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brasil.elpais.com http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/29/ciencia/1422546931_773159.html Silvia Díez Por que as mentes mais brilhantes precisam de solidão Segundo o professor Robert Lang, da Universidade de Nevada (Las Vegas), especialista em dinâmicas sociais, muitos de nós acabarão vivendo sozinhos em algum momento, porque a cada dia nos casamos mais tarde, a taxa de divórcio aumenta, e as pessoas vivem mais. A prosperidade também incentiva esse estilo de vida, escolhido na maioria dos casos voluntariamente, pelo luxo que representa. A jornalista Maruja Torres, em sua autobiografia, Mujer en Guerra (da editora Planeta España, não publicada em português), já se vangloriava do prazer que lhe dava cair na cama e dormir sozinha, com pernas e braços em X. A isso se soma a comodidade de dispor do sofá, poder trocar de canal sem ter que negociar, improvisar planos sem avisar nem dar explicações, andar pela casa de qualquer jeito, comer a qualquer hora… Como se fosse pouco, o sociólogo Eric Klinenberg, da Universidade de Nova York, autor do estudo GOING SOLO: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone (ficando só: o extraordinário aumento e surpreendente apelo de viver sozinho, em tradução livre), está convencido de que viver só significa, também, desfrutar de relações com mais qualidade, já que a maioria dos solteiros vê claramente que a solidão é muito melhor que se sentir mal-acompanhado. Há até estudos que asseguram que a solidão facilita o desenvolvimento da empatia. Outra socióloga, Erin Cornwell, da Universidade Cornell, em Ítaca (Nova York), concluiu, depois de diversas análises, que pessoas com mais de 35 anos que moram sozinhas têm maior probabilidade de sair com amigos que as que vivem como casais. O mesmo acontece com as pessoas adultas que, embora vivendo sozinhas, têm uma rede social de amizades tão grande ou maior que a das pessoas da mesma idade que vivem acompanhadas. É a conclusão do estudo feito pelo sociólogo Benjamin Cornwell publicado na American Sociological Review. A base da criatividade e da inovação As pessoas são seres sociais, mas depois de passar o dia rodeadas de gente, de reunião em reunião, atentas às redes sociais e ao celular, hiperativas e hiperconectadas, a solidão oferece um espaço de repouso capaz de curar. Uma das conclusões mais surpreendentes é que a solidão é fundamental para a criatividade, a inovação e a boa liderança. Estudo realizado em 1994 por Mihaly Csikszentmihalyi (o grande psicólogo da felicidade) comprovou que os adolescentes que não aguentam a solidão são incapazes de desenvolver seu talento criativo. Susan Cain, autora do livro Quiet: The Power of Introverts in a World That Can’t Stop Talking (silêncio: o poder dos introvertidos num mundo que não consegue parar de falar), cuja conferência na plataforma de ideias TED Talks é uma das favoritas de Bill Gates, defende ao extremo a riqueza criativa que surge da solidão e pede, pelo bem de todos, que se pratique a introversão. “Sempre me disseram que eu deveria ser mais aberta, embora eu sentisse que ser introvertida não era algo ruim. Durante anos fui a bares lotados, muitos introvertidos fazem isso, o que representa uma perda de criatividade e de liderança que nossa sociedade não pode se permitir. Temos a crença de que toda criatividade e produtividade vem de um lugar particularmente sociável. Só que a solidão é o ingrediente essencial da criatividade. Darwin fazia longas caminhadas pelo bosque e recusava enfaticamente convites para festas. Steve Wozniak inventou o primeiro computador Apple sentado sozinho em um cubículo na Hewlett Packard, onde então trabalhava. Solidão é importante. Para algumas pessoas, inclusive, é o ar que respiram.” Cain lembra que quando estão rodeadas de gente, as pessoas se limitam a seguir as crenças dos outros, para não romper a dinâmica do grupo. A solidão, por sua vez, significa se abrir ao pensamento próprio e original. Reclama que as sociedades ocidentais privilegiam a pessoa ativa à contemplativa. E pede: “Parem a loucura do trabalho constante em equipe. Vão ao deserto para ter suas próprias revelações”. A conquista da liberdade “Só quando estou sozinha me sinto totalmente livre. Reencontro-me comigo mesma e isso é agradável e

Por Que as Mentes Mais Brilhantes Precisam de Solidão

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brasil.elpais.com http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/29/ciencia/1422546931_773159.html

Silvia Díez

Por que as mentes mais brilhantes precisam de solidão

Segundo o professor Robert Lang, da Universidade de Nevada (Las Vegas), especialista em dinâmicas sociais,muitos de nós acabarão vivendo sozinhos em algum momento, porque a cada dia nos casamos mais tarde, ataxa de divórcio aumenta, e as pessoas vivem mais. A prosperidade também incentiva esse estilo de vida,escolhido na maioria dos casos voluntariamente, pelo luxo que representa. A jornalista Maruja Torres, em suaautobiografia, Mujer en Guerra (da editora Planeta España, não publicada em português), já se vangloriava doprazer que lhe dava cair na cama e dormir sozinha, com pernas e braços em X. A isso se soma a comodidade dedispor do sofá, poder trocar de canal sem ter que negociar, improvisar planos sem avisar nem dar explicações,andar pela casa de qualquer jeito, comer a qualquer hora…

Como se fosse pouco, o sociólogo Eric Klinenberg, da Universidade de Nova York, autor do estudo GOINGSOLO: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone (ficando só: o extraordinário aumento esurpreendente apelo de viver sozinho, em tradução livre), está convencido de que viver só significa, também,desfrutar de relações com mais qualidade, já que a maioria dos solteiros vê claramente que a solidão é muitomelhor que se sentir mal-acompanhado. Há até estudos que asseguram que a solidão facilita o desenvolvimentoda empatia. Outra socióloga, Erin Cornwell, da Universidade Cornell, em Ítaca (Nova York), concluiu, depois dediversas análises, que pessoas com mais de 35 anos que moram sozinhas têm maior probabilidade de sair comamigos que as que vivem como casais. O mesmo acontece com as pessoas adultas que, embora vivendosozinhas, têm uma rede social de amizades tão grande ou maior que a das pessoas da mesma idade que vivemacompanhadas. É a conclusão do estudo feito pelo sociólogo Benjamin Cornwell publicado na AmericanSociological Review.

A base da criatividade e da inovação

As pessoas são seres sociais, mas depois de passar o dia rodeadas de gente, de reunião em reunião, atentas àsredes sociais e ao celular, hiperativas e hiperconectadas, a solidão oferece um espaço de repouso capaz decurar. Uma das conclusões mais surpreendentes é que a solidão é fundamental para a criatividade, a inovação ea boa liderança. Estudo realizado em 1994 por Mihaly Csikszentmihalyi (o grande psicólogo da felicidade)comprovou que os adolescentes que não aguentam a solidão são incapazes de desenvolver seu talento criativo.

Susan Cain, autora do livro Quiet: The Power of Introverts in a World That Can’t Stop Talking (silêncio: o poderdos introvertidos num mundo que não consegue parar de falar), cuja conferência na plataforma de ideias TEDTalks é uma das favoritas de Bill Gates, defende ao extremo a riqueza criativa que surge da solidão e pede, pelobem de todos, que se pratique a introversão. “Sempre me disseram que eu deveria ser mais aberta, embora eusentisse que ser introvertida não era algo ruim. Durante anos fui a bares lotados, muitos introvertidos fazem isso,o que representa uma perda de criatividade e de liderança que nossa sociedade não pode se permitir. Temos acrença de que toda criatividade e produtividade vem de um lugar particularmente sociável. Só que a solidão é oingrediente essencial da criatividade. Darwin fazia longas caminhadas pelo bosque e recusava enfaticamenteconvites para festas. Steve Wozniak inventou o primeiro computador Apple sentado sozinho em um cubículo naHewlett Packard, onde então trabalhava. Solidão é importante. Para algumas pessoas, inclusive, é o ar querespiram.”

Cain lembra que quando estão rodeadas de gente, as pessoas se limitam a seguir as crenças dos outros, paranão romper a dinâmica do grupo. A solidão, por sua vez, significa se abrir ao pensamento próprio e original.Reclama que as sociedades ocidentais privilegiam a pessoa ativa à contemplativa. E pede: “Parem a loucura dotrabalho constante em equipe. Vão ao deserto para ter suas próprias revelações”.

A conquista da liberdade

“Só quando estou sozinha me sinto totalmente livre. Reencontro-me comigo mesma e isso é agradável e

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reparador. É certo que, por inércia, quanto menos só se está, mais difícil é ficá-lo. Mesmo assim, em umasociedade que obriga a ser enormemente dependente do que é externo, os espaços de solidão representam aúnica possibilidade se fazer contato novamente consigo. É um movimento de contração necessário pararecuperar o equilíbrio”, diz Mireia Darder, autora do livro Nascidas para o Prazer (Ed. Rigden, não publicado emportuguês).

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Também o grande filósofo do momento, Byung-Chul Han, autor de A Sociedade do Cansaço (Ed. RelogioD’Agua, de Portugal), defende a necessidade de recuperar nossa capacidade contemplativa para compensarnossa hiperatividade destrutiva. Segundo esse autor, somente tolerando o tédio e o vácuo seremos capazes dedesenvolver algo novo e de nos desintoxicarmos de um mundo cheio de estímulos e de sobrecarga informativa.Byung-Chul Han preza as palavras de Catão: “Esquecemos que ninguém está mais ativo do que quando não faznada, nunca está menos sozinho do que quando está consigo mesmo”.

Autoconsciência e análise interior

“Para mim a solidão representa a oportunidade de revisar nosso gerenciamento, de projetar o futuro e avaliar aqualidade dos vínculos que construímos. É um espaço para executar uma auditoria existencial e perguntar o queé essencial para nós, além das exigências do ambiente social”, diz o filósofo Francesc Torralba, autor de A Artede Ficar Só (Ed. Milenio) e diretor da cátedra Ethos da Universidade Ramon Llull. Na solidão deixamos esseespaço em branco para ouvir sem interferências o que sentimos e precisamos. “A solidão nos dá medo porquecom ela caem todas as máscaras. Vivemos sempre mantendo as aparências, em busca de reconhecimento, masraramente tiramos tempo para olhar para dentro”, diz Torralba.

As 5 chaves para desfrutar da solidão

1. Você é sua melhor companhia. A premissa básica é mudar a crença de que quem está acompanhado estámelhor.

2. Uma oportunidade para nos conhecermos melhor e descobrir nosso rico mundo interior.

3. Em vez de se torturar, é preciso aproveitar a solidão para ler, pintar ou praticar esporte.

4. Escrever um diário. Ajuda a expressar sentimentos e a contemplar-se com mais conhecimento e carinho.

5. Como indica o psicólogo Javier Urra, com a solidão recuperamos “o gosto pelo silêncio e pelo domínio dotempo”.

Na verdade, a solidão desperta o medo porque costuma ser associada ao vazio e à tristeza, especialmentequando é postergada longamente por uma atividade frenética e anestesiante. Para Mireia Darder, é bomenfrentar esse momento tendo em mente que a tristeza resulta simplesmente do fato de se soltar depois de tantatensão e de ter feito um esforço enorme para aparentar força e suportar a pressão frente aos que nos cercam.“Não se pode esquecer que para ser realmente independente é preciso aprender a passar pela solidão. O amornão é o contrário da solidão, e sim a solidão compartilhada”, diz Darder.

Em nossa sociedade, a inatividade —que surge com frequência da solidão— é temida e desperta a culpa.Fomos preparados para a ação e para fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas é quando estamos sozinhosque podemos refletir sobre o que fazemos e como o fazemos. O escritor Irvin Yalom, titular de Psiquiatria naUniversidade de Stanford, confessava que desde que tinha consciência se sentia “assustado pelos espaçosvazios” de seu eu interior. “E minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de outras pessoas.De fato detesto os que me privam da solidão e além disso não me fazem companhia.” Algo que, segundoFrancesc Torralba, é muito frequente: “Embora estejamos cercados de gente e de formas de comunicação, háum alto grau de isolamento. Não existe sensação pior de solidão que aquela que se experimenta ao estar emcasal ou com gente”.

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