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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
VÍTOR LUÍS ARTIOLI KUNDRÁT
A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor
Mestrado em Direito
São Paulo
2015
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
VÍTOR LUÍS ARTIOLI KUNDRÁT
A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direitos Difusos e Coletivos
(Efetividade do Direito), sob a orientação da Profa.
Dra. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.
São Paulo
2015
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
VÍTOR LUÍS ARTIOLI KUNDRÁT
A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direitos Difusos e Coletivos
(Efetividade do Direito), sob a orientação da Profa.
Dra. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.
Aprovado em: _____/____/____
Banca Examinadora
Profa. Dra. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi (Orientadora)
Instituição: PUC-SP Assinatura_______________________
Julgamento: ______________________________________________________
Prof. Dr._________________________________________________________
Instituição: ________________________Assinatura______________________
Julgamento: ______________________________________________________
Prof. Dr._________________________________________________________
Instituição: ________________________Assinatura______________________
Julgamento: ______________________________________________________
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi pela
paciência, orientação, oportunidade de aprendizado constante e, especialmente, por
confiar e incentivar o tema, além de auxiliar no ainda embrionário início das atividades
docentes.
À minha esposa, Larissa, que sempre esteve ao meu lado no desenvolvimento
deste trabalho e durante toda a vigência do curso, cujo apoio foi essencial para superar
os momentos difíceis vividos nesse período.
Aos meus pais, Luís e Aparecida, a meus irmãos, Gustavo e Leonardo, e a meu
padrasto, Rovani, que sempre incentivaram o estudo.
RESUMO
O desenvolvimento da atividade econômica, à vista do tratamento constitucional
atribuído à defesa do consumidor, não ocorre de forma livre e voltada unicamente ao
atendimento dos anseios do fornecedor. A existência de conceitos outros e a necessária
observância a certos deveres impõem a obrigatoriedade de o fornecedor desenvolver
suas atividades conforme os caminhos desenhados pelo ordenamento jurídico,
notadamente pela Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, a conduta, omissiva ou
comissiva, passível de dar ensejo à aplicação de uma penalidade administrativa impõe a
necessidade de o fornecedor ser adequadamente reprimido, respeitado o devido
processo legal. Assim, uma vez que a Constituição Federal de 1988 aproximou o
processo administrativo do judicial, criando um regime jurídico similar decorrente da
cláusula do devido processo legal, sem olvidar sobre o caráter principiológico de
algumas de suas normas e da necessidade de tratamento uniforme do tema em todo o
território nacional, a Lei n°9.784/99, por consistir em verdadeiro Código de Processo
Administrativo, deve ser utilizada para regular o processo administrativo de defesa do
consumidor. Sancionada após onze anos de vigência da Constituição Federal de 1988, a
Lei n°9.784/99 reflete a Reforma Administrativa do Estado, permitindo a
implementação efetiva de um Estado Democrático de Direito na medida em que permite
ao administrado participar da formação do ato administrativo sancionador. Não
obstante, a Lei n°9.784/99, em decorrência da possibilidade da implementação da
reformatio in pejus, que nada mais vem a ser do que a possibilidade de agravamento da
situação do recorrente quando do julgamento de seu recurso, configura um importante
instrumento de efetivação e de preservação das normas de proteção do consumidor na
medida em que permite o atendimento dos anseios constitucionais referentes à defesa do
consumidor e o atingimento dos fundamentos e objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil.
Palavras-chave: Processo administrativo. Consumidor. Reformatio in pejus.
ABSTRACT
The economic activity, considering the constitutional treatment for consumer protection,
is not developed freely and exclusively towards coping with suppliers’ wishes. The
existence of other concepts and the necessary compliance with certain duties impose an
obligation upon suppliers to perform their activities as designed by the legal system,
notably by the Federal Constitution of 1988. In that context, the omissive or comissive
conduct, subject to give rise to the application of an administrative penalty, imposes the
need for supplier to be properly repressed, in accordance with the proper legal
proceedings. Thus, since the Federal Constitution of 1988 approximated the
administrative to the legal proceedings, creating a similar legal regime resulting from
the clause of the proper legal proceedings, without forgetting the underlying principle of
some of its norms and the need of a uniform treatment of the theme throughout the
national territory, Law # 9,784/99, for being a true Code of Administrative Proceedings,
must be used to regulate the administrative proceedings of consumer protection.
Sanctioned after eleven years of the effectiveness of the Federal Constitution of 1988,
Law # 9,784/99 reflects the Administrative Reform of the State, allowing the effective
implementation of a Democratic Rule of Law since it allows the administered to
participate in the creation of the sanctioning administrative act. Notwithstanding, Law #
9,784/99, as a result of the possibility of implementing the reformatio in pejus, which is
nothing more than the possibility of aggravating the situation of the appellant upon the
judgment of their appeal, means an important instrument of perfecting and preserving
the consumer protection rules while it permits coping with constitutional wishes related
to consumer protection and abiding by the grounds and fundamental objectives of the
Federative Republic of Brazil.
Keywords: Administrative proceedings. Consumer. Reformatio in pejus.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 09
2 RAZÕES E FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO
CONSUMIDOR 12
2.1 Razões e antecedentes históricos 12
2.2 A vulnerabilidade como fundamento da proteção jurídica do
consumidor: crise do Estado Liberal 15
2.3 A defesa do consumidor enquanto direito fundamental 21
2.4 O princípio da precaução no direito do consumidor 24
3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A PROTEÇÃO DO
CONSUMIDOR 30
3.1 A dicotomia público-privado 30
3.2 O direito público e o direito privado 32
3.3 Os direitos público e privado e a formação dos Estados: as dimensões
dos direitos fundamentais 35
3.4 Superação da dicotomia público-privado 39
3.4.1 A constitucionalização do Direito 39
3.4.2 Os direitos difusos 42
3.5 Poderes da Administração Pública 44
3.5.1 Poder de polícia 45
3.5.2 Autotutela 47
4 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR 49
4.1 Questão terminológica 49
4.2 Amplitude e interdisciplinariedade do regramento de defesa
do consumidor 50
4.2.1 O regramento do processo administrativo federal: Lei nº9.784/99 52
4.2.2 O Código de Defesa do Consumidor: Lei nº8.078/90 58
4.2.3 A regulamentação das sanções: Decreto nº2.181/97 61
4.3 Princípios do processo administrativo sancionador 62
4.3.1 Legalidade 66
4.3.2 Finalidade 67
4.3.3 Motivação 68
4.3.4 Razoabilidade 68
4.3.5 Proporcionalidade 68
4.3.6 Moralidade 69
4.3.7 Ampla defesa 70
4.3.8 Contraditório 70
4.3.9 Segurança jurídica 71
4.3.10 Interesse público 72
4.3.11 Eficiência 72
4.3.12 Publicidade 72
4.3.13 Inquisitivo 73
4.3.14 Oficialidade 74
4.3.15 Verdade material 74
4.3.16 Duplo grau de jurisdição 75
5 A SANÇÃO ADMINISTRATIVA 78
5.1 Conceito de sanção e conceito de sanção administrativa 78
5.2 Sanções administrativas do Código de Defesa do Consumidor 84
5.2.1 Sanções reais 85
5.2.2 Sanções pessoais 86
5.2.3 Sanções pecuniárias 87
5.3 Regramento do Código de Defesa do Consumidor 88
6 A REFORMATIO IN PEJUS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR 91
6.1 Origem e campo de atuação da reformatio in pejus 91
6.2 A reformatio in pejus no processo penal 92
6.3 A reformatio in pejus no processo civil 96
6.4 A reformatio in pejus na Lei nº9.784/99 98
6.5 A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa
do consumidor: possibilidade ampla de sua ocorrência 104
6.5.1 Âmbito de validade da Lei n°9.784/99 105
6.5.2 A vedação à inocorrência da reformatio in pejus no âmbito do processo
administrativo de defesa do consumidor elevada à categoria de princípio:
preservação da solidariedade e do caráter intergeracional 108
6.5.3 Instrumento de adequação da sanção imposta à conduta sancionada 110
6.5.4 O privilégio da Administração Pública na revisão de seus atos:
o princípio da autotutela 111
6.5.5 Ampla devolutividade recursal: uma nova leitura do efeito devolutivo 114
6.5.6 Momento de finalização do ato administrativo sancionador 118
6.6 A casuística 121
7 CONCLUSÃO 125
REFERÊNCIAS 127
ANEXOS 138
ANEXO 1 – Resolução da ONU nº39/248
ANEXO 2 – Projeto de Lei nº2464/96
ANEXO 3 – AgRg no Recurso em Mandado de Segurança nº24308-6
– Distrito Federal
ANEXO 4 – Ag Reg no Recurso Extraordinário com Agravo nº641054
– Rio de Janeiro
ANEXO 5 – Recurso em Mandado de Segurança nº29-0-RJ
9
1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da atividade produtiva, conquanto possa constituir em
desdobramento da livre iniciativa prevista nos arts.1°, IV e 170, IV, ambos da Constituição
Federal de 1988 e possa refletir um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, não
implica, conforme uma abordagem açodada possa levar à conclusão, na assertiva de que o
fornecedor poderá atuar no mercado unicamente em atendimento a seus próprios anseios e
sem uma preocupação com os eventuais efeitos negativos de sua conduta, sejam eles de
ocorrência em um curto, médio ou longo espaço de tempo.
A existência de conceitos outros e a necessária observância a certos deveres impõem a
obrigatoriedade de o fornecedor desenvolver suas atividades conforme os caminhos
desenhados pelo ordenamento jurídico, notadamente pela Constituição Federal de 1988.
Marco normativo inaugurador de uma nova ordem jurídica, econômica, política e
social, fixou a Constituição Federal de 1988 os delineamentos a serem observados por quem
pretende desenvolver alguma atividade econômica.
Nesse contexto, a observância, por exemplo, da dignidade da pessoa humana e do
princípio da precaução impõe ao agente o dever de bem desenvolver suas atividades, sob pena
de o mesmo ser responsabilizado por sua eventual inobservância. Assim, uma vez
desrespeitada, por exemplo, alguma disposição do Código de Defesa do Consumidor, será o
fornecedor responsável por esta conduta.
Essa responsabilização, por sua vez, pode ocorrer no campo civil, penal e/ou
administrativo.
Comumente relacionada ao campo extrajudicial, a responsabilização administrativa do
fornecedor deverá ocorrer por meio do desenvolvimento do processo administrativo
sancionador, que ganhou relevância com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Em
seu inciso LV, art.5°, a Carta Magna estipula que aos litigantes em processo administrativo
são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes.
Conquanto consista em um relevante mecanismo extrajudicial de controle da conduta
do administrado e em instrumento destinado à formação de eventual ato administrativo
sancionador, somente 11 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi que o
processo administrativo veio a ser regulamentado, o que ocorreu por meio da Lei n°9.784/99.
Lei genérica, dotada de normas principiológicas e de preceitos abrangentes, a Lei do
Processo Administrativo, elaborada após décadas de reclamos de especialistas, é produto do
impulso do Poder Executivo no sentido de reunir um grupo de especialistas com o objetivo de
10
criar um diploma legal que contivesse importantes garantias constitucionais sobre o tema e
que viesse a refletir a Reforma do Estado felizmente inaugurada pela Presidência da
República à época.
Nesse contexto, em 17 de outubro de 1995, o então Ministro de Estado da Justiça, por
meio da Portaria n°1.404, constituiu a comissão que cuidaria da elaboração de lei sobre
normas gerais de processo administrativo.
Inicialmente composta por diversos professores, entre eles, Caio Tácito, que a
coordenou, Inocêncio Mártires Coelho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, José Carlos
Barbosa Moreira, Almiro do Couto e Silva, Odete Medauar e Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
a comissão, por meio da Portaria n°47, de 31 de janeiro de 1996, editada pelos Ministros de
Estado de Justiça e da Administração Federal e Reforma do Estado, passou a contar com os
trabalhos de Adilson Abreu Dallari, José Joaquim Calmon de Passos, Paulo Eduardo Garrido
Modesto e Carmem Lúcia Antunes Rocha.
Finalizados os trabalhos, o projeto de lei, em 30 de setembro de 1996, foi submetido à
consideração do Presidente da República à época, Fernando Henrique Cardoso, por meio da
Exposição de Motivos n°548/1996, tendo sido por este encaminhado à deliberação dos
membros do Congresso Nacional em 22 de outubro de 1996 por meio da Mensagem n°1.002.
Dirigido à Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei de iniciativa do Poder Executivo
n°2.464, de 1996, que recebeu prioridade em seu regime de tramitação, foi submetido às
Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de
Redação, culminando, após o procedimento legislativo, na Lei n°9.784/99.
Composta por 70 artigos, divididos em 17 capítulos, a Lei n°9.784/99 mais do que
refletir os anseios acerca da edição de uma lei que viesse a regulamentar o processo
administrativo, exterioriza a Reforma Administrativa do Estado implementada e colocada em
prática pela Presidência da República à época.
Conforme se verifica de sua exposição de motivos, cuidou a comissão de garantir a
aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo,
inclusive abrindo o campo de atuação da Lei n°9.784/99 para permitir a defesa dos direitos
difusos e coletivos no campo administrativo. Não bastasse, também cuidou de produzir uma
lei que enunciasse os critérios básicos a que devem se submeter os processos administrativos,
cuidando de definir os direitos e os deveres dos administrados, assim como o dever da
Administração Pública de decidir sobre as pretensões dos interessados, em movimento que
estampa a nova roupagem do Estado.
11
Uma vez que o Estado se qualifica como sendo Democrático de Direito, outro não
poderia ter sido o tratamento atribuído ao tema ao permitir que o administrado possa,
diversamente do que ocorria, participar de forma efetiva da produção do ato administrativo.
Desta forma, a Lei n°9.784/99, além de regulamentar o processo administrativo,
permite que o ato administrativo possa ser produzido após um intenso debate entre os
interessados, colaborando para a concretização do Estado Democrático de Direito e
possibilitando a implementação e o desenvolvimento do atual Estado do Bem-Estar Social.
A Lei n°9.784/99, portanto, além de refletir a Reforma Administrativa do Estado e
permitir a efetivação do Estado Democrático de Direito, possibilita que a responsabilização
administrativa do fornecedor seja levada a cabo, permitindo, com isso, uma efetiva tutela
administrativa dos consumidores.
Para tanto, vale-se a Lei n°9.784/99 de determinados mecanismos, dentre os quais a
positivação, em seu art.2°, dos princípios a serem seguidos pela Administração Pública e, no
art.64, parágrafo único, a possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus, que, conforme
restará abordado no presente estudo, além de não violar direitos e garantias do administrado,
colabora para a efetiva, incisiva e eficaz tutela administrativa do consumidor.
12
2 RAZÕES E FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO
CONSUMIDOR
2.1 Razões e antecedentes históricos
Verificam-se na História algumas tentativas de regulamentação das relações de
consumo, ainda que de forma indireta.
O registro mais antigo de que se tem conhecimento é o Código de Hamurabi,
possivelmente escrito pelo rei de mesmo nome em aproximadamente 1.700 a.C.. Vigente na
antiga Mesopotâmia, atualmente designada como República Islâmica do Irã, o Código de
Hamurabi regulava as relações de comércio, estipulando que o controle e a supervisão
ficariam a cargo do palácio.
Nesse contexto, a “lei” 233, por exemplo, dispunha que o arquiteto que viesse a
construir uma casa cujas paredes se revelassem deficientes teria a obrigação de reconstruí-las
ou consolidá-las às suas próprias expensas. Do mesmo modo, no caso de desabamentos com
vítimas fatais, o empreiteiro da obra, além de ser obrigado a reparar os danos causados ao
contratante, sofria punição (morte) caso houvesse o desabamento vitimado o chefe de família.
Por sua vez, a “lei” 235 dispunha que o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em
caso de defeito estrutural, no prazo de até um ano.
No Egito antigo e na Índia do século de XIII a.C. também havia normas de proteção
em sentido parecido, cabendo destaque ao código de Massú, vigente na Índia e que estipulava
sanções para os casos de adulterações de alimentos.
No Império Romano, de outro lado, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa,
a menos que ele não os conhecesse. Já no período Justiniano, era responsável mesmo nessa
hipótese. Ainda em Roma, as práticas de controle de abastecimento de produtos,
principalmente nas regiões conquistadas e a decretação de congelamento de preços no período
de Diocleciano se destacam como regras de consumo.
Na Grécia antiga, Aristóteles já se referia a manobras de especuladores. Estudos
existem também acerca dos depoimentos de Cícero, no século I a.C., que assegurava a
garantia sobre vícios ocultos na compra e venda no caso de o vendedor prometer que a
mercadoria era dotada de qualidades que, posteriormente, revelavam não existir.
Na França de Luiz XI, ano de 1481, havia punição com banho escaldante àquele que
vendesse manteiga com pedra para aumentar o peso ou para aquele que viesse a misturar água
no leite.
13
Conquanto a proteção do consumidor, conforme a breve análise histórica em
referência permita concluir, não decorra de um específico acontecimento histórico ou de um
marco normativo – os regramentos em estudo demonstram que a preocupação inicial era com
a tutela das relações comerciais – é possível sustentar que o tema ganhou relevância com a
Revolução Industrial e com o término da Segunda Guerra Mundial.1
A Revolução Industrial modificou substancialmente as relações políticas, sociais e
econômicas, propiciando a formação de uma nova categoria de indivíduos, os consumidores,
que passaram a sentir os efeitos da larga industrialização e da produção em larga escala dos
bens de consumo.
A Revolução Industrial, portanto, influenciou de modo direto a necessidade de
proteção dos consumidores na medida em que alterou as relações econômicas vigentes,2 haja
vista que com o passar do tempo, novos e diversificados fatores foram inseridos nestas
relações que acabaram por alterar substancialmente a cadeia produtiva. Esta, por sua vez,
passou a ser composta por agentes produtores, intermediários e destinatários finais, além de
ter propiciado um aumento geométrico da produtividade e despersonalizado a produção.
Como consequência do crescente aumento da produtividade, surgiu a necessidade do
produtor, que viu sua margem de lucro aumentar exponencialmente, dar rápida vazão à sua
produção, não sendo raras as vezes em que praticava atos fraudulentos e enganosos destinados
a atingir essa finalidade, o que acabava colocando os consumidores em posição de
desigualdade, haja vista a sua sujeição inconsciente aos anseios do produtor.
Com efeito, se considerado que a opção de escolha do consumidor já nasce
condicionada às opções colocadas no mercado pelo próprio fornecedor e que antes da
Revolução Industrial vigorava um mercado no qual imperava a produção artesanal,
caracterizada pela individualidade e unicidade, tem-se que a Revolução Industrial inaugurou
não apenas o aumento geométrico da produtividade, mas principalmente a sujeição dos
consumidores às escolhas prévias dos fornecedores. Além disso, criou uma espécie de
consumidor despersonificado, na medida em que os bens de consumo passaram a ser
colocados no mercado não mais para atender à necessidade de um consumidor específico,
1 Sobre a dificuldade de precisar o momento do surgimento da proteção do consumidor, Norberto Reich leciona que “A
proteção do consumidor tem sido introduzida, agora, em tantas áreas do direito, que é difícil saber-se onde essa preocupação
específica começa e onde padrões tradicionais têm sido meramente estendidos.” (REICH, Norberto. Algumas proposições
para a filosofia da proteção do consumidor. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. In: (Orgs.)
MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Coleção
doutrinas essenciais v.1., São Paulo: RT, 2011, p.308). 2 Antes da Revolução Industrial as relações econômicas eram meramente artesanais, envolvendo unicamente o adquirente e o
artesão.
14
conforme ocorria com o mercado artesanal, mas para atender às necessidades do consumidor,
pouco importando suas características individuais.
Nesse contexto, portanto, ao consumidor foi suprimida a opção de escolha sobre um
bem de consumo específico, passando a ter que aceitar as opções apresentadas pelos próprios
fornecedores, o que não ocorria no período pré-revolução, no qual o consumidor procurava
determinado fornecedor, que produzia o bem de consumo específico àquele consumidor e
destinado a atender suas necessidades específicas.
No sentido exposto, são os precisos ensinamentos de Miriam de Almeida Souza:
Antes da era industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas
pessoas que se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos
(bartering). Com o crescimento da população e o movimento do campo para as
cidades, formam-se grupos maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se
concentrou no fabricante, que passou a responder por todo o grupo. O advento da
Revolução Industrial foi responsável pelo crescimento da chamada produção em
massa. Devido a este movimento, a produção perdeu seu toque ‘pessoal’ e o
intercâmbio do comércio ganhou proporções ainda mais despersonalizadas, já que
passaram a haver outros intermediários entre a produção e o consumo. Em
conseqüência disto, o produtor precisava dar escoamento à produção, praticando, às
vezes, atos fraudulentos, enganosos, por isso mesmo, abusivos3.
Conquanto a Revolução Industrial tenha modificado substancialmente as relações de
consumo, foi somente após a Segunda Guerra Mundial que o mercado de consumo começou a
ganhar os contornos conhecidos atualmente.
A massificação da produção iniciada com a Revolução Industrial foi intensificada no
período após a Segunda Guerra Mundial. Para dar maior vazão à produção e garantir uma
fluidez linear do consumo, os contratos foram padronizados, suprimindo-se toda e qualquer
forma de deliberação de seu conteúdo, que passou a ser redigido pelo próprio fornecedor;
este, por sua vez, passou a valer-se das mais variadas técnicas de marketing para, desta forma,
atingir um maior número de consumidores.
Após a Segunda Guerra Mundial, os mercados se ampliaram visando atingir a
circulação universal da riqueza e, nesse contexto, grandes blocos econômicos foram criados
resultando no agigantamento dos grupos econômicos e empresariais e numa intensa
concentração da produção em empresas com atuação nos mais variados setores. Esses
fenômenos, conquanto tenham facilitado o acesso ao consumo, acabaram por intensificar a
sujeição dos consumidores às vontades dos fornecedores. A necessidade de proteção dos
consumidores, portanto, passou a revelar-se medida de rigor.
3SOUZA, Miriam de Almeida. A política legislativa do consumidor no direito comparado. Belo Horizonte: Ciência
Jurídica, 1996, p.48.
15
2.2 A vulnerabilidade como fundamento da proteção jurídica do consumidor: crise
do Estado Liberal
Os impactos advindos da Revolução Industrial foram intensificados com o término da
Segunda Guerra Mundial. A produção massificada de bens de consumo aliada à formação de
grandes blocos econômicos e empresariais deixaram os consumidores à mercê dos anseios dos
fornecedores. A teoria econômica clássica, conquanto tenha fundamentado todo esse período
e apesar de caracterizar-se pela desnecessária proteção do consumidor, eis que seria ele quem
ditaria as leis do mercado, não foi capaz de harmonizar os interesses dos fornecedores e dos
consumidores. Ao revés, o que se viu foi uma intensa influência daqueles sobre estes. Os
consumidores não mais detinham a opção de escolha, que passou a ser previamente definida
pelos fornecedores, assim como não dispunham de plena liberdade para fixar cláusulas
contratuais, que passaram a ser estipuladas pelos fornecedores. A vulnerabilidade destes, ou
seja, sua fragilidade perante o fornecedor, portanto, é o que fundamenta sua necessária
proteção jurídica. Nesse sentido, Sálvio de Figueiredo Teixeira esclarece:
Os avanços no tema partiram, ultima ratio, de uma constatação manifesta, a
vulnerabilidade do consumidor, que mais e mais se enfraquecia no plano individual,
e visaram, na outra ponta, a um objetivo consensualmente admitido, a
imprescindibilidade da defesa desse consumidor.4
Essa vulnerabilidade, cumpre frisar, é uma constatação genérica, construída
historicamente e que consiste na própria essência da relação entre consumidores e
fornecedores, conforme leciona Marcelo Sodré:
É porque se reconhece que o consumidor é vulnerável que se justifica a existência de
normas para o proteger. A vulnerabilidade é uma constatação genérica. A
desigualdade na relação entre fornecedores e consumidores nas relações de consumo
é um fato construído historicamente e é da própria essência desta relação.5
Oportuno salientar que a vulnerabilidade que fundamenta a necessária tutela do
consumidor não se confunde com sua hipossuficiência. Conquanto ambos estejam previstos
4 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A proteção ao consumidor no sistema jurídico brasileiro. In: (Orgs.) MARQUES,
Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Coleção doutrinas
essenciais v.1, São Paulo: RT, 2011, p.391. No mesmo sentido, reconhecendo a vulnerabilidade como fundamento primordial
da necessária defesa do consumidor, Fabíola Meira de Almeida Santos, Marcelo Gomes Sodré e Patrícia Caldeira afirmam
que “o direito do consumidor é um direito engajado que parte do princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do
consumidor na sociedade consumo e que tem por objetivo equilibrar as relações entre consumidores e fornecedores.”
(SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.
São Paulo: Verbatim, 2009, p.8). 5 SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.
São Paulo: Verbatim, 2009, p.42.
16
no Código de Defesa do Consumidor, respectivamente nos arts.4°, I e 6°, VIII, tratam-se de
institutos diversos.
A hipossuficiência é concreta, ou seja, poderá ou não estar presente em determinado
caso específico posto à apreciação do Estado-juiz. Trata-se, portanto, de “critério de avaliação
judicial para a decisão sobre a possibilidade ou não de inversão do ônus da prova em favor do
consumidor”, conforme leciona Bruno Miragem.6 Nesse contexto, consumidores existirão que
não serão considerados hipossuficientes.
Por sua vez, a vulnerabilidade, que está associada à ideia de fraqueza de um dos
sujeitos de determinada relação jurídica – fraqueza esta que pode decorrer de determinadas
condições ou qualidades que lhe são inerentes ou da posição de superioridade de um dos
sujeitos da relação jurídica – não se sujeita unicamente ao critério de avalição judicial. A
vulnerabilidade, princípio básico que fundamenta a existência e a aplicação do direito do
consumidor e que busca realizar a isonomia garantida pela Constituição Federal, pode ser
identificada in abstracto ou em um caso concreto.
Diversamente da hipossuficiência, que ocorre nos autos do processo, poderá haver
vulnerabilidade sem a identificação do consumidor. E, porque genérica, a vulnerabilidade do
consumidor desdobra-se em diversas vertentes.7
A primeira delas, denominada de vulnerabilidade econômica, apoia-se na noção de que
os fornecedores têm supremacia econômica sobre os consumidores, o que, não raras vezes,
dificulta, quando não impossibilita, o consumidor de se proteger dos anseios eminentemente
econômicos do fornecedor.
A segunda vertente da vulnerabilidade, por sua vez, consiste na vulnerabilidade
técnica, que se traduz na ausência de conhecimentos, pelo consumidor, sobre os meios de
produção e de distribuição dos produtos e serviços.
6 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.122. 7 Para Rizzatto Nunes, a vulnerabilidade pode ser técnica e econômica. Aquela diz respeito não apenas aos aspectos técnicos
e administrativos para a fabricação e distribuição do bem de consumo, mas também ao elemento fundamental da decisão, ou
seja, à opção de escolha sobre o que e quando o bem de consumo será produzido, bem como em de que maneira. (NUNES,
Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015, p.176-177). Por sua vez, para
Bruno Miragem, a vulnerabilidade pode ser técnica, que ocorre na hipótese do consumidor não possuir conhecimentos
especializados sobre o bem de consumo; jurídica, que se traduz na ausência de conhecimentos pelo consumidor dos direitos e
deveres da relação de consumo e das consequências jurídicas dos contratos que celebra; e fática, que, por ser espécie mais
ampla, engloba a vulnerabilidade econômica e algumas situações específicas, tais como as do consumidor-criança, do
consumidor-idoso e do consumidor-analfabeto, que seriam duplamente vulneráveis. (MIRAGEM, Bruno. Curso de direito
do consumidor. 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.121-125). Indo além, Cláudia Lima Marques reconhece
quatro tipos de vulnerabilidade: técnica, que decorre da ausência de conhecimentos específicos, pelo consumidor, acerca do
bem de consumo; jurídica, ou científica, que diz respeito à falta de conhecimentos jurídicos específicos; fática, ou
socioeconômica, que decorre da posição de superioridade do fornecedor, que poderá dizer o que, quando, em que medida e
como o bem de consumo será produzido ou prestado; e informacional, que diz respeito ao monopólio da detenção das
informações por parte dos fornecedores. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o
novo regime das relações contratuais. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.320-342).
17
A terceira modalidade de vulnerabilidade diz respeito à vulnerabilidade nas
informações, às quais, salvo expressa imposição legal em sentido contrário ou salvo eventual
motivação propagandística, não são repassadas aos consumidores.
Essa modalidade de vulnerabilidade informacional, porque desiguala substancialmente
a relação entre o fornecedor – que desenvolve suas atividades em um nível elevado de
profissionalização e que detêm as informações sobre o que, quando, como e em que medida
produzir ou fornecer – e o consumidor – que não possui os mesmos conhecimentos – é
inclusive objeto de especial atenção do legislador8 e da doutrina, vez que, conforme preconiza
Cláudia Lima Marques, “esta vulnerabilidade é essencial à dignidade do consumidor,
principalmente como pessoa física”.9
Por fim, a última modalidade de vulnerabilidade versa sobre a vulnerabilidade fática.
Reflexo da padronização dos contratos, essa espécie de vulnerabilidade encontra
campo para ocorrência nas práticas abusivas e acabam agravando a desvantagem do
consumidor perante o fornecedor.
Justamente em decorrência dessa sujeição, que, em última medida, desequilibra o
próprio mercado de consumo, surgiu a necessidade de promulgação de normas objetivando,
por meio da proteção do consumidor e mediante o reconhecimento de sua vulnerabilidade,
equilibrar o mercado de consumo.
Nesse sentido, a Resolução 39/248 da Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas, de 16 de abril de 1985, aprovada na 106ª Reunião Plenária de 09 de abril de 1985,
reconheceu, em seu art.1°, o consumidor como a parte mais fraca na relação de consumo:
Tendo em vista os interesses e necessidades de consumidores em âmbito global,
especificamente daqueles nos países em desenvolvimento; assumindo que
consumidores muitas vezes se deparam com situações desfavoráveis em termos
econômicos, de informação e poder de barganha; e considerando que consumidores
devem ter direito ao acesso a produtos inofensivos, bem como de promover o
desenvolvimento econômico e social de forma justa, equitativa e sustentável, tais
diretrizes de proteção ao consumidor tem os seguintes objetivos:
(a) Auxiliar os países a desenvolver ou manter uma proteção adequada à sua
população enquanto consumidores;
(b) Viabilizar os padrões de produção e distribuição para atender às necessidades e
desejos dos consumidores;
(c) Incentivar um rígido padrão de conduta ética para aqueles envolvidos na
produção e distribuição de produtos e serviços aos consumidores;
(d) Auxiliar os países na repressão de condutas comerciais abusivas por corporações
em escala nacional e internacional que afetem adversamente os consumidores;
8 Vide, a propósito, os arts.6°, III, 8° a 10, 12, 14, 31, 43, §2°, do Código de Defesa do Consumidor e o Decreto
n°4.680/2003, que regulamenta o direito à informação acerca dos alimentos geneticamente modificados. 9 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.
7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.334-342).
18
(e) Viabilizar o desenvolvimento de grupos independentes de proteção aos
consumidores;
(f) Promover a cooperação internacional no campo de proteção ao consumidor;
(g) Incentivar o desenvolvimento de condições de mercado que ofereça aos
consumidores maior variedade a preços menores. (tradução livre). 10
-11
Da leitura do texto normativo em referência, verifica-se, sem qualquer hesitação, ser,
pelo menos no plano normativo, a vulnerabilidade do consumidor a pedra angular sobre a qual
foi erigido todo o sistema de proteção e defesa do consumidor.
Conquanto a vulnerabilidade do consumidor ocupe um lugar de destaque, tendo
inclusive merecido importante atenção de organismo internacional, a proteção do consumidor
no Brasil somente veio à tona com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Até então,
apenas a doutrina nacional comungava a necessidade de se elaborar um sistema de proteção
do consumidor. Nesse sentido, Fábio Konder Comparato proclamava, já nas décadas de 1970
e 1980, que seria recomendável introduzir medidas visando aperfeiçoar a legislação nacional
na defesa dos consumidores. 12
Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
proteção dos consumidores era indiretamente garantida por legislações, como o Decreto
nº22.626/3313
; a Constituição de 193414
; a Lei nº1.521/5115
; a Lei nº4.137/6216
; a Lei
nº7.244/84 (revogada pela Lei nº9.099/95)17
; a Lei nº7.492/8618
; a Lei nº7.347/8519
e o
Decreto nº91.469/85.20
Assim, em decorrência da inexistência de normatização específica acerca da tutela
jurídica do consumidor e em atenção ao princípio da isonomia contido no art.5°, caput, da
10 Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/21426-21427-1-PB.pdf. Acesso em: 20 mar.2015. 11 “1. Taking into account the interests and needs of consumers in all countries, particularly those in developing countries;
recognizing that consumers often face imbalances in economic terms, educational levels, and bargaining power; and bearing
in mind that consumers should have the right of access to non-hazardous products, as well as the right to promote just,
equitable and sustainable economic and social development, these guidelines for consumer protection have the following
objectives: (a) To assist countries in achieving or maintaining adequate protection for their population as consumers; (b) To
facilitate production and distribution patterns responsive to the needs and desires of consumers; (c) To encourage high levels
of ethical conduct for those engaged in the production and distribution of goods and services to consumers; (d) To assist
countries in curbing abusive business practices by all enterprises at the national and international levels which adversely
affect consumers; (e) To facilitate the development of independent consumer groups; (f) To further international co-operation
in the field of consumer protection; (g) To encourage the development of market conditions which provide consumers with
greater choice at lower prices.” 12 A proteção do consumidor. Importante capítulo do Direito Econômico. In: MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno.
Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Coleção doutrinas essenciais v.1.São Paulo: RT, 2011,
p.167-186. 13 Lei de Usura 14 Os arts.115 e 117 ao estipularem a proteção da economia popular, protegiam, indiretamente, o consumidor. 15 Lei da Economia Popular 16 Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico. 17 Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 18 Lei de Repressão aos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. 19 Regulamenta a Ação Civil Pública de Responsabilidade por Danos ao Consumidor. 20 Estipulou a criação do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que foi substituído pelo Departamento Nacional de
Proteção e Defesa do Consumidor.
19
Constituição Federal de 1988, surgiu a necessidade “de elaboração de um complexo de leis
capaz de equilibrar as relações de consumo.”21
Para tanto, fixou o art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o prazo
de 120 dias para a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, finalmente publicado em
11 de setembro de 1990.
No Código, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor vem expressamente
previsto no art.4°, I, que, ao dispor sobre os objetivos da Política Nacional das Relações de
Consumo, consigna que os mesmos devem ser alcançados, dentre outros princípios, pela
observância do “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.”
O princípio da vulnerabilidade, portanto, consiste no ponto de partida da estrutura do
sistema de defesa do consumidor, que se irradia no campo material, como, por exemplo, a
interpretação favorável dos contratos de consumo (art.47), e processual, com a inversão do
ônus da prova em seu favor (art.6°, VIII) e a eficácia erga omnes da coisa julgada na ação
coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos, quando procedente o pedido
(art.103, III).22
Relevante ainda consignar que o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor
decorre do próprio texto constitucional que, em seu art.170, ao estabelecer o livre mercado e a
livre concorrência, apresenta os limites de sua atuação, colocando a defesa do consumidor
como um de seus pilares imprescindíveis. Essa delimitação do desenvolvimento da livre
iniciativa e do livre mercado ocasionado pela necessária observância da vulnerabilidade do
consumidor era inclusive reconhecida por um dos mais relevantes nomes da economia
clássica, e capitalista empresário, conforme apresentado por José Geraldo Brito Filomeno:
Desde Adam Smith, em seu tratado que estabeleceu os princípios da economia de
mercado competitivo: ‘O consumo é o único fim e propósito de toda a produção; e o
interesse do produtor deve ser atendido até o ponto, apenas, em que seja necessário
para promover o do consumidor. A máxima é tão perfeitamente evidente por si
mesma, que seria absurdo tentar prová-la [...] No sistema mercantilista, o interesse
do consumidor é quase que constantemente sacrificado pelo do produtor; e ele
parece considerar a produção, e não o consumo, como o fim último e objeto de toda
a indústria e comércio.’ Por outro lado: ‘O consumidor é o elo mais fraco da
economia, e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco.’ O
autor dessa frase, ao contrário do que possa parecer, não é qualquer consumerista
21 PASSARELI, Eliana. Dos crimes contra as relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2002, p.XIII. 22 Aurisvaldo Melo Sampaio entende ser a dignidade da pessoa humana o princípio estruturante do direito do consumidor,
sendo este caracterizado pela introdução do ser humano no centro do sistema jurídico. (SAMPAIO, Aurisvaldo Melo. As
novas tecnologias e o princípio da efetiva prevenção de danos ao consumidor. In: Revista de direito do consumidor nº49,
jan.-mar.2004, São Paulo: RT, 2004, p.136-144).
20
exarcebado. Ao contrário, é o ‘pai da produção em séria’, ninguém menos que o
célebre magnata da indústria automobilística Henry Ford.23
Mais do que um princípio a ser observado nas relações de consumo, a vulnerabilidade
do consumidor, é possível sustentar, vai além, refletindo o próprio anseio da Constituição
Federal acerca do princípio da isonomia introduzido por seu art.5°. E isso porque a igualdade
protegida pela Constituição não parte da premissa de que todos estejam no mesmo nível.
A adequada compreensão da igualdade deve considerar que a Constituição Federal
reconhece uma desigualdade fundamental e desequilibrante existente entre os indivíduos,
consistindo a isonomia, portanto, em tratar os indivíduos desigualmente na medida em que se
diferenciam.
Assim, para que exista isonomia, mister que àqueles que não estejam no mesmo nível
sejam conduzidos ao mesmo patamar em que situado sua contraparte. E na sistemática da
defesa dos direitos dos consumidores, isso ocorre mediante o reconhecimento de sua
vulnerabilidade, que resulta na apresentação de instrumentos jurídicos de natureza material e
processual.
A bem ver, a hierarquização da vulnerabilidade do consumidor é consequência quase
natural do colapso do sistema liberal.
Vigente na Europa até o século XIX e, no Brasil, até a década de 1930, o Estado
Liberal, que ganhou corpo com a Revolução Francesa e que serviu como fundamento da
primeira geração dos direitos, preocupava-se em limitar a atuação do Estado e o próprio poder
político como uma forma de assegurar o amplo espaço de autonomia dos indivíduos. Nesse
contexto, portanto, prevaleciam os interesses individuais, o que acabou por criar uma espécie
de “darwinismo jurídico”, com a hegemonia dos economicamente mais fortes em detrimento
de uma justiça social, o que inclusive deu causa ao surgimento do Estado Social, conforme
leciona Paulo Luiz Netto Lobo:
Como a dura lição da história demonstrou, a codificação liberal e a ausência de
constituição econômica serviram de instrumento de exploração dos mais fracos
pelos mais fortes, gerando reações e conflitos que redundaram no advento do Estado
Social.24
É, portanto, como resultado dessa sobreposição – decorrente da crise do Estado
Liberal, que deixa a atuação estatal à margem das relações – o surgimento da necessária
23 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto
v.1. – direito material (arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.74. 24 Constitucionalização do direito civil. Disponível em: www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=507. Acesso em: 19 out.
2014.
21
preservação do consumidor, passando o Estado a ocupar um papel de destaque nesse cenário
até mesmo em função da alocação do direito do consumidor como um direito fundamental.
2.3 A defesa do consumidor enquanto direito fundamental
O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, conforme anteriormente
aduzido, é o ponto de partida para a compreensão adequada da sistemática de proteção do
consumidor. De outro lado, a concepção de que os direitos fundamentais não mais ficam
circunscritos à defesa do indivíduo em face da interferência estatal,25
englobando, inclusive, a
proteção de um cidadão diante do outro,26
obriga o Estado a reconhecer seu dever na proteção
dos direitos fundamentais.
O art.5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988, atento a esse cenário, elevou não
apenas o direito do consumidor, mas sua própria defesa, à condição de direito fundamental ao
afirmar “que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Além de ter sido erigido à categoria de direito fundamental, a defesa do consumidor
também consiste em princípio geral da atividade econômica, funcionando como vetor da
ordem econômica e financeira, colocando-se ao lado de princípios outros, tais como a
propriedade privada, a função social da propriedade e a livre concorrência.
Conforme a sistemática constitucional, a defesa do consumidor está vinculada à
cláusula geral de tutela da personalidade, cujo ponto de partida remonta ao princípio da
dignidade da pessoa humana, previsto de maneira expressa no art.1°, III da Carta
Constitucional. Adicionalmente, a defesa do consumidor deve ser efetivada de maneira a
concretizar o objetivo da República Federativa do Brasil insculpido no art.3°, III, da
Constituição Federal, qual seja, a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo-se as
desigualdades sociais e regionais. No sentido exposto, são os dizeres de Gustavo Tepedino:
A proteção jurídica do consumidor, nesta perspectiva, deve ser estudada como
momento particular e essencial de uma tutela mais ampla: aquela da personalidade
humana; seja do ponto de vista de seus interesses individuais indisponíveis, seja do
ponto de vista dos interesses coletivos e difusos.27
A tutela do consumidor, portanto, emerge de maneira consonante não apenas com a
axiologia, mas também com a principiologia constitucional, ambas direcionadas a concretizar
25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6.ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993, p.541. 26 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota
Pinto. Coimbra: Almedina, 2003, p.53-54. 27 TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade civil por acidentes de consumo na ótica civil-constitucional. In: Temas de
direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.249-250.
22
a igualdade. Não é desarrazoado, portanto, concluir que os direitos básicos dos consumidores
devem ser entendidos como normas materialmente constitucionais, dotadas de eficácia
horizontal e que se irradiam por todo o ordenamento jurídico nacional.28
A opção do legislador constitucional de erigir a defesa do consumidor à categoria de
direito fundamental, conquanto seja estranha à teoria econômica clássica,29
decorre da
inquestionável necessidade de que determinadas situações de desequilíbrio sofram incisiva
ação corretiva do Estado, correção esta que pode ser econômica e/ou jurídica.30
Nesse contexto, a defesa do consumidor, enquanto direito fundamental, não decorre
unicamente de sua expressa previsão constitucional. Trata-se, a bem da verdade, de um
desdobramento dos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil enquanto
Estado Democrático de Direito.
A Constituição Federal de 1988, ao instituir em seu art.1° o Estado Democrático de
Direito, inclusive traçando seus fundamentos, abriu perspectivas para uma profunda e
concreta realização social, a ser alcançada, entre outros, por meio do efetivo exercício dos
direitos de quarta dimensão, tudo com vistas a concretizar as exigências de um Estado de
justiça social fundado na dignidade da pessoa humana.
Vale dizer, portanto, que a Constituição Federal de 1988 exerce uma efetiva e
proposital ingerência na realidade social, não apenas apresentando elementos de salvaguarda
do indivíduo perante o Estado ou até mesmo do indivíduo em face de outro indivíduo, mas
principalmente desenhando o caminho a ser seguido pelo Estado na efetivação de seus
fundamentos e objetivos.
Diversamente do que ocorria com o liberalismo, época em que vigorou a primeira
dimensão dos direitos, caracterizada não apenas pela abstenção do Estado em privilégio à
liberdade individual, mas principalmente por uma menos vibrante atividade judicial, o novo
cenário desenhado pela Constituição Federal de 1988 coloca o Estado em uma posição
diferente, passando a servir como o principal provedor do atendimento ao bem comum e à
implementação e aperfeiçoamento de uma existência digna.31
28 FACHIN, Luiz Edson. As relações jurídicas entre o novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor: elementos
para uma teoria crítica do direito do consumidor. In: CAPAVERDE, Aldaci do Carmo; CONRADO, Marcelo. Repensando o
direito do consumidor: 15 anos de CDC. Curitiba: OAB/PR, 2005, p.46-48. 29 Para a teoria econômica clássica, a necessidade econômica individual deve se manifestar livremente, de modo que não
haveria espaço para se falar em proteção do consumidor. 30 ARRUDA ALVIM et al. Código do Consumidor comentado. 2.ed. São Paulo: RT, 1995, p.13-14. 31 Nesse sentido, leciona Ada Pellegrini Grinover: “A transição entre o Estado liberal e o Estado social promove alteração
substancial na concepção do Estado e de suas finalidades. Nesse quadro, o Estado existe para atender ao bem comum e,
consequentemente, satisfazer direitos fundamentais e, em última análise, garantir a igualdade material entre os componentes
do corpo social. Surge a segunda geração de direitos fundamentais – a dos direitos econômicos-sociais –, complementar à dos
direitos de liberdade. Agora, ao dever de abstenção do Estado substitui-se seu dever de um dare, facere, praestare, por
intermédio de uma atuação positiva, que realmente permita a fruição dos direitos de liberdade da primeira geração, assim
23
Nesse contexto, ao Estado não mais será possível unicamente abster-se em detrimento
da liberdade individual. Deverá ir além, atuando com vistas a permitir a fruição dos direitos
inerentes à liberdade do indivíduo mediante uma atuação positiva que lhe permita uma
existência digna.
Ciente do seu papel programático, não descuidou a Constituição Federal de 1988 de
apresentar os fundamentos e os objetivos a serem observados para que seja possível
implementar a almejada modificação social, garantidora de uma existência digna. Assim, logo
em seu art.1°, tratou de explicitar não apenas a modalidade de Estado eleita, a saber, o Estado
Democrático de Direito, mas também de fixar como fundamentos da República a soberania, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e
o pluralismo político. Não obstante, trouxe em seu art.3° como objetivos fundamentais da
República a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária, com a garantia do
desenvolvimento nacional e da erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das
desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Nesse contexto, verifica-se com facilidade ter a Constituição Federal de 1988 fixado
como diretriz a preservação e o desenvolvimento do mínimo necessário para resguardar uma
existência digna. Para tanto, também não descuidou de dividir as esferas do Poder com vistas
a permitir atingir e aperfeiçoar os objetivos fundamentais da República, trazendo em seu
art.2° a tríplice repartição do Poder. Desta maneira, os objetivos fundamentais da República,
bem como seus fundamentos podem ser, respectivamente, alcançados e preservados mediante
o exercício das atividades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A nova ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988 exige do
Estado uma postura ativa sobre a realidade social, com o firme propósito de permitir
mudanças e resguardar um mínimo necessário à preservação e ao desenvolvimento da
dignidade da pessoa humana. É justamente nesse contexto que a defesa do consumidor
exterioriza-se como um direito fundamental. Sem isso, o consumidor vulnerável não disporá
de mecanismos necessários à sua efetiva proteção, em situação que coloca aquele que detém
uma posição de superioridade (fornecedor ou Estado enquanto nessa função) acima do
indivíduo, que ficará à mercê das vontades do fornecedor, inclusive se sujeitando aos riscos
de sua atividade, o que parece não refletir o anseio da Constituição Federal de 1988.
como dos novos direitos”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. 2.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013, p.126).
24
2.4 O princípio da precaução no direito do consumidor
A modificação do sistema de produção ocasionada pela Revolução Industrial e
difundida após o término da Segunda Guerra Mundial inaugurou uma nova, e preocupante,
realidade social: a sociedade global de risco.32
Caracterizada pela impossibilidade de previsão e de controle dos riscos que nos
circundam decorrentes da acelerada industrialização e que ganham corpo com o avanço
tecnológico incapaz de expurgá-los, a temática teve início com o acidente nuclear de
Chernobyl, no ano de 1986. Em seguida, ganhou corpo com diversos outros acidentes de
consumo, que elevaram a ocorrência de danos aos consumidores em geral e alertaram acerca
da necessidade de uma preocupação com a saúde e a segurança das pessoas.
Conquanto os debates tenham ganhado corpo recentemente, é possível verificar que a
sociedade global de risco tem seu marco inaugural com o advento da Revolução Industrial.
Caracterizada pela produção e pelo consumo massificados, a Revolução Industrial
também inaugurou a produção social de riscos que, por serem contornáveis, não extrapolavam
os limites particulares. Apenas a partir do final da fase industrial é que os riscos deixaram de
ser controláveis e previsíveis.
A busca pelo lucro e a busca por um número maior de consumidores tornam os riscos
incontroláveis e desconhecidos. E isso ocorre na medida em que os riscos acabam por atingir
a todos, pouco importando os limites sociais e territoriais. Cabe destacar que o
desconhecimento dos riscos decorre, não raras vezes, da busca incessante pelo lucro, o que
impõe uma rápida atuação do fornecedor na apresentação de um produto no mercado de
consumo sem que os riscos, assim como a possibilidade de sua ocorrência, tenham sido
previamente estudados.
É, portanto, na sociedade pós-moderna, na qual impera o avanço tecnológico e a
rápida circulação de informações e produtos, que a temática passa a ocupar um lugar de
preocupante destaque.
Na sociedade global de riscos, portanto, não é possível quantificar ou antever os
riscos, eis que o avanço tecnológico, conquanto tenha alargado o lucro e o atingimento de
pessoas com potencial para se tornarem consumidores, não trouxe a segurança almejada.33
Não bastasse, na sociedade global de riscos a responsabilidade é dissipada, o que pode
colaborar para a não responsabilização do agente.
32 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo:
Editora 34, 2010. 33 BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1997.
25
Para mitigar esse cenário, o sistema jurídico trabalha com a responsabilidade objetiva
e a ampla solidariedade, além da concepção de precaução.
A sistemática de responsabilização que demanda demonstrar a culpabilidade do agente
não se presta à tutela daqueles que vivem na sociedade global de risco. E isso não apenas
porque a demonstração da culpa do agente, não raras vezes, inclusive na sistemática da
responsabilização clássica, é de difícil, quiçá impossível demonstração, mas notadamente
porque na sociedade de consumo atual, eventuais defeitos nos produtos acabam atingindo um
número elevado de consumidores.
Justamente por conta dessas circunstâncias foi que a responsabilidade civil evoluiu
para não mais repousar seu fundamento na culpa, mas sim sobre o risco, dispensando a vítima
da prova da culpa pelo menos nos casos em que a atividade causadora do dano apresentasse
perigos e fosse motivada pelo lucro.34
A responsabilidade fundada no risco possui, portanto, fundamento no princípio da
precaução, que pode ser traduzido como a atitude a ser observada pelos responsáveis pela
tomada de decisões que decorram de uma atividade que acarrete risco ao meio ambiente, à
saúde ou segurança das gerações atuais e futuras.
Distingue-se da prevenção na medida em que esta é a ação que objetiva evitar um dano
ou coibir um risco que se afigura certo ou determinável, ao passo que a precaução apoia-se na
incerteza do risco ou do dano.35
Não obstante, também verifica-se que estes princípios podem ser estudados em
decorrência de sua ocorrência no tempo.
Enquanto na prevenção os danos são mensuráveis em um curto espaço de tempo, na
precaução esses danos costumam ocorrer após um longo período, o que reforça a ideia de uma
firme atuação estatal na temática relativa à saúde e segurança dos consumidores.
Com origem no direito ambiental, o princípio da precaução revela não apenas a
preocupação diante da incerteza quanto à ocorrência do risco a que ficará exposta a sociedade
e o meio ambiente, mas também quanto à ocorrência do dano.36
34 VINEY, Geneiviéve. As tendências atuais do direito da responsabilidade civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Direito civil
contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2008, p.42-56. 35 FREITAS, Juarez. Princípio da precaução: vedação do excesso e de inoperância. In: Interesse público. v.7, nº35, jan.-
fev.2006. 36 O princípio da precaução ingressa de maneira explícita no ordenamento jurídico nacional por meio da Convenção da
Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 05.06.1992, ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto
Legislativo nº2, de 03.02.1994; entrou em vigor no Brasil em 29.05.1994 e foi promulgada pelo Decreto nº2.519/98 e por
meio da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, assinada em Nova York, em 09.05.1992,
ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº1, de 03.02.1994, passando a vigorar no Brasil em 29.05.1994.
26
Assim, por meio da adoção do princípio da precaução, está se reconhecendo que o
avanço científico e tecnológico não impede a ocorrência de riscos desconhecidos e que, em
última medida, podem ensejar a ocorrência de danos também não conhecidos.
Nesse sentido, destaca Édis Milaré:
A invocação do princípio da precaução é uma decisão a ser tomada quando a
informação científica é insuficiente, inconclusiva ou incerta e haja indicações de que
os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a
proteção vegetal possam ser potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível
de proteção escolhido.
A bem ver, tal princípio enfrenta a incerteza dos saberes científicos em si mesmos.
Sua aplicação observa argumentos de ordem hipotética, situados no campo das
possibilidades, e não necessariamente de posicionamentos científicos claros e
conclusivos. Procura instituir procedimentos capazes de embasar uma decisão
racional na fase de incertezas e controvérsias, de forma a diminuir os custos da
experimentação.37
Interessante destacar que a adoção deste princípio não inviabiliza as atividades
humanas. Ao revés, o princípio da precaução visa perpetuar a sadia qualidade de vida das
gerações, atuais e futuras, podendo até mesmo colaborar para o avanço científico e
tecnológico na medida em que consiste num instrumento de impulso às novas descobertas
destinadas a, se não expurgar, ao menos mitigar os riscos e os danos.
Ao decompor o princípio da precaução, é possível constatar que compõe-se de quatro
elementos básicos: 1) a incerteza passa a ser considerada na avaliação do risco (certeza
científica); 2) a realocação do ônus da prova, que passa a ser daquele que desenvolve a
atividade; 3) o dever daquele que desenvolve a atividade de, na avaliação do risco, analisar
senão a viabilidade de alternativas ao produto a ser posto no mercado ao menos a mitigação
de seus eventuais efeitos negativos e; 4) existir amplo, efetivo e concreto debate sobre o
produto ou atividade.
Ao estudar a certeza científica, o constitucionalista norte-americano Cass Sunstein
apresenta a seguinte proposta: ou o princípio da precaução deve ser entendido como uma
regra geral de direito, abstrata e sem consequências concretas ou como uma regra de
abstenção, ou seja, um não fazer robustecido pelo medo. Nesse sentido, questiona a ideia de
que a natureza segue seu curso normalmente e brada que a ingerência do homem na natureza
deve ocorrer unicamente na hipótese em que alcançada uma certeza científica sobre a
ausência de riscos.38
Em sentido contrário, Ivan Alberto Martins Hartmann entende “que o
37 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 9.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.266. 38 SUSTEIN, Cass R. Beyond the Precautionary Principle. Disponível em:
http://www.law.uchicago.edu./Lawecon/index.html . Acesso em: 21 jun.2014.
27
apelo à uma noção de segurança propiciada pela ciência é infundado e prejudicial ao conceito
de uma efetiva precaução.”39
Para tanto, sustenta que a certeza científica não existe, vez que
vivemos em um tempo de constante evolução do pensamento científico. Desta forma, para o
autor, porque não existe certeza científica, a precaução não fornece qualquer garantia acerca
da ausência de risco. Sua correta compreensão versa sobre o empenho de esforços visando
diminuir os riscos.
Em que pesem as divergências doutrinárias, é possível constatar que pelo princípio da
precaução, qualquer ação humana que cause impacto deve ser acompanhada de uma espécie
de garantia de que referida ação não será nociva. Nesse contexto, a precaução resultaria na
inversão do ônus da prova, que passa a ser daquele que desenvolve a atividade provar que o
produto ou serviço não traz riscos à sociedade e/ou ao meio ambiente.40
A bem da verdade, se considerada que toda e qualquer ação causa impacto, eis que
altera o estado natural das coisas, temos que o princípio da precaução está presente em todos
os momentos, não sendo desarrazoado sustentar pela existência de um dever geral de cautela
nesse particular que deve acompanhar todo o ciclo de vida do bem de consumo e sua fase
posterior, ou seja, sua fase de descarte. Ao fornecedor, portanto, não é dado colocar no
mercado de consumo produto ou serviço cuja periculosidade, atual ou futura, não tenha sido
profundamente estudada ou não seja conhecida.41
O terceiro elemento consiste na busca de alternativas ao produto quando da avaliação
de seus riscos. Esses riscos, por sua vez, podem ser considerados plausíveis ou estabelecidos.
O primeiro deles está relacionado unicamente à pesquisa, enquanto o segundo, o risco
estabelecido, relaciona-se à verificação dos impactos ocasionados por determinada conduta e,
por consequência, à própria tomada de decisão. É, portanto, o risco estabelecido que impõe a
observância do princípio da precaução.
Por fim, o quarto elemento que compõe o princípio da precaução diz respeito ao
debate democrático. Conforme mencionado, vivemos em uma sociedade de riscos. Senão para
evitá-los, ao menos para mitigá-los, incumbe à pesquisa o papel de exteriorizá-los. E essa
pesquisa, é bom consignar, deve ser imparcial, não devendo ser realizada de maneira
39 HARTMANN, Ivan Alberto Martins. O princípio da precaução e sua aplicação no direito do consumidor: dever de
informação. In: Direito e Justiça v.38, nº2, jul./dez.2012. Em igual sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. O princípio
da precaução e a avaliação de riscos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.96, nº856, p.35-50, fev.2007. 40 Exemplificando o quanto exposto, Ivan Alberto Martins Hartmann: “Segundo esse entendimento, uma determinada
empresa, para obter a autorização de comercialização de uma semente transgênica de sua criação, seria obrigada a provar às
autoridades, além de qualquer dúvida, que tal semente não apresentasse qualquer risco para o ambiente ou para a
humanidade.” (HARTMANN, Ivan Alberto Martins. O princípio da precaução e sua aplicação no direito do consumidor:
dever de informação. In: Direito e Justiça v.38, nº2, jul.-dez.2012). 41 Talvez o melhor exemplo na atualidade nacional diga respeito aos cigarros, em que se verifica a existência de mensagem
na embalagem do maço expressamente consignando a inexistência de índices seguros para seu consumo.
28
direcionada e com vistas a atender determinada pessoa ou conglomerado. E isso porque os
indivíduos têm o direito à informação para que, desta forma, realizem suas escolhas. Não se
trata de, com esse debate, transferir a responsabilidade, mas sim do direito dos indivíduos à
informação sobre os riscos aos quais estão expostos.
No campo do Direito do Consumidor, o tema da precaução é inicialmente codificado
na Resolução nº39/248 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 16 de
abril de 1985, e aprovada na 106ª Reunião Plenária de 9 de abril de 1985, precisamente em
seu art.3°:
3. As necessidades legítimas que as diretrizes são direcionadas a atender são as
seguintes:
(a) A proteção dos consumidores contra riscos a sua saúde e segurança;
(b) A promoção e proteção dos interesses econômicos dos consumidores;
(c) Acesso dos consumidores a informações adequadas permitindo que façam
escolhas informadas de acordo com as vontades e necessidades individuais;
(d) Educação do consumidor;
(e) Disponibilidade de compensação efetiva do consumidor;
(f) Liberdade para formar consumidores e outros grupos ou organizações relevantes
e a oportunidade de tais organizações para apresentar seus pontos de vista nos
processos de tomada de decisão que os afetam.42
(tradução livre).
É, portanto, na concepção dos direitos humanos que se busca a ideia da proteção do
consumidor fundada no princípio da precaução.
Tido, pela doutrina, como um direito de terceira dimensão, cuja característica é a sua
titularidade difusa, o Direito do Consumidor parte da premissa de que um dos polos da
relação, qual seja, o consumidor, é a parte mais fraca, ou seja, vulnerável. Daí surge a
necessidade de imposição de uma igualdade material que somente é alcançada por meio de
uma atuação afirmativa do Estado.
Nesse contexto, o Estado Brasileiro erigiu a defesa do consumidor como uma garantia
fundamental no art.5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988, colocando-a, ainda, como um
princípio da ordem econômica em seu art.170, em movimento que atribui maior efetividade à
defesa do consumidor posto ter criado para o Estado o dever de atuar de forma positiva nesse
cenário, dando efetividade à previsão constitucional.
E essa efetividade, por sua vez e no que tange ao reconhecimento da adoção do
princípio da precaução nas relações de consumo encontra previsão, ainda que de modo
implícito e confuso, nos arts.8° a 10 do Código de Defesa do Consumidor.
42 3. The legitimate needs which the guidelines are intended to meet are the following: (a) The protection of consumers from
hazards to their health and safety; (b) The promotion and protection of the economic interests of consumers; (c) Access of
consumers to adequate information to enable them to make informed choices according to individual wishes and needs;
(d) Consumer education; (e) Availability of effective consumer redress; (f) Freedom to form consumer and other relevant
groups or organizations and the opportunity of such organizations to present their views in decision-making processes
affecting them.
29
Estes artigos inauguram a fase dispositiva do Código de Defesa do Consumidor, ao
disporem sobre a preservação da saúde e a segurança dos consumidores que vai até o art.25 do
Código.
Conquanto aparentem dispor sobre o princípio da prevenção, os artigos em referência
disciplinam o princípio da precaução. E isso fica evidente quando, da sua leitura se verifica a
preocupação em assegurar que o fornecedor deve agir de forma consciente, prudente e
ponderada.
Ao dispor sobre a nocividade dos produtos ou serviços, preocupou-se o Código de
Defesa do Consumidor não apenas com a periculosidade inerente (art.8°) ou conhecida
(art.9°) do produto ou serviço. O Código de Defesa de Consumidor, nesse ponto, foi além
para, no art.10 abranger o princípio da precaução. Isso é facilmente demonstrado quando
constatado que o artigo impede expressamente que o fornecedor coloque no mercado de
consumo produto ou serviço que deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou
periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores.
Interessante destacar que outra não poderia ser a interpretação desses artigos, sob pena
de restar violado o direito constitucional a uma vida digna.
Com efeito, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em seu art.5°, caput,
instituiu a garantia à vida como cláusula pétrea, sem olvidar que seu art.1°, III, estipula a
dignidade da pessoa humana como fundamento da República e em seu art.225 expressamente
estipula que todos têm direito à sadia qualidade de vida, não faria sentido, pelo menos sob a
ótica constitucional, bradar pela ausência de previsão do princípio da precaução por parte do
Código de Defesa do Consumidor, cujas normas ostentam a natureza de normas de ordem
pública e interesse social.
A ideia por trás desses artigos é a de que, uma vez precisa, adequada e corretamente
informado, o consumidor terá conhecimentos para uma correta utilização do produto ou
serviço adquirido, diminuindo os riscos e a possibilidade da ocorrência de danos, porém
jamais, e isso é bom frisar, na transferência de responsabilidade.
Conquanto aparente revelar o princípio da prevenção, caracterizado pelo
conhecimento prévio da previsibilidade dos riscos, os artigos referidos traduzem, mesmo que
de forma confusa e superficial, o princípio da precaução, cuja inobservância habilita o Estado
no exercício de sua função sancionadora.
30
3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR
3.1 A dicotomia público-privado
A distinção da concepção de público e privado não possui uma origem precisa. Nem
Platão, tampouco Aristóteles conseguiram explicitá-la.43
No entanto, um ponto de origem
pode ser fixado a partir da análise da alma, conforme propõe Sílvio Luís Ferreira da Rocha.44
Conforme sua proposta, a alma, assim como ocorre com a proposta de Freud, que divide o
subconsciente entre o ego e o superego, é composta por dois elementos, o logos e a paixão. O
primeiro deles, que também pode ser conceituado como nous, é a parte racional da alma, cuja
função é capacitar os homens a viverem de forma pacífica e harmoniosa. Seria, portanto, um
elemento que produz efeitos exteriores e destinados à vida em comum. O segundo elemento, a
paixão, teria efeitos internos, auxiliando os homens à autopreservação e incitando a produção
de bens materiais a ela necessários. Seria, portanto, esse segundo elemento, uma espécie de
elemento irracional da alma; irracional não porque desprovido de alguma atividade racional,
mas sim porque voltado a atender uma vontade exclusiva, interna e egoística do homem.
Assim, enquanto o logos, ou nous, serviria ao propósito de gerir a convivência dos homens
entre si, a paixão estaria voltada ao atendimento de alguma vontade exclusiva do homem, não
sendo capaz de manter uma ordem ou gerar uma comunidade, sendo, portanto, egoísta. Nesse
contexto, exemplifica Sílvio Luís Ferreira da Rocha:
As atividades econômicas são essencialmente motivadas pelos apetites, paixões,
pelo interesse privado (egoístico). Daí as atividades econômicas serem chamadas de
economia doméstica (oikonomia), relegadas aos interesses privados, enquanto a
comunidade pública – o espaço público – é dirigida pela consciência racional da
justiça (dikaionoesis), pela realização do bem comum.45
De acordo com o critério proposto, é possível concluir que a concepção daquilo que
seria público está relacionada à consecução do bem comum, estando o privado relacionado a
interesses egoísticos, que não se preocupa com qualquer solidariedade.
43 Para Daniel Sarmento, a dicotomia público-privado remota ao período feudal, em que predominava o aspecto privado na
medida em que o sistema econômico vigente decorria da vontade dos senhores feudais. (SARMENTO, Daniel (Org.)
Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.34-35. Para Giovani Sartori a distinção entre público e privado na antiguidade era
desconhecida. E isso porque a concepção da liberdade, que era eminentemente política, inviabilizava a distinção. (SARTORI,
Giovani. Teoria de la democracia v.2. Madrid: Alianza, 1997, p.362 apud LIMBERGER, Têmis. O direito à intimidade na
era da informática: a necessidade de proteção dos dados pessoais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.53). Já
Bobbio faz menção de que no período liberal as relações sociais traziam a dicotomia entre Estado e sociedade, público e
privado, indivíduo e grupo. (BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade. 4.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992, p.33-49). 44 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.50-53. 45 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.50.
31
Em igual sentido, reconhecendo que a concepção de público e privado antecede o
mundo das normas jurídicas, Carlos Ari Sundfeld, após sustentar que essa dicotomia é ínsita
ao cotidiano, tal como ocorre com outras dicotomias (bom x mau, esquerda x direita, entre
outras), finaliza seus ensinamentos para aduzir que o público seria o coletivo, o plural,
enquanto o privado seria o individual, o isolado.46
Não divergindo dos entendimentos em referência, Hannah Arendt explicita que a
dicotomia público-privado assemelha-se à dicotomia do plano familiar e da polis. O privado,
portanto, remetia à ideia do labor, que se destinava à satisfação de vontades egoísticas,
enquanto o público estaria relacionado à perpetuação de ações no ambiente da polis. Assim,
uma das principais diferenças era que no plano público o indivíduo poderia se desvencilhar
dos interesses egoísticos, que pertencem exclusivamente à esfera privada.47
Essa associação daquilo que seria público ao bem comum também é encontrada nos
ensinamentos de Odete Medauar, que após apresentar algumas dúvidas acerca da terminologia
do quem vem a ser o interesse público, assevera que o mesmo está associado ao bem de toda a
sociedade.48
Dos critérios apresentados é possível evidenciar que o aspecto particular está
relacionado ao atingimento não do bem comum, que é ínsito às relações públicas, mas sim de
interesses eminentemente egoístas. E isso ocorre na medida em que atingir esses interesses
particulares está relacionado ao atendimento de uma necessidade do próprio indivíduo que, na
atual sociedade de consumo, não raras vezes, não é criada por sua própria condição de ser
humano, mas por fatores externos que acabam por sobrepor o interesse do particular à
consecução do bem comum. E isso ocorre vez que, não raras vezes, o atendimento aos
interesses privados, seja na obtenção do lucro ou não, acaba por distanciar-se da solidariedade
e da preocupação com o próximo.
Não se trata, é bom consignar, de elementos antagônicos, que não poderiam integrar a
mesma equação. Tratam-se, isso sim, de elementos de uma mesma equação que, no entanto
acabam, aqueles elementos que mais se aproximam do interesse comum, por ser preteridos
pelos elementos egoístas o que, na sistemática dos Direitos Difusos, não mais deve perdurar.
46 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 3.ed. 3 tir. São Paulo: Malheiros, 1998, p.128-129. 47 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.39-40. 48 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2003, p.152-153.
32
3.2 O direito público e o direito privado
A influência da dicotomia público-privado é tamanha que chegou – a bem da verdade
ainda chega –, a influenciar o Direito. Nesse sentido, René David salienta que a distinção é
uma tendência no pensamento jurídico que se consagrou com o passar dos tempos e que
possui uma forte ingerência nos países de tradição romano-germânica, que reúnem os ramos
do Direito nesses dois grandes grupos.49
Em igual sentido, André Franco Montoro enfatiza que “Desde o direito romano é
reconhecida a divisão do Direito em Público e Privado”50
, sendo que, conforme os romanos,
“O Direito Público diz respeito às coisas do Estado, o Privado, à utilidade dos Particulares.”
Não discrepando do quanto exposto, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que o
Direito, entendido como um conjunto de normas dotadas de coercibilidade e destinadas a
disciplinar a vida em sociedade, divide-se em dois grandes blocos, que se submetem a
técnicas jurídicas próprias, sendo o Direito Privado caracterizado pelo gerenciamento de
interesses privados, caracterizado, portanto, pela autonomia da vontade, ficando o Direito
Público incumbido da tarefa de regular o interesse geral.51
Tamanha é a influência da dicotomia, e até certo ponto a impropriedade de sua
existência, eis que direitos existem que nela não se encaixam, André Franco Montoro, em
Introdução à Ciência do Direito, traça a evolução histórica do tema para, ao final, sugerir um
novo sistema de classificação.
Nesse sentido, o primeiro critério justificador da dicotomia, conforme os ensinamentos
em referência, vigente no Direito Romano, estava relacionado ao interesse. Desta forma, seria
Direito Público aquele cujas normas fizessem referência ao interesse do Estado ou da
sociedade representada pelo Estado, ao passo que o Direito seria Privado quando orientasse o
interesse dos indivíduos.52
Entretanto, porque não seria possível, com segurança, determinar se o interesse
tutelado era pertencente ao Estado ou aos particulares e porque diversas disposições, em que
pesem tutelar o interesse do indivíduo, teriam caráter geral, tal como as normas atinentes ao
Direito de Família, o critério do interesse foi objeto de crítica pelos canonistas e,
modernamente, por Savigny. A problemática, nesse ponto, haveria de ser superada por meio
da agregação do adjetivo “preponderante” ao critério da utilidade. Assim, seria Direito
49 DAVI, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.85. 50 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.457. 51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional
64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.27. 52 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.458.
33
Público aquelas normas que visassem o interesse preponderante do Estado, sendo particular o
Direito quando visasse preponderantemente os interesses do particular. De acordo com o
critério do interesse preponderante, o Direito, ainda que vise o outro ramo, porém não de
forma predominante, não terá sua classificação alterada.
Todavia, porque não superou a possibilidade de normas de um ramo ostentarem
características de outro ramo, o mesmo devendo ser dito no que tange à impossibilidade de
segregação segura dessas normas, o critério do interesse predominante também foi objeto de
críticas pela doutrina, notadamente por Jellinek que, em sua Teoria Geral do Estado, apresenta
como critério diferenciador o poder de império. Conforme esse critério, o Direito Público
seria caracterizado pela existência de certo grau de subordinação de uma parte, enquanto no
Direito Privado as partes estariam em posição de igualdade, em relação não de subordinação,
mas sim de coordenação.
Esse critério, em que vige o poder de império, conforme explicita André Franco
Montoro, conquanto válido, não é indene de imperfeições.53
Para tanto, basta recordar que
existem relações de subordinação no Direito Privado, tais como o poder de direção do
empregador sobre o empregado e o poder familiar, assim como existem relações de não
subordinação no âmbito do Direito Público, tal como ocorre na relação entre Estados regulada
pelo Direito Internacional Público.
Outro critério apresentado por ele que teria sido utilizado nessa evolução histórica
versa sobre o conteúdo patrimonial. Nesse sentido, cuidaria o Direito Privado das relações
patrimoniais, cabendo ao Direito Público regular as relações não patrimoniais. Esse critério,
tal como ocorre com os demais, não é perfeito e, em certa medida, não serve para explicar a
dicotomia. Para tanto, basta frisar que existem normas de Direito Público, tais como aquelas
relativas à tributação e à desapropriação, que ostentam inegável aspecto patrimonial. É certo
também que o Direito Privado regula relações não patrimoniais, tal como ocorre com o direito
da personalidade, os impedimentos para o casamento e os deveres de família.54
Esses critérios, de acordo com os seus ensinamentos, não são inteiramente
satisfatórios, daí porque propõe que o Direito Público será aquele que regula as relações em
que o Estado é parte, cabendo ao Direito Privado regular as situações jurídicas firmadas entre
particulares.55
53 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.459. 54 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014. 55 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014.
34
Para Miguel Reale, a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado deve levar em
consideração não mais o critério da utilidade, mas sim o conteúdo e o elemento formal. Nesse
sentido, propõe Miguel Reale, no que tange ao conteúdo, que quando é visado imediata e
prevalecentemente o interesse geral, o Direito será Público. De outro lado, ainda conforme o
critério do conteúdo, se é visado de forma imediata e prevalecente o interesse particular, o
Direito será Privado. No que tange ao critério formal, será Público o Direito quando a relação
jurídica entabulada for de subordinação, sendo o Direito de natureza privada se a relação for
de coordenação.56
Em virtude da prevalência do interesse comum como caracterizador do Direito
Público, que é titularizado pelo Estado, a doutrina subdividiu esses interesses, de modo que o
interesse público primário estaria relacionado à consecução do bem comum, ficando o
interesse público secundário caracterizado na hipótese em que a Administração Pública venha
a figurar como o sujeito deste direito.57
Ainda de acordo com essa subdivisão, o interesse
público secundário somente poderia ser defendido pela Administração caso não estivesse em
conflito com o interesse público primário. E assim seria pois o interesse público primário,
uma dimensão pública dos interesses individuais, estaria contido no interesse público
secundário.
Ocorre que, na temática dos Direitos Difusos, dentre os quais está inserido o direito do
consumidor, essa concepção, que demanda ausência de conflituosidade entre os interesses
públicos, não se afigura oportuna. Isso porque ela não consegue alocar adequadamente os
Direitos Difusos, que possuem características híbridas, ora mais próximas do direito privado,
ora mais próximas do direito público, ora englobando esses dois ramos em uma mesma
proporção, e específicas.
Na temática dos Direitos Difusos, portanto, o interesse que predomina é o interesse
difuso, que “importa num posicionamento da sociedade civil em função de suas próprias
ambiguidades, em questões que podem até mesmo alienar a função do Estado”, conforme
ensinamento de Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.58
Com efeito, conquanto de relevante função histórico-didática, a dicotomia Direito
Público e Direito Privado, com suas vertentes relativas aos interesses envolvidos, poder de
império e titulares da relação, não mais possui razão de ser, sendo que o advento dos Direitos
56 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. ajustada ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p.339-
341. 57 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional
64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.65-69. 58 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 1999, p.57.
35
Difusos, cujas características, especialmente o elevado grau de conflitualidade, ora afastam o
regramento do Direito Privado, ora afastam o regramento do Direito Público e ora impõe a
observância de regramento específico, fulmina a dicotomia e demonstra a impropriedade de
sua existência, exceto para fins didáticos.
3.3 Os direitos público e privado, e a formação dos Estados: as dimensões dos
direitos fundamentais
Não bastasse essa forte influência no Direito, a dicotomia Público e Privado ainda
influenciou a formação dos Estados e a classificação dos direitos fundamentais, não sendo
raro encontrar ensinamentos no sentido de que o Estado Liberal está associado à maior
prevalência do privado.
Nesse ponto, cabe destacar, para uma boa compreensão do tema, a teoria dos direitos
fundamentais.
Entendidos em sua concepção lata como aqueles direitos inerentes à liberdade e à
dignidade humana e, em sua concepção estrita, como aqueles direitos que o direito qualifica
como fundamentais, a teoria dos direitos fundamentais auxilia não apenas no entendimento da
dicotomia público-privado, mas especialmente na sua superação, com especial destaque para a
adequada alocação dos Direitos Difusos como um novo ramo do Direito.
De acordo com a referida teoria, os direitos fundamentais podem ser agrupados em
diversas dimensões.59
Nesse contexto, a primeira dimensão do direito está relacionada à liberdade do
indivíduo perante o Estado.
Caracterizada pela forte abstenção do Estado em não fazer algo que atinja
contrariamente a liberdade do indivíduo, os direitos de primeira dimensão dominaram o
século XIX.
Nesse momento, portanto, o indivíduo é o centro de preocupação e tutela do direito,
ocupando o Estado um papel negativo, ou seja, de abstenção.60
59 Preferimos, nesse particular, a expressão dimensão em detrimento da utilização da expressa geração. E fazemos isso pois a
utilização da expressão geração traz uma concepção de ruptura e, em um segundo plano, a ideia de que haveria uma evolução
de ruptura linearmente harmônica. Já a utilização da expressão dimensão permite evidenciar a concepção de que os direitos
estão, em certa medida, contidos uns nos outros e que, em determinados momentos, são conflitantes entre si. Tome-se como
exemplo o direito à liberdade de locomoção, que pode ser classificado como um direito de primeira dimensão, e o direito ao
meio ambiente equilibrado, direito de terceira, ou quarta, a depender do critério utilizado, geração. 60 Para Paulo Bonavides, os direitos civis são direitos de primeira dimensão: “Os direitos da primeira geração são os direitos
da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em
grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. [...] Os
direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como
faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de
36
Como consequência dessa prevalência do âmbito privado, os Estados liberais eram
conduzidos por Constituições também liberais, que limitavam a atuação estatal e o poder
político, privilegiando a autonomia privada.61
Com o passar dos tempos, surgem os denominados direitos de segunda dimensão.
Caracterizados pelos direitos políticos, que nada mais vêm a ser do que a participação
popular no processo político, ou seja, o direito ao sufrágio, em última ratio, esses direitos de
segunda dimensão demandam a intervenção do Estado, que deverá garantir os meios
necessários ao exercício desses direitos.
Desta forma, não basta, tal como ocorria com os direitos de primeira dimensão e que
caracterizaram os Estados Liberais, ao Estado proteger, via abstenção, os interesses
particulares. Na temática dos direitos de segunda dimensão o Estado fica obrigado a criar
mecanismos para tanto, caracterizando-se por uma postura positiva que inclusive acaba por
dar início ao Welfare State, ou, na proposição de Celso Lafer, por propiciar um “direito de
participar do bem-estar social.”62
, o que ocorre por meio do asseguramento dos direitos
políticos, ou seja, pelo direito de participar da política, pelo sufrágio, pelo direito de
associação, entre outros.
Tal como ocorre com os direitos de primeira dimensão, os direitos de segunda
dimensão não possuem uma caracterização pacífica.
Para Paulo Bonavides, para quem os direitos de primeira dimensão são aqueles
relativos aos direitos civis e políticos, os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais,
culturais e econômicos, além daqueles relativos aos direitos coletivos ou de coletividades.63
Para Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, os direitos de segunda
dimensão “são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional, de minoração das
resistência ou de oposição perante o Estado. [...] São por igual direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem
das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica
mais usual”. (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p.577-578).
Para Norberto Bobbio, os direitos de primeira dimensão são aqueles inerentes à liberdade do indivíduo em face do Estado,
que deveria abster-se de fazer algo que atingiria contrariamente o indivíduo. (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004, p.28-29). 61 Nesse sentido, leciona Ingo Wolfgang Sarlet: “Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas
primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo
francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como
direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não
intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São, por este motivo, apresentados como
direitos de cunho ‘negativo’, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes
públicos, sendo, neste sentido, ‘direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.’” (SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11.ed. rev.
atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.46-47). 62 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.127. 63 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p.578-579.
37
desigualdades sociais.”64
Nesse contexto, para ambos, os direitos de segunda dimensão seriam
aqueles capitulados no art.6° do texto constitucional, e em outras passagens, tal como o Título
VIII da Constituição Federal.
Ainda conforme a proposta dos autores, os direitos de segunda dimensão estariam
divididos em três partes. A primeira delas diria respeito à indicação genérica dos direitos
sociais, sendo a segunda esfera relativa aos direitos individuais dos trabalhadores, urbanos,
rurais e domésticos, e a terceira relacionada aos direitos coletivos desses trabalhadores.65
Conquanto de oportuna relevância a classificação em referência, temos que os direitos
sociais integram a terceira dimensão dos direitos fundamentais. E isso se deve pelo simples
fato de que, uma vez fixada a liberdade do indivíduo em face do Estado, mister que à este
seja, quase que mandatório, fixar as balizas por meio das quais referidos direitos individuais
serão desenvolvidos, o que ocorre por meio do respeito aos direitos políticos, daí surgindo a
segunda dimensão dos direitos fundamentais, cuja evolução resulta nos direitos sociais. Em
outras palavras, à abstenção estatal, que caracteriza a primeira dimensão dos direitos, surge,
como desdobramento quase que natural, a necessidade do Estado em fornecer os meios para
que esses direitos sejam exercidos primeiramente na esfera individual, para, posteriormente,
preservar esses direitos em uma esfera de maior amplitude, iniciando pelo aspecto político e
desaguando em contexto social.
Seguindo na evolução dos direitos fundamentais, surge a quarta dimensão que, para
nós, é caracterizada por ser um campo de direitos-deveres. Importante, nesse ponto, frisar que
não se tratam de direitos e deveres, mas sim de direitos-deveres. O fundamento para tanto, é
bom consignar, repousa na proteção à geração futura ocasionada pela observância da
precaução, de modo que na quarta dimensão existe sobreposição dos deveres da geração atual
em preservar os direitos fundamentais das futuras gerações. Vale dizer, portanto, que à atual
geração não é permitido suprimir das gerações futuras as possibilidades de escolhas, deixando
à margem a observância do princípio da precaução, o que ocorre quando um produto ou
serviço é colocado no mercado de consumidor sem que seus riscos tenham sido
profundamente estudados.
64 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18.ed. rev. atual. até
EC 76 de 28 de novembro de 2013. São Paulo: Verbatim, 2013, p.579-580. 65 Em sentido muito similar, Ingo Wolfgang Sarlet enfatiza: “Ainda na esfera dos direitos de segunda dimensão, há que se
atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas
‘liberdades sociais’, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do
reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a
garantia de um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho, apenas para citar alguns dos mais representativos.”
(SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 11.ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.48.)
38
A nota distintiva desses direitos, portanto, não é a titularidade coletiva.66
E isso é
facilmente sustentável quando considerado que os direitos de terceira dimensão não raras
vezes possuem uma titularidade coletiva, tal como ocorre com os direitos previdenciários e os
dissídios coletivos, que não ostentam viés intergeracional. Desta maneira, sendo esse o
critério diferenciador, não estaríamos diante de uma nova dimensão dos direitos
fundamentais, mas sim dentro de uma nova categoria dentro de uma mesma dimensão.
A nota distintiva dos direitos de quarta dimensão, do qual o Direito do Consumidor faz
parte, assim como os Direitos Difusos em sua amplitude, é a solidariedade e a fraternidade ou,
em outros termos, seu aspecto intergeracional, cujo postulado principiológico é a precaução,
que, numa análise finalística, remonta à dignidade da pessoa humana, tal como ocorre com os
direitos das demais dimensões.67
Na temática, por exemplo, do Direito do Consumidor, temos que um produto
defeituoso ou até mesmo um produto de nocividade ainda não totalmente conhecida não gera
efeitos apenas na geração presente. A atividade, seja do fornecedor particular, seja do Estado-
fornecedor, no mercado de consumo impõe o dever de observância à precaução, cujo
desdobramento fático vem a ser a necessária observância à fraternidade e à solidariedade. O
desempenho de uma atividade econômica não pode ocorrer sem a observância desses
balizadores.68
Caso isso ocorra, a atuação sancionatória do Estado deve entrar em cena.
66 Para Celso Lafer, a nota distintiva desses direitos é o deslocamento da figura do indivíduo enquanto seu titular, passando a
titularidade para a proteção de determinados grupos, tais como família, povo e nação. (LAFER, Celso. A reconstrução dos
direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.131). Para Paulo Bonavides, ao seu turno, esses direitos em
que impera a solidariedade e a fraternidade são caracterizados por possuírem como destinatários o gênero humano,
objetivando sua existencialidade concreta. (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo:
Malheiros, 2014, p.583-584). 67 Para os fins do presente estudo, temos que a análise da evolução dos direitos fundamentais encerra-se nesse momento. No
entanto, cabe observar que a doutrina, com as vacilações próprias do sistema de classificações, segue no estudo para
apresentar novos direitos. Vide, nesse particular, os ensinamentos de Paulo Bonavides. (BONAVIDES, Paulo. Curso de
direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p.594-609). 68 Dois exemplos, um mais antigo e outro bem recente, traduzem o quanto exposto. O primeiro deles, que remonta à década
de 1960, diz respeito a veículo automotor lançado por uma grande companhia automobilística norte-americana que colocou
no mercado inovador veículo que não ostentava mínimas condições de segurança, tendo causado centenas de acidentes, com
mortes ou lesões corporais. Os problemas relacionados dizem respeito ao sistema de ventilação do veículo, que jogava para
dentro da cabine de condução os gases provenientes do motor e a instabilidade da barra de suspensão traseira, que fazia,
numa instância mais severa, com que o carro viesse a capotar em que pese estar em baixas velocidades. O lançamento desse
veículo foi objeto de intensa campanha publicitária, o que aumentou o desejo em sua aquisição, de modo que fala-se em
aproximadamente um milhão de veículos vendidos. O ponto crucial nessa história é que os altos dirigentes da companhia
eram sabedores dos problemas do veículo e, em que pese o baixo custo para sua correção, nada fizeram (MOKHIBER,
Russell. Crimes corporativos. São Paulo: Página Aberta, 1995, p.125-132). O segundo exemplo também está relacionado à
empresa automobilística, desta vez de origem germânica. Em virtude das Resoluções 311 e 312, ambas do Contran –
Conselho Nacional de Trânsito, os veículos comercializados em território nacional devem obrigatoriamente ostentar alguns
novos elementos de segurança, cabendo destaque ao air bag e ao air break system, ou ABS, sistema de frenagem a ar, muito
mais seguro e eficiente quando comparado ao sistema de frenagem a disco e pastilha. Entretanto, a implementação desses
sistemas eleva os custos de produção dos veículos e, consequentemente, seu preço final de venda. Como consequência, e
talvez em uma análise utilitarista, referida companhia optou por deixar de produzir determinado veículo comercializado por
ininterruptos 56 anos. Tivesse interrompido sua atuação nesse ponto, não vislumbraríamos nenhum questionamento em seu
proceder. O problema surge quando considerado que com a medida, a companhia iniciou forte campanha publicitária
destinada à venda de número determinado deste veículo em uma edição limitada e que não contêm air bag e ABS. A
colocação desses novos veículos no mercado perdurará ao longo do tempo, sujeitando seus compradores e eventuais vítimas a
39
3.4 Superação da dicotomia público-privado
A dicotomia público-privado exerceu forte influência nos países de tradição romano-
germânica, tendo inclusive influenciado a formação dos denominados Estados Liberais.
Caracterizados pela influência da idealização liberal-burguesa da Revolução Industrial
em que havia excessiva limitação do poder político e do próprio Estado em favor dos
interesses individuais, nos Estados Liberais a ordem política do cidadão, ou seja, o público,
estava separada da ordem privada. De acordo com Paulo Lôbo, o Estado, nesse período,
estava dissociado da sociedade civil.69
Assim, para a tutela do Estado, foram elaboradas
Constituições políticas. Para a tutela da sociedade foi elaborado o Código Civil, de modo que
havia dois sistemas jurídicos, daí surgindo a dicotomia público-privado.
Ocorre que a dicotomia público-privado não mais possui razão de ser, exceto por sua
pertinência didática.70
Enquanto regulador da vida em sociedade, o Direito não visa criar situações de
desigualdade, tal como ocorria nos Estados Liberais, mas equalizar situações de desigualdade.
A nova ordem constitucional, inauguradora do Estado Social-Democrático, a
teorização dos direitos fundamentais e o surgimento dos Direitos Difusos sedimentam a
impertinência da dicotomia.
3.4.1 A constitucionalização do Direito
Não restam dúvidas no sentido de que o ordenamento jurídico é estruturado de forma
hierarquizada, ocupando a Constituição Federal o lugar mais importante nessa estrutura, ou
seja, seu ápice. A clássica estruturação escalonada apresentada por Hans Kelsen ainda
prevalece.
Nesse sentido, Norberto Bobbio, evocando os ensinamentos de Hans Kelsen nesse
particular, leciona que o ordenamento jurídico é composto por diversas normas provenientes
possíveis acidentes, o que, em certa medida, distancia-se desse direito-dever que rege os direitos fundamentais de quarta
dimensão. Outro exemplo diz respeito aos aparelhos celulares, em que não se verifica a existência de índices seguros de
utilização no que tange à irradiação das ondas eletromagnéticas ou até mesmo no que tange aos componentes de sua bateria.
Por fim, e talvez o mais emblemático de todos, é o exemplo do cigarro, cujos maços são comercializados com a expressão
“Não existem índices seguros para o consumo dessa substância.” 69 LÔBO, Paulo. A constitucionalização do direito civil brasileiro. In: TEPEDINO, Gustavo. Direito civil contemporâneo –
novos problemas de legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p.19. 70 Reconhecendo a importância didática da divisão, é a lição de Miguel Reale: “Toda ciência, para ser bem estudada, precisa
ser dividida, ter as suas partes claramente discriminadas.” (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. ajustada
ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p.339).
40
de diversas fontes normativas e que, por constituírem um sistema, não podem coexistir de
forma incompatível.71
Desta forma, uma vez ocupando a Constituição o espaço da lei maior, não podem as
demais leis, por mais variadas que possam ser suas fontes ou a matéria nelas versadas, serem
com ela incompatíveis.
Nesse contexto, a concepção de unidade sistêmica pressupõe a noção de unidade
hermenêutica, “e esta somente ocorrerá se os princípios que animam a Constituição Federal,
fundamento de validade de todo o ordenamento, constituírem o matiz ideológico das demais
normas que o integram”.72
Mas não é somente nesse sentido, ou seja, na concepção de que as normas
infraconstitucionais devem observar as previsões constitucionais que está inserida a ideia de
constitucionalização do Direito.
A ideia de constitucionalização do Direito vai além para atribuir efeito expansivo às
normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa,
por todo o sistema jurídico. Vale dizer, portanto, que pela constitucionalização do Direito as
normas constitucionais possuem normatividade ampla e irrestrita, influenciando a atuação dos
três Poderes e, o mais importante, o relacionamento entre os particulares.
Nesse sentido, leciona Luís Roberto Barroso:
A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito
expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se
irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins
públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição
passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito
infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação
dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares.
Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares.73
Desta forma, pela constitucionalização do Direito, tem-se não apenas que o
ordenamento jurídico deve ser estruturado de modo harmônico, impondo a necessidade de
observância das normas infraconstitucionais às previsões da Constituição Federal, mas
também e mais importante, que as normas da Constituição irradiam-se pelo ordenamento,
condicionando a validade e o sentido das demais normas, que devem ser lidas e interpretadas
à luz da Constituição.
71 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UnB, 1996. 72 SAMPAIO, Aurisvaldo Melo. As novas tecnologias e o princípio da efetiva prevenção de danos ao consumidor. In:
Revista de direito do consumidor nº49, jan.-mar., 2004, São Paulo: RT, 2004, p.136. 73 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do
novo modelo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.390-391.
41
Nesse contexto, uma vez que a Constituição Federal de 1988 privilegiou uma
economia de contornos liberais, porém limitada pela possibilidade de intervenção estatal e da
sociedade civil para regular as relações econômicas visando tornar efetivas as garantias
básicas nela previstas, tem-se que as legislações infraconstitucionais, dentre as quais o Código
de Defesa do Consumidor, mais do que respeitarem a hierarquia constitucional, devem criar
mecanismos para implementação e observância dessas garantias.74
Desta forma, de nada serviria o Código de Defesa do Consumidor se não existisse essa
vinculação hierarquizada e essa leitura ampliativa.
Ao apresentar normas de ordem pública e interesse social destinadas à regulamentação
das relações de consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, além de respeitar a estrutura
escalonada proposta por Hans Kelsen, está em inquestionável harmonia com a Constituição
Federal de 1988, vez que permite a implementação de garantias nela previstas, inclusive no
que tange aos objetivos e fundamentos da República. E uma vez que o Código de Defesa do
Consumidor reflete a constitucionalização do Direito, não faria qualquer sentido, sob pena de
esvaziamento dessa sistemática, obstar a ocorrência da reformatio in pejus no processo
administrativo de defesa do consumidor.
O fundamento para a existência da constitucionalização do Direito, conforme leciona
Daniel Sarmento, encontra respaldo na existência dos direitos fundamentais, que, além de
desconstituir a dicotomia público-privado, também serve para justificar a maior ingerência do
intervencionismo estatal nas relações jurídicas com vistas a impulsionar a promoção dos
valores constitucionais em todos os ramos do direito:
Assentando-se na premissa de que os direitos fundamentais configuram o epicentro
axiológico da ordem jurídica, a eficácia irradiante impõe uma nova leitura de todo o
direito positivo. Por intermédio dela, os direitos fundamentais deixam de ser
concebidos como meros limites para o ordenamento e se convertem no norte do
direito positivo, no seu verdadeiro eixo gravitacional [...] em razão da natureza
axiológica da Constituição de 1988, que conferiu absoluta centralidade e primazia
aos direitos fundamentais e está fortemente impregnada por valores solidarísticos, de
marcada inspiração solidária.75
Assim, pela constitucionalização do Direito, o centro do ordenamento jurídico passa a
ser ocupado pela Constituição Federal, que mais do que guardar um sistema hermético, passa
a irradiar seus efeitos para os demais ramos do Direito, que devem respeitar suas disposições,
74 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 1999, p.55. 75 SARMENTO, Daniel; SAMPAIO, José A. Leite (Org.). Jurisdição constitucional e os direitos fundamentais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003, p.280.
42
de modo que a ordem jurídica passa a ser vista sob o prisma da Constituição e com vistas à
realização dos valores nela insculpidos, perdendo sentido a dicotomia público-privado.76
3.4.2 Os direitos difusos
Ao lado da constitucionalização do Direito, o surgimento dos Direitos Difusos fulmina
a dicotomia público-privado.
Conquanto uma análise açodada do tema permita concluir em sentido contrário, os
Direitos Difusos dizem respeito a um novo ramo do Direito, que está mais afinado à realidade
social e umbilicalmente ligado à solidariedade e à fraternidade, base do direito
intergeracional, cujo princípio da precaução ocupa lugar de destaque e que caracteriza os
direitos de quarta dimensão.
Se possível for decompô-los, os Direitos Difusos podem ser assim fracionados: Direito
do Consumidor, Direito Ambiental e o Estatuto da Criança e Adolescente, além dos Direitos
Sociais, do Patrimônio Artístico e Cultural, entre outros.
Haveria nessas espécies de direitos não apenas a característica que ecoa na doutrina
referente à titularidade difusa desses direitos, mas, também, e esse é nosso ponto de vista, de
um dever de fraternidade e solidariedade, que impõe a todos o dever de observância desses
direitos, ainda que as futuras gerações possam deles dispor ou aniquilá-los.
Vale frisar, portanto, que os direitos de quarta dimensão, dentre os quais está inserido
o Direito do Consumidor em ambas as vertentes, material e processual, caracterizam-se pela
imperiosa observância do princípio da precaução.
Alocando esses Direitos, seria possível, para aqueles que não reconhecem a existência
de um novo ramo do Direito, alocar o Direito do Consumidor como um direito inerente ao
Direito Privado, ficando os demais na seara dos Direitos Públicos. Para tanto, prevaleceria o
aspecto eminentemente contratual do Direito do Consumidor, como se outros aspectos não
76 No sentido exposto, em que pese alocar o direito do consumidor no ramo do direito privado, com o que não concordamos,
notadamente após o surgimento dos direitos difusos, didáticos são os ensinamentos de Aurisvaldo Melo Sampaio:
“Hodiernamente, sequer é possível, com o rigor do passado, admitir-se a dicotomia entre o direito público e o direito privado,
muito menos serem eles compartimentos estanques do direito. Perde sentido até mesmo a idéia de que o direito público tutela
os interesses gerais da sociedade, em oposição ao direito individual. Ora os interesses gerais da sociedade e os interesses do
particular frequentemente se confundem, sobretudo quando transita em matérias afetas àqueles indivíduos considerados mais
fracos na relação jurídica, como é a regra nas relações de consumo. Assim é que o texto constitucional passa a cuidar de
interesses eminentemente privados, dando ênfase, aliás, à defesa do consumidor – as relações de consumo são relações
jurídicas privadas –, tema que é inserido no texto da Lei Maior como direito fundamental e princípio norteador da ordem
econômica. [...] Se outrora a dicotomia era admitida, hoje, a unidade hermenêutica se impõe. Os valores sobre os quais se
fundamenta a Constituição devem orientar toda a hermenêutica de quaisquer províncias do direito, o direito do consumidor
particularmente. Evidentemente, esse novo panorama desloca do direito civil para o âmbito constitucional o papel unificador
e sistematizador do direito privado, com visíveis consequências jurídicas.” (SAMPAIO, Aurisvaldo Melo. As novas
tecnologias e o princípio da efetiva prevenção de danos ao consumidor. In: Revista de direito do consumidor nº49, jan.-
mar., 2004, São Paulo: RT, 2004, p.137-138, nº49, jan.-mar.2004).
43
existissem, enquanto para os demais prevaleceria a ingerência pública, notadamente o poder
de polícia e outros elementos do Direito Público.
Ocorre que essa classificação não está em sintonia com a existência dos Direitos
Difusos não apenas porque não atende aos aspectos anteriormente mencionados, mas
principalmente porque atribui maior relevância a um determinado aspecto desses direitos que,
no entanto, não permitem fracionamento, vez que é da essência desses direitos a aglutinação
de diversos aspectos. E isso é facilmente perceptível quando considerado que os Direitos
Difusos “são aqueles que trespassam a órbita estreita do interesse público, para alcançar
aqueles transindividuais”77
, que dizem respeito a anseios ou necessidades da coletividade
relativos, no mais das vezes, à qualidade de vida e que, não raras vezes, são dotados de
conflituosidade interna.
Reconhecendo que os direitos difusos constituem outra espécie, que não se insere na
dicotomia público-privado, são os ensinamentos de Hugo Nigro Mazzilli, que se valem da
expressão interesse difuso:
Não são, pois, os interesses difusos mera subespécie de interesse público. Embora
em muitos casos possa até coincidir o interesse de um grupo indeterminável de
pessoas com o interesse do Estado ou o interesse da sociedade como um todo (como
o interesse ao meio ambiente sadio), a verdade é que nem todos interesses difusos
são compartilhados pela coletividade ou comungados pelo Estado, como já ficou
claro no exame dos exemplos dados acima.78
Interessante salientar que no Brasil, até o advento do Código de Defesa do
Consumidor, a conceituação e até mesmo a tutela dos Direitos Difusos (e também dos
Coletivos) decorria de referências apresentadas basicamente pela Lei n°7.347/85.
Com o advento do Código, entretanto, os Direitos Difusos passaram não apenas a ser
objeto de uma tutela mais abrangente, mas a serem conceituados. E isso foi feito no art.81,
que os classificou em Direitos Difusos (inc. I), Direitos Coletivos stricto sensu (inc. II) e
Direitos Individuais Homogêneos (inc. III).
A conceituação legal acerca dos Direitos Difusos adotada pelo Código de Defesa do
Consumidor levou em consideração a indeterminação dos titulares e a ausência, entre eles, de
uma relação jurídica base, além da indivisibilidade do bem jurídico e a transindividualidade.79
77 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 1999, p.55. 78 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,
patrimônio público e outros interesses. 18.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p.51. 79 No que tange aos Direitos Coletivos, verifica-se da conceituação legal que os mesmos também são transindividuais, sendo
de natureza indivisível, porém pertencentes a um grupo determinável de pessoas ligadas por uma relação jurídica base. No
que tange aos Direitos Individuais Homogêneos, verifica-se que os mesmos estão definidos no art.81, III do Código
simplesmente como aqueles “decorrentes de origem comum.”
44
Conquanto a conceituação legal somente tenha surgido após o advento do Código de
Defesa do Consumidor, é possível concluir que os Direitos Difusos possuem origem na
Constituição Federal, precisamente em seus arts.5°, XXXII e 225.
Nesse sentido, em seus seguros ensinamentos, Celso Antonio Pacheco Fiorillo leciona
que alguns direitos elencados na Constituição Federal estão perfilados na forma de Direitos
Difusos:
[...] destarte, poderíamos indicar, na atual Constituição Federal, algumas normas que
assumem claramente a característica ou natureza de direitos transindividuais, de
natureza indivisível de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato. Assim o princípio de que todos são iguais perante a lei; o uso
da propriedade; a higiene e a segurança do trabalho; a educação, incentivo à
pesquisa e ao ensinamento científico e amparo à cultura; a saúde; o meio ambiente;
o consumidor; a proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico; a
família, criança, adolescente e idoso e mesmo algumas regras vinculadas à
comunicação social demonstram a existência e a preocupação do legislador na tutela
constitucional destes direitos transindividuais em sua ótica material.80
Pelos argumentos expostos, especialmente pela previsão constitucional ora referida,
verifica-se, portanto, que a dicotomia público-privado não mais se revela oportuna, salvo em
seu aspecto didático. Com o advento dos Direitos Difusos, uma nova ordem foi inaugurada,
qual seja, a necessária observância do princípio da precaução, cuja não observância impõe a
atuação sancionadora do Estado.
3.5 Poderes da Administração Pública
Ainda que não haja mais que se falar na dicotomia público-privado, a efetivação dos
Direitos Difusos está invariavelmente relacionada à atuação da Administração Pública.
Não se olvida que o respeito aos Direitos Difusos deve permear todas as esferas,
devendo o Direito Privado também respeitá-los. Entretanto, a ausência do jus puniendi nas
relações privadas e especialmente a consagração constitucional da proteção do consumidor
como fim do Estado prevista no art.5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988 impôs à
Administração Pública o dever de efetivação desses direitos.
Para tanto, ou seja, para que a Administração Pública possa exercer o conjunto de
atividades que lhe cabem na temática, o ordenamento lhe confere determinados poderes.
Esses poderes, por sua vez, conforme leciona Lúcia Rêgo, são decorrentes da
existência, na Constituição, de normas-fim e normas-tarefa, que conferem à Administração
80 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Os sindicatos e a defesa dos interesses difusos no direito processual civil brasileiro.
In: Coleção Estudos de Direito de Processo. São Paulo: RT, 1995.
45
poderes para que possa exercer os direitos em prol da coletividade.81
No mesmo sentido,
reconhecendo o caráter instrumental e qualificado dos poderes da Administração, são os
precisos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Logo, tais poderes são instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles,
o sujeito investido na função não teria como desincumbir-se do dever posto a seu
cargo. Donde, quem os titulariza maneja, na verdade, deveres-poderes, no interesse
alheio.82
Dentre esses poderes, cabe destacar o poder de polícia e da autotutela, a seguir
abordados, e que conferem uma adequada compreensão do tema vertido na presente
dissertação.
3.5.1 Poder de polícia
O poder de polícia consiste em forte e relevante instrumento de atuação da
Administração Pública, que inclusive condiciona a atuação do administrado.
Conforme explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder de polícia é o instrumento
da Administração Pública que condiciona o exercício dos direitos do indivíduo a um fim
específico, qual seja, o bem-estar social, não existindo qualquer incompatibilidade nisso, vez
que a concepção de limite decorre do próprio conceito de direito subjetivo.83
Para Themístocles Brandão Cavalcanti, o poder de polícia também possui uma
característica instrumental, porém qualificada, vez que sua finalidade é assegurar a liberdade
individual e os direitos essenciais do homem por meio da disciplina normativa desses direitos
exercitada pelo poder de polícia.84
Em igual sentido, são os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:
Poder de política é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para
condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em
benefício da coletividade ou do próprio Estado.
Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo
de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito
individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado
detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente
ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.85
81 RÊGO, Lúcia. A tutela administrativa do consumidor: regulamentação estatal. São Paulo: RT, 2007, p.38-39. 82 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional
64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.71-72. 83 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.121. 84 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Tratado de direito administrativo. t.3. São Paulo-Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1956, p.6-7. 85 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.139-140.
46
Não é outro o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem “A
atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses
coletivos designa-se poder de polícia.”86
Em igual sentido, José dos Santos Carvalho Filho aduz que “Quando o Poder Público
interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo
direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.”87
Da leitura dos ensinamentos em referência, verifica-se a existência de três pontos de
identidade: a limitação dos interesses dos particulares; a consecução do bem comum e a
supremacia do interesse público, características, no entanto, que não permitem à
Administração Pública atuar sem prévia previsão legal impondo não apenas a conduta a ser
observada, mas também a respectiva sanção.88
Conquanto somente possa exercer seu poder de polícia quando não observada a
conduta legalmente prevista, o fundamento do poder de polícia não decorre da lei, mas da
própria Constituição Federal de 1988.
Com efeito, se considerado que a consagração constitucional prevista no art.5°, XXXII
relativa à proteção ao consumidor como fim do Estado impõe à Administração Pública o
dever de agir com vistas a efetivar essa proteção, sem olvidar que ao Direito Privado falta o
jus puniendi, outro não poderia ser o fundamento do poder de polícia que, na temática do
presente estudo, destina-se a preservar os direitos difusos dos consumidores.
Destarte, conforme apresentado, a superação da dicotomia público-privado ocasionada
pela constitucionalização do Direito e pelo surgimento dos Direitos Difusos robustece o
quanto exposto.
Alie-se ao quanto exposto a circunstância de que à Administração Pública incumbe o
papel de policiar a supremacia geral que o Estado exerce em seu território, supremacia esta
que está assentada nos mandamentos constitucionais e em normas de ordem pública, cuja
inobservância traz como consequência a sanção.
Assim, a atuação da Administração Pública na efetivação dos Direitos Difusos
efetivada pelo poder de polícia não decorre, tal como pode parecer, da supremacia do
86 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional
64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.822. 87 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-2013. São
Paulo: Atlas, 2014, p.76. 88 Por todos, são os ensinamentos de Sílvio Luís Ferreira da Rocha: “Em outras palavras, não cabe à Administração
estabelecer restrição ou limitação à propriedade e à liberdade que não estejam previstas na lei. Cabe-lhe apenas, diante da
delimitação imprecisa, identificar claramente, no caso concreto, os seus limites.” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Manual
de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.487-488).
47
interesse público sobre o privado, mas sim da nova ordem inaugurada pela Constituição
Federal de 1988.
Ciente desse cenário, não descuidou o Código de Defesa do Consumidor de fixar a
competência legal dos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para o
exercício do poder de polícia, seja por meio da prática de atos preventivos, fiscalizadores ou
repressivos, fazendo-o em seus arts.55 e 106.
Desta forma, tem-se que o poder de polícia nada mais vem a ser do que uma
modalidade lícita de intervenção da Administração Pública no domínio econômico e social e
destinada, no que tange ao presente estudo, a efetivar a preservação, pela via administrativa,
das normas jurídicas relativas à tutela dos direitos dos consumidores.89
3.5.2 Autotutela
Conforme anteriormente apresentado, a proteção do consumidor realizada pela
Administração Pública não fica circunscrita à função sancionadora exercida por meio do
poder do polícia. Ao seu lado deve também ser alocado o princípio da autotutela, que permite
à Administração Pública revisar seus atos, anulando os ilegais e revogando os inconvenientes
ou inoportunos.
Trata-se, no que tange à anulação dos atos, como facilmente se pode depreender, de
decorrência do princípio da legalidade eis que, estando a Administração Pública sujeita à lei, a
ela, a Administração, incumbe, por óbvio, o controle da legalidade, tratando-se, no que tange
à revogação dos atos, de conduta destinada à apreciação do mérito do ato. A revogação está
relacionada ao reexame, pela Administração, dos atos anteriores quanto à conveniência e
oportunidade de sua manutenção ou desfazimento.90
Esse controle de seus próprios atos, entretanto, não é, em virtude do princípio da
segurança jurídica e da estabilidade das relações jurídicas, permanente.
De acordo com o art.54 da Lei n°9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o
processo administrativo federal, a anulação dos atos administrativos pela própria
89 Exemplos das limitações impostas pelo poder de polícia encontrados nos arts.5°, VI e VIII (liberdades pessoais), 5°, XXIII
e XXIV (direito de propriedade), 5°, XIII (exercício das profissões), 170 e 173 (liberdade de comércio) e 225 (meio
ambiente). 90 Nesse sentido, são os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho: “Registre-se, ainda, que a autotutela envolve dois
aspectos quanto à atuação administrativa: 1. aspectos de legalidade, em relação aos quais a Administração, de ofício, procede
à revisão de atos ilegais; e 2. aspectos de mérito, em que reexamina atos anteriores quanto à conveniência e oportunidade de
sua manutenção ou desfazimento.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev.
ampl. e atual. até 31-12-2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.35.
48
Administração Pública e que tenham gerado efeitos favoráveis ao destinatário não poderá ser
realizada após o prazo de cinco anos, salvo comprovada má-fé.
Interessante salientar que o exercício da autotutela não demanda a prévia provocação
da Administração Pública, que pode realizá-la de ofício, estando essa capacidade de revisão
dos próprios atos inclusive consagrada em firme orientação do Supremo Tribunal Federal.91
Conveniente ainda explicitar que pelo controle de seus próprios atos poderá a
Administração velar pela correta aplicação da sanção, que deve adequar-se à conduta infratora
(princípio da adequação punitiva), evitando-se o excesso ou a escassez da punição.
Desta forma, também pelo princípio da autotutela, tem-se por possível a ocorrência da
reformatio in pejus no âmbito do processo administrativo do consumidor, sob pena não
apenas de restar obviada à Administração Pública o exercício do controle de seus próprios
atos, mas também sob pena de a sanção previamente imposta mostrar-se desproporcional,
para mais ou para menos, à infração cometida. Não bastasse, cabe asseverar que a
possibilidade de a Administração rever a sanção imposta no âmbito do processo
administrativo do consumidor é possível até a formação final do ato administrativo.
91 Súmula 346: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.” Súmula 473: “A administração
pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou
revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos,
a apreciação judicial.”
49
4 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
4.1 Questão terminológica
Não raras ocasiões, os termos “processo” e “procedimento” são utilizados como
sinônimos. Ocorre que não existe identidade entre os termos.
Usualmente, o termo “processo” possui a concepção de um “ato de proceder”, ou seja,
de uma sequência a ser seguida; de uma caminhada.92
Verifica-se, nesse ponto, que o termo
“processo” possui uma característica instrumental.
O termo “procedimento”, por sua vez, possui o sentido usual de “maneira de agir, de
fazer alguma coisa.”93
, sendo, portanto, um elemento procedimental.
Em virtude da aparente identidade entre as conceituações, os termos são utilizados
como sinônimos. Entretanto, uma vez bem analisados, é possível constatar que o processo é
um caminhar, que se realiza de determinado modo, ou seja, mediante a adoção de um
procedimento, daí porque não são termos sinônimos.
Nesse sentido, são os ensinamentos de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada
Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:
Processo é conceito que transcende ao direito processual. Sendo instrumento para o
legítimo exercício do poder, ele está presente em todas as atividades estatais
(processo administrativo, legislativo) e mesmo não estatais (processos disciplinares
dos partidos políticos ou associações, processos das sociedades mercantis para
aumento de capital etc.).
Terminologicamente é muito comum a confusão entre processo, procedimento e
autos. Mas, como se disse, procedimento é o mero aspecto formal do processo, não
se confundindo conceitualmente com este; em um só processo pode haver mais de
um procedimento (p. ex., procedimento em primeiro e segundo graus).94
Em igual sentido, inclusive reconhecendo que o processo não existe sem o
procedimento, mas que o procedimento pode existir sem um processo, são os ensinamentos de
de Hely Lopes Meirelles:
Processo é o conjunto de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma
controvérsia no âmbito judicial ou administrativo; procedimento é o modo de
realização do processo, ou seja, do rito processual.
92MODERNO Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis. Disponível em:
https://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=processo. Acesso em: 06
jan. 2015. 93MODERNO Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis. Disponível em:
https://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=processo. Acesso em: 06
jan. 2015. 94 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do
processo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.310.
50
O processo, portanto, pode realizar-se por diferentes procedimentos, consoante a
natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão. Observamos, ainda, que não
há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não
constituem processos, como, p.ex., os de licitações e concursos. O que caracteriza o
processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica
o procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos.95
Não bastasse, cabe frisar que a Constituição Federal de 1988 consagrou o termo
processo também para significar a processualidade administrativa, tal como se verifica de seu
art.5°, LV, utilizando o termo processo para atuações no âmbito administrativo, conforme o
art.37, XXI, que cuida do processo de licitação e o art.41, §1°, que faz menção ao processo
administrativo (disciplinar).
Desta forma, não restam dúvidas no sentido da utilização da expressão processo
administrativo, seja em virtude de sua característica instrumental, seja em decorrência da
nomenclatura adotada pela Constituição Federal de 1988.
4.2 Amplitude e interdisciplinariedade do regramento de defesa do consumidor
Como sabido, a Constituição Federal de 1988 erigiu a defesa do consumidor à
categoria dos direitos fundamentais (art.5°, XXXII), incluindo-a, ainda, entre os princípios da
ordem econômica (art.170, V). Não obstante, também erigiu a defesa do consumidor como
norma de direito fundamental, conforme assinala Bruno Miragem:
A caracterização da defesa do consumidor como direito fundamental, no direito
brasileiro, surge da sua localização, na Constituição de 1988, no art.5º, XXXII, que
determina expressamente: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor. Insere-se a determinação constitucional, pois, no Capítulo I, ‘Dos
direitos e deveres individuais e coletivos’, do Título II, ‘Dos direitos e garantias
fundamentais’. Tem-se assentado na doutrina e na jurisprudência brasileira que a
localização do preceito constitucional nesse setor privilegiado da Constituição, a
rigor, o coloca a salvo da possibilidade de reforma pelo poder constituinte
instituído.96
Como consequência desse movimento, que eleva as normas constitucionais e os
direitos fundamentais como o epicentro do ordenamento jurídico, surge a necessária e
obrigatória adoção de mecanismos destinados a proteger e efetivar esses direitos.
95 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.761-762. 96 MIRAGEM, Bruno. O direito do consumidor como direito fundamental: consequências jurídicas de um conceito. Revista
de Direito do Consumidor, São Paulo, p.117, nº43, jul.-set.2002.
51
Nesse contexto, dentre as diversas normas nesse sentido, cabe especial destaque ao
Código de Defesa do Consumidor, codificação cuja ratio é o reequilíbrio da relação de
consumo pela defesa do consumidor.97
Por consistir em um código (e não em uma lei)98
, o Código de Defesa do Consumidor,
além de homogeneizar o Direito do Consumidor, inclusive possibilitando sua autonomia99
e
sua comunicação com demais leis, simplifica e clarifica o regramento legal da matéria,
mitigando eventuais problemas na aplicação de suas normas.
Nesse contexto, não restam dúvidas no sentido de ser o Código de Defesa do
Consumidor uma lei de ampla abrangência, que regula não apenas as relações de consumo,
mas também a tutela dos Direitos Difusos, daí porque é o mesmo dotado de característica
inter e multidisciplinar, não obstante ainda formar, ao lado da Lei da Ação Civil Pública, o
microssistema do Processo Coletivo brasileiro.100
Acerca do exposto, pelos esclarecimentos, confiram-se os dizeres de José Geraldo
Brito Filomeno:
Pelo que se pode observar, por conseguinte, trata-se de uma lei de cunho inter e
multidisciplinar, além de ter o caráter de um verdadeiro microssistema jurídico.
Ou seja: ao lado de princípios que lhe são próprios, no âmbito da chamada ciência
consumerista, o Código Brasileiro do Consumidor relaciona-se com outros ramos do
Direito, ao mesmo tempo em que atualiza e dá nova roupagem a antigos institutos
jurídicos.
Por outro lado, reveste-se de caráter multidisciplinar, eis que cuida de questões que
se acham inseridas nos Direitos Constitucional, Civil, Penal, Processuais Civil e
Penal, Administrativo, mas sempre tendo por pedra de toque a vulnerabilidade do
consumidor ante o fornecedor, e sua condição de destinatário final de produtos e
serviços, ou desde que não visem a uso profissional.
Sem essa conotação, aliás, não haveria necessidade desse microssistema jurídico, já
que os Códigos Civil e Penal, por exemplo, já disciplinam as relações jurídicas
fundamentais entre as pessoas físicas e jurídicas.
Só que pessoas tais são encaradas como iguais, ao contrário do Código do
Consumidor, que dispensa tratamento desigual aos desiguais.101
97 Explicitando a base constitucional do Código de Defesa do Consumidor, são os dizeres de Ada Pellegrini Grinover e
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin: “A opção por uma ‘codificação’ das normas de consumo, no caso brasileiro,
foi feita pela Assembléia Nacional Constituinte. A elaboração do Código, portanto, ao contrário da experiência francesa,
decorrente de uma simples decisão ministerial, encontra sua fonte inspiradora diretamente no corpo da Constituição Federal.
De fato, a Constituição, ao cuidar dos Direitos e Garantias Fundamentais, estabelece, no inc.XXXII do art.5°, que ‘o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.’ O legislador maior, entretanto, entendeu que tal não bastava. Assim,
mais adiante, no art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determina que o ‘Congresso Nacional, dentro de
cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará o Código de Defesa do Consumidor.” (GRINOVER, Ada
Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto v.1. – direito material
(arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.6). 98 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto
v.1. – direito material (arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.6. 99 Recorde-se que o Direito do Consumidor, assim como os demais Direitos Difusos, constituem um novo ramo do Direito
que não se enquadra na arcaica dicotomia público-privado. 100 Nesse ponto, basta a leitura dos arts.81 a 104 e 105 a 119. 101 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto
v.1. – direito material (arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.11-12.
52
E uma vez existindo essa interdisciplinaridade, tem-se por consequência a
possibilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor irradiarem efeitos a outros
Direitos Difusos bem como a possibilidade de normas outras, que possuem ponto de
convergência com o Código de Defesa do Consumidor, aglutinarem-se ao mesmo tempo na
consecução da tutela dos consumidores, tal como ocorre com a Lei n°9.784/99.
4.2.1 O regramento do processo administrativo federal: Lei nº9.784/99
Conforme mencionado no item anterior, a tutela dos Direitos Difusos não está adstrita
às disposições do Código de Defesa do Consumidor. O art.110 do Código de Defesa do
Consumidor, ao atribuir uma nova redação ao art.1° da Lei da Ação Civil Pública, a Lei
n°7.347/85, acabou por ampliar o campo de abrangência dos direitos tutelados via ação civil
pública.102
De outra parte, o art.117 do mesmo Código de Defesa do Consumidor, ao
acrescentar o art.21 à Lei n°7.347/85, explicitou que as normas do Código de Defesa do
Consumidor são aplicáveis, quando cabíveis, à defesa dos Direitos Difusos e Coletivos. 103
Assim, em virtude da existência de expressa previsão normativa nesse sentido,
verifica-se que, no campo das demandas judiciais, a interdisciplinaridade das normas de
proteção dos Direitos Difusos é inquestionável.
No que tange à tutela administrativa do consumidor, é possível afirmar que ocorre o
mesmo.
A Constituição Federal de 1988, sob a cláusula geral do devido processo legal, criou
um regime jurídico processual similar, aproximando o processo administrativo do processo
judicial, de modo que o âmbito de validade da Lei n°9.784/99, por ser uma norma
principiológica, não se restringe à Administração Pública Federal.
Como sabido, o processo administrativo, por encontrar previsão no art.5°, LV da
Constituição Federal de 1988,104
possui o status de garantia fundamental, cuja aplicação é
imediata, conforme o §1° do mesmo artigo.105
Nesse diapasão, depreende-se que o direito ao processo administrativo, com todas as
garantias e características do regime jurídico decorrente do devido processo legal,
102 “Art.110. Acrescente-se o seguinte inciso IV ao art.1º da Lei nº7.347, de 24 de julho de 1985: IV – a qualquer outro
interesse difuso.” 103 “Art.117. Acrescente-se à Lei nº7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:
Art.21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do
Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” 104 “inc. LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” 105 “§1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”
53
independentemente da edição de lei que o regule, é assegurado desde a promulgação da
Constituição Federal de 1988, o que inclusive invalida o ato administrativo que, apesar de
sujeito ao pressuposto do processo administrativo, é praticado sem a observância deste, eis
que, em tal hipótese, não estaria garantido ao interessado a observância do devido processo
legal.
Nesse ponto, portanto, verifica-se que a necessidade de edição de lei regulando o
processo administrativo mais do que preservar a legalidade do ato administrativo sancionador,
era medida necessária para a efetivação do direito ao devido processo legal administrativo
previsto pela Constituição Federal de 1988 com suas características.
Ainda que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 estivesse assegurada
a garantia do devido processo administrativo, somente com a edição da Lei n°9.784/99 essa
garantia passou a ser normatizada.
Apesar de apresentar em sua ementa como sendo destinada a regular o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, o que poderia permitir
interpretação em sentido contrário, o art.1° da Lei n°9.784/99 enuncia como seu objetivo o de
estabelecer “normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração
Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao
melhor cumprimento dos fins da Administração”, não fazendo, entretanto, qualquer limitação
acerca do âmbito de incidência do processo administrativo, o que demonstra sua ampla
aplicabilidade, ou seja, sua interdisciplinariedade com o Código de Defesa do Consumidor. E
isso ocorre na medida em que esse objetivo não fica adstrito à Administração federal posto
tratar, a bem da verdade, de propósito do Estado no exercício da função administrativa.
Nesse sentido, reconhecendo que a Lei nº9.784/99 possui amplo âmbito de incidência,
são os ensinamentos precisos de Carlos Ari Sundfeld:
A chave da qual resulta a amplíssima aplicabilidade da Lei é a ausência de qualquer
delimitação do conceito de ‘processo administrativo’. Na Lei, não há, de fato,
qualquer definição a respeito. O ‘processo’ a que ela se refere não é o processo
disciplinar, o de lançamento tributário, o de licitação, o de registro de marca, o de
licenciamento ambiental, o de autuação – não é, portanto, apenas o que alguma
norma expressamente rotule como ‘processo administrativo’.106
Não bastasse, cabe destacar que a aparente limitação imposta pelo mesmo art.1°, que
restringe a aplicação da Lei n°9.784/99 à Administração Federal direta e indireta, não se
harmoniza com o texto da Constituição Federal de 1988, que equiparou o processo
106 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução ao processo administrativo. In: As leis do processo administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2006, p.28.
54
administrativo ao processo judicial, alocando-se dentro da cláusula geral do devido processo
legal e erigindo-o à categoria de direito e garantia fundamental. 107
107 Posição contrária, ou seja, no sentido de que a Lei n°9.784/99 restringe-se aos processos administrativos federais, é
apresentada por Almiro do Couto e Silva, para quem “as disposições constantes na Lei do Processo Administrativo da União
não se aplicam aos Estados e Municípios.” (O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público
brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art.54 da
Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº9.784/99). (COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica
(proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos
administrativos: o prazo decadencial do art.54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº9.784/99). In: Revista da
Procuradoria-Geral do Estado, Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, 1971, p.71). Também
aduzindo que a Lei nº9.784/99 fica adstrita à limitação imposta em sua ementa, Diógenes Gasparini menciona que “Processo
administrativo é instituto do Direito Administrativo. É matéria administrativa. Portanto, qualquer das pessoas políticas
(União, Estado-Membro, Distrito Federal, Município) pode legislar sobre essa matéria e estender sua obrigatoriedade às
entidades da Administração autárquica ou fundacional pública. Nessa área, vê-se, não cabe qualquer legislação federal que
submeta o Estado, o Distrito Federal e os Municípios às suas disposições, sob pena de quebra do princípio da autonomia de
seus serviços. Por isso, assegura Hely Lopes Meirelles.(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39.ed.
São Paulo: Malheiros, 2013, p.661) que o ‘processo administrativo não pode ser unificado pela legislação federal, para todas
as entidades estatais, em respeito à autonomia de seus serviços”. Daí a cautela da União ao explicitar a abrangência da Lei
federal nº9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, dispondo que essa lei
estabelece as normas básicas sobre o processo no âmbito da Administração Federal direta e indireta (art.1º)”. (GASPARINI,
Diógenes. Direito administrativo. 17.ed. atual. por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1083). Ressalva deve ser
feita, é bom consignar, no que tange à citação de Hely Lopes Meirelles. Isso porque o autor utilizou a 29.ed. da obra Direito
Administrativo Brasileiro, de 2004, de maneira que o trecho destacado expressa a opinião dos atualizadores da obra de Hely
Lopes Meirelles, não do próprio. E isso é facilmente demonstrado quando considerado que na 39ª edição, de 2013, o trecho
destacado por Diógenes Gasparini foi suprimido. Por sua vez, Mônica Martins Toscano Simões expressamente reconhece que
a Lei nº9.784/99 é aplicável somente à Administração Pública federal. (SIMÕES, Mônica Martins Toscano. O processo
administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros, 2004, p.25-26). O mesmo posicionamento é adotado
por Angélica Petian (PETIAN, Angélica. Regime jurídico dos processos administrativos ampliativos e restritivos de
direito. São Paulo: Malheiros, 2011, p.65-68) e por Fernanda Marinela, que reconhece ser a Lei nº9.784/99 norma geral de
processo administrativo para o âmbito federal. (MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 8.ed. Niterói : Impetus,
2014, p.1128), não sendo outro o entendimento de Reinaldo Moreira Bruno. (BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito
administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.163-165). Maria Sylvia Zanella Di Pietro também entende que a Lei
nº9.784/99 somente se aplica no âmbito federal: “O processo administrativo está hoje disciplinado, no âmbito federal, pela
Lei nº9.784/99, de 29-1-99, alterada pelas Leis nºs 11.917, de 19-12-06, e 12.008, de 29-7-09. Ela estabelece normas básicas
sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal Direta e Indireta, visando à ‘proteção dos direitos dos
administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.’ Estados e Municípios que queiram dispor sobre a
matéria deverão promulgar as suas próprias leis. No estado de São Paulo, a matéria está disciplinada pela Lei nº10.177, de
30-12-1998.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.699). Egon
Bockmann Moreira reconhece que a Lei nº9.784/99, em decorrência de seu art.69, possui aplicação subsidiária ao plano
federal e para processos sem legislação específica.(MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios
constitucionais e a Lei 9.784/1999). 4.ed. atual. rev. e aum. São Paulo: Malheiros, 2010, p.307-309). O mesmo entendimento
é apresentado por Márcio Pestana: “No plano federal, deve-se entender que a Lei nº9.784/1999 cuida dos processos
administrativos que não possuam leis específicas regrando o respectivo procedimento, caso, v.g., dos processos
administrativos que têm curso perante o Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Aplica-se, contudo,
subsidiariamente, a rigor do art.69 da própria Lei nº9.784/1999, nos processos administrativos que tenham legislação
específica de regência.”(PESTANA, Márcio. Direito administrativo brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p.312).
Conquanto não expressamente assim afirme, o mesmo entendimento parece ser compartilhado por José dos Santos Carvalho
Filho: “Note-se, primeiramente, que a lei tem caráter federal, e não nacional, vale dizer, é aplicável apenas na tramitação de
expedientes processuais dentro da Administração Pública Federal, inclusive no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Em virtude de nosso regime federativo, em que as entidades integrantes são dotadas de autonomia, não podem tais
mandamentos se estender a Estados, Distrito Federal e Municípios, já que estes são titulares de competência privativa para
estabelecer as próprias regras a respeito de seus processos administrativos. Nada impede, e, ao contrário, tudo aconselha a
que as demais entidades também uniformizem seus procedimentos administrativos, não somente para limitar a atuação dos
administradores públicos, mas também para conferir aos administrados maior garantia no controle da legalidade dos atos
administrativos praticados nos diversos expedientes que tramitam nos órgãos da Administração Pública. Vale a pena
destacar, ainda, que as normas da Lei nº9.784/1999 têm caráter genérico e subsidiário, ou seja, aplicam-se apenas nos casos
em que não haja lei específica regulando o respectivo processo administrativo ou, quando haja, é aplicável para
complementar as regras especiais. A lei específica, por conseguinte, continuará sendo lex specialis e prevalecerá sobre a lei
geral. É o caso, por exemplo, dos processos disciplinares, previstos nas leis estatutárias, e dos processos tributários, regulados
pelo Código Tributário Nacional e outras leis do gênero. Sendo normas especiais, só subsidiariamente recebem a incidência
das normas gerais previstas na Lei nº9.784/1999. Quer dizer: se a lei específica for silente, a Lei nº9.784/1999 será
aplicável.”(CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-
2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.994-995).
55
Não bastasse, cabe recordar que a União detêm competência exclusiva para legislar
sobre matéria processual, conforme art.22, I, da Constituição Federal de 1988108
e
competência concorrente para legislar sobre procedimentos em matéria processual, conforme
art.24, XI, da Constituição Federal de 1988,109
de modo que a restrição imposta pelo art.1°, da
Lei n°9.784/99 é que se revela contrária ao princípio federativo.
Não se trata, é bom consignar, de afirmar ou concluir que a inclusão do processo
administrativo nas matérias de competência legislativa exclusiva da União tornaria as normas
dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios sobre a matéria inconstitucionais
por invasão de competência em virtude da ausência de lei complementar autorizando esses
entes a legislarem sobre matéria processual, conforme permissivo do parágrafo único do
art.22 da Constituição Federal de 1988, vez que, conforme advertido por Marçal Justen Filho,
“os demais entes federativos podem, se o desejarem, produzir a edição de lei local, veiculando
normas específicas. Mas deverão, de todo modo, respeitar as normas gerais federais.”110
Reconhecendo expressamente que a Lei n°9.784/99 tem aplicação ampla e irrestrita a
todos os entes federativos, não se limitando à Administração Federal, tampouco à inexistência
de processo administrativo regido por legislação específica, são os ensinamentos de Marçal
Justen Filho, que também reconhece a inconstitucionalidade da restrição do âmbito de
validade de referida lei haja vista a competência constitucional da União prevista no art.22, I e
art.24, XI da Constituição Federal de 1988 para legislar sobre processo e procedimento:
Cristiana Fortini, Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão também reconhecem a
aplicação subsidiária da Lei nº9.784/99: “Superada a constatação de que a lei incide no âmbito federal, cumpre ir além: ou
seja, verificar se a lei possui aplicabilidade para regulamentar situações ocorridas além da esfera federal, isto é, no âmbito da
Administração Pública Estadual ou Municipal. As normas que consagram princípios têm aplicação imediata para além da
esfera federal, e, em caso de lacuna nas leis estaduais ou municipais que disciplinam processos específicos, aplicar-se-ão as
normas gerais básicas, servindo de critérios gerais a serem seguidos.” (FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires
de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo administrativo: comentários à Lei nº9.784/1999. Belo
Horizonte: Fórum, 2008, p.38-39). Irene Patrícia Nohara e Thiago Marrara, por sua vez, reconhecem a aplicação subsidiária
da Lei nº9.784/99, porém restringindo essa subsidiariedade ao âmbito federal: “Os preceitos da LPA têm, conforme
disposição expressa, aplicação subsidiária aos procedimentos específicos quando eles se omitirem em questões tratadas na lei
geral federal. Note-se que, apesar de não serem incomuns os julgados que aplicam a LPA subsidiariamente aos
procedimentos de outros entes federativos, a aplicação da lei, pela autonomia dos entes federativos, conforme exposto,
deveria restringir-se ao âmbito federal. A LPA e as leis especiais coexistem, sendo, no entanto, perfeitamente utilizáveis os
direitos expressos na lei geral que tenham sido omitidos pela lei específica. A determinação contida no art.69 da lei está em
consonância, portanto, com o disposto no art.2º, §2º, da Lei de Introdução do Código Civil (LICC): ‘lei nova, que estabeleça
disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica lei anterior.’ Assim, qualquer dispositivo que
seja previsto na PLA e eu não tenha tratamento específico em lei federal especial é potencialmente alegável pelo interessado
com base no art.69 da lei, que, além de abranger plenamente todos os procedimentos federais que não tenham tratamento
legal, possui aplicação subsidiária aos múltiplos procedimentos neste âmbito.” (NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA,
Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p.454-455). 108 “Art.22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.” 109 “Art.24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XI – procedimentos em
matéria processual.” 110 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013, p.348.
56
Por outro lado, há normas gerais sobre processo e procedimento administrativo
veiculadas por lei federal. A União editou uma lei de processo administrativo (Lei
9.784) e já dispunha, há muito, de diversos diplomas regulando procedimentos
administrativos especiais.
Ora, a União detém competência privativa para legislar sobre direito processual
(art.22, I, da CF/1988); no entanto, quando se trata de procedimentos, a competência
é concorrente entre os diversos entes federativos. Tal como já exposto, nesse caso
cabe à União a edição de normas gerais e aos Estados e Distrito Federal a
suplementação ou complementação delas (art.24, XI e §2º, da CF/1988).
Daí segue que as normas gerais e os princípios fundamentais contemplados na Lei
9.784 são de observância obrigatória para todos os entes federativos. Não se
contraponha que essa lei explicitamente determinou que suas regras seriam
aplicáveis apenas aos processos administrativos no âmbito da atividade
administrativa da União. Essa solução seria inconstitucional, pois a competência
para editar normas gerais obriga à formalização de soluções gerais aplicáveis a todas
as órbitas federativas.
Por isso, os demais entes federativos podem, se o desejarem, produzir a edição de lei
local, veiculando normas específicas. Mas deverão, de todo modo, respeitar as
normas gerais federais.111
Em virtude da consideração de que o “princípio federativo tem o propósito de garantir
o máximo atendimento dos direitos fundamentais”112
, e em decorrência da “atribuição de
competências entre diferentes entes federais não é um fim que se baste em si, e visa, pois a
garantir [...] direitos e garantias individuais”113
, bem como em decorrência da alocação do
processo administrativo no rol dos direitos e garantias individuais, Bernardo Strobel
Guimarães114
é enfático ao afirmar que “não há possibilidade de se conceber duas maneiras
distintas de se operar o devido processo legal em nossa Federação.”115
E prossegue para
afirmar que “sequer a alusão ao princípio federativo (como pretendido na Lei) teria o condão
de alterar esta constatação, pois revestida da mais alta índole constitucional.116
E finaliza: “O
devido processo legal, quer seja no processo administrativo, quer seja no judicial, não pode
ser concebido de maneira diversa em duas entidades políticas distintas.” 117
111 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013, p.347-348. 112 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da
administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito
Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004, p.287. 113 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da
administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito
Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004, p.287. 114 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da
administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito
Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004, p.283-205. 115 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da
administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito
Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004, p.289. 116 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da
administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito
Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004. 117 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da
administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito
Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004.
57
Carolina Caiado Lima, por sua vez, também reconhecendo o processo administrativo
como um direito fundamental, assevera que, se a competência legislativa dos entes em matéria
de processo administrativo é afeto à interpretação dos dispositivos, forçoso buscarmos uma
interpretação que melhor assegure aos cidadãos, no âmbito do processo administrativo, as
garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, o que é
alcançado com a inserção interpretativa do direito administrativo processual no gênero direito
processual previsto no art.22, I, da Constituição Federal de 1988.118
Não bastassem os argumentos em referência, cabe destacar que a aplicação da Lei
n°9.784/99 como diploma geral do processo administrativo ainda decorre do caráter
principiológico de algumas de suas normas.119
Nesse sentido, entendem Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:
Embora a LPA trate de regras básicas no processo administrativo no âmbito federal,
há nela muitas normas principiológicas, de sorte que nesse particular tem aplicação
imediata a todo e qualquer processo administrativo nas esferas municipal, estadual e
federal, aplicando-se aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. As normas
principiológicas da LPA incidem, também, nos processos administrativos em geral,
isto é, no âmbito de entidades privadas.120
Ambos salientam que os processos administrativos regrados por leis específicas são
regidos por suas próprias leis naquilo que diz respeito às normas gerais previstas na Lei
n°9.784/99. Na hipótese de conflito de normas gerais, deverá prevalecer a norma da legislação
específica.121
Também reconhecendo que a Lei n°9.784/99 possui uma ampla abrangência em
virtude do caráter principiológico de suas normas, Délcio Balstero Aleixo e José Emmanuel
Burle Filho salientam que “diversas dessas normas representam o que chamamos de
‘princípios do processo administrativo’, pelo quê, na realidade, devem ser aplicadas em
qualquer processo e não apenas em nível federal.”122
Desta forma, seja em decorrência do processo administrativo consistir em uma
garantia fundamental, seja ainda em virtude da equiparação do processo administrativo ao
processo judicial sob o prisma do devido processo legal, tem-se que a Lei n°9.784/99 deve ser
118 LIMA, Carolina Caiado. Por uma lei geral de processo administrativo. In: (Orgs.) MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor
Rhein. Atuais rumos do processo administrativo. São Paulo: RT, 2010, p.53-77. 119 Vide, nesse ponto, o art.2° da Lei n°9.784/99, que apresenta os princípios da legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência
como sendo de observância para a Administração Pública. 120 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 14.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1.794. 121 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 14.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1815. 122 Na atualização da obra: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39.ed. São Paulo: Malheiros,
2013, p.764.
58
aplicada indistintamente pelos entes da federação, inclusive na tutela dos direitos dos
consumidores. Não bastasse, não existe qualquer violação ao princípio federativo não apenas
em virtude do caráter principiológico de suas normas, mas também porque sua observância
decorre do preceito contido no art.22, I, da Constituição Federal de 1988, que não retira dos
entes federados a possibilidade de também editarem lei de processo administrativo que, no
entanto, devem observar o regime geral instituído pela Lei n°9.784/99, verdadeiro “Código de
Processo Administrativo”.
4.2.2 O Código de Defesa do Consumidor: Lei nº8.078/90
Em vigor desde 11 de março de 1991, a Lei n°8.078/90, denominada Código de
Defesa do Consumidor, é, com certeza, um dos maiores marcos legislativos brasileiros.
Produto do trabalho de notáveis123
, o Código de Defesa do Consumidor possui
previsão expressa no art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1988,124
tendo o constituinte, no art.5°, XXXII125
, exteriorizado sua
preocupação com a defesa do consumidor, que inclusive consiste em princípio geral da
atividade econômica, conforme dicção do art.170, V, da Constituição Federal de 1988.126
-127
A preocupação com a defesa do consumidor era tamanha que, antes mesmo da
promulgação da Constituição Federal de 1988, foi criado o Conselho Nacional de Defesa do
Consumidor, órgão responsável por assessorar o Presidente da República na formulação e
condução da Política Nacional de Defesa do Consumidor.128
Nesse espírito de tutela dos consumidores e consequente harmonização das relações de
consumo, cabe destaque para a opção do legislador na definição de conceitos e na
123 A comissão foi composta pelos seguintes juristas: Ada Pellegrini Grinover, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito
Filomeno, Kazuo Watanabe e Zelmo Denari. Durante os trabalhos, a comissão também contou com a colaboração de outros
notáveis juristas, a saber: Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Eliana Cáceres, Marcelo Gomes Sodré, Mariângela
Sarrubo, Nelson Nery Junior e Régis Rodrigues Bonvicino. 124 “Art.48. O Congresso Nacional dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa
do consumidor”. 125 “Art.5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII – o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. 126 “Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V – defesa do
consumidor”. 127 Interessante salientar que não é apenas nesses artigos que se verifica a preocupação do constituinte com o consumidor.
Para tanto, basta observar o art.150 da Constituição Federal de 1988, que trata das limitações do poder de tributar dos entes
federados, estabelece, em seu art.5°, que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos
impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Não obstante, a mesma preocupação pode ser encontrada no art.175, II,
da Constituição Federal de 1988 no momento em que faz menção a “usuários” de serviços públicos, o mesmo ocorrendo em
seu parágrafo único, quando alude que a lei disporá sobre “os direitos dos usuários” dos serviços públicos. 128 O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor foi criado pelo Decreto n°91.468/85, alterado pelos Decretos n°92.396/86
e nº94.508/87.
59
apresentação do patamar mínimo de direitos dos consumidores, além da impossibilidade do
consumidor renunciar ou dispor de seus direitos.129
Não obstante, também trouxe o Código a responsabilidade dos fornecedores pelos
vícios e defeitos do produto e do serviço, a regulação da oferta e da publicidade e o rol, não
taxativo, de práticas consideradas abusivas, além de dispor acerca da proteção contratual do
consumidor e modo de interpretação de suas cláusulas.
No campo da tutela do consumidor, trouxe o Código de Defesa do Consumidor
disposições acerca da tutela administrativa, penal e cível, inclusive coletiva, dispondo ainda
sobre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e a possibilidade de aplicação de suas
normas, e de outros diplomas, regularem a defesa do consumidor.
Naquele sentido, os arts.105 a 119 do Código, ao modificarem disposições da Lei
n°7.347/85, demonstram o exposto, conforme verifica-se em seu art.7°, que consigna: “Os
direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos
expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos
princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.”
Ao assim dispor, acabou o Código de Defesa do Consumidor por criar o microssistema
de defesa do consumidor não apenas no âmbito do processo civil, mas também no âmbito
administrativo.
Norma de ordem pública e interesse social, conforme dicção de seu art.1°, o Código de
Defesa do Consumidor permite que normas contidas em outras legislações ordinárias
nacionais, tais como a Lei n°9.784/99, sejam aplicáveis na tutela do consumidor.
Nesse sentido, reconhecendo inclusive a aplicação ex officio de normas de proteção do
consumidor, estejam elas no Código ou em outras leis, são os ensinamentos de Cláudia Lima
Marques, para quem o fundamento constitucional dessas normas habilitam o quanto exposto:
129 Em sentido contrário, esclarecendo que os direitos básicos do consumidor não constituem novidade do Código de Defesa
do Consumidor, mas sim de pretérita resolução da ONU, sendo que a principal novidade versa sobre a inversão do ônus da
prova, são os dizeres de José Geraldo Brito Filomeno: “Outro mito que precisa ser desfeito desde logo é o de que os direitos
básicos do consumidor previstos no art.6° do novo Código são a grande novidade. Em verdade, constam já de resolução da
ONU, de 1985, que fala em direito de proteção à vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no
fornecimento de produtos e serviços, educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, informação
clara e adequada sobre os mesmos, proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, meios coercitivos ou desleais, cláusulas
abusivas em contrato, principalmente de adesão, modificação de suas cláusulas, prevenção e reparação de danos, acesso aos
órgãos judiciários e administrativos com vistas à reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos
Talvez a grande novidade, isto sim, seja o direito previsto no inc. VIII do mencionado art.6° do Código de Defesa do
Consumidor, quando fala da inversão do ônus da prova, a seu favor, mas apenas no processo civil quando, a critério do juiz,
for verossímil a alegação do consumidor, ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.”
(GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto
v.1. – direito material (arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011).
60
No Brasil, pois, a proteção do consumidor é um valor constitucionalmente
fundamental (Wertsystem) e é um direito subjetivo fundamental (art.5°, XXXII),
guiando – e impondo – a aplicação ex officio da norma protetiva dos consumidores,
a qual realize o direito humano (efeito útil e pro homine do status constitucional);
esteja esta norma no CDC ou em fonte outra (art.7° do CDC).130
A possibilidade de aplicação da Lei n°9.784/99 fica adstrita àquilo que o Código de
Defesa do Consumidor não disponha e que busque atribuir uma maior proteção administrativa
dos consumidores. E nesse prisma cabe destacar a ausência no Código de Defesa do
Consumidor de disposições específicas acerca do processo administrativo (o Código trata
unicamente das sanções administrativas nos arts.55 a 60), devendo o encargo ser assumido
pela Lei n°9.784/99 em conjunto com o Decreto n°2.181/97, que apenas estabelece normas
gerais de aplicação das sanções administrativas prevista no Código de Defesa do Consumidor.
Mas não é somente em decorrência de seu art.7° que o Código de Defesa do
Consumidor pode ser utilizado em conjunto com outras normas que prevejam direitos aos
consumidores e que estejam em harmonia à tutela de seus interesses.
A possibilidade de interface normativa na tutela dos consumidores decorre da própria
interpretação da Constituição Federal de 1988, que vincula a defesa do consumidor à cláusula
geral de tutela da personalidade, cujo ponto de partida, por sua vez, remonta ao princípio da
dignidade da pessoa humana previsto de maneira expressa no art.1°, III da Carta
Constitucional. Não bastasse, a defesa do consumidor deve ser efetivada de maneira a
concretizar o objetivo da República Federativa do Brasil insculpido no art.3°, III, da
Constituição Federal, qual seja, a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo-se as
desigualdades sociais e regionais.
Nesse contexto, a possibilidade de normas outras aglutinarem-se ao Código de Defesa
do Consumidor na tutela dos consumidores emerge de maneira consonante não apenas com a
axiologia, mas também com a principiologia constitucional, ambas direcionadas a concretizar
a igualdade, não sendo desarrazoado concluir que essa interface normativa colabora para o
desenvolvimento de um Estado Democrático de Direito.
130 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa
do Consumidor. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2010, p.70.
61
4.2.3 A regulamentação das sanções: Decreto nº2.181/97
Norma que reflete o poder normativo regulamentar da Administração Pública,
inclusive habilitando-a ao exercício do poder de política, o Decreto nº2.181/97, editado no
exercício da competência privativa da Presidência da República previsto no art.84, IV, da
Constituição Federal de 1988,131
especifica a organização do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor e estabelece normas gerais para a aplicação das sanções administrativas previstas
nos arts.55 a 60 do Código de Defesa do Consumidor e eventuais demais normas que
disponham acerca da tutela dos consumidores.
Em virtude do caráter eminentemente genérico e procedimental do Decreto
n°2.181/97,132
o processo administrativo do consumidor deverá orientar-se pelos princípios
gerais da Lei n°9.784/99, verdadeiro “Código de Processo Administrativo”, de modo que às
disposições do Decreto devem ser aglutinadas as previsões e princípios da Lei n°9.784/99,
que também prevaleceram em caso de conflito.
No sentido exposto, confiram-se os dizeres de Fernando Costa de Azevedo:
A Lei 9.784/1999 – que disciplina as regras sobre o processo administrativo no
âmbito da União – deve ser aplicada nos processos administrativos instaurados pelos
órgãos de defesa do consumidor, havendo, em caso de conflito, primazia das regras
previstas nessa lei sobre as do Dec. 2.181/1997 (arts.33 a 55).133
Não é outro o entendimento de Bruno Miragem:
O processo administrativo de defesa do consumidor, no âmbito dos órgãos
administrativos ocupados desta atividade atenderá, em primeiro, aos princípios e
regras de direito e processo administrativo. Em especial, ao estabelecido pela Lei
9.784, de 29.01.1999 que trata do processo administrativo federal.
[...]
O processo administrativo de defesa do consumidor submete-se, em razão de regra
específica, aos princípios gerais indicados na lei federal sobre processo
administrativo. Os princípios da lei, neste sentido, inspiram o processo
administrativo de defesa do consumidor previsto pelo Código de Defesa do
131 “Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem
como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.” 132 Reconhecendo o caráter genérico do Decreto n°2.181/97 e a necessidade de normatização do processo administrativo no
âmbito estadual, são os dizeres de Lúcia Rêgo: “O processo administrativo, no regime jurídico do CDC, é tratado no Dec.
Fed. nº2.181, de 20.03.1997, nos arts.33 a 54, de forma também genérica, carecendo, no entanto, pela sua própria índole
normativa, seu caráter genérico, de uma legislação específica que dê sistematização à matéria, no âmbito estadual.” (RÊGO,
Lúcia. A tutela administrativa do consumidor: regulamentação estatal. São Paulo: RT, 2007, p.57). Para a autora, a tutela
administrativa do consumidor em âmbito estadual carece de norma que planifique os princípios aplicáveis, o que, em certa
medida, acaba por mitigar a efetiva defesa dos consumidores. 133 AZEVEDO, Fernando da Costa. Considerações sobre o direito administrativo do consumidor. In: (Orgs.) MARQUES,
Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Coleção doutrinas essenciais.
v.6. São Paulo: RT, 2011.
62
Consumidor, embora o diploma consumerista e o decreto federal que o regulamenta,
digam especificamente dos atos que o conformam.134
O fundamento para tanto, cabe consignar, versa sobre o necessário tratamento
igualitário do processo administrativo ocasionado pela observância dos princípios contidos na
Lei n°9.784/99, cuja abrangência é nacional.
Não faria sentido afastar a aplicação da Lei n°9.784/99, deixando a cada Estado-
membro a regulamentação da matéria e a fixação de princípios que poderiam vacilar de
Estado para Estado.
O processo administrativo, conforme aduzido em tópico próprio, mais do que
legitimar a atuação da Administração Pública exercida por meio de seu poder de polícia,
consiste em garantia do cidadão acerca da observância de princípios que devem estar
presentes em qualquer processo administrativo, o que não ocorreria na hipótese da Lei
n°9.784/99 ter sua aplicação afastada em detrimento de normas estaduais. Essas normas, no
entanto, não deixam de ser aplicadas; isso somente ocorrerá se alguma disposição estadual
contrariar a legislação federal.135
Ausente o conflito, as normas se complementam, até mesmo
em decorrência dos anseios constitucionais relativos à tutela do consumidor e às disposições
do Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública e de interesse social, cuja
aplicação pode inclusive ser realizada ex officio dada sua característica de direito
fundamental.
4.3 Princípios do processo administrativo sancionador
O processo administrativo sancionador, por consistir em exercício do poder de polícia
e na legítima ingerência da Administração Pública na esfera individual, deve nortear-se por
determinados princípios, que em nossa visão funcionam como pontos de partida, ou seja,
como início do processo interpretativo e decisório e que não permitem retrocesso, estejam ou
134 MIRAGEM, Bruno. A defesa administrativa do consumidor no Brasil. In: (Org.) MARQUES, Claudia Lima. MIRAGEM,
Bruno.Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Coleção doutrinas essenciais. v.6. São Paulo: RT, 2011,
p.965-966. 135 Nesse sentido, Fernando Costa de Azevedo leciona que “os Estados podem editar leis que estabeleçam regras sobre o
processo administrativo no âmbito de cada ente federativo, as quais terão plena aplicação se não contrariarem a legislação
federal (art.24, §§1° a 4°, da CF/1988)”. (AZEVEDO, Fernando da Costa. Considerações sobre o direito administrativo do
consumidor. In: (Orgs.) MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: tutela das relações de
consumo. Coleção doutrinas essenciais v.6. São Paulo: RT, 2011).
63
não positivados.136
Os princípios, portanto, possuem uma característica instrumental, servindo
como piso mínimo.
Talvez em decorrência dessa sua relevante função, diversas são as conceituações
apresentadas pela doutrina. Assim, reconhecendo o caráter instrumental dos princípios, são os
dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e
inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.137
Paulo de Barros Carvalho, aduzindo que o termo aglutina regras e normas, faz a
seguinte classificação de princípio:
Em Direito, utiliza-se o termo ‘princípio’ para denotar as regras de que falamos, mas
também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios
objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor,
independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite
objetivo sem a consideração da norma.138
Considerando o caráter de fonte do Direito e de elemento de interpretação, Roque
Antônio Carrazza fornece a seguinte definição de princípio:
Segundo nos parece, princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou
explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos
vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o
entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.139
Ao seu turno, Humberto Ávila, ao observar que os princípios permeiam todo o
ordenamento jurídico, possuem interação dinâmica e integrativa entre si – o que afasta
eventual conflito entre princípios – além de um elevado grau de abstrativismo, ao exprimir
valores e pode, inclusive, afastar uma eventual norma legal com ele incompatível, assim
define princípio:
Em primeiro lugar, nem todos os princípios exercem a mesma função: há princípios
que prescrevem o âmbito e o modo da atuação estatal, como os princípios
republicano, federativo, democrático, do Estado de Direito, e há princípios que
conformam o conteúdo e os fins da atuação estatal, como os princípios do Estado
136 Conquanto não seja esse o objetivo deste trabalho, entendemos que o ordenamento jurídico é composto por normas
jurídicas, categoria que abrange os princípios e as regras. A distinção primordial de ambos é que no sistema de regras, vale a
máxima do tudo ou nada, o que não ocorre com os princípios, que podem ser objeto de ponderação. 137 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional
64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.53. 138 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.154. 139 CARRAZZA, Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.45.
64
Social, da liberdade e da propriedade. Se os princípios dizem respeito a diferentes
aspectos da atuação estatal, a relação entre eles não é de concorrência, mas de
complementação. Metaforicamente eles não se ‘ombreiam’ uns com os outros, mas
se ‘imbricam’ em relações diversas de forma-conteúdo e gênero-espécie. Não se
pode, pois, falar em oposição ou em conflito, mas apenas em complementariedade.
Em segundo lugar, nem todos os princípios se situam no mesmo nível: há princípios
que se igualam por serem objeto de aplicação, mas se diferenciam por se situarem
numa relação de subordinação, como é o caso dos sobreprincípios do Estado de
Direito relativamente aos princípios da separação dos poderes, da legalidade e da
irretroatividade. Se um princípio é uma norma de execução ou concretização de
outra, a relação entre elas não é de concorrência, mas de subordinação.
Em terceiro lugar, nem todos os princípios têm a mesma eficácia: os princípios
exercem várias funções eficaciais, como a interpretativa, em que um princípio será
interpretado de acordo com outro, a integrativa, em que um princípio atuará
diretamente suprindo lacuna legal, e a bloqueadora, em que um princípio afastará
uma norma legal com ele incompatível. Nesses casos, também não se pode falar em
conflito horizontal, mas apenas em vínculos de conformidade de um princípio em
relação a outro, ou em atuação direta de um princípio sem a interferência de outro
princípio.140
Para Ruy Samuel Espíndola, princípio seria a base, o elemento de estruturação de um
sistema e o fundamento de regras:
A idéia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se
tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou
normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa,
donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou
subordinam.141
O mesmo entendimento é apresentado por Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz:
Por definição, princípio é mandamento nuclear de sistema, ou seja, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e
inteligência, exatamente, por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo
no que lhe dá sentido harmônico. São os pensamentos diretores de uma regulação
jurídica, devendo ser utilizados como critério superior de interpretação das demais
normas, orientando sua aplicação no caso concreto.142
No mesmo sentido, inclusive reconhecendo sua carga axiológica, José Afonso da Silva
leciona que “Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas,
são (como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira) ‘núcleos de condensações’ nos quais
confluem valores e bens constitucionais.”143
140 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.132-133. 141 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: RT, 1999, p.47. 142 PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal: direito fundamental do cidadão. Coimbra:
Almedina, 2009, p.35-36. 143 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.92.
65
Ao seu turno, Ronald Dworkin,144
crítico do positivismo jurídico,145
sustenta que o
sistema jurídico é composto não apenas por regras, mas também por princípios.146
Os
princípios, por sua vez, além de dotados de certo grau de generalidade, podem também ser
objeto de sopesamento, de modo que o juiz poderá, nos denominados hard cases – em que
não existe norma jurídica posta –, ou na hipótese de conflito entre princípios, utilizar os
princípios para decidir os hard cases ou ponderar, em caso de colisão de princípios, qual deles
deverá prevalecer no caso concreto, o que, no entanto, não retira sua validade.147
Nesses
casos, o princípio não utilizado continua a integrar o sistema jurídico, podendo ser utilizado
em outro caso, posto tratar-se de regra de ponderação. Para Ronald Dworkin, portanto, as
normas jurídicas são compostas por regras jurídicas e princípios, estes últimos verdadeiros
standards, que inclusive podem identificar-se com aspectos de moralidade. Assim, princípios
enunciam razões orientadas a uma interpretação e certa argumentação jurídica voltada para
uma direção. Não são, portanto, questões de certo ou errado; validade ou invalidade, mas sim
convicções que justificam o encaminhamento da solução em determinado sentido. São
questões de peso na justificação de uma decisão jurídica, ou seja, uma posição que justifica a
interpretação do direito:
Denomino ‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não porque vá promover
ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas
porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da
moralidade.148
Para Robert Alexy, que assim como Ronald Dworkin parte do pressuposto de que a
distinção entre princípios e regras, espécies de normas jurídicas, é quantitativa e não de grau,
princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível.
144 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 145 A crítica de Dworkin ao positivismo consiste na impossibilidade do sistema jurídico ser composto unicamente por regras,
vez que essas, as regras, não permitem ao juiz decidir os denominados hard cases (em que não existe regra prévia), tarefa que
acaba sendo facilmente desenvolvida pelos princípios. Isso ocorre pois na sistemática das regras jurídicas, que buscam
regular uma específica situação (as regras não são genéricas; os princípios, sim), vale o jogo do tudo ou nada. Conforme
Dworkin, o positivismo, que busca conceituar o direito, possui o seguinte esqueleto: regras de pedigree, que são aquelas
regras utilizadas por uma comunidade com o propósito de determinar qual comportamento será punido ou coagido e qual
regra foi aceita ou rejeitada; regras jurídicas, que são regras postas, sendo que, ausente regra expressamente regulando uma
hipótese, deverá o juiz decidir o caso mediante seu discernimento pessoal (isso ocorre, pois, para o positivismo, o direito é
composto por regras, de modo que, ausente uma regra para regular determinada situação, ausente será a presença do direito) e
coexistência das regras jurídicas com o direito (uma obrigação jurídica somente existe se existir uma regra específica válida
que assim a preveja). 146 Dworkin também traça estudo acerca das políticas (ou policies), que, em linhas gerais, vêm a ser as conhecidas políticas
públicas, ou seja, objetivos a serem alcançados visando uma melhoria mediante o estabelecimento de um padrão. 147 Verifica-se que para Dworkin há uma forte preocupação com a teoria da decisão judicial, que permite ao juiz, por meio da
utilização de princípios, valer-se de certo grau de moralidade. O problema nesse ponto é que existe o risco do juiz se valer de
sua concepção de moralidade para utilizar determinado princípio e decidir a causa. 148 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.36.
66
São, portanto, mandamentos de otimização.149
A questão que se coloca nesse ponto é que o
atingimento da máxima eficácia de um princípio pode ser obstado por outro princípio,
surgindo a colisão de princípios.150
Como o atingimento dessa eficácia máxima dependerá de
variáveis e peculiaridades do caso concreto, não é possível dizer que, em abstrato,
determinado princípio sempre prevalecerá sobre outro. São as condições do caso concreto que
determinarão qual princípio prevalecerá.151
Diante da possibilidade de limitação dos
princípios ocasionada pela possível conflituosidade dos mesmos em determinado caso
concreto, verifica-se que os mesmos expressam deveres e direitos prima facie.152
A distinção entre o posicionamento de Ronald Dworkin e Robert Alexy é que, para
este, princípio não guarda relação com a fundamentalidade da norma. Assim, para Robert
Alexy, princípio pode ou não ser um mandamento nuclear do sistema.
Embora existam diversos posicionamentos sobre os princípios, o tema possui
relevância para a ciência jurídica, de maneira que certamente ainda irá gerar debates que, no
entanto, não constituem o objeto do presente estudo.
4.3.1 Legalidade
O primeiro princípio do processo administrativo previsto explicitamente pelo art.2° da
Lei n°9.784/99, que cuidou de positivar princípios que até então eram tratados pela
jurisprudência e pela doutrina, versa sobre o princípio da legalidade.
De acordo com esse princípio, a Administração Pública, quando tem a função de
julgar, fica vinculada à pratica de atos permitidos pela lei. Com isso, ficam resguardados os
direitos e garantias do administrado, não sendo despropositado afirmar que o princípio da
legalidade também funciona como um mecanismo de controle do poder estatal.
Ainda que a atividade da Administração deva ser vinculada ao império da lei, o
princípio da legalidade deve ser entendido de forma mais ampla, englobando as normas e os
princípios constitucionais aplicáveis à hipótese posta em julgamento, ou, conforme lecionam
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “agir dentro da legalidade significa não
149 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2.ed. 3ª tir. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2011. 150 Um exemplo é o direito à moradia e a preservação das áreas de manancial, muito comum nos casos de ocupação irregular
dessas áreas. 151 Interessante, entretanto, consignar que a Constituição Federal de 1988, em seu art.227, caput, ao instituir como absolutos
os deveres da família, da sociedade e do Estado acerca dos direitos da criança, aparentemente afasta o quanto exposto, de
modo que, mesmo sem um caso concreto, os direitos das crianças seriam absolutos. 152 Novamente aqui tem-se nova distinção entre regras e princípios. Se uma regra prescreve determinada situação, ela deve se
realizar exatamente tal como prevista. No caso dos princípios, esse grau de realização é variável.
67
só submeter-se ao império da lei que rege o caso concreto, mas também e principalmente
observar as normas e princípios constitucionais aplicáveis à espécie.”153
Verifica-se, portanto, que o princípio da legalidade deve ser entendimento de forma
mais ampla, de modo que a Administração deve atuar não apenas vinculada à literalidade da
lei, mas também pautada pelas normas jurídicas. Daí porque pertinentes os ensinamentos de
Cármen Lúcia Antunes Rocha:
Em sua primeira afirmação de conteúdo, o princípio da legalidade administrativa era
entendido como a obrigatoriedade de adequação entre um ato da Administração
Pública e uma previsão legal na qual ele tivesse a sua fonte. Daí por que Hauriou
baseou-se no princípio da ‘legalidade’ para elaborar a sua teoria sobre o regime
administrativo, no qual não era a lei que se submetia à Administração Pública, antes
era esta que à lei se sujeitava. A lei passou a ser considerada, então, sede única do
comportamento administrativo, sua fonte e seu limite. Sendo a lei, entretanto, não a
única, mas principal fonte do Direito, absorveu o princípio da legalidade
administrativa toda a grandeza do Direito em sua mais vasta expressão, não se
limitando à lei formal, mas à inteireza do arcabouço jurídico vigente no Estado. Por
isso este não se bastou como Estado de lei, ou Estado de Legalidade. Fez-se Estado
de Direito, num alcance muito maior do que num primeiro momento se vislumbrava
no conteúdo do princípio da legalidade, donde a maior justeza de sua nomeação
como ‘princípio da juridicidade’.154
A legalidade de que trata o art.2° da Lei n°9.784/99, portanto, não fica adstrita ao
aspecto formal, espraiando-se para um conteúdo substancial e que deve nortear a atuação da
Administração Pública na consecução do bem comum.
4.3.2 Finalidade
Segundo princípio positivado pela Lei n°9.784/99, o princípio da finalidade está, em
certa medida, encartado no princípio da legalidade, vez que, conforme leciona Celso Antônio
Bandeira de Mello, “não se compreende uma lei, não se entende uma norma, sem entender
qual o seu objetivo.”155
Pelo princípio da finalidade, busca a Administração Pública alcançar o interesse
público e o resultado específico que cada ato deve produzir. Vale dizer, portanto, que esse
princípio, mais do que preservar o processo administrativo, busca obstar a ocorrência de
desvio de poder que porventura poderia ser praticado pela Administração ou pelo agente
público na condução do processo administrativo.
153 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 14.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1.798. 154 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994,
p.79. 155 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional
64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.78.
68
4.3.3 Motivação
Uma vez que o Estado Brasileiro qualifica-se como um Estado Democrático de
Direito, aqueles investidos da tarefa de dizer o direito estão obrigados a motivar, ou seja, a
exteriorizar de modo fundamentado suas razões de decidir. Ao observar esse princípio, poderá
o administrado exercer adequadamente seu direito de defesa, ficando a Administração Pública
salvaguardada de eventual questionamento, eis que transparente em seu proceder, limitando-
se eventual questionamento a outros pontos. Ademais, por meio da motivação realiza-se o
controle de legalidade, ou de juridicidade, do ato. Juarez Freitas, nesse ponto, afirma que a
motivação permitirá o exercício do controle de licitude, em sentido mais amplo, de forma a
confrontar o ato com toda a gama de princípios que se deve observar, permitindo que se
detecte o “demérito” do ato, quando este não se conformar com a ordem jurídica.156
O princípio da motivação, mais do que um princípio do processo administrativo, é um
desdobramento do ideal republicano, devendo ser observado em todos os momentos nos quais
alguma atitude decisória deve ser tomada.
4.3.4 Razoabilidade
O princípio da razoabilidade tem cabimento na hipótese em que existe
discricionariedade da Administração na eleição do comportamento cabível diante do caso
concreto, de modo que ela não pode agir desarrazoadamente, ou seja, de modo ilógico e
incongruente, conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello.157
Conquanto de conteúdo fluido e indeterminado, a razoabilidade está, em certa medida,
relacionada ao princípio da finalidade, vez que a exegese acerca da finalidade da norma não
pode conduzir a conclusões irracionais, e também ao princípio da legalidade, vez que,
havendo discricionariedade, deverá a Administração eleger a norma que melhor decidirá o
caso concreto.
4.3.5 Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, positivado no art.2° da Lei n°9.784/99, está
umbilicalmente relacionado ao princípio da razoabilidade, significando que a atuação da
156 FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração. São Paulo:
Malheiros, 2007, p.32. 157 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional
64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.79.
69
Administração Pública esteja assentada no equilíbrio, ou seja, na ponderação entre os fatos e
as finalidades. Busca-se, desta forma, evitar o excesso desnecessário no atendimento da lei e
que poderia tornar inválido o ato.
Assim como ocorre com a razoabilidade, seu conteúdo é fluido, o que, em certa
medida, dificulta sua conceituação. Todavia, foi feliz a Lei n°9.784/99, que apresenta a
melhor definição da proporcionalidade, em seu art.4°, VI, como a “adequação entre meios e
fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas
estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.
Pela proporcionalidade, portanto, busca-se preservar a validade da conduta da
Administração mediante o equilíbrio entre o pretendido e os meios adotados para se chegar a
tal medida. Também se busca guardar a correlação proporcional de peso entre a sanção
aplicada e a infração cometida.
4.3.6 Moralidade
Assim como ocorre com a legalidade, o ato administrativo deve revestir-se de
moralidade, assim entendida como aquele tipo de comportamento pautado pela boa-fé, pela
ética e pelo decoro.
Interessante destacar que a moralidade não deve se confundir com a legalidade, eis que
atos poderão existir pautados pela legalidade, porém imorais, conforme destaca Odete
Medauar:
Em geral, a percepção da imoralidade administrativa ocorre no enfoque contextual;
ou melhor, ao se considerar o contexto em que a decisão foi ou será tomada. A
decisão, de regra, destoa do contexto, e do conjunto de regras de conduta extraídas
da disciplina geral norteadora da Administração. Exemplo: em momento de crise
financeira, numa época de redução de mordomias, num período de agravamento de
problemas sociais, configura imoralidade efetuar gastos com aquisição de
automóveis de luxo para ‘servir’ autoridades, mesmo que tal aquisição revista-se de
legalidade.158
Para Irene Patrícia Nohara e Thiago Marrara, a moralidade exige uma série de
comportamentos da Administração, cabendo destaque à proibição do abuso do poder e à
vedação do venire contra factum proprium, além da proibição de omissão, a vedação ao
158 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2003, p.139-140.
70
apego exagerado e o respeito ao tempo, o que parece bem se amoldar ao princípio da
moralidade, notadamente quando aplicada ao processo administrativo.159
4.3.7 Ampla defesa
A Constituição Federal de 1988, em seu art.5°, LV, garante aos litigantes em processo
administrativo o contraditório e a ampla defesa, inclusive preservando os meios e recursos
necessários à sua realização. Na Lei n°9.784/99, a ampla defesa é um princípio positivado em
seu art.2°. Sua observância é obrigatória para todos os níveis e esferas do Poder.
Ampla defesa implica permitir às partes deduzir alegações que sustentem sua
pretensão, com a consequente possibilidade de produzir prova dessas alegações, interpondo
recursos contra as decisões. Assim, pela ampla defesa, à parte é garantida a produção das
provas que visam sustentar suas alegações.
Mas não é somente nesse ponto que a ampla defesa encerra sua abrangência. Ainda
por esse princípio, à parte deve ser assegurada a defesa técnica ou a autodefesa, bem como o
acesso ao duplo grau, sendo ainda vedada a ocorrência da autoincriminação, conforme leciona
Nelson Nery Junior.160
Para Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz, o princípio da ampla defesa e o princípio do
contraditório – que será abordado em tópico próprio –, constituem a vertente formal do
princípio do devido processo legal.161
No âmbito do processo administrativo, a ampla defesa vem a ser uma limitação ao
poder da Administração Pública projetar-se sobre a liberdade e o patrimônio do particular de
forma unilateral, sem dar-lhe oportunidade de reagir e provar suas alegações. Trata-se,
portanto, de cláusula que obsta a atuação desenfreada da Administração e que busca preservar
a liberdade e o patrimônio do administrado.
4.3.8 Contraditório
Assim como a ampla defesa, o contraditório é decorrência do ideal democrático
vigente no Estado Democrático de Direito.
159 NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas,
2009, p.54-55. 160 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10.ed.
rev. ampl. e atual. com as novas súmulas do STF (simples e vinculantes) e com análise sobre a relativização da coisa julgada.
São Paulo: RT, 2010, p.248-264. 161 PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal: direito fundamental do cidadão. Coimbra:
Almedina, 2009, p.217-225.
71
Significa ele que à parte é assegurado participar do processo, sendo-lhe ainda
assegurado o direito de tomar conhecimento da existência de uma ação ou processo
administrativo em seu desfavor, assim como o direito de ser cientificada dos atos do processo
e de reagir aos mesmos. Não bastasse, pelo contraditório ainda é obstado ao julgador diminuir
ou não observar a marcha processual.
No processo administrativo, o princípio do contraditório vem positivado no art.2° da
Lei n°9.784/99 e, juntamente com a ampla defesa, ganha maiores contornos quando
considerada a possibilidade da reformativo in pejus prevista no art.64, parágrafo único, vez
que, na hipótese de sua ocorrência, ao administrado deverá ser assegurado deduzir pretensão
visando sua não ocorrência, além de produzir as provas necessárias à defesa de seus
interesses.
4.3.9 Segurança jurídica
Por meio do princípio da segurança jurídica busca-se evitar a retroação de nova
interpretação de lei no âmbito da Administração Pública.
Esta ideia está explícita na Lei n°9.784/99, art.2º, parágrafo único, XIII, que assegura a
“interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim
público a que se digne, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”.
Segundo Irene Patrícia Nohara e Thiago Marrara, o princípio da segurança jurídica foi
“incorporado para combater a prática reiterada em alguns órgãos administrativos de mudar a
orientação de determinações normativas que afetassem situações reconhecidas e consolidadas
na égide da orientação anterior, o que gerava insegurança aos administrados.”162
De acordo com Elival da Silva Ramos, a vedação da retroatividade da nova
interpretação visando garantir a segurança jurídica impede a aplicação dos novos padrões
interpretativos “a efeitos jurídicos passados de atos pretéritos, praticados em consonância com
interpretação administrativa assente ao tempo de sua edição e que se revelem viciados à luz da
intelecção superveniente do texto base.”163
O princípio da segurança jurídica busca, portanto, atribuir estabilidade às relações,
obstando a aplicação de nova interpretação à lei, tudo como forma de se preservar o melhor
atendimento do fim público.
162 NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas,
2009, p.65. 163 RAMOS, Elival da Silva. A valorização do processo administrativo. O poder regulamentar e a invalidação dos atos
administrativos. In: (Coords.) SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guilhermo Adrés. As leis de processo administrativo.
São Paulo: Malheiros, 2006, p.91.
72
4.3.10 Interesse público
Conquanto a Lei n°9.784/99 faça menção ao interesse público, o princípio deve ser
entendido como a já conhecida supremacia do interesse público, fundamento das
prerrogativas da Administração Pública.
O fundamento para essa supremacia é encontrado na Teoria Geral do Estado,
notadamente nos estudos filosóficos que tratam da abdicação, pelos particulares, de parte de
seus interesses em busca de um interesse geral, que fundamenta a existência do Estado.
A Lei n°9.784/99 trata desse princípio em diversas passagens. Assim, no inciso II, do
parágrafo único de seu art.2°, quando traz o critério de atendimento aos fins de interesse geral
a ser observado nos processos administrativos e o inciso VI, do parágrafo único do mesmo
art.2°, que exige a proporcionalidade entre meios e fins, vedando-se a imposição de
obrigações, restrições ou sanções em medida superior ao necessário ao atendimento do
interesse público, além do §2° do art.51, quando traz a possibilidade de prosseguimento do
processo administrativo mesmo em face da desistência ou renúncia do interessado, caso exista
exigência derivada do interesse público e o art.55, que fixa a impossibilidade de convalidação
de defeitos do ato caso acarretem lesão ao interesse público.
4.3.11 Eficiência
O princípio da eficiência foi inicialmente positivado pela Emenda Constitucional
19/98, que atribuiu uma nova redação ao art.37, caput, da Constituição Federal de 1988.
Referido princípio implicou uma significativa modificação no desempenho da função
administrativa, que passou a privilegiar um modelo gerencial em detrimento de um modelo
burocrático.
Assim, pela eficiência, está a Administração obrigada a sempre buscar os melhores
resultados nas atividades por ela desempenhadas, evitando gastos desnecessários e condutas
protelatórias ou desidiosas, além do gasto excessivo do tempo. Em outros termos, pela
eficiência deve a Administração zelar pela rapidez e precisão em seu proceder.
4.3.12 Publicidade
A Constituição Federal de 1988 cuidou de assegurar, no campo processual, a garantia
da publicidade dos atos e decisões processuais. Assim, em seu art.5°, LX, assegurou que “a lei
só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o
73
interesse social o exigirem”, além de garantir no art.93, IX, a publicidade dos julgamentos dos
órgãos do Poder Judiciário.
Fora do âmbito processual, o tema também continua a encontrar previsão na
Constituição Federal de 1988, desta vez em seu art.5°, XXXIII, que reconhece a todos o
direito de receber, dos órgãos públicos, informações do seu interesse particular ou de interesse
coletivo geral, e no art.5°, XXXIV, ‘b’, que regula o direito de obter certidões em repartições
públicas para a defesa de direitos e de esclarecimentos de situações de interesse pessoal.
A publicidade da Lei n°9.784/99, portanto, não poderia ser outra, vez que o processo
administrativo deve, em regra, ser pautado pela publicidade de seus atos e decisões. E é a
própria concepção de democracia que a impõe.
4.3.13 Inquisitivo
Embora não encontre previsão expressa na Lei n°9.784/99, o processo administrativo é
pautado pelo princípio inquisitivo. Isso é facilmente verificado pela observação do art.51, §2°,
que estipula a possibilidade de prosseguimento do processo administrativo mesmo em face da
desistência ou renúncia do interessado, caso exista exigência derivada do interesse público.
Referido princípio, que deriva das noções de legalidade e indisponibilidade do
interesse público, pode ser entendido como aquele por meio do qual a Administração Pública
possui poderes para instaurar e impulsionar o processo. Uma boa intelecção é oferecida por
Humberto Theodoro Júnior, que coteja o princípio inquisitivo com o princípio dispositivo:
Caracteriza-se o princípio inquisitivo pelo reconhecimento da liberdade de inciativa
do juiz, tanto para instaurar a relação processual, como para promover o seu
desenvolvimento. Por todos os meios a seu alcance, o julgador procura descobrir a
verdade real, independentemente da inciativa e da colaboração das partes. Já o
princípio dispositivo deixa a sorte do processo à livre disponibilidade das partes. A
elas, com exclusividade, incumbe toda iniciativa, seja na instauração do processo,
seja no seu impulso, seja na sua instrução. As provas, portanto, só podem ser
produzidas pelas partes e a própria marcha processual depende da manifestação
propulsiva dos litigantes, restando ao juiz uma posição quase de mero espectador.164
No processo administrativo verifica-se, portanto, uma predominância do princípio
inquisitivo. Diz-se uma predominância, pois não existe processo exclusivamente inquisitivo,
assim como não existe processo unicamente dispositivo.165
164 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Princípios gerais de direito processual civil. In: Revista de Processo n°23, ano 6, 1981, São
Paulo: RT, p.180. 165 Nesse sentido, Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes lecionam: “Ao princípio dispositivo costuma-se contrapor
o chamado princípio inquisitório, segundo o qual compete ao Juiz o poder de iniciativa probatória, para a determinação dos
74
No processo administrativo, portanto, uma vez predominando o princípio inquisitivo,
incumbe à Administração o dever de instaurar o processo administrativo e zelar por sua boa
marcha, além de determinar a produção das provas necessárias à consecução da verdade
material, sempre visando o bem comum.
4.3.14 Oficialidade
Princípio não positivado, tal como ocorre com o princípio inquisitivo, o princípio da
oficialidade pode ser traduzido como o dever da Administração no desenvolvimento do
processo administrativo. Assim o conceitua Celso Antônio Bandeira de Mello:
(X) Princípio da oficialidade – de acordo com o qual a mobilização do
procedimento administrativo, uma vez desencadeado pela Administração ou por
instigação da parte, é encargo da própria Administração; vale dizer, cabe a ela, e não
a um terceiro, a impulsão de ofício, ou seja, o empenho na condução e
desdobramento da sequência de atos que o compõem até a produção do ato final,
conclusivo.166
O princípio da oficialidade, portanto, impõe à Administração o dever de impulsionar o
processo.167
E outro não poderia ser o entendimento não apenas porque o processo
administrativo envolve interesse público, mas notadamente em virtude da previsão do §2°, do
art.51, da Lei n°9.784/99, que determina o prosseguimento do processo administrativo mesmo
em face da desistência ou renúncia do interessado.
4.3.15 Verdade material
Decorrente do princípio da oficialidade, o princípio da verdade material, também
denominado de verdade real, traduz-se em um direito-dever da Administração no que tange à
instrução do processo administrativo. Vale dizer que, por esse princípio, a Administração
possui o dever de tomar suas decisões com fundamento não na verdade formal, àquela
fatos postos pela parte como fundamento da demanda. Esses princípios não ocorrem de modo exclusivo em nenhum sistema
processual, sendo normal que o legislador de ambos se utilize, dando prevalência ora a um deles, ora a outro.” (SILVA,
Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. São Paulo: RT, 1997, p.47). 166 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional
64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.504-505. 167 “O princípio refere-se ao impulso de ofício do processo, cabendo à Administração tomar todas as medidas necessárias ao
trâmite contínuo até a decisão final. Expressa a responsabilidade da Administração pelo andamento regular e contínuo do
procedimento, independente da provação dos sujeitos, principalmente quanto à instrução. O princípio da oficialidade
compreende tanto a impulsão de ofício como a instrução de ofício, que pressupõe a participação do acusado. O princípio não
significa que a Administração tem a possibilidade de levar a cabo a instrução sem o contraditório ou a ampla defesa, mas que
a instrução é competência administrativa a ser exercida nos moldes legais e constitucionais. Oficialidade não se confunde
com unilateralidade das decisões administrativas, expressa tão-somente responsabilidade na condução do processo para que
este alcance o fim constitucional e legal”. (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo
administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.174).
75
constante dos autos, mas sim com base na verdade material, ou seja, apoiada nos fatos tal
como ocorreram no mundo fenomênico, e não exclusivamente como traduzidos nos autos,
possuindo a Administração o direito de determinar a produção das provas necessárias para
tanto.
O princípio da verdade material é assim conceituado por Odete Medauar:
Esse princípio, também denominado verdade real, vinculado ao princípio da
oficialidade, exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos
tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida
pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos
os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida
aos aspectos suscitados pelos sujeitos.168
Por esse princípio, verifica-se que o processo administrativo possui peculiaridades que
mitigam, senão até mesmo acabam por afastar, a vinculação da atividade da Administração
Pública no julgamento de processos administrativos à pretensão deduzida nos autos. Os
princípios da verdade material e da oficialidade, assim como o princípio inquisitivo e o
relativo à supremacia do interesse público (para adotarmos a classificação doutrinária), são
verdadeiros embriões da possibilidade da reformativo in pejus, que ganha maiores contornos
quando se está diante de processo administrativo destinado à tutela de Direitos Difusos.
4.3.16 Duplo grau de jurisdição
O duplo grau de jurisdição, no campo do processo administrativo, encontra previsão
no art.56 da Lei n°9.784/99, que em seu caput estipula que “Das decisões administrativas
cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito”. Nesse ponto, verifica-se que toda
decisão proferida em processo administrativo é suscetível de recurso, o que demonstra que o
sistema de processo administrativo adotou o princípio do duplo grau de jurisdição.
De acordo com esse princípio, que busca exaurir, no campo do processo
administrativo, o exercício dos princípios da ampla defesa e do contraditório, é possível
recorrer da decisão visando sua anulação ou reforma.169
Ainda pelo princípio do duplo grau de
jurisdição, a segurança jurídica, no campo do processo administrativo, haverá de ser
168 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2003, p.188. 169 Interessante frisar que por ser guiado pelo princípio da verdade material, novas provas podem ser apresentadas, o mesmo
ocorrendo com a arguição de fundamentos que não constavam da defesa administrativa. Essa circunstância, conforme será
apresentado em tópico oportuno, permite que a reformatio in pejus tenha incidência ainda que o recurso tenha sido interposto
pelo Administrado. E isso ocorre na medida em que, com a apresentação de novas provas e argumentos, poderá restar
demonstrado que a decisão recorrida estava quantitativa e qualitativamente equivocada. Entendimento em sentido contrário,
esvaziaria a sistemática principiológica do processo administrativo, inclusive não se harmonizando, no que tange aos Direitos
Difusos, à categorização dos mesmos enquanto direitos que se qualificam pela solidariedade.
76
prestigiada, vez que a possibilidade da decisão administrativa estar correta aumenta após ser
analisada por um órgão hierarquicamente superior.
Rui Portanova, ao analisar o princípio do duplo grau, apresenta sua origem e evolução
histórica, esclarecendo que a garantia surgiu nos sistemas hierarquizados e rígidos de governo
como forma de se manter uma ideologia, posto ser conveniente à ordem política. Coube à
Revolução Francesa consagrá-lo como um mecanismo de aperfeiçoamento da atividade
judicante e de expurgo de decisões proferidas por juízes viciados.170
O fundamento constitucional do duplo grau de jurisdição, administrativo ou judicial, é
bom consignar, não decorre de expressa previsão nesse sentido.
Nelson Nery Junior, em Princípios do processo na Constituição Federal, ao analisar o
princípio do duplo grau de jurisdição, esclarece que o princípio era positivado no art.158 da
Constituição Federal de 1824, em garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição. Entretanto,
deixou o princípio de ser positivado nas subsequentes Constituições, que se limitaram a
mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal, o que permite
concluir, mesmo que implicitamente, pela existência do princípio, porém sem que o mesmo
possa ser considerado uma garantia absoluta, o que inclusive permite ao legislador
infraconstitucional limitar o direito ao recurso.171
Irene Patrícia Nohara, por sua vez, também reconhece que o princípio, inclusive no
campo judicial, não consta expressamente da Constituição Federal de 1988, mas reconhece
que decorre de outras normas constitucionais, especialmente as que consagram os princípios
da legalidade e da eficiência administrativa, além daquelas que tutelam o direito ao devido
processo legal e o direito de petição. Para tanto, fundamenta seu posicionamento em uma
dupla análise do recurso administrativo. Assim, pela ótica da Administração, pelo duplo grau,
poderá a Administração zelar pelo cumprimento da supremacia da lei, fazendo valer a
legalidade, além de permitir a anulação dos atos ilegais e a revogação dos atos
inconvenientes, contribuindo ainda para a consecução de decisões mais corretas e adequadas
aos interesses públicos. Sob a ótica do particular, o duplo grau representa a continuidade do
direito de petição, além de servir como espécie de garantia de defesa contra atos praticados
por autoridades que eventualmente se demonstrem tecnicamente não preparadas ou até
mesmo descompromissadas com o princípio da eficiência administrativa.172
170 PORTANOVA, Ruy. Princípios do processo civil. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.264. 171 PORTANOVA, Ruy. Princípios do processo civil. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.285. 172 NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas,
2009, p.363.
77
Com efeito, não existe previsão expressa na Constituição Federal de 1988 acerca do
duplo grau de jurisdição, que decorre não apenas da previsão sobre a existência de tribunais,
que possuem competência recursal, mas também de princípios outros, tais como o devido
processo legal e o direito de petição, o que não lhe retira a natureza principiológica, eis que,
como sabido, princípios existem que não demandam sua positivação.
Não bastasse, também é possível sustentar que o duplo grau de jurisdição decorre da
própria irresignação com uma decisão desfavorável, naquilo que Rui Portanova denomina de
princípio da recursividade.173
O duplo grau administrativo, portanto, assegura ao Administrado a possibilidade de
revisão da decisão objurgada. Entretanto, no campo do processo administrativo, o exercício
dessa faculdade não implica na afirmativa de que sua situação não será passível de piora,
conforme será abordado em capítulo próprio.
173 Rui Portanova desdobra o princípio do duplo grau para dizer que o mesmo está ligado ao processo, e não à jurisdição,
esclarecendo que o princípio da recursividade é mais abrangente, posto consagrar toda sorte de inconformismos de decisões
contrárias e não abrangendo a reapreciação da matéria por um órgão hierarquicamente superior. Assim, pela recursividade, a
irresignação decorreria da própria condição humana em não aceitar uma decisão desfavorável, podendo, por ser mais
abrangente, ser a irresignação apreciada pelo próprio prolator da decisão, tal como ocorre com os embargos infringentes do
art.34 da Lei n°6.839/80 e os recursos inominados nos Juizados Especiais, que não são dirigidos a um tribunal.
(PORTANOVA, Ruy. Princípios do processo civil. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.103-106).
78
5 A SANÇÃO ADMINISTRATIVA
5.1 Conceito de sanção e conceito de sanção administrativa
O Direito, enquanto regulador da vida em sociedade, prescreve condutas que, na
hipótese de não serem observadas, geram alguma reprimenda. Para tanto, vale-se o Direito de
normas que podem apoiar-se em preceitos morais, sociais ou eminentemente jurídicos.
Exemplo da primeira seria a hipótese da moralidade administrativa prevista no art.37 da
Constituição Federal de 1988. Como exemplo da segunda espécie temos aquelas normas
insculpidas no Capítulo II da Constituição Federal de 1988 e, da terceira conduta a hipótese
regulada no art.86, da Lei n°12.529/11, que instituiu o acordo de leniência.
Por prescrever regras de conduta que devem ser observadas, ou seja, por prescrever
um “dever ser” e não um “ser”, as normas, quaisquer que sejam seu lastro, acabam por
invariavelmente serem violadas.174
Essa violação, ao seu turno, ocorre por meio daquilo que
se convencionou denominar de infração. Desta forma, uma vez violada a norma, ou seja,
porque não observado o “dever ser”, ou, em outras palavras, porque praticada alguma
infração, o ordenamento prescreve uma sanção. A infração, portanto, é pressuposto da sanção.
De uma forma genérica, sanção pode ser entendida como uma reprimenda imposta
àquele cujo comportamento é contrário a uma norma.175
Conquanto seja vista sob seu viés negativo, proibindo uma conduta sancionada, a
sanção também poderá ser vista sob seu viés positivo, naquilo que se convencionou chamar de
sanção premial, que vem a ser a concessão de alguma vantagem àquele que se comportou
conforme a norma.176
174 Nesse sentido, é a assertiva de Norberto Bobbio: “Uma norma prescreve o que deve ser. Mas aquilo que deve ser não
corresponde sempre ao que é. Se a ação real não corresponde à ação prescrita, afirma-se que a norma foi violada. É da
natureza de toda prescrição ser violada, enquanto exprime não o que é, mas o que deve ser.” (BOBBIO, Norberto. Teoria da
norma jurídica. Bauru: Edipro, 2001, p.152.). 175 No sentido exposto, Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli: “Genericamente, o termo sanção traz a ideia de
reprimenda imposta àquele que se comportou de forma contrária ao que estava predisposto por alguma norma, servindo para
compensar ou indenizar as consequências danosas do ato ilícito ou até mesmo desestimular a repetição de tal comportamento
na sociedade.” (ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo
Gomes; MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim,
2009, p.332.) Para Tércio Sampaio Ferraz Junior, “sanção designa um fato empírico, socialmente desagradável, que pode ser
imputado ao comportamento de um sujeito.” (FERRAZ JÚNIOR. Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de
pragmática da comunicação normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.69). Para Norberto Bobbio, sanção é a resposta à
violação. (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2001, p.154). 176 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Também reconhecendo não apenas a
existência, mas notadamente a importância das sanções premiais, Diogo de Figueiredo Moreira Neto leciona: “É campo de
aplicação da função disciplinar inerente ao Estado. A disciplina, numa visão mais ampla, não deve ser assegurada apenas por
punições, mas por um sistema misto de penalidades e de recompensas. Infelizmente, os legisladores estatutários brasileiros
não têm percebido a conveniência de, paralelamente às sanções aflitivas, prever um elenco de sanções premiais, sejam
honoríficas, pecuniárias ou de quaisquer outras modalidades, que estimulem a disciplina preferencialmente ao emprego dos
meios punitivos.” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral
e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.322).
79
A função da sanção em seu viés negativo é trivalente, vez que servirá tanto como
mecanismo para compelir o agente a não violar a norma (caráter preventivo), assim como
servirá, por meio da reprimenda ao infrator (caráter punitivo ou aflitivo), a educar os demais,
e o próprio infrator, a não transgredirem a norma (caráter educativo).177
Também poderá a
sanção, nesse seu viés negativo, mais do que reprimir, preservar a própria norma de atitudes
que lhe são contrárias, ou seja, funcionar como mecanismo de garantia de respeito à norma.178
No entanto, considerando que o conceito de sanção traz uma ideia de reprimenda, mais do que
preservar a norma ou educar os demais, busca sancionar aquele que a transgrediu, daí porque
deve ser conceituada como reprimenda imposta àquele que transgrediu determinada norma.
Tal como ocorre com seu pressuposto (a infração), a sanção pode revestir-se de
naturezas distintas, ostentando a natureza de sanção administrativa, civil ou penal.179
Essa
distinção da sanção, naquilo que é pertinente às sanções administrativas, pode considerar o
critério da norma violada ou o critério da autoridade sancionadora.180
Conforme o primeiro critério, a norma violada poderá ter natureza civil, penal e
administrativa. Para identificar a norma violada, basta verificar a norma de conduta que
deixou de ser observada.
177 Reconhecendo o caráter trivalente da sanção administrativa, assim é o pronunciamento de João Batista de Almeida: “Tais
sanções ou penalidades são aplicadas e cobradas ou executadas pela própria Administração, em procedimento administrativo
próprio, resguardado o direito de defesa do infrator. Revestem-se, assim, de grande significado na defesa do consumidor, pois
têm a função de educar o fornecedor, inibindo condutas desonestas e abusivas e reprimindo atos fraudulentos.” (ALMEIDA.
João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.210). 178 Nesse sentido, é o ensinamento de Miguel Reale: “As formas de garantia ao cumprimento das regras denominam-se
‘sanções’. Sanção é, pois, todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra.” (REALE, Miguel.
Lições preliminares de direito. 27.ed. ajustada ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p.72). 179 Reconhecendo a ausência de distinção substancial entre as infrações e sanções administrativas e as infrações e sanções
penais, Celso Antônio Bandeira de Mello: “Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção
que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de
qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais. O que as aparta é única
e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção [...]”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito
administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.847). Em
igual sentido, reconhecendo que a infração administrativa e a infração penal possuem uma mesma característica, Sílvio Luís
Ferreira da Rocha: “Nesse aspecto, a infração administrativa em nada difere do ilícito civil ou penal, porque revela ser, em
última análise, um ato contrário ao prescrito em norma integrante do ordenamento jurídico.” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira
da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.610). 180 ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;
MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,
p.332. Reconhecendo unicamente o critério da autoridade sancionadora: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de
direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.847-
848; VITTA, García Heraldo. Sanções no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p.34; FERREIRA, Daniel.
Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p.59-60. De outro lado, reconhecendo apenas o critério material, ou
seja, da norma violada, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: “Não se confundem a sanção administrativa e a penal. Esta visa
a punir atos contrários aos interesses sociais, e aquela aos da atividade administrativa. A distinção está no fundamento da
responsabilidade, tendo em vista o bem jurídico ofendido. Dada a diversidade do fundamento jurídico da punição, pode o
infrator se sujeitar a ambas sem que ocorra bis in idem, levadas a efeito por órgãos distintos: da Administração Pública e do
Poder Judiciário. Esta faz coisa julgada; e aquela, não. É o direito positivo, entretanto, que estrema os atos considerados de
ilícito administrativo e penal, dentro de uma zona-limite. Certo, não se confunde o crime, o delito penal, que ofende a
segurança social e individual e viola os direitos da personalidade humana ou do seu patrimônio, com as infrações
administrativas. Mas entre as contravenções criminais e administrativas já o mesmo não acontece.” (MELLO, Oswaldo
Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São Paulo: Malheiros, 2007, p.570).
80
Esse critério, portanto, tem sua fixação no âmbito do processo legislativo, vez que
incumbe ao Legislativo a função de criar as leis, definindo sua natureza.181
E nesse caso,
poderá uma infração representar simultaneamente uma violação à uma norma civil, penal e
administrativa, bastando, para tanto, que o legislador assim tenha descrito sem que isso, é
bom consignar, configure bis in idem.
No sentido exposto, ensina Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:
Não se confundem a sanção administrativa e a penal. Esta visa a punir atos
contrários aos interesses sociais, e aquela aos da atividade administrativa. A
distinção está no fundamento da responsabilidade, tendo em vista o bem jurídico
ofendido. Dada a diversidade do fundamento jurídico da punição, pode o infrator se
sujeitar a ambas sem que ocorra bis in idem, levadas a efeito por órgãos distintos: da
Administração Pública e do Poder Judiciário. Esta faz coisa julgada; e aquela, não. É
o direito positivo, entretanto, que estrema os atos considerados de ilícito
administrativo e penal, dentro de uma zona-limite. Certo, não se confunde o crime, o
delito penal, que ofende a segurança social e individual e viola os direitos da
personalidade humana ou do seu patrimônio, com as infrações administrativas. Mas
entre as contravenções criminais e administrativas já o mesmo não acontece182
.
O segundo critério de definição da natureza da sanção, ao seu turno, guarda relação
com a autoridade sancionadora, de modo que a distinção das sanções estaria, portanto,
relacionada ao órgão que aplica a sanção.183
Nesse contexto, somente seria sanção
administrativa aquela imposta por alguma autoridade administrativa, daí excluindo as sanções
penais e civis. Nesse sentido, Eduardo Garcia de Enterriá e Tomás-Ramon Fernándes afirmam
que a sanção administrativa difere da sanção penal “por un dado formal, la autoridad que las
impone: aquéllas, la Administración, éstos, los Tribunales Penales.”184
A bem da verdade, é possível constatar que esse segundo critério não traz em si a
natureza da autoridade que aplica a sanção como critério de definição da natureza da
reprimenda imposta. Vale dizer, portanto, que não é a natureza da autoridade sancionadora
181 No sentido exposto, Régis Fernandes de Oliveira leciona que “o Direito Penal contém faltas administrativas previstas
como crime. Outras faltas administrativas que deveriam ou poderiam estar previstas na codificação penal dela não constam.
Mas a previsão do comportamento, num ou em outro texto, é matéria de escolha exclusiva do legislador. Qualquer análise
sobre dever ou não o fato estar previsto aqui ou ali é matéria que refoge à indagação estritamente jurídica. É questão de
preordenação dos interesses subjacentes à prévia decisão legislativa.” (OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e sanções
administrativas. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002, p.28). 182 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São Paulo:
Malheiros, 2007, p.570. Em igual sentido: ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7.ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.215-216. 183 De uma forma tranquila, esse parece ser o posicionamento da doutrina administrativista: MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. São Paulo:
Malheiros, 2010, p.847-848; VITTA, García Heraldo. Sanções no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p.34.
OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e sanções administrativas. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002, p.25-33;
FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p.59-60; MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira
de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São Paulo: Malheiros, 2007, p.570. 184 ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;
MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,
p.333.
81
que define a natureza da sanção. Não fosse assim, ao Judiciário seria defeso aplicar sanções
intituladas administrativas, o que, conforme a praxis, não ocorre. É, portanto, o regime
jurídico ao qual está submetida que define se uma sanção ostenta a natureza de sanção
administrativa, civil ou penal.
No sentido exposto, reconhecendo o regime jurídico como um elemento definidor da
sanção, porém entendendo que a sanção, a depender de sua natureza, somente poderá ser
aplicada por um órgão que possua legitimidade para tanto, confiram-se as lições de Sílvio
Luís Ferreira da Rocha:
Se não há diferenças substanciais entre o ilícito penal e o administrativo é
necessário, no entanto, encontrar um critério que os diferencie. O critério é
puramente formal, porque radicado na sanção atribuída. A natureza administrativa
de uma infração é reconhecida pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se
reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Portanto, a
natureza administrativa de uma infração é reconhecida pela natureza da sanção que
lhe correspondente, e pode-se afirmar que ilícito administrativo é o comportamento
ao qual se atribui uma sanção administrativa, enquanto ilícito penal é a conduta à
qual é atribuída uma sanção penal. Em suma, é o regime jurídico da sanção que
permite separar os ilícitos administrativos dos ilícitos penais. Sob a ótica formal, é
relevante destacar que a sanção administrativa é imposta por autoridade
administrativa, no exercício de função administrativa e após o trâmite de processo
administrativo; a sanção penal, por seu turno, é imposta por autoridade judiciária, no
exercício de função jurisdicional, ao final de processo judicial185
.
Conforme os critérios em estudo, é possível concluir que o critério da norma
sancionadora não se presta se não analisado a uma adequada compreensão do tema e a uma
correta e efetiva tutela dos direitos de quarta dimensão, dentre os quais está o Direito do
Consumidor. Nessa ótica, ousamos discordar do ensinamento em referência unicamente no
que tange à vinculação da sanção administrativa ao processo administrativo. E fazemos isso,
pois, entendemos que uma sanção administrativa pode ser aplicada pelo Judiciário no âmbito
do processo judicial. Admitir-se essa vinculação, ou seja, o critério funcional como
legitimador da conceituação da sanção administrativa restringiria sua ocorrência aos casos em
que a sanção fosse aplicada unicamente pela Administração Pública, suprimindo a
possibilidade de a sanção ser aplicada e/ou confirmada pelo Judiciário, em movimento que
restringe o campo de tutela dos consumidores. A bem da verdade, a sanção administrativa
deve ser entendida como a atuação lato sensu do Estado no propósito de sancionar o agente
transgressor, preservando o respeito à norma e educando os demais sujeitos.
Temos, nesse ponto, por correto e oportuno os ensinamentos de Fábio Medina Osório,
que propõe uma releitura do tema para conjugar a sanção administrativa com o Direito
185 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.610-611.
82
Administrativo em sua vertente disciplinadora do poder punitivo estatal, realocando o tema às
peculiaridades do sistema nacional, que não dispõe de uma jurisdição administrativa nos
moldes vigentes na Europa.186
Para referido autor, a problemática sobre o critério funcional repousa, inicialmente, no
maior reconhecimento do aspecto processual do Direito Administrativo, que o equipararia ao
Direito Processual, restringindo sua atuação à ação dos Poderes Públicos.
Para que o tema seja adequadamente compreendido, leciona Fábio Medina Osório que
a dicotomia entre “sanções administrativas” e “sanções judiciais” é falsa:
Não obstante a presença inevitável de sanções administrativas nas mãos do Poder
Executivo, a posição funcional da Administração Pública, como acusadora ou
promotora do procedimento ou processo punitivo, dotada de poderes sancionatórios,
não é imprescindível à caracterização da sanção administrativa, visto que nada
indica, forçosamente, sua contraposição exclusiva a ‘sanções judiciais’, em termos
conceituais. Trata-se, nesse passo, de um injustificado conceito que deixa de atender
às bases sancionadoras, delimitando toda a idéia de sanção administrativa por um
elemento puramente subjetivo, funcional, relativo à presença da Administração
Pública como órgão sancionador em um dos pólos da relação. Em realidade, a
sanção administrativa há de ser focada à luz de outros critérios e paradigmas, sem
desprezar sua dimensão processual187
.
Nesse contexto, portanto, tem-se que a teorização acerca das sanções administrativas
considera, em sua identificação, a presença do elemento subjetivo, ou seja, a presença da
Administração Pública em um dos polos da relação, o que revelaria a prevalência da
influência da processualística. No entanto, o Direito Administrativo possui uma vertente
material decorrente da expansão das sanções administrativas e da constitucionalização desse
ramo jurídico, que espraia seu campo de atuação para tutelar as mais variadas matérias e das
mais variadas formas, inclusive no plano judicial. Assim, a conceituação da sanção
administrativa deve considerar ambos os aspectos, formal e material, inclusive como forma de
permitir um maior alargamento do campo de incidência dessas normas:
Penso que a sanção administrativa há de ser conceituada a partir do campo de
incidência do Direito Administrativo, formal e material, circunstância que permite
um claro alargamento do campo de incidência dessas sanções, na perspectiva de
tutela dos mais variados bens jurídicos, inclusive no plano judicial, como ocorre em
diversas searas, mais acentuadamente no tratamento legal conferido ao problema da
improbidade administrativa188
.
186 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.80-105. 187 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.87-88. 188 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.88-89.
83
E prossegue aduzindo que hipóteses de incidência de sanção administrativa existirão
em que a Administração Pública não ocupe a posição de agente sancionador, mas de vítima de
determinada conduta, o que exige a atuação do Poder Judiciário sem que isso desqualifique a
sanção a ser imposta como uma sanção administrativa:
A Administração Pública pode ser vítima de ataques a bens jurídicos por ela
protegidos ou que digam respeito à sua existência, assumindo posições
diversificadas na perspectiva processual, ora como promotora de acusações, ora
como vítimas de ilícitos, ora nessa dúplice condição simultaneamente. No patamar
de vítima, pode ocorrer que a Administração não disponha da titularidade para
determinado processo punitivo, não obstante tratar-se de interesses seus e da
sociedade que estejam em jogo. Em tal situação, vale frisar que o Estado-
Administrativo ainda recebe a tutela do Direito Administrativo, embora sua
operacionalização possa ocorrer através do Poder Judiciário. [...]
Entendo, portanto, que não se pode descartar a existência de sanções de Direito
Administrativo aplicadas pelo Poder Judiciário, mormente quando a norma invocada
possui em um de seus pólos a figura da Administração Pública, direta, indireta ou
descentralizada, como lesada pela ação de agentes públicos ou particulares,
desafiando o Direito Punitivo189
.
Assim, o critério funcional não se presta à definição da sanção administrativa,
conforme conclusão de Fábio Medina Osório:
Não configura elemento indissociável da sanção administrativa a figura da
autoridade administrativa, visto que podem as autoridades judiciárias, de igual
modo, aplicar essas medidas punitivas, desde que outorgada, por lei, a respectiva
competência repressiva, na tutela de valores protegidos pelo Direito
Administrativo190
.
Exemplo do exposto, portanto, é a apuração das sanções administrativas previstas no
Estatuto da Criança e do Adolescente, que impõe à autoridade judiciária o dever de instrução
e julgamento, por sentença, da imposição ou não da competente sanção administrativa.
A robustecer o quanto exposto, cabe destacar que o sistema normativo brasileiro
reconhece e admite a aplicação de sanções, que terão natureza administrativa, por entidades
de classe. E isso ocorre não apenas porque essas atividades são revestidas de interesse
público, mas também porque se sujeitam a determinadas normas jurídicas e deontológicas de
elevado interesse do Estado, que inclusive permite sustentar o fato de serem uma espécie de
“serviço público”.191
189 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.89-90. 190 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.92-93. 191 ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;
MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,
p.334.
84
Assim, o que importa para caracterizar uma sanção como administrativa é a
predominância do Direito Administrativo, e não da função administrativa, conforme conclui
Fábio Medida Osório:
Consiste a sanção administrativa, portanto, em um mal ou castigo, porque tem
efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente para o futuro, imposto pela
Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por
corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público,
pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o
Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva,
com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e
material do Direito Administrativo.192
Diante desse quadro, a sanção administrativa pode ser definida como qualquer
penalidade aplicada pela Administração Pública, direta ou indireta, como também por outros
órgãos, Poderes, ou entidades, desde que fundamentadas em diplomas jurídicos de
normatividade administrativa.193
5.2 Sanções administrativas do Código de Defesa do Consumidor
As sanções administrativas foram especificamente regulamentadas pelo Código de
Defesa do Consumidor em seu Capítulo VII, precisamente em seus arts.55 a 60. Com exceção
ao parágrafo 2° do art.55194
e aos parágrafos 2° e 3° do art.60195
, objetos de veto presidencial,
bem como ao art.57, cuja redação foi alterada pelas Leis n°8.656/2003 e 8.703/2003, os
demais dispositivos foram mantidos conforme apresentados no projeto de lei que deu origem
ao Código de Defesa do Consumidor.
192 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.104. 193 ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;
MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,
p.334. 194 Conforme Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli, o texto foi vetado em virtude do sistema federalista: “O
parágrafo 2° do art.55, segundo o qual ‘as normas referidas no parágrafo anterior deverão ser uniformizadas, revistas e
atualizadas a cada dois anos’, foi vetado ao argumento de que a União não disporia, na ordem federal, de competência para
impor aos Estados e Municípios obrigação genérica de legislar, conforme arts.18, 25 e 29 da Constituição Federal.”
(ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;
MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,
p.336). 195 Os parágrafos 2° e 3° do art.60 foram vetados em virtude da ausência de parâmetros legais que pudessem regular a
contrapropaganda, o que poderia dar ensejo a abusos. Não obstante, também foram vetados pois o Ministério de Estado não
possui competência recursal para apreciar, em grau recursal, atos estaduais ou municipais, conforme explica Vitor Morais de
Andrade: “Já o art.60 foi vetado sob o argumento de que a imposição de contrapropaganda, sem que se estabelecesse
parâmetro legal preciso, poderia dar ensejos a sérios abusos, inclusive redundar na paralisação da atividade empresarial,
como se verificava do disposto no §3º do art.60. Por outro lado, seria inadmissível, na ordem federativa, atribuir a Ministério
de Estado competência para apreciar em grau de recursos a legitimidade de atos de autoria estadual ou municipal, tal como
previsto no §2º do art.60”. (ANDRADE, Vitor Morais de. Sanções administrativas no código de defesa do consumidor.
São Paulo: Atlas, 2008, p.71-72).
85
Nesse contexto, verifica-se que o art.55 regula a competência para normatização,
controle e fiscalização da atividade produtiva e distribuição de bens e serviços de consumo,
enquanto o art.56 fixa o rol de possíveis sanções administrativas a serem aplicadas aos
infratores, cabendo ao art.57 fixar os critérios de mensuração da multa, ficando a cargo do
art.58 a imposição das penas de apreensão, inutilização, proibição de fabricação, suspensão do
fornecimento, cassação do registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso
e incumbindo ao art.59 oferecer parâmetros à cassação de alvarás, à suspensão temporária das
atividades e à intervenção administrativa. Ao art.60, por sua vez, incumbe fazer o mesmo no
que diz respeito à sanção referente à contrapropaganda.
Ainda que a doutrina tenha convergido de forma mais homogênea para classificar as
sanções administrativas do Código de Defesa do Consumidor em pecuniárias, objetivas e
subjetivas196
, entendemos, conforme preconizado por Vitor Morais de Andrade, que as
referidas sanções devem ser classificadas em reais, pessoais e pecuniárias.197
E assim o
fazemos na medida em que o critério proposto aparenta contribuir para uma melhor
compreensão didática do tema. As sanções serão reais quando recaírem sobre o objeto
causador da infração e pessoais quando recaírem sobre o próprio fornecedor; serão, por fim,
pecuniárias as sanções que resultam em multas.198
5.2.1 Sanções reais
A primeira modalidade de sanção (sanção real), diz respeito àquela que recai sobre o
patrimônio ou bem do fornecedor que tenha dado causa ao ilícito. Não é qualquer patrimônio
ou bem do fornecedor que servirá para o propósito de atribuir à sanção a característica de
sanção real. Fosse assim, a sanção pecuniária deixaria de ostentar essa característica, passando
a ser classificada como sanção real.
196 Nesse sentido: DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto.
10.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.667; MARQUES, Cláudia Lima. BENJAMIN, Antônio Herman;
MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts.1° ao 74: aspectos materiais. São Paulo: RT,
2003, p.756-757; FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p.41; AZEVEDO, Fernando
Costa. Considerações sobre o direito administrativo do consumidor. In: MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno.
Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. v.6. São Paulo: RT, 2011, p.1059-1115. 197 ANDRADE, Vitor Morais de. Sanções administrativas no código de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008,
p.75-79. 198 Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli, tratando das sanções administrativas do Código de Defesa do
Consumidor, as classificam em sanções reais, pessoais e pecuniárias. Lecionam que as sanções reais dizem respeito única e
exclusivamente à imposição de sanções que gravam o patrimônio ou bem de propriedade do infrator, incidindo sobre o objeto
ou coisa que causou o ilícito. Seguem lecionando que as sanções pessoais atingem a figura do infrator, limitando sua
liberdade de permanecer no mercado ou celebrar novos negócios, enquanto as sanções pecuniárias dizem respeito à multa,
que obriga o infrator a desembolsar determinada quantia em dinheiro em decorrência da prática de alguma conduta violadora
do Código de Defesa do Consumidor. (Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola;
CALDEIRA, Patrícia (Coords.) Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009, p.337-
338).
86
Para ser considerada uma sanção real, deve recair sobre o bem, produto ou serviço que
causou o ilícito. Também ostentará esta característica quando recair sobre atividades do
fornecedor relacionadas ao bem, produto ou serviço que causou o ilícito. Nesse ponto, a
sanção real difere da sanção pessoal na medida em que esta, ao limitar a atuação do infrator,
guarda relação com o bem, produto ou serviço que causou o ilícito, enquanto a sanção pessoal
possui espectro mais amplo, de modo que a limitação da atuação do infrator não
necessariamente guardará correlação com o bem, produto ou serviço que causou o ilícito.
Nesse sentido, podem ser consideradas sanções administrativas reais a apreensão e a
inutilização do produto, a cassação do registro do produto junto ao órgão competente e a
proibição de fabricação do produto, além da veiculação de contrapropaganda, conforme o
art.56, II a V e XII, do Código de Defesa do Consumidor.199
5.2.2 Sanções pessoais
Capituladas nos incisos VI a XI do art.56 do Código de Defesa do Consumidor, as
sanções pessoais dizem respeito à suspensão de fornecimento de produtos ou serviços, à
suspensão temporária de atividade, à revogação de concessão ou permissão de uso, à cassação
de licença do estabelecimento ou de atividade e à interdição, total ou parcial, de
estabelecimento, de obra ou de atividade, além da intervenção administrativa.
Conforme anteriormente apresentado, diferem as sanções pessoais das sanções reais na
circunstância de que aquelas não necessariamente guardam relação direta entre o bem,
produto ou serviço que causou o ilícito com sua ocorrência. Não se está propondo, é bom
salientar, que o fornecedor possa sofrer alguma sanção pessoal por evento diverso. O que se
propõe é que não existe uma necessária correlação entre aquilo que causou o ilícito e a sanção
imposta, de modo que o evento que causou o ilícito possa servir como ponto de partida para a
aferição de atividade infracional. Exemplificando: um fornecedor pode sofrer uma sanção real
199 Para Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli são sanções reais aquelas capituladas no art.56, II, III, IV, V, VI
e XII (ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;
MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,
p.338). Para Zelmo Denari, são infrações objetivas (reais, na nossa classificação), aquelas previstas no art.56, II, III, IV, V e
VI, do Código de Defesa do Consumidor, sendo infrações subjetivas (pessoais, na nossa classificação), aquelas
regulamentadas no art.56, VII, IX, X, XI e XII, do Código de Defesa do Consumidor (DENARI, Zelmo. Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.667,
v.I). Para Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, são infrações objetivas as do art.56, II a
VI, sendo subjetivas aquelas do art.56, VII a XII, do Código de Defesa do Consumidor. (MARQUES, Cláudia Lima.
BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts.1° ao 74:
aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p.756-757.) Para Fernando Costa de Azevedo, são infrações objetivas aquelas
previstas no art.56, II a VII do Código de Defesa do Consumidor, consistindo infrações subjetivas aquelas capituladas nos
incisos VIII a XII do Código de Defesa do Consumidor. (AZEVEDO, Fernando da Costa. Considerações sobre o direito
administrativo do consumidor. In: (Orgs.) MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: tutela
das relações de consumo. Coleção doutrinas essenciais v.6. São Paulo: RT, 2011, p.1059- 1115).
87
em decorrência de determinado bem que causou o ilícito, podendo o Estado, ao analisar a
infração, impor outra sanção, desta vez de natureza pessoal, quando constatada a insuficiência
da sanção imposta ou quando constatado que o fornecedor tenha incorrido em outras práticas
ilícitas, desde que observado o devido processo legal.200
5.2.3 Sanções pecuniárias
Conquanto seja prevista em único inciso do art.56 do Código de Defesa do
Consumidor, as sanções pecuniárias (multa) são espécie de sanção mais difundida no âmbito
da atuação administrativa estatal. No entanto, sua exigibilidade fica suspensa na pendência de
julgamento de recurso administrativo, conforme determina o art.49, parágrafo único, do
Decreto n°2.181/97.
Sua fixação, conforme o art.57 do Código de Defesa do Consumidor, considera a
gravidade da infração e a vantagem auferida, além da condição econômica do fornecedor,
variando entre duzentas e três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência ou
outro índice que venha a substituí-lo, sendo destinada ao Fundo de que trata a Lei n°7.347/85.
Para medição da gravidade da infração, devem ser observadas as circunstâncias
atenuantes e agravantes dos arts.17, 24, I, 25 e 26 do Decreto n°2.181/97, além dos
antecedentes, conforme art.28 do mesmo Decreto n°2.181/97, que também prevê o critério de
extensão do dano causado aos consumidores para gradação e aplicação da sanção
administrativa.
Assim, quanto maior a extensão do dano, a vantagem auferida com a infração e a
condição econômica do infrator, maior será a multa.
Interessante salientar que a modulação da sanção imposta em virtude da condição
econômica do infrator é causa de controvérsia doutrinária. Nesse ponto, José Cretella Jr.
sustenta a inconstitucionalidade desse critério por ofensa ao princípio constitucional da
igualdade perante a lei.201
Em sentido contrário, João Batista de Almeida:
Entendo inocorrente a inconstitucionalidade. Socorro-me do Código Penal, que
possui disposição similar: na fixação da pena de multa o juiz deve atender,
principalmente, à situação econômica do réu, podendo aumentá-la até o triplo se
considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora
200 A possibilidade de mutação da sanção decorre não apenas dos princípios que regem a atuação administrativa do Estado,
tal como a autotutela, mas também em decorrência do momento de formação da sanção administrativa, que ocorre quando
finalizado o procedimento, ou seja, quando não mais for possível a interposição de qualquer recurso no âmbito do processo
administrativo. 201 CRETELLA JR., José; DOTTI, René Ariel (Coords.); ALVES, Geraldo Magela (Org.). Comentários ao Código do
Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.213.
88
aplicada no máximo (CP, art.60, caput, e parágrafo único). Tal como na pena
administrativa de multa, não busca o legislador discriminar pessoas segundo a
fortuna, mas garantir a efetividade da apenação.202
Com efeito, se considerado que a tutela dos direitos de terceira dimensão deve ser
sempre almejada, sem olvidar acerca da superação da dicotomia público-privado, o que
coloca esses direitos em um novo patamar, temos por oportuno o ensinamento de João Batista
de Almeida.
5.3 Regramento do Código de Defesa do Consumidor
Conquanto tenha estabelecido as espécies de sanções administrativas, o Código de
Defesa do Consumidor não cuidou da regulamentação do procedimento de aplicação das
referidas sanções, cabendo a tarefa, inicialmente, ao Decreto n°861/93.
Objeto de incontáveis críticas, notadamente no campo doutrinário e judicial,203
o
Decreto n°861/93 foi revogado pelo Decreto n°2.181/97, cuja finalidade é organizar o Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor e estabelecer normas de aplicação de sanções
administrativas, entre outras providências. Nesse sentido, conquanto consista em relevante
evolução quando comparado com o decreto anterior, acabou o Decreto n°2.181/97
inaugurando um novo debate, desta vez em torno da competência dos entes federativos para
apurar e punir infrações ao Código de Defesa do Consumidor.
A Constituição Federal de 1988, em seu art.24, §2°, determina que a competência da
União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
Entretanto, no parágrafo anterior (art.24, §1°), determina a Constituição Federal de 1988 que
a competência da União no âmbito da legislação concorrente limita-se a estabelecer normas
gerais.
Em decorrência destas previsões constitucionais, questiona-se: com a regulamentação
do Código de Defesa do Consumidor pelo Decreto n°2.181/97, estaria suprimida a
202 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.215. 203 A maior resistência enfrentada pelo Decreto n°861/93 talvez tenha sido exteriorizada na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n°996-6, promovida pelo Estado de São Paulo sob os fundamentos de que: a) o decreto usurpava a
competência concorrente dos entes federativos prevista no art.24, V e VIII da Constituição Federal, em caráter exclusivo,
quando autoriza a União, os Estados e o Distrito Federal a legislar sobre “produção e consumo”, bem como sobre
“responsabilidade por danos causados ao consumidor” e b) o presidente da República, violando o princípio da legalidade e
em desacordo com os arts.5°, II e 37, caput, da Constituição Federal, inova a ordem jurídica, criando tipos e sanções
administrativas sem consulta do Poder Legislativo. (DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. v.1. 10.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.658).
89
competência dos demais entes federativos para legislar sobre o tema, sob pena de não
contribuir para desenvolver e aperfeiçoar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor?204
Acerca dos contornos da competência legislativa concorrente, reconhecendo que
propicia a consecução de esforços com vistas a atingir um benefício comum pretendido pela
Constituição, entende Fernanda Dias Menezes de Almeida:
Além de partilhas entre os diversos entes federativos certas competências exclusivas,
que cada um exerce sem participação dos demais, o constituinte demarcou uma área
de competências exercitáveis conjuntamente, em parceria, pelos integrantes da
Federação, segundo regras preestabelecidas. Trata-se da competência concorrente,
assim tradicionalmente denominada porque, relativamente a uma só matéria,
concorre a competência de mais de um ente político. O que o constituinte deseja é
exatamente que os Poderes Públicos em geral cooperem na execução das tarefas e
objetivos enunciados205
.
No mesmo sentido, reconhecendo que a competência concorrente não supre a
competência dos demais entes da Federação, além de consistir em relevante mecanismo de
regulamentação dos temas que lhe são inerentes, é o ensinamento de José Afonso da Silva:
Não é, porém, porque não consta na competência comum que Estados e Distrito
Federal não podem legislar suplementarmente sobre esses assuntos. Podem e é de
sua competência fazê-lo, pois que nos termos do §2° do art.24, a competência da
União para legislar sobre normas gerais não exclui (na verdade até pressupõe) a
competência suplementar dos Estados (e também do Distrito Federal, embora não se
diga aí), e isso abrange não apenas às normas gerais referidas no §1° desse mesmo
artigo no tocante à matéria neste relacionada, mas também às normas gerais
indicadas em outros dispositivos constitucionais, porque justamente a característica
da legislação principiológica (normas gerais, diretrizes, bases), na repartição de
competências federativas, consiste em sua correlação com competência suplementar
(complementar e supletiva) dos Estados.
Tanto isso é uma técnica de repartição de competência federativa que os §§ 3° e 4°
complementam sua normatividade, estabelecendo, em primeiro lugar, que,
inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender as suas peculiaridades, e, em segundo lugar, que a
superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual,
no que lhe for contrária. Note-se bem, o constituinte foi técnico: a lei federal
superveniente não revoga a lei estadual nem a derroga no aspecto contraditório, esta
apenas perde sua aplicabilidade, porque fica com sua eficácia suspensa. Quer dizer,
também, sendo revogada a lei federal pura e simplesmente, a lei estadual recobra sua
eficácia e passa outra vez a incidir206
.
204 Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli assim contextualizam a problemática: “No entanto, apesar do
referido Decreto, da mesma forma que seu antecessor, estabelecer normas para aplicação das sanções administrativas
previstas na Lei n°8.078/90, muitos Estados e Municípios aplicam normas diversas para imposição das referidas sanções,
sejam leis ou decretos estaduais e municipais, além de portarias ou atos normativos emitidos pelo próprio órgão responsável
para imposição das sanções. [...] Diante da constatação da multiplicidade de sistematização dos processos e procedimentos
para imposição de sanções administrativas com base no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, questionamos se tal
fato deve ser entendido como uma situação sadia para aplicação pontual (regional) das sanções administrativas com
fundamento no CDC ou mesmo se tal situação é irrazoável, prejudicial ao desenvolvimento e fortalecimento do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor.” (ENTERRIÁ, Eduardo Garcia; FERNÁNDES, Tomás-Ramon apud ANDRADE, Vitor
Moraes de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola;
CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009, p.340-341) 205 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Competências na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991, p.139-148. 206 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.504.
90
A circunstância da Constituição Federal de 1988 estipular que à União compete
legislar sobre normas gerais, diversamente do quanto possa parecer em um primeiro
momento, não exclui a competência dos demais entes da federação e não é prejudicial à
efetiva tutela dos consumidores. Não tivéssemos a perspicácia de regulamentar o Código de
Defesa do Consumidor, a sistemática constitucional da competência legislativa concorrente
supriria essa deficiência, de maneira que não há prejuízo ao tema, além da permissão para
maior difusão da tutela do consumidor e da aplicação das sanções administrativas.207
207 Nesse sentido: DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto.
v.1.10.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.662-663; ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do
consumidor. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.321-322.
91
6 A REFORMATIO IN PEJUS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR
6.1 Origem e campo de atuação da reformatio in pejus
Com possível ocorrência no julgamento de qualquer recurso, porém com ênfase no
recurso de apelação, a reformatio in pejus nada mais vem a ser do que a possibilidade do
órgão recursal proferir decisão mais desfavorável ao recorrente do que a decisão objeto do
recurso.
No direito brasileiro, a reformatio in pejus percorreu caminhos sinuosos e nem sempre
no mesmo rumo.
Conforme apresentado por Araken de Assis,208
inicialmente o tema foi tratado pelas
Ordenações Filipinas, que em seu Livro 3, Título 72, parte inicial, atribuía efeito devolutivo
irrestrito ao recurso de apelação, privilegiando o princípio do benefício comum, que nada
mais vinha a ser do que a possibilidade do apelo aproveitar tanto ao apelante quanto ao
apelado.209
Posteriormente, e ainda em privilégio ao princípio do benefício comum, o tema foi
regulado pelo art.1.581, do Decreto n°2.827, de 15 de março de 1879, também chamado de
Consolidação de Ribas,210
posteriormente regulado pelo art.692, do Decreto n°692,
denominado de Consolidação das Leis da Justiça Federal.211
Atualmente, apenas o Código de Processo Penal, em seu art.617, e a Lei nº9.784/99,
em seu art.64, trataram de regular o tema. O primeiro diploma veda sua ocorrência no
processo penal. Já a Lei nº9.764/99 expressamente permite a ocorrência da reformatio in
pejus no processo administrativo. No campo do processo civil, o tema atualmente, seja para
ocorrência ou vedação, não encontra previsão expressa, decorrendo da norma extraída do
art.515, caput, do Código de Processo Civil.
208 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015, p.117-120. 209 O texto estava assim transcrito: “Que quando os Juízes da alçada acharem que o appellado he agravado, o desagravem,
posto que não appelle”. Disponível em: https://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l3ind.htm. Acesso em: 23 mar.2015. 210 O texto possuía a seguinte redação: “Art.1581. Se se conhecer que a sentença appellada fez agravo ao appellado, e não ao
appellante, a emendarão em favor daquele; salvo se o appellante se houver descido da appellação, renunciando a ella e
oferecendo-se a pagar todas as custas; porque então não se conhecerá mais da appellação”. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/220533. Acesso em: 23 mar.2015. 211 O texto apresentava a seguinte redação: “Art.692. O recurso de appellação e comum a ambas as partes, e por elle o
Supremos Tribunal Federal tanto póde prover ao appellante como ao appellado, salvo si este aquiesceu a sentença”.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3084-5-novembro-1898-509270-norma-
pe.html. Acesso em: 23 mar.2015.
92
6.2 A reformatio in pejus no processo penal
O Código de Processo Penal, Decreto-Lei n°3.689, de 3 de outubro de 1941, em seu
art.617, trata do tema nos seguintes termos:
Art.617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos
arts.383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena,
quando somente o réu houver apelado da sentença.
O texto em referência cuidou de abordar a questão em sua vertente negativa, vedando
a reformatio in pejus na apelação criminal, favorecendo, desta forma, o réu. Assim, se
somente este, o réu, houver apelado da sentença, vedado estará o agravamento, pelo órgão
julgador, da pena imposta.212
Se, todavia, a parte que acusa também tiver apelado da sentença
visando agravar a pena, o órgão recursal, se acaso provido esse recurso, poderá agravar a pena
imposta.
Em que pese a clareza do texto normativo em referência, a doutrina não é unânime
quanto ao fundamento que justifica a vedação à reformatio in pejus no processo penal.
Para Guilherme de Souza Nucci, a vedação à reformatio in pejus tem por fundamento
preservar a voluntariedade dos recursos, servindo como garantia de que a situação do réu não
irá piorar com seu recurso:
Admitir o princípio da reforma em prejuízo da parte, retiraria a voluntariedade dos
recursos, provocando no espírito do recorrente enorme dúvida, quanto à
possibilidade de apresentar recurso ou não, visto que não teria garantia de que a
situação não ficaria ainda pior. Seria maniatar a livre disposição da parte na
avaliação de uma decisão213
.
Por sua vez, Eugênio Pacelli de Oliveira reconhece que a vedação à reformatio in
pejus tem como fundamento primário a ampla defesa, figurando a preservação da
voluntariedade recursal como fundamento secundário do princípio:
Há várias maneiras de se pretender justificar a adoção do princípio. A nosso juízo,
todas elas podem ser resumidas em uma única: a vedação da reformatio in pejus
outra coisa não seria que uma das manifestações da ampla defesa. Com efeito, a
212 Reconhecendo que a vedação à reformatio in pejus tem aplicação em todas as modalidades recursais no âmbito do
processo penal, confira-se a assertiva de Paulo Rangel: “A lei refere-se apenas ao recurso de apelação, porém não temos
dúvida em afirmar que, tratando-se de recurso em sentido estrito (ou qualquer outro recurso), também não poderá ser
agravada a situação do réu”. (RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.960). Em igual
sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira: “O que vem expresso no art.617 do CPP, relativamente ao recurso de apelação, é
também aplicável a todas as modalidades de impugnações recursais, constituindo o relevante princípio da proibição da
reformatio in pejus”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18.ed. rev., ampl. e atual. de acordo com
as Leis nº12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.943). 213 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014,
p.1024-1025.
93
garantia do duplo grau, como conteúdo da ampla defesa, deve abranger também a
garantia à vedação da reformatio in pejus. O risco inerente a todas as decisões
judiciais poderia ter efeitos extremamente graves em relação ao acusado, no ponto
em que atuaria como fator de inibição do exercício do direito ao questionamento dos
julgados. Aquele que vislumbrasse a possibilidade de piora de sua situação, pela
apreciação do recurso por ele interposto, certamente a tanto não se animaria,
tendendo a se conformar com a sentença condenatória, mesmo quando inocente. Há,
pois, manifesto interesse público na afirmação do princípio, contido implicitamente
na norma constitucional assecuratória da ampla defesa e inserido no contexto das
garantias individuais previstas na Constituição da República214
.
De outro lado, e ainda como forma de demonstrar a ausência de uniformidade da
doutrina acerca do fundamento da vedação à reformatio in pejus, Pedro Henrique Demercian
e Jorge Assaf Maluly lecionam que o princípio em estudo decorre do princípio do tantum
devolutum quantum appelatum e do princípio da personalidade recursal, cujo conteúdo versa
sobre a possibilidade do recurso beneficiar somente a parte que o interpôs, não aproveitando o
litigante que não tenha recorrido:
Diz o princípio em estudo que a parte não pode ter sua situação prejudicada por
recurso que ela própria não haja interposto. Por conseguinte, o Tribunal somente
pode conhecer da matéria que foi questionada pelo recorrente. Com base nesse
princípio, é pacífico que o réu não pode ter sua situação agravada por recurso por ele
interposto215
.
Reconhecendo que a vedação à reformatio in pejus tem como fundamento a
personalidade dos recursos, Luís Fernando de Moraes Manzano leciona que “pelo recurso da
defesa, sem que o Ministério Público haja recorrido, o recorrente não pode ter sua situação
agravada. Não se admite a reformatio in pejus”.216
Conquanto sejam diversos os fundamentos apontados pela doutrina para justificar o
fundamento da vedação à reformatio in pejus, todos relacionados à teoria geral dos recursos, é
possível apresentar outro fundamento, relacionado à teoria dos direitos fundamentais.
Umbilicalmente vinculados à formação dos Estados, os direitos fundamentais
passaram, e ainda passam, por ondas evolutivas, em movimento que se convencionou
denominar de dimensões (ou gerações) dos direitos.
214 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18.ed. rev., ampl. e atual. de acordo com as Leis nº12.830,
12.850 e 12.878, todas de 2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.943-944. 215 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014,
p.626-628. 216 MANZANO, Luís Fernando de Moraes. Curso de processo penal. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.731. Conquanto
também reconheça que o princípio decorra da personalidade dos recursos, o que poderia passar a impressão de que haveria
identidade com o posicionamento de Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, entende Luís Fernando de Moraes
Manzano que a personalidade recursal não se restringe ao aproveitamento do recurso unicamente ao recorrente que o
interpôs, indo além para dizer que a personalidade dos recursos obsta o agravamento da situação do recorrente caso ausente
recurso da parte contrária.
94
Dentre essas dimensões, cabe destaque, a uma boa compreensão da vedação à
reformatio in pejus no processo penal, à denominada primeira dimensão dos direitos
fundamentais.
Caracterizada não apenas pela abstenção do Estado em privilégio à liberdade
individual, mas principalmente por uma menos vibrante atividade judicial, a primeira
dimensão dos direitos serve como um mecanismo de garantia da liberdade e da integridade
física do indivíduo à ingerência do Estado.
Nos dizeres de Paulo Bonavides:
Os direitos da primeira dimensão ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo,
são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e
ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos
de resistência ou de oposição perante o Estado217
.
Para preservar os direitos de primeira dimensão, o Estado edita textos normativos que
limitam sua atuação e que buscam preservar a liberdade e a integridade física dos indivíduos.
Dentre esses textos, cabe destaque àqueles de natureza penal, que, apesar de limitar a
liberdade do indivíduo (Direito Penal), assim não a faz senão antes de observado o devido
processo legal (Direito Processual Penal).
Nesse contexto, não poderia ser outra a disposição do Código de Processo Penal ao
prescrever, em seu art.617, a vedação à reformatio in pejus.218
Questão interessante e intrigante surgida no momento versa sobre a possibilidade da
reformatio in pejus indireta, que tem lugar nas hipóteses de anulação da sentença por recurso
exclusivo do réu.
Nesse caso, a nova decisão, mesmo proferida por outro juiz, não poderá fixar a pena
em um patamar superior ao fixado na decisão anulada.219
Conquanto esteja em harmonia à teoria dos direitos fundamentais, a vedação à
reformatio in pejus indireta não deixa de causar estranheza. E isso ocorre na medida em que,
217 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p.578. 218 Interessante salientar que a possibilidade da reformatio in pejus no processo penal também não tem cabimento na hipótese
de nulidade absoluta. Assim, ainda que haja nulidade absoluta, sem recurso da acusação e havendo unicamente recurso do
réu, não se admite o reconhecimento da nulidade. A respeito, confira-se o verbete 160 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal: “É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os
casos de recurso de ofício”. 219 Nesse sentido, esclarece Guilherme de Souza Nucci: “Reformatio in pejus indireta: trata-se de anulação da sentença, por
recurso exclusivo do réu, vindo outra a ser proferida, devendo respeitar os limites da primeira, sem poder agravar a situação
do acusado. Assim, caso o réu seja condenado a 5 anos de reclusão, mas obtenha a defesa a anulação dessa decisão, quando o
magistrado – ainda que seja outro – venha a proferir outra sentença, está adstrito a uma condenação máxima de 5 anos. Se
pudesse elevar a pena, ao proferir nova decisão, estaria havendo uma autêntica reforma em prejuízo da parte que recorreu.
Em tese, seria melhor ter mantido a sentença, ainda que padecendo de nulidade, pois a pena seria menor. Parece-nos justa,
portanto, essa posição, que é dominante na jurisprudência atual.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal
comentado. 13.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.1024-1025).
95
uma vez anulada a decisão, tem-se que a mesma jamais existiu. E se essa decisão é nula, nulo
também será o patamar da condenação, de modo que não haveria que se falar em vinculação
do juiz ao patamar da pena fixado na sentença anulada. Não é possível vincular uma conduta
futura a algo que não existiu.220
Outro ponto também intrigante e interessante versa sobre a reformatio in mellius,
também conhecida como reformatio in pejus para a acusação, que nada mais vem a ser do que
a possibilidade de melhora da situação do réu quando existir apenas recurso da acusação
objetivando agravar a punição.
Nesse caso, à vista da teoria dos direitos fundamentais e da alocação das normas
penais como direitos de primeira dimensão, a resposta afigura-se positiva.221
Outra interessante justificativa para a possibilidade da reformatio in mellius é
apresentada por Fernando da Costa Tourinho Filho, que, após estudar o tema, admite, à vista
do papel desempenhado pelo Ministério Público nas instituições públicas, a possibilidade da
ocorrência da reformatio in mellius.222
Desta forma, em decorrência da teoria dos direitos fundamentais e do papel
desempenhado pelo Ministério Público nas instituições públicas, ou seja, em decorrência de
sua função de fiscal da lei, haveria a possibilidade da reformatio in mellius.
À vista dos apontamentos em referência, é possível constatar que a reformatio in pejus
no âmbito do processo penal, apesar de encontrar expressa disposição acerca de sua vedação,
220 Entendendo pela possibilidade do juiz proferir nova sentença em patamar superior àquele fixado na sentença anulada,
Paulo Rangel aponta quatro justificativas para tanto. A primeira delas diz respeito à ausência de texto expresso proibindo o
juiz de proferir uma sentença em patamar superior àquele fixado na sentença anulada. O que o art.617 do Código de Processo
Penal proíbe é a reforma para pior por parte do Tribunal e não por parte do juízo a quo. A segunda justificativa versa sobre a
impossibilidade de se atribuir validade a algo que não mais existe, revelando verdadeiro contrassenso jurídico dar validade a
uma decisão que foi anulada. A terceira justificativa diz respeito à impossibilidade de se atribuir força vinculatória da decisão
anulada, versando a quarta justificativa sobre a voluntariedade recursal. Assim, se o réu recorre, carrega consigo o ônus de
seu recurso. E se o recurso anula a sentença, deve o réu suportar eventual nova condenação, ainda que maléfica, eis que, com
seu recurso objetivando anular a sentença anterior, estaria ciente dessa possibilidade. (RANGEL, Paulo. Direito processo
penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.963). Em sentido contrário, reconhecendo a vedação à reformatio in pejus indireta, é
o entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal
comentado nº15. v.2. ed. rev. e de acordo com a Lei nº12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p.446-448) e de Guilherme de
Souza Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2014, p.1025-1026). 221 O posicionamento doutrinário majoritário entende pela possibilidade da reformatio in mellius, conforme se verificam dos
ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal
comentado nº15. v.2. ed. rev. e de acordo com a Lei nº12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p.448-451) e Damásio de
Jesus (JESUS, Damásio Evangelista de. Código de processo penal anotado. 26. ed. de acordo com as Leis 12.830/2013 e
12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p.553). Em sentido contrário, é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci, para
quem o Tribunal não pode melhorar a situação do réu se este não recorreu da sentença. (NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de processo penal comentado. 13.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.1.025). 222 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado nº15. v.2. ed. rev. e de acordo com a Lei
nº12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p.449-450. Em igual sentido, Paulo Rangel, reconhecendo que ao Ministério
Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
assevera que o Ministério Público deve atuar pleiteando a liberdade do réu. (RANGEL, Paulo. Direito processual penal.
22.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.968).
96
decorre dos fundamentos da teoria geral dos recursos e especialmente da teoria dos direitos
fundamentais, o que, em certa medida, não ocorre no campo do processo civil.
6.3 A reformatio in pejus no processo civil
Conquanto na seara do processo penal exista previsão expressa vedando sua
ocorrência, no âmbito do processo civil a reformatio in pejus ganha outros contornos.
A reformatio in pejus no processo civil encontrou previsão inicial no Título 72, Livro
3, das Ordenações Filipinas, também prevista no art.1.581, do Decreto n°2.827, de 15 de
março de 1879, chamado de Consolidação de Ribas e, finalmente, no art.692 da Consolidação
das Leis da Justiça Federal.
Nestes diplomas, a reformatio in pejus encontrava previsão posto vigorar a ideia de
que a apelação era comum.223
Ser comum a apelação, importava, conforme esclarece Pontes
de Miranda, em “entender-se que o apelado também apelara e, em consequência, poder-se
empiorar a situação do apelante vencido em parte, ainda que esse vencido em parte não
tivesse interposto o recurso de apelação”.224
No Código de Processo Civil de 1939, a doutrina majoritária, entendendo pela
abolição do princípio do benefício comum, asseverava pela abolição da reformatio in pejus.225
Atualmente, na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, uma vez ausente
expressa previsão afastando a reformatio in pejus, a doutrina entende estar afastada em
virtude do efeito devolutivo da apelação.
Nesse sentido, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:
Também denominado de princípio do efeito devolutivo, a proibição da reforma para
pior tem como fundamento o princípio dispositivo: não pode o tribunal piorar a
situação processual do único recorrente, retirando-lhe vantagem dada pela sentença,
sem que para tanto haja pedido expresso da parte contrária226
.
Assim, à vista da ausência de expressa previsão nesse sentido, a vedação à reformatio
in pejus é entendida como um princípio implícito que deriva do quanto disposto no caput do
art.515 do Código de Processo Civil, que estabelece que “a apelação devolverá ao tribunal o
conhecimento da matéria impugnada”.
Em outros termos, conforme leciona Cassio
223 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p.143-144. 224 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. v.V. Rio de Janeiro: Forense,
1949, p.99. 225 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p.144. 226 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 14.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1055.
97
Scarpinella Bueno, “o princípio que veda a reformatio in pejus é implícito no ordenamento
jurídico nacional, derivando do próprio papel que é exercido pelo ‘efeito devolutivo’”. 227
Desta forma, o posicionamento doutrinário majoritário, refletido nos excertos acima,
funda-se basicamente no princípio dispositivo para reconhecer a vedação à reformatio in
pejus no processo civil.228
Ocorre que essa suposta vedação não é uma máxima no campo do processo civil.
Conquanto tenha como fundamento o princípio dispositivo, que vincula a atuação
jurisdicional à pretensão recursal, a vedação à reformatio in pejus no processo civil cede lugar
na hipótese em que presentes questões de ordem pública, contra as quais não se opera a
preclusão, e as matérias tratadas nos arts.267, IV a VI e 301, todos do Código de Processo
Civil. O permissivo para tanto, cabe destacar, é encontrado nos arts.515, §§1º a 3º e 516,
todos do Código de Processo Civil.
Interessante frisar que não é em virtude do efeito devolutivo do recurso, que decorre
do princípio dispositivo e que demanda a inciativa da parte na devolução do tema ao órgão
recursal, que a reformatio in pejus poderá ocorrer no processo civil. Sua ocorrência no campo
do processo civil decorre, ainda, do efeito translativo da apelação.229
No sentido exposto, são os ensinamentos de Cassio Scarpinella Bueno:
O que pode ocorrer sem violação ao princípio aqui discutido e com observância ao
sistema processual civil é que, nos casos em que incide o ‘efeito translativo’ do
recurso, manifestação do mais amplo ‘princípio inquisitório’, o órgão ad quem
profira decisão mais gravosa ao recorrente e a despeito da ausência de recurso do
recorrido quando a hipótese admitir a sua atuação oficiosa. Assim, por exemplo, não
há reformatio in pejus no sentido repudiado pelo sistema processual civil brasileiro,
na hipótese de o órgão ad quem anular sentença por reputar uma das partes
ilegítimas, a despeito de somente o autor ter se voltado da sentença que acolhera
integralmente o seu pedido mas fixara ínfimos honorários advocatícios. A atuação
do Tribunal é correta por força do que lhe autoriza o §3° do art. 267230
.
227 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos
tribunais, sucedâneos recursais – técnicas de controle das decisões jurisdicionais. v.5. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2014, p.66. 228 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.184-191; MOREIRA, José
Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 29.ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2012, p.123; PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3.ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros,
2004, p.92-93; MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p.147-
178. Em sentido contrário, reconhecendo que em certos casos é possível a possibilidade da reformatio in pejus à vista do
princípio inquisitório e da existência de matérias cognoscíveis de ofício pelo órgão julgador: ASSIS, Araken de. Manual dos
recursos. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015, p.117-121. 229 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 14 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1007; 1055. Em sentido diverso, Humberto Theodoro Júnior
entende que as questões de ordem pública somente podem ser conhecidas pelo órgão julgador do recurso se consistirem em
antecedente lógico do tema vertido nas razões de apelação. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito
Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.594). 230 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos
tribunais, sucedâneos recursais – técnicas de controle das decisões jurisdicionais. v.5. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2014, p.67.
98
É, portanto, sob esse prisma, ou seja, em decorrência do efeito translativo, que devolve
ao órgão julgador matérias cognoscíveis de oficio, que a reformatio in pejus poderá ocorrer no
processo civil. Em outros termos, em decorrência do tantum devolutum quantum appellatum,
ou seja, em virtude do efeito devolutivo da apelação, que somente leva ao conhecimento do
órgão recursal a matéria impugnada no recurso, não há que se falar na possibilidade da
ocorrência da reformatio in pejus no processo civil. É em decorrência do efeito translativo da
apelação, que impõe ao órgão recursal o dever de julgar, de ofício, matérias de ordem pública
e aquelas elencadas nos arts.267, IV a VI e 301, todas do Código de Processo Civil, que a
reformatio in pejus pode ocorrer no processo civil.
Assim, ao recorrer, está o recorrente levando ao conhecimento do órgão recursal não
apenas a matéria objeto de seu recurso, mas matérias outras que podem ser conhecidas de
forma oficiosa pelo órgão recursal, pouco importando se essas matérias possuem ou não
vinculação com a matéria objeto do recurso.
6.4 A reformatio in pejus na Lei nº9.784/99
Na seara do processo administrativo, cabe destacar que o tema é expressamente tratado
no art.64 da Lei n°9.784/99, que prevê a possibilidade de alteração da decisão para pior,
mesmo na hipótese de recurso interposto unicamente pelo Administrado.231
A única ressalva
diz respeito à prévia oitiva do Administrado quando existir a possibilidade de agravamento da
decisão, conforme previsão do parágrafo único do art.64 da Lei n°9.784/99, conforme os
textos em análise:
Art.64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar,
anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua
competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à
situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações
antes da decisão.
Assim, de acordo com o art.64 da Lei n°9.784/99, o órgão competente para apreciar o
recurso administrativo poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente,
a decisão recorrida, devendo ser o Administrado previamente ouvido se a Administração
Pública vislumbrar a possibilidade de agravamento da decisão.
231 A reformatio in pejus também encontra previsão no parágrafo único do art.65 da Lei n°9.784/99, que, porém, veda sua
ocorrência na hipótese de revisão do processo administrativo quando tiverem surgidos fatos novos ou circunstâncias
relevantes que possam demonstrar a inadequação da sanção imposta.
99
Oportuno frisar que o art.64 da Lei n°9.784/99 não limita a atuação do órgão recursal,
que poderá agravar a situação do Administrado inclusive pela transmutação da sanção
imposta, eis que, conforme lecionam Cristina Fortini, Maria Fernanda Pires de Carvalho
Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão, “É por demais amplo o poder do órgão
competente, em obediência aos princípios e poderes que detém a Administração Pública e que
recaem sobre o processo administrativo”.232
A única ressalva versa sobre a necessidade da
prévia oitiva do Administrado.
Conquanto não regulada pela Lei n°9.784/99, tem-se que a reformatio in pejus, vale
observar, poderá ter sua ocorrência constatada no processo administrativo em dois momentos,
sempre na fase recursal.
O primeiro deles ocorrerá quando da análise prévia do recurso, ou seja, antes de seu
julgamento, possa o órgão recursal vislumbrar a ocorrência da reformatio in pejus. Nesse
momento, sob pena de violação do devido processo legal, deverá o Administrado ser intimado
para apresentar os fundamentos pelos quais não deverá ocorrer o agravamento da decisão.
Para tanto, e também sob pena de violação da cláusula do devido processo legal, deverá o
órgão apresentar os fundamentos pelos quais vislumbra a possibilidade da ocorrência da
reformatio in pejus. Sem que isso ocorra, não poderá o Administrado formular suas alegações
antes da decisão.
O segundo momento em que a reformatio in pejus poderá ocorrer será quando do
julgamento do recurso pelo órgão recursal, ou seja, quando da análise de seu mérito. Nesse
caso, além do mesmo procedimento acima descrito, temos que também será possível ao
Administrado deduzir, inclusive oralmente, suas alegações se a possibilidade da reformatio in
pejus vier a surgir na sessão de julgamento do recurso.
Dividem-se os autores em relação à possibilidade de ocorrência da reformatio in pejus
no processo administrativo ou até mesmo à sua ocorrência no âmbito do instituto.
A corrente majoritária entende não ser possível a reformatio in pejus, mesmo que a
Administração Pública abra prazo para manifestação do recorrente, na medida em que tal ato
não afastaria a afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal. Assim, aqueles
que não admitem a reformatio in pejus, como Silvânio Covas e Adriana Laporta Cardinali,
que tratam o tema sob a nomenclatura non reformativo in pejus, argumentam que, sob pena de
violação do ordenamento jurídico constitucional, notadamente sob pena de ser violado o
devido processo legal, o contraditório e a segurança jurídica, não cabe a reformatio in pejus
232 FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo
administrativo: comentários à Lei nº9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.216.
100
para o Administrado, para quem a penalidade imposta somente poderá ser mantida ou
abrandada. Ainda conforme seus ensinamentos, uma vez que na reformatio in pejus não tem o
Administrado ciência prévia dos argumentos que lhe são contrários e que fundamentam o
agravamento da decisão, a reformatio in pejus não encontra qualquer respaldo.233
Em igual sentido, aduzindo que a non reformatio in pejus possui estatura
constitucional, sob pena de violação do devido processo legal, são os dizeres de Sérgio Ferraz
e Adilson Abreu Dallari:
Outra consequência das anteriores posições e do que dispõem os incisos LIV e LV
do art.5° da Lei Maior é a rejeição, aqui, à ‘reformatio in pejus’ (e pouco importa
que leis a aceitem textualmente, pois a vedação é de estatura constitucional). A
tutela da ampla defesa envolve a possibilidade de, sem ser surpreendida, a parte
rebater acusações, alegações, argumentos ou interpretações tais como dialeticamente
postos, para evitar sanções ou prejuízos. Ver sua posição agravada sem
contraditório, quando sequer houve recurso da parte contrária, é validar a restrita
defesa, e não a ampla defesa de que cuida a Constituição.234
Contrapondo-se à corrente majoritária, a corrente minoritária entende ser possível a
aplicação da reformatio in pejus pela Administração Pública, desde que pautada nos
princípios da legalidade, indisponibilidade do interesse público, inquisitivo, oficialidade e
verdade material. Nesse sentido, Cristiana Fortini, Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira e
Tatiana Martins da Costa Camarão enfatizam:
Particularmente, vislumbramos a licitude da ocorrência da reformatio in pejus,
expressamente prevista no artigo ora comentado, decorrendo o agravamento da
situação do interessado porque a autoridade competente está adstrita à verificação e
conformação da situação concreta exposta à legalidade.235
Para os adeptos dessa corrente, é despicienda a prévia oitiva do recorrente, vez que a
Administração Pública, em virtude do princípio da autotutela, deve anular seus próprios atos
quando reconhecer que houve ilegalidade ou revogá-los por razões de conveniência e
oportunidade, a qualquer tempo e antes de consolidado o prazo prescricional.
Esse posicionamento, conquanto conte com o apoio de balizada doutrina parece não se
amoldar com a nova ordem inaugurada pela Constituição Federal, especialmente em virtude
da constitucionalização do direito.
233 CARDINALI, Adriana Laporta; COVAS, Silvânio. Conselho de recursos do sistema financeiro nacional: atribuições e
jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.127-141. 234 DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio Processo administrativo. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.155. 235 FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo
administrativo: comentários à Lei nº9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.219.
101
Em que pese os poderes da Administração Púbica, à vista da cláusula constitucional do
devido processo legal e da expressa previsão da Lei nº9.784/99 acerca da prévia oitiva do
recorrente, não se revela sistematicamente correto sustentar que a Administração Pública
possa agravar a situação do recorrente simplesmente porque detentora do poder da autotutela.
Ademais, o princípio da autotutela busca, dentre outros, garantir o adequado
atendimento e preservação do interesse público que se desdobra em primário (promoção da
justiça, segurança e bem-estar social) e secundário (interesse da própria Administração
Pública, ou seja, da pessoa jurídica de direito público parte na relação jurídica). Não se olvida
que na hipótese de conflito entre esses interesses há de prevalecer o interesse público
primário, que certamente engloba a observância ao devido processo legal. Diante disso, não
seria correto sustentar que a Administração Pública pudesse agravar a situação do recorrente
sem observar certas condições, notadamente a prévia oitiva do recorrente.236
Desta forma, a terceira corrente (mista), é a que melhor aparenta tratar o tema.
Para os seus adeptos, é possível a reformatio in pejus no processo administrativo,
desde que observadas certas condições, dentre as quais a intimação do recorrente para se
manifestar sobre o agravamento da sanção.237
Para José dos Santos Carvalho Filho, a possibilidade da reformatio in pejus no
processo administrativo decorre não apenas dos interesses no Direito Administrativo, que não
guardam identidade com os interesses no Direito Penal, no qual existe expressa vedação à
reformatio in pejus, mas também, e dentre outros, do princípio da legalidade, pelo qual resta
inafastável a observância à lei, a qual deve prevalecer sobre qualquer interesse privado.238
Conquanto tenha restado silente nesse ponto, temos que a adequada compreensão da
reformatio in pejus prevista no art.64 da Lei n°9.784/99 passa pela análise do instituto à luz
da Constituição Federal de 1988, notadamente da cláusula do devido processo legal e da
fundamentação das decisões.
236 Entendendo que na hipótese de conflito entre o interesse público primário e o interesse público secundário deverá ser
utilizada a técnica da ponderação, o que, dada as circunstâncias em apreciação, poderá inclusive ensejar a sobreposição do
interesse público secundário ao interesse público primário, confiram-se os dizeres de Luís Roberto Barroso: “À vista das
ideias até aqui expostas, já é possível enunciar uma constatação. O interesse público secundário – i.e., o da pessoa jurídica de
direito público, o do erário – jamais desfrutará de supremacia a priori e abstrata em face do interesse particular. Se ambos
entrarem em rota de colisão, caberá ao intérprete proceder à ponderação adequada, à vista dos elementos normativos e fáticos
relevantes para o caso concreto”. (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.95-96). 237 Nesse sentido: NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São
Paulo: Atlas, 2009, p.409 e BUENO, Cassio Scarpinella. Os recursos nas leis de processo administrativo federal e paulista:
uma primeira aproximação. In: SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guillermo Andrés (Coords.). As leis de processo
administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p.212. 238 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-2013. São
Paulo: Atlas, 2014, p.975.
102
Atento a essa intepretação sistematizada, não descuidou o legislador de garantir ao
recorrente o direito de ser previamente ouvido quando da possibilidade de ocorrência da
reformatio in pejus, fazendo-o no parágrafo único do art.64 da Lei n°9.784/99, cuja
interpretação, demonstra que o órgão recursal deverá apresentar os fundamentos pelos quais
entende ser possível a ocorrência da reformatio in pejus. Não faria qualquer sentido, tornando
a disposição inócua e sistematicamente desarmônica, prever que o recorrente deve ser
previamente ouvido sem que, no entanto, lhe sejam apresentados os fundamentos que
lastreiam a possível reformatio in pejus.
Se no âmbito do processo, judicial ou administrativo, vigoram as disposições da
Constituição Federal de 1988, notadamente àquelas relativas ao devido processo legal e à
fundamentação das decisões, não faz sentido fracionar a interpretação para, no que tange à
reformativo in pejus, sustentar que a mesma não observa essas garantias, aplicando-as nos
demais momentos do processo administrativo.
O processo administrativo é norteado pelas disposições da Constituição Federal de
1988, de modo que a adequada compreensão da reformatio in pejus impõe uma interpretação
sistematizada do art.64 e parágrafo único da Lei n°9.784/99, devendo o órgão recursal
apresentar os fundamentos pelos quais entende por sua possível ocorrência para que, desta
forma, possa o recorrente apresentar alegações.
Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho propõe que o órgão recursal, antes de
decidir, deve apresentar os elementos que pretende utilizar para justificar o agravamento da
decisão.
A Lei n°9.784, de 29.1.1999, que disciplinou o processo administrativo na
Administração Federal, deu correto tratamento à matéria. Ao tratar do recurso
administrativo, admitiu que a autoridade decisória possa modificar, total ou
parcialmente, a decisão recorrida. Ressalvou, entretanto, que, se na apreciação do
recurso, puder haver gravame ao recorrente, terá a autoridade que dar-lhe ciência do
fato para que apresente suas alegações. Em outras palavras, a lei admitiu a
reformatio in pejus, atenuando-a, porém, com a possibilidade de manifestação prévia
do recorrente. Em plano contrário, a lei vedou o agravamento da situação do
interessado na hipótese do processo de revisão, caracterizado pelo fato de que o
interessado intenta reduzir ou suprimir sanção aplicada em processo já findo,
mediante a apresentação de fatos novos ou circunstâncias relevantes.239
Quer dizer, portanto, que o recurso é recebido pela instância superior, que realizaria
uma análise prévia e, havendo elementos para a reformatio in pejus, deve deles dar
conhecimento ao recorrente para que possa apresentar suas alegações. Somente após a
239 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-2013. São
Paulo: Atlas, 2014, p.976.
103
apreciação das mesmas é que o órgão recursal deveria decidir o recurso e eventualmente
agravar a decisão.
Interessante salientar que o esquema proposto, do qual comungamos, não traduz um
prejulgamento ou um julgamento provisório do recurso, mas sim uma mera apresentação dos
elementos fáticos e jurídicos que possam levar ao agravamento da decisão240
, passando a
Administração a, por força do princípio da oficialidade e em observância à boa-fé e à ampla
defesa, a atuar momentaneamente, ainda que na fase recursal, como instrutora do processo.
Nesse sentido, se manifestam Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari:
Existe apenas uma possibilidade de a decisão ser agravada: a do parágrafo único do
art.64 da Lei nº9.784/99. Mas aí não caberá, com adequação integral, falar-se em
reformatio in pejus: o Estado-julgador, divisando a possibilidade, em razão do
princípio da legalidade e da obrigação da busca da verdade material, de ser agravada
a situação do recorrente, disso haverá de cientificá-lo, para que formule suas
alegações. E isso terá de ser feito, sob pena de nulidade, com indicação clara e
precisa dos pontos de possível agravamento, com a pertinente fundamentação.
Quando isso se der, a toda evidência, na formulação em questão, a Administração-
juiz se despirá transitoriamente da condição de julgador e atuará, supletivamente,
por força do princípio da oficialidade, como Administração-instrutora processual.
Instaura-se aí, então, efetivo e equilibrado contraditório, com o quê não se colocarão
em xeque os princípios da boa-fé, do contraditório e da isonomia.241
Não bastassem os argumentos em referência, não admitir a possibilidade de reformatio
in pejus no âmbito do processo administrativo retiraria da Administração Pública a
possibilidade de revisão de seus atos; revisão esta que inclusive atua como um instrumento de
modulação da sanção à falta cometida.
Assim, ao lado da análise da cláusula do devido processo legal e da fundamentação
das decisões, tem-se que os princípios da legalidade e da autotutela, que inclusive permite à
Administração Pública exercer o controle de proporcionalidade entre a conduta e a sanção
imposta, também possibilita a reformatio in pejus no processo administrativo, porém não nos
moldes propugnados pelos adeptos da corrente minoritária.
Adicionalmente aos fundamentos em referência, e já com ênfase no processo
administrativo de defesa do consumidor, cabe observar que a possibilidade da ocorrência
reformatio in pejus encontra respaldo no alargamento do âmbito de validade da Lei
n°9.784/99, na teoria dos direitos fundamentais e na supremacia do interesse público, além do
princípio da autotutela e da teoria geral dos recursos, assim como no momento de finalização
do ato administrativo sancionador, conforme a seguir será abordado.
240 Em igual sentido: NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada.
São Paulo: Atlas, 2009, p.407. 241 DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio Processo administrativo. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.252.
104
6.5 A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor:
possibilidade ampla de sua ocorrência
Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, iniciou-se certa
discussão sobre a necessidade de sua regulamentação. Prevaleceu o entendimento de que
somente a parte destinada às sanções administrativas e de organização do Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor deveriam ser objeto de detalhamento. Nesse sentido, Marcelo Gomes
Sodré apresenta um testemunho de relevante valor histórico:
Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor e a revogação do
Decreto n°91.469/85, o Sistema Nacional ficou na forma descrita nos itens
anteriores deste capítulo, o que ensejou, à época, uma discussão a respeito da
necessidade de regulamentar o Código de Defesa do Consumidor. Após inúmeras
discussões, houve um consenso de que o Código era auto-aplicável, não
necessitando de nenhuma regulamentação, com exceção da problemática que
envolvia a formação do Sistema Nacional, bem como da aplicação das sanções
administrativas. Percebeu-se claramente, então, que a regulamentação do Código era
o instrumento oportuno para equacionar estes dois problemas. Sou testemunha
pessoal – pois à época dirigia o Procon de São Paulo – das inúmeras dúvidas que
existiam sobre como deveria ser a relação dos Procons estaduais com o órgão central
e qual legislação deveria ser utilizada para fundamentar a aplicação das sanções
administrativas. Muitos Procons estaduais, mesmo após a edição do Código,
continuaram a fundamentar os autos de infração na Lei Delegada n°4, por
entenderem que a falta da regulamentação do CDC poderia gerar a nulidade das
autuações. Nesta mesma época, diversas propostas de regulamentação foram
apresentadas, podendo ser lembrada, inclusive, a proposta preparada no âmbito do
PROCON de São Paulo, e de outros Procons, que está publicada na Revista do
Consumidor n°10, e que foi apresentada pelo Governo de São Paulo ao Ministério
da Justiça.242
Desta forma, a regulamentação inicialmente ocorreu por meio do Decreto n°861/93,
alvo de diversas críticas feitas pela sociedade, sendo inclusive objeto de Ação Direta de
Inconstitucionalidade proposta pelo Governo do Estado de São Paulo.
Posteriormente, foi editado o Decreto n°2.181/97, que, conquanto tenha refletido um
inquestionável avanço legislativo, ainda deixou a desejar no que tange à organização e à
sistematização da temática relativa às sanções administrativas.
Assim, em que pese estabelecer normas gerais de aplicação de sanções
administrativas, o Decreto n°2.181/97 não possui a aptidão de regular o processo
administrativo.
Esse papel, poderia, é bem verdade, ter sido desempenhado pelo Código de Defesa do
Consumidor. Entretanto, este diploma infelizmente quedou-se silente nesse particular,
242 SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2007, p.197.
105
cuidando unicamente de tratar da exigência da realização de um processo administrativo para
que a sanção administrativa pudesse ser aplicada.
Desta feita, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor não trouxe um regime
processual administrativo de direito do consumidor, mister que esse papel seja desempenhado
por uma lei principiológica e de abrangência nacional, qual seja, a Lei n°9.784/99.243
E uma vez devendo a Lei n°9.784/99 ser aplicada na tutela administrativa do
consumidor, possível será a ocorrência de reformatio in pejus no processo administrativo de
defesa do consumidor não apenas em decorrência dos princípios da legalidade, da autotutela,
da oficiosidade, da verdade material, da ampla defesa e do contraditório, mas especialmente
em decorrência da teoria dos direitos fundamentais, da preservação do interesse público – em
sua moderna concepção –, da teoria geral dos recursos e do momento de finalização do ato
administrativo sancionador.
6.5.1 Âmbito de validade da Lei n°9.784/99
A possibilidade da Lei nº9.784/99 regular processos administrativos outros que não
aqueles que tramitam em nível federal não é matéria pacífica.
Embora no campo do direito processual o art.110 do Código de Defesa do Consumidor
tenha ampliado os limites para permitir a aplicação da Lei n°7.347/85 a qualquer outro direito
difuso e, apesar do art.117 do mesmo Código ter acrescentado o art.21 à lei para possibilitar a
aplicação dos dispositivos do Título III do Código de Defesa do Consumidor na defesa de
outros direitos difusos – o que demonstra a existência de um microssistema processual – no
âmbito da tutela administrativa do consumidor o tema percorre caminhos mais tortuosos.
Em linhas gerais, a doutrina apresenta três posicionamentos.
243 Reconhecendo que a Lei n°9.784/99 somente há de ser aplicada pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor,
Vitor Morais de Andrade propõe o seguinte esquema: “Assim, para definir quais as normas aplicáveis ao processo
administrativo no tema da defesa do consumidor, deverá o aplicador seguir os passos: 1. Verificar a existência de lei estadual
ou municipal que discipline o processo administrativo no âmbito de sua competência. O Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor, por ser o órgão federal e coordenador do SNDC, está vinculado à Lei n°9.784/99; 2. Havendo lei que
discipline o processo administrativo no âmbito estadual ou municipal, a norma prevalecerá sob o Decreto n°2.181/97 naquilo
em que com ele conflitar; 3. Em caso de inexistência de normas estaduais ou municipais, aplicar o Decreto n°2.181/97 e
eventuais normas editadas pelo próprio órgão (Portarias e Resoluções)”. (ANDRADE, Vitor Morais de. Sanções
administrativas no código de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p.122). Com o devido respeito, não é possível
comungar de referido posicionamento. Uma vez que o art.105 do Código de Defesa do Consumidor estipula que os órgãos
estaduais, municipais e do Distrito Federal, bem como as entidades privadas de defesa do consumidor integram, juntamente
com os órgãos federais, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, não é possível fracionar a aplicação das leis do
processo administrativo do consumidor de acordo com a natureza do órgão fiscalizador, sob pena de esvaziamento dos
arts.22, I e 24, §2° da Constituição Federal de 1988, criando verdadeira situação de insegurança jurídica, vez que o
Administrado não saberia previamente a qual ato normativo deverá obedecer, o que em última medida pode até mesmo
fulminar a cláusula da ampla defesa.
106
O primeiro deles, fundado na preservação do princípio federativo, entende que a Lei
n°9.784/99 somente deve ser aplicada em âmbito federal. Esse é o posicionamento
encampado pela maioria dos doutrinadores de Direito Administrativo.244
O segundo posicionamento, que também conta com respaldo da doutrina de Direito
Administrativo, entende que o princípio federativo não obsta a utilização da Lei nº9.784/99
pelos demais entes federativos, desde que aplicada de maneira subsidiária. Para seus adeptos,
portanto, haveria uma aplicação subsidiária e verticalizada da Lei nº9.784/99.
Assim, não possuindo, por exemplo, um Estado-membro uma lei específica para
regular o processo administrativo, poderá valer-se da Lei nº9.784/99. Transportando o
entendimento para o Estado de São Paulo, que possui uma lei específica regendo o processo
administrativo (Lei Estadual nº10.177/98), para os adeptos dessa corrente, a Lei nº9.784/99
somente poderia ser aplicada na hipótese de lacuna na legislação estadual.245
Por fim, o terceiro posicionamento doutrinário admite a ampla aplicação da Lei
nº9.784/99 para regular os processos administrativos em todos os níveis da federação, pouco
importando a existência de legislação local de regência do tema. Para os adeptos desse
posicionamento, portanto, a Lei nº9.784/99 conviveria de modo harmônico e integrativo com
as demais legislações regentes do processo administrativo, naquilo que parece ser o melhor
entendimento sobre a matéria.
Como sabido, a Constituição Federal de 1988 elevou a defesa do consumidor à
categoria dos direitos fundamentais, incluindo-a, ainda, entre os princípios da ordem
econômica. De outro lado, sob a cláusula do devido processo legal, a Constituição Federal de
1988 criou um regime jurídico processual similar, aproximando o processo administrativo do
processo judicial, erigindo-o ao status de garantia fundamental.
Como consequência dessas previsões constitucionais, mister que a tutela
administrativa do consumidor obedeça a um regramento unitário, o que, no plano do processo
administrativo, somente pode ocorrer mediante a aplicação incondicional da Lei nº9.784/99.
244 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17.ed. atual. por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1083; DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.699; SIMÕES, Mônica Martins
Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros, 2004, p.25-26; MARINELA,
Fernanda. Direito administrativo. 8.ed. Niterói: Impetus, 2014, p.1128; BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito
administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.163-165; PETIAN, Angélica. Regime jurídico dos processos
administrativos ampliativos e restritivos de direito. São Paulo: Malheiros, 2011, p.65-68. 245 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-2013. São
Paulo: Atlas, 2014, p.994-995; MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei
9.784/1999). 4.ed. atual. rev. e aum. São Paulo: Malheiros, 2010, p.307-309; PESTANA, Márcio. Direito administrativo
brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p.312. Reconhecendo que a subsidiariedade opera-se unicamente no nível
federal, de modo horizontal, portanto, confira-se: NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo:
Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p.454-455.
107
Com efeito, não faz qualquer sentido sustentar que as disposições de natureza material
e processual, cíveis e penais, previstas no Código de Defesa do Consumidor, sejam aplicadas
em âmbito nacional, ficando a tutela administrativa relegada a uma espécie de segundo plano,
posto não constar de referido Código, norma de ordem pública, disposições regulando o
processo administrativo. A circunstância do Código de Defesa do Consumidor, em seus
arts.55 a 60, ter unicamente apresentado disposições sobre as sanções administrativas, e não
sobre o processo administrativo em si, não retira a necessidade do processo administrativo ser
tratado de forma igualitária nacionalmente, o que somente pode ocorrer, uma vez que ausentes
disposições nesse sentido no Código de Defesa do Consumidor, mediante a utilização
incondicional da Lei nº9.784/99, verdadeiro Código de Processo Administrativo.
Essa característica, por sua vez, é inicialmente aferida quando constatado que a Lei
nº9.784/99 possui normas principiológicas, cuja observância deve ser respeitada pela
Administração Pública em sua integralidade. Com isso, estar-se-á garantindo a unidade no
tratamento do tema, vez que as normas principiológicas,246
tal como ocorre com as normas
processuais e as procedimentais de cunho geral,247
aplicam-se imperativamente a todos os
entes da Federação, o que não ocorre com as normas locais sobre o processo administrativo,
cujo âmbito de validade é restrito aos limites territoriais do Estado-membro, do Distrito
Federal ou do município. O regime geral do processo administrativo, alcançado pela ampla
aplicação da Lei nº9.784/99, além de garantir a efetivação de uma garantia constitucional,
consagra o princípio federativo, vez que atribui unidade ao sistema processual administrativo,
sem, no entanto, retirar a autonomia dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos
Municípios, que conservam a possibilidade de estatuírem regras processuais e/ou
procedimentais.
Em um segundo momento, cabe destacar que com a instituição de um regime jurídico-
processual-administrativo unitário decorrente da ampla aplicação da Lei nº9.784/99, a
segurança jurídica restará observada.
Em um país de dimensões continentais e com uma organização administrativa
extremamente complexa, não é difícil constatar que a segurança jurídica muitas vezes deixa
de ser observada. A utilização de uma lei geral aos processos administrativos, tal como a Lei
nº9.784/99, cuja aplicação não dependa da opção do órgão fiscalizador, colabora para a
246 A aplicação de modo indistinto das normas principiológicas, cabe destacar, decorre da circunstância dessas normas serem
mera reprodução de princípios constitucionais. 247 O respeito à aplicação das normas processuais decorre da competência legislativa estatuída no art.22, I, da Constituição
Federal de 1988, sendo que a observância às normas procedimentais gerais decorre do respeito aos termos do art.24, XI e §1º,
da Constituição Federal de 1988.
108
estabilidade das situações jurídicas. Assim, somente com a fixação de coordenadas comuns
em matéria de processo administrativo e com a fixação de um patamar mínimo de conduta da
Administração Pública é que a segurança jurídica poderá ser minimamente observada. E isso,
ou seja, a estabilidade de situações jurídicas de ordem processual-administrativas, parece ter
sido alcançado pela Lei nº9.784/99, que se limitou a prescrever normas principiológicas, que
buscam assegurar a harmonia do sistema jurídico, garantindo, juntamente com o princípio
federativo, o atendimento dos direitos fundamentais.248
Não fossem esses argumentos suficientes, cabe destacar que quando elaborada a Lei
n°9.784/99, a síntese do problema contido no anexo à exposição de motivos apresentada pelo
Ministério da Justiça foi a “Necessidade de estabelecer regras jurídicas claras para o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública”, o que demonstra o nítido propósito de
edição de regramento jurídico de cunho geral para o processo administrativo.
6.5.2 A vedação à inocorrência da reformatio in pejus no âmbito do processo
administrativo de defesa do consumidor elevada à categoria de princípio:
preservação da solidariedade e do caráter intergeracional
Partindo-se da premissa de que princípios são pontos de partida, constituindo,
portanto, o piso mínimo de concretização dos anseios constitucionais, tem-se por impossível
sustentar a não elevação da reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do
consumidor à categoria de princípio.
Uma vez que por meio deste mecanismo o consumidor será efetivamente tutelado,
verifica-se que a reformatio in pejus, enquanto princípio, permitirá preservar a solidariedade e
o caráter intergeracional inerentes ao direito do consumidor, de fundamental relevância para a
preservação dos anseios constitucionais.
Com efeito, a Lei n°9.784/99 surge em um contexto de bem-estar social. Somente com
a possibilidade de preservar e efetivar esses instrumentos é que os anseios constitucionais,
notadamente aqueles relativos aos fundamentos e objetivos fundamentais da República,
podem ser verdadeiramente observados.
Assim, negar a possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus, especialmente no
âmbito do processo administrativo de defesa do consumidor, consiste na própria negação do
Estado do Bem-Estar Social e, em última medida, no impedimento da implementação dos
248 O princípio federativo possibilita o atingimento dos direitos fundamentais na medida em que os entes federativos podem,
no limite de sua competência, legislar sobre matérias afetas a esses direitos, inclusive alargando o âmbito de sua proteção.
109
anseios constitucionais, que se realizam fundamentalmente pela solidariedade e pelo caráter
intergeracional do direito.
O princípio da solidariedade, que possui fundamento constitucional, fixa uma
autêntica orientação solidarista do direito,249
impondo a necessidade de se observar os
reflexos da atuação individual perante a sociedade.250
Trata-se, portanto, de um dever ético de
assistência imposto aos membros da sociedade, eis que integrantes de um todo social.251
Desta forma, violadas as normas de defesa do consumidor, esse dever ético também
restará violado. E como a observância desse dever é obrigação de todos, especialmente
daqueles que atuam no mercado de consumo, sua violação demanda uma firme e incisiva
atuação do Estado, daí porque a reformatio in pejus não deve ser vedada.
Por sua vez, o aspecto intergeracional impõe a obrigação da geração atual em
preservar o todo social – daí porque não é dado ao fornecedor valer-se de produto ou serviço
cuja nocividade não é conhecida – para que as gerações futuras possam dele usufruir ou até
mesmo aniquilá-lo.
Tal como ocorre com a solidariedade, o aspecto intergeracional do direito demanda a
observância de determinados preceitos éticos de conduta que obriga o indivíduo, ou o Estado
quando fornecedor, a não considerar apenas seus interesses, não sendo facultada a prática de
condutas exclusivamente egoísticas, que não observam o contexto nas quais estejam inseridas.
Nesse contexto, a reformatio in pejus acaba permitindo a preservação das normas de
defesa do consumidor na medida em que, ao proporcionar o controle do ato pela
Administração Pública, preserva, se não até mesmo restabelece, os princípios da solidariedade
e da intergeracionalidade. E isso ocorre na medida em que a sanção, como sabido, também é
dotada de aspecto pedagógico e repressivo, de modo que, ao agravar a situação do recorrente,
os demais agentes econômicos deverão, ainda que unicamente à vista da preservação de seu
patrimônio, curvarem-se às orientações do ato, amoldando sua atuação de forma a não
atuarem de forma nociva junto ao mercado de consumo.
Em outros termos, uma vez que a instauração do processo administrativo de defesa do
consumidor tem por pressuposto a violação de normas de defesa do consumidor, cuja
finalidade é aplicar a respectiva sanção administrativa; e se considerado que ao violar
249 SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a solidariedade
social. In: (Org.) SARLET, Ingo. O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.127-
150. 250 TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma
legislativa. In: (Org.) TEPEDINO, Gustavo. Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.1-
16. 251 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015, p.71.
110
referidas normas deixou o infrator de observar esse dever ético de assistência, colando em
risco o direito das gerações futuras, somente com a possibilidade da reformatio in pejus é que
a efetiva preservação desses princípios restará preservada.
6.5.3 Instrumento de adequação da sanção imposta à conduta sancionada
Ainda que a doutrina não tenha se debruçado sobre o tema, cabe observar que a
possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus, seja no processo administrativo de defesa
do consumidor, seja em qualquer outro processo administrativo, revela-se um importante
instrumento de controle de proporcionalidade entre a sanção imposta e a infração cometida.
A observância dessa correlação, ou seja, a observância do princípio da
proporcionalidade, vale destacar, é de suma importância na medida em que permite
concretizar, sem excessos, o respeito simultâneo aos interesses individuais, públicos e
coletivos, preservando-se, assim, o Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, são os ensinamentos de Willis Santiago Guerra Filho, para quem a
proporcionalidade é o princípio dos princípios:
Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso
ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria fórmula política
adotada por nosso constituinte, a do ‘Estado Democrático de Direito’, pois sem a sua
utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula,
de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.252
A correlação, portanto, entre a falta administrativa cometida e a respectiva sanção
deve dar-se de forma proporcional e a reformatio in pejus permite que isso ocorra,
especialmente no processo administrativo de defesa do consumidor, cujo direito tutelado
guarda intensa relação com os fundamentos da República Federativa do Brasil.
Com efeito, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em seu art.3°, I, instituiu
como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma
sociedade justa e solidária, e uma vez que pela proporcionalidade entre a sanção imposta e a
conduta praticada estar-se-á preservando a fórmula política adotada pelo constituinte, qual
seja, o Estado Democrático de Direito, outro não poderia ser o entendimento senão permitir a
ocorrência da reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor.
252 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição. 3.ed. São Paulo: RCS, 2007, p.148.
111
Essa modulação entre a conduta praticada e a sanção aplicada, cabe ainda destacar,
pode encontrar fundamento na necessidade de majoração da sanção aplicada à vista do
alargamento dos efeitos deletérios da conduta infratora.
Com efeito, uma vez que entre a aplicação da sanção administrativa e o julgamento do
recurso ocorrerá o transcurso de certo lapso temporal, é possível que a conduta sancionada
continue a produzir efeitos. Caso isso ocorra, poderá a Administração Pública, quando do
julgamento do recurso, majorar a sanção aplicada não como uma forma de atribuir maior
reprimenda à conduta sancionada, mas como uma maneira de adequá-la à conduta praticada e
cujos efeitos deletérios perpetuam-se no tempo.
Para tanto, ou seja, para que Administração Pública possa correlacionar, de forma
proporcional, a sanção imposta à conduta infratora, deverá valer-se do privilégio da revisão de
seus próprios atos.
6.5.4 O privilégio da Administração Pública na revisão de seus atos: o princípio da
autotutela
Embora a clássica divisão entre Direito Público e Direito Privado não mais apresente
qualquer justificativa, exceto por seu caráter eminentemente didático, não se pode olvidar, até
mesmo em decorrência da influência do tema na forma de atuação do Estado, que, não raras
vezes, o conflito entre esses dois ramos do Direito ainda persiste.253
Vale dizer, portanto, que
ainda perdura o tensionamento entre o dever da Administração Pública na consecução do
interesse público e do interesse coletivo, respeitado o interesse privado do administrado.254
Retratando o exposto, são os dizeres de Agustin Gordillo:
A História registra primeiro o despotismo estatal sobre os indivíduos; a seguir e
como reação, a acerbação do indivíduo diante da sociedade; por fim e como ideal, o
equilíbrio racional dos dois elementos essenciais do mundo livre contemporâneo:
indivíduo e sociedade, indivíduo e Estado.
Mas esse equilíbrio que se almeja e busca é muito escorregadio e impreciso: o que
para uns representa a cômoda solução da tensão – enquanto eles não estão
envolvidos na mesma – é para outros uma submissão ou um atropelo; na verdade,
pareceria que essa incerteza tem uma propensão a resolver-se novamente em um
autoritarismo revivido. É necessário, portanto, buscar o equilíbrio do próprio critério
com base no qual se analisarão as tensões e contraposições do indivíduo e do Estado.
253 Nos Estados liberais, é fácil perceber a prevalência do interesse privado sobre os interesses públicos e coletivos, o que não
ocorre nos Estados sociais, em que existe a prevalência do interesse público. 254 Esse tensionamento ganha contornos mais críticos quando considerado que com o surgimento dos Direitos Difusos, nova
categoria de Direitos, que inclusive são dotados de elevada conflituosidade interna e que podem se confrontar com o próprio
Estado, acabou por surgir.
112
E este equilíbrio primário é equilíbrio espiritual e político, é sensibilidade jurídica e
humana, é preocupação constante para preencher não só formal mas também
substancialmente as solicitações da Justiça.255
Nesse jogo de tensão entre Direitos – Público, Privado e Difusos – surge a necessidade
de se utilizar um instrumento apto à sua solução. Para equalizar os conflitos entre esses
Direitos, deve a Administração Pública se valer do princípio da legalidade.
Consagrado nos arts.5°, II e 37, caput, da Constituição Federal de 1988, o princípio da
legalidade obriga a Administração Pública à prática de atos permitidos pela lei, pelos
princípios e pelas normas jurídicas. Com isso, evita-se a perpetuação de atos ilegais.
Uma vez que a observância a esse princípio não fica adstrita ao plano material, tendo
aplicação no âmbito do processo administrativo, fica a Administração Pública, quando do
julgamento do recurso, obrigada a rever o ato ilegal, inoportuno ou inconveniente, ainda que
disso resulte agravamento ao recorrente. Para tanto, vale-se a Administração de outro
princípio, o da autotutela.
Ainda que não tenha sido objeto de positivação, o princípio da autotutela obriga a
Administração a anular os atos defeituosos e a proceder à revogação dos atos inoportunos ou
inconvenientes.
Como facilmente se pode depreender, o princípio da autotutela decorre do princípio da
legalidade. E assim é na medida em que, estando a Administração sujeita à lei, está portanto
incumbida de exercer o controle da legalidade de seus atos.
Nesse contexto, retirar da Administração Pública a prerrogativa do exercício do
princípio da autotutela acaba não apenas por obstar a preservação dos interesses em jogo, mas
especialmente por colaborar para uma inadequada tutela administrativa do consumidor.
Com efeito, uma vez que as sanções decorrentes do processo administrativo de defesa
do consumidor têm a finalidade precípua de assegurar a efetividade do direito do consumidor,
o que somente pode ser alcançado mediante a aplicação de sanção administrativa proporcional
e adequada à conduta infratora, não faz sentido sustentar que a Administração Pública,
quando do julgamento do recurso administrativo, não possa exercer o controle de seus
próprios atos, ainda que isso resulte em agravamento da situação do recorrente.
Em outros termos, à vista da natureza do direito tutelado, com suas características
especiais de solidariedade, titularidade difusa e viés intergeracional, possui a Administração
Pública o dever, e não apenas o poder, de adequadamente sancionar o agente infrator,
255 GORDILLO, Augustín A. Princípios gerais de Direito Público. Tradução de Marco Aurélio Greco. São Paulo: RT,
1977, p.49-50.
113
revisando o ato que culminou com a aplicação da sanção, sob pena de, em última instância,
esvaziar os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, notadamente aqueles
previstos no art.1°, II e III e art.5°, I, da Constituição Federal de 1988.256
Não bastasse, uma vez que o Estado Brasileiro erigiu a defesa do consumidor como
garantia fundamental no art.5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988, colocando-a, ainda,
como princípio da ordem econômica em seu art.170, de modo que uma maior efetividade à
defesa do consumidor revela-se como anseio do constituinte, tem-se como dever do Estado a
atuação de forma firme e positiva nesse cenário, daí porque por mais esse motivo deve a
Administração Pública valer-se do princípio da autotutela nos processo administrativos de
defesa do consumidor.
Assim, à vista da natureza e características do direito tutelado, bem como em
decorrência do papel a ser desempenhado pelo Estado na defesa dos consumidores, a
possibilidade da Administração Pública rever seus atos no processo administrativo de defesa
do consumidor, ainda que isso implique no agravamento da situação do recorrente, revela-se
como uma exigência constitucional.
Consequentemente, o princípio da autotutela deve passar por uma releitura, de modo
que a autotutela aqui proposta vai além da clássica concepção propugnada pela doutrina
administrativista que a vincula à legalidade estrita.
A autotutela vigente no processo administrativo de defesa do consumidor possui maior
amplitude, vez que permite à Administração Pública, quando do julgamento do recurso, rever
o ato administrativo sancionador, seja como mecanismo de controle de sua legalidade estrita,
seja em decorrência dos critérios de conveniência e oportunidade. Assim, poderá a
Administração, quando do julgamento do recurso, agravar a sanção imposta caso entenda que
a sanção inicialmente aplicada tenha, seja em decorrência da maior amplitude dos efeitos
negativos da conduta sancionada aos consumidores, seja, em virtude de sua fixação em
patamar aquém do desejado, se revelado insuficiente à adequada repressão da conduta
violadora das normas administrativas de defesa do consumidor.257
256 Tratam-se, respectivamente, dos fundamentos da cidadania e dignidade da pessoa humana e do objetivo da construção de
uma sociedade solidária. 257 Reconhecendo que a autotutela nos processos administrativos de defesa do consumidor possui maiores contornos, confira-
se trecho do voto do Ministro Luiz Fux no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 641.054 Rio de
Janeiro, que reconheceu a possibilidade de reformatio in pejus em recurso exclusivo da defesa: “É que no âmbito do Direito
Administrativo, a administração pública tem a prerrogativa de revisar os seus próprios atos, podendo anulá-los, revogá-los ou
modificá-los por motivos de legalidade, conveniência e oportunidade, inclusive em relação aos processos administrativos,
sendo que a única ressalva diz respeito à necessidade de comunicação prévia do gravame que pode ocasionar ao administrado
a interposição do recurso administrativo, como corolário do princípio da ampla defesa e do contraditório (art.5º, LV, da CF)”.
(Publicado em 26-06-2012, no DJe 124).
114
A autotutela, no âmbito do processo administrativo de defesa do consumidor, portanto,
não será realizada unicamente em decorrência da prática de ato ilegal. Vai além para permitir
o agravamento da situação do recorrente quando constatada a inadequação da sanção
anteriormente imposta à conduta praticada e/ou aos efeitos que a mesma continue a produzir.
Assim, desvincula-se, no âmbito do processo administrativo de defesa do consumidor,
o princípio da autotutela do controle da legalidade estrita para, também lastreado nos critérios
de conveniência e oportunidade, possibilitar a revisão do ato sancionador, tudo como forma
de atender aos anseios do constituinte no tema. É certo ainda que a boa compreensão do tema
passa pela necessária releitura do efeito devolutivo dos recursos interpostos nos autos dos
processos administrativos.
6.5.5 Ampla devolutividade recursal: uma nova leitura do efeito devolutivo
Ao lado da nova concepção do princípio da autotutela, a amplitude da devolução da
matéria ao órgão recursal permite a ocorrência da reformatio in pejus no processo
administrativo, especialmente no processo administrativo de defesa do consumidor. Vale
dizer, portanto, que na sistemática recursal do processo administrativo o efeito devolutivo não
possui os contornos vigentes no processo civil.
Tal como ocorre com a formação do mérito no processo civil, a formação do mérito do
recurso e, por consequência, a devolução nele contida, tem por base o princípio dispositivo.
Assim, conforme essa sistemática, que vigora, em certa medida, no âmbito do
processo civil, o órgão recursal somente poderá apreciar o que o recorrente tenha requerido
nas razões de seu recurso. Desta forma, pelo efeito devolutivo, que decorre do princípio
dispositivo, a atuação do órgão recursal fica limitada à extensão da iniciativa recursal do
recorrente.258
No âmbito do processo administrativo, entretanto, a devolutividade recursal apresenta
outros contornos.
O processo, enquanto instituição jurídica, não é fenômeno exclusivo do Poder
Judiciário. Trata-se de fenômeno inerente à atuação do próprio Estado destinado à produção
de atos tendentes à solução de um conflito que, no âmbito do processo administrativo, dadas
as características do direito tutelado, não fica circunscrito aos interesses das partes, acabando
por ampliar o espectro da devolutividade recursal.
258 Ao lado do efeito devolutivo do recurso, o órgão recursal, como cediço, em virtude do efeito translativo dos recursos,
pode conhecer das matérias de ordem pública.
115
Esse movimento de ampliação, por sua vez, é incialmente constatado pela intelecção
do art.56 da Lei n°9.784/99, que consigna que o recurso será cabível quando tiver por
fundamento a legalidade ou razões de mérito do ato. Com isso, a Lei n°9.784/99 permite que
o recurso administrativo seja interposto contra atos vinculados ou discricionários,
possibilitando que a Administração possa rever, sob os prismas da legalidade e/ou da
conveniência e oportunidade, o ato guerreado, ainda que dessa revisão resulte agravamento ao
recorrente.
De outro lado, a ausência de identidade entre o efeito devolutivo do processo civil e do
processo administrativo é robustecido quando considerado que o órgão recursal, desde que
não ocorrida a preclusão administrativa, não está impedido de proceder à revisão, de ofício, da
legalidade do ato objurgado, conforme previsão contida no §2°, do art.63 da Lei n°9.784/99,
pouco importando se foi requerido nas razões recursais a revisão da legalidade do ato
recorrido. Nessa hipótese, e ainda que o recorrente não tenha cumprido os requisitos de
conhecimento do recurso administrativo previstos no art.63, I a IV da Lei n°9.784/99, o órgão
recursal, à vista dos princípios da legalidade e da autotutela e desde que não ocorrida a
preclusão administrativa, ou seja, desde que não tenha a Administração decidido, na fase
recursal, a questão, deverá anular, de ofício, o ato ilegal.
Desta forma, verifica-se que pouco importam os limites do recurso administrativo
impostos pelo recorrente vez que a Administração, vislumbrando a existência de ato ilegal,
possui o dever de declará-lo como tal, conforme intelecção do §2°, do art.63 da Lei n°2
9.784/99.259
Não fossem essas passagens suficientes, a ausência de identidade do efeito devolutivo
vigente no processo civil daquele vigente no processo administrativo é sedimentada pela
previsão, no art.64 da Lei n°9.784/99, da reformatio in pejus.
Ao prever no caput de seu art. 64 que o órgão recursal competente poderá, para decidir
o recurso, confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida,
desde que a matéria seja de sua competência, acabou a Lei n°9.784/99 não apenas por
expressamente prever a reformatio in pejus no processo administrativo, mas especialmente
por atribuir uma nova leitura ao efeito devolutivo. E isso ocorre na medida em que os poderes
259 Nesse sentido, são os ensinamentos de Cassio Scarpinella Bueno: “Desta forma, desde que a Administração Pública, em
fase recursal, já tenha decidido determinada questão – isto é, desde que já tenha se operado a ‘preclusão administrativa’ – é
vedada a sua rediscussão. Não ocorrente a preclusão, a Administração poderá julgar o recurso embora não admitido. Não
cogita a lei, neste ponto, ‘qual’ matéria é passível de conhecimento na fase recursal independentemente de manifestação do
recorrente (eis que o recurso, na hipótese regulado pelo §2° do art.63, não é passível de conhecimento)”. (BUENO, Cassio
Scarpinella. Os recursos nas leis de processo administrativo federal e paulista: uma primeira aproximação. In: SUNDFELD,
Carlos Ari; MUÑOZ, Guillermo Andrés (Coords). As leis de processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p.210-
211).
116
recursais não se desconectam dos limites de competência para a prática da decisão recorrida,
eis que a autoridade recursal não detém poderes de decisão mais amplos que os da autoridade
recorrida. Não fosse assim, o caput do art.64 da Lei n°9.784/99, em sua parte final, não
disporia que a possibilidade de revisão do ato recorrido está adstrita ao âmbito de
competência da autoridade recursal.
Desta feita, uma vez que o órgão recursal deve anular, modificar ou revogar, total ou
parcialmente, desde que no âmbito de sua competência, a decisão recorrida, pouco importam
os limites delineados pelo recorrente em suas razões recursais.
Nesse sentido, demonstrando a ausência do efeito devolutivo no âmbito do processo
administrativo, são os ensinamentos de Cassio Scarpinella Bueno:
Neste contexto e considerando a abrangência do disposto neste art.64 (e, da mesma
forma, a disposição de seu parágrafo único), parece-nos que inexiste aplicação
eficaz, aqui, do conceito de efeito devolutivo. Até porque, com deixa evidente o §2°
do art.63 da Lei federal, desde que não ocorrente preclusão administrativa, mesmo
com o não conhecimento do recurso, a Administração pode declarar ilegal o ato
recorrido. Dito de outro modo: é indiferente, para os fins do dispositivo, o que tenha
sido objeto de impugnação nas razões recursais.
Desta forma, é indiferente a identificação da matéria impugnada no recurso para fins
de delimitação da matéria a ser decidida pelo órgão ad quem, considerando o
espectro amplo, verdadeiramente total, conferido, pela lei, a este órgão. Desde que
tenha competência para conhecimento da matéria, o órgão julgador ‘... poderá
confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida
[...]’. Inexiste, destarte, qualquer necessidade de relação entre o objeto do recurso e a
manifestação do órgão julgador. Descabida, assim, a invocação do efeito devolutivo
(e do princípio dispositivo) para interpretar a hipótese legal.
As nossas impressões que constam do parágrafo anterior confirmam-se na medida
em que o parágrafo único do dispositivo encerra o comando de que ‘Se da aplicação
do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá
ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão’.
Por outras palavras: é possível que o julgamento da instância ad quem na esfera
administrativa resulte em prejuízo ao recorrente, vale dizer, que se opere em seu
desfavor o que usualmente é denominado de reformatio in pejus.260
Ao lado desses fundamentos, que demonstram que o efeito devolutivo nos processos
administrativos não possui as mesmas características ostentadas no processo civil e que, em
última medida, habilitam e legitimam a reformatio in pejus no processo administrativo, outros
elementos devem ser somados com vistas a robustecer a efetiva tutela administrativa do
consumidor.
260 SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guillermo Andrés (Coords). As leis de processo administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2006, p.211-212. Em sentido contrário, não admitindo a reformatio in pejus no processo administrativo, sob pena
de fulminar a voluntariedade recursal: (GORDILLO, Augustín A. Tratado de Derecho Administrativo. 4.ed. Buenos Aires:
Ediciones Macchi, 1995, tomo 4.1, p.II-39; II-40). Em igual sentido: HAGER, Marcelo. Princípios constitucionais do
processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.184-185.
117
Ao analisarmos a Lei n°9.784/99, é possível verificar que seu art.58, à exceção de
pequena modificação redacional, é idêntico ao art.9°, ao apresentar o rol dos legitimados à
interposição do recurso. Ele expressamente prevê, em seus incisos III e IV, a possibilidade do
recurso administrativo ser interposto por organizações e associações representativas de
direitos e interesses coletivos, assim como por cidadãos ou associações, quanto a direitos ou
interesses difusos.261
Ao dispor dessa forma, a Lei n°9.784/99 colocou-se em harmonia com a Constituição
Federal de 1988 no que tange à coletivização da legitimidade de agir, em movimento que
possibilita uma maior e mais efetiva tutela dos direitos difusos e coletivos. E isso ocorre na
medida em que a Lei n°9.784/99 acabou por, em certa medida, consagrar a existência do
processo administrativo coletivo, tornando possível a resolução desses conflitos também no
âmbito administrativo.
Essa previsão demonstra que o processo administrativo pode abarcar matérias do
campo exclusivo dos direitos difusos e coletivos, de modo que o direito discutido nos autos
desse processo não se restringirá ao exclusivo interesse das partes. A ampliação do aspecto
subjetivo do recurso administrativo prevista no art.58, III e IV da Lei nº9.784/99, demonstra o
quanto exposto.
Não bastasse, cabe observar que a estatura constitucional da tutela administrativa do
consumidor demonstra, de uma vez por todas, que o efeito devolutivo no processo
administrativo do consumidor possui outros contornos.
Inserindo-se a tutela administrativa do consumidor no âmbito dos direitos
fundamentais, não faria sentido, sob pena de mitigar, ou até mesmo fulminar a efetividade do
direito do consumidor, limitar a atuação da Administração, ou seja, a atividade do próprio
Estado, à extensão do recurso, que, como sabido, é interposto pelo recorrente, seja ele
particular ou o próprio Estado, enquanto fornecedor, unicamente em atendimento a seus
exclusivos interesses que, no mais das vezes, são eminentemente econômicos.
Com efeito, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art.1°,
estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, e
uma vez que suas disposições decorrem dos mandamentos dos arts.5°, XXXII e 170, V, da
Constituição Federal de 1988 e do art.48 de suas Disposições Transitórias, tem-se que
eventual limitação da atuação do órgão recursal ocasionada pelo efeito devolutivo do recurso
esvaziaria por completo a tutela administrativa do consumidor. A bem da verdade, admitir que
261 A modificação, conquanto pequena, foi infeliz vez que restringiu, no art.58, IV, a possibilidade de interposição de recurso
ao cidadão, enquanto o art.9°, IV, prevê que o processo pode ser iniciado pela pessoa.
118
na sistemática recursal do processo administrativo de defesa do consumidor vigora o mesmo
regramento do processo civil acabaria por subverter a lógica do próprio sistema, vez que o
órgão recursal somente poderia atuar nos limites dos fundamentos das razões recursais que,
como mencionado, são destinadas aos interesses exclusivamente econômicos do recorrente.
Em outros termos, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor fixa normas de
ordem pública, estabelecendo valores básicos e fundamentais da ordem jurídica, por
consequência, inderrogáveis pela vontade dos particulares, não faria sentido retirar da
Administração Pública, no desempenho da função de julgar o recurso interposto no âmbito do
processo administrativo de defesa do consumidor, a possibilidade de apreciá-las em sua
amplitude, restringindo a extensão de sua atuação aos limites impostos pelo recorrente, ainda
que este, o recorrente, seja o próprio Estado-fornecedor.
Ainda que assim não fosse, em também ostentando as normas de proteção do
consumidor a característica de norma de interesse social, a vinculação do órgão recursal aos
limites do recurso retiraria do próprio Estado a possibilidade de cumprir com sua tarefa de dar
efetividade à tutela administrativa do consumidor, podendo mesmo esvaziar o objetivo
fundamental da República previsto no art.3º, I e IV da Constituição Federal de 1988, quais
sejam, a promoção de uma sociedade livre, justa e solidária fundada no bem de todos.
Assim, vigorasse o efeito devolutivo no âmbito do processo administrativo de defesa
do consumidor nos mesmos moldes em que vigora no processo civil, o próprio Estado, a
quem incumbe a tarefa de dar efetividade aos direitos e garantias previstos na Constituição
Federal de 1988, ficaria impossibilitado de assim agir, vez que limitado a analisar o recurso
unicamente nos limites impostos pelo recorrente.
6.5.6 Momento de finalização do ato administrativo sancionador
À vista do princípio da segurança jurídica, o ato jurisdicional passado em julgado deve
ser intangível e, por consequência, gerar a situação da coisa julgada em favor do titular do
direito reconhecido.
Sua previsão é encontrada no art.5°, XXXVI, da Constituição Federal: “a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Embora a
interpretação literal do dispositivo permita concluir que a coisa julgada atinge apenas o
legislador, deve ela, por ser indispensável à afirmação da autoridade do Estado e à
consolidação do Estado de Direito, também ser observada pela Administração Pública e pelo
Estado juiz. Nesse contexto, a coisa julgada, uma vez produzida, terá por objetivo preservar o
119
poder de império do Estado. Entretanto, se considerado que também produzirá efeitos a favor
daquele para quem se operou, a coisa julgada desdobra-se em uma outra dimensão,
apresentando dupla funcionalidade.
Nesse sentido, são os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:
A coisa julgada, enquanto instituto jurídico, tutela o princípio da segurança em sua
dimensão objetiva, deixando claro que as decisões judiciais são definitivas e
imodificáveis. Frise-se que a coisa julgada expressa a necessidade de estabilidade
das decisões judiciais.
Na outra dimensão do princípio da segurança jurídica, quando importa a proteção da
confiança, a coisa julgada garanta ao cidadão que nenhum outro ato estatal poderá
modificar ou violar a decisão que definiu o litígio. Neste sentido, sabe o cidadão
que, uma vez produzida a coisa julgada material, nada mais será possível fazer para
se alterar a decisão, e, assim, que o ato judicial de solução do litígio merece plena
confiança.
Na verdade, a coisa julgada material é um verdadeiro signo da tutela da confiança do
cidadão nos atos estatais. É, por assim dizer, um concreto ‘exemplo’ de proteção da
confiança legitimamente depositada pelo cidadão nos atos de poder.
A coisa julgada, portanto, serve à realização do princípio da segurança jurídica,
tutelando a ordem jurídica estatal e, ao mesmo tempo, a confiança dos cidadãos nas
decisões judiciais. Sem a coisa julgada material não há ordem jurídica e
possibilidade de o cidadão confiar nas decisões do Judiciário. Não há, em outras
palavras, Estado de Direito.262
Instituto de Direito Judiciário Processual, a coisa julgada, conquanto decorra da
concepção própria do Estado de Direito, não atinge o processo administrativo.
Considerando que o ato administrativo é, em princípio, revogável pela própria
Administração Pública e o objeto da função administrativa é criar a utilidade do ato,
aperfeiçoando-o constantemente com vistas ao melhor atendimento do bem comum – o que
ocorre à vista da mutação do substrato social – o ato administrativo não possui a aptidão de
transitar em julgado.263
Essa constatação, entretanto, não impede a estabilidade das situações jurídicas
constituídas por atos administrativos. Desta forma, os atos administrativos podem se tornar
definitivos em relação ao administrado, o que poderá acontecer, por exemplo, com o
esgotamento das instâncias recursais.
O ato administrativo, em decorrência dos princípios que norteiam a atividade da
Administração Pública, não se torna intangível para a própria Administração Pública, que
pode revê-lo a qualquer momento.
262 MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in) constitucionalidade do
STF sobre a coisa julgada – a questão da relativização da coisa julgada. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2010, p.67-68. 263 Nesse sentido: MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São
Paulo: Malheiros, 2007, p.636-637. Em sentido contrário: MERKL, Adolfo. Teoría general del derecho administrativo.
México: Nacional, 1975, p.263-278.
120
Nesse sentido, são os ensinamentos de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:
Os atos administrativos podem se tornar definitivos com referência a terceiros, no
sentido de lhes não caber mais, de direito, qualquer recurso contra eles perante a
Administração Pública. A instância fica, então, preclusa para os particulares, que
não podem mais impugnar a matéria decidida. Mas a ela cabe sempre conhecê-la,
querendo, e, em virtude de petição dos interessados, revogar ou reformar o ato
administrativo anterior.
Jamais se poderá opor a exceção de coisa julgada contra essa atitude assumida por
órgão da Administração Pública. Isso porque a revogação ou reforma dos atos
administrativos é inerente à atividade da Administração Pública, para alcançar e
ampliar a utilidade pública, o interesse coletivo, segundo a oportunidade e
conveniência do momento. Por isso, rejeitada, por exemplo, uma autorização de
porte de arma, poderá, tempos depois, a mesma pessoa pleiteá-la.
Já o ato jurisdicional, transitado em julgado, não pode ser revogado ou reformado,
quanto ao conteúdo da sentença, pelo juiz que a proferiu, mesmo convencido do erro
da decisão, ou por outro órgão do Poder Judiciário, sem a provocação das partes
interessadas na demanda, e nos estritos limites legais de sua competência revisional.
E, se definitivamente transitado em julgado, sequer as partes podem pretender nova
apreciação judicial da controvérsia.
Criada a situação jurídica da coisa julgada, torna-se inatacável a decisão sob o
mesmo fundamento jurídico, relativo ao mesmo objeto jurídico e entre as mesmas
partes jurídicas. Fica absolutamente imutável a situação jurídica afirmada com
referência às próprias partes e seus sucessores jurídicos e às autoridades judiciais,
tanto a que proferiu a decisão como qualquer outra. Só pode ser objeto de reexame
nas hipóteses, especialíssimas, de ação rescisória ou de revisão criminal.264
Atento a essa peculiar característica, ou seja, à circunstância de que o ato
administrativo não transita em julgado, o art.65 da Lei n°9.784/99 prevê a possibilidade de
revisão, a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento, dos processos administrativos já
decididos e que resultaram na aplicação de sanção.
A revisão, vale destacar, tem por escopo alterar a situação jurídica decorrente de uma
decisão definitiva na esfera administrativa, impondo uma nova fundamentação, mantendo ou
não o ato cuja revisão foi pretendida.
Para que isso ocorra, ou seja, para que a revisão, que não se equipara a recurso, tenha
cabimento, mister a ocorrência de fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de
justificar a inadequação da sanção aplicada.265
Fatos novos, nos termos do preceito em apreço, são dados e informações que não
existiam à época em que proferido o ato, de modo que não será possível a revisão com
264 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São Paulo:
Malheiros, 2007, p.637. 265 Nesse sentido: MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999).
4.ed. atual. rev. e aum. São Paulo: Malheiros, 2010, p.379). Em sentido diverso, caracterizando a revisão como recurso:
NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas,
2009, p.413.
121
fundamento em fatos existentes à época mas que não foram alegados ou discutidos nos autos
do processo administrativo.266
Interessante salientar que não basta a novidade do fato. Para justificar sua utilização,
deverá o fato ser suficientemente apto a reduzir, ou até mesmo excluir, a punição.
Circunstâncias relevantes, por sua vez, dizem respeito a outras informações
contextuais que, apesar de não estarem próximas ao objeto do processo, possuem aptidão para
influenciar na revisão da sanção imposta.
Assim, havendo fato novo ou circunstância relevante, o processo administrativo
poderá ser revisto e a sanção ser adequada à infração cometida, o que, no campo do processo
administrativo de defesa do consumidor, se revela como um excelente mecanismo de tutela
desse direito, habilitando inclusive a possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus.
A bem da verdade, a reformatio in pejus não terá aplicação na hipótese de revisão do
processo administrativo com fundamento no art.65 da Lei n°9.784/99. E isso se deve ao fato
de que o texto do parágrafo único do art.65 da Lei n°9.784/99 expressamente veda sua
ocorrência, de modo que a revisão não poderá acarretar o agravamento da punição.
A possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus é reforçada pela ideia contida no
art.65 da Lei n°9.784/99 no sentido de que o ato administrativo somente poderá ser
considerado acabado quando de sua preclusão. Assim, se não precluso o ato administrativo,
ou seja, se o mesmo for objeto de recurso, poderá a Administração Pública revê-lo em sua
inteireza, ainda que disso resulte agravamento da sanção ao recorrente.
É essa, portanto, a colaboração do art.65 da Lei nº9.784/99 para a possibilidade de
ocorrência da reformatio in pejus nos processos administrativos de defesa do consumidor,
possibilidade esta que inclusive conta com o respaldo do Poder Judiciário.
6.6 A casuística
A possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus nos processos administrativos
encontra amparo no âmbito do Poder Judiciário, notadamente nos tribunais superiores.
Nesse sentido, o primeiro julgado sobre o tema versa sobre o Recurso em Mandado de
Segurança nº29, julgado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça em 26 de
outubro de 1994, cuja ementa possui o seguinte teor:
266 Em sentido contrário, reconhecendo que o fato também será novo mesmo que já existente quando do ato sancionador, mas
que não era de conhecimento das partes, que poderão alegá-lo se presente a boa-fé: NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA,
Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p.415.
122
ADMINISTRATIVO. PENA DE SUSPENSÃO. ´REFORMATIO IN PEJUS´.
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.
Não se aplica ao procedimento disciplinar a vedação da ´reformatio in pejus´, pelo
que pode a autoridade hierarquicamente superior aplicar pena mais gravosa do que a
imposta pelo inferior.267
Tratava-se de mandando de segurança impetrado contra ato do Conselho da
Magistratura que, apreciando recurso de servidor vitalício, titular de Cartório que, em
processo disciplinar foi apenado com 90 dias de suspensão, por haver lavrado escritura de
forma pré-datada, houve por bem agravar a pena, transmutando-a de suspensão para
demissão.
Conforme teor do voto do relator, Ministro Américo Luz, a não admissão da
reformatio in pejus esvaziaria o poder da autoridade hierarquicamente superior na revisão do
ato proferido pelo órgão administrativo inferior, o que não seria admissível. Assim, desde que
respeitado o contraditório e a ampla defesa, a reformatio in pejus foi admitida e o servidor
demitido a bem do serviço público.
O segundo julgado acerca do tema diz respeito ao Agravo Regimental no Recurso em
Mandado de Segurança 24.308-6, analisado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal em 18 de março de 2003.
Tratava-se de recurso por meio do qual o recorrente pretendia a reforma do acórdão
proferido pelo Superior Tribunal de Justiça que não reconheceu a ocorrência de bis in idem
em processo administrativo disciplinar cuja pena de demissão foi transmutada para demissão
pelo órgão recursal.
Verifica-se do voto da Ministra Relatora Ellen Gracie que a possibilidade da
reformatio in pejus para o caso em apreço decorreu do princípio da legalidade, que obriga a
Administração Pública a revisar seus atos. Uma vez que o ato da Administração tenha sido
proferido contra expressa letra da lei, portanto passível de correção ex officio, sequer haveria
de se falar na abertura do contraditório, vez que nenhuma mácula ocorre com relação ao
devido processo legal se preservada a totalidade da matéria produzia nos autos do processo
administrativo no qual referidos princípios foram observados.
Eis a ementa do julgado:
Previsão legal da pena de demissão. Aplicação errônea da pena de suspensão. A
hipótese não é de revisão para beneficiar (art.174 da Lei 8.112/90) mas de ato da
Administração Pública proferido contra expressa letra da lei e passível de correção
ex officio.
267 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/. Acesso em: 20 mar.2015.
123
Inaplicabilidade da Súmula 19 do STF. Precedente: MS 23.146.
Nenhuma mácula ocorre com relação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao
contraditório, se preservada toda a matéria produzida nos autos do processo
administrativo onde esses princípios foram observados.
Agravo improvido.268
Diversamente do preconizado pelo primeiro julgado, que se filiou à corrente mista,
este filia-se à corrente minoritária, ao admitir a possibilidade da reformatio in pejus mesmo
sem dar oportunidade de prévia manifestação ao recorrente.
O terceiro julgado, também proveniente do Superior Tribunal de Justiça, diz respeito a
um Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº641.054, cujo objetivo era
desconstituir julgado que, dentre outros pontos, reconheceu como válido o agravamento da
sanção imposta nos autos de processo administrativo de defesa do consumidor, desde que
facultado ao recorrente a possibilidade de prévia manifestação.
O acórdão, de relatoria do Ministro Luiz Fux, possui a seguinte ementa e, à
unanimidade dos votos dos Ministros que integram a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal,
negou provimento ao recurso:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO.
REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS.
POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA
RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. PROCESSO
ADMINISTRATIVO. RECRUDESCIMENTO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA
EM RECURSO DO ADMINISTRADO. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA.
POSSIBILIDADE.
1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em
instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.
2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte
quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja
Repercussão Geral restou reconhecida.
3. A possibilidade da administração pública, em fase de recurso administrativo,
anular, modificar ou extinguir os atos administrativos em razão de legalidade,
conveniência e oportunidade, é corolário dos princípios da hierarquia e da
finalidade, não havendo se falar em reformatio in pejus no âmbito administrativo,
desde que seja dada a oportunidade de ampla defesa e o contraditório ao
administrado e sejam observados os prazos prescricionais.
4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “ADMINISTRATIVO –
FUNCIONAMENTO DOS BANCOS – EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI
ESTADUAL E MUNICIPAL – LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ
reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao
funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a
atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal
cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de
Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio
da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da
administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus
268 Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=24973. Acesso em: 20 mar. 2015.
124
próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário
desprovido.”
5. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo a que se nega
provimento.269
Para fundamentar seu voto, que foi seguido pelos demais Ministros, consignou o
Ministro Relator que a reformatio in pejus pode ocorrer nos processos administrativos à vista
da prerrogativa da Administração Pública na revisão de seus próprios atos. A única ressalva, e
que coloca o julgado em sintonia com a corrente mista, versa sobre a necessidade de o
recorrente ser previamente intimado para apresentar os fundamentos pelos quais entende que
o recrudescimento da sanção não deve ocorrer.
Da leitura dos julgados, verifica-se, portanto, que o Poder Judiciário reconhece válida
a ocorrência da reformatio in pejus. E outro não poderia ser o desfecho da matéria não apenas
à vista dos poderes da Administração Pública, mas especialmente à relevância que
necessariamente deve ser atribuída à tutela administrativa do consumidor, notadamente em
decorrência da constitucionalização do Direito.
269 Recurso julgado em 22.05.2012. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2226324. Acesso em: 20 mar.2015.
125
7 CONCLUSÃO
A tutela administrativa do consumidor configura uma relevante instrumento de
efetivação das normas do Código de Defesa do Consumidor para a qual a Lei n°9.784/99
desempenha uma função significativa, vez que funciona como um verdadeiro Código de
Processo Administrativo.
Dentre as inovações trazidas pela Lei n°9.784/99, a possibilidade da ocorrência da
reformatio in pejus consiste em um relevante instrumento de efetivação, atual e
principalmente futura, da tutela administrativa do consumidor.
Após a Revolução Industrial, o sistema de produção sofreu uma significativa
modificação, passando do modelo artesanal para o modelo massificado, no qual não mais
vigorava o atendimento, pelo fornecedor, da necessidade específica de determinado
consumidor.
Esse movimento, por sua vez, foi potencializado com o término da Segunda Guerra
Mundial, que culminou com a ampliação dos mercados e, consequentemente, com a formação
de grandes blocos econômicos, permitindo uma maior e mais intensa circulação de riquezas.
Com isso, a sujeição dos consumidores às vontades dos fornecedores ganhou novos contornos
e revelou a crise do Estado Liberal na medida em que os riscos da atividade produtiva, ante a
intensa massificação da produção e a incessante busca pelo lucro, deixaram de ser
contornáveis e previsíveis.
Como consequência, viram-se os Estados praticamente obrigados a atuar de maneira
incisiva para corrigir esse desequilíbrio, o que, no Brasil, ocorreu, inicialmente, por meio da
promulgação da Constituição Federal de 1988, que instituiu a defesa do consumidor como um
direito fundamental.
Conquanto elevada ao status de garantia fundamental, a tutela do consumidor
demandava, até mesmo em decorrência de expresso mandamento constitucional nesse sentido,
a edição de diploma normativo infraconstitucional.
Nesse contexto, o Código de Defesa do Consumidor, atendendo os anseios
constitucionais, busca equilibrar a relação de consumidor por meio da tutela do consumidor,
parte vulnerável dessa relação. Todavia, embora consista em relevante marco normativo, o
Código de Defesa do Consumidor deixou de prever normas de tutela administrativa do
consumidor, limitando-se a elencar as sanções administrativas.
Consequentemente, e uma vez que a tutela administrativa do consumidor deve ser
realizada de forma igualitária no território nacional, verificou-se que a Lei n°9.784/99, por
126
consistir em verdadeiro Código de Processo Administrativo, deve ser utilizada para
regulamentar os processos administrativos de defesa do consumidor.
E uma vez devendo a Lei n°9.784/99 ser aplicada na tutela administrativa do
consumidor, possível será a ocorrência de reformatio in pejus no processo administrativo de
defesa do consumidor não apenas em decorrência dos princípios da legalidade, da autotutela,
da oficiosidade, da verdade material, da ampla defesa e do contraditório, mas especialmente
em decorrência da teoria dos direitos fundamentais, da preservação do interesse público – em
sua moderna concepção – da teoria geral dos recursos e do momento de finalização do ato
administrativo sancionador.
Com efeito, uma vez que a defesa do consumidor foi erigida à categoria de garantia
fundamental, sem olvidar que na seara dos direitos difusos o princípio da precaução ocupa
papel de destaque, somente mediante a possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus no
âmbito do processo administrativo do consumidor é que a tutela administrativa do consumidor
será efetivamente concretizada.
Isso não significa a inobservância dos direitos do Administrado.
A Lei n°9.784/99, no parágrafo único de seu art.64, ao impor a obrigatoriedade da
Administração Pública abrir vista dos autos ao Administrado para manifestação quando
entender pela possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus, mais do que garantir a sua
participação na formação do ato administrativo, coloca-se em harmonia ao princípio do
devido processo legal, em movimento que não revela qualquer violação a direito do
Administrado.
Desta forma, à vista da importância atribuída ao tema pela Constituição Federal, não
poderia a defesa do consumidor deixar de, no campo administrativo, se desenvolver de forma
eficiente e incisiva, o que ocorre mediante a possibilidade da ocorrência da reformatio in
pejus no processo administrativo de defesa do consumidor.
127
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Sumário – Apresentação
ABNT NBR 14724:2011 – Informação e documentação – Trabalhos acadêmicos –
Apresentação
ABNT NBR 15287: 2011 – Informação e documentação – Projetos de pesquisa –
Apresentação
137
ABNT NBR 6034: 2005 – Informação e documentação – Índice – Apresentação
ABNT NBR 12225: 2004 – Informação e documentação – Lombada – Apresentação
ABNT NBR 6024: 2003 – Informação e documentação – Numeração progressiva das
seções de um documento escrito – Apresentação
ABNT NBR 6028: 2003 – Informação e documentação – Resumo – Apresentação
ABNT NBR 10520: 2002 – Informação e documentação – Citações em documentos –
Apresentação
ABNT NBR 6023: 2002 – Informação e documentação – Referências – Elaboração
United Nations
A/RES/39/248
General Assembly
Distr. GENERAL
16 April 1985
ORIGINAL:
ENGLISH
A/RES/39/248
16 April 1985
Consumer protection
The General Assembly,
Recalling Economic and Social Council resolution 1981/62 of 23 July 1981, in
which the Council requested the Secretary-General to continue consultations on
consumer protection with a view to elaborating a set of general guidelines for
consumer protection, taking particularly into account the needs of the
developing countries,
Recalling further General Assembly resolution 38/147 of 19 December 1983,
Noting Economic and Social Council resolution 1984/63 of 26 July 1984,
1. Decides to adopt the guidelines for consumer protection annexed to the
present resolution;
2. Requests the Secretary-General to disseminate the guidelines to
Governments and other interested parties;
3. Requests all organizations of the United Nations system that elaborate
guidelines and related documents on specific areas relevant to consumer
protection to distribute them to the appropriate bodies of individual States.
Annex
GUIDELINES FOR CONSUMER PROTECTION
I. Objectives
1. Taking into account the interests and needs of consumers in all
countries, particularly those in developing countries; recognizing that
consumers often face imbalances in economic terms, educational levels, and
bargaining power; and bearing in mind that consumers should have the right of
access to non-hazardous products, as well as the right to promote just,
equitable and sustainable economic and social development, these guidelines
for consumer protection have the following objectives:
(a) To assist countries in achieving or maintaining adequate protection for
their population as consumers;
(b) To facilitate production and distribution patterns responsive to the
needs and desires of consumers;
(c) To encourage high levels of ethical conduct for those engaged in the
production and distribution of goods and services to consumers;
(d) To assist countries in curbing abusive business practices by all
enterprises at the national and international levels which adversely affect
consumers;
(e) To facilitate the development of independent consumer groups;
(f) To further international co-operation in the field of consumer
protection;
(g) To encourage the development of market conditions which provide consumers
with greater choice at lower prices.
II. General principles
2. Governments should develop, strengthen or maintain a strong consumer
protection policy, taking into account the guidelines set out below. In so
doing, each Government must set its own priorities for the protection of
consumers in accordance with the economic and social circumstances of the
country, and the needs of its population, and bearing in mind the costs and
benefits of proposed measures.
3. The legitimate needs which the guidelines are intended to meet are the
following:
(a) The protection of consumers from hazards to their health and safety;
(b) The promotion and protection of the economic interests of consumers;
(c) Access of consumers to adequate information to enable them to make
informed choices according to individual wishes and needs;
(d) Consumer education;
(e) Availability of effective consumer redress;
(f) Freedom to form consumer and other relevant groups or organizations and
the opportunity of such organizations to present their views in
decision-making processes affecting them.
4. Governments should provide or maintain adequate infrastructure to
develop, implement and monitor consumer protection policies. Special care
should be taken to ensure that measures for consumer protection are
implemented for the benefit of all sectors of the population, particularly the
rural population.
5. All enterprises should obey the relevant laws and regulations of the
countries in which they do business. They should also conform to the
appropriate provisions of international standards for consumer protection to
which the competent authorities of the country in question have agreed.
(Hereinafter references to international standards in the guidelines should be
viewed in the context of this paragraph.)
6. The potential positive role of universities and public and private
enterprises in research should be considered when developing consumer
protection policies.
III. Guidelines
7. The following guidelines should apply both to home-produced goods and
services and to imports.
8. In applying any procedures or regulations for consumer protection, due
regard should be given to ensuring that they do not become barriers to
international trade and that they are consistent with international trade
obligations.
A. Physical safety
9. Governments should adopt or encourage the adoption of appropriate
measures, including legal systems, safety regulations, national or
international standards, voluntary standards and the maintenance of safety
records to ensure that products are safe for either intended or normally
foreseeable use.
10. Appropriate policies should ensure that goods produced by manufacturers
are safe for either intended or normally foreseeable use. Those responsible
for bringing goods to the market, in particular suppliers, exporters,
importers, retailers and the like (hereinafter referred to as "distributors"),
should ensure that while in their care these goods are not rendered unsafe
through improper handling or storage and that while in their care they do not
become hazardous through improper handling or storage. Consumers should be
instructed in the proper use of goods and should be informed of the risks
involved in intended or normally foreseeable use. Vital safety information
should be conveyed to consumers by internationally understandable symbols
wherever possible.
11. Appropriate policies should ensure that if manufacturers or distributors
become aware of unforeseen hazards after products are placed on the market,
they should notify the relevant authorities and, as appropriate, the public
without delay. Governments should also consider ways of ensuring that
consumers are properly informed of such hazards.
12. Governments should, where appropriate, adopt policies under which, if a
product is found to be seriously defective and/or to constitute a substantial
and severe hazard even when properly used, manufacturers and/or distributors
should recall it and replace or modify it, or substitute another product for
it; if it is not possible to do this within a reasonable period of time, the
consumer should be adequately compensated.
B. Promotion and protection of consumers' economic interests
13. Government policies should seek to enable consumers to obtain optimum
benefit from their economic resources. They should also seek to achieve the
goals of satisfactory production and performance standards, adequate
distribution methods, fair business practices, informative marketing and
effective protection against practices which could adversely affect the
economic interests of consumers and the exercise of choice in the
market-place.
14. Governments should intensify their efforts to prevent practices which are
damaging to the economic interests of consumers through ensuring that
manufacturers, distributors and others involved in the provision of goods and
services adhere to established laws and mandatory standards. Consumer
organizations should be encouraged to monitor adverse practices, such as the
adulteration of foods, false or misleading claims in marketing and service
frauds.
15. Governments should develop, strengthen or maintain, as the case may be,
measures relating to the control of restrictive and other abusive business
practices which may be harmful to consumers, including means for the
enforcement of such measures. In this connection, Governments should be
guided by their commitment to the Set of Multilaterally Agreed Equitable
Principles and Rules for the Control of Restrictive Business Practices adopted
by the General Assembly in resolution 35/63 of 5 December 1980.
16. Governments should adopt or maintain policies that make clear the
responsibility of the producer to ensure that goods meet reasonable demands of
durability, utility and reliability, and are suited to the purpose for which
they are intended, and that the seller should see that these requirements are
met. Similar policies should apply to the provision of services.
17. Governments should encourage fair and effective competition in order to
provide consumers with the greatest range of choice among products and
services at the lowest cost.
18. Governments should, where appropriate, see to it that manufacturers
and/or retailers ensure adequate availability of reliable after-sales service
and spare parts.
19. Consumers should be protected from such contractual abuses as one-sided
standard contracts, exclusion of essential rights in contracts, and
unconscionable conditions of credit by sellers.
20. Promotional marketing and sales practices should be guided by the
principle of fair treatment of consumers and should meet legal requirements.
This requires the provision of the information necessary to enable consumers
to take informed and independent decisions, as well as measures to ensure that
the information provided is accurate.
21. Governments should encourage all concerned to participate in the free
flow of accurate information on all aspects of consumer products.
22. Governments should, within their own national context, encourage the
formulation and implementation by business, in co-operation with consumer
organizations, of codes of marketing and other business practices to ensure
adequate consumer protection. Voluntary agreements may also be established
jointly by business, consumer organizations and other interested parties.
These codes should receive adequate publicity.
23. Governments should regularly review legislation pertaining to weights and
measures and assess the adequacy of the machinery for its enforcement.
C. Standards for the safety and quality of consumer goods
and services
24. Governments should, as appropriate, formulate or promote the elaboration
and implementation of standards, voluntary and other, at the national and
international levels for the safety and quality of goods and services and give
them appropriate publicity. National standards and regulations for product
safety and quality should be reviewed from time to time, in order to ensure
that they conform, where possible, to generally accepted international
standards.
25. Where a standard lower than the generally accepted international standard
is being applied because of local economic conditions, every effort should be
made to raise that standard as soon as possible.
26. Governments should encourage and ensure the availability of facilities to
test and certify the safety, quality and performance of essential consumer
goods and services.
D. Distribution facilities for essential consumer goods
and services
27. Governments should, where appropriate, consider:
(a) Adopting or maintaining policies to ensure the efficient distribution of
goods and services to consumers; where appropriate, specific policies should
be considered to ensure the distribution of essential goods and services where
this distribution is endangered, as could be the case particularly in rural
areas. Such policies could include assistance for the creation of adequate
storage and retail facilities in rural centres, incentives for consumer
self-help and better control of the conditions under which essential goods and
services are provided in rural areas;
(b) Encouraging the establishment of consumer co-operatives and related
trading activities, as well as information about them, especially in rural
areas.
E. Measures enabling consumers to obtain redress
28. Governments should establish or maintain legal and/or administrative
measures to enable consumers or, as appropriate, relevant organizations to
obtain redress through formal or informal procedures that are expeditious,
fair, inexpensive and accessible. Such procedures should take particular
account of the needs of low-income consumers.
29. Governments should encourage all enterprises to resolve consumer disputes
in a fair, expeditious and informal manner, and to establish voluntary
mechanisms, including advisory services and informal complaints procedures,
which can provide assistance to consumers.
30. Information on available redress and other dispute-resolving procedures
should be made available to consumers.
F. Education and information programmes
31. Governments should develop or encourage the development of general
consumer education and information programmes, bearing in mind the cultural
traditions of the people concerned. The aim of such programmes should be to
enable people to act as discriminating consumers, capable of making an
informed choice of goods and services, and conscious of their rights and
responsibilities. In developing such programmes, special attention should be
given to the needs of disadvantaged consumers, in both rural and urban areas,
including low-income consumers and those with low or non-existent literacy
levels.
32. Consumer education should, where appropriate, become an integral part of
the basic curriculum of the educational system, preferably as a component of
existing subjects.
33. Consumer education and information programmes should cover such important
aspects of consumer protection as the following:
(a) Health, nutrition, prevention of food-borne diseases and food
adulteration;
(b) Product hazards;
(c) Product labelling;
(d) Relevant legislation, how to obtain redress, and agencies and
organizations for consumer protection;
(e) Information on weights and measures, prices, quality, credit conditions
and availability of basic necessities; and
(f) As appropriate, pollution and environment.
34. Governments should encourage consumer organizations and other interested
groups, including the media, to undertake education and information
programmes, particularly for the benefit of low-income consumer groups in
rural and urban areas.
35. Business should, where appropriate, undertake or participate in factual
and relevant consumer education and information programmes.
36. Bearing in mind the need to reach rural consumers and illiterate
consumers, Governments should, as appropriate, develop or encourage the
development of consumer information programmes in the mass media.
37. Governments should organize or encourage training programmes for
educators, mass media professionals and consumer advisers, to enable them to
participate in carrying out consumer information and education programmes.
G. Measures relating to specific areas
38. In advancing consumer interests, particularly in developing countries,
Governments should, where appropriate, give priority to areas of essential
concern for the health of the consumer, such as food, water and
pharmaceuticals. Policies should be adopted or maintained for product quality
control, adequate and secure distribution facilities, standardized
international labelling and information, as well as education and research
programmes in these areas. Government guidelines in regard to specific areas
should be developed in the context of the provisions of this document.
39. Food. When formulating national policies and plans with regard to food,
Governments should take into account the need of all consumers for food
security and should support and, as far as possible, adopt standards from the
Food and Agriculture Organization of the United Nations and the World Health
Organization Codex Alimentarius or, in their absence, other generally accepted
international food standards. Governments should maintain, develop or improve
food safety measures, including, inter alia, safety criteria, food standards
and dietary requirements and effective monitoring, inspection and evaluation
mechanisms.
40. Water. Governments should, within the goals and targets set for the
International Drinking Water Supply and Sanitation Decade, formulate, maintain
or strengthen national policies to improve the supply, distribution and
quality of water for drinking. Due regard should be paid to the choice of
appropriate levels of service, quality and technology, the need for education
programmes and the importance of community participation.
41. Pharmaceuticals. Governments should develop or maintain adequate
standards, provisions and appropriate regulatory systems for ensuring the
quality and appropriate use of pharmaceuticals through integrated national
drug policies which could address, inter alia, procurement, distribution,
production, licensing arrangements, registration systems and the availability
of reliable information on pharmaceuticals. In so doing, Governments should
take special account of the work and recommendations of the World Health
Organization on pharmaceuticals. For relevant products, the use of that
organization's Certification Scheme on the Quality of Pharmaceutical Products
Moving in International Commerce and other international information systems
on pharmaceuticals should be encouraged. Measures should also be taken, as
appropriate, to promote the use of international non-proprietary names (INNs)
for drugs, drawing on the work done by the World Health Organization.
42. In addition to the priority areas indicated above, Governments should
adopt appropriate measures in other areas, such as pesticides and chemicals in
regard, where relevant, to their use, production and storage, taking into
account such relevant health and environmental information as Governments may
require producers to provide and include in the labelling of products.
IV. International co-operation
43. Governments should, especially in a regional or subregional context:
(a) Develop, review, maintain or strengthen, as appropriate, mechanisms for
the exchange of information on national policies and measures in the field of
consumer protection;
(b) Co-operate or encourage co-operation in the implementation of consumer
protection policies to achieve greater results within existing resources.
Examples of such co-operation could be collaboration in the setting up or
joint use of testing facilities, common testing procedures, exchange of
consumer information and education programmes, joint training programmes and
joint elaboration of regulations;
(c) Co-operate to improve the conditions under which essential goods are
offered to consumers, giving due regard to both price and quality. Such
co-operation could include joint procurement of essential goods, exchange of
information on different procurement possibilities and agreements on regional
product specifications.
44. Governments should develop or strengthen information links regarding
products which have been banned, withdrawn or severely restricted in order to
enable other importing countries to protect themselves adequately against the
harmful effects of such products.
45. Governments should work to ensure that the quality of products, and
information relating to such products, does not vary from country to country
in a way that would have detrimental effects on consumers.
46. Governments should work to ensure that policies and measures for consumer
protection are implemented with due regard to their not becoming barriers to
international trade, and that they are consistent with international trade
obligations.
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CÂMARA DOS DEPUTADOS
L.._A_UT __ O_R_:~~~~~~~~~ __________________ ~I I WDEO~GEM: PODER EXECUTIVO .. MSC1.00 2/96
EMENTA:
Regula o processo a dministra t ivo no âmbito da Administração Públi-' ca Federal.
DESPACHO:
23.10.96. - CTASP =CCJR
ENCAMINHAMENTO INICIAL:
À Com. de Trab., de Adm. e Servo Público, em O~ de novembro de 1996
APENSADOS ~~~J{ PRAZO/EMENDAS
COMIssÃO DATA/ENTRADA COMISSÃO INÍCIO
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•
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CAMARA DOS DEPUTADOS
PROJETO DE LEI Nº 2.464, DE 1996 (DO PODER EXECUTIVO)
MENSAGEM 1.002/96
Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
(AS COMISSõES DE TRABALHO, DE ADMINISTRAÇAO E SERVIÇO PÚBLICO; E DE CONSTITUIÇAO E JUSTIÇA E DE REDAÇAO)
.. . ...
• •
..
PROJETO DE LEI ~4b ~(gG
Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
o CONGRESSO NACIONAL decreta:
Capítulo I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 12 Esta Lei estabelece nonnas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta, indireta e fundacional, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.
§ 12 Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa.
§ 22 Para os fins desta Lei, consideram-se:
a) órgão - a unidade de atuação integrante da estIUtura da Administração direta e da estrutura de uma entidade da Administração indireta e fundacional;
b) entidade - a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica;
c) autoridade - o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.
Art. 22 A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, impessoalidade e interesse público .
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
a) atuação confonne a lei e ao Direito;
b) atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
c) objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
d) atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
. -
. .
e) divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
f) adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
. g) indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
h) observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
i) adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
, j) garantia qos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
I) proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
m) impulsão, de oficio, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
n) interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Capítulo fi DOS DIREITOS DOS ADMINISTRADOS
. Art. 3Q O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o • exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
m - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;
IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.
Capítulo m DOS DEVERES DO ADMINISTRADO
Art. 4Q São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo :
I - expor os fatos conforme a verdade; II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;
-
•
III - não agir de modo temerário; IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento
dos fatos . Capítulo IV
DO INÍCIO DO PROCESSO
Art. 5Q O processo administrativo pode iniciar-se de oficio ou a pedido de interessado .
Art. 62 O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:
I - órgão ou autoridade administrativa a que se dirige; II - identificação do interessado ou de quem o represente; LII - domicílio do requerente ou local para '"recebimento de comunicações; IV - formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos; V - data e assinatura do requerente ou de seu representante.
Parágrafo único. É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas .
Art. 7Q OS órgãos e entidades administrativas deverão elaborar modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem em pretensões equivalentes.
Art. 82 Quando os pedidos de uma pluralidade de interessados tiverem conteúdo e fundamentos idênticos, poderão ser formulados em um único requerimento, salvo preceito legal em contrário.
Capítulo V DOS INTERESSADOS
Art. 9Q São legitimados como interessados no processo administrativo :
I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;
II - aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada;
m -as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;
IV - as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos.
Art. 10. São capazes, para fins de processo administrativo, os maiores de dezoito anos, ressalvada previsão especial em ato normativo próprío.
Capítulo VI DA COMPETÊNCIA
Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que fo i atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avo cação legalmente admitidos.
"
I '
•
•
Art . 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no artigo anterior aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.
Art. 13 . Não podem ser objeto de delegação :
I - a edição de atos de caráter normativo; II - a decisão de recursos administrativos; m - as matérias de competência exclusiva cro órgão ou autoridade.
Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.
§ 12 O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.
§ 2Q O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.
§ 32 As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.
Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior.
Art. 16. Os órgãos e entidades administrativas divulgarão publicamente os locais das respectivas sedes e, quando conveniente, a unidade funcional competente em matéria de interesse especial .
Art. 17. Inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir.
Capítulo VII DOS IMPEDIMENTOS E DA SUSPEIÇÃO
Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que:
I - tenha interesse direto ou indireto na matéria;
II - tenha participado ou venha a participar como períto, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau;
m - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro.
Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar.
•
•
•
Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares .
Art. 20. Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.
Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito suspensivo.
Capítulo vm DA FORMA, TEMPO E LUGAR DOS ATOS DO PROCESSO
Art. 22. Os atos do processo administrativa não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.
§ 1 Q Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.
§ 22 Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade.
§ 3Q A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo.
§ 4Q O processo deverá ter suas páginas numeradas seqüencialmente e rubricadas.
Art. 23 . Os atos do processo devem realizar-se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da repartição na qual tramitar o processo.
Parágrafo único. Serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo adiamento prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à Administração.
Art. 24 . Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias. salvo motivo de força maior.
Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação.
Art. 25. Os atos do processo devem realizar-se preferencialmente na sede do órgão, cientificando-se o interessado se outro for o local de realização.
Capítulo IX DA COMUNICAÇÃO DOS ATOS
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
§ 1 Q A intimação deverá conter:
..
•
,
•
a) identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa; b) finalidade da intimação; c) data, hora e local em que deve comparecer; d) se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar; e) informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento; f) indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
§ 22 A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento.
§ 32 A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
§ 42 No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicilio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
§ 52 As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legaís, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.
Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.
Parágrafo único. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado.
Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.
Capítulo X DA INSTRUÇÃO
Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados r,.:;cessários à tomada de decisão realizam-se de oficio ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.
§ 12 O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários a decisão do processo.
§ 22 Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realízar-se do modo menos oneroso para estes.
Art. 30. São inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos.
Art. 31 . Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada.
§ 12 A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas fisicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas.
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§ 2Q o comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais.
Art. 32. Antes da tomada de decisão, a JUIZO da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo.
Art. 33 . Os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante, poderão estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas.
Art. 34. Os resultados da consulta e audiência pública e de outros meios de participação de administrados deverão ser apresentados com a indicação do procedimento adotado.
Art. 35 . Quando necessária à instrução do processo, a audiência de outros órgãos ou entidades administrativas poderá ser realizada em reunião conjunta, com a participação de titulares ou representantes dos órgãos competentes, lavrando-se a respectiva ata, a ser juntada aos autos.
Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no artigo seguinte.
Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de oficio, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias.
Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.
§ 1 Q Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.
§ 2º Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.
Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, fonna e condições de atendimento.
Parágrafo único. Não sendo atendida a intimação, poderá o órgão competente, se entender relevante a matéria, suprir de oficio a omissão, não se eximindo de proferir a decisão.
Art. 40. Quando dados, atuações ou documentos solicitados ao interessado forem necessários à apreciação de pedido formulado, o não atendimento no prazo fixado pela Administração para a respectiva apresentação implicará arquivamento do processo.
Art. 41 . Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.
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Art. 42 . Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maIOr prazo.
§ 1 º Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.
§ 22 Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.
Art. 43. Quando por disposição de ato normativo devam ser previamente obtidos laudos técnicos de órgãos administrativos e estes não cumprirem o encargo no prazo assinalado, o órgão responsável pela instrução deverá solicitar laudo técnico de outro órgão dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes.
Art. 44. Encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado .
Art. 45 . Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.
Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem.
Art. 47. O órgão de instrução que não for competente para enutrr a decisão final elaborará relatório indicando o pedido inicial, o conteúdo das fases do procedimento e formulará proposta de decisão, objetivamente justificada, encaminhando o processo à autoridade competente.
Capítulo XI DO DEVER DE DECIDIR
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual periodo expressamente motivada.
Capítulo XII_ DA MOTIVAÇAO
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos ~ fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
m - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
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IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
v - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de oficio;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
vrn - importem em anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§ 12 A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
§ 22 Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 32 A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões oraIS constará da respectiva ata ou de termo escrito.
Capítulo xm DA DESISTÊNCIA E OUTROS CASOS DE EXTINÇÃO DO PROCESSO
Art. 51. O interessado poderá, mediante manifestação escrita, desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou, ainda, renunciar a direitos disponíveis.
§ 12 Havendo vários interessados, a desistência ou renúncia atinge somente quem a tenha formulado.
§ 22 A desistência ou renúncia do interessado, conforme o caso, não prejudica o prosseguimento do processo, se a Administração considerar que o interesse público assim o exige.
Art. 52. O órgão competente poderá declarar extinto o processo quando exaurida sua finalidade ou o objeto da decisão se tomar impossível, inútil ou prejudicado por fato superveniente.
Capítulo XIV DA ANULAÇÃO, REVOGAÇÃO E CONV ALIDAÇÃO
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos .
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 12 No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
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§ 22 Considera-se exerClClO do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação á validade do ato.
Art. 55 . Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria
.. Administração .
Capítulo XV DO RECURSO ADMINISTRATIVO E DA REVISÃO
Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito .
§ 12 O recurso será dirigido á autoridad'e que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará á autoridade superior.
§ 2º Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.
Art. 57. O recurso administrativo tramitará no administrativas, salvo disposição legal diversa.
, . maxImo por três instâncias
Art. 58. Têm legitimidade para interpor recurso administrativo :
I - os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo;
II - aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida;
III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;
IV - os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.
Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.
§ 12 Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.
§ 2º O prazo mencionado no dispositivo anterior poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita.
§ 3º Decorrido o prazo sem que tenha sido tomada decisão, considera-se indeferido o recurso.
Art. 60. O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes.
Art. 61 . Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.
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Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de dificil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de oficio ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso .
Art. 62. Interposto o recurso, o órgão competente para dele conhecer deverá intimar os demais interessados para que, no prazo de cinco dias úteis, apresentem alegações.
Art. 63 . O recurso não será conhecido quando interposto :
I - fora do prazo; TI - perante órgão incompetente; TII- por quem não seja legitimado; IV - após exaurida a esfera administrativa.
§ 1 Q Na hipótese do inciso II, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-lhe devolvido o prazo para recurso.
§ 2Q O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de oficio o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.
Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confinnar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que fonnule suas alegações antes da decisão.
Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de oficio, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Parágrafo único . Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.
Capítulo XVI DOS PRAZOS
Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindose da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.
§ 1 Q Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora nonnal.
§ 22 Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo.
§ 3Q OS prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês do vencimento não houver o dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como tenno o último dia do mês.
Art. 67. Salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos proceSSUaiS não se suspendem.
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Capítulo XVII DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 68. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.
Art. 69. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
PL-PROAD(4)
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"LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS~CeDI "
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TU Rf:pÚBI,ICA l'f:"ElUtiIVA DO BRASIL
1988 ............................................................................ -........... .
TÍTULO IV DA ORGANIZAÇÁO DÓS PODERES
CAPÍTIJLo I
Do PODER LEGISLATIVO
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SEÇÃO VIII
Do PROCESSO LEGISLATIVO
...................................... -................................. .
SUBSEÇÃO lU
DAS LEIS
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na fonna e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1 Q São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Annadas~
11 - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração~
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios~
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, refonna e transferência de militares para a inatividade;
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública.
§ 2Q A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
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'LEGISLAÇÃO CITADA ANEx,tillA PELA COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEG ISLATIVOS-CeDI'
Rf:pÚBI,JCA f'f;')ERAl'lVA DO BRASIL 1988
TÍTULO II Dos DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
CAPíTULO I
Dos DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 52 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos tennos seguintes:
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)G,~"XIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular. ou de interesse colctiyo ou geral. que serão prestadas no prazo da lei. sob pena de responsabilidade. ressalyadas aquelas cujo sigilo seja imprescindh"Cl à segurança da sociedade e do Estado:
x.-"XXIV - são a todos assegurados. independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas. para defesa de direitos e esclarecimento de situações de ínteresse pessoaL .. ... ~ .. _._ ...... '"' ---_ ... --_ .. ----- .. - ..... _--- _ ... _-----------_ ... _ ...... _---- .. - -_ ... _--- ...... _,",_ ......... --- -_ ...
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
.......... _-_ .. __ ......... --_ .......... _ ............ - ......... __ ...... _-_ ........................... -- ........ -....... _-- ...... _---_ ........ __ ..... ...
aLEGISLAÇAO CITADA ANEXADA PELA COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS-CeDI"
CAPÍTULO VII
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 37. A adrrúnistraçào pública direta, indireta ou fundacionaL de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei ~
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressal\'adas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração~
III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos. prorrogável uma vez, por igual periodo~
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carrelfa ~
V - os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos. preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei ~
VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar~
VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão:
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público:
X - a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares. far-se-á sempre na mesma data ~
XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de \'alores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração. em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso NacionaL Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados. no Distrito Federal e nos Territórios, e. nos Municípios. os valores percebidos como remuneração. em espécie. pelo Prefeito:
COOI\DE".t
"LEGISLACÃO CITADA ANEXADA PELA ~. // '4% COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS-CeDI' ~ 1~ ;;;
~A#. f:; XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Ju "à-~'v c,c,~
ciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo; 113d s1Q
XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos. para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, ressalyado o disposto no inciso anterior e no art. 39, § 1 º;
XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados, para fins de concessão de acréscimos ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento;
XV - os vencimentos dos servidores públicos. civis e militares. são irredutíveis e a remuneração observará o que dispõem os arts. 37, XI, XII, 150. lI, 153 , lI!. e 153 , § 2º, I;
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos. exceto quando houver compatibilidade de horários:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico: c) a de dois cargos privativos de médico;
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo poder público;
XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei;
XIX - somente por lei específica poderão ser criadas empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública;
XX - depende de autorização legislativa, em cada caso. a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada;
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação. as obras. serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
§ 1 Q A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo. informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
§ 2º A não-observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei .
§ 3º As reclamações relativas à prestação de serviços públicos serão disciplinadas em lei.
§ 42 Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei. sem prejuízo da ação penal cabível.
.. «fiO DE ~;~ t "o ~I ~ "LEG ISLAÇÃO CITADA ANEAADA PELA 8 ( JI ~
COORDEN.A.CÃO DE ESTUDOS LEG lSLATl~~S-CeDl". , . . 0 , .e;; ~! § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescnçao 'p~ra Ihcltos, pratica & S3.LN3 l~o{<Y, por qualquer agente, servidor ou não; que causem prejUlZOS ao erano, ressa -
vadas as respectivas ações de ressarCImento. § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito priyado pres
tadoras de serviços públicos responderão pelos ~a~os que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o dIreito de regresso contra o res-ponsável nos casos de dolo ou culpa.
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PORTARIA N9 47, DE 31 DE JANEIRO DE 1996 OS MINISTROS DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO, no uso de suas atribuições legais. modificando e substituindo a Portaria n° 1.404, de 17 de outubro de 1995, publicada no Diário Oficial da União, Seção 2, de 20/10/95, editada pelo primeiro, resolvem:
1 - Ratificar a constituição da Comissão de Juristas. com a finalidade de elaborar anteprojeto de lei sobre normas gerais de procedimento administrativo, prevista na referida Portaria nO 1.404/95, que passará a ter; a seguinte composição: CAIO TÁCITO, ODETE MEDAUAR. INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, DlOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, ALMIRO DO COUTO E SILVA, MARIA ZANELLA DI PIETRO, ADILSON ABREU DALLARI, Jost JOAQUIM CALMON DE PASSOS, CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA e PAULO EDUARDO GARRIDO MODESTO.
2 - A coordenação da Comissão continuará a ser exercida pelo Professor Caio Tácito e será secretariada pelo Professor Paulo Eduardo Garrido Modesto, competindo ao coordenador a designaçãO de relator.
3 - As atividades da comissão e a participação de seus integrantes é considerada como prestação de serviços relevantes sem remuneração.
4 - O apoio necessário à consecu~o dos trabalhos continuará a ser prestado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e, ainda, pela Escola Nacil)ncll!~ :\d!""inistração Pública - ENAP.
5 - O prazo para a elaboração dos trabalhos é de cento e vinte (120) dias.
6 - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
NELSON A. JOBIM LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
PORTARIA N9 1.404, DE 17 DE OUTUBRO DE 1995 . .
O .MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA no uso de suas atribuições legais. resolve:
1. Constituir Comissão composta pelos Senhores CAlO TÁCITO. ODETE MEDAUAR. INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, DIOGO DE FIGUElREOO MOREIRA NETO. JOSÉ CARLOS BARBOS,\ ~ORElRA ALMlRO 00 COlIfO ~ SiLVA e MARl~ SILVIA ZANELLA DI PlETRO. para. no prazo de 120 (cento c VIOte) dias. elaborar anteprojeto de lei sobre normas gerrus de procedimento administrativo.
2. Coordenará a Comissão o Professor CAlO T ÁClTO.
serviços relevantes. 3. As atividades da comissão e a participação de seus integrantes é considerada como prestação de
Legislativos. 4. O apoio necessário à consecução dos trabalhos será prestado pela Secretaria de Assuntos
NELSON A. · JOBIM
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Mensagem n° 1.002
Senhores Membros do Congresso Nacional,
Nos tennos do artigo 61 da Constituição Federal, submeto à elevada deliberação de
Vossas Excelências, acompanhado de Exposição de Motivos dos Senhores Ministros de Estado da
Justiça e da Administração Federal e Refonna do Estado, o texto do projeto de lei que ' 'Regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal" .
Brasília, 22
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de outt.:bro de 1996 .
-.' ~ , , . ,- .'
I I IMJ '. --
Brasília,30 de ~íé)fÓ~de 1996
Excelenússimo Senhor Presidente da República,
Submetemos à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei, que objetiva regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
2. Os expoentes do Direito Administrativo Brasileiro há muito propugnam pela codificação desse ramo juridico, lamentando, inclusive, que não se tenha realizado com o advento da Constituição de 1988.
3. O Projeto de Lei ora apresentado configura um marco na busca da codificação do Direito Administrativo, significando o primeiro passo para essa providência.
4. A necessidade de estabelecer regras juridicas claras para o processo administrativo no âmbito da Administração Pública inspirou a criação de uma Comissão de Juristas, sob a coordenação do Professor Caio Tácito e composta inicialmente pelas Professoras Odete Medauar e Maria Silvia Zanella di Pietro e pelos Professores Inocêncio Mártires Coelho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Almiro do Couto e Silva e José Carlos Barbosa Moreira, nomeados na Portaria nº 1.404 de 17 de outubro de 1995.
5. A Comissão foi ampliada conforme Portaria conjunta deste Ministério e do Ministério da Administração e Reforma do Estado~ de nO 47, de 31 de janeiro de 1996, com a inclusão de novos membros: os Professores Adilson de Abreu Dallari, José Joaquim Calmon de Passos , Paulo Eduardo Garrido Modesto e Carmem Lúcia Antunes Rocha.
6. O trabalho desenvolvido pela Comissão de Juristas ficou muito bem explicitado pelo Professor Caio Tácito, nos seguintes termos:
(Fls. 02 da EM n° 548 / 1996 )
"A Comissão firmou como parâmetros básicos da proposição os ditames da atual Constituição que asseguram a aplicação, nos processos administrativos. dos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como reconhecem a todos o direito de receber informações dos órgãos públicos em matéria de interesse particular ou coletivo e garantem o direito de petição e a obtenção de certidões em repartição pública (art. 5°, nºs XXXIII, XXXIV e L V). Considerou ainda a missão atribuída à defesa de direitos difusos e coletivos com a particípação popular e associativa.
Teve, ainda, presente que o sistema legal resguarda, quanto a matérias específicas, a observância de regimes especiais que regulam procedimentos próprios, como o tributário, licitatório ou disciplinar, a par do âmbito de competência de órgãos de controle econômico e financeiro.
Por esse motivo, o projeto ressalvou a eficácia de leis especiais, com a aplicação subsidiária das normas gerais a serem editadas.
Atento ao comando do art. 37 da Constituição, destacou a aplicação dos princípios essenczazs de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. A eles foram, porém. acrescidos outros igualmente estruturais, acolhidos em lei, como na doutrina e na jurisprudência.
A conduta da Administração deve pautar-se necessariamente pela finalidade da competência e conduzir sua atuação pelos postulados correlatos de proporcionalidade e razoabilidade. O diagnóstico da presença de tais elementos repousa na motivação dos atos administrativos, moldados pelo interesse público e visando à segurança jurídica na prestação dos serviços públicos.
O projeto procura enunciar os critérios básicos a que se devem submeter os processos administrativos, em função dos indicados princípios. cuidando de definir direitos e deveres dos administrados, assim como o dever da Administração de decidir sobre as pretensões dos interessados.
O rito processual é objeto de capítulos sucessivos, em seus vários trâmites, com a previsão de recursos administrativos -e da revisão dos atos decisórios, regulando-se o método de contagem de prazos.
É reconhecido à Administração o poder de anular, revogar e convalidar seus atos, assim como as hipóteses de delegação e avocação de competência.
(Fls. 03 da EM nO 548 / 1996 )
Adotou a Comissão. como regra, o modelo de uma lei sóbria, que. atendendo à essencialidade na regulação dos pontos fundamentais do procedimento administrativo. não inviabilize a flexibilidade necessária à área criativa do poder discricionário, em medida compatível com a garantia de direitos e liberdades fundamentais. "
7. Estamos convictos, Senhor Presidente, de que a lei proposta poderá prOplClaf à Administração e aos cidadãos maior segurança e facilidade na observância e aplicação das normas administrativas~ como defendia o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, ao argumentar favoravelmente à codificação do Direito Administrativo Brasileiro .
NELSON . :JOBIM
Respeitosamente.
. /~ ,/ ,/ // ~
L~RLOS BRESSER PEREIRA Ministro de Estado da Administração Federal
e Reforma do Estado
ANEXO À EXPOSIÇAO DE MOTIVOS DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA N° DE3 0 /0 9 /96
548
1. Síntese do problema ou da situação que reclama providências:
Necessidade de estabelecer regras jurídicas claras para o processo administrativo no âmbito da Administração Pública.
2. Soluções e providências contidas no ato normativo ou na medida proposta:
Elaboração de Projeto de Lei que "Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Públic, Federal. " •
3. Alternativas existentes à medidas ou atos propostos:
4. Custos:
5. Razões que justifiquem a urgência:
[ _ 6. Impacto sobre o meio ambiente:
7. Síntese do Parecer do Órgão Jurídico:
Manifesta-se favoravelmente ao Projeto de Lei.
, , ,
Defiro , Publique-se .
E m 09 ,/ 09 / 98
Mensagem n!! 1.068
Senhores Membros do Congresso Nacional,
Dirijo-me a Vossas Excelências para solicitar seja atribuído o regime de urgência, de
acordo com os termos do parágrafo I!! do artigo 64 da Constituição Federal, ao Projeto de lei que
tramita na Câmara dos Deputados com o n!! 2.464, de 1996, que "Regula o processo administrativo
no âmbito da Administração Pública Federal", encaminhado àquela Casa com a Mensagem n!!
1.002, de 1996.
Brasília, 8 de setembro de 1998.
•
• ---' • ;
Aviso nQ 1.198- SUPAR/C. Civil.
PRIMEIRA ~ECRETARIA
RECEBI.O nesta S8Cf8~fi.
Em dl/ 01// !Ji~U!..hQIIS v)P~ _;:6
Em 8 de setembro de 1998.
Senhor Primeiro Secretário,
Encaminho a essa Secretaria Mensagem do Excelentíssimo Senhor Presidente da
República na qual solicita ao Congresso Nacional seja atribuído o regime de urgência ao Projeto de
Lei nQ 2.464, de 1996.
Atenciosamente,
C:c ~_'I\_~ CLOVIS DE BARROS CARVALHO
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República
. 'dIME/RA SECRETARIJ.\
m, DEJ.l . .QCJ.,/ 19.C)f. ; .
r De ordem, ao senhor ário-Geral a Mesa
Secreas de-
l"idOS pro
rJ)IOgo~#n;~~~~-::'~-c.;z::b"'~
A Sua Ex encia o Senhor Deputado UBIRATAN AGUIAR Primei~o Secretário da Câmara dos Deputados BRASILIA-DF.
--
Aviso nO 1.297 - SUPARlC. Civil.
Em 22 de outtbro de 1996.
Senhor Primeiro Secretário,
Encaminho a essa Secretaria Mensagem do Excelentíssimo Senhor Presidente da
República relativa a projeto de lei que "Regula o processo adminístrativo no âmbito da
Administração Pública Federal" .
Atenciosamente,
CLOVIS DE BARROS CARVALHO Ministro de Estado Chefe da Casa Civil
da Presidência da República
A Sua Excelência o Senhor Deputado WILSON CAMPOS Primeirp Secretário da Câmara dos Deputados BRASILIA-DF.
CÂMARA DOS DEPUTADOS
COMISSÃO DE TRABALHO, D
Ofício nO 536/96
Senhor Presidente
Defiro. Apense-se ao Projeto de Lei n9 2.097/96 o Projeto de Lei n9 2.464/96. Oficie-se à Comissão requerente e, após, ublique-se.
ErnJ3 /1V96. 'I
Presidente
Brasília, 18 de novembro de 1996.
Nos termos do Art. 142, do Regimento Interno, requeiro a V.Exa. a apensação do Projeto de Lei nO 2.464/96 - do Poder Executivo (MSG nO 1.002196)
- que "regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública
Federal': ao Projeto de Lei nO 2.097/96 - do Sr. Régis de Oliveira --que "dispõe
sobre os atos e procedimentos da Administração Pública direta e indireta, e dá
outras providências", por se tratarem de matéria correlata.
Atenciosamente,
A Sua Excelência o Senhor Deputado Luís EDUARDO DO. Presidente da Câmara dos Deputados NESTA
GER 3.17.23.004-2 - (JUN/95)
CH Presidente
RMS-AgR 24308Ementa e Acórdão (1)
Relatório (2)
Voto - ELLEN GRACIE (2)
Extrato de Ata (1)
Ementa e Acórdão
22/05/2012 PRIMEIRA TURMA
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO
RELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) :BANCO CITIBANK S/A ADV.(A/S) :EDUARDO ARRUDA ALVIM AGDO.(A/S) :ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO INTDO.(A/S) :SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO
CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO. REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECRUDESCIMENTO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA EM RECURSO DO ADMINISTRADO. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA. POSSIBILIDADE.
1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.
2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja Repercussão Geral restou reconhecida.
3. A possibilidade da administração pública, em fase de recurso administrativo, anular, modificar ou extinguir os atos administrativos em razão de legalidade, conveniência e oportunidade, é corolário dos princípios da hierarquia e da finalidade, não havendo se falar em reformatio in pejus no âmbito administrativo, desde que seja dada a oportunidade de ampla defesa e o contraditório ao administrado e sejam observados os prazos prescricionais.
Supremo Tribunal Federal
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2167830.
Supremo Tribunal FederalDJe 26/06/2012
Supremo Tribunal FederalInteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 7
Ementa e Acórdão
ARE 641.054 AGR / RJ
4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS – EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL – LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário desprovido.”
5. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 22 de maio de 2012. LUIZ FUX – Relator Documento assinado digitalmente
2
Supremo Tribunal Federal
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2167830.
Supremo Tribunal Federal
ARE 641.054 AGR / RJ
4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS – EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL – LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário desprovido.”
5. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 22 de maio de 2012. LUIZ FUX – Relator Documento assinado digitalmente
2
Supremo Tribunal Federal
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Relatório
22/05/2012 PRIMEIRA TURMA
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO
RELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) :BANCO CITIBANK S/A ADV.(A/S) :EDUARDO ARRUDA ALVIM AGDO.(A/S) :ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO INTDO.(A/S) :SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO
CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Cuida-se de agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário com agravo. A decisão monocrática de minha lavra restou ementada nos seguintes termos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO. REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE.
1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.
2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja Repercussão Geral restou reconhecida.
3. In casu, o acórdão recorrido assentou:“ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS
– EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL
Supremo Tribunal Federal
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Supremo Tribunal Federal
22/05/2012 PRIMEIRA TURMA
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO
RELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) :BANCO CITIBANK S/A ADV.(A/S) :EDUARDO ARRUDA ALVIM AGDO.(A/S) :ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO INTDO.(A/S) :SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO
CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Cuida-se de agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário com agravo. A decisão monocrática de minha lavra restou ementada nos seguintes termos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO. REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE.
1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.
2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja Repercussão Geral restou reconhecida.
3. In casu, o acórdão recorrido assentou:“ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS
– EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL
Supremo Tribunal Federal
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Relatório
ARE 641.054 AGR / RJ
- LEGALIDADE.1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível
lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes).
2. Leis estadual e municipal cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ.
3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei.
4. Recurso ordinário desprovido.”4. Agravo de instrumento a que se nega seguimento.
Nas razões do regimental, o CITIBANK S/A alegou não haver nesta Corte Suprema pacificação do tema referente à impossibilidade da reformatio in pejus nos processos administrativos.
Requer o provimento do regimental para que o extraordinário tenha regular seguimento.
É o relatório.
2
Supremo Tribunal Federal
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Supremo Tribunal Federal
ARE 641.054 AGR / RJ
- LEGALIDADE.1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível
lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes).
2. Leis estadual e municipal cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ.
3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei.
4. Recurso ordinário desprovido.”4. Agravo de instrumento a que se nega seguimento.
Nas razões do regimental, o CITIBANK S/A alegou não haver nesta Corte Suprema pacificação do tema referente à impossibilidade da reformatio in pejus nos processos administrativos.
Requer o provimento do regimental para que o extraordinário tenha regular seguimento.
É o relatório.
2
Supremo Tribunal Federal
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Voto - MIN. LUIZ FUX
22/05/2012 PRIMEIRA TURMA
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO
V O T O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): O agravo não merece prosperar.
Conquanto pacificada a controvérsia em relação à possibilidade do município legislar em assuntos de interesse local – como é o caso em comento –, o agravante sustenta tese no sentido de ser vedado no ordenamento pátrio a aplicação da reformatio in pejus nos recursos administrativos por violação ao princípio do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório e da segurança jurídica por implicar em indevido receio do administrado, quando da interposição de recursos no âmbito administrativo, de se deparar com o agravamento da sua situação.
Sem razão. É que no âmbito do Direito Administrativo, a administração pública tem a prerrogativa de revisar os seus próprios atos, podendo anulá-los, revogá-los ou modificá-los por motivos de legalidade, conveniência e oportunidade, inclusive em relação aos processos administrativos, sendo que a única ressalva diz respeito à necessidade de comunicação prévia do gravame que pode ocasionar ao administrado a interposição do recurso administrativo, como corolário do princípio da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Essa conclusão está expressa na norma infraconstitucional que disciplina a espécie, (art. 64, parágrafo único, da Lei 9.784/99) a qual reproduzo para melhor entendimento:
“Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo
Supremo Tribunal Federal
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22/05/2012 PRIMEIRA TURMA
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO
V O T O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): O agravo não merece prosperar.
Conquanto pacificada a controvérsia em relação à possibilidade do município legislar em assuntos de interesse local – como é o caso em comento –, o agravante sustenta tese no sentido de ser vedado no ordenamento pátrio a aplicação da reformatio in pejus nos recursos administrativos por violação ao princípio do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório e da segurança jurídica por implicar em indevido receio do administrado, quando da interposição de recursos no âmbito administrativo, de se deparar com o agravamento da sua situação.
Sem razão. É que no âmbito do Direito Administrativo, a administração pública tem a prerrogativa de revisar os seus próprios atos, podendo anulá-los, revogá-los ou modificá-los por motivos de legalidade, conveniência e oportunidade, inclusive em relação aos processos administrativos, sendo que a única ressalva diz respeito à necessidade de comunicação prévia do gravame que pode ocasionar ao administrado a interposição do recurso administrativo, como corolário do princípio da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Essa conclusão está expressa na norma infraconstitucional que disciplina a espécie, (art. 64, parágrafo único, da Lei 9.784/99) a qual reproduzo para melhor entendimento:
“Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo
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Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 7
Voto - MIN. LUIZ FUX
ARE 641.054 AGR / RJ
puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.”
Dessarte, a possibilidade da anulação dos atos administrativos, ainda que de ofício ou quando implique sanção ao administrado, decorre do princípio da autotutela da administração pública, em nome do interesse público, sendo observado em todo o caso os prazos prescricionais.
Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental.
É o voto.
2
Supremo Tribunal Federal
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Supremo Tribunal Federal
ARE 641.054 AGR / RJ
puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.”
Dessarte, a possibilidade da anulação dos atos administrativos, ainda que de ofício ou quando implique sanção ao administrado, decorre do princípio da autotutela da administração pública, em nome do interesse público, sendo observado em todo o caso os prazos prescricionais.
Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental.
É o voto.
2
Supremo Tribunal Federal
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Decisão de Julgamento
PRIMEIRA TURMAEXTRATO DE ATA
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054PROCED. : RIO DE JANEIRORELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) : BANCO CITIBANK S/AADV.(A/S) : EDUARDO ARRUDA ALVIMAGDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIROPROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROINTDO.(A/S) : SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 1ª Turma, 22.5.2012.
Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à
Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Mathias.
Carmen Lilian Oliveira de SouzaSecretária da Primeira Turma
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 2138444
Supremo Tribunal Federal
PRIMEIRA TURMAEXTRATO DE ATA
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054PROCED. : RIO DE JANEIRORELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) : BANCO CITIBANK S/AADV.(A/S) : EDUARDO ARRUDA ALVIMAGDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIROPROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROINTDO.(A/S) : SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 1ª Turma, 22.5.2012.
Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à
Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Mathias.
Carmen Lilian Oliveira de SouzaSecretária da Primeira Turma
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 2138444
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