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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL.
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANDAS.
PROGRAMA DE PS GRADUAO EM HISTRIA.
LUCAS NUNES DE SOUZA
JOAQUIM MANUEL DE MACEDO:
UM CRONISTA NO ROMANTISMO BRASILEIRO
Porto Alegre
2012
LUCAS NUNES DE SOUZA
JOAQUIM MANUEL DE MACEDO
UM CRONISTA NO ROMANTISMO BRASILEIRO
Dissertao de mestrado apresentada como
requisito para obteno do grau de Mestre pelo
Programa de Ps Graduao em Histria da
Pontifcia Universidade Catlica do Rio
Grande do Sul.
ORIENTADOR: PROF. DOUTOR MARAL DE MENEZES PAREDES
PORTO ALEGRE
2012
Ficha Catalogrfica elaborada pela Bibliotecria
Loiva Duarte Novak CRB10/2079
S729j Souza, Lucas Nunes de
Joaquim Manuel de Macedo : um cronista no romantismo
brasileiro / Lucas Nunes de Souza. Porto Alegre, 2012.
89 f.
Diss. (Mestrado) Faculdade de Histria, PUCRS.
Orientador: Prof. Dr. Maral de Menezes Paredes.
1. Joaquim Manuel de Macedo- Crtica e Interpretao.
2. Literatura Brasileira - Sculo XIX - Histria e Crtica I. Paredes,
Maral de Menezes. II. Ttulo.
CDD 869.9332
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Maral de Menezes Paredes por ter assumido minha orientao
quando ningum mais ousaria assumi-la.
Ao Professor Doutor Charles Monteiro por ter confiado no meu trabalho, dando novo
flego na hora que mais precisei.
Agradeo aos meus pais, pois sem eles incentivando e apoiando jamais teria terminado
este trabalho.
Ao Professor Doutor der da Silveira, por me acompanhar e apoiar como amigo e
professor desde a graduao.
minha Lizey da Silva por apoiar e compreender as muitas vezes que escolhi a
dissertao.
Agradeo a Anelise Oliveira, pelas vrias correes prestadas, e pelo apoio para no
desistir.
Amanda Ciarlo, pela colaborao com documentao de sua pesquisa no Arquivo
Histrico de POA.
Aos amigos, de maneira geral.
Agradeo tambm Carla, por muitas e muitas vezes ter me convencido a no desistir e
tambm por ter me convencido a entrar na seleo de bolsas que conquistei.
CAPES e ao CNPq pelo auxilio financeiro, que permitiu a realizao de um sonho
coletivo.
Eu digo as coisas como elas so: h s uma
verdade neste mundo, o Eu; isto de ptria,
filantropia, honra, dedicao, lealdade, tudo
peta, tudo histria, fico, parvoce; ou (para
exprimir o dialeto dos grandes homens) tudo
poesia. (Macedo, 2008, p.15).
RESUMO
O presente trabalho pretende uma nova leitura das obras de Joaquim Manuel de
Macedo, atravs da qual o autor se apresenta como um hbil cronista social
utilizando-se de humor, comicidade, ironia e certa acidez ao tratar sobre a
poltica de sua poca. Prope-se, tambm, analisar a utilizao de uma esttica
diferente da do Romantismo Brasileiro na obra As vtimas Algozes, quadros da
escravido de 1869.
PALAVRAS-CHAVE: Histria, Literatura, Joaquim Manuel de Macedo, poltica II
reinado.
ABSTRACT:
The present work aims at a new reading of the work of Joaquim Manuel de
Macedo, Amendment of which the author presents himself as a skilled social
chronicler comicality, languages of humor, irony and a certain acidity to Serve
on a politics of his day. It is proposed to also look at a poster of a
different aesthetic of Brazilian Romanticism in the work as victims Tormentors,
tables of the slavery of 1869.
KEYWORDS: History, Literature, Joaquim Manuel de Macedo, political reign II.
Sumrio
INTRODUO ........................................................................................................................... 1
CAPTULO 1: A LUNETA MGICA, UM CRONISTA SOCIAL NO ROMANTISMO BRASILEIRO. ....... 4
1.1 UMA PEQUENA IDEIA DE ROMANTISMO BRASILEIRO ...................................................................... 4
1.2 O ARTIFCIO DA VEROSSIMILHANA NO ROMANTISMO BRASILEIRO ................................................. 10
1.3 A ESTTICA COMO ELEMENTO REFLEXIVO NO ROMANCE ............................................................... 16
1.4 MACEDO E A CRTICA ............................................................................................................ 19
1.5 O ANO DA TRANSFORMAO DA ESCRITA MACEDIANA. ................................................................ 26
CAPTULO 2: COMICIDADE E POLTICA EM A CARTEIRA DE MEU TIO (1855). .......................... 32
2.1 A COMICIDADE COMO ESTILO .................................................................................................. 33
2.2 A PERSONAGEM COMO EXEMPLO ......................................................................................... 39
2.3 CONSTITUIO 1824; POLTICA DE CONCILIAO E A POLTICA DO EU A POLTICA EM FOCO. ........ 43
CAPTULO 3: CRNICA SOCIAL EM AS VTIMAS ALGOZES, QUADROS DA ESCRAVIDO. ......... 58
3.1 CRTICA ESCRAVIDO .......................................................................................................... 58
3.2 - ENTRE ABOLIO E EMANCIPAO POLTICAS E LEIS PARA LIBERDADE ........................................... 61
3.3 O PROBLEMA DA MO DE OBRA E DA RAA ................................................................................ 64
3.4 MEDO E EMANCIPAO ......................................................................................................... 66
CONCLUSO ................................................................................................................................ 82
REFERNCIAS ............................................................................................................................... 86
INTRODUO
O presente trabalho prope analisar algumas obras de Joaquim Manuel de
Macedo buscando gerar uma possvel reflexo sobre a produo do autor. Tal objetivo
teve origem a partir da constatao de certo apagamento do autor na cena literria de
sua poca, principalmente no final do sculo XIX e na primeira metade do sculo XX.
Mesmo no estando em evidencia no cnone literrio Macedo deixou um legado de
produes importantssimas para a compreenso de determinados nichos sociais de sua
poca.
Nascido em 1820, o autor acompanhou muito de perto a formao da
intelectualidade brasileira e a ideia de nacionalidade atravs do movimento romntico
brasileiro. Joaquim Manuel de Macedo, enquanto autor de A Moreninha 1844 tornara-se
referncia na produo literria do Romantismo Brasileiro. Responsvel pelo mito da
sensibilidade, disputando espao com Jos de Alencar, com seu mito do bom selvagem
Iracema, o Dr. Macedinho acabou sendo esquecido, uma vez que sua produo no se
encaixava mais aos moldes do cnone literrio de sua poca.
As principais crticas sobre a produo macediana o acusam de no ter uma
preocupao com a qualidade de suas obras, quando na verdade, a nosso ver, a
preocupao do autor est no sentido oposto elitizao da literatura. Macedo preferiu
escrever para os comuns e no para os homens de letras. nesse sentido que se destaca
a produo do autor, ao voltar-se para o leitor comum, fez das suas histrias um retrato
da sociedade da poca. A escrita macediana se aproximaria profundamente da ideia de
mimese e verossimilhana desenvolvida por Aristteles, afinal diferente de Plato,
Aristteles via como virtude a aproximao da literatura com a realidade1. Nesse
1 Sobre mimeses aristotlica sugere-se: ARISTTELES. Potica. Lisboa : FCG, 2004.
SANTORO, Fernando. Sobre a esttica de Aristteles. Viso Cadernos de Esttica Aplicada
Revista eletrnica de esttica. N 2 Maio-Ago/2007. ISSN 1981-4062
www.revistaviso.com.br/pdf/Viso_2_FernandoSantoro.pdf
http://www.revistaviso.com.br/pdf/Viso_2_FernandoSantoro.pdf
2
sentido, trabalharemos tambm com o conceito de verossimilhana desenvolvido por
Lucien Goldmann buscando elos entre as obras e o espao de possibilidades trilhado
pelo autor.
Macedo morreu em 1882, louco e pobre devido superao e, por conseguinte,
abandono de sua produo. Embora as duras crticas o tenham levado a esse final
trgico, o autor se manteve firme durante a ascenso e a queda do Romantismo
brasileiro. Responsvel pelo primeiro romance de sucesso em 1844, A Moreninha,
comearia a perder seu pblico a partir de 1860, quando transforma seu estilo de escrita
romntica sentimental em duras crticas sociais. Tania Serra (2004) mostra que o autor
em sua poca no foi compreendido tanto nas inovaes tcnicas literrias, quanto nas
diferentes abordagens moralizantes que pretendia.
A moral aparecer em diversas modalidades textuais, nas quais Macedo se
mostra verstil, tanto na produo humorstica, satrica com a acidez irnica de um bom
escritor, quanto na trgica, gerando nesta ltima uma possvel esttica do medo na
escravido de As vtimas algozes (1869). Seja qual for obra de Macedo, encontraremos
a preocupao de apresentar um ensinamento de fcil compreenso, uma escrita
didtica.
Devido quantidade de publicaes de Macedo, esta dissertao limitou-se na
abordagem de duas categorias que englobam cinco obras do autor. Duas classificadas
como stira poltica: A Carteira de meu tio 1855 e Memrias do sobrinho de meu tio
1868. E trs classificadas como romances pela maioria dos crticos consultados: As
Vtimas Algozes: quadros da escravido, A luneta mgica e O Rio do Quarto todas de
1869, ano da transformao definitiva na escrita macediana. Justifica-se, ainda, a
escolha destas obras, por se tratarem de diferenciais na produo do autor, embora
tenhamos outras, como Voragem 1867, que pudessem fazer parte dessa seleo.
Buscou-se problematizar, nesta anlise, a temtica escolhida pelo autor,
juntamente ao contexto histrico da produo e ainda a vida do autor no momento da
produo. Outra questo que se procurou abordar, foi forma do texto, como a esttica
escolhida pelo autor interferiria na aceitao ou negao do texto pelo pblico
consumidor. Assim como a interferncia dessa mesma esttica na compreenso da
moral da histria.
Sendo assim, dividiu-se em trs captulos distintos a presente dissertao. O
primeiro tratando do contexto da produo das primeiras obras de Macedo, sua vida e
3
na apresentao de duas das cinco obras referidas anteriormente; A luneta mgica e O
Rio do Quarto. Estas obras abririam caminho para a transformao do olhar social
imposto pelas obras literrias de Macedo. Nelas, j encontraremos traos de um mal que
ser a pea chave dAs vtimas Algozes.
Foi o olhar social de Macedo que nos possibilitou uma anlise histrico-literria
atravs da utilizao de uma esttica peculiar as produes do autor, diferente da grande
maioria de sua poca. Contudo, para alcanarmos esta pretensa esttica macediana
trabalharemos continuamente com o conceito de verossimilhana, que nestas obras fica
implcito ao signo da luneta mgica de Macedo.
O segundo captulo abordar a viso cmica e irnica da poltica sob a tica de
Macedo nas obras A carteira de meu tio (1855) e Memrias do sobrinho de meu tio
(1868). Embora as Memrias apaream como referncia para esse captulo, nos detemos
muito mais no livro de 1855 do que no de 1868, pois o ltimo trata da continuao do
primeiro e, por vezes, acaba por repeti-lo.
Ainda no segundo captulo observaremos que a obra do autor sempre pretende
ser didtica, principalmente atravs da construo das personagens. O didatismo neste
captulo aparecer atravs de uma possvel educao poltica da parte dos leitores.
Embora seja um tanto arriscado arriscar tal objetivo a obra, considera-se a hiptese
plausvel devido ao engajamento poltico e docente de Macedo.
O terceiro captulo tratar de As vtimas algozes, quadros da escravido. Obra
dividida em trs novelas distintas, unidas pelo tema da escravido. Na anlise desta
obra, encontraremos traos dos ideais Liberais presentes na vida poltica do autor,
todavia com um diferencial. Nas vtimas algozes o autor inverter sua estratgia
esttico-literria e produzir a moral a partir do mal, e no do bem, como costumou
fazer na primeira fase de sua produo.
Sobre estas prerrogativas, ento, foram produzidos os trs captulos buscando
mostrar a importncia histrica e social de obras que no foram canonizadas pela crtica
literria, todavia causaram determinado impacto na sociedade da poca.
4
Captulo 1: A luneta mgica, um cronista social no romantismo
brasileiro.
Ao invs dos escritores nossos patrcios dessa fase e ainda dos das
subsequentes, Macedo um escritor alegre e satisfeito, porventura o
nico da nossa literatura. Sua arte lhe um divertimento, e o seu
objeto, praticando-a, divertir os seus contemporneos, sem talvez se
lhe dar dos vindouros.
Jos Verssimo, 1915.
1.1 Uma pequena ideia de Romantismo2 brasileiro
A independncia do Brasil trouxe a necessidade da formao de uma ideia de
nacionalidade. Em grande parte essa ideia fundamentou-se na produo de uma
literatura puramente brasileira. O culto ptria, moral e exaltao da natureza
2 Posto que nossa intenso no seja discutir o Romantismo, nem mesmo o Romantismo no Brasil, esta
introduo pretende apenas situar o leitor no contexto histrico em que foram produzidas as fontes de
nossa pesquisa. Contudo, referencia-se para melhor compreenso do tema: ANDERSON, Benedict.
Nao e conscincia nacional. So Paulo: tica, 1989; SSSEKIND, Flora. O Brasil no longe
daqui: O narrador, a viagem. So Paulo: Companhia das Letras, 1990. MAGALHES, Domingos Jos
Gonalves de. Discurso sobre a histria da literatura do Brasil. Rio de Janeiro: Fundao Casa de Rui
Barbosa, 1994. MERQUIOR, Jos Guilherme. De Anchieta a Euclides: Breve histria da Literatura
Brasileira. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. HERDER, Johann Gottfried. Ideias para a filosofia da
Histria da Humanidade. In: GARDINER, Patrick. Teorias da Histria. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
1995. BERLIN, Isaiah. Limites da utopia: captulos da histria das ideias. So Paulo: Companhia das
Letras, 1991. BERLIN, Isaiah. The roots of romanticism. Princeton: Princeton University Press, 2001.
BERLIN, Isaiah. Vico e Herder. Braslia: UNB, 1982. SILVA, Joaquim Norberto de Souza. Histria da
literatura brasileira e outros ensaios. Organizao, apresentao e notas Roberto Aczelo de Souza. Rio
de Janeiro: Z Mario, 2002. MOREIRA, Maria Eunice. Nacionalismo literrio e crtica romntica.
Porto Alegre: IEL, 1991.
5
tornaram-se temas recorrentes nos poemas e livros da primeira metade do sculo XIX.
Incentivadores como, por exemplo, Janurio da Cunha Barbosa, na dcada de 1830,
buscaram catalogar o maior nmero de poemas brasileiros que demonstrassem, de
alguma maneira, a capacidade literria dos jovens literatos brasileiros. (CANDIDO,
2007, p. 312-316). Como afirma Ricardo Martins (2008), as primeiras antologias e
colees eram mais quantitativas que qualitativas; buscavam muito mais mostrar a
existncia de uma intelectualidade brasileira do que provar a qualidade dos
intelectuais daqui. Nessa perspectiva, enquadravam-se no cnone os autores que
escreviam sobre temas brasileiros e os que haviam nascido no Brasil. Essas foram as
primeiras medidas tomadas para o surgimento de um movimento literrio e intelectual
puramente brasileiro.
Posteriormente nomeado, o Romantismo brasileiro torna-se o bero daqueles
que seriam os idealizadores da nao brasileira. Em acordo com grande parte dos
historiadores da Literatura, o movimento literrio teve incio com a publicao de
Suspiros poticos e saudades (1836) de Gonalves de Magalhes. No mesmo ano, a
Niteri, revista brasiliense (1836), lanada na Frana por Gonalves de Magalhes,
Arajo Porto Alegre, Sales Torres Homem e Pereira da Silva, apresentou as primeiras
balizas para o estilo no Brasil, balizas propostas por brasileiros. (BOSI, 2006, p. 97-98).
Bernardo Ricupero (2004) aponta que a independncia poltica veio
acompanhada de outra, a intelectual. A primeira veio por meio da ajuda dos
portugueses, atravs de um processo pacfico, muito diferente dos outros pases da
Amrica do Sul. A segunda, por sua vez, fora idealizada em grande parte atravs de
revistas, como a Niteri, Guanabara entre outras. Atravs dessas revistas, os
intelectuais brasileiros passaram a produzir um contedo, metodolgico e intelectual,
relativamente nacional.
Mesmo aps a independncia, o Brasil manteve muitos laos com Portugal, e a
formao de uma literatura puramente brasileira romperia a importante ligao
intelectual que mantinha com a antiga metrpole e com a Europa como um todo. Para
Antnio Candido (2007), as tentativas de rompimento literrias vinham desde o perodo
joanino, todavia s obtiveram pleno sucesso com a formao do Romantismo. Ressalta
ainda, que o movimento literrio foi responsvel pela tomada de conscincia nacional
ou da nacionalidade.
6
Ironicamente, como destacam Lilia Schwarcz (1998) e Antonio Candido (2007),
os pilares da literatura brasileira foram propostos, antes mesmo da investida de
Gonalves de Magalhes e seus amigos, pelos estrangeiros Ferdinand Denis e Almeida
Garrett, antes mesmo da publicao da Niteri por Gonalves de Magalhes. Com seu
Rsum de lHistoire Littraire du Brsil (1826), Denis prope o abandono do modelo
clssico greco-romano de literatura, para a utilizao da natureza e dos nativos do novo
mundo como fonte de inspirao. Para os autores, era necessrio que a literatura
brasileira abandonasse os motivos clssicos e encontrasse na sua sociedade, ou
realidade, novos motivos que dessem autenticidade produo brasileira. Foi a partir
destas perspectivas que os novos literatos comearam a usar como referncia a natureza,
o indgena e, posteriormente, as prprias relaes sociais ou hbitos sociais como
inspirao para seus romances. A Literatura brasileira esteve voltada natureza e
exaltao do indgena, no Indianismo de Jos de Alencar, e a realidade de uma nova
burguesia rural, com Macedo, Alencar (novamente), e, j no final do sculo XIX, com a
grande maestria de Machado, os romances tomaram como problemtica principal a
urbanizao repentina e descontrolada no Brasil do sculo XIX.
der da Silveira (2009) chamar ateno para o elemento nao com fio
condutor para a construo e transio das configuraes literrias no Brasil. Para o
autor, da formao do Romantismo, e principalmente no estilo indianista, a estruturao
e estabelecimento do Modernismo, o foco sempre esteve sobre a construo de uma
nacionalidade brasileira.
Candido (2007) tambm aponta que a preocupao principal dos romnticos era
superar os modelos literrios anteriores: Arcadismo e Classicismo, tentando no
reproduzir uma literatura europeia, mas formar uma literatura puramente brasileira,
preocupada em construir uma gnese nacional voltada ao progresso da nova nao. A
nova Literatura deveria gerar uma independncia intelectual que se desdobraria em
trs posicionamentos anlogos ao Arcadismo:
a. Desejo de exprimir uma nova ordem de sentimentos, agora reputados de primeiro plano, como o orgulho patritico, extenso do antigo
nativismo;
b. Desejo de criar uma literatura independente, diversa, no apenas
uma literatura, de vez que, aparecendo o Classicismo como
manifestao do passado colonial, o nacionalismo literrio e a
7
busca de modelos novos, nem clssicos nem portugueses, dava um
sentimento de libertao relativamente me-ptria;
c. A noo [...] de atividade intelectual no mais apenas como prova
do valor do brasileiro e esclarecimento mental do pas, mas tarefa
patritica na construo nacional. (CANDIDO, 2007, p. 329).
O Romantismo tornou-se um mosaico de relaes e anlises temticas. Nas
palavras de Alfredo Bosi, algo mais que a soma das partes: gnese e explicao. O
amor e a ptria, a natureza e a religio, o povo e o passado. (BOSI, 2006, p. 91). No
pensamento de Bosi, identificamos um sentido do movimento romntico, a criao de
uma origem, tanto literria, quanto da ptria do Brasil. O que, em certa medida,
explicaria a utilizao de elementos do cotidiano nas obras. Afrnio Coutinho (2008)
destaca que uma das intenes do romance era que o leitor das histrias incorporasse
ideias atravs das experincias presentes no enredo, e tambm por meio de personagens,
verossimilhantes aos seus hbitos sociais, usando artifcios tcnicos, realizando um
corte longitudinal ou transversal no tecido da vida. (COUTINHO, 2008, p. 69).
O esforo para produo de uma literatura brasileira contou com o grande apoio
do imperador D. Pedro II. Segundo Lilia Schwarcz, literatos e imperador buscavam
consolidar uma cultura nacional. Por isso, o jovem Pedro II assumiu o mecenato e
contribuiu o quanto pode para o sucesso das pesquisas. O interesse do imperador se
intensificou aps a criao do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro - IHGB3 em
1838. A participao de Pedro II tornou-se imprescindvel, devido aos seus incentivos
financeiros e posteriormente intelectuais. (SCHWARCZ, 2000, p. 125-128).
3 Embora considere-se importante a instituio IHGB, no presente trabalho no optou-se por desenvolver
um aprofundamento nem nas atividades culturais e intelectuais do Instituto, nem mesmo quanto a
participao de Joaquim Manuel de Macedo, contudo o tema pode ser melhor compreendido atravs de:
GUIMARES, Manoel Luis Salgado. Nao e Civilizao nos Trpicos: O Instituto Histrico e
Geogrfico Brasileiro e o Projeto de uma Histria Nacional. Disponvel em
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1935/1074 consultado em 08/2012.
HRUGBY, Hugo. Obreiros diligentes e zelosos auxiliando no preparo da grande obra: A Histria do
Brasil no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (1889 1992). Porto Alegre, 2007. HRUGBY,
Hugo. O sculo XIX e a escrita da histria do Brasil : dilogos na obra deTristo de Alencar Araripe
(1867-1895). Porto Alegre, 2012. GUIMARES, Lucia Maria Paschoal. Da Escola Paladina ao
Silogeu: Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (1889 1938). Rio de Janeiro : Museu da Repblica,
2006. SCHWARCZ, Lilia Mortitz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trpicos. So
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1935/1074%20%20consultado%20em%2008/2012
8
A participao do imperador, no era, portanto, a partir dos anos 50,
apenas financeira. Ao contrrio, d. Pedro interessou-se pessoalmente
pelo IHGB, tendo presidido um total de 506 sesses de dezembro de
1849 at 7 de novembro de 1889 , s se ausentando em caso de
viagem. Tal fato torna-se mais relevante se comparado pouca
participao do monarca na Cmara: l s aparecia no comeo e no
final do ano, para abrir e fechar os trabalhos. (SCHWARCZ, 1998, p.
127).
Schwarcz (2000) aponta, tambm, que a preocupao do IHGB ia muito alm de
consolidar uma cultura nacional. Diz ela:
Na verdade, composto, em sua maior parte, da boa elite da corte e
de alguns literatos selecionados, que se encontravam sempre aos
domingos debatiam temas previamente escolhidos, o IHGB pretendia
fundar a histria do Brasil tomando como modelo uma histria de
vultos e grandes personagens sempre exaltados tal qual heris
nacionais. Criar uma historiografia para esse pas to recente, no
deixar mais ao gnio especulador dos estrangeiros a tarefa de escrever
nossa histria [...], eis nas palavras de Janurio da Cunha Barbosa a
meta dessa instituio, que pretendia estabelecer uma cronologia
contnua e nica, como parte da empresa que visava prpria
fundao da nacionalidade. (SCHWARCZ, 1998, p. 127).
Para Candido (2007), a aliana firmada entre literatos e o imperador, garantiu o
sucesso do movimento. Assim, o Romantismo torna-se tributrio do Nacionalismo
como ocorrera na Europa. Candido mostra que,
Sobretudo nos pases novos e nos que adquiriram ou tentaram adquirir
independncia, o Nacionalismo foi a manifestao de vida, exaltao
afetiva, tomada de conscincia, afirmao do prprio contra o
imposto. Da a soberania do tema local e sua decisiva importncia em
tais pases, entre os quais nos encontramos. Descrever costumes,
paisagens, fatos, sentimentos carregados de sentido nacional, era
libertar-se do jugo da literatura clssica, universal, comum a todos,
preestabelecida, demasiado abstrata afirmando em contraposio o
concreto espontneo, caracterstico, particular. (CANDIDO, 2007, p.
333).
O tributarismo apontado por Candido no deve se confundir com a dupla jornada
de trabalho dos autores. Ricupero (2004) aponta que no foi uma caracterstica somente
brasileira ter autores de literatura atuando como polticos e literatos. Para o autor, essa
caracterstica latino-americana teve muito a ver com a escolha do Romantismo como
9
modelo literrio de representao da nacionalidade. Nesse sentido, a literatura
completaria a lacuna deixada pelo passado colonial, isto , como as ex-colnias no
possuam uma origem fundadora necessitavam construir um passado que desse suporte
nacionalidade, produzir uma identidade possvel para sua nova nao.
Todavia, o Romantismo na Amrica Latina tomar rumos diferentes dos
europeus. Enquanto na Europa o Romantismo atuava como protesto instituio do
capitalismo como modelo poltico-econmico, na Amrica Latina, e principalmente no
Brasil, esse movimento acaba se tornando aliado a essas novas ideias, principalmente
por considerar uma evoluo, para as novas naes, a instituio de trabalho assalariado
em sociedades profundamente escravistas. Assim, as obras buscariam, aqui,
conscientizar os leitores de seus papeis na nova sociedade que se formava.
(RICUPERO, 2004, p. XXVIII).
Em resumo, se o romantismo europeu desconfia da civilizao e
protesta contra o capitalismo, o latino-americano ope-se, de maneira
geral, barbrie e simptico ao capitalismo, ou, ao menos, s
oportunidades que esse modo de produo parece oferecer ao
continente. Ou seja, o contedo que assume o romantismo latino
americano tal que, no confronto com o europeu, ele se torna
praticamente irreconhecvel. No limite, poder-se-ia mesmo perguntar
se os romnticos latino-americanos seriam verdadeiramente
romnticos. (RICUPERO, 2004, p. XXVIII)
As diferenas entre os romantismos se tornariam mais evidentes na maneira com
que entendem a natureza. Enquanto na Europa o movimento entendia a natureza como
espao ainda no dominado pela Revoluo Industrial e o capitalismo, e o idealizava na
Amrica Latina, esse espao tornava-se particular. Na Argentina a literatura
representaria os participantes desse meio como elementos prejudiciais nova nao pela
sua incultura, no Brasil, teremos um caso parte, pois por aqui o Romantismo tomaria a
natureza como elemento de partida para a fundamentao da nao. (RICUPERO,
2004).
Essa literatura preocupada em fundamentar a nao se voltar para a sua prpria
sociedade como fonte de inspirao para as produes literrias. O Romantismo
Brasileiro ento viria a ser confundido por vezes com a realidade, devido preocupao
de retratar a sociedade atravs da verossimilhana, transmitindo, com alta pretenso, a
cor local em seus textos.
10
Para Silveira (2009, p. 99-100), o conceito de cor local, que primeiramente se
aplicara pintura e posteriormente se estenderia literatura, tornara-se o objetivo da
maior parte dos literatos e pintores empenhados na formao de uma nacionalidade.
Nesse processo de ressemantizao, cor local passou a ser entendida
como o efeito capaz de assegurar a veracidade de uma narrativa e a
adequao seja da descrio dos costumes de um povo, seja da
descrio das paisagens naturais de uma nao. A conscincia com
relao a esse efeito narrativo ofereceu aos escritores de alguma forma
filiados ao pensamento romntico, sejam romancistas ou historiadores,
um elemento de grande importncia para a constituio de suas
poticas e teorizaes sobre a representao; a ideia da singularidade e
especificidade local, do carter nico de uma determinada nao ou
cultura em relao s demais. (SILVEIRA, 2009, p.100)
Assim, o artifcio da verossimilhana, que por vezes atravs de notas de rodap,
buscava elementos reais para comprovar seu discurso, tornou-se elemento primordial
para o objetivo de representar a nao, mas ainda por cima, construir um iderio
nacional.
1.2 O artifcio da verossimilhana4 no Romantismo brasileiro
Uma literatura to voltada construo, apresentao e representao da
ptria como foi a do Romantismo, tornou-se referncia para diversas anlises, do ponto
de vista histrico-sociolgico, em meados do sculo XX. Monica Velloso, em
Literatura Espelho da Nao, chamar ateno para um equvoco cometido
frequentemente por esses estudiosos da literatura romntica brasileira do sculo XIX.
Tem-se tomado a literatura como retrato fidedigno da sociedade. Esta errnea percepo
surge, talvez, pela escolha que os primeiros literatos fizeram ao optar pela
4 Neste trabalho utilizaremos o conceito de verossimilhana desenvolvido por Lucien Goldmann em
Sociologia do Romance. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. E Dialtica e Cultura. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1979. Para Goldmann, a verossimilhana ocorre a partir da necessidade sentida pelo autor em
expressar sua viso de mundo atravs de um enredo que possa tornar-se uma realidade possvel ao leitor.
No caso das obras de Macedo, veremos que o autor no optou por uma literatura fantstica, voltando-se
assim a uma aproximao de seus enredos com elementos da realidade do seu cotidiano e de seus leitores.
11
verossimilhana, rechaando o ficcional, priorizando assim um realismo (que no
quer dizer que as obras sejam classificadas e enquadradas no perodo literrio brasileiro
do Realismo ou Naturalismo). Assim, tomar a literatura do sculo XIX como verdade
ipsis litteris torna-se um equvoco, porm essas obras no deixam de ser representaes
de uma poca. (VELLOSO, 1987).
Para Monica Velloso,
No af de retratar o Brasil, nossa literatura inclinou-se mais para as
tendncias realistas do que propriamente ficcionais. Isso porque ou a
fico foi considerada matria de segunda grandeza (devido sua
alegada incompatibilidade com o "real"), ou significava uma ameaa
ordem de valores vigente. Pertencente ao universo da subjetividade, a
fico passou a ser vista como pea indesejvel e prejudicial em um
discurso cujo referente era exterior, ou seja, a nao. Obcecado pela
captura do real-nao e pela caa ao documento, o discurso dos nossos
intelectuais nasceu na confluncia entre o discurso histrico e o
discurso literrio. Assim que as mais significativas expresses da
sensibilidade nacional assumiram esse discurso heterodoxo, onde
literatura e histria se confundiam na apreenso da nao.
(VELLOSO, 1987, p. 241).
Na fico, o gnero romntico brasileiro esteve ligado diretamente s realidades
empricas da paisagem e do contexto familiar e social de onde o romancista extrai no
imagens isoladas, como faz o poeta, mas ambientaes, personagens, enredos. (BOSI,
2006, p. 127). Esta proximidade com a realidade emprica (verossimilhana), fez com
que Bosi identificasse um trao caracterstico na recepo das obras de fico. Segundo
ele,
Os leitores da mensagem ficcional seguem as grandes linhas-de-fora
das motivaes que plasmam o seu cotidiano. Assim, a sede de
reconhecer a prpria vida sob o prestgio da letra de frma estimula
um pblico que no ser (ao mesmo tempo) o que busca no livro
cenas e heris longnquos e sobre-humanos para alimento de evaso.
(BOSI, 2006, p. 127).
Nesse sentido, ao considerar-se o pblico leitor da primeira metade do sculo
XIX, identificaremos uma pequena parcela da sociedade, composta por moos e moas
das classes altas, moradores de reas urbanas, trabalhadores liberais, objetivados
apenas a entreter-se com a leitura, no se preocupando com a estrutura do romance, mas
sim, com o prazer que aquela leitura iria lhe trazer. (BOSI, 2006, p. 128). para esse
12
pblico que os primeiros romancistas iro escrever, com intuito de, alm de entreter,
criar uma conscincia de nacionalidade.
Tal conscincia viria aliada aos interesses vigentes poca do patriarcalismo.
Em Razes do Brasil (1995), Srgio Buarque de Holanda mostra que a transio da
economia rural, de estrutura familiar patriarcal, para uma economia urbana, no alterou
efetivamente os hbitos sociais. (HOLANDA, 1995, p. 71-92). Nesse sentido, a
inflexibilidade do patriarcalismo iria balizar a sociabilidade mesmo no ambiente urbano.
Sendo assim, os autores da literatura em sua busca por saciar a sede [dos leitores] de
reconhecer a prpria vida sob o prestgio da letra de frma. (BOSI, 2006, p. 127).
Tiveram de abordar temas moralizantes do ponto de vista patriarcal, ou estariam fora do
cnone. Em A Moreninha (1844), de Joaquim Manuel de Macedo, podemos encontrar
uma grande amostragem das relaes sociais, aos moldes patriarcais, brasileiras. Por
esse motivo, o autor tornou-se rapidamente um dos mais lidos poca.
Certamente a publicao de A Moreninha (1844) esteve relacionada ao que
Bourdieu chama de espao de possveis. Para o autor, o fazer literrio est diretamente
relacionado ao espao de possibilidades ao qual o autor esteve inserido durante a
produo de sua obra. Essas possibilidades esto relacionadas ao universo de
problemas, intelectuais e/ou sociais, presentes na sua realidade. Essa afirmao no
determina que o texto do autor seja um reflexo da realidade vivida, pelo contrrio, ela
prope a existncia de um horizonte de expectativas, estticas e/ou ideolgicas,
relacionadas produo literria. Expectativas que propiciam mudanas no estilo de
escrita ou, at mesmo, nas temticas abordadas pelo autor. (BOURDIEU, 1996, p. 53-
58).
No Romantismo brasileiro, o espao de possibilidades fica claro devido aos
diversos projetos de formao de identidade nacional a partir da arte estarem sempre
sob o controle do patriarcalismo. Na Literatura, podemos dizer que o momento mais
claro de mito fundador esteja relacionado ao Indianismo. Nesse movimento
literrio, os autores buscaram representar uma nacionalidade a partir dos indgenas,
inserindo-os em enredos onde seus valores morais e histricos fossem ressaltados e
glorificados, assim fundamentando e exaltando a nao brasileira. (SCHWARCZ,
1998, p. 132-144).
Para Lilia Schwarcz,
13
O ndio despontava assim como um exemplo de pureza, um modelo de
honra a ser seguido. Diante de perdas to fundamentais o sacrifcio
em nome da nao e o sacrifcio entre os seus , surgia a
representao idealizada, cujas qualidades eram destacadas na
construo de um grande pas. Entre a literatura e a realidade, a
verdadeira histria nacional e a fico, os limites pareciam tnues. No
caso, a histria estava a servio de uma literatura mtica que, junto
com ela, selecionava origens para a nova nao. (SCHWARCZ,
1998, p. 136).
No seria diferente com os romances de costumes urbanos, pois estes buscariam
moldar uma sociedade que j no tinha to presente as relaes indgenas. Os conflitos
sociais tornavam-se outros, como, por exemplo, a relao senhor escravo, a insero de
uma poltica Liberal em um pas monarquista conservador, os casamentos, entre outros
assuntos. Tendo em vista que ao mesmo tempo se construa o mito fundador com base
indgena, tambm se buscava modernizar as relaes sociais urbanas, a fim de tornar
a nao to evoluda quanto as europeias.
Diferente das primeiras literaturas brasileiras escritas por estrangeiros nos
primeiros sculos de colonizao, o Romantismo no Brasil se torna brasileiro
principalmente por ser escrito por autores nacionais. A investida literria, alm de
adotar temticas regionais/nacionais, passou tambm, por intermdio de incentivos da
coroa, a ser produzida por intelectuais com formao acadmica nacional. Bosi (2006)
destaca que considervel parcela de literatos recebia alto grau de instruo nas cidades
do Rio de Janeiro, So Paulo e Recife (Macedo, Alencar, lvares de Azevedo,
Fagundes Varela, Bernardo Guimares, Franklin Tvora, Pedro Lus). Embora esta
educao fosse no Brasil, os autores no tinham opes nacionais de inspirao,
sendo assim, muitas obras, principalmente da primeira fase do Romantismo, se
formaram atravs da cpia da estrutura de obras de sucesso na Europa. (BOSI, 2006, p.
91-101).
Na literatura das belas letras, as estruturas seguiam rigorosamente o padro
europeu, como destaca Wilson Martins (2000, p. 220241). No ano da publicao dA
Moreninha (1844) havia importantes publicaes de stiras de alto teor poltico nos
jornais do Rio de Janeiro. Isso nos mostra que j havia certa autonomia nacional na
escrita jornalstica. A stira poltica tambm aparecer nas belas letras na segunda
metade do sculo XIX. Dentre outras, se destacam Memrias de um sargento de
milcias (1852), de Manuel Antnio de Almeida, e A carteira de meu tio (1855) e a
14
continuao Memrias do Sobrinho de meu tio (1868), de Joaquim Manuel de Macedo,
essas ltimas tratando de questes polticas atravs da ironia e da stira. Em Dialtica
da Malandragem caracterizao das Memrias de um sargento de milcias (1970),
Candido mostra que Manuel de Almeida conseguiu produzir um romance do tipo
realista, representando uma pequena parcela da sociedade e a isto se agregaria o maior
valor de seu romance. Para Candido,
O romance de tipo realista, arcaico ou moderno, comunica sempre
uma certa viso da sociedade, cujo aspecto e significado procura
traduzir em termos de arte. mais duvidoso que de uma viso
informativa, pois geralmente s podemos avaliar a fidelidade da
representao atravs de comparaes com os dados que tomamos a
documentos de outro tipo. (CANDIDO, 1970, p. 72).
Embora as stiras polticas citadas tivessem a mesma problemtica, ambientadas
em momentos distintos, As Memrias de um sargento de milcias no primeiro reinado e
A Carteira de meu tio e As memrias do sobrinho de meu tio no segundo, as trs
apresentam reflexes sobre problemas presentes no momento de sua produo. Muito
mais cido e inflamado, Macedo denuncia a poltica do Eu, crtica direta influncia
inglesa na poltica brasileira. Atravs da trama em que o sobrinho (personagem
principal) utiliza do oportunismo, egosmo e da arbitrariedade poltica para alcanar seu
objetivo de tornar-se poltico, Macedo mostra os diferentes meios de se adquirir poder
poltico no Brasil do sculo XIX, que se desdobrariam aos dias de hoje, garantindo
assim certa atualidade obra.
Tanto nos romances de costumes, quanto nas stiras polticas, o autor ter papel
fundamental na construo e transmisso das ideias. Uma vez que o autor parte da
sociedade, produzido por ela e produtor dela ao mesmo tempo, a literatura torna-se um
fenmeno coletivo na medida em que foi elaborada por uma classe social, segundo seu
ngulo ideolgico prprio. Assim, a obra deveria ser entendida como organismo, que
para ser compreendido necessrio observar todas as suas relaes com o meio para
somente assim produzir uma interpretao. (CANDIDO, 2008, p. 13-25). Nesse sentido
o
Romance [] profundamente social, pois, no por ser documentrio,
mas por ser construdo segundo o ritmo geral da sociedade, vista
atravs de um dos seus setores. E, sobretudo porque dissolve o que h
15
de sociologicamente essencial nos meandros da construo literria.
Com efeito, no a representao dos dados concretos particulares
que produz na fico o senso da realidade; mas sim a sugesto de uma
certa generalidade, que olha para os dois lados e d consistncia tanto
aos dados particulares do real quanto aos dados particulares do mundo
fictcio. (CANDIDO, 1970, p. 82).
Do ponto de vista poltico, o Romantismo brasileiro tinha tambm a misso de
unificar a nao, pois devido a sua natureza colonial, era fragmentado em diversos
grupos culturais. Para Ilmar Mattos (2005),
A associao entre Imprio do Brasil e Nao brasileira era propiciada
pela construo do Estado imperial. E esta construo, por sua vez,
impunha a prpria constituio da Nao. dominao das demais
naes somava-se a direo pelo Governo do Estado daqueles
brasileiros em constituio, o que implicava um padro diverso de
relacionamento entre aquele governo e o da Casa, quebrando as
identidades geradas pela colonizao, por meio da difuso dos valores,
signos e smbolos imperiais, da elaborao de uma lngua, uma
literatura e uma histria nacionais, entre outros elementos.
Impossibilitado de expandir suas fronteiras, o Estado imperial era
obrigado a empreender uma expanso diferente: uma expanso para dentro. E a reside o trao mais significativo na construo de uma unidade. (MATTOS, 2005, p. 26 grifo no original).
A empreitada da expanso para dentro, acabaria desempenhada pelo Instituto
Histrico e Geogrfico Brasileiro, o IHGB. Mary Del Priore e Renato Venncio (2001)
ressaltam que, mesmo sendo uma investida brasileira de produzir a identidade
nacional, no pode escapar da participao de importantes intelectuais no brasileiros,
como o caso de Karl von Martius. O naturalista alemo foi responsvel por uma das
tentativas de fundamentar a nao a partir da miscigenao de trs povos: o indgena,
o portugus e o africano. Tal obra registra os pensamentos que balizaram a tentativa de
construo da identidade nacional, e, ainda por cima, induziram a produo literria
escolha de temas como a escravido, miscigenao e o moralismo. Este ltimo, presente
tambm no movimento romntico europeu. (PRIORE e VENNCIO, 2001, p. 212
219).
16
1.3 A esttica como elemento reflexivo no romance
No Romantismo brasileiro, sem maiores esforos, podemos identificar
elementos de projeo, ou melhor, de idealizao de uma sociedade. Nele encontramos
o que a intelectualidade da poca entendia como o ideal para a nao no Devir5, e
tambm o que imaginavam Ser os brasileiros. Assim, propomos aqui a possibilidade de
uma esttica, presente em determinadas obras literrias. Ao observarmos as obras de
Joaquim Manuel de Macedo, identificamos que a Literatura tornou-se profundamente
catrtica, ou seja, atravs dos enredos, projetados dentro de um horizonte de
expectativas, o autor desenvolvia certo nvel de educao devido ao seu perceptvel
carter pedaggico.
Para Jauss, a esttica tambm poderia determinar os interesses da classe social
produtora da literatura. Segundo o autor, a produo literria composta por trs
categorias distintas, que podem atuar com maior ou menor intensidade de acordo com o
tipo de leitor e tambm com a objetivao do autor ao produzir a obra. A primeira
categoria a poiesis. Corresponde a capacidade do autor em compreender o mundo e
exteriorizar atravs de sua obra. A segunda categoria a aisthesis: a esttica em si;
corresponde ao prazer da apreciao, pode-se considerar como apresentao de uma
obra visando contemplao, sensibilidade ou estranhamento. A terceira a katharsis,
essa considerada a tarefa prtica da arte. Como funo social, a katharsis liberta o
espectador dos interesses prticos e das implicaes de seu cotidiano, a fim de leva-lo,
atravs do prazer de si no prazer no outro, para a liberdade esttica de sua capacidade de
julgar. (JAUSS, In: LIMA, 2011, p. 102).
Jauss resume sua tese assim:
A conduta de prazer esttico, que ao mesmo tempo liberao de e
liberao para realiza-se por meio de trs funes: para a conscincia
produtora, pela criao do mundo como sua prpria obra (poiesis);
para a conscincia receptora, pela possibilidade de renovar a sua
percepo, tanto da realidade externa quanto da interna (aisthesis); e,
por fim, para que a experincia subjetiva se transforme em inter-
subjetiva, pela anuncia ao juzo exigido pela obra, ou pela
5 Os conceitos de Ser e Devir referenciados neste pargrafo tem como base a ideia a formulao
feita por Franklin Baumer na obra O Pensamento Moderno Europeu. Volume II. Lisboa: Edies 70,
1970.
17
identificao com normas de ao predeterminadas e a serem
explicitadas. (JAUSS, In: LIMA, 2011, p.102).
Essa viso freudiana da esttica, apresentada por Jauss, mostra que atravs da
literatura o espectador, identificado com um ou mais personagens, pode viver problemas
que na vida real no seria capaz de enfrentar sem ter um desgaste fsico e emocional
prejudicial. A esttica, nesse caso, responsvel por determinado alvio. Deste modo,
o prazer esttico da identificao possibilita participarmos de experincias alheias, coisa
de que, em nossa realidade cotidiana, no nos julgaramos capazes. (JAUSS. In: LIMA,
2011, p. 99).
Todavia, a subjetiva experincia alheia realidade, proposta pela esttica, no
garantida a todo leitor, uma vez que as categorias so autnomas. Tambm no
garantido a todo autor que seu objetivo atravs de sua poiesis aliada a aisthesis se
mantenha compreensvel com o passar do tempo. Surge ento a figura do leitor, esse
como julgador da obra e tambm como gozador atravs de sua sensibilidade. esse
leitor que determinar a sobrevivncia ou o esquecimento da obra atravs de seu
julgamento no passar dos anos.
Quando o leitor contemporneo ou as geraes posteriores recebem o
texto, revelar-se- o hiato quanto poiesis, pois o autor no pode
subordinar a recepo ao propsito com que compusera a obra: a obra
realizada desdobra, na aisthesis e na interpretao sucessivas, uma
multiplicidade de significados que, de muito, ultrapassa o horizonte de
sua origem. A relao entre poiesis e katharsis tanto pode se dirigir ao
destinatrio, que deve ser persuadido ou ensinado pela retrica do
texto, quanto remeter ao prprio produtor: o autor pode tematizar
expressamente o poetar do poetar, como se a liberao de sua psique
fosse um efeito da poiesis cantando il duol si disacerba (com o
canto, a dor se abranda), como diz o famoso verso de Petrarca, verso
em que a fico extinguiu o hiato entre a emoo e a distncia prpria
escrita. (JAUSS, In: LIMA, 2011, p. 102).
Contudo, a compreenso de uma obra, como no exemplo de Petrarca, no
necessariamente funo catrtica, pode vir da atividade da aisthesis. A esttica
(aisthesis) poder se converter em poiesis, uma vez que o observador considere o objeto
esttico incompleto e passe a ser co-criador gerando novo significado atravs da
reflexo sobre seu prprio devir. A importncia do texto no advm da autoridade de
seu autor, no importa como ela se legitime, mas sim da confrontao com a nossa
18
biografia. O autor somos ns, pois cada um o autor de sua biografia
(ZIMMERMMANN, 1977, p. 172). Nesse caso, a compreenso estaria na confrontao
da proposta esttica do autor, com a compreenso que o leitor tem de determinada
temtica. Exemplo pertinente A carteira de meu tio 1855 de Macedo, nela o autor trata
de um tema denso, a poltica, utilizando a comicidade e a ironia em uma stira poltica.
Assim, embora o tema seja denso, o que poderia ter gerado um drama, por exemplo,
sendo tratado como stira d ao leitor a possibilidade de discordar ou concordar com o
posicionamento do autor. Independente da escolha do leitor, acreditamos, o objetivo de
trazer a reflexo ao leitor foi alcanado.
No seria toa no Brasil, e no foi diferente na Europa, o surgimento de
diversos mitos de carter literrio. Alencar, atravs de Iracema, construiu uma ideia de
bom selvagem voltado origem da nao. Macedo, com A Moreninha, prope a
moral e bons costumes urbanos o mito sentimental. Nesse sentido, a literatura
romntica brasileira tornou-se exemplificao e projeo da sociedade ideal, dando
possibilidades de aceitao ou de negao para o leitor. Contudo, os textos no
obedeceram diretamente uma estrutura. Em As vtimas Algozes, quadros da escravido
(1869), por exemplo, Macedo prope ao leitor uma experincia de um medo que no
aparecera em outros romances, o medo da morte pela escravido.
Nesta perspectiva, a literatura proporia um jogo no qual o autor procura
comunicar determinada informao ao leitor. No caso da fico, o autor procura intervir
em um mundo j existente, com cdigos comuns ao leitor e ao autor, produzindo um
mundo que ainda no acessvel conscincia. Assim o texto composto por um
mundo que ainda h de ser identificado e que esboado de modo a incitar o leitor a
imagin-lo e, por fim, a interpret-lo. (ISER, In: LIMA, 2011, p. 107) Uma vez aceito
por leitor e autor, o exerccio da leitura criar uma realidade que no real de fato, mas
como se fosse real. O como se, ento, torna-se um jogo em que o inconcebvel poder
ser concebido e gerar uma reflexo sobre o que poderia vir a ser.
Sob essas perspectivas, ento, a produo literria torna-se um jogo de interesses
no qual o faz de conta, como se, toma as rdeas da realidade atravs da viso de um
autor projetando sua compreenso de mundo na obra produzida. o embate da
concepo do autor com a do leitor que produzir resultado para a leitura, independente
da reao do leitor.
19
Nas literaturas romnticas, o como se dominar inclusive as ideias de
nacionalidade, principalmente sobre as noes de costumes e da prpria poltica. Essa
projeo esttica de um texto que coloca o leitor na histria foi bem construda por
Macedo. O autor, atravs de simples artifcios literrios, como o narrador indireto6,
conseguiu apresentar didaticamente as posies sociais que deveriam ser tomadas pelos
leitores. Numa escrita que possivelmente no seu tempo no fora compreendida pela
crtica literria.
1.4 Macedo e a crtica
Joaquim Manuel de Macedo foi um dos tantos participantes do movimento de
formao da nao. Nascido em Itabora, provncia do Rio de Janeiro, no dia 24 junho
de 1820, vivenciou, mesmo que na infncia, instantes primordiais da formao de uma
nova estrutura poltica do Brasil ps-independncia. Nossa afirmao poderia parecer
absurda, caso no se levasse em considerao o envolvimento poltico da famlia do
autor. Seu pai, Severino de Macedo Carvalho, fora juiz municipal substituto, juiz de
rfos e vereador por algumas vezes. Seu irmo mais velho, Francisco Antnio Gouveia
(1807), no seguiu a carreira pblica preferindo ser negociante. Seu segundo irmo,
Joo Coutinho de Macedo (1813), tornou-se farmacutico, e tambm vereador em
Itabora. Sua me, Catarina da Conceio permanecera analfabeta. (SOUSA, 1979, p.
133).
Os anos seguintes ao nascimento de Macedo foram de total importncia para a
formao cultural da colnia que viria a se tornar pas de fato em 1822. D. Joo VI, j
no ano de 1820, isenta de taxas alfandegrias as obras de fico estrangeiras. Incentiva a
importao de mquinas tipogrficas. Essas mquinas se tornariam uma forte arma para
presso poltica a partir da impresso de jornais e de tradues de obras estrangeiras que
traziam ao Brasil certa liberalizao cultural. (Serra, 2004) Mary Del Priore e Renato
Venncio (2001) destacam que at a independncia, D. Joo j havia estabelecido um
aparato cultural importantssimo para o processo de construo da identidade
nacional. Nesse aparato podemos contar com a biblioteca nacional (entre outras
6 Em Como Funciona a Fico (2011), James Wood aponta que o artifcio do narrador indireto, que no
narra em primeira pessoa, carrega as ideias do autor. Todavia, este estilo de narrativa apresenta uma
oniscincia que poder induzir o leitor a questionar as atitudes das personagens da histria. Esse estilo de
narrativa, tambm, torna mais didtica e autoexplicativa a proposta do autor.
20
bibliotecas), jardim botnico, teatros, escolas (equivalentes ao ensino mdio hoje) no
Rio de Janeiro e na Bahia. Nessa poca a intelectualidade no Brasil ainda era europeia.
(PRIORE e VENNCIO, 2001, p. 189-200).
No se tem muitas informaes sobre a infncia de Macedo, todavia podemos ter
uma ideia da preocupao que sua famlia teve com sua intelectualidade, quando em
1844 o autor se forma em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro. importante
ressaltar que a formao da juventude intelectual, construtora do Romantismo
brasileiro, no teve mais obrigatoriamente sua formao na Europa. Desde a dcada de
1820 as faculdades de direito e medicina comearam a se estabelecer nas principais
provncias do pas. (JOZEF, 1971). Obviamente, no era a elite que optava pelos
estudos no Brasil, mas sim uma baixa burguesia a qual Macedo, Alencar e
posteriormente Machado fizeram parte, possibilitando uma reflexo sobre a ascenso
social atravs do intelecto.
Embora formado em medicina, o Dr. Macedo nunca exerceu sua profisso.
Carinhosamente chamado de Dr. Macedinho, tornou-se mais conhecido pela publicao
de sua obra A Moreninha (1844). Tal obra garantiu-lhe lugar de honra nos principais
compndios de literatura brasileira. At hoje, A Moreninha (1844) e O Moo Loiro
(1845) fazem parte das leituras escolares no ensino de literatura. Bianca Karam (2006)
destaca que mesmo tendo Teixeira e Souza publicado O filho do pescador (1843) um
ano antes dA Moreninha, Macedo leva os louros devido ao sucesso que obteve entre
o pblico leitor da poca.
Ainda em 1844, Macedo eleito scio do Conservatrio Dramtico do Rio de
Janeiro. J em 1845, o autor aceito como membro no IHGB, onde ocupou o cargo de
1 Secretrio (1852-1856), orador oficial (1857-1881) e Presidente interino (1876). Em
1847, eleito suplente do Conselho do Conservatrio Dramtico tornando-se no ano
posterior Membro efetivo do conselho. (JOZEF, 1971) Essas participaes faziam de
Macedo uma pessoa pblica, ainda mais pelo sucesso que fizeram suas primeiras
publicaes. Todavia, como destaca Cristina Bassi (1993), Macedo pagou um preo alto
pela participao no Conselho do Conservatrio Dramtico, pois as crticas mais
ferrenhas s suas produes comearam primeiramente envolvendo suas peas teatrais,
e depois se estendendo as obras literrias.
Sua inclinao poltica, vinda de bero, comea a aparecer a partir dos anos de
1849 quando o autor, juntamente com Arajo Prto-Alegre e Gonalves Dias, funda a
21
revista Guanabara, artstica, cientfica e literria. Essa revista, segundo Bella Jozef
(1971), viria dar continuidade s revistas Niteri e Minerva Brasiliense. Ainda no ano
de 1849, Macedo torna-se professor de Corografia e Histria do Brasil no Colgio
Pedro II. Ocupou esse cargo at sua morte em 1882. Durante sua carreira docente,
ensinou as princesas D. Isabel e D. Leopoldina. Macedo tambm produziu o principal
manual de histria e geografia utilizado em grande parte do sculo XIX e incio do
sculo XX. (MATTOS, 2000, p.16).
O fator pedaggico de Macedo pesar muito na sua maneira de escrever, pois
seus textos no apresentam dificuldade de compreenso. Claras e objetivas, as obras da
primeira fase do autor mais parecem cartilhas de comportamento. Tnia Serra (2004)
aponta uma diviso na produo literria de Macedo. A autora nomeia a primeira fase
de Macedo para Mocinhas, nesta as histrias eram mais leves. A segunda fase, por
sua vez, nomeada de Macedo para Adultos, devido ao teor mais denso de suas
temticas e no pela complexidade de sua escrita.
A relao to prxima com os interesses do Imperador fez de Macedo referncia,
tambm, no que Luiz Roberto Cairo (1999) considerou o ponto de partida para a
formao do cnone literrio brasileiro. Segundo Cairo, os primeiros estudos literrios
deram-se atravs de peridicos como, Minerva Brasiliense (1843-45), Guanabara
(1849-56), Revista popular (1859-62), todos esses com participao efetiva de Macedo.
Muito embora, presente no ncleo pensante da estrutura literria brasileira, Macedo
acaba sendo esquecido, ou superado, perdendo seu lugar de destaque no cnone,
todavia estivesse produzindo uma literatura inovadora.
Antonio Candido e Alfredo Bosi mostram que a presena de um autor no cnone
literrio depender da dedicao com que seguir a regra estilstica estabelecida pela
crtica literria. O problema de a crtica estabelecer o que bom ou ruim, est
ligado a que tipo de pressupostos sero utilizados para estabelecer o cnone. Em
Nacionalismo Literrio e Crtica Romntica, Maria Eunice Moreira apresenta as
principais discusses das revistas literrias Niteri, Minerva Brasilience, Revista
Popular, entre outras, mostrando que mesmo a crtica literria, que se formava no
Brasil, no tinha pressupostos slidos para embasar seus questionamentos, e, por isso,
acabava atribuindo valores diferenciados a obras. Moreira aponta tambm a indefinio
do princpio da literatura nacional. Para tanto mostra diversos exemplos de histrias da
literatura brasileira indicando momentos diferentes para o incio da literatura nacional,
22
e tambm as divergncias quanto a quais deveriam ser os cnones literrios dos
perodos.
Assim, a valorao literria poder ser dada por diversos eixos que no estejam
diretamente ligados ao cnone literrio construdo, ou produzido, por tantos projetos de
histrias da literatura brasileira balizados por diferentes pressupostos, voltados a
classificar quais obras so mais representativas de um perodo. Em outras palavras, o
cnone literrio estar diretamente relacionado aos pressupostos tericos do produtor da
histria da literatura de seu tempo.
Maria Eunice Moreira tambm ressalta que Ferdinand Denis e Almeida Garret
promoveram a literatura brasileira, considerando, e concordando apenas nesse ponto,
que o nacionalismo seria o elemento primordial para uma literatura verdadeiramente
nacional. Para que tal objetivo fosse alcanado, os elementos naturais do novo pas
deveriam ser exaltados, em qualquer uma das artes: das letras, poesia, teatro ou novelas
romnticas. Por esse motivo, muitas obras acabam no recebendo ateno, mesmo tendo
diversas possibilidades de contribuio, tanto para o fazer literrio quanto para o
histrico. (MOREIRA, 1997, p. 7-48).
Em estudo sobre o cnone do Romantismo, Roberto Schwarz atenta que a busca
dos autores romnticos brasileiros, na segunda metade do sculo XIX, era de renovar e
legitimar o movimento literrio e at mesmo o nacionalismo brasileiro. Citando e
comentando Machado, ele diz,
Numa forma clebre que lhe serviria de programa de trabalho,
Machado afirma que o escritor pode ser homem de seu tempo e de
seu pas, ainda que trate de assuntos remotos no tempo e no espao.
O crtico buscava assegurar aos brasileiros o direito universalidade
das matrias, por oposio ao ponto de vista que s reconhece
esprito nacional nas obras que tratam de assunto local. (SCHWARZ,
2000, p. 10).
Vemos nessa situao levantada por Schwarz (2000) uma mudana de foco nas
perspectivas valorativas para a construo do novo cnone literrio brasileiro. Nesse
sentido, a construo de uma histria da literatura est diretamente relacionada ao
tempo e s ideologias vigentes durante a produo da mesma. Segundo Roberto
Schwarz, o historiador que pretende valorar e/ou ranquear produes literrias de uma
poca levar em considerao o que entende por sistema literrio. Ao analisar Antonio
23
Cndido, na sua Formao da literatura brasileira lanada em 1959, Schwarz mostra
que a utilizao do termo formao para definir a sua histria da literatura indica que
Cndido entende que somente aps a produo de Machado de Assis houve um sistema
literrio fundamentado no Brasil7. Nessa mesma formao, seguindo seus
pressupostos ideolgicos, Cndido deixa Gregrio de Matos Guerra e o Padre Vieira de
fora, por entender que eles no faziam parte do que entende por sistema literrio
brasileiro. Nesse sentido, o produtor de histrias de literatura ir definir elementos
condutores, mesmo sendo tnues, dando lgica ao seu discurso.
Entretanto, a crtica que propomos aqui pode se tornar um falso problema se
levarmos em considerao quem so os produtores de tais histrias da literatura, qual
campo cientfico coordenar esse estudo. Uma vez que nossa proposta aqui seja, e ,
problematizar do ponto de vista histrico a participao, ou melhor, a contribuio de
Macedo para a construo cultural brasileira (na literatura, poltica, histria, etc.) seria
infundado basearmos a anlise de tal contribuio somente pela tica da crtica literria
elitista. Por esse motivo buscamos englobar perspectivas temporais, atravs das relaes
das obras ficcionais com os fatos histricos.
Tania Serra (2004) chega a comentar que o grande algoz de Macedo foi Slvio
Romero, ao escrever uma fortssima crtica s obras literrias do autor em sua histria
da literatura. Contrapartida, o mesmo Slvio Romero elogiar o teatro de Macedo em
quase cem pginas intituladas O teatro de Joaquim Manuel de Macedo. A
justificativa mais plausvel para a excluso de Macedo do cnone da literatura foi
simplicidade escolhida para a escrita do texto.
Cristina Bassi (1993) fez um levantamento dos leitores de Macedo. Segundo ela,
as primeiras obras obtiveram grande aceitao do pblico intelectual letrado da poca
devido inovao que trouxeram para a realidade literria brasileira. Quanto ao sucesso
com o pblico comum, ressalta as opinies de Antonio Amora e Araripe Jr., dizendo
que, para Amora, a leitura se tornou fcil devido maturidade alcanada a partir da
leitura de folhetins europeus. Contrapartida, Araripe Jr prope uma inovao capaz de
abrir novos caminhos nos hbitos de leitura brasileiros. O sucesso das obras tambm
7 Cabe ressaltar que Candido considera o sistema literrio puramente nacional, ou seja, Autor,
Obra e Leitores brasileiros, o que explicaria a excluso de diversos autores que aparecem em outras
histrias da literatura como formadores da literatura brasileira ainda no sculo XVI.
24
estaria ligado linguagem jornalstica aplicada pelo autor mesclando humor, ironia e
verossimilhana. (BASSI, 1993, p. 34).
Isto significa dizer que as referncias a respeito da sociedade brasileira
seriam dadas atravs das vias pelas quais a capacidade de
decodificao do leitor encontrava-se mais treinada: o modelo
jornalstico. (BASSI, 1993, p. 35)
Muito embora as obras de Macedo tenham alcanado grande sucesso com o
pblico comum, comprovado pelas 5 reedies de A Moreninha(1844) e as 4 dO Moo
Loiro (1845) no perodo (1844 1860), sua relao com a crtica especializada at hoje
conturbada. Machado de Assis aponta o que poderia ser o outro elemento para a perda
do prestgio de Macedo,
(...) dissemos que o autor de Cego no professa escola alguma, e
verdade; realista ou romntico, sem preferncia, conforme se lhe
oferece ocasio; mas, independentemente deste ecletismo literrio, v-
se que o autor tem uma teoria dramtica de que usa geralmente.
Estando convencido que o teatro corrige os costumes, entende o autor,
e no se acha isolado neste conceito, que a correo deve operar-se
pelos meios oratrios e no pelos meios dramticos ou cmicos. A
moral do teatro, mesmo admitindo a correo dos costumes, no
isso: os deveres e as paixes na poesia dramtica no se traduzem por
demonstrao, mas por impresso. Quando o sr. Jos de Alencar
trouxe para a cena o grave assunto da escravido, no fez inserir na
sua pea largos e folgados raciocnios contra essa fatalidade social;
imaginou uma situao, fazendo atuar nela os elementos poticos que
na natureza humana e o estado social lhe ofereciam; e concluiu esse
drama comovente que toda a gente de gosto aplaudiu. Esta e outros
exemplos no devia esquec-los o autor de Luxo e Vaidade. (ASSIS,
1937, p. 233-234).
A constatao de Machado nos parece mais uma virtude do que um problema.
A nosso ver, Macedo o autor que vivencia as principais transformaes da
intelectualidade brasileira do sculo XIX. Como vimos, o autor est presente em
praticamente todas as bases intelectuais da nao (poltica, jornalstica, literria,
educacional e por que no vivencial). Nesse sentido, a acusao de professar na escola
do realismo e do romantismo ao mesmo tempo procede, e como para poca, e ainda
hoje existe a necessidade de superao do velho pelo novo, o autor no conseguiu
vencer a concorrncia de autores como Jos de Alencar. Esse ltimo citado em
25
grande parte das crticas direcionadas s produes macedianas. Tania Serra (2004)
ainda sugerir certo pr-naturalismo na escrita macediana.
Talvez o fato de Macedo ter vivido a ascenso e queda do Romantismo no Brasil
seja o elemento mais importante para o estudo das obras e do autor. Melhor do que
reivindicar uma colocao do autor em evidncia no cnone literrio, seria compreender
sua escolha de produzir uma literatura de fcil acesso, de didatismo extremo, que
encantava as classes menos abastadas. Todavia, ao mesmo tempo em que produzia uma
literatura fcil imprimia nela interessantes posicionamentos polticos. No s sua
literatura, mas tambm seu teatro obteve grande sucesso.
Cristina Bassi (1993) prope uma reavaliao do pretenso esquecimento de
Macedo. Para ela, o autor presenciou, e em certa medida se aproveitou, de uma
separao do pblico leitor em duas sees, o leitor letrado e o leitor comum. Tania
Serra (2004) chega a hipotetizar que a escolha de Macedo de produzir obras fceis
compreensveis a todos estava relacionada necessidade financeira, pois seu casamento
com Maria Catarina Sodr, moa de famlia mais abastada, obrigava-o a manter os
caprichos que a esposa tinha ainda na casa do pai. (SERRA, 2004, p. 35)
Parece que para os crticos literrios da poca, a opo de Macedo, ao escrever
para os comuns, incomodava muito. Machado critica fortemente o autor, acusando-o de
no produzir comdia, mas sim burlesco destinado ao grande pblico. Esta indignao
chega dar a impresso de que Machado gostaria de ver Macedo produzindo uma
literatura para letrados e que o autor tinha absoluta capacidade para isso. Diz ele:
(...) nas obras que tem escrito, atendeu sempre para um gnero menos
estimado; e, se lhe no faltam aplausos a essas obras, nem por isso
assentou ele em bases seguras a reputao de verdadeiro poeta
cmico. Evitemos os circunlquios: o Sr. Dr. Macedo emprega nas
suas comedias dois elementos que explicam os aplausos das plateias: a
stira e o burlesco. Nem uma nem outra exprimem a comdia.
(...)
Tal o teatro de Sr. Dr. Macedo, talento dramtico que podendo
encher a Biblioteca Nacional com obras de pulso e originalidade,
abandonou a via dos primeiros instantes, em busca dos efeitos e dos
aplausos do dia (...). A boa comdia, a nica que pode dar-lhe um
nome, talvez menos ruidoso, mas com certeza mais seguro, essa no
quis pratic-la o autor da Torre em Concurso. Foi seu erro.
Acompanhar as alternativas caprichosas da opinio, sacrificar o leito
do gosto e a lio da arte, esquecer a nobre misso das musas. Da
parte de um intruso, seria coisa sem consequncia; da parte de um
poeta; condenvel. (ASSIS, 1937, p. 256-257).
26
Bem-humorado, e j no final da vida, Macedo responde s acusaes,
justificando a escolha de produzir obras to limitadas. Diz ele, em um trecho de Um
passeio pela cidade do Rio de Janeiro:
H dezenove anos escrevo e ouso publicar os meus pobres escritos, e
at hoje, graas a Deus, ainda no tive a vaidade de tentar escrever
para aproveitar aos eruditos e aos sbios. No me pesa esse pecado na
conscincia. Os eruditos e os sbios rir-se-iam de mim.
At hoje s tenho escrito com a ideia de aproveitar ao povo e aqueles
que pouco sabem. Ora, escrevendo eu tambm para o povo esta obra,
cuja matria rida e fatigante, no quis exp-la ao risco de no ser
lida pelo povo, que prefere os livros amenos e romanescos s obras
graves e fundas. (MACEDO, 2009, p.24).
Fato que a crtica viria a incomodar Macedo a partir dos anos de 1850, pois
at ali havendo publicado A Moreninha (1844), O moo loiro (1845), Os dois amores
(1848) O cego (1849) e Rosa (1849) s recebera elogios, afinal de contas estas obras
acabavam por ter a mesma estrutura romntica e esttica. Affonso Romano de
SantAnna, chega a dizer que a obra de Macedo ops a esttica nacional, indianista e
sertaneja a uma esttica europeia, civilizada e ariana. Macedo (...) foi quem primeiro
tornou clara a questo, criando um tipo ausente de nossa fico. (SANTANNA, apud
SERRA, 2001, p. 45).
Entretanto, o Dr. Macedinho, envolvido cada vez mais com a poltica,
abandonaria aos poucos a preocupao com a estilstica dos textos e passaria a produzir
uma literatura cada vez mais denunciadora. J na dcada de 1860, sem grande
preocupao estilstica, tendendo fortemente denncia social explcita, violenta e
perturbadora ao leitor, Macedo prope uma escrita muito mais prxima jornalstica do
que literria. Em algumas das obras, podemos encontrar histrias verossimilhantes a
manchetes de jornais da poca.
1.5 O ano da transformao da escrita macediana.
27
Dos anos em que Macedo produziu para adultos, o ano de 1869 foi certamente
o mais surpreendente, pois torna-se sangrento e perturbador para a sociedade. Neste
ano, foram publicadas A luneta mgica (1869), O Rio do Quarto (1869) e As vtimas
algozes (1869).
Se porventura propusssemos uma obra que representasse a produo literria de
Macedo, certamente seria escolhida A luneta mgica (1869). Embora no haja nada
surpreendente, do ponto de vista literrio, Macedo prope uma moralidade aberta e
direta nesta obra. Com a figura de Simplcio, personagem principal, podemos identificar
o que o autor entendia ser a sociedade e os indivduos de sua poca. Simplcio, era
mope, fsica e moralmente. A sua miopia fazia com que ele no entendesse as relaes
sociais a sua volta. Todavia, ao bom leitor, a trama composta de muita ironia e humor
poderia trazer grande reflexo.
Simplcio introduz sua narrativa em primeira pessoa anunciando que sua miopia
fsica lhe fazia praticamente cego, e a miopia moral no lhe dava capacidade para ter
suas prprias ideias, tornando-se escravo dos outros. Destaca, ironicamente, que seu
problema s era compensado pelos familiares; o irmo Amrico, a prima Anica e a tia
Domingas. Esses, preocupados com sua herana, cuidavam dele, mas principalmente do
seu dinheiro.
Desanimado com a situao, Simplcio, sem que seus parentes soubessem, se
candidata ao jri da freguesia do Rio de Janeiro. Para ele era a liberdade, pois ali seu
irmo Amrico no poderia ser seu tutor, ali ele mesmo teria de tomar a deciso. Fica
feliz pelo Juiz ter encontrado nele a capacidade de chegar ao senso comum. Diz ele,
O nosso cdigo necessariamente muito sbio e muito previdente:
exige que para ser jurado o cidado brasileiro tenha apenas senso
comum; se exigisse bom senso haveria desordem geral, porque,
segundo tenho ouvido dizer, muitos dos que tm feito e dos que fazem
leis, muitos dos que as deviam mandar e mandam executar, e muitos
dos que tm por dever aplicar as leis, no poderiam ser jurados por
falta de bom senso! (MACEDO, 2008, p. 19-20).
Ironicamente, o trocadilho entre senso comum e bom senso acompanhar todo o
enredo. Atravs dele, poderia o autor demonstrar que nem sempre o que todos acham
a melhor escolha para a moral social. Para Simplcio, o bom senso era raro e no era
condio para que o cidado fosse jurado, nem para que fosse magistrado, deputado,
28
senador, ministro e conselheiro de Estado. (MACEDO, 2008, p. 20). J na hora de
votar, Simplcio conhece o Nunes, homem velho e experiente em jris. Nunes o
convence a votar pela absolvio do acusado. Questionado sobre o voto, Nunes justifica
dizendo:
Porque no menos de dois compadres e de trs amigos meus se
empenharam para que eu o absolvesse.
[...]
O ru foi absolvido pela maioria de dois votos, e por consequncia o
empenho de dois compadres e trs amigos e a minha miopia moral
decidiram de sentena. (MACEDO, 2008, p. 22).
Ainda no jri, Simplcio confessa ao Nunes a sua miopia fsica. Aps a
absolvio do acusado, o Nunes leva Simplcio ao Reis, homem que vendia as lentes na
cidade. Chegando l, o protagonista experimenta as mais fortes lentes e no consegue
suprir sua necessidade. Sem ter mais o que fazer, Reis comenta que certamente o mope
j tinha sido muito utilizado pelo governo, comparando-o com os governadores que
nada viam. No solucionando o problema, restava aos homens recorrerem ao armnio.
O armnio era funcionrio do Reis, pois fazia as mais belas obras de arte com os
vidros. Tambm, era capaz de projetar lentes que o Reis no dispunha. Chegando na
cabana do armnio, Simplcio e Reis solicitam que ele faa uma lente capaz de trazer a
viso ao protagonista. Aps um ritual um tanto malfico e sombrio, armnio entrega a
Simplcio uma luneta mgica capaz de faz-lo ver por trs minutos. Se passasse desses
trs minutos, a luneta mostraria o mal das pessoas e das coisas.
Em linhas gerais, esta obra no tem nada de excepcional do ponto de vista
literrio, todavia, na jornada histrica do autor e sob a tica do impacto social, ela torna-
se, como dissemos anteriormente, o norte da produo macediana. Tania Serra (2004)
aponta que A luneta mgica foi o momento da virada, pois, ao contrrio das outras
obras, nesta, pela primeira vez, Macedo consegue apresentar uma viso do mal
moralizador. Nesta obra, Macedo consegue mostrar-se um autor maduro, capaz de
conduzir uma trama adulta. Tania ainda destaca que na leitura de Temstocles Linhares,
Machado de Assis tinha Macedo como uma de suas leituras preferidas, pois episdios
de A carteira de Meu Tio e Memrias do Sobrinho de meu tio, entre outros, aparecem
na produo machadiana, embora muitos possam achar desprimoroso para Machado tal
influncia. (SERRA, 2004, p.147).
29
A luneta mgica, que nomeia o romance, poderia trazer memria de um bom
leitor, as crticas sociais feitas por Gregrio de Mattos Guerra (boca do inferno) ainda
no perodo colonial. Diferente de boca do inferno Macedo empenha-se em mostrar as
possibilidades de se observar uma sociedade. O signo da luneta, primeiramente do mal,
depois do bem e por fim do bom senso, carregar consigo o ideal moralizante do
romantismo, todavia com a possibilidade de escolha, de problematizao das relaes
sociais.
Por isso, Simplcio s conseguir compreender a sociedade, e se colocar nela
como indivduo, ao utilizar a luneta do bom senso. Acontece que a viso da luneta do
bom senso no poderia ser compartilhada, nem mesmo poder-se-ia saber quem as
possua. S se sabia que o armnio havia produzido outras tantas, as quais Simplcio
torcia que estivessem no poder dos membros do ministrio do governo do Brasil.
Certamente, como aponta Tania Serra (2004), a produo macediana sofreu
influncia dos romances sociais produzidos na Europa, principalmente na Frana.
Macedo utilizar a esttica importada numa tentativa de agradar um novo pblico leitor
no Brasil. Outra influncia para a produo das obras de 1869 a dissoluo da poltica
de conciliao. Afinal, como membro do partido Liberal que saa do poder, o autor
necessitava de uma grande produo para bancar seu alto custo de vida. Sua produo
passou ento a ter caractersticas novas, no Brasil, inspiradas nos ensinamentos de
Victor Hugo e Eugene de Sue:
O determinismo social, a denncia dos sofrimentos dos baixos
extratos da populao e a descrio didtica do vcio, do sexo, da
lama, da perfdia, etc. Todas caractersticas do Naturalismo, ramo do
Realismo que, pelo menos no caso de Zola, segundo pensa Carpeaux,
herdeiro do romantismo de Hugo e do folhetim dramtico de Sue.
(SERRA, 2004, p.154).
Ainda no ano de 1869, Macedo lanar forte crtica igreja catlica na obra O
Rio do quarto. Trata-se de um pequeno romance, em que um padre, pai de uma menina,
muda-se para Itabora a fim de constituir sua vida com a filha, a qual denomina afilhada
para que no houvesse rejeio da sociedade. A histria se passa no final do sculo
XVIII. O padre frequentemente acusado de usura e avareza.
Trata-se de uma histria relativamente curta, no qual o padre v que os anos
esto passando e precisa encontrar um marido para sua filha. Ela, por sua vez, adoece de
30
maneira que nenhum dos mdicos da cidade consegue descobrir do que se trata. Sem
outra sada, o padre busca a curandeira da regio, que consegue tratar a menina e salvar
sua vida. A menina era a vida do padre, e fora-o a trazer a curandeira e seu filho para
morar com eles. Afinal, a curandeira salvara sua vida, e o menino, quase da sua idade,
lhe havia feito companhia e ela no queria mais se distanciar dele. Embora fossem duas
bocas a mais, o padre no consegue dizer no.
O padre Martin se envolve com Joo-Maneta, o usurrio de Itabora, fazendo
um negcio de emprstimo com ganhos exorbitantes. Da pra frente, a histria se torna
cada vez mais tensa, pois a chegada de um sobrinho do padre Martin para casar-se com
sua filha Luizinha, no alcana o resultado esperado. Luizinha gostava mesmo era do
menino Milo.
O que mais impressiona nesta histria o seu final, no por terem ficado juntos,
Milo e Luizinha, mas pelo sangrento final do padre e seu sobrinho que daria o nome ao
romance, O rio do quarto. O sobrinho, sem saber da existncia de um testamento do tio,
decide mat-lo como ltima opo de obter parte da herana. Mal sabia ele que o padre
h muito havia preparado seu testamento. Contudo, o sobrinho alveja o tio, beira do
riacho que cortava a cidade, acertando-lhe o peito. Porm, no esperava que Relmpago,
o co de Luizinha, o atacasse no pescoo de maneira que no conseguisse se libertar e
acabasse preso.
O padre acabou morto, o sobrinho foi preso e acabou condenado morte devido
aos crimes que cometeu. Aps sua morte, como exemplo para a populao, seu corpo
foi esquartejado e espalhado pelos quatro cantos da cidade. beira do rio ficou um
pedao, o quarto do sobrinho, que segundo a histria, nem os urubus quiseram comer.
Como visto, no uma histria de todo sangrenta ou horrenda, todavia em
comparao s demais produes de Macedo at ento, passa a ser extraordinariamente
fora do padro temtico e, em certa medida, esttico em relao a, por exemplo, A
Moreninha. O autor deixa de produzir finais felizes, ele poderia ter deixado o tio viver,
ou apenas ter dado a lio de moral com a priso do primo, mas no. Essa obra projeta
uma tendncia ao uso de exemplos fortes para reflexes sobre a sociedade. Talvez o
exemplo maior das obras de Macedo, nesse sentido, seja visto em As vtimas Algozes.
Nas dcadas que procedem a de 1860, Macedo ir produzir obras cada vez mais
realistas. Com isso, o apresso do pblico diminuir drasticamente. Sero publicadas na
dcada de 1870, Um noivo e duas noivas, Os quatro pontos cardeais, A misteriosa
31
(1872), Cincinato quebra-loua, Noes de corografia do Brasil (1873), Ano Biogrfico
brasileiro, A baronesa de amor (1876), Efemrida histrica do Brasil, Vingana por
vingana (1877), Memrias da Rua do Ouvidor, Mulheres clebres (1878) Antonica da
Silva (1880). Aps essas publicaes, Macedo deixa de escrever devido a uma doena
mental. Morre em 1882, quando muitos dos seus algozes comeam a retomar suas
obras e valor-las como deveriam ter feito anteriormente. (SERRA, 2004).
H portanto, hoje em dia, um certo consenso da crtica em ver que
Joaquim Manuel de Macedo: 1 criou nosso romance urbano; 2
lanou o romance social entre ns; 3 um crtico pertinente, e por
vezes mordaz, da realidade brasileira do II Reinado, sendo, sobretudo,
ferrenho defensor dos direitos da mulher nosso primeiro feminista; 4
foi nacionalista sincero; 5 foi criador da nossa Histria, visto
que Lies de histria do Brasil representou (e at quase a dcada de
1930!) sua verso oficial definitiva; 6 bom humorista; 7 fiel
retratista; 8 perfeitamente adequado a seu momento histrico,
imortalizando-o para a posterioridade pela oralidade que usa em seus
textos; 9 foi realista antes do realismo e pr-naturalista em alguns
romances da segunda fase, chegando, segundo alguns, a influenciar
Machado de Assis. (SERRA, 2004, p.235).
A longa lista de qualidades resultado da fecunda pesquisa de Tania Serra sobre
Joaquim Manuel de Macedo. Embora por muito tempo tivessem sido negadas, estas
qualidades ao autor, com a ajuda de Tania, outros olhares foram dispensados produo
macediana. O resultado desses olhares a recolocao das obras do autor sob o
interrogatrio de novas questes, advindas de novas reas do conhecimento. Sendo
assim, o Macedo professor, historiador, literato permanece ativamente influenciando a
produo do conhecimento histrico.
Captulo 2: Comicidade e poltica em A carteira de meu tio (1855).
A comicidade uma ao humana, e se rimos de algum objeto
inanimado porque encontramos nele alguma semelhana com aes
humanas. Rimos de um animal, mas porque teremos surpreendido
nele uma atitude de homem ou certa expresso humana. (BERGSON,
1980, p.12).
A vida poltica de Macedo no foi conduzida facilmente. Formado em medicina
pela Faculdade do Rio de Janeiro, Macedo nunca exerceu a profisso, preferindo voltar-
se s letras, tendo como primeira obra A Moreninha (1844). Tambm se dedicou ao
ensino de Histria no Colgio D. Pedro II. Depois de duas tentativas em 1849 e 1851,
Macedo obteve xito na carreira poltica no ano de 1854, quando foi eleito para uma
cadeira da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro pelo partido Liberal. (SSSEKIND,
1995).
Macedo diversas vezes lembrado por Wilson Martins na sua principal obra a
Histria da Inteligncia Brasileira (2010). Segundo ele, Macedo figura
imprescindvel para compreenso da formao do Romantismo brasileiro, devido no
somente as duas primeiras obras, A Moreninha (1844) e O Moo Loiro (1845),
referenciadas e canonizadas nas principais histrias da literatura brasileira, mas
tambm por ter acompanhado e registrado em suas obras as transformaes do fazer
literrio, e ainda por cima, representar em seus romances os costumes e o cotidiano de
sua poca. (MARTINS, 2010, p.335 362). Tnia Serra ressalta que outro aspecto
interessante dessa obra [referindo-se A Carteira de meu Tio], espcie de crnica
romanceada, repito, a utilizao constante de longas epgrafes-resumo, ao gosto da
narrativa medieval. (SERRA, 2004, p.78 grifo meu). Nessas epgrafes, o autor destaca
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temas a serem abordados e reflexionados na trama, dando, em certa medida, um carter
didtico s suas obras.
Em A carteira de meu tio e Memrias do Sobrinho de meu tio, Joaquim Manuel
de Macedo cria um narrador, que prefere ser chamado de Sobrinho, pois, como afirma o
narrador, seu nome no valia de nada, o que valia era o parentesco com seu tio. O
Sobrinho conta a histria de sua insero na trajetria poltica durante o Segundo
reinado do Imprio Brasileiro. Na mesma poca da produo e publicao das obras,
Macedo passava pela situao de sua personagem, buscava um lugar na cena poltica do
Brasil. (SERRA, 2004, p.76).
A carteira de meu tio (1855) foi a primeira obra de Macedo voltada stira
poltica efetivamente. No decorrer da obra o autor ir problematizar o favorecimento
prprio dentro da poltica. J nas primeiras palavras a obra foge ao padro. Utilizando
alto teor de ironia e comicidade, o texto do livro comea assim:
Eu...
Bravo! Bem comeado! Com razo se diz que pelo dedo se conhece
o gigante! Principiei tratando logo da minha pessoa; e o mais que
dei no vinte8, porque a regra da poca ensina que cada um trate de si
antes de tudo e de todos. (MACEDO, 2008, p.15).
Nos pargrafos seguintes o autor ir discorrer sobre quem no concorda com
essa sua franqueza inicial ou velhaco ou tolo. Sendo assim, trar ao leitor elementos
de comicidade bem maiores que os caractersticos de suas obras anteriores. Isto nos leva
a crer que a escolha de usar o cmico, a stira e no o drama como estilo para sua obra
tinha como inteno, supomos, no espantar o leitor da reflexo ali proposta.
2.1 A comicidade como estilo
Macedo por muitas vezes foi criticado por utilizar de teor humorstico para tratar
de temas srios. Todavia, nos parece, que o autor pouco se preocupava com essa
acusao. Dizia ele: At hoje s