sentido para a criança devido às regras implícitas que se
encontram presentes na brincadeira. Nesse processo, se a imaginação é explícita,
as regras são implícitas. Explica Vygotski (1930/2007):
No brinquedo, a criança opera com significados desligados dos objetos e ações aos quais estão habitualmente vinculados, entretanto, uma contradição muito interessante surge, uma vez que, no brinquedo, ela inclui, também, ações reais e objetos reais. Isso caracteriza a natureza de transição da atividade do brinquedo: é um estágio entre as restrições puramente situacionais da primeira infância e o pensamento adulto, que pode ser totalmente desvinculado de situações reais (VYGOTSKI, 1930/2007, pp. 116-117).
Elkonin (1978/2009) explica que isso faz com que a criança se desprenda
do real, do que percebe visualmente, e aja com base na esfera cognitiva, um
processo que denomina de “descentração cognitiva”. Apesar de a criança ainda
precisar de objetos (apoio externo) para representar a situação imaginária (interna),
o autor reconhece que essa é uma evolução muito importante no desenvolvimento
infantil. Leontiev (1944/2010a) considera que a subordinação da criança às regras
internas de uma situação lúdica é fator importante em seu desenvolvimento, pois
nessas situações ela aprenderá a dominar seu próprio comportamento, aprenderá a
subordiná-lo a uma regra que levará a um propósito definido, ou seja, não poderá
fazer apenas aquilo que deseja, mas precisará respeitar as condições da brincadeira
e/ou do jogo do qual participa. O mesmo autor menciona ainda que, nos jogos com
mais de uma pessoa, envolvendo relações sociais,
o elemento mais importante é a subordinação do comportamento da criança durante o jogo a certas regras reconhecidas de ação, é uma importante precondição para o surgimento da consciência do princípio da própria regra do brinquedo, é sobre esta base que surgem também os “jogos com regras” (fixas/explícitas). São jogos cujo conteúdo fixo não é mais o papel e a situação lúdica, mas a regra e o objetivo (LEONTIEV, 1944/2010a, p. 138, grifo nosso).
Conforme citação de Leontiev sobre os jogos com regras, é justamente no
decorrer da idade escolar (foco de interesse deste estudo) que ocorre uma evolução
na situação lúdica, pois se estabelece uma nova relação entre o significado e o
campo de percepção visual, como explica Fittipaldi (2007):
a criança, para realizar seu desejo, não precisa mais do objeto (cabo de vassoura, por exemplo, para representar um cavalo). Agora, ela opera com o significado das ações (o que a ação representa).
40
[...] À medida que a brincadeira evolui, a imaginação torna-se implícita e as regras explícitas, invertendo o que ocorria na fase anterior. Assim, se antes, na idade pré-escolar, a criança precisava de um objeto substituto para representar o que desejava, agora, na idade escolar, requer apenas uma ação que substitua a ação real (FITTIPALDI, 2007, pp. 52-53).
Com o jogo baseado em regras explícitas18 ou regras fixas, como chama
Leontiev (1944/2010a), se estabelece uma nova relação entre significado e ação.
Por exemplo, uma criança que bate os pés no chão simulando uma cavalgada
imaginária, demonstra que não precisou mais do cabo de vassoura como substituto
ao cavalo em sua imaginação, bastou a ação de bater os pés no chão.
Encontramos, aí, um processo de reconstrução dos significados das ações
(processo de internalização19), como mencionado por Fittipaldi (2007), permitindo
que, por meio de suas ações e, muitas vezes, de suas falas, a criança se aproprie
do mundo em que vive, passando a compartilhar seus sentidos e significados na
interação favorecida pelo jogo. Em idade escolar, a criança volta-se mais para o
processo de compartilhar ações por meio do jogo. Paralelamente, a presença dos
“jogos com regras explícitas”, proporciona, nessa fase, a interação desejada e,
ainda, explora a capacidade de orientar as ações da criança com base nas regras,
agora bem definidas. Fittipaldi (2007) explica este momento importante na
aprendizagem e desenvolvimento das crianças:
Para poder jogar, é preciso compreender tanto as regras como o desenvolvimento do próprio jogo, o que exige não só atenção, análise e interpretação das jogadas realizadas pelo adversário como, também, as suas próprias. Para isso, várias funções psicológicas superiores são mobilizadas, como atenção e memória voluntárias, raciocínio lógico, levantamento de hipóteses, avaliação das jogadas realizadas para resolver o problema que o jogo propõe, linguagem, percepção e abstração de pensamento (FITTIPALDI, 2007, pp. 54-55).
Leontiev (1944/2010a) e Szundy (2009) indicam que os jogos com regras
18Como “jogos de regras” é uma terminologia piagetiana e, para Vygotski, a regra é uma característica definidora do jogo, estando, portanto, sempre presente, implícita ou explicitamente, adotaremos o termo “jogos com regras explícitas” para referir-nos ao jogo característico da idade escolar, tendo como referência a mesma opção encontrada na tese de doutorado de Fittipaldi (2007, p. 53).
19Internalização é a reconstrução individual de algo social, que se concretiza pela negociação entre o significado público ou social e as diferentes interpretações (sentidos privados) que ocorrem nas e pelas interações entre o sujeito e os agentes mediadores de cultura (pais, professores e colegas mais experientes), dando origem às Funções Psicológicas Superiores (FITTIPALDI, 2002, p. 21).
41
explícitas permitem à criança ter melhor consciência quanto ao objetivo do jogo,
situação que lhe permite se orientar melhor quanto às suas atitudes durante seu
decorrer. Isso é possível porque a criança já sabe de antemão o conteúdo das
regras e seu propósito final. Comumente, grande parte desses jogos é realizada em
grupos, possibilitando que a criança se volte cada vez mais para o outro, pois as
regras presentes assim exigem. A relação com o outro, por sua vez, favorece a
confrontação de ideias, o auxílio mútuo, a troca de informações.
Szundy (2009) ressalta, ainda, que esse tipo de jogo possibilita a
transposição do mesmo para o processo de ensino-aprendizagem escolar com
propósitos pedagógicos e didáticos, oportunizando situações de interações variadas
(aluno/aluno, aluno/professor). Além disso, oportunizam a realização de mediações
por parte do professor e/ou entre as próprias crianças.
Rocha (2005) faz um recorte na categoria20 mediação afirmando que, no
decorrer da vida dos sujeitos existem muitos tipos de mediações sociais, fazendo
uma diferenciação entre mediações cotidianas e mediações pedagógicas. É central
que a ideia acerca da categoria mediação seja compreendida na perspectiva da
autora citada. Vygotski (1930/2007) aponta que as funções psíquicas (superiores) do
ser humano têm origem nos processos sociais, ou seja, aquilo que é produzido
historicamente pela sociedade e apropriado pelo sujeito. Saviani (2015a) explica
que:
Se a existência humana não é uma dádiva natural, mas tem que ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isto significa que o homem não nasce homem. Ele se forma homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a própria origem do homem.
[...]
O homem é, pois, um produto da educação. Portanto, é pela mediação dos adultos que num tempo surpreendentemente muito curto a criança se apropria das forças essenciais humanas objetivadas pela humanidade tornando-se, assim, um ser revestido das características humanas incorporadas à sociedade na qual ela nasceu (SAVIANI, 2015a, p. 34, grifo do autor).
O sujeito, nesse processo de “aprender a ser homem”, passa desde o
20 O termo categoria, próprio da psicologia sócio-histórica, será explorado nos capítulos teórico e sobre o método.
42
nascimento por estágios primários do desenvolvimento, caracterizados pela
presença de funções elementares do psiquismo, as quais são de natureza biológica
e não mediadas (pois diretamente acionadas pela estimulação do meio, involuntárias
– percepção, atenção, memória natural, entre outras). A partir de tais funções, o
sujeito, ao se apropriar de sua cultura, nas relações entre os sujeitos, nas atividades
práticas e fazendo uso da linguagem, constrói Funções Psicológicas Superiores, que
são tipicamente humanas. Diferentemente das anteriores, estas funções são sociais,
voluntárias e mediadas (atenção e memória voluntárias, raciocínio lógico,
pensamento abstrato, linguagem, entre outras). A constituição do que é de ordem
“superior” requer, segundo Vygotski (1930/2007), vários sistemas de mediação
social entre o homem e o seu meio histórico. Na posição de sujeito histórico, o ser
humano não chega ao conhecimento diretamente. Ele se dá por meio da mediação.
Sirgado Pino (2000b) explica que:
Com efeito, a história humana é a história de uma dupla e simultânea transformação [...] da natureza e do homem. Uma não ocorre sem a outra. Ora, isto só é possível porque na atividade humana opera uma dupla mediação: a técnica e a semiótica. Se a mediação técnica permite ao homem transformar (dar uma “forma nova”) à natureza da qual ele é parte integrante, é a mediação semiótica que lhe permite conferir a essa “forma nova” uma significação (SIRGADO PINO,
2000b, p. 58, grifo nosso).
Sirgado Pino (2000c) explica ainda, que para Vygotski, essa dupla
mediação se dá por meio do que chamou mediadores externos, a saber: os
instrumentos (mediação técnica, que regula as ações dos homens sobre os objetos)
e os signos (mediação semiótica, que regula as ações sobre o psiquismo próprio e o
das demais pessoas). Ambos foram criados pelo homem, e se interpõem entre o
sujeito e o objeto, formando uma relação mediada.
Partindo de tais esclarecimentos, retomamos a consideração feita por
Rocha (2005) acerca das diferentes mediações sociais, buscando compreender: (i)
mediações cotidianas – são aquelas que, deflagradas por contextos cotidianos,
próprios das intercorrências de vida dos sujeitos, tendem a ser assistemáticas,
circunstanciais e não intencionais, no que diz respeito à criança, “mediando a
relação da criança com as experiências empírico-concretas; nelas, os processos
cognitivos dificilmente são tomados como objeto de análise pelos interlocutores”
(ROCHA, 2005, p. 42); (ii) mediações pedagógicas – são aquelas que se
43
diferenciam das anteriores por duas características: a intencionalidade e a
sistematicidade. Essa mediação, deliberada e explícita, pretende levar à aquisição,
pela criança, de conhecimento historicamente acumulado, em situações de ensino-
aprendizagem formais, dentre os quais se destaca o ambiente escolar.
Porém, como menciona Vygotski (s.d./2003), a aprendizagem da criança
começa muito antes da aprendizagem escolar, a qual não parte do zero, pois toda
aprendizagem na escola tem também uma pré-história. Ou seja, a criança conta com
uma aprendizagem não sistematizada ligada ao seu desenvolvimento desde seus
primeiros anos de vida, um processo mediado por outros sujeitos que com ela se
relacionam. Fittipaldi (2007) explica o pensamento vygotskiano a respeito:
Cabe à escola, como reduto de sistematização da cultura constituída historicamente, articular conceitos cotidianos (conceitos construídos baseados na experiência direta do sujeito, ou seja, sem que haja a mediação intencional de alguém mais experiente) e científicos (conceitos construídos por mediação social, pela ação sistemática e intencional de pessoas mais experientes), fazendo com que os primeiros progridam em direção aos segundos que, por sua vez, superarão por incorporação os anteriores, ampliando a compreensão de mundo que o indivíduo tem (FITTIPALDI, 2007, p. 36).
Este processo de articulação mencionado pela autora requer a
intervenção intencional e sistematizada de sujeitos mais experientes, capazes de
organizar o ensino de maneira a possibilitar que a criança mobilize seus conceitos
cotidianos em direção aos conceitos científicos, sendo capaz de efetuar
generalizações. Vygotski (1934/2001) destaca que o processo de formação de
conceitos, ao longo do desenvolvimento, sofre mudanças estruturais, a saber: (i)
logo nos primeiros anos, a criança considera os objetos baseando-se em fatos
perceptuais, sem seguir qualquer ordem lógica; (ii) já em idade pré-escolar, a
criança consegue classificar o mundo por similaridades; (iii) na idade escolar, ela
passa a realizar agrupamentos de objetos, considerando apenas um de seus
atributos, baseando-se em suas impressões imediatas, mas conseguindo perceber a
relação parte/todo; (iv) no período de adolescência, o conceito já está formado: o
sujeito não se prende mais a sua percepção, pois consegue analisar vários atributos,
percebendo o que é essencial. Podemos dizer que, ao longo desse processo,
encontram-se operações importantes, como explica Fittipaldi (2007):
A análise (isolar elementos), síntese (unir elementos) e a articulação dessas operações, portanto, são essenciais: o sujeito precisa
44
comparar os elementos, verificar as características comuns e distintas entre eles (análise), de modo a unir (síntese) os de características comuns, formar grupos e classificá-los. Por sua vez, estas operações requerem a mobilização de conhecimentos prévios, bem como o compartilhar de sentidos e significados (FITTIPALDI, 2007, p. 37).
Possivelmente, é na escola que esse processo de compartilhar sentidos
(hipóteses individuais de cada sujeito com base em suas experiências singulares) e
significados (hipóteses sociais, públicas, de certa maneira convencionais e coletivas)
será ampliado pela rede de relações sociais que oferece. Assim, serão formadas
diferentes organizações (proporcionadas pelo ensino), a partir das mediações dos
instrumentos (no caso instrumentos pedagógicos) utilizados pelo docente, dentre
eles, o que é nosso objeto de estudo: o jogo. Fittipaldi (2007) menciona que o uso
(ou não) dessa estratégia no processo de ensino-aprendizagem se relaciona
diretamente com a concepção de professor, de aluno, de desenvolvimento e de
aprendizagem que o docente traz consigo. Sobre isso, Weisz (2004) menciona que
“quando analisamos a prática pedagógica de qualquer professor, vemos que, por
trás de suas ações, há sempre um conjunto de ideias que as orienta” (WEISZ, 2004,
p. 55). Ou seja, é preciso entender o que está subjacente à ação do professor,
desvelando sua concepção de conteúdo, de objeto de ensino, de aprendizagem e de
ensino.
Fittipaldi (2007) alerta que, se o professor orienta sua atividade
acreditando ser ele o principal detentor do conhecimento, considerando seus alunos
como sujeitos passivos e a aprendizagem como acúmulo de informações, o jogo
será uma estratégia pouco considerada ou, quando isso acontecer, terá um caráter
meramente recreativo. Em contrapartida, se o docente acreditar que seu papel não é
apenas o de transmitir conhecimentos e que aprendizagens acontecem mediante a
articulação das estruturas cognitivas e diferentes mediações, o jogo será utilizado de
forma intencional. Nas palavras da autora:
Se, contudo, como se verifica na perspectiva sócio-histórica, o pressuposto é que o professor exerce o papel de mediador, o aluno é não só ativo, mas também interativo, e a aprendizagem não fica à espera do desenvolvimento, mas articula-se a ele, o jogo poderá então, ser visto como um instrumento mediador importante para promover mudanças nas formas de pensar, sentir e agir (FITTIPALDI, 2007, p. 48).
Ainda conforme Fittipaldi, ao analisarmos o jogo considerando as ideias
45
vigotskianas, é fundamental considerarmos os aspectos das relações que as
pessoas estabelecem entre si, à medida que jogam. Por isso, ao usar essa
estratégia, o professor assume a mediação propiciada pelo jogo, como elemento
central para promover novas aprendizagens. Concordando com Fittipaldi (2007),
Brandão et al. (2009, p.14) ressaltam que os materiais pedagógicos, incluindo os
jogos, trazem em si um saber em potencial. Contudo, esse saber pode (ou não) ser
ativado pelo aluno, cabendo ao professor fazer as mediações necessárias entre os
alunos e os recursos materiais, pois conhece suas possibilidades educativas.
Na perspectiva de Vygotski (s.d./2003, p. 14), “o único bom ensino é o
que se adianta ao desenvolvimento”, pois é por meio das mediações sociais
geradoras de aprendizagens que o sujeito avança em seu desenvolvimento. Para o
autor, a aprendizagem articula-se ao desenvolvimento e, especialmente, o promove.
Há entre desenvolvimento e aprendizagem uma relação mutuamente
constitutiva: a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento que, impulsionado,
permite novas aprendizagens e assim sucessivamente. Desse modo, na perspectiva
sócio-histórica, o desenvolvimento segue uma tendência temporal, a qual não é
imutável, pois depende das condições históricas concretas em que ocorre.
Ao abordar o assunto da periodização, após estudar várias teorias (de
sua época histórica), Vygotski (s.d./2006) postulou que, devido à complexidade do
desenvolvimento infantil, não era possível determinar etapas baseadas apenas em
indícios externos. Para ele, era central que se investigasse o processo interno do
desenvolvimento:
a verdadeira tarefa é investigar o que está por trás desses indícios (externos), aquilo que os condiciona, isto é, o próprio processo de desenvolvimento infantil com suas leis internas. Em relação ao problema da periodização do desenvolvimento infantil isso significa que devemos desistir de qualquer tentativa de classificar as idades por sintomas e passar [...] a uma periodização baseada na essência interna do processo estudado (VYGOTSKI, s.d./2006, p. 253, tradução nossa)21.
A partir dessa ideia, Vygotski (s.d./2006) cunhou os termos: (i) idades
21Cf. original espanhol: la verdadera tarea consiste en investigar lo que se oculta tras dichos indicios, aquello que los condiciona, es decir, el propio proceso del desarrollo infantil con sus leyes internas. En relación com el problema de la periodización del desarrollo infantil eso significa que debemos renunciar a todo intento de clasificar las edades por síntomas y pasar [...] a una periodización basada en la esencia interna del proceso estudiado.
46
estáveis – momentos em que acontecem mudanças microscópicas na personalidade
da criança e que, acumuladas ao longo dos anos, manifestam-se como uma
formação nova, justamente as que foram mais estudadas pelos teóricos de sua
época; (ii) idades críticas – períodos relativamente curtos (podem durar alguns
meses, um ano ou dois no máximo) marcados por traços opostos aos das idades
estáveis, pois são marcados por alterações bruscas e fundamentais que modificam a
personalidade da criança. São momentos de verdadeiras viradas no
desenvolvimento que, por vezes, manifestam-se como “crises”, termo empregado
pelo autor.
Nessa perspectiva, Vygotski (s.d./2006) explica que, como o
desenvolvimento é marcado por crises ao longo das idades, no interior desses
períodos críticos ocorre sempre uma nova formação central (vinculada ao momento
biológico e ao meio histórico-social dos sujeitos), de caráter transitório. São essas
formações que guiam o processo de desenvolvimento em períodos específicos
gerando mudanças nas estruturas psicológicas da criança. Essas modificações não
se dão de maneira isolada, mas em uma relação dialética do todo com as partes. A
formação central de um período servirá de base às formações que surgem nos
demais períodos, nelas diluindo-se e participando, ainda que de maneira subjacente.
Na espiral do desenvolvimento descrita por Vygotski (s.d./2006), o
pesquisador postula a existência de dois níveis de desenvolvimento, que se
encontram diretamente ligados à aprendizagem e às mediações pedagógicas.
O primeiro nível, denominado de “nível de desenvolvimento real”
(doravante NDR), marca aquilo que a criança consegue fazer por si mesma, sem
auxílio de um adulto ou parceiros mais experientes. Vygotski alerta para o fato de
que o NDR não é dado apenas pela idade cronológica da criança, sendo necessária
uma investigação mais aprofundada, pois,
estabelecer o nível real de desenvolvimento é uma tarefa essencial e indispensável para a solução de todas as questões práticas relacionadas com a educação e aprendizagem das crianças, para controlar o curso normal de seu desenvolvimento físico e mental ou diagnóstico de umas ou outras alterações no desenvolvimento, que venham a perturbar o caminho normal e conferem ao processo caráter
47
anormal, atípico e, por vezes, patológico (VYGOTSKI, s.d./2006, página 253, tradução nossa)22.
O segundo nível, chamado de “nível de desenvolvimento próximo”
(doravante NDP), volta-se para as Funções Psicológicas Superiores que ainda se
efetivarão, mediante o auxílio e a colaboração de parceiros mais experientes.
Considerando esses dois níveis, Vygotski (s.d./2006; 1930/2007) cria o
conceito que valida seu pensamento a respeito das relações da aprendizagem com
o desenvolvimento (nesta ordem): o de “Zona de Desenvolvimento Próximo”
(doravante ZDP)23 – definida pelo autor como “A área de processos imaturos, mas
em vias de maturação” (VYGOTSKI, s.d./2006, p. 269, tradução nossa)24. Rocha
(2005) esclarece que este conceito de Vygotski faz referência às Funções
Psicológicas Superiores emergentes, referindo-se, portanto, àquilo que o sujeito
“ainda” não consegue dominar e/ou realizar sozinho, mas de que pode vir a se
apropriar, quando auxiliado, aprendendo. É exatamente nessa “zona próxima” que
deve se concentrar o processo de ensino, para gerar aprendizagens e,
consequentemente, o desenvolvimento. Assim:
A aprendizagem desempenha, nesta abordagem, a função essencial de criar na zona de desenvolvimento proximal vários processos, desencadeados pela interação da criança com pessoas em seu ambiente ou pela colaboração com seus companheiros. Da perspectiva da Psicologia histórico-cultural, aprendizagem e desenvolvimento não podem ser tomados como processos idênticos, mas inter-relacionados, pois o primeiro, quando adequadamente organizado, propicia a formação do segundo (ROCHA, 2005, p. 40).
Por isso, Vygotski, em grande parte de suas obras voltadas a esse
assunto, destaca o relevante papel desempenhado pela escola, se ela abrigar um
ensino que seja direcionado, interativo, mediador. O autor indica que o bom ensino
22Cf. original espanhol: Establecer el nível real de desarrollo es una tarea esencial e indispensable para la solución de todas las cuestiones prácticas relacionadas con la educación y el aprendizaje del niño, con el control del curso normal de su desarrollo físico y mental o el diagnóstico de unas u otras alteraciones en el desarrollo que perturban la trayectoria normal y confieren a todo el proceso carácter atípico, anormal y, a veces, patológico.
23Encontramos maneiras diferentes, por parte dos autores, de fazer referência a este conceito vygotskiano. Assumimos, para este estudo, o termo “Zona de Desenvolvimento Próximo”, aquela que aparece nas Obras Escogidas (tradução em espanhol), volume IV.
24Cf. original espanhol: La esfera de los processos inmaturos, pero em vá de maduración, configura la zona de desarrolho próximo del niño.
48
precisa ter como ponto de partida o NDR do sujeito, que deve ser conhecido de
forma ampla e profunda, mas se concentrar nas mediações que incidam na ZDP.
Para tanto, o professor poderá e deverá lançar mão de instrumentos mediadores
como livros e materiais pedagógicos variados, dentre eles, o jogo.
Fittipaldi (2007) ressalta, com base no pensamento vygotskiano, o fato de
que não se pode dissociar o ensino da aprendizagem, pois ambos fazem parte de
um processo no qual um revela o outro; assim, o jogo (principalmente aquele com
regras explícitas), entre tantos instrumentos mediadores, torna-se interessante para
os sujeitos (professor/alunos) desse processo.
No tocante ao campo da aprendizagem, a autora considera ser possível
que as funções de jogo atuem sobre o desenvolvimento, possibilitando ao aluno: (a)
desempenhar papel ativo diante de situações-problema postas em situação de jogo;
(b) ativar seus conhecimentos prévios, levantando hipóteses e, adquirindo novos
conhecimentos, ao tirar novas conclusões sobre os fatos; (c) comparar suas
estratégias com as de seus colegas, estabelecendo relações entre elas; (d)
expressar seu pensamento, argumentando e justificando suas jogadas; (e) utilizar
conceitos, dando-lhes significações e ressignificações conforme a necessidade
presente na situação de jogo; (f) utilizar e ampliar as funções psicológicas superiores
(como atenção e memória voluntárias, linguagem, capacidade de planejamento
estratégico, raciocínio etc.).
Acrescentamos, ainda, as pontuações de Carvalho e Oliveira (2014) ao
ressaltarem que tais aspectos não ficam circunscritos a um jogo específico e/ou
apenas às situações lúdicas, é possível que o sujeito os utilize em outros planos,
permitindo que “o jogador/aluno” venha a aplicá-los em outras situações escolares
ou nas da vida cotidiana.
No tocante ao campo do ensino, Fittipaldi (2007) destaca que o jogo se
configura como instrumento mediador favorável ao professor, pois a partir das
situações vivenciadas pelos alunos, o docente poderá, ainda que parcialmente: (a)
apreender a lógica de raciocínio do aluno; (b) perceber como o aluno se coloca
diante das situações de jogo, na resolução de problemas; (c) identificar, em
determinada situação de jogo, quais conceitos o aluno já dispõe; (d) conhecer e
analisar as razões que levaram o aluno ao sucesso ou ao fracasso em suas jogadas,
identificando sua estratégia de pensamento; (e) repensar sua atividade docente,
49
evitando centralizar em si o processo de ensino e apostando nas situações coletivas
entre as crianças como momentos importantes de mediação e aprendizagem.
Com base em Carvalho e Oliveira (2014), acrescentamos ainda um
aspecto que consideramos ser de fundamental importância: as situações de jogo
constituem-se em espaços ativos de reflexão acerca do erro e do acerto. Mediante a
compreensão das regras envolvidas, com a clara definição dos objetivos e com a
presença da competição, cria-se um espaço interessante para o professor que, além
de mediar as aprendizagens mencionadas, auxilia os alunos/jogadores na tomada
de consciência acerca do sucesso e do fracasso em suas jogadas e, no uso de suas
estratégias. Explicam as autoras:
visto que o sujeito ativo, em posse da compreensão das regras do jogo e tendo garantido seu “jogar certo”, pode voltar-se para o “jogar bem”, compensando desafios e perturbações que o movimento dos jogos pode evidenciar. Os erros cometidos nas jogadas podem desencadear tomadas de consciência de novos meios a serem empregados; novas criações e descobertas de estratégias feitas (CARVALHO e OLIVEIRA, 2014, p. 442).
Assim, diante do exposto até o momento, torna-se possível considerar
que o jogo cria uma ZDP que proporciona condições de observação ativa do
professor junto ao aluno jogador, podendo intervir, mediar e, como cita Fittipaldi
(2007), “alavancar o desenvolvimento que promove novas aprendizagens e, assim
[...] buscando de modo gradativo aumentar a autonomia do educando, até que seu
auxílio torne-se desnecessário” (p. 56). Citando Vygotski (Elkonin, 1978/2009),
buscamos confirmar as ideias que discorremos até o momento:
A relação do jogo com o desenvolvimento é a da aprendizagem para o desenvolvimento. Por trás do jogo estão as mudanças de necessidades e as mudanças de consciência de caráter mais geral. O jogo é uma fonte de desenvolvimento e cria zonas de evolução imediata (ELKONIN, 1978/2009 – anexo, p. 424).
E, sendo assim, acreditamos que este instrumento mediador (que
também podemos chamar de estratégia de ensino) merece ser considerado e
utilizado na prática pedagógica, notadamente no âmbito do Ensino Fundamental I
(etapa em foco neste estudo). Assim, buscamos apreender e compreender as
significações que professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto
à importância dos jogos educativos como estratégia no processo de ensino-
aprendizagem, porque acreditamos que apreendendo tais significações, poderemos
50
identificar possíveis razões pelas quais os docentes (como organizadores do meio
educativo e do ensino, como parte integrante de sua atividade docente)25,
consideram ou descartam o jogo como instrumento promotor da aprendizagem e do
desenvolvimento.
25Esta forma de atividade será mais bem explorada no capítulo 2 (teórico).
51
2 – REFERENCIAL TEÓRICO
A ideia/conceito da condição humana é fundamental para darmos o salto da concepção naturalista do homem para uma concepção sócio-histórica. Na ideia de condição humana, nada no homem está aprioristicamente concebido.
Ana Mercês Bahia Bock, Aventuras do Barão de Münchhausen na psicologia.
De acordo com Altenfelder (2010, p. 14): “A voz que emerge da
investigação (em uma pesquisa) é a do pesquisador, que deve ter sólida base
teórica para sair do senso comum e produzir um conhecimento com rigor científico”.
Assim, o referencial teórico que embasará esta pesquisa, como já mencionado
anteriormente, será o da psicologia sócio-histórica, que se pauta no materialismo
histórico dialético. Como buscamos apreender e compreender as significações que
professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto à importância dos
jogos educativos como estratégia no processo de ensino-aprendizagem, recorremos
à psicologia sócio-histórica para melhor desvelarmos tal fenômeno. Apresentamos,
neste capítulo, os princípios teóricos que compõem a referida escola da psicologia e,
em seguida, discutimos, em separado, algumas categorias que a constituem e que
são utilizadas no presente estudo. Fechando o capítulo, abordamos questões
pertinentes à atividade docente e à educação escolar, pontos importantes para as
reflexões a serem consideradas nesse estudo.
L. S. Vygotski (1896–1934), juntamente com seus principais
colaboradores, A. N. Leontiev (1903–1979) e A. R. Luria (1902–1977) constituíam a
chamada Troika26 e foram responsáveis diretos pelo surgimento da corrente sócio-
histórica na psicologia, no início do século XX, na antiga União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (hoje, Rússia). A contribuição dada aos estudos da ciência
psicológica veio a partir de uma visão de mundo apoiada, principalmente, em Marx e
Engels, que:
refletiu as mais avançadas e fundamentais influências sócio-ideológicas relacionadas à compreensão das forças essenciais do homem, das leis de seu desenvolvimento histórico e de sua formação plena, nas condições da nova sociedade socialista, pensamento que se manifestou plenamente na filosofia materialista dialética que
26Troika ou troica (em russo: тройка) é a palavra russa que designa um comitê de três membros. A origem do termo vem da "troika", que em russo significa um carro conduzido por três cavalos alinhados lado a lado ou, mais frequentemente, um trenó puxado por cavalos. Fonte: wikipedia.org.
52
[Vygotski] conhecia a fundo e na qual baseou toda a sua teoria (TULESKI, 2008, p. 36).
Vygotski insistia na superação do que denominou “a velha psicologia”.
Para tanto, ele desenvolveu minuciosa análise das principais teorias psicológicas
daquela época, apropriando-se de tudo que havia de melhor e mais avançado nessa
área. Consideramos aqui necessário abrir parênteses para esclarecermos a situação
histórica vivida na área da psicologia, para que se possa ter uma melhor
compreensão acerca do pensamento trazido por Vygotski.
Conforme Bock (2007), a psicologia foi instituída como ciência em 1879
(final do século XIX). Era o início da ciência moderna, pautada pelo método
científico, no qual se empregavam critérios rigorosos acerca de como proceder nas
pesquisas: caráter experimental, base empírica e valorização do aspecto quantitativo
dos eventos estudados. Esses aspectos também marcaram fortemente a ciência
psicológica nascente. A mesma autora, no entanto, indica que já se caracterizava a
consciência como objeto de estudo da psicologia, porém desde o início:
Via o pensamento humano, ao mesmo tempo, como produto da natureza e como criação da vida mental. Concebia o indivíduo ao mesmo tempo como criatura e como criador [...] já em seu nascimento a psicologia carregava as contradições do humano, sem que fossem percebidas em uma ciência unificada (BOCK, 2007, p. 16).
Desse impasse, que não poderia ser solucionado a partir do método
empirista que se propunha, surgiram várias propostas que visavam superar e/ou
contrapor as ideias vigentes, dentre elas a de Vygotski. Para esse autor, a
transformação, a superação de um dado estado atual, deveria acontecer a partir de
uma crítica fundamentada, mediante cuidadoso processo de análise, ou seja, a partir
do conteúdo da própria psicologia. Seu objetivo central era criticar, questionar a
visão existente nas correntes teóricas: de um lado, as subjetivas (que naturalizavam
o humano, sem considerarem sua historicidade) e, de outro, as objetivas (para as
quais o social era determinante do humano, sem captarem a complexidade do
movimento de se constituir humano). Ambas, na opinião de Vygotski (e de seus
colaboradores), não davam conta de explicitar a totalidade do fenômeno psicológico
e, por isso, defendia o rompimento com o pensamento dicotômico vigente entre
“corpo” e “mente”, entre “homem” e “realidade”. Vygotski (1930/2007) entendia que,
para sua crítica ser contundente, era preciso superar os princípios metodológicos
53
difundidos até então. Dessa maneira, ao propor uma nova abordagem para o estudo
da psicologia, foi inevitável que, com ele, surgisse, também, um novo método para
analisar os fenômenos psicológicos.
Quando falamos de fenômeno psicológico, é fundamental explicitar que a
psicologia se firma como uma ciência necessária para o entendimento do homem
que surgia das ideias liberais e capitalistas: um ser que conheceria e vivenciaria a
individualidade trazida pela modernidade. De acordo com Bock (2007), o mundo
hierarquizado e feudal deixava de ser o modelo vigente. Com o capitalismo, os
sujeitos eram incentivados à exploração da natureza em busca de matérias-primas e
de transformá-las, vendê-las ou delas usufruir, tornando-se sujeitos produtivos e, ao
mesmo tempo, consumidores. Surgia a ideia de “mundo interior” dos sujeitos, da
existência de componentes individuais, privados, singulares, permitindo que se
desenvolvesse um “sentimento de eu”; dessa forma tornou-se possível uma ciência
que estudasse esse sentimento e os demais fenômenos psicológicos. Explica a
autora que a psicologia de então assumia um fenômeno psicológico descolado da
realidade, como algo abstrato: as características humanas eram típicas da espécie,
caracterizando-se como um fenômeno naturalizado.
Contudo, a psicologia sócio-histórica, mediante as postulações de
Vygotski, não trabalha com essa concepção.
[...] falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade. Falar da subjetividade humana é falar da objetividade em que vivem os homens. A compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do “mundo externo”, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o homem atua e constrói/modifica o mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem (BOCK, 2007, p. 22, grifo nosso).
Aguiar (2007a) indica que, para a psicologia sócio-histórica, o fenômeno
psicológico é um objeto a ser estudado a partir de sua gênese, retomando-a no
homem, de forma concreta, constituindo categorias27 de análise que captem o
27 O termo “categoria” vem do materialismo histórico dialético e foi incorporado ao arcabouço teórico da psicologia sócio-histórica. Para se estudar o fenômeno psicológico é preciso que se lance mão de categorias de análise. Elas se apresentam como aspectos do fenômeno e devem dar conta de explicitar, descrever e explicar o fenômeno estudado em sua totalidade. São construções ideais, teóricas, que representam a realidade concreta e, como tal, precisam carregar o movimento do fenômeno estudado, suas contradições e historicidade (AGUIAR, 2007a, p. 95).
54
movimento do real. É ir além do fato empírico, desvendando as relações e
determinações que não são percebidas em uma primeira instância perceptual. Essa
característica metodológica tem sua origem nas postulações realizadas por Vygotski
acerca de como proceder na nova psicologia. Já em seu livro O significado histórico
da crise da psicologia, de 1927, o autor descreveu o que denominou “crise da
psicologia”, apontando a necessidade dessa ciência ter seu próprio “capital”,
contando com uma infraestrutura lógico-metodológica própria. Conforme Iarochevski
e Gurguenidze (1996):
O fato de que a psicologia já (tenha) tinha reconhecido a necessidade de uma ciência geral (a metodologia) e de que (seja) fosse ao mesmo tempo incapaz de gerá-la (é) foi considerado por Vigotski como uma prova da crise da psicologia (IAROCHEVSKI e GURGUENIDZE, 1996, p. 501, grifos nossos).
Explica Tuleski (2008) que, para atingir seu objetivo, Vygotski enfatizou a
questão metodológica em todos os seus escritos, buscando nos princípios do
marxismo – o materialismo histórico dialético – caracterizar uma nova forma de
proceder para a nova psicologia. Segundo Iarochevski e Gurguenidze (1996),
Vygotski buscava escapar da psicologia “de superfície”, indo em direção a um
mecanismo psíquico novo. Para tanto, estudava a constituição e desenvolvimento
das funções psicológicas, apresentando uma visão interna do sujeito, em uma
perspectiva processual e histórica. Dietz (2013) explica que a perspectiva marxista
traz dois princípios, profundamente vinculados, para abordar o desenvolvimento
social, são eles: (i) o materialismo histórico – caminho teórico que auxilia a complexa
investigação da sociedade; (ii) a dialética – método utilizado em tal investigação, no
qual se considera a realidade como histórica, dinâmica e provisória. Saviani (2015a)
destaca que Marx defendeu o princípio de que a vida real é que determina a
consciência e não o inverso. Com isso, coloca a dialética em bases materiais, tendo
“no ponto de partida, indivíduos reais produzindo os seus meios de vida e
desencadeando a história como obra dos próprios homens” (SAVIANI, 2015a, p. 28).
Portanto, de acordo com as colocações feitas por Bock (2007),
ressaltamos que a psicologia de abordagem sócio-histórica adota como pressuposto
o método materialista histórico dialético caracterizado por: (i) uma concepção
materialista – na qual se concebe a realidade material independente da ideia, do
pensamento e da razão; (ii) uma concepção dialética – toma a contradição como
55
característica fundamental de tudo o que existe, assumindo a contradição e sua
superação como base do movimento de transformação da realidade humana; (iii)
uma concepção histórica – na qual a história deve ser analisada a partir da realidade
concreta e não de ideias advindas de concepções anteriores (materialista e
dialética), pois “as leis que regem a sociedade e os homens não são naturais, mas
históricas” (BOCK, 2007, p. 34).
Embasados em Aguiar (2000), consideramos ser fundamental que se
compreenda a concepção de homem postulada na produção da psicologia sócio-
histórica, essencial para que se possa alcançar o olhar metodológico trazido por
Vygotski. De acordo com a autora, adepta dessa abordagem, o homem é visto como
um sujeito ativo, histórico e social. Justamente por ser histórico, torna-se passível de
mudanças de acordo com o meio social em que estiver inserido, em uma
determinada etapa de sua evolução. Complementa ainda Aguiar (2000):
Não se está simplesmente afirmando, no caso, que o homem se encontra ligado ao mundo e à sociedade ou que é influenciado por ela, mas sim que se constitui sob determinadas condições sociais; resultado da atividade de gerações anteriores (AGUIAR, 2000, p. 126).
A psicologia proposta por Vygotski e seus colaboradores tinha o firme
propósito em romper com a visão naturalista – de natureza humana – adotada pelas
teorias da época, que não situavam o homem historicamente, vendo seu
desenvolvimento como mera atualização da natureza, que fazia desabrochar os
conteúdos nele contidos (AGUIAR, 2000). Conclui a autora que essa visão oculta as
condições históricas, culturais e sociais presentes no processo de desenvolvimento.
Conforme a ideia de superação trazida por Vygotski, Aguiar (2000) indica-nos que
mais adequado seria postular para o homem não uma natureza humana e, sim, uma
“condição humana, na medida em que ela se refere a um homem que constrói sua
existência a partir de uma ação sobre a realidade, com o objetivo de satisfazer suas
necessidades” (AGUIAR, 2000, p.127). Sobre esse aspecto, Bock (1999) indica que
isso não significa descartar as condições biológicas do sujeito, mas compreender
que é o mundo social e histórico que fazem dele um ser humano.
As condições biológicas hereditárias do homem são a sustentação de um desenvolvimento sócio-histórico, que lhe imprimirá possibilidades, habilidades, aptidões, valores e tendências historicamente conquistadas pela humanidade e que se encontram condensados nas
56
formas culturais desenvolvidas pelos homens em sociedade (BOCK, 1999, p. 28).
O homem deve ser compreendido como historicamente determinado e
determinante, com todas as contradições presentes nesse processo dinâmico,
dialético e não dicotômico. A constituição do humano se dá, portanto, num
movimento revolucionário, de total reestruturação psíquica. Sendo assim,
encontramos, no centro dos estudos psicológicos de Vygotski, as funções
psicológicas. Como explica Brando (2012), as funções psicológicas elementares
(atenção e memória, percepção, reflexos motores) são definidas como habilidades
naturais, imediatas e involuntárias, que fornecem as condições biológicas para o
processo de formação de sistemas cerebrais mais complexos que são as funções
psicológicas superiores (pensamento, linguagem, imaginação, atenção e memória
voluntárias). Estas últimas, não surgem naturalmente; elas são construídas e se
desenvolvem a partir de transformações qualitativas na atividade humana e em
contato com o mundo social e cultural, sendo, pois, mediadas e intencionais. Nas
palavras do próprio Vygotski (1930/2007):
Se incluirmos essa história das funções psicológicas superiores como um fator de desenvolvimento psicológico, certamente chegaremos a uma nova concepção sobre o próprio processo geral de desenvolvimento. Podem-se distinguir, dentro de um processo geral de desenvolvimento, duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem sociocultural (VYGOTSKI, 1930/2007, p. 42).
Vygotski (1930/2007) explica ainda que as funções psicológicas
superiores não admitiam estudos de experimentação, pois os resultados seriam
insuficientes e limitados. Por serem de origem sociocultural, são especificamente
humanas e parte fundamental do desenvolvimento psicológico do homem. Enfatiza
que se trata do desenvolvimento histórico de nossa espécie e aceitar isso é entender
a necessidade de uma nova proposta metodológica. Facco (2013), Altenfelder
(2010) e Rocha (2005) indicam em suas obras que, na concepção trazida por
Vygotski e seus colaboradores, encontramos referência a diferentes planos de
desenvolvimento em constante interligação, caracterizando e constituindo o
desenvolvimento humano. São eles: (a) filogênese – que diz respeito ao plano da
espécie humana e seu desenvolvimento, nos eixos quantitativos e qualitativos; (b)
57
ontogênese – que diz respeito ao indivíduo, organismo individual da espécie na
condição de ser histórico, social; (c) sociogênese – que se refere ao plano do grupo,
à cultura na qual o sujeito social está inserido, pois a cultura também faz parte do
desenvolvimento; (d) microgênese – alude ao plano dos processos singulares
vivenciados por cada indivíduo, ou seja, trata-se da história de cada um. Facco
(2013) explica que “essas instâncias encontram-se imbricadas umas nas outras –
todas caminham juntas – cada uma com suas particularidades” (p. 24).
Brando (2012) e Rocha (2005), cada uma em sua pesquisa, explicam que
Vygotski e seus colaboradores, ao adotarem esse modo de ver o homem – como
alguém social e historicamente constituído, que se apropria de sua cultura por meio
de atividades práticas e de relações mediadas –, lançaram mão de categorias para
compreender e estudar o fenômeno psicológico, seu processo histórico e suas
transformações dialéticas. Contudo, Iarochevski e Gurguenidze (1996) ressaltam
que, para Vygotski, não bastava transpor diretamente as categorias e leis da
dialética materialista para a psicologia, pois elas se tornariam estéreis. Assim,
partindo das que já existiam, o autor postulou categorias próprias para legitimar o
método materialista histórico dialético em psicologia, reafirmando ser preciso olhar a
relação homem-mundo, mediada pelo pensamento dialético, sem dicotomias.
Esclarece-nos Netto (2011):
o objetivo da pesquisa marxiana é, expressamente, conhecer “as categorias que constituem a articulação interna da sociedade burguesa”. E o que são “categorias”, das quais Marx cita inúmeras (trabalho, valor, capital, etc.)? As categorias, diz ele, “exprimem [...] formas de modos de ser, determinações de existência, frequentemente aspectos isolados de [uma] sociedade determinada” – ou seja: elas são objetivas, reais (pertencem à ordem do ser – são categorias ontológicas); mediante procedimentos intelectivos (basicamente, mediante a abstração), o pesquisador as reproduz teoricamente (e, assim, também pertencem à ordem do pensamento – são categorias reflexivas). Por isto mesmo, tanto real quanto teoricamente, as categorias são históricas e transitórias (NETTO, 2011, p. 14, grifo nosso).
Assim, é o pensamento categorial que possibilita olhar a realidade e
compreendê-la em seu movimento, indo além daquilo que está no senso comum.
Importante ressaltar que, nesse contexto, compreender não significa “descrever” a
realidade, mas apreender a forma como se dá o movimento interno do conteúdo
presente em sua totalidade. Dessa forma, as categorias presentes no método, e nele
58
articuladas, são extraídas do real, justamente para melhor analisá-lo, explicá-lo,
explicitá-lo e compreendê-lo em seu movimento historicamente datado. Elas são
úteis para determinado momento histórico: mudando a realidade, consequentemente
a(s) categoria(s) se supera(m). Para alcançar o objetivo de nosso trabalho,
abordaremos as categorias historicidade, mediação, atividade, consciência,
subjetividade, pensamento e linguagem, sentido e significado.
2.1. Historicidade
Conforme Gonçalves (2007), a referência básica de análise da psicologia
sócio-histórica é a da historicidade (da história), pois ela constitui o marco central da
proposta trazida por Vygotski e colaboradores. Sirgado Pino (2000a) explica, de
acordo com as ideias de Vygotski, que é possível considerarmos dois eixos teóricos
para a referida proposta: (i) o desenvolvimento psicológico é um processo histórico;
(ii) o psiquismo é de natureza cultural. Segundo o mesmo autor, a palavra “história”
tem, para Vygotski, dois significados que se interligam:
(1) Sentido geral – refere-se à abordagem dialética geral das coisas, em
um sentido materialista, funda-se numa concepção da realidade como
“totalidade concreta”. Apresenta a ideia de natureza em dois níveis, a
saber: (i) ontológico: a realidade em si, independente do homem,
aquilo de que fala a ciência; (ii) dialético: é a realidade para si, para o
homem, constitui-se aqui o objeto da ciência. Nas palavras do próprio
Sirgado Pino (2000a, p. 35): “Neste nível, a natureza tem uma
dimensão histórica, na medida em que adquire existência para o
homem que ao agir sobre ela e transformá-la, integra-se na sua
própria história”.
(2) Sentido restrito – refere-se à história como aquela própria do homem
e entendida como o próprio materialismo histórico. “Desde que existe
o homem, história da natureza e história do homem são inseparáveis”
(SIRGADO PINO, 2000a, p. 35). É o homem assumindo o controle de
sua própria evolução e rompendo com o determinismo biológico visto
nas demais espécies animais.
Sirgado Pino (2000b) afirma ser esta uma questão-chave ao se analisar a
59
natureza do social e do cultural na abordagem vygotskiana: não se pode pensar a
realidade humana, na perspectiva social e cultural, sem historicidade, sem a história
do sujeito e de sua constituição na espécie humana. Afirma ainda o autor:
História é entendida por Vygotski de duas maneiras: em termos genéricos, significa “uma abordagem dialética geral das coisas”; em sentido restrito, significa “a história humana”. Distinção que ele completa com uma afirmação lapidar: “a primeira história é dialética; a segunda é materialismo histórico”.
[...]
Consideramos isto de suma importância, pois nos dá o perfil do autor como pensador da natureza humana, constituindo o núcleo duro da sua obra (SIRGADO PINO, 2000b, p. 48, grifo nosso).
A partir da dupla maneira com que a história é entendida pela psicologia
sócio-histórica, o sujeito encontra-se em uma relação dialética com os outros de sua
espécie, com as coisas, com a realidade (genérico). Nessas relações, o sujeito, por
meio de seu trabalho, transforma a natureza, criando condições materiais para sua
existência (restrito). Ou seja, no sentido restrito, refere-se à história do homem, algo
que o torna distinto de outros animais. Dietz (2013) explica que a historicidade
descrita como uma das instâncias constituintes do sujeito nos possibilita entendê-lo
mediante suas relações históricas, no mundo material, adotando como seu aquilo
que com ele ocorre. As pessoas, do ponto de vista materialista dialético, “são
‘marcadas’ pela sua historicidade, a depender da multiplicidade de fatos e vivências,
que acumulam e se articulam” (DIETZ, 2013, p. 41).
Sirgado Pino (2000b) esclarece ainda que, no pensamento vygotskiano,
nem tudo o que é social é cultural, muito embora tudo que seja cultural seja também
social, pois o social é, ao mesmo tempo, condição e resultado do aparecimento da
cultura. Explica que a cultura é a totalidade das produções humanas (técnicas,
artísticas, científicas, tradições, instituições sociais e práticas sociais) e está
relacionada com o caráter duplamente instrumental, técnico e simbólico da atividade
humana. Gonçalves (2007) menciona que a análise da historicidade se dá por meio
das experiências humanas definidas como “toda atividade realizada socialmente
pelos homens, como forma de atender suas necessidades, produzindo assim sua
própria existência” (GONÇALVES, 2007, p. 38). Nesse sentido, Aguiar (2007a)
indica que:
60
a humanidade necessária para que o homem se torne humano está na cultura, nas coisas construídas pelo homem que se objetivaram na cultura, nas relações sociais, nos outros, nas formas de vida, no meio, que é um meio humano, porque construído pela atividade humana, pelo trabalho (AGUIAR, 2007a, p. 96).
Ao produzir sua existência, o homem o faz por meio de ideias e objetos,
com a base material de sua sociedade e de sua cultura, que refletem a realidade de
determinado momento histórico. Por isso, ao olharmos para o restrito, para o
particular, e tentarmos entendê-lo, não podemos desconsiderar o todo. Sirgado Pino
(2000a) explica que, na categoria historicidade é preciso se considerar a noção de
totalidade, ou seja, só é possível analisarmos o sujeito em seu processo constitutivo,
tendo como princípio norteador o da totalidade. Ao olharmos o sujeito e analisá-lo
com base nesse princípio, levamos em conta as múltiplas relações e partes que o
constituem, porém sem esquecer que cada parte também contém a totalidade e a
revela em suas expressões.
A categoria historicidade deve perpassar todo o presente estudo,
principalmente ao nos debruçarmos sobre o restrito, sobre o particular, aqui
representado por um grupo de professores atuantes no Ensino Fundamental I,
constituído para a coleta de dados, na tentativa de compreendê-lo em seu
movimento real e histórico; apresentado como parte constituinte da totalidade, que
contém todas as características dessa totalidade: ser docente da rede pública no
Ensino Fundamental I, na rede de ensino de um município da Grande São Paulo.
2.2. Mediação
Rocha (2005) aponta que, na perspectiva da psicologia sócio-histórica,
categorias são necessárias para que se entenda o movimento de humanização;
esclarece ainda que a atividade mediadora, desvelada na categoria mediação, é a
que
permite entender a apropriação do mundo pelos sujeitos, as relações entre eles e a emergência de processos psicológicos internos, nomeados pela teoria (sócio-histórica) como superiores, e que marcam sua diferenciação em relação às capacidades dos animais (ROCHA, 2005, p. 31).
Com base também nas ideias vygotskianas, Severino (2012) defende que
a existência humana é sempre mediada e, para tanto, se realiza nas atividades e
61
ações concretizadas pelo homem. Indica ser possível apreendê-las a partir da
análise de suas mediações, ou seja, de como o homem se constitui na relação
dialética com o mundo. Por isso, destaca que a mediação é uma categoria
fundamental por ser
instância que relaciona objetos, processos ou situações entre si; a partir daí, o conceito designará um elemento que viabiliza a realização de outro, que, embora distinto dele, garante a sua efetivação, dando-lhe concretude (SEVERINO, 2012, p. 44).
Contudo, Brando (2012) explica que a referida categoria não deve ser
tomada como mera ligação entre elementos, mas sim como centro organizador da
relação entre eles. Assim, assumimos e concordamos com a colocação de Dietz
(2013) quando elucida que, pela mediação, é possível explicar o fenômeno da união
de contrários em que um não é sem o outro, mas um não é o outro. Sirgado Pino
(2000c) esclarece que a ideia de mediação é fundada na teoria marxista de
produção, que postula ser o desenvolvimento humano resultado da atividade de
trabalho, no qual Marx identificou uma relação de dupla produção humana: o homem
transforma a natureza e se transforma, desenvolvendo funções e habilidades. Mas,
de onde vem a qualidade mediadora da atividade trabalho?
Vygotski (1930/2007) indica que são as atividades mediadoras que
caracterizam a relação homem/mundo, bem como a dos próprios homens entre si.
Tais mediações podem ocorrer por meio de instrumentos culturais (objetos e
ferramentas utilizados pelo homem para transformar a natureza, produtos da prática
social do trabalho) e/ou signos (sistemas sígnicos, meios auxiliares que dirigem a
atividade interna do homem). É por intermédio desses dois instrumentos mediadores
que se desenvolvem as funções psicológicas superiores no ser humano. Esclarece o
autor:
O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediadora – muda, fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto, podemos usar o termo função psicológica superior, ou comportamento superior, com referência à combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica (VYGOTSKI, 1930/2007, p. 56).
Brando (2012) e Altenfelder (2010) indicam que instrumentos e signos
cumprem uma função mediadora, mas que a diferença existente entre eles,
62
apontada por Vygotski, se encontra substancialmente nas funções desempenhadas,
a saber: no que diz respeito aos instrumentos, agem sobre o ambiente, dirigem-se à
transformação da realidade concreta, tendo como função modificar objetos e a
natureza em geral. No tocante aos signos, eles agem sobre os indivíduos, dirigem-
se à atividade interna do sujeito, controlando comportamentos e processos
cognitivos, constituindo-se em ferramentas psicológicas.
A partir de tais pressupostos, Altenfelder (2010) especifica o quanto é
importante e necessário compreendermos que a relação do homem com o real não
é direta, mas mediada pela atividade, tendo também a mediação da linguagem
(principal sistema de símbolos/signos presentes na realidade humana) e das
relações sociais, sempre num movimento dialético. Nas palavras da autora:
Compreender que o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelos outros e pela cultura a partir de uma instância que relaciona objetos, processos e situações e que, muito além de ligar elementos entre si, constitui-se como centro organizador da relação do homem com o mundo, implica pensar nos processos de transmissão de cultura e entender o papel da escola e da educação no desenvolvimento do sujeito (ALTENFELDER, 2010, p. 20, grifo nosso).
Assim, é possível dizer que os instrumentos assumem espaço na
atividade material e os signos na atividade psicológica, porém, pelo processo de
internalização28, ambos são fundamentais nas mediações do desenvolvimento
humano. Portanto, validados por Saviani (2015a), Facco (2013) e Altenfelder (2010),
acreditamos que a categoria mediação seja de fundamental utilidade para o
presente estudo, pois: (i) a educação é uma atividade mediadora no interior da
sociedade, tendo a escola como seu principal instrumento; (ii) ao analisar a atividade
docente como mediadora, é preciso levar-se em conta que o conhecimento (objeto
de trabalho do professor) resulta das relações dos sujeitos e não de algo abstrato,
havendo diversos instrumentos e signos mediando tais relações; (iii) ao lançar
28Vygotski (1930/2007) chama de internalização a reconstrução interna de uma operação externa. Isso ocorre mediante algumas transformações em relação às atividades e, num primeiro momento, encontra, em nível externo, entre pessoas (interpessoal) e, posteriormente, com o desenvolvimento possibilitado pelas diversas mediações, assume um nível interno (intrapessoal). “A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente” (VYGOTSKI, 1930/2007, p. 58).
63
clareza sobre o entendimento da relação entre professor, aluno, escolha de
estratégias e uso de materiais didáticos, no caso deste estudo, os jogos didáticos.
2.3. Atividade, consciência e subjetividade
As categorias de análise atividade, consciência e subjetividade
encontram-se intrinsecamente relacionadas, conforme indicado por Facco (2013):
Desenvolvendo algumas ideias de Vygotski [...] para entender a consciência, é preciso compreender a atividade; de igual modo, é central apreender os movimentos constitutivos da consciência. De fato, quando se consideram essas duas instâncias – atividade e consciência –, torna-se possível perceber as múltiplas determinações (constituídas historicamente) do sujeito (subjetividade). Ou seja, a atividade modifica a consciência – uma unidade dialética, tensionada pela materialidade – e a consciência modifica a atividade. Assim, a análise da atividade revela-se central, na medida em que aquilo que o sujeito realiza – ou seja, aquilo que ele faz em determinado momento – constitui a matéria-prima para a análise do desenvolvimento da consciência (FACCO, 2013, p. 30).
É através da atividade humana que o homem transforma a natureza,
dando a ela uma “forma nova”, sendo que isso lhe permite conferir a esta forma
nova uma significação e desenvolver suas funções psicológicas superiores. Essa
atividade é simbólica, pois é mediada pelo uso de instrumentos e/ou signos. Sirgado
Pino (2000b) ressalta que é nesse processo que se dá o ponto de passagem do
plano natural para o cultural, pois a partir de sua vivência, o sujeito é imerso na
cultura, assimila os signos e instrumentos sociais, principalmente se considerarmos
o papel fundamental da educação no meio social enquanto espaço de difusão de
cultura e conhecimentos historicamente acumulados.
Brando (2012), referindo-se a Vygotski e Leontiev, destaca que o homem
se relaciona com a natureza transformando-a através da atividade e transformando-
se a si próprio. Melhor dizendo, a atividade se constituirá, ao mesmo tempo,
mediadora da relação do homem e natureza – quando o primeiro age sobre a
segunda –, bem como é mediada, pois o homem, ao agir sobre a natureza, colabora
com seus pares, estabelecendo relações sociais, se utilizando de instrumentos e
símbolos e, então concretizando sua atividade. Aguiar (2007a) indica que esse
processo de transformação (natureza e homem) acontece mediante uma relação
dialética com a realidade social, porém não de forma automática, como mera
64
transposição do plano social para o plano individual, mas em um “movimento de
apropriação que envolve a atividade do sujeito, contendo a possibilidade do novo, da
criação” (AGUIAR, 2007a, p. 98).
De acordo com Duarte (2002), a “teoria da atividade” surgiu no campo da
psicologia mediante os trabalhos de Vygotski, Leontiev e Luria. O autor explica que
tal teoria firmou a categoria atividade da psicologia sócio-histórica, tendo sido
sistematizada a partir dos trabalhos desenvolvidos por Leontiev, afirmando ainda
que “essa teoria apresenta claramente um caráter multidisciplinar, abarcando
campos como a educação, a antropologia, a sociologia do trabalho, a linguística, a
filosofia” (DUARTE, 2002, p. 280). O mesmo autor destaca, ainda, que a
sistematização realizada por Leontiev esteve apoiada nas ideias de Marx e Engels a
respeito das diferenças entre atividade animal e atividade humana, sendo a última
diretamente relacionada ao processo de trabalho. Explica Duarte (2002):
Leontiev mostra como as diferenças entre a estrutura da atividade animal e a estrutura da atividade humana produzem diferenças qualitativas entre a estrutura do psiquismo animal e a do psiquismo humano. A estrutura da atividade animal caracteriza-se por uma relação imediata entre o objeto da atividade e a necessidade que leva o animal a agir sobre aquele objeto. Há, portanto, uma coincidência entre o objeto e o motivo da atividade. [...] Ao longo da evolução humana, mais precisamente ao longo do processo de passagem da evolução biológica à história social e cultural, a estrutura da atividade coletiva humana foi assumindo cada vez mais a forma mediatizada, ou seja, a indiferenciada atividade coletiva dos primitivos seres humanos foi se transformando, surgindo assim uma estrutura complexa, na qual a atividade coletiva passou a ser composta de ações individuais diferenciadas em termos de uma divisão técnica do trabalho, ou seja, uma divisão de tarefas a qual só veio a se confundir com a divisão social do trabalho num momento histórico posterior, com o surgimento da sociedade de classes e da propriedade privada (DUARTE, 2002, p. 285, grifo nosso).
Assim como a atividade animal, a atividade humana também é ensejada
por uma necessidade, entendida como “um estado de carência do indivíduo, que
leva a sua ativação com vistas à sua satisfação, dependendo das suas condições de
existência” (AGUIAR e OZELLA, 2006, p. 228); mas diferentemente do ocorrido com
o animal, as necessidades humanas são constituídas, conforme apontado por
Brando (2012), não apenas por questões biológicas/naturais, mas a partir de um
processo histórico, singular e subjetivo, “fruto de um tipo específico de registro
cognitivo e emocional. [...] as necessidades (humanas) são historicamente
65
construídas e variáveis de um indivíduo para outro” (BRANDO, 2012, p. 40). A partir
de tais registros (cognitivos, emocionais e motores), configuram-se sentidos
subjetivos e significados partilhados acerca de sua realidade social. É, portanto, nela
e por ela que as necessidades se configuram em motivos.
Assim, quando a atividade passa a ser decomposta em ações individuais
(conforme citado por Duarte anteriormente), gerando operações, a relação da
atividade com o motivo inicial deixa de ser direta, passando a ser mediatizada.
Leontiev (1978) define por “ações” os processos em que o objeto da atividade e o
seu motivo não coincidem diretamente, resultando em parcelamentos que chamou
de “operações”. Isso ocorre mediante a complexidade da atividade empreendida.
Asbahr (2005) explica que necessidade, objeto e motivo são componentes
estruturais da atividade, sendo as ações os mecanismos pelo qual a atividade se
realizará. Esclarece a autora que “assim como a atividade relaciona-se com o
motivo, as ações relacionam-se com os objetivos” (ASHBAHR, 2005, p. 110).
Leontiev (1978) esclarece seu pensamento utilizando-se do clássico
exemplo de uma atividade cujo resultado seria a caça de um animal. Motivados pela
necessidade de comer, caçadores orientam-se para satisfazer tal necessidade e
buscar por comida (objeto). São propostos os objetivos e os meios pelos quais
satisfarão sua necessidade (ações): planejar o ataque, assustar o animal, cercá-lo
para que se dirija ao local desejado por eles, encurralar o animal e, finalmente,
abatê-lo. Duarte (2002) menciona que uma ação individual, se descolada da
atividade, pode até aparentar nenhuma relação com o motivo da atividade, por isso
é preciso que se considerem sempre as relações entre as ações individuais no
conjunto de ações, para se compreender o propósito real da atividade.
Altenfelder (2010) destaca que a atividade docente, como toda atividade
humana, constitui-se de motivos configurados por necessidades de ordem social e
histórica. Assim, é possível que o professor, por meio de sua atividade, mediada
pela linguagem (signos), pela interação social e pelas atividades nela realizadas,
constitua novos registros que, objetivamente, o levem a mobilizar novas ações e
buscar novas aprendizagens, constituindo-se e desenvolvendo-se numa permanente
construção, que resultará em suas formas de pensar, sentir e agir. Sobre a atividade
docente, Cavalcante et al. (2010) explicam que:
66
O significado do trabalho docente e, por extensão, da atividade docente, é formado pelo objetivo da ação de ensinar e pelo conteúdo concreto efetivado através das operações realizadas conscientemente pelo professor, levando em conta as condições reais, o apoio pedagógico, o suporte, bem como a política que orienta e implementa o processo de ensino e aprendizagem (CAVALCANTE et al., 2010, p. 113).
Para Leontiev (1978), quando a atividade baseada em relações naturais
(animal) se transforma, para o homem, em atividade submetida a relações sociais
(caso da atividade educativa), constitui-se no sujeito a possibilidade de decompor
uma atividade em ações. Essa condição, por sua vez, demonstra a possibilidade de
perceber a relação entre o objetivo da ação e o objeto da atividade: “esta é a causa
imediata que dá origem à forma especificamente humana no reflexo da realidade, a
consciência humana” (LEONTIEV, 1978, pp. 78-79). Asbahr (2005) menciona que,
ao longo da história, os seres humanos criaram diferentes instrumentos/objetos para
mediar o processo de satisfação de suas necessidades e, assim, produziram não
apenas objetos, mas, também, novas necessidades e, com isso, novas atividades. A
autora destaca, ainda, que as categorias atividade e consciência encontram-se
vinculadas, sendo a última considerada como expressão social, por natureza, das
relações entre os sujeitos e deles com o mundo que os rodeia. Contudo, como já
citado anteriormente, o processo de passagem do social (coletivo) para o mundo
individual (psíquico) não se dá de maneira direta e, sim, nas e pelas interações
sociais, mediado por signos (linguagem) e atividades práticas.
Vygotski (s.d./2004, p. 65) indica que a educação é de natureza social,
pois são as interações com os outros que alavancam o processo educacional: “todo
o papel do mestre consiste em direcionar essa alavanca”. Por isso, defende que a
educação se faça com base na própria experiência do aluno, a qual, por sua vez, é
determinada pela organização do meio que o professor deve ativamente fazer.
Altenfelder (2010) salienta que a ação de ensinar contém em si uma relação
inseparável do aprender, elevando e reforçando a necessidade do profissionalismo29
do professor. A mesma autora ressalta que, no papel de mediador, o docente, dá
29Entendemos por profissionalismo os aspectos teóricos e práticos que diferenciam uma profissão das demais, ou seja, aquilo que lhe é característico e peculiar, reconhecido pela categoria e pela sociedade. Na profissão docente, o profissionalismo envolve desde os conhecimentos e saberes necessários ao exercício, passando pelas condições objetivas e materiais, até a própria valorização e reconhecimento social da profissão (ALTENFELDER, 2010, p. 48).
67
concretude e viabilidade ao processo de aprendizagem, constituindo-se como
herdeiro, crítico e intérprete da cultura. Asbahr (2005) indica que, apesar do caráter
mediacional de todo o processo educativo, o trabalho do professor, ou melhor
dizendo, a atividade docente, guarda especificidades, voltada que é para a garantia
de que os alunos se apropriem do saber elaborado, sistematizado, histórico. Dessa
forma, podemos entender que o professor, em sua atividade docente, motivado pela
necessidade de auxiliar os alunos na apropriação (mediada) da cultura e dos
conhecimentos historicamente acumulados, orienta sua prática pedagógica para tal.
Daí a importância de planejar o processo de ensino-aprendizagem, de modo a ter
claros os objetivos, os meios (estratégias) e os recursos disponíveis, aspectos
centrais para atingir suas necessidades.
Asbahr (2005) esclarece que as ações estão diretamente relacionadas às
condições concretas de vida do sujeito e apresentam dois aspectos: o intencional e
o operacional, esse último representado pelas operações, ou seja, pelos inúmeros
procedimentos que o sujeito precisará realizar para alcançar seu objetivo. Decorre
daí nossa preocupação em centrar atenção na estratégia do jogo (considerado
instrumento ao mesmo tempo técnico e cultural) com recurso para alcançar seu
objetivo.
De acordo com Altenfelder (2010), é possível
afirmar que a consciência, constituída na e pela atividade é um processo sempre em construção que abriga o social transformado em psicológico, gerando as formas únicas e singulares, de pensar, sentir e agir do indivíduo, [...] considerando que a consciência de cada indivíduo se constitui na relação com o social, mas guarda sua singularidade, capacidade de produzir o novo (ALTENFELDER, 2010, p. 23).
Aguiar (2000) entende que Leontiev tenha desenvolvido a questão da
atividade como a unidade de análise mais adequada para o estudo da consciência.
Entretanto, ressalta que o autor não se deteve nos processos psicológicos
constitutivos da consciência, voltando-se mais para o caráter externo, objetal, do que
para o sujeito. De fato, foi Vygotski quem mais explorou esse aspecto, voltando-se
para o sujeito e propondo o processo de internalização da atividade humana.
Para Vygotski, [...] a atividade humana não é internalizada em si, [mas] sim, como atividade significativa, tal como um processo social, mediado semioticamente. A consciência, dessa forma, é semioticamente estruturada, resultado dos próprios signos, ou seja, de
68
instrumentos construídos pela cultura e pelos outros que, quando internalizados, se tornam instrumentos internos e subjetivos da relação do indivíduo consigo mesmo. [...] O signo é visto, desta forma, como um meio de atividade interna (AGUIAR, 2000, pp. 130-131).
Aguiar (2007a) explica que Vygotski, ao abordar a gênese social da
consciência individual (conferência realizada no ano de 1924), fazia críticas aos
estudos reducionistas (como explicado no início deste capítulo) que viam a
consciência como mero reflexo passivo do meio.
A Troika sócio-histórica buscava avançar nesse aspecto. Como citou
Leontiev, “o reflexo da realidade objetiva pela consciência não se produz
passivamente, mas de maneira ativa, criativa, sobre a base e no decorrer da
transformação prática da realidade” (apud AGUIAR, 2007a, p. 97). Explica ainda a
autora que Vygotski foi além nessa definição ao utilizar “reflexão” no lugar da palavra
“reflexo”, pois para ele essa seria a característica essencial da consciência e a razão
de sua complexidade. Mediante essa definição, Vygotski destaca que a
complexidade dessa reflexão do real consiste em considerar, em perceber que
durante tal processo podem haver alterações da realidade que ultrapassem os
limites do visível, fazendo com que se busquem significados não observados de
forma direta.
Aguiar (2007a) frisa que, para Vygotski, é importante se abandonar a
ideia de que a consciência é determinada, mecânica e linearmente, pela realidade,
assumindo o postulado de que a consciência deve ser considerada como um
sistema integrado, em movimento, determinado pelas condições sociais e históricas,
“um processo de conversão (que) se transforma em produções simbólicas, em
construções singulares” (AGUIAR, 2007a, p. 98).
A mesma autora (2000; 2007a), considerando as postulações de Vygotski
acerca da relação entre atividade e consciência, indica alguns pontos fundamentais
levantados pelo autor: (a) a consciência abriga o aspecto psicológico, ou seja, a
realidade social transformada em psicológica; (b) a consciência é processo, sendo
assim, encontra-se sempre em elaboração e apresenta formas de pensar, sentir e
agir também em constante processo de construção; (c) o sujeito internaliza não
apenas a atividade, mas a atividade com significado, mediada semioticamente; (d)
enfim, o ser humano se forma em uma relação dialética com a realidade social e
69
histórica na qual se insere, “como resultado de um processo de conversão do social
no individual, sem que indivíduo e sociedade mantenham entre si uma relação
isomórfica” (AGUIAR, 2000, p. 131).
Em suma, considerando os pontos abordados, destacamos as
postulações feitas por Luria (1979) ao indicar que atividade humana é todo
movimento psicológico consciente de objetivação e subjetivação, empreendido pelo
ser humano, frente às suas necessidades, desde as mais elementares às mais
complexas. Segundo Vygotski (1930/2007), ao mesmo tempo em que a atividade é
prática e externa, também é interna e psicológica. O sujeito da atividade, por meio
de instrumentos mediadores, tem sua atividade objetivada, ou seja, concretizada
socialmente, por meio de produções culturais, no processo de objetivação.
Complementarmente e oposto à objetivação, encontramos o processo de
subjetivação ou apropriação de aspectos próprios da estrutura da atividade, de
forma ativa e mediada, que leva à internalização das produções culturais,
reconstruindo-as e reproduzindo-as internamente. Como explicado por Altenfelder
(2010), a partir do processo de subjetivação (ou apropriação) o homem “produz
objetivações como as ciências, as artes, a escrita, que materializam, em si, o
trabalho, as faculdades e aptidões humanas desenvolvidas ao longo da história e
que são, ao mesmo tempo, a síntese dessa própria história” (ALTENFELDER, 2010,
p. 24). É agora possível indicar a visão de Vygotski (1930/2007) sobre
desenvolvimento, quando afirma que todo processo interpessoal é transformado em
processo intrapessoal:
Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica) (VYGOTSKI, 1930/2007, pp. 57-58).
A esse processo o autor denominou “internalização” de formas culturais
de comportamento, envolvendo a reconstrução da atividade psicológica e tendo os
signos como mediadores. Dessa forma, é importante indicar que Aguiar (2007a), ao
citar o autor Fernando González Rey, salienta que o externo só passa a ter sentido
quando entra em contato com o interno, pois é a história do interno – do subjetivo –
que atribui sentido ao externo. Segundo Rey, subjetividade é:
a organização dos processos de sentido e significação que aparecem e se organizam de diferentes formas e em diferentes níveis no sujeito
70
e na personalidade, assim como nos diferentes espaços sociais em que o sujeito atua (GONZÁLEZ REY, 1999, p. 108, apud MARTINEZ, 2005).
Martinez (2005) indica que, ao se lançar mão da categoria subjetividade
na psicologia sócio-histórica é preciso levar em consideração dois pontos: (i) que ela
não é sinônimo de psicológico, como muitas vezes se utiliza no senso comum; e (ii)
nela se articulam o individual e o social, permitindo uma visão distinta, profunda,
recursiva e contraditória dessa articulação no psiquismo humano, expressa no que
Rey chamou de sentido subjetivo30. Portanto, é primordial que, ao se considerar as
categorias discutidas neste trecho – atividade, consciência e subjetividade – se
tenha em mente que os registros psicológicos construídos pelo humano advêm da
apropriação das produções historicamente acumuladas pela humanidade, por meio
de elementos mediadores. Dentre estes elementos mediadores, o mais importante é
a linguagem, entendida como
instrumento fundamental nesse processo de mediação das relações sociais, no qual o homem se individualiza, se humaniza, apreende e materializa o mundo das significações que é construído no processo social e histórico. Nessa busca de compreensão da consciência como uma construção social não é possível separar pensamento e palavra, uma vez que, como diz Vigotski, o pensamento não é simplesmente expresso em palavras, mas é por meio delas que ele passa a existir (AGUIAR, 2007a, p. 104).
Brando (2012) postula que a consciência é, simultaneamente, produzida e
produtora do desenvolvimento da linguagem e, portanto, também do pensamento.
Nessa linha de reflexão, Altenfelder (2010) indica que consciência, linguagem e
pensamento estão intrinsicamente relacionados à atividade de trabalho e à
comunicação entre os homens. Menciona que Vygotski, a partir de suas pesquisas,
destaca a linguagem no desenvolvimento da criança como o mais importante
elemento mediador humano, “ressaltando sua função planejadora e organizadora do
30Os sentidos subjetivos são inspirados na categoria de sentido desenvolvida por Vygotski (já no último momento de sua obra). No entanto, dela se diferenciam por não estarem limitados à palavra, por serem considerados como as unidades psicológicas para o estudo da subjetividade, na Teoria da Subjetividade de González Rey. Eles constituem a organização simbólico-emocional que a experiência vivida adquire e se expressam nas mais diversas manifestações humanas, sem nunca se revelarem em sua integridade em nenhuma delas tomada separadamente. Os sentidos subjetivos não são acessíveis de modo direto em nenhuma manifestação concreta do comportamento (GONZÁLEZ REY, 2013, pp. 264-265).
71
pensamento, além de ser o meio pelo qual a criança entra em contato com o
conhecimento historicamente produzido” (ALTENFELDER, 2010, p. 26).
Fundamentados nas postulações feitas neste subitem sobre as categorias
de análise apresentadas, acreditamos que as mesmas tenham papel central na
compreensão da atividade docente, no que tange à apreensão das significações
constituídas pelos docentes, articulados à subjetividade dos sujeitos pesquisados.
Na sequência, abordaremos as categorias pensamento e linguagem/palavra, como
meio de discutir outras duas categorias fundamentais ao nosso estudo: a
constituição dos significados e dos sentidos.
2.4. Pensamento e Palavra na constituição de Significados e Sentidos
Aguiar e Ozella (2006; 2013), bem como Aguiar et al. (2009), indicam ser
importante, como tema preliminar à discussão das categorias dos significados e dos
sentidos, explanar a relação existente entre outras duas categorias: pensamento e
linguagem. Destacam ser por meio da compreensão do pensamento e de sua
expressão na palavra que se torna possível o entendimento da constituição do
sujeito e o avanço na apreensão dos significados por ele apropriados, bem como de
seus sentidos subjetivos. Soares (2011) complementa que a relação entre
pensamento e linguagem também é marcada por peculiaridades e particularidades,
a saber: a fala social, a fala egocêntrica, o discurso interior, sentidos, significados,
afeto, cognição.
Vygotski dedicou-se ao estudo do pensamento e da linguagem e
encontrou pontos dos quais discordou em relação ao método utilizado pelos
pesquisadores de sua época. Soares (2011) explica que “enquanto uns cindiam
pensamento e linguagem, ou seja, tomavam essas duas funções psíquicas em
separado para estudo, outros os tratavam como a fusão de um no outro desde sua
origem e desenvolvimento” (SOARES, 2011, p. 74). Ao estudá-los, Vygotski
considerou a relação histórica e dialética existente entre eles, a partir da atividade do
sujeito em sua relação a si mesmo e ao mundo. Mediante tal estudo, defendeu que a
linguagem se constitui no principal sistema simbólico constituído pelo homem, pois,
para ele, a linguagem encontra-se conectada ao pensamento, de modo que as
relações existentes entre eles estão presentes no processo do desenvolvimento
histórico da consciência humana. Esclarece Altenfelder (2010) que, nesse sentido,
72
ao explicar a gênese e a historicidade das relações entre o pensamento e palavra, a psicologia sócio-histórica desvela a complexidade, a inter-relação e dinamismo desse processo, contribuindo para a melhor compreensão da processualidade da consciência (ALTENFELDER, 2010, p. 27).
Um dado de grande relevância nas postulações de Vygotski (1934/2001)
é sua afirmação de que pensamento e palavra não se originam simultaneamente,
não sendo ligados por nenhum elo primário e tendo, cada um, trajetórias diferentes.
Contudo, ao longo do desenvolvimento humano filo e ontogenético, ambos se
entrelaçam e não mais se separam. Tal conexão modifica-se ao longo do processo
de desenvolvimento e por meio das formas de funcionamento do pensamento,
constituindo-se mutuamente numa formação dinâmica, ininterrupta, histórica e
dialética.
Por sua estrutura, a linguagem não é um simples reflexo especular da estrutura do pensamento, razão por que não pode esperar que o pensamento seja uma veste pronta. A linguagem não serve como expressão de um pensamento pronto. Ao transformar-se em linguagem, o pensamento se reestrutura e se modifica. O pensamento não se expressa, mas se realiza na palavra (VYGOTSKI, 1934/2001, p. 412).
De acordo com a indicação anterior acerca do desenvolvimento das
atividades mediadoras, que são, primeiro, externas e, depois, internas, Brando
(2012) explica que, com a linguagem isso também ocorre. Inicialmente, ela surge
como um processo interpsíquico, como forma de suprir a necessidade da criança de
se comunicar com o mundo exterior; é uma linguagem que se dá na relação com o
outro, para o outro. Num segundo momento, a linguagem passa a ser internalizada,
assumindo grande importância na resolução de problemas vivenciados pela criança,
uma vez que fala e ação fazem parte da mesma função psicológica (o que Vygotski
nomeou de “fala egocêntrica”). Para Vygotski (1934/2001), a fala egocêntrica tem
importante função na atividade infantil, pois consiste em meio de expressão,
tornando-se um instrumento do pensamento pelo qual a criança busca planejar as
soluções para seus problemas cotidianos. É por meio dela que a criança transfere as
formas sociais e cooperativas de comportamento (externo) para suas esferas
interiores, de ordem psicológica e pessoal. Segundo o autor, essa modalidade de
fala não desaparece, mas se esconde, pois, para a criança maior e para o adulto,
funcionará como uma fala interior.
73
A partir do momento em que a criança passa a internalizar a linguagem
para planejar sua ação, ocorre a transição da fala exterior para a interior, com o
entrelaçamento do pensamento e da linguagem. Internalizando a linguagem, a
criança já é capaz de utilizá-la para organizar seu pensamento e não mais apenas
como meio de comunicação externa.
[...] isso significa que a linguagem não é apenas mediadora na relação entre os indivíduos: ela é também, mediadora da relação dialética entre pensamento e palavra. Pode-se afirmar, consequentemente, que a linguagem é o instrumento do pensamento. É por meio dela que o pensamento se constitui, se organiza, se expressa (BRANDO, 2012, p. 48, grifo nosso).
Vygotski (1934/2001) indica que o pensamento sem a fala não se realiza
e a fala sem o pensamento não passa de palavras vazias. Foi no significado da
palavra que ele encontrou a unidade31 de análise para os estudos da relação
pensamento e linguagem:
o movimento do próprio processo de pensamento, da ideia à palavra, é um desenvolvimento. O pensamento não se exprime na palavra, mas nela se realiza. Por isto, seria possível falar de formação (unidade do ser e do não ser) do pensamento na palavra. Todo pensamento procura unificar alguma coisa, estabelecer uma relação entre coisas. Todo pensamento tem um movimento, um fluxo, um desdobramento, em suma, o pensamento cumpre com alguma função [...], esse fluxo de pensamento se realiza como movimento interno, através de uma série de planos, como uma transição do pensamento para a palavra e da palavra para o pensamento (VYGOTSKI, 1934/2001, pp. 409-410).
E afirmou ainda que “a palavra consciente é o microcosmo da consciência
humana” (VYGOTSKI, 1934/2001,p. 486). Nesse aspecto, Aguiar e Ozella (2013)
explicam que a palavra é o signo por excelência, representando o objeto da
consciência. Sendo assim, a partir de tais signos – palavras – podemos apreender o
agir, o pensar e o sentir do sujeito. Quando Vygotski afirma que o pensamento se
realiza na palavra, é possível analisar “seu processo, que se expressa na palavra
com significado, e, ao apreender o significado da palavra, vamos entendendo o
movimento do pensamento” (AGUIAR e OZELLA, 2013, p. 303).
Assim, para Vygotski (1934/2001), a síntese do pensamento e da palavra
está no significado, traço constitutivo e indispensável da palavra. Para o autor, o 31Vygotski define unidade como “um produto da análise que, diferente dos elementos, possui todas as propriedades que são inerentes ao todo e, concomitantemente, são partes vivas e indecomponíveis dessa unidade” (VYGOTSKI, 1934/2001, p. 8).
74
significado é, ao mesmo tempo: fenômeno do discurso – na medida em que ele
esteja ligado ao pensamento e por ele focalizado; e, também, fenômeno do
pensamento – na medida em que ele esteja relacionado à palavra e seja nela
materializado. E conclui, afirmando que o significado “é um fenômeno do
pensamento discursivo ou da palavra consciente; é a unidade da palavra com o
pensamento” (VYGOTSKI, 1934/2001, p. 398). Assim, é o significado da palavra que
carrega as propriedades articuladoras do pensamento com a linguagem.
De acordo com as postulações vygotskianas, Aguiar e Ozella (2013)
indicam que os significados são produções históricas e sociais; referem-se aos
conteúdos instituídos, compartilhados e, de certa forma, estáveis, dos quais o sujeito
se apropria e por meio dos quais consegue se comunicar e socializar suas
experiências, configurando-os a partir de sua própria subjetividade. Indicam os
autores que:
muito embora sejam mais estáveis, “dicionarizados”, eles também se transformam no movimento histórico, momento em que sua natureza interior se modifica, alterando, consequentemente, a relação que mantêm com o pensamento, entendido como um processo (AGUIAR e OZELLA, 2013, p. 304).
Para Vygotski (1934/2001), o significado é um traço constitutivo e
indispensável da palavra, sendo que, no campo semântico, diz respeito às relações
que uma palavra pode encerrar e, no campo psicológico, são generalizações,
conceitos. São eles que possibilitam a aproximação dos processos desencadeados
subjetivamente no sujeito, tornando os significados uma importante categoria de
análise para a psicologia sócio-histórica.
Soares (2011) aponta que o grande salto, nos estudos de Vygotski sobre
pensamento e linguagem, foi a descoberta de que os significados das palavras se
desenvolvem32, transformam-se, sendo “mais ou menos” estáveis, pois se modificam
no movimento da atividade humana. E complementa: “Vygotski parte do
aprofundamento dessa questão levando em conta o desenvolvimento do
32A descoberta de que os significados se desenvolvem levou Vygotski (2001) a penetrar mais profundamente no campo da linguagem interior e, com isso, entender que, diferentemente do que aponta a linguística, os significados não se encerram nas “mudanças dos conteúdos concretos das palavras”. Para Vygotski, os significados não se reduzem a essas mudanças, que apontam apenas relações entre palavras isoladas e objetos isolados (SOARES, 2011, p. 87).
75
pensamento verbal. Com isso, ele descortina uma questão das mais importantes da
psicologia sócio-histórica, que é o sentido” (SOARES, 2011, p. 87).
Soares (2011) indica que a categoria sentido não foi suficientemente
aprofundada por Vygotski, uma vez que foi postulada por ele já no final de sua
produção, próximo de sua morte. Mas, como mencionado anteriormente, González
Rey afirma que foram apresentados pontos muito consistentes, no pouco que
escreveu a respeito. Durante muitos anos, essa categoria não foi abordada por
seguidores de Vygotski, de modo que foi com Leontiev que ela ganhou a devida
importância. Continua o autor, explicando que “essa descoberta foi um marco
importante na história da psicologia, porque ela significou uma revolução no campo
dessa ciência, que passou a dispor de uma importante categoria na explicação da
subjetividade” (SOARES, 2011, p. 88).
Em seu texto “Pensamento e Linguagem” (in A Construção do
pensamento e da linguagem, 1934/2001), Vygotski ressalta a importância da
discussão iniciada por Paulham33, que prestou um grande serviço à análise
psicológica da linguagem ao introduzir a diferença entre o sentido e o significado da
palavra. Ao mencionar que a linguística ignora todo o processo de transformação da
estrutura semântica dos significados das palavras, ocorrido a partir do
desenvolvimento histórico da língua, Vygotski dá um passo fundamental na
descoberta de algo mais profundo que o significado: o sentido. Este, mais do que
racional, é fundamentalmente atravessado por afetos, necessidades e motivações
do sujeito (SOARES, 2011, p. 87).
Considerando tais questões, Vygotski levou adiante muitas de suas
postulações acerca das categorias significado e sentido. Aguiar e Ozella (2013)
apontam que, apesar dessas duas categorias serem estudadas e/ou discutidas
separadamente, elas não podem ser compreendidas descoladas uma da outra, pois
uma não é sem a outra. Os mesmos autores esclarecem ainda que, para ter uma
melhor perspectiva quanto à compreensão do sujeito, os pontos de partida são os
significados, sabendo-se que eles contêm mais do que aparentam. Por isso,
33 Frederic Paulhan (1856-1931) foi um psicólogo francês, que se ocupou das questões da psicologia dos processos cognitivos (concretamente do pensamento, da memória e da linguagem) e da psicologia dos afetos. Vygotski utilizou os trabalhos de Paulhan sobre psicologia da linguagem em seu texto “Pensamento e Palavra” (1934/2001) (WAZLAWICK et al., 2007, p. 109).
76
mediante um trabalho de análise e interpretação é possível chegar a zonas mais
profundas, fluídas e instáveis ou, melhor dizendo, as zonas de sentido. Com isso,
fica indicado que o sentido é
muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz ante uma realidade [...] o sentido subverte o significado, pois ele não se submete a uma lógica racional externa. O sentido refere-se a necessidades que, muitas vezes, ainda não se realizaram, mas que mobilizam o sujeito, constituem o seu ser, geram formas de colocá-lo na atividade. A categoria sentido destaca a singularidade historicamente construída (AGUIAR e OZELLA, 2013, pp. 304-305).
Leontiev (1978) esclarece que o homem encontra um sistema pronto de
significações, elaborado historicamente e que dele se apropria como um instrumento.
Indica, ainda, que a questão psicológica se encontra na apropriação (ou não), pelo
sujeito, de uma dada significação, ou seja, em que medida ela se aproxima da
significação socialmente constituída e o que ela se torna para ele em sua
subjetividade. Essa última, por sua vez, depende do sentido subjetivo e pessoal que
as significações tenham para o sujeito. É, pois, na relação do homem com os
múltiplos significados das palavras que se originam os sentidos, os quais são
elaborados pelo sujeito, ao longo do processo de apropriação das significações
sociais e históricas. Necessário que façamos aqui um recorte importante ao nosso
estudo, considerando o ambiente escolar.
Como ressaltam diversos autores (VYGOTSKI, 1934/2001, SAVIANI 2000;
2015a/b, FITTIPALDI, 2007, MARTINS, 2013), o saber a ser desenvolvido na escola é
aquele de cunho científico, devidamente sistematizado, advindo de conhecimento
social e historicamente elaborado: ciência, filosofia, arte, literatura etc.; constituindo
um conjunto de significações humano-genéricas (HELLER, 1970/2008). O professor,
em virtude de sua atividade mediadora do processo de ensino-aprendizagem, precisa
já ter se apropriado de tais significações para promover o processo de constituição de
sentidos por parte dos alunos. Ao ensinar, o professor lida com as suas interpretações
acerca dos conceitos e espera que o aluno possa deles se apropriar como saberes.
Nesse contexto, as apropriações se dão por aproximações, de modo que não se dão
da mesma forma, nem alcançam o mesmo resultado. Um estudo que aborda a
atividade docente e as significações de professores em relação a determinado
recurso/estratégia de ensino requer apoio em Leontiev (1978), pois o que elas são
77
para os docentes, para suas subjetividades, guarda estreita relação com o objetivo da
pesquisa.
Sirgado Pino (2000a, p. 58) indica que aqueles que “já possuem a
significação das coisas” são os sujeitos possíveis de realizar as mediações
necessárias à apropriação do saber socialmente construído e Bernardes (2009)
acrescenta que o produto direto de ensino é a apropriação do conhecimento
científico por parte dos alunos, de modo que lhes permita fazer uso desse saber nas
diversas relações mantidas com o mundo. Essas ações devem promover mudanças
qualitativas no psiquismo de quem aprende, movimentando as funções psicológicas
superiores dos sujeitos.
Se saber é descobrir a significação que as coisas têm para os homens (o que não impede que existam diferenças semânticas e conceituais entre eles), a constituição do saber na criança não ocorre pelo simples registro de informações a respeito do mundo, mas pela descoberta da significação dessas informações. E isso é obra dela, produção dela, na qual pode ser ajudada, mas nunca substituída (SIRGADO PINO, 2000a, p. 58).
Portanto, sentidos resultam da relação dialética do sujeito e do mundo
social/histórico no qual está inserido e do qual participa ativamente. Entretanto, não é
este o único determinante causal da produção de sentidos, há também os aspectos
cognitivo, intelectual, afetivo/emocional. Vygotski (1934/2001) indica que o pensamento
nasce do campo da consciência, que abarca interesses, motivações, afetos e emoções.
Nas palavras do próprio autor, “por trás do pensamento existe uma tendência afetiva e
volitiva. Só ela pode dar resposta ao último porquê na análise do pensamento”
(VYGOTSKI, 1934/2001, p. 479).
As categorias sentidos e significados são norteadoras e centrais nessa
pesquisa, pois através da articulação de ambos buscaremos apreender a
subjetividade humana presente na atividade docente, no tocante ao planejamento
das estratégias, considerando apreender e compreender as significações que
professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto à importância dos
jogos educativos como estratégia no processo de ensino-aprendizagem.
Afirmam Aguiar et al. (2009) que significados e sentidos mantêm uma
relação dialética: os primeiros carregam a experiência social, o que pode ser
compartilhado; já os segundos são pessoais e singulares, constituídos a partir da
78
história de vida do sujeito, na articulação de suas experiências na realidade sócio-
histórica em que está inserido. Essas categorias são de fundamental importância,
pois, como apontado por Brando (2012), as relações pedagógicas são constituídas
por inúmeras configurações de sentidos e significados, produzidas nas relações
sociais, no interior do ambiente escolar. Dentre os possíveis indicadores dessa
produção subjetiva, que envolve professores, alunos e demais pessoas integrantes
desse ambiente, a autora cita alguns indicadores: a infraestrutura das instituições; os
aspectos concretos das condições de trabalho; as relações entre os indivíduos; as
práticas docentes; a formação dos profissionais; a gestão educacional; o currículo;
as políticas públicas educacionais; a visão sobre a profissão docente.
Nessa perspectiva, e considerando o homem como um ser social, ativo e
histórico que, processualmente, constitui suas formas de pensar, agir e sentir,
concluiremos esse capítulo teórico abordando alguns aspectos da atividade docente e
da importância da educação (considerando o ambiente escolar formalizado), com
base na visão da psicologia sócio-histórica e da pedagogia histórico-crítica.
Estabelecemos essa relação baseados em Saviani (2000, 2015a), Martins (2013),
Haddad e Pereira (2013), bem como em Bernardes (2009) e Asbahr (2005), pois
esses autores esclarecem a unidade teórico-metodológica existente entre a pedagogia
histórico-crítica e a psicologia sócio-histórica (ou histórico-cultural). Martins (2013)
além de destacar a afiliação de ambas as teorias ao materialismo histórico-dialético,
dá igual destaque às
premissas básicas que apontam na direção da afirmação da educação escolar como condição de humanização dos indivíduos, bem como a transmissão dos conhecimentos historicamente sistematizados como uma das exigências para consecução dessa finalidade. Nessa direção, visamos demonstrar que a pedagogia histórico-crítica contém, em sua interioridade, um sólido fundamento psicológico, coerentemente edificado por uma concepção histórico-cultural de homem, de sociedade e da natureza educativa que pauta a relação entre ambos por meio da atividade vital humana, isto é, por meio do trabalho
(MARTINS, 2013, p. 130).
Da mesma forma, Haddad e Pereira (2013, p. 106) empregam o aporte
teórico da psicologia sócio-histórica para salientar a importância do ensino como
promotor do desenvolvimento humano e do papel do trabalho docente para alcançar
79
uma formação omnilateral34 dos professores “para o avanço rumo à consolidação de
um ensino público de qualidade”.
2.5. Atividade docente e a importância da educação escolar
Como mencionado anteriormente ao longo do texto, um ponto importante
do presente estudo está na abordagem da atividade docente, como componente
mediador dos processos de ensino-aprendizagem. O sujeito docente vivencia uma
responsabilidade cultural e pedagógica, com ele mesmo e com seus alunos, que se
reflete diretamente no processo de ensino-aprendizagem, sendo fundamental que
busque superar qualquer dicotomia que este processo apresente. Não há como
discordar de Altenfelder (2010, p. 48) quando menciona que a atividade docente tem
como objetivo último a “transmissão de conhecimentos, com sentidos e significados
para os alunos, de modo que possam deles se apropriar e, então, compreender e
intervir em sua realidade social”. Contudo, esse não é um processo mecânico e
meramente acumulativo: trata-se de um processo histórico, vivenciado por sujeitos
concretos, no qual professor, alunos e conhecimento interagem, desconstruindo a
visão de escola como local de mera transferência de conhecimento. De fato, ela é
um espaço em que se busca alcançar, por meio de diferentes mediações, a
superação dos entraves e dificuldades, permitindo que se vá além do nível de
desenvolvimento real em que os sujeitos se encontrem (FITTIPALDI, 2007).
Referenciados por Davis e Aguiar (2010), consideramos necessário
ressaltar que, mediante as mudanças ocorridas no cenário mundial nas últimas
34Omnilaterialidade consiste em importante conceito no que diz respeito à reflexão em torno do problema educacional em Marx, pois o autor se referia a uma formação humana oposta à formação unilateral provocada pelo trabalho alienado, pela divisão social do trabalho e pelas relações burguesas. O homem omnilateral não se define pelo que sabe, domina, gosta, conhece, muito menos pelo que possui, mas pela sua ampla abertura e disponibilidade para saber, dominar, gostar, conhecer coisas, pessoas, enfim, realidades as mais diversas. É aquele que se define não propriamente pela riqueza do que o preenche, mas pela riqueza do que lhe falta e se torna absolutamente indispensável e imprescindível para o seu ser: a realidade exterior, natural e social, criada pelo trabalho humano como manifestação humana livre. Nesse aspecto, a formação omnilateral é aquela de cunho científico-crítica que, associada à conscientização política, possibilita ao homem compreender o verdadeiro caráter científico, objetivo e transformador de sua ação, abrindo caminho para superação da sua condição de ser alienado, fragmentário e pragmático. Quando o processo formativo é desenvolvido numa perspectiva omnilateral, permite ao indivíduo colocar-se no terreno da produção, da transformação, da práxis, assumindo sua posição de sujeito crítico e criativo. Fontes: Dicionário da Educação Profissional em Saúde – Fiocruz;e Cruz (2004).
80
décadas, novas demandas35 foram sendo geradas para a escolarização, exercendo,
por consequência, maior pressão para que o trabalho escolar seja mais efetivo.
Assim, como citam as autoras, “há a necessidade de rever as atividades docentes,
qualificando-as e ampliando seus efeitos” (DAVIS e AGUIAR, 2010, p. 234). Dessa
forma, a partir das questões abordadas sobre atividade humana (p. 63),
destacaremos características que marcam a atividade docente, nomenclatura que
assumiremos para este estudo, uma vez que é utilizada por autores como Davis e
Aguiar (2010), Altenfelder (2010), Cavalcante et al. (2010) e Soares (2011). Há,
ainda, Bernardes (2009) e Asbahr (2005) nomeando a mesma categoria de atividade
pedagógica; Basso (1998) utilizando trabalho docente; Haddad e Pereira (2013) com
trabalho de professores e, Batista e Lima (2015) fazendo uso do termo prática
docente.
Severino (2012) considera que a educação é, ao mesmo tempo, mediada
e mediadora, explicitação da condição ontológica da prática humana. A educação é
uma atividade, é trabalho e é prática social e simbólica36, sendo dirigida aos
diferentes sujeitos que acessam o conhecimento historicamente acumulado, por isso
a educação conta com uma atividade educativa e tem papel importante na formação
individual e coletiva dos sujeitos. Segundo Bernardes (2009), a atividade educativa é
o meio (como e de que forma) pelo qual o homem se apropria do conhecimento e
cria novas possibilidades de sua própria constituição e da sociedade, visando à
35Não nos poremos a discutir, no presente estudo, tal aspecto, pois acreditamos que nos estenderíamos e fugiríamos de nosso objetivo principal. Contudo, mencionamos algumas demandas presentes na escola nas últimas décadas: o avanço tecnológico com novas mídias; os meios de comunicação cada vez mais presentes no cotidiano escolar; as práticas sociais de comunicação; o fenômeno da globalização; diferentes constituições familiares, fugindo do padrão nuclear e patriarcal; a sensualização da infância, entre outras.
36O autor indica que as práticas humanas são mediações históricas da existência e graças a elas o homem constrói sua realidade. Através delas se humaniza, personaliza-se e se transforma em cidadão. Discorre sobre a prática humana vista de maneira tridimensional, considerando que o agir humano se efetiva mediante três referências de prática: (I) a prática produtiva – pela qual os homens intervêm na natureza, em reciprocidade, retirando elementos necessários às suas necessidades, sendo a complexificação dessa prática denominada “trabalho”; (II) a prática política/social – relacionalidade dos homens entre si, pois o ser humano é tecido na trama das relações sociais e, consequentemente, das mediações concretas das instituições políticas, como a escola; (III) a prática simbólica – modalidade voltada para a intervenção nas duas anteriores, por meio de um processo específico no qual os sujeitos criam símbolos e lidam com eles, gerando a reflexividade pela qual os mesmos sujeitos passam a dar conta de sua atividade e suas significações. A prática produtiva e a política só se tornam humanas porque envolvem a simbólica (SEVERINO, 2012, capítulo 2).
81
efetivação da dimensão ontológica. Assim,
Na relação entre o ensino e a aprendizagem, como instrumento e produto da atividade educativa em geral, concebe-se, a partir do referencial teórico do materialismo histórico-dialético, da psicologia histórico-cultural e da teoria da atividade, a existência de atividades humanas particulares. Uma dessas atividades é a atividade de ensino (ou atividade docente) que tem a função particular de organizar ações que possibilitem aos sujeitos o acesso aos conhecimentos elaborados sócio historicamente (BERNARDES, 2009, p. 236, parênteses e grifo nossos).
A mesma autora continua explicando que, no contexto escolar, o
educador, por meio de sua atividade docente, tem a função particular de organizar
“ações” que possibilitem aos aprendizes o acesso aos conhecimentos elaborados
social e historicamente. Mediante tais ações educacionais sistematizadas e
conscientes, determinantes da prática pedagógica, é que se constitui o que a autora
chama de práxis. Para Bernardes (2009), a práxis consiste de atividade humana
consciente, diferenciando-se da atuação prática desvinculada de uma finalidade,
pois apresenta um produto final que se objetiva materialmente. No caso do ensino,
ela indica uma dupla objetivação: (i) a transformação do sujeito que aprende; (ii) a
forma pela qual se organiza o ensino, algo diretamente relacionado com a atuação
do educador. Essa dupla objetivação gera a necessidade de se levar em conta a
dimensão psicológica (presente na relação ensino-aprendizagem) e a dimensão
pedagógica (vista na atividade do professor por meio de ação intencional e
consciente). Por isso, é importante vincular-se o processo de ensino-aprendizagem
a psicologia e a pedagogia, pois, como cita Bernardes (2009, p. 237), “são áreas de
conhecimento que compõem os caminhos para a compreensão e a efetivação da
educação escolar”.
Severino (2012) utiliza o termo práxis para designar a especificação de
determinadas modalidades de práticas, na medida em que estejam marcadas pela
intencionalização explícita e pela significação teórica.
[...] pela práxis o homem opera e age. Ela é o movimento que articula dialeticamente a operação e a reflexão, a teoria e a prática. Para que a ação humana seja criadora e transformadora, precisa ser uma prática intencionalizada pela teoria e pela significação. A teoria, separada da prática, seria puramente contemplativa e, como tal, ineficaz sobre o real; a prática desprovida da significação teórica, seria pura operação mecânica, atividade cega (SEVERINO, 2012, p. 46).
82
É pelo emprego de atividades mediadoras, por meio de instrumentos e
símbolos, que o docente pode organizar o ensino, auxiliando o aluno em sua
aprendizagem, buscando efetivar a ideia de transformação que Vygotski (1930/2007)
menciona, ao postular a ZDP. Por sua vez, Oliveira (1995) explica que a ZDP é, por
excelência, o domínio psicológico de tal transformação. E, como o papel central do
professor é de intervir nesse domínio, as estratégias escolhidas como instrumentos
mediadores parecem-nos de fundamental importância. Dessa forma, de acordo com
as justificativas apontadas no presente estudo, optamos por considerar dentre elas,
a dos jogos educativos, pois ela se configura em um instrumento cultural e técnico
que cumpre, de forma eficaz, a dupla função de concretizar a atividade pedagógica e
conduzir as ações por parte dos alunos. Explica Oliveira (1995) que, na escola:
onde o aprendizado é o próprio objetivo de um processo que pretende conduzir a um determinado tipo de desenvolvimento, a intervenção deliberada é um processo pedagógico privilegiado. Os procedimentos regulares que ocorrem na escola [...] são fundamentais para a promoção de um ensino capaz de promover o desenvolvimento. A intervenção do professor, tem, pois, um papel central na trajetória dos indivíduos que passam pela escola.
[...]
Embora Vygotski enfatize o papel da intervenção no desenvolvimento, seu objetivo é trabalhar com a importância do meio cultural e das relações entre indivíduos na definição de um percurso de desenvolvimento da pessoa humana, e não propor uma pedagogia diretiva, autoritária (OLIVEIRA, 1995, p.14, grifo nosso).
Ao situar o professor como sujeito mediador, herdeiro crítico e intérprete
da cultura, sendo aquele que dá concretude e viabilidade ao processo de
aprendizagem, Altenfelder (2010) indica pontos importantes do trabalho docente: (a)
ter como ponto de partida a realidade dos alunos reais (e não daqueles idealizados);
(b) estabelecer objetivos claros e precisos; (c) recorrer a técnicas e conhecimentos
científicos para planejar, prever, organizar e dirigir situações de ensino,
acompanhando a progressão da aprendizagem dos alunos; (d) tomar decisões
acerca da reorganização de sua ação, quando não se efetivar a aprendizagem; (e)
em todo o processo, levar em consideração, simultaneamente, os aspectos motores,
cognitivos e afetivos dos alunos, comprometendo-se com o desenvolvimento
humano voltado à emancipação. Na mesma perspectiva, Basso (1998) destaca que
o trabalho docente pressupõe o exame de relações entre as condições subjetivas
83
(formação do professor) e as objetivas37 e deve ser realizado de forma articulada,
não em elementos separados. Esta última autora indica ainda, que as condições
subjetivas são próprias do trabalho humano e que, ao planificar sua ação, o homem
o faz de forma consciente, com maior ou menor autonomia. No caso do trabalho
docente, a autonomia é maior, pois:
a presença de professor e alunos permite uma avaliação e um planejamento contínuos do trabalho, orientando modificações, aprofundamentos e adequações do conteúdo, e metodologias a partir da situação pedagógica concreta e imediata.
[...]
O professor mantém autonomia para escolher metodologias, fazer seleção de conteúdos e de atividades pedagógicas mais adequadas a seus alunos, segundo o interesse ou suas necessidades e dificuldades. Essa autonomia, (é) garantida pela própria particularidade do trabalho docente (BASSO, 1998, pp. 19-20).
Bernardes (2009), Asbahr (2005), Saviani (1999) em suas produções,
ressaltam a importância de que o professor compreenda o significado de sua
atividade docente enquanto fator central para se pensar a realidade do ensino
escolar, pois é fundamental para se compreender a motivação da atividade docente,
“isto é, qual é o sentido pessoal atribuído a essa atividade, já que o sentido
relaciona-se diretamente com a significação social” (ASBHAR, 2005, p. 113).Saviani
(1999) indica que são muitos os significados da atividade docente ao longo dos
tempos, variando de acordo com o momento histórico, político e econômico,
ensejando mudanças na educação. Em conformidade com o materialismo histórico-
dialético, Asbahr (2005) esclarece qual é a significação da atividade docente,
indicando ser a escola a instituição social cuja missão é transmitir (de forma
sistematizada e organizada) o saber historicamente acumulado.
A significação social da atividade pedagógica do educador é justamente proporcionar condições para que os alunos aprendam, ou melhor, engajem-se em atividades de aprendizagem. Para tanto, o professor é responsável por organizar situações propiciadoras da aprendizagem, levando em conta os conteúdos a serem transmitidos e a melhor maneira de fazê-lo. O professor é, portanto, o mediador entre o conhecimento e o aluno, entre os produtos culturais humano-genéricos e seres humanos em desenvolvimento (ASBAHR, 2005, p. 113).
37Referem-se às condições efetivas de trabalho, ou seja, envolvem a organização da prática desde o planejamento até a remuneração do professor.
84
Assim, a atividade docente, ação mediadora que organizará o ensino,
possibilita ao educando se apropriar de tais conhecimentos, procedimentos e
atitudes novas. Desse modo, o avanço do nível de desenvolvimento real (NDR –
aquilo que se consegue realizar sem ajuda) em direção ao nível de desenvolvimento
próximo (NDP – aquilo que só se consegue realizar mediante a orientação de
pessoas mais experientes ou em interação com pares) requer a mediação do
professor, que deve atuar nas várias zonas de desenvolvimento próximo (ZDP –
área na qual o desenvolvimento é possível e que se situa entre o NDR e o NDP),
que se vão construindo no educando, reformulando suas formações psíquicas.
Nesse caminho, Asbahr (2005) destaca que a significação social da atividade
docente – promover a apropriação do conhecimento científico e o desenvolvimento
psíquico – envolve dois elementos centrais:
(i) A responsabilidade, por parte do professor, de organizar sua prática,
utilizar atividades orientadoras de ensino, que permitam a interação
dos sujeitos aprendentes, a definição dos objetivos a serem
solucionados, os modos ou procedimentos para neles se chegar, a
escolha de recursos e de instrumentos adequados para viabilizar o
processo de ensino-aprendizagem bem como sua análise e avaliação
contínua;
(ii) A formação de postura crítica do educando, proporcionando-lhe
também ser produtor de conhecimento, pois o aluno não é apenas
objeto da atividade do professor: é sujeito e deve participar ativa e
intencionalmente do processo de ensino-aprendizagem.
Bernardes (2009, p. 239) indica, nessa mesma linha de pensamento, que
um ensino pautado nesses moldes pressupõe que o educando influencie sua
organização, “a partir das suas características e necessidades, atuando como sujeito
ativo na atividade pedagógica”. Saviani (2015a), um dos principais representantes
da pedagogia histórico-crítica, menciona:
A educação é entendida como uma atividade mediadora no interior da prática social global. Como tal, o ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa é a prática social. Daí decorre um método que parte da prática social onde professor e aluno se encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento da solução de problemas postos pela prática social,
85
cabendo aos momentos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse) (SAVIANI, 2015a, p. 35).
Martins (2013, p. 130), a partir da unidade teórico-metodológica entre
pedagogia histórico-crítica e psicologia sócio-histórica, indica cinco teses que
elucidam “a educação escolar como condição de humanização dos indivíduos, bem
como a transmissão dos conhecimentos historicamente sistematizados como uma
das exigências para a consecução dessa finalidade”. As teses são as seguintes:
1. O ensino escolar deve promover humanização dos indivíduos, ou seja,
salienta a importância de se considerar que os homens não nascem
“humanos”, pois a humanização é um produto histórico-social. A
educação escolar implica decodificação abstrata da realidade, um
processo que oportuniza a apropriação dos conhecimentos
historicamente acumulados, enriquecendo o universo de significações
dos sujeitos.
2. A humanização do psiquismo identifica-se com a superação das
funções psíquicas elementares e com as funções psíquicas superiores:
Vygotski voltou-se ao estudo das funções e comportamentos
superiores, culturalmente elaborados, dedicando-se a elucidar as
condições que determinavam a transição das elementares para
superiores. Verificou que o ato mediado por instrumentos e signos
representava o elo fundamental nesse processo. Os signos, na
qualidade de ferramentas psíquicas, são “ideias, representações
abstratas que refratam, na palavra, a realidade para além de sua
captação sensorial empírica, conferindo-lhe significação” (MARTINS,
2013, p. 133). Portanto, eles são elaborados socialmente, na condição
de instrumentos sociais por excelência, e, assim, necessitam ser
aprendidos por meio de processo de ensino. Considerando que a
internalização se realiza, em primeira instância, no plano das relações
interpessoais, os processos educativos são de grande importância.
86
3. A atividade de ensino conquista uma natureza específica na forma de
educação escolar:
Ao defender que cabe à educação escolar disponibilizar um tipo específico de conhecimento, a saber, os conhecimentos clássicos, [...] coloca-se em questão não apenas a natureza dos conteúdos a serem transmitidos na escola, mas também a forma pela qual ela deva se dar (MARTINS, 2013, p.134).
Essa tese diz respeito ao aspecto curricular, por meio do qual se dá o
desenvolvimento dos sujeitos, na medida em que tratam das
significações dadas aos conteúdos universais, representantes máximos
das conquistas culturais e científicas alcançadas pela humanidade.
Nesse caso, merecem destaque o desenvolvimento do pensamento, a
superação de modelos pedagógicos que privilegiam um tipo de
conhecimento utilitário, a defesa da escola como espaço de “promoção
do desenvolvimento das capacidades humanas complexas, das
operações lógicas do raciocínio, dos sentimentos éticos e estéticos, do
autodomínio da conduta” (MARTINS, 2013, p. 135).
4. A formação de conceitos é a base sobre a qual o psiquismo se
desenvolve e a educação escolar se realiza: para Vygotski, a formação
de conceitos (desde os cotidianos até os científicos) implica a
reorganização de todas as funções psicológicas, “ao requalificar as
funções psíquicas, a aprendizagem escolar cumpre uma de suas
principais funções – a de incidir na personalidade dos indivíduos”
(MARTINS, 2013, p. 136). O processo que avança dos conceitos
cotidianos para os científicos não resulta de determinantes biológicos
e, sim, de mediações que:
ancoram a relação sujeito-objeto, da natureza dos vínculos entre o indivíduo e suas condições de vida e de educação. [...] resultando das apropriações das objetivações simbólicas, que carecem de transmissão por outrem, que demandam ensino (MARTINS, 2013, p. 140).
5. Conceitos cotidianos e de senso comum não incidem sobre o
desenvolvimento psíquico da mesma maneira que os conceitos
científicos: Vygotski esclareceu que os conceitos cotidianos são base
para os conceitos científicos, esses últimos, no desenvolvimento do
87
pensamento e das funções psicológicas superiores são de suma
importância.
Os conceitos científicos formam-se na tensão problematizadora de uma vasta gama de atividades que colocam o pensamento em curso, daí que o seu ensino não se identifique com ações casuais e assistemáticas, mas com ações didáticas específicas. A formação de conceitos científicos exige e se articula a uma série de funções psíquicas, a exemplo da percepção complexa, da atenção voluntária, da memória lógica e, sobretudo das operações lógicas do raciocínio, isto é, da análise, síntese, comparação, generalização e abstração (MARTINS, 2013, p. 140).
Na escola, a significação social da atividade do professor é, como bem
explica Asbahr (2005, p 114), “fundamental para investigar o que motiva o professor
a realizar tal atividade, ou seja, qual é o sentido pessoal da atividade docente”, e,
ainda, a tudo que envolve sua prática em sala de aula. A não correspondência entre
o significado social e o sentido pessoal, nas ações envolvidas na atividade docente
pode levá-la à alienação, interferindo diretamente na qualidade de ensino e no
produto do trabalho educativo.
Nesse sentido, Basso (1998) explica, a partir de uma concepção marxista,
que o trabalho imposto ao homem como meio de existência, uma atividade voltada
unicamente para a garantia de sobrevivência, constitui a base de sua alienação,
uma vez que impede o processo de autocriação do gênero humano por meio da
objetivação38. Assim, quando o trabalho do professor tem, para ele, um sentido que
não corresponde às significações dadas pelo conteúdo socialmente previsto dessa
atividade, ou seja, quando sentido pessoal do trabalho se desvincula de sua
significação, ele pode se tornar alienado.
Se o sentido do trabalho docente atribuído pelo professor que o realiza for apenas o de garantir sua sobrevivência, trabalhando só pelo salário e sem ter consciência de sua participação na produção das objetivações na perspectiva da genericidade, haverá a cisão com o significado fixado socialmente. Esse significado é entendido como função mediadora entre o aluno e os instrumentos culturais que serão apropriados, visando ampliar e sistematizar a compreensão da realidade, e possibilitar objetivações em esferas não cotidianas. Nesse
38A humanidade se expressa na produção material e simbólica do ser humano. É no mundo objetivo que o homem se manifesta como verdadeiro ser genérico, sendo esta produção sua vida genérica ativa. Ao defrontar-se com a natureza e transformá-la por meio do trabalho, a vida genérica do homem se expressa tanto em sua ação intencional quanto no produto que dela resulta (BATISTA e LIMA, 2015, p. 177 – notas).
88
caso, o trabalho alienado do docente pode descaracterizar a prática educativa escolar (BASSO, 1998, p. 25).
Sobre isso, Altenfelder (2010) refletiu que a precarização do trabalho
docente, os déficits de formação e a ausência de oportunidades de refletir sobre a
própria atividade são fatores causadores de um esvaziamento de saberes de
diferentes naturezas, “que impossibilitam que o professor assuma seu mandato de
herdeiro, crítico e intérprete da cultura e possa, assim, exercer seu papel de
mediador” (ALTENFELDER, 2010, p. 54). A mesma autora, citando a filósofa
húngara Agnes Heller, sugere que se olhe para os professores segundo a ótica da
cotidianidade39, pois essa situação, do ponto de vista filosófico, amplia a
compreensão sobre os diferentes modos de ser dos docentes em relação aos
alunos: somos todos imersos no cotidiano e nele agimos, exprimimo-nos e somos
afetados por ele. Nas palavras da autora:
O professor, como todos os outros, age, no cotidiano, de forma espontânea e pragmática, buscando um economismo de suas ações, para resolver questões rotineiras, o que, a princípio, não se constitui como um problema; pelo contrário, é uma dimensão necessária, sem a qual o cotidiano seria impossível. [...] mas, a vida cotidiana necessária não pode ser confundida com vida cotidiana alienada (ALTENFELDER, 2010, p. 55).
Não nos poremos a desenvolver questões aprofundadas acerca dos
conceitos de alienação e cotidianidade, pois não é nossa intenção com este estudo.
Porém, consideramos importante relacioná-los, devido à influência que ambos
exercem na atividade docente. Batista e Lima (2015), Bernardes (2009) e Altenfelder
(2005) consideram que o processo de alienação da atividade docente é que
39Para Heller, o ser humano é, ao mesmo tempo, particular (na medida em que cada um é único e não se repete) e genérico (o homem é também um ser genérico, pois é produto e expressão de suas relações sociais), e, a partir disso, age e se expressa na vida cotidiana. A principal característica da vida cotidiana é a espontaneidade, por isso fica praticamente impossível refletirmos antes de realizar as atividades próprias do cotidiano bem como estabelecer consequências, teorizar, avaliar com clareza e precisão. Marcam também a vida cotidiana o pragmatismo, a imitação do outro, o estabelecimento de probabilidades entre as ações e as consequências das mesmas, a utilização de analogias e precedentes. Alerta, ainda, para a possibilidade de cristalização de tais formas, que podem engessar o movimento do indivíduo, que perde sua dimensão genérica, tornando-se particularidade. Gatti (1996) ressalta que, a partir de tal cristalização, podem ocorrer processos de fragmentação, de parcialidade, e passamos a agir baseados em particularidades, em juízos provisórios, que influenciam nossas avaliações, tanto de situações como de pessoas, assim como de nossas ações, na vida em geral e no trabalho (ALTENFELDER, 2010, pp. 54-55).
89
desqualifica uma prática pedagógica transformadora40, como a defendida pela
psicologia sócio-histórica e pela pedagogia histórico-crítica. Silva (2007), a partir de
sua tese, traz uma importante contribuição que parte da perspectiva sócio-histórica
quando aborda a alienação da atividade docente. Para a pesquisadora, alienação
consistiria em um estranhamento do sujeito em relação a sua representação social.
Ou seja, “o que (determinado) fenômeno representa socialmente não é a mesma
representação que o indivíduo tem dele, daí o estranhamento” (SILVA, 2007, p.
176).
A autora esclarece algumas formas de alienação presentes na atividade
docente, a saber: (i) alienação ideológica – (principal forma de alienação entre os
docentes) faz com o professor desconheça sua função na sociedade, como
consequência, não se identifica com os objetivos que propõe, com os recursos e
estratégias que seleciona, com os conhecimentos que transmite/socializa,
preocupando-se pouco com a promoção ou não do desenvolvimento e emancipação
dos estudantes pelos quais é responsável; (ii) alienação subjetiva – pode acontecer
de maneiras diferentes, sendo uma delas quando o professor idealiza sua atividade,
fator prejudicial a seu planejamento e à adequada efetivação do mesmo, gerando
autocrítica e insatisfação no momento de confrontação entre sua idealização e a
realidade. Outra forma é quando o professor, apesar de ter condições de ir além das
determinações impostas, opta por ensinar de maneira pragmática e pouco ou nada
reflexiva.
Altenfelder (2010, p. 32) ressalta que não devemos buscar razões para
essa alienação da atividade docente apenas no sujeito da atividade (o professor),
desconsiderando suas condições de vida e de trabalho, inclusive porque a escola e
o processo educativo comportam várias contradições, sendo as mais evidentes o
fato deles contribuírem para a manutenção de relações sociais desiguais ou invés de
promover “o papel potencial da educação de transformar as relações sociais”. Cabe
40Uma prática pedagógica transformadora pode ser entendida como aquela que resgata por meio da prática docente lúcida e intencional o ser genérico corrompido pela prática mercadológica e meritocrática. A humanidade se expressa na produção material e simbólica do ser humano. É no mundo objetivo que o homem se manifesta como verdadeiro ser genérico, sendo esta produção sua vida genérica ativa. Ao defrontar-se com a natureza e transformá-la por meio do trabalho, a vida genérica do homem se expressa tanto em sua ação intencional quanto no produto que dela resulta (BATISTA e LIMA, 2015, p. 174 e 177 – notas).
90
ressaltar que também o professor pode ser educado, transformado, modificado em
suas formas de pensar, sentir e agir, superando concepções e significações
naturalizantes.
Assim, com base em Brando (2012) e Soares (2011), concluímos que a
atividade docente é constituída por diversas significações, configuradas pelos
sujeitos-docentes, que se refletem diretamente na atividade pedagógica, ou seja, na
materialização de seu trabalho. Acreditando que toda atividade concretizada traz em
si marcas e traços subjetivos e materiais, citamos Soares (2011) para reafirmar que
estudar o professor é considerar seus determinantes históricos,
[o] modo pelo qual ele tem sido afetiva e simbolicamente mediado por experiências vivenciadas na sua atividade de trabalho, experiências essas que implicam, dialeticamente, na constituição de diversos elementos de sentido.
[...]
Nessa perspectiva, o estudo do professor torna-se importante na medida em que não o reduzimos nem a um sujeito discursivo nem a um sujeito prático. Mais do que isso, trata-se de um sujeito cujas necessidades que mobilizam o seu modo de pensar, sentir e agir se constituem historicamente a partir da sua atuação nos diversos espaços sociais, especialmente a escola e a sala de aula (SOARES, 2011, p. 24).
91
3 – MÉTODO
Destacamos a importância da categoria historicidade quando nos referimos às noções de processo e de aparência-essência. A compreensão de tais noções nos permite avançar na tarefa de apreender os sentidos dos professores, captando suas contradições, movimentos, sentimentos muitas vezes não revelados facilmente, no momento da pesquisa empírica. Neste caso, o método tem a incumbência de criar condições de revelar esta realidade, de explicitar seu movimento, suas contradições. O objeto, analisado em seu processo, deverá passar da imediaticidade do que parece ser para ser compreendido como aquilo que de fato é.
Wanda M. J. de Aguiar e Virginia Machado, “A pesquisa sobre atividade docente: contribuições teórico-
metodológicas da psicologia sócio-histórica”.
3.1. Pressupostos metodológicos
Este capítulo tem por objetivo apresentar os pressupostos metodológicos
que orientam o percurso do presente estudo. De acordo com as postulações da
psicologia sócio-histórica, que assume como filosofia, teoria e método o materialismo
histórico e dialético, buscamos apreender e compreender as significações que
professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto à importância dos
jogos educativos como estratégia no processo de ensino-aprendizagem. Para tanto,
definimos o instrumento, as técnicas e os procedimentos para a produção e análise
dos dados. Dietz (2013), mediante estudos realizados, destaca a importância de se
distinguir metodologia e método. Explica a pesquisadora:
a metodologia é a doutrina, a teoria do método. Esse último por sua vez, é entendido como um meio de atividade do homem em que se unem, num todo, as leis objetivas interpretadas com o fim voltado para a apreensão do objeto e a sua transformação (DIETZ, 2013, p. 48).
Ressalta, ainda, que nenhum método científico deve ser considerado
único e/ou mais correto: central é que ele indique o movimento que se faz na busca
de resultados os mais verdadeiros, pois a realidade está, como a ciência, em
constante movimento. Daí a autora assumir que o método dialético é capaz de
oferecer tal configuração. Falamos de um método que, na concepção vygotskiana,
olha para a realidade e seus fenômenos compreendendo que tudo está em
constante transformação, de forma múltipla, complexa e variável. Altenfelder (2010)
elucida que em uma pesquisa na qual se adota a perspectiva da psicologia sócio-
92
histórica, a tarefa do pesquisador é analisar e compreender a realidade com esse
olhar transformador, tendo clareza de que não é possível apreender todas as
determinações nela contidas. Mas, “por outro lado, e ao mesmo tempo, é preciso o
compromisso de empreender um esforço nesse sentido” (ALTENFELDER, 2010, p.
60). Por isso a importância de se valer de um método que considere todos os
fenômenos humanos como sendo produzidos historicamente e, portanto, não
estanques. Vygotski (1930/2007), após estudos meticulosos a respeito dos métodos
de pesquisa vigentes em sua época, alguns deles com forte apelo empírico e
dicotomizando sujeito e objeto, propõe uma importante mudança nos rumos
metodológicos da psicologia. Explica Gonçalves (2007):
Já no início do século XX, Vygotski (1896-1934) propõe uma Psicologia de base marxista, apontando como razão para a crise da Psicologia os limites metodológicos no enfrentamento das dicotomias resultantes das concepções estritamente objetivistas ou subjetivistas e propondo sua superação através de um novo método para a Psicologia, o materialismo histórico e dialético (GONÇALVES, 2007, p. 126).
Bernardes (2010), no que se refere às bases do método proposto por
Vygotski, indica que os princípios metodológicos da indução e da dedução que
consideravam como ponto de partida da investigação os fatos e as abstrações, são
superados pela investigação psicológica materialista histórica e dialética: o
conhecimento é visto nela como um processo histórico e dialético complexo e não
como reflexo passivo da realidade. Assim, rompe-se a separação sujeito e objeto,
reconhecendo-se que o conhecimento é, ao mesmo tempo, objetivo e subjetivo.
Vygotski (1930/2007) apontou três princípios básicos da nova estrutura
metodológica que propôs, a saber: 1) análise de processos e não de objetos; 2)
substituição da descrição pela explicação e 3) investigação dos comportamentos
“fossilizados”.
No primeiro princípio, a ênfase está na importância e na necessidade de
se investigar os processos psicológicos que sofrem mudanças, pois eles não são de
maneira alguma engessados. Essa postura exige da pesquisa a exposição dos
aspectos principais envolvidos na história dos processos presentes na investigação.
Dessa forma se deve “fazer que o processo analisado retorne aos seus estágios
iniciais, reconstruindo-os, a fim de compreendê-lo” (BRANDO, 2012, p. 64).
93
O segundo princípio destaca que a análise dos fenômenos estudados
deve se preocupar com sua explicação e não apenas se ater à sua descrição. Como
explica Brando (2012, p. 64), trata-se de “explicitar a essência dos fenômenos
psicológicos e não só suas características perceptíveis, de modo que se possa
compreender sua gênese e suas relações dinâmico-causais”.
Finalmente, o terceiro princípio salienta a importância de se compreender
os comportamentos fossilizados, ou seja, aqueles observados em processos
psicológicos automatizados ou mecanizados. Explica Bernardes (2010) que se trata
de levar em conta as condutas instituídas no comportamento e que permitem a
convivência em sociedade, o que é universal e mediado pela cultura, constitui a
subjetividade. Por estarem vinculados a etapas antigas do desenvolvimento cultural,
os comportamentos fossilizados acabaram perdendo suas características
essenciais, e o que deles está aparente não é suficiente para analisá-los. Então, nos
aponta Vygotski (1930/2007), é preciso compreender sua origem, considerando o
processo histórico de desenvolvimento: “Estudar alguma coisa historicamente
significa estudá-la no processo de mudança: esse é o requisito básico do método
dialético” (VYGOTSKI, 1930/2007, p. 68).
Aguiar (2007b) destaca que Vygotski, em suas postulações, afirmava não
ser possível um método que desconsiderasse a relação homem/mundo. Quando
propõe a dialética como base de seu método, ele assume que o homem – objeto de
seu estudo – é um ser único, singular, mas histórico, que se constitui na relação de
exclusão e inclusão, com contradições, em uma relação dialética com o social e o
histórico, constituindo-se e sendo constituído pela realidade social, sem nela se
diluir. Por isso, os métodos baseados em estímulo-resposta não eram, segundo
Vygotski, suficientemente capazes de apreender os processos internos do sujeito:
era preciso substituir a análise de um objeto pela análise do processo, da sua constituição, da sua gênese; [...] apreender os processos internos, para isso, era preciso exteriorizá-los, observar o não observável, o lado escuro da lua (AGUIAR, 2007b, p. 129).
Assim, Vygotski acreditava ser necessário um método que rompesse com
a visão linear e positivista, chegando à subjetividade do sujeito. Para tanto, ele
considerou que as palavras/signos seriam os pontos de partida.
Ao destacar a importância dos signos, devemos enfatizar que entendemos a linguagem ao mesmo tempo como mediação da
94
subjetividade e como instrumento produzido social e historicamente, materializando assim as significações construídas no processo social e histórico (AGUIAR, 2007b, p. 130).
Para o pesquisador, portanto, é fundamental superar a visão dicotômica
homem/sociedade e exercitar a visão dialética, considerando a unidade entre
“subjetividade e objetividade, externo e interno, natural e social, psíquico e orgânico,
como elementos que se constituem mutuamente, apesar de guardarem diferenças
entre si” (ALTENFELDER, 2010, p. 61). A tarefa é compreender o movimento do
fenômeno pesquisado, seu processo de constituição, seu conteúdo, sua forma.
Como apontado por Gonçalves e Bock (2009), não apenas responder “o que é” e,
sim, “como se constitui”. Nessa perspectiva, indicam as autoras, faz-se
imprescindível ter clareza de que os fenômenos são multideterminados e que, em
virtude das relações que estabeleceram, criam sua aparência:
Essas relações, no entanto, são invisíveis aos nossos olhos, pois são constitutivas dos fenômenos em seu movimento e processo. É aqui que se supera o uso de conceitos (que fotografam ou descrevem os fenômenos) para adotar a ideia de categorias que expressam processos e permitem pensar relações que são constitutivas dos fenômenos. As categorias inauguram a possibilidade de se falar de elementos que caracterizam os fenômenos, mas que só podem ser captados, como relação, pelo pensamento. As categorias são categorias de pensamento que permitem que se ultrapasse a aparência (enganosa) dos objetos e se compreenda sua gênese e seu movimento (GONÇALVES e BOCK, 2009, p. 140, grifos nossos).
Tratar das categorias no método materialista histórico dialético é
compreender que elas não são isoladas em si mesmas. Ao contrário, são abstrações
que carregam em si a materialidade, buscando entender o movimento que já existe
na totalidade41, ou seja, no real. Esclarece-nos Brando (2012, p. 39) que “cada
categoria tem sua especificidade, elas estão interligadas, de modo que cada uma
constitui as outras, em um constante movimento dialético: uma não pode ser
compreendida sem as demais” (p. 39) Assim, para compreender o fenômeno a ser
41Destacamos que totalidade aqui, como no materialismo dialético, deve ser entendida como um todo estruturado em curso de desenvolvimento humano e de autocriação” (KOSIK, 2002, p. 43) e que, portanto, nunca se refere a algo fixo, imutável. Para que esse raciocínio seja possível, é necessário termos em conta a noção de totalidade concreta, jamais de modo apriorístico, sempre em movimento, constituída na e pela atividade humana. A noção de totalidade implica uma articulação dialética em que a parte e o todo, o singular e o plural, estão imbricados dialeticamente um no outro, não se confundem, mas não existem isoladamente, por isso não são apreendidos separadamente (AGUIAR e MACHADO, 2012, p. 29 – nota de rodapé).
95
aqui investigado, serão empregadas as categorias apresentadas no referencial
teórico do trabalho, a saber: historicidade, mediação, atividade, consciência,
subjetividade, sentidos e significados; sua articulação coerente, para que se efetive
a apreensão do real e dos objetivos perseguidos.
As categorias historicidade e mediação permeiam a dimensão
metodológica do presente estudo, pois, como indicam Aguiar e Machado (2012), são
fundamentais do método aqui empregado, visto permitirem, por meio de uma análise
não dicotômica da realidade, conhecer sua gênese e o processo de transformação
dos objetos.Consciência, atividade e subjetividade, conforme discutido no referencial
teórico, são categorias básicas para compreender os fenômenos psicológicos
envolvidos na atividade docente e seus desdobramentos. Por assim dizer, elas
indicam como o professor, ao atuar sobre o mundo, transforma-o (externo) e
transforma a si mesmo (interno). E, finalmente, outras duas categorias centrais
nessa pesquisa: sentido e significado, pois elas permitem apreender a subjetividade
humana presente na atividade docente.
Para alcançar nosso principal objetivo, já citado no início do capítulo,
optamos pela abordagem qualitativa, porque, segundo González Rey (2012, p. 29),
ela permite a apreensão das significações, favorecendo a produção de teoria,
principalmente quando se trata do “estudo de sistemas que não são diretamente
acessíveis, nem em sua organização, nem nos processos que os caracterizam, à
observação externa”. Tal abordagem favorece, também, a compreensão não linear,
plurideterminada, interativa e histórica do homem. O mesmo autor postula, ainda,
que a epistemologia qualitativa tem um caráter construtivo-interpretativo acerca do
conhecimento, destacando a relação dialética mantida entre a realidade e a
produção de conhecimento. Defende a constituição de espaços de inteligibilidade
nas pesquisas, abrindo possibilidades de aprofundamento teórico, ou seja:
Tal conceito tem, então, uma profunda significação epistemológica que confere valor ao conhecimento, não por sua correspondência linear e imediata com o “real”, mas por sua capacidade de gerar campos de inteligibilidade que possibilitem tanto o surgimento de novas zonas de ação sobre a realidade, como de novos caminhos de trânsito dentro dela através de nossas representações teóricas. O conhecimento legitima-se na sua continuidade e na sua capacidade de gerar novas zonas de inteligibilidade acerca do que é estudado e de articular essas zonas em modelos cada vez mais úteis para a produção de novos conhecimentos(GONZÁLEZ REY, 2012, p. 6).
96
Contudo, utilizamos também o recurso da quantificação, visto que dados
quantitativos são igualmente importantes para descrever nossos sujeitos. Gatti
(2004), ao tratar do uso de abordagem quantitativa em pesquisas na área da
educação, indica que a análise desse tipo de dado possibilita que a informação não
diretamente visualizada em um conjunto de dados possa vir a ser mais bem
entendida, permitindo a observação e reflexão sobre eles. Dados quantitativos são
indicadores – ou seja, indícios – e não verdades ou certezas sobre as questões
tratadas: eles permitem identificar “semelhanças, proximidades ou plausibilidades,
não certezas” (GATTI, 2004, p. 14). Sobre a combinação de abordagens, diz a
autora:
Os métodos de análise de dados que se traduzem por números podem ser muito úteis na compreensão de diversos problemas educacionais. Mais ainda, a combinação deste tipo de dados com dados oriundos de metodologias qualitativas pode vir a enriquecer a compreensão de eventos, fatos, processos. As duas abordagens demandam, no entanto, o esforço de reflexão do pesquisador para dar sentido ao material levantando e analisado (GATTI, 2004, p. 13).
3.2. Local
A coleta de dados foi realizada em Unidades Escolares pertencentes à
rede pública de um município integrante do Grande ABC, região metropolitana do
Estado de São Paulo. O referido município possui uma área de 174,38 km2
(equivalente a 0,07% do território do Estado), com população estimada de 704.942
habitantes, com densidade demográfica de 3.714,71 hab./km2 (censo realizado em
2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, doravante IBGE). De acordo
com o último censo, a expectativa de vida está por volta dos 74 anos; o Índice de
Desenvolvimento Humano do Município (doravante IDH-M)42 é de 0,835, o IDH-M
Renda é de 0,814 e de Educação é 0,932. A taxa de alfabetização é de 97,55%.
42O IDH nasceu como um conceito que definisse o desenvolvimento humano para além do ponto de vista econômico, com o objetivo de voltar o olhar às pessoas, suas oportunidades e capacidades de desenvolvimento. O IDH é um número que varia entre 0 e 1, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano de uma unidade federativa, município, região metropolitana. No Brasil, a partir do ano de 2012, passou-se a calcular o IDH-M, referente aos municípios brasileiros, considerando-se os três últimos censos demográficos do IBGE – 1999, 2000 e 2010. O IDH-M brasileiro considera as mesmas três dimensões do IDH Global, a saber: longevidade, educação e renda, mas adapta a metodologia global ao contexto do país e à disponibilidade de indicadores nacionais. Fonte: <www.atlasbrasil.org.br>. Acesso em: 16 jul. 2016.
97
Como os demais municípios da região, teve sua economia marcada pela
indústria, mas nas últimas três décadas, devido às tantas mudanças no cenário
tributário e econômico do país, o setor de comércio e serviços começou a crescer,
ganhando espaço na região como um todo.
Conta com serviço amplo de transporte público, abrangendo linhas com
ônibus municipais e intermunicipais, com terminal rodoviário próprio, corredor de
trólebus e transporte ferroviário. O município dispõe, ainda, de rede própria de
escolas, que funciona em paralelo às escolas estaduais e particulares.
A rede municipal de ensino data da década de 1970, com atendimento a
crianças em idade de 0 a 6 anos, na pré-escola e em creches. Contudo, no final dos
anos de 1990, com a instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)43, deu-se a
ampliação da rede, com atendimento também a crianças de Ensino Fundamental I
(1º ao 5º anos). Atualmente, a rede pública de ensino municipal conta com: 51
Escolas Municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEFs),
atendendo crianças de 4 a 10 anos, bem como o público da Educação de Jovens e
Adultos (alfabetização, ensino supletivo equivalente ao Ensino Fundamental I e ao
Ensino Fundamental II); 25 Creches Municipais e 18 Creches Conveniadas44; 10
Centros Públicos de Educação de Jovens e Adultos (CPEJAs, com cursos
profissionalizantes) e 10 Centros Educacionais, que integram em um mesmo
complexo: Creche, EMEIEF e Centro Comunitário, com cursos e oficinas abertos à
comunidade local. São cerca de 36.700 alunos matriculados nas duas etapas da
Educação Básica – Educação Infantil, Ensino Fundamental, bem como na
43Instituído pela Emenda Constitucional nº 14/1996, regulamentado pela lei nº 9.424/1996 e pelo Decreto nº 2.264/1997. O FUNDEF foi implantado, nacionalmente, em 1º de janeiro de 1998. A maior inovação trazido por este fundo, consistiu na mudança da estrutura de financiamento do Ensino Fundamental no País (1ª a 8ª séries do antigo 1º grau), ao subvincular a esse nível de ensino uma parcela dos recursos constitucionalmente destinados à Educação. A Constituição de 1988 vincula 25% das receitas dos Estados e Municípios à Educação. Com a Emenda Constitucional nº 14/96, 60% desses recursos (o que representa15% da arrecadação global de Estados e Municípios)ficam reservados ao Ensino Fundamental. Além disso, introduziu novos critérios de distribuição e utilização de 15% dos principais impostos de Estados e Municípios, promovendo a sua partilha de recursos entre o Governo Estadual e seus municípios, de acordo com o número de alunos atendidos em cada rede de ensino. Fonte: <portal.mec.gov.br>. Acesso em: 16 jul. 2016.
44Entidades particulares, mas que recebem subsídio dos cofres públicos do município para o atendimento de crianças que fazem parte da demanda de Educação Infantil na cidade.
98
modalidade da EJA I e II/Profissionalizante, envolvendo cerca de 2.100 professores.
Além disso, há na rede de ensino um trabalho direcionado à educação inclusiva,
com professores assessores, que oferecem apoio técnico e pedagógico aos
professores de sala regular.
O referido município e sua rede de ensino foram escolhidos por ser o local
de residência da pesquisadora, bem como seu local de atuação profissional nos
últimos quinze anos. A pesquisadora efetuou contato com a Secretaria de Educação
Municipal (doravante SEM), por meio da Diretoria do Departamento de Educação
Infantil e Ensino Fundamental, solicitando a possibilidade de sua entrada nas
escolas da rede para efetuar a coleta de dados pertinentes a seu estudo, recebendo
anuência para tal. Na sequência, após a Secretaria de Educação comunicar
oficialmente as escolas, houve um primeiro contato, via e-mail, com as equipes
gestoras das Escolas, para uma apresentação da pesquisadora, do tema da
pesquisa e do fato de que seria realizado um segundo contato presencial, no qual
seriam esclarecidos os pormenores da pesquisa.
3.3. Definindo critérios: escolas e sujeitos
Realizamos o primeiro recorte ao estabelecermos que, para o presente
estudo, pesquisaríamos a atividade docente junto aos educadores atuantes45 no
Ensino Fundamental I (1º ao 5º anos). Assim, considerando o número de docentes
que atuam nessa etapa (cerca de 730), na rede de ensino do município escolhido,
bem como a abrangência geográfica das escolas, adotamos um segundo recorte: a
constituição de um grupo deles para participarem do estudo. Citando Altenfelder
(2010):
Ao considerarmos o particular como instância da totalidade social, ajuda-nos a entender, de maneira geral, as possíveis contribuições que se podem trazer aos professores, uma vez que, [...], entendemos que o conhecimento produzido sobre um sujeito, uma escola ou um grupo pode explicar a realidade concreta a partir da compreensão das mediações que o constituem (ALTENFELDER, 2010, p. 77, grifo nosso).
Tratando-se de uma pesquisa com participação voluntária, foi pensada a
45A proposta da presente pesquisa foi devidamente cadastrada no sistema nacional online denominado Plataforma Brasil e submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP, com o número CAAE 54954816.1.0000.5482.
99
formação de um grupo com, no mínimo, 100 sujeitos. Contudo, obtivemos um total
de 158 docentes participantes ao final da coleta de dados. Visto a extensão do
município, bem como a diversidade de bairros e de sua população, efetuamos uma
distribuição geográfica das escolas pertencentes à rede, considerando-se as regiões
Norte, Sul, Leste e Oeste; de modo a realizar a coleta de dados em unidades
situadas em diferentes localidades. Para tanto, fizemos uso de uma antiga
referência, utilizada pela população para situar e dividir os bairros em Norte e Sul, a
qual toma como parâmetro a linha férrea que, em décadas passadas, cortava a
cidade. Mais recentemente, com o advento do transporte urbano, essa divisão é
representada por uma importante avenida intermunicipal de ampla circulação.
Observando tais pontos, realizamos um corte transversal para demarcar as regiões
Leste e Oeste.
Com base no conhecimento prático da pesquisadora, o perfil das escolas
foi identificado mediante o número aproximado de alunos46, situação que lhe
permitiu classificar cada uma delas em pequenas, médias e grandes. Assim, foram
sorteadas escolas das diferentes regiões demarcadas, sendo 6 escolas grandes, 6
médias e 3 pequenas, totalizando 15 Unidades Escolares47. Todas as escolas
receberam um código que indicava sua região e seu tamanho, evitando, portanto, o
emprego de seus nomes, algo que tinha sido combinado pela pesquisadora tanto
com a SEM como com os pesquisados.
Ao final desse processo, foi apresentada à SEM a lista das escolas
selecionadas, que lhes comunicou oficialmente que participariam da referida
pesquisa. Uma carta de apresentação para a realização da estudo (Anexo 1) foi
entregue às equipes gestoras das referidas escolas, esclarecendo o caráter
voluntário dessa participação.
Mesmo com a autorização do órgão gestor responsável para a escola
participar da pesquisa, a equipe escolar (gestores e professores) poderia optar por
recusar e/ou abandonar a investigação em qualquer momento e sem ônus de
nenhum tipo. De fato, isso ocorreu em algumas escolas, criando a necessidade de
substituí-las. No entanto, nem sempre isso foi possível, razão pela qual não se
46 Grande: >550 alunos; Média: <550 e >350 alunos; Pequena: <350 alunos.
47 As escolas serão devidamente caracterizadas no capítulo de análise.
100
conseguiu ter o mesmo número de unidades escolares (grandes, médias e
pequenas) em todas as regiões.
3.4. Definição e validação do instrumento
No que diz respeito aos instrumentos para coleta de informações/dados
em um processo de pesquisa, González Rey (2012) explica que, na pesquisa
qualitativa, é possível encontramos dois extremos: (i) um de caráter instrumental,
que encara a unidade fundamental do processo de pesquisa, apenas na resposta
produzida pelos instrumentos; (ii) o outro dispensa o uso de instrumentos em prol da
comunicação. Para o autor, ambos estão equivocados, pois os instrumentos, se
compreendidos “como formas diferenciadas de expressão das pessoas e que
adquirem sentido subjetivo no contexto social da pesquisa, representam uma via
legítima para levar à sua compreensão” (GONZÁLEZ REY, 2012, p. 42). Considera
que instrumento é toda situação ou recurso que permita a expressão do sujeito, no
contexto de relação que caracteriza o estudo, ou seja, o instrumento é como uma
ferramenta interativa. O mesmo autor elenca alguns argumentos a respeito, pois os
instrumentos de pesquisa (GONZÁLEZ REY, 2012, pp. 43-44):
(a) Representam apenas o meio pelo qual o pesquisador provocará a
expressão aberta e comprometida do sujeito, no intuito de produzir
“tecidos de informação e não de respostas pontuais”;
(b) São apenas uma fonte de informação, independente do sistema de
categorias a serem utilizadas para apreender sua significação;
(c) Produzem significados parciais, sendo necessário articulá-los e
relacioná-los para compor um sistema de informações;
(d) Apoiam-se em expressões simbólicas diferenciadas das pessoas;
(e) Constituem meios que precisam envolver os sujeitos emocionalmente,
“descentrando o sujeito do lugar em que ele nos fala” e facilitando a
expressão de sentidos subjetivos;
(f) Não seguem regras padronizadas de construção.
A partir de tais argumentos, González Rey (2012) indica que instrumentos
podem ser individuais (especificamente relacionais, como as entrevistas, situações
101
de diálogo, produções escritas como os questionários, o complemento de frases,
redações, desenhos, testemunhos escritos, diários, cartas etc.) e grupais
(envolvendo atividades coletivas e o uso de dinâmicas grupais, incluindo debates,
teatro etc.). O pesquisador pode, no decorrer da pesquisa, gerar instrumentos
independentes, segundo suas necessidades. Diante do exposto, nossa principal
preocupação consiste na obtenção de dados com qualidade suficiente para termos
condições de realizarmos uma análise consistente, que atenda aos objetivos da
pesquisa. Como desejávamos a formação de um grupo, optamos pela utilização de
um questionário de autopreenchimento voluntário (com perguntas fechadas e
abertas), a ser respondido pelos docentes em suas escolas, em horário de reunião
coletiva pedagógica e com aplicação presencial da pesquisadora, após os devidos
esclarecimentos acerca da pesquisa e seus objetivos.
No tocante ao uso de questionário como instrumento em pesquisas
qualitativas, consideramos o exposto por González Rey (2012):
[o questionário] é um instrumento associado ao estudo de representações e de crenças conscientes do sujeito, diante do qual esse sujeito constrói respostas mediadas por sua intencionalidade. Tanto para estudar representações conscientes do sujeito, como para conhecer aspectos que ele (a) possa descrever diretamente, o questionário é um instrumento interessante, no entanto, devemos ter em conta que as respostas de uma pessoa a um questionário estão mediadas pelas representações sociais e pelas crenças dominantes no cenário social em que se aplica o instrumento. Isso torna impossível o controle sobre a pressão social, não necessariamente consciente, que participa do sentido subjetivo da resposta dada pelo sujeito diante de uma situação concreta (GONZÁLEZ REY, 2012, p. 41, grifo nosso).
Da mesma forma, consideramos a postulação de Aguiar e Davis (2011)
que indicam que, quando se deseja apreender os sentidos e significados, é
necessário ir além das aparências, tendo clareza de que a palavra contém mais do
que revela, pois sua dimensão semântica (Vygotski, 1934/2001) não consegue
expressar todas as possibilidades de registro do real. Portanto, se existe a intenção
de compreender os sujeitos e suas atividades no cotidiano escolar, mediante o uso
(ou não) de uma determinada estratégia de ensino, os significados constituem o
ponto de partida da análise e da interpretação. Contudo, deve-se caminhar na
direção da percepção de zonas mais fluidas, mais instáveis, que não se submetem a
nenhuma lógica externa, ou seja, as zonas de sentido. Assim, a partir de Luna
102
(2000), produzimos uma proposta de questionário (Anexo 2 – versão final) que
consta de duas partes, ambas voltadas para obter informações sobre:
(i) Parte A (estruturada e composta por perguntas fechadas) – procura
caracterizar o grupo de participantes (sexo, idade, estado civil,
número de filhos, moradia); formação acadêmica
(graduação/graduações, em universidade pública ou privada, pós-
graduação/pós-graduações); experiência profissional no magistério
(rede pública, particular ou ambas, tempo de atuação na etapa de
ensino pesquisada, tempo de atuação na rede de ensino do
município).
(ii) Parte B (perguntas estruturadas, mas que pedem justificativas,
explicações referentes às opções e ideias mencionadas) – procura
obter as significações constituídas para o trabalho como docente,
elencando seus pontos fortes e, também, o conhecimento, uso e
opiniões acerca da estratégia de jogos educativos no processo de
ensino-aprendizagem, foco do presente estudo. Compreende,
basicamente, a coleta de dados qualitativos. Com essa parte do
questionário, assumimos duas das indicações feitas por González
Rey (2012, p. 52) ao tratar de questionários com questões abertas: (a)
elas formam um sistema que responde a uma estratégia orientada na
busca de diferentes informações, que possibilitam uma representação
abrangente do que se está pesquisando; (b) elas apresentam uma
dupla função: a busca por informações diretas (aparecem na tomada
de posição intencional do sujeito, mediante o que está explicitado na
questão) e indiretas (surgem dos elementos significativos da
fundamentação, da justificativa dada às respostas).
A partir de algumas versões, foram realizadas aplicações-piloto (pré-
testes) junto a professoras com experiência na etapa pesquisada, mas que não
participariam da pesquisa. Ao final de cada aplicação-piloto, solicitou-se que
relatassem suas impressões a respeito do instrumento, auxiliando-nos a realizar as
devidas adequações. O tempo médio para o preenchimento dos questionários ficou
entre 20 e 25 minutos. A principal observação feita foi a necessidade de torná-lo
mais objetivo na parte B, pois devido a questões amplas e sem “pista” para orientar
103
as respostas, os docentes poderiam se mostrar resistentes em participar da
pesquisa.
No momento da coleta de dados, dois aspectos foram explicados aos
professores, ou seja, que: (i) constam do questionário espaços para o nome da
escola, o nome do participante e para um número de telefone de contato. Esses três
itens são necessários exclusivamente para a pesquisadora, caso sejam necessários
mais esclarecimentos no momento de sistematização dos dados. Em nenhum
momento do relato da pesquisa a Unidade Escolar e/ou sujeito pesquisado serão
identificados; (ii) cada pergunta do questionário recebeu um código, para organizar e
sistematizar os dados coletados.
3.5. Procedimento para produção de dados
Como mencionado anteriormente, as escolas foram comunicadas pela
SEM que a pesquisadora tinha sua autorização para coletar nelas seus dados. Na
sequência, a pesquisadora efetuou o primeiro contato com as equipes gestoras das
escolas, via e-mail, para apresentar-se, informar o tema da pesquisa, bem como
indicar que haveria um segundo contato presencial. A partir disso, a pesquisadora,
portando a carta de apresentação para realização de pesquisa48 (Anexo 1), visitou
as Unidades Escolares, momento aproveitado para explicar e esclarecer dúvidas
sobre o estudo e, também, para obter a concordância da equipe escolar em dele
participar. Isso feito, a data e o horário para que os professores pudessem
responder ao questionários em reunião pedagógica semanal foi definida.
Em cada Unidade Escolar, já no momento da reunião e
independentemente do número de professores de ensino fundamental presentes,
deu-se a apresentação da pesquisadora e de seu problema de pesquisa. Em
seguida, explicações sobre o instrumento da coleta dos dados foram oferecidas
(questionário de autopreenchimento), convidando os docentes para preenchê-lo
voluntariamente. A produção de dados consistiu em responder às questões do
referido questionário, após terem anuído em participar do estudo. Apesar da
permanência da pesquisadora no local, ela não fez nenhuma intervenção durante o
48 Cada escola recebeu uma cópia da carta da SEM em que ela autorizava a realização da pesquisa na rede, de modo que pudesse ser socializada com o grupo de professores e ficar arquivada na secretaria.
104
preenchimento do questionário. Terminada essa tarefa, os sujeitos devolveram o
questionário à pesquisadora, que agradeceu a cada um a disponibilidade e a
cooperação. É interessante mencionar que o tempo médio de preenchimento
correspondeu ao indicado nos pré-testes, ou seja, cerca de 25 minutos.
3.6. Procedimento e referencial de análise dos dados
Com o término da coleta, cada questionário recebeu uma numeração no
canto superior direito do instrumento, a qual foi acrescida ao código da escola, de
acordo com o mencionado no subitem 4.3. Os questionários foram lidos e, caso os
dados produzidos não fossem claros e/ou inteligíveis, eles foram descartados49. De
acordo com a codificação de cada pergunta presente no instrumento, considerando
as questões da Parte A (fechadas) e da Parte B (semiabertas), as respostas foram
tabuladas e analisadas, possibilitando, inclusive, suas possíveis articulações.
Para realizar a análise, foi empregado o procedimento proposto por
Aguiar e Ozella (2006; 2013), constituindo Núcleos de Significação, os quais são
entendidos como uma estratégia que possibilita a organização dos dados para
análise e interpretação, permitindo-nos apreender e compreender as significações
que professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto à importância
dos jogos educativos como estratégia no processo de ensino-aprendizagem.
49 Este processo será explicado melhor no capítulo de análise.
105
4 – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Já nas ciências humanas, seu objeto de estudo é o homem, “ser expressivo e falante”. Diante dele, o pesquisador não pode se limitar ao ato contemplativo, pois se encontra perante um sujeito que tem voz, e não pode apenas contemplá-lo, mas tem de falar com ele, estabelecer um diálogo com ele. Inverte-se, desta maneira, toda a situação, que passa de uma interação sujeito-objeto para uma relação entre sujeitos.
Maria Teresa de Assunção Freitas, “A abordagem sócio-histórica como orientadora
da pesquisa qualitativa”.
4.1. Análise preliminar dos dados obtidos – organização dos questionários
Este capítulo tem por objetivo indicar o percurso utilizado na organização
dos dados, bem como permitir sua análise. Importante retomar, como bem aponta
Altenfelder (2010), que apesar de nossa abordagem teórico-metodológica não exigir
um rigor estatístico, nem mesmo uma amostra probabilística, fizemos a opção pela
constituição de um grupo de docentes atuantes na etapa do Ensino Fundamental I
na rede pública de ensino municipal, que foi campo da pesquisa, para produzir
nossos dados de pesquisa. Importa-nos, em especial, como já dito, a qualidade dos
dados produzidos. Para tanto, entendemos ser relevante certa heterogeneidade de
sujeitos, mediante variedade de participantes em relação a sexo, faixa etária,
formação, experiência no magistério, atuação nos diferentes anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Além disso, tentamos contemplar profissionais que atuassem nas
diferentes realidades do município campo da pesquisa, buscando “ouvir” e analisar
as falas de docentes que desempenham sua atividade em diferentes contextos, pois
teríamos ampliado de modo qualitativo, as possibilidades de desvelarmos as
mediações constitutivas do fenômeno a ser investigado (ALTENFELDER, 2010).
A sequência de ações para a organização e análise dos dados produzidos
foi a seguinte:
(a) Leitura vertical dos 158 questionários, primeiramente separados
por escola, verificando se as respostas, efetivamente, nos
ajudariam a apreender e compreender as significações que
professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto
à importância dos jogos educativos como estratégia no processo
106
de ensino-aprendizagem;
(b) Tentativa de nos familiarizarmos com as falas dos professores e
identificarmos os diversos pontos elencados por eles;
(c) Em relação à Parte A (empregando questões estruturadas, com
perguntas fechadas), buscamos perceber se os docentes
participantes da pesquisa apresentavam perfis distintos;
(d) Tabulação dos dados quantitativos para organizarmos a
caracterização do grupo de escolas e dos 158 sujeitos que
responderam ao questionário (itens 4.2. e 4.3 do presente
capítulo);
(e) Separação dos questionários para o trabalho relativo à Parte B
(perguntas estruturadas, mas que pedem justificativas), utilizando
como critério, o ano escolar de atuação de cada docente;
(f) Apreensão das significações constituídas pelos docentes, ou seja,
agora trabalhamos com dados qualitativos;
(g) Nova leitura, agora com os grupos de questionários agrupados por
ano de atuação dos docentes, no esforço de filtrar e aglutinar falas,
buscando similaridades, diferenças, ambivalências e contradições,
de modo a construir pré-indicadores, indicadores e núcleos de
significação.
4.2. Caracterização das escolas pesquisadas
Conforme citado no capítulo anterior (item 3.3), o perfil das 15 escolas
pesquisadas foi identificado por meio do número aproximado de alunos que as
frequentavam, gerando a classificação em pequenas, médias e grandes.
Além disso, buscou-se, por meio de um sorteio, contemplar escolas das
diferentes regiões do município campo da pesquisa, porém, como algumas delas
não aceitaram participar, houve a necessidade de substituição, algo que nem
sempre foi bem-sucedido. Como resultado, não foi possível obter quantidades iguais
de escolas em todas as regiões do município. Após o término da coleta, elaboramos
um código para cada escola, evitando o uso de seus nomes, para garantir o sigilo
107
previamente assegurado.
A seguir, apresentamos, na Tabela 1, o perfil das referidas escolas, com
os respectivos tamanhos (de acordo com os critérios estabelecidos para esse
estudo); quantidades aproximadas de alunos e quantidades de questionários obtidos
durante a coleta de dados.
Tabela 1. Perfil das escolas por tamanho (número de alunos atendidos) e número de questionários respondidos.
Escolas por tamanho e quantidade de questionários respondidos
Pequenas*
Número de questionários respondidos
Médias*
Número de questionários respondidos
Grandes*
Número de questionários respondidos
Escola 03 08 Escola02 09 Escola 01 12
Escola 07 08 Escola 05 12 Escola 04 10
Escola 14 07 Escola 06 10 Escola 09 14
Escola 08 12 Escola 10 06
Escola 11 11 Escola 12 09
Escola 15 11 Escola 13 19
03
Escolas
23
questionários
06
escolas
65
questionários
06
escolas
70
questionários
Total
15 Escolas
158 Questionários
(*) Grandes: > 550 alunos; Médias: < 550 e > 350 alunos; Pequenas: < 350 alunos
Para melhor caracterização das referidas escolas e da rede pública
municipal a que pertencem, fizemos uso do Indicador do Desenvolvimento da
Educação Básica 2011 e 2013 (doravante IDEB)50, tendo sido essa a referência
aceita pelo Relatório de Observação nº 5 do CDES (BRASIL, 2014a, mencionado na
introdução do presente trabalho) como uma das principais, quanto ao desempenho
das escolas nos dois últimos cálculos divulgados.
50 O Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica, pretende refletir a qualidade educacional da Educação Básica brasileira, sintetizando informações obtidas por meio de dois fatores: o rendimento escolar (taxas de aprovação, reprovação e abandono), médias do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e Prova Brasil (sistema de avaliação utilizado pelo MEC a cada dois anos, para avaliar o desempenho dos anos finais da Educação Básica), para que se possa planejar ações que levem ao aperfeiçoamento do trabalho escolar, direcionando recursos técnicos e financeiros para o desenvolvimento de redes de ensino e/ou escolas (Relatório de Observação nº 5, 2014). Fonte: <http://ideb.inep.gov.br/site>. Acesso em: 16 jul. 2016.
108
A propósito, como explicado no referido documento, o IDEB é, desde
2005, calculado a cada dois anos, com metas estabelecidas para cada avaliação,
escolas e redes de ensino (públicas e privadas), sendo que a meta a ser alcançada
em todas as escolas no Brasil, até o ano de 2021, é 6,0. Esse valor equivale à média
de desempenho obtida por estudantes de países desenvolvidos e divulgada pelo
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que também consiste em um
exame padronizado, que serve como balizador para se pensar questões
educacionais em todo o mundo.
Conforme informação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e do Relatório de Observação do CDES nº 5
(BRASIL, 2014a), os IDEB/Brasil e IDEB/Municipal vêm superando as metas
estabelecidas desde 2007 para os anos iniciais do Ensino Fundamental.
No que tange ao município campo de nosso estudo, foi possível constatar
que, apesar de não atingir as metas estipuladas para a rede municipal, os índices
observados ficaram muito próximos, com menos de 0,3 de diferença. Contudo, a
mesma rede municipal, apresenta IDEB superior ao esperado para os municípios
brasileiros (0,7 a mais), conforme demonstrado na Tabela 2.
Tabela 2. IDEBs de 2011 e 2013 – Brasil/Municípios/Município pesquisado
Anos Iniciais do Ensino
Fundamental
IDEB 2011 IDEB 2013
Índice
Meta
Índice
Meta
Brasil 5,0 4,6 5,2 4,9
Municípios 4,7 4,2 4,9 4,5
Município pesquisado 5,4 5,5 5,6 5,8 FONTE:<http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/portal-ideb>.Acesso em:12 mar. 2016.
No tocante às escolas pesquisadas, foi possível percebermos diferentes
situações por meio de seus IDEBs, conforme demonstrado na Tabela 3.
109
Tabela 3. Escolas pesquisadas e os respectivos IDEBs em 2011 e 2013, por tamanho
Comparativo das escolas e seus respectivos IDEBs 2011 e 2013
Escola
Tamanho
IDEB 2011 IDEB 2013 Entre os índices
Índice Meta Índice Meta
03
Pequenas
6,2 5,7 5,6 5,9 > 0,4
07 6,4 5,6 6,4 5,8 mantido
14** 4,2 ------ 4,6 4,5 > 0,4
02*
Médias
------ 5,8 ------ 6,0 -------
05 5,1 5,6 5,9 5,9 > 0,8
06 5,5 5,2 6,0 5,5 > 0,5
08 5,7 6,1 5,9 6,3 > 0,2
11** 4,2 ------ 4,7 4,5 > 0,5
15 4,8 4,9 4,9 5,2 > 0,1
01
Grandes
5,5 5,8 5,9 6,0 > 0,4
04 6,5 5,6 5,8 5,9 mantido
09 5,4 5,1 5,4 5,4 mantido
10** 5,9 ----- 6,4 6,2 > 0,5
12 4,8 5,5 5,5 5,8 > 0,7
13 5,3 5,9 5,0 6,2 < 0,3
FONTE:<http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/portal-ideb>.Acesso em:12 mar. 2016.
(*) A escola 2 (média) não apresenta o índice do IDEB por não ter participado da Prova Brasil, devido a contar com apenas uma sala de 5º ano. Dessa maneira, não atendia à exigência requerida pelo sistema de avaliação.
(**) As escolas 10 (grande), 11 (média) e 14 (pequena) não apresentaram metas para o ano de 2011 pelo fato de terem sido municipalizadas apenas no ano de 2010.
Comparando a situação das escolas pesquisadas em 2011 e 2013
pudemos destacar que:
(a) Em ambos os anos, cinco delas atingiram a meta do município (5,5)
ou ficaram próximas dela (entre 5,0 e 5,5): entre as aplicações,
manteve-se a quantidade de escolas embora elas não sejam as
mesmas nos dois anos avaliados;
(b) Em 2011, duas escolas superaram a meta municipal, mesmo ficando
na marca dos 5,0: três outras ficaram acima da meta, chegando aos
110
6,0. Em 2013, encontramos três escolas na primeira situação e três
na segunda;
(c) Em 2011, quatro escolas estiveram abaixo da meta municipal e,em
2013, o número caiu para três.
Considerando cada Unidade Escolar em relação a si mesma, é possível
encontrarmos avanços: (i) em 2011, cinco escolas “bateram” ou superaram suas
metas e quatro ficaram abaixo de 0,5 para atingir os índices fixados; (ii) em 2013, o
quadro melhorou consideravelmente, pois sete escolas “bateram” ou superaram
suas metas e seis estiveram a menos de 0,5 delas; (iii) das 15 escolas, apenas três
tiveram diminuição do índice observado entre uma aplicação e outra, sendo que as
demais obtiveram consideráveis avanços. Assim, foi-nos possível estimar, a partir do
grupo de escolas pesquisado, que houve, de maneira geral, investimentos sérios e
profícuos no que diz respeito ao desempenho dos alunos, situação que,
consequentemente, indica um efetivo trabalho docente na gestão e mediação das
aprendizagens.
4.3. Caracterização dos sujeitos de pesquisa
Esclarecidos alguns pontos referentes ao grupo de escolas nas quais
atuam os docentes participantes desse estudo, consideramos ser necessário que o
leitor do presente trabalho possa, também, tomar conhecimento de quem são esses
docentes. Assim, procuramos identificar quais mediações sociais fizeram e fazem
parte de seu percurso profissional, tentando delinear “pistas” que indiquem a partir
de que lugar histórico e social eles manifestam suas significações e materializam
seu trabalho, sua prática pedagógica. Como indicado no relato da UNESCO51
intitulado “O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que
almejam” (2004), acreditamos ser importante:
51 Necessário esclarecer que neste subitem do capítulo de análise faremos uso de alguns documentos para possíveis comparações e validações de dados apresentados. Dentre esses, citamos: “Professores do Brasil: impasses e desafios” (GATTI e BARRETO, 2009); “O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam” (UNESCO, 2004); “Estudo exploratório sobre o professor brasileiro – com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica 2007” (BRASIL/MEC/INEP, 2009a); que, apesar de trazerem informações datadas anteriormente aos últimos 5 anos, apresentam muitos dados relevantes e ainda refletem a realidade docente no Brasil. Da mesma forma, em nossas buscas por demais referências acerca de censos e pesquisas, no que diz respeito à caracterização do professorado brasileiro, fomos remetidos às informações contidas em tais documentos.
111
Identificar o perfil dos docentes (sujeitos da pesquisa), tendo em vista os espaços e tempos em que estão inseridos. Tal perfil estrutura-se a partir de dados que vão além da formação escolar e profissional, abordando necessariamente, aspectos de cunho individual e social. São eles: sexo; idade; estado civil e família; [...] trajetórias; situação profissional; escolaridade e habilitação de professores. Entretanto, cabe ressaltar que o docente só pode ter seu perfil delineado, de fato, se considerada, fundamentalmente, sua condição de sujeito (histórico) como professor (UNESCO, 2004, p. 43).
Para tanto, fizemos uso da Parte A do questionário utilizado separando as
perguntas referentes aos dados quantitativos e, com auxílio do programa Excel,
demos início ao registro e à tabulação dos dados. Com isso, foi possível construir uma
tabela contendo os resultados alcançados por pergunta52. Buscamos, assim, ressaltar
diferenças e semelhanças encontradas e, ainda, explicar as razões pelas quais
consideramos que a diversidade de sujeitos foi relevante para nosso estudo.
A expressiva maioria dos sujeitos pesquisados é formada por mulheres
(89,87%), tendo uma parcela bem menor, porém não menos significativa, de
professores do sexo masculino (10,13%)53, como apresenta a Tabela 4. Esses
últimos atuam, principalmente, na disciplina escolar de Educação Física,
compreendendo 13 professores com essa formação, dos quais apenas três contam
com formação em Pedagogia, lecionando como polivalentes.
Tabela 4. Sexo dos docentes pesquisados (Questão 3)
Sexo N. A * %
3.1. Feminino 142 89,87
3.2. Masculino 16 10,13
Total 158 100 (*) Número absoluto
52Os dados tabulados (Parte A) serão apresentados ao longo da caracterização do grupo de pesquisa, como primeira parte da análise.
53Gatti e Barreto (2009) destacam que entre os postos de trabalho registrados pelo Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) para os profissionais do ensino, cerca de 77% eram femininos. Sendo que a docência representava 15,9% dos empregos femininos no Brasil. O MEC/INEP (BRASIL, 2009) indica a prevalência de mulheres entre os professores das primeiras etapas da Educação Básica tanto no Brasil (81,94%) como no Estado de São Paulo (82,85%). Com o avanço nas demais etapas da Educação Básica, o protagonismo feminino se torna menor, com cerca de < 10% no Ensino Fundamental II e < 20% no Ensino Médio.
112
Em vários documentos e, também no da UNESCO (2004), faz-se
referência ao predomínio de mulheres no magistério como fenômeno decorrente de
fortes determinantes sócio-históricos. Por exemplo, o aumento do número de
escolas no início do século XX, bem com a ampliação do atendimento escolar, gerou
a necessidade de uma maior quantidade de docentes. Em contrapartida, com o
início da industrialização no Brasil, os homens passaram a buscar novas profissões,
com melhores salários. O magistério ficou, portanto, como uma alternativa forte para
as mulheres, que nele procuravam complementar a renda familiar. Além disso, pela
associação que se faz entre escola e maternidade, na qual a primeira é considerada
uma continuidade do lar, como indicado por André (2002), a posição da mulher
nesse espaço acabou sendo naturalizada. Em especial, muitos estudos apontam
que a presença maciça de docentes mulheres se dá no ensino fundamental inicial
porque se vincula esses anos ao apoio e ao cuidado maternal. Já os professores do
sexo masculino, se concentram mais no ensino fundamental II e médio.
O conceito de feminização do magistério não se refere apenas à participação maciça de mulheres nos quadros docentes, mas também à adequação do magistério às características associadas tradicionalmente ao feminino, como o cuidado. Representações sociais bastante difundidas sobre professores e professoras parecem acompanhar essas distinções na composição, por sexo, do quadro docente dos diferentes níveis de ensino. [...] o professor sempre foi associado à autoridade e ao conhecimento, enquanto a professora sempre foi – e ainda é – vinculada ao apoio e a cuidados dirigidos aos alunos (UNESCO, 2004, p. 45).
Trazemos esses aspectos, embora eles não sejam o foco de nosso
estudo, porque acreditamos ser fundamental a reflexão acerca da presença
majoritária de docentes mulheres nos ambientes escolares. De fato, entendemos
que esse é um ponto que, em diversas situações, medeia as práticas pedagógicas e
as atividades docentes, reforçando visões conservadoras e naturalizantes da
profissão docente.
Quanto à faixa etária dos professores participantes da pesquisa,
podemos verificar, na Tabela 5, que o grupo docente investigado era formado
basicamente por pessoas com mais de 26 anos, indicando um corpo docente já
maduro. De fato, dois grupos se destacam, ambos com presença majoritária das
mulheres: aquele com idade entre 46 e 50 anos (25,32%) e o que vai dos 36 aos
40 anos (20,25%). Nos dois grupos citados, estão as maiores quantidades de
113
participantes: 39 e 30 mulheres, respectivamente54.
Tabela 5. Faixa Etária dos docentes pesquisados (Questão 6)
Faixa Etária
Fem. Masc. Total
%** N.A. %* N.A. %*
6.1 < 20 0 0,00 0 0,00 0 0,00
6.2. 21 a 25 3 2,11 2 12,5 5 3.16
6.3. 26 a 30 15 10,56 4 25,0 19 12,03
6.4. 31 a 35 17 11,97 6 37,5 23 14,56
6.5. 36 a 40 30 21,12 2 12,5 32 20,25
6.6. 41 a 45 20 14,09 1 6,25 21 13,29
6.7. 46 a 50 39 27,46 1 6,25 40 25,32
6.8. > 50 18 12,67 0 0,00 18 11,39
Total 142 100 16 100 158 100 (*) Para fins basicamente informativos, os percentuais informados nessas duas colunas, foram alcançados considerando como 100% a totalidade de mulheres e homens separadamente.
(**) Os percentuais informados nesta coluna, foram realizados considerando como 100% a totalidade de mulheres e homens juntos.
No que diz respeito ao estado civil dos professores que responderam ao
questionário, é possível verificar, na Tabela 6, que a maioria se declarou casada
(67,09%), dados que coincidem com os apontados na pesquisa da UNESCO55
(2004).
54No documento “Estudo exploratório sobre o professor brasileiro – com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica 2007” (BRASIL/MEC/INEP, 2009a) é indicado que 68% dos docentes brasileiros encontram-se acima dos 33 anos e, 55% estão na faixa de 30 a 45 anos; sendo que a média de idade dos professores da Educação Básica é de 38 anos, coincidindo com a média de idade dos professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
55O documento “O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam” (UNESCO, 2004), aponta que 55,1% dos professores brasileiros se declaram casados, situação que não varia muito segundo o sexo.
114
Tabela 6. Estado Civil e Número de Filhos dos docentes pesquisados (Questões 5 e 7)
Estado Civil
N.A.
%
Número de Filhos
Nenhum 01 02 03 > 03
Casadas 95
67,09
15 30 43 3 4
Casados 11 4 4 2 1 0
Subtotal 106 19 34 45 4 4
Solteiras 29
20,89
23 4 2 0 0
Solteiros 4 4 0 0 0 0
Subtotal 33 27 4 2 0 0
Divorciadas 12 7,59
1 6 4 1 0
Subtotal 12 1 6 4 1 0
Outros – mulheres*
6
4,43
1 2 2 1 0
Outros – homens**
1 0 0 0 0 1
Subtotal 7 1 2 2 1 1
Total
158 48 46 53 6 5
100 30,38 29,11 33,55 3,80 3,16 (*) amigada (1); separada (2); união estável (2); viúva (1) // ** amasiado (1)
Na mesma Tabela 6, verificamos que cerca de um terço (33,55%) dos
docentes pesquisados tem apenas dois filhos, seguidos de perto por aqueles com
apenas um filho (29,11%). Isso indica que suas famílias são possivelmente,
pequenas, com não mais de quatro pessoas. Ao observarmos o Gráfico 1, que
indica a constituição familiar dos professores segundo o número de pessoas que
residem na mesma moradia, essa hipótese ganha força: 56 sujeitos (35,44%)
indicaram haver quatro pessoas na residência e 42 sujeitos (26,6%) apontaram a
presença de três pessoas. Cabe ressaltar, também, que 25,94% dos docentes
(N=41) vivem apenas com uma pessoa.
Gráfico 1. Número de pessoas que residem na moradia com os docentes pesquisados (Questão 8)
8.1. Um7 (4,43%)
8.2. Dois41 (25,94%)
8.3. Três42 (26,6%)8.4.
Quatro
8.5. + de quatro10 (6,33%)
Não Informou2 (1,26%)
Número de pessoas que residem na casa
115
Na sequência abordaremos pontos referentes à situação econômica e,
consequentemente, salarial dos sujeitos pesquisados, apresentando dados
concernentes ao número de provedores presentes nas famílias e o tipo de vínculo
empregatício que mantêm. Para tanto, consideramos importante resgatar dois dados
estatísticos referentes à situação socioeconômica dos docentes brasileiros:
(a) Segundo o Relatório de Observação nº 5 do CDES (BRASIL, 2014a,
p. 25), o rendimento dos professores brasileiros da Educação Básica,
mesmo com o piso salarial estipulado em 2008, fica pouco acima da
metade da remuneração média dos demais profissionais com
formação universitária. O salário de admissão dos novos professores
de nível superior no ensino fundamental cresceu entre 15% e 18%, no
período de 2009 a 2012, mas, ainda assim, sem que a remuneração
fosse pelo menos igual à dos demais profissionais de nível superior;
(b) Gatti e Barreto (2009, p. 21) mostram que para cerca de dois milhões
e oitocentos mil brasileiros que declararam trabalhar como docentes,
em qualquer nível de ensino, a docência é seu trabalho principal e/ou
secundário. Desses, 93% admitem-na como trabalho principal, de
modo que se pode dizer que ela é a principal fonte de remuneração
para quase a totalidade do universo de professores pesquisados.
Gráfico 2. Número de pessoas provedoras na moradia dos docentes pesquisados (Questão 9)
9.1. Um16 (15,82%
9.2. Dois116 (73,42%)
9.3. Três12 (7,6%)
9.4. + de três4 (2,53%)
Não Informou1 (0,63%)
Número de provedores na casa
116
Levando em conta essas informações, os dados da pesquisa indicaram
que a maciça maioria deles (73,42%) divide a responsabilidade pela manutenção
financeira de seus lares com outro provedor (Gráfico 2), em geral o cônjuge, como
indicam o estado civil e o número de moradores da moradia (Tabela 6).
Ainda em relação à responsabilidade pela manutenção financeira da
família, e considerando a renda salarial e o vínculo empregatício dos docentes
participantes, o grupo das 98 mulheres casadas, amigadas e em união estável
(cerca de 60% dos participantes desse estudo) indicou que dos dois provedores da
família: (i) 70 trabalham em apenas uma rede pública, no caso a rede municipal
foco de nosso estudo; (ii) 22 trabalham em duas redes públicas (municipal e/ou
estadual); e (iii) seis trabalham na rede pública e, também, na rede particular.
Já no tocante aos 12 homens que se encontram nas mesmas condições:
(i) seis trabalham apenas na rede municipal pesquisada; (ii) dois lecionam em duas
redes públicas (municipal e/ou estadual); e quatro são os únicos provedores em
seus lares, sendo que um deles trabalha em duas redes de ensino – pública e
particular.
Vale notar que o reduzido percentual de homens atuando no magistério
e o fato de 30 (27,27%) dos sujeitos de pesquisa contarem com dois empregos
para sustentar sua família56 denotam que a remuneração docente só é satisfatória
para as mulheres e, mesmo assim, não se coaduna com as necessidades de uma
parcela importante do grupo estudado, em consonância com os dados obtidos por
Gatti e Barreto (2009) e pelo Relatório de Observação nº 5 do CDES (BRASIL,
2014a).Nesse mesmo tema, os professores indicaram a função docente como seu
trabalho principal, ou seja, que ele constitui sua fonte de remuneração.
No Gráfico 3, o atual vínculo empregatício de praticamente todos os
sujeitos (95,57%) é com o setor público de educação. Contudo, no Gráfico 4 vemos
que, em outros tempos, pouco mais de um terço deles (34,17%) se dividia entre os
setores público e privado de ensino. Aparentemente, a migração para o setor
público deve ter ocorrido, notadamente, em função da estabilidade de emprego
que é nele oferecida.
56Gatti e Barreto (2009) apontam que a maioria dos professores da Educação Básica trabalha em uma escola (80,9%), no entanto, 16% atuam em duas escolas e 3,1% em mais de duas.
117
Gráfico 3. Tipo de rede em que os docentes pesquisados atuam (Questão 14)
Gráfico 4. Tipo de rede em que os docentes pesquisados já atuaram (Questão 15)
Na Tabela 7, vemos que, para 67,72% dos participantes, o vínculo
empregatício é com a rede pública municipal estudada, consistindo o principal
trabalho dos participantes.
14.1. Somente Pública
151 (95,57%)
14.2. Pública e Particular
7 (4,43%)
Origem da rede de atuação no presente
118
Tabela 7. Redes em que os docentes pesquisados trabalham atualmente (Questão 16)
Redes de Ensino
Número Absoluto
%
16.1.
1 Rede Pública Municipal
107
67,72
16.2.
2 Redes Públicas Municipais
35
22,15
16.3.
1 Rede Pública Municipal e 1 Rede Pública Estadual
9
5,70
16.4.
1 Rede Pública Municipal e 1 Rede Particular
6
3,80
16.5.
1 Rede Pública Municipal e em Setor Fora da Educação
1
0,63
Total 158 100
No tocante à formação acadêmica, todos os participantes possuem nível
superior de escolaridade, dos quais apenas três (1,9%) são oriundos da
universidade pública (Gráfico 5).
Gráfico 5. Universidade frequentada pelos docentes pesquisados: pública ou privada (Questão 11)
Esses dados nos remetem ao percurso do ensino superior no Brasil, pois,
nas últimas três décadas do século XX, mediante mudanças históricas, sociais,
políticas e, principalmente, econômicas, o Sistema Nacional de Ensino Superior
brasileiro passou a ser formado tanto por IES mantidas pelo poder público (federal,
11.1. Pública3 (1,90%)
11.2. Privada155 (98,1%)
Origem da Universidade na graduação
119
estadual e municipal), como por outras de natureza jurídica privada, laicas e
confessionais57. Sampaio (2011) explica que a partir da década de 1970, devido à
pressão mercadológica de vários segmentos da sociedade, com a expansão urbana
e industrial, a formação superior passou a fazer parte dos projetos de realização
pessoal e de ascensão social e profissional dos sujeitos. A iniciativa privada
rapidamente respondeu à demanda desses novos consumidores e cresceu
consideravelmente. Quanto às matrículas de ensino superior, na primeira década do
século XXI, a autora aponta que tanto o setor público como o privado tiveram
crescimento e, mesmo o setor privado tendo apresentado em torno de quatro vezes
mais matrículas do que o público, no documento “Síntese de Indicadores Sociais –
IBGE” (BRASIL, 2014d), encontramos indicação de que, nesse mesmo período,
houve avanço no acesso dos indivíduos com rendimentos mais baixos em IES do
setor público, passando de 1,7% para 7,2%. Em relação aos de nível
socioeconômico mais elevado, os índices baixaram de 55% para 38% no setor
público e de 69% para 43% no setor privado. Tais fatores são atribuídos ao aumento
de vagas e créditos educativos, além do processo de interiorização das instituições,
mediante os Institutos Federais, possibilitando a ampliação da participação dos mais
pobres nas IES do setor público. Quanto à qualidade do ensino oferecido, se
considerarmos o Índice Geral de Cursos (IGC), percebe-se a distância existente
entre as instituições públicas em relação às privadas. A tabela divulgada no site do
INEP, com os Índices Gerais de Cursos (IGC)58 de diversas IES (categoria
universidades e Institutos Federais de Educação) das regiões Sul e Sudeste do país,
mostra um total de 134 (55 públicas e 79 privadas). Segundo os dados
apresentados, referentes à avaliação de 2014, a maioria das IES públicas (N=44)
contavam com índices de qualidade que variavam entre quatro e cinco, enquanto as
privadas (N=69) atingiam, em geral, classificação mais baixa.
57Enquanto o termo laico designa pessoa, organização ou instituição que não tenha ligação com a esfera religiosa, o termo confessional remete-nos ao contrário, pois diz respeito a situações vinculadas a uma religião ou crença religiosa.
58O Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC) passou a ser utilizado em 2007, sendo um indicador de qualidade que avalia as instituições de educação superior considerando: a média dos Conceitos Preliminares dos Cursos (avalia o desempenho de estudantes, corpo docente, infraestrutura, recursos didático-pedagógicos) oferecidos, a média dos conceitos de avaliação dos programas de pós-graduação e a distribuição dos estudantes entre os diferentes níveis de ensino. Compreende a realização periódica de avaliação de instituições e cursos superiores, subsidiando recredenciamento e de renovação de reconhecimento. Fonte: <www.portal.inep.gov.br>. Acesso em: 16 jul. 2016.
120
Nas indicações dos sujeitos da pesquisa a respeito das IES nas quais
tiveram sua formação inicial, foi possível encontrarmos muitas das principais e mais
conhecidas da região em que está localizado o município campo de nosso estudo. A
instituição que foi a mais citada (N=39) é uma das mais tradicionais do local e tem se
constituído como uma forte referência regional na formação de profissionais de
diferentes áreas. Contudo, também percebemos nas respostas dadas, uma
“pulverização” de instituições de pouca expressão, nos levando a considerar que
boa parte dos docentes possa ter acessado uma formação inicial deficitária.
Quanto à graduação de origem, a maioria dos professores (73,42%) cursou
Pedagogia, havendo, também, a presença de outras licenciaturas, por vezes duas ou
três, como demonstra a Tabela 8, referente à formação59 dos docentes pesquisados.
Tabela 8. Formação Acadêmica dos docentes pesquisados (Questão 10)
Cursos N.A. %
Pedagogia 116 73,42
Educação Física 17 10,76
Psicologia 3 1,90
Matemática 2 1,27
Letras 1 0,63
Educação Artística 1 0,63
PEC – Formação Universitária* 1 0,63
Duas Licenciaturas** 13 8,23
Três Licenciaturas*** 1 0,63
Não informou 3 1,90
Total 158 100 (*) Programa de formação universitária que teve como referência a política educacional indicada pela LDBEN (lei nº 9394/96) e os dispositivos expedidos pelos Conselhos Nacional e Estadual de Educação, relativos à formação de professores para a Educação Básica, articulados aos princípios e diretrizes da política educacional da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Implantado a partir de junho de 2001 para que professores da rede estadual de ensino tivessem acesso ao ensino superior, seu conteúdo foi elaborado pelas principais IES do país – USP, UNESP e PUC/SP. Atualmente, há o chamado PEC Municípios com idêntica finalidade.
(**) Pedagogia/Letras (6); Pedagogia/Educação Física (2); Pedagogia/Artes Cênicas (1); Pedagogia/História (1); Pedagogia/Matemática (1); Letras/Normal Superior (1); Ciências/Biologia (1).
(***) Pedagogia/ História/ Ciências Sociais (1)
59 Segundo o Censo Escolar da Educação Básica (BRASIL, 2014c), em 2013, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, os percentuais de docentes por grau de formação em turma de etapa única eram os seguintes: 72,4% com formação superior e 27,6% sem ela. No mesmo ano, cerca de 430 mil profissionais que lecionavam na Educação Básica eram também alunos da educação superior. Deles, aproximadamente 48% no curso de Pedagogia e 10% no curso de Letras. (Talvez isso indique uma entrada tardia das mulheres no magistério, em função da idade das docentes mulheres.)
121
No grupo de docentes sujeitos da pesquisa, a maioria (56,96%) formou-se
na graduação nos anos 2000 (Gráfico 6).
Gráfico 6. Ano de Formação dos docentes pesquisados (Questão 10)
Ainda, sobre a formação dos docentes, a continuação dos estudos
acadêmicos (Tabela 9) é feita, para a ampla maioria (81,65%), por meio de pós-
graduação lato sensu (concluída e/ou cursando). Há um pequeno subgrupo (2,52%)
que se encontra na pós-graduação stricto sensu (mestrado, concluída e/ou
cursando). Desse modo, podemos dizer que ainda é pequena essa formação mais
aprofundada dentre os professores estudados.
Tabela 9. Cursos de pós-graduação dos docentes pesquisados (Questão 12)
Categorias de Pós-graduação
no Brasil
N.A. %
Sim Não Curs. Total Sim Não Curs. Total
12.1. Especialização (Lato sensu)*
117
29
12
158
74,05
18,35
7,6
100
12.2. Mestrado (Stricto sensu)*
2
154
2
158
1,26
97,48
1,26
100
12.3. Doutorado (Stricto sensu)
0
158
0
158
0
100
0
100
(*) As expressões “Lato sensu” (em sentido amplo) e “Stricto sensu” (em sentido estrito) advêm do Latim. No Brasil, a expressão Lato sensu é empregada para nomear cursos de pós-graduação de menor duração, no mínimo 360 horas (conforme indicação do MEC), cabendo ao aluno, ao final do curso, receber o título de especialista. Os cursos Stricto sensu (mestrado e doutorado) são mais longos, podendo variar de dois a cinco anos e envolvem a formulação de um problema investigativo, o qual deve ser desenvolvido mediante pesquisa. Ao final do curso, o aluno recebe o título acadêmico de mestre ou de doutor. Fonte: <http://www.significados.com.br>. Acesso em: 16 jul. 2016.
122
No que se refere ao tempo de atuação no magistério (Tabela 10),
aproximadamente dois terços (56,96%) dos sujeitos, contam com mais de dez anos,
sendo que metade deles (29,11%) tem experiência docente há mais de 20 anos,
com moda (Mo)60 de 28 anos. Contudo, um subgrupo (17,72%) de docentes tem
menos de três anos de atuação no magistério, apresentando perfil de iniciantes.
Tabela 10. Tempo de Atuação no Magistério dos docentes pesquisados (Questão 13)
Intervalos N.A. %
13.1. < 1 ano 4 2,53
13.2. 1 a 3 anos 24 15,19
13.3. 4 a 5 anos 17 10,76
13.4. 6 a 10 anos 23 14,56
13.5. 11 a 15 anos 23 14,56
13.6. 16 a 20 anos 21 13,29
13.7. > 20 anos 46 29,11
Total 158 100
A Tabela 11 aponta o tempo de atuação dos participantes desse estudo
na rede de ensino pesquisada. O maior número deles (37,34%) nela atua entre um e
três anos, seguido por aquele que leciona de seis a dez anos (18,99%) e,
finalmente, pelo grupo que lá se encontra há mais de 20 anos (16,46%). Em todos
os casos, os docentes já tiveram tempo suficiente para conhecer a rede de ensino
investigada, estando familiarizados com suas especificidades.
Tabela 11. Tempo de atuação docente somente nesta rede municipal de ensino (Questão 17)
Intervalos N.A. %
17.1 < 1 ano 11 6,96
17.2. 1 a 3 anos 59 37,34
17.3. 4 a 5 anos 5 3,16
17.4. 6 a 10 anos 30 18,99
17.5. 11 a 15 anos 17 10,76
17.6. 16 a 20 anos 10 6,33
17.7. > 20 anos 26 16,46
Total 158 100
60A Moda (representada por “Mo”) de um conjunto de dados é definida como o valor de maior frequência, isto é, aquele que mais aparece, daí seu nome. Fonte: <http://www.infoescola.com/estatistica/moda>. Acesso em: 16 jul. 2016.
123
Como visto na Tabela 10, grande parte dos sujeitos tem mais de dez anos
de atuação no magistério, indicando um corpo docente experiente. Contudo, a maioria
dos professores pesquisados (67,72%) leciona no Ensino Fundamental I há menos de
dez anos, segundo mostra a Tabela 12. Desses, quase a metade (32,28%) está nessa
etapa de ensino há menos de três anos. Não obstante esses dados, encontramos os
menores grupos nas extremidades da tabela: um com menos de um ano (6,33%) de
atuação na referida etapa da Educação Básica e outro com mais de 20 anos (9,49%).
Tabela 12. Tempo de atuação no Ensino Fundamental I (Questão 18)
Intervalos N.A. %
18.1. < 1 ano 10 6,33
18.2. 1 a 3 anos 41 25,95
18.3. 4 a 5 anos 22 13,92
18.4. 6 a 10 anos 34 21,52
18.5. 11 a 15 anos 19 12,03
18.6. 16 a 20 anos 17 10,76
18.7. > 20 anos 15 9,49
Total 158 100
Observando a Tabela 13, no que diz respeito ao tempo de permanência e à
atuação nas escolas pesquisadas, a maioria (71,51%) dos docentes está na mesma
escola por um tempo de até 5 anos. Dos demais, cerca de um terço (28,49%) tem um
tempo de permanência maior, havendo, inclusive, professores que estão na mesma
escola há mais de 20 anos (5,70%).
Tabela 13. Tempo de atuação somente nesta escola da rede municipal de ensino (Questão 20)
Intervalos N.A. %
20.1. < 1 ano 46 29,11
20.2. 1 a 3 anos 53 33,54
20.3. 4 a 5 anos 14 8,86
20.4. 6 a 10 anos 16 10,13
20.5. 11 a 15 anos 10 6,33
20.6. 16 a 20 anos 10 6,33
20.7. > 20 anos 9 5,70
Total 158 100
Em relação ao período em que os docentes atuam nas escolas
pesquisadas (Gráfico 7), verificamos haver uma divisão bem equilibrada, com cerca
124
de metade dos sujeitos trabalhando no período da manhã (46,84%) e a outra no
período da tarde (45,57%). Apenas uma pequena porcentagem (7,59%) atua nos
dois períodos. Isso parece indicar que a carga de trabalho dos docentes da rede
investigada não é excessiva.
Gráfico 7. Turnos em que os docentes atuam no Ensino Fundamental na escola em que atuam no ano letivo de 2016 (Questão 21)
Notou-se certo equilíbrio em relação ao ano escolar em que os docentes
atuam, conforme mostra a Tabela 14.
Tabela 14. Ano(s) de atuação no Ensino Fundamental I, somente na escola em que leciona, por ano letivo (Questão 22)
Anos Frequência %
22.1. 1º Ano 20 12,66
22.2. 2º Ano 26 16,45
22.3. 3º Ano 30 18,99
22.4. 4º Ano 31 19,62
22.5. 5º Ano 27 17,09
Todos os anos* 24 15,19
Total 158 100 (*) Educação Física (16); Substituição (7) Programa Mais Educação61 (1)
61 O Programa Mais Educação consiste em uma estratégia do MEC para fortalecer a construção da educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino, visando a ampliação da jornada escolar nas escolas públicas para, no mínimo, 7 horas diárias, por meio de atividades optativas no que chamam de macrocampos: acompanhamento pedagógico, educação ambiental, esporte e lazer, direitos humanos em educação, cultura e artes, cultura digital, promoção da saúde, comunicação e uso de mídias, investigação no
21.1. Manhã74 (46,84%)
21.2. Tarde72 (45,57%)
21.3. Ambos12 (7,59%)
Período de atuação na rede de ensino
125
Finalizando essa primeira etapa de análise, que caracteriza nossos
sujeitos de pesquisa, a maioria deles (93,04%) indicou lecionar no Ensino
Fundamental (nosso foco de estudo) por opção própria (Tabela 15). As justificativas
para escolher esse nível de ensino serão discutidas quando da análise dos núcleos
de significação.
Tabela 15. Escolha (ou não) dos docentes por atuar no Ensino Fundamental I (Questão 19)
N.A. %
19.1. Sim 147 93,04
19.2. Não 11 6,96
Total 158 100
Partindo dos dados expostos até o momento, é possível afirmar que
contamos com uma boa diversidade entre os professores participantes, algo
importante quando se considera a realidade brasileira e a rede de ensino
pesquisada. Dessa forma, consideramos que o instrumento utilizado nos permitiu
“ouvir” a voz dos professores que nela atuam e assim, dar uma resposta aos
objetivos desse estudo.
4.4. Os Núcleos de Significação
4.4.1. Processo de constituição dos núcleos
Conforme elencado no subitem 4.1. deste capítulo, efetivamos uma
sequência de ações para a organização e análise dos dados produzidos. O processo
de organização das falas dos participantes da pesquisa buscou constituir Núcleos de
Significação (procedimento de análise assumido para o presente estudo) e envolveu
etapas sucessivas, pois, como apontado por Altenfelder (2010), é importante
considerar as significações compartilhadas pelos docentes e
campo das ciências da natureza e educação econômica. Os recursos financeiros previstos advém do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), havendo um caderno de orientações que detalha, de forma objetiva, o público-alvo do Programa, os profissionais responsáveis, o papel do professor comunitário/professor coordenador, os macrocampos e as atividades. Programa coordenado pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) em parceria com as Secretarias Estaduais e/ou Municipais de Educação. Fonte: <http://portal.mec.gov.br/programa-mais-educacao>. Acesso em: 16 jul. 2016.
126
partimos da ideia que os sujeitos participantes da pesquisa são únicos e singulares, mas compõem um conjunto que partilha experiências semelhantes na sua atividade docente, no desempenho de seu papel como professor, na pertença a uma mesma instituição, que é a escola pública, brasileira, tendo portanto, uma cultura comum (ALTENFELDER, 2010, p. 91).
A mesma autora explica que a escola, como tantas outras instituições
sociais, ao mesmo tempo em que dissemina e reproduz cultura, também desenvolve
uma que lhe é específica, marcada por saberes e condutas gerados e transmitidos
em seu interior e acessíveis aos que nela convivem. A esse fenômeno Morgado
(2005) chamou de cultura docente ou cultura da escola, que envolve também a dos
professores enquanto grupo social e classe profissional. Nesse sentido, a cultura
escolar traz como característica o conjunto de crenças, valores e hábitos que
constituem e determinam aquilo que é considerado valioso pelos docentes em seu
contexto profissional. Essa mesma cultura envolve, portanto,os modos de pensar,
sentir e agir dos sujeitos, bem como as formas de se relacionar com os outros
(MORGADO, 2005, apud ALTENFELDER, 2010, pp. 91-92).
Levando em conta tal ideia e considerando o sujeito alguém determinado
por seu tempo, contexto e história, acreditamos, ao mesmo tempo, que ele é único e
singular e que aloca sentidos individuais ao mundo em que vive, revelando, por meio
de sua fala, não apenas a própria singularidade, mas também a realidade do grupo
social a que pertence. Contribuem para tanto aspectos/elementos mediadores, como
os que dizem respeito ao gênero, classe social, profissão, momento histórico e
social (ALTENFELDER, 2010).
Por isso, consideramos que as significações possam ser compartilhadas,
tendo significados comuns quando sujeitos integrantes de um coletivo participam de
uma cultura comum. Não deixamos de considerar os sentidos únicos e individuais,
mas “estaremos, assim, buscando significados comuns a um coletivo que,
certamente, são prenhes de sentidos e que denominamos de significações”
(ALTENFELDER, 2010, p. 92).
Nosso ponto de partida foi a palavra, considerada como primeira unidade
de destaque. Tentamos superar o empírico em direção a um processo construtivo-
interpretativo (AGUIAR e OZELLA, 2013, p. 308). Ao partirmos da palavra com
significado, buscamos considerar nas falas dos sujeitos participantes da pesquisa
127
tanto a própria narrativa até os aspectos mediadores presentes em seu contexto de
produção (reunião pedagógica, horário de trabalho, o autopreenchimento realizado
no grupo). Ou seja, levamos em conta, na análise dos dados produzidos, a condição
de docentes atuantes na escola pública, a revisão bibliográfica sobre jogos
educativos, sua história e aplicabilidade pedagógica segundo a perspectiva teórica
da psicologia sócio-histórica, a atividade docente sob a mesma ótica, a totalidade de
respostas dadas por cada sujeito e pela composição do coletivo; e ainda, os
aspectos relativos à clareza, omissões, repetições encontradas nas referidas falas.
Para tanto, iniciamos com a releitura dos 158 questionários, agora
separados por ano escolar de atuação de cada docente, focando a Parte B
(perguntas estruturadas, mas que pedem justificativas), com a intenção de filtrar e
aglutinar as respostas dadas, buscando similaridades, ambivalências e possíveis
contradições. Procuramos agrupar não apenas os itens mais frequentes, mas
também os que pouco apareceram, por considerá-los relevantes à compreensão do
nosso problema de pesquisa.
Em razão de Altenfelder (2010, p. 80), dentre outros, apontar que “a
neutralidade não é possível em uma pesquisa e que o pesquisador é parte
integrante do processo”, foi possível levantarmos algumas primeiras impressões,
nessa leitura mais aprimorada das respostas, a saber: (a) questionários com falta de
justificativas, apenas com alternativas assinaladas; (b) falas pouco precisas, muitas
vezes com apenas uma palavra, pedindo um elevado grau de inferência; (c) caráter
breve de algumas justificativas62; (d) variedade nas respostas, ocasionando
dificuldade no agrupamento. Contudo, foi bastante interessante a possibilidade de
“ouvir” as vozes de diferentes sujeitos, com diferentes percursos históricos, com
diferentes experiências como docentes, trazendo suas singularidades, mas também
as muitas determinações comuns, sendo a principal delas a responsabilidade efetiva
de ensinar.
Até esse momento, contávamos com os questionários agrupados por ano
de atuação dos docentes, em um total de seis subgrupos, como demonstrado na
62 Importante reconhecermos que por necessidade de adequação do instrumento quando da impressão, para que o questionário não ocupasse mais que uma folha frente e verso, os espaços para respostas ficaram reduzidos; contudo isso não foi um problema para grande parte dos pesquisados.
128
Tabela 16:
Tabela 16. Subgrupos de questionários para análise das questões da Parte B
Subgrupos de questionários por atuação
dos docentes
Quantidade de questionários
1º Ano 20
2º Ano 26
3º Ano 30
4º Ano 31
5º Ano 27
Todos os anos* 24
Total 158 (*) Professores de Educação Física; substitutos; programa Mais Educação.
Assim, realizamos a leitura do instrumento, considerando as
especificidades de cada pergunta, tabulando as questões passíveis de quantificação
e elencando as falas de acordo com o mencionado nas justificativas, quando
solicitadas.
Após tal ação, foi possível perceber alguns aspectos constitutivos das
falas dos sujeitos atuantes nos anos iniciais (1º a 3º anos) diferentes dos
encontrados nas falas dos professores dos anos finais (4º e 5º anos). Com isso,
optamos por realizar um novo agrupamento dos dados, seguindo a organização
adotada pela rede pesquisada, que divide o Ensino Fundamental I regular em dois
ciclos: 1º Ciclo (composto pelos 1º, 2º e 3º anos); e 2º Ciclo (envolvendo os 4º e 5º
anos). Com essa reorganização, ficamos com três agrupamentos: (i) com 76
questionários envolvendo docentes de 1º Ciclo; (ii) com 58, formado por docentes de
2º Ciclo; e(iii)que se manteve inalterado, com 24 questionários de docentes com
atuação em ambos os ciclos.
É importante destacar que tais ações caracterizam um passo fundamental
no processo de análise denominado por Aguiar e Ozella (2013) de ‘leitura flutuante’,
pois é a partir de diversas leituras do material produzido que são destacados os
conteúdos das falas dos sujeitos.
Esses conteúdos são chamados de pré-indicadores e, geralmente, apresentam-se em grande número e irão compor um quadro amplo de possibilidades para a organização dos núcleos. Os pré-indicadores são, portanto, trechos de fala compostos por palavras articuladas que compõem um significado, carregam e expressam a totalidade do
129
sujeito e, portanto, constituem uma unidade de pensamento e linguagem (AGUIAR e OZELLA, 2013, p. 309).
Os mesmos autores indicam, ainda, que um critério fundamental no
levantamento dos pré-indicadores é considerar sua real importância para a
compreensão do objetivo da investigação. Essa foi a razão pela qual, após a
reorganização dos agrupamentos iniciais, nossa próxima ação foi realizar uma nova
leitura dos questionários, agora por pergunta, buscando formar os pré-indicadores.
Esse movimento originou um documento63norteador do trabalho como um todo, no
qual elaboramos tabelas com dados quantitativos (quando a pergunta permitia) e
relacionamos as falas dos professores, agrupadas de acordo com os três grupos
citados, destacando-os por cores. Com esse documento foi possível concluir, com
apoio na materialidade, que os aspectos encontrados nas falas dos sujeitos
contribuiriam para o objetivo de nosso estudo.
Aguiar et al. (2015) indicam que os pré-indicadores não devem ser
encarados pelo pesquisador como “discursos acabados em si mesmos”, pois são
produções subjetivas, mediadas por objetivações históricas, que são apropriadas
pelos sujeitos. Por isso, devem ser compreendidos como “discursos mediados por
numerosos artefatos culturais e históricos que constituem o movimento dos
processos de significação da realidade” (AGUIAR et al., 2015, p. 66). Nessa
perspectiva, o pesquisador, ao efetuar o levantamento de pré-indicadores, mesmo
tendo sua atenção voltada para a elaboração de uma síntese, precisa ter seu
pensamento mediado por um movimento dialético de análise e síntese, pois
exatamente por ser dialético, um não existe sem o outro. Assim:
Concluído o levantamento dos pré-indicadores, uma fase ainda empírica da apreensão dos significados, o pesquisador parte para a segunda etapa [...], cuja intencionalidade é efetuar a articulação dos pré-indicadores levantados. Esse processo, cujo procedimento leva à abstração de indicadores [...] (AGUIAR et al., 2015, p. 66).
Com o documento que sistematizava as perguntas, contendo as
tabulações e transcrições das justificativas, uma nova leitura foi iniciada. Nesse
movimento, consideramos cada pergunta e fomos buscando as similaridades,
63Os dados da parte B que permitiram tabulação encontram-se no texto e em tabelas no Anexo 3. Para as questões que pediam justificativa dos participantes foram criadas categorias a posteriori que serão melhor explicitadas na análise do Núcleos de Significação.
130
complementaridades, as ambivalências ou contradições (AGUIAR e OZELLA, 2006,
p. 230), agrupando-as por conteúdo, como, por exemplo: falas que traziam aspectos
relativos a “aprendizagem – aprendizado”; falas abordando questões sobre
“desenvolver, fixar, assimilar conteúdos”; falas que tratavam de pontos referentes à
“dificuldade de organização, falhas estruturais” e assim por diante. Feito isso,
percebemos que tínhamos, de certa forma, começado a pensar nos indicadores,
mas que essa era uma etapa ainda em construção.
A ação seguinte foi a de agrupar perguntas que, de alguma maneira,
pudessem ter uma relação direta entre si, como por exemplo: a frequência do uso da
estratégia de jogos e em que momento da rotina tal estratégia aparece. Partindo de
tais agrupamentos de perguntas, lidamos de fato com os indicadores propriamente
ditos. Contudo, quando lemos os grupos temáticos formulados em cada pergunta,
percebemos que corríamos o risco de fragmentar nosso objeto de estudo, pois as
perguntas foram pensadas para “conversarem”, numa sequência de ideias, de modo
que o sujeito pesquisado, ao respondê-las, fosse levado a pensar em diferentes
aspectos sobre o mesmo objeto, no caso, a estratégia dos jogos educativos. Por
isso, elaboramos o instrumento considerando sua totalidade e, assim, seria
incongruente fragmentá-lo. Tal fato tornou-se evidente quando pudemos identificar
pré-indicadores que se assemelhavam em perguntas diferentes, com temas que se
repetiam, complementavam-se, contrapunham-se.
Desse modo, reconsideramos nossa ação e a reconfiguramos. Não nos
deteríamos mais em cada pergunta de maneira isolada, pois trabalharíamos com o
conjunto de pré-indicadores, aglutinando-os, reagrupando-os e reorganizando-os
nos indicadores. Partimos do pressuposto indicado por Aguiar et al. (2015, p. 66),
segundo o qual, “quando dialeticamente articulados, os pré-indicadores possibilitam
aprofundarmos mais o conhecimento sobre as formas de significação do sujeito do
que quando analisados isoladamente”.
Passamos, então, a trabalhar com todas as perguntas simultaneamente,
analisando os pré-indicadores como produções subjetivas e mediadas
historicamente e buscando articulá-las de forma que os temas/conteúdos que delas
emergiam nos possibilitassem a abstração dos indicadores necessários sobre nosso
objeto de estudo (AGUIAR e OZELLA, 2013). Com isso, chegamos a um documento
(Anexo 4) no qual se encontram configurados os pré-indicadores e seus indicadores.
131
Nessa etapa já se dá um momento de síntese provisória, em que além de se extrair
os significados das falas dos sujeitos, é também preciso neles se aprofundar,
“abstraindo a complexidade das relações contraditórias e históricas que os
constituem” (AGUIAR et al., 2015, p. 67).
Com os indicadores organizados, o trabalho seguinte foi o de articulá-los,
buscando a formulação dos Núcleos de Significação e sua nomeação, pois “os
indicadores são fundamentais para que identifiquemos os conteúdos e sua mútua
articulação, de modo a revelarem e objetivarem a essência dos conteúdos
expressos pelo sujeito” (AGUIAR e OZELLA, 2006, p. 231). Vale destacarmos que
todo esse processo foi realizado manualmente, por opção da pesquisadora, que
abriu mão de softwares ou mesmo do programa Excel, visto ter percebido que,
embora mais trabalhoso, ela poderia alcançar melhores resultados e avançar com
mais segurança em direção às significações dos professores participantes. Esse foi
um “mergulho” no conteúdo do material, que nos possibilitou não perder o todo,
lidando com “o conjunto de conteúdos expressos por cada um e pela totalidade dos
sujeitos” (ALTENFELDER, 2010, p. 99), acerca do que eles consideram ao usar (ou
não) a estratégia de jogos educativos como mediadores nos processos de ensino-
aprendizagem, no Ensino Fundamental I.
Enfim, trabalhar com dados de uma pesquisa a partir dessa perspectiva (sócio-histórica) e procedimento metodológico (dos núcleos de significação) implica um constante movimento de análise/síntese; criação/supressão; aglutinação/divisão; ida/volta e a preocupação constante de se considerar, ao mesmo tempo, semelhanças e contradições, bem como o todo e as partes (ALTENFELDER, 2010, pp. 99-100, grifos nossos entre os parênteses).
Antes de prosseguirmos para a apresentação, dos núcleos, consideramos
relevante reafirmar nossa opção pela busca de significações, entendidas como
conjunto de significados expressos pelos sujeitos, que sabemos serem prenhes de
sentidos, e não dos sentidos, pois, como indicou Vygotski (1934/2001), eles são
únicos e individuais. Para tanto, explicitamos quais fatores foram determinantes para
tal opção:
(i) a quantidade de sujeitos participantes – desejávamos desde o início
abranger um grupo representativo da totalidade de docentes atuantes
na rede de ensino que foi campo da pesquisa. Contudo, o número
132
alcançado foi superior ao esperado e um número elevado de sujeitos
não permite a apreensão de sentidos produzidos individualmente por
eles;
(ii) o instrumento selecionado para a produção dos dados (questionário)
– foi concebido levando em conta Vygotski (1934/2001), para quem a
palavra contém mais do que revela, e também González Rey (2012,
p. 41), que afirma que se deve considerar “que as respostas de uma
pessoa a um questionário estão mediadas pelas representações
sociais e pelas crenças dominantes no cenário social em que se
aplica o instrumento”. Por isso, acreditamos ter sido possível, por
meio de tal instrumento, nos aproximarmos de questões que os
docentes participantes da pesquisa apropriaram de sua realidade
histórica, subjetivando-as e produzindo, assim, significações quanto à
importância da estratégia de jogos educativos no processo de ensino-
aprendizagem no qual se envolvem;
(iii) no mesmo contexto, o tempo exíguo para a conclusão da pesquisa,
que esteve atrelado ao término do Mestrado, não nos deu a
possibilidade de avançarmos para zonas de sentidos mais profundas.
4.4.2. Apresentação dos Núcleos de Significação e a Análise Intranúcleos
Segundo Aguiar e Ozella (2006; 2013), espera-se que os Núcleos de
Significação sejam em número reduzido, para que não ocorra uma diluição e um
retorno aos indicadores. Tais núcleos precisam atendera especificidades como:
sintetizar as mediações constitutivas do sujeito; superar tanto os pré-indicadores
como os indicadores; e articular dialeticamente as partes constitutivas das
significações, indo para além de sua aparência. Ou seja, um caminho que possibilite
a explicitação desse processo (Vygotski, 1930/2007) de constituição do fenômeno a
ser pesquisado, considerando seu movimento, sua historicidade e os elementos
mediadores que o constituíram/determinaram.
Assim, nosso próximo passo foi articular os indicadores em Núcleos de
Significação, um total de três (Anexo 5), considerando que seria preciso um
movimento que saísse do empírico em direção do interpretativo (AGUIAR e
OZELLA, 2006); contando que a análise se daria em dois momentos: o processo de
133
análise intranúcleos que, uma vez concluída, poderia avançar para a articulação
internúcleos. Para tanto, tomamos a indicação feita por Altenfelder (2010, p.100) de
que, além de articular os indicadores de cada núcleo entre si e de cada um com os
demais, seria necessário fazê-lo também “com a realidade de nossas escolas
públicas, da atividade docente em nosso país, (de) toda a literatura revisada para
este trabalho, com a perspectiva teórica que nos embasa”, além da experiência da
pesquisadora enquanto professora de Ensino Fundamental I, formadora de
professores e estudante pesquisadora na área da educação.
Segundo Freitas (2002, p. 29), numa pesquisa de abordagem sócio-
histórica o pesquisador é parte da investigação, pois também é um ser social, que
leva consigo, ao longo de todo o processo de pesquisa – principalmente, na análise
– “tudo aquilo que constituiu como um ser concreto em diálogo com o mundo em
que vive. Suas análises interpretativas são feitas a partir do lugar sócio-histórico no
qual se situa”. Para essa autora, que toma como base as postulações de Vygotski,
fazer pesquisa é considerar que todo conhecimento é advindo da inter-relação das
pessoas, inclusive do pesquisador, que também aprende, transforma-se,
ressignifica-se.
Nessa perspectiva, consideramos dois pontos fundamentais em nossa
análise. Primeiramente, que, ao realizar uma análise, o pesquisador leve em conta
de que lugar sócio-histórico olhará para os sujeitos e suas produções significadas,
entendendo que será preciso realizar o que denominamos “movimento pendular”, ou
seja, como bem explica Altenfelder (2010, p. 101), que se “identifique com o outro,
coloque-se em seu lugar para ver o mundo sob a ótica de seus valores (para)
depois, (em seguida), voltar ao seu lugar para poder dar forma e acabamento (às
suas ideias)”. Em segundo lugar, que, ao analisar os diferentes conteúdos dos
núcleos, possa fazer boas perguntas com eles (ALTENFELDER, 2010; GATTI, 2004;
FREITAS, 2002), utilizando-os como guia na articulação tanto na análise
intranúcleos, como na realizada entre os núcleos.
Conforme todo o processo elencado, pudemos observar que os sujeitos
de pesquisa não negaram a importância e a viabilidade da estratégia de jogos
educativos na mediação dos processos de ensino-aprendizagem. Todos, em maior
ou menor grau, indicaram conhecê-la, variando a frequência no uso e os motivos
pelo quais a usavam. Mesmo os sujeitos que apontaram pouco uso não o faziam por
134
não acreditar no potencial da referida estratégia, mas por fatores diversos a serem
considerados, analisados e, possivelmente, no devir, superados.
Importante reiterar, referenciados em Altenfelder (2010), que, ao
analisarmos as significações do grupo de sujeitos pesquisados, estamos
considerando o coletivo. Entendemos, portanto, que os aspectos apontados, por
serem compartilhados, são também possibilidades de uso e dificuldades no uso do
jogo, no processo de ensino-aprendizagem, ou mesmo, na superação das mesmas.
São tais movimentos que analisaremos nos núcleos que seguem.
4.4.2.1.NÚCLEO 1
“O JOGO FAZ PARTE DA INFÂNCIA E AS CRIANÇAS SÃO ENVOLVIDAS A PARTICIPAREM.” (PROFESSOR DE 2º CICLO)
“CONSIDERO UMA ESTRATÉGIA FUNDAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO GLOBAL DOS
ALUNOS.” (PROFESSOR DE AMBOS OS CICLOS)
Jogo e rotina escolar – quando, como e por que: desvendando o movimento
Aguiar e Ozella (2013) explicam que a análise dos núcleos parte de um
princípio construtivo e interpretativo, pois busca ultrapassar a aparência do
fenômeno e atingir novas zonas de inteligibilidade. Por isso, o processo de
nomeação do núcleo é bem importante, pois já se configura o aspecto interpretativo,
no qual o pesquisador “busca identificar o fenômeno ao qual se referem as falas
categorizadas nos indicadores” (ALTENFELDER, 2010, p. 102).
Chegamos ao nome dos núcleos a partir das muitas leituras do material,
tendo como principais referências, além das mencionadas anteriormente, a nossa
questão de pesquisa (p.15) e o nosso objetivo principal (p.16). Dessa forma,
pudemos identificar alguns dos movimentos subjetivos trazidos nas respostas (nas
falas) dos sujeitos, acerca da opção pelo uso ou não de jogos educativos como
estratégia no processo de ensino-aprendizagem, bem como quais pontos eram
explicitados como determinantes nessa opção e quais elementos (objetivos)
mediadores se mostravam presentes.
A articulação e a integração de tais falas deram-se numa base dialética e
histórica, sabendo-se que sujeito e subjetividade são constituídos historicamente, na
ação do sujeito sobre o objeto. Como especificado por Gonçalves e Bock (2009):
135
Subjetividade e objetividade se constituem em um mesmo processo, referindo-se a âmbitos diferentes da realidade: um âmbito subjetivo/do sujeito e um âmbito objetivo/das coisas. O âmbito do sujeito inclui processos e características específicas que só podem ser compreendidas na relação com a objetividade. E o âmbito objetivo incorpora a subjetividade, na medida em que o que resulta como objetivo é o objeto transformado pelo sujeito. Dessa forma, tais concepções teóricas e metodológicas impõem a noção de subjetividade como um processo que congrega as experiências dos sujeitos individuais e sociais, sendo, ao mesmo tempo, consequência e condição dessas experiências(GONÇALVES e BOCK, 2009, p. 142).
Percebemos que nenhum dos professores participantes disse
desconhecer a estratégia de jogos educativos, a maioria (84,18%) respondeu que a
conheciam e demonstraram aceitá-la de maneira positiva. É importante destacar que
o grupo com menos conhecimento a respeito do assunto (15,82%) desacredita que
os jogos educativos possam ser uma estratégia no processo de ensino-
aprendizagem; não obstante, perceberam-se fatores comuns que, de acordo com os
dois grupos acima mencionados, dificultam seu uso (tais pontos serão discutidos no
Núcleo 2). No tocante ao uso, nenhum dos sujeitos fez menção quanto a não usar a
referida estratégia, havendo um grupo (63,92%) que a empregava com maior
frequência e outro (36,08%), com menor frequência. Ambos apontaram
possibilidades na estratégia de jogos educativos no âmbito pedagógico e buscavam
inseri-la na rotina escolar. Por isso, este primeiro núcleo traz indicadores desse
movimento em que se analisa: (i) aspectos relacionados a quando usam a estratégia
do jogo, como a usam e por que a utilizam; (ii) questões relativas à frequência com
que os jogos figuram na rotina escolar e quais são eles.
Considerando nossas postulações acerca da atividade humana (p. 63) e
atividade docente (p. 79) que se fundamentam no referencial da psicologia sócio-
histórica, é importante retomar que toda atividade humana é significada e
empreendida pelo ser humano com base em suas necessidades. Por isso, na
necessidade de ensinar, para que sujeitos aprendam o docente assume a função de
organizador das “ações” que materializam e possibilitam tal aprendizagem. Por meio
de atividades mediadoras, o mesmo docente pode “organizar o ensino” e auxiliar seu
aluno na busca de seu aprendizado, de acordo com o defendido por Vygotski
(1930/2007; s./d., 2006) quando indica a necessidade do ensino trazer uma
transformação, intervindo ativamente na ZDP, instância de ação para que se
possam alcançar novas aprendizagens, nas e pelas múltiplas relações que
136
estabelecem com seu entorno físico e social.
Aguiar et al. (2009) ressaltam ser preciso considerar o estado dinâmico da
atividade humana, que é mobilizadora do sujeito e marcada por emoções,
constituindo-se nas mediações sociais. Assim, como define Altenfelder (2010):
[...] afetado, afetiva e cognitivamente, na e pela sua relação com o meio, o homem constitui suas necessidades e vontades e, a partir disto, encontra algo que significa como possível de satisfazê-lo e, portanto, se configura como uma motivação. Compreendemos, assim, que a relação objeto/necessidade/motivo não é direta e automática (ALTENFELDER, 2010, p. 105).
É no dinamismo da atividade humana – aqui com o foco na atividade
docente – que os objetos (meios de satisfação de necessidades), por meio de
configurações subjetivas, mediadas social e historicamente, adquirem significados e
sentidos. No presente estudo, lidamos com um objeto cultural e técnico – o jogo
educativo – que se apresenta aos sujeitos, materialmente, como instrumento passível
de satisfazer muitas das suas necessidades de ensino. Saviani (2015b, p. 286) afirma
que a educação se situa na categoria de trabalho não material, com a “produção de
conhecimentos, ideias, conceitos, valores, símbolos, atitudes, habilidades”. O mesmo
autor explica, ainda, que esses aspectos, no âmbito da educação, não interessam se
forem considerados como fins em si mesmos, como algo exterior ao homem, como
objeto de preocupação das ciências humanas; contudo se vistos da perspectiva da
pedagogia – como ciência da educação – eles “interessam enquanto é necessário que
os homens os assimilem, tendo em vista a constituição de algo como uma segunda
natureza” (SAVIANI, 2015b, p. 287). Portanto,
[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana, para que eles se formem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 2015b, p. 287).
Nessa mesma perspectiva, Martins (2013) e Fittipaldi (2007) ressaltam
que o papel ou a responsabilidade principal da escola é a de promover a
apropriação dos conceitos científicos pelos sujeitos em formação que, no caso
desse estudo, são as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental I. Assim,
137
parece-nos coerente que os docentes da pesquisa indiquem a estratégia de jogos
como um instrumento importante para a aprendizagem, para a socialização, para o
aprendizado de regras, como facilitador do ensino dos conteúdos escolares.
Conforme as palavras de um dos pesquisados: “[o jogo é um] grande aliado do
professor para se atingir objetivos propostos” (Professor de 1º Ciclo).
Identificamos não haver, por parte dos professores participantes,
indicação de que não se deve fazer uso da estratégia de jogos educativos. Ao
contrário, observou-se que ela era empregada, pela maioria, semanalmente
(56,33%). No grupo de docentes do 1º Ciclo houve equilíbrio nas frequências de
uso indicadas (de uma a três vezes na semana, ou seja, respectivamente 50% e
54%); quanto aos docentes de 2º Ciclo, a maior frequência foi de uma vez na
semana (40,91%) e, no grupo de docentes que atuam em ambos os ciclos (25%),
de duas vezes na semana64. No que diz respeito às áreas do conhecimento,
quando questionados, os docentes participantes indicaram quais as principais
áreas em que se utiliza a estratégia de jogos, como demonstrado no Gráfico 8.
Gráfico 8. Áreas do conhecimento nas quais os docentes propõem jogos (Questão 28)
(*) Importante destacar que. no questionário, constavam as 10 opções (áreas do conhecimento) e os pesquisados poderiam assinalar quantas áreas do conhecimento desejassem.
De acordo com o Gráfico 8, é possível perceber uma predominância das
64 Acreditamos que essa frequência se deve ao fato desse terceiro grupo ser composto, principalmente, por professores de Educação Física, que lecionam duas vezes por semana em cada turma.
0 20 40 60 80 100 120
Alfabetização
Alf.Matemática
Arte
Ciências
Educ. Física
Geografia
História
Informática
Língua Portuguesa
Matemática
Quantidades em números absolutos
áre
as
do
co
nh
ec
ime
nto
in
dic
ad
as
Áreas do Conhecimento nas quais os docentes propõem jogos educativos como estratégia
138
áreas relacionadas à linguagem (alfabetização e Língua Portuguesa) e ao cálculo
(alfabetização matemática e matemática), ambas interligadas pela área de
informática (também muito citada), considerando os diversos softwares educativos
disponíveis para as duas disciplinas.
“(faço uso) porque acredito que com jogos, principalmente no período de alfabetização, o trabalho se torna muito mais produtivo, com resultados e avanços visíveis.” (Professor de 1º Ciclo)
“(uso jogos, porque) auxiliam nas atividades lógico-matemáticas.” (Professor de 2º Ciclo)
“Gosto muito do trabalho com jogos de alfabetização e jogos matemáticos.” (Professor de 1º Ciclo)
Tal fato evidencia uma tendência, nas propostas pedagógicas voltadas
aos anos iniciais, de associar a estratégia de jogos aos dois “grandes blocos de
conteúdos”, que marcam o Ensino Fundamental I: a Língua Portuguesa (aquisição
da escrita e leitura, bem como seu uso nas diferentes práticas sociais) e a
Matemática. De fato, são diversos materiais voltados para o uso de jogos no
processo de alfabetização, tanto na linguagem escrita como na numérica. Um
exemplo claro disso é todo o referencial disponibilizado pelo MEC/SEB nos últimos
anos, por meio do CEEL65 e do PNAIC: caixas de jogos, apostilas impressas e
digitalizadas, abordando questões teóricas e práticas, formações continuadas, para
que o professor alfabetizador possa acrescentar os jogos pedagógicos à sua prática,
garantindo a aprendizagem da língua e da matemática mediante a mobilização de
saberes, por parte da criança, acerca da lógica de funcionamento do sistema
alfabético de escrita e do sistema de numeração decimal, consolidando
aprendizagens já realizadas e apropriando-se de novos conhecimentos por meio da
presença da dimensão lúdica (BRANDÃO et al., 2009).Fittipaldi (2007) destaca, com
base vygotskiana, que a escola precisa articular conceitos cotidianos e científicos,
65 No ano de 2008, o Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (CEEL/UFPE), mediante apoio do Ministério da Educação, realizou um trabalho conjunto envolvendo professores dos municípios atendidos pelos cursos de formação continuada oferecidos pela universidade e estudantes de Pós-Graduação em Educação da UFPE. Desse trabalho foi elaborado um kit com 10 Jogos Educativos e também um manual com explicações e recomendações aos professores de como utilizar cada jogo. No ano seguinte, foi divulgado um material com demais orientações, no intuito de socializar, com os professores de todo o país, contribuições para a aprendizagem do sistema alfabético de escrita pelas crianças; servindo como incentivo para que os professores criem e desenvolvam novos jogos para dinamizar o ensino por meio de outros recursos lúdicos.
139
ampliando a compreensão de mundo do sujeito aprendente. Essa articulação se dá
por meio de conteúdos, nas diferentes áreas de conhecimento abordadas nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Nossos sujeitos de pesquisa demonstraram clareza
a esse respeito, ao indicarem que, no uso da estratégia de jogos educativos,
consideram suas possibilidades não apenas nos processos de ensino da língua e da
matemática, mas também nos diferentes conteúdos escolares.
“Dependendo do jogo, podemos ter o foco interdisciplinar.” (Professor de 1º Ciclo)
“(uso) quando percebo que o jogo vai proporcionar interesse e avanço no conteúdo.” (Professor de 1º Ciclo)
“Utilizo jogos em situações mais específicas, com o objetivo de iniciar um tema ou assunto trabalhado, ou reforçá-lo [...]” (Professor de 2º Ciclo)
Considerando a materialidade das falas dos sujeitos e os autores
estudados, pusemo-nos a fazer perguntas a partir da análise dos pré-indicadores e
dos indicadores componentes deste núcleo: (a) de quais conteúdos falam nossos
pesquisados? (b) os conteúdos podem ser vistos como fins em si mesmos?
A mudança de paradigma acerca da finalidade dos conteúdos escolares
aparece sinalizada na LDB nº 9.394/96 (MELLO, 2014) e retomada nos PCNs (BRASIL,
2001, pp. 73-79), nos quais encontramos uma proposta que defende um ensino no qual
o conteúdo não seja um fim em si mesmo, mas um meio para que os alunos produzam
e usufruam dos diversos bens culturais, sociais e econômicos via seu conhecimento.
Os conteúdos disciplinares tradicionalmente tratados como fins em si mesmos, passam a servir às aprendizagens, das competências e habilidades66. Tomar os conteúdos como meios para aprender, implica numa mudança de cultura muito mais profunda do que os relatórios e documentos sobre esse tema permitem prever, porque coloca o foco na avaliação, nos resultados da aprendizagem (MELLO, 2014, p. 9).
66 Antunes (2012) explica que habilidades e competências estão relacionadas ao aprender a fazer. A competência seria a capacidade de mobilizar recursos mentais para encontrar soluções de problemas de diferentes naturezas. Para tanto, articulam-se diferentes habilidades para que se atinja o objetivo. Por exemplo, para efetuar o cálculo da operação 7 + 6 é preciso fazer uso da competência aritmética para resolver cálculos simples, que pedirá o acionamento de habilidades como leitura numérica, somar quantidades, responder oralmente etc. O autor cita ainda, outras (das muitas) competências básicas para o Ensino Fundamental inicial: dominar linguagens; compreender e interpretar fenômenos; solucionar problemas; argumentar; elaborar propostas; criar hipóteses etc. Para tanto são acionadas e utilizadas múltiplas habilidades, como: reconhecer, analisar, comparar, relacionar, classificar, observar, deduzir, propor soluções, avaliar, compreender, relacionar, localizar, separar, criticar etc.
140
Nessa direção, são propostos três grandes grupos de conteúdos
(ZABALA, 1998; ANTUNES, 2012): (i) conteúdos factuais e conceituais (a base do
aprender a conhecer), que contribuem no desenvolvimento da cognição, com
ampliação do raciocínio, da dedução, da abstração, da memória, da linguagem, da
argumentação, em uma aproximação sucessiva dos conceitos, em um movimento
espiral; (ii) o segundo grupo, relaciona-se diretamente ao anterior, pois inclui os
conteúdos procedimentais (aprender a fazer – o colocar em prática os
conhecimentos adquiridos conceitualmente, envolvendo tomadas de decisão,
realização de planejamentos, organização de processos e ações, visando atingir
objetivos determinados); e por fim, porém não menos importantes, (iii) os conteúdos
atitudinais (aprender a ser e conviver – abarcam as atitudes, valores e princípios
como ética, cooperação, solidariedade, trabalho em grupo, respeito etc., norteadores
da convivência humana, como espécie e como seres sociais e de cultura). Essencial
considerar que, apesar da separação para efeitos meramente didáticos, os grupos
de conteúdos são correlacionados, interdependentes e, muitas vezes, não se
encontram explicitados nos planejamentos escolares e/ou não são tratados de
maneira intencional.
Guiados por essa proposição, foi possível localizarmos, já nos pré-
indicadores, que os docentes pesquisados indicavam que esses eram aspectos por
eles considerados, tanto que os mencionavam em suas falas. Segundo eles, com a
mediação de jogos educativos nas situações de ensino, era possível identificar
diferentes aprendizagens além das conceituais, como:
“(uma vantagem no uso de jogos é aprender sobre) vencer e perder, muito difícil saber se portar nestas situações.” (Professor de 1º Ciclo)
“(os jogos) englobam atitudes e valores no processo.” (Professor de ambos os ciclos)
“Nos jogos competitivos, com as devidas intervenções, preparam os alunos para a vida adulta.” (Professor de ambos os ciclos)
“(uma vantagem no uso de jogos é que temos) momento (s) para conhecer e trabalhar as emoções.” (Professor de 1º Ciclo)
“(uma vantagem nas situações de jogo é a) resolução de problemas, em parceria.” (Professor de 1º Ciclo)
Consideramos relevante complementar que os docentes pesquisados,
quando questionados sobre quais seriam os dois principais momentos da rotina em
141
que propunham jogos aos alunos, tivemos como maiores indicações as seguintes:
no decorrer das aulas, durante o desenvolvimento de conteúdo (72,78%) e no final
do período das aulas, nos momentos anteriores ao horário da saída (49,37%). Com
base nessa informação, passamos a buscar quais eram as referências acerca das
diferentes aprendizagens que são mediadas na escola pelos grupos de conteúdo.
No tocante ao nosso recorte de pesquisa, os jogos educativos, acreditamos ser
pertinente trazer a postulação feita por Vygotski (1930/2007, p. 124) de que “na
idade escolar, o brinquedo não desaparece, mas permeia a atitude em relação à
realidade”. Assim, podemos dizer que a atividade da criança no brinquedo evolui
para: (i) uma atividade mediada pelo uso de instrumentos e, também, pelo emprego
de artefatos culturais como os diferentes jogos, que se apoiam em aspectos da
realidade, caso, por exemplo, dos conteúdos escolares; (ii) atividades apoiadas por
signos e pela linguagem (KISHIMOTO et al., 2011).
Sobre isso, Grigorowitschs (2010, p. 231 – nota de rodapé) menciona que
as crianças jogam e brincam, brincam e jogam ao mesmo tempo, transitando
tranquilamente entre os dois polos e, “por essa razão não, é possível afirmar a
existência dessas ações de forma dicotômica”. Assim, voltamo-nos às considerações
feitas pelos docentes pesquisados acerca das benesses trazidas pelo uso de jogos
nos processos das diversas aprendizagens dos alunos. Segundo eles, diferentes
aspectos são considerados quanto ao que pode ser apropriado pelas crianças, na
mediação efetuada por meio de tal estratégia:
“(jogos) são estratégias que auxiliam no desenvolvimento dos alunos interiorizando regras, instruções[...].” (Professor de 2º Ciclo)
“(quando é) cooperativo, o jogo traz o sentido de inclusão de todos e colaboração.” (Professor de ambos os ciclos)
“Sempre acreditei no uso de jogos em sala de aula [...] para atingir os diferentes alunos, em seus diversos níveis de aprendizagem [...]” (Professor de 1º Ciclo)
“A estratégia de jogos é a forma lúdica para que a criança se aproprie do conhecimento, que às vezes, transmitido de forma maçante em sala de aula, não obtém-se avanço.” (Professor de 1º Ciclo)
Nessa discussão, citamos Fittipaldi (2007) e Smole et al. (2007) que, ao
apontam a importância de se empregar situações-problema no processo de ensino-
aprendizagem em todas as áreas do conhecimento, pois elas mobilizam habilidades,
142
conhecimentos prévios e a busca por novas informações e estratégias, fatores
essenciais para que se possam obter respostas aos problemas. Como explica
Fittipaldi (2007):
o emprego de problemas, no processo de ensino-aprendizagem, vem ao encontro das ideias de Vygotski sobre o processo de formação de conceitos científicos, à medida que oferece ao aluno a oportunidade de: a) refletir a respeito de um determinado contexto; b) articular os conceitos cotidianos e científicos; c) reorganizar o sistema de conceitos já elaborados, ao buscar a resposta desejada e (d) recorrer a pessoas mais experientes, caso necessite de ajuda, ao invés de simplesmente memorizar a definição transmitida pelo professor (FITTIPALDI, 2007, p. 42).
A partir dessa perspectiva, o aluno não é visto apenas como receptor,
mas como sujeito ativo e interativo, contribuindo de maneira fundamental no
desenvolvimento de suas próprias Funções Psicológicas Superiores. Por isso,
acreditamos ser essencial, que, nas situações escolares de ensino, se busque
desenvolver propostas que possibilitem a formação de sujeitos capazes de resolver
os mais diversos problemas, entendendo-se como tal situações as mais variadas (e
também, cotidianas) e que não contam com uma solução evidente. Elas requerem,
portanto, a combinação de conhecimentos e saberes, aliados a uma postura ativa e
decidida para a descoberta da melhor forma de usar tais conhecimentos em busca
da solução (SMOLE et al., 2007; FITTIPALDI, 2007).
Para tanto, é necessário, que o sujeito articule seus conhecimentos e
saberes, suas habilidades e atitudes. Como indica Fittipaldi (2007), com base nas
postulações de Vygotski, no contato com diferentes formas de resolução de
problemas, mediadas por relações interpessoais, acontece a aquisição de
conhecimentos, de habilidades e de atitudes, que se tornam possíveis por meio da
relação dialética entre os sentidos (hipóteses particulares apoiadas nas experiências
de cada aluno e nas mediações do professor) e os significados (sociais,
compartilhados, postos, determinados genericamente). Dessa maneira, na interação
social do professor67 com seus alunos forma-se uma zona de desenvolvimento
proximal, que envolve todos os participantes, de modo que na e pela troca de
saberes, opiniões, esclarecimentos, auxílios etc. tornam-se possíveis mudanças nos
67 Importa na interação educativa que pelo menos um dos participantes tenha mais conhecimento e/ou experiência do que os demais. Essa pessoa pode ser, inclusive, um colega de classe.
143
modos de pensar, sentir e agir dos envolvidos. Assim, por exemplo, quando o
professor ensina seus alunos a resolver problemas, eles aprendem a empregar
estratégias cognitivas e metacognitivas para alcançar a solução esperada; já o
docente aprende como ensinar esse grupo específico de alunos, ganhando maior
conhecimento pedagógico e ampliando sua experiência profissional no magistério.
Fittipaldi (2007), em pesquisa envolvendo jogos educativos e mediação
na perspectiva sócio-histórica, esclarece que, mesmo tendo lidado com um número
reduzido de sujeitos, foi possível identificar que os diferentes desempenhos
escolares não configuraram impedimentos para que habilidades fossem
desenvolvidas ou para que a efetiva apropriação de conceitos escolares não se
desse. Segundo a autora, houve, sim, a necessidade de intervenções diferenciadas
da pesquisadora, em função do que os alunos já dominavam, levando-nos a pensar
que desempenho escolar e desempenho no jogo não são sempre coincidentes e,
portanto, os docentes não devem ter tal expectativa. De fato, a noção de
desempenho escolar vem, geralmente, associada àquilo que o sujeito aprendente
conhece conceitualmente e àquilo que demonstra saber fazer com esse
conhecimento. Contudo, conhecer determinado conteúdo não significa saber usá-lo,
ou melhor não implica saber aplicá-lo em diferentes situações, tomando decisões,
organizando suas ações em prol de um objetivo. Por isso, a situação de jogo pode
representar um espaço propício para se perceber a qualidade da transposição feita
pelos sujeitos entre conhecimento e procedimento. É no saber fazer que o aluno
poderá evidenciar o grau de sua apropriação acerca de determinado conceito que,
agora ganhou significado. Isso significa que, na e pela interação, o professor e os
alunos agem conjuntamente de modo a alcançarem novos patamares de
aprendizagem. Um professor bem-sucedido é aquele que se torna, ao logo do
tempo, desnecessário, porque seus alunos aprenderam, ou seja, não mais precisam
de sua ajuda.
[...] os alunos vão, progressivamente (cada qual em seu processo de aprendizagem e desenvolvimento), aumentando o controle sobre a atividade, a capacidade de resolver o problema proposto e, ao mesmo tempo, necessitando, cada vez menos do auxílio de alguém mais experiente, conforme vão conquistando autonomia (FITTIPALDI, 2007, p. 47, grifos nossos, entre os parênteses).
Numa situação de jogo, podemos encontrar espaço fértil e real para a
objetivação de tais proposições. Conforme o indicado por Smole et al. (2007), a ação
144
de jogar, por carregar em si, historicamente, uma dimensão lúdica, apresenta
condições para o desenvolvimento da imaginação, da criatividade, do espírito
construtivo, da habilidade de se relacionar socialmente, da habilidade de abstração a
partir de situações desafiadoras, pois se encontra presente a surpresa, a
possibilidade do fazer de novo, o incômodo por não se poder controlar toda a
situação e, ainda, a autorregulação por meio das regras a serem respeitadas.
Contudo, Fittipaldi (2007) e Smole et al. (2007) alertam que, para que os alunos de
fato aprendam e se desenvolvam enquanto jogam, garantir apenas a dimensão
lúdica não basta: é preciso que se organize e cuide-se também, da dimensão
educativa, que envolve planejamento e ações mediatizadoras por parte do professor.
Nesse âmbito, os docentes pesquisados indicaram fazer uso de jogos educativos
apenas pelo aspecto lúdico, associando-os à diversão, ao lazer e ao descanso.
“(uso jogos) com o intuito da ludicidade, sem outros objetivos.” (Professor de 1º Ciclo)
“Usava (jogos)mais como lúdico, não no processo de ensino-aprendizagem.” (Professor de 1º Ciclo)
“(uso no final do período de aulas) para distrair e relaxar.” (Professor de 1º Ciclo)
“(uso no final do período de aulas) geralmente, com o objetivo de diversão, prazer.” (Professor de 1º Ciclo)
Conforme a revisão bibliográfica, podemos destacar que essa forma de
olhar as situações de jogos como algo “não sério”, oposto ao trabalho, voltado ao
relaxamento e à restauração de ânimos, sem nenhuma referência à aquisição e à
ampliação de conhecimentos, remonta aos povos antigos, tendo sido perpetuada ao
longo da história, a despeito de tantos teóricos terem se ocupado do estudo do jogo
como algo da cultura, do social, da educação. Sobre isso, citamos novamente
Fittipaldi (2007), que nos indica que, de fato, se o jogo possibilita aprendizagens
importantes aos sujeitos, ele o faz apenas quando utilizado com intencionalidade
educativa, no processo de ensino. A referida pesquisadora questiona o fato de se
pensar o jogo, na escola, apenas com caráter lúdico, pois explica que, ao utilizar
situações de jogos em suas intervenções, pôde identificar que os alunos levantavam
hipóteses, argumentavam sobre elas, aprendiam sobre o jogo e, também, eram
suscitados a mobilizar conceitos, permitindo novas aprendizagens, tal como indicado
por Vygotski (1930/2007). A situação de jogo garante o aspecto lúdico por si, mas
145
ela precisa ir além, expandir-se (como explicitamos ao longo da revisão
bibliográfica), quando em situação escolar. Nesse sentido, Carvalho e Oliveira
(2014) explicam que o jogo é um sistema complexo, capaz de acionar diferentes
mecanismos no jogador, pois no jogo, e por meio dele, a criança é capaz de atribuir
significados diferentes aos objetos, ter condições de abstrair e começar a agir
independentemente daquilo que vê, “operando com significados diferentes da
simples percepção dos objetos” (CARVALHO e OLIVEIRA, 2014, p. 434).
Quando questionados sobre possíveis aprendizagens proporcionadas
especificamente pelo uso dos jogos educativos no processo de ensino, os docentes,
conforme demonstrado no Gráfico 9, fizeram as seguintes indicações:
Gráfico 9. Outras aprendizagens que o uso de jogos permite aos alunos (Questão 32)
(*) Importante destacar que, no questionário, constavam 9 opções (levantadas a partir dos pré-testes, da experiência da pesquisadora, de pesquisas sobre o tema), sendo solicitado que os pesquisados assinalassem as cinco que considerassem mais relevantes (alguns assinalaram mais do que a quantidade solicitada). Havia, inclusive, espaço para que os participantes pudessem completar com outras opções que não constavam no questionário. Nesse item, fizeram referência a 4 opções: Concentração, Valores, Argumentação e Esquema Corporal.
Analisando o Gráfico 9, é possível perceber certo equilíbrio nas
alternativas assinaladas pelos docentes, com destaque para a aprendizagem de
regras. Muitas destas aprendizagens têm relação direta com atitudes necessárias à
convivência em sociedade, tais como respeito, cooperação, atenção, esperar a vez.
0 20 40 60 80 100 120 140
Antecipação de ações
Atenção no que faz
Cooperação
Coordenação de ideias
Expansão da imaginação
Outros
Ouvir o outro
Respeitar o outro
Respeitar regras
Saber esperar sua vez
Quantidades em números absolutos
Ap
ren
diz
ag
en
s
Possíveis aprendizagens com o uso de jogos
146
Como explicitado na fala de um docente pesquisado: “O trabalho com jogos se faz
necessário para o grupo, traz muito ensinamento, tanto pedagógico, quanto
social” (Professor de 1º Ciclo).
Rebeiro et al. (2012) apontam que nas situações de jogo, encontramos a
presença de conflitos cognitivos e sociais a serem vivenciados pelos jogadores,
constantemente mediados pela presença das regras (sejam elas implícitas ou
explícitas). Os primeiros dizem respeito aos aspectos voltados para a elaboração de
estratégias, resultantes da relação entre o pensamento e as exigências do jogo, da
situação em si; os segundos, dizem respeito às interações sociais geradas pela
mesma situação, pois envolve o anseio pelo jogar bem, além das emoções relativas
às próprias jogadas e em relação às jogadas do outro, articuladas no contexto
regrado de jogo, em que cada um precisa se autorregular e ao mesmo tempo se
descentralizar. Os sujeitos precisam coordenar suas ações com as dos demais
participantes, compreenderem as ações engendradas sobre o jogo como uma
totalidade, adotando perspectivas diferentes das suas, pois necessita se colocar no
lugar de outros, antecipando possíveis ações e articulando-as com as suas próprias.
Nas palavras dos autores:
Os conflitos cognitivos e sociais são possibilidades de crescimento por meio da interação; criam contestações, geram perturbações, engendram problemas a serem solucionados. Eles acontecem nas interações sociais a partir do momento em que os envolvidos agem e debatem sobre determinada situação-problema, oportunizando diferentes percepções do real. [...]os aspectos sociais envolvidos na situação de jogo, indicam que a interação provocada pelo jogo, convida os jogadores a lidarem com as regras, o que favorece a cooperação, as trocas interindividuais e dá movimento à articulação existente entre aspectos cognitivos e sociais (REBEIRO et al., 2012, p. 248, grifo nosso).
Considerando as ideias de Vygotski (s.d./2006) sobre desenvolvimento,
nos é possível relacionar que esses conflitos podem representar “pequenas crises”
que desencadeiam a necessidade de novas aprendizagens, as quais, uma vez
alcançadas, promovem avanços no desenvolvimento. Elkonin (1978/2009) ressalta
que o jogo exerce influência sobre o desenvolvimento psíquico da criança e que a
evolução do jogo (com a presença de regras implícitas, para as explícitas) prepara a
transição a um novo momento, aquele em que se passa a considerar e a lidar com
regras explícitas, algo central quando se passa ao convívio social ampliado, em
147
ambiente escolar. Como citamos na revisão bibliográfica, Leontiev (1944/2010a)
indica que a subordinação da criança às regras internas (principalmente as
explícitas) de uma situação de jogo é fator importante em seu desenvolvimento, pois
assim aprenderá a dominar o próprio comportamento.
Além dessa característica (as regras) do jogo, Fittipaldi (2007) indica ser
possível a identificação nele da presença das outras características apontadas por
Vygotski (1930/2007), como a imaginação e a imitação.
A primeira (imaginação) pode ser percebida nos diversos momentos em
que a criança levanta hipóteses, antecipa suas ações e/ou as de outros participantes
do jogo, pois ela está levantando possibilidades e se colocando ativamente na
situação, sobre a mediação direta das regras. Szundy (2009) enfatiza que a
imaginação reside na possibilidade de se projetar, de se colocar de maneira ativa
em situações não imediatas, sendo, portanto, “elemento central para o processo de
ensino-aprendizagem e para a criação da ficção, da arte e do conhecimento
científico, cuja origem está no jogo” (SZUNDY, 2009, p. 277).
A segunda (imitação) faz-se presente em duas situações: quando, ao
jogar novamente, a criança repete jogadas exitosas, observa e repete jogadas
alheias; e quando,ao jogar com parceiros mais experientes (seja o professor ou
outros colegas de grupo), procura seguir suas ações, na tentativa de resolver o
problema proposto pelo jogo. Nesse sentido, ressaltamos
[...] a importância da imitação (uma das características constitutivas do jogo apontadas por Vygotski): os sujeitos, ao tentarem agir tal qual (o adversário), começam a reelaborar o sentido e o significado que atribuíam [...] (ao jogo) e à forma de jogar e (passam) a se apropriar do conceito em questão (FITTIPALDI, 2007, p. 203, grifos nossos entre parênteses).
Por isso, Smole et al. (2007) ressaltam que, ao se ensejar aprendizagens
por meio de jogos, faz-se necessário que um mesmo jogo seja proposto e realizado
várias vezes, proporcionando o aprimoramento das estratégias e a real apropriação
dos conceitos envolvidos. Contudo, mesmo acreditando que as situações de jogo
sejam conteúdos em si mesmas, entendemos que garantir sua presença em sala de
aula não é suficiente para que se efetivem as aprendizagens dos conceitos
escolares propriamente ditos. Fazemos tal consideração a partir de Vygotski
(1934/2001), que indica que a apropriação de conceitos científicos se dá de forma
148
sistematizada, processual e com a intervenção intencional de um sujeito mais
experiente (no caso, o professor). Assim, ter acesso à informação e/ou a
determinada estratégia, por mais eficiente que elas sejam, não implica que ocorrerá
formação de conceitos. De fato, para tanto, é necessário que se atribua significação
à informação recebida, algo que, nas situações de jogo, acontece de maneira
concreta, por meio da mediação docente. Portanto, o professor precisa considerar
vários fatores ao inserir essa estratégia em seu planejamento de ensino, uma vez
que será no processo de mediação, de intervenção e de observação do
desempenho dos sujeitos em situação de jogo que ele obterá dados importantes
para sua atividade de ensino. Nesse sentido, os sujeitos pesquisados fizeram
considerações:
“Acredito que o trabalho com jogos aprimora o meu trabalho e enriquece o meu planejamento, possibilitando o processo de ensino-aprendizagem.” (Professor de 2º Ciclo)
“Faço grandes observações nesses momentos, sendo que não preciso causar tensão nos alunos.” (Professor de Ambos os Ciclos)
“(uso a estratégia de jogos também) para avaliação do comportamento individual e/ou em grupo dos alunos.” (Professor de Ambos os Ciclos)
“Eles pensam que estão brincando [...] e eu sondando o aprendizado.” (Professor de 2º Ciclo)
Dentre os vários pontos a serem considerados pelo docente ao escolher
usar a estratégia de jogos educativos, destacamos aqueles que consideramos
essenciais, (FITTIPALDI, 2007; SMOLE et al., 2007; CARVALHO e OLIVEIRA, 2014;
BRASIL, 2014b): o planejamento cuidadoso, tentando evitar possíveis dificuldades
na execução; a clareza de objetivos a serem alcançados; o adequado conhecimento
do jogo(s) a ser trabalhado de modo a poder jogá-lo(s) e, assim, explorar melhor
suas possibilidades; o conhecimento dos saberes que os alunos já detêm, de forma
a realizar mediações adequadas, que levem aos avanços esperados; a observação
cuidadosa dos modos de funcionamento dos alunos durante as situações de jogo,
para que se possa perceber quem precisa de mais auxílio, em função do que ainda
não domina; o auxílio dado aos alunos para levá-los a pensar sobre suas ações, de
modo a conseguir identificar seus erros e acertos, sem desconsiderar nem um e nem
outro; o monitoramento contínuo para verificar se as crianças demonstram ter se
apropriado dos conceitos científicos envolvidos no jogo.
149
Nessa busca por aproximar-nos das significações, de elementos da
subjetividade dos sujeitos participantes, consideramos relevante saber qual o
repertório desses docentes quanto aos jogos educativos. Para tanto, eles foram
questionados sobre quais jogos propunham aos seus alunos, que podem ser vistos
no Gráfico 10.
Gráfico 10. Jogos que os docentes pesquisados propõem aos alunos (Questão 31)
Os dados do Gráfico 10 foram organizados por grupos de professores (1º
Ciclo, 2º Ciclo e em ambos). Dessa maneira, foi possível identificar que, no grupo de
professores de 1º Ciclo, as maiores frequências concentraram-se nos jogos de
Linguagem (nessa denominação, consideramos os jogos de alfabetização, pois
muitos fizeram a citação dessa forma). Apareceram também jogos envolvendo
letras, sílabas, formação de palavras, formação de frases, ações de completar
frases; jogos do projeto CEEL, ditado recortado, ditado cantado; jogos de mesa
(como dominó, memória, cartas, quebra-cabeças etc.); bingos com letras, números,
dados da tabuada, de operações etc.); jogos matemáticos, como os do PNAIC e os
de outros projetos relativos à área. Nesse grupo, duas características parecem
fundamentais no que se refere ao ciclo de aprendizagem: o foco central na
alfabetização (tanto no contexto linguístico, como no contexto numérico) e, a faixa
150
etária dos alunos. Tais especificidades parecem orientar, em especial pelo aspecto
lúdico, as estratégias a serem utilizadas pelos alunos.
Esses dados estão em consonância com a pesquisa realizada por
Kishimoto et al. (2011) quanto à presença do lúdico no processo de letramento de
crianças na faixa de 6–8 anos, quando da implantação do Ensino Fundamental de
nove anos. As autoras identificaram a presença constante de jogos de alfabetização
e jogos matemáticos em diversos momentos da rotina escolar, acrescidos de
suportes nas áreas de educação física, arte, horta e rodas de conversa.
Quanto ao grupo de docentes de 2º Ciclo, encontramos os mesmos jogos
sendo propostos, porém com frequências menores em relação ao grupo anterior.
Encontram-se, nessa mesma situação, os jogos de tabuleiro (xadrez, ludo, damas
etc.); os jogos de raciocínio; os de percurso (ou trilha) e alguns outros de caráter
mais genérico, que denominamos como jogos comerciais68 (Banco Imobiliário, Cara
a Cara, Hora do Rush, Detetive, UNO). Podemos considerar que, com o avanço na
idade, mudam as necessidades, os interesses e a complexidade dos processos
mentais vão se reconfigurando, de forma que, consequentemente, a atividade
também se modifica,
[correspondendo] a uma necessidade interior que está surgindo, e ocorre em conexão com o fato de a criança estar enfrentando a educação com novas tarefas correspondentes a suas potencialidades em mudança e a uma nova percepção (LEONTIEV, 1944/2010b, grifo nosso).
Assim, é compreensível que os docentes desse grupo ofereçam situações
de jogos “mais elaboradas”, buscando alcançar aprendizagens tidas como mais
complexas.
No tocante ao terceiro grupo de docentes, aqueles que atuam tanto no 1º
como no 2º Ciclos, composto em sua maioria por professores da área de educação
física, a presença de propostas de jogos corporais e motores (nessa denominação,
também foram considerados os jogos teatrais e de expressão, jogos musicais, a
mímica e os circuitos) e de jogos tradicionais da infância (muitos utilizaram essa
denominação, mas dentre os que os especificaram apareceram o jogo de bolinha de
gude, pegador, brincadeiras de roda, peão, peteca, amarelinha etc.) foram mais
68 Optamos por chamar de “jogos comerciais” aqueles difundidos em lojas de brinquedos infantis.
151
constantes.
Com efeito, foi possível perceber que os professores desenvolvem a sua
atividade docente considerando as muitas objetivações históricas que a determinam
e constituem, principalmente no que se refere ao uso de jogos educativos como
estratégia no processo de ensino-aprendizagem. Podemos fazer tal consideração a
partir das falas analisadas, que se mostraram apoiadas em proposições teóricas,
reconhecendo a função do docente e do ensino de promover aprendizagens
significadas, que façam avançar o desenvolvimento de todos os alunos. Assim, os
jogos aparecem nos conteúdos mais diversos em função das possibilidades
(“quando”) que lhes são atribuídas para ampliação e aquisição de conhecimentos e
saberes, garantindo o aspecto integrador e lúdico das relações (“como”) e a
intencionalidade de agregar boas possibilidades de mediação ao trabalho docente
(“por que”).
Outras questões foram percebidas nas falas dos docentes pesquisados,
acerca de aspectos que, muitas vezes, dificultam, mas não impedem o frequente
uso de jogos educativos: a articulação do tempo escolar, tempo pedagógico e
currículo; falhas na organização funcional das instituições; precário conhecimento
teórico acerca de como os empregar. Todos eles serão abordados no próximo
núcleo.
4.4.2.2. NÚCLEO 2
“TALVEZ POR FALTA DE EXPERIÊNCIA, ACABO ME PRENDENDO NO CONTEÚDO DOS LIVROS E
ME ATRAPALHO NA ADMINISTRAÇÃO DO TEMPO PARA COMPLEMENTAR COM JOGOS [...]” (PROFESSOR DE 2º CICLO)
Jogo e rotina escolar – conciliar para superar
Conforme mencionado no Núcleo 1, o grupo de docentes que indicou
pouco conhecimento a respeito da estratégia de jogos educativos (15,82%), bem
como aqueles que indicaram menor frequência em seu emprego (36,08%), não
revelaram descrédito em relação às possibilidades dos jogos educativos quando
utilizados nas mediações dos processos de ensino-aprendizagem. Porém, ao serem
questionados sobre possíveis aspectos desfavoráveis no uso dessa estratégia, os
docentes, em sua grande maioria (84,81%), mencionaram que eles não existiam,
152
havendo um grupo menor (15,19%) que apontou alguns problemas69 que, não
obstante, não impedem seu uso nos ambientes escolares.
Assim, neste núcleo, discutiremos quais eram esses fatores, de modo que
ele reúne as dificuldades encontradas pelos docentes no planejamento das aulas e
na gestão do tempo/espaço, abrangendo questões estruturais das escolas; os
problemas da organização curricular versus a organização pedagógica; a
necessidade de “saber usar” os jogos de maneira coerente para que sejam
instrumentos reais de ensino e de mediação de aprendizagens. Essas situações
podem levar a outras opções.Para tanto, a análise foi tecida “à luz do contexto
social, da nossa própria experiência, da revisão bibliográfica feita e da perspectiva
teórica adotada neste trabalho” (ALTENFELDER, 2010, p. 103).
Não obstante, queremos destacar que muito do conteúdo analisado das
falas nos ajudou a identificar possibilidades de superação, ou seja, de considerar a
realidade e, partindo dela, buscar meios de reorganizá-la e de transformá-la. Como
citado por um professor: “o que dificulta [...] é o espaço e a quantidade de alunos em
sala de aula – dificulta, mas não impede” (Professor de 1º Ciclo).
Tal como fizemos no Núcleo 1, ao considerarmos a materialidade das
falas dos sujeitos, novamente pusemo-nos a fazer perguntas, partindo da análise
dos pré-indicadores e dos indicadores componentes deste núcleo: (a) quais
aspectos medeiam a relação desses sujeitos com o meio educacional em que
atuam, para que tais dificuldades sejam apontadas pelos docentes em questão? (b)
de que forma as dificuldades elencadas pelos docentes, aparecem no mesmo
contexto educacional? (c) o que se pode sugerir como caminhos para sua
superação?
Para nortear nossas reflexões e análises, retomamos o referencial teórico
deste estudo, no qual optamos por olhar para os docentes enquanto sujeitos
históricos, cada qual detentor, ao mesmo tempo, de uma esfera particular (ao
relacionar-se com a própria singularidade) e de uma esfera genérica (na medida em
que é herdeiro de todo desenvolvimento humano); que em seu dia a dia de sala de 69 Identificamos que as indicações de aspectos desfavoráveis no uso de jogos educativos na escola não estão diretamente relacionadas com o pouco conhecimento acerca da estratégia e/ou com seu pouco uso. Pudemos verificar que dos 24 docentes (15,19%) que indicaram aspectos desfavoráveis, 19 conhecem a estratégia (79,17%), sendo que, dentre esses, 11 utilizam-na com frequência semanal ou diária.
153
aula, na cotidianidade (HELLER, 1970/2008) experienciam diferentes situações, com
diferentes níveis de intensidade, lidando com as limitações para a realização de seu
trabalho. Ou seja, levamos em conta desde a formação inicial e continuada, muitas
vezes deficitária, passando por condições precárias quanto à estrutura dos sistemas
de ensino, com salas lotadas, pouco apoio humano e material, chegando ao que
Altenfelder (2010, p.103) chamou de “intensificação da divisão do trabalho na
escola”, a perda do saber fazer e seus impasses, cobranças e inadequações
curriculares e administrativas, além da baixa valorização social do trabalho docente.
Da mesma forma, temos clareza que não se pode transformar o docente em vítima
ou acreditar que ele seja um sujeito passivo, que apenas acata demandas, por lhe
faltar condições de argumentar e de resistir, com novas proposições.
Assim, temos “clareza que a superação das dificuldades, mudanças e
descobertas que serão discutidas (nesse núcleo), não devem ser atribuídas,
exclusivamente, ao esforço individual e isolado dos sujeitos” (ALTENFELDER, 2010,
p. 103). Acreditamos que, ao integrarmos e articularmos as falas dos participantes
da pesquisa, poderemos, de alguma maneira, superar visões dicotômicas e também,
os processos de culpabilização que hoje atingem os professores.
Como indicado por Gonçalves e Bock (2009), não há indivíduos
independentes da sociedade, assim como não há sociedade externa e independente
dos indivíduos que nela se relacionam, mediados culturalmente por instrumentos e
signos. Com isso, a psicologia sócio-histórica busca nos fenômenos sociais
a presença de um humano que é sujeito, com uma subjetividade processual, complexa e histórica, afirmando a unidade dialética entre indivíduo e sociedade. Assim, identificar o processo de constituição de um fenômeno social começa por identificar sua produção social a partir da materialidade de suas manifestações [...] identificar em última instância, suas bases objetivas e subjetivas, [...] (pois) a análise deve ser das mediações que constituem o fenômeno social em questão (GONÇALVES e BOCK, 2009, pp. 144-145).
Assim também acontece no ambiente educacional, que não existe de
forma independente dos sujeitos – profissionais da educação, alunos, famílias,
comunidade local – que nela interagem, bem como com tais sujeitos, que não
funcionam nesse meio de maneira independente. Por isso, ao estudarmos os
fenômenos humanos, com base na psicologia sócio-histórica, é preciso ter
compreensão da relação do sujeito com seu entorno, buscando apreender seu
154
processo de constituição (VYGOTSKI, 1930/2007): sujeitos e meio estão em
constante transformação, um atuando no outro, em uma relação dialética de
objetividade/subjetividade e vice-versa.
Frente a tais postulações teóricas, foi possível apreender que o elemento
mediador dessa relação se constituía na rotina escolar, entendida como um
sistema70 de ações e operações, que pode se configurar como propulsor de
possibilidades ou como obstáculo ou entrave a elas. Moura (2005) aponta que, de
um modo geral, as rotinas são práticas sociais regulares, são sócio-comportamentais
e estruturadas por formatos. Elas atendem a uma dupla função: uma social, que é
externa, reguladora dos comportamentos e práticas sociais dos sujeitos, propondo
formas, modos socialmente comprovados para se atingir os objetivos desejados; e
uma que é interna, subjetiva, funcionando como elemento organizador dos
processos de objetivação/subjetivação/objetivação desses mesmos comportamentos
e práticas. A referida autora discute o trabalho escolar a partir da análise de suas
rotinas, considerando como rotinas de escola
os aspectos da vida e do tempo escolar organizados de um modo regular e até repetitivo. Caracterizam o modo como, na maior parte dos dias, alunos e professores ocupam o tempo na escola. [...] estas rotinas são, em grande parte, produto de uma construção histórica e social, justificadas pela lógica de uma cultura burocrática e geram frequentemente aprendizagens estranhas àquelas que a escola declara querer favorecer. Estas aprendizagens são identificadas por alguns investigadores como currículo escondido (MOURA, 2005, p. 228).
Nesse contexto, os sujeitos, em sua especificidade de atuação (desde os
gestores até os docentes), diante das situações objetivas apreendidas como
obstáculos postos pela rotina cotidiana, realizam suas subjetivações, produzindo
significações que interferem e determinam suas escolhas. Moura (2005) destaca,
ainda, que as salas de aula também contam com rotinas, que dizem respeito às
atividades regulares desenvolvidas no processo de ensino-aprendizagem,
organizadas de acordo com os objetivos traçados oficialmente, os quais dependem
de opções pedagógicas do professor. Entretanto, apesar de cada sala de aula contar
com uma dinâmica interna própria, os docentes apresentam similaridades na
70Para Saviani (2010), sistema é a unidade de vários elementos intencionalmente reunidos
de modo a formar um conjunto coerente e operante. A noção de sistema caracteriza, portanto, a intencionalidade humana; a unidade e variedade dos múltiplos elementos que se articulam; a coerência interna articulada à externa.
155
organização de suas turmas, com tendências e limitações semelhantes. As rotinas
de sala de aula precisam ser pensadas considerando a rotina e o planejamento da
instituição: as especificidades das turmas; e considerando a flexibilidade necessária
para o bom andamento das situações didáticas e escolares.
Nesse sentido, os participantes da pesquisa indicaram fatores estruturais
que interferem no andamento das rotinas voltadas aos processos de ensino que,
nesse estudo, dizem respeito ao uso da estratégia de jogos educativos. Dentre eles,
destaca-se a quantidade de alunos na sala de aula:
“A sala de aula é muito numerosa e para trabalhar com jogos de maneira adequada é necessário tempo e atendimento individual.” (Professor de 1º Ciclo)
“O excessivo número de alunos dificulta a mediação da atividade (com jogos).” (Professor de 1º Ciclo)
“Fica difícil, sozinha, articular aulas com jogos que contemplem (as) necessidades (de todos).” (Professor de 2º Ciclo)
Além disso, apontaram o número insuficiente de materiais (jogos)
disponíveis para atender a uma turma inteira, bem como falhas em suas condições
de uso e, ainda, falta de tempo para preparar-se para jogar:
“(uma desvantagem para o uso de jogos é o) número excessivo de alunos na sala e material insuficiente.” (Professor de 2º Ciclo)
“(vejo dificuldade quanto à) falta de tempo de preparação (organização para jogar e depois para guardar o jogo), jogos faltando peças/incompletos (demandam conferência anterior a aula).” (Professor de 2º Ciclo)
“(vejo dificuldade) quando o material (jogo) não está na sala de aula [...] (bem como) a disposição dos jogos na escola.” (Professores de 1º Ciclo)
A partir de cada um desses aspectos e de sua articulação na rotina
escolar, queremos abordar outros pontos que consideramos relevantes, para melhor
nortear nossa reflexão. O primeiro destaca a necessidade de se considerar que a
organização da sala de aula passa, também, pelo número de alunos que compõem
o grupo-classe.
A esse respeito, trazemos os termos encontrados na legislação brasileira
acerca da composição numérica das classes e sua repercussão na aprendizagem.
Resgatando o percurso histórico recente, encontramos a LDBN nº 9394/96 que, em
156
seu artigo 25, deixa a cargo das autoridades responsáveis, “a decisão de alcançar a
melhor relação” no número de alunos por professor, bem como as condições
materiais do estabelecimento; incumbindo os sistemas de ensino de garantirem as
condições necessárias ao cumprimento do que é nela estabelecido. Na sequência,
houve tentativa de se definir a relação adequada entre número de alunos/professor
(parecer CNE/CEB nº 08/2010; CONAE 2010), mas apenas no ano de 2012, a
Comissão de Educação do Senado Federal, mediante o Projeto de Lei do Senado –
PLS 504/2011 – modificou o texto da LDBN nº 9.394/96, indicando que as
autoridades responsáveis pelos sistemas educacionais teriam como “objetivo
permanente alcançar uma relação adequada” entre o número de alunos/professor,
considerando as condições e características regionais e locais, mas estabelecendo
um teto máximo de 25 alunos por sala no Ensino Fundamental. Contudo, a situação,
em grande parcela de nossas escolas, não está, no que concerne às salas de aula,
adequada à lei, deixando muitas vezes a cargo do professor a busca por estratégias
que possam viabilizar um trabalho pedagógico com qualidade, a despeito do número
de alunos na turma.
Como segundo ponto, destacamos questões referentes aos muitos
recursos e equipamentos didáticos existentes no ambiente escolar, pois se eles são
importantes instrumentos mediadores nos processos de ensino-aprendizagem,
quando mal administrados e utilizados, podem gerar entraves que comprometem o
desempenho daqueles envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Encontramos no documento “Equipamentos e materiais didáticos – Curso Técnico
de Formação para os Funcionários da Educação”, do Ministério da
Educação/Secretaria de Educação Básica (BRASIL, 2009b), uma série de
orientações quanto aos materiais e equipamentos didáticos, seu uso, manutenção e
organização, como estratégias que venham a compor as situações de ensino. No
referido documento, a definição de estratégias de ensino aparece como:
o modo de organizar o saber didático, apresentando diversas técnicas e recursos que possibilitem o alcance dos objetivos propostos para a atividade. Significa pensar e utilizar os recursos mais adequados para não só dinamizar as aulas, mas principalmente fazer os elos necessários entre o saber transmitido e sua sedimentação no repertório do aluno (BRASIL, 2009b, p. 15).
O documento ressalta ainda, a importância desses materiais e recursos
para que a escola cumpra sua função de educar e formar, por possibilitarem a
157
construção de parcerias (numa concepção democrática de educação e gestão) entre
todos os segmentos da comunidade escolar; a busca por práticas que melhor
atendam ao seu uso e manutenção. Nessas parcerias, que precisam ter um caráter
colaborativo, sugere-se a participação de todos, em todas as instâncias e em todos
os espaços, inclusive na organização dos materiais, de forma a atender às
demandas pedagógicas e oportunizar a fluidez das rotinas. De fato,
a falta de estrutura adequada ou de tempo suficiente para o planejamento das atividades docentes e a ausência de apoio técnico especializado no manuseio e na implementação dos recursos didáticos contribuem para certo abandono ou subutilização dos equipamentos existentes (BRASIL, 2009b, p. 16).
Dos pontos expostos, parece ser fundamental, para a superação de tais
situações, investimentos nos processos de planejamento, considerando as
especificidades das diversas turmas de alunos, as da organização e as da utilização
dos espaços, dos materiais e dos recursos, ordenando ações e operações de forma
conjunta e discutindo-se, nos fóruns pedagógicos da escola, formas e caminhos
eficazes ao andamento dos processos de ensino-aprendizagem.
Foi possível também identificar outro aspecto determinante e citado pelos
docentes pesquisados, que é a questão da indisciplina:
“(o uso de jogos é mais adequado) com uma turma reduzida e com melhor disciplina.” (Professor de 1º Ciclo)
“(o uso de jogos é) mais apropriado para turmas reduzidas, [pois] causa muita agitação nos alunos.” (Professor de 1º Ciclo)
“Devido ao mau comportamento e indisciplina da turma, a possibilidade de trabalhar com jogos é prejudicada.” (Professor de 1º Ciclo)
De acordo com o desenvolvido no Núcleo 1 sobre o emprego de jogos
nas diferentes disciplinas, é necessário termos em mente que as situações de jogo
envolvem, além de conteúdos conceituais, também a aprendizagem de
procedimentos e atitudes, razão pela qual precisam ser desenvolvidas por várias
vezes e com constância (SMOLE et al., 2007). Entretanto, não é possível
desconsiderar o fato de que tais situações geram um ambiente “diferente” daquele
que muitos consideram adequado para a sala de aula. Não é nosso objetivo, no
presente estudo, discutir sobre disciplina e seus desdobramentos, mas ao
abordamos a estratégia de jogos educativos, ela aparece, invariavelmente, como um
158
condicionante importante para o uso de jogos no ambiente escolar. Portanto,
faremos aqui algumas considerações que interpretamos como relevantes à análise.
Não seria equivocado afirmar que sem disciplina não é possível realizar
nenhum tipo de trabalho pedagógico. Entretanto, como ressalta Vasconcellos
(2004), são muitas as variáveis que influenciam o processo de ensino-
aprendizagem, sendo uma delas a disciplina. O mesmo autor indica que, em
primeira instância, disciplinar significa
participar do esforço civilizatório, e a escola nada mais faria que colaborar com este esforço geral. Ocorre, no entanto, que esta é uma visão idealista, uma vez que, na verdade, não existe civilização em geral, mas formas históricas de civilização, que no nosso caso corresponde ao modo capitalista de produção, com sua divisão de classes sociais antagônicas; portanto, na nossa realidade, no sentido geral, disciplinar corresponde a adequação à sociedade existente [...] (VASCONCELLOS, 2004, pp. 45-46, grifo nosso).
A princípio, a escola, ao longo de sua história, sempre foi chamada para
esse esforço civilizatório. Mas, é sabido que, apesar de ser determinada social e
historicamente, a escola é espaço de contradições, ou seja, ao mesmo tempo em
que reproduz determinadas concepções (por exemplo, só é considerado disciplinado
aquele aluno que se comporta como o professor deseja, adequando seu
comportamento aos anseios do outro), também é produtora de suas transformações
(por exemplo, formar o aluno como pessoa, com capacidade para pensar e dirigir
seu comportamento com autonomia, sem que a disciplina seja um fim em si mesma).
Dessa forma, associar disciplina à obediência, calma e passividade é muito
recorrente no cotidiano escolar, pois geralmente surge da necessidade de se
minimizar os tantos conflitos e desgastes enfrentados pelo professor em seu
trabalho, intenso e complexo, para ter “um pouco de paz para poder respirar, daí
esperar o comportamento dócil (e) passivo dos alunos” (VASCONCELLOS, 2004, p.
47).
Concordamos com Antunes (1999) quando afirma que o trabalho de
ensinar, em grande parte, não se dá sem alguma tensão, pois se todo ambiente de
aprendizagem é um espaço voltado para se “sair da inércia”, ele é também um
espaço no qual se tecem as transformações (seja do professor, seja dos alunos). O
ensinar não é algo fácil, simples: administrar diferenças e dificuldades não é
confortável, mas pode ser muito gratificante. O autor explica, ainda, ser preciso que
159
a escola e seus profissionais deixem de lado a ideia ingênua de pretender que
“todos sejam iguais, assumindo as diferenças etárias, emocionais e intelectuais de
seus alunos, além de aprender a conviver com elas” (ANTUNES, 1999, p. 91).
Assim, é preciso pensar em estratégias para que se possa lidar com as diferentes
faixas etárias, levando em conta que os docentes devem fazer uso de seus
conhecimentos acadêmicos e profissionais e, também, da paciência, da tolerância e
da serenidade para que seja possível redimensionar a questão central, que está na
organização do trabalho coletivo em sala de aula. De fato, o professor precisa ser o
“mediador” da disciplina, atuando como um parceiro mais experiente nos processos
de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. Portanto,
podemos dizer que o objetivo é conseguir o autogoverno dos sujeitos participantes do processo educativo, e dessa forma as necessárias condições para o trabalho coletivo em sala de aula (e na escola), onde haja o desenvolvimento da autonomia e da solidariedade, ou seja, as condições para uma aprendizagem significativa, crítica, criativa e duradoura (VASCONCELLOS, 2004, p. 49).
Nesse contexto, entendendo a disciplina como conceito e procedimento a
ser aprendido, é que consideramos o uso dos jogos educativos como um dos
mediadores na realização do trabalho coletivo. Tais aspectos podem ser
relacionados com falas dos docentes da pesquisa:
“(uso jogos) para auxiliar no processo de aprendizagem e (na)disciplina.” (Professor de 1º Ciclo)
“Os jogos auxiliam no momento em que precisamos “acalmar” a turma.” (Professor de 1º Ciclo)
“(uma vantagem no uso de jogos é a) disciplina” (Professor de Ambos os Ciclos)
Quando se faz a opção por utilizar jogos no ambiente escolar (BRASIL,
2014b), é preciso compreender que haverá certa agitação, principalmente pelo fato
de estarmos lidando com crianças. Smole et al. (2007) fazem uso do termo “barulho
produtivo” (conversas, risadas, pequenas divergências, gritos eufóricos), bastante
pertinente, pois o barulho é inerente ao ato de jogar (e também, podemos dizer, em
qualquer situação de trabalho coletivo). Contudo, os autores mencionam algo que
serve para nortear a ação do professor: a possibilidade de discutir os combinados
com os alunos, tratando da organização da situação, do barulho exagerado e da
definição de como o trabalho será conduzido. Destaca que:
160
A diferença é que, no caso do jogo, a conversa será em torno das jogadas, da vibração por uma boa decisão ou mesmo pela vitória e sobre o conhecimento que se desenvolve enquanto eles jogam. [...] esse é um barulho produtivo, uma vez que favorece as aprendizagens esperadas e a maior interação entre eles. [...] jogar sem barulho é impossível, pois um jogo silencioso perderia o brilho da intensidade e do envolvimento dos jogadores (SMOLE et al., 2007, p. 19).
Identificamos, também, nas falas dos pesquisados, referências acerca da
dificuldade em articular os tempos pedagógicos (das diferentes aprendizagens e de
ensino/exigências curriculares) e os tempos escolares (tempo de aula/ano
letivo/demandas institucionais):
“(uso pouco os jogos) por conta de trabalhar muitos conteúdos para cada trimestre [letivo], sobra pouco tempo para os jogos.” (Professor de 1º Ciclo)
“(uso pouco os jogos, porque) os componentes curriculares para o 5º Ano, são muito extensos e os jogos demandam muito tempo.” (Professor de 2º Ciclo)
“(uso pouco os jogos) devido à grande demanda de projetos e diretrizes (curriculares) a serem cumpridas.” (Professor de 2º Ciclo)
Além disso, a opção por estratégias de ensino (que não a abordada neste
trabalho) é assim explicitada:
“(proponho pouco jogo, porque) geralmente, uso mais os livros didáticos no processo de ensino.” (Professor de 2º Ciclo)
“(faço pouco uso de jogos, porque) prefiro outras atividades, como pesquisas, saídas pedagógicas, leitura.” (Professor de 2º Ciclo)
“(faço pouco uso de jogos, porque) na rotina diária, acabo priorizando o trabalho com livros.” (Professor de 1º Ciclo)
Os professores relataram que alguns jogos podem ser mais favoráveis em
determinadas etapas da escolaridade do que em outras (devido à faixa etária),
inclusive no que diz respeito às modalidades de jogos.
“(é melhor usar a estratégia de jogos) no 1º Ciclo [porque] é possível explorar mais, devido ao suporte do PNAIC.” (Professor de 2º Ciclo)
“Como trabalhei com Educação Infantil, utilizei bastante (a estratégia de jogos) para o desenvolvimento da oralidade.” (Professor de 1º Ciclo)
161
“Quando trabalhava com alunos de 1º Ciclo, era muito mais fácil encontrar jogos para o conteúdo desenvolvido.” (Professor de 2º Ciclo)
“(faço pouco uso de jogos, porque) na faixa etária (5º Ano), encontro poucos jogos de cunho pedagógico.” (Professor de 2º Ciclo)
No intuito de avançar em nossa reflexão, optamos por recorrer a alguns
documentos que regem/referenciam a política curricular da educação brasileira. No
texto das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica71 (BRASIL,
2013), encontramos a indicação que a escola de Educação Básica consiste em
espaço de convívio e acolhimento das diferenças, uma instância em que se aprende
a valorizar a cultura da Nação brasileira, a ressignificar e recriar a cultura herdada,
com a reconstrução das identidades culturais e o respeito às diferentes
manifestações encontradas nas diferentes regiões do País. O referido documento
assume, ainda, como fonte dos conhecimentos escolares, as práticas socialmente
construídas, configurando-se como referências nos currículos. Dessa forma, indica
que “toda política curricular é uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma
seleção e produção de saberes; campo conflituoso de produção de cultura”
(BRASIL, 2013, p. 24).
Mello (2014) explica que a temática sobre currículo envolve diferentes
concepções de mundo e de sociedade, principalmente quanto ao que é
conhecimento, sua produção e transmissão, bem como seu papel no
desenvolvimento humano.
A autora localiza três vertentes de teorias, cada qual com uma concepção
diferente acerca de currículo: (i) a primeira defende um currículo centrado no
conhecimento, privilegiando a apropriação do patrimônio científico cultural
acumulado; (ii) a segunda vertente acredita em um currículo centrado no aluno, a ser
constituído do conhecimento reconstruído por ele, a partir de suas próprias
referências culturais e individuais; e (iii) a terceira, já nas últimas décadas do século
XX, surge na tentativa de superar a oposição encontrada nas anteriores. Para essa
terceira concepção, é central o legado científico, cultural e artístico (os
71 As diretrizes curriculares para todas as etapas da Educação Básica tiveram sua atualização efetuada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), entre os anos de 2009 e 2011. Com o objetivo de atualizar a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais de 1996 e os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997, é um texto com orientações gerais para que as escolas, redes e sistemas de ensino elaborem os seus currículos
162
conhecimentos historicamente generalizados), e também o papel emancipatório do
conhecimento, que deve ser “aprendido não como verdade fixa, mas, sim, como o
melhor conhecimento que se construiu [...], até que novas ideias e evidências o
contradigam” (MELLO, 2014, p. 2). É um currículo que deve ser submetido à
problematização, com apropriação sistemática dos conceitos, porém sabendo-se
que é preciso ir além e aplicá-los, reconstruindo-os ao com eles intervir na realidade.
Dessa forma, o centro não é o aluno e nem o conhecimento, mas a aprendizagem e
seus desdobramentos, aquilo que o aluno é capaz de saber e de fazer.
Mello (2014) recupera na história da educação brasileira, que a LDB nº
5.692/71 (a despeito do momento histórico e político do país, à época), foi a primeira
que demarcou concepções e práticas curriculares na Educação Básica e que muitas
delas permanecem como norteadoras até os dias atuais.
Nessa lei, dentre outras medidas, unificou-se a escola (atualmente
chamada de fundamental) em oito anos, diferenciou-se os grupos dos componentes
curriculares em atividades, áreas de estudo e disciplinas72; além de dividir o currículo
em dois segmentos: um núcleo comum e uma parte diversificada (para atender às
peculiaridades locais e às diferenças individuais dos alunos).
Nas décadas seguintes à LDBN de 1971, sob a influência do processo de
redemocratização do Brasil e os avanços nas discussões internacionais, a LDBN de
1996, apesar de ainda manter a divisão curricular com um núcleo comum e uma
parte diversificada, traz em seus artigos 9, 26 e 2773 questões curriculares
72 Logo após a promulgação da LDBN nº 5.692/71, há o parecer 853/71, que introduziu o conceito de “matérias” para designar genericamente o que deveria constar no currículo. As matérias se apresentariam como atividades, áreas de estudos e disciplinas, distribuindo-se nessa ordem ao longo do percurso escolar do aluno. Nos anos iniciais da escolaridade, predominariam as atividades, que requeriam conhecimentos de experiência, mais generalizados; nos anos finais do Ensino Fundamental (antigo 1º Grau), havia a indicação de maior grau de sistematização nas áreas de estudo (as especialidades) que exigiam a articulação de diversos tipos de saber. No “colegial” (atual Ensino Médio), áreas de estudo e atividades são substituídas por disciplinas sistematizadas. Importante ressaltar, que essa forma de distribuição do conhecimento, pretendia uma educação democrática, mas em um país que a repetência e a evasão, excluía os alunos de baixa renda, logo nos anos iniciais. Assim, apenas os economicamente favorecidos teriam acesso a um conhecimento mais rigoroso e sistemático, que supostamente seria aquele organizado em disciplinas (MELLO, 2014).
73 O artigo 9, trata das incumbências da União em relação a Educação; o artigo 26, indica os componentes curriculares obrigatórios: língua portuguesa, matemática, mundo físico e natural, realidade social e política, arte (música, artes visuais, dança, teatro), educação física, educação ambiental, História do Brasil (questões étnicas da formação do povo
163
importantes: termos como competências, habilidades, diretrizes passam a compor o
documento, em consonância com as discussões internacionais; o comprometimento
da União, em colaboração com Estados, Distrito Federal e Município (visto não
termos um sistema unificado de educação), de, colaborativamente, propor um
núcleo comum (o “núcleo duro” do trabalho pedagógico), reforçado pelo uso do
termo “base nacional comum”, a ser complementado nos diferentes sistemas de
ensino, que deu abertura para documentos de orientação curricular, como as
Diretrizes Curriculares Nacionais e os PCNs. Da mesma forma, mais recentemente,
no âmbito do Plano Nacional de Educação, foram implementadas discussões acerca
da regulamentação, com força de lei, de uma base nacional comum, que deverá ser
observada em cada um dos currículos adotados pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios brasileiros.
Considerando essa breve retomada histórica, é possível perceber que, ao
longo das últimas décadas do século XX e início do século XXI, encontramos nas
Diretrizes Curriculares Nacionais e nas indicações dos artigos da LDBN de 1996, as
únicas normas curriculares para a educação no Brasil. Mello (2014) aponta que a
educação brasileira é marcada pela falta de articulação das políticas curriculares no
país, acrescida de muitas questões ideológicas acerca da concepção de currículo,
fatores que geraram certo “imobilismo (na) transposição do currículo para a
prática,[que] vem sendo feita pelo mercado editorial, por meio dos Livros Didáticos”
(MELLO, 2014, p.13). Esse ponto, destacado pela autora, tem reflexos diretos na
concepção de organização curricular dos espaços escolares, principalmente na
sequência dos componentes curriculares ao longo da escolaridade, bem como na
determinação de objetivos a serem alcançados e na escolha de estratégias que os
viabilizem. Não temos a intenção de adotar um discurso contrário aos livros didáticos
(mesmo porque eles oferecem proposições interessantes), mas esse recurso
pedagógico (que, a nosso ver, não deveria ser o único) vem sendo determinante nos
processos de ensino-aprendizagem em nossas escolas de Educação Básica.
O professor, por diversas razões, seja por falta de experiência, por
brasileiro, com ênfase obrigatória para História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena), temas transversais (direitos humanos e prevenção contra a violência etc.); e o artigo 27, complementa o anterior com diretrizes para que sejam abordados conteúdos referentes a: valores fundamentais de cidadania e democracia, orientação para o trabalho, condições de escolaridade dos alunos e apoio às práticas desportivas não formais.
164
insegurança, por sentir-se pressionado a cumprir as prescrições de conteúdos, por
falta de tempo, por falta de apoio e até mesmo por não acreditar nas próprias
possibilidades nem nas de seus alunos, pouco ou nada se autoriza a fazer de
autoral. Com isso, ele dispensa o uso de materiais que diversificariam os processos
de mediação e opta por se manter na “segurança” do livro didático. Nesse mesmo
contexto, também podemos supor que o professor acaba por restringir seu campo
de pesquisa ao aceitar as indicações trazidas pela indústria das editoras e seus
respectivos autores.
Considerando nossa experiência na educação, bem como o foco desse
estudo – o uso de jogos educativos (reiterando que não é nossa intenção firmá-los
como “a melhor estratégia” a ser utilizada nos processos de ensino-aprendizagem) –
queremos esclarecer que, de acordo com as concepções de ensino-aprendizagem
que embasam as produções editoriais, é comum encontrarmos livros didáticos
destinados aos primeiros anos do Ensino Fundamental I (1º, 2º e 3º anos) contendo
propostas voltadas para situações com o uso de jogos. Contudo, nos livros a serem
trabalhados com os alunos mais velhos (4º e 5º anos) essas propostas diminuem
consideravelmente, reforçando a ideia de que os jogos são mais indicados para
determinadas faixas etárias do que para outras.
Essa situação, que podemos identificar como significações constituídas
pelos docentes pesquisados, remetem-nos ao resgate das proposições elencadas
na introdução do presente estudo, quanto ao que se pode alcançar com o trabalho
envolvendo jogos educativos, em diferentes idades. Entendemos que a eficácia
desse instrumento pedagógico decorre da atividade própria da criança, pois as
situações de jogo possibilitam a elaboração de competências, habilidades e
estratégias cognitivas.
Dessa forma, as questões curriculares sofrem diversas determinações,
engendradas pelas práticas pedagógicas dos educadores, pela gestão
administrativa, a organização do espaço físico, a utilização dos equipamentos,
recursos e materiais disponíveis, a gestão dos tempos escolares, dos tempos
pedagógicos de ensino-aprendizagem, bem como do planejamento do trabalho
pedagógico. Por isso, quando falamos no uso da estratégia de jogos educativos
(como, vale ressaltar, a de qualquer outra), é preciso planejamento, clareza de
objetivos, atrelando conhecimentos teóricos e práticos, pois da mesma forma que as
165
situações de jogo podem ser de grande valia no processo de ensino-aprendizagem,
podem também ser pouco interessantes ou irrelevantes. Esse aspecto foi
mencionado pelos professores participantes da pesquisa quando questionados a
respeito de possíveis desvantagens do emprego de jogos educativos e nas
justificativas dadas:
“(não é vantajoso) quando o jogo não tem intenção pedagógica, sendo apenas ‘passatempo’.” (Professor de 2º Ciclo)
“O professor deve estar intermediando as situações dos jogos, senão estiver, não terá como analisar ou conduzir essa situação de ensino-aprendizagem.” (Professor de 1º Ciclo)
“Por ter trabalhado pouco, ainda não domino bem como utilizar (os jogos), de forma que ajude nas aprendizagens dos alunos.” (Professor de 1º Ciclo)
“Tenho o conhecimentos teórico (sobre jogos), mas falta ainda a prática.” (Professor de 1º Ciclo)
Smole et al. (2007) e Fittipaldi (2007) ressaltam a necessidade premente
de se planejar as situações de jogo, sendo que, para isso, o professor necessita
conhecer a estratégia, seus possíveis desdobramentos e potencialidades, para que
ele a utilize de maneira eficaz nas mediações dos processos de ensino-
aprendizagem. Nesse sentido, ressaltamos alguns outros aspectos trazidos pelos
docentes participantes da pesquisa: necessidade da constituição de espaços de
formação voltados para a discussão da teoria e do uso apropriado da referida
estratégia; e o acesso a esses espaços formativos, pois entendem que eles a
tornariam mais conhecida e mais utilizada nas práticas pedagógicas dos docentes.
“Falta capacitação, para (se) adaptar os jogos ao ano/série, com maior frequência.” (Professor de 2º Ciclo)
“[...]falta maior formação, para o uso deste recurso (jogos educativos), como instrumento de aprendizagem.” (Professor de 2º Ciclo)
“Antes do PNAIC, usava pouco (jogo), por não ter tanto domínio.” (Professor de 1º Ciclo)
“Sempre usei (jogos), mas não com a (mesma) intensidade após (ter feito) o PNAIC.” (Professor de 1º Ciclo)
Conforme indicamos na introdução e na revisão bibliográfica do presente
estudo, ao longo das últimas décadas, principalmente após a democratização da
Educação Básica nos anos de 1980, muito se veio estudando e discutindo sobre os
166
jogos educativos e sua aplicabilidade no contexto educacional. Não obstante,
percebemos que ainda se faz necessário estudar e discutir, para que os professores
(em diferentes momentos de seu percurso profissional) possam utilizar tal estratégia
com critério e intencionalidade, dando maior qualidade às mediações dos processos
de ensino-aprendizagem.
Belintane (2002) destaca que muitos dos discursos no campo da
educação abordam dois pontos básicos, de consenso entre os especialistas: o fato
de que a formação inicial é precária, datada e insuficiente, gerando a preocupação,
amplamente generalizada, com os processos de formação contínua. Nesse ponto,
Davis e Aguiar (2010), ao tratarem da atividade docente, destacam que tanto a
formação inicial como a continuada são problemas identificados pelos professores
brasileiros. As duas autoras apontam que muito desse problema decorre da
desarticulação de objetivos por parte das entidades formadoras; da tradição
disciplinar brasileira, que impede que se alcance, no ambiente escolar, ações
integradas e interdisciplinares; das formações nas quais não se articula a teoria com
a prática; dos enfoques conteudistas e pragmáticos das formações continuadas e
em serviço, as quais valorizam “a apropriação de informações e o trabalho com
racionalidade como as únicas formas de alterar posturas e formas de agir” (DAVIS e
AGUIAR, 2010, p. 234).
Belintane (2002), quando trata de formação continuada ou contínua, faz a
seguinte reflexão:
Há algo de revolucionário na expressão formação contínua. Quando tomada de uma forma utópica e livre, ela nos oferece imagens interessantes que permitem entrever uma interação mais profícua entre pesquisa universitária educacional e rede escolar pública. A ideia de continuidade leva-nos inevitavelmente, à ideia de memória coletiva. Se há uma continuidade, ela não deve dizer respeito tão simplesmente à continuidade de estudos de um professor, de uma área, de uma disciplina. O que continua de verdade e possui uma memória pública e coletiva é a escola, a rede escolar e suas histórias, e se quisermos sonhar, sua relação de complementaridade com a rede universitária – locus de origem da formação inicial (BELINTANE, 2002, pp. 182-183, grifo nosso).
Acreditamos que as universidades possam, de fato, estabelecer uma
profícua relação de complementaridade, tanto na formação inicial como na
continuada, ao articular formação e pesquisa na busca de uma real interlocução com
a escola e seus sujeitos. Nesse caminho, a proposta mais recente de formação, no
167
emprego de jogos foi do PNAIC, oferecida pelo Ministério da Educação por meio da
Secretaria de Educação Básica e mencionada neste estudo. Apesar de trazer o foco
para os jogos matemáticos, ela ampliou, nas diversas redes municipais e estaduais
de ensino, os espaços de discussão acerca das possibilidades de trabalho com tal
estratégia nas diversas áreas de conhecimento. Não é nossa intenção analisar os
aspectos da referida formação, contudo, destacaremos alguns pontos que
consideramos desfavoráveis à própria proposta e carecem de revisão: (i) a formação
ter sido direcionada apenas ao grupo de professores atuantes no 1º Ciclo do Ensino
Fundamental; (ii) o formato adotado ter sido o mesmo em todo o país, sem
considerar especificidades regionais e a realidade das diferentes redes de ensino;
(iii) a falta de diálogo entre professores cursistas e IES, mesmo tendo sido
organizada com a formação dos orientadores de estudo74.
Partindo, portanto, das colocações feitas pelos participantes da pesquisa
acerca de pontos dificultadores no uso de jogos educativos, bem como do
conhecimento das possibilidades educativas dessa estratégia, entendemos ser
legítima a necessidade de superar essas questões por meio de ações efetivas na
ressignificação das rotinas escolares, dos tempos pedagógicos e dos espaços de
formação continuada. Considerando que o percurso formativo do aluno não se
restringe apenas a uma sequência de “matérias”, é necessário que inclua nele não
somente os componentes curriculares obrigatórios (previstos na legislação), como
outros, e também novas estratégias de ensino, conforme os projetos particulares de
cada escola. Assim, serão muitas as possibilidades de ampliação da discussão
sobre a escola e seu papel:
[...] quanto à concepção e à organização do espaço curricular e físico, [que] se imbricam e se alargam, por incluir no desenvolvimento curricular ambientes físicos, didático-pedagógicos e equipamentos que não se reduzem às salas de aula [...] Essa ampliação e diversificação dos tempos e espaços curriculares, pressupõe profissionais da
74 A estrutura de formação proposta pelo PNAIC foi a seguinte: em cada estado da federação constavam universidades públicas que, por meio de seus docentes, assumiriam a tutoria de um grupo de redes de ensino. Cada rede de ensino que aderisse ao PNAIC deveria compor uma equipe formada por um coordenador local e um grupo de professores orientadores de estudos, que receberiam a formação (geralmente, a cada trimestre) dada pelos docentes das universidades. Esses professores orientadores de estudos seriam os responsáveis pela formação (geralmente, semanal) junto aos professores cursistas de sua rede de ensino, por um período estimado em 10 meses. O único tipo de comunicação que os cursistas tiveram com a IES tutora se deu por meio das avaliações virtuais, realizadas mensalmente.
168
educação dispostos a reinventar e construir essa escola, numa responsabilidade compartilhada com as demais autoridades encarregadas da gestão dos órgãos do poder público, na busca de parcerias possíveis e necessárias, até porque educar é responsabilidade da família, do Estado e da sociedade (BRASIL, 2013, p, 27, grifo nosso).
Além disso, no tocante à atividade docente, cabe considerar que as
dificuldades revelam-se como elementos mediadores de novas aprendizagens, pois
o ser humano, em seu desenvolvimento histórico, busca novas formas para
satisfazer suas necessidades materiais e psicológicas, organizando-se para tal,nas e
pelas atividades que realiza. Portanto, também é esperado que a atividade
apresente impedimentos e dificuldades que, por sua vez, impulsionarão o sujeito a
construir novos instrumentos que, por sua vez, irão “modificar o meio e (os próprios
seres humanos). Podemos pensar, dessa forma, que as dificuldades vividas na
atividade são constitutivas do próprio desenvolvimento” (ALTENFELDER, 2010, p.
117).
No último núcleo, concluiremos nossa análise intranúcleos, abordando
mais especificamente questões acerca de dois aspectos da atividade docente,
ambos materializados nas falas dos sujeitos: a opção de atuação (ou não) no Ensino
Fundamental I e os pontos fortes de seu trabalho nessa etapa da Educação Básica.
4.4.2.3. NÚCLEO 3
“QUANDO FOI IMPLEMENTADO NA PREFEITURA O ENSINO FUNDAMENTAL, ME INTERESSEI E
GOSTEI, FICANDO ENTÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL [...]” (PROFESSOR DE 1º CICLO)
“GOSTO DE ENSINAR COM JOGOS E INCENTIVÁ-LOS.” (PROFESSOR DE 1º CICLO)
Atividade docente no Ensino Fundamental I e seus pontos fortes
Duas das perguntas do questionário buscavam caracterizar o grupo
pesquisado acerca de aspectos de sua atividade docente. A primeira (número 19)75
questionava os docentes a respeito de sua opção em atuar no Ensino Fundamental I
e pedia justificativa para a resposta afirmativa ou negativa. A nossa intenção, com
essa pergunta, era a de perceber que aspectos eram determinantes na escolha (ou
não) por atuar nessa etapa da Educação Básica e não em outra. A segunda
75 O enunciado da pergunta 19 era: Atuar no Ensino Fundamental I foi uma escolha sua? Sim / Não – Justifique sua resposta.
169
pergunta (número 23)76 solicitava que o professor elencasse três pontos que
considerava fortes em seu trabalho pedagógico. O objetivo era, aqui, duplo: que o
participante da pesquisa tivesse a oportunidade de refletir sobre o “fazer bem” sua
atuação e verificar quantos sujeitos mencionavam o uso da estratégia de jogos
educativos como parte dele.
No decorrer das leituras do material, bem como do processo de análise
para o levantamento de pré-indicadores e indicadores, percebemos que essas duas
perguntas constituíam um núcleo próprio. No item sobre opção por desenvolverem
sua atividade docente por opção (ou não) no Ensino Fundamental I, estavam nele,
por escolha própria, 93,04% dos professores. Isso pode ser explicado por meio de
fatores já mencionados anteriormente, que consideramos como parte dos aspectos
teóricos e práticos da atividade docente (ALTENFELDER, 2010): considerarem ter
um perfil profissional adequado para a docência nessa etapa; a preferência pelo
trabalho com alunos na faixa etária atendida (6 a 10 anos); o desejo de viver
diferentes experiências profissionais, com novos desafios; o interesse pelos
conteúdos desenvolvidos, pelo grau de complexidade que apresentam; a
possibilidade do aprofundamento das discussões quando os alunos são mais velhos;
e o fato dos resultados do aprendizado serem mais palpáveis e passíveis de serem
observados.
“(atuo no ensino fundamental I) devido ao meu perfil(profissional) e por preferência pelas turmas (dos) maiores.” (Professor de 1º Ciclo)
“(fiz opção pelo ensino fundamental I para) atuar com alunos do ensino fundamental para a busca de novas experiências.” (Professor de 2º Ciclo)
“(fiz opção pelo ensino fundamental I) porque gosto do conteúdo a ser ensinado.” (Professor de 2º Ciclo)
“(fiz opção pelo ensino fundamental I pela) possibilidade de discutir assuntos mais abrangentes com o grupo de alunos mais velhos.” (Professor de 2º Ciclo)
“(fiz opção pelo ensino fundamental I) porque sinto que as respostas são imediatas e a intervenção mais eficiente.” (Professor de 2º Ciclo)
76 O enunciado da pergunta 23 era: Mencione três pontos fortes de seu trabalho no Ensino Fundamental I.
170
Além disso, foi possível identificarmos fatores relacionados ao que
podemos chamar de aspectos objetivos do trabalho docente (BASSO, 1998), como:
a carga horária maior do que as oferecidas em outras etapas77, favorecendo
melhores condições salariais e, também, melhores possibilidades no momento da
aposentadoria; o fato de se ter prestado concurso já sabendo das possibilidades de
trabalho que se teria nessa etapa do percurso escolar; a formação (diploma) ter tido
esse foco; as questões relativas à saúde (restrições médicas) e à organização da
vida pessoal.
“(atuo no ensino fundamental I porque a) carga horária é maior que a da Educação Infantil.” (Professor de 1º Ciclo)
“(fiz opção pelo ensino fundamental I porque) minha graduação permite que eu atue em todos os níveis [...]” (Professor de Ambos os Ciclos).
“(fiz opção pelo ensino fundamental I) por necessidade médica”(Professor de 2º Ciclo).
“(fiz opção pelo ensino fundamental I porque) tenho dois períodos e procuro ter uma turma no fundamental e uma turma na [educação] infantil.” (Professor de 2º Ciclo)
No que diz respeito aos sujeitos que indicaram não ter feito opção por
lecionar nessa etapa da Educação Básica (6,96%), tudo indica que isso se deve aos
aspectos objetivos do trabalho docente (BASSO, 1998), tais como: a organização da
rede de ensino em que trabalhavam; a contagem da pontuação que cada professor
acumula, no decorrer de seus anos de trabalho78 nessa rede; a mudança nas
modalidades de atendimento das escolas (como relatado no capítulo sobre método,
a rede de ensino campo atendia apenas educação infantil, porém nas últimas
décadas, passou a atender também o Ensino Fundamental); a determinação de se
77 Na rede de ensino campo da pesquisa, os professores de Ensino Fundamental I têm uma carga horária de 30 horas (25 horas em sala de aula e 5 horas de trabalho pedagógico remunerado no período noturno, gerando acréscimo no salário), enquanto os professores da Educação Infantil têm uma carga de 24 horas (20 horas em sala de aula e 4 horas de trabalho pedagógico remunerado) ou 27 horas (20 horas em sala de aula e 7 horas de trabalho pedagógico remunerado).
78 Os professores acumulam pontos ao longo de sua permanência na rede de ensino, considerando-se desde a formação inicial, pós-graduação, cursos diversos em educação, participação em eventos de educação, tempo de rede e tempo de unidade escolar. Geralmente, os sujeitos com as maiores pontuações têm condições de optar em que etapa/turma/período desejam atuar ao longo de um ano letivo. Contudo, aqueles com menores pontuações, na maioria das vezes, não conseguem tal feito.
171
lecionar em todas as turmas, seja em casos de substituição de docentes, seja
Educação Física, seja em Projetos.
“(atuo no ensino fundamental I) por motivos de pontuação, a escolha caiu no [ensino] fundamental, mas minha preferência é educação infantil.” (Professor de 1º Ciclo)
“Na época do meu ingresso (havia) apenas a educação infantil na rede. Precisei me adequar com o ensino fundamental.” (Professor de 1º Ciclo)
“Em especial prefiro dar aula em creche, educação infantil, mas como na minha área (Educação Física), nas escolas, tenho que pegar todas as turmas, logo, tenho que também dar aula pra o ensino fundamental.” (Professores de Ambos os Ciclos)
Conforme discutido no capítulo teórico do presente estudo, a atividade
docente, assim como toda atividade humana significada, constitui-se de motivos,
expressos por necessidades de diferentes ordens. Referenciados em Altenfelder
(2010), entendemos que os professores da pesquisa, em sua atividade, constituíram
seus registros subjetivos e, objetivamente, mobilizaram ações, bem como buscaram
novas aprendizagens e possibilidades, numa permanente construção, resultando em
suas formas de pensar, sentir e agir. Nesse contexto, buscamos analisar os pré-
indicadores que sinalizavam as significações dos docentes acerca de seu “fazer
bem”.
Como dissemos anteriormente, nossa intenção inicial era perceber
quantos sujeitos indicariam o uso de jogos educativos, ou o trabalho com essa
estratégia, como algo de destaque em sua prática pedagógica. Contudo, vimos a
necessidade de considerar dois outros dados em razão das repostas dadas à
pergunta 2379. O primeiro decorreu da observação da pesquisadora, quando, nos
momentos de coleta e produção de dados nas escolas, teve a oportunidade de
perceber certa dificuldade para responderem à questão. Mesmo não fazendo
nenhuma intervenção direta, a pesquisadora observava como os professores se
comportavam ao responder ao questionário, as conversas e as trocas que
aconteciam entre eles, sempre que surgia alguma dúvida. Assim, ela pode perceber
79 Grande parte das respostas dadas na pergunta 23 eram constituídas por palavras e frases curtas, gerando certa dificuldade em lidarmos com os pré-indicadores. Assim, optamos por listar os pontos fortes citados pelos docentes, colocando-os em ordem alfabética, sem a separação por ciclos, considerando a quantidade de vezes que foi feita a referência ao termo, ao assunto ou algo relacionado.
172
que, em boa parte dos grupos, essa foi a pergunta que mais provocou incertezas.
Foi-lhe possível ouvir os comentários, sobre o sentimento de “estranheza” que a
pergunta lhes causava, as pausas para pensar sobre quais eram os pontos fortes de
seu trabalho no magistério. Foi possível também, identificar os modos como reagiam
à pergunta, pois muitos a pulavam e, depois, após concluírem o questionário,
voltavam a ela; outros, por sua vez, optavam por deixar sem resposta ou, ainda,
mencionavam apenas um único ponto forte; finalmente, alguns solicitavam auxílio de
um colega, como um sujeito que, dirigindo-se ao seu parceiro de ciclo, perguntou: “o
que você acha que eu faço bem como professor?”.
O segundo dado superou nossas hipóteses, pois além de identificamos
nas falas dos sujeitos aspectos mediadores diversos, que revelavam elementos
determinantes da ação de ensinar (com a menção às estratégias utilizadas, à
possibilidade de diversificá-las, ao domínio de conteúdo a ser desenvolvido, às
facilidades de planejar, manejar o grupo de alunos, gerir a sala de aula etc.),vimos
ainda a marcante presença de aspectos “emocionados, afetivos, motivados” (gosto
de..., amor por..., prazerem..., coragem de..., esperança de..., responsabilidade
quanto..., persistência em..., sabedoria em..., busca por..., respeito por..., vontade
de..., força de vontade para..., perseverança em..., criatividade em... etc.).
Para compreender a fala de um sujeito, sem dicotomizar intelecto e afeto,
(crítica de Vygotski à psicologia de sua época), é preciso apreender as significações
que constitui acerca de sua atividade, algo que envolve conjugar aspectos
constitutivos de pensar, do sentir, do atuar, como cita Pasqual (2009):
[...] perguntar pela base afetivo-volitiva torna-se importante, pois diante dos discursos dicotômicos, em que o pensar e sentir tornam-se processos dissociados, há a necessidade de relacionar intelecto e afeto, razão e emoção, homem e natureza, público e privado, na tentativa de romper com os dualismos presentes em nossa sociedade e na ciência psicológica (PASQUAL, 2009, p. 49).
Assim, foi possível considerar que, ao atuar em contextos educacionais,
os professores em sua atividade docente, sofrem solicitações diversas que
abrangem várias dimensões, as quais os constituem, dialeticamente, no processo
objetivação/subjetivação/objetivação, aspectos históricos, sociais, culturais, afetivos,
teóricos, etc. Retomando nossas considerações teóricas acerca da atividade
docente, referenciados por Severino (2012), Soares (2011) e Bernardes (2009), a
173
atividade educativa tem importante papel na formação individual e coletiva dos
sujeitos, de “todos” os sujeitos envolvidos, inclusive o professor. Mediante sua
práxis, atividade criadora e transformadora, o docente opera e age. Como bem
explica Severino (2012, p. 46), “(a práxis) é o movimento que articula dialeticamente
a operação e a reflexão, a teoria e a prática”. Para que a ação humana seja criadora
e transformadora, é preciso que ela seja uma prática intencional, norteada pela
teoria e pela significação que o sujeito lhe dá. Podemos levantar a hipótese de que
os espaços educacionais/pedagógicos para reflexão, formação e aprendizagem
docentes pouco ou nada têm favorecido a discussão sobre a práxis, para que os
sujeitos possam empreender análises realmente produtivas, criadoras e, acima de
tudo, transformadoras de sua atividade docente e de suas significações.
174
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] a apreensão das significações só é possível a partir de uma compreensão dialética das relações parte/todo que constituem a realidade, isto é, a partir de um amplo conjunto de elementos objetivos e subjetivos que a configurem e determinam seu movimento. É essa compreensão, portanto, que implica o uso dos núcleos de significação não de modo reduzido a uma técnica, mas um procedimento que, considerando as mediações histórico-sociais e as contradições que atravessam tanto o sujeito quanto a realidade na qual atua, apresenta possibilidades de alcançar, por meio da análise e da interpretação, o processo de constituição de significações.
Wanda M. J. Aguiar; Julio R. Soares; Virgínia C. Machado, “Núcleos de Significação: uma proposta histórico-dialética e
apreensão das significações”
Para as considerações finais, realizaremos uma análise internúcleos, com
o objetivo de produzir uma discussão articulada dos aspectos tratados nos três
núcleos de significação, sempre à luz de nossas bases teóricas, das produções
acadêmicas e de nossa própria experiência educacional. Procuramos, com isso,
ampliar nossa reflexão, como postulado por Penteado (2013):
[...] expandir a discussão do tema para uma esfera maior, especificamente, a Educação. Dessa maneira, poderemos contribuir para a construção de conhecimento científico e desenvolvimento na área educacional e na sociedade como um todo (PENTEADO, 2013, p. 146).
Cabe destacar que a perspectiva teórica da psicologia sócio-histórica
postula que, para se analisar fenômenos psicológicos humanos, é necessário olhar
para eles considerando o ser humano como sujeito singular, histórico, social e
cultural. A compreensão do mundo interno se dá no entendimento do mundo
externo, pois ambos são aspectos de um mesmo movimento (BOCK, 2007), no qual
o homem (sujeito ativo e produtivo) se constitui nas múltiplas determinações e
mediações sociais; como agente transformador da realidade e ao mesmo tempo,
transformando-se a partir dela. É nessa relação dialética que o sujeito significa sua
atividade, qualificando suas funções psicológicas em nível superior, criando
condições materiais para sua existência, por meio de seu trabalho. A referida escola
da psicologia defende, ainda, os princípios de totalidade e historicidade como
norteadores de qualquer processo de análise. Por isso, só é possível analisarmos o
sujeito partindo desses dois aspectos básicos, levando-se em conta as múltiplas
relações parte/todo: o entendimento do todo requer que se olhe não apenas uma
175
parte qualquer, desarticulada historicamente, ao contrário, é preciso considerar a
parte que melhor expressa e contém as propriedades, as particularidades desse
todo.
Assim, partimos da análise das significações expressas por um grupo de
professores, atuantes no Ensino Fundamental I, em uma rede pública de ensino,
como sujeitos constitutivos e constituídos por uma totalidade social, parte expressiva
de uma totalidade de profissionais docentes, pois sofrem determinações
semelhantes no que tange aos aspectos históricos, sociais, culturais e profissionais.
Essa compreensão contribui, em nosso entender, para compreendermos o
fenômeno pesquisado, seu processo de constituição, seu conteúdo (VYGOSTSKI,
1930/2007). No que diz respeito ao presente trabalho, elegemos a atividade
docente, para nos perguntarmos sobre a escolha dos jogos educativos. Dessa feita,
elencamos, ainda, um objetivo principal, que é o de buscar apreender e
compreender as significações que professores, atuando no Ensino Fundamental I,
constituem quanto à importância dos jogos educativos como estratégia no processo
de ensino-aprendizagem Para tanto, engendramos três núcleos para análise das
significações explicitadas pelos sujeitos da pesquisa ao se referirem ao uso (ou não)
de jogos educativos, bem como os aspectos determinantes que colaboram e/ou
dificultam seu emprego no ambiente escolar, tendo sempre, como componente
mediador, a atividade docente.
Em primeira instância, identificamos que os sujeitos pesquisados não
eram contra o uso da estratégia de jogos e, inclusive, consideravam sua importância
e possibilidades como promissoras, tanto para o ensino como para a aprendizagem.
Se permanecêssemos nesse aspecto apenas, ficaríamos na aparência do fenômeno
(AGUIAR, 2007a, 2007b; BRANDO, 2012). Entretanto, buscamos ir além para
apreender sua essência, tentamos explicitar os movimentos nele envolvidos e
desvelar possíveis comportamentos fossilizados (VYGOTSKI, 1930/2007).
Percebemos que os docentes fazem a opção pelo uso dos jogos
educativos levando em conta sua dimensão lúdica (marcante na origem histórica e
cultural do jogo, um instrumento mediador criado pelo homem), sendo ampliada e
complementada com uma dimensão educativa e pedagógica. Para tanto, os
professores pesquisados referem-se ao trabalho com diferentes conteúdos
escolares, elencando aspectos pertinentes à apropriação de conceitos,
176
procedimentos e atitudes por parte dos alunos, bem como sua propriedade de fazer
avançar o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Entretanto, no
processo de análise, levantamos os seguintes questionamentos: é possível
considerar que há clareza, por parte dos professores, em seus planejamentos, ao
explicitarem e delimitarem, em seus objetivos, os aspectos citados acima? Isso
também se passa quando optam pela estratégia de jogos para alcançar tais
objetivos? Referimo-nos, aqui, ao planejamento enquanto instrumento norteador do
trabalho docente, documento no qual são explicitadas as intenções, conteúdos,
propostas e possíveis ações/operações para organizar o ensino; que se pauta na
coerência do conhecimento do professor a respeito de seus alunos bem como na
possibilidade de promover mudanças, quando necessário for.
Partindo de tais questionamentos, foi possível considerar, tanto pelas
significações analisadas como por nossa experiência, que muito desse movimento é
pouco explicitado e pouco aparece nos instrumentos de planejamento, configurando-
se, para os docentes, mais na ordem das práticas cotidianas e, até mesmo intuitivas.
Apesar de não explicitar, no planejamento e/ou na avaliação, a concepção teórica
que sustenta sua opção, o professor sabe que a situação de jogo faz parte do
universo da infância e pode possibilitar diferentes aprendizagens, razões pelas quais
a utiliza. Acreditamos que, nesse mesmo contexto, em uma relação dialética, há
também a ideia de que o jogo na escola possa representar, basicamente, diversão,
relaxamento, descanso, prazer e que, portanto “serve” a tais propósitos, podendo
ser utilizado nos espaços pedagógicos, em momentos que não se encaixam no
trabalho de ensino-aprendizagem propriamente dito, como bem mencionou um
professor: “os jogos vêm após os afazeres e as lições” (Professor de 2º Ciclo).
Todo esse movimento, que podemos considerar pouco reflexivo e crítico,
contribui para que o jogo seja, de certa maneira, desqualificado, como nos idos do
escolanovismo (guardadas as devidas questões históricas e educacionais, da
época), conforme explica Kishimoto (2003, p. 108): “não passavam do emprego de
material concreto, de forma mais significativa que a metodologia de ensino
verbalista”.
De acordo com tais aspectos, foi possível perceber que as rotinas
escolares, tão marcadas pelo cotidiano (HELLER, 1970/2008), muitas vezes,
dificultam o pensar sobre o fazer, cristalizando práticas, engessando movimentos e
177
fragmentando processos. As dificuldades apontadas pelos sujeitos articulam-se
diretamente ao que se passa na rotina escolar, em razão de sua organização, de
sua gestão e manutenção. Aspectos dessa cotidianidade aparecem materializados
nas falas dos sujeitos da pesquisa, quando explicitam os problemas que se colocam
ao uso de jogos educativos na escola: falta de tempo, muitas demandas, currículo
extenso e tempos escolares apertados, salas numerosas e indisciplina, falta de
material suficiente, falta de apoio humano, escassez de opções de jogos para
determinadas faixas etárias.
Observando com uma “lente de aumento” o que enseja as dificuldades e
rege as rotinas escolares, encontramos aspectos próprios da legislação escolar,
caso da LDBN de 1996, que manteve a divisão curricular composta por uma base
nacional comum ou núcleo comum (formada pelas disciplinas tradicionais, que,
muito frequentemente, recebem destaque no projeto político pedagógico das
escolas) e uma parte diversificada (a ser estipulada pelas redes escolares das
diferentes regiões do país, devendo contemplar as diferentes realidades e
diversidades dos sistemas de ensino brasileiro). Essa parte diversificada, que
também deve constar do projeto político pedagógico das escolas, contudo, é muitas
vezes, desqualificada, perante as disciplinas tradicionais.
Na mesma lei, encontramos a implementação do termo matriz curricular
como a indicação de espaço delimitador, organizador e operacional para a gestão da
escola (tempo e espaço) e do conhecimento pelos diversos sujeitos que “dão vida ao
cotidiano escolar” (BRASIL, 2013). Nesse âmbito, a organização curricular assume
novas abordagens, para além da disciplinaridade, como a pluridisciplinaridade, a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade80. Entretanto, as escolas ainda
encontram entraves, principalmente nas concepções que os professores fazem das
prescrições legais e nas ações a serem tomadas para lidarem adequadamente com
a organização curricular de maneira mais articulada e menos disciplinar. Assim, as
instituições de ensino fazem uso da matriz curricular como se fosse a de grade
80 A pluridisciplinaridade estuda um objeto de uma disciplina pelo ângulo de várias outras ao mesmo tempo. A transdisciplinaridade refere-se ao conhecimento próprio da disciplina, mas está para além dela, situando o conhecimento nas diferentes disciplinas, tanto no espaço, quanto no tempo. A interdisciplinaridade diz respeito a transversalidade do conhecimento constitutivo de diferentes disciplinas, pela mediação da pedagogia de projetos (BRASIL, 2013, p. 28).
178
curricular, referência usada nas LDBs anteriores, além de se aprisionarem em
prescrições meramente conteudistas nas propostas dos livros didáticos, em rotinas
massificadoras e pouco ou nada emancipatórias.
Saviani (2015b) postula que muitas questões acerca do currículo escolar
vêm neutralizando, de certa forma, os efeitos da escola no processo de
democratização social. Isso porque se disseminou que tudo que acontece na escola
é currículo, desvinculando-o da ideia de programa ou elenco de disciplinas. Contudo,
se não se diferencia o que é nuclear e o que é extranuclear, ou curricular e
extracurricular, há uma homogeneização de ambos que abre caminho para todo tipo
de situação, podendo, inclusive, levar à descaracterização do trabalho escolar.
Nesse ponto, podemos mencionar o inchaço das demandas escolares, com
questões que acabam por se inserir na escola, como bem ressaltado por Altenfelder
(2010):
Com efeito, às escolas e aos professores é pedido, cada vez mais, que assumam diferentes projetos e responsabilidades que vão desde aqueles que envolvem, por exemplo, prevenção a doenças; distribuição de benefícios sociais, até questões da própria comunidade e diversas formas de apoio aos alunos e famílias em questões extracurriculares. Também é cada vez mais frequente, que instâncias governamentais e/ou a sociedade civil organizada, promovam campanhas, projetos ou concursos que as escolas aderem [...] (ALTENFELDER, 2010, p. 114).
De maneira alguma queremos dizer que a instituição escolar não deva ter
compromisso social ou envolver-se com campanhas, projetos e movimentos próprios
da sociedade, mas muito do que temos visto é uma avalanche de demandas
chamadas socioeducativas, que são levadas à escola sem que os profissionais, no
coletivo, sejam consultados, preparados e/ou possam discutir se elas são
adequadas ao projeto pedagógico da escola, podendo escolher se cabe (ou não)
acolhê-las. O extracurricular só terá sentido “na medida em que possa enriquecer as
atividades curriculares, isto é, aquelas próprias da escola, não devendo em hipótese
alguma prejudicá-las ou substituí-las” (SAVIANI, 2015b, p. 289).
Além disso, podemos considerar outro aspecto relevante, que é o
aumento do acesso à escola nas últimas décadas, ampliando a diversidade de
alunos e mobilizando o setor público e seus governantes para melhor atender essa
nova clientela, fator que tem sido motivo de constantes problemas estruturais e de
179
financiamento. A ampliação do acesso à escola fez com que os docentes tivessem
que lidar com um número maior de alunos e, consequentemente com uma variedade
de demandas pessoais, sociais, emocionais, familiares, estruturais, de
aprendizagem, sem a devida formação para tanto. Como dissemos anteriormente,
nossa preocupação não é culpabilizar e sim refletira realidade na busca de superar
os entraves que nela impedem a ação educativa.
Dessa forma, entendemos que trabalhar com jogos educativos em turmas
numerosas não é simples, mas de acordo com nossa experiência e com base na
literatura, acreditamos que seja possível. O professor que opta por essa estratégia
precisa considerar alguns aspectos importantes (para antes, durante e após a
situação de jogo), de maneira a exploraras possibilidades dessa estratégia,
colocando-as a serviço da aprendizagem.
Fittipaldi (2007), Smole et al. (2007) e Brasil/PNAIC (2014b) fazem
considerações muito pertinentes para orientar o professor no uso de jogos
educativos, independentemente de a turma ser ou não numerosa. Basicamente, é
fundamental fazer combinados prévios com o grupo-classe sobre como se
organizarão para o jogo (mediação) na situação de aprendizagem; como cuidar do
tempo, para que ele seja adequado à duração do jogo; como jogar o jogo que
utilizará, antecipando-se e prevendo possíveis dificuldades e formas de lidar com
elas. Além disso, ao apresentar o jogo, é preciso fazê-lo coletivamente, permitindo
aos alunos que questionem, explorem, sintam-se motivados para jogá-lo; durante a
situação de jogo, cabe circular pela sala, observando, questionando, verificando as
formas como estão jogando.
Uma consideração importante é não fazer da situação de jogo um evento,
de modo que, ao seu término, deve-se prever um momento de socialização com os
alunos, discutindo e problematizando o que ocorreu durante o jogo. É nesse
momento que o professor poderá fazer retomadas de estratégias, comportamentos,
percepções que teve, e os alunos poderão discutir suas atitudes, suas ideias e
impressões sobre o que aprenderam. É importante ressaltar que se o professor
precisa ter clareza dos desafios a serem enfrentados (pois conhece como ninguém
seus alunos) ele não deve, contudo, deixar-se paralisar por eles. Além disso, os
docentes precisam saber que não é possível observar e intervir em todos os grupos,
em uma mesma situação de jogo. Daí ser necessária a sistematicidade nas
180
observações, planejando e propondo várias situações de jogo ao longo do período
letivo, como uma atividade permanente na rotina da turma.
Nas falas dos sujeitos de pesquisa, pudemos identificar interessantes
possibilidades de superação das dificuldades apontadas quanto à mediação nas
situações de jogo. Uma delas consiste no trabalho coletivo, envolvendo todas as
turmas da escola num único projeto, a ocorrer em dias e horários pré-determinados,
com planejamento e execução compartilhados.
“(o jogo acontece no início do período das aulas) em função do Projeto Pedagógico coletivo, há um combinado na rotina de todas as turmas (acontece simultaneamente).” (Professor de 2º Ciclo)
A outra possibilidade é a de poder contar com um professor de apoio, que
se reveze nas diferentes turmas, em dias e horários acordados com os professores,
de modo a auxiliá-los na mediação dos jogos em sala de aula.
“(o jogo acontece anterior ao horário da merenda porque) temos uma professora de apoio que tem um horário já definido pela secretaria (da escola) e ela vem me ajudar a desenvolver os jogos.” (Professor de 1º Ciclo)
Ambas as formas, por assim dizer, configuram-se como desdobramento
da organização curricular das escolas envolvidas, pois supõem uma forma de
trabalho escolar que articula os recursos materiais e humanos, a favor do ensino e
da aprendizagem. Por esse motivo, abrangem mais do que a seleção de conteúdos
e atividades de aprendizagem, pois consideram ações passíveis de superar ações
que já estão automatizadas, fossilizadas. As Diretrizes Curriculares Nacionais (2013)
mencionam o seguinte:
[...] o avanço da qualidade na educação brasileira depende, fundamentalmente, do compromisso político, dos gestores educacionais das diferentes instâncias da educação, do respeito à diversidade dos estudantes, da competência dos professores e de seu projeto político-pedagógico que contemple uma proposta consistente da organização do trabalho (BRASIL, 2013, pp. 34-35).
O compromisso político-pedagógico precisa ser assumido por todos os
envolvidos no processo educacional, de maneira que a realidade particular da escola
pública e da educação pública supere as tantas desigualdades e dificuldades
vivenciadas (CDES, 2014), evidenciando e multiplicando os avanços e as boas
práticas. Os gestores dos diversos sistemas de ensino, por meio de políticas
181
públicas de efetiva qualidade, deveriam buscar equidade e transformação do cenário
educacional brasileiro, de modo a chegar efetivamente às escolas, mobilizando
todos os sujeitos envolvidos em um movimento compartilhado, crítico, reflexivo,
profissional, social e histórico. Como já mencionamos na análise nuclear,
acreditamos que, por meio de parcerias colaborativas, os sujeitos sejam mais ativos
e produtivos, aptos a romper com tudo o que vai de encontro ao sucesso de sua
escolarização. Para tanto, precisam compreender seu fazer cotidiano, rever suas
concepções e práticas pedagógicas. Penteado (2013) faz uma reflexão que
consideramos pertinente ao que temos tratado:
A questão é saber como formar um coletivo transformador dentro das escolas que estão imersas em suas culturas, muitas vezes distantes e resistentes a qualquer mudança; com professores mergulhados em práticas cristalizadas e imobilizados por inúmeras questões – pessoais e profissionais – que se fazem presente no cotidiano e na prática desses docentes como impeditivos de transformação (PENTEADO, 2013, p. 155).
Acreditamos que será no processo de formação contínua que se poderão
lidar melhor com as significações dos docentes acerca de sua atividade profissional.
No entanto, concordamos que os processos formativos não devem buscar apenas
mudanças cognitivas e práticas (GATTI, 2003), levando em conta, também, a
realidade da escola, o cotidiano do professor, a promoção do pensamento crítico,
que problematize as questões reais da escola, o entendimento de que os
professores são protagonistas da sua própria formação (PENTEADO, 2013). Quanto
a esse aspecto, identificamos nas falas dos participantes da pesquisa, menção
sobre a necessidade de espaços de formação para que tratem do emprego da
estratégia de jogos educativos, viabilizando seu uso pedagógico intencional. De fato,
tais fóruns formativos são importantes e necessários não apenas para a discussão
dessa estratégia especificamente, mas também para o debate sobre tantos outros
meios de mobilizar as possibilidades de se ensinar mais e melhor, de modo a bem
qualificar a atividade docente.
Queremos terminar nossas considerações retomando o que foi discutido
no último núcleo: o fazer pedagógico na visão dos professores envolvidos nesse
estudo. Belintane (2002) destaca que pesquisas realizadas em redes escolares,
abordando as expectativas dos professores sobre a formação contínua, mostram
haver uma demanda reiterada: que tais cursos de formação contribuam para a
182
melhoria da atividade de ensino, levando à resolução dos muitos problemas
concretos que enfrentam no dia a dia. Tal demanda nos faz considerar: essa
expectativa dos professores equivale a um comportamento fossilizado (p. 43) que
precisa ser desvelado e superado? Acreditamos que sim, mas é preciso que se
considerem os anseios dos professores para se alcançar a superação da situação
descrita. Muitas vezes, atraído por processos formativos que oferecem apenas um
“passo a passo”, ou que trazem basicamente materiais que prometem soluções aos
tantos problemas enfrentados em sala de aula, o docente corre o risco de ensinar de
maneira pragmática e pouco reflexiva (SILVA, 2007), deixando de alcançar a práxis,
articulando teoria e prática. Por isso, acreditamos que a superação partirá de
experiências formativas planejadas e organizadas, que contribuam para o real
desenvolvimento profissional docente e
que possibilitem a construção de novos sentidos e significados sobre a atividade, mudanças nas formas de pensar, sentir e agir do professor, assim como da maneira pela qual se relaciona com os alunos, colegas e com os próprios objetos de conhecimento” (ALTENFELDER, 2010, p. 149).
Portanto, ao concluirmos nossas análises e considerações, bem como
nossa pesquisa – ao buscarmos apreender e compreender as significações que
professores, atuando no Ensino Fundamental I, constituem quanto à importância dos
jogos educativos como estratégia no processo de ensino-aprendizagem –
possibilitou destacar muito mais do que saberes práticos acerca de como usam,
porque usam e quando usam, pois, como citam Smole et al. (2007):
se bem aproveitadas, as situações de jogo, todos ganham. Ganha o professor porque tem uma possibilidade de propor formas diferenciadas de os alunos aprenderem, permitindo um maior envolvimento de todos e criando naturalmente uma situação de atendimento à diversidade de aprendizagem, uma vez que cada jogador é que controla seu ritmo, seu tempo de pensar e de aprender. Ganha o aluno porque fica envolvido por uma atividade complexa, que permite a ele, ao mesmo tempo em que constrói noções e conceitos [...], desenvolver muitas outras habilidades que serão úteis para toda a vida [...] (SMOLE et al., 2007, p. 21)
Contudo, ao buscar responder ao objetivo que nos propusemos nesse
estudo, terminamos com várias questões acerca do funcionamento escolar, que
mergulha o pensar, sentir e agir dos docentes em questões cotidianas e os impede
de ter “momentos de suspensão do cotidiano para que[...] possa olhar e pensar
183
sobre sua prática” (PENTEADO, 2013, p. 154), nos espaços pedagógicos.
Reiteramos que, talvez, se isso vier a ocorrer, esse movimento engendre
transformações nas significações dos docentes acerca de sua atividade profissional.
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197
ANEXO 1 – Carta de apresentação para realização da pesquisa
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM
EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
CARTA DE APRESENTAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE PESQUISA
Prezado Gestor Escolar:
A presente pesquisa visa a apreensão de sentidos e significados constituídos por professores
de Ensino Fundamental I – 1º. ao 5º. ano – quanto ao uso de jogos no processo de ensino-
aprendizagem; tendo como campo para a coleta dos dados, a rede pública municipal da qual esta
Unidade Escolar faz parte.
Para tanto, contamos com a participação voluntária dos professores de Ensino Fundamental I
– 1º. ao 5º. Ano – desta escola, por meio do autopreenchimento de um questionário com questões
fechadas e semiabertas, consistindo este no instrumento da pesquisa. As informações serão
coletadas para compor uma dissertação de Mestrado que teve início em agosto de 2014 no programa
de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Claudia Leme Ferreira Davis.
Não há previsão de qualquer risco e/ou despesas pessoais envolvendo a participação na pesquisa,
bem como não há compensação financeira relacionada à mesma. Os nomes dos participantes serão
omitidos das análises e eventuais divulgações desta pesquisa, bem como o nome da Unidade
Escolar a qual estejam vinculados. Da mesma forma, qualquer elemento que minimamente possa vir
a identifica-los, será suprimido ou substituído por códigos, de forma a que se identifique apenas a
questão sob análise.
A qualquer momento da pesquisa a participação poderá ser interrompida a pedido da
Unidade Escolar ou dos participantes, sem que isso venha a lhes causar qualquer ônus. Da mesma
forma, a qualquer momento será possível solicitar informações adicionais a responsável pela
pesquisa, conforme contatos abaixo.
Feitos tais esclarecimentos, comprometo-me, como pesquisadora principal, a utilizar os dados
e o material coletados somente para esta pesquisa.
___________________________________ _______________________________ Adriana Maria Biaggio Frenham Claudia Leme Ferreira Davis Pesquisadora principal Professora Orientadora da pesquisa Tel. (11) 9... / E-mail (...)
Rua Ministro Godoi, 969 – 4º. Andar – sala 4E07 – Perdizes – São Paulo – Telefone: 55 11
3670.8527 e-mail: [email protected] – www.pucsp.br/pos/ped
200
ANEXO 3 – Tabulação de dados referentes a parte B (perguntas estruturadas, mas que pedem justificativa) do questionário
LEGENDA:
1º. Ano 20 quest.
2º. Ano 26 quest.
3º. Ano 30 quest.
4º. Ano 31 quest.
5º. Ano 27 quest.
Ambos ciclos 24 quest.
N.A. %
24.1.Sim 133 84,18
24.2.Pouco 25 15,82
24.3.Não 0 0
Total 158 100
N.A. %
19.1.Sim 147 93,04
19.2.Não 11 6,96
Total 158 100
24.1. Sim 24.2 Pouco 24.2. Não Total
N.A. % N.A. % N.A. % N.A.
1º. Ciclo 66 49,63 10 40,0 0 0 76
2º. Ciclo 44 33,08 14 56,0 0 0 58
Ambos 23 17,29 1 4,0 0 0 24
Total 133 100 25 100 0 0 158
25.1. Nunca 25.2 Raramente e
25.3. Pouco
25.4. Várias Vezes e
25.5. Sempre
Total
N.A. % N.A. % N.A. % N.A.
1º. Ciclo 0 0 20 35,09 56 55,45 76
2º. Ciclo 0 0 34 59,65 24 23,76 58
Ambos 0 0 3 5,26 21 20,79 24
Total 0 0 57 100 101 100 158
1º. Ciclo do Ensino Fundamental I na rede de ensino pesquisada
76 questionários
2º. Ciclo do Ensino Fundamental I
na rede de ensino pesquisada
58 questionários
24 Quest.
P24 – Conhece a estratégia de jogos?
P25 – Utiliza a estratégia de jogos?
P19 – Atuar no Ensino Fundamental I, foi uma escolha sua? Justifique sua resposta.
201
27.1.
Diariamente 27.2. Semanal 27.3. Quinzenal 27.4. Mensal
Total
N.A. % N.A. % N.A. % N.A. %
1º. Ciclo 6 33,33 48 53,93 11 44,0 11 42,31 76
2º. Ciclo 2 11,11 30 33,71 12 48,0 14 53,85 58
Ambos 10 55,56 11 12,36 2 8,0 1 3,84 24
Total 18 100 89 100 25 100 26 100 158
N.A. %
Total geral 18 11,39 89 56,33 25 15,82 26 16,46 158 100
Semanal
1 vez 2 vezes 3 vezes 4 vezes Total
N.A. % N.A. % N.A. % N.A. % N.A. %
1º. Ciclo 24 54,55 16 50,0 6 54,55 2 100 48 53,93
N.A. %
25.1. Nunca 0 0 0
25.2. Raramente 14 57
36,08 25.3. Pouco 43
25.4. Várias Vezes 69 101
63,92 25.5. Sempre 32
Total 158 100
26.1. Sim 26.2. Não Total
N.A. % N.A. % N.A.
1º. Ciclo 73 47,40 3 75,0 76
2º. Ciclo 58 37,66 0 0 58
Ambos 23 14,94 1 25,0 24
Total 154 100 4 100 158
N.A. %
26.1. Sim 154 97,47
26.2. Não 4 2,53
Total 158 100
26.1. Sim
26.1.1. Pouco 26.1.2. Várias vezes Total
N.A. % N.A. % N.A.
1º. Ciclo 48 66,67 25 30,49 73
2º. Ciclo 21 29,16 37 45,12 58
Ambos 3 4,17 20 24,39 23
Total 72 100 82 100 154
P26 – Utilizou a estratégia de jogos?
P27 – Com que frequência propõe jogos para seus alunos?
202
2º. Ciclo 18 40,91 8 25,0 4 36,36 0 0 30 33,71
Todos 2 4,54 8 25,0 1 9,09 0 0 11 12,36
Total 44 100 32 100 11 100 2 100 89 100
Áreas do
conhecimento
1º. Ciclo
2º. Ciclo
Ambos
Total
% com base no Universo
dos 158 sujeitos
N.A. % N.A. % N.A. % N.A. %
28.1. Alfabetização 63 70,0 21 23,33 6 6,67 90 100 56,96
28.2. Alfab. Matemática
64 65,31 27 27,55 7 7,14 98 100 62,03
28.3. Arte 9 50,0 5 27,78 4 22,22 18 100 11,39
28.4. Ciências 10 52,63 6 31,58 3 15,79 19 100 12,03
28.5. Educação Física
12 36,36 4 12,12 17 51,52 33 100 20,89
28.6. Geografia 9 60,0 5 33,33 1 6,67 15 100 9,49
28.7. História 8 57,14 3 21.43 3 21,43 14 100 8,86
28.8. Informática 32 45,71 31 44,29 7 10,0 70 100 44,30
28.9. Língua Portuguesa
32 52,46 26 42,62 3 4,92 61 100 38,60
28.10. Matemática 36 37,11 51 52,58 10 10,31 97 100 61,39
Períodos da rotina
1º. Ciclo
2º. Ciclo
Ambos
Total
% com base no Universo dos 158 sujeitos
N.A. % N.A. % N.A. % N.A. %
29.1. Início do período das Aulas
22 51,16 13 30,23 8 18,61 43 100 27,22
29.2. Final do período das Aulas
35 44,87 35 44,87 8 10,26 78 100 49,37
29.3. Anterior ao horário de merenda
8 53,33 3 20,0 4 26,67 15 100 9,49
29.4. Após ao horário de merenda
14 43,75 12 37.5 6 18,75 32 100 20,25
29.5. No desenvolvimento de conteúdos
55 47,83 40 34,78 20 17,39 115 100 72,78
Indicações feitas pelos sujeitos 1º. Ciclo 2º. Ciclo Ambos Total
Alfabetização e Linguagem (jogos de) 84 37 12 133
Bingo 41 19 1 61
Boliche 4 3 0 7
Comerciais (jogos) 10 18 0 28
Competitivos (jogos) 1 5 9 15
Cooperativos (jogos) 3 7 8 18
Corporais e motores (jogos) 6 8 12 26
De mesa 67 29 7 103
Desafios, Oposição, Invasão (jogos de) 0 0 5 5
P28 – Em qual (is) área (s) do conhecimento, propõe jogos para seusalunos?
P29 – Dentre os momentos que compõem a rotina, assinale os 02 (dois) principais, nos quais utiliza a estratégia de jogos com seus alunos.
P31 – Quais os tipos de jogos que propõe aos seus alunos?
203
Desportivos e pré-desportivos (jogos) 0 0 8 8
Estafetas 0 0 3 3
Estratégicos (jogos) 6 4 3 13
Informatizados (jogos) 6 9 0 15
Matemáticos (jogos) 39 37 5 81
Montar/encaixe/construção (jogos de) 9 0 0 9
Pega varetas 5 5 0 10
Percurso/Trilha (jogos de) 13 16 2 31
Quizz – perguntas e respostas 0 4 0 4
Raciocínio lógico (jogos de) 17 16 3 36
Simbólicos (jogos) 2 0 3 5
Stop 5 2 0 7
Tabuleiro (jogos de) 22 33 10 65
Tradicionais da infância (jogos) 13 6 10 29
1º. Ciclo 2º. Ciclo Ambos Total
N.A. % N.A. % N.A. % N.A. %
33.1.Não 62 81,58 52 89,66 20 83,33 134 84,81
33.2.Sim 14 18,42 6 10,34 4 16,67 24 15,19
Total 76 100 58 100 24 100 158 100
1º. Ciclo
2º. Ciclo
Ambos
Total
N.A. % com base no Universo dos 158 sujeitos
32.1. Antecipação de ações 44 34 14 92 58,23
32.2. Aprender a ouvir o outro
48 31 12 91 57,59
32.3. Atenção no que faz 53 35 11 99 62,66
32.4. Cooperação 54 43 17 114 72,15
32.5. Coordenação de ideias 50 43 16 109 68,99
32.6. Expansão da imaginação
27 29 9 65 41,14
32.7. Respeitar o outro 36 30 13 79 50,00
32.8. Respeitar regras 62 49 20 131 82,91
32.9. Saber esperar a sua vez
47 33 12 92 58,23
32.10. Outros * 2 1 1 4 2,53 * Concentração Valores
* Argumentação
* Esquema corporal
P32 – Sem mencionar a aprendizagem dos conteúdos escolares propriamente ditos, que outras aprendizagens o uso de jogos permite aos alunos? Analise as
alternativas a seguir e assinale 5 (cinco). Se necessário,acrescente outras.
P33 – Pensando na sua experiência profissional de ensino (Educação Básica), nas diferentes etapas/modalidades, identifica aspectos desfavoráveis no uso da
estratégia de jogos no processo de ensino-aprendizagem?
204
ANEXO 4 – Articulação de Pré-Indicadores (falas) e produção de Indicadores
Pré- indicadores Indicadores
Durante o processo de alfabetização, de leitura escrita e de matemática (...)
Os jogos auxiliam bastante na alfabetização e na aprendizagem de cálculos.
Durante a semana, realizo pelo menos três jogos de alfabetização ou de matemática.
(...) utilizo ao menos três vezes por semana, pois estou alfabetizando e ajuda muito (...)
Porque acredito que com jogos, principalmente no período de alfabetização, o trabalho se torna muito mais produtivo, com resultados e avanços visíveis.
Gosto muito do trabalho com jogos de alfabetização e jogos matemáticos.
A criança (...) precisa do concreto para se alfabetizar e com os jogos, ela aprende de maneira divertida.
[na] Informática com jogos de alfabetização.
[...] uso jogos de alfabetização e matemática, e outros.
Principalmente jogos matemáticos, os alunos aprendem com mais facilidade.
Gosto muito de jogos matemáticos (...)
Como auxiliar no desenvolvimento matemático.
[uso] Tanto para alfabetizar, como para produzir texto e é importante na matemática.
(...) auxiliam nas atividades lógico-matemática.
Na alfabetização, na construção da escrita e na matemática.
Estava lecionando para uma turma de alfabetização e por isso, incluía jogos mais vezes em minha rotina diária.
Quando trabalhei com 1º. Ano – alfabetização – conseguia fazer com que a aula fosse bem lúdica.
(1) Jogo como facilitador no processo de alfabetização na matemática
Os jogos possibilitam uma melhor aprendizagem.
Os jogos são utilizados com diferentes objetivos, pelo fato de acreditar que o uso de jogos contribui para o aprendizado.
Os jogos contribuem para que o aprendizado seja realizado de forma prazerosa (...)
(...) estou pesquisando jogos, por perceber que facilita o desenvolvimento do alunado no processo de ensino-aprendizagem.”
Acredito que os jogos (e tenho, nitidamente percebido nas crianças) proporcionam momentos de real aprendizagem significativa, ampliando o universo do saber (...)
Creio que através dos jogo, o aluno aprende com mais facilidade.
O jogo facilita e deixa a aprendizagem mais significativa.
Com jogos, os alunos tem acesso ao concreto, o que facilita a aprendizagem.
Sempre que o conteúdo trabalhado permita sua ampliação e novos desafios para as crianças.
Na Educação Física essa estratégia [dos jogos] é parte fundamental no processo de aprendizagem.
Acredito muito em jogos. Como tenho essa estratégia, vejo resultados positivos (...)
(...) também em algumas matérias nas quais os alunos tem maior dificuldade.
Alunos com dificuldades avançam em seus saberes.
(2) Jogo contribui para a aprendizagem e superação de dificuldades
205
Conseguir motivar os alunos que possuem dificuldade.
Aumenta a confiança, autoestima e aprendizado.
Para ampliar os conhecimentos com a prática.
Para organização e retenção de saberes.
Para desenvolver diversas competências, [...] a concentração, a criatividade, a coletividade (...)
Sabendo da importância e das habilidades as quais são desenvolvidas.
Habilidade de tomar decisões e resolver problemas.
Considero uma estratégia fundamental para o desenvolvimento global dos alunos.
(...) adequando o jogo às necessidades de cada aluno. Muitas vezes selecionando diferentes jogos com diferentes estratégias.
Os jogos auxiliam ainda mais os alunos com dificuldades.
Sempre acreditei no uso de jogos em sala de aula (...) para atingir os diferentes alunos em seus diversos níveis de aprendizagem (...)
(...) mediante dificuldades observadas.
(...) somente para conteúdo que as crianças apresentam muita dificuldade, pois o jogo é um facilitador.
(...) Os jogos são apoio pedagógico positivo no auxílio dos alunos com dificuldade de aprendizagem.
(...) se percebo uma dificuldade maior na atividade, apresento os jogos onde eles tem maior facilidade.
Facilita o desenvolvimento cognitivo do aluno.
Através dos jogos, o interesse dos alunos permite facilmente a concentração dos mesmos.
Desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas.
Desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor.
Atenção e concentração.
Propicia a ampliação da memória.
Amplia a criatividade.
Uso de procedimentos.
Os jogos são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, social e para o aprofundamento de conceitos educativos.
(...) assimilar o conteúdo, ou reforçar, se divertir, depende do objetivo a ser focado.
Nos momentos em que julguei necessário à necessidade dos alunos se apropriarem do conteúdo (...)
Dependendo dos conteúdos que são trabalhados e das necessidades do grupo.
Alguns conteúdos são facilmente aprendidos com os jogos (...)
Os jogos estão mais relacionados a conteúdos trabalhados (...)
Dependendo do jogo, podemos ter o foco interdisciplinar.
Utilizo como estratégia para desenvolver diversas competências e conteúdo.
Com os jogos, as crianças fixam com muito mais facilidade o conteúdo.
Procuro, sempre que posso, ‘juntar’ os conteúdos a serem trabalhados, com jogos que ‘trabalhem’ esses saberes.
[uso] quando percebo que o jogo vai proporcionar interesse e avanço no conteúdo.
(...) como disparador para um conteúdo novo.
[uso] na transmissão de conhecimentos.
Inúmeros conteúdos de Educação Física envolvem jogos.
(3) Jogo em prol de conteúdos escolares
206
Durante as aulas de Educação Física o jogo é constante como formação e desenvolvimento corporal, e, ainda, como estratégia para transmitir conteúdo da cultura corporal.
Para reforçar conteúdos, apresentar conteúdos, avaliar.
Utilizo jogos em situações mais específicas com o objetivo de iniciar um tema ou assunto trabalhado, ou reforçá-lo (...)
Para reforçar conteúdos, apresentar conteúdos, avaliar.
É uma maneira mais prazerosa de aprender conteúdos mais difíceis.
Momento para conhecer e trabalhar as emoções.
Vencer e perder – muito difícil saber se portar nestas situações.
Trabalha valores.
Competividade dos participantes.
Englobar atitudes e valores no processo.
Superação emocional – perder e ganhar.
Aprendizado de medos e frustrações.
Desenvolvimento atitudinal, moral e ético.
Englobar atitudes e valores no processo.
Nos jogos competitivos, com as devidas intervenções, prepara os alunos para a vida adulta.
Competitividade – sempre alguém perde.
Se não houver cautela, a competição rouba o brilho do aprendizado.
Para mostrar aos alunos que não há jogos só para brincar, que podemos montar jogos para, praticamente, todos os conteúdos.
(...) quando percebo que consigo deixar a aula e o conteúdo atraentes.
Quando acaba-se o trabalho com o conteúdo formal, utilizo os jogos para fixação e aprendizagem, de conteúdo.
O jogo auxilia no raciocínio lógico, a criança utiliza as estratégias para jogar.
O jogo permite a troca, a busca de novas estratégias.
(...) possibilitando a troca de saberes, bem como a percepção de estratégias diversas.
As crianças tem que pensar e arranjar estratégias.
Utilizo jogos, em especial [para o] raciocínio lógico.
Raciocínio lógico, arrisca mais, levanta hipóteses.
Antecipação de ações – melhora o raciocínio e autonomia.
Desafia o aluno.
É um meio de ampliar e socializar estratégias.
(4) Jogo para desenvolver o raciocínio e o pensamento estratégico
Gosto muito dos jogos, pois “brincando”, tudo fica mais divertido e acontece naturalmente.
(...) Uma forma de aprender brincando, o que é muito bem-vindo, principalmente, nessa faixa etária.
A estratégia de jogos é a forma lúdica para que a criança se aproprie do conhecimento, que as vezes transmitido de forma maçante em sala de aula, não obtém-se avanço.
(...) se apropriarem do conteúdo, de maneira lúdica, elaborando suas hipóteses e encontrando diferentes formas de associar seu conhecimento.
Sempre apreciei mesclar tarefas acadêmicas com jogos e brincadeiras.
(...) é uma maneira lúdica de propiciar aprendizagem de qualidade.
Os jogos, por serem lúdicos, vão ao encontro das necessidades das crianças (idade).
(5) Jogo como elemento lúdico no processo de ensino-aprendizagem: “aprender brincando”
207
Utilizo jogos porque trabalho sempre com crianças do 1º. e 2º. Anos (lúdico).
Acredito que através dos jogos, os alunos aprendem de forma lúdica (...)
Para facilitar a apreensão de novos conhecimentos de maneira lúdica.
(...) através dos jogos a criança aprende de maneira descontraída, alegre. Ela se sente muito bem. Aprende brincando.
Com o intuito da ludicidade, sem outros objetivos.
Usava mais como lúdico, não no processo de ensino-aprendizagem.
Gosto muito do uso de jogos para a aprendizagem dos alunos, uma maneira lúdica que favorece o raciocínio lógico dos alunos.
Forma lúdica de concretizar a aprendizagem.
(...) acredito no lúdico para ensinar.
As crianças nos dias atuais se interessam melhor pelo conteúdo quando estimulada de maneira lúdica.
Ambiente agradável, mais feliz.
Geralmente, com o objetivo de diversão, prazer.
Construção do conhecimento na ludicidade (com intervenção do professor).
O jogo faz parte da infância e as crianças são envolvidas a participarem.
Os jogos possibilitam, no desenvolvimento das ações pedagógicas cotidianas, um aprendizado prazeroso e interativo.
(...) aula é melhor aproveitada quando o conteúdo é lúdico.
Nos últimos minutos do dia, conseguimos “aproveitar” esse tempo com jogos e brincadeiras.
(...) Para distrair e relaxar um pouco.
(...) são dados por um momento de lazer, compartilhar as experiências e saberes do grupo.
Por acreditar que é uma estratégia em que os alunos interagem um com o outro.
(...) e os aspectos sócio cognitivos também podem ser explorados.
O trabalho com jogos se faz necessário para o grupo, traz muito ensinamento, tanto pedagógico, quanto social.
Em especial para trabalhar regras e combinados, compromisso, interação etc.
(...) aprendem a trabalhar em equipe e trabalhar com autonomia.
Os jogos são desenvolvidos em grupos e isso faz com que as crianças socializem seus conhecimentos.
O que tem mais facilidade ajuda o amigo.
Resolução de problemas em parceria.
Oportuniza os que tem dificuldades a se colocarem no grupo.
(...) os jogos [...] colaborarem com outras vertentes, como a solidariedade e a consciência crítica.
São estratégias que auxiliam no desenvolvimento dos alunos, interiorizando regras, instruções (...)
O momento dos jogos possibilita aos alunos interagirem com os demais em sala.
É uma maneira de ensinar regras, objetivos e comprometimento.
A criança respeita mais as regras e os combinados.
(6) Jogo favorece a socialização e o trabalho com regras: preparando para a vida
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Cooperativo, o jogo traz o sentido de inclusão de todos e colaboração.
Discutem regras.
Promove autonomia e obediência as regras do jogo.
Aceitação de ideias contrárias e regras estabelecidas.
Ensaio do real (vivência social).
Através dos jogos, a criança compreende melhor e interage com os outros colegas, onde se tiram as dúvidas.
(...) enquanto observo e vou adequando à minha prática.
Sempre acreditei no uso de jogos em sala de aula, tanto para qualificar meu trabalho,
Fazem parte da minha prática.
Os jogos nos auxiliam [professores], como estratégia de aprendizagem.
Importante recurso (estratégia) que auxilia o professor.
Grande aliado do professor para se atingir os objetivos propostos.
Acredito que o trabalho com jogos aprimora o meu trabalho e enriquece o meu planejamento, possibilitando o processo de ensino-aprendizagem.
(...) analiso se será uma boa estratégia para aquela atividade/grupo.
Faço grandes observações nesses momentos, sendo que não preciso causar tensão nos alunos.
Para avaliação do comportamento individual e/ou em grupo dos alunos.
(...) Eles pensam que estão brincando [...] e eu sondando o aprendizado.
(7) Jogo como aliado do trabalho docente
Na educação infantil, o uso de jogo é frequente e foi a área em que mais atuei.
Utilizo jogos tanto no ensino fundamental, como na educação infantil, pois tenho visto resultados positivos.
Com todas as faixas etárias é possível trabalhar com jogos, dando ênfase no que precisa ser trabalhado, desenvolvido.
Como trabalhei em educação infantil, utilizei bastante para o desenvolvimento da oralidade.
[uso] principalmente, com o 1º Ciclo.
[usei] Quando dava aula para o 3º. Ano.
(...) No primeiro ciclo é possível explorar mais devido ao suporte do PNAIC.
Quando atuei no 1º. Ano, utilizei bastante os jogos de alfabetização e outros.
Quando trabalhava com alunos de 1º. Ciclo era muito mais fácil encontrar jogos para o conteúdo desenvolvido.
(...) na faixa etária (5º. Ano) encontro poucos jogos de cunho pedagógico.
Ao trabalhar com séries iniciais fazia uso de jogos, com objetivo voltado à alfabetização e raciocínio.
(8) Jogo e escolaridade: há etapas mais favoráveis?
Nesse ano, senti dificuldade, [...] foi muito desgastante. Tinham dificuldade deorganização.
A sala de aula é muito numerosa e para trabalhar com jogos de maneira adequada é necessário tempo e atendimento individual.
O excessivo número de alunos dificulta a mediação da atividade.
Falta estrutura para atender a todos.
O que dificulta [...] é o espaço e a quantidade de alunos em sala de aula (dificulta, mas não impede).
(9) Jogo e fatores estruturais que dificultam o uso
209
Número excessivo de alunos na sala e material insuficiente.
(...) não tinha jogos suficientes (...)
(...) dificuldade em confeccioná-los [os jogos] e por ter poucos [para os alunos].
Sempre é preciso ‘adaptar’ algumas situações.
Falta de tempo de preparação (organização para jogar e depois para guardar o jogo), jogos faltando peças/incompletos (demandam conferência anterior a aula).
Na escola tem poucos jogos (...)
Quantidade pequena do mesmo jogo (...)
Quando o material (jogo) não está na sala de aula (...)
(...) a disposição dos jogos na escola.
Falta de espaço escolar favorável.
(...) Fica difícil sozinha, articular aulas com jogos que contemplem [as] necessidades.
(...) não haver auxiliares para poder coordenar o trabalho com todos os alunos participantes ao mesmo tempo.
[jogos são desfavoráveis quando não] (...) antecipados e adequados para as diferentes necessidades.
[é desfavorável] Somente quando não é direcionado.
[inadequado quando o] Uso [é] sem intencionalidade e acompanhamento.
[inadequado] Quando o jogo não tem intenção pedagógica, sendo apenas ‘passatempo’.
Dá mais trabalho e é preciso escolher os jogos corretos.
Se o professor não conseguir mediar os grupos, não conseguirá atingir os objetivos propostos.
[o professor pode ter] Dificuldade para mediar os grupos.
O professor deve estar intermediando as situações dos jogos, senão estiver, não terá como analisar ou conduzir essa situação de ensino-aprendizagem.
(10) Jogos e a atuação do professor: pode ser um elemento dificultador ou um elemento mediador?
Devido ao mau comportamento e indisciplina da turma, a possibilidade de trabalhar com jogos é prejudicada.
(...) trabalho com uma turma muito agitada e tem problemas de disciplina.
[uso adequado] com uma turma reduzida e com melhor disciplina.
Mais apropriados [os jogos] para turmas reduzidas, causa muita agitação nos alunos.
Há turmas que conseguimos trabalha mais eficaz com essa rotina de jogos e com outras não (turmas mais agitadas é complicado).
(...) para auxiliar no processo de aprendizagem e disciplina.
(...) euforia na sala de aula e [dificuldade de] controle posterior.
[uma vantagem do uso de jogos é a] Disciplina.
Os jogos auxiliam no momento em que precisamos “acalmar” a turma.
[no final do período de aulas] pois, após os jogos, os alunos sempre ficam ou tendem a ficar falantes.(...)
[no final do período de aulas] devido à agitação que a turma apresenta, quando se trata de jogos.
[no início do período de aulas] porque os alunos estão mais calmos, tranquilos.
[no início do período de aulas] as crianças estão mais calmas e o professor tem como organizar a sala antes do período.
(11) Jogo está relacionado com indisciplina ou disciplina?
210
(...) na rotina diária acabo priorizando o trabalho com livros.
[apenas] quando sugerido em algum material didático.
Trabalho com livro didático.
Geralmente uso mais os livros didáticos no processo de ensino.
Com essa turma, preferi investir [na] argumentação. Conheço-os desde o 1º. Ano e sei que [tal habilidade] faltava para eles (...)
Acredito que o uso constante dos mesmos jogos, não é tão produtivo.
Prefiro outras atividades, como pesquisas, saídas pedagógicas, leitura.
Quase não uso jogos, quando uso, deixo livre.
(12) Jogo x outras estratégias
Por conta de trabalhar muitos conteúdos para cada trimestre, sobra pouco tempo para os jogos (...)
Por falta de tempo, usava os que eu mesma construí (...)
(...) dentro da rotina que absorve o tempo com outros interesses e deixa [o professor] de aproveitar esse excelente recurso [o jogo].
(...) as atividades do ciclo II não deixam tempo maior para aplicação [dos jogos].
Devido à grande demanda de projetos e diretrizes a serem cumpridas.
(...) para mim, ainda é um desafio e acabo usando pouco – considerando o trabalho com o 4º. ano.
No ciclo II não faz parte da proposta diária.
Por conta de todas as demandas do 5º. Ano, não consigo planejar e aplicar atividades com jogos tanto quanto gostaria.
(...) os componentes curriculares para o 5º. Ano são muito extensos e os jogos demandam muito tempo.
No 5º. Ano, a quantidade de conteúdo é grande [...], assim a rotina é bastante intensa.
Conteúdo pesado, alunos que apresentam muita dificuldade de aprendizagem e defasagem em diferentes áreas do conhecimento (...)
Falta de tempo para planejar as atividades com jogos.
A rotina escolar está muito corrida e a demanda é extensa.
O tempo não favorável à elaboração (...)
[no final do período de aulas] Quando resta algum tempo, então jogamos.
[no final do período de aulas] os jogos vem após os afazeres e lições.
É vantajoso trabalhar jogos no início do período, desde que esteja planejado.
[antes da merenda] temos uma professora de apoio que tem horário definido pela secretaria [da escola] e ela vem me ajudar a desenvolver os jogos.
Propor jogos demanda certo tempo e interromper, frustra.
(...) através do projeto da Unidade Escolar.
Os jogos tem sido utilizados no Projeto de Jogos semanalmente.
(...) só trabalhei com as crianças de inclusão.
Horário escolhido para conciliar com outras professoras.
(13) Jogo e currículo: como articular os tempos pedagógicos e escolares?
Não me apropriei dessa estratégia.
Por não conhecer bem como utilizá-los [os jogos].
Falta segurança [no uso] da estratégia [com jogos].
Falta de prática.
Tenho conhecimento teórico, mas falta a prática.
211
Por ter trabalhado pouco, ainda não domino bem como utilizá-los de forma que ajude nas aprendizagens dos alunos.
Sem muito conhecimento sobre o assunto.
Talvez por falta de experiência, acabo me prendendo no conteúdo dos livros e me atrapalho na administração do tempo para complementar com jogos (...)
(...) por estar a pouco tempo na área, trabalhando com ensino fundamental I.
Não tenho muita experiência no ensino fundamental.
Tenho pouco tempo de magistério, estou estudando para melhorar meus conhecimentos.
Iniciei há pouco tempo nesta profissão e estou me apropriando de muitos conhecimentos.
Pelo tempo que estou na rede, tive pouco acesso ainda.
Não conheço muita variedade de jogos que atenda a necessidade de aprendizagem dos meus alunos.
Falta de tempo e experiência.
(...) domino mais os jogos para educação infantil.
Tenho dificuldades de desenvolver jogos com o grupo pelo fato de não dominar, principalmente a matemática (...)
(14) Jogo – precisa saber usar!
(...) falta maior formação para o uso deste recurso como instrumento de aprendizagem.
Pouca oportunidade de formação nesse assunto. Utilizo mais e conheço de boca a boca ou pequenas trocas com os colegas.
(...) as propostas positivas são limitadas, com pouca formação para o docente e divulgação.
Falta capacitação para adaptar os jogos ao ano/série com maior frequência.
Faço PNAIC há 3 anos e os jogos se transformaram na principal estratégia de meu trabalho.
Sempre usei, mas não com a intensidade após fazer o PNAIC.
Com o curso do PNAIC, venho utilizando vários tipos de jogos (...)
Fiz PNAIC em matemática (...)
Antes do PNAIC usava pouco, por não ter tanto domínio e conhecimento.
Fiz PNAIC – alfabetização matemática.
(15) Jogo e a necessidade de formação
Tenho perfil para o trabalho com o fundamental.
Faixa etária adequada ao meu perfil profissional.
Devido ao meu perfil e por preferência pelas turmas maiores.
Senti a necessidade de desafios novos.
Atuar com alunos do ensino fundamental para a busca de novas experiências.
Ao longo deste anos, já atuei em todas as faixas etárias, acredito que conhecer todas etapas enriquece o trabalho.
Por ter trabalhado muito tempo na educação infantil, senti a necessidade de conhecer o fundamental.
Gosto da faixa etária devido à independência para a realização de determinadas tarefas.
Todas as idades são idades boas para se trabalhar, todos tem seu grau de dificuldade e de prazer.
Gosto de observar o avanço das crianças e consigo perceber isso com os maiores, de uma maneira mais clara do que na [educação] infantil.
Gosto de nortear no aprendizado e ver o resultado, muito
(16) Atuação docente no Ensino Fundamental: algumas razões.
212
bom ver e participar da construção de conhecimento.
Porque sinto que as respostas são imediatas e a intervenção mais eficiente.
Gosto de desenvolver conteúdos.
Porque gosto do conteúdo a ser ensinado.
Possibilidade de discutir assuntos mais abrangentes com o grupo de alunos mais velhos.
Quando foi implementado na prefeitura, o ensino fundamental, me interessei e gostei, ficando então no ensino fundamental (...).
Por gostar de trabalhar com alfabetização.
Carga horária é maior que a da [educação] infantil.
Pelo fato de serem os últimos 5 anos para aposentadoria.
Salário x gosto x preferência.
Conforme o diploma.
Minha graduação permite que eu atue em todos os níveis (...)
Pois o concurso previa trabalhar com essa faixa etária.
Por necessidade médica e por gostar muito.
Tenho dois períodos e procuro ter uma turma no fundamental e uma turma na [educação] infantil.
Era meu desejo quando era criança.
Sempre sonhei em ser professora.
Pois no momento da atribuição havia [apenas] vagas no [ensino] fundamental.
(...) acabei de lotar e não tive escolha (...)
Por motivos de pontuação a escolha caiu no [ensino] fundamental, mas minha preferência é educação infantil.
[na época] O concurso prestado foi para educação infantil e atualmente, a rede atua com ensino fundamental.
Na época do meu ingresso [havia] apenas a educação infantil na rede. Precisei me adequar com o ensino fundamental.
[trabalhar com ensino fundamental] Foi proposto pelo departamento educacional.
[trabalho com o ensino fundamental] pois a prefeitura é quem determinou na minha atribuição.
Em especial prefiro dar aula em creche, educação infantil, mas como a minha área (educação física) nas escolas tenho que pegar todas as turmas, logo, tenho que também dar aula para o ensino fundamental.
Trabalho com jogos e brincadeiras.
[...] desenvolvimento de jogos e brincadeiras.
Gosto de ensinar com jogos e incentivá-los.
Trabalhar o lúdico aliado ao processo de alfabetização.
Uso de jogos como construção de conhecimento.
Alfabetização.
Diversidade de conteúdos.
Diversificar estratégias para atender as dificuldades.
Leitura como foco para ampliar a compreensão em todas as áreas.
Produção escrita / oral.
Trabalho visando ganho de habilidades motoras – ampliação de repertório motor.
[...] rodas de conversa e a verbalização, a oralidade.
Matemática e raciocínio-lógico.
Domínio do conteúdo.
Dinâmica, [...] novas técnicas de abordar um tema [...]
Disponibilidade de trazer os conteúdos de forma interessante à classe, para aprender melhor o que vou
(17) Atuação docente no Ensino Fundamental: alguns pontos fortes.
213
ensinar, para ouvir e conversar com as crianças.
Debater atualidades e [desenvolver a] argumentação.
Trabalho com projeto e sequências didáticas.
Compromisso com a educação, com o trabalho proposto, com a aprendizagem.
Organização das metas/objetivos, do planejamento, diário, organização como um todo.
Gestão de sala de aula.
Planejamento levando em conta os saberes dos alunos.
Experiência e preferência pela faixa etária.
Mediador de aprendizagem.
Responsabilidade.
Criatividade.
Dedicação ao trabalho.
Flexibilidade.
Paciência.
Diálogo constante nas relações interpessoais.
Relacionamento com os alunos – interação.
Parceria.
Assiduidade e pontualidade.
Determinação.
Curiosidade.
Afetividade.
Força de vontade.
Busca pessoal por formações.
Postura (estou sempre procurando proporcionar ambiente acolhedor).
Iniciativa para pesquisas mediante necessidades apontadas.
Sempre em busca de apoio pedagógico para aperfeiçoar meu trabalho.
Reflexão sobre a prática pedagógica.
Aplicação das formações do PNAIC.
Amor a profissão.
Coragem.
Gostar do trabalho que faço.
Persistência.
Prazer pelo que faço.
Sabedoria.
Esperança.
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ANEXO 5 – Articulação dos Indicadores e produção dos Núcleos de Significação
Indicadores Núcleos de Significação
(1) Jogo como facilitador na alfabetização e na matemática. (2) Jogo contribui para a aprendizagem e superação de dificuldades. (3) Jogo em prol de conteúdos escolares. (4) Jogo para desenvolver o raciocínio e o pensamento estratégico. (5) Jogo como elemento lúdico no processo de ensino-aprendizagem: “aprender brincando”. (6) Jogo favorece a socialização e o trabalho com regras: preparando para a vida. (7) Jogo como aliado do trabalho docente.
(1) “O JOGO FAZ PARTE DA INFÂNCIA E AS CRIANÇAS
SÃO ENVOLVIDAS A PARTICIPAREM.” “[...] CONSIDERO UMA ESTRATÉGIA
FUNDAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO
GLOBAL DOS ALUNOS.” Jogo e rotina escolar: quando, como e por que, desvendando o movimento.
(8) Jogo e escolaridade: há etapas mais favoráveis? (9) Jogo e fatores estruturais que dificultam o uso. (10) Jogo e a atuação do professor: pode ser um elemento dificultador ou um elemento mediador? (11) Jogo está relacionado com indisciplina ou disciplina? (12) Jogo x outras estratégias. (13) Jogo e currículo: como articular os tempos pedagógicos e escolares? (14) Jogo – precisa saber usar! (15) Jogo e a necessidade de formação.
(2) “TALVEZ POR FALTA DE EXPERIÊNCIA, ACABO ME
PRENDENDO NO CONTEÚDO DOS LIVROS E ME
ATRAPALHO NA ADMINISTRAÇÃO DO TEMPO PARA
COMPLEMENTAR COM JOGOS [...].” Jogo e a rotina escolar: conciliar para superar.
(16) Atuação docente no Ensino Fundamental: algumas razões. (17) Atuação docente no Ensino Fundamental: alguns pontos fortes.
(3) “QUANDO FOI IMPLEMENTADO NA PREFEITURA O
ENSINO FUNDAMENTAL, ME INTERESSEI E
GOSTEI, FICANDO ENTÃO NO ENSINO
FUNDAMENTAL [...]” “GOSTO DE ENSINAR COM JOGOS E INCENTIVÁ-LOS.” Atividade docente no Ensino Fundamental I e seus pontos fortes