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31 RIDEP · Vol. 19 · Nº1 · 2005 As explicações dos maus-tratos em adolescentes portugueses. Possíveis vantagens de um instrumento narrativo para a compreensão do fenómeno Portuguese adolescents explanations on abusive behaviors: Advantages of a narrative technique to understand them ANA ALMEIDA 1 , com a colaboração de CAROLINA LISBOA 2 & MARIA JESUS CAURCEL 3 ABSTRACT The present study explores fifteen year-old adolescents’ narratives and analy- zes the causal explanations which underlie their mental representations on peer victimization. In this study, we use a scripted-cartoon narrative which encom- passes a semi-structured interview (see Almeida et al., 2001). The set of carto- ons presents a prototypical story of school bullying aiming at eliciting an ade- quate scenario for the production of personal narratives. It is the narrative pro- cess that stimulates the interpretation and inference, emotional attributions and sociomoral reasoning allowing richer explanations for peer victimization. All these aspects were codified through a content analysis of individual interviews, based on a coding system previously elaborated following Robert Hinde’s rela- tional perspective (1987). Data is discussed taking into consideration the speci- fic goals of this study and, evidencing the need for research that will shed light on what adolescents say, think and how they reason and understand peer victi- mization in order to help designing future interventions. 1. Universidade do Minho 2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul 3. Universidade de Granada

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As explicações dos maus-tratos em adolescentes portugueses. Possíveis vantagens de um instrumentonarrativo para a compreensão do fenómeno

Portuguese adolescents explanations on abusive behaviors: Advantages of a narrative technique to understand them

ANA ALMEIDA1, com a colaboração de CAROLINA LISBOA2 & MARIA JESUS CAURCEL3

ABSTRACT

The present study explores fifteen year-old adolescents’ narratives and analy-zes the causal explanations which underlie their mental representations on peervictimization. In this study, we use a scripted-cartoon narrative which encom-passes a semi-structured interview (see Almeida et al., 2001). The set of carto-ons presents a prototypical story of school bullying aiming at eliciting an ade-quate scenario for the production of personal narratives. It is the narrative pro-cess that stimulates the interpretation and inference, emotional attributions andsociomoral reasoning allowing richer explanations for peer victimization. Allthese aspects were codified through a content analysis of individual interviews,based on a coding system previously elaborated following Robert Hinde’s rela-tional perspective (1987). Data is discussed taking into consideration the speci-fic goals of this study and, evidencing the need for research that will shed lighton what adolescents say, think and how they reason and understand peer victi-mization in order to help designing future interventions.

1. Universidade do Minho2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul3. Universidade de Granada

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RESUMO

No presente estudo exploram-se as histórias elaboradas por adolescentes de15 anos e analisam-se as explicações causais que pontuam as suas representa-ções sobre as relações de mau trato entre pares. No estudo utilizamos uma narra-tiva gráfica apresentada em cartões que é acompanhada de uma entrevista semi-estruturada (veja-se Almeida et al., 2001). No seu conjunto, os cartões, à semel-hança de uma banda desenhada, apresentam uma história típica de mau tratoentre pares, em contexto escolar, com a qual se pretende criar e evocar o cená-rio para a produção de narrativas pessoais. É este processo narrativo que dá azoà interpretação e inferência, às atribuições emocionais e aos juízos sócio-moraispresentes nas explicações de mau trato. Estes aspectos foram codificados a par-tir da análise de conteúdo das entrevistas individuais, tendo-se para o efeito ela-borado um sistema de categorias com base na perspectiva relacional de RobertHinde (1987). Os resultados serão discutidos à luz dos objectivos do estudo,procurando evidenciar a importância de ter presente o que os adolescentesdizem, pensam e compreendem acerca do mau trato entre pares ao delinear futu-ras intervenções.

Palavras-chave:

Mau trato entre pares, Pensamento narrativo, Explicações causais,Adolescentes.

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INTRODUÇÃO

Os estudos acerca da vitimizaçãotradicionalmente privilegiaram arecolha de dados a partir de questio-nários, em que era fornecida umadefinição do mau trato. Este formatometodológico, inequivocamente, degrande utilidade para os estudos epi-demiológicos, não permite conheceras concepções e percepções dos acto-res sociais que protagonizam ou pre-senciam directamente o fenómeno.Tal pode redundar numa lacuna graveno plano da investigação e na defini-ção de estratégias de intervenção paraminimizar os efeitos negativos da viti-mização a nível individual e social.Ainda que os estudos epidemiológi-cos (Olweus, 1993; Rigby, 1999;veja-se ainda a este propósito, Smithet al, 1999) tenham, de forma extensi-va, documentado que a prevalência ea duração dos maus tratos na idadeescolar e adolescência estão associa-dos a factores de risco (p. ex. baixa derendimento académico, absentismo,abandono escolar, depressão, tentati-vas de suicídio) capazes de afectar aadaptação psicossocial dos indiví-duos, e, em particular, das vítimas,estes dados vieram, por sua vez, sus-citar novas interrogações acerca dofenómeno.

A par das perspectivas teóricas emetodológicas centradas na caracteri-zação das manifestações comporta-mentais e sintomatológicas que pro-curam sobretudo estabelecer as rela-

ções entre causas e efeitos, identifi-cam-se outras linhas de investigaçãoque visam aprofundar outros aspectosdo fenómeno. Especificamente, refe-riremos, em seguida, estudos em quese pretende aprofundar as concepçõese as apreciações de crianças e adoles-centes sobre a natureza dos maus tra-tos e as suas causas. Estes estudos quepodemos situar na tradição da cogni-ção social (Astington & Olson, 1995;Flavell & Miller, 1998; Lewis &Carpendale, 2002; Shantz, 1983 )ocupam-se do conhecimento e dopensamento, pressupondo que a acti-vidade cognitiva nos fornece chavespara a compreensão e explicaçõesinterpretativas do mundo social.Mormente, os indivíduos constroemactivamente os significados para asrelações de mau trato na hora de inter-pretar interacções inter-individuais einferir estados emocionais e pensa-mentos de agressores, vítimas eespectadores.

A construção de significado ou atri-buição de sentido constituem facetasdo funcionamento mental intimamenterelacionadas com a intencionalidade eagência humanas. Interpretar ou com-preender são inexoravelmente proces-sos que encarnam a descoberta demotivos, crenças, expectativas, senti-mentos e que são, supostamente, osalicerces da acção. De um certo modo,podemos considerar que a mente seencarrega de aplicar regras que lhepermitem a descoberta do sentido e dafinalidade da actividade humana.

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Há, contudo, uma questão que gos-taríamos de ressalvar e que se prendecom o substrato comunicacional. Alinguagem e o discurso são activida-des enraizadas e originadas no con-texto social e cultural; aliás, só assimfuncionam como elementos constitu-tivos da realidade social. No processode aquisição da língua, as criançasnão aprendem apenas a dominar asregras da sintaxe mas, concomitante-mente, a usar um léxico semânticoque lhes permite atribuir e partilharsignificados. Pensamento e discursosão simultaneamente actividadesreguladas pela biologia e práticasmediadas pela cultura, podendo aquiinvocar-se as teses piagetianas evygotskianas (Valsiner, 1998).

Fazendo a ligação às explicaçõesdos maus tratos dadas por crianças eadolescentes, estes processos cogniti-vos e comunicacionais são perceptí-veis quer através da aplicação dasregras de causalidade – que represen-tam os aspectos canónicos do pensa-mento –, quer ainda nos conteúdostemáticos que denunciam a presençade referentes ricos e variados assimi-láveis no curso da mediação cultural.A ilustração de um exemplo tornarámais fácil precisar aquilo que referi-mos: as crianças pequenas de noveanos atribuem frequentemente osmaus tratos à expressão de sentimen-tos negativos que qualificam atributospessoais de sinal idêntico.Independentemente da natureza tauto-lógica das explicações dos mais novos

– não se dão e não gostam dele/a – amanifestação de antipatia pode gerarmaus tratos porque “o/as menino/asnão são bons e amigos”. Pelo contrá-rio, os adolescentes de onze e, maiori-tariamente, os de treze anos referemhabitualmente processos de compara-ção social onde, apesar de tudo, não seexcluem as características pessoaisdos que maltratam: “fazem-no para sedivertir e porque isso os faz sentir osmaiores”. Nas explicações do grupodos mais velhos, a diferenciação entreos atributos e as motivações pessoaispode ser subtil, mas é subordinada auma estrutura que transcende o indivi-dual. A referência aos “maiores”evoca elementos simbólicos intrínse-cos às redes hierárquicas e às relaçõesde domínio-submissão que se podemobservar nos grupos de pares. Aindaoutra explicação que emerge na ado-lescência, e que nos sugere evidente-mente a influência de mediadores cul-turais, é o aparecimento das teoriasimplícitas a partir das quais os adoles-centes explicam os maus tratos comosendo a manifestação de culturasjuvenis associadas a comportamentostribais que se geram pelo confrontocom a diferença – física, de estatutosocial, académico ou outra – e a inte-gração ou tentativa de integração porparte de novos elementos. Nestasexplicações, que se aproximam bas-tante das conceptualizações psicológi-cas e sociológicas, os adolescentesentendem os maus tratos como pro-cessos críticos mas passageiros inter-

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ligados aos percursos identitários – “énormal na adolescência: excluir o quenós não compreendemos bem ou oque achamos que é diferente. Não seise por medo, se por outra razão qual-quer...” ou “são coisas de adolescen-tes: é uma reacção normal das pesso-as da nossa idade”. No exemplo, éassinalável que as características ouatributos pessoais são interpretáveiscomo a marca de referência de umgrupo, os adolescentes, que age sobmotivações múltiplas e se posicionaface a outros sub-grupos, definindo oslimites entre o endo e o exo-grupo.

Uma segunda questão que quere-mos também salientar consiste naimportância de olhar as explicaçõesdos maus tratos numa perspectiva(onto)genética. Nos exemplos referi-dos, estão patentes aspectos desenvol-vimentais. Uma característica destes éque o seu desenvolvimento se associaao aumento de idade, mas aqui a idadenão funciona apenas como um indica-dor de crescimento ou maturação cog-nitiva. A representação dos maus tra-tos e, consequentemente, as explica-ções dadas, revelam aspectos expe-rienciais. É relativamente a esteassunto que gostaríamos de destacaroutras duas questões: a experiênciacomo produtora de conhecimento ecomo resultado de práticas culturais.Este aspecto foi amplamente cobertopor Piaget, em diferentes obras (1950,1962, 1967), considerando que quer aexperiência, quer a interacção socialsão factores de desenvolvimento.

Mas, na opinião de alguns dos seuscríticos, Piaget parece referir-se ouenfatizar, sobretudo, a experiênciacomo produtora de conhecimento.Talvez os postulados construtivistaslhe merecessem mais atenção a pontode, na sua epistemologia genética,eleger o conhecimento como o objec-to de estudo. Um conhecido contra-ponto às teses de Piaget é hoje identi-ficado com o pensamento de JeromeBruner (1986, 1990) que, sem ques-tionar a utilidade de modelos lógico-científicos na construção do conheci-mento paradigmático, faz questão derecordar a co-existência de duas epis-temologias, sendo a essência dasegunda o seu alcance interpretativoparticularmente necessária ao conhe-cimento narrativo, cuja principal fina-lidade é a construção de significadosculturalmente partilhados. Contar oufazer o relato de qualquer actividadehumana não compreende apenas acrónica de eventos. A crónica ou asequencialização de episódios(‘event-script’) não é o que caracteri-za a narrativa. Na opinião de Feldmanet al. (1993) a narrativa enriquece-sepela qualidade das imagens ou dasmetáforas que se produzem, e que,permitem associar o abstracto a umaimensa diversidade de situações con-cretas; ou até evocar, a partir damesma história, explicações que sóaparentemente são contraditórias. Porexemplo, Smorti e Ciucci (2000) veri-ficaram que agressores e vítimasdivergem no modo como interpretam

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a realidade social. Numa amostra deagressores e vítimas, ambas as crian-ças partilham uma dada situaçãoainda que assumindo papéis sociaisdiferentes e, relativamente à qual des-envolvem meios e definem fins dife-rentes, levando os autores a concluirque, estas experiências fazem comque agressores e vítimas interpretemos acontecimentos de forma distinta.Como salientam, o conhecimento quepossuem daquilo que habitualmentelhes acontece afecta a interpretaçãodos acontecimentos, e pode mesmodizer-se “que agressores e vítimasreconstroem e interpretam os aconte-cimentos sociais de modo diferente”(op. cit: 34). Estas diferentes imagensnão correspondem a visões distorci-das ou erróneas, nem mesmo, a inter-pretações certas ou erradas, mas leva-rão a que produzam narrativas dife-rentes de acordo com a sua experiên-cia. Retomando o que referimos atrása propósito das potencialidades dopensamento narrativo, pode afirmar-se que a narrativa possibilita muitomais do que o relato dos eventos.Construir uma história é uma formade dar continuamente ordem e signifi-cado a esses mesmos acontecimentose, em particular, interpretar o quepossa ser contraditório ou incon-gruente. É precisamente neste sentidoque o pensamento narrativo não pres-cinde da experiência.

No estudo que realizámos, parti-mos da evidência empírica, documen-tada em estudos anteriores (Smith et

al., 1999; 2003), de que o fenómenoatinge dimensão internacional, e queas situações de maus tratos entre paressão conhecidas dos alunos e que inde-pendentemente da variedade de mani-festações ou tipos de mau trato quepossam predominar em diferentes cul-turas, escolas, idades ou género, háaspectos comuns que prevalecem emcada uma delas. Poder-se-á concordarque os maus tratos se distinguem deoutras formas de agressão pelo seucarácter repetitivo ou sistemático,pela intencionalidade de causar malou prejudicar alguém que é habitual-mente mais fraco ou está numa posi-ção fragilizada e que dificilmente sepode defender. É normalmente a reco-rrência, a intencionalidade e a assime-tria que caracterizam as situações deagressão como abuso de poder, maspode ainda acrescentar-se a estes cri-térios um outro dado relativo à nature-za inusitada deste abuso que se saldapor comportamentos ou atitudes quenão são necessariamente provocadospelas suas vítimas. Contrariamenteaos conflitos ou às provocações, osmaus tratos que envolvem abuso depoder não são provocados. Não sepode falar de agressões reactivas(Dodge, 1991; Crick & Dodge, 2000).

Partindo do facto de que as situaçõ-es de maus tratos entre pares são con-hecidas e que, não obstante possamdistinguir-se vários graus de proximi-dade, tipo de envolvimento ou partici-pação, mais directa ou indirecta, de ummodo geral, as crianças tiveram con-

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tacto, por experiência própria ou atra-vés da observação vicária, com situa-ções de mau trato. Independentementedo papel de participante assumidocomo actor ou espectador, entende-mos, neste estudo, em primeira instân-cia, analisar as explicações dadas poradolescentes de 15 anos para as situa-ções de maus tratos. Trata-se de umestudo descritivo, numa fase explora-tória, cujo principal objectivo é dar aconhecer os factores explicativos e oselementos que são referidos e pontuamas explicações apresentadas pelos ado-lescentes entrevistados. Podemosainda acrescentar que um segundoobjectivo deste estudo é contribuir parao estudo das representações sociais dosmaus tratos de crianças e jovens, quedesenvolvemos em colaboração com aequipa de Cristina del Barrio, coorde-nadora do projecto na UniversidadeAutónoma de Madrid. No âmbito desteestudo mais alargado, pretendemosconhecer as percepções e as cogniçõesque é possível identificar em diferentesidades, na perspectiva de que estaspossam ajudar a delinear intervençõesfocalizadas e/ou preventivas.

MÉTODO

Participantes

Participaram neste estudo 47 ado-lescentes portugueses (22 rapazes e25 raparigas) com idades compreendi-das entre os 14 e 15 anos (idade média= 14,9). Todos os participantes esta-

vam matriculados em escolas públicase particulares da cidade de Lisboa,frequentando o 9º ou 10º ano de esco-laridade, respectivamente. Estesjovens eram originários de estruturasfamiliares de nível médio e médio-alto, foram escolhidos de forma alea-tória e sua participação no estudo foisolicitada mediante consentimentoescrito.

Instrumentos e Procedimentos

Os participantes responderam aoSCAN-Bullying, acrónimo deScripted-Cartoon Narrative of PeerBullying (Almeida et al., 2001), ins-trumento que consiste numa narrativagráfica composta por quinze cartões,que representa uma história de vitimi-zação no grupo de pares num cenárioescolar. Cada cartão alude a episódiosde maus tratos diferentes (físicos, ver-bais, exclusão social, pressão pelospares, chantagem, etc.) perpetradospor um ou vários alunos. A primeirasérie de dez cartões é apresentadanuma sequência fixa e num movimen-to contínuo de modo a retratar a varie-dade de maus tratos e o seu carácterrecorrente, por forma a tornar maisevidente que não se trata de agressõesocasionais. A segunda série compre-ende cinco cartões que representamcinco possíveis finais diferentes paraa narrativa.

No contexto de uma entrevista clí-nica semi-estruturada, apresentaram-se os dez primeiros cartões que ilus-

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tram e compõem uma história de mautrato. O guião da entrevista inclui umconjunto alargado de questões quepermitem indagar temas e questõesrelacionadas com os maus tratos. Foipedido, num primeiro momento, queos participantes contassem o que sepassava nas imagens, à laia de estímu-lo para que produzissem uma narrativaa partir da história desenhada. Apósterem produzido uma narrativa, colo-caram-se perguntas com o objectivode estimular os participantes a inferi-rem as possíveis causas dos maus tra-tos entre pares. Independentemente deas narrativas pessoais poderem já con-ter elementos explicativos e fazeremreferência a diferentes atribuições detipo causal, o guião da entrevista con-tém duas questões relativas às causasque constituem um estímulo objectivopara analisar as possíveis explicaçõespara os maus tratos na perspectiva dosparticipantes.

a) Por que é que estas coisas acon-tecem entre alunos na escola?

b) Pode ter acontecido algo ante-riormente que possa ter causadoou ter levado a esta situação?

Embora a formulação frásica e ostermos possam ser ajustados à idade ecompreensão da criança, basicamenteas perguntas mantêm-se inalteráveis.A primeira pergunta destina-se, emabstracto, a indagar os possíveis fac-tores desencadeadores; a segunda pre-tende identificar se os participantessugerem a existência de antecedentescuja ocorrência possa ter dado origem

ao processo de mau trato que se espe-cifica, em concreto.

Todas as entrevistas foram realiza-das individualmente nas escolas e emlocal com adequada privacidade. Asentrevistas foram gravadas com auto-rização dos entrevistados e, posterior-mente, transcritas para análise.

Procedimentos para Análise dos Dados

As respostas dos participantesforam inicialmente sujeitas a umaanálise qualitativa com o objectivode identificar o espectro e variedadede temas referenciados nas explica-ções dos maus tratos neste grupo etá-rio. Estes temas foram posteriormen-te categorizados com base no siste-ma de categorias previamente elabo-rado (Barrio, Almeida, van derMeulen, Barrios & Gutierrez, 2003).A elaboração deste sistema tevesimultaneamente em conta contribu-tos teóricos e um trabalho de inter-pretação hermenêutica do conteúdodas respostas.

Entre os referenciais teóricos queconsiderámos de maior utilidadepara a construção do nosso sistemade análise destaca-se a perspectivade Hinde (1987), à semelhança daqual propomos que se reconheça umnúmero de níveis distintos de com-plexidade que integram o indivi-dual, o relacional diádico, as relaçõ-es grupais e a estrutura sócio-cultu-rall. Cada um destes níveis tem pro-

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priedades que os distinguem e quenão são relevantes nos níveis subse-quentes. Mas, ainda que seja deve-ras importante entender que se tratade níveis de complexidade distin-tos, é fundamental perceber que osdiferentes níveis mantêm relaçõesrecíprocas.

Assim, na categorização de com-portamentos – expressos ou sinaliza-dos através de referências a atitudes,intenções, expectativas, desejos,emoções – tem-se em conta que pro-priedades se encontram subentendi-das e a que níveis se situam. Porexemplo, quando nas explicações sefala em grupos sociais que se distin-guem pela forma de vestir e modos deagir, e que rejeitam outros que pos-sam ser diferentes (porque se épequeno, alto, magro ou gordo, etc.),invocam-se elementos que respeitamà estrutura organizada de determina-dos grupos sociais. Por sua vez, aexplicação pode ser mais ou menosextensiva e compreensiva consoanteos elementos que nela descrevem oconteúdo, a qualidade e a estrutura-ção dos seus constituintes (ver Hinde,op. cit: 21-39).

No exemplo citado, encontram-seelementos que descrevem e expli-cam os maus tratos com base na per-cepção negativa da diferença e emcomportamentos de afinidade grupal

que radicam em semelhanças deordem física, comportamental e ati-tudinal. Além disso, é possível aindaconsiderar-se que a explicação refe-re implicitamente a existência deuma rede social em que se incluemos vários grupos.

De acordo com o procedimentoutilizado, propomos que se comecepor identificar o nível de complexi-dade social para que remete a expli-cação das causas dos maus tratos,prosseguindo a análise para aspectosinterpretativos, desvendando ostemas presentes nas respostas indivi-duais. Enquanto os níveis de com-plexidade social contemplam osdiferentes alvos (‘targets’) de atri-buição, os aspectos de conteúdo ouelementos temáticos tornam-se fun-damentais para a descrição e expli-cação dos maus tratos, sendo atravésdeles que captamos – e confirmamos– aspectos e propriedades que distin-guem os comportamentos, as inter-acções e as relações nos diferentesníveis de complexidade social. Noquadro 1, apresentamos de formaabreviada o sistema de categorias,que se encontra descrito mais por-menorizadamente no manual decodificação elaborado no âmbito doprojecto de estudo das representaçõ-es sociais dos maus tratos (Almeidaet al., 2001).

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Quadro 1- Tabela de categorias e exemplos de reposta

Nível/ Categorias Nível/ Categorias

Nível Individual/Características do agressor� Físicas � Psicológicas� Comportamentais � Sociais

"que não ligam a mais ninguém e só se importam com eles próprios. Egoístasem todos os sentidos." "há uns alunos, umas pessoas que se pensam sempre superiores às outras. E...e trans-formam essa superioridade a gozar com as outras pessoas".

Nível Individual/Características da vítima� Físicas� Psicológicas� Comportamentais� Sociais

"Deixa-se levar por tudo, tiram-lhe tudo, estragam-lhe tudo... e acaba por nãoter amigos.""Talvez devido à maneira de ser do miúdo. Assim introvertido,não se deve dar com ninguém."

Nível Relacional/Diádico� Antipatia� Isolament� social activo� EstereótiposComparação social� inferioridade vs. Superioridadeo� Inveja

"Ninguém gosta dela... Não tem amigos." "É maltratada, não gostam que ela se meta entre os amigos. Depois, tiram-lhe ascoisas...fazem tudo para a chatear! Prejudicam-na na escola...como é que eu hei-de explicar?! Não digo que lhe batam mas gostam de a massacrar um bocadinho""e por ter um ar assim mais... prontos... 'beto' ou coisa assim, não é convida-do para os jogos" "E, devido a isso, há uma espécie de racismo, um precon-ceito contra ele e ele é excluído e vítima dos maus tratos dos colegas""… por se sentirem superiores...ou tipo olham para ela tipo como um ser infe-rior ou uma pessoa assim mais reles." Há aquelas coisas: eu sou melhor do quetu, e tu não és nada"

Nível Grupal� Hedonismo colectivo� Domínio/submissão� Conformidade à pressão dos

pares� Impermeabilidade� Diversidade e heterogeneidade� Coalizões

"Pura diversão. Tentam sempre arranjar alguém para se divertirem""para se evidenciarem no meio de tanta gente estas pessoas têm que se evi-denciar de qualquer forma, então se calhar esta é a única forma que eles arran-jam de serem notados pelos outros.""Ela não aceitou o que os outro lhe quiseram oferecer, tipo, não aceitou asregras deles para entrar no grupo deles e então foi rejeitada.Estão a fazer pressão ou assim sobre ela para que ela faça o mesmo que eles.""É um grupo muito fechado onde só certas pessoas entram. Acham-se as maioreslá da turma e excluem aqueles que não têm os mesmos gostos...os mesmos inte-resses. Pelo menos eu noto isso...há aqueles que fumam e não fumam, há aquelesque bebem e não bebem e esses tendem sempre a ser excluídos pelos outros.""Porque os grupos são assim, muitas vezes só ligam ao exterior e que não… prin-cipalmente nas nossas idades..erm..ligamos muito ao modelo que está definido…"

Nível Sócio-cultural� Estilos parentais/ práticas edu-

cativas� Valores, crenças, representaçõ-

es sociais

"É a educação que dão em casa. Quer dizer, ah… o ambiente que eles criamuns entre os outros fica de tal maneira frio.""Adolescentes... é uma idade... Não digo que não é gira, mas fazem coisas pra-ticamente sem pensar. Mesmo que sejam para se divertir, ou assim. É a ado-lescência. Os adultos não fazem isso, acho eu. Pelo menos não há tanto disto,como na adolescência, na nossa idade, mais ou menos. Acho que é mais oumenos essa a razão porque eles fazem isso."

Antecedentes� Não refere� Refere acção hipotética da vítima

"Poderia ter se queixado de várias coisas que lhe fizeram ao director."

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A fim de categorizar o nível decomplexidade social da explicaçãodos adolescentes, as respostas foramclassificadas nas seguintes categorias:a) nível de atribuição individual, b)nível de atribuição relacional/diádi-ca, c) nível de atribuição grupal e d)nível de atribuição ´socio-cultural..

Categorizou-se em nível indivi-dual, as respostas que se referiramàs características ou atributos indi-viduais, tanto de agressores comode vítimas. As respostas atribuídasa este nível pressupõem que o alvoda atribuição reside no indivíduo,nas suas características e comporta-mentos. No nível relacional/diádi-co, foram incluídas todas as respos-tas referentes às interacções que seproduzem no seio de uma relaçãodiádica e que reforçam ou causam omau trato. No nível grupal, incluí-ram-se as respostas que explicita-ram directamente os processos dadinâmica grupal, os quais actuamcomo mecanismos reforçadores ouprecipitantes de maus tratos (i.e,dominância, hierarquia, permeabili-dade, coesão, heterogeneidade, con-formismo-submissão, alianças ecoalizões, etc.). Por fim, no nívelsócio-cultural, foram categorizadasas respostas cuja atribuição consi-derava elementos referindo a acçãoda família, da escola, e outros gru-pos sociais, enquanto agentes desocialização. Incluíram-se, ainda,neste nível, respostas em que semencionavam, em termos mais abs-

tractos, valores culturais, religiososou ideologias que se relacionavamcom a manifestação e a continuida-de do mau trato.

Após uma primeira categorizaçãodas respostas, em um dos quatroníveis de atribuição acima citados,foram identificados os conteúdos outemas. Além disso, a análise das res-postas contempla ainda a categoriza-ção dos antecedentes através de umsistema de classificação dicotómicade respostas positivas e negativas.No caso de uma resposta positiva, aanálise de conteúdo tratava de distin-guir em que casos eram referidosantecedentes hipotéticos ou não, equais os temas identificáveis. A fiabi-lidade inter-juízes foi calculada combase no grau de acordo relativo a30% das entrevistas realizadas. Asfrequências e percentagens das cate-gorias foram identificadas tanto emrelação ao nível de complexidadesocial como aos temas ou conteúdosdas explicações causais e dos antece-dentes. Testes de comparação demédias (t-student para amostras dereduzida dimensão) foram realizadosa fim de observar eventuais diferen-ças entre os géneros, relativamenteaos níveis de complexidade social etemas identificados nas respostas dosentrevistados.

RESULTADOS

O cálculo das frequências de res-posta por categoria foi feito utilizan-

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A distribuição dos níveis de com-plexidade em função do género podeser observada na figura 2. A tendênciaobservada revela que, nas explicaçõesde mau trato, são sobretudo os rapazesque atribuem maior evidência aos atri-butos individuais. Por sua vez, as rapa-rigas privilegiam as dimensões rela-

cionais, quer diádicas, quer grupais e,revelam uma maior precocidade nasreferências a aspectos de ordem sócio-cultural. Porém, o teste de diferençasde médias em função do género (veja-se quadro 2) não evidencia a existên-cia de diferenças estatisticamente sig-nificativas. Contudo, independente-

do o programa de estatística SPSS.Na construção da base de dados, ascategorias foram introduzidas comovariáveis dicotómicas assumindo,ora um valor positivo (=1), ora ovalor neutro (=0), no caso de nãohaver registo.

Considerando que as explicaçõescausais podem remeter paraníveis/alvos de complexidade socialdistintos, num primeiro momento,procedemos a uma análise da distri-buição das respostas com base nocálculo das percentagens e médiaspara cada nível de complexidade

social. A análise da figura 1, permi-te-nos registar que os adolescentesse referem maioritariamente factoresinterpessoais relativos às relações denível diádico, e factores de grupoque caracterizam a estrutura típicados grupos na adolescência. Os fac-tores individuais que subentendemtraços ou atributos pessoais, quer deagressores quer de vítimas, e ainda,os factores de natureza sócio-cultu-ral, onde se incluem as referências àestrutura e à organização familiarese aos valores de grupo, são os menosevocados.

Figura 1 - Distribuiçâo dos niveis de complexidade social (percentagens)

25,5 25,5

61,7 57,4

17

0

20

40

60

80

100 Individual- Agressores

Individual- Vítima

Relacional/Diádico

GrupalSócio-cultural

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mente de aspectos conceptuais quepudessem sugerir um padrão de atri-buição diferenciado por género, onúmero de participantes neste estudo

exploratório não robustece os termosda comparação. Concluímos, nestemomento, que as diferenças devem serinvestigadas em estudos posteriores.

Figura 2 - Distribuiçâo dos niveis de complexidade por sexo (frequências)

Figura 3 - Temas individuais (frequências)

75

7

5

13

16

12

15

2

6

0

4

8

12

16

20

Indiv.Agressores

Indiv. Vítimas Relacional-diádico

Grupal Sócio-cultural

Rapazes Raparigas

1

16

6 7

0

4

8

12

16

20

Físicas Psicológicas Comportamentais Sociais

( Q )

Nas figuras que apresentamos aseguir, pode ver-se a distribuição

dos temas por nível/alvo de comple-xidade social.

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Figura 4 - Temas relacionais/diádicos (frequências)

Figura 5 - Temas grupais (frequências)

67

3

1312

0

4

8

12

16

Antipatia Isolamento Inveja Comparaçãosocial

Estereó-tipos

5

9

11

16

6

2

0

4

8

12

16

Hedonismo colectivo

Heterogeneidade

Imperm

eabilidade

Conformidade a m

odelos

( )

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Globalmente, da observação dasfiguras 3, 4, 5 e 6, conclui-se que osadolescentes inferem diferentes cau-sas na explicação dos maus tratos. Ese, quando se focaliza a causa do mautrato no nível individual (figura 3), ostraços psicológicos são, por compara-ção a outros atributos individuais, osmais referidos, não deixa de ser dignode nota que ser fisicamente mais forteou mais fraco não é factor causal assi-nalável nesta idade. As característicaspsicológicas e comportamentais des-tacam-se, quer de forma isolada, quercombinada, o que contraria a ênfaseatribuída, noutros estudos e faixas etá-rias mais baixas, aos factores físicos.Quando se passa para o nível das atri-buições interpessoais (figura 4), osestereótipos são a causa mais citada.Em menor grau, são invocadas dispo-sições sentimentais, sendo a antipatia,

mas não a inveja, considerada comofactor gerador de mau trato; por suavez, os processos de comparaçãosocial são outros dispositivos, que aeste nível, podem desencadear e per-petuar os maus tratos entre alunos.Quando nas atribuições causais seinfere que o grupo é sede e motor dosmaus tratos, são as dinâmicas dessesistema colectivo que passam a seridentificadas como a sua estruturageradora (veja-se a figura 5). Ostemas mais frequentemente citadostipificam as características dos gruposde adolescentes, dando conta sucessi-vamente de grupos distintos, comcódigos exclusivos e limites bemdemarcados. Nos temas de grupo(atente-se novamente na figura 5), adiversidade e heterogeneidade apare-cem como construtos semanticamentepróximos em que se invoca a multipli-

Figura 5 - Temas sócio/culturais (frequências)

5

3

0

2

4

6

8

10

Práticas disciplinares Valores culturais de grupo

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cidade de sub-culturas adolescentes –percepcionadas pelos próprios adoles-centes como sistemas sociais simbóli-cos – que funcionam com códigosnormativos bastante restritos e seassemelham a territórios bastantefechados e de acesso restrito.

Outros temas preenchem estas per-cepções e, a par da heterogeneida-de/diversidade, a impermeabilidadeou exclusividade são factores que aju-dam a explicar as barreiras simbólicasque impedem a integração de elemen-tos que sejam estranhos, ou se com-portem e aparentem ser diferentes.

Um outro conjunto de temas rela-ciona os maus tratos com a estruturahierárquica dos grupos de pares. Estashierarquias aparentam consistência eestabilidade, e sustentam diferençasde estatuto, mas em determinadas cir-cunstâncias, são patamares para oexercício do poder e de domínio sobreoutros. Estas estruturas hierárquicas ea própria identidade de grupo surgemainda, no entendimento dos partici-pantes, reforçadas por mecanismosque consolidam a obediência e con-formidade às regras e padrões sancio-nados pelo grupo. Ainda nos temasrelativos aos processos de grupo(figura 5) as explicações contemplamo hedonismo colectivo, dando contade mecanismos emocionais subjacen-tes ao mau trato. A comunhão deexperiências com uma carga afectivaintensa e habitualmente associadas aníveis elevados de excitabilidade,comporta aspectos cognitivos e emo-

cionais que não deixam de ser recon-hecidos pelos participantes como fac-tores explicativos dos maus tratos.Estes admitem e compreendem que oprazer e a euforia são reacções afecti-vas comuns em situações de mau tratoem grupo. Concomitantemente, estainformação acerca dos estados emo-cionais experimentados pelo grupo épercepcionada como um dos mecanis-mos de ordem afectiva que favorece ocontágio social e a difusão de respon-sabilidade individual e a falta deimplicação moral.

Um último grupo de temas, repre-sentado na figura 6, alude aos aspec-tos sócio-culturais, evidenciando-seneste grupo as explicações que fazemreferência a factores de contexto eque, numa perspectiva sistémica,podem ter influência na origem emanutenção dos maus tratos, quer setrate de explicar o comportamento deagressores, quer de vítimas.Conforme se observa na figura 6, osparticipantes referem-se exclusiva-mente às práticas familiares e aosvalores e modelos culturais de deter-minados grupos e classes sociais. Aeste nível, as explicações assemel-ham-se a teorias intuitivas onde ascrenças pessoais tomam o lugar defactores causais. Todavia, o escassonúmero de referências não permiteacrescentar outros aspectos distintivosdeste tipo de explicações. Não deixade ser curioso que as explicações cau-sais não mencionem o sistema esco-lar, as características organizacionais

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da escola e outros tantos aspectosrelativos aos currículos, ao clima deconvivência escolar, à estrutura com-petitiva da actividade académica ou àspolíticas educativas.

Os resultados obtidos permitem-nos, dentro das limitações que com-portam os estudos exploratórios, con-siderar que, globalmente, a vitimiza-ção nos grupos de pares é entendidacomo um processo para o qual contri-buem vários factores, incluindo desdeas características individuais e rela-cionais, as de organização grupal aospadrões sócio-culturais. Porém, o queparece destacar-se nas suas explicaçõ-es é o peso e a visibilidade atribuídosàs relações interpessoais diádicas egrupais, particularmente observáveisnas explicações relativas à formaçãode estereótipos e aos processos degrupo que caracterizam as relaçõesentre pares na adolescência.

As referências a temas que se rela-cionam com a expressão de emoçõesnegativas (em particular a antipatia) ecom atitudes de rejeição/exclusãomanifestas no isolamento social acti-vo, na comparação social e nos estere-ótipos, sugerem-nos o modo como osadolescentes percepcionam e denun-ciam a acção de mecanismos de cate-gorização social que, operando noseio dos grupos, são simultaneamenteum elemento de reforço da identidadedo grupo e factor de diferenciaçãointer-grupal.

As explicações causais dos adoles-centes explicitam a influência dos pro-

cessos dinâmicos que caracterizam aformação e a organização dos grupos depares na adolescência. Efectivamente,os adolescentes equacionam uma varie-dade de processos intrínsecos ao funcio-namento dos grupos que, sucessiva-mente, vão gerando a coesão e a confor-midade relativas às atitudes, valores eculturas de grupo. Mas é também à luzdestes processos, que os adolescentesparecem considerar que os grupos res-tringem e nem sempre satisfazem asnecessidades de afiliação, que as lutaspelo poder e pelo domínio podem des-poletar a submissão e activar rivalidadese rejeição.

Considerando as diferenças nasrespostas de rapazes e raparigas,observa-se que as raparigas, compara-tivamente aos rapazes, tendem a atri-buir o mau trato aos processos rela-cionais e sócio-culturais; com maiorfrequência assumem que a heteroge-neidade/diversidade dos grupos e aeducação familiar podem ser relacio-nadas com os maus tratos. Este padrãoexplicativo pode remeter para aspec-tos específicos da socialização e invo-car os tipos de maus tratos de nature-za indirecta que se encontram poucoestudados na adolescência.

Os dados relativos às explicaçõesdos maus tratos esgotam os factoresque é possível considerar numa pers-pectiva sistémica. Mas ainda assimpretendeu-se analisar em que medidaos adolescentes consideravam a pos-sibilidade de os maus tratos seremexplicáveis à luz de antecedentes

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DISCUSSÃO

Este estudo centrou-se na investiga-ção e análise qualitativa das explicaçõ-es causais dos adolescentes acerca dofenómeno da vitimização no grupo depares. Percebe-se que a identificação ereflexão sobre as representaçõessócio-cognitivas são relevantes para amelhor compreensão dos comporta-mentos individuais, das interacções edas relações sociais. A intensidade deum determinado comportamento indi-

vidual (neste caso chama-se a atençãopara os comportamentos de abuso depoder) é afectada pelas interacções erelações em grupo e está relacionadocom o modo como o indivíduo pensa,ajuíza ou representa mentalmente esteprocesso. A compreensão das percep-ções dos adolescentes sobre o mautrato, principalmente no que se refereàs suas causas e possíveis anteceden-tes, auxilia o entendimento dos meca-nismos envolvidos na manutençãodeste comportamento.

(i.e., factores precipitantes). Na figu-ra 7, os resultados permitem afirmarque a maioria dos adolescentes crêque os maus tratos não surgem nasequência de outros incidentes.Apenas uma percentagem de aproxi-madamente 18% admite que possamter sido desencadeados por uma

acção hipotética da vítima. Esta per-cepção de que os maus tratos sãoauto-iniciados enquadra-se perfeita-mente na definição de agressão pró-activa (Crick & Dodge, 2000), confir-mando o interesse na diferenciaçãoteórica entre os dois padrões deagressão pró-activa e reactiva.

Figura 7 - Temas grupais (frequências)

82,1

17,9

0

20

40

60

80

100 Não refere Refere

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Quadro 2 - Valores médios e níveis de significância no teste das diferençasde género para os diferentes níveis de atribuição dos maus tratos

Níveis de com-plexidade social

Teste de igualdade de médias

Teste Levene(Igualdade variân-

cia assumida)

F Sig.

Valorde t

g.l.Diferençade médias

Desviopadrão

Intervalo de confiança 95%

Inferior Superior

Individual:agressor

3.29 .076 .916 .45 .12 .129 -.142 .37

Individual: vítima

3.29 .076 .916 .45 .12 .129 -.142 .378

Relacional:diádico

.431 .515 -.338 .45 -.05 .145 -.341 .243

Relacional:grupo

.465 .499 -.370 .45 -.05 .147 -.352 .243

Sócio-cultural 8.55 .005 -.1.36 .45 -.15 .110 -.371 .073

Importa salientar que os relatos dosadolescentes foram analisados deforma sistemática e integrada, identi-ficando-se os níveis de complexidadesocial, temas e conteúdos e a relaçãodialéctica entre todos estes aspectos.Neste sentido, o estudo acerca dasexplicações causais sobre mau tratopermite-nos obter uma visão compre-ensiva do modo como os jovensreflectem sobre os seus próprios com-portamentos e a relação com os paresna esfera colectiva.

A adopção de uma perspectivarelacional neste estudo torna-seimprescindível na hora de analisar osresultados, quanto mais que se baseiaem constatações científicas recentes

sobre o desenvolvimento social.Estudos etológicos e psicológicosreconhecem que o entendimento doscomportamentos de indivíduos emgrupos merece atenção especial ediferencia-se qualitativamente dasinvestigações sobre os comportamen-tos individuais. Assim, parece impres-cindível situar o estudo comporta-mento social no seio das relações einteracções diádicas ou grupais(Bronfenbrenner, 1979, Hinde, 1987).Por sua vez, o estudo das explicaçõescausais dos maus tratos pelos adoles-centes permite-nos esclarecer o papeldas cognições e representaçõessociais e perceber em que medida sãodeterminantes dos comportamentos

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de mau trato. Nas interacções emgrupo, por exemplo, estes comporta-mentos individuais são influenciadospelo reforço (ou não) dos pares, e estainfluência também age, muda ou man-tém a estrutura das representaçõesmentais, estabelecendo-se um ciclodinâmico de influências bidireccio-nais e recíprocas entre as representa-ções e os comportamentos, num deter-minado contexto sócio-cultural.

O facto de estes jovens considera-rem, nas suas explicações causais, quea vitimização é, em larga medida, umfenómeno grupal, remete para anecessidade de se integrarem os dadosdesenvolvimentais com os estudosrealizados no domínio da psicologiasocial - entre os quais se citam os deTajfel (1978), de Robinson (1996) eCotterell (1996). Trabalhos específi-cos sobre as características e proces-sos dos grupos de pares na adolescên-cia revelam-se fundamentais, na horade perceber em que grau o sentimentode pertença a um grupo de pares per-mite que os jovens se sintam segurossocialmente e com maior tranquilida-de, para construirem a sua identidadeemocional e social, independentes donúcleo familiar (veja-se Gavin &Furman, 1989). Extremamente rele-vantes (até mesmo indispensáveis),estas organizações sociais acabam porestabelecer um código de normas,regras e culturas rígido, partilhado eaceite pelos seus membros. Aquelesque não concordam ou não aderem aestas normas (não usando as mesmas

roupas, não partilhando a mesma lin-guagem, actividades e valores) sãoexcluídos, e os seus comportamentosou hábitos diferentes são rejeitados.Mas a rejeição da diferença está tam-bém relacionada com o viés represen-tacional ou distorções cognitivas queprecedem a interacção social e, conse-quentemente, estão na base da forma-ção de estereótipos sócio-culturais, talcomo foi referido claramente pelosjovens nas entrevistas. Assim, a iden-tificação entre os membros de umgrupo pode também activar mecanis-mos de comparação social, atravésdos quais um grupo é favorecido(visto como positivo) e os outros gru-pos são vistos de forma estereotipadae negativa. Assim, a presença ou afunção dos estereótipos está relacio-nada com a necessidade de coesão noendo-grupo, sentido de superioridadee impermeabilidade e, consequente-mente, com o estabelecimento demaior diversidade/heterogeneidadeentre os grupos de adolescentes,aspecto que os entrevistados referemcom enorme frequência.

A relação da agressividade entrepares (vitimização) e o nível de com-plexidade social grupal é uma questãoabordada e confirmada por estudosetológicos. Tanto grupos de animais,quanto de humanos, usam a agressivi-dade para atingir objectivos e recursossendo, por isso, agressores em potên-cia que podem atingir um importanteestatuto no grupo, consolidando a suacapacidade de dominar e a sua supe-

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rioridade. A dominação social oupopularidade podem ser um “prémio”pelo comportamento agressivo. Sendoassim, os agressores podem ter o seucomportamento reforçado, pois é-lhesconferida uma posição favorável nahierarquia grupal, o que, por sua vez,promove a manutenção do fenómenodo mau trato.

Estas conceptualizações teóricassão ainda secundadas por outras con-cepções acerca da estrutura de apoiosocial que condiciona a manutençãodos maus tratos. Os estudos deSalmivalli (1996, 2002) podem serúteis para interpretar as concepçõesem que os participantes do estudoreferem que a vitimização entre parespode ser iniciada por uma pessoa, queé logo seguida por outros jovens, quereforçam o seu comportamento e que,assim, reafirmam a sua posição socialno grupo. Estes processos de grupoexplicam o facto de alguns adolescen-tes, mesmo não sendo necessariamen-te os responsáveis pelo início de umprocesso de mau trato, se impliquemactivamente em relações desta nature-za, já estabelecidas em determinadosgrupos e contextos.

Ora, uma vez iniciado o mau trato,este pode ser reforçado e tomar pro-porções preocupantes para a equipadocente e profissionais de saúde. Masa gravidade dos maus tratos pode nãoser avaliada como tal pelos alunos.Se, na perspectiva dos jovens, osmaus tratos resultam de processos degrupo, onde muitas pessoas partici-

pam, a responsabilidade fica diluída eos sentimentos de culpa tendem adiminuir. Os adolescentes do estudoreferiram que os envolvidos na vitimi-zação podem perceber este processocomo “natural” e a vítima como“estranha”, desviante e até merecedo-ra de tais actos agressivos. Este dadoleva-nos a supor que estas percepçõestanto podem ocorrer como resultadode erros de atribuição (i.e.,viés cogni-tivo) , tal como nos sugerem os estu-dos de Dodge (1986), como de outrosprocessos cognitivos relativos à nãoimplicação moral e dessensibilizaçãoface às consequências afectivas dosmaus tratos (Arsenio, 1988;Lourenço, 1997; Keller, Lourenço,Malti, & Saalbach, 2003). Todos estesfactores sócio-cognitivos parecemmotivo suficiente para que se valori-zem mais os estudos que permitamconhecer e compreender em que sen-tido as cognições sociais dos adoles-centes devem ser tomadas em consi-deração no planeamento de progra-mas de intervenção e prevenção dosmaus tratos na escola.

Resumindo, os dados deste estudoapontam aspectos relevantes e possi-bilitam-nos confrontar a percepçãodos adolescentes com as questões quetêm sido suscitadas pelo estudo dofenómeno da vitimização em escolas.Concluímos, afirmando que a investi-gação acerca das explicações referi-das pelos adolescentes, bem como aanálise qualitativa da narrativa mos-tram-se métodos úteis e capazes de

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abarcar a riqueza e significado subja-centes às representações sobre o mautrato. Fica claro que alguns aspectospertinentes e intrinsecamente ligadosàs causas da vitimização se relacio-nam com a dinâmica e funcionamentotípicos dos grupos de jovens.Entretanto, este aspecto é preocupanteporque nos permite compreender, masnos impede de justificar o abuso depoder de uns jovens sobre outros,mesmo que este possa parecer umprocesso “natural” ou erroneamenteassociado à infância e/ou à adolescên-

cia, tal como é evocado nos discursosde teor sociológico de alguns partici-pantes: “Adolescentes... é umaidade... Não digo que não é gira, masfazem coisas praticamente sem pen-sar. Acho que é, mais ou menos, essaa razão porque eles fazem isso.”

“Acho que isto acontece porque éuma reacção normal das pessoas danossa idade: excluir o que nós nãocompreendemos bem ou o que acha-mos que é diferente. Não sei se pormedo, se por outra razão qualquer.Mas é a realidade, é o que se passa!”

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