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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E
DESENVOLVIMENTO
DANIEL CASTANHA DE FREITAS
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E MEDICAMENTOS DE
ALTO CUSTO: ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PODER
JUDICIÁRIO
CURITIBA
2016
II
DANIEL CASTANHA DE FREITAS
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E MEDICAMENTOS DE ALTO
CUSTO: ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PODER JUDICIÁRIO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná na área de
concentração Direito Econômico e
Desenvolvimento e linha de pesquisa Direitos
Sociais, Desenvolvimento e Globalização.
Orientador: Prof. Dr. Daniel Wunder Hachem.
CURITIBA
2016
III
Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central
Freitas, Daniel Castanha de
F866d Direito fundamental à saúde e medicamentos de alto custo : entre 2016 administração pública e Poder Judiciário / Daniel Castanha de Freitas ; orientador: Daniel Wunder Hachem. – 2016.
175 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Curitiba, 2016
Bibliografia: f. 154-175
1. Direito à saúde. 2. Direitos civis. 3. Política farmacêutica. 4. Política de
saúde. 5. Poder Judiciário. I. Hachem, Daniel Wunder. II. Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito.
III. Título.
Doris 4. ed. – 341.27
IV
TERMO DE APROVAÇÃO
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E MEDICAMENTOS DE ALTO
CUSTO: ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PODER JUDICIÁRIO
por
DANIEL CASTANHA DE FREITAS
Dissertação de conclusão de curso aprovada como requisito parcial à obtenção do grau
de Mestre em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica, pela seguinte banca examinadora:
Orientador: ________________________________________
Professor Doutor Daniel Wunder Hachem
Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná
Membros: ________________________________________
Professor Titular Doutor Josep Ramón Fuentes Gasó
Departamento de Direito Público da Universitat Rovira i Virgili –
Tarragona, Catalunha, Espanha
________________________________________
Professora Doutora Mônia Clarissa Hennig Leal
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do
Sul – Rio Grande do Sul
________________________________________
Professora Doutora Adriana da Costa Ricardo Schier
Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário Autônomo
do Brasil – Curitiba, Paraná
Curitiba, 25 de novembro de 2016.
V
A minha filha Alice e esposa Gisele, pela
ausência sentida, pela compreensão velada,
pelo estímulo necessário, pela superação de
obstáculos que só o amor é capaz de realizar.
VI
AGRADECIMENTOS
Com o término da dissertação de mestrado, chega ao fim um importante
ciclo. É tempo, pois, de agradecer e recompensar, mesmo com singelas palavras,
aqueles que bem intercederam por mim e pela causa que me move. Suas ações
tornaram-se dádivas divinas e, por estas breves linhas, são para sempre reconhecidas.
Principio pelas mulheres da minha vida, a quem já dediquei o trabalho.
Gisele, esposa, companheira e colega de profissão, cujas atitudes indeléveis conseguem
reunir, com candura, três lições sublimes: exemplo de mulher, esposa e mãe. Sua
dedicação à família foi crucial para que fosse possível concluir o mestrado. Foram suas
palavras de incentivo e seus conselhos que me permitiram não esmorecer diante dos
obstáculos. Minha vitória é a sua também. A ela todo meu amor, minha gratidão e meu
respeito.
Para a doce Alice, não há palavras suficientes para expressar o amor filial.
Quando cansado em casa chegava, à noite ou mesmo pela manhã, depois de uma noite
inteira de estudos, a Pequena sempre me recepcionava com a alegria e a pureza que só
uma criança de dois anos pode oferecer. Como que perdoando o pai pela ausência, seus
beijos e abraços eram para mim a redenção, acalentando um coração aflito pela ausência
forçada, em prol de um bem maior. Obrigado filha.
Um cálido agradecimento a minha avó, Leoni da Luz Bieda de Freitas, a
“Vó Nena”, que não hesitou em ceder sua casa para o neto e nela deixou que fosse
montada uma sala de estudos permanente, sem se preocupar com os livros espalhados e
com as noites em claro lá passadas. A dissertação certamente não estaria acabada sem o
seu apoio e seus incríveis dotes culinários.
Meus pais sempre farão parte de toda e qualquer conquista por mim
alcançada. Agradeço pelo constante incentivo e por sempre me fazerem enxergar para
além do desconsolo imediato, insistindo que mais um passo fosse dado em direção aos
meus sonhos, um de cada vez. Minha mãe, minha amiga, minha conselheira, minha
professora. Meu pai, meu amigo, meu mentor, meu exemplo de hombridade. Anjos da
guarda que me guiaram tantas vezes pelos caminhos da vida e cujos exemplos para
sempre guiarão.
VII
Rendo homenagens ao meu orientador, Professor Doutor Daniel Wunder
Hachem, que me convenceu ser possível alcançar este objetivo através de muito foco,
esforço e dedicação. Tendo sido seu orientando desde a especialização em direito
administrativo no Instituto Romeu Felipe Bacellar, tive o privilégio de contar com suas
valiosas observações, sempre precisas e apuradas. Seus ensinamentos transcendem as
linhas do presente trabalho, tornando-se referências de vida, capazes de influenciar
minha formação enquanto pesquisador e docente.
Agradeço a honrosa presença dos integrantes da banca de avaliação da
presente pesquisa, Professor Titular Doutor Josep Ramon Fuentes Gasó, da Universitat
Rovira i Virgili, de Tarragona, Catalunha, Espanha; e Professora Doutora Mônia
Clarissa Hennig Leal, da Universidade de Santa Cruz do Sul, por se disporem a
contribuir para que o trabalho desenvolvido alcance seu objetivo de enriquecer, ainda
que minimamente, o debate acerca dos medicamentos de alto custo.
Ainda em relação à banca avaliadora, um agradecimento especial à
Professora Doutora Adriana da Costa Ricardo Schier, exímia jurista e docente, que
muito me honra com sua participação na conclusão do trabalho.
Um sincero agradecimento aos professores do Programa de Pós-Graduação
em Direito da PUCPR, pelo aprendizado em cada uma das disciplinas. Em especial,
exalto o conhecimento obtido com o Professor Doutor Luiz Alberto Blanchet, exemplo
de erudição, quanto ao correto emprego de diversas expressões jurídicas utilizadas na
redação da dissertação, bem como reconheço a grande honra de seu convite para
desenvolver artigo científico em coautoria. Igualmente agradeço as preciosas lições da
Professora Doutora Flávia Piovesan, expoente dos direitos humanos no Brasil e uma das
maiores docentes que já tive oportunidade de assistir. Sua sensibilidade para mediar os
debates de sua disciplina revelou-se fundamental para a apreensão do conhecimento e
para a confecção de artigo também em também coautoria, pelo que lhe presto
deferência. Por fim, os agradecimentos se estendem à Professora Doutora Heline Sivini
Ferreira, pelo exemplo de dedicação e engajamento com que exerce seus misteres e, em
especial, pela receptividade com que se dispôs a me orientar em um momento de grande
conflito interno, em um sinal de altruísmo reservado apenas aos grandes mestres.
Paciência foi a lição a ser assimilada. Mais uma vez, obrigado professora.
VIII
Dentre as muitas amizades surgidas durante o mestrado, faço menção
àquelas que influenciaram diretamente no desenvolvimento do trabalho. Agradeço a
Fábio Rezende Braga, parceiro de todas as horas e constante debatedor das ideias
lançadas no trabalho, bem como a Edson Cruz Pinto, pela parceria exercida em
trabalhos acadêmicos e artigo científico publicado em obra coletiva.
Ao amigo Professor Rodrigo Augusto Lazzari Lahoz, mestre em direito pela
PUCPR, agradeço os conselhos acadêmicos e a insistência para redigir, em coautoria,
um dos artigos científicos que culminaram por franquear a apresentação da dissertação
antes do prazo final.
IX
SUMÁRIO
RESUMO ..................................................................................................................... XI
ABSTRACT ............................................................................................................... XII
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1 – DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO .................................................................... 10
1.1. O conteúdo jurídico do direito fundamental à saúde na Constituição de 1988 10
1.1.1. O direito à saúde como direito fundamental: consequências jurídicas............... 11
1.1.2. Núcleo essencial do direito fundamental à saúde e seus desdobramentos: o
mínimo existencial ......................................................................................................... 22
1.1.3. O Sistema Único de Saúde e suas diretrizes constitucionais .............................. 36
1.2. A regulamentação legislativa e administrativa do direito fundamental à saúde
e o fornecimento de medicamentos de alto custo ...................................................... 40
1.2.1. A evolução social que estabeleceu o Sistema Único de Saúde – SUS e suas
premissas vinculativas ................................................................................................... 41
1.2.2. A competência comum dos entes federativos para a dispensação de
medicamentos de alto custo: necessidade de reconhecimento para a perpetuação do
sistema de saúde ............................................................................................................ 50
1.2.3. Noção conceitual relativa de medicamento de alto custo: balizas para a
edificação de um conceito que permita o seu reconhecimento nos casos concretos, para
além do critério objetivo das listagens oficiais ............................................................. 59
CAPÍTULO 2 – TUTELA ADMINISTRATIVA DO DIREITO À SAÚDE
MEDIANTE O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO 68
2.1. Organização administrativa para a tutela do direito à saúde e para o
fornecimento de medicamentos de alto custo ............................................................ 68
2.1.1. A estruturação da Política Nacional de Medicamentos ...................................... 69
2.1.2. Os medicamentos excepcionais garantidos judicialmente: os riscos de ingerência
indevida nos desígnios da Administração ..................................................................... 73
2.1.3. A falta de cooperação entre os Poderes Executivo e Judiciário para o
estabelecimento de critérios que promovam a efetivação do direito à saúde ............... 81
2.2. Judicialização e desjudicialização da saúde: adoção de medidas eficientes no
âmbito do Executivo e Legislativo capazes de minorar a atuação do Judiciário 84
2.2.1. O protagonismo do Poder Judiciário brasileiro em decorrência da crise
institucional: o ativismo judicial ................................................................................... 85
X
2.2.2. O fenômeno da judicialização da política pós-Constituição da República de 1988
e seu crescente impacto nos tribunais brasileiros ......................................................... 91
2.2.3. A desjudicialização ocorrida em Portugal no contexto da Constituição de 1976: o
enfraquecimento do Judiciário em razão da politização da justiça e as medidas
extrajudiciais colocadas em prática .............................................................................. 94
CAPÍTULO 3 – TUTELA JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE MEDIANTE O
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO ........................ 103
3.1. Panorama geral do tratamento conferido ao direito à saúde para a obtenção de
medicamentos excepcionais pela via do Judiciário ................................................. 103
3.1.1. (A falta de) Parâmetros estabelecidos pelo Judiciário na concessão de
medicamentos de alto custo ......................................................................................... 104
3.1.2. O Recurso Extraordinário com repercussão geral – RE 566.471/RN e outros
recursos relevantes para o sistema de saúde .............................................................. 115
3.1.3. A teoria da “reserva do possível”: definição, alcance e atual utilização na
jurisprudência brasileira ............................................................................................. 122
3.2. Proposições que objetivem a melhora – e a racionalização – da judicialização
da saúde quanto aos medicamentos de alto custo ................................................... 129
3.2.1. A perícia como elemento imprescindível para a obtenção de medicamentos
excepcionais ................................................................................................................. 129
3.2.2. O deslocamento da judicialização de pedidos de medicamentos excepcionais para
a Justiça Federal: procedimento ideal para sanear o SUS e promover a
sustentabilidade do sistema ......................................................................................... 134
3.2.3. A promoção de ações coletivas para a melhora do sistema de saúde .............. 142
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 154
XI
RESUMO
O direito à saúde ocupa posição de destaque no ordenamento constitucional brasileiro.
Inserido no catálogo dos direitos sociais, suas diferentes posições jusfundamentais – de
respeito, proteção e promoção – são invocadas com frequência para defender pleitos
variados perante os Poderes Executivo e Legislativo, conforme a situação fática
apresentada. Com o expressivo alargamento do âmbito de atuação do Judiciário,
chamado cada vez mais a decidir questões antes circunscritas ao plano político, tornou-
se comum a judicialização de pleitos individuais de medicamentos de alto valor
unitário, por vezes não previstos nas listagens oficiais disponíveis, comumente
classificados de “excepcionais” ou “de alto custo”. Para compreender em que medida o
direito à assistência farmacêutica legitima a pretensão de obter medicamentos
considerados vultosos, o trabalho inicialmente situa o direito à saúde no espaço jurídico,
analisando os preceitos normativos que tipificam o direito à saúde no artigo 196 da
Constituição. Identificada a relação entre as pretensões de saúde de alto custo e o
mínimo existencial, apresenta-se o Sistema Único de Saúde (SUS), conjunto de ações
de saúde coletiva, conduzido sob as diretrizes constitucionais da descentralização,
hierarquização, regionalização, financiamento e controle social. Apesar de a própria
Constituição Federal e a legislação ordinária delimitarem o campo de atuação de cada
ente federativo para a subsistência da política pública, dados obtidos em levantamentos
oficiais exprimem o preocupante cenário de desequilíbrio nas contas de Estados e
Municípios, compelidos judicialmente a obter medicamentos de responsabilidade da
União. Dado o afluxo de ações que pleiteiam fármacos não previstos nas listagens
oficiais, foi preciso encontrar noção jurídica aceitável, sob o prisma subjetivo, para o
que são medicamentos excepcionais, além do aspecto objetivo. Na sequência, analisou-
se a Política Nacional de Medicamentos enquanto conjunto de ações apto a selecionar,
prescrever e dispensar remédios incorporados por meio de rotinas tecnológicas,
observados os princípios da equidade e justiça social, garantindo a segurança, eficácia e
a qualidade dos medicamentos em circulação. No entanto, o protagonismo judicial
experimentado nas últimas décadas induz à judicialização excessiva, mitigando a
política pública existente e criando outras anômalas, diferentemente de outros países
que optaram pelo caminho inverso da desjudicialização. No capítulo final, foram
analisados argumentos cotidianamente utilizados pelos magistrados para a concessão de
medicamentos de alto custo, exemplificando a proatividade judicial tratada
anteriormente. Especificou-se a importância do julgamento do Recurso Extraordinário
com repercussão geral nº 566.471/RN pelo Supremo Tribunal Federal, relatando os
votos até então proferidos, discorrendo-se acerca dos cenários possíveis a partir de
decisão favorável ou contrária ao dever do Estado de fornecer gratuitamente fármacos
excepcionais. A reserva do possível foi objeto de estudo verticalizado, destinado a situá-
la como antagonista do mínimo existencial. Por fim, foram deduzidas proposições
objetivas para a racionalização do direito à assistência farmacêutica de alto custo,
conferindo maior efetividade ao acesso a medicamentos excepcionais.
Palavras-chave: direito fundamental à saúde; medicamentos de alto custo;
judicialização da saúde; Administração Pública; Poder Judiciário.
XII
ABSTRACT
The right to health occupies a prominent position in the brazilian constitutional order.
Inserted in the catalog of social rights, their different positions jusfundamentais –
respect, protection and promotion – are often invoked to defend various claims towards
the Executive and Legislative branches, as the factual situation presented. With the
significant extension of the Judiciary acting scope, called to decide issues before
confined to the political level, it has become common the filing of individual claims of
high unit value drugs, sometimes not covered by the available official listings,
commonly rated “exceptional” or “expensive”. To understand how the right to
pharmaceutical assistance legitimate the claim to get drugs considered expensive, the
text initially located the right to health in the legal space, analyzing the legislative
provisions that form the right to health in article 196 of the Constitution. Identified the
relationship between high cost and minimum existential health claims, shows the Health
Unic System (SUS), a set of public health actions conducted under the constitutional
guidelines of decentralization, hierarchy, regionalization , financing and social control.
Although the Federal Constitution and ordinary legislation delimiting the field of action
of each federative entity for the maintenance of policy, data from official surveys
express the disturbing imbalance scenario in the State and Municipal accounts, which
are compelled in Court to obtain drugs whose responsability it is from Union.
Considering the influx of actions that require drugs not provided in the official listings,
it was necessary to find acceptable legal concept under the subjective point of view, for
what they are special drugs, beyond the objective aspect. Following, the text analyzed
the National Drugs Policy as a set of actions able to select, prescribe and dispense
medicines incorporated through technological routines, observed the principles of
equity and social justice, ensuring the safety, efficacy and quality of medicines.
However, the judicial protagonism occurred since recent decades induces to a excessive
judicialization, mitigating the current public policy and creating other anomalous,
unlike other countries that have opted for the opposite way of desjudicialização. In the
final chapter, routinely arguments used by judges for granting high cost drugs were
analyzed, exemplifying judicial proactivity treated previously. It was specified the
importance of the Extraordinary Appeal with general repercussion nº 566.471/RN, on
trial by Supreme Court, reporting the votes pronounced and discussing possible
scenarios about the duty of the State to provide freely exceptional drugs. The reserve of
possible was object of verticalized study, intended to situate it as an antagonist of the
existential minimum. Finally, objective propositions were suggested to racionalize the
right to high cost pharmaceutical assistance, providing more effective access to
exceptional drugs.
Keywords: fundamental right of health; high cost drugs; judicialization of health;
Public Administration; Judiciary.
1
INTRODUÇÃO
“Não há solução juridicamente simples, nem moralmente barata aqui”.1 A
frase, de autoria do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em
voto-vista proferido durante o julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão
geral nº 566.471/RN,2 que trata do dever do Estado quanto ao fornecimento de
medicamentos de alto custo, bem reflete o período caótico experimentado pela
sociedade brasileira nas duas últimas décadas.
Em um contexto socioeconômico de gradativo retraimento estatal, no qual
as políticas públicas não priorizadas pelo Estado deixam de cumprir seu papel
constitucional de proporcionar uma salutar redução das desigualdades sociais e
oportunizar igualdade de posições entre os cidadãos, importa ressaltar a problemática
inserida no âmbito dos direitos sociais, os quais, embora expressamente elevados à
condição de direitos fundamentais e dotados de aplicação imediata – art. 5º, § 1º, da
Constituição da República3 – são cotidianamente vilipendiados pelo descaso dos
poderes instituídos.
Detentor de um sistema público de saúde concebido sob fortes premissas
jurídicas que determinam a plenitude de atendimento – desde a atenção básica até
procedimentos de alta complexidade – e a abrangência nacional, o Estado brasileiro
enfrenta desafios de todo gênero para materializar na sociedade os preceitos jurídicos
insculpidos no ordenamento constitucional e infraconstitucional. Trata-se de tarefa
complexa cujo escopo certamente pode ser vinculado ao atendimento da própria noção
de dignidade humana.4
Estabelecidos os contornos gerais da problemática, propõe-se a reflexão
sobre um aspecto específico do direito fundamental à saúde, qual seja, o direito à
assistência farmacêutica de “alto custo”, invocado quando, diante de determinada
enfermidade, o tratamento se revela dispendioso e incomum, eis que os fármacos
1 BARROSO, Luís Roberto. Medicamentos de alto custo. Disponível em:
<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2016/10/RE-566471-Medicamentos-de-alto-
custo-vers%C3%A3o-final.pdf>. Acesso em: 17 out. 2016. 2 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 566.471/RN. Tribunal Pleno. Relator Des. Marco
Aurélio Mello. Julgamento iniciado em 28.09.2016, ainda pendente de acórdão. 3 “Art. 5º (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” 4 LEAL, Rogério Gesta. A quem compete o dever de saúde no direito brasileiro? Esgotamento de um
modelo institucional. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 50-69, mar./jun. 2008.
2
necessários à convalescença, via de regra, não constam das listagens oficiais
disponibilizadas pelos entes federativos.
Afinal, é certo que, dos termos do artigo 196 da Constituição da República,5
não se extrai qualquer mandamento no sentido de haver um limite objetivo para o custo
das prestações afetas à saúde, tanto mais aos medicamentos suficientes ao tratamento da
convalescença dos que deles necessitam.
Fala-se, portanto, de um direito de todos indistintamente, capaz de impingir
ao Poder Público o dever de garanti-lo na maior extensão possível, por meio das
medidas que se fizerem necessárias, não só no âmbito da saúde curativa, como também
em outras frentes de efetivação do desenvolvimento da sociedade, a exemplo das ações
e serviços de promoção e proteção contra endemias e moléstias de todo gênero, seja por
meio de campanhas de vacinação, saúde alimentar, prática de atividades físicas, ou
através de serviços públicos de saneamento básico.
Ademais, se analisada sob o prisma da teoria contemporânea dos direitos
fundamentais de Robert Alexy,6 a simples menção ao teor do artigo constitucional
supramencionado é suficiente para evidenciar a natureza multifuncional do direito
fundamental social à saúde, voltada à prática de condutas positivas e negativas por parte
do Estado, todas elas tendentes à consagração do direito à saúde em prol de todos os
cidadãos.
No entanto, ainda que munido de uma forte blindagem jurídica, o direito à
saúde carece de efetividade, em parte graças às mazelas da seara política.7-8 Tendo seus
efeitos fragmentados e enfraquecidos por decisões político-administrativas
desencontradas, pautadas em critérios nem sempre condizentes com o Estado de Direito
5 “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” 6 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. 7 CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Desmonte do SUS: mito ou verdade? Disponível em:
<http://cebes.org.br/2016/07/desmonte-do-sus-mito-ou-verdade/>. Acesso em: 31 out. 2016. 8 “O Plenário do Conselho Nacional de Saúde - CNS (...) considerando que os recursos públicos da
Seguridade Social têm sido constantemente retirados por medidas como isenções fiscais aos serviços e
planos privados de saúde e pela desvinculação de Receitas da União, o que tem sucateado o SUS e
fortalecido o sistema financeiro; considerando que os recursos para o financiamento do SUS são
insuficientes e há previsão de perdas ainda mais elevadas por meio da PEC 241, que trata da
desvinculação de receitas e estabelecimento de tetos orçamentários; (...) RESOLVE: 1) Posicionar-se
contrário à PEC 241 e demais medidas que visem reduzir os investimentos públicos em saúde; (...)”
(BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde: Resolução nº 534, de 19 de agosto de
2016. Disponível em: <http://www.conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso534.pdf>. Acesso em 31
out. 2016.).
3
e sem controle de resultados, o direito à saúde padece diante da promessa idealizada
pelo Constituinte, mas deficitariamente concretizada no cotidiano de administrações
eleitas para o trato da coisa pública.
A consequência obtida a partir da falta de perspectiva de confirmação, pelas
forças políticas, de mandamento constitucional dotado de aplicabilidade imediata, é
fomentar, previsivelmente, a função contramajoritária do Poder Judiciário, instado a se
manifestar em um número cada vez maior de processos que buscam satisfazer
pretensões de saúde, dando azo ao que se convencionou intitular de “judicialização da
saúde”.9
Tal fato decorre do crescente e contínuo processo de constitucionalização
experimentado pelos direitos sociais desde os idos anos de 1980, época em que foi
suficientemente desenvolvida a compreensão de que “a educação, a saúde, o trabalho, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados”10 eram imprescindíveis para o aprimoramento do Estado.
Notadamente em relação ao direito à saúde, múltiplos são os pedidos
deduzidos frente ao órgãos jurisdicionais. Medicamentos, exames, alimentos especiais,
tratamentos experimentais ou decorrentes de substâncias proibidas pelo ordenamento
são alguns exemplos dos pleitos submetidos ao crivo dos magistrados.
O resultado inescapável desta marcha ao Judiciário não poderia ser outro
que não o soerguimento deste Poder à condição de protagonista do sistema tripartite
vigente, tomando para si o mister de fazer políticas públicas para além de sua atribuição
definida na Constituição, qual seja, a de aferir a conformação jurídico-constitucional de
atos praticados pelos demais ramos do poder.
Em razão da miríade de pleitos requeridos pelos cidadãos ao Poder
Judiciário, a presente pesquisa propõe um recorte temático que visa a concentrar
esforços especificamente em relação aos medicamentos de alto custo, cujo impacto
financeiro pode ser tormentoso para os entes federativos. Transitará, assim, entre os
procedimentos administrativos engendrados para a dispensação de fármacos de custo
9 Nesse sentido, cf.: ASENSI, Felipe Dutra; PINHEIRO, Roseni (Coord.). Judicialização da saúde no
Brasil: dados e experiência. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. 10 Redação original do art. 6º da Constituição da República, ao qual foram posteriormente incorporados,
por Emenda Constitucional, a moradia (EC nº 26/2000), a alimentação (EC nº 64/2010) e o transporte
(EC nº 90/2015).
4
excepcional e, em momento ulterior, procurará situar o direito a medicamentos vultosos
no âmbito do Judiciário, aclarando o tratamento conferido à problemática.
A escolha do tema encontra razão de ser a partir da constatação daquilo que
pode ser considerado o principal problema da atualidade que obsta a efetivação do
direito à saúde no âmbito nacional: a questão orçamentária, relacionada às escolhas
alocativas do Estado e ao subfinanciamento do SUS historicamente comprovado,11-12
culmina com intervenções cada vez mais recorrentes do Poder Judiciário nas políticas
públicas de saúde, consolidando a judicialização excessiva e contribuindo para o
desequilíbrio das contas públicas, situação comprovada pela divulgação de inúmeros
levantamentos, dentre os quais os produzidos pelo Conselho Nacional de Justiça13 e pelo
Tribunal de Contas da União.14 A saúde é, portanto, um problema real e premente.
O impacto financeiro havido em decorrência do abarrotamento de ações no
Judiciário tem tido crescimento considerável e ininterrupto a cada levantamento
realizado, sendo possível prognosticar o colapso do sistema público de saúde acaso não
sejam estabelecidos requisitos que racionalizem a concessão judicial de medicamentos.
O aumento dos gastos com aquisições de fármacos e outros insumos em
decorrência de ordens judiciais pode ser ilustrado a partir de estudo feito pela
Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde – CONJUR/MS,15 o qual revela que, no ano
11 Sobre o assunto: “A sucessiva falta de prioridade na implantação do SUS e a desarticulação em sua
defesa foram de tal intensidade que avanços foram de tal intensidade que avanços foram sendo perdidos e
os patamares das demandas por financiamento, se reduzindo.” (GOMES, Fábio de Barros Correia.
Impasses no financiamento da saúde no Brasil: da Constituinte à regulamentação da Emenda 29/00.
Saúde em debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 100, p. 6-17, jan./mar. 2014). 12 “O perfil dos gastos em saúde não deu conta de atender aos ditames do sonho da reforma sanitária dos
anos 1980. Implantado, em grande medida, do ponto de vista legal, não se materializou do ponto de vista
prático. Os números revelam e explicam, em parte, as dificuldades e tensões do SUS.” (SOARES,
Adilson; SANTOS, Nelson Rodrigues dos. Financiamento do Sistema Único de Saúde nos governos
FHC, Lula e Dilma. Saúde em debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 100, p. 18-25, jan./mar. 2014. 13 “O aumento da quantidade de ações judiciais propostas em face do Poder Público com o fito de obter o
fornecimento de medicamentos ou a realização de cirurgias e procedimentos tem preocupado os gestores
da saúde nas três esferas. Os referidos gestores, muitas vezes, alegam que essa interferência despreza
fluxos e protocolos existentes, impõe a realização de tratamentos extremamente onerosos e resulta numa
inversão de prioridades nos gastos com medicamentos no âmbito das políticas públicas, o que gera um
grave impacto na programação anual de saúde” (ASENSI, Felipe Dutra; PINHEIRO, Roseni (Coord.).
Judicialização da saúde no Brasil: dados e experiência. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. p.
107.). 14 BRASIL. Relatório Sistêmico de Fiscalização: saúde. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2014. p.
107-110; 200-201. 15 BRASIL. Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde. Intervenção judicial na saúde pública:
panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos na seara das justiças estaduais. Disponível em:
<http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/conjur/leia-mais-conjur/376-l2-
conjur/13007-panorama-da-judicializacao>. Acesso em: 2 nov. 2016.
5
de 2005, o valor despendido para o atendimento de determinações da Justiça era de R$
2.557.546,49, somadas as compras diretas pelo Ministério da Saúde e depósitos
judiciais para garantir a aquisição pelo paciente. Este valor, no ano de 2008, foi
majorado para a quantia de R$ 54.509.705,43, alcançando, em 2012, vultosos R$
355.825.334,93. No ano de 2014, cerca de R$ 838 milhões de reais foram gastos para
satisfazer mandados judiciais, cujo valor, somado aos quatro anos anteriores, alcançou a
cifra de R$ 2,1 bilhões.16 Diante de tais dados, não há dúvidas de que o resultado da
falta de efetividade na via administrativa foi a judicialização.
Tal cenário de inadimplemento administrativo da Constituição quanto ao
direito à saúde, do qual a judicialização excessiva é resultado direto, despertou o
interesse do meio acadêmico. Inúmeras obras de relevo concentraram estudos nessa
seara, optando pela apresentação do estado da arte do direito à saúde, seus limites e
garantias, o impacto das decisões do Judiciário no orçamento público, dentre outras
questões que vislumbram o problema de forma extensa e abrangente.17 Entretanto, uma
das questões que ainda não foi objeto de estudo específico e aprofundado é, justamente,
a tutela dos medicamentos de alto custo, cuja importância está estampada inclusive no
Supremo Tribunal Federal, o qual foi instado a decidir especificamente, em sede de
repercussão geral,18 em relação à obrigatoriedade de a Administração Pública fornecer
tais tipos de medicamentos, estando o julgamento em curso após votos proferidos pelos
Ministros Marco Aurélio Mello (relator), Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso,
cada qual com interpretação singular sobre o tema.19
16 COSTA, Amanda. Em cinco anos, mais de R$ 2,1 bilhões foram gastos com ações judiciais.
Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/20195-em-
cinco-anos-mais-de-r-2-1-bilhoes-foram-gastos-com-acoes-judiciais>. Acesso em: 2 nov. 2016. 17 Sobre o tema, cf. ANDRADE, Ricardo Barretto de. Direito a medicamentos: o direito fundamental à
saúde na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014; LIMA, Fernando Rister de Sousa.
Saúde e Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2015; ASENSI, Felipe Dutra. Direito à saúde:
práticas sociais reivindicatórias e sua efetivação. Curitiba: Juruá, 2013; SILVA, Denise dos Santos
Vasconcelos. Direito à saúde: ativismo judicial, políticas públicas e reserva do possível. Curitiba: Juruá,
2015; LEITE, Carlos Alexandre Amorim. Direito fundamental à saúde: efetividade, reserva do possível
e o mínimo existencial. Curitiba: Juruá, 2014; MENEZES, Vitor Hugo Mota de. Direito à saúde e
reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2015; OLIVEIRA, Heletícia Leão de. Direito fundamental à
saúde, ativismo judicial e os impactos no orçamento público. Curitiba: Juruá, 2015; PIVETTA, Saulo
Lindorfer. Direito fundamental à saúde: regime jurídico, políticas públicas e controle judicial. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde:
parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007 et seq. 18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 566.471/RN. Tribunal Pleno. Relator
Des. Marco Aurélio Mello. Unânime. Julgado em 15.11.2007. 19 Os votos-vista dos Ministros serão objeto de estudo específico no subitem “3.1.2” da presente pesquisa.
6
O assunto é, sem dúvidas, deveras polêmico. Afinal, quais os critérios para
classificar medicamentos como sendo de alto custo? De que forma a Política Nacional
de Medicamentos prevê a incorporação de novos fármacos e os classifica como de alto
custo? Em quais casos deve o Poder Judiciário determinar o fornecimento de
medicamentos de alto custo a determinado paciente? Esta atuação contribui para a
efetiva solução do problema administrativo relacionado à efetivação do direito à saúde?
Quais parâmetros devem ser estabelecidos para que sejam fornecidos tais fármacos
vultosos? Há possibilidade de estabelecer critérios judiciais para racionalizar a
concessão de medicamentos excepcionais, tornando-a mais eficiente, produtiva e menos
invasiva do âmbito administrativo? Há indiscutível omissão da doutrina brasileira no
trato aprofundado e sistematizado da questão dos medicamentos de alto custo, o que
reforça a importância da pesquisa levada a efeito.
Delineado o objeto do trabalho, a metodologia empregada para desenvolver
as premissas teóricas sobre as quais as conclusões estão fundamentadas compõe-se de
três capítulos formadores.
De início, capítulo inaugural procura estabelecer um compêndio sobre o
atual estágio de atendimento do direito à saúde, enquanto norma dotada de regime
jurídico idêntico aos demais direitos fundamentais previstos pela Constituição Federal.
Situando-o brevemente no contexto histórico do desenvolvimento dos direitos humanos,
assenta-se sua característica de aplicabilidade imediata para, depois, promover uma
espécie de dissecção do art. 196 “termo a termo”, edificando, com isso, os pilares
fundamentais que sustentarão as impressões teóricas ao longo do trabalho (1.1.1).
Ato contínuo à exposição anatômica do direito à saúde e à associação de
seus critérios formadores à gênese do Estado Social, o trabalho percorre, em seguida,
trilha conducente à identificação do vetor que legitima as ações que garantem o acesso e
a proteção da saúde pública: o mínimo existencial (1.1.2).
O objetivo primeiro, neste ponto, é o de conjugar posições doutrinárias
diversas, a ponto de identificar um núcleo essencial do direito fundamental à saúde e,
tão importante quanto, nele incluir a sindicabilidade também do direito à assistência
farmacêutica de alto custo, por ser uma de suas dimensões mais sensíveis.
Prosseguindo, a pesquisa procura exprimir as diretrizes constitucionais do
Sistema Único de Saúde (1.1.3), cadeia procedimental erigida pelo constituinte
7
originário com o fito de concretizar as ações e serviços de saúde a partir dos institutos
da descentralização, hierarquização, regionalização, financiamento e controle social.
Aspectos históricos são tratados na sequência do capítulo (1.2.1),
sintetizando os fatos que deram azo à criação do Sistema Único de Saúde e contribuíram
sobejamente para o estabelecimento do direito fundamental social à saúde. Fala-se
também da Lei Orgânica do SUS e suas premissas de observação obrigatória, tais como
a integralidade de assistência, direito à informação, descentralização político-
administrativa, dentre outras.
Determinada a tornar compreensível o funcionamento do SUS sob o aspecto
das obrigações pré-definidas na Constituição quanto à dispensação de medicamentos
por cada ente federativo, a pesquisa se dedica, na sequência, a analisar a questão da
divisão de competências federativas em matéria de atendimento à saúde, verificando se
a ideia de solidariedade amplamente aceita no âmbito do Judiciário é efetivamente
compatível com a Constituição (1.2.2), valendo-se de levantamento oficial realizado
pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná durante os anos de 2010 a 2014.
Na parte final do primeiro capítulo, procura-se desenvolver um conceito
adequado para a expressão “medicamento de alto custo” para além do critério objetivo
representado pelas listagens oficiais elaboradas pelo Ministério da Saúde, concentrando
esforços no sujeito da obrigação de entrega de medicamento pelo Estado (1.2.3).
Findo o capítulo destinado à aproximação ao tema, a investigação se
desdobra em dois eixos temáticos – capítulos 2 e 3 –, os quais se prestam a retratar o
horizonte do direito à saúde sob duas perspectivas: a tutela administrativa e a judicial
para o fornecimento de medicamentos excepcionais.
Assim sendo, no capítulo 2, discorre-se, inicialmente, acerca da Política
Nacional de Medicamentos (2.1.1) e a gama de procedimentos administrativos que
objetivam unicamente organizar o acesso à saúde pelos usuários do SUS, cujo intento é
o de implementar direitos previstos por meio das escolhas alocativas do Estado.
O escopo da seção seguinte (2.1.2) é evidenciar a tensão havida entre
diversas determinações judiciais, por sua vez despreocupadas com regras de
competência ou de responsabilidade sobre determinada metodologia profilática regulada
pela Administração; e o orçamento público construído a partir de estudos que, em
conjunto, formam a “Relação Nacional de Medicamentos do Componente Especializado
8
da Assistência Farmacêutica”, evidenciando os riscos advindos de eventual ingerência
advinda do órgão jurisdicional.
Ato contínuo, após realizar um apanhado do quadro fático-jurídico
demonstrado nos itens precedentes, sinaliza-se a necessidade de convívio harmônico
institucional, com a inafastável observância, pelo Poder Judiciário, dos Protocolos
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT e lista RENAME, sendo o único caminho
para a racionalização do sistema de saúde (2.1.3).
A parte final do segundo capítulo levanta outros aspectos que denotam a
relação intrincada e conflituosa havida entre Executivo – formador das políticas de
saúde – e Judiciário – o qual constantemente se imiscui nas atribuições do
administrador. Com isso, são enunciados brevemente os fenômenos do “ativismo
judicial” e o consequente protagonismo do Poder Judiciário na experiência brasileira
(2.2.1), além da “judicialização da política” no contexto pós-Constituição de 1988, cujo
notório perfil analítico incrementa o potencial de justiciabilidade dos direitos (2.2.2).
Por derradeiro, o trabalho se volta, ainda que en passant, pelo Direito comparado,
especificamente o português, com o fito de lançar luzes a um sistema que, não obstante
adepto da tradição do civil law e, de certa forma, semelhante ao Judiciário brasileiro,
enveredou por caminho oposto ao protagonismo brasileiro, em um processo inverso
conhecido por “desjudicialização”. Por meio da atividade comparativa, tem-se por
escopo fomentar a análise de avanços e retrocessos na discussão acerca da
justicialização dos direitos sociais, notadamente a saúde (2.2.3).
Enfim, o capítulo 3 dedica-se à tutela judicial do direito à saúde para o
fornecimento de medicamentos de alto custo, inaugurando com considerações acerca do
tratamento conferido pelo Poder Judiciário às ações que pleiteiam medicamentos de
valor elevado (3.1.1). São destacadas, assim, algumas posturas habituais que auxiliam
na identificação do perfil ativista das determinações judiciais, tais como: conclusão pela
solidariedade dos entes federativos; inexistência de conceituação do mínimo existencial
nos casos concretos; presunção absoluta de laudo médico individual capaz de afastar a
incidência da política pública respectiva; preferência pela realização de microjustiça;
entre outras atitudes objeto de pormenorização.
A exposição prossegue trazendo a lume questão processual de extrema
importância para a temática escolhida, qual seja, a existência do Recurso Extraordinário
9
com repercussão geral nº 566.471/RN, ainda pendente de acórdão, cuja temática trata
especificamente sobre a obrigatoriedade de o Poder Público dispensar fármacos de alto
custo (3.1.2). Aqui, para além de relatar a conjuntura fático-jurídica em que se deu o
aludido recurso, conjectura-se sobre os seus possíveis desdobramentos para o cenário de
sobrecarga de processos sobre saúde, bem como as possíveis maneiras de empregar
efetividade à decisão, sem olvidar da natural dificuldade de padronizar condutas
genuinamente complexas e peculiares.
Em seguida, é a vez de envidar esforços para anatomizar o conteúdo da
famigerada “reserva do possível”, teoria de origem alemã e que tanto é invocada a título
de justificativa para o inadimplemento estatal (3.1.3). Neste ponto, com vistas a
proporcionar uma melhor percepção da categoria, foi preciso entender em que termos
este foi invocado pelos magistrados do Tribunal Constitucional Federal Alemão, na
tentativa de identificar seus domínios, bem como se o sistema jurídico pátrio o acolhe
devidamente, como um contraponto do “mínimo existencial”.
A última parte do trabalho pretende oferecer contribuições, ainda que
pontuais, que visam à otimização do agir jurisdicional, podendo servir ao propósito de
cooperar para que o SUS e seus mecanismos de atendimento à população sejam
inculcados de efetividade. Nesse passo, são expostos aportes teóricos que dizem
respeito (i) à necessidade de perícia para a obtenção de medicamentos excepcionais
(3.2.1), (ii) ao estabelecimento da União como único ente federativo capaz de absorver
as demandas por medicamentos vultosos (3.2.2) e (iii) à quebra do paradigma da visão
individualista do processo, para que seja possível incutir, tanto no Judiciário, quanto nos
demais atores responsáveis pela promoção de demandas de saúde, uma cultura de
ajuizamento de ações coletivas relacionadas às questões de medicamentos de alto custo
(3.2.3).
Com a exposição dos pontos antes nominados, coloca-se o direito à saúde
sob a perspectiva dos que dele precisam se valer para a obtenção de medicamentos de
alto custo, buscando-se, assim, uma maior compreensão sobre quando e como seus
pleitos encontrarão lugar no Estado de Direito brasileiro.
10
CAPÍTULO 1 – DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO
A gama de pesquisas acadêmicas, investigações jornalísticas e tantas outras
espécies de estudos que envolvem alguma vertente do direito fundamental à saúde, não
raro, deixam de situá-lo na plêiade de normas constitucionais e infraconstitucionais que
estruturam o sistema de saúde brasileiro, incorrendo em erros de premissa e equívocos
de toda ordem.
No trato específico do direito a medicamentos de alto custo, não há
consenso sequer sobre o que são, quem está obrigado a fornecê-los ou se estão
abrangidos por um piso mínimo de direitos. As incertezas conceituais e semânticas
justificam a necessidade de um olhar apurado sobre o ordenamento jurídico, bem como
sobre algumas construções teóricas que auxiliem na busca pela sua correta identificação.
1.1. O conteúdo jurídico do direito fundamental à saúde na Constituição de 1988
Compreender o direito à saúde em toda a sua extensão: essa é a mensagem
precípua contida nas primeiras linhas do presente trabalho. Para tanto, é preciso
contextualizá-lo, identificando sua incorporação nos sistemas jurídicos contemporâneos,
surgida a partir da consolidação dos primados dos direitos humanos, quando então
ordenamentos constitucionais do segundo pós-guerra passaram a revestir os direitos
sociais com o “gatilho” da justiciabilidade imediata.
Assim sendo, os itens a seguir servirão ao propósito de, num primeiro
momento (1.1.1), decompor os termos que formam o mandamento constitucional que
alberga especificamente o direito à saúde, qual seja, o comando constante do art. 196,
para o fim de compreender a exata medida de proteção pretendida pelo constituinte
originário. Depois (1.1.2), procura-se identificar o conteúdo do mínimo existencial por
meio da conjugação de posições doutrinárias diversas, identificando um núcleo
essencial do direito à saúde, inclusive quanto à assistência farmacêutica de alto custo,
consignando-se, desde já, o rechaço à questão do custo enquanto critério único para
receber, ou não, medicamentos, sem olvidar da forte carga emocional que tais escolhas
trágicas trazem consigo. Em seguida (1.1.3), o SUS e suas diretrizes constitucionais da
11
descentralização, hierarquização, regionalização, financiamento e controle social são
apresentados e pormenorizados.
1.1.1. O direito à saúde como direito fundamental: consequências jurídicas
A primeira questão a ser analisada consiste na conformação constitucional
do direito fundamental à saúde e as consequências jurídicas daí advindas. Antes,
contudo, é preciso situá-lo, ainda que brevemente, no contexto histórico da formação
dos Estados ocidentais.
Resultado da luta política por direitos complementares àqueles de índole
individual (vida, liberdade, propriedade, igualdade), denominados “sociais”, o direito à
saúde deve ser entendido sob um viés de atuação estatal positiva, vez que
consubstanciado em uma prestação positiva por parte do Estado, o qual está obrigado a
atuar para garantir igualdade entre seus cidadãos.20
Apesar da discussão sobre a necessidade de implementação dos direitos
sociais ter tido início ainda no século XIX, quando então se verificou a insuficiência dos
direitos tão somente de proteção contra o Estado, pode-se reconhecer como importante
marco normativo para o reconhecimento de tais garantias complementares a redação da
Constituição mexicana de 1917 e da Constituição alemã de Weimar de 1919, as quais
integraram a questão social à agenda política do Estado.21
Entretanto, a institucionalização definitiva da saúde enquanto política
governamental prioritária se deu após a Segunda Grande Guerra, quando a necessidade
de reconstrução de diversos Estados europeus consolidou a ideia de que a boa saúde do
trabalhador era diretamente proporcional à capacidade produtiva de determinada
sociedade, devendo, por isso, ser resguardada.22 Surgem, aqui, as diretrizes relacionadas
à previdência social e, posteriormente, no Brasil, o estabelecimento de normas relativas
à assistência social, previdência e saúde públicas – hodiernamente reunidas na
Constituição da República sob a expressão “seguridade social”.23-24
20 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 388. 21 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos
fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010. p. 20. 22 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e
efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 79. 23 PIVETTA, Saulo Lindorfer. Direito fundamental à saúde: regime jurídico, políticas públicas e
controle judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 31.
12
Tal evolução normativa decorre, em grande medida, do desenvolvimento da
temática internacional dos direitos humanos, tendo como um de seus pilares fundantes a
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 194825 e, posteriormente, o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966.26
Sucintamente explicitada a relação umbilical entre a conjuntura política e o
caráter jurídico dos direitos sociais, é preciso avançar neste contexto, a fim de legitimar
as propostas encerradas no decorrer do trabalho.
A despeito das discussões relacionadas à efetiva jusfundamentalidade dos
direitos sociais, partir-se-á do posicionamento defendido, entre outros, por Ingo
Wolfgang Sarlet,27 Daniel Wunder Hachem28 e Jorge Reis Novais, 29 no sentido de que,
no Brasil, o reconhecimento expresso dos direitos sociais como fundamentais (Título II
da Constituição/88) desloca a discussão para momento ulterior, relacionado à forma de
sua efetivação.
O direito à saúde, consagrado pelo artigo 6º da Constituição Federal,30 foi
elevado ao status de direito fundamental e, por essa razão, na esteira do entendimento
jurisprudencial atual, liderado pelo Supremo Tribunal Federal, tem sido suficiente para
embasar pretensões individuais deduzidas nos últimos anos por todo o país.
Além da cláusula acima referida, necessário destacar que o direito à saúde é
igualmente tratado no artigo 196 da Constituição da República, o qual preceitua que “A
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.31
24 Vide: art. 194 e seguintes da Constituição da República Federativa do Brasil. 25 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas
regionais europeu, interamericano e africano. 5. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 47. 26 Idem. 27 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 280-
281. 28 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por
uma implementação espontânea, integral e igualitária. Curitiba, 2014. 614 f. Tese (Doutorado) –
Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná. p. 66. 29 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais..., op. cit., p. 32. 30 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) 31 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 4 abr.
2016.
13
Da redação do artigo supramencionado, é possível inferir que o legislador
não se limitou a assegurar abstratamente o direito à saúde, determinando a imediata
implementação de políticas públicas, diretrizes estatais por sua vez materializadas pelo
encadeamento de atos administrativos, cuja finalidade é a satisfação de direitos
assegurados pela Constituição. Nesse contexto, a prestação de serviços públicos é, na
maioria dos casos, a via eleita para satisfazer a população.32
Não será objeto do presente trabalho a discussão acerca da natureza jurídica
das normas constitucionais, se operativas ou programáticas, partindo-se da premissa
lastreada no próprio texto constitucional33 e em setores da doutrina,34 de que os
comandos insertos na Constituição da República constituem “verdadeira garantia dos
cidadãos e não pode servir de argumento para que se negue eficácia ao direito à
saúde”.35
Ato contínuo, por conter em sua redação comandos diversificados e
interdependentes, voltados à consagração do direito à saúde enquanto fundamental
social, proceder-se-á a uma análise fragmentada das expressões que compõem o art.
196, a exemplo da análise levada a efeito pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes,
quando da análise da Suspensão de Tutela Antecipada nº 175/CE,36 com a ressalva de
que se relacionam simbioticamente, de maneira a destacar a intenção humanitária do
legislador constituinte ao editar a Constituição Federal de 1988.
O direito à saúde pode ser exigido tanto pela via coletiva, quanto pela
individual. É o que se conclui da expressão “direito de todos”, na parte inicial do caput
do art. 196 da Constituição.
Tenha-se em conta que, por sua natureza, o direito à saúde pode ser
satisfeito em maior ou menor medida, de maneira diversa para cada indivíduo dele
32 ARRUDA NETO, Pedro Thomé de. Direito das políticas públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p.
66. 33 Constituição da República, art. 5º (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata. 34 Por todos: SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 57; PIVETTA, Saulo Lindorfer. Op. cit., p. 46; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para
uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 20-21. 35 ANDRADE, Ricardo Barretto. Direito a medicamentos: o direito fundamental à saúde na
jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 54. 36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175.
Relator Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Julgado em 17.03.2010. DJe 30.04.2010.
14
necessitado. Trata-se de um direito subjetivo passível de controle pelo órgão
jurisdicional em caso de descumprimento pelos demais poderes instituídos.37
Este direito subjetivo, por sua vez, não pode ser ilimitadamente exigido, no
sentido de abranger absolutamente todos os procedimentos suficientes à promoção da
saúde, eis que a garantia, aqui, está umbilicalmente relacionada às “políticas
econômicas e sociais”, adiante retratadas.
A respeito da imperativa conjugação entre as prerrogativas do cidadão
destinatário do direito à saúde e as necessárias escolhas alocativas realizadas pelo
Estado, faz-se imprescindível acentuar que devem se fazer presentes de maneira
cumulativa, sob pena de deslegitimar a pretensão.
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45,38 contribuiu sobremaneira para o
amadurecimento da discussão do direito à saúde, ressaltando sua complexidade e
sugerindo hipóteses para sua incidência, desenvolvendo construção teórica consistente
em um binômio para aferir a legitimidade de pedidos relacionados à assistência
farmacêutica, qual seja, a “razoabilidade da pretensão/disponibilidade financeira do
Estado”, assentando entendimento de que ambas as situações “devem configurar-se de
modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses
elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais
direitos”.39
Estabelecida a premissa de que o direito à saúde se consubstancia em um
direito de todos indistintamente, o art. 196 da Constituição da República também prevê
ser este um “dever do Estado”.
Frise-se que o constituinte originário propositadamente fez constar
expressão-gênero, apta a abranger todos os entes federados, União, Estados-membros,
Municípios e Distrito Federal. Para tanto, estabeleceu a competência comum entre os
entes federativos para promover a saúde pública.40 Tal assertiva encontra abrigo
normativo no art. 23, II, da Constituição brasileira, o qual dispõe que: “É competência
37 MAURICIO JR., Alceu. A revisão judicial das escolhas orçamentárias: a intervenção judicial em
políticas públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 264-279. 38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45.
Relator Min. Celso de Mello. Decisão monocrática. Julgado em 29.04.2004. DJU 04.05.2004. 39 Idem. 40 BARBOSA, Jeferson Ferreira. Direito à saúde e solidariedade na constituição brasileira. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 31-48.
15
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da
saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de
deficiência; (...)”.41
Neste ponto, em que pese haver certo consenso doutrinário-jurisprudencial
acerca da solidariedade entre as instâncias federativas quanto à realização de medidas
tendentes à melhora da saúde pública,42 há que se manifestar entendimento em sentido
diverso, a ser pormenorizado em momento oportuno, consistente na reafirmação da
competência comum dos entes federados, no sentido de estabelecimento de
hierarquização e isolamento dos atos de promoção da saúde por cada instância de poder,
com base, dentre outros, no critério da predominância do interesse.43
Por este critério, apregoa-se que a definição de competência passa,
necessariamente, pela análise do caso concreto, identificando qual interesse exsurge de
forma mais acentuada para a determinação do ente responsável pelo ato de assistência a
ser praticado, se Município, Estado ou União. Busca-se, a partir disso, alcançar
cooperação salutar e eficiente entre as três esferas do Poder Executivo, em vista da
incumbência perene do Estado como um todo na promoção da saúde.44
É bem de ver que as ações relacionadas à concretização da saúde detêm
notória relevância para os fins estatais, integrando uma rede regionalizada e organizada
hierarquicamente sob a forma de um Sistema Único de Saúde,45 cujas diretrizes foram
plasmadas no próprio corpo constitucional, por meio do art. 198.46
Com relação aos meios de subvenção de tal macrossistema, a Constituição
Federal, cujo texto original sofreu gradativas alterações das Emendas Constitucionais n.
20/1998, 42/2003 e 47/2005, garantiu o financiamento público por meio de prescrição
inserida no art. 195,47 o qual apresenta uma miríade de fontes de recursos, advinda tanto
41 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 4 abr.
2016. 42 Dentre outros: SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007; MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 43 BARBOSA, Jeferson Ferreira. Op. cit., p. 33. 44 Idem. 45 MARTINS, Wal. Direito à saúde: compêndio. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 67-88. 46 “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com
direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. (...)” 47 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal
16
dos entes públicos que compõem a Federação, quanto da iniciativa privada,
compulsoriamente solidária com a destinação de parte de tributos recolhidos.
Ainda sobre a temática relacionada à metodologia aplicada para a
manutenção do sistema público de saúde, cumpre ressaltar as importantes alterações
promovidas no art. 198 da Constituição brasileira pela Emenda Constitucional n.
29/2000,48 a qual foi responsável pela garantia de estabilidade dos repasses financeiros
destinados à promoção de prestações positivas pela Administração, engendrando novo
e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela
equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho
pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo
empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da
previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral
de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do
importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos
orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º A proposta de orçamento da seguridade social
será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência
social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a
cada área a gestão de seus recursos. § 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social,
como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios. § 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a
manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5º Nenhum benefício
ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de
custeio total. § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos
noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o
disposto no art. 150, III, "b". § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades
beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8º O produtor, o
parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que
exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão
para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da
produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I
do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade
econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do
mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de
saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos
Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão
de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para
débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade
econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-
cumulativas. § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou
parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento. 48 BRASIL. Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000: Altera os arts. 34, 35, 156, 160,
167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de
saúde. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc29.htm#art6>. Acesso em: 4 abr.
2016.
17
constructo para o cofinanciamento da saúde entre os atores políticos da República, com
a fixação, inclusive, de percentuais mínimos.49
Por fim, breve menção merece ser feita quanto ao conteúdo normativo do
art. 200 da Constituição da República, uma vez que fixa as competências do Sistema
Único de Saúde e prevê a regulação do sistema pela via infraconstitucional, o que se
consubstanciou na edição das Leis Federais n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 e n.
8.142, de 28 de dezembro de 1990, aplicáveis, a toda evidência, a todos os componentes
da Federação.
Prosseguindo-se na análise detida dos elementos que compõem o enunciado
do art. 196 da Constituição, há justa menção à garantia de eficácia do direito à saúde por
meio das “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos”. Nesse particular, faz-se alusão, ainda que apressadamente, aos
parágrafos que deram início à presente pesquisa, quando se descreveu a busca, por meio
da sistematização de atos administrativos, pela consecução de direitos garantidos pelo
arcabouço normativo vigente.50
Porém, é pela descrição do modus operandi das políticas escolhidas pelos
entes federativos que é possível vislumbrar as necessárias escolhas alocativas do Estado,
49 Art. 198. (...) § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do
orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de
outras fontes. § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em
ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados
sobre: I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser
inferior a 15% (quinze por cento); II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso
I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III – no
caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art.
156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que
será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que tratam os incisos II
e III do § 2º; II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando
a progressiva redução das disparidades regionais; III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das
despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; IV - (revogado). § 4º Os gestores
locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às
endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas
atribuições e requisitos específicos para sua atuação. § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o
piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das
atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos
termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. § 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do
art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de
agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de
descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício. 50 ARRUDA NETO, Pedro Thomé de. Direito das políticas..., op. cit., p. 66.
18
frente ao sem-número de situações não abarcadas e/ou sequer previstas em seus
instrumentos de materialização do direito à saúde. As políticas públicas de saúde
coletiva desenhadas para atender à população se fundam na definição, pelo Poder
Público, de estratégias de maximização do acesso ao serviço e o incremento de sua
qualidade. Denise dos Santos Vasconcelos Silva,51 ao discorrer sobre a formação das
políticas públicas, explicita que o trâmite teria início a partir da compreensão da
realidade fática que circunda a sociedade, passando necessariamente pela definição de
estratégias, ocasião em que são pré-estabelecidas as finalidades do programa estatal.
Nessa senda, digna de nota a interessante contribuição advinda das ciências
sociais pela economista Ana Luiza Viana, a qual capitulou diversos estudos sobre as
fases que compõem o processo de formação das políticas públicas, enfatizando as fases
de construção da agenda, formulação, implementação e avaliação das políticas,
demonstrando a complexidade e a relação intrínseca entre os anseios sociais, a
juridicidade e a legitimidade das escolhas estatais.52
Assim sendo, resta clara a importância de o enunciado constitucional do art.
196 expressamente consignar que a materialização do direito à saúde se dará por meio
de políticas sociais e econômicas, vez que estas se revelam um caminho seguro e
legítimo na busca pela adequada medida de justiça, bem como do necessário
desenvolvimento econômico e social,53 restando demonstrado o jaez preventivo das
ações políticas executadas pelo Estado, também consignado no inciso II do art. 198 da
Constituição.
Avançando na análise textual do art. 196 da Constituição, verifica-se que
este enuncia que as tais políticas sociais e econômicas visam igualmente ao “acesso
universal e igualitário”.
Por se revelar um direito subjetivo do cidadão em face do Estado, satisfeito
de maneira diversa para cada um de seus destinatários, o “acesso universal” pode ser
entendido como a busca pela efetivação do direito à saúde em sua maior amplitude
possível, visando abranger a totalidade da população.
51 SILVA, Denise dos Santos Vasconcelos Silva. Direito à saúde: ativismo judicial, políticas públicas e
reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2015. p. 50-51. 52 VIANA, Ana Luiza. Abordagens metodológicas em políticas públicas. Revista de Administração
Pública – RAP, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, p. 5-43, mar./abr. 1996. 53 GARCIA, Maria da Glória. Direito das políticas públicas. Coimbra: Almedina, 2009. p. 129-130.
19
Para além de significar a implementação de políticas sociais e econômicas
destinadas ao maior número possível de pessoas delas necessitadas, o termo “acesso
universal” permite concluir que a Constituição da República assentou diretiva no
sentido de que não só as políticas mais abrangentes e padronizadas sejam
desenvolvidas, como também aquelas voltadas a situações específicas, ainda que
individuais, podendo demandar até mesmo a criação de política pontual ou a
incorporação de outras situações àquelas diretrizes já existentes.54 Dessa forma, é lícito
deduzir que a conformação da universalidade para com as balizas constitucionais já
assentadas permite que o titular do direito exija, ao menos a priori, a consecução da
política pública a seu favor, por meio de serviços públicos.55
Ingo Wolfgang Sarlet, nesse sentido, assevera parecer clara a compreensão
de que o direito à saúde – e outros tantos direitos fundamentais – não pode sequer ter o
seu exercício e a sua titularidade restringidos aos nacionais em detrimento de
estrangeiros por simples opção do formulador das políticas respectivas, o que implicaria
grave violação a direitos de índole humanitária.56
De outro lado, o tratamento isonômico complementa o item anterior, para o
fim de não excluir do crivo da política pública prestações individuais e que refogem aos
padrões estabelecidos em diretrizes terapêuticas.57 Neste ponto, porém, importante
ressalva deve ser sinalada. Afinal, não se pode jamais descurar do fato de que, dado o
contexto de desigualdade existente em países como o Brasil, o alcance da expressão
“isonômico” deve sempre ser cotejado para com o aspecto substancial do princípio da
isonomia e da proporcionalidade. Isso implica dizer que, a despeito da expressividade
54 ANDRADE, Ricardo Barretto. Op. cit., p. 55. 55 Rememore-se que, por opção do constituinte originário, tais políticas públicas, quando específicas e
destinadas à prestação individualizada do direito à saúde, são concretizadas mediante a prestação de
serviços públicos, os quais, revestidos dos princípios da generalidade, modicidade, continuidade,
regularidade, eficiência, segurança, atualidade e cortesia (art. 6º, § 1º, da Lei n. 8.987/95), podem ser
definidos como a “atividade prestacional de oferecimento de comodidades materiais à coletividade,
titularizada pelo Estado e prestada por ele ou por quem lhe faça as vezes (...) que visa prover necessidades
reconhecidas pela sociedade como imprescindíveis à concretização da dignidade”. (SCHIER, Adriana da
Costa Ricardo. Serviço público: garantia fundamental e cláusula de proibição de retrocesso social.
Curitiba: Íthala, 2016. p. 63-64.) 56 SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao artigo 196. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
MENDES, Gilmar Ferreira; _____; STRECK, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à Constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1931-1937. 57 PIOLA, Sérgio Francisco; VIANNA, Solon Magalhães (org.). Saúde no Brasil: algumas questões
sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: CEPAL/IPEA, 2009. Disponível em:
<www.eclac.org/brasil/publicaciones/sinsigla/xml/4/35734/LCBRSR200SaudenoBrasil.pdf>. Acesso em:
4 abr. 2016.
20
que o direito à saúde detém na Constituição Federal, a sua efetivação não está
necessariamente relacionada com a promoção de medidas idênticas para todos,
indistintamente.58 Ao contrário. O sucesso da política pública depende justamente do
reconhecimento, por parte do ente estatal, da situação peculiar experimentada pelo
enfermo para bem alocar recursos que trarão resultados mais eficazes no cenário
macrossocial.
Por último, mas não menos importante, está o comando normativo do art.
196 que complementa o sentido do acesso universal e igualitário, aludindo à sua
consecução por meio de “ações e serviços para promoção, proteção e recuperação”, os
quais fazem clara menção aos expedientes de saúde preventiva, para além da curativa.
As políticas sociais e econômicas a que faz alusão a parte inicial do caput
do artigo 196 da Constituição são aqui materializadas sob a forma de medidas
específicas, voltadas ao desenvolvimento da saúde pública como um todo, para
proporcionar aos cidadãos o mais elevado padrão de saúde física e mental.59
É certo que as ações e serviços aludidos representam, em verdade, uma das
faces do princípio da integralidade afeto às ações de saúde, previsto no art. 198, II, da
Constituição da República, na medida em que associam a dimensão abstrata do direito
em questão com sua natureza prestacional, essencialmente pragmática e imperativa,
com a maior amplitude possível, evidenciando um conjunto harmônico que torna todo o
sistema uno. 60
Como forma de exemplificar a expressão em debate, pode-se mencionar
breve noção desenvolvida por Paulo Marchiori Buss, para quem “A clássica divisão
entre as três principais estratégias para intervir no processo saúde-doença inclui a
promoção da saúde, a prevenção das doenças, acidentes e violências e seus fatores de
risco, e o tratamento/reabilitação das mesmas”.61
Assim, são exemplos de medidas complementares e relacionadas entre si
aquelas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, por meio do atual “Estratégia Saúde da
58 SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário..., p. 1936. 59 UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Special Rapporteur on the right of everyone to the
enjoyment of the highest attainable standard of physical and mental health. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/EN/Issues/Health/Pages/SRRightHealthIndex.aspx>. Acesso em: 23 abr. 2016. 60 SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao artigo 198. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
MENDES, Gilmar Ferreira; _____; STRECK, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à Constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1938-1941. 61 BUSS, Paulo Marchiori. Promoção da saúde da família. Revista Brasileira de Saúde da Família,
Brasília, v. 2, n. 6, p. 50-63, dez. 2002.
21
Família”,62 que tem por escopo avaliar a condição das famílias brasileiras sob um prisma
multidisciplinar, considerando não só a anamnese clínica, como também a existência de
fatores de risco decorrentes da falta de atividade física, existência de saneamento básico
na região, alimentação saudável, dentre outras medidas tendentes à promoção da saúde.
Noutro diapasão, cabe ressaltar o trabalho desenvolvido pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA nas ações de proteção da saúde, por meio
de campanhas de âmbito nacional e caráter contínuo, as quais visam, por exemplo,
desestimular o tabagismo, difundir o uso de preservativos e também as imunizações.63
E ainda, quanto às políticas sociais e econômicas voltadas à recuperação da
saúde coletiva, dada sua relação intrínseca com a construção do aparato físico e de
pessoal necessário à convalescença dos necessitados, tomem-se como exemplos o
“Programa Mais Médicos”64 e as “Equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da
Família”,65 ambos destinados à obtenção de índices de melhora da qualidade de vida
daqueles que se valem dos serviços de saúde no país.
De todo o exposto, é possível vislumbrar que o direito fundamental à saúde,
da forma como revelado na Constituição, encontra-se imbuído de legitimação
constitucional originária, fazendo exsurgir, para seus titulares, direitos subjetivos a
prestações diversas – concretizadas por meio dos serviços públicos –, ainda que situadas
em possíveis lacunas existentes nas políticas públicas que o exteriorizam.
O fato de encerrar titularidade universal alça o direito à saúde à condição de
corolário do princípio da dignidade humana previsto no artigo 1º, III, da Lei
Fundamental de 1988, pedra angular dos regimes democráticos de direito baseados nos
62 Evolução do outrora “Programa da Saúde da Família”, implementado ainda em 1994 para assegurar a
chamada “atenção básica” ou “atenção primária” em saúde, atendimento inicial que objetiva orientar
sobre a prevenção de doenças, solução de casos e encaminhamento de agravos para atendimentos aptos a
lidar com a complexidade de determinadas enfermidades. A esse respeito, confira-se: BRASIL.
Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Disponível em:
<http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_esf.php>. Acesso em: 23 abr. 2016; FUNDAÇÃO OSWALDO
CRUZ. PenseSUS. Disponível em: <http://pensesus.fiocruz.br/atencao-basica>. Acesso em: 23 abr. 2016. 63 OLIVEIRA, Neilton Araújo de. Ações de vigilância sanitária são ações concretas de proteção à
saúde e são ações importantes e integrantes do SUS. Disponível em:
<http://blogs.bvsalud.org/ds/2013/12/06/acoes-de-vigilancia-sanitaria-sao-acoes-concretas-de-protecao-a-
saude-e-sao-acoes-importantes-e-integrantes-do-sus/>. Acesso em: 23 abr. 2016. 64 BRASIL. Programa mais médicos. Disponível em: <http://maismedicos.gov.br/conheca-programa>.
Acesso em: 23 abr. 2016. 65 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_brasil_sorridente.php?conteudo=equipes>. Acesso
em: 23 abr. 2016.
22
valores pós-segunda Guerra, o que induz à inafastabilidade do atendimento e execução
de ações na maior amplitude possível.
Como consequência de tal panorama jurídico, é possível concluir que,
justamente por não haver previsão legal ou razão para discrímen, idêntica disciplina
deve ser conferida àqueles que necessitam de prestações de saúde que impliquem na
obtenção de fármacos de alto custo, eis que também fazem jus à proteção constitucional
conferida pelo Estado de Direito, assunto a ser pormenorizado no decorrer do presente
trabalho.
1.1.2. Núcleo essencial do direito fundamental à saúde e seus desdobramentos: o
mínimo existencial
Ultrapassada a questão inicial relacionada ao enquadramento do direito à
saúde como premissa de fundamental importância para o sistema normativo brasileiro,
dotado de imediata exigibilidade e imprescindível para o bem-estar e o aperfeiçoamento
da sociedade, é preciso explicitar o elemento principal que compõe sua raiz axiológica,
aqui plasmado em uma expressão: “mínimo existencial”.
Ressalte-se que, para além de enunciar as distintas posições doutrinárias que
permeiam a expressão supramencionada, demonstrar-se-á, ao final da seção, qual a linha
de entendimento que melhor se coaduna para fundamentar a incumbência estatal pela
melhora da qualidade de vida dos que se encontram acometidos por enfermidades, cujos
tratamentos são considerados custosos.
A discussão sobre o mínimo existencial, embora revestida de atualidade,
encontra sua gênese ainda em tempos remotos, quando de discussões sobre o estado de
miserabilidade das pessoas no período liberal,66 alicerçadas em tratativas que remontam
até mesmo a construções platônicas67 que debatiam a temática da justiça.
É cediço que o modelo engendrado pelo mínimo existencial não está imune
a críticas, especialmente quanto ao seu alcance e limitação de efeitos.68 Entretanto,
66 GINER, Salvador. Historia del pensamiento social: una visión crítica y de conjunto que traza la
historia de las ideias económicas, políticas, históricas y sociológicas desde la época clásica hasta nuestros
días. 3. ed. amp. e rev. Barcelona: Ariel S. A., 1982. p. 188-191. 67 PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2000. 68 Por todos: SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-
jurídicos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; _____ (Org.). Direitos sociais: fundamentos,
judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 578.
23
igualmente notória é sua capacidade de se consubstanciar em um modelo apto à garantia
da efetividade dos direitos sociais em geral e, por consequência, do direito fundamental
à saúde.69
Defendê-lo, portanto, significa escudar um direito a prestações positivas
válido e inafastável, apto a proporcionar dignidade ao ser humano por meio da
intervenção estatal impositiva,70 a qual pode se dizer imbuída de um viés notadamente
altruísta e solidário.
Não se descura que, dentre as concepções doutrinárias que tratam do núcleo
essencial de direitos, há divergência quanto à forma como tal instituto é materializado
no mundo jurídico, isto é: se o mínimo existencial traduz (i) uma garantia absoluta,
composta por uma gama de direitos indeléveis e delimitados in abstracto, sem
necessidade de perquirição em um dado caso concreto (teoria absoluta); ou (ii) seu
conteúdo é permeável e passível de reconhecimento em maior ou menor medida, em
diferentes situações, a depender do exercício de ponderação de interesses
necessariamente realizado em casos concretos (teoria relativa).71
Segundo a teoria absoluta do mínimo existencial, não obstante o
reconhecimento de uma natural variabilidade relacionada aos critérios de tempo (lapso
histórico determinado) e espaço (peculiaridades de cada país),72 tem-se que “o seu
conteúdo pode ser previamente tracejado a partir de um elenco preferencial”,73 de sorte
que um “núcleo duro” é formado, imune à atuação reformadora do Legislativo e dotado
de exigibilidade imediata, contra a qual não pode subsistir barreira que impeça o seu
cumprimento.74
Por outro lado, a teoria relativa prevê que o conteúdo do mínimo existencial
não consta de um rol acabado e definitivo. A sua identificação, assim, decorre da
69 LEITE, Carlos Alexandre Amorim. Direito fundamental à saúde: efetividade, reserva do possível e o
mínimo existencial. Curitiba: Juruá, 2014. p. 76-77. 70 Ibidem, p. 76-77. 71 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa
anotada. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 395. 72 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial
e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Coord.).
Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2013. p. 13-50. 73 HACHEM, Daniel Wunder. Mínimo existencial e direitos fundamentais econômicos e sociais:
distorções e pontos de contato à luz da doutrina e jurisprudência brasileiras. In: BACELLAR FILHO,
Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder (Coord.). Direito público no Mercosul: intervenção estatal,
direitos fundamentais e sustentabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 205-240. 74 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Op. Cit., p. 206.
24
colisão de princípios apurada em cada caso concreto, resolvida pela técnica da
ponderação.75 Trata-se de consequência lógica da teoria dos princípios, 76 pela qual as
decisões devem conter fundamentação forte, gerando segurança jurídica.
A teoria relativa – adotada no presente trabalho – parece melhor se coadunar
para com o sistema jurídico regido pela Constituição Federal, na medida em que o uso
da ponderação (com seus critérios de análise de adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito da pretensão),77 pelo magistrado ou pela própria
Administração Pública em processos administrativos, é capaz de demarcar com maior
clareza quando determinadas prestações estão circunscritas ao campo de atuação do
mínimo existencial.
Pois bem. Em relação às construções dogmáticas sobre o mínimo
existencial, ganha destaque aquela delineada por Eurico Bitencourt Neto,78 o qual
dedicou frutífera obra específica sobre a questão.
A partir do estabelecimento de três premissas fundamentais – dignidade da
pessoa humana, igualdade material e solidariedade social – o autor atenta para o fato de
que o mínimo existencial não é, por si só, o garante de uma existência integralmente
digna, mas tão somente um mínimo de recursos materiais aptos a conservar a qualidade
que torna a pessoa, de fato, humana.79
Nesse contexto, sem descurar da multidimensionalidade de sentidos da
expressão, Eurico Bitencourt Neto toma o mínimo existencial como uma gama de
direitos específicos e singulares, que variam segundo as necessidades do indivíduo em
cada caso concreto, conforme as características da sociedade em que está inserido, tudo
para a concretização de uma existência digna.80
Tal conceituação amolda-se perfeitamente à situação do direito à saúde para
o fornecimento de medicamentos de alto custo. Afinal, nestes casos, a necessidade de
determinado indivíduo por um fármaco específico, que possui custo elevado, não
representa, via de regra, a demanda de outras parcelas significativas da população, de
75 Ibidem, p. 207. 76 BOROWSKI, Martin. La estrutura de los derechos fundamentales. Bogotá: Universidad Externado
de Colombia, 2003. p. 99. 77 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 288. 78 BITENCOURT NETO, Eurico. Direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010. 79 Ibidem, p. 99-113. 80 Ibidem, p. 121.
25
sorte que não haverá sentido formular uma dada política para abastecer os locais de
dispensação na tentativa de maximizar o acesso àquele produto, mas sim robustecer os
meios públicos para identificar tais demandas e conceder, caso a caso, a prestação
devida. Entretanto, como essa questão passa necessariamente pela construção do
conceito de medicamentos de alto custo, deixa-se, por ora, de aprofundar a celeuma,
retomando-a em subitem subsequente.
Para muitos, o desenvolvimento das construções contemporâneas sobre o
direito fundamental ao mínimo existencial passa necessariamente pela influência do
direito constitucional alemão.
Robert Alexy advoga que o regular exercício dos direitos fundamentais
pelos seus titulares acarreta, a um só tempo, a adoção de posturas negativas por parte do
Estado, bem como a prática de condutas positivas, ambas tendentes à implementação de
prerrogativas inerentes à condição de dignidade humana.81
Com relação ao dever de omissão estatal, entende-se que, ao ente público, é
vedado embaraçar ou impedir, por qualquer meio, a efetivação de direitos
fundamentais.82 Para fins metodológicos, impedir a prática de uma ação correlaciona-se
com impossibilidade absoluta de o titular exercer dado direito, ao passo que o embaraço
representa dificultar esta garantia constitucionalmente conferida ao cidadão, sem
impossibilitar que este, contudo, experimente vivenciar tal direito fundamental.83
São exemplos da situação de impedimento antes mencionada a expropriação
injusta ou a proibição de realização de pesquisas sobre determinado assunto em
universidades. Ilustrando casos de embaraço, tem-se o rigor processual que impede o
próprio acesso à justiça e o estabelecimento de critérios subjetivos e, por vezes, parciais,
para exercer determinadas atividades, como o excessivo número de consentimentos
estatais em procedimentos burocráticos para realizar determinado empreendimento.
Nessa toada, o jurista alemão discorre ainda sobre outras espécies de
impedimentos e obstruções a direitos fundamentais, associadas à intensidade da barreira
fático-jurídica aposta pelo ente estatal e ações tornadas juridicamente impossíveis pela
omissão normativa.84
81 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 193-217 e
p. 433 et seq. 82 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 196-197. 83 Ibidem, p. 197. 84 Ibidem, p. 197-198.
26
E ainda, de maneira sucinta, convém elencar outras formas de direitos a
ações estatais negativas propaladas por Robert Alexy, consistentes (i) no direito do
titular em não se ver tolhido de seus próprios “bens da vida”, suas características
intrínsecas, sua situação enquanto ser vivo, saúde, liberdade, brio;85 e (ii) direitos que
imponham abstenção estatal no que diz respeito a determinadas posições jurídicas do
titular do direito fundamental, quando o Poder Público resolve derrogar/eliminar
determinada norma86 que, em conjunto com um feixe de posições jurídicas, compõe um
direito fundamental completo87 (quando, por exemplo, elimina-se do direito
fundamental à saúde a prerrogativa do cidadão de escolher tratamento médico que lhe
cause menos efeitos colaterais).88
Sob outra perspectiva, há que se destacar que a teoria alexyana sobre os
direitos fundamentais abarca outra dimensão que não aquela relacionada à garantia de
postura negativa por parte do Poder Público, qual seja: a realização, pelo Estado, de
ações positivas suficientes à promoção, implementação e satisfação dos direitos
considerados capitais pelo texto constitucional.89
Nessa altura, é possível extrair do texto de Alexy dois conjuntos de práticas
positivas imputáveis à Administração: as ações fáticas e as normativas para a efetivação
dos direitos fundamentais.
Os direitos a ações positivas fáticas a cargo do Estado, também
denominados de “direitos a prestações em sentido estrito”, concretizam mudanças no
plano material, no “mundo dos fatos”, sendo capazes de efetivar mudanças concretas
para os titulares de direitos. Não há preocupação quanto à maneira utilizada para
exteriorizar a ação estatal, mas tão somente em relação ao resultado final por ela
pretendido, assegurando o direito fundamental em questão.90 É o que ocorre v. g. com a
construção de hospitais, escolas ou a instituição de programas de combate à miséria ou
que incentivem a educação.
De outra banda, há os direitos a ações positivas normativas, vinculados
intrinsecamente à atividade legiferante do Estado. Comumente intitulados de “direitos a
85 Ibidem, p. 199. 86 Sobre a distinção entre norma e enunciado normativo, cf. ALEXY, Robert. Teoria..., p. 53-58. 87 Sobre a existência do “direito fundamental completo”, composto pelo feixe de “posições jurídicas
fundamentais”, cf. ALEXY, Robert. Teoria..., p. 249-253. 88 Ibidem, p. 199-201. 89 Ibidem, p. 201-203. 90 Ibidem, p. 202.
27
prestações em sentido amplo”, tal função estatal positiva pode corresponder a um dever
normativo de: (i) proteção de direitos fundamentais contra investidas do próprio Estado
ou mesmo de outros particulares – o que ocorre, por exemplo, com o artigo 240 do
Estatuto da Criança e do Adolescente,91 que responsabiliza criminalmente aquele que
registrar, por qualquer meio, cenas de sexo com crianças ou adolescentes, preservando a
integridade física e psicológica de vulneráveis; e de (ii) organização e procedimento
para a tutela de direitos fundamentais – quando edificam normas estruturantes e
procedimentais que franqueiem acesso efetivo ao bem fundamental garantido pela
Constituição,92 cujo exemplo emblemático é a Lei nº 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde,
responsável pela operacionalização do sistema de saúde coletiva brasileiro, a qual será
objeto de análise pormenorizada em etapa vindoura, e o controle social como diretriz
formadora do SUS, também vista em momento ulterior.
As funções de abstenção e intervenção que permeiam as condutas do
Estado, sucintamente delineadas nos parágrafos anteriores, servem de aporte teórico
para concluir pela multifuncionalidade dos direitos fundamentais, os quais, segundo
Robert Alexy, detêm “um feixe de posições de direitos fundamentais”93 que o tornam
completo e aplicável a uma profusão de situações distintas.
Correlacionando cada uma das funções estatais conducentes à entrega de um
adequado direito à saúde aos seus destinatários, inclusive quanto à dispensação de
medicamentos de alto custo, é possível formatar um rol exemplificativo de ações que
demonstram como se dá o entrelaçamento das dimensões subjetiva e objetiva94 da norma
de direito fundamental a ser tutelada.
A partir de previsões normativas estabelecidas em distintas partes do texto
constitucional, obtém-se do direito à saúde um conjunto de posições jusfundamentais, as
quais reúnem diferentes funções.
Tendo em vista as explanações de Alexy condensadas até o momento, é
possível extrair do direito à saúde a função de defesa da pretensão jurídica
jusfundamental quando, por exemplo, veda-se à Administração qualquer tipo de
91 Ibidem, p. 202-203. 92 Idem. 93 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 249. 94 Para análise pormenorizada sobre a dupla dimensão das normas de direitos fundamentais e sua
abrangência, v. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.
141-155.
28
ingerência sobre o método profilático a ser escolhido pelo indivíduo para tratar dada
enfermidade, seja em relação à espécie de tratamento médico, sujeição a exames para
diagnosticar moléstias ou tipo de fármaco para tratar a doença identificada. Frise-se que
o direito de defesa protagonizado pelo indivíduo contra o Estado é dotado de tamanha
representatividade, a ponto de, no Estado de São Paulo, ter sido editada lei95 que faculta
aos pacientes portadores de doenças terminais, após devidamente informados sobre a
gravidade da patologia e sua profilaxia por vezes dolorosa ou paliativa, conscientemente
optar pela rejeição de tais protolocos disponibilizados no âmbito público, optando por
não prolongar sofrivelmente a vida.96
Concomitante ao dever de defesa antes exposto, o direito à saúde reclama
também função positiva do Estado, materializada sob a forma de prestações fáticas.
Aqui, podem ser compreendidas as ações positivas97 por parte do ente público na efetiva
prestação do serviço de atendimento clínico-ambulatorial por médicos e demais
profissionais da rede pública de saúde,98 sem olvidar do fornecimento gratuito de
medicamentos relacionados a certos agravos.99
Ultimando a análise segundo a teoria de Robert Alexy, impende destacar a
função de prestação normativa vinculada ao direito fundamental à saúde. Para tanto,
convém distinguir o objetivo da atuação estatal em cada situação,100 que se desdobra em
deveres normativos de proteção: quando são traçadas diretivas legais ou infralegais que
objetivam regulamentar casos de saúde pública, em prol da segurança dos próprios
indivíduos (instrumentos normativos confeccionados pela Agência Nacional de
95 SÃO PAULO. Lei nº 10.241, de 17 de março de 1999. Dispõe sobre os direitos dos usuários dos
serviços e das ações de saúde no Estado. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/norma/?id=7653>.
Acesso em: 1 mai. 2016. 96 Sobre o assunto, cf. VENTURA, Miriam. Aspectos jurídicos da não-ressuscitação do paciente em
medicina paliativa. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v. 53, n. 2, p. 251-257,
Abr./Mai. 2007. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/rbc/n_53/v02/pdf/secao_especial7.pdf>. Acesso
em: 1 mai. 2016; OSELKA, Gabriel. Direitos dos pacientes e legislação. Revista da Associação Médica
Brasileira, São Paulo, v. 47, n. 2, p. 104-105, Jun. 2001. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302001000200024>. Acesso em: 1 mai. 2016. 97 Breve descrição acerca do sistema público de saúde e suas características é apresentada por: SOUZA,
Renilson Rehem de. O Sistema Público de Saúde Brasileiro. Seminário Internacional: tendências e
desafios dos sistemas de saúde nas Américas. São Paulo, 11 a 14 de agosto de 2002, p. 32-33. 98 Relação contendo os programas e ações afirmativas governamentais, os quais evidenciam o dever de
prestação fática aludido, pode ser encontrado em: BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da saúde – SUS
ações e programas. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/acoes-e-
programas>. Acesso em: 1 mai. 2016. 99 Nesse sentido, cite-se o programa do governo federal HIPERDIA, destinado ao tratamento de diabetes
e hipertensão. BRASIL. Legislação federal da saúde: Diabetes e hipertensão. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/legislacao/diabetes.php>. Acesso em: 1 mai. 2016. 100 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela..., p. 33.
29
Vigilância Sanitária – ANVISA para autorizar a comercialização de medicamentos no
país, por exemplo);101 de organização: a atuação estatal deve pôr em prática expedientes
concretos para aparelhar a saúde pública, dotando-os de pessoas jurídicas com atuação
exclusiva e especializada na área, capazes de suprir desde provisões básicas, materiais,
contratação de pessoal qualificado, até a montagem das próprias estruturas de
atendimento, desde unidades de pronto atendimento (UPA) até complexos médicos
multiespecializados e hospitais de referência;102 de procedimento: tal função normativa
do Estado pode ser explicitada por meio de regramentos que visam, como o próprio
nome sugere, procedimentalizar o acesso à prestação de saúde, estabelecendo critérios
regulamentares para que o cidadão realize seu direito subjetivo à saúde. A edição dos
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT’s pelos órgãos administrativos,
listagens responsáveis por padronizar o acesso aos fármacos distribuídos pela
Administração, servem para ilustrar a mencionada função estatal.
Note-se que esta função normativa de procedimento, subespécie da função
prestacional do Estado, pode sugerir identidade para com a prestação fática antes
mencionada, mas com ela não se confunde. O aparente conflito deixa de existir a partir
da leitura de breve excerto contido na obra de Alexy, para quem as prestações fáticas
prescindem de determinada forma jurídica para serem cumpridas, reivindicando tão
somente a satisfação do bem material, pois “É indiferente para a satisfação do direito de
que forma ela ocorre. Decisivo é apenas o fato de que, após a realização da ação (...) os
necessitados disponham do mínimo para sua existência”,103 ao passo que prestações
normativas com função de procedimento, por óbvio, reclamam um rito jurídico
específico, ou seja, uma conduta estatal positiva relacionada ao exercício do direito à
saúde, sendo que “a irrelevância da forma jurídica na realização da ação para a
satisfação do direito é o critério para a distinção entre direitos a ações positivas fáticas e
direitos a ações positivas normativas”.104
101 Para fins metodológicos, note-se que o dever normativo de proteção estatal aqui retratado diferencia-se
sobremaneira da função de defesa, por sua vez abordada quando explicitada a postura negativa da
Administração ao garantir a plêiade de posições jusfundamentais do direito à saúde. 102 BRASIL. Portal Brasil: conheça alguns dos principais hospitais de referência do país. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/saude/2012/04/conheca-alguns-dos-principais-hospitais-de-referencia-do-
pais>. Acesso em: 1 mai. 2016. 103 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 202. 104 Idem.
30
Conjugando-se a teoria de Robert Alexy com a construção teórica proposta
por Eurico Bitencourt Neto, tem-se que o mínimo existencial está indiscutivelmente
vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo detentor da
jusfundamentalidade própria dos direitos fundamentais, a qual é descrita por Canotilho
como sendo a “especial dignidade de protecção dos direitos”.105
Nos dizeres de Ana Paula de Barcellos, o mínimo existencial reflete o
“núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e,
a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário”.106
Para Adriana da Costa Ricardo Schier e Paulo Schier, “identifica-se o
mínimo existencial como as condições básicas exigidas para que as mulheres, os
homens e as crianças possam usufruir do catálogo de direitos fundamentais que,
positivados nas cartas constitucionais do pós-guerra, indicam os valores que norteiam
cada nação social e politicamente organizada”.107
Ricardo Lobo Torres, com fulcro nas lições de Alexy, afirma que o mínimo
existencial é “direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode
ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”.108
Mariana Filchtiner Figueiredo, partilhando de tal entendimento, preleciona que “há um
núcleo mínimo em cada direito social, estabelecido in concreto, segundo as
características do próprio direito e em atenção à preservação da dignidade humana, que
não pode jamais ser ultrapassado”.109
Sob tal enfoque, considerando o arquétipo teórico que corporifica a
existência de um direito fundamental ao mínimo existencial e aplicando-o à temática da
saúde e o fornecimento de medicamentos de alto custo, é possível extrair uma primeira
conclusão no sentido de que, a exemplo das demais prestações de saúde (atendimento
básico, exames, internamentos), também a dispensação de fármacos excepcionais pelo
Estado (e, conforme será abordado em momento ulterior, mais precisamente, pela União
105 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2003. p. 378. 106 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da
dignidade da pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 288. 107 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo; SCHIER, Paulo Ricardo. O serviço público adequado e a
cláusula de proibição de retrocesso social. In: CONPEDI/UFS. (Org.). VITA, Jonathan Barros; CARDIN,
Valéria Silva Galdino; SILVA, Lucas Gonçalves da. (Coords.). Direitos fundamentais. Florianópolis:
CONPEDI, 2015. p. 532-555. 108 TORRES, Ricardo Logo. A cidadania multidimensional da era dos direitos. In: _____ (Org.). Teoria
dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 262-263. 109 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. cit., p. 200.
31
Federal, exclusivamente) se caracteriza como um corolário de justiça social e, acima
disso, uma medida que invoca cláusulas de direitos humanos,110 imbuída de empatia,
intenção altruísta e solidariedade social.111 Todavia, resta perscrutar se o fornecimento
de medicamentos de alto custo se encontra inserido no âmbito do mínimo existencial.
Entretanto, importante adendo deve ser feito nesta altura. Para encontrar o
significado do mínimo existencial adotado pelo sistema jurídico pátrio e, com isso,
delimitar sua margem de incidência, é preciso reconhecê-lo presente na Constituição
Federal.
A Constituição da República Federativa do Brasil, embora analítica, é
composta por enunciados normativos que, por vezes, não denotam sindicabilidade
manifesta de determinadas faculdades jurídicas, sendo imprescindível empregar
exercício de hermenêutica sistemático.112
No entanto, no que concerne aos direitos sociais, tal complexidade torna-se
menos intrincada, de maneira que o conteúdo do mínimo existencial consegue ser
extraído a partir do cotejo de alguns dispositivos constitucionais – in casu,
especialmente os artigos 23, II, 30, VII, 196, 198, 200, 227, entre tantos outros.
Ana Paula de Barcellos, ao examinar concretamente o alcance do mínimo
existencial, afirma que a saúde básica, a exemplo da educação e da assistência aos
desamparados, constitui dimensão indissociável da dignidade da pessoa humana e, por
isso, alcança a condição de direito subjetivo passível de exigibilidade imediata perante o
Poder Judiciário, assumindo a natureza de regra113 e demandando prestações positivas
por parte do Estado.114 Suas ideias serão retomadas adiante, para justificar o
posicionamento adotado na presente pesquisa.
Todavia, ainda que identificada genericamente a saúde como inserta no
núcleo do mínimo existencial, cuja exigibilidade decorre diretamente da Constituição da
República, é preciso distinguir aquilo que, de fato, compõe o instituto em análise,
diferenciando os diversos tipos de prestações que, mesmo reconhecidamente essenciais
110 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. cit., p. 189. 111 Sobre o princípio da solidariedade social, cf. BITENCOURT NETO, Eurico. Op. cit., p. 107-113. 112 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 175-180. 113 O sentido de “regra” empregado é aquele definido por Ronald Dworkin, para quem “As regras são
aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e
neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para
a decisão.” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39. 114 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 175-217.
32
ao bem-estar, não integram o conceito apresentado em seu viés mais estrito. Para tanto,
em que medida a saúde deve ser protegida pelo Estado quando se trata da dispensação
de fármacos de custo elevado? Estão os medicamentos de alto custo inseridos no
mínimo existencial?
Antes de responder às indagações, uma importante observação deve ser
realizada, no sentido de que o custo dos medicamentos excepcionais não pode, por si só,
servir de argumento para negar a condição de mínimo existencial a determinada
pretensão. A própria Corte Suprema brasileira assim já entendeu, por ocasião do
julgamento da Suspensão de Segurança n. 4.304/CE, na qual foi relator o Min. Cezar
Peluso.115
Afinal, em havendo o preenchimento de critérios específicos, capazes de
evidenciar a imprescindibilidade de determinado tratamento médico custoso, instruindo-
se o pedido com elementos técnicos convincentes que indiquem o fármaco como sendo
determinante para a convalescença, esgotadas outras técnicas previstas pelas políticas
públicas respectivas e demonstrada a legalidade e licitude de sua existência e
comercialização em solo nacional, superado estará o argumento econômico-financeiro,
este por sua vez estritamente vinculado a um critério utilitarista,116 o que não pode ser
admitido em termos de defesa à saúde, pois não há distinção aceitável sobre a dignidade
e a saúde da população para determinar quem deverá ser sacrificado em prol de um
benefício para a maioria.
Prosseguindo, a questão do enquadramento da prestação de saúde requerida
ao mínimo existencial deve se ater a outra faceta, esta relacionada a questões de política
institucional e circunscrita à discricionariedade da Administração: a prestação requerida
em um caso individual tem o condão de ser maximizada para os demais cidadãos dela
postulantes? É o que preceitua Ana Paula de Barcellos: “Ora, a prestação de saúde
concedida por um magistrado a determinado indivíduo, deveria ser concedida também a
todas as demais pessoas na mesma situação. E é difícil imaginar que a sociedade
115 “Ademais, o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo suficiente para caracterizar a
ocorrência de grave lesão à economia e à saúde públicas, visto que a Política Pública de Dispensação de
Medicamentos excepcionais tem por objetivo contemplar o acesso da população acometida por
enfermidades raras aos tratamentos disponíveis.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de
segurança 4304/CE. Rel. Min. Cezar Pelluso. Julgado em 19 abr. 2011. DJe 2 mai. 2011.) 116 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença, 1993. p. 40.
33
brasileira seja capaz de custear (ou deseje fazê-lo) toda e qualquer prestação de saúde
disponível no mercado para todos os seus membros.”117
Logo, seja na seara judicial ou no âmbito administrativo, devem ser
identificados quais os pilares sob os quais se assenta o pedido de fornecimento de
remédio de alto custo, evitando-se, com isso, tão somente a busca por situações que
excedem a mens legis constitucional de universalidade e integralidade do SUS, como é
o caso daquele que pretende adquirir da Administração medicamento de referência em
detrimento de seu correspondente genérico, constante das listagens oficiais do SUS
(salvo casos excepcionais em que não é possível a intercambialidade118), o paciente que
recuse internação em hospital capacitado para o trato de sua enfermidade, por
simplesmente preferir outra instituição hospitalar ou o pleito de fornecimento de cadeira
de rodas motorizada em detrimento da convencional já dispensada.
Contudo, é preciso frisar que os exemplos descritos desbordam da
concepção de mínimo existencial adotada porque pressupõem uma prestação positiva já
engendrada pelo Poder Público, adequada e suficiente para o cumprimento dos preceitos
normativos insculpidos na Constituição Federal, em especial o art. 196, que assegura a
universalidade e a igualdade das prestações de saúde, remetendo-se a leitura para o
subitem inaugural do trabalho, que melhor especificou tais premissas. Para os casos de
omissão ou prestação deficiente atribuíveis ao ente estatal, remanesce a condição
apriorística de direito subjetivo à obtenção de medidas assecuratórias do bem-estar
físico e mental.
Não se olvide que o direito à saúde traz consigo uma inderrogável carga
emocional, de maneira que, qualquer tentativa de delimitar o mínimo suficiente para
uma existência digna perpassa necessariamente por escolhas alocativas trágicas119 que se
prestam a atingir o escopo da política pública institucional, qual seja, o de resguardar
efetividade em um amplo leque de prestações positivas, e não suprir absolutamente
todas as necessidades decorrentes da complexidade humana.
117 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 306. 118 “VI - Critérios para prescrição e dispensação de medicamentos genéricos (...) 1.3. No caso de o
profissional prescritor decidir pela não-intercambialidade de sua prescrição, a manifestação deverá ser
efetuada por item prescrito, de forma clara, legível e inequívoca, devendo ser feita de próprio punho, não
sendo permitidas outras formas de impressão.” (BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária:
Resolução RDC nº 16, de 2 de março de 2007. Disponível em: <http://crf-
rj.org.br/arquivos/estagio/RDC16_2007MODIFICADA.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016.) 119 Sobre o assunto: CALABRESI, Guido; BOBBIT, Philip. Tragic choices: the conflicts society
confronts in the allocation of tragically scarce resource. New York: W. W. Norton & Company, 1978.
34
Por conta desse raciocínio, a despeito de questões de ordem humanitária ou
religiosa porventura suscitadas, infelizmente não há lugar – ao menos no núcleo do
mínimo existencial – para critérios finalísticos, tais como a “preservação vida” ou a
“diminuição da dor”, já que praticamente todas as querelas de saúde se prestam a tais
desideratos.120
As escolhas orçamentárias, dessa forma, não devem ser encaradas e julgadas
somente em relação àquilo que deixam de realizar. O exame de sua efetividade deve
considerar se, dentro da área abrangida, as múltiplas rotinas procedimentais são
disponibilizadas a contento nos diversos setores que compõem a macropolítica pública
da saúde, desde prestações básicas de saneamento básico,121 unidades de pronto
atendimento, consultas de pré-natal, plenitude de partos assistidos por médicos,
aplicação de vacinas obrigatórias, combate e medicamentos para dengue e outras
moléstias endêmicas, até as mais complexas que se encontrem inseridas no mínimo
existencial por expressa previsão legal ou atos administrativos que estabeleçam
programas específicos em Portarias do Ministério da Saúde122 – v. g. medicamentos para
câncer, AIDS, transplantes, etc. Assim, constatado o descumprimento de ações como as
mencionadas, a judicialização torna-se medida legítima para corrigir as deficiências
havidas.
Congregando as ideias lançadas, chega-se ao entendimento de que o mínimo
existencial das prestações de saúde é, repise-se, uma importante dimensão da dignidade
humana, devendo a Administração Pública priorizar práticas essenciais e comuns à
maioria da população.
A conclusão acima lançada vai ao encontro, inclusive, do posicionamento
adotado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações
Unidas,123 o qual compreende o mínimo existencial em saúde como sendo o livre acesso
aos centros de saúde sem discriminação de qualquer ordem, além de alimentação
120 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 308. 121 Sobre a indispensabilidade do saneamento básico para a promoção da saúde pública e sua condição de
direito fundamental, cf. LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Serviços públicos de saneamento básico e
saúde pública no Brasil. São Paulo: Almedina, 2016; MORAES, Luiz Roberto Santos; BORJA, Patrícia
Campos. Revisitando o conceito de saneamento básico no Brasil e em Portugal. Disponível em:
<http://www.saneamentobasico.com.br/portal/index.php/acervo_tecnico/>. Acesso em: 17 jul. 2016. 122 HACHEM, Daniel Wunder. Mínimo…, p. 205-240. 123 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/onu-proteccao-dh/orgaos-onu-dir-econ-soc-
culturais-novo.html>. Acesso em: 2 nov. 2016.
35
essencial e nutritiva, moradia, condições sanitárias e água potável, obtenção de
medicamentos essenciais e existência de centros de saúde distribuídos pelo território
nacional.124
Ana Paula de Barcellos, com precisão cirúrgica – e com a qual se
compactua – sugere balizas para reconhecer quais prestações estão englobadas pelo
mínimo existencial, identificando-o nas práticas de saúde das quais todos, um dia,
tiveram necessidade (assistência no parto e consultas pós-natal), além de outras que
possam necessitar no presente (saneamento básico e atendimento médico preventivo),
sem olvidar daquelas vindouras, cuja necessidade se fará provável (doenças da velhice,
v. g. hipertensão, enfermidades cardiovasculares, diabetes).125 Por fim, conclui a autora,
com perspicácia, que “A lógica desse critério é assegurar que todos tenham direito
subjetivo a esse conjunto comum e básico de prestações de saúde como corolário
imediato do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, podendo exigi-lo
caso ele não seja prestado voluntariamente pelo Poder Público”.126
Porém, imprescindível esclarecer que a adoção do posicionamento antes
mencionado não implica, necessariamente, na negativa de justiciabilidade de pretensões
de saúde porventura não abrangidas pelo mínimo existencial.
Adotando-se o entendimento manifestado por Daniel Wunder Hachem,127
afigura-se possível considerar o mínimo existencial como piso mínimo de direitos, de
maneira que eventuais pretensões não abarcadas no conceito possam igualmente ser
submetidas ao crivo do Judiciário, ao qual é facultado aplicar o princípio da
proporcionalidade e seus critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito, quando da análise da colisão de direitos fundamentais em cada caso
concreto128 – em uma clara aplicação da teoria relativa do mínimo existencial.129
Do exposto até aqui, tem-se que a conformação de mínimo existencial ora
retratada tem por finalidade primeira a conjugação de construções doutrinárias que,
aglutinadas, apresentem, a um só tempo, uma visão sensível à solidariedade social, ao
124 ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2.
ed. Madrid: Trotta, 2004. p. 89-90. 125 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 312. 126 Idem. 127 HACHEM, Daniel Wunder. Mínimo…, p. 226. 128 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: BACELLAR FILHO;
HACHEM (Coord.). Globalização, direitos fundamentais e direito administrativo: novas perspectivas
para o desenvolvimento econômico e socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 106-107 129 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Op. Cit., p. 208.
36
tempo em que deitam uma visão racional sobre os limites da capacidade provedora do
Estado de Direito.
1.1.3. O Sistema Único de Saúde e suas diretrizes constitucionais
Para compreender o sistema público de saúde brasileiro, optou-se
metodologicamente pela investigação de suas balizas constitucionais, as quais serviram
para desenvolver a política nacional de saúde, qual seja, o Sistema Único de Saúde –
SUS.
Inicialmente, cabe destacar que as cláusulas fundamentais que dizem
respeito à saúde são encontradas principalmente nos artigos 6º, 194, 196 e 198 da
Constituição da República. Tais normas informam e entrelaçam anseios e princípios,
transformando ideais sociais em direitos concretos.
Especificamente em relação ao Sistema Único de Saúde, o constituinte
originário fez a opção consciente de imbricar no texto constitucional tanto os princípios
fundamentais, quanto as diretrizes de funcionamento do SUS, certamente por entender
que sua coexistência e obediência são essenciais para a sobrevivência do sistema, até
mesmo em razão das diferentes naturezas de suas ações positivas, negativas,
prestacionais, de abstenção.
Metodologicamente analisados, os princípios atinentes ao SUS, previstos no
artigo 194130 da Constituição, têm o condão de impor aos entes estatais uma série de
objetivos para nortear as políticas públicas aplicadas e reduzem a discricionariedade do
administrador – universalização da cobertura e atendimento, multiplicidade de fontes de
custeio, gestão administrativa quadripartite, etc.
130 “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com
base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e
equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade
na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na
forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e
descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.”
37
As diretrizes do sistema, por sua vez constantes do artigo 198,131 evidenciam
parâmetros de obediência obrigatória pelo Estado quando do cumprimento de
obrigações – descentralização político-administrativa, integralidade de atendimento e
participação ativa da comunidade.
A título complementar, adotando-se a classificação relacionada ao grau de
fundamentalidade da norma capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello,132 tem-
se que os princípios são mandamentos nucleares de um dado sistema, “disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas (...) servindo de critério para exata
compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade
do sistema normativo”; já as diretrizes seriam nortes procedimentais de observância
obrigatória para a implementação das políticas delineadas nos termos dos princípios.
Em suma: as diretrizes concretizam o SUS na prática, com base abstrata nos padrões de
conduta estabelecidos pelos princípios. Ambos os conjuntos devem ser igualmente
respeitados, mesmo em razão de se encontrarem previstos na Constituição de 1988.
Da análise da moldura constitucional existente, depreende-se que cinco são
as diretrizes que municiam o Sistema Único de Saúde – SUS, conferindo-lhe o status de
política garantidora do direito fundamental social à saúde e ponto fulcral para a análise
da legitimidade das ações estatais. Logo, sem maiores digressões, passa-se ao exame
pormenorizado de cada uma delas.
A primeira diretriz encontra dupla roupagem constitucional, quais sejam os
artigos 194, VII e 198, I e III, e concerne à descentralização. Sua observância importa
na distribuição igualitária de atribuições pelas ações voltadas à promoção e prevenção
da saúde entre as três esferas federativas previstas pela Constituição. Dessa forma,
União, Estados e Municípios têm deveres de reciprocidade e complementaridade pela
edição e manutenção de programas destinados ao atendimento da população. Devem
conjugar esforços coordenados, observando a realidade local de cada comunidade, para
o fim de, entendendo suas mazelas, encontrar soluções adequadas e eficazes para uma
dada situação.
131 “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com
direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. (...)” 132 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 53.
38
Importante mencionar que a diretriz supradescrita importa em uma
setorização das práticas estatais, as quais culminam por orientar e informar o SUS
quanto às necessidades prementes do lugar. Nessa senda, a descentralização é o fator
observado para a delimitação do raio de ação de cada um dos entes estatais, fazendo
com que os esforços havidos no combate de determinada situação abranjam desde
serviços ambulatoriais até outras ações preventivas aptas a erradicar, ou ao menos
minimizar, dada carência na política institucional.
Há, por outro lado, a diretriz da hierarquização. A complexidade do SUS
exige que a coordenação das ações descentralizadas se dê de maneira otimizada,
compartimentada geograficamente e de acordo com o grau de complicação exigido pela
moléstia. Pela hierarquia, entende-se que o cidadão acometido por enfermidade deve
seguir, na medida do possível, o rito destinado à promoção da cura pelas instituições de
saúde. Seu atendimento deve ocorrer primeiramente em ambientes locais, para a
realização da anamnese necessária à constatação de sua moléstia para, em sendo
necessário, ser determinada a sua remoção ou encaminhamento para outra unidade
pertencente ao sistema.
A terceira diretriz, intrinsecamente vinculada às premissas anteriores, é a da
regionalização do SUS. Por tal premissa, entende-se que o universo de atendimentos
deve ser contingenciado segundo o tipo de acolhimento necessário para a superação do
problema de saúde. Assim, para o suporte a enfermidades de fácil tratamento, devem ser
destacadas as unidades de atendimento básico, normalmente atribuídas aos Municípios,
à medida que doenças complexas ou agressivas, de difícil recuperação, ou mesmo
situações de traumas oriundas de acidentes prescindem de encaminhamento aos
complexos médicos que abarquem várias especialidades da medicina, usualmente
patrocinados pelos Estados ou pela União.
Não se olvide que, para além da repartição de competências, a política
pública deve ser capaz de municiar todos os centros médicos, desde o atendimento
básico até a mais alta complexidade, com pessoal e equipamento suficientes para
empregar eficiência no atendimento, tudo para cumprir o mandamento constitucional.133
Prosseguindo, o financiamento é a quarta diretriz que vigora no Sistema
Único de Saúde. Neste ponto, dúvidas não remanescem quanto à origem orçamentária
133 CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. Sistema único de saúde. 2. ed. São Paulo: Hucitec,
1995. p. 130.
39
de todo o SUS, prevista pelo artigo 198, § 1º da CR,134 cuja subvenção provém (i) da
seguridade social de todos os entes federados, (ii) além de outras fontes, o que remonta
à ideia de liberdade de instituição de impostos por lei complementar prevista pelo artigo
154, I, da Constituição Federal, em conjunto com o parágrafo 4º do artigo 195, tudo
para garantir a existência de divisas aptas ao cumprimento do disposto no caput do
artigo 196, já estudado.
Por fim, tem-se o controle social enquanto última diretriz formadora do
SUS. O constituinte originário imbuiu o cidadão de importante prerrogativa para a
construção permanente do sistema de saúde coletiva brasileiro, conferindo-lhe a
faculdade de efetuar o controle das políticas públicas de saúde. A participação da
comunidade, que pode se dar de maneira direta ou indireta, ocorre desde o nascedouro
da medida, no plano abstrato, até a aferição factual de sua eficiência.
É por meio do controle das práticas engendradas pela Administração que se
desenvolve um importante vetor para o desenvolvimento – evolução – da saúde pública.
A atuação cidadã ocorre, neste passo, por intermédio de representantes nas Conferências
de Saúde, as quais foram criadas com o escopo de tecer propostas que alavanquem o
sistema em todas as suas instâncias – municipal, estadual e federal. Há também os
Conselhos de Saúde, órgãos administrativos que atuam no planejamento e controle do
SUS, sem olvidar das agências reguladoras com atuação destacada na saúde – Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS), entre outras.
Reputa-se válido relembrar que a forma de exercício do direito acima
destacado reflete uma das características da multifuncionalidade do direito fundamental
à saúde, concernente ao direito à ação positiva normativa de participação na
organização e no procedimento da política de saúde.135
De outro lado, é certo que a participação direta encontra limitações de
ordem concreta para sua completa realização dentro do Sistema Único. Entretanto, não
se pode olvidar que o fato de a Constituição da República fazer constar dispositivo
expresso que autorize a presença direta de membros da sociedade civil no processo de
escolha e balizamento das políticas públicas de saúde, representa um significativo 134 “Art. 198. (...) § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do
orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de
outras fontes.” 135 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 202-203.
40
avanço no jogo democrático, pois empodera a coletividade e a torna protagonista, em
conjunto com o próprio Poder, para as escolhas das prioridades estatais vinculadas à
saúde.
Ainda que o estudo sobre a miríade de ações engendradas no âmbito do
SUS, sua estrutura organizacional e a materialização das ações positivas e negativas seja
objeto de tópico vindouro, é possível consignar, desde já, a completude do aludido
sistema, bem como sua importância para a administração da sociedade.
1.2. A regulamentação legislativa e administrativa do direito fundamental à saúde
e o fornecimento de medicamentos de alto custo
Os subitens adiante especificados objetivam trazer a lume os esforços
engendrados pela sociedade organizada pré-Constituinte de 1988 na área da saúde, os
quais foram posteriormente recompensados sob a forma de garantias legislativas, com
especial ênfase à lei de criação do Sistema Único de Saúde. Desta feita, pretende-se
(1.2.1) elencar as matrizes histórico-jurídicas sobre as quais restou edificado o SUS
atual, bem como particularizar suas diretivas ordinárias, constantes da Lei n. 8.080/90,
as quais são responsáveis pelo modo de operação cotidiano do sistema público de saúde.
Em seguida, (1.2.2) aborda-se a divisão de competências estabelecida na
legislação infraconstitucional, desenvolvendo argumentos que reforçam a competência
comum dos entes federativos e que vão de encontro ao – equivocado – consenso
jurisprudencial que apregoa a solidariedade passiva, tudo com base em dados oficiais
disponibilizados pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, em dado lapso temporal
(2010/2014).
O subitem que arremata o capítulo inaugural (1.2.3), por sua vez, encara a
complexidade metodológica de se conceituar o “alto custo” de um medicamento,
recorrendo a uma série de critérios que, conjugados às peculiaridades do caso concreto,
são capazes de sinalizar a excepcionalidade de um dado tratamento, independente de
seu valor pecuniário extrínseco.
41
1.2.1. A evolução social que estabeleceu o Sistema Único de Saúde – SUS e suas
premissas vinculativas
É cediço que, no Brasil, o Sistema Único de Saúde encontra legitimidade
em praticamente todas as espécies de diplomas normativos concebidos pelo
ordenamento, desde a Constituição da República e suas normas de eficácia imediata,
passando por leis complementares e ordinárias promulgadas para conceder efetivo
acesso ao direito à saúde em todas as suas vertentes, até a edição de decretos
regulamentares e instruções normativas de natureza infralegal que franqueiam acesso
efetivo às prateleiras de fármacos distribuídos nas secretarias de saúde.
Porém, a fecunda atividade legiferante hoje existente, por sua vez, somente
foi possível ser construída em razão do estabelecimento de importante marco de
desenvolvimento, o qual se revelou o alicerce para a edificação do complexo de normas
e diretivas que formam o sistema da saúde hodierno.
O contexto acima exposto alude ao Movimento da Reforma Sanitária –
MRS surgido durante a década de 1970, idealizador do atual sistema de saúde e seu
heterogêneo complexo jurídico. Naquela época, foram realizadas as primeiras
experiências concretas por meio de projetos institucionais dedicados à atenção primária
da população rural, os quais foram elaborados por uma pequena parcela de intelectuais
da área da saúde. A título exemplificativo, cita-se o Programa de Interiorização das
Ações e Serviços de Saúde – PIASS, originalmente concebido para ampliar a rede
ambulatorial pública no país, com ênfase na Região Nordeste, historicamente detentora
de maus índices de desenvolvimento humano.136
Em 1976, deu-se a criação do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde –
CEBES, com vistas a congregar parcela significativa dos profissionais de tinham por
objeto de estudo a temática sanitária e expoentes do meio político, fazendo a ponte
necessária entre a academia, composta basicamente por pesquisadores, e a política, nas
figuras de líderes sindicais, parlamentares, associações e outros movimentos populares
que batalhavam por avanços sociais na saúde.
Um fato contribuiu decisivamente para o fortalecimento da pauta
reivindicatória da saúde, no ano de 1978. Trata-se da Conferência Mundial de Saúde de
136 FIGUEIREDO, Herberth Costa. Op. Cit., p. 115-116.
42
Alma-Ata, a qual teve lugar no Cazaquistão e foi promovida pela Organização Mundial
da Saúde – OMS. O foco da reunião de líderes em saúde estava centrado na assistência
médica básica às populações excluídas, as quais, no Brasil, ocupavam zonas periféricas
de cidades e também zonas rurais.137 A repercussão interna foi imediata, o que
fortaleceu o movimento brasileiro e propiciou novas medidas que franqueavam o acesso
à saúde.
Já nos idos de 1980, assolado pela crise na previdência social, agravada pelo
contexto político relacionado às turbulências da transição do regime militar para a
democracia, crise econômica, estagnação do crescimento, hiperinflação, entre outros
problemas, o Movimento da Reforma Sanitária ganhou adeptos, uma vez que a
implementação dos direitos sociais se traduzira em um avanço imprescindível para a
correção democrático-social que se pretendia.
Neste cenário institucional, os contornos de um sistema único de saúde,
fundamentalmente estatal, começou a ser delineado quando os militantes do Movimento
da Reforma Sanitária passaram a ocupar postos estratégicos no Ministério da Saúde e do
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS. Tal
ocupação se revelaria de suma importância para a consolidação de propostas de viés
democrático em relação à saúde, em vista da realização da VIII Conferência Nacional
da Saúde.138
Concebida durante os dias 17 e 21 de março de 1986 em Brasília, esta
Conferência revelou-se providencial para os avanços na área da saúde. Herberth Costa
Figueiredo139 a considera uma “pré-constituinte”, pois ocorrida quase que
concomitantemente à eleição da Assembleia Nacional Constituinte de 15 de novembro
daquele ano.140
Por certo que a VIII Conferência Nacional da Saúde se constitui em um dos
eventos político-sanitários mais importantes na história da saúde coletiva brasileira,
momento em que os debates foram intensificados em todas as searas político-
137 CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização e efetividade. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 43. 138 CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. O SUS entre a tradição dos sistemas nacionais e o modo liberal-
privado para organizar o cuidado À saúde. Revista do Centro Brasileiro de Estudo em Saúde,
Campinas, v. 35, n. 69, p. 1865-1874, ago. 2007. 139 FIGUEIREDO, Herberth Costa. Op. cit., p. 116. 140 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/comunicacao/
institucional/noticias-institucionais/ha-25-anos-era-eleita-a-assembleia-nacional-constituinte>. Acesso em
22 mai. 2016.
43
institucionais e em todas as classes da sociedade civil organizada.141 Após profícuos
debates, o encontro nacional resultou em importantes contribuições para a consolidação
do direito à saúde. Dentre os avanços, destacam-se, para os fins metodológicos
propostos, o consenso sobre o estabelecimento de um conceito abrangente de saúde,
bem como a premissa de que esta se consubstancia em um direito inerente à cidadania
plena e em um dever estatal, além da necessidade de instituir um sistema de saúde uno e
único para todo o território nacional.142
As conclusões obtidas na VIII Conferência Nacional de Saúde promoveram
contribuições incomensuráveis para o país. Isso porque o projeto ali debatido e
consolidado foi recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, concretizando as expectativas de estabelecimento de um direito fundamental, em
atendimento às prescrições advindas dos direitos humanos.143 No contexto de
incorporação de disposições de uma saúde estatal, de índole coletiva, descentralizado e
regionalizado, objetivando o atendimento integral e a participação social, é que surgiu a
Constituição Federal.
De outro lado, pode-se concluir que, dentre as vantagens decorrentes da
inserção das premissas suscitadas pelo MRS – e aperfeiçoadas durante a VIII
Conferência Nacional de Saúde – no contexto constitucional, destaque-se que a
descentralização racionalizou o sistema de saúde, valorizando novos espaços
institucionais para abarcar a participação da sociedade nos atos de gestão e fiscalização,
maximizando a condição de legitimidade do Estado democrático de direito.
Foi a partir da concretização da reforma sanitária ideada que a saúde foi
transfigurada em direito social universal, destacado da condição de ramificação do
Direito Previdenciário, onde estava antes inserido, para compor, ao lado da previdência
e da assistência social, o instituto da “Seguridade Social”.144
141 FIGUEIREDO, Herberth Costa. Op. cit., p. 116. 142 ALMEIDA, Eurivaldo; CHIORO, Arthur; ZIONI, Fabíola. 2001. p. 31. 143 PAIVA, Carlos Henrique Assunção; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Reforma sanitária e a criação do
Sistema Único de Saúde: notas sobre contextos e autores. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio
de Janeiro, v.21, n.1, p. 15-35, jan./mar. 2014. 144 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)” BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 mai. 2016.
44
Tal mudança normativa evidencia, a bem da verdade, nítida evolução para a
efetividade do direito à saúde, na medida em que o acesso aos serviços respectivos é
agora universal e não depende de qualquer condição subjetiva prévia do cidadão, a
exemplo da condição de segurado da previdência pública, bastando a mera condição de
ser humano para servir-se do aparato estatal.
No cenário apresentado, em que a Constituição da República de 1988 fez
constar as diretivas originalmente esculpidas no projeto de reforma sanitária, cuja
gênese remonta ao Movimento da Reforma Sanitária, dá-se um passo adiante no ano de
1990. Em 19 de setembro de 1990, tem início nova etapa de municiamento do sistema
jurídico do SUS para garantir prestações satisfatórias de saúde: editada sob o n. 8.080, é
publicada a Lei Orgânica da Saúde – LOS, a qual “Dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências.”145 Tal diploma legal contribui
sobremaneira para enlaçar definitivamente sociedade e Estado na busca por melhorias
na área da saúde, pois sistematiza didaticamente os direitos e obrigações tanto do
Estado, quanto dos usuários dos serviços.
Rememore-se, ilustrativamente, o conteúdo normativo do caput de seu
artigo 2º, in verbis: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. A menção a um
direito fundamental “do ser humano” evidencia a opção do legislador por um conceito
de direito à saúde que transcende a justificativa constitucional e busca sua raiz
axiológica muito além do Direito Positivo, enveredando de forma salutar pela dignidade
humana que deu azo à concepção contemporânea dos direitos humanos no Século
XX.146
Demais disso, tem-se que a Lei Orgânica da Saúde, complementando o rol
de diretrizes constitucionais previstas no artigo 198 e objeto de pormenorização no
tópico anterior (1.1.3), aumentou o leque garantidor da higidez do SUS e, com isso,
contribuiu sobejamente para o bom desempenho de suas previsões. A título elucidativo,
são destacados alguns mandamentos presentes na legislação objeto de enfoque,
145 BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em 21 mai. 2016. 146 PIOVESAN, Flávia. Op. cit., p. 47.
45
previstos em seu artigo 7º,147 os quais demonstram o amplo alcance das garantias
conferidas ao cidadão brasileiro.
O acesso universal previsto no inciso I do artigo em tela possui sentido
autoexplicativo, além de reproduzir mandamento já constante do artigo 196 da
Constituição Federal. Porém, reveste-se de caráter complementar ao dispor que o
acesso, além de livre a todos, deve ocorrer em todas as acepções afetas ao direito à
saúde, a saber: no atendimento básico ou complexo, em caráter curativo ou preventivo,
para tratar de moléstia individual ou coletivamente.
O mesmo ocorre para a situação descrita no inciso II, relacionada à
integralidade de assistência, que garante ao cidadão uma miríade de ações que têm por
escopo desencadear tudo o que for necessário para restabelecer sua saúde, repetindo o
comando constitucional do art. 198, II, da Constituição.
O inciso III, relacionado à autonomia das pessoas quanto à sua integridade
física e moral, possui sentidos variados, sendo interessante sobressaltar para a pesquisa
a característica do respeito à dignidade da pessoa e o respeito à sua vontade
conscientemente manifestada, conciliando métodos profiláticos avançados para com a
prerrogativa de o paciente escolher determinada ação diversa, ou mesmo de recusar a
assistência médica em casos terminais.148
A igualdade de assistência referida no inciso IV preceitua a necessária
isonomia de gênero, raça, poder econômico ou qualquer outro critério de discrímen que
147 “Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no
art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso
aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como
conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia
das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem
preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua
saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo
usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e
a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-
administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços
para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em
nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos
financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução
dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a
evitar duplicidade de meios para fins idênticos.” 148 SÃO PAULO. Lei nº 10.241, de 17 de março de 1999. Dispõe sobre os direitos dos usuários dos
serviços e das ações de saúde no Estado. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/norma/?id=7653>.
Acesso em: 1 mai. 2016.
46
vá de encontro com os postulados de direitos humanos. Afinal, a saúde está ao alcance
de todos, como expressão máxima dos postulados sociais existentes em nossa
Constituição.149
Ato contínuo, pelo direito à informação a respeito da própria saúde, previsto
no inciso V do artigo 7º, trata-se de diretriz extraída diretamente do princípio da
transparência de todos os atos estatais. Nessa senda, o cumprimento de dada diretriz
possui ainda mais razão de ser quando impõe ao Estado a obrigação de dizer ao próprio
interessado sobre seu estado de saúde, fornecendo-lhe, inclusive, todo o acervo
documental suficiente ao aclaramento da situação, consistente de exames, prontuários e
quaisquer outras avaliações, inclusive o indeferimento, por escrito, de pedidos de
assistência farmacêutica.150
A diretriz acima exposta comporta outra dimensão, de natureza sistêmica,
prevista no inciso VI do artigo 7º e consistente no direito de o usuário receber
informações sobre o potencial dos serviços de saúde e sua utilização. Tal previsão pode
ser interpretada na forma de uma prerrogativa do cidadão frente ao SUS, que lhe
franqueia acesso a informações aptas a cientificá-lo acerca do prisma de competências
administrativas à sua disposição. As potencialidades do sistema imbuem o paciente do
direito de, conscientemente, escolher a qual procedimentos se sujeitar, além de deixá-lo
a par do alcance, da metodologia dos tratamentos existentes na seara pública, para
decidir como proceder.
Pelo inciso VII, o SUS deixa claro quais são as prioridades para a
destinação dos recursos angariados pela tributação, bem como quais são os projetos de
desenvolvimento dos setores abarcados pelo sistema, tudo baseado na epidemiologia.
Essencial para um sistema voltado à promoção da saúde, a epidemiologia é a
responsável primeira pela elaboração de estratégias nas diversas áreas de sua
aplicação,151 o que é de suma importância para o desenvolvimento da saúde coletiva. É
149 O preâmbulo da Constituição da República evidencia os valores do Estado Social, a exemplo da
garantia, v. g., “dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social (...)”. 150 PARANÁ. Ministério Público do Estado do Paraná: princípio da informação. Disponível em:
<http://www.planejamento.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2544>. Acesso em:
22 mai. 2016. 151 Sobre a classificação usual da epidemiologia aplicada, tem-se as seguintes macroáreas: 1) vigilância
em Saúde Pública (ou epidemiológica); 2) análise da situação de saúde; 3) identificação de perfis e fatores
de risco; e 4) avaliação epidemiológica de serviços. (OLIVEIRA, Maria Regina Fernandes de. Editorial:
47
por meio desta ciência que ocorre o aprimoramento da gestão do SUS, de maneira a
contemplar número cada vez maior de cidadãos adequadamente atendidos.
Em seguida, o inciso VIII traz como diretriz do SUS a participação da
comunidade. A exemplo dos dois primeiros incisos, a referida participação reproduz
comando constitucional, aqui insculpido no inciso III do artigo 198 da Constituição
Federal. Tal participação, vinculada ao controle social já estudado por ocasião do item
precedente, revela a vontade do legislador de estimular a organização do Sistema Único
conforme decisões que envolvam, além do corpo técnico responsável, os anseios da
comunidade abrangida pela política, do início (formulação) ao fim (controle pela
aferição de eficiência). A partir dessa ideia, a decisão ideal passaria pela discussão
conjunta entre, por exemplo, os Conselhos de Saúde, as Comissões Intergestoras, a
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, etc.,
com a estrita finalidade de encontrar soluções possíveis e capazes de promover
melhorias na saúde coletiva.
O inciso IX, a seu turno, dispõe sobre a descentralização político-
administrativa enquanto diretriz do Sistema Único de Saúde, igualmente investigada
por conta de sua matriz constitucional literal (artigos 194, VII e 198, I e III).
Conjugando esforços para o funcionamento do SUS, União, Estados e Municípios
dividem atribuições por serem igualmente responsáveis pelo bem-estar da população.
Subdividindo-se em duas subespécies,152 a descentralização prestigia os municípios para
gestão dos serviços locais, pela proximidade com a região geográfica e com as
peculiaridades do ambiente dos usuários, além de definir como se darão os níveis de
complexidade de cada setor, filtrando atendimentos corriqueiros para unidades básicas e
procedimentos custosos e difíceis para centros especializados em alta complexidade.
Por fim, importante ressalva deve ser considerada em relação à autonomia
proporcionada pela diretriz da descentralização, qual seja, a de fomentar a
independência dos entes federados para a adoção de rotinas que melhor atendam à
população, conforme a prática intermunicipal do consórcio de saúde.153
áreas de aplicação da epidemiologia nos serviços de saúde. Epidemiologia e Serviços de Saúde. Brasília,
v. 18, n. 2, p. 105-106, abr./jun. 2009.) 152 “(...) a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização
da rede de serviços de saúde; (...)”. BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 22 mai. 2016. 153 “O consórcio intermunicipal na área da saúde é vista como uma associação entre municípios para a
realização de atividades conjuntas referentes à promoção, proteção e recuperação da saúde de suas
48
Integração é a palavra de ordem que sinaliza a diretriz insculpida no inciso
X do artigo 7º da LOS. Trata-se de diretiva fulcral para a subsistência do Sistema
Único. Como outrora abordado, a saúde deve ser entendida sob a óptica integral, capaz
de enxergar o ser humano como dotado de uma profusão de múltiplas perspectivas de
ordem biológica, psicológica e social, todas sujeitas às intempéries do meio em que
vivem.154 Por isso, o conjunto planificado e contínuo de ações e serviços preventivos,
curativos, individuais e coletivos, representa um amálgama de prerrogativas indeléveis e
indissociáveis aptas a garantir a capacidade plena do indivíduo, seja na saúde, no meio
ambiente e no saneamento básico.155
Um exemplo capaz de bem representar a integração aqui tratada é o
“Programa de Apoio à Conservação Ambiental como Instrumento de Transformação
Socioambiental”, ou tão somente “Bolsa Verde”, criado pela Lei nº 12.512, de 14 de
outubro de 2011, o qual premia o desenvolvimento de famílias que preservam o meio
ambiente, por meio de incentivos diretos e projetos sustentáveis que melhorem a
qualidade de vida da população local no aspecto sanitário, social e ambiental.156
Adiante, o inciso XI traz a baliza da conjugação dos recursos financeiros,
tecnológicos, materiais e humanos de todos os entes políticos, os quais, diante do
quadro até aqui exposto, não carecem de maiores digressões. É vital para a manutenção
e retroalimentação de toda a política pública do SUS, que os aportes de recursos de todo
gênero detenham, a exemplo das características da integralidade, da descentralização e,
em decorrência desta, da autonomia, a mesma característica em relação ao suporte
financeiro. Afinal, voltados à consecução de finalidade una, União, Estados-membros e
Municípios devem compartilhar estruturas físicas, conhecimentos adquiridos e
expertises diversas, sendo este o único caminho apto a proporcionar a efetivação do
sistema.
O inciso XII prevê a capacidade do SUS de resolução dos serviços em todos
os níveis de assistência. Igualmente balizada pela universalidade e integralidade da
populações. Como iniciativa eminentemente municipal, reforça o exercício da gestão conferida
constitucionalmente aos municípios no âmbito do Sistema Único de Saúde.” (BRASIL. O consórcio e a
gestão municipal em saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 1997. p. 8. 154 FIGUEIREDO, Herberth Costa. Op. cit., p. 128. 155 Idem. 156 Sobre o assunto: BRAGA, Fábio Rezende; BERTOLDI, Márcia Rodrigues. O Programa Bolsa Verde
como instrumento de transformação socioambiental. In: CONPEDI/UFS. (Org.). YOSHIDA, Consuelo
Yatsuda Moromizato; SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli
(Coords.). Direito e sustentabilidade. Florianópolis: CONPEDI, 2015. p. 543-563.
49
saúde brasileira, tal diretriz apenas reforça o viés autossuficiente do Sistema de Saúde,
no qual prepondera a busca por um atendimento bastante em qualquer dos âmbitos da
política institucional, seja no atendimento de baixa complexidade, junto às unidades de
saúde básica, seja nos setores que demandem a presença de diversas especialidades para
o tratamento de determinada enfermidade.
Ao final do extenso rol de diretrizes afetas ao Sistema Único de Saúde,
traduz-se a ambição do legislador em organizar os serviços de saúde de modo a evitar
duplicidade de meios para fins idênticos, presente no inciso XIII. Reunindo o
conhecimento adquirido por meio do catálogo de diretrizes dantes exposto, chega-se à
conclusão de que o SUS, enquanto sistema único em todo o território nacional, deve
fragmentar-se em sua maior extensão possível para dar conta de um sem-número de
demandas de saúde.
No entanto, tal fragmentação deve se dar em observância ao todo sistêmico,
evitando-se a coexistência de metodologias similares porventura preexistentes, mas que
não são de todo eficazes no trato das moléstias e situações outras. É dizer: estabelecido
um dado expediente administrativo destinado à profilaxia de determinada enfermidade,
é certo que este representa a metodologia que melhor atende àquela situação objeto da
padronização de condutas.
Dessa forma, até mesmo em virtude do alto grau de repetição e incidência
deste encadeamento de atos, aqui consideradas as dimensões continentais do país,
devem quaisquer outras padronizações ser extirpadas do sistema, pois não
representariam a opção viável para a solução dos casos a ela submetidos.
Exposta a evolução social que culminou na criação do Sistema Único de
Saúde, bem como quais as diretrizes que ajustam e conformam a saúde pública à
realidade brasileira, cabe ainda uma última observação de índole normativa. A Lei n.
8.080/90, embora represente um divisor de águas para a saúde coletiva, foi
aprioristicamente tolhida de alguns de seus dispositivos que, acaso não restabelecidos,
implicariam a total inoperabilidade do SUS. À época, o então Presidente Fernando
Collor de Mello vetou os artigos da lei que garantiam o repasse direto e automático das
50
verbas para a alimentação do sistema, além de outros dispositivos relacionados à
participação e controle sociais na gestão do sistema.157
Não seria exagero afirmar que, acaso mantidos, os vetos ocasionariam a
ruína do SUS, pois estariam prejudicadas, a um só tempo, as diretrizes da
descentralização e do controle social. Para alívio de toda a população, negociações entre
as lideranças políticas da época resultaram na edição da Lei n. 8.142, de 28 de dezembro
de 1990,158 a qual restabeleceu, in totum, aquelas diretivas que haviam sido
indevidamente excluídas da redação original.
Desvendado o processo de criação e concretização do Sistema Único de
Saúde, pode-se asseverar que sua legitimidade é constituída por uma sólida raiz
constitucional, germinada a partir de preceitos dignificantes dos direitos humanos e
dotada de tronco legal, representado pelas Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90, das quais
nascem ramificações de natureza regulamentadora e administrativa que servirão de
substrato para a alimentação do sistema coletivo de saúde.
1.2.2. A competência comum dos entes federativos para a dispensação de
medicamentos de alto custo: necessidade de reconhecimento para a perpetuação do
sistema de saúde159
Conforme abordado nas seções que precedem a divisão que ora se inicia, a
política pública consistente no Sistema Único de Saúde, voltada à efetivação do direito
fundamental à saúde previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição da República, foi
regulamentada, no âmbito infraconstitucional, pela Lei nº 8.080/90, denominada de “Lei
157 As razões dos vetos, constantes da Mensagem nº 680 da Presidência da República, podem ser
consultadas no seguinte endereço: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_
98/Vep680-L8080-90.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2016. 158 BRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm>. Acesso em 22 mai. 2016. 159 O presente subitem é fruto de pesquisa do autor desenvolvida no curso do Programa de Mestrado e
publicada inicialmente sob a forma de resumo apresentado na sessão de comunicados científicos do
“Seminário Internacional: eficiência e ética na administração pública”, realizado em Curitiba-PR, cf.
FREITAS, Daniel Castanha de. A equivocada “solidariedade” dos entes federados para a concretização
das políticas públicas de saúde: divisão de competências da Lei nº 8.080/90, responsabilidade subsidiária
e alternativas administrativas para o acesso universal. In: BLANCHET, Luiz Alberto; HACHEM, Daniel
Wunder; SANTANO, Ana Cláudia (Coord.). Eficiência e ética na administração pública: anais do
Seminário Internacional realizado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Curitiba: 2015, p. 369-370.
51
Orgânica da Saúde” – LOS. Referido diploma legal delineou, em seu artigo 15,160 a
competência comum dos entes federados, imbuindo as três esferas do Poder Executivo
(municipal, estadual e federal) de atribuições destinadas à promoção eficaz da saúde
pública.
Nada obstante o compromisso constitucional de desempenharem ações
concomitantes e complementares, nos termos do art. 23, II,161 da Constituição, é certo
que, da leitura de qualquer dos textos normativos que tratam do assunto, não se extrai
conclusão no sentido de haver solidariedade entre Município, Estado e União, quanto à
obrigação de fornecer medicamentos e tratamentos postulados em ações ajuizadas por
pacientes, cujos pedidos administrativos foram rejeitados em razão de haver delegação
legal ou administrativa que indique a competência exclusiva de algum dos agentes
políticos.
160 “Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito
administrativo, as seguintes atribuições: I - definição das instâncias e mecanismos de controle, avaliação e
de fiscalização das ações e serviços de saúde; II - administração dos recursos orçamentários e financeiros
destinados, em cada ano, à saúde; III - acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da
população e das condições ambientais; IV - organização e coordenação do sistema de informação de
saúde; V - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade e parâmetros de
custos que caracterizam a assistência à saúde; VI - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de
padrões de qualidade para promoção da saúde do trabalhador; VII - participação de formulação da política
e da execução das ações de saneamento básico e colaboração na proteção e recuperação do meio
ambiente; VIII - elaboração e atualização periódica do plano de saúde; IX - participação na formulação e
na execução da política de formação e desenvolvimento de recursos humanos para a saúde; X -
elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), de conformidade com o plano de
saúde; XI - elaboração de normas para regular as atividades de serviços privados de saúde, tendo em vista
a sua relevância pública; XII - realização de operações externas de natureza financeira de interesse da
saúde, autorizadas pelo Senado Federal; XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e
transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de
epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e
serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização; XIV -
implementar o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados; XV - propor a celebração de
convênios, acordos e protocolos internacionais relativos à saúde, saneamento e meio ambiente; XVI -
elaborar normas técnico-científicas de promoção, proteção e recuperação da saúde; XVII - promover
articulação com os órgãos de fiscalização do exercício profissional e outras entidades representativas da
sociedade civil para a definição e controle dos padrões éticos para pesquisa, ações e serviços de saúde;
XVIII - promover a articulação da política e dos planos de saúde; XIX - realizar pesquisas e estudos na
área de saúde; XX - definir as instâncias e mecanismos de controle e fiscalização inerentes ao poder de
polícia sanitária; XXI - fomentar, coordenar e executar programas e projetos estratégicos e de
atendimento emergencial.” 161 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II -
cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”
52
Contudo, ainda que equivocado, o argumento da solidariedade se encontra
amplamente difundido na jurisprudência, sendo encontrados precedentes até mesmo no
âmbito do Supremo Tribunal Federal.162
Nesse contexto, defende-se neste trabalho que deve o Poder Judiciário
identificar e chamar ao processo o ente público especificamente indicado, por meio da
análise acurada tanto da legislação infraconstitucional, quanto da infralegal, uma vez
que o Ministério da Saúde frequentemente determina a inclusão de novas drogas e
técnicas terapêuticas em seus Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT e
na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, procedendo até mesmo
à remessa dos autos a outra seara da Justiça, assegurada a concessão de liminares para a
garantia de direitos.
Afinal, o reconhecimento, pelo julgador, do verdadeiro ente público
destinatário de eventual ordem judicial, atribuído por meio de expressa distribuição de
competência, para além de harmonizar a legislação vigente, confere segurança jurídica
ao sistema e economia ao erário, impedindo que verbas federais, estaduais e municipais
sejam destinadas a um mesmo fim, ocasionando, com isso, ineficiência na destinação
dos gastos públicos.
Ademais, no cenário apresentado, seria prudente assinalar que, em
detrimento da solidariedade propalada pela jurisprudência, a responsabilidade estatal
deve ser considerada subsidiária entre os entes federados, o que, de um lado, atende ao
requisito da garantia dos direitos fundamentais e, de outro respeita a distribuição
federativa de responsabilidades.
A este respeito, inclusive, merecem destaque os esforços administrativos
empreendidos pelos entes que compõem o Poder Executivo instituído, no sentido de
dialogar acerca do alcance e metodologia das prestações positivas da saúde preventiva e
curativa, a exemplo das Comissões Intergestores e Conselhos Nacionais de Saúde
162 Por todos, considerando ser o tema da solidariedade em ações da saúde matéria unânime no âmbito da
Corte Constitucional, cf.: “EMENTA: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública.
Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde -
SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução
judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da
Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado
na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas.
Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STA 175
AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe
30-04-2010)
53
previstos nos artigos 14-A163 e 14-B164 da LOS, as quais representam alternativas
salutares para a consagração do direito social em debate.
Assim sendo, a pesquisa tem por objetivo, na presente seção, evidenciar que
a atuação jurisdicional apressada, ao aplicar a solidariedade aos entes públicos em ações
de saúde, mitiga e enfraquece, como um todo, os esforços envidados pelos entes
federados para o acesso universal e igualitário à saúde, atingindo o próprio pacto
federativo.165
Como forma de proporcionar contornos empíricos ao posicionamento aqui
declinado, imprescindível a transcrição dos dados obtidos pela Secretaria de Estado da
Saúde do Paraná166 após minucioso estudo que considerou o número total de demandas
que envolvem medicamentos e tratamentos médicos no Estado do Paraná.167
Os resultados encontrados pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná
(SESA/PR) foram compilados da seguinte forma:
DADOS DAS DEMANDAS JUDICIAIS DO PARANÁ
Número de pacientes com demandas judiciais por medicamentos atendidos na
SESA PR desde 1999: 15.585
Número de pacientes ativos em 11/03/2015: 7.914
Recursos da SESA PR para aquisição de medicamentos para cumprimento das
demandas judiciais no período de 2010 a 2014: R$ 333.648.768,07
1ª ANÁLISE: referente à responsabilidade pelo financiamento
Do total de R$ 333.648.768,07 destinados à aquisição de medicamentos para
cumprimento de ordens judiciais no período compreendido entre 2010 a 2014, R$
225.051.933,73 (67,5%) estão relacionados à compra de medicamentos cuja
responsabilidade de financiamento são do Ministério da Saúde, explicitadas nas
Portarias dos Componentes da Assistência Farmacêutica (Grupos 1 A e 1 B do
Componente Especializado da Assistência Farmacêutica - CEAF e Componente
163 “Art. 14-A. As Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite são reconhecidas como foros de
negociação e pactuação entre gestores, quanto aos aspectos operacionais do Sistema Único de Saúde
(SUS). (...)” 164 “Art. 14-B. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de
Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) são reconhecidos como entidades representativas dos entes
estaduais e municipais para tratar de matérias referentes à saúde e declarados de utilidade pública e de
relevante função social, na forma do regulamento. (...)” 165 FREITAS, Daniel Castanha de. A equivocada... Op. Cit., p. 369-370. 166 PARANÁ. Governo do Estado discute judicialização da saúde em fórum do TJ. Disponível em:
<http://www.saude.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=4127>. Acesso em: 21 mai. 2016. 167 Palestra ministrada pelo assessor jurídico da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, Carlos
Alexandre Lorga, intitulada “Dados das demandas judiciais do paraná”, apresentada no 1º Fórum de
judicialização da saúde do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, realizado durante os dias 20 e
23 de maio de 2015, em Curitiba-PR. Disponível em: <https://www.tjpr.jus.br/destaques/-
/asset_publisher/1lKI/content/tjpr-sedia-1-forum-de-judicializacao-da-saude/18319?inheritRedirect=
false>. Acesso em 21 mai. 2016.
54
Estratégico da Assistência Farmacêutica - CESAF), na Política Nacional de
Oncologia e na Política Nacional de Oftalmologia.
A SESA PR vem registrando, a partir de meados de 2012, no Sismedex (sistema
de informação gerencial), todas as dispensações dos medicamentos destinados ao
atendimento das demandas judiciais. Dentro desta composição de R$
225.051.933,73, R$ 147.205.663,83 estão registrados neste sistema e
correspondem à dispensação daqueles classificados como de responsabilidade do
Ministério da Saúde, conforme anteriormente explicitado. Dos R$
147.205.663,83:
a) R$ 37.440.781,92 estão relacionados aos processos onde a ordem judicial
determina o ressarcimento pelo MS;
b) R$ 109.764.881,91 estão relacionados aos processos onde não há determinação
judicial para ressarcimento pelo MS.
2ª ANÁLISE – DA ROTINA DE PEDIDOS DE RESSARCIMENTO DOS
VALORES RELACIONADOS AOS MEDICAMENTOS ONDE HÁ
DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA QUE O MINISTÉRIO DA SÁUDE
PROCEDA A RESTITUIÇÃO AO ESTADO DO PARANÁ
A SESA PR tem encaminhado rotineiramente às áreas técnicas do Ministério da
Saúde (SAS e SCTIE) processos solicitando ressarcimento dos valores referentes
às despesas com medicamentos para atendimento das demandas judiciais, nos
casos onde há determinação expressa do juízo para que isto ocorra.
Do levantamento feito por esta Secretaria, a partir de 2010 foram encaminhados
595 processos de solicitação de ressarcimento, no valor total de R$ 42.194.884,86.
Identificamos transferência de recursos da ordem de R$ 20.726.622,88, até o final
do mês de fevereiro de 2015, para contas específicas destinadas a este fim
(FUNSAUDE A MED – 8969-9 e FUNSAUDE A – MAC – 9164-2).
Assim, presumimos que a diferença de R$ 21.468.261,98 entre os valores
solicitados e ressarcidos encontra-se em processo de análise. No entanto,
identificamos que há processos encaminhados em 2010 (7), 2012 (58) e 2014
(262) para os quais não temos resposta até o momento.
Dispomos de planilha de acompanhamento do envio dos processos e dos valores
ressarcidos, a qual poderá ser prontamente disponibilizada para conferência.
Nesse sentido, temos a sugerir:
1) Prazo de 60 dias para a avaliação do processo e retorno à SESA PR informando
se há falta de qualquer documentação;
2) Prazo de 60 dias adicionais para conclusão da análise e resposta à SESA PR
sobre o resultado da mesma;
3) Identificação no SIPAR do número de ofício e do protocolo da SESA/PR para
efeitos de acompanhamento da tramitação do processo;
4) Possibilidade de envio de arquivos digitalizados e contato por email
institucional para a tramitação de documentos.
DEAF, 11 março de 2015.
_*_*_*_
55
DEMANDAS JUDICIAIS POR MEDICAMENTOS NO ESTADO DO
PARANÁ
De 1999 até 2014, 14.562 novos pacientes foram cadastrados junto a SESA/PR
para recebimento de medicamentos por demanda judicial. Destes, 7.364 se
encontravam em situação ativa no final de 2014. O número de novos pacientes
cadastrados, ano a ano, pode ser observado no Quadro 1 e no Gráfico 1 abaixo.
QUADRO 1 - Número de pacientes novos e sua situação cadastral por ano (1999 a
2014).
Ano Novos pacientes
(1-Ativos)
Novos pacientes
(2-Inativo, Pendente e Óbito)
Total de novos pacientes
(1 + 2)
1999 0 1 1
2000 1 14 15
2001 1 32 33
2002 1 34 35
2003 0 27 27
2004 7 168 175
2005 18 402 420
2006 23 475 498
2007 181 766 947
2008 109 570 679
2009 141 730 871
2010 328 656 984
2011 670 667 1.337
2012 977 863 1.840
2013 1.944 1.110 3.054
2014 2.963 683 3.646
Total 7.364 7.198 14.562
Fonte: Sysmedex – relatório emitido em 06/01/15 às 8:29
GRÁFICO 1 - Pacientes novos (ativo; inativo, pendente, óbito; total) recebendo
medicamentos por demanda judicial por ano (1999 a 2014).
56
O número de unidades de medicamentos distribuídas pelo Centro de
Medicamentos do Paraná – CEMEPAR, para atendimento às demandas judiciais
no período de 2002 a 2014, com o respectivo valor financeiro, são apresentados
no Quadro 2 e no Gráfico 2.
QUADRO 2– Distribuição de medicamentos para atendimento às demandas judiciais no
período de 2002 a 2014.
Ano Unidades Distribuídas Valor em R$
2002 73.731 R$ 239.815,36
2003 73.606 R$ 705.641,65
2004 137.615 R$ 3.385.598,95
2005 251.107 R$ 6.949.488,24
2006 322.557 R$ 12.427.245,35
2007 477.863 R$ 15.869.402,89
2008 459.117 R$ 19.336.580,60
2009 632.406 R$ 35.004.454,92
2010 571.267 R$ 35.718.740,24
2011 649.344 R$ 45.073.802,93
2012 945.632 R$ 60.168.910,82
2013 1.587.105 R$ 85.009.327,63
2014 2.363.822 R$ 90.395.273,10
57
GRÁFICO 2 - Distribuição de medicamentos para atendimento às demandas judiciais
no período de 2002 a 2014.
Para o cumprimento das demandas judiciais por medicamentos se fez necessário o
estabelecimento de um rito processual interno, com tempos de fluxo documental
rigorosamente acordado e controlado entre as unidades (PGE, AJU, CEMEPAR e
Regionais de Saúde), o qual permite orientação das áreas jurídicas (AJU e PGE)
ao CEMEPAR quanto ao correto cumprimento das ordens judiciais; promove o
repasse de subsídios técnicos farmacêuticos pelo CEMEPAR à AJU e PGE para a
instrução dos processos e subsidia a programação de compras pelo CEMEPAR e
monitoramento dos pacientes pelas Regionais de Saúde (...).
Compulsando os dados obtidos pela SESA/PR, depreende-se que o impacto
ocasionado pelas decisões judiciais que concederam medicamentos durante os quatro
anos pesquisados, na ordem de R$ 333.648.768,07 (trezentos e trinta e três milhões
seiscentos e quarenta e oito mil setecentos e sessenta e oito reais e sete centavos), é
perigosamente elevado para o orçamento público, materializando verdadeira
insegurança jurídica em relação ao cumprimento de todas as demandas exigidas pelo
setor de saúde estadual.
E mais. A pesquisa produzida impressiona quando revela que, de todo o
vultoso montante apresentado, de mais de 333 milhões de reais, 67,45% (sessenta e sete
vírgula quarenta e cinco por cento) diz respeito à compra, pelo Estado do Paraná, de
58
medicamentos que não são de sua responsabilidade, mas sim da União, conforme a
regulamentação administrativa oriunda de regramentos do SUS.
Outro dado de suma importância diz respeito às compensações
administrativas não ocorridas. Da exorbitante parcela gasta – indevidamente, diga-se –
pelo Estado do Paraná na aquisição de fármacos cuja responsabilidade
indiscutivelmente era da União, pouco mais de 37 milhões contavam com “ordem
judicial” para determinar o ressarcimento pelo Ministério da Saúde.
Não há dúvidas de que a solidariedade reconhecida na esfera judicial, aliada
ao mau proceder dos entes federativos, conforme apontado na pesquisa obtida, esfacela
o Sistema de Saúde e seu regramento administrativo. Impõe-se, assim, a necessidade de
ressignificação da competência comum e subsidiária que deve prevalecer no âmbito do
SUS.168
A proposta aqui encerrada, portanto, ainda que vá de encontro ao consenso
doutrinário-jurisprudencial que pontua ser solidária a obrigação dos entes federados
para a aquisição e dispensação de medicamentos, dá-se no sentido de que a repartição
de competências estabelecida em decorrência das premissas legais (v. g. portarias do
Ministério da Saúde, resoluções federais e estaduais, decisões das Comissões
Intergestores do SUS, instruções normativas específicas da saúde) deve ser aplicada
com absoluto rigor, cabendo ao Poder Judiciário – e ao próprio jurisdicionado, em
muitos casos assistido por procuradores ou entidades de assistência diversas – uma
168 “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA C/C TUTELA ANTECIPADA. SAÚDE PÚBLICA.
OBESIDADE MÓRBIDA E DIABETES. LASIX 40MG, FLAVONID 500MG, OMEPRAZOL 20MG,
PARACETAMOL 500MG, ACCU-CHEK ADVANTAGE KIT, LANTUS 100UI, NOVOLIN,
VENALOT E CEBRALAT. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO
ESTADO. EXTINÇÃO DO FEITO COM RELAÇÃO A OMEPRAZOL 20MG E PARACETAMOL
500MG. Tratando-se a pretensão de fornecimento de fármaco que não está arrolado nas listas de
medicamentos básicos e essenciais, de responsabilidade dos Municípios, excepcionais e especiais, de
responsabilidade do Estado, necessária se faz prova inconteste do risco à vida do paciente, eficácia do
tratamento ministrado e possibilidade de substituição dos fármacos por similares, dispensados
gratuitamente pelo Estado e Município. Sentença desconstituída para oportunizar a dilação probatória.
Inteligência do art. 130 do CPC. Julgaram prejudicado o apelo do autor e, de ofício, desconstituíram a
sentença. Unânime. (...) No caso, os medicamentos reclamados pelo autor OMEPRAZOL 20MG e
PARACETAMOL 500MG, não constam na lista de medicamentos especiais e excepcionais, arrolados nas
Portarias 2.577/06, do Ministério da Saúde, e 238/06, da Secretaria de Saúde do Estado, cuja
responsabilidade pela entrega toca ao Estado do Rio Grande do Sul, estando na listagem de medicamentos
fornecidos pelo Município. Nesta contingência, mostra-se indevido e equivocado impor ao Estado o
fornecimento de fármacos que não são de sua responsabilidade. (...)” (BRASIL. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025138892. 4ª Câmara Cível. Relator Des. Alexandre
Mussoi Moreira. Julgado em 11.03.2009.)
59
investigação mais apurada dos regramentos que dispõem sobre as competências
funcionais dos entes federados.
É o que pontua Lenir Santos, quando assevera que não há lugar para aplicar
a responsabilidade solidária no âmbito do SUS, eis que se trata de um “sistema que
obrigatoriamente deve integrar serviços de saúde de entes federativos assimétricos,
social, econômica e demograficamente falando, além de a sua organização observar
níveis de complexidade tecnológica de serviços”, de tal sorte que se torna impossível
igualar suas atribuições e responsabilidades.169
Dessa forma, a conjugação de esforços entre Estado e sociedade se revela
imprescindível para que seja preservada a saúde do próprio sistema de saúde, não se
olvidando que enveredar pelo caminho da responsabilidade comum e segmentada dos
entes federativos pode se revelar medida salutar para sanear o já combalido SUS.
Afinal, “O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da
sociedade”.170
1.2.3. Noção conceitual relativa de medicamento de alto custo: balizas para a
edificação de um conceito que permita o seu reconhecimento nos casos concretos, para
além do critério objetivo das listagens oficiais
A maneira encontrada para pavimentar a tentativa de construção de um
conceito relacionado aos medicamentos de alto custo e, consequentemente, ao direito de
recebimento gratuito de tais fármacos pelos cidadãos, passa pela ideia dos custos dos
direitos desenvolvida nos escritos de Stephen Holmes e Cass Sunstein,171 ainda que a ela
não permaneça adstrita.
Norberto Bobbio, ao discorrer sobre a efetivação dos direitos humanos,
assevera que, hodiernamente, há dificuldade preponderante relacionada à sua proteção,
já que dependente do contexto político. Segundo seus ensinamentos, o cerne da questão
169 SANTOS, Lenir. Decisão parcial do STF quanto ao fornecimento de medicamento de alto custo
sem registro no país. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/lenir-
santos/decisao-parcial-do-stf-quanto-ao-fornecimento-de-medicamento-de-alto-custo-sem-registro-no-
pais>. Acesso em: 17 out. 2016. 170 BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Art. 2º, § 2º. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 30 jul. 2016. 171 Cf. HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New
York: W. W. Norton & Company, 1999.
60
está em averiguar qual a metodologia mais adequada para garantir os direitos, a qual se
revela mais importante para a pacificação de conflitos do que até mesmo debater sua
natureza e seu fundamento, tampouco se são “direitos naturais ou históricos, absolutos
ou relativos,”172 “(...) para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam
continuamente violados”.173
Neste contexto, impende reforçar o argumento de que é o direito à saúde
inegavelmente identificado como sendo de índole humanitária, seja pelo sistema
jurídico pátrio ou pelos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário. E, para
além disso, tem-se que a sua concretização ocorre imprescindivelmente por meio de
prestações estatais positivas, seja por serviços públicos, seja por políticas públicas.
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ publicou pesquisa realizada durante
o ano de 2011, segundo a qual foram identificados, somente naqueles quatro primeiros
meses, aproximadamente 241 mil processos cuja temática principal era a saúde. Ainda
conforme o levantamento, a maioria dos casos estava relacionada a pleitos de
medicamentos e tratamentos médicos em geral.174
Retrocedendo historicamente, as ações judiciais relativas ao fornecimento
de medicamentos se limitavam a antirretrovirais destinados a portadores do vírus
HIV/AIDS.175 Mesmo diante do elevado valor unitário de tais fármacos, a atuação
judicial maximizou o âmbito de sua atuação, abrangendo várias outras medidas e
terapias.
O aumento exponencial do número de decisões judiciais, ainda que, em
muitos casos, contribua para a afirmação da cidadania e do direito fundamental à saúde,
impacta financeiramente no orçamento de todos os entes políticos, por vezes
172 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25. 173 Idem. 174 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Brasil tem mais de 240 mil processos na área de Saúde.
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/56636-brasil-tem-mais-de-240-mil-processos-na-area-
de-saude>. Acesso em: 22 mai. 2016. 175 Muitos foram as decisões da Suprema Corte a respeito do assunto. Por todas: “EMENTA:
ADMINISTRATIVO. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DOENTE PORTADORA DO VÍRUS
HIV, CARENTE DE RECURSOS INDISPENSÁVEIS À AQUISIÇÃO DOS MEDICAMENTOS DE
QUE NECESSITA PARA SEU TRATAMENTO. OBRIGAÇÃO IMPOSTA PELO ACÓRDÃO AO
ESTADO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 5º, I, E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Decisão
que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio
Estado do Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da Constituição Federal, vinculou-se a
um programa de distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em
ofensa aos dispositivos constitucionais apontados. Recurso não conhecido. (RE 242859, Relator: Min.
ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 29/06/1999, DJ 17-09-1999)”
61
comprometendo políticas públicas previamente planejadas e implementadas com a
finalidade de atender toda a coletividade, o que foi objeto de análise no tópico
precedente.
A respeito do assunto, Luís Roberto Barroso faz importante ressalva, no
sentido de que, eleger o Poder Judiciário como mais um legitimado a dispensar
medicamentos poderia ocasionar distorção incontornável, uma vez que os provimentos
judiciais raramente abrangeriam os que vivem em situação de miserabilidade,
aprofundando o abismo social instaurado há décadas, agora sob a chancela do Estado, o
qual culminaria por “transferir os recursos que lhes dispensaria, em programas
institucionalizados, para o cumprimento de decisões judiciais, proferidas, em sua
maioria, em benefício da classe média”.176 Portanto, na esteira do entendimento
doutrinário até aqui exposto, conclui-se que o exercício dos direitos sociais, prestações
positivas por natureza, está sujeito invariavelmente à captação de receitas. E, tendo em
vista a limitação orçamentária existente, bem como a miríade de prestações legítimas e
igualmente importantes, é certo que as alternativas estatais havidas possuem a pecha de
“escolhas trágicas” pois, embora calcadas em medidas de macrojustiça,177 acabam por
excluir pretensões genuinamente lícitas e que atingem parcela da sociedade.178 Por tal
razão é que Cass Sustein e Stephen Homes prelecionam que, para levar os direitos a
sério, é preciso igualmente considerar a escassez.179 Dentro desse panorama, é preciso
analisar o contexto da saúde de alto custo no Brasil.
O programa de dispensação de medicamentos de alto custo se encontra
atualmente dividido em três grupos, segundo as regras gerais de competência comum
estabelecidas no artigo 23 da Constituição da República, posteriormente fixadas pela
Lei n. 8.080/90 (LOS) e regulamentadas pela Portaria n. 1.554, de 30 de julho de 2013,
do Gabinete do Ministro do Ministério da Saúde.
176 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista da Procuradoria-
Geral do Estado – RPGE, Porto Alegre, v. 31, n. 66, p. 89-114, jul./dez. 2007. 177 Nesse contexto, tem-se decisão do STF, verbis: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo
Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175. Relator Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno.
Julgado em 17.03.2010. DJe 30.04.2010. 178 ALCÂNTARA, Gisele Chaves Sampaio. Judicialização da saúde: uma reflexão à luz da teoria dos
jogos. Revista CEJ, Brasília, v. 16, n. 57, p. 88-94. mai./ago. 2012. 179 HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. Op. cit., p. 94.
62
Além de especificar a forma de aquisição dos fármacos (se pelo próprio
Ministério da Saúde ou pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde180), a Portaria
em questão identifica quais requisitos são suficientes para considerar determinado
tratamento como sendo de alto custo: observa-se (i) a complexidade do tratamento da
doença; (ii) a garantia da integralidade do tratamento da doença no âmbito da linha de
cuidado; e (iii) a manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas de gestão do
SUS – municipal, estadual e federal.
Estas são as diretrizes para o enquadramento dos medicamentos no
Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, sem olvidar de processos
identificadores específicos para cada grupo (refratariedade ou intolerância à primeira
linha de tratamento, elevado impacto financeiro para o próprio Componente
Especializado, etc.), os quais, por constarem expressamente nos artigos 4º a 7º da
Portaria GM-MS n. 1.554/2013, deixam de ser pormenorizados.
O trabalho de divisão e classificação dos medicamentos acima exposto tem
como consequência a edição dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT),
os quais vincularão os fármacos aos tratamentos médicos disponibilizados no âmbito do
Sistema Único de Saúde, o que se revela mais um ponto de tensão em potencial, quando
o profissional de saúde prescreve um medicamento para tratar enfermidade diversa
daquela que está prevista pelo PCDT, prática comum nos hospitais, porém ainda não
alcançada pela legislação (v.g. o medicamento “Propranolol”, indicado para problemas 180 “Art. 3º Os medicamentos que fazem parte das linhas de cuidado para as doenças contempladas neste
Componente estão divididos em três grupos conforme características, responsabilidades e formas de
organização distintas: I - Grupo 1: medicamentos sob responsabilidade de financiamento pelo Ministério
da Saúde, sendo dividido em: a) Grupo 1A: medicamentos com aquisição centralizada pelo Ministério da
Saúde e fornecidos às Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal, sendo delas a responsabilidade
pela programação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas
no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e b) Grupo 1B: medicamentos
financiados pelo Ministério da Saúde mediante transferência de recursos financeiros para aquisição pelas
Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal sendo delas a responsabilidade pela programação,
armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no âmbito do
Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; (Alterado pela PRT nº 1996/GM/MS de
11.09.2013) II - Grupo 2: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saúde dos Estados e do
Distrito Federal pelo financiamento, aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação
para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da Assistência
Farmacêutica; e III - Grupo 3: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saúde do Distrito
Federal e dos Municípios para aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação e que
está estabelecida em ato normativo específico que regulamenta o Componente Básico da Assistência
Farmacêutica.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n. 1.554, de 30 de julho de 2013: dispõe sobre as
regras de financiamento e execução do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt1554_30_07_2013.html>. Acesso em: 17 out.
2016.
63
cardíacos, reduz consideravelmente tumores vasculares conhecidos como
“hemangiomas”, causando espécie de efeito colateral benéfico181).
Assim sendo, é correto afirmar que, dentro da esfera de atuação do
Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, os medicamentos excepcionais
serão dispensados aos pacientes que se enquadrarem nos quesitos previstos pelos
respectivos PCDT, os quais estabelecem “os critérios de diagnóstico de doenças, o
algoritmo de tratamento com os medicamentos e suas respectivas doses adequadas, os
mecanismos para o monitoramento clínico quanto à efetividade do tratamento, a
supervisão de possíveis efeitos adversos e a criação de mecanismos para a garantia da
prescrição segura e eficaz”.182
Todo o aparato normativo exposto, desde as diretrizes da Constituição,
passando pela Lei Orgânica do SUS e diversos instrumentos regulamentadores dos
casos concretos – Portarias, 183 resoluções e PCDT – trazem a lume uma primeira noção
conceitual do que vem a ser um medicamento de alto custo, aqui entendido sob uma
perspectiva absoluta, no formato de uma relação/lista confeccionada pelo Estado,
baseada em critérios erigidos pelo corpo técnico formador da política pública,
responsável por abarcar o maior número de beneficiados com atos de gestão,184
Entretanto, tendo em vista a complexidade dos procedimentos técnicos de
inclusão de medicamentos no rol dos excepcionais, evidencia-se a falta de critérios para,
efetivamente, definir um dado remédio não constante das listagens oficiais ou atrelado
em outro grupo que não o componente especializado da assistência farmacêutica, como
sendo de alto custo.
Paulo Dornelles Picon, médico pesquisador junto à Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (Brasil), empreendeu esforço hermenêutico em busca da definição
do que seria considerado um medicamento excepcional, asseverando que
“medicamentos de alto custo são aqueles cujo valor unitário mensal esteja acima de um
181 BONINI, Flavia Kakiuti; BELLODI, Fernanda Silva; SOUZA, Elemir Macedo. Hemangioma infantil
tratado com propranolol. Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 86, n. 4, p. 763-766, jul./ago. 2011. 182 BRASIL. Protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas: volume 2. Brasília: Ministério da Saúde,
2010. p. 10. 183 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n. 1.554, de 30 de julho de 2013: anexo I. disponível em:
<http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/julho/05/ANEXO-I--05-07-2016--2-.pdf>. Acesso em:
17 out. 2016. 184 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos:
Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Disponível em:
<portalsaude.saude.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11635&Itemid=702>.
Acesso em: 17 out. 2016.
64
salário mínimo, ou medicamentos de uso crônico indicado para doenças muito
prevalentes (acima de 1% da população) cujo custo mensal seja superior a um terço de
um salário mínimo”.185
Para Renilson Rehem de Souza, ex-Secretário de Assistência à Saúde, órgão
pertencente ao Ministério da Saúde, “medicamentos excepcionais ou são aqueles ‘de
elevado valor unitário’, ou que ‘pela cronicidade do tratamento, se tornam
excessivamente caros para serem suportados pela população. Utilizados em nível
ambulatorial, a maioria deles é de uso crônico e parte deles integra tratamentos que
duram por toda a vida”.186
Contribuindo para o debate, a Portaria GM-MS n. 3.916, de 30 de outubro
de 1998, do Ministério da Saúde, responsável pela implantação da Política Nacional de
Medicamentos e objeto de estudo no próximo capítulo (2.1.1), consignou definição
sobre o que seriam “Medicamentos de dispensação em caráter excepcional” no item
“7.31”, nos seguintes termos: “medicamentos utilizados em doenças raras, geralmente
de custo elevado, cuja dispensação atende a casos específicos”.187
Analisando-se os conceitos de medicamentos excepcionais, depreende-se
que o custo está presente em todas as construções, nada obstante tal fator, notoriamente
subjetivo, não contar com qualquer explicação adicional para bem delimitar a ideia,
esvaziando sua utilidade e tornando-os inservíveis para lançar luzes sobre o tema.
Enveredando por um caminho semântico para determinar o que se pode
considerar como “alto custo”, também é possível averiguar o significado da expressão
“excepcional”,188 extraindo-se da palavra o sentido gramatical de algo oposto ao
cotidiano, revelando-se, por isso, uma exceção, correlacionada a parcela diminuta da
população.
Nesse diapasão, justamente em razão de o termo “excepcional” referir-se
àqueles medicamentos que devem ser ministrados apenas para uma pequena fração da
185 PICON, Paulo Dornelles; BELTRAME, Alberto (Orgs.). Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas: Medicamentos Excepcionais. Porto Alegre: Gráfica Pallotti, 2002. 186 SOUZA, Renilson Rehem de. O Programa de Medicamentos Excepcionais: protocolos clínicos e
diretrizes terapêuticas: medicamentos excepcionais. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 187 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM-MS n. 3.916/1998: Política Nacional de Medicamentos.
Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html>. Acesso
em: 17 out. 2016. 188 “Excepcional: 1. Em que há exceção. 2. Relativo a exceção. 3. Excêntrico, anormal” (DICIONÁRIO
PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA. “Excepcional”. Disponível em:
<http://www.priberam.pt/dlpo/excepcional>. Acesso em: 17 out. 2016.).
65
sociedade, seria adequado empregar, mesmo superficialmente, analogia para com o
suporte teórico oferecido pela “lei da oferta e procura” de Adam Smith,189 concluindo-se
que, uma vez produzido em menor escala, seu valor agregado aumenta, o que culmina
com a majoração de seu preço final.
O fato é que, em sendo as políticas públicas instrumentos voltados à
concretização de direitos garantidos pelo Estado aos cidadãos, estes devem constituir o
parâmetro para aferir quando um dado tratamento médico é considerado de alto custo.
Afinal, a subjetividade da interpretação da expressão “alto custo” ou “excepcional” ora
em análise dá azo a questionamentos de toda ordem, na medida em que são incapazes de
ser aplicados indiscriminadamente a todas as situações peculiares surgidas.
Tomem-se como exemplo dois relatórios oficiais que justificam a adoção de
outros paradigmas, que não o valor pecuniário do medicamento:
(i) produzido pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação – SAGI,
órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, os
Relatórios de Informações Sociais190 reúnem dados socioeconômicos de grupos
familiares brasileiros considerados de baixa renda.191 Segundo tal levantamento, há, no
Brasil, cerca de 20 milhões de famílias cuja renda mensal per capita não ultrapassa meio
salário mínimo.
Com base em tais dados, o conceito formulado por Dornelles, descrito nos
parágrafos antecedentes, não resiste enquanto critério idôneo para identificar o alto
custo de um medicamento qualquer. Afinal, é certo que, mesmo uma quantia deveras
inferior a um salário mínimo, já é o bastante para comprometer devastadoramente a
capacidade de subsistência de uma família de baixa renda que necessite de um fármaco
específico.
(ii) o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD
publicou o “Relatório do Desenvolvimento Humano 2015: o trabalho como motor do
189 ALVES, Waldon Volpiceli. Uma breve história das crises econômicas. São Paulo: Fdigital, 2012. 190 BRASIL. Ministério do desenvolvimento social e combate à fome – Secretaria de avaliação e
gestão da informação: relatórios de informações sociais. Disponível em:
<http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#>. Acesso em 17 out. 2016. 191 “Art. 4º Para fins deste Decreto, adotam-se as seguintes definições: (...) II - família de baixa renda:
sem prejuízo do disposto no inciso I: a) aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário
mínimo; ou b) a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos; (BRASIL. Decreto n.
6.135, de 26 de junho de 2007. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2007/decreto/d6135.htm>. Acesso em 17 out. 2016).
66
desenvolvimento humano”,192 estudo que objetiva apurar os progressos dos países
pertencentes à ONU, em relação à promoção da dignidade humana em seus múltiplos
aspectos.
Perscrutando-se os dados da pesquisa, verifica-se que o Brasil figura,
atualmente, na 75ª posição em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH,
atrás de países como Cazaquistão, Trinidad e Tobago e Venezuela. E ainda, sopesado o
alto grau de desigualdade social, o qual considera no cálculo a diferença de renda entre
as camadas sociais, bem como expectativa de vida e bagagem educacional, há uma
perda de 26,3% no IDH, o que retrata o alto grau de injustiça social experimentado no
país e que, por vias transversas, atinge a saúde pública e desemboca no próprio
Judiciário, conforme será abordado no terceiro capítulo.
Nesse cenário discrepante, reduzir o conceito de medicamento de alto custo
meramente à perspectiva objetiva, embora tenha o escopo salutar de operacionalizar a
política pública, mostra-se incompleto. Isso porque, conforme já abordado, para
determinadas classes da sociedade, mesmo um medicamento de valor unitário inferior
ao salário mínimo vigente pode tornar-se inalcançável, tornando-se excepcional naquele
caso concreto.
Ademais, apesar da edição e constante atualização do Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica, fato é que o dinamismo e a urgência dos
casos relacionados à saúde exigem novos parâmetros de aquisição e dispensação pelo
Poder Público, dotados de fluidez ao invés de imobilidade, flexibilidade em oposição à
unicidade, no que se refere ao alcance dos benefícios de drogas capazes de promover
cura ou melhora na sobrevida de pacientes acometidos de enfermidades diversas.
São justamente tais embaraços que, nos casos concretos envolvendo
medicamentos de alto custo, dão azo à promoção de medidas judiciais, instância que se
revela – ao menos teria que se revelar – a última ratio para a concretização de direitos
tidos por fundamentais.
Assim, é preciso deslocar o cerne da discussão sobre o que vem a ser um
medicamento de alto custo. Nesse sentido, considerando a impropriedade das tentativas
de conceituação antes mencionadas, todas voltadas somente para o aspecto do custo do
medicamento, bem como a necessidade de se colocar o paciente sob os holofotes da
192 UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Human development report 2015: work
for human development. Disponível em: <http://report.hdr.undp.org/>. Acesso em: 17 out. 2016.
67
política pública, propõe-se a adoção de um critério relativo complementar para, em
conjunto com as listagens oficiais de medicamentos excepcionais, identificar com mais
precisão quando se está diante de um fármaco de alto custo.
Possivelmente, a noção conceitual capaz de conferir a amplitude devida ao
significado das expressões “medicamento de alto custo” ou “medicamento
excepcional”, abarcando suas dimensões absoluta e relativa, possa ser explicitada da
seguinte forma: medicamentos de alto custo são aqueles expressamente constantes das
listagens oficiais confeccionadas pelo Poder Executivo segundo diretivas de
macrojustiça, bem como os que representam dispêndio suficiente para inviabilizar sua
aquisição sem que, para isso, restem comprometidas necessidades básicas do grupo
familiar do enfermo.
Por último, frise-se que o viés relativo do alto custo, por sua natureza
condicionada à situação socioeconômica do postulante, deve ser aferido no caso
concreto, à vista das peculiaridades apresentadas pelo demandante, cabendo à
autoridade administrativa ou ao magistrado perscrutar detidamente sobre a real
necessidade e pertinência da disponibilização do fármaco, a relação custo benefício e
eventuais alternativas à postulação, conforme as diretrizes oriundas das políticas
públicas de saúde.
68
CAPÍTULO 2 – TUTELA ADMINISTRATIVA DO DIREITO À SAÚDE
MEDIANTE O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO
Assentado o alicerce fundamental para o entendimento do tema estudado, o
segundo capítulo é responsável por apresentar a maneira encontrada pela Administração
Pública para materializar o direito fundamental à saúde a medicamentos de alto custo,
além de evidenciar os efeitos complicadores oriundos de intercorrências pelos demais
Poderes instituídos.
Além disso, a pesquisa enfoca especificamente o protagonismo judicial
experimentado pela sociedade e o aumento exponencial do volume de ações que têm
como pano de fundo o debate acerca das escolhas orçamentárias exercidas pelo Poder
Executivo, conjecturando, ao final, sobre avanços e retrocessos ocorridos em país que
optou pela desjudicialização das políticas públicas.
2.1. Organização administrativa para a tutela do direito à saúde e para o
fornecimento de medicamentos de alto custo
Nos subitens que se seguem, traz-se à colação (2.1.1) a Política Nacional de
Medicamentos, estruturada conforme os desígnios do Estado, dando-se ênfase, dentre as
suas atribuições, ao aparato tecnológico para a incorporação de novos fármacos à
Relação Nacional de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência
Farmacêutica – RENAME-CEAF.
O subitem seguinte (2.1.2) trata da zona de tensão criada por decisões
judiciais concessivas de medicamentos vultosos, sem que haja previsão nos Protocolos
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT’s, dando azo à necessidade premente de
ressignificação do princípio da separação dos poderes.
Ao final (2.1.3), faz-se nota conclusiva sobre as premissas apresentadas, no
sentido de amadurecer a cooperação entre os ramos do Poder instituído e, com isso,
reduzir arestas surgidas por meio da adequação dos referidos Protocolos e da
RENAME.
69
2.1.1. A estruturação da Política Nacional de Medicamentos
A crise institucional experimentada pelo Brasil nos últimos anos,
envolvendo principalmente os Poderes Executivo e Legislativo,193 somada ao ideal de
bem-estar insculpido na Constituição da República de 1988, por sua vez “amplamente
influenciada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos”194 e, por isso, composta
por um amplo leque de direitos prestacionais, deu azo à busca cada vez maior pela
efetivação de direitos sociais junto ao órgão jurisdicional.
Embora seja indiscutível e indelével o livre acesso ao Judiciário, é certo
que, especificamente em relação às ações que objetivam o fornecimento de
medicamentos denominados “de alto custo” ou excepcionais, a judicialização alcança
grandes proporções, de maneira a despertar questionamentos em relação ao acerto das
decisões judiciais que tratam de tais celeumas.
Isso porque o impacto dessas determinações pode ocasionar desequilíbrio
nas contas públicas, seja porque não foram previstas pelo Executivo em orçamento
público prévio, seja porque reduzem o montante destinado à aquisição de outros
fármacos, minorando, com isso, o alcance das políticas públicas engendradas com o
objetivo de atender o maior número possível de cidadãos.
Com o crescimento exponencial das ações que pleiteiam medicamentos
custosos, houve uma verdadeira transformação na Administração Pública. Somado a
isso, a majoração do índice de envelhecimento populacional, muitas vezes associado ao
desenvolvimento do país, por exemplo, pode ser apontado como uma das causas do
aumento da procura por medicamentos contínuos, os quais são frequentemente
associados a patologias que demandam remédios excepcionais.195
Tal fato, somado a tantas outras celeumas que acometem a população
agravada, culminou com o esgotamento de recursos estatais sem o atendimento
adequado de milhares de pacientes, os quais se viram compelidos a reclamar suas
193 A respeito do assunto, cf.: SALGADO, Eneida Desiree; GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel
Wunder. Política para quem não quer só comida. Disponível em:
<http://www.osconstitucionalistas.com.br/politica-para-quem-nao-quer-so-comida>. Acesso em: 16 out.
2016. 194 ALVES, Roberta Emanuelle Rosa. A Corte Interamericana de Direitos Humanos na defesa das
liberdades fundamentais. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 4. n. 2, p. 107-
128, jul./dez. 2013. 195 PORTELA, Margareth Crisóstomo. Avaliação da qualidade em saúde. In: ROZENFELD, Suely
(Org.). Fundamentos da vigilância sanitária. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2000. p. 259-270.
70
pretensões junto ao Poder Judiciário, em busca da efetivação de seu direito fundamental
à saúde.
Por outro lado, em que pesem os esforços oficiais para incentivar a
produção farmacêutica por meio de laboratórios nacionais, os recursos estão aquém da
necessidade experimentada pelo contingente de enfermos, sendo recomendado ao
julgador considerar tal argumentação, sem olvidar de outras construções
argumentativas, quando da prolação de decisões em assuntos de saúde.
Nesse contexto, relevante mencionar que, no domínio do Poder Público, o
processo de decisão em matéria de saúde passa necessariamente pela Relação Nacional
de Medicamentos Essenciais (RENAME), cujas diretivas encontram-se especificadas na
Resolução GM-CIT nº 1, de 17 de janeiro de 2012, do Ministério da Saúde, a qual é
considerada o “instrumento oficial que norteia a definição das políticas públicas para o
acesso aos medicamentos no âmbito do Sistema de Saúde brasileiro”.196
Atualmente, a Relação é composta por cinco seções, divididas segundo a
natureza das enfermidades que acometem os indivíduos e sua repercussão na sociedade:
A Relação Nacional de Medicamentos do Componente Básico da
Assistência Farmacêutica abrange os agravos e programas de saúde específicos,
destinando-se ao tratamento das enfermidades mais comuns à sociedade. A Relação
Nacional de Medicamentos do Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica,
por sua vez, dirige-se ao cuidado das doenças endêmicas e retrovirais, de abrangência
regional ou nacional. Há também a Relação Nacional de Medicamentos do Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica, cujo objeto é o tratamento de enfermidades
que demandam medicamentos de alto custo, chamados de excepcionais, adquiridos sob
demanda específica após o estabelecimento de determinados critérios, o que será adiante
tratado. Tem-se ainda a Relação Nacional de Insumos Farmacêuticos, consistente em
uma série de produtos que, embora não sejam medicamentos, exercem função
complementar a estes, identificando as doenças investigadas por meio de reagentes e
materiais diversos que informam e direcionam o tipo de atendimento.197 Por fim, a
Relação Nacional de Medicamentos de Uso Hospitalar, codificado de maneira a
196 BRASIL. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2013. 8. ed. Brasília: Ministério
da Saúde, 2013. p. 27. 197 CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Produtos para saúde. Disponível em:
<http://www.cvs.saude.sp.gov.br/apresentacao.asp?te_codigo=3>. Acesso em 29 ago. 2015.
71
referenciar a edição dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT),
regulando o tratamento ocorrido dentro dos ambulatórios e unidades de internamento.
A título de curiosidade, a primeira lista contendo fármacos expedida pelo
Ministério da Saúde data de 1971198 e foi rotulada de “Central de Medicamentos”
(CEME), antes mesmo das diretrizes fixadas posteriormente pela Organização Mundial
da Saúde – OMS, em 1978, na Declaração de Alma-Ata.199 Em 1975, a relação recebe a
denominação atual de RENAME, acima transcrita. 200
Mesmo com o advento de profundas modificações legislativas, inclusive a
promulgação da Constituição da República de 1988 e a edição da Lei Orgânica do SUS
– Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, as listas de medicamentos permaneceram
ativas, por bem representarem as práticas estabelecidas pela Administração Pública.
Novo marco regulatório para a saúde pública surgiu com a edição da
Portaria GM-MS n. 3.916, de 30 de outubro de 1998, do Ministério da Saúde, a qual
instituiu a Política Nacional de Medicamentos e viabilizou, posteriormente, a criação da
Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), por meio da Resolução CNS n.
338, de 6 de maio de 2004, do Conselho Nacional de Saúde, a qual respeitou os
entendimentos firmados nas deliberações da 12ª Conferência Nacional de Saúde e da 1ª
Conferência Nacional de Medicamentos e de Assistência Farmacêutica, acentuando o
caráter técnico e democrático das decisões relativas à saúde pública.
Em termos sucintos, é por meio da PNAF que são encetadas ações voltadas
à promoção da saúde no âmbito do SUS. A ela cabe o acompanhamento da lista
RENAME e a atualidade de seus termos, postulando sua revisão periódica aos órgãos
competentes, adiante tratados, de maneira a viabilizar o acesso, pelo cidadão
necessitado, ao medicamento já devidamente investigado e cuja eficácia restou
comprovada por meio de análise técnica.
A revisão da RENAME, por sua vez, ocorre através da inclusão ou exclusão
de medicamentos e procedimentos pelo Ministério da Saúde, observadas as diretrizes
impostas pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), instituição formada a partir do
advento da Lei n. 12.466, de 24 de agosto de 2011, a qual incluiu os artigos 14-A e 14-
198 BRASIL. Decreto n. 68.806, de 25 de junho de 1971. Brasília: Diário Oficial da União, 1971. 199 BRASIL. As cartas da promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. p. 33. 200 BRASIL. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2014. 9. ed. Brasília: Ministério
da Saúde, 2013. p. 7.
72
B na Lei n. 8.080/90 – Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (LOS), que instituiu o
Sistema Único de Saúde e é composta por gestores federais, estaduais e municipais.201
Igualmente importante consignar que, desde a entrada em vigor da Lei n.
12.401, de 28 de outubro de 2011, a qual alterou a LOS, fomenta-se especificamente a
incorporação de novas tecnologias em saúde, para garantir a atualidade e a prática de
atos que contem com consenso médico. Trata-se da Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), órgão de assessoria do
Ministério da Saúde e que pondera acerca das evidências científicas relacionadas à
eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento,
sem descurar dos objetivos precípuos do Sistema Único de Saúde, que são a
universalidade e a integralidade das ações afetas à saúde pública nacional.
Além disso, há outra ferramenta, intitulada Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas (PDCT), que fixa os critérios de diagnóstico da doença e correlaciona o
tratamento respectivo, coletando, inclusive, dados acerca dos resultados terapêuticos
obtidos. Na prática, RENAME e PCDT são listagens complementares e aplicadas aos
casos concretos de maneira simultânea, ao passo que o CONITEC assessora o
Ministério da Saúde quando necessária a inclusão ou exclusão dos fármacos utilizados
nos centros de saúde e que comporão as listas supramencionadas.
E ainda, cumpre ressaltar que, nos termos do artigo 21 do Decreto n.
7.508/2011, “todas as ações e serviços que o SUS oferece ao usuário para atendimento
da integralidade da assistência à saúde”202, aqui contempladas as ações e listagens já
delineadas, compõem a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES),
sob a supervisão do Ministério da Saúde e que supervisiona as normas da saúde pública,
sempre com a observância das decisões da Comissão Intergestores Tripartite (CTI).
Pois bem. Explicitada, ainda que em linhas gerais, a evolução normativa da
Política Nacional de Medicamentos e dos órgãos responsáveis pela manutenção das
políticas públicas de fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos no Brasil,
bem como o alto grau de tecnicidade e complexidade da estruturação dos programas de
201 Especificamente, a representação da CIT conta com as três instâncias do SUS, quais sejam: União,
representada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); Estados, por meio
do Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social (Fonseas); e Municípios, pelo
Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas). Fonte: MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/acesso-a-
informacao/orgaoscolegiados/orgaos-em-destaque/cit> Acesso em 28 ago. 2015. 202 BRASIL. Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011. Diário Oficial da União. Brasília, 29 jun. 2011.
73
saúde coletiva, faz-se imprescindível focar o presente estudo em um dos
desdobramentos específicos da lista RENAME, qual seja, a “Relação Nacional de
Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica”, para
alcançar a finalidade de expressar contribuições para o estabelecimento de critérios
quando da prolação de decisões judiciais em ações que versam sobre tais tipos de
fármacos.
2.1.2. Os medicamentos excepcionais garantidos judicialmente: os riscos de ingerência
indevida nos desígnios da Administração
A delicada fronteira existente entre a atuação da Administração Pública
brasileira, imbuída de suas prerrogativas e sujeições, e a intervenção do Poder Judiciário
na efetivação de políticas públicas voltadas à saúde é tema polêmico e recorrente nos
debates promovidos pelos atores políticos e jurídicos contemporâneos.
A razão para tal espécie de confronto entre os Poderes constituídos advém
do modelo de Estado adotado no país desde o advento da Constituição da República de
1988, de perfil notadamente social e fulcrado na democracia, segundo o qual deve haver
independência e harmonia entre os Poderes da União, sem que haja, contudo,
sobreposição de um em detrimento do outro.203
Nessa senda, cabe ressaltar que o Estado brasileiro assumiu feições sociais
já na “Era Vargas”, experimentando seu primeiro período democrático entre os anos de
1945 e 1964, quando então fora suplantado pela ditadura militar, retomando
concretamente o caminho das liberdades civis apenas com a promulgação da
Constituição da República de 1988.204
O aumento exponencial do volume de processos em que se discutem
pretensões relacionadas ao direito à saúde – a judicialização da saúde – não é um
fenômeno exclusivo do Brasil. Ricardo Perlingeiro atenta para o fato de que outros
países, ocupantes de posições distintas em relatórios de desenvolvimento humano,
enfrentam situações semelhantes. De seu preciso relato, destaca-se o seguinte trecho: “A
203 SILVA, Marcelo Rodrigues da; SANTINHO, Guilherme Sampieri. Políticas públicas e efetivação dos
direitos sociais. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 13, n. 144, p. 50-56, fev. 2013. 204 OPUSZKA, Paulo Ricardo; FRÁGUAS, Silvia. Elementos da teoria keynesiana para uma reflexão
sobre a intervenção jurídica estatal. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 3, n.
2, p. 465-489, jul./dez. 2012.
74
judicialização da política de saúde não é exclusiva do Brasil. É também encontrada em
um grau limitado nos Estados Unidos e na mesma medida do Brasil em outros países
latino-americanos como Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai, Colômbia, Equador,
Venezuela, Bolívia, Peru e México”.205
O direito fundamental à saúde, previsto no ordenamento constitucional no
artigo 6º,206 foi alçado à condição de mandamento nuclear do sistema e, assim sendo,
conforme reiterados precedentes oriundos de Tribunais espalhados por todo o país,
inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal, servem de supedâneo para a
judicialização de pedidos de índole individual que abarcam uma miríade de prestações
estatais.
Afora sua nítida relevância para o desenvolvimento da sociedade, o direito
social à saúde se encontra no epicentro da atuação jurisdicional também em razão de se
consubstanciar em norma jusfundamental de dupla dimensão, sendo a primeira delas
relacionada à postura negativa do Estado, vedadas quaisquer intervenções prejudiciais à
sua fruição; e, uma outra face, positiva, que lhe confere a prerrogativa de receber do
Poder Público medidas de proteção e promoção de sua saúde.207
Impende ressaltar que a previsão constitucional não se limita ao artigo antes
mencionado. O artigo 196, já pormenorizado em itens precedentes, vai além da mera
descrição normativa, para assentar que a saúde deve ser objeto de proteção massiva por
parte de todas as esferas de poder estatal, reclamando o estabelecimento de ações
positivas que objetivem a melhora indistinta das condições da população.
Tal dispositivo se revela, na concepção de vários expoentes do Direito
brasileiro, um verdadeiro sinônimo de justiça social e igualdade, eis que, a um só
tempo, dignifica a existência dos cidadãos brasileiros e exterioriza a retidão de um
Estado preocupado com a probidade de seus atos, algo sempre almejado pela sociedade.
A esse respeito, José Afonso da Silva aduz que a mens legis contida no
artigo 196 da Constituição da República é capaz de, a um só tempo, associar
205 PERLINGEIRO, Ricardo. Recognizing the public right to healthcare: the approach of Brazilian courts.
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 1, n. 1, p. 19-37, jan./abr. 2014. 206 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) 207 ASENSI, Felipe; AIDAR, Adriana; DIAS, Daniela; FERREIRA, Arnaldo; BARCELOS, João;
SALLUM, Renata; CATTLEY, Luiza; SZKLARZ, Patrick; MAÇULLO, Vanderson. O judicial e o
extrajudicial: Ministério Público e direito à saúde no Brasil. A&C – Revista de direito administrativo e
constitucional, Belo Horizonte, v. 15, n. 60, p. 179-205, abr./jun. 2015.
75
perfeitamente direitos e obrigações, vinculando todos os destinatários da norma, ativos e
passivos, exprimindo todas as possibilidades para o cumprimento do dever
constitucional de promoção da saúde, o que demonstra a sua jusfundamentalidade.208
Portanto, para os que comungam de tal entendimento, de acordo com a
previsão constitucional, se, de um lado, a Administração Pública recebeu a incumbência
de criar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente
delineados, de outro, incumbe ao Poder Judiciário fiscalizar e velar pelo fiel
cumprimento dos direitos sociais garantidos, sob pena de o descumprimento estatal
injustificado em implementar e viabilizar políticas públicas acarretar a desarmonia da
ordem jurídica. Por isso, mereceriam, oportunamente, correção judicial, sob pena de
transformar em letra morta os direitos fundamentais sociais.
De outra banda, conquanto a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de
1990, em conjunto com Decretos e Portarias respectivas, regule, em todo o território
nacional, as ações e serviços relacionados à promoção de políticas públicas voltadas à
garantia do direito fundamental social à saúde, é certo que não se pode falar em
eficiência plena de tal microssistema, sobretudo diante das diversas decisões judiciais,
proferidas pelas Cortes de todo o país, que concedem medicamentos e tratamentos
médicos em favor de pacientes negligenciados pela Administração, personificando a
judicialização da saúde.209
Não há dúvidas quanto à legitimidade do Poder judiciário de, pontualmente,
determinar o cumprimento, pela Administração, de medidas que tenham por escopo a
efetivação de direitos fundamentais. Mônia Clarissa Hennig Leal explica que tal
possibilidade, consubstanciada em orientações e determinações destinadas aos demais
Poderes, prestigia a máxima efetividade dos direitos fundamentais, podendo haver,
inclusive, a responsabilização do ordenador da despesa por eventual descumprimento.210
208 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 768. 209 Nesse sentido: BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à
saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: MOREIRA,
Eduardo Ribeiro; PUGLIESI, Marcio. (Org.). 20 anos da Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 163-193. 210 LEAL, Mônia Clarissa Hennig; Kohls, Cleize Carmelinda. Boa administração pública e fundamentos
constitucionais das políticas públicas na perspectiva do Supremo Tribunal Federal. Revista de Estudos
Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 7, n. 2, p. 188-196, mai./ago.
2015.
76
Tais decisões invocam preceitos normativos, insculpidos principalmente nos
artigos 6º, 196 e 198 da Constituição Federal, que remontam à noção do “feixe de
posições de direitos fundamentais” de Robert Alexy.211 Isso sem olvidar do “mínimo
existencial”, antes abordado, em um verdadeiro exercício de hermenêutica cujo escopo
é a promoção, nos casos concretos examinados, do acesso universal ao direito
fundamental social à saúde, ocasionando verdadeiro embate para com os
administradores públicos, responsáveis pela transmutação dos mesmos conceitos
abstratos em políticas públicas abrangentes e universais, mas nem sempre eficazes.212
Frente às inúmeras decisões recentes proferidas por Cortes de Justiça
situadas em todo o país, no sentido de que deve a Administração Pública, diante da
necessidade de cidadãos portadores de enfermidades diversas, fornecer medicamentos
de alto custo e tratamentos médicos igualmente vultosos, não previstos na Relação
Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), tampouco pelos Protocolos Clínicos
e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), o Estado aduz ser impossível atender a totalidade da
população e suas infinitas necessidades, valendo-se da teoria da “reserva do possível”.213
Evidenciando o caráter atuante e complementar do Judiciário na questão
suscitada, traz-se à colação o posicionamento manifestado pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, no sentido de que o Poder Público tem o dever de subsidiar
medicamentos e tratamentos de alto custo a portadores de doenças graves, em casos não
abrangidos pelas políticas públicas estabelecidas. Trata-se do processo de Suspensão de
Tutela Antecipada n. 175, que teve como Relator o Ministro Gilmar Ferreira Mendes,
julgado em 17 de março de 2010.
Cumpre destacar que o entendimento exarado no voto condutor, além de
apoiado em acervo doutrinário de renome, levou em conta as considerações de gestores
públicos, membros da magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia
da União, Estados, Municípios, estudantes e entidades que compõem a sociedade civil,
211 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 249. 212 A respeito do assunto: STF: RE 642536 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, j. 05.02.2013,
DJe 27.02.2013. 213 A respeito do assunto: STF: ARE 727864, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 09.09.2014, DJe
17.09.2014.
77
os quais foram reunidos em audiência pública juntamente com o Ministro, ocorrida
durante o ano de 2009.214
Tal reunião foi considerada, pelo próprio Ministro relator, de suma
importância para a confecção da decisão posteriormente acompanhada pelos demais
componentes da Suprema Corte, na medida em que extrapolou a seara jurídica para
buscar respostas a partir de posicionamentos de grupos organizados da sociedade, o que
se assemelha, ao menos em sua gênese, com o democrático processo de modificação das
listas de medicamentos pelos órgãos vinculados ao Ministério da Saúde.
O voto condutor do Ministro contou com os seguintes dizeres: “Após ouvir
os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, ficou
constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à
saúde no Brasil. (...)”.215
De outra banda, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental –
ADPF nº 45-9,216 anteriormente julgada por decisão monocrática da Corte
Constitucional, igualmente estabeleceu importante marco regulatório no tocante ao
controle judicial de políticas públicas voltadas aos direitos sociais, ao consignar que o
Poder Judiciário somente poderá determinar a implementação de política pública para
garantir o mínimo existencial, desde que haja disponibilidade financeira do Estado, bem
diante da razoabilidade da pretensão deduzida.
Essa hipótese de controle judicial de políticas públicas vai ao encontro do
escólio de Felipe de Melo Fonte, para quem a saúde se traduz em política constitucional
essencial, apta a promover direitos essencialíssimos por natureza, relacionadas ao
mínimo vital.217 A análise do aresto supramencionado, por sua vez, traz à colação a
tentativa de conceituação das expressões “mínimo existencial” e “reserva do possível”.
É cediço que as necessidades da sociedade ultrapassam consideravelmente o
valor destinado pelo Poder Público para a promoção da justiça social. Em que pese a
Constituição da República determinar a realização de medidas consideradas “mínimas”
214 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Audiência Pública de 5 de março de 2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciapublicaSaude> Acesso 28
ago. 2014. 215 Idem. 216 BRASIL. Supremo Tribunal Federal: ADPF 45 MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 29.04.2004, DJ
04.05.2004. 217 FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação
do controle jurisdicional de políticas públicas no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 208.
78
e “imprescindíveis” ao desenvolvimento da população, promovendo-lhes vida digna –
fala-se, aqui, do “mínimo existencial” – os recursos estatais não conseguem contemplar
tal leque de garantias sociais, optando por ações consideradas pelos agentes políticos
como prioritárias, relegando ao limbo outros tipos de políticas públicas, eis que os
recursos são limitados, ao passo que as necessidades são intermináveis – eis a noção
empregada para a “reserva do possível”.
Em relação aos fundamentos jurídicos que representam o sustentáculo do
mínimo existencial, Daniel Wunder Hachem enuncia que há corrente doutrinária
majoritária no sentido de que aquele sequer necessita de expressa previsão
constitucional ou legal, estando “implícito no tecido constitucional, derivado, segundo a
maior parte dos autores, do princípio da dignidade da pessoa humana”.218
Assim, tem-se que, tal concepção, somada à força normativa e efetividade
da Constituição da República, desencadeou aumento significativo nas já volumosas
ações individuais e coletivas que objetivam a aquisição de fármacos e diversas espécies
de tratamento, gerando despesas vultosas ao Estado. Nesse sentido, juristas como
Octávio Luiz Motta Ferraz defendem a tese de que a judicialização da saúde, em sentido
contrário à concretização de direitos fundamentais, contribui, em verdade, para a
perpetuação da desigualdade social, havendo a necessidade imperiosa de se rever a
distribuição de recursos considerados relativamente escassos.219
O posicionamento antes mencionado encontra eco em diversos estudos, os
quais objetivam ampliar a busca por soluções viáveis e adequadas para o turbulento
sistema de saúde brasileiro.
Igualmente há que se ressaltar o incessante debate entre autores que se
posicionam pela postura da “autocontenção” do Judiciário nos casos de saúde, devendo
este atuar somente nas lacunas existentes entre os mandamentos da Constituição e a
ausência do Poder Público, não lhe sendo concebido, em nenhuma hipótese, criar novas
políticas públicas, sob pena de malferimento ao princípio da separação dos poderes
(entre outros, Clênio Jair Shulze e João Pedro Gebran Neto220) e o dever do Estado em
218 HACHEM, Daniel Wunder. Mínimo…, p. 205-240. 219 FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da
interpretação judicial dominante. DADOS Revista de ciências sociais, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p. 223-
251, 2009. 220 SHULZE, Clênio Jair; GEBRAN NETO, João Pedro. Direito à saúde: análise à luz da judicialização.
Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.
79
conceder aos cidadãos a vida com dignidade, e não somente a mera sobrevivência,
como forma de materialização do direito fundamental social à saúde, sendo papel do
Poder Judiciário intervir de maneira proativa, quando necessário.221
Para atender os postulados relacionados ao direito à saúde, os entes
federados envidaram esforços para a concepção de estrutura governamental dirigida por
políticas públicas222 específicas, as quais seriam capazes de promover a saúde da
população, aqui elevada à condição de direito fundamental.
O fruto da construção intelectual levada a termo pelo Estado, conforme
previsto pelo artigo 198 da Constituição Federal, consubstanciou-se no Sistema Único
de Saúde – SUS, o qual tem como premissa maior traduzir-se em política minimizadora
das desigualdades em saúde e das iniquidades sociais.223 Porém, é certo que há
desproporcionalidade entre os preceitos constitucionais e a estrutura real da saúde
pública no Brasil, sendo certo que o modelo de gestão atual do Estado não suporta a
demanda apresentada pela população.224
Inquestionável, nessa senda, o conflito experimentado pela Administração,
dividida pela escolha da melhor destinação dos recursos financeiros insuficientes para o
atendimento da demanda, os quais sabidamente não abrangerão todos os serviços
necessários.225 Isso sem olvidar do mau gerenciamento dos parcos recursos, aplicados
em muitas ocasiões sem a necessária reflexão e conhecimento técnico imprescindíveis à
redução das necessidades da população usuária da saúde pública. Como visto, as
necessidades da população são desproporcionais à estrutura que o Estado tem para
oferecer no que tange aos serviços de saúde. Isso ocorre muito em função do
investimento em uma saúde curativa, e não em uma saúde preventiva, conforme aponta
Ricardo Lobo Torres.226
221 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 768. 222 FREITAS, Daniel Castanha de. Controle de políticas públicas de saúde pelos Tribunais de Contas:
auditoria operacional como mecanismo de análise de eficiência. In: BONAT, Alan Luiz; NASCIMENTO
NETO, José Osório; QUETES, Regeane Bransin (Org.). Políticas Públicas e desenvolvimento. Curitiba:
Íthala, 2016, p. 135-154. 223 FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Ibidem, p. 247. 224 LUCENA, Cíntia. Direito à saúde no constitucionalismo contemporâneo. In: ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes (Coord.). O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 246. 225 Sobre o assunto: TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In:
______. (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.
287-288. 226 TORRES, op. cit., p. 287.
80
Diante do exposto, resta claro que o direito fundamental à saúde clama por
novas e sustentáveis políticas públicas capazes de imprimir, a um só tempo, eficiência
ao modelo de gestão adotado pelo Estado brasileiro, construindo, desta forma, estruturas
capazes de promover a efetiva recuperação da saúde dos indivíduos227, oportunizando-
lhes desfrutar da igualdade de posições inerente a um verdadeiro Estado Democrático de
Direito,228 que tem por escopo precípuo a igualdade substancial dos membros da
sociedade.229
Traçado o presente quadro fático, faz-se imprescindível posicionar-se de
maneira crítica à forma atual e subjetiva de obtenção de fármacos e tratamentos médicos
junto ao Judiciário, eis que há necessidade premente de reafirmação das políticas
públicas hoje existentes a tal respeito, adequando e otimizando trâmites junto aos órgãos
responsáveis pela aquisição e liberação de medicamentos, em especial os excepcionais.
Some-se a isso a complexidade que envolve as decisões judiciais, no sentido
de que o Poder Judiciário, ao realizar os julgamentos dos processos de medicamentos,
culmina proferindo sentenças ou votos imbuídos de elementos políticos e econômicos,
revelando-se, em muitos casos, “perigosa ampliação da inserção do Poder Judiciário nos
sistemas político e econômico, o que exige uma maior legitimidade democrática da
tomada de decisão”.230
A esse respeito, os dados empíricos obtidos junto à Secretaria de Estado da
Saúde do Paraná e transcritos em item precedente servem para corroborar a impressão
trazida no parágrafo anterior, no sentido de que o impacto negativo de decisões
proferidas no âmbito jurisdicional, além de não apontarem para uma solução definitiva
do problema, contribuem para a promoção da desigualdade da população, pois
engessam o sistema e ocasionam ineficiência em relação aos demais cidadãos carentes
de saúde.
227 MÂNICA, Fernando Borges. O setor privado nos serviços públicos de saúde. Belo Horizonte:
Fórum, 2010. p. 108. 228 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela..., p. 116. 229 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e direito
administrativo. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 1, n. 2, p. 247-
254, jul./dic. 2014. 230 FERREIRA, Maria Gorete; BASSETTO, Maria do Carmo Lopes Toffanetto Rossitto. Ação Civil
Pública para tutela de direitos individuais homogêneos de natureza assistencial: a Teoria dos Sistemas de
Luhmann e o paradoxo da decisão jurídica. A&C – Revista de Direito Administrativo &
Constitucional, Belo Horizonte, v. 14, n. 58, p. 211-237, out./dez. 2014.
81
A tensão estabelecida pelo desequilíbrio entre as diversas determinações
judiciais junto ao orçamento destinado à promoção igualitária da saúde da população,
não obstante concretizem os princípios constitucionais, estremecem as políticas públicas
engendradas pela Administração Pública. Basta analisar os resultados da pesquisa antes
colacionada.
É possível que uma das possíveis razões para a postura tão atuante do
Judiciário esteja relacionada à necessidade (até mesmo institucional) de fornecer
respostas aos anseios da população, por sua vez já combalida pelo vilipêndio costumeiro
de seus direitos essenciais, mesmo que, para isso, não sejam detidamente observadas as
diretrizes orçamentárias e outros desdobramentos de suas decisões nos esforços
expendidos pelo Estado, traduzindo-se, em casos extremos, em verdadeira formulação
de política pública anômala.231
2.1.3. A falta de cooperação entre os Poderes Executivo e Judiciário para o
estabelecimento de critérios que promovam a efetivação do direito à saúde
A presente seção procurou discorrer acerca da Política Nacional de
Medicamentos atualmente vigente no Brasil, tendo traçado um breve histórico como
forma de evidenciar que as listagens elaboradas no âmbito do Ministério da Saúde
começaram a circular antes mesmo da própria Convenção de Alma-Ata da Organização
Mundial da Saúde voltada para a saúde coletiva mundial.
Elucidou-se que a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
(RENAME), é a materialização de um processo minucioso de escolha dos fármacos que
a formarão, sopesadas análises de setores distintos que exercem suas atribuições no
âmbito do Ministério da Saúde. Sua legitimidade está assentada na Portaria GM-MS n.
3.916, de 30 de outubro de 1998, do Ministério da Saúde, a qual instituiu a Política
Nacional de Medicamentos e viabilizou, posteriormente, a criação da Política Nacional
de Assistência Farmacêutica (PNAF), por meio da Resolução CNS n. 338, de 6 de maio
de 2004, do Conselho Nacional de Saúde, a qual fora ratificada por ocasião da 12ª
Conferência Nacional de Saúde e da 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e de
231 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Políticas públicas, direitos fundamentais e controle judicial. Belo
Horizonte: Fórum, 2009. p. 117.
82
Assistência Farmacêutica, revelando método democrático na tomada de decisões no
âmbito da saúde pública.
Em relação ao permanente estado de revisão da RENAME, são consideradas
as assertivas da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), criada pela Lei n. 12.466/2011,
além de contar o Ministério da Saúde com a assessoria especializada da Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) no Sistema Único de Saúde.
Ato contínuo, houve a descrição da Política Nacional de Assistência
Farmacêutica (PNAF), por sua vez agregadora dos procedimentos já delineados, sendo
responsável pela promoção de ações voltadas à efetivação da saúde no âmbito do SUS.
A ela cabe o acompanhamento da lista RENAME e a atualidade de seus
termos, postulando sua revisão periódica aos órgãos competentes, de maneira a
viabilizar o acesso, pelo cidadão necessitado, aos medicamentos já devidamente
investigados e cuja eficácia restou comprovada por meio de análise técnica.
Na prática, RENAME e PCDT são listagens complementares e aplicadas
aos casos concretos de maneira simultânea, diferenciadas apenas pelo fato de aquela
conter tão somente a listagem de todos os fármacos existentes no âmbito do SUS, ao
passo que este é utilizado como diretriz de rotinas médico-terapêuticas, relacionando
medicação a internamento, passando pela posologia.
Em seguida, o estudo volta-se especificamente ao Componente
Especializado da RENAME, destinado à aquisição e dispensação dos chamados
medicamentos excepcionais no Brasil. Nesse ponto, foram apontadas as premissas que
definem um dado tratamento médico como sendo de alto custo. Para tanto, cumpre
averiguar a complexidade do tratamento da doença, a garantia da integralidade do
tratamento da doença no âmbito da linha de cuidado e a manutenção do equilíbrio
financeiro entre as esferas de gestão do SUS em suas três esferas de atuação. Tais
referências estão expressamente previstas pela Portaria GM-MS n. 1.554/2013.
Após, foram trazidos conceitos do que se entende por “medicamento
excepcional” para, depois, abordar as peculiaridades da judicialização da saúde. Nessa
senda, conclui-se que, embora tenha o Judiciário brasileiro o dever de fazer cumprir
políticas públicas eventualmente deficitárias ou inoperantes, é certo que suas decisões
precisam, necessariamente, considerar detidamente as prescrições contidas nos
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas e as relações de medicamentos previstas
83
no Componente Especializado da RENAME, já que o procedimento técnico de escolha
dos fármacos envolve várias etapas e profissionais, o que não pode ser ignorado quando
da prolação de decisões por vezes atécnicas e displicentes para com todo o enredamento
administrativo construído por meio de conquistas sociais.
Na fala do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, ao
proferir voto-vista no Recurso Extraordinário com repercussão geral n. 566.471/RN:
“Fixar limites e parâmetros, ao contrário de negar direitos em situações peculiares,
estará o Judiciário conferindo efetividade ao direito à saúde e seus princípios, na justa
medida da particularidade aferida por meio de filtros ou parâmetros ou critérios
probatórios.”232
Prova das reentrâncias indevidas do Judiciário estão representadas na
pesquisa levada a efeito pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, que comprova o
efeito impactante no orçamento público, em decorrência de ações que nem sempre tem
seu arcabouço probatório corretamente averiguado. E ainda, ao se deparar com situação
de efetiva violação do direito fundamental à saúde, deve o magistrado lastrear seu
entendimento somente após a determinação de ampla dilação probatória, suficiente para
infirmar as listagens padronizadas, para que todo o projeto e a implantação da Política
Nacional de Medicamentos e seu Componente Especializado não tenham representado
tão somente desperdício de verba pública.233
É certo que o direito à percepção de medicamentos é corolário do direito
fundamental à saúde. Entretanto, deve-se atentar para uma possível crise de identidade
do Poder Judiciário, acaso determine modificações e quiçá implementações de políticas
públicas, sem a correspondente legitimidade, de mesma natureza dos demais Poderes
instituídos.
Por esse motivo, é preciso maior reflexão quando da judicialização dos
feitos que tratam da saúde. Se, de um lado, tem-se que os direitos fundamentais sociais
detêm aplicabilidade imediata, ratificada pelo Estado Democrático de Direito, de outro,
igualmente vigoram princípios fundantes da República, a exemplo da segurança
232 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto
custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016. 233 ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas de. Direitos fundamentais sociais e sua aplicação pelo Judiciário:
hidrólise judicial de políticas públicas ou tutela efetiva? Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre,
v. 5, n. 14, jan./mar. 2011.
84
jurídica, economicidade dos atos administrativos e, por que não, a própria dignidade
humana, no sentido de maior alcance possível das metas da saúde pública.
Faz-se imprescindível que a postura do Judiciário seja criteriosa, como
forma de ampliar e legitimar o embate no âmago das ações desse tipo, seja por meio de
provas periciais ou outros meios idôneos que aumentem a participação da sociedade no
processo. Assim, a realização de audiência pública e outros atos que, além de
proporcionar maior densidade argumentativa, legitimam a conduta do julgador, devem
ser estimuladas, em busca da necessária medida de justiça diante de vários direitos
tutelados.
Afinal, o caminho para a efetivação do direito fundamental à saúde no
Brasil passa, necessariamente, pelo estabelecimento de um diálogo produtivo entre os
Poderes Judiciário e Executivo, com a instituição de balizas jurisprudenciais sólidas e
apropriadas aos casos que envolvam medicamentos de alto custo, de um lado, bem
como pela ágil adequação da RENAME e dos Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas às novas realidades enfrentadas, de outro.
2.2. Judicialização e desjudicialização da saúde: adoção de medidas eficientes no
âmbito do Executivo e Legislativo capazes de minorar a atuação do Judiciário
Após corporificar a política de medicamentos engendrada pela
Administração para atender a população e demonstrar a instabilidade sofrida pelo
sistema quando atingida por decisões que deixam de observar suas diretrizes de
incorporação de fármacos, a segunda parte do capítulo em apreço apresenta alguns dos
institutos que contribuem fundamentalmente para a atualidade do tema – e igualmente
para a sua volubilidade.
É tempo, portanto, de pôr em evidência dois fenômenos: (2.1.1) o “ativismo
judicial”, atributo já marcante da proativa judicatura brasileira; e (2.2.2) a
“judicialização da política” decorrente, em grande parte, da gama de direitos subjetivos
conferidos pela Constituição Federal.
O item último (2.2.3) dá conta de expor brevemente a experiência
portuguesa de “desjudicialização” da política, listando as principais características –
positivas e negativas – de um sistema que enveredou rota oposta ao protagonismo
judicial.
85
2.2.1. O protagonismo do Poder Judiciário brasileiro em decorrência da crise
institucional: o ativismo judicial
A vigorosa judicialização dos feitos atinentes à saúde e, em especial, à
aquisição de medicamentos de alto custo, decorre de um processo de legitimação
ocorrido, nos dizeres de Felipe Dutra Asensi, “em função de uma série de circunstâncias
e fatores sociais, políticos e culturais no século XX, que culminaram na intensificação
da judicialização dos conflitos e dos próprios direitos”.234
O mesmo autor, ao discorrer sobre o protagonismo judicial que vigora na
sociedade brasileira, observa que essa espécie de legitimação extraordinária conferida
aos magistrados foi classificada sob a forma de uma “profecia que se cumpre por si
mesma”,235 onde as decisões cada vez mais alcançam searas antes intocáveis pelo Poder
Judiciário.236
Não obstante a expressão “ativismo judicial” aparentemente ter sido
cunhada por Arthur Schlesinger em 1947,237 a celeuma relacionada ao instituto em
questão possui gênese ainda no século XIX, quando do julgamento, pela Corte Suprema
dos Estados Unidos da América, do emblemático caso Marbury versus Madison, em
1803.238 Considerado a pedra angular do judicial review, instituto que confere
legitimidade ao Poder Judiciário para revisitar decisões emanadas do Legislativo, o caso
supramencionado, decidido à época pelo Chief Justice John Marshall, abriu caminho
para um sem número de decisões que objetivam, cada vez mais, empreender o controle
de atos praticados pelas demais esferas de poder.239
234 ASENSI, Felipe Dutra. Direito à saúde: práticas sociais reivindicatórias e sua efetivação. Curitiba:
Juruá, 2013. p. 192. 235 Conceito criado por MERTON, Robert. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p.
515. 236 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 194. 237 KMIEC, Keenan Douglas. The origin and current meaning of “judicial activism”. California Law
Review, Berkeley, v. 92, n. 5, p. 1441-1478, out. 2004. 238 PAMPLONA, Danielle Anne. O Supremo Tribunal Federal e a decisão de questões políticas: a
postura do juiz. Curitiba: Juruá, 2011. p. 98. 239 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional: entre constitucionalismo e
democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 90.
86
É comum relacionar ao ativismo judicial, além do precedente acima
descrito, a teoria da separação tripartite dos poderes de Montesquieu.240 Entretanto, não
se pode olvidar que tal construção teórica foi edificada à época em que ainda reinavam
Estados absolutistas e, por isso, não mais se sustentam.241 Ademais, não são incomuns
estudos que apontem equívocos em relação à compreensão dessa teoria, a qual não seria
clara em relação à separação dos poderes, motivo pelo qual teria havido, em certos
momentos históricos, a apropriação inadequada do discurso.242
Uma justificativa para a atuação do Poder Judiciário na prolação de decisões
em casos que envolvam os demais Poderes instituídos, sem olvidar de outros registros,
pode ser encontrada em Norberto Bobbio,243 quando este enuncia a teoria da
incompletude do ordenamento jurídico por meio da escola do direito livre, em que são
admitidas lacunas a serem preenchidas segundo a criatividade do juiz, em contraposição
ao positivismo de estrita observância em vigor desde a modernidade.
No Brasil, a exemplo de muitas outras nações, o controle de
constitucionalidade de diplomas legais foi incorporado ao ordenamento jurídico ainda
durante o século XIX. Já em 1891, com a promulgação da Constituição Republicana,
estava prevista a fiscalização constitucional difusa.244 Entretanto, é certo que o marco
ideológico que potencializou as manifestações proativas pelo Judiciário nas searas
legislativa e executiva ocorreu, inegavelmente, com a promulgação da Constituição da
República de 1988. Afinal, foi por meio de referida Constituição que os chamados
direitos fundamentais sociais e os direitos difusos e coletivos foram garantidos aos
cidadãos brasileiros.245
Trata-se de abordagem denominada de “pós-positivista”, cuja teorização
leva em consideração uma relação intrínseca entre Direito e Moral na prolação de
240 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Barão de. O espírito das leis. 9. ed. São Paulo: Saraiva,
2008. 241 ANDREASSA JUNIOR, Gilberto. Ativismo judicial & teoria dos precedentes: integração dos
poderes e coerência nas decisões do judiciário. Curitiba: Juruá, 2015. p. 31. 242 VIDIGAL, Erick José Travassos. Protagonismo político dos juízes: risco ou oportunidade? Prefácio à
magistratura da pós modernidade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 66-67. 243 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 278. 244 OLIVEIRA, Emerson Ademir Borges de. Ativismo judicial e controle de constitucionalidade.
Curitiba: Juruá, 2015. p. 131. 245 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da; BARBOSA, Claudia Maria. O papel dos precedentes para o
controle do ativismo judicial no contexto pós-positivista. Revista Brasileira de Políticas Públicas,
Brasília, v. 5, n. especial, p. 115-133, 2015.
87
decisões judiciais,246 em contraposição ao positivismo que vigorou preponderantemente
durante os séculos XVIII e XIX. Não mais prevalece, desta forma, o entendimento
rígido propalado, entre outros, por Hans Kelsen,247 no sentido de que moral ou justiça
não são partes imprescindíveis e passíveis de valoração na decisão judicial, mormente
se considerado o alto número de normas principiológicas. Sucede-se, assim, uma
hermenêutica constitucional que exige do magistrado a conjugação de valores para além
dos preceitos insculpidos na letra fria da lei.248
Como forma de explicitar um contraponto ao fenômeno do ativismo judicial
experimentado pela sociedade brasileira nas últimas décadas, convém destacar que
Carlos Santiago Nino,249 partidário da chamada democracia deliberativa, propõe que,
pela sua teoria, calcada no valor epistemológico do procedimento democrático, sejam
definidos princípios morais válidos por meio de uma discussão moral promovida de
maneira intersubjetiva, alcançando-se a cooperação e, com isso, a solução de conflitos.
Prosseguindo, o aludido autor pondera que, nesse contexto de concepção
deliberativa de democracia, há somente três momentos em que se deve permitir o
exercício de controle de constitucionalidade pelo Judiciário, a saber: (i) quando se busca
assegurar as condições suficientes ao exercício do próprio processo democrático de
tomada de decisões; (ii) quando o diploma normativo contiver elementos que traduzem
convicções ou posicionamentos pessoais reprováveis; e (iii) quando os atos perpetrados
pelos demais Poderes ofendem frontalmente o texto constitucional – a “constituição
histórica”, ainda que sejam proferidos com amplo apoio democrático.250
Concebido, pois, como um fenômeno sócio-jurídico, o ativismo judicial no
Brasil deve ser entendido em suas múltiplas vertentes, eis que se assenta entre a tênue
linha situada entre a política e o direito.251 Nesse contexto, em que pese o breve escorço
histórico traçado sobre o instituto que dá nome à seção, mister se faz ressaltar que,
atualmente, não há unicidade conceitual acerca do ativismo judicial. Ao contrário. A
246 ROSSI, Amélia do C. S.; BARBOSA, Claudia Maria. A cidadania emergente no constitucionalismo
latino-americano. In: TAVARES NETO, José Querino; SILVA, Juvêncio Borges da (coords.). Ações
coletivas e construção da cidadania. Curitiba: Juruá, 2013. p. 61-80. 247 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 47. 248 ROSSI, Amélia do C. S.; BARBOSA, Claudia Maria. Op. Cit., p. 63. 249 NINO, Carlos Santiago. La constitución de la democracia deliberativa. Barcelona: Gedisa, 1997. p.
298. 250 Ibidem, 273-282. 251 KOERNER, Andrei. Ativismo judicial? Jurisprudência constitucional e política no STF pós-88. Novos
Estudos CEBRAP, v. 6, n. 96, p. 69-85, jul. 2013.
88
pluralidade de conceitos a ele vinculados, por vezes diametralmente opostos,
demonstram quão espinhoso é o caminho percorrido pelos que se dedicam a lançar luzes
sobre o assunto.
É o que sinaliza Douglas Henrique Marin dos Santos, quando preleciona
que “o ativismo judicial enfrenta, no entanto, uma marcante indefinição terminológica.
Não há conceituação unânime, tampouco uma estruturação doutrinária que permita
defini-lo de modo uníssono”.252 Para os fins a que se destina o presente estudo, é preciso
trazer a lume os conceitos sedimentados na doutrina especializada no assunto,
acentuando-se suas distinções, de forma a evidenciar, em momento ulterior, qual a
perspectiva que se coaduna para com a atuação jurisdicional.
Inicialmente, dada a solidez e profundidade de seus argumentos, traz-se à
colação abordagem construída por Elival da Silva Ramos,253 jurista por vezes
considerado um “positivista moderado”,254 para quem o ativismo judicial desvela uma
atuação jurisdicional que desborda os limites estabelecidos pelo ordenamento
legitimamente estabelecido. Assim, o Judiciário toma para si uma responsabilidade para
além do julgamento dos litígios de cunho subjetivo (conflitos de interesse) e de natureza
objetiva (conflitos jurídicos). Ele prossegue com os seguintes dizeres: “Há, como visto,
uma sinalização claramente negativa no tocante à práticas ativistas, por importarem na
desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais
Poderes.”255
A eloquência da formulação supramencionada não deixa dúvidas quanto à
discordância do autor em relação às decisões do Judiciário que se imiscuem em matérias
previamente tratadas pelas demais esferas do Poder institucionalizado, o qual brada pela
imediata restrição do Poder Judiciário à pacificação de questões relacionadas tão
somente aos conflitos havidos entre diplomas normativos e de interesse dos litigantes.
Nessa mesma linha conceitual desfavorável ao fenômeno do ativismo
judicial, faz-se imprescindível destacar a formulação teórica contida na obra de Lenio
252 SANTOS, Douglas Henrique Marin dos. Judicialização da política: desafios contemporâneos à teoria
da decisão judicial. Curitiba: Juruá, 2014 (coleção Biblioteca de Filosofia, Sociologia e Teoria dos
Direitos). p. 44. 253 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p.
129. 254 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da; BARBOSA, Claudia Maria. Op. Cit., p. 121. 255 RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit., p. 129.
89
Streck,256 que pode ser considerada até mesmo extremada, em razão de sua contundência
ao enunciar, a seu ver, problemas de comportamento judicial.257
A aludida obra, em verdade, reverbera o pensamento exprimido pelo autor
em vários de seus ensaios, podendo ser sintetizado a partir de um de seus
pronunciamentos, onde afirmou que o ativismo judicial ocorre quando “os juízes
substituem os juízos do legislador e da Constituição por seus juízos próprios, subjetivos
ou, mais que subjetivos, subjetivistas (solipsistas)”.258
Ato contínuo ao pensamento crítico ao ativismo judicial exposto nas linhas
anteriores, é preciso apresentar vozes que advogam em corrente oposta, voltada à defesa
da proatividade dos magistrados em questões políticas submetidas ao crivo do
judiciário.
Nesse passo, esclarecedora e didática é a lição contida nos escritos de
Suzanna Sherry,259 docente da Vanderbilt Law School da Universidade de Berkeley-
Califórnia (EUA), no seguinte sentido: “A revisão judicial simplesmente garante que o
Judiciário detenha a mesma oportunidade que os outros dois Poderes para impedir o
governo de agir inconstitucionalmente260”.
A visão aqui externada, ao contrário dos detratores do ativismo, enaltece os
esforços hermenêuticos realizados pelos magistrados e legitima o mecanismo a eles
conferido por Constituições dirigentes, impregnadas com princípios e normas abertas
passíveis de aplicação a casos a priori decididos pelos demais Poderes dos Estados
256 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2013. 257 FERRAZ, Leonardo de Araújo; MARCHESANI, Juliana Mara; ARAÚJO, Silvia Costa Pinto Ribeiro
de. Entrevista: professor Lenio Luiz Streck. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas
Gerais, Belo Horizonte, v. 29, n. 4, p. 13-21, out./dez. 2011. 258 ZARDO, Claudia. OAB entrevista: dr. Lenio Luiz Streck. OAB in foco, Uberlândia, v. 4, n. 20, p. 14-
18, ago./set. 2009. 259 SHERRY, Suzanna. Why we need more judicial activism. Disponível em:
<http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2213372>. Acesso em 12 jul. 2016. 260 Tradução livre da parte final do seguinte excerto: “The branches are co-equal when it comes to
constitutional interpretation, but all three branches must agree that a law (or other government action) is
constitutionally permissible for it to be valid. If Congress believes that a proposed law is unconstitutional
it will choose not to enact that law, and no other branch can override Congress’s decision. If the President
believes that a proposed law is unconstitutional he will veto it, and his view can be overridden only with
difficulty (and only by the legislative branch). Judicial review simply ensures that the judiciary has the
same opportunity as the other two branches to prevent the government from acting unconstitutionally.”
90
Democráticos de Direito, reconhecido o aspecto contramajoritário garantidor da medida
de justiça.261
Um dos expoentes da corrente doutrinária que defende o ativismo judicial
no Brasil é Luís Roberto Barroso. Em seu arrazoado, aduz o autor que “A idéia de
ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário
na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço
de atuação dos outros dois Poderes262”.
Em suma, intencionam os que advogam a favor do ativismo que “o caráter
político do Judiciário, essencial ao jogo democrático, à defesa dos valores da
democracia e à sua adaptação à evolução histórica, é incompatível com a afirmativa de
Montesquieu, segundo a qual os juízes não são senão ‘a boca que pronuncia as palavras
da lei; seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força nem o rigor’263”.
A menção a Montesquieu, por sua vez, conduz a uma terceira compreensão
sobre o fenômeno ora em comento, sintetizado na lição de José Joaquim Gomes
Canotilho, para quem “os juízes devem autolimitar-se à decisão de questões
jurisdicionais e negar a justiciabilidade das questões políticas264”. Sob a perspectiva ora
apresentada, desenvolvida sob a teoria da autorrestrição judicial, seria crível entender o
ativismo judicial como uma função complementar do judiciário para as questões não
resolvidas, ou ainda, solvidas de maneira deficiente, pelos demais Poderes do Estado. O
problema, a seu ver, não se trata da recusa injustificada, pelo Judiciário, em realizar o
controle de constitucionalidade das ações governamentais, mas sim em buscar
parâmetros para corretamente aferir a constitucionalidade da própria política por
critérios, os quais, não raramente, refogem àqueles instrumentos normativos previstos
na própria Constituição.265
Enfim, da análise detida das diversas concepções trazidas nos parágrafos
anteriores, depreende-se que a única noção precisa e adequada em relação ao ativismo
261 SANTOS, Douglas Henrique Marin dos. Judicialização da política: desafios contemporâneos à teoria
da decisão judicial. Curitiba: Juruá, 2014 (coleção Biblioteca de Filosofia, Sociologia e Teoria dos
Direitos). 262 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. [Syn]Thesis,
Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 23-32, 2012. 263 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 46. 264 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed.
Coimbra: Almedina, 2000. p. 1224. 265 Idem.
91
judicial se dá justamente no sentido de que padece o fenômeno de conceituação única e
conformada em limites jurídicos estreitos. Por tal motivo, deve ser inexoravelmente
conjugado com os vieses ideológicos dos agentes que dele fazem uso – diga-se, os
membros do Judiciário, quando da prolação de decisões judiciais acerca do assunto.
Por fim, em que pese não ser possível precisar, abstratamente, qual a
filiação ideológica dos julgadores a respeito do alcance do ativismo judicial, fato é que
este se fortifica e se consolida por meio do fenômeno da “judicialização da política”. É
o que se pretende abordar nos parágrafos que se seguem.
2.2.2. O fenômeno da judicialização da política pós-Constituição da República de 1988
e seu crescente impacto nos tribunais brasileiros
Tal qual aventado no tópico precedente, o ativismo judicial encontrou
campo profícuo com a judicialização da política. Pode-se dizer, inclusive, que aquele é,
de certa maneira, uma consequência desta.266 No entanto, torna-se imperioso situar este
conceito no contexto político-jurídico brasileiro, de maneira a distinguir adequadamente
ambos os acontecimentos e, num momento posterior, identificar em que proporção
atingem o Poder Judiciário.
É certo que, no período ocorrido após a promulgação da Constituição de
1988, o Brasil assistiu à maximização de garantias nunca antes concedidas à população,
mormente se comparadas aos idos do período ditatorial antes experimentado.267 Não por
acaso, Gisele Cittadino268 observa a relação diretamente proporcional entre a democracia
dos Estados e a consolidação do ativismo judicial.
Consequentemente, viu-se um considerável incremento em relação ao
número de ações judiciais, cujos temas passaram a tratar, para além de assuntos
rotineiros, das questões advindas das outras esferas de Poder. Para Mônia Clarissa
Hennig Leal, o fenômeno da judicialização resulta de um processo histórico comum do
constitucionalismo democrático, alicerçado em “múltiplos fatores, tais como a
centralidade da Constituição e sua força normativa, associada a aspectos como o caráter
266 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da; BARBOSA, Claudia Maria. Op. Cit., p. 127. 267 ARANTES, Rogério Bastos. Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 39, p. 83-102, fev. 1999. 268 CITTADINO, Gisele. Poder judiciário, ativismo judiciário e democracia. Revista ALCEU, Rio de
Janeiro, v. 5, n. 9, p. 105-113, jul./dez. 2004.
92
principiológico, a supremacia e a dimensão objetiva dos direitos fundamentais (...) que,
somados, conduzem a uma ampliação e a uma transformação da natureza da atuação da
jurisdição constitucional”.269 Ilustrativamente, citam-se os casos de fidelidade partidária,
impeachment presidencial, aborto, políticas afirmativas de cotas em universidades e em
concursos públicos, pesquisas a partir de células-tronco, fornecimento de
medicamentos, dentre outras questões antes reguladas primordialmente pelo Legislativo
e Executivo.270 A tendência, dessa forma, é valer-se o Judiciário de preceitos cada vez
mais abertos e indeterminados constantes da Constituição da República, para o fim de
decidir um amplo rol de assuntos, avocando para si a titularidade de decisões políticas
que antes pertenciam ao Parlamento ou ao governo.271
Ainda que careça de amadurecimento por parte das instituições de poder, a
judicialização da política não deixa de representar um avanço para a sociedade, a qual
se vê capaz de exigir prerrogativas constitucionalmente garantidas pelo Estado,
sepultando um passado autoritário e, com isso, representando o consenso havido para o
estabelecimento de princípios jurídicos universais.272
Assim sendo, estabelecida a relação umbilical entre judicialização da
política e ativismo judicial, traz-se à colação o entendimento manifestado por Luís
Roberto Barroso, o qual aduz que: “A judicialização e o ativismo judicial são primos.
Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as
mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas273”.
A metáfora utilizada pelo jurista citado bem delineia os contornos
imbricados dos institutos em questão. A seu ver, a judicialização deve ser encarada
como uma consequência do arquétipo constitucional escolhido por ocasião da
elaboração da Constituição, em detrimento daqueles que a entendem como um exercício
da vontade política por si só. O ativismo judicial seria, então, uma postura proativa do
magistrado, o qual imbui-se do direito de estender a abrangência e o sentido da norma
constitucional para, ao final, amoldá-la ao caso concreto, em decorrência de um
269 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Corte Interamericana de Direitos Humanos e jurisdição constitucional:
judicialização e ativismo judicial em face da proteção dos direitos humanos e fundamentais? Revista de
Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 1, n. 3, p. 123-140, set./dez. 2014. 270 OLIVEIRA, Heletícia Leão de. Direito fundamental à saúde, ativismo judicial e os impactos no
orçamento público. Curitiba: Juruá, 2015. p. 80. 271 VALLINDER, Torbjörn. When the Courts go marching in. In: C. Neal Tate; Torbjörn Vallinder. (Ed).
The Global Expansion of Judicial Power. Nova York: New York University Press, 1995. p. 13. 272 CITTADINO, Gisele. Op. Cit., p. 110. 273 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização... p. 25.
93
contexto político em que o Legislativo se encontra aquém de suas prerrogativas
institucionais, insulado das demais esferas de poder e da própria sociedade, o que
contribui para o perecimento das reivindicações sociais.274
De todo o exposto, ainda que brevemente, resta evidenciado o verdadeiro
protagonismo judicial em relação à decisão de questões originalmente afetas aos demais
poderes instituídos, seja em razão do aumento exponencial de litígios submetidos ao
crivo do Judiciário a cada ano,275 seja pelo seu papel fundante de intérprete da
Constituição e dos éditos ora em vigor.276
Assim, explicitados os conceitos relacionados ao ativismo judicial (subitem
“2.2.1”), bem como situado seu campo de atuação, por sua vez inserido no tema da
judicialização da política (subitem “2.2.2”), a pesquisa volta-se brevemente ao Direito
Comparado, tão somente com o fito de lançar luzes a um sistema que, não obstante
guarde certa semelhança com o Judiciário brasileiro, enveredou por caminho diferente
do protagonismo judicial experimentado no Brasil, em um processo inverso conhecido
por “desjudicialização”.
Propõe-se, com isso, uma reflexão sobre as peculiaridades ocorridas em
Portugal, as quais poderão, quiçá, servir de balizas para congregar ao menos algumas
ideias gerais relacionadas à resolução extrajudicial de conflitos, redimensionando,
assim, o status do Judiciário brasileiro, cuja proeminência atual se assemelha à teoria
social de Robert Menton,277 revelando-se uma “profecia autorrealizadora”, onde a
pressuposição aparente – e amplamente aceita – de que a prática judicial é o único
espaço privilegiado para a efetivação dos direitos ocasiona desdobramentos reais,
mitigando a legitimidade dos demais Poderes instituídos.278
274 Idem. 275 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Número de processos baixados no Poder Judiciário
cresce pelo 4º ano seguido. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80431-numero-de-
processos-baixados-no-poder-judiciario-cresce-pelo-4-ano-seguido>. Acesso em 13 jul. 2016. 276 BLASI, Vincent. A corte suprema, instrumento de mudança. Revista de Direito Público, São Paulo,
v. 19, n. 79, p. 5-12, jul./set. 1986. 277 MERTON, Robert King. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970. 278 Ibidem, p. 513-531.
94
2.2.3. A desjudicialização ocorrida em Portugal no contexto da Constituição de 1976: o
enfraquecimento do Judiciário em razão da politização da justiça e as medidas
extrajudiciais colocadas em prática
Apesar de o aparato institucional de Brasil e Portugal guardar certa
semelhança entre si, conforme se depreende do sistema judiciário e recursal de ambas as
nações, são nítidas as diferenças entre os Estados, em especial no que concerne ao
agigantamento do Poder Judiciário brasileiro frente à diminuição da influência das
Cortes portuguesas nos assuntos daquela Administração.279
Desde os idos da década de 1960, antes mesmo da promulgação da
Constituição da República Portuguesa (1976), o Estado lusitano, ao tempo em que vivia
a transição de um Estado liberal autoritário para um Estado-providência garantidor de
direitos sociais, por si só mais dispendioso, fora abalado pela crise econômica de
abrangência global decorrente da crise do petróleo.280 Tais fatos contribuíram
sobremaneira para o aumento exponencial da litigiosidade de conflitos para a garantia
de serviços que haviam deixado de ser providos pela Administração Pública.281
Tal incremento no número de casos judicializados ocasionou, por lógica, o
alargamento insustentável do âmbito de atuação do Judiciário português, o qual, em
detrimento da convocação feita pelos jurisdicionados para remediar as faltas de um
Poder Executivo ineficiente, culminou por maximizar a situação caótica que permeava
as ações da Administração Pública e, assim, perpetuar a condição agourenta de não
realização de direitos estabelecida.
Nesse cenário, torna-se importante a constatação de que a ineficiência do
Judiciário refletia, em verdade, problema exógeno e apriorístico, resultante da própria
crise do Estado português como um todo, naquela conjuntura político-econômica
apresentada. Sobre o assunto, Boaventura de Sousa Santos pontua que a crise financeira
de Portugal “se foi manifestando nas mais diversas áreas de actividade estatal e que, por
isso, se repercutiu também na incapacidade do Estado para expandir os serviços de
279 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 215-216. 280 FERREIRA, José Medeiros. História de Portugal: Portugal em transe. Direcção de José Mattoso. v.
8. Lisboa: Editorial Estampa, 1997-2001. p. 114-120. 281 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. Revista Crítica
de Ciências Sociais, Coimbra, v. 9, n. 21, p. 11-37, nov. 1986.
95
administração da justiça de modo a criar uma oferta de justiça compatível com a procura
entretanto verificada”.282
Denota-se, assim, a necessidade de idear uma nova dinâmica para o
gerenciamento institucional do Poder Judiciário, com a participação conjunta dos
demais Poderes, sob a batuta, porém, do Executivo, tudo para conduzir a uma nova
política organizacional que pudesse atender aos reclamos da população.283 Afinal, o
Judiciário português, ao largo de se tornar parte da solução dos problemas sociais
daquela época por meio da judicialização de direitos, padeceu da pecha de conivente
com a situação inconstitucional de desamparo praticada pelo Executivo, pois a erupção
de processos morosos nos tribunais manifestava, acima de tudo, a incapacidade de a
justiça prover a sociedade em suas necessidades.284
Desse processo dual de visibilidade social e política, em vista de sua
natureza dúplice e antagônica de suposto realizador de direitos e perpetuador de
injustiças, exsurgiram, a partir da década de 1970, estudos voltados à reforma judicial,
cujo foco dividiu-se em três frentes de trabalho: acesso à justiça, administração da
justiça e, por último, mas não menos importante, a desjudicialização.285
Por certo que o debate, em muitos casos conduzido a partir de estudos
desenvolvidos pelo célebre Observatório Permanente da Justiça Portuguesa,286 bem
como pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra,287 não amadureceu
rapidamente, tendo sido gestado durante as décadas de 1970 a 1990, sob um viés
marcadamente teórico, desprovido de dados empíricos aptos a promover mudanças
efetivas no sistema judiciário português.
O fruto das conferências resultou, a priori, em propostas doutrinárias de
menor expressividade, relacionadas a pontos específicos ou limitados a descrever a
(falta de) funcionalidade do sistema. Aqui, podem ser trazidos como exemplos trabalhos
282 Idem. 283 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 216. 284 SANTOS, Boaventura de Sousa. Direito e democracia: a reforma global da justiça. In: PUREZA, José
Manuel; FERREIRA, António Casimiro (Org.). A teia global: movimentos sociais e instituições. Porto:
Edições Afrontamento, 2002. p. 125-176. 285 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 217. 286 UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Disponível
em: <http://opj.ces.uc.pt/site/>. Acesso em 18 jul. 2016. 287 UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/>. Acesso em 18 jul. 2016.
96
que ilustram a metodologia fiscalizatória aplicada ao Judiciário e a infraestrutura do
Ministério Público.288
Não obstante, após perscrutar o intento dos pesquisadores do fenômeno da
judicialização dos conflitos, a hipótese aventada pelos estudiosos portugueses é de que o
debate se bifurcou em dois caminhos: um relacionado à efetivação dos direitos por
parte da sociedade civil, outro focado na relação do Judiciário para com os demais
Poderes.289
Acerca da realização de direitos sociais previstos no ordenamento jurídico,
pesquisas realizadas têm por escopo evidenciar a disparidade entre a previsão normativa
inserida no diploma constitucional e as práticas efetivamente conduzidas pela
Administração Pública para sua concretização.
Em suma, o resultado obtido com os trabalhos pôde servir de fundamento
para conclusão no sentido de que a ampla gama de direitos garantidos pela concepção
social do Estado português pós-Constituição de 1976 deu azo à edição de diversas
legislações infraconstitucionais, cujo intento era o de harmonizar interesses de
categorias ativas politicamente, a exemplo da classe dos trabalhadores e a classe média,
preocupada com a segurança e a preservação da qualidade de vida. Mas, frise-se, a
opinião dos juristas capitaneados por Boaventura de Sousa Santos é no sentido de que,
ainda que equalizado o ordenamento, este tão somente estaria a “igualizar os
mecanismos de reprodução da desigualdade”, já que a “desigualdade da protecção dos
interesses sociais dos diferentes grupos sociais está cristalizada no próprio direitos
substantivo”. 290
A maximização da atividade legiferante em Portugal, portanto, é entendida
como uma medida inócua em muitos casos, sendo considerada despicienda e carente de
efeito concretizador. Nem mesmo alguns excertos da Constituição portuguesa
escaparam da análise cética de Boaventura de Sousa Santos, o qual a considera, em
muitos casos, letra morta, ao lado de alguns diplomas erigidos com a novel legislação
ordinária garantista. O autor arremeda ainda o seguinte pensamento: “Pode mesmo
avançar-se como hipótese de lei sociológica que quanto mais caracterizadamente uma
288 DIAS, João Paulo; ALMEIDA, Jorge. A influência das condições organizativas para a independência
do poder judicial em Portugal. Oficina do CES, Lisboa, v. 20, n. 281, p. 1-31, ago. 2007. Disponível em:
<http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/index.php>. Acesso em: 18 jul. 2016. 289 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 218. 290 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução... p. 29.
97
lei protege os interesses populares e emergentes maior é a probabilidade de que ela não
seja aplicada”.291
Na relação do Poder Judiciário com os demais ramos do Poder, por outro
lado, reside a principal dessemelhança do contexto português para o brasileiro: enquanto
neste há constante debate sobre a possibilidade de judicialização de cada vez mais
direitos havidos das relações sociais, quiçá em decorrência da liberdade sistêmica
conferida aos magistrados em geral pelo presidencialismo de coalização,292 o governo
parlamentarista lusitano conseguiu mitigar a influência do Poder Judiciário, em vista da
atuação concentrada do Executivo e Legislativo nas questões políticas.293
O empoderamento do Judiciário, a partir da década de 1970, ocorreu
justamente em razão da proliferação de direitos sociais em detrimento da pujança
econômica suficiente para abarcar tais avanços. Chamado a dirimir conflitos de ordem
social e econômica, foi possível observar uma espécie de transferência de legitimidade
oriunda dos demais Poderes, desgastados pelo próprio sistema, para o Judiciário, tido
como um protagonista acidental que, com o passar do tempo, viu-se imbuído de
legitimidade para imiscuir-se em questões tradicionalmente afetas à discricionariedade
estatal, fiscalizando os atos de governo.294
Isso se deve, inclusive, à diminuição da confiança depositada nos membros
do Executivo e Legislativo, os quais marcadamente detêm como característica a adoção
de “estratégias eleitoralistas de curto prazo em detrimento de políticas coerentes de
médio e longo prazo, dada a dependência de resultados eleitorais e a dificuldade de
conceptualização de alternativas aos actuais modelos de governação”.295
Porém, a delegação da condição de responsável pelo bem-estar dos que
tinham efetivo acesso à justiça causou desconforto aos representantes dos outros
Poderes, já que o espaço judicial tornou-se uma conveniente maneira de reivindicação
291 Idem. 292 Sobre o assunto, importantes considerações foram tecidas sobre a suposta independência do Judiciário
em relação ao Executivo brasileiro em: ARAÚJO, Mateus Morais. O poder judiciário no
presidencialismo de coalizão: introdução para uma análise institucional do poder judiciário no Brasil.
Belo Horizonte, 2012. 133 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política,
Universidade Federal de Minas Gerais. p. 58-60. 293 DIAS, João Paulo. As faces ocultas dos “poderes” dos magistrados: práticas, corporativismos e
resistências. Oficina do CES, Lisboa, v. 17, n. 215, p. 1-15, out. 2004. Disponível em:
<http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/index.php>. Acesso em: 18 jul. 2016. 294 DIAS, João Paulo. Op. Cit., p. 3. 295 DIAS, João Paulo; ALMEIDA, Jorge. Op. Cit., p. 4.
98
política.296 Felipe Dutra Asensi bem descreve a ruptura havida entre os Poderes
instituídos em Portugal, quando assevera que teve como resultado “um verdadeiro
‘abalo’ na relação entre os três Poderes, sobretudo quando se considera que, em
Portugal, vige o sistema parlamentarista”.297
Ato contínuo, o que houve então foi uma reação institucional por parte dos
Poderes Executivo e Legislativo, os quais intentaram medidas de cunho legal para
enfraquecer o protagonismo judicial português, reduzindo seu campo de ação. Assim
sendo, a “Direcção-Geral de Administração da Justiça”298 e o “Gabinete de Resolução
Alternativa de Conflitos”299 são exemplos do esforço realizado pelo Parlamento
português para refrear decisões judiciais que interfiram no âmbito político, seja através
da concessão de dada prestação de saúde ou pelo uso político das Cortes para prejudicar
adversários políticos.300
João Paulo Dias ressalta que a série de reformas introduzidas no âmbito
judicial “têm reduzido o papel dos magistrados de julgar e interpretar as leis, salvo
algumas excepções, a meros aplicadores da legislação, retirando-lhes a criatividade e a
autonomia”.301 Dessa forma, a defasagem remuneratória dos que pretendem seguir na
magistratura; a cumplicidade e complementaridade do Ministério Público em relação ao
Judiciário português que serve de barganha política por vantagens; a influência da mídia
que induz à prolação de decisões causadoras de desprestígio entre os políticos; estes são
alguns fatores que reforçam o argumento no sentido de que, “quanto mais próximo da
política e das questões políticas, mais distante o Judiciário português tornou-se da
sociedade, ou melhor, da sociedade-providência”,302 sendo a falta de acesso à justiça
pelo custo elevado, inclusive, uma característica marcante da celeuma enfrentada pela
sociedade portuguesa.303
296 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 219. 297 Idem. 298 PORTUGAL. Ministério da Justiça: Direção-Geral da Administração da Justiça. Disponível em:
<http://www.dgaj.mj.pt/DGAJ/sections/home>. Acesso em: 18 jul. 2016. 299 PORTUGAL. Ministério da Justiça: Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios. Disponível em:
<http://www.dgpj.mj.pt/sections/gral>. Acesso em: 18 jul. 2016. 300 SANTOS, Boaventura de Sousa. A judicialização da política. Disponível em:
<http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/078.php>. Acesso em: 18 jul. 2016. 301 DIAS, João Paulo. Op. Cit., p. 4. 302 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 220-226. 303 “A crise é exactamente definida à luz daquilo que chega aos tribunais. Eu penso que neste momento a
crise mais importante do sistema judiciário, é o que não chega aos tribunais, é o que lá não está e,
portanto, temos que fazer aqui, aquilo que costumo designar por uma sociologia das ausências, isto é,
aquilo que o sistema judiciário não trata.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. A crise (interna ou externa)
99
Ademais disso, novos instrumentos foram desenvolvidos para sedimentar a
desjudicialização, relacionados ao fortalecimento da atuação extrajudicial, os quais
demonstram algum valor. Centros de arbitragem e mediação, delegação de função
jurisdicional a cartorários para divórcio consensual (também adotado no Brasil – art.
733 do Código de Processo Civil304), os “julgados de paz”,305 são alguns dos exemplos
empregados. Há também as interessantes figuras do “solicitador de execução” e do
“agente de execução”, verdadeiros facilitadores de negócios jurídicos e execuções
extrajudiciais, tudo com vistas ao emprego de celeridade aos feitos de suas
competências.306
Com efeito, é mister destacar a louvável iniciativa portuguesa de
implementar um novo modelo de administração da justiça. A partir do desenvolvimento
de um sistema integrado de resolução de conflitos, Portugal prestigia o pluralismo
jurídico e judicial, apresentando metodologias que, apesar de não se constituírem o foco
central da pesquisa, são dignos de menção por se coadunar, ainda que brevemente, com
as tentativas brasileiras de aperfeiçoamento do sistema.
Facultando ao jurisdicionado valer-se alternativamente entre as opções de
resolução judicial ou extrajudicial, conforme o caso concreto, é concebido um novo
modelo de justiça, legitimado pelas partes envolvidas, o que garante o bom
funcionamento das engrenagens da sociedade. Da maneira como fora estruturado o
modelo de resolução de litígios português, é possível compor as alternativas
pacificadoras de conduta sob a forma de uma pirâmide, a qual possui, “na base, os
mecanismos de autocomposição, no seu vértice, os tribunais e na zona intermédia a
panóplia de meios de RAL[307] que o Estado e a sociedade conseguem gerar”.308 Eis o
diagrama, extraído do trabalho de João Pedroso:309-310
dos tribunais? Disponível em: <http://www.ces.pt/download/580/ColJusticaPort.pdf>. Acesso em: 18
jul. 2016. 304 “Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não
havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por
escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.” (BRASIL. Lei n. 13.105, de
16 de março 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 18 jul. 2016.) 305 Os “Julgados de Paz” são órgãos de atuação similares aos Juizados Especiais brasileiros, cf.
PORTUGAL. Ministério da Justiça: como funcionam os Julgados de Paz? Disponível em:
<http://www.dgpj.mj.pt/sections/gral/julgados-de-paz/anexos-julgados-paz/como-funcionam-os/>.
Acesso em: 18 jul. 2016. 306 PORTUGAL. Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Disponível em:
<http://osae.pt>. Acesso em: 18 jul. 2016. 307 Resolução Alternativa de Litígios.
100
Diferentemente da estrutura judicial portuguesa acima retratada, Felipe
Asensi assinala que, no Brasil, o lugar ocupado pelo Judiciário seria a base da pirâmide,
em vista da tradição de inafastabilidade de acesso à justiça consagrado na
Constituição.311
De todo o exposto, é possível observar que, em verdade, o tratamento
conferido ao Poder Judiciário de Portugal ocorreu em sentido diametralmente oposto ao
horizonte brasileiro. Enquanto no Brasil o Poder Judiciário sofreu um sistemático
agigantamento do número de áreas em que intervém (até os dias atuais, diga-se), em
Portugal, o fenômeno deu-se contrario sensu. Fato é que, sabidamente, o Judiciário
possui sua gênese na formação do próprio Estado, de maneira que, não obstante seus
misteres institucionais corretamente apregoarem independência absoluta em seus atos
308 PEDROSO, João. Percurso(s) da(s) reforma(s) da administração da justiça: uma nova relação entre o
judicial e o não judicial. Oficina do CES, Lisboa, v. 15, n. 171, p. 1-43, abr. 2002. Disponível em:
<http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/index.php>. Acesso em: 18 jul. 2016. 309 Idem. 310 Para melhor compreensão dos institutos mencionados no diagrama transposto, recomenda-se a leitura
do artigo científico de João Pedroso, mencionado nas duas notas de rodapé antecedentes. 311 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 234.
101
decisórios, seus recursos advêm dos demais Poderes, pelo que necessariamente incidem,
ainda que obliquamente, questões políticas que podem profanar a atitude jurisdicional.312
Nessa senda, é possível concluir que, na mesma via por onde trafega a
judicialização da política, há, em sentido contrário, a politização da justiça. É dizer:
quando o Judiciário, em sua atuação cotidiana, afeta de alguma maneira as relações
havidas entre agentes políticos (v. g. questões partidárias relacionadas à conquista do
poder submetidas ao crivo do Judiciário) ou entre estes e o ordenamento vigente (v. g.
investigações por corrupção), experimenta uma situação de stress institucional, em que
é desafiado a manter sua credibilidade por meio de decisões imparciais e indiferentes às
tentativas de pressão ou manipulação.313
Constata-se a politização da justiça em Portugal, inclusive, a partir das
manobras engendradas pelos Poderes Executivo e Legislativo, tendentes a minimizar a
independência conquistada pelo Judiciário no decorrer de décadas passadas,314 sem
olvidar do jogo midiático direcionado à desestabilização do próprio due process of Law
e a prolação de decisões apressadas,315 com o fito nefasto de anunciar a imprestabilidade
do Poder Judiciário.316
A despeito da similitude de algumas das medidas já consagradas no
ordenamento jurídico, constata-se que o Poder Judiciário brasileiro dispõe de
incomensurável independência institucional quando comparado com o sistema
português, inclusive com a garantia de autonomia financeira. Os repasses
constitucionais, por sua vez inexistentes no arcabouço jurídico de Portugal,317 além da
total independência funcional do Ministério Público, servem para ilustrar o avanço do
Brasil frente a Portugal.
No entanto, não se olvide que os avanços conquistados em solo brasileiro
devem estar sob vigilância perene, a fim de que não sejam esboçadas quaisquer
312 DIAS, João Paulo; ALMEIDA, Jorge. Op. Cit., p. 4. 313 SANTOS, Boaventura de Sousa. A judicialização... Op. Cit., p. 1. 314 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 221. 315 SANTOS, Boaventura de Sousa. A judicialização... Op. Cit., p. 1. 316 SUANNES, Adauto. Judicialização da política e politização da justiça. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI2009,51045-Judicializacao+da+politica+e+politizacao+da+
justica>. Acesso em: 18 jul. 2016. 317 THE UNITED NATIONS OFFICE AT GENEVA. Portugal must ensure justice is accessible to all,
united nations rights expert warns. Disponível em:
<http://www.unog.ch/80256EDD006B9C2E/(httpNewsByYear_en)/62C7541C95F17C34C1257DE10050
859A?OpenDocument>. Acesso em: 18 jul. 2016.
102
tentativas de tolhimento das garantias constitucionalmente estabelecidas em 1988 pelos
demais Poderes estatais.
Embora a preocupação exprimida no presente trabalho seja, dentre outras, a
de propugnar por uma atividade jurisdicional calcada em critérios mais robustos,
determinada a identificar o mínimo existencial das pretensões de saúde judicializadas
após o emprego de técnicas doutrinárias e periciais e, quando possível, racionalizar as
demandas repetitivas por meio de decisões proferidas em ações coletivas (ideias
desenvolvidas no capítulo 3), ratifica-se vigorosamente o posicionamento em prol da
absoluta soberania do Judiciário, tomando-se por base experiências como a até aqui
retratada, das quais é possível inferir que, apesar das mazelas do sistema judicial
brasileiro, está-se em um bom caminho, que pode apenas ser incrementado com
algumas das boas técnicas de resolução extrajudicial implementadas em solo lusitano.
103
CAPÍTULO 3 – TUTELA JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE MEDIANTE O
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO
Investigado o caminho percorrido pela Administração Pública para a criação
e manutenção da política de medicamentos de alto custo, o enfoque do terceiro capítulo
é o de fornecer um retrato do direito à saúde sob a perspectiva do Poder Judiciário, com
ênfase em aspectos processuais que podem influenciar decisivamente a capacidade
estatal de atendimento das demandas de saúde vindouras.
Por fim, não se furta ao dever de colaborar para a progressiva racionalização
das ações que tratam dos medicamentos excepcionais, propondo-se sugestões de cunho
processual aptas a cooperar para um cenário mais justo de efetivação do direito
fundamental à saúde.
3.1. Panorama geral do tratamento conferido ao direito à saúde para a obtenção de
medicamentos excepcionais pela via do Judiciário
O capítulo final, reservado ao estudo do modo como o direito à saúde a
medicamentos excepcionais é tratado na esfera judicial, principia (3.1.1) com a
explicitação de alguns argumentos atualmente lançados por magistrados em todo o país
para justificar a concessão de determinados fármacos não previstos em Protocolos
Clínicos, o que revela o ativismo judicial já abordado no capítulo precedente.
Em item subsequente (3.1.2), a pesquisa examina importante caso ainda
pendente de análise definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, o Recurso
Extraordinário n. 566.471/RN, cuja repercussão geral fora reconhecida em relação à
“obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamentos de alto custo”, discorrendo
sobre suas peculiaridades e possíveis cenários para a saúde coletiva.
O terceiro ponto (3.1.3), por sua vez, é o responsável por estudar a teoria da
“reserva do possível” e demonstrar sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro,
recorrendo à sua origem estrangeira para identificar o contexto de sua utilização
originária, bem como sua condição atual de antagonista ao “mínimo existencial”.
104
3.1.1. (A falta de) Parâmetros estabelecidos pelo Judiciário na concessão de
medicamentos de alto custo
Fruto de profícua e intensa produção acadêmica e jurisprudencial, o tema do
tratamento judicial conferido ao direito à saúde para o fornecimento de medicamentos
de alto custo ganha status de discussão perene, que se faz sempre presente no seio de
discussões contemporâneas no âmbito do Direito Constitucional, Administrativo, ou
mesmo de outras searas, a exemplo da sociologia e economia.
Inicialmente, convém sinalar dado facilmente aferível pelas consultas de
jurisprudência, consistente no fato de que, da ampla gama de decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal e demais Cortes de Justiça, a intervenção do Poder Judiciário
dá-se preponderantemente em sede de ações individuais que objetivam o mero
cumprimento das políticas públicas de saúde previamente estabelecidas.318 Com isso,
conclui-se que, aos demais Poderes da República, não foram lançados quaisquer
ditames que impusessem deveres relacionados à criação de novas alternativas ou
otimização de rotinas públicas já existentes, o que culmina por não estimular o
desenvolvimento da situação experimentada na saúde.319
Efetuada a primeira digressão, a qual deixa transparecer certa falta de
assertividade no que concerne à necessidade de diálogo entre os Poderes estabelecidos,
traz-se à colação o estado da arte do direito à saúde para o fornecimento de
medicamentos de alto custo nos tribunais pátrios.
Os estudos empíricos realizados no país, muitos deles pontuais, são
ilustrados pelo já mencionado trabalho de Luzardo Faria,320 sem olvidar de pesquisa
levada a efeito por Daniel Wei Wang321 no Município de São Paulo e de levantamentos
realizados pelo próprio Conselho Nacional de Justiça – CNJ,322 demonstram o impacto
318 Sobre o assunto, cf. FARIA, Luzardo. Da judicialização dos direitos sociais à necessidade de respeito
administrativo aos precedentes judiciais: uma análise empírica da jurisprudência do TRF4 sobre direito à
saúde. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 341-366, dec. 2014. 319 ANDRADE, Ricardo Barretto. Op. Cit., p. 106-107. 320 FARIA, Luzardo. Op. Cit., p. 341-366. 321 WANG, Daniel Wei L. et al. Os impactos da judicialização da saúde no município de São Paulo: gasto
público e organização federativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p.
1191-1206, Oct. 2014. 322 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Judicialização da saúde no Brasil: dados e experiências.
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/6781486daef02bc6ec8c
1e491a565006.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2016.
105
descomunal da judicialização da saúde no orçamento público de todos os entes da
Federação.
E, para além de evidenciar o aumento da procura do Judiciário para a
resolução de políticas públicas incompletas, os dados apresentados quase sempre
revelam uma tendência, de certa forma, “benevolente” por parte das Cortes de Justiça,
as quais praticamente pacificaram a questão da possibilidade de recebimento de
medicamentos de todo gênero, da atenção básica ao componente especializado da
assistência farmacêutica, onde se situam os medicamentos de alto custo.
Dessa forma, são reunidos no presente item os argumentos comumente
utilizados pela Justiça para rechaçar – ainda que apressadamente, por vezes – as
justificativas estatais relacionadas à impossibilidade de arcar com os custos de dada
medicação excepcional, pela ausência de previsão nos Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas – PCDT’s, inexistência de comprovação de eficácia ou mesmo de registro
dos fármacos pleiteados na ANVISA, existência de medicamentos outros capazes de
atender adequadamente à enfermidade, não comprovação de ineficiência da medicação
constante da política pública SUS, insubmissão do paciente ao médico público, dentre
outras construções teóricas.
Assim sendo, tendo em vista que o objetivo, por ora, é o de demonstrar a
postura proativa que predomina nos tribunais, os argumentos desenvolvidos pelo
judiciário podem ser sistematizados no seguinte rol exemplificativo: (i) Competência
solidária dos entes federativos; (ii) Concepção vaga e alargada do mínimo existencial e
da dignidade humana; (iii) presunção juris et de jure do laudo médico individual que
acompanha a petição inicial; (iv) preferência pela realização de microjustiça; (v)
inaplicabilidade absoluta da teoria da reserva do possível; e (vi) possibilidade de
prescrição por profissional médico não inscrito nos quadros do SUS.
Para efeitos metodológicos, diga-se que a compilação realizada tomou por
base os julgados emblemáticos levados ao cabo pelo Supremo Tribunal Federal,
conforme exposto no item inaugural da pesquisa, além de posicionamentos consagrados
pelas Câmaras de Direito Público (4ª e 5ª Câmaras Cíveis) do Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná, robustecidos por decisões provenientes do Superior Tribunal de
Justiça e diversas outras Cortes de Justiça do país, todas referenciadas em momento
oportuno, por ocasião da pormenorização dos itens elencados.
106
Por conseguinte, passa-se, sem delongas, a uma breve especificação de cada
uma das premissas usualmente empregadas pelo Poder Judiciário.
(i) Competência solidária dos entes federativos:323 talvez o argumento mais
comumente utilizado pelo Judiciário para justificar a possibilidade de se demandar
qualquer dos entes políticos do Estado – União, Estados e Municípios – para pleito
relacionado à dispensação de medicamento de alto custo.324 Seus efeitos deletérios para
a consistência e eficiência do SUS, aliado à formulação de um contraponto, já foram
objeto de estudo em momento precedente (subitem “1.2.2”).
Considerando que, no decorrer da pesquisa, várias foram as digressões
acerca da solidariedade reconhecida para os três entes da Federação, em especial
aquelas relacionadas à necessidade premente de observância da competência
administrativa outorgada a cada um deles isoladamente (item “1.2.2”) e o contributo no
sentido de que deve haver deslocamento da judicialização para a Justiça Federal (item
“3.2.2”) deixa-se de teorizar novamente a questão, fazendo-se necessário apenas tecer
breves comentários sobre a tendência jurisprudencial concessiva hoje dominante no
ordenamento pátrio.
A faculdade de litigar despreocupadamente contra uma ou outra entidade
estatal, de forma isolada ou em litisconsórcio facultativo, no âmbito da justiça estadual
ou federal, no primeiro ou no segundo grau da jurisdição, foi construída a partir de um
processo hermenêutico peculiar, de viés supostamente teleológico, possivelmente a
partir do teor do artigo 198 da Constituição da República, já exaustivamente transcrito
em outras passagens, o qual proclama a matriz constitucional da descentralização, já
minudenciada no curso da pesquisa expendida.325
Entende o Judiciário que, devido ao SUS ser financiado por recursos
advindos dos três entes federativos, os quais, em conjunto, concebem o orçamento da
seguridade social – saúde, previdência e assistência social – o dever de assistência à
saúde pode ser exercido de forma “genérica”, como se se tratassem tão somente de três
323 O quesito enunciado compõe um dos vértices de sustentam a proposição desenvolvida no item “3.2.2”
do trabalho, com o fito de proporcionar efetividade às demandas de medicamentos excepcionais e
diminuir a judicialização. 324 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 797349/SC. Primeira Turma. Relatora
Min. Cármen Lúcia. Julgado em 26.04.2011; 325 A descentralização enquanto baliza constitucional do SUS foi averiguada no item “1.1.3” da presente
pesquisa.
107
“portas de entrada” que conduzem ao mesmo lugar, as quais aguardam pacientemente
pela passagem do cidadão, conforme sua vontade e conveniência.
Tal pensamento encerra interpretação no mínimo apressada, já que
evidencia certa dose de descaso para com a organização político-administrativa do
Estado por meio de um falso silogismo: em um primeiro momento, elege-se o direito
fundamental à vida como premissa maior para, depois, descredibilizar o conteúdo de
toda e qualquer norma jurídica, de gênese constitucional ou não, que objetive
racionalizar, disciplinar o acesso, garantir os primados – igualmente constitucionais,
diga-se – da universalização e da isonomia, tomando isso como premissa menor. Afinal,
sustentam os defensores dessa posição que não há postulado maior que o direito à
vida.326
Posta a situação nestes termos, outra conclusão não há, que não o
esvaziamento da necessidade de observância de políticas públicas, das divisões
necessárias para o funcionamento do sistema coletivo de saúde e, por que não, do direito
daqueles não abrangidos pela pequena parcela da população privilegiada que se socorre
do Poder Judiciário,327 ao passo que camadas menos favorecidas padecem por falta de
medicamentos da atenção básica,328 de saneamento básico,329 cuidados facilmente
remediáveis a partir de decisões jurídicas frutos de detida ponderação, que abandonam a
“zona de conforto” da determinação de concessão irrestrita de medicamentos para se
imbuírem da salutar missão de perscrutar a eficiência e a efetividade das políticas
públicas existentes, em decisões capazes de abranger um sem-número de pessoas em
sede de ações coletivas.330
Em última análise, a decisão de conceder ou não medicamento de custo
considerável para o sistema de saúde sopesa, em verdade, desdobramentos específicos
do direito à vida, o qual, por sua vez, sempre está situado na posição mais elementar do
catálogo de direitos constitucionais. Isso implica dizer: entendem os defensores dessa
ideia que todos os direitos, de índole fundamental, social, civil, remontam à ideia de
preservação, respeito ou consagração da vida.
326 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível nº 1482548-6. 4ª Câmara Cível.
Relator Rafael Marins Schwartz. Unânime. Julgado em 05.07.2016. 327 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia..., p. 323-324. 328 Idem. 329 LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Op. Cit., p. 37-43. 330 O que será desenvolvido por ocasião do item “3.2.3” da pesquisa.
108
Por isso, a justificativa apresentada em muitos julgados, no sentido de que a
decisão que atende um indivíduo específico, com base em apenas um laudo médico
particular, sem relatórios específicos, tampouco submetido a junta médica ou ampla
dilação probatória, não impacta no orçamento e garante o “direito à vida”, pouco
importando qual o ente federativo responsável,331 não se sustenta.
A incidência da teorização proposta por Alexy, já estudada anteriormente,332
deve considerar para sopesamento, de um lado, o direito fundamental à assistência
farmacêutica versus o princípio da descentralização político-administrativa e da
integralidade de atendimento, entre outros princípios, o que obrigatoriamente agrega
complexidade e atrai institutos jurídicos que visem ao esclarecimento do caso concreto.
Por último, uma nota importante sobre a ausência de previsão expressa de
solidariedade para as prestações de saúde. Tal instituto jurídico conta com noção
conceitual prescrita no artigo 264 do Código Civil.333 Entretanto, ainda que se destine a
tutelar de relações de direito privado, o artigo 265 é claro ao prelecionar que “A
solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.
Nesse contexto, com muito mais razão a solidariedade não deve ser
livremente transposta para o âmbito do Direito Público, em que vige o rigor do princípio
da legalidade estrita,334 segundo o qual à Administração somente é lícito fazer aquilo
que a lei permite.
Entretanto, apesar das críticas apresentadas, a solidariedade entre os entes
políticos para a dispensação de fármacos excepcionais tem sido sistematicamente
reconhecida pelos tribunais pátrios, o que contribui, de certa forma, para o colapso do
SUS.335
331 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo de Instrumento nº 1363374-2. 4ª Câmara
Cível. Relatora Des. Lélia Samardã Giacomet. Unânime. Julgado em 21.07.2015. 332 V. item “1.1.2” da pesquisa. 333 “Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um
devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.” (BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de
2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 30 jul.
2016.). 334 “Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-
somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. (...) a função administrativa se subordina à legislativa
não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque
esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso..., p. 101.) 335 Sobre o assunto, destaque-se que, recentemente, o STF reafirmou sua jurisprudência em sede de
repercussão geral, cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 855.178/PE.
Tribunal Pleno. Relator Min. Luiz Fux. Maioria. Julgado em 05.03.2015.
109
(ii) Concepção vaga e alargada do mínimo existencial e da dignidade
humana:336 não obstante o Judiciário empregue cotidianamente diferentes expressões
para aludir ao “mínimo existencial”, o instituto é, em verdade, utilizado como um
verdadeiro “argumento-coringa”337 para embasar o deferimento de pedidos de
medicamentos excepcionais e prestações de saúde de todo gênero, ampliando
significativamente a noção de direito à saúde.338
Isso porque, em sentido diametralmente oposto à necessidade inafastável de
se perquirir o sentido do mínimo exigível do Estado e se este abrange determinado caso
concreto, magistrados invocam a expressão sem, contudo, empreender a subsunção fato-
norma,339 contribuindo para o estabelecimento de um vazio dogmático a respeito do
conceito de mínimo existencial.
É o caso, v. g., do enunciado n. 29 das Câmaras de Direito Público (4ª e 5ª
Câmaras Cíveis) do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,340 formado após
deliberação da Seção Cível da Corte, cujo mandamento bem representa a inexistência de
aprofundamento teórico sobre qual o real alcance do instituto em questão, limitando-se
unicamente a ter o mínimo existencial como um núcleo intangível para a aplicação da
teoria da reserva do possível, sem, contudo, especificá-lo.
No entanto, ao deixar de conceituar o instituto e arbitrar critérios – objetivos
ou subjetivos – para a sua aferição, o Judiciário se aproxima daquilo que Canotilho
denominou de “metodologia fuzzy”,341 ou seja, a decisão é marcada por vagueza e
indeterminismo das definições empregadas nas decisões, sendo possível encaixá-los em
qualquer tipo de deliberação do Juízo.
O problema surgido com a falta de especificidade traz sérias consequências
para a judicialização da saúde. É que, não identificado o mínimo existencial no caso
concreto, a tendência jurisprudencial é evoluir perigosamente rumo a um horizonte cada
336 O quesito enunciado foi objeto de análise crítica por ocasião do item “1.1.2” do presente trabalho. 337 PIVETTA, Saulo Lindorfer. Op. Cit., p. 78. 338 LIMA, Fernando Rister de Sousa. Saúde e Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2015. p. 100-
101. 339 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 148863-9/SE, 2ª Turma, Relator Herman
Benjamin. Unânime. Julgado em 20.11.2014. 340 “Enunciado n. 29. A teoria da reserva do possível não prevalece em relação ao direito à vida, à
dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial, não constituindo óbice para que o Poder Judiciário
determine ao ente político o fornecimento gratuito de medicamentos.” 341 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Metodologia Fuzzy e Camaleões normativos na problemática
atual dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: _____. Estudos Sobre Direitos Fundamentais. 2.
ed. Coimbra: Almedina, 2008.
110
vez mais abrangente, em que absolutamente todas as pretensões de saúde estariam
contempladas pelo instituto e, por isso, não poderiam ser negadas aos postulantes,
ocasionando, sem exageros, a implosão do sistema público de saúde, já engessado e
cambaleante nos dias atuais.
Enfim, o atual uso retórico da expressão “mínimo existencial” deve ser
substituído pelo estabelecimento de critérios objetivos e universais, capazes de bem
subsidiar o posicionamento do Judiciário nos casos em que, após análise detida e ampla
dilação probatória, amolda-se (ou não) dada pretensão àquele mínimo.342
(iii) presunção juris et de jure do laudo médico individual que acompanha a
petição inicial: outra postura rotineira constatada do órgão jurisdicional está relacionada
ao aceite irrestrito de laudos médicos que atestam, em muitos casos, de maneira sucinta
e desprovida de documentos comprobatórios das informações, a necessidade de
determinado medicamento de alto custo.343
Neste ponto, cabe apenas o relato de tal prática, assentida pelo Poder
Judiciário sem maior reflexão, a qual pode ocasionar dispêndio desnecessário pelo
Poder Público diante de laudo inconsistente ou desatualizado, sem olvidar da nefasta
possibilidade de fraude344 para obtenção de fármacos onerosos de maneira gratuita para
posterior revenda no mercado ilegal.345
Por ocasião do item “2.1.1” do presente trabalho, foi dissecada a Política
Nacional de Medicamentos desenvolvida pelo Governo Federal, consistente em uma
miríade de procedimentos tendentes à incorporação contínua de novas drogas nas
listagens representadas pela RENAME e pelos PCDT’s para posterior dispensação aos
pacientes enfermos. Sabe-se que o processo de estudo, avaliação, aquisição e
342 SARLET, Ingo Wolfgang; ZOCKUN, Carolina Zancaner. Notas sobre o mínimo existencial e sua
interpretação pelo STF no âmbito do controle judicial das políticas públicas com base nos direitos sociais.
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 115-141, mai./ago. 2016. DOI:
http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v3i2.46594. 343 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1489209-
2. 4ª Câmara Cível. Relator Des. Rogério Ribas. Unânime. Julgado em 03.05.2016. 344 CORDEIRO, Quirino; MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Falseamento de diagnóstico médico para
que paciente obtenha medicação de alto custo pelo SUS. Psychiatry on line Brasil, v. 19, n. 11, nov.
2014. 345 SEGATTO, Cristiane. “Não suspeitei de fraude. Penso no lado humano”, diz juiz sobre caso de
falsos doentes. Disponível em: <http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/06/nao-suspeitei-de-fraude-
penso-no-lado-humano-diz-juiz-sobre-caso-de-falsos-doentes.html>. Acesso em: 31 jul. 2016.
111
dispensação de medicamentos especiais necessita de montantes superiores à casa do
bilhão de reais.346
De outro lado, Tribunais em todo o país aceitam com tranquilidade que
pretensões individuais de medicamentos caros sejam apoiadas em simples requisição
subscrita por médico que vai de encontro com a política pública consolidada por meio
de estudos técnicos cada vez mais sintonizados com os avanços da medicina – caso da
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias – CONITEC. Em muitos casos,
diga-se, o juiz profere decisão sem sequer determinar a realização de instrução
probatória – perícia, complementação documental por relatório médico detalhado, etc. –
em sede de mandado de segurança ou ação submetida a rito processual mais célere.
Tal postura incauta, embora contumaz no âmbito jurisdicional, culmina por
fragilizar deveras as políticas públicas de saúde. Como forma de combater a prolação de
decisões precipitadas, lastreadas em um único indício documental, o item “3.2.1”
contém proposição no sentido de se evitar a via mandamental para a satisfação de
direito a medicamento de alto custo, justamente para subsidiar adequadamente a
comprovação da necessidade do fármaco pretendido.
Por ora, pretende-se apenas deixar evidenciada a rotina das decisões
judiciais quanto à aceitação de documento médico por vezes singelo e incapaz de
demonstrar, exaustivamente, a necessidade de dado fármaco oneroso e diverso dos
previstos no extenso catálogo dos PCDT’s.
(iv) preferência pela realização de microjustiça: objeto de estudos
específicos,347 a postura da magistratura tem se inclinado à realização da microjustiça,
em razão de uma série de fatores que tornam a decisão concessiva de medicamentos
excepcionais mais “aceitável” e mesmo “humana”.348
346 BRASIL. Ministério da Saúde. Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação
para a garantia do acesso a medicamentos no SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. p. 21. Disponível
em: <http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farmacia.saude.pe.gov.br/files/componente_especializado_da_
assistencia_farmaceutica.pdf>. Acesso em 31 jul. 2016. 347 Cf. MOTTA, Carolina Elisabete P. M. de Senna; Sonagli, Joseliane. A liberação de medicamentos em
demandas judiciais às custas do sistema único de saúde e o lobby da indústria farmacêutica. Revista da
AJURIS, Porto Alegre, v. 42, n. 137, p. 115-140, mar. 2015; FARIA, Luzardo. Op. Cit., p. 347. 348 Ana Paula de Barcellos bem discorre sobre a dificuldade de o magistrado aplicar, com imparcialidade,
todo o arcabouço normativo pertinente em ações de saúde, in verbis: “A primeira dificuldade diz respeito
à atuação do juiz e a suas impressões psicológicas e sociais, que não podem ser desconsideradas. Um
doente com rosto, identidade, presença física e história pessoal (...) é percebido de forma inteiramente
diversa da abstração etérea do orçamento e das necessidades do restante da população (...)”
(BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia..., p. 322.)
112
Por vezes aplicada sob a égide do princípio da proporcionalidade, a
principal motivação para o deferimento de prestações individuais, em detrimento das
coletivas, está relacionada à suposta higidez do sistema de saúde e a inexistência de
risco de colapso diante da concessão “caso a caso” de medicamento em uma situação
concreta.349
O raciocínio encontra obstáculo na proliferação de decisões individuais por
todo o país, o que certamente influi negativamente no orçamento, quiçá de maneira mais
contundente que as notáveis ações coletivas,350 proferidas após estudo de viabilidade e
comprovação de deficiência de toda a política pública.
Resta claro que a postura do Judiciário de atuar majoritariamente em termos
de microjustiça não é mera faculdade, na medida em que também necessita agir segundo
o princípio do impulso oficial para com a esmagadora maioria de ações ajuizadas
individualmente. Isso sem olvidar da ausência de aparelhamento do juiz, munido,
quando muito, de algum núcleo de apoio técnico,351 o qual não é capaz, ainda assim, de
fazer frente aos órgãos competentes dos demais Poderes, acostumados a realizar
escolhas difíceis, segundo o aconselhamento de secretarias e órgãos técnicos.352
Demonstram-se, assim, as razões que induzem o Poder Judiciário a emitir
pronunciamentos pela aquisição de medicamentos em casos singulares, bem como a sua
tendência de se recusar a interferir de maneira mais incisiva na política pública.353 Como
bem pontou Ana Paula de Barcellos, “ainda que superadas as críticas anteriores, o fato é
que nem o jurista, e muito menos o juiz, dispõem de elementos ou condições de avaliar,
sobretudo em demandas individuais, a realidade da ação estatal como um todo”.354
(v) inaplicabilidade absoluta da teoria da reserva do possível: quanto a este
quesito, para além da sua desconsideração pelo Judiciário por considerá-lo mera
349 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia..., p. 324. 350 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia..., p. 332. 351 BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde firma parceria com CNJ para apoio técnico a
juízes. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/23970
-ministerio-da-saude-firma-parceria-com-cnj-para-apoio-tecnico-a-juizes>. Acesso em: 31 jul. 2016. 352 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões legislativas. Rio de Janeiro: Forense,
2003. p. 22-23. 353 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 5021220-
97.2012.404.0000. 3ª Turma. Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Julgado em 18.12.2012. 354 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In: SARLET, Ingo
Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2.
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 101-132.
113
retórica, é preciso adotar referencial diverso do lugar-comum revisitado pela doutrina
nacional.
Tal qual o “mínimo existencial” se consubstancia em fundamento “coringa”,
amplamente disseminado por julgadores em diferentes gradações, ainda que sem o
aprofundamento exigido pelo caso concreto, assim também o é a reserva do possível,
por sua vez tratada sem o devido vagar pelos julgadores, bem como sendo reduzida à
condição de “vilã” dos direitos sociais, por supostamente apregoar a total
insustentabilidade de custeio das pretensões requestadas judicialmente.355
Por constituir objeto de subitem específico constante do presente capítulo
(“3.1.3”), deixa-se de minuciar sua configuração estrutural e a forma como vem sendo
sistematicamente rechaçada pelo órgão jurisdicional, em alguns casos de maneira um
tanto quanto despreocupada.
Faz-se ressalva, porém, no sentido de que a reserva do possível, a exemplo
de outros argumentos, é vista sob a mesma perspectiva do falso silogismo abordado nos
parágrafos anteriores. Afinal, posicionar a teoria em questão, desenvolvida na doutrina
alemã para debater política pública educacional e importada pelo Direito brasileiro
como uma “razão de Estado”, frente a frente com o direito fundamental à vida, conduz à
sua preterição quase automática por juízes e tribunais, o que nem sempre se revela a
medida mais adequada à solução do litígio.
(vi) possibilidade de prescrição por profissional médico não inscrito nos
quadros do SUS: do rol ilustrativo apresentado, a presente hipótese seja talvez a menos
comum na rotina do Judiciário. Porém, sua inclusão se justifica para fins expositivos,
em especial pelo fato da edição do enunciado nº 30 das Câmaras de Direito Público – 4ª
e 5ª Câmaras Cíveis – do Tribunal de Justiça do Paraná, o qual conta com a seguinte
redação: “Para fins de fornecimento gratuito de medicamentos por ente federado
mostra-se irrelevante o fato de o relatório médico não ter sido elaborado por profissional
integrante do SUS (Sistema Único de Saúde)”.356
355 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1488639/SE. 2ª Turma. Relator Min.
Herman Benjamin, Unânime. Julgado em 20.11.2014. 356 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível nº 1163004-1. 5ª Câmara Cível.
Relator: Des. Leonel Cunha. Unânime. Julgado em 11.03.2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado
do Paraná. Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1319333-0. 4ª Câmara Cível. Relatora Des. Maria
Aparecida Blanco de Lima. Unânime. Julgado em 31.03.2015.
114
Trata-se de hipótese um tanto arriscada, eis que, na prática, faz com que o
médico particular, por vezes não familiarizado com as relações de medicamentos
elaboradas e rotinas estabelecidas no SUS, prescreva medicamentos que não estejam
abrangidos pela política, por desconhecimento ou mesmo por discordar do
posicionamento adotado pelos órgãos públicos.
Visto sob outra perspectiva, o aludido enunciado não representa, por si só,
grave ameaça ao sistema público de saúde. Isso se deve ao fato de que, não obstante o
SUS trate de materializar política pública em âmbito nacional, por se tratar o Brasil de
país de proporções continentais, há rincões nos quais sua atuação pode ser deficitária,
ou mesmo nula.357 Nesses casos, torna-se imperativo aceitar que profissionais não
inscritos na seara pública possam contribuir para a convalescença de habitantes
desprovidos de médicos públicos.
Porém, o fato de não integrar o corpo médico do SUS não é suficiente para
despir o profissional de toda e qualquer obrigação de observância da política pública
estabelecida. É preciso que o fármaco escolhido para tratar a moléstia esteja inserido
nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, de sorte a não comprometer a saúde
pública com receituários dispendiosos e, em muitos casos, desprovidos de estudos
relacionados à eficácia do tratamento.
Assim, não se descura da possibilidade de uma harmonização de
procedimentos, conglobando os esforços para permitir o acesso aos medicamentos de
alto custo. Contudo, é preciso que o médico particular, nestes casos, prescreva o método
profilático em conformidade com as premissas do Sistema de Saúde, além de justificar
exaustivamente a sua necessidade.
Exposto, ainda que sucintamente, o conjunto de argumentos frequentemente
utilizados pelos atores da justiça para fundamentar a concessão de medicamentos, desde
a atenção básica até os de dispensação extraordinária, bem como tecendo críticas
pontuais a cada um dos critérios, é possível compreender a premência com que deve ser
encarada a busca por mudanças nas fórmulas judiciais hodiernas, para amplificar, de
maneira sustentável, contundente e eficiente, o alcance das prestações de saúde aos que
dela necessitam.
357 BONIS, Gabriel. A saúde não chega aqui: no semiárido baiano, a falta de médicos impõe um
verdadeiro suplício à população em busca de assistência. Disponível em:
<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-saude-nao-chega-aqui-5937.html>. Acesso em 31 jul. 2016.
115
Porém, para que tal expansão ocorra e, com isso, as prestações de saúde que
digam respeito a fármacos de valores vultosos sejam garantidas de maneira mais efetiva,
privilegiando necessitados e prestigiando a igualdade de posições358 também nessa seara
do direito fundamental social à saúde, é preciso buscar a evolução dos parâmetros hoje
aplicados pelo Judiciário, adequando-os à realidade da Administração Pública, a partir
da obediência dos critérios constitucionais elencados. É o que se espera com as
contribuições inseridas na pesquisa, constantes inclusive da segunda parte do presente
capítulo. É preciso, sobremaneira, evoluir rumo à racionalização do sistema.
3.1.2. O Recurso Extraordinário com repercussão geral – RE 566.471/RN e outros
recursos relevantes para o sistema de saúde
O recurso extraordinário que dá nome à seção seguramente detém
importância singular para o debate acerca da possibilidade de fornecimento de
medicamentos de alto custo.
Para fins metodológicos, cumpre transcrever a ementa do aludido julgado,
in verbis: “SAÚDE. ASSISTÊNCIA. MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO.
FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de
o Poder Público fornecer medicamento de alto custo.”359
Sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, o recurso em questão
possui como pano de fundo o agravo na saúde de pessoa idosa portadora de doença
cardíaca que, para convalescer, necessita de medicamento considerado de alto custo.
Trata-se de medicação cujo princípio ativo é o “citrato de sildenafila”, medicação
comumente utilizada para distúrbios relacionados à disfunção erétil, capaz de obter
resultados para uma série de outras enfermidades. 360
358 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela..., p. 121. 359 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 566.471/RN. Tribunal Pleno. Relator
Des. Marco Aurélio Mello. Unânime. Julgado em 15.11.2007. 360 Para entender o assunto, recomenda-se a leitura dos seguintes artigos científicos: GUIMARÃES,
Armênio Costa et al. Uso do sildenafil em pacientes com doença cardiovascular. Arq. Bras. Cardiol.,
São Paulo, v. 73, n. 6, p. 515-520, dez. 1999; BENTLIN Maria Regina et al. Sildenafil no tratamento da
hipertensão pulmonar após cirurgia cardíaca. Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v. 81, n. 2, p. 175-178,
mar./abr. 2005; ATHANAZIO, Rodrigo Abensur et al. Resposta pressórica de pacientes com
miocardiopatia chagásica ante o uso do sildenafil. Arq. Bras. Cardiol., São Paulo, v. 88, n. 3, p. 367-
370, mar. 2007.
116
O processo, originariamente concebido sob a forma de ação ordinária de
obrigação de fazer, seguiu seu curso natural, tendo sido proferida sentença de
procedência do pedido inicial, decisão esta confirmada em sede de recurso de apelação
cível pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.361
Interposto recurso extraordinário, os autos chegaram à Corte Suprema, onde
foram sobrestados após o Ministro entender, dentre outros argumentos, que devido ao
elevado número de processos com temas idênticos àquele em estudo – obrigatoriedade
de fornecimento de medicamento excepcional pelo Estado –, era dever do STF dirimir a
questão por meio do aclaramento do papel da Administração, notadamente em relação
ao custeio de fármacos de custo elevado para certos indivíduos enfermos, sem perder de
vista o critério objetivo dos limites orçamentários impostos às políticas públicas de
saúde, de cunho coletivo.
A decisão de reconhecimento da repercussão geral do tema, portanto,
direcionou a discussão jurídica, conduzindo-a sob a perspectiva do custo das prestações
de saúde. E, tendo em vista tais dilemas se consubstanciarem o dia-a-dia administrativo
tanto de Municípios com pouquíssima densidade demográfica até as grandes
metrópoles, a celeuma ganhou tamanha notoriedade que quase a totalidade dos Estados-
membros e diversas outras entidades – v. g. associações de portadores de determinadas
moléstias, Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Municípios de todos os
tamanhos e recantos do país – solicitaram admissão ao processo como terceiros
interessados e dispostos a colaborar com o processo decisório, por meio do mecanismo
dialógico do amicus curiae.362
No dia 15 de setembro de 2016, o julgamento teve início no Plenário do
Supremo Tribunal Federal, de maneira conjunta a outro recurso extraordinário com
repercussão geral, autuado sob o n. 657.718,363 o qual trata de matéria similar,
361 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Apelação Cível nº 2007.003192-7. 2ª
Câmara Cível. Relator Des. Aderson Silvino. Unânime. Julgado em 10.07.2007. 362 “Descrição do Verbete: ‘Amigo da Corte’. Intervenção assistencial em processos de controle de
constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos
autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos;
atuam apenas como interessados na causa. Plural: Amici curiae (amigos da Corte).” (BRASIL. Supremo
Tribunal Federal. Glossário jurídico: Amicus Curiae. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=533>. Acesso em 1 ago. 2016. 363 “SAÚDE – MEDICAMENTO – FALTA DE REGISTRO NA AGÊNCIA NACIONAL DE
VIGILÂNCIA SANITÁRIA – AUSÊNCIA DO DIREITO ASSENTADA NA ORIGEM – RECURSO
EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL – CONFIGURAÇÃO. Possui repercussão geral a
controvérsia acerca da obrigatoriedade, ou não, de o Estado, ante o direito à saúde constitucionalmente
117
relacionada ao dever do Estado em adquirir medicamentos que ainda não contam com
registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Designado Relator, o Ministro Marco Aurélio Mello declarou seu voto,364-365
o qual foi aditado posteriormente, na sessão do dia 28 de setembro.366-367 Seu
entendimento foi pela negativa de provimento ao recurso interposto pelo Estado do Rio
Grande do Norte, assentando entendimento pela obrigação estatal de fornecimento de
fármacos vultosos. A fundamentação teórica utilizada para edificar seu voto, dado com
notório viés de amplitude máxima dos direitos sociais, pode ser sistematizada da
seguinte forma:
(i) é preciso delimitar em que termos o mínimo existencial se dá nos pleitos
que envolvem o direito à saúde;
(ii) a aferição do mínimo existencial ocorre em duas dimensões, uma
objetiva, relacionada a imprescindibilidade do medicamento para materializar o direito à
saúde, e uma subjetiva, ligada à incapacidade financeira para a compra do fármaco;
(iii) a imprescindibilidade – aspecto objetivo – diz com a prescrição médica
obtida licitamente, sinalizando a necessidade de medicamento de alto custo ausente das
listagens oficiais, indicado para procedimento necessário à sobrevida ou melhora da
qualidade de vida do paciente, cabendo ao Estado demonstrar a inadequação ou
prescindibilidade do fármaco em questão, sob pena de responsabilidade;
(iv) a incapacidade financeira requer construção mais sofisticada, na medida
em que se volta aos familiares do postulante e à necessária comprovação da ausência de
condições, figurando o Estado como responsável subsidiário nos casos de
impossibilidade do cônjuge ou companheiro, ascendente e descendente, estes em
qualquer grau, em uma analogia realizada para com o instituto civil da prestação de
alimentos do Código Civil;
garantido, fornecer medicamento não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária –
ANVISA.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 657.718/MG. Tribunal
Pleno. Relator Min. Marco Aurélio Mello. Unânime. Julgado em 17.11.2011). 364 BRASIL. Supremo Tribunal Federal: suspenso julgamento sobre acesso a medicamentos de alto
custo por decisão judicial. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325411>. Acesso em: 17 out. 2016. 365 YOUTUBE. Pleno - suspenso julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo por decisão
judicial. Disponível em: <https://youtu.be/2h8Km_errFg>. Acesso em: 17 out. 2016. 366 BRASIL. Supremo Tribunal Federal: pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos
de alto custo por via judicial. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326275>. Acesso em: 17 out. 2016. 367 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto
custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016.
118
(v) identificadas ambas as dimensões, o direito a medicamento, de alto custo
ou não, está assegurado por imposição constitucional.
Proferido o voto do Relator, o Ministro Luís Roberto Barroso, após deduzir
pedido de vista antecipada regimental na sessão anterior, apresentou, em 28.09.2016,
suas ponderações sobre o tema.368-369 Sua declaração de voto se deu no sentido de
desprover o recurso, porém por fundamento diverso de seu predecessor, pois sobrelevou
que houve a incorporação do fármaco ao SUS no curso do processo.
Compilados seus argumentos, é possível constatar sua divergência de
posicionamento em relação à legitimidade dos pedidos de dispensação de medicamentos
de alto custo. Assim, o voto pode ser estruturado segundo as seguintes premissas:
(i) via de regra, independentemente do custo, o Estado não pode ser
obrigado judicialmente a fornecer medicamento de alto custo que não conste do SUS,
salvo em situações excepcionais cumulativas, adiante especificadas;
(ii) demonstração de incapacidade financeira para adquirir o fármaco;
(iii) inexistência de decisão administrativa contrária à inclusão do
medicamento nas listagens oficiais;
(iv) inexistência de produto capaz de substituir aquele objeto do pleito
judicial;
(v) comprovação da eficácia de acordo com os procedimentos da medicina
baseada em evidências; e
(vi) ocupação do polo passivo da demanda pela União, único ente federativo
capaz de realizar a incorporação de novos medicamentos no SUS.
Ato contínuo, declarou seu voto o Ministro Luiz Edson Fachin,370 o qual deu
parcial provimento à insurgência, por entender que o Estado do Rio Grande do Norte
tem razão ao sustentar a necessidade de inclusão da União no polo passivo da demanda,
por se tratar de medicamento já incorporado ao SUS e financiado pela União. Quanto ao
mérito do recurso, porém, aduziu o Ministro que não se sustenta a tese da
Administração, eis que restou comprovada a excepcionalidade do medicamento à luz
368 BARROSO, Luís Roberto. Medicamentos de alto custo. Disponível em:
<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2016/10/RE-566471-Medicamentos-de-alto-
custo-vers%C3%A3o-final.pdf>. Acesso em: 17 out. 2016. 369 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto
custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016. 370 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto
custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016.
119
das circunstâncias do tempo da prestação. A seu ver, devem concorrer as seguintes
situações para franquear o acesso aos medicamentos excepcionais:
(i) prévio requerimento administrativo que pode ser suprido pela oitiva de
ofício do agente público por parte do julgador;
(ii) subscrição realizada por médico da rede pública ou justificada a
impossibilidade;
(iii) indicação do medicamento por meio da denominação comum brasileira
ou a denominação internacional;
(iv) justificativa da inadequação da inexistência de medicamento ou
tratamento dispensado na rede pública;
(v) e ainda, laudo, formulário ou documento subscrito pelo médico
responsável pela prescrição em que indique a necessidade do tratamento, seus efeitos e
os estudos da medicina baseada em evidências, além das vantagens para o paciente,
comparando, se houver, com eventuais fármacos ou tratamentos fornecidos pelo SUS
para a mesma moléstia;
(v) quanto à eficácia prospectiva, em obediência ao princípio da segurança
jurídica, sejam preservados os efeitos das decisões judiciais que, versando sobre a
questão constitucional submetida à repercussão geral, tenham esgotadas as instâncias
ordinárias, inclusive as que se encontram sobrestadas até a data deste julgamento.
Considerando que, até a conclusão da presente pesquisa, os únicos três votos
proferidos foram os acima compilados, carecendo o processo de acórdão definitivo,
algumas conjecturas são formuladas, com o fito de incrementar o debate acerca do
fornecimento de medicamentos de alto custo.
Interessante indagação diz com a efetiva utilidade da repercussão geral
reconhecida, ante a dificuldade de se padronizar condutas nessa seara e garantir um
modus operandi para a obtenção de drogas de alto valor agregado.
Ao tecer breve comentário acerca da sessão do dia 28 de setembro e sobre a
miríade de critérios distintos dos Ministros votantes, Eduardo Jordão bem discorreu
sobre a necessidade de decisões claras e diretas em casos como o presente, que
enfrentam a problemática da judicialização da saúde. Disse o jurista que “Testes
judiciais muito complicados costumam ser mal entendidos ou mal aplicados. Eles
120
potencializam os conflitos, já que cada um dos parâmetros do teste polifásico é uma
oportunidade para dúvidas operacionais – e, com isso, para mais discussões judiciais”.371
A preocupação é razoável e, inclusive, chegou a ser objeto de reflexão
quando da participação do Colegiado no julgamento da célebre Suspensão de Tutela
Antecipada – STA nº 175/CE, já dissecada no item primeiro da presente pesquisa. Isso
porque a então Ministra Ellen Gracie, atentando à complexidade inerente às ações de
saúde, questionou a repercussão geral daquela STA, aduzindo, para tanto, ser
impossível um julgamento servir de muro de arrimo para um sem-fim de situações
fáticas relacionadas à obtenção de medicamentos de alto custo, a menos que fossem
identificadas “categorias gerais”, que padecem de uma mesma mazela.372
Afinal, diferentemente de outro caso semelhante submetido ao Supremo
Tribunal Federal,373 de relatoria da mesma Ministra, o RE nº 566.471/RN teve
repercussão geral reconhecida em relação à questão de mérito propriamente
considerada, “pretendendo-se obter do Tribunal entendimento genérico sobre se a
assistência farmacêutica de alto custo constitui obrigação do Estado e corresponde a
equivalente direito subjetivo individual”.374
De outro lado, a patente dificuldade de se estabelecer marcos teóricos
seguros para a concretização “genérica” do direito fundamental social à saúde ao
fornecimento de medicamentos de alto custo traz a lume nova indagação: tendo o STF
jurisprudência consideravelmente inclusiva no tocante ao reconhecimento da
legitimidade dos pleitos relacionados à concessão de medicamentos para
restabelecimento da saúde, haveria necessidade de repercussão geral da matéria?
Tal questionamento se legitima pelo fato de as prestações de saúde contarem
com incrível grau de complexidade, variando vertiginosamente conforme a necessidade
de cada postulante. Dessa forma, acaso procedente a repercussão geral nº 566.471/RN
no mérito, correr-se-ia o risco de, em detrimento da necessária instrução do processo
judicial, com a realização de perícia e esgotamento das alternativas terapêuticas
previstas nos Protocolos Clínicos – hipóteses defendidas no presente trabalho –,
371 JORDÃO, Eduardo. Menos é mais: o Supremo, o Judiciário e os medicamentos. Disponível em:
<http://jota.info/menos-e-mais-o-supremo-o-judiciario-e-os-medicamentos>. Acesso em 17 out. 2016. 372 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada nº 175/CE. Tribunal Pleno.
Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes. Julgado em 17.03.2010. 373 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 607.582/RS. Plenário Eletrônico.
Relatora Min. Ellen Gracie. Julgado em 13.08.2010. 374 ANDRADE, Ricardo Barreto de. Op. Cit., p. 143.
121
processos seriam cada vez mais julgados antecipadamente, em uma demanda
pseudopermeada de matéria exclusiva de direito, sepultando definitivamente a política
pública do SUS sob pilhas de decisões judiciais concessivas dos mais variados
medicamentos, sem se importar com a vitalidade do sistema.
Tendo em conta o solo fértil proporcionado pela repercussão geral em
questão, é possível relacionar nova inquietação ao cenário estabelecido. Se, decidido o
mérito do recurso extraordinário nº 566.471/RN, a Corte Suprema pronunciar-se no
sentido de não haver um direito subjetivo do cidadão frente ao Estado para a aquisição
de fármacos excepcionais, qual a consequência para a enorme torrente de processos em
trâmite?
Embora seja possível teorizar no sentido de que, em razão da hierarquia
constitucional estabelecida, os processos em trâmite deveriam obrigatoriamente seguir o
precedente formado, nesse caso hipotético houve inequívoco tolhimento do direito de
milhares de cidadãos ao acesso a medicamentos cujo custo não poderiam, em tese,
arcar. Como lidar com tal situação?
E mais. Imaginando-se o quadro inverso, ou seja, sobrevindo decisão
expressa da Corte no sentido de que há direito subjetivo do cidadão frente ao Estado no
tocante aos medicamentos de alto custo, a discussão sobre a legitimidade da pretensão a
um medicamento oneroso se tornaria despicienda, já que estaria pressuposta na
Constituição e amparada pelo Poder Judiciário.
Nessa toada, desponta novo cenário cujo desfecho não é mais animador do
que o anteriormente descrito. Isso porque o efeito nefasto da decisão constitucional seria
o de alargar insustentavelmente o leque de acesso aos medicamentos e outras
prestações, sem que, para isso, fossem realizados exames complementares com vistas à
aferição da real necessidade.
Logo, com base em repercussão geral favorável a todos os pleitos de
fármacos excepcionais, restaria prejudicada a finalidade do próprio processo, na medida
em que transformaria o Poder Judiciário em um mero balcão de farmácia em busca de
dado medicamento.
É com base nesse cenário que o Poder Judiciário deve ponderar e
pavimentar um meio seguro para o desfecho do Recurso Extraordinário nº 566.471/RN,
a fim de que sejam atendidos, de um lado, os anseios da população, costumeiramente
122
achacada por enfermidades e constante usurpação de prerrogativas e, de outro, o Estado-
garantidor constitucionalmente previsto.
3.1.3. A teoria da “reserva do possível”: definição, alcance e atual utilização na
jurisprudência brasileira
Discorrer sobre a reserva do possível tornou-se, para aqueles que se
propõem a debater, direta ou indiretamente, as políticas públicas em sua roupagem
contemporânea, rota obrigatória para a construção de novas propostas. Afinal, tal teoria
compõe a outra face de uma mesma moeda, sendo tratada pela jurisprudência como
antítese ao mínimo existencial, frequentemente invocado para justificar a necessidade
de prestações positivas pelo Estado.
Entre o extenso acervo doutrinário que trata do tema-título da seção, Ingo
Wolfgang Sarlet possui papel de destaque, em razão de sua significativa produção
bibliográfica acerca dos direitos fundamentais e, consequentemente, da reserva do
possível. Em artigo científico que compõe obra coletiva,375 referido autor, em coautoria
com Mariana Filchtiner Figueiredo376 explica sobre a gênese da teoria alemã que veio a
se tornar, nos dias atuais, o principal argumento estatal para negar acesso ao
fornecimento de medicamentos de alto custo.
Segundo os autores, foi a partir da expressão “Der Vorbehalt des
Möglichen”, cunhada no julgado “BVerfGE 33, 303”,377 proveniente do Tribunal
375 SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do
possível”. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 376 Cf. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e
efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007; _____; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner.
Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: _____; TIMM,
Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2013. p. 13-50; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. O direito à saúde em perspectiva
comparada: o uso compassivo de medicamentos experimentais. Publicações da Escola da AGU: Direito,
Gestão e Democracia, v. 2, p. 153-176, 2014; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à Saúde: Leis
8.080/90 e 8.142/90, arts. 6º e 196 a 200 da Constituição Federal. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. 377 Sobre o assunto, v. SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo. Cinqüenta anos de jurisprudência
do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevideo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005. p. 656-
667; PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 4ª REGIÃO. Projeto de pesquisa: o
Ministério Público e a promoção dos direitos fundamentais sociais. Disponível em:
<http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/index.php?pagina=jurisprudencia_internacional>.
Acesso em: 5 ago. 2016; BUNDESVERFASSUNGSGERICHT. BVerfGE 33, 303. Disponível em:
<http://www.bundesverfassungsgericht.de/DE/Homepage/homepage_node.html>. Acesso em: 5 ago.
2016; HOCHSCHULREKTORENKONFERENZ. BVerfGE 33, 303 – numerus clausus I.
123
Constitucional Federal da Alemanha, que teve início a edificação de teorias que
objetivam relacionar – ou mesmo condicionar – as prestações materiais advindas dos
direitos sociais para com a capacidade financeira do Estado, os quais estariam sujeitos
às escolhas alocativas realizadas pelos Poderes Legislativo e Executivo, por sua vez
materializadas no orçamento público.378
O caso paradigmático diz respeito à oferta insuficiente de vagas nas
faculdades de medicina de Hamburgo e Baviera, as quais editaram regulamentos que
objetivavam selecionar o ingresso às cátedras segundo critérios que envolviam
desempenho e idade, com a finalidade de manter a capacidade sustentável de promoção
do ensino superior.379
A limitação, de índole absoluta – daí a expressão “numerus clausus” –,
demandou do Tribunal Constitucional Federal interpretação no sentido de,
primeiramente, assentar a dupla função dos direitos sociais, dotados de posições
jusfundamentais negativas e positivas,380 para depois concluir que, em se tratando de
“benefícios estatais” – políticas públicas afirmativas – há uma barreira natural imposta
pelo Estado que culmina por limitar o leque de escolhas do indivíduo, vez que “os
direitos sociais de participação em benefícios estatais não são desde o início restringidos
àquilo existente em cada caso, eles se encontram sob a reserva do possível, no sentido
de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade.”381
Entretanto, o entendimento da Corte alemã ponderou, acertadamente, que
imposições absolutas, como aquelas em questão, somente atenderiam ao arcabouço
constitucional em casos dotados de justificativa forte, em que (i) os recursos públicos já
tivessem sido empregados adequadamente, (ii) por meio de critérios racionais que
colocassem os postulantes a cargos no ensino superior naquelas localidades em
condição de igualdade.382
Assentada estava a premissa, assim, de que “os direitos sociais a prestações
materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do
<https://www.hrk.de/fileadmin/redaktion/hrk/02-Dokumente/02-03-Studium/02-03-04-
Hochschulzulassung/bverfg_nc-urteil_18071972.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2016. 378 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 29. 379 SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo. Op. Cit., p. 657-658. 380 Cf. item “1.1.2” da pesquisa. 381 SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo. Op. Cit., p. 663. 382 Ibidem, p. 666-667.
124
Estado”,383 a qual serviu de viga-mestra para, no Brasil e em tantos outros lugares, a
edificação de constructos teórico-jurisprudenciais que permitem a sua aplicabilidade no
ordenamento pátrio.
No entanto, é preciso consignar importante posicionamento defendido por
parcela da doutrina384 com o qual se compactua, no sentido de que, para se tornar
aplicável – e oponível – no contexto jurídico brasileiro, a teoria da reserva do possível
não pode ser simplesmente adquirida, tal qual vigente no direito alemão, sem que sejam
consideradas as peculiaridades inerentes à realidade social experimentada no Brasil.385
Afinal, tendo sido desenvolvida no âmbito de país desenvolvido e dotado de sistema
jurídico consideravelmente distinto, suas premissas divergem do contexto
socioeconômico brasileiro, onde sequer demandas elementares, a exemplo do
saneamento básico,386 são suficientemente atendidas.
Além disso, há outro argumento contrário à utilização da reserva do
possível, qual seja, a forma como foram concebidos os direitos sociais na Alemanha e
no Brasil.
Aduzem os detratores da teoria que, enquanto no Brasil os direitos sociais
constam expressamente do catálogo de direitos constitucionais, sendo inclusive
considerados direitos fundamentais e por isso estão sujeitos ao seu regime jurídico,
municiados com cláusula de exigibilidade imediata (parágrafo 1º do art. 5º da CR) e
vinculação orçamentária, de maneira que normas infraconstitucionais estariam
impossibilitadas de obstaculizar sua realização; não há nada parecido na Constituição
alemã, sendo possível extrair do seu artigo primeiro somente o abstrato princípio do
Estado Social, norma que, isolada, não tem o condão de vincular o Poder Público à
realização de prestações positivas.387 Por isso, dada a intransponível diferença estrutural
383 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 29. 384 Dentre tantos cf. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988:
estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 176-
177; KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os
(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p.
51. 385 MOREIRA, Alinie da Matta. As restrições em torno da reserva do possível: uma análise crítica.
Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 55. 386 LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Saneamento básico e direito à saúde: considerações a partir do
princípio da universalização dos serviços públicos. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica
e Teoria do Direito, São Leopoldo, v. 7, n. 1, p. 62-69, jan./abr. 2015. 387 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Op. Cit., p. 179.
125
entre os sistemas jurídicos, restaria incompatibilizada a utilização da teoria da reserva
do possível.
Ocorre que, embora a menção ao regime jurídico-constitucional dos direitos
sociais no Brasil reafirme o dever estatal de implementação das políticas públicas
inclusivas, tal situação, em verdade, não consiste em motivo suficiente para incitar a
incompatibilidade absoluta do ordenamento brasileiro com a teoria da reserva do
possível, cabendo tão somente a sua equalização ao sistema jurídico pátrio.388
É dizer: configura-se dever inarredável do Estado a implementação dos
direitos sociais previstos na Constituição da República, dando estrito cumprimento às
vinculações constitucionais e demais normas de aplicabilidade imediata. Porém,
igualmente imperativa – e mesmo constitucional – é a eleição discricionária de
prioridades frente à escassez de recursos que, por sua vez, compromete direitos de todo
gênero, fundamentais ou não, vinculados ou não.389
Nesse passo, tem-se que, devidamente sopesadas as diferenças concernentes
ao Direito positivo e às características históricas, culturais, políticas e econômicas de
exportador (Alemanha) e importador (Brasil), é possível pensar no aperfeiçoamento da
teoria que, em última análise, retrata uma das faces da complexa questão do
atendimento das demandas provenientes dos que se encontram carentes de alguma
prestação vinculada aos direitos sociais, sendo leviano afirmar a impossibilidade
absoluta de incorporação da referida teoria.
Pode-se afirmar que a reserva do possível detém, a exemplo do mínimo
existencial, um “núcleo essencial” no qual está inserida premissa de índole universal,
aplicável aos Estados de Direito contemporâneos. Isso porque, desde a sua criação na
jurisprudência alemã, faz-se presente o binômio “capacidade financeira estatal” versus
“prestações sociais exigidas pela sociedade”. Cabe a cada ordenamento, a partir de tal
premissa, teorizar sobre o seu alcance e aplicabilidade.
Disso resulta que a reserva do possível funciona como espécie de limite
fático-jurídico390-391 que incide sobre os direitos fundamentais, segundo a realidade
388 MOREIRA, Alinie da Matta. Op. Cit., p. 57. 389 Idem. 390 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 301-340. 391 Sobre o assunto, Virgílio Afonso da Silva possui obra específica na qual discorre sobre o conceito de
suporte fático e sua capacidade de restringir direitos fundamentais, cuja leitura pode ser feita em: SILVA,
Virgílio Afonso. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros,
2009.
126
socioeconômica do país. Sua atuação, para além de estabelecer a linha fronteiriça entre
a concretização e o inadimplemento de direitos de primeira e segunda gerações, também
serve de garante destes mesmos direitos fundamentais quando, valendo-se dos critérios
da proporcionalidade e da garantia do mínimo para uma existência digna, opta por
salvaguardar o núcleo de outro direito elementar garantido constitucionalmente.392
De todo modo, o mote principal da teoria será sempre o processo decisório
relacionado à destinação de recursos materiais para a concretização de políticas públicas
que tratam de direitos indisponíveis, tendo em conta a asserção de que a Constituição
Federal, além de não propiciar critérios claros quanto à melhor forma de cumprimento
de suas diretrizes (e nem poderia, diga-se, frente ao emaranhado de situações complexas
impossíveis de sistematização), está sujeita às intempéries do contexto socioeconômico
global.393
Nesse sentido, ganha relevo o argumento de que a promoção de direitos
sociais perpassa pela própria noção de separação de poderes e a divisão de
competências dela advinda, na medida em que não basta ao legislador estabelecer um
infindável rol de direitos prestacionais se se descurar do planejamento econômico
decorrente do orçamento elaborado pelo administrador.394
Legítima, por consequência, a problemática relacionada aos custos dos
direitos,395 ideia intrínseca à concepção de reserva do possível porque clarifica a
urgência de se buscar eficiência e racionalidade no âmbito da administração dos
recursos, o que pode se dar por meio do aperfeiçoamento da gestão orçamentária
segundo os primados de uma gestão democrática, conforme defendido por Fernando
Facury Scaff,396 e do processo de gerenciamento e controle de resultados das políticas
públicas.397
De igual modo, ao Judiciário cabe igualmente tutelar os direitos
fundamentais sociais, ainda que subsidiariamente, por meio de intervenções pontuais e
392 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 30. 393 Idem. 394 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra:
Coimbra, 1982. p. 369. 395 HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York:
W. W. Norton & Company, 1999. 396 SCAFF, Fernando Facury. Controle público e social da atividade econômica. In: FRANCO FILHO,
Georgenor de Sousa (Coord.). Presente e futuro das relações de trabalho: estudos em homenagem a
Roberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo: LTr, 2000. p. 415-434. 397 LEAL, Rogério Gesta. Administração pública e sociedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006. p. 57.
127
com vistas à efetivação do regime estabelecido, com a preocupação de não se imiscuir
na seara dos demais poderes e suas opções orçamentárias,398 tampouco desestruturar o
já instável cenário de efetivação de direitos fundamentais sociais.
Ainda que na saúde seu dever institucional seja o de corrigir distorções e
agir onde a política pública não alcança ou se omite, restabelecendo a harmonia perdida
com o não atendimento segundo os ditames da universalidade, integralidade e outras
proposições nodulares do SUS, tal atuação deve sempre sopesar a questão da escassez,
de maneira a potencializar a eficácia dos programas governamentais e a melhor gestão
possível.399
Ademais, indubitável é a contribuição do Judiciário para o restabelecimento
de situações injustificadamente desiguais, possibilitando às ações da Administração
Pública certa previsibilidade quanto aos limites do razoável na feitura de políticas
públicas, além de tornar coesos os critérios para a confecção de decisões do próprio
corpo judiciário. Isso sem olvidar da segurança jurídica concedida aos cidadãos,
tornando-os cônscios de quais provimentos poderão ser demandados do Poder
Judiciário.400
Do quadro apresentado, é possível extrair que proporcionalidade,
razoabilidade,401 mínimo existencial e suporte fático-jurídico de recursos pecuniários e
humanos são os trilhos formadores da reserva do possível,402 funcionando como
verdadeiras chaves-mestras para a promoção da homogeneidade das políticas públicas.
A presença concomitante de todas elas configura-se conditio sine qua non para garantir
a máxima eficácia dos direitos prestacionais, limitando-os ou garantindo-os, conforme a
circunstância concreta apresentada.
Atente-se, no entanto, à advertência feita por Adriana da Costa Ricardo
Schier, no sentido de que, muito embora seja a reserva do possível argumento válido
para justificar o não cumprimento de dada pretensão jurídica, “não poderá jamais, nos
398 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 31. 399 GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
p. 215-282. 400 WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na
jurisprudência do STF. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 539-568, jul./dez. 2008. 401 “Mas a natureza de direito prima facie vinculante implica que a cláusula de restrição desse direito – a
‘reserva do possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade’ – não
pode levar a um esvaziamento do direito. Essa cláusula expressa simplesmente a necessidade de
sopesamento desse direito.” (ALEXY, Robert. Teoria..., p. 515.) 402 Construção semelhante à presente pode ser encontrada em: SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO,
Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 30.
128
quadros de um Estado Democrático de Direito, desobrigar a Administração de
demonstrar a inexistência de recursos capazes de suportar os custos financeiros para
garantir, a todos, o mínimo existencial.”403
Nesse contexto de compatibilização do direito fundamental à saúde para
com as possíveis restrições advindas da reserva do possível, cabe destacar os aportes
teóricos deduzidos por Ingo Wolfgang Sarlet,404 para quem a reserva do possível se
manifesta em três dimensões distintas e peculiares, quais sejam:
(i) dimensão fática da reserva do possível: importa na efetiva provisão
econômico-financeira405 do Poder Executivo para propiciar a efetivação de direitos
fundamentais.406 Aqui, fala-se na limitação de recursos existente em toda e qualquer
Administração Pública, a qual tem como obrigação precípua o atendimento do mínimo
existencial e, em momento ulterior, alocar recursos em outras searas não essenciais, por
meio de juízo de razoabilidade.
(ii) dimensão jurídica da reserva do possível: vista sob este aspecto, a
reserva do juridicamente possível diz com obstáculos de ordem orçamentária,
relacionadas à captação de receitas propriamente dita, bem como a repartição de
competências tributárias, legislativas e administrativas,407 podendo igualmente ser
legitimamente invocadas como razão para a limitação de dado direito fundamental.
(iii) dimensão da razoabilidade e proporcionalidade da reserva do possível:
sob esta dimensão, as limitações oriundas da reserva do possível são concebidas
casuisticamente, mediante a intervenção do Poder Judiciário, o qual, por meio do
princípio da proporcionalidade, empregará análise quanto a eventuais excessos ou
deficiências no proceder estatal. Já o princípio da razoabilidade, também denominado
de “proporcionalidade em sentido estrito”, pondera o equilíbrio da decisão
administrativa que alocou recursos e o impacto de tal decisão na coletividade.408
Ainda que se reconheçam as hipóteses de restrição dos direitos
fundamentais pelas modalidades da reserva do possível, é preciso entendê-las não como
403 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Op. Cit., p. 209-235. 404 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 284-365. 405 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 351. 406 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 287. 407 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 360. 408 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 396.
129
obstáculos à efetividade do direito à saúde, mas como instrumento de garantia de
realização dos direitos sociais de viés prestacional.
3.2. Proposições que objetivem a melhora – e a racionalização – da judicialização
da saúde quanto aos medicamentos de alto custo
Tendo discorrido sobre o quadro jurisdicional que comporta os pedidos de
fornecimento de medicamentos de alto custo, a pesquisa intenciona contribuir, ainda
que despretensiosamente, para racionalizar tais pretensões, com o fito de aumentar o
grau de eficiência do sistema de saúde vigente.
Assim sendo, em primeiro lugar (3.2.1), é erigida construção teórica que
sustenta a imprescindibilidade da realização de perícia técnica judicial para bem
fundamentar decisões que concedem tais fármacos, refutando-se, consequentemente, o
uso indiscriminado do mandado de segurança, em virtude de sua impossibilidade de
dilação probatória.
Em seguida (3.2.2), defende-se a seara federal como a única instância
apropriada para abarcar os processos que discutem fármacos de alto custo, por ser a
União a responsável constitucional pela salvaguarda do sistema público de saúde, sem
olvidar do próprio aparelhamento da Justiça Federal, seu orçamento e menor fluxo de
processos, quando comparada à Justiça Estadual.
Por último (3.2.3), revela-se uma visão otimista para com o manejo de ações
coletivas para medicamentos dispendiosos, na medida em que, ao contrário de pleitos
individuais que desestruturam o SUS, podem se consubstanciar importantes aliadas da
política de inclusão de medicamentos, por tratarem de direitos transindividuais de
grandes parcelas da coletividade.
3.2.1. A perícia como elemento imprescindível para a obtenção de medicamentos
excepcionais
Após discorrer, no item precedente, sobre o estado da arte de algumas
abordagens do direito à saúde para a obtenção de medicamentos excepcionais pela via
do Judiciário, destacando-se, inclusive, a tendência atual dos tribunais quanto à
130
concessão de compostos químicos de maneira por vezes inconsequente e despreocupada
para com a subsistência e o vigor do próprio sistema de saúde, a presente divisão encara
o desafio de propor mudanças no proceder judicial, as quais, embora pontuais, poderão
servir ao propósito de contribuir para a obtenção de maior efetividade do SUS e seus
mecanismos de atendimento à população.
A primeira proposta, embora aparente estar relacionada estritamente à forma
escolhida pelo jurisdicionado de provocar o Poder Judiciário, igualmente guarda
identidade com o Direito material e, além disso, revela-se um poderoso meio de
identificar demandas que efetivamente atendam aos requisitos de legitimidade para
exigir da política de saúde o cumprimento dos comandos constitucionalmente previstos.
A perícia médica, aqui entendida como sendo “todo e qualquer ato
propedêutico ou exame, feito por médico, com a finalidade de contribuir com as
autoridades administrativas, policiais ou judiciárias na formação de juízos a que estão
obrigadas”,409 deve ser encarada como ato compulsório quando a demanda versar sobre
o fornecimento de medicamentos de alto custo, por uma razão simples e eficaz: é por
meio de tal procedimento – e somente por ele – que se torna possível averiguar a
pertinência, a indispensabilidade e a impossibilidade de substituição de dado fármaco
anteriormente postulado à Administração e por ela negado, ensejando o processo
judicial.
Não pairam dúvidas acerca da complexidade cada vez maior das relações
sociais. O acesso à informação por meio da tecnologia transforma pacientes comuns em
experts para uma gama de assuntos antes restritos à seara acadêmica, por sua vez
construída segundo o pensamento crítico e a formulação de hipóteses e teorias.410
Nessa senda, a realidade não poderia ser diferente no âmbito da saúde e da
busca por medicamentos dispendiosos: frequentes são as situações em que médicos
generalistas ou especializados, valendo-se do controle fraco do sistema público de saúde
quanto à possibilidade de prescrição subscrita por profissionais não vinculados ao SUS
(hipótese abordada no subitem “3.1.1”) prescrevem medicamentos de altíssimo valor
agregado sem realmente conhecer seus efeitos, tão somente em razão de anúncios por
409 ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de. Perícia médica judicial. Rio de Janeiro: Guanabara Dois,
1982. p. 2. 410 GARBIN, Helena Beatriz da Rocha; PEREIRA NETO, André de Faria; GUILAM, Maria Cristina
Rodrigues. A internet, o paciente expert e a prática médica: uma análise bibliográfica. Interface,
Botucatu, v. 12, n. 26, p. 579-588, Set. 2008.
131
vezes desprovidos até mesmo de comprovação científica satisfatória, patrocinados pelo
lobby das indústrias farmacêuticas e disseminados por meio de um processo científico
contínuo, irrefreável e de riscos incontroláveis, conforme o alerta contido na clássica
formulação de Ulrich Beck.411
Assim, tal condição da sociedade atual impõe o estabelecimento de rígidos
contornos para a dispensação de medicamentos. Faz-se indispensável que a prova
pericial assuma condição de protagonista em ações que ultimem o recebimento de
determinados fármacos que não constem dos Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas – PCDT’s e cuja aquisição será impactante no orçamento.
Sem maiores digressões, defende-se que a adoção da perícia enquanto fase
obrigatória dos processos judiciais de medicamentos excepcionais encerra verdadeiro
círculo virtuoso para a progressiva otimização das rotinas administrativas em saúde, na
medida em que tem o condão de fortalecer inegavelmente o conteúdo da decisão
judicial, blindando-a com critérios científicos dificilmente refutáveis, além de fomentar
o diálogo entre as instituições envolvidas – Judiciário, Defensoria Pública, Ministério
Público, Ministério da Saúde e seus órgãos responsáveis pela inclusão de novos
remédios nas listas de dispensação, etc.
E ainda, importante ressalva deve ser destacada, no sentido de que o
posicionamento ora declinado vai ao encontro da previsão constitucional de promoção
da eficiência administrativa,412 eis que a realização de perícias certamente desvendaria
práticas imbuídas de má-fé ou inábeis, decorrentes da sanha de justiciabilidade que
toma conta da sociedade atual e culminam por ocasionar prejuízos aos cofres
públicos.413
Logo, exigir no processo judicial a feitura de laudo pericial por profissional
especializado é postura que torna a justiça mais precisa e consentânea com os avanços
411 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. 412 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)” (BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.
htm>. Acesso em: 8 ago. 2016. 413 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Excesso de litigância é desafio para o Poder Judiciário,
diz ministro Joaquim Barbosa. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/60904-excesso-de-
litigancia-e-desafio-para-o-poder-judiciario-diz-ministro-joaquim-barbosa>. Acesso em: 8 ago. 2016.
132
tecnológicos disponíveis,414 além de promover a distribuição mais equânime de
recursos, alocando-os onde realmente surtirão efeitos.
De outro norte, resta claro que a adoção do critério descrito no presente
tópico impõe ao jurisdicionado uma consequência significativa: a necessidade de
descontinuar o uso –hoje indiscriminado – do instrumento do mandado de segurança
para obter tutela favorável ao uso de determinado medicamento.
Por se tratar de mecanismo jurídico que diz com um direito “líquido e certo”
e “prova pré-estabelecida”, o mandado de segurança não deveria nunca ser utilizado
pelos advogados que atuam em favor dos que precisam de medicamentos vultosos.
A receita médica que embasa uma ação, mesmo quando acompanhada de
relatório descritivo da situação experimentada, jamais poderia ser considerada prova
absoluta e definitiva da condição de saúde do indivíduo e da imprestabilidade da
política estatal, a ponto de reputar-se despicienda a dilação probatória. Tudo por um
motivo elementar até aqui exposto: falta-lhe o aprofundamento técnico e a isenção
necessária para confrontar a política existente.415
A exemplo das demais propostas declinadas na segunda parte do presente
capítulo, a temática ora abordada ainda caminha timidamente pelo emaranhado de
teorias presentes no arcabouço doutrinário pátrio, o que torna o esforço pelo seu
reconhecimento ainda mais instigante. Nesse contexto, cabe menção a recentíssimo
acórdão proferido no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina,416 o
qual fez constar que o pedido de realização de perícia deduzido em ação de
medicamento de alto custo, acaso não atendido, traduz-se em cerceamento de defesa e,
por isso, torna-se causa suficiente para motivar a revisão da sentença.
Carla Pittelli Paschoal D’Arbo igualmente partilha do argumento aqui
desenvolvido, asseverando que “é evidente que não basta uma singela receita médica,
principalmente sabendo-se que existem tantas e tão constantes divergências de
414 ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de. Op. Cit., p. 2. 415 GANDINI, João Agnaldo Donizeti; BARIONI, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A
judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos
terapêuticos por via judicial – critérios e experiências. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=4182&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 8 ago. 2016. 416 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2015.0946850. 1ª
Câmara de Direito Público. Relator: Des. Carlos Adilson Silva. Unânime. Julgado em 29.03.2016.
133
diagnósticos e de indicação de tratamento de um médico para outro, levando-se em
conta o seu grau de conhecimento, a sua experiência, a sua linha de conduta etc.”.417
Sob outro aspecto, sobreleva ponderar que o mandado de segurança é, ainda
hoje, amplamente utilizado e aceito nos tribunais como instrumento de realização do
direito a medicamentos. Para os defensores do referido modelo jurídico enquanto
garante do acesso à política de saúde, a exemplo de José Menah Lourenço, as matrizes
constitucionais (art. 196) e seus desdobramentos legais (Lei nº 8.080/90) são
mandamentos que, reunidos, servem para afastar qualquer pretensão relacionada à
necessidade de perícia, porque “quem bate às portas dos fóruns e tribunais buscando
determinado medicamento é porque o mesmo, sem dúvida, tem alto valor, inacessível à
enorme parcela dos brasileiros, ou mesmo sequer existe no Brasil, sendo imprescindível
(portanto, absurdamente cara) sua importação”.418
Com a devida vênia, as normas em comento foram interpretadas superficial
e apressadamente pelo autor. Em seu texto, confundem-se os argumentos de
competência comum dos entes federativos (já estudados por ocasião do item “1.2.2”),
com as premissas constitucionais da descentralização e integralidade de atendimento do
SUS (item “1.2.1”). A construção não observa, assim, que os princípios em questão não
são, de forma alguma, incompatíveis com a exigência de realização de perícia nos
pleitos de medicamentos.
Posta a questão de maneira simplista, é preciso atentar ao fato de que o
exame pormenorizado, feito por quem detenha capacidade técnica para averiguar a
eficácia do medicamento, sua previsão nas listagens oficiais, a incompatibilidade de
outros fármacos e a impossibilidade de substituição por outro de idêntico efeito, é capaz
de salvar mais vidas do que a concessão irrefreada e sem parâmetros.
Isso porque tais medidas contribuem para sanear o processo de aquisição e
dispensação de medicamentos de alto custo, tornando-o mais eficiente, já que o
resultado obtido em processos alicerçados em pareceres de profissionais sabedores da
417 D’ARBO, Carla Pittelli Paschoal. O princípio da legalidade e o direito à saúde. Revista da Escola
Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 53-90, jan./dez.
2011. 418 LOURENÇO, José Menah. Prova pericial para fornecer medicamento é desumano. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2012-nov-10/jose-menah-prova-pericial-fornecimento-medicamento-
desumano>. Acesso em 4 ago. 2016.
134
condição e dos limites do sistema culminam com decisões judiciais sólidas, que atuam
pontualmente em regiões de inescapável tensão.
Não são raras as situações em que determinado postulante de medicamento
excepcional obtém a tutela jurisdicional com base em um único documento médico que
pleiteia determinada droga. Aceita-se o relatório médico como prova pré-constituída em
mandado de segurança e prolata-se sentença sem instrução probatória, tudo em razão de
suposta violação, pelo gestor público, do direito fundamental à saúde previsto nos arts.
6º e 196 da Constituição da República.
Tal situação não pode subsistir. É preciso alterar o modo como são
encarados os processos de saúde. Núcleos de Apoio Técnico – NAT, Conselhos
Municipais de Saúde e mesmo a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no
SUS – CONITEC devem ser, de alguma maneira, ouvidos em tais ações. Adotar
medidas como a oitiva dos órgãos oficiais citados, sem olvidar de entidades não
governamentais reconhecidamente idôneas na área, devem ser ponderadas pelo Juízo da
causa.
Por outro lado, evidente que a assessoria técnica não deve ser motivo de
morosidade ao processo, cabendo ao Judiciário, por meio de diálogo estabelecido com
tais órgãos e seus representantes, disciplinar meios de conjugação de esforços, os quais
deverão sempre estar voltados à promoção do direito à saúde, pelo meio procedimental
correto.
Um exemplo a ser seguido pode ser aquele demonstrado por Felipe Dutra
Asensi e Roseni Pinheiro,419 cujo trabalho retrata a salutar interação entre a Defensoria
Pública do Distrito Federal e os órgãos públicos responsáveis pela dispensação de
fármacos, que culminou com a desjudicialização de feitos e fortaleceu o diálogo
institucional entre os atores envolvidos.
3.2.2. O deslocamento da judicialização de pedidos de medicamentos excepcionais para
a Justiça Federal: procedimento ideal para sanear o SUS e promover a
sustentabilidade do sistema
419 ASENSI, Felipe Dutra; PINHEIRO, Roseni. Defensoria pública e diálogo institucional em saúde: a
experiência de Brasília-DF. Direito & práxis, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 11-36, jul.
135
Prosseguindo-se com o intento de erigir proposições objetivas de melhora
na saúde pública, consigna-se aqui proposta relacionada ao deslocamento da
judicialização para a seara federal, pelos motivos adiante alinhavados.
Em muitos casos, medicamentos de alto custo já aprovados pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e imprescindíveis à convalescença de
pacientes deixam de constar da RENAME, bem como dos PCDT’s específicos das
enfermidades. Diante desse quadro fático, a quem caberia responsabilizar-se pela
dispensação de tal fármaco? Diante do atual panorama estabelecido – o da solidariedade
– a resposta parece óbvia: a responsabilidade seria de todo e qualquer dos entes
federados, a critério do jurisdicionado.
Entretanto, tal solução não se afigura adequada, sendo imprescindível
posicionar-se criticamente à falta de critérios suficientes que melhor delineiem o modus
operandi de situações como a apresentada, em que o fármaco pretendido, de alto custo
e, não raro, capaz de inviabilizar temporariamente o orçamento público, seja pleiteado
judicialmente.
Por ocasião do trâmite processual da Suspensão de Tutela Antecipada –
STA n. 175/CE no Supremo Tribunal Federal,420 o Min. Rel. Gilmar Ferreira Mendes
lançou mão do salutar instituto da audiência pública,421 com vistas à compreensão
multidisciplinar das consequências da decisão judicial que seria elaborada.
Durante tal reunião, da qual participaram representantes da sociedade civil,
da Defensoria Pública, do Ministério da Saúde, dentre outras instituições técnicas e
sociais organizadas, o Ministério Público Federal, por meio de sua Procuradoria Geral
da República, lavrou parecer tecendo suas considerações a respeito.422
Naquela ocasião, o parecer, subscrito pelo então Procurador-Geral da
República Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, trouxe relevante contribuição no
que diz respeito ao estabelecimento de balizas procedimentais para a repartição de
competências prevista no ordenamento. Em seu arrazoado, sustentou o Procurador que,
420 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175.
Relator Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Julgado em 17.03.2010. DJe 30.04.2010. 421 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Audiência pública nº 4, convocada em 05 de março de 2009.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaS
aude>. Acesso em: 14 jul. 2016. 422 SOUZA, Antônio Fernando Barros e Silva de. Supremo Tribunal Federal: Audiência pública nº 4,
convocada em 05 de março de 2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Dr._Antonio_Fernando_Barro
s_e_Silva_de_Souza___ProcuradorGeral_da_Republica_.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2016.
136
justamente em razão da clareza das normas que dizem respeito às atribuições de cada
ente federativo quanto à manutenção do SUS – competência comum às três esferas
federativas na atenção básica, exclusiva da União nos programas estratégicos de
controle de endemias, União e Estados responsáveis por medicamentos excepcionais
previstos na RENAME –, não é possível estabelecer solidariedade para todo e qualquer
fármaco, mas somente para os casos em que “não for possível identificar a divisão de
tarefas e o cumprimento delas423”, ou seja, quando os medicamentos excepcionais não
estiverem previstos nas listagens oficiais.
Tal posicionamento, partilhado por algumas vozes da doutrina,424 revela
avanço, em especial porque considera o respeito à ordem e à autonomia administrativas,
as quais decorrem da diretriz constitucional da descentralização prevista no art. 198, I,
da Constituição da República, já objeto de análise em tópico precedente (item “1.1.3”).
Entretanto, é preciso que o debate seja ampliado, a fim de proporcionar
contornos mais rígidos para balizar a dispensação de fármacos capazes de impactar
significativamente nas políticas públicas dos entes federados, em especial Estados e
Municípios.
Como anteriormente abordado, sabe-se que a divisão de competências
prevista no art. 23, II, da Constituição Federal efetivamente não sustenta a solidariedade
construída doutrinária e jurisprudencialmente, tendo anunciado taxativamente a
competência comum dos três entes da Federação para cuidar da saúde.
Noutro ponto, tendo em conta que o Estado brasileiro vive sob a égide do
federalismo,425 é certo que a arrecadação tributária encontra na União sua pedra angular,
a qual constitui a espinha dorsal para a sustentação do sistema, por meio da captação
concentrada de recursos e repasses posteriores constitucionalmente previstos para
Estados, Municípios e Distrito Federal, os quais são complementados por tributos outros
instituídos por estes entes.426
Em razão do fato de ser o Brasil considerado um Estado Fiscal, no qual os
tributos ocupam o eixo central para a aferição de receitas públicas,427 a capacidade
423 Idem. 424 OLHAND, Luciana. A responsabilidade solidária dos entes da Federação no fornecimento de
medicamentos. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 36, n. 1, p. 29-44, jan./jun. 2010. 425 BARBOSA, Jeferson Ferreira. Op. Cit., p. 17-30. 426 PARANÁ. Portal da transparência: repasses e transferências. Disponível em:
<http://www.transparencia.pr.gov.br/pte/ assunto/4/13?origem=4>. Acesso em: 15 jul. 2016. 427 MAURICIO JR., Alceu. Op. Cit., p. 82-86.
137
arrecadatória da esfera federal é notoriamente vultosa.428 Dados oficiais apontam que,
em 2014, a União era responsável por quase 70% da carga tributária nacional, captando
cifra superior a R$ 1,2 trilhão de reais, ao passo que todos os Estados e Municípios,
juntos, somaram pouco mais de R$ 582 bilhões.429
É certo que não se descura, sequer por um momento, das infindáveis e
infinitas necessidades de todos os setores abrangidos pelo Estado. Porém, o que se quer
evidenciar é tão somente a desproporção – diga-se, legítima e constitucional – entre os
orçamentos dos entes federativos.
Especificamente em relação ao financiamento do Sistema Único de Saúde, é
preciso apresentar as verbas que atualmente o compõem. Por expressa determinação do
art. 198, § 1º, combinado com o art. 195, ambos da Constituição Federal, tem-se que
todos os entes federativos são responsáveis pela conservação do SUS. A União, após a
promulgação da Emenda Constitucional nº 86/2015,430 a qual alterou a redação do art.
198, § 2º, I, tem obrigação constitucional de aplicar, no mínimo, o percentual de 13,2%
da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, o qual será majorado a
cada exercício financeiro, até o patamar limite de 15% (quinze por cento), no ano de
2020.431-432
428 BRASIL. Carga tributária no Brasil 2014: análise por tributos e bases de incidência. Brasília:
Ministério da Fazenda e Receita Federal, 2015. p. 4. Disponível em:
<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisti
cas/carga-tributaria-no-brasil/29-10-2015-carga-tributaria-2014>. Acesso em: 15 jul. 2016. 429 Idem. 430 BRASIL. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015: Altera os arts. 165, 166 e 198 da
Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc86.htm#art1>.
Acesso em: 15 jul. 2016. 431 Não obstante a redação constante do art. 198, § 2º, I, estabelecer expressamente que o índice devido à
saúde não pode “ser inferior a 15% (quinze por cento)”, a Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março
de 2015, publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, escalonou a majoração gradativa do
percentual da seguinte forma: “Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal
será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo: I - 13,2% (treze inteiros e dois décimos por
cento) da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta
Emenda Constitucional; II - 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita corrente líquida no
segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional; III - 14,1%
(quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro
subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional; IV - 14,5% (quatorze inteiros e cinco
décimos por cento) da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da
promulgação desta Emenda Constitucional; V - 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no
quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.”. 432 A EC nº 86/2015 terminou por derrogar o art. 5º da Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de
2012, editada nos termos do art. 198, § 3º, I, que até então determinava o quantum devido pela União por
meio de fórmula matemática, sem índice pré-estabelecido e com cláusula proibitiva de repasse nominal a
menor, se ocorrido recuo do PIB.
138
Importante observação deve ser ressalvada no sentido de que, das emendas
parlamentares individuais, cujas verbas podem representar até 1,2% da receita prevista
pelo Executivo e que são liberadas independentes do aval da Administração, metade
(0,6%) é contabilizada para o atingimento daquele percentual estabelecido no art. 198, §
2º, I, conforme prescreve o art. 166, §§ 9º e 10 da Constituição Federal,433 também fruto
da EC nº 86/2015.
Nesse particular, menciona-se a salutar Proposta de Emenda Constitucional
– PEC nº 01/2015,434 já aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados com
emenda que a torna mais vantajosa, majorando paulatinamente o percentual obrigatório
até o patamar de 19,4% (dezenove vírgula quatro por cento) em 2023, sem dedução das
emendas parlamentares individuais dos parágrafos 9º e 10 do art. 166 da CR. Tal
incremento na receita da saúde acenaria para um horizonte melhor e mais digno para os
usuários do SUS, cabendo o acompanhamento do projeto junto à Câmara dos
Deputados, paralisado desde julho de 2016.435
No entanto, com a recente promulgação da Proposta de Emenda
Constitucional – PEC nº 241/2016, transformada na Emenda Constitucional – EC nº
95/2016,436 torna-se incerto o avanço pretendido pela PEC nº 01/2015 já mencionada.
Afinal, a instituição de novo regime fiscal impedirá a majoração do percentual
destinado à saúde pública pelos próximos vinte exercícios financeiros,437 o que poderá
433 “Art. 166. (...) § 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de
1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado
pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de
saúde. § 10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde previsto no § 9º,
inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2º do art. 198, vedada a
destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais. 434 Proposta de Emenda à Constituição nº 01-A, de 2015: “Altera o art. 198 da Constituição Federal, para
dispor sobre o valor mínimo a ser aplicado anualmente pela União em ações e serviços públicos de saúde,
de forma escalonada em sete exercícios: 14,8%, 15,5%, 16,2%, 16,9%, 17,6%, 18,3% e 19,4%, e dá
outras providências.” 435 BRASIL. Câmara dos Deputados: PEC 1/2015. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=945979>. Acesso em: 2
nov. 2016. 436 Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016: “Altera o Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.” 437 “Art. 110. Na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplicações mínimas em ações e serviços públicos de
saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino equivalerão: I - no exercício de 2017, às aplicações
mínimas calculadas nos termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da Constituição
Federal; e II - nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as aplicações mínimas do exercício
imediatamente anterior, corrigidos na forma estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 107 deste Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.” (BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro
de 2016. Disponível em:
139
acarretar consequências desastrosas para as prestações de saúde em geral e, em especial,
para a dispensação de medicamentos de alto custo, em vista do contínuo aumento da
demanda.
Quanto aos Estados, sua contribuição para a saúde se dá no importe de 12%
(doze por cento), incidentes sobre a arrecadação dos impostos previstos nos arts. 155,
157 e 159, I e II, da Constituição. É o que se dessume da diretriz constitucional prevista
no art. 198, § 3º, I, que delegou à Lei Complementar nº 141/2012 (art. 6º) o
estabelecimento do percentual de financiamento da saúde pelos Estados-membros.
Por fim, cabe aos Municípios destinar à saúde o percentual de 15% (quinze
por cento) de sua arrecadação, igualmente coletado a partir dos impostos de sua
competência, a teor dos arts. 156, 158, 159, I, “b” e § 3º da Constituição Federal.
Situação sui generis retrata o Distrito Federal, o qual, em vista de sua
natureza bipartite que congrega características concomitantes de Estado e Município,
contribui segundo a base de incidência do tributo. Logo, se o imposto recolhido está
inserido na competência do Estado, 12% (doze por cento) será devido à saúde. Se,
porventura, a base do tributo for municipal, então 15% do produto da arrecadação direta
será destinado às ações e serviços de saúde. Enfim, para impostos cuja base não possa
ser segregada em estadual ou municipal, 12% é repassado para o SUS.
Expostos os percentuais devidos a cada um dos entes federativos para o
financiamento da saúde, a vultosa discrepância de capacidade contributiva da União
para os demais pode ser visualizada a partir de caso concreto, tendo sido escolhido o
Município de Curitiba/PR no ano de 2015 para embasar o argumento a ser formulado.
A título de esclarecimento, é preciso compreender que os recursos
financeiros destinados à execução das ações de saúde do SUS, in casu, provêm de
contas municipais, estaduais e federais (LC nº 141/2012), sendo depositados no Fundo
Municipal de Saúde – FMS,438 o qual é o responsável pela sua administração, conforme
o Plano Municipal da Saúde (PMS),439 por sua vez circunscrito às diretrizes nacionais da
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm#art1>. Acesso em: 15 dez.
2016.) 438 Art. 77, § 3º, da Constituição da República; Art. 71 da Lei nº 4.320/64; Art. 33 da Lei nº 8.080/90;
Portaria MS-GM nº 545/93 – Norma Operacional Básica do SUS, item “4.1.1.b.3”; art. 159 da Lei
Orgânica do Município de Curitiba. 439 Art. 4º da Lei nº 8.142/90.
140
Programação Anual da Saúde (PAS) 440 e da Lei Orçamentária Anual (LOA), que está
inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no Plano Plurianual (PPA).441
Segundo o Relatório de Gestão elaborado pela Secretaria Municipal de
Saúde para o ano de 2015,442 o orçamento total de recursos destinado à saúde de Curitiba
foi de R$ 1.565.511.845,22. Dessa soma, denota-se que o Município arcou sozinho com
pouco mais de 51,3% de todas as despesas, o que totaliza a quantia de R$
803.445.021,84 (oitocentos e três milhões quatrocentos e quarenta e cinco mil e vinte e
um reais e oitenta e quatro centavos), montante extremamente comprometedor, mesmo
para Municípios abastados.443 Atente-se que tal meta somente foi passível de
cumprimento em vista da destinação, pelo Município, do percentual de 21,20% da
receita arrecadada com os impostos de sua competência, consideravelmente acima do
mínimo legal previsto pelo art. 7º da Lei Complementar nº 141/2012, que estabelece
piso de investimento de 15%, sem olvidar da contrapartida oriunda do Estado do
Paraná, o qual realizou aporte financeiro de R$ 13.071.989,69 para o período.444
Tais valores podem, à primeira vista, causar perplexidade aos que não estão
familiarizados com os repasses constitucionais que abrangem o território nacional.
Todavia, se considerado o orçamento total da União para o mesmo exercício financeiro
de 2015, é possível relativizar o impacto que os medicamentos de alto custo teriam em
sua estimativa de gastos, uma vez que, segundo o anexo da Lei nº 13.115/2015,445 o
valor destinado ao Ministério da Saúde foi de R$ 121.011.373.943,00.
Tal qual asseverado em linhas precedentes, é cediço que tal valor repassado
ao Ministério da Saúde e seu Fundo Nacional de Saúde deve contemplar Municípios de
todos os Estados da Federação. Porém, a magnitude dos números relativos à União
indica ser este ente tranquilamente capaz de suportar, com segurança, o impacto
advindo da aquisição dos medicamentos de alto custo a cargo dos Estados, como forma 440 Art. 17, § 2º, da Lei Complementar nº 141/2012. 441 Art. 165 da Constituição da República. 442 CURITIBA. Secretaria Municipal de Saúde: Relatório de Gestão – Período de janeiro a dezembro de
2015. Disponível em: <http://www.saude.curitiba.pr.gov.br/images/relatorio%20final%202015%20
vers%C3%A3o%2004.04.2016.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016. 443 CURITIBA. Secretaria Municipal de Saúde: Relatório de Gestão – Período de janeiro a dezembro de
2015. p. 52-56. Disponível em: <http://www.saude.curitiba.pr.gov.br/images/relatorio%20final%202015
%20vers%C3%A3o%2004.04.2016.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016. 444 CURITIBA. Secretaria Municipal de Saúde: Relatório de Gestão – Período de janeiro a dezembro de
2015. p. 57. Disponível em: <http://www.saude.curitiba.pr.gov.br/images/relatorio%20final%202015
%20vers%C3%A3o%2004.04.2016.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016. 445 BRASIL. Lei nº 13.115, de 20 de abril de 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13115.htm>. Acesso em: 18 jul. 2016.
141
de evitar, até mesmo, que os demais entes federados esgotem seus recursos com o
cumprimento de decisões judiciais e findem por inviabilizar prestações de saúde de toda
sorte, até mesmo no atendimento básico, até que, a duras penas, sobrevenha ulterior
compensação administrativa – ou judicial.446
A preocupação externada é compartilhada por Fernando Rister de Sousa
Lima, para quem “é preocupante a grande parte da ações em trâmite em desfavor de
municípios que, na maioria, não têm condições de assumir tal ônus, especialmente
porque recebem a menor fatia da verba orçamentária, ínfima se comparada à dos
respectivos estados e à da União.”447 Ademais, Lenir Santos posiciona-se na mesma
direção ora defendida, pontuando que o ajuizamento de ações perante a seara federal é
medida que se impõe, dado o financiamento dos medicamentos de alto custo – bem com
daqueles não incorporados às listagens oficiais – se dar pelo próprio Ministério da
Saúde, devendo ser afastado o argumento da solidariedade.448
É nesse sentido que se afigura prudente reconhecer que compete à União
Federal a aquisição dos fármacos que repercutem de maneira gravosa os orçamentos de
Municípios e Estados e que não estão previstos na Relação Nacional de Medicamentos
Essenciais e nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas.
Quanto à justificativa para o reconhecimento de que a competência recaia
sobre a União, ela pode fundar-se (i) no critério da competência comum disposto no art.
23 da Constituição Federal, o qual pressupõe igualdade de atribuições desde a
aquisição, passando pelo controle interno até a dispensação de tais medicamentos, bem
como (ii) em razão da inexistência de normatização infralegal que estabeleça, dentro da
descentralização que orienta o sistema de saúde, quem é o ente chamado a responder
por determinado fármaco.
À vista do exposto, ultima-se a presente seção com duas conclusões
extraídas da linha argumentativa utilizada:
(i) A observância de normas técnicas não importa, automaticamente, o
descumprimento do Direito material. Ao contrário. Prestigia a forma de organização
446 Conforme dados constantes da pesquisa “DADOS DAS DEMANDAS JUDICIAIS DO PARANÁ”,
apresentada no subitem “1.2.2” do capítulo 1 do presente trabalho. 447 LIMA, Fernando Rister de Sousa. Op. Cit., p. 96. 448 SANTOS, Lenir. Decisão parcial do STF quanto ao fornecimento de medicamento de alto custo
sem registro no país. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/lenir-
santos/decisao-parcial-do-stf-quanto-ao-fornecimento-de-medicamento-de-alto-custo-sem-registro-no-
pais>. Acesso em: 17 out. 2016.
142
estatal e confere segurança e celeridade às prestações de saúde, devendo as instruções
normativas, portarias regulamentadoras e diplomas normativos de todo gênero contar
com um exame acurado por parte dos atores jurídicos envolvidos; e
(ii) Nos casos em que se discute a obtenção de medicamentos de alto custo
não previstos pela RENAME e PCDT’s, é a União Federal quem deve responder
perante o Poder Judiciário, à vista de sua capacidade financeira para providenciar a
entrega de medicamento e diante da ausência de repartição de competência específica,
preenchidos os demais requisitos legais e processuais.
3.2.3. A promoção de ações coletivas para a melhora do sistema de saúde
A proposição derradeira que almeja contribuir para a racionalidade do
fenômeno da judicialização da saúde por medicamentos de alto custo concentra esforços
na tutela coletiva dos direitos fundamentais. A proliferação de ações individuais que
requerem toda sorte de prestação de saúde tornou-se, lamentavelmente, um dado
presente em várias vertentes das ciências sociais – questão abordada especificamente no
subitem “2.1.2” da pesquisa. O impacto devastador de milhares de pretensões
individuais culmina com a desestabilização dos planos orçamentários elaborados
minuciosamente pelo Executivo, com base nos postulados estabelecidos pelo
Legislativo.
Esclareça-se que o ajuizamento de ações individuais que buscam prestações
de saúde não são, por si só, maléficas para o sistema jurídico, consubstanciando-se, em
muitos casos, o único meio de alcançar a tutela estatal.449 Porém, igualmente notório é o
fato de que, quanto maior a judicialização, menores e menos organizadas serão as
políticas públicas, o que dá azo à situação de colapso experimentada no sistema público
de saúde, com a proliferação de decisões por vezes desiguais.
Nesse quadro, quando duas prestações de saúde de idêntica natureza – v. g.
pleiteiam o mesmo medicamento, para a mesma enfermidade – são judicializadas, mas
culminam em resultados diferentes (uma procedente e outra improcedente), situação
corriqueira no âmbito do direito à saúde, o Judiciário termina por ocasionar insegurança
449 PERLINGEIRO, Ricardo. A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil. Direito, Estado e
Sociedade, Rio de Janeiro, n. 41, p. 184-203, jul./dez. 2012.
143
onde deveria haver previsibilidade, encerrando a ilegitimidade do próprio Estado de
Direito.450
A desigualdade, segundo a lição de Alberto Fernando Garay,451 jamais
poderá decorrer da interpretação judicial, mas tão somente do próprio texto legal.
Somente nestes casos é que se estará dando estrito cumprimento aos postulados da
segurança jurídica e da eficiência administrativa. É nesse contexto de combate à
desigualdade havida durante as ações de promoção da saúde pública, aliado à busca por
medidas que intentem sanear alguns dos gargalos enfrentados no âmbito do Poder
Judiciário, é que se fomenta o uso intensificado das ações coletivas.
Em razão da jusfundamentalidade que reveste o próprio direito envolvido,
muitos litígios relacionados à saúde detêm clara conotação coletiva, mesmo quando
objeto de ações individuais.452 O potencial efeito multiplicador presente em tais
discussões decorre do princípio da isonomia e da necessidade de garantir à sociedade
igualdade de oportunidades aos seus cidadãos.453
Porém, é possível projetar ganhos incomensuráveis para a sociedade – e
para o Judiciário – através do manuseio de ações tendentes a atingir a causa da
instabilidade do sistema de saúde, ao invés do mero combate aos efeitos deletérios de
políticas públicas ineficazes e incapazes de cumprir com os propósitos ideados.
Afinal, em um país guarnecido por sistema federativo e com proporções
continentais, há uma necessidade premente de otimização das decisões provindas do
Poder Judiciário, as quais, para além de criteriosas, devem fundamentalmente conferir
tratamento equânime para situações semelhantes.454 Com ainda mais razão se as
contendas submetidas à jurisdição representarem os interesses de milhares de cidadãos,
a exemplo das demandas justicializadas para a defesa de interesses massificados, como
a dispensação de medicamentos de alto custo.455
450 MORAES, Vânila Cardoso André de. Demandas repetitivas decorrentes de ações ou omissões da
administração pública: hipóteses de soluções e a necessidade de um direito processual público
fundamentado na Constituição. Brasília: CJF, 2012. p. 58. 451 GARAY, Alberto Fernando. La igualdad ante la ley: decisiones administrativas contradictorias,
decisiones judiciales contradictorias, desigualdad procesal. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1989. p. 83. 452 PERLINGEIRO, Ricardo. Op. Cit., p. 197. 453 Idem. 454 MORAES, Vânila Cardoso André de. Op. Cit., p. 60. 455 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
144
Nesse sentido manifesta-se o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz
Edson Fachin, o qual declarou o seguinte em seu voto-vista proferido no julgamento do
RE com repercussão geral n. 566.471/RN: “As tutelas coletivas são o meio judicial
adequado a demonstrar, p. ex., que determinado medicamento, não tendo similar no
sistema público, em termos de eficácia e relação custo-benefício, deve ser incorporado à
rede pública ou, no mínimo, dispensado a certo grupo de pessoas que ostentam o
mesmo diagnóstico”.456
Trata-se, pois, do dever inafastável de promover segurança jurídica, aqui
entendida como a certeza de aplicação do Direito capaz de pacificar condutas e
possibilitar a convivência em sociedade.457 Aliando-se a tutela coletiva de reivindicação
de direitos para com as estratégias voltadas à promoção da saúde quanto ao
fornecimento de fármacos de elevado valor unitário, torna-se possível atingir notável
efeito concretizador do mínimo existencial, ao menos na forma como fora teorizada no
trabalho,458 na medida em que o controle das políticas públicas passa a ser mais efetivo e
capaz de rapidamente sanear rotinas porventura inadequadas ou insuficientes.
É certo que os procedimentos administrativos de saúde dizem respeito a
direitos de índole difusa, vez que os destinatários das ações realizadas pela
Administração Pública compõem um número indeterminado de pessoas, por sua vez
vinculadas umas às outras pelas circunstâncias fáticas de se verem atendidas no âmbito
do SUS.
Esclareça-se, porém, que não se está a asseverar que o direito à saúde deva
ser classificado unicamente como direito difuso, na medida em que se trata
reconhecidamente de pretensão jurídica dotada de multifuncionalidade, amoldável em
qualquer das “fôrmas legais” da legislação processual.459
Nessa senda, para materializar a defesa e participação efetiva no
desenvolvimento das políticas públicas de saúde, devem os legitimados valer-se do
456 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto
custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016. 457 MORAES, Vânila Cardoso André de. Op. Cit., p. 61. 458 Item “1.1.2” da pesquisa. 459 Sobre o assunto cf. HACHEM, Daniel Wunder. A dupla titularidade (individual e transindividual) dos
direitos fundamentais econômicos, sociais, culturais e ambientais. Revista de Direitos Fundamentais e
Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 618-688, jul./dez. 2013.
145
permissivo legal constante do art. 5º da Lei nº 7.347/85,460 o que gera indubitavelmente
a diminuição de demandas individuais que tenham o mesmo objeto.
Não obstante o caso adiante mencionado não tenha sido originado a partir
de demanda coletiva, pode-se tomar como exemplo a situação excepcional
experimentada pelo Supremo Tribunal Federal diante da audiência pública realizada
com o fito de instruir o processo de Suspensão de Tutela Antecipada nº 175,461 para
demonstrar o caminho salutar que pode ser originado a partir de provocação de ordem
coletiva, quiçá tornando-se prática cotidiana no seio do Judiciário.462
Acerca da importância das audiências públicas como forma de prestigiar a
pluralidade de fontes legítimas para a prolação de decisões judiciais, Mônia Clarissa
Hennig Leal entende que representam “uma possibilidade de aproximação entre Estado
e Sociedade, ao viabilizarem a democratização do debate constitucional, conferindo
maior legitimidade democrática às decisões” e, com isso, possibilitando “a formação de
um juízo mais esclarecido, completo e consciente acerca das matérias debatidas”.463
Sob outro aspecto, destaquem-se igualmente a Resolução nº 107/2010, que
instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas
de assistência à saúde,464 responsável aperfeiçoar a atuação dos magistrados, bem como
a Recomendação nº 31/2010, que estimula o convênio entre Tribunais de Justiça e
equipes de apoio médico e farmacêutico para assegurar a prolação de decisões seguras e
eficientes,465 ambas do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, órgão de controle externo
do Judiciário, editadas com o mesmo propósito de otimização da política social e que
denotam esforços do Judiciário para incrementar suas decisões com dados de entidades
460 “Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a
Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia,
empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a)
esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades
institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem
econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (...)” (BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao
compilado.htm>. Acesso em: 9 ago. 2016. 461 Cf. item inaugural do presente trabalho. 462 ANDRADE, Ricardo Barretto de. Op. Cit., p. 151-182. 463 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. As audiências públicas no âmbito do Supremo Tribunal Federal
brasileiro: uma nova forma de participação? Revista Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, v. 19, n. 2, p. 327-
347, mai./ago. 2014. 464 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 107, de 6 de abril de 2010. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2831>. Acesso em: 2 nov. 2016. 465 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010.
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=877>. Acesso em: 2 nov. 2016.
146
de classes e outros representantes da sociedade, conferindo, com isso, maior
legitimidade às demandas por medicamentos de alto custo.
Trata-se de esforço louvável, mormente por se consubstanciar a
pavimentação de um constitucionalismo contemporâneo, resultante da necessária
evolução do protagonismo judicial expresso pelo modelo adotado pela Constituição da
República, de solução final pelo órgão jurisdicional.
Pelo exposto, é possível lançar nota conclusiva no sentido de que as ações
coletivas devem ocupar lugar destacado dentre as propostas de melhora da qualidade da
saúde pública pela via do Poder Judiciário466 e, especificamente, pelo incremento de seu
Componente Especializado da Assistência Farmacêutica – CEAF, porque são capazes
de discutir as mazelas do Sistema Único de Saúde a partir de uma perspectiva de
macrojustiça.
As ações coletivas são capazes de fornecer subsídios para o atendimento do
princípio da segurança jurídica e da isonomia, além de possibilitar a modificação da
própria política pública, em detrimento de mudanças pontuais insuficientes para
robustecer a política de medicamentos de alto custo e outras afins.
466 “o controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário não deve ser tido como uma exceção, mas antes
como uma regra” (ARENHART, Sérgio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo
poder judiciário. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Brasília v. 1, n. 1, p. 2-20, 2009.
147
CONCLUSÃO
Apresentados os propósitos anunciados no trabalho presente, é chegado o
momento de exprimir, sinteticamente, as ideias cardeais por ele ambicionadas,
deixando-se transparecer o intento de contribuir para com o desenvolvimento do direito
fundamental à saúde, em sua dimensão específica relacionada ao fornecimento de
medicamentos de alto custo. E, para compendiá-las, seguir-se-á ordem idêntica à
apresentada nos capítulos.
Do primeiro capítulo, a mensagem precípua que se extrai é a necessidade de
se entender o direito à saúde no Brasil. A compreensão do sentido e do alcance do dever
do Estado em promover ações de assistência à saúde traduz-se em questão de primeira
ordem, item básico de sobrevivência para os que dependem do aparato estatal para
convalescer ou aplacar o sofrimento decorrente de moléstias de todo gênero. E, para
atingir este nobre desiderato, não há melhor maneira de reunir conhecimento do que o
estudo detido do artigo 196 da Constituição brasileira, abundante de significados
capazes de proporcionar revelações sobre a premissa fundamental de atendimento
universal e integral, sem olvidar de outras garantias inerentes ao Estado Social.
No caminho para a percepção do peso do direito à saúde e buscando um
alicerce seguro para demonstrar a incumbência do Estado na dispensação de fármacos
excepcionais, a pesquisa conduz a investigação para aquilo que considera ser o núcleo
jurídico do mandamento constitucional que preceitua o acesso às prestações positivas de
saúde: o mínimo existencial e seu âmbito de atuação.
Após apresentar explanações de setores abalizados da doutrina, exsurge
conclusão no sentido da relação umbilical entre o princípio da dignidade da pessoa
humana e o mínimo existencial, este tido como um leque de direitos específicos
voltados à concretização da situação de integridade material do indivíduo, alcançada por
meio de posturas proativas do Estado que visam incutir igualdade de oportunidade a
todos os seus cidadãos, consubstanciando-se em direitos plenamente exigíveis perante o
Judiciário.
Nesse contexto de reconhecimento do mínimo existencial enquanto direito
sindicável perante o Estado, conforme aduzido no decorrer da pesquisa, não pode o
custo dos medicamentos ser considerado um critério válido para que o cidadão seja
148
alcançado pelas prestações advindas das políticas estatais, pois, além de a Constituição
de 1988 nada dispor a respeito, a aquisição via Administração Pública por vezes se
torna a única esperança para os que dependem de fármacos cujo valor supera suas
provisões, estando a medicação excepcional, portanto, totalmente inserida no conceito
de mínimo para uma existência digna, condizente, inclusive, com o conceito de direito à
saúde contemporâneo concebido pela Organização das Nações Unidas.
Outra importante nota conclusiva se dá em relação à sistematização da teia
constitucional que forma o Sistema Único de Saúde. Desta feita, ao elencar as
características do conjunto, insculpidas no art. 7º da Lei nº 8.080/90 – denominada “Lei
Orgânica da Saúde” –, o trabalho procura destacar a importante evolução jurídica
causada por um sistema que, persuadido pelo momento histórico de estabelecimento de
um novo regramento constitucional – a Constituição da República de 1988 –, ratificou o
comando universalizante do art. 196 da CR e, para além disso, deu-lhe corpo e funções
concretizadoras, capazes de atender pleitos de saúde de todo gênero – inclusive pedidos
de medicamentos de alto custo.
Adiante, sem maiores digressões, evidenciou a pesquisa posicionamento no
contrafluxo do acervo doutrinário-jurisprudencial atual, no sentido de preservar a
competência delineada a cada um dos entes federativos, como única maneira de
preservar a produtividade do SUS e seu imenso universo de atendimentos. Longe de se
consubstanciar barreira ao acesso, pelo cidadão, ao sistema coletivo de saúde, a
repartição de competências evidencia uma salutar divisão de trabalhos, cuja fonte de
custeio advém de um orçamento uno, regulamentado, em sua maior proporção, pela
União Federal. Respeitá-lo, contudo, demanda acesso à informação, pelo usuário do
SUS, seus representantes administrativos ou judiciais, os quais também possuem, a
exemplo do Poder Público, deveres relacionados à subsistência do sistema de saúde.
Ao final do capítulo inaugural, a pesquisa elabora um conceito do que
seriam medicamentos de alto custo, para além do critério objetivo expresso pelas
listagens oficiais de medicamentos. Por meio do reconhecimento de seu caráter relativo
do alto custo, optou-se por atrelar a noção conceitual à condição socioeconômica do
postulante, momento em que são averiguadas as peculiaridades do caso concreto,
cabendo à autoridade administrativa ou ao magistrado investigar acerca da real
149
necessidade e pertinência da disponibilização do fármaco, relação custo benefício e
alternativas profiláticas segundo as diretrizes oriundas das políticas públicas de saúde.
O capítulo 2 foi incumbido de aclarar o tratamento administrativo conferido
ao direito à saúde para o fornecimento de medicamentos de alto custo. Inicialmente
descritivo, a proposta inicial encontrada foi a de pormenorizar a chamada “Política
Nacional de Medicamentos” para, assim, denunciar os conflitos e os pontos de tensão
entre Administração Pública e Poder Judiciário, sob o ponto de vista daquela. Chega-se
à conclusão de que a notória postura proativa do Poder Judiciário decorre, em muitos
casos, de uma grave omissão estatal, por sua vez já fatigada pela ingerência indevida do
Judiciário em questões legitimamente tratadas pelo Executivo, em um círculo vicioso
prejudicial a todo o sistema normativo.
Aventa-se que a suspeita para a atuação judicial desmesurada esteja
intrinsecamente relacionada à necessidade de se fornecer alguma resposta aos cidadãos,
já desacreditados por conta de direitos e garantias individuais conferidos pela
Constituição Federal. O problema colocado é que, via de regra, diretrizes orçamentárias
e outros desdobramentos surgidos a partir de decisões judiciais são solenemente
ignorados, o que igualmente não pode prevalecer, sob pena do estabelecimento de uma
anômala “política pública jurisdicional”.
Urge compreensão, portanto, no sentido de haver equilíbrio entre os Poderes
instituídos, para que, tanto protocolos contendo posturas médico-hospitalares, quanto
listas de medicamentos para males de todo gênero, sejam aperfeiçoados constantemente,
atendendo satisfatoriamente às demandas que constituem a realidade do sistema de
saúde e, com isso, permitindo a sua evolução.
Prosseguindo, traz o capítulo segundo as figuras do ativismo judicial e da
judicialização da política, fenômenos naturalmente interligados, mas que não se
confundem. O desenlace obtido com a exposição de tais fenômenos é claro: vive-se em
uma sociedade jurídica claramente protagonizada pelo Judiciário. Diante de tal
panorama, em que as definições de certo e errado são dadas pelo Poder Judiciário e não
há margem para o pensamento crítico, é preciso capitular sobre o contexto em que as
decisões judiciais que concedem medicamentos e tratamentos médicos custosos são
proferidas. Pois, ainda que não haja consenso sobre o significado e o alcance do
ativismo, formado por diferentes vieses ideológicos, seu impacto crescente nas políticas
150
públicas deve, ao menos, ser temperado com doses generosas de conhecimento do
aparato estatal e precisão quanto ao cumprimento de critérios que evidenciem a real
necessidade de fármacos que, não raro, representam o orçamento anual de certas
localidades. Somente dessa forma é que se racionalizará a judicialização da saúde,
relegando aos magistrados somente casos pontuais, específicos e situados na fronteira
fluida da ainda vigente separação tripartite dos Poderes.
Concluindo a segunda parte, a pesquisa enuncia a desjudicialização ocorrida
em Portugal. Da experiência lusitana, soerguem-se lições importantes de um sistema
político que trilhou caminho diametralmente oposto ao Brasil: se, de um lado, ter o
Judiciário como uma “profecia que se cumpre por si mesma” não contribui para o jogo
democrático, menor ainda é o aporte quando aquele Poder está submetido ao jogo
político, sofrendo reformas que o enfraquecem e o impedem de preencher o vazio
estatal.467
Entretanto, quando visto sob o viés da desjudicialização em si, enquanto
atividade fomentadora da resolução extrajudicial de conflitos, a experiência portuguesa
pode ser útil para prevenir conflitos atualmente submetidos ao Judiciário, como nos
casos dos medicamentos de alto custo já constantes das listagens oficiais, mas
indevidamente não fornecidos pelo ente público com lastro unicamente em disposições
orçamentárias. Ao menos para estes casos, métodos alternativos, a exemplo da
conciliação, mediação e arbitragem pública, poderiam ser fortalecidos, desafogando o
Poder Judiciário e permitindo que o Executivo planejasse melhor suas ações e serviços
de saúde, sem olvidar que o Legislativo teria bons subsídios fáticos para editar leis que
melhor balizassem o orçamento.
Coube ao capítulo 3 rematar o trabalho, apresentando o direito à saúde
quanto aos medicamentos de alto custo, agora sob a perspectiva dos tribunais. Afora o
necessário compêndio dos critérios comumente listados pelos julgadores em casos que
envolvem o direito à assistência farmacêutica de alto custo, relacionados à solidariedade
passiva, conceituação genérica e carente de especificidade do mínimo existencial,
desmonte da política pública concretizada por um único laudo pericial, entre outras
características, todas repelidas no momento adequado do desenvolvimento, a pesquisa
detém-se em questão concernente à existência do Recurso Extraordinário com
467 ASENSI, Felipe Dutra. Op. Cit., p. 191-235.
151
repercussão geral nº 566.471/RN, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, o qual
expõe a tentativa do próprio Poder Judiciário de determinar, do ponto de vista da
macrojustiça, se cabe ao Estado fornecer medicamentos de alto custo.
Conforme pontuado a respeito, o cerne da discussão se dá sob o prisma do
custo dos medicamentos. Porém, espera-se que a questão não seja enfrentada somente
sob tal perspectiva, considerando-se que a imprescindibilidade do fármaco, comprovada
irrefutavelmente, deve preponderar sobre o critério econômico puro.
Além disso, o cuidado com a repercussão geral ora mencionada deve ser
redobrado, diante do “efeito cascata” que pode acarretar ao sem número de processos
que tramitam em todas as instâncias, os quais têm obrigação de vincular as decisões ao
resultado do RE nº 566.471/RN, seja para asseverar que os jurisdicionados não têm
direito ao fármaco pleiteado, o que culmina por reunir pretensões legítimas e ilegítimas
no mesmo “cesto”, ou para alargar irremediavelmente o conceito de direito à saúde –
tornando ainda mais frágeis os quesitos atuais utilizados para a concessão de
medicamentos. Portanto, deposita-se grande expectativa no resultado de tal recurso
extraordinário, na medida em que de seu resultado depende o Sistema Único de Saúde.
A reserva do possível é o tema objeto da seção seguinte, eis que traduz
importantíssimo argumento utilizado pelos entes públicos, quando defendem a
impossibilidade de arcar com as pretensões medicamentosas que demandam recursos
consideráveis. Traçada a sua origem doutrinária, não há maiores dificuldades para
entendê-la como plenamente aplicável ao arcabouço normativo pátrio.
Porém, para além da mera retórica relacionada à limitação orçamentária,
sequer comprovada pelos demandantes públicos em muitas contendas judiciais, é
preciso mais. Isso porque, a reserva do possível diz com cada caso concreto e é,
inexoravelmente, pautada pelo mínimo existencial. Sua ocorrência certamente poderá
ser invocada diante de casos em que não haja proporcionalidade ou razoabilidade,
tampouco suportes fático-jurídico e humano, como nas situações de prescindibilidade
do medicamento pleiteado judicialmente pela existência de outro, cujo efeito seja
idêntico e conste das listas oficiais de medicamentos, ou ainda de fármacos não
aprovados pelo órgão de controle – ANVISA, além de pleitos que versem sobre direitos
outros que não componham a esfera mínima ofertada a todos universalmente, como o
152
fornecimento de próteses e órteses de última geração, por questões de preferência
pessoal.
Finalmente, a maneira encontrada pelo capítulo terceiro para promover o
desfecho da pesquisa é a enumeração de proposições que ultimam aperfeiçoar a
conjuntura atual, revestindo o SUS com expedientes que o tornem cada vez mais
efetivo. Nessa senda, a exigência indispensável de perícia em casos de fornecimento de
medicamentos não pode encontrar obstáculos de qualquer ordem, pois sua realização
tem por finalidade vital a preservação do próprio sistema único, não se olvidando de
eventual deferimento liminar em casos notadamente urgentes, cuja perícia, ainda que
realizada em momento posterior, servirá para aclarar tanto o caso concreto, como
também servirá de subsídio para futuros pedidos judiciais, em uma compilação de dados
que poderá beneficiar o Judiciário e, acima de tudo, os gestores do SUS, que
identificarão em tais julgados as suas maiores demandas.
Via de consequência, a pesquisa refuta o uso do mandado de segurança, tão
difundido na seara judicial, na medida em que entende não ser possível comprovar, de
plano, o direito a dado medicamento tão somente por indícios documentais, os quais
deverão necessariamente ser conjugados com o resultado de perícia técnica, além de
outros meios que objetivem o esclarecimento do pedido.
Nova proposta é engendrada, no sentido de reconhecer a União como única
pessoa jurídica de direito público que reúne condições para responder pelos pedidos
judiciais de fornecimento de fármacos de valor elevado. A partir de construção sucinta e
objetiva, a pesquisa elenca os motivos que entende suficientes para o apontamento da
União como responsável, a saber: a repartição infraconstitucional de competências
decorrente do art. 196 da Constituição e o orçamento dos entes federativos.
Ora, sabe-se que a solidariedade não pode ser presumida. Com maior razão
não deve esta subsistir frente aos postulados do Direito Administrativo, responsável
pelo proceder dos entes públicos, vinculados que estão ao princípio da legalidade
administrativa. Para além da questão principiológica, o regramento infraconstitucional –
Lei nº 8.080/90, estabeleceu os critérios para a divisão das atribuições entre União,
Estados e Municípios. Não há, assim, razão para prevalecer a solidariedade construída
jurisprudencialmente e hoje em vigor.
153
E mais. Conforme trazido no decorrer do trabalho, é acintosa a diferença
entre os orçamentos de Estados-membros e Municípios, quando comparados à
capacidade arrecadatória da União federal. Dados oficiais traduzem uma discrepância
que, apesar de inerente às federações estabelecidas, forçam interpretação no sentido de
que, diante de medicamentos que correspondem a valores avultantes, deve o ente mais
abastado responder pelo seu fornecimento – ou comprovar a sua irresponsabilidade.
Invoca-se, aqui, espécie de objeção de consciência para judicializar pleitos de saúde
perante a União, para uma necessária equalização do fluxo de processos judiciais.
Por último, uma contribuição de índole processual: o apelo para a promoção
de ações coletivas, quando possível, com vistas a padronizar situações fáticas idênticas
em que se encontram muitos enfermos. Afinal, são contumazes os casos em que, para
alcançar a cura, diversos cidadãos sejam submetidos aos mesmos protocolos médicos,
ainda que tais tratamentos se revelem de custo elevado. São os casos de carcinomas,
hepatites e doenças endêmicas, a exemplo da leishmaniose.
Logo, nos termos dos argumentos desenvolvidos, a obtenção de tutelas
coletivas servirá, ao mesmo tempo, para detectar a falha na política pública, justicializá-
la em foro competente para tanto, além de obter provimento capaz de agir na causa de
tal inconsistência, ao invés de atacar tão somente os seus efeitos.
Enfim. Proposto o desafio de estudar o direito à saúde para o fornecimento
de medicamentos de alto custo, espera-se que os argumentos desenvolvidos nas páginas
vencidas sejam suficientes para, de alguma maneira, contribuir para o avanço das
incessantes discussões que objetivam empregar efetividade ao sistema público de saúde
desenvolvido pelo Estado Social adotado pelo país desde a promulgação da
Constituição da República de 1988.
Pois, conforme já asseverado por Romeu Felipe Bacellar Filho,468 o bem-
estar é, nada menos, que a sensação de felicidade. E sem saúde, não há felicidade.
468 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Prefácio. In: PIVETTA, Saulo Lindorfer. Direito fundamental à
saúde: regime jurídico, políticas públicas e controle judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p.
13-14.
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