Pós-freudianos e o Afeto

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Trata-se de um texto que aborda o afeto na psicanálise.

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  • 3 Contribuies e impasses de algumas leituras ps-freudianas do afeto

    Ao apreciarmos os trabalhos psicanalticos ps-freudianos relativos ao

    afeto, encontramos variados autores e obras que se referem indiretamente ao afeto

    ou se referem a afetos especficos. Poucos so os que se dedicam ao estudo do

    afeto em sua problemtica geral. Green representa um desses autores,

    apresentando, no Discurso Vivo (1973), uma viso de conjunto exaustiva dos

    trabalhos psicanalticos ps-freudianos consagrados ao afeto, ao mesmo tempo em

    que lana a sua teoria geral sobre o conceito. Afirma este autor que, j nos

    psicanalistas da primeira gerao, possvel constatar o carter solitrio da

    reflexo de Freud sobre o afeto. Vieira (1996), em LEthique de la Passion,

    atenta para o fato de que entre o artigo de Ernest Jones, publicado enquanto Freud

    ainda era vivo, talvez considerado como o primeiro de relevncia sobre a questo

    escrito por um de seus alunos, e os dias de hoje, contamos apenas dezessete

    textos considerveis consagrados exclusivamente ao tema 1.

    Green, em sua exposio, adota a diviso entre os autores anglo-saxes

    distinguindo os autores da escola inglesa e os da escola norte-americana e os

    autores de lngua francesa. A influncia Kleiniana a referncia da escola

    inglesa, enquanto a influncia hartmanniana caracterstica dos trabalhos da

    escola norte-americana. Gostaramos de ressaltar desde j que Melanie Klein no

    apresenta em sua obra nenhuma concepo especfica sobre o afeto, e Heinz

    Hartmann pouco escreveu sobre o tema. Quanto aos autores de lngua francesa, o

    autor, apesar de salientar que muitos dedicam em seus trabalhos um lugar

    importante ao afeto, ainda que implcito, escolhe Bouvet e Mallet por serem

    excees a essa regra. Escolhe tambm e, obviamente, Lacan, porque neste reside 1 Cabe ressaltar que a denominao textos consagrados exclusivamente ao tema exclui dessa lista os textos que tratam dos afetos em suas especialidades e os que, tratando de outro tema, colocam o aspecto afetivo em primeiro plano. O autor atenta ainda que em tais textos no se interroga sobre o lugar do afeto na estrutura.

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    o motivo principal de Green para escrever a comunicao que deu origem ao

    livro e que, como j vimos em nossa introduo, se traduz numa crtica teoria

    lacaniana, acusada pelo autor de fundamentar-se numa excluso do afeto.

    Segundo Green, a maioria dos autores anglo-saxes tomam como ponto

    de partida para seus trabalhos sobre o afeto, excetuando a obra freudiana, o artigo

    de Jones, escrito em 1929, e cujo ttulo Fear, Guilt and Hate. Para Green, as

    concepes de Klein sobre os afetos primrios parecem sustentar este trabalho

    como idia essencial 2. Jones indica nesse estudo que possvel descobrir nestes

    trs afetos uma funo defensiva, pela mobilizao de um afeto contra o outro.

    Dessa forma, pode o temor camuflar a culpa, o dio servir de proteo contra ela

    ou o dio dissimular o temor. Mas, alm disso, constata o autor que o afeto que

    serve de defesa contra um afeto mais inconsciente se encontra sob o afeto

    inconsciente. Em outras palavras, o temor se encontra sob a culpa qual servir

    de defesa, como tambm o dio encontrado sob a culpa ou o temor. Para Green,

    nisso consiste a originalidade de Jones: o afeto consciente uma comunicao

    com o afeto mais inconsciente do mesmo tipo que ele, sendo ambos mediatizados

    por um outro afeto inconsciente, mas no o mais inconsciente(GREEN:1973).

    De acordo com Vieira, Jones parte de um estado afetivo primeiro e supe

    a substituio deste por um afeto inconsciente, que ser substitudo por um afeto

    consciente, afeto este que guarda com o afeto arcaico uma analogia formal. Este

    afeto primordial, portanto, corresponde ao afeto primrio, e os outros afetos so

    afetos secundrios. Dessa forma, o afeto primrio recoberto por um afeto

    secundrio a um nvel inconsciente, constitui uma primeira ao defensiva. E o

    afeto secundrio, substitudo por um outro afeto ao nvel consciente, constitui uma

    segunda ao defensiva, como uma espcie de defesa da defesa. Chega-se

    assim a um afeto secundrio consciente da mesma ordem que o afeto primrio,

    mas em tudo distinto, como uma espcie de negao da negao que traz assim

    em si uma parte de verdade. O inconsciente dessa forma compreendido como

    defesa primordial, e a conscincia compreendida como defesa da defesa,

    processo este que resulta na instaurao do afeto no lugar da verdade

    (VIEIRA:1996).

    2 Vieira (1996) declara que mesmo sem Jones citar Melanie Klein nesse sentido, possvel supor a influncia desta no trabalho daquele. Como tambm possvel supor, ainda, que tanto Jones quanto Melanie Klein foram influenciados por Abraham.

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    Vieira ressalva, entretanto, que Jones no fala de afeto primrio nem de

    afeto secundrio, e sim de camadas de estratificao. Porm, Jones se refere

    angstia primria e angstia secundria, e tambm a um estado afetivo primrio

    o que, para Vieira, justificaria a utilizao desta terminologia no comentrio que

    faz sobre este artigo. O que importa para este autor a constatao de que o afeto

    em Jones a verdade do recalque e ele que permite o acesso verdade do

    sujeito, e no o significante (VIEIRA:1996).

    Nas palavras de Green (1973), para Jones o afeto consciente e o afeto

    mais inconsciente no se encontram associados ao mesmo contexto. O temor

    superficial uma angstia racionalizada e o temor mais profundamente oculto

    uma angstia arcaica, a evocar ameaas maiores de natureza traumtica.

    Deparamo-nos aqui com as duas expresses da angstia, o sinal de angstia e a

    angstia automtica. A angstia originria a responsvel por esse mecanismo

    primitivo, apresentado por Jones com o nome de afnise, e que nos revela um

    outro aspecto do afeto primrio da reao defensiva que ele acarreta: um bloqueio

    macio sem contexto ideativo com aniquilao dos afetos de prazer.

    Afnise significa uma aniquilao total da capacidade para qualquer satisfao sexual direta ou indireta...esse termo se destina a representar uma descrio intelectual de nossa parte, de um estado de coisas que, na origem, no tinha nenhuma contrapartida ideativa no esprito da criana, consciente ou inconscientemente (JONES:1929 apud GREEN:1973).

    Para Vieira (1996) o essencial discutir o estatuto do afeto e sua regra na

    estrutura, no sentido lacaniano de aparelho psquico. Para tanto, ele determina um

    primeiro grupo de textos que possibilita o estudo da problemtica do afeto,

    examinando-o de perto. A um segundo grupo de textos, fundamentados no

    aspecto fenomenolgico do afeto, dedicada uma lista, no exaustiva, includa no

    apndice de sua tese. Quanto ao primeiro grupo, duas leituras aparentemente

    divergentes do texto freudiano podem ser identificadas. A primeira, que o autor

    denomina de primeira corrente, aproxima o afeto da energia animal, de um corpo

    biolgico onde o afeto deve ser submetido razo atravs de sua neutralizao por

    um eu forte. A segunda, denominada de segunda corrente, converte o afeto num

    cdigo primitivo, um dialeto de transio entre as fantasias primordiais e a

    palavra (VIEIRA:1996). De acordo com este autor, Rapaport inicia a primeira

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    via, sendo seguido, entre outros, por Brenner; e Jones exemplo da segunda,

    sendo o trabalho de Green a continuao desta escola.

    Como Jones considerado por Vieira, juntamente com Melanie Klein, a

    referncia terica para o desenvolvimento das concepes greenianas sobre o

    tema, consideramos importante nos atermos mais um pouco nos comentrios

    feitos por esse autor com relao ao artigo de Jones. No podemos perder de vista

    que Vieira toma como referncia os impasses epistemolgicos suscitados pelo

    uso e ruptura do modelo cartesiano na produo freudiana e na de seus seguidores,

    tendo portanto, como propsito especfico em seu exame, a compreenso dos

    impasses aos quais o alicerce cartesiano pode conduzir, tanto na leitura freudiana

    que, segundo ele, por conta deste alicerce torna-se contraditria, quanto na

    clnica. Assim, de acordo com Vieira, Jones trata de trs afetos primordiais em

    uma lista que no exaustiva. Todos os trs so considerados reaes ao trauma

    fundamental, como uma acumulao de tenso libidinal, mas suas caractersticas

    no podem se reduzir aos graus de excitao diversos. Eles possuem um estatuto

    qualitativamente distinto que no pode ser estabelecido ao nvel energtico.

    Conforme Vieira, Jones utiliza noes desenvolvimentistas e genticas do afeto,

    que se concentram em uma diviso entre afetos primrios e afetos secundrios.

    Os primeiros so compreendidos como uma reao direta e arcaica ao trauma, e

    os segundos correspondem mesma reao se dando aps a constituio da

    realidade psquica. No se trata de uma ontognese afetiva como em Hartmann,

    onde uma evoluo se produziu em um desenvolvimento do indivduo, mas de

    uma filognese afetiva compreendida a partir das etapas de uma evoluo da

    linguagem 3. Os afetos traduzem, nesta situao, as diferentes vias expressivas

    do ego, a evoluo intervm depois (VIEIRA:1996).

    A evoluo pode se apresentar de formas diversas, mas ela sempre existe:

    o afeto primrio pode ser o fundamento do afeto secundrio e este, o fundamento

    da linguagem verbal ou, melhor ainda, o afeto primrio pode ser o fundamento

    ao mesmo tempo do afeto secundrio e da linguagem verbal. Ao invs de

    conceber o nascimento daqueles ao mesmo tempo a partir do recalque, como em

    Freud, eles so como etapas distintas de uma evoluo da linguagem, com uma

    clara anterioridade cronolgica para o afeto. Nesse contexto, a cura deve conduzir

    3 Traduo nossa do termo original langagire, j que a lngua portuguesa no dispe de um outro termo mais apropriado.

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    integrao do ego arcaico ao ego principal pois o sofrimento vem de sua

    dissociao. A direo da cura visa tornar acessvel o afeto inconsciente por

    detrs do afeto consciente e, principalmente, permitir o desvendamento do afeto

    primordial que est por detrs dos dois, e que como uma espcie de essncia

    mesma do analisando (VIEIRA:1996).

    Fenichel (1941), num trabalho de anlise dos diversos procedimentos

    defensivos utilizados pelo ego para conseguir dominar os afetos, ir insistir sobre

    o bloqueio macio dos afetos. De acordo com Green, a posio de Fenichel

    prxima da posio de Laplanche e Pontalis, que aproxima afeto e trauma pelo

    destaque ao valor traumtico da excitao pulsional para o ego. Concepo esta

    que desloca a tnica do traumatismo como acontecimento exterior para o

    traumatismo como efeito de uma mobilizao pulsional. O trauma proveniente

    do exterior desempenharia o papel de provocao da excitao pulsional ou, em

    outras palavras, a intruso da sexualidade adulta na sexualidade infantil. A

    tentativa de tratar as excitaes internas pela descarga, que resulta na extino da

    excitao, seria uma outra resposta possvel diante da angstia originria

    (GREEN:1973).

    Glover(1939) e Brierley (1937-1949), com trabalhos influenciados por

    Melanie Klein, do continuidade ao estudo dos afetos primrios. Ambos

    questionam a importncia, para eles exagerada, conferida ao elemento ideacional

    e representativo da pulso. Eles fazem objees definio de afeto construda

    por Freud, que s leva em considerao o aspecto da descarga, e propem uma

    distino entre afetos de tenso e afetos de descarga. Glover assinala ainda, que

    existe uma grande dificuldade em estabelecer a diferena entre experincia afetiva

    e sensaes corporais. Para compreender melhor a sua posio, no entanto,

    necessrio estudar a sua concepo dos nuclei do ego, originada de sensaes

    corporais primitivas, e notadamente influenciada por Abraham. A fuso desses

    nuclei e das experincias com eles relacionadas o resultado de uma evoluo

    progressiva, originando o sentimento da unidade do ego, que pode ser dificultada

    pela sobrecarga das energias sadomasoquistas. Caso isso ocorra, encontraremos

    afetos de estilhaamento, de desintegrao e de exploso, observados nos mais

    diversos estados na clnica psicanaltica, tanto nas estruturas edipianas, quanto nas

    estruturas pr-edipianas (GREEN:1973). Afirma Glover:

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    O sentimento psquico do estilhaamento uma tenso afetiva tpica e muito precoce que, no decorrer do desenvolvimento, pode se fixar em diferentes formas (canalizadas por associao com os sistemas fantasmticos) segundo as experincias e os contedos inconscientes de perodos de desenvolvimento diferentes(GLOVER:1939 apud GREEN:1973). Para Green, Glover sustenta que no inconsciente, enquanto o elemento

    representativo conota uma experincia afetiva reveladora do elemento pulsional, o

    sistema fantasmtico possibilita ao afeto um revestimento inteligvel mas, talvez,

    enganador. De acordo com Vieira (1996),Glover e Brierley pertencem segunda

    corrente, marcada pela influncia de Jones, e da qual Green o representante mais

    destacado. Com relao a essa segunda corrente, afirma Vieira que suas heranas

    diretas e suas linhas de sucesso no so to claras como na primeira corrente.

    Entretanto, suas concepes se fundam sobre uma atitude comum: ela no toma o

    afeto como um sinal cuja finalidade adaptativa, mas sim os afetos como um

    conjunto de signos constituindo um cdigo primitivo eventualmente modificado

    pelo ego. Esta orientao se apia na valorizao do mundo fantasmtico e sobre

    a noo dos afetos primrios. Para o autor, alm disso, a diviso conduzida por

    ele entre afetos primrios e secundrios vai de par com a concepo de afeto

    considerado como linguagem arcaica. O inconsciente, segundo essa segunda

    corrente, um lugar de linguagens diversas, onde encontramos a linguagem

    energtica. Mas, sobretudo, ele o lugar de uma linguagem pr-verbal, que a

    linguagem dos fantasmas, a qual se articula pulso (VIEIRA:1996).

    Vieira destaca, ainda, que o termo linguagem aqui utilizado em um

    sentido diverso do sentido lacaniano. No se trata da linguagem, mas de

    linguagens diversas, sendo o afeto uma delas. Nesta pluralidade de lnguas a

    pulso considerada tambm como uma linguagem (VIEIRA:1996).

    Brierley (1937) analisa as relaes entre pulses e afetos declarando que,

    se na metapsicologia freudiana o conflito ope as idias e as cargas afetivas, aps

    Freud dado um enfoque maior ao investimento de objetos do que carga afetiva

    de idias. Para essa autora, o afeto deve ser considerado como o derivado da

    pulso mais direto. E, sendo os afetos tanto efeitos de tenso quanto efeitos de

    descarga, reflexo de uma posio aferente ou eferente sobre o arco pulsional,

    mais apropriado situ-los no pice desse arco (GREEN:1973). Na concepo de

    Green, a leitura do texto da autora nos mostra que, mais do que argumentar sobre

    a preponderncia relativa do afeto sobre a representao, ela aponta a

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    ultrapassagem da oposio entre esses termos pela introduo da noo de

    investimento de objeto.

    De acordo com Fenichel (1941), o afeto tanto pode advir de um excesso

    inesperado de estmulos internos, quanto de um acmulo de tenses no

    descarregadas que se descarregam sob a influncia de um estmulo mnimo.

    Porm, cada moo possui uma qualidade e um limiar prprios, e tais

    consideraes quantitativas, portanto, no podem esgotar o aspecto qualitativo.

    Assegura o autor que os afetos esto diretamente associados evoluo do ego,

    sofrendo por parte deste uma domao e que, conseqentemente, as experincias

    afetivas so inseparveis das relaes estabelecidas entre o ego e os objetos.

    importante destacar que, pela identificao primria, o investimento precede

    diferenciao e discriminao cognitiva ou, em outras palavras, ele precede

    diferenciao entre o ego e o objeto.

    Para Green isso que Brierley sustenta, ao afirmar que a criana deve

    sentir o seio antes de comear a perceb-lo e deve ter as sensaes de suco do

    seio antes de conhecer a prpria boca (BRIERLEY:1937 apud GREEN:1973).

    Consolidada est a noo de investimento de objeto, onde os mecanismos de

    introjeo e de projeo constituem mtodos de dominao das emoes

    fantasiadas como modos de relaes concretas com os objetos. Declara Green que

    a constituio dos afetos primrios est ligada, assim, a seus objetos-portadores,

    implicando a importncia do contraste entre objetos bons e maus. Brierley ir

    vincular a formao do eu do objeto total. A autora sustenta ainda que a

    experincia da insatisfao, alm de propiciar o nascimento do objeto, tambm a

    matriz de um foco constante para a formao do objeto mau.

    Brierley aponta a existncia de inclinaes afetivas, como disposies para

    viver certos afetos. Alguns afetos no esto acessveis conscincia porque os

    precursores de afetos primrios nunca foram conscientes. Segundo Green, essa

    teorizao possibilita a perda do valor semntico do inconsciente, com o

    predomnio da afetividade sem correspondente representativo, que , para

    Brierley, o que est em jogo na transferncia. Segundo essa autora, atravs do

    afeto encontramo-nos frente aos objetos arcaicos e o sistema primitivo do ego:

    No somente com as tenses das moes de objeto, mas tambm com as tenses

    intra e inter-egicas (BRIERLEY:1937 apud GREEN:1973). Para ela, a

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    reintegrao do ego parcial primitivo no ego principal possibilitada pela

    interpretao dos afetos na transferncia (GREEN:1973).

    Glover e Brierley representam, para Green, a primeira fase dos trabalhos

    sobre o afeto originados da escola inglesa, e cuja influncia de Melanie Klein

    evidente. Neles, h de se destacar a mudana de direo na concepo do

    inconsciente e a reavaliao da relao entre a representao e o afeto. Essa

    direo persistir em autores que se desligaro da influncia Kleiniana, como

    Winnicott, que abordar o desenvolvimento afetivo primrio (1945) segundo

    parmetros prximos, com a acentuao clara do papel do meio ambiente

    materno (GREEN:1973).

    De acordo com Vieira (1996), Melanie Klein acentua, na linha de

    Abraham, o mundo fantasmtico, considerado como expresso mental das

    pulses, construda sobre a relao me-beb. Os mecanismos que traduzem estas

    relaes como, por exemplo, a clivagem entre o bom e o mau objeto ou as

    posies depressiva e esquizo- paranide, estaro no centro dessas teorizaes.

    Nesse sentido, no na relao entre o ego e qualquer coisa de animal no corpo

    que se encontra a origem do afeto, mas no modo que se d a relao do ego ao

    Outro. A expressividade primitiva do ego arcaico sublinhada. Em suas trocas

    com o mundo, o beb reage atravs das emoes primitivas que acompanham os

    fantasmas pr-verbais (estes so o equivalente psquico do funcionamento

    pulsional e, o afeto, sua outra face). Esses complexos fantasmticos-emotivos

    constituem, na qualidade de linguagem primordial, o fundamento da linguagem

    verbal (VIEIRA:1996).

    O debate afeto X representao no mais colocado da mesma forma e

    nem constitui mais um problema delicado. Afeto e representao so doravante

    intrinsecamente ligados porque eles so todos dois resultantes de uma linguagem

    primeira do qual o afeto mais prximo (VIEIRA:1996).

    Os trabalhos de Winnicott se inscrevem na tradio psicanaltica inglesa, e

    impelem a ultrapassagem da oposio representao- afeto com o objetivo de

    apontar a base afetiva do sentimento de existncia. Para Winnicott, os estados

    afetivos primrios, constitudos pelas alternncias de estados de desintegrao e

    de integrao parcial do self, so bem anteriores ao que Melanie Klein descreve.

    H um par indissolvel formado pela me e pelo beb, no cabendo nenhum

    discurso sobre o afeto que no faa intervir os afetos da me, a sua tolerncia s

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    necessidades regressivas da criana at o estado de caos informal, condio de

    estabelecimento de um ncleo de continuidade afetiva viva (GREEN:1973). Para

    Vieira, Winnicott o autor que mais evidencia o carter essencial da relao me-

    beb. O dilogo fundado nesse par indissolvel funda o beb na qualidade de

    sujeito. Esse sujeito alado ao estatuto de um ser afetivo primordial, onde se

    encontram imbricados afeto e representao, tudo ao mesmo tempo

    (VIEIRA:1996).

    Bion se destaca por ser um dos poucos autores da escola inglesa que

    abordou a problema do afeto de um ngulo terico. Em seus livro Elementos da

    Psicanlise (1963), ele apresenta um conjunto terico inovador e amplo que, pelos

    limites de nosso trabalho, no ser aqui exposto. Apenas assinalaremos que a

    proposta do autor sustentada por uma grade de dupla entrada, com uma

    seqncia vertical que compreende a dimenso histrico-gentica, e uma

    seqncia horizontal, que compreende a dimenso sincrnica dos processos de

    pensamento. O pressentimento est para o afeto, assim como a preconcepo est

    para a concepo do ponto de vista intelectual. Deste modo, estabelecida uma

    correspondncia entre a categorizao ideativa e a categorizao emocional,

    onde o autor defende a equivalncia dos dois registros, com o deslocamento da

    tnica para o registro emocional(GREEN:1973).

    Representarei este deslocamento da tnica utilizando o termo sentimento (feeling) em lugar do termo pensamento (thinking). Essa substituio est baseada na utilizao comum na prtica analtica de frases como Sinto que tive um sonho esta noite ou Sinto que voc me odeia ou Sinto que vou ter uma depresso. Essas frmulas implicam uma experincia emocional e, portanto, so mais apropriadas ao meu projeto do que as implicaes mais austeras do Penso.... As comunicaes introduzidas pelos termos tais como Sinto... so muitas vezes mtodos para exprimir emoes ou pressentimentos; em sua funo como expresso e emoes que desejo considerar esses fenmenos (BION:1963 apud GREEN:1973).

    Nas palavras de Green, Bion consolida em sua teorizao uma

    equivalncia entre o Eu penso e o Eu sinto, e a adoo do termo

    pensamento se aplicar para ele por conveno tanto ao pensamento como

    emoo. Ainda conforme Green, a teoria do pensamento de Bion denota

    claramente uma teoria estrutural dos afetos, preenchendo o vazio entre o

    intelecto e o afeto (GREEN:1973) De acordo com Vieira, Bion apresenta um

    projeto de formalizao e de matematizao rigoroso, tomando o afeto la

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    lettre, ao nvel do dito, o que o permite correlacionar o sentimento ordem

    significante, sem ser obrigado a introduzir o dualismo nem o evolucionismo.

    Ressalta ainda o autor que algo do afeto resta no contemplado pelo sentimento, e

    que no aqui abarcado por Bion (VIEIRA:1996).

    A idia de um afeto primordial conduz a uma clivagem do afeto e

    estabelece a oposio entre a ordem primordial/ego arcaico e a ordem

    simblica/ego atual, oposio esta que, conseqentemente, anterior e a

    responsvel pela clivagem. A clivagem do afeto distingue, portanto, o afeto

    primrio e o que Glover denomina afeto secundrio. O afeto primrio est ligado

    aos fantasmas mais arcaicos e primitivos, e no acessvel diretamente

    conscincia. O afeto secundrio o representa ao nvel consciente e ao nvel

    inconsciente. Ele o resultado de sua transformao pela verbalizao e o advento

    da linguagem, correspondendo propriamente ao fenmeno, que o cone do afeto

    primeiro (VIEIRA:1996).

    Com relao aos autores da escola norte-americana, a influncia

    hartmanniana no homognea. Green destaca em seu texto que so vrios os

    autores americanos cujo vnculo corrente hartmanniana distante. Tampouco a

    influncia de Hartmann est localizada na Amrica do Norte. Porm, Hartmann ,

    inegavelmente, a maior influncia terica para a escola americana. E A

    Concepo Psicanaltica do Afeto, de Rapaport (1953), representa legitimamente

    o ponto de vista hartmanniano sobre a questo.

    Rapaport declara que so trs as teorias freudianas: a teoria da catarse, a do

    conflito e a do sinal, evidenciando cada uma delas contextos metapsicolgicos

    diferentes. A teorizao do problema do afeto encontra-se associada essa

    peculiaridade. Portanto, na teoria da catarse, h uma equivalncia entre os termos

    afeto, libido e investimento. Na teoria do conflito, o afeto existe no estado de

    potencialidade e se ope representao, que permanece sob a forma de um trao

    mnmico. H uma aptido inata para o conflito, que implica limiares de descarga

    inatos, dos quais a tolerncia frustrao o reflexo. Na terceira concepo do

    afeto, este sinal do ego, o que permite a construo de uma quarta concepo,

    caracterizada pelo ponto de vista estrutural- adaptativo. Essa quarta e ltima

    concepo, introduzida por Rapaport, tem como eixo central articulador o ponto

    de vista gentico (RAPAPORT:1953).

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    Conforme este autor, antes da diferenciao id- ego os afetos utilizam

    limiares e vias inatas de descarga possuindo, alm de uma funo de descarga,

    um papel scio- comunicativo expresso segundo predisposies hereditrias.

    Quando instaurada a soberania do princpio de prazer, o afeto funciona como

    vlvula de segurana para as tenses provocadas pela ausncia do objeto. O afeto

    sobrevm quando alcana um limiar acima do que as vias inatas podem tolerar de

    tenso. Sendo a descarga incompleta impossvel, ela somente reduz tais vias

    quantidade de tenso tolervel segundo o limiar. As internalizaes e

    contribuies da realidade propiciam um aumento do limiar de tolerncia e

    permitem retardar a descarga. Esta mudana dos limiares origina uma hierarquia

    de motivaes que vai das pulses aos interesses e s escolhas

    (RAPAPORT:1953), e corresponde ao desenvolvimento dos processos

    secundrios. Desenvolvimento este que atingido atravs da atividade de ligao,

    a ao experimental do pensamento e da memria sobre a atividade alucinatria.

    De acordo com Green, para Rapaport, h uma tendncia em dar um lugar

    crescente idia de pensamento representante da realidade, por ser a idia a

    representao preponderante da pulso. A dominao dos afetos se conclui com a

    neutralizao deles. As cargas afetivas so submetidas a contra- investimentos,

    mas as antigas estruturas persistem e so capazes de reaparecer durante

    tempestades afetivas e em processos primrios. No entanto, a neutralizao

    atingiu a produo de afetos sinais que se tornam progressivamente sinais de

    sinais. Porm, ao oposto do que possa aparentar, a neutralizao afetiva no a

    nica condio para a normalidade, sendo necessrias tambm a variabilidade, a

    mobilidade e a modulao afetiva 4. Assim, os estados patolgicos sero

    caracterizados pela rigidez, pela intensidade e pela compacidade das produes de

    afeto (GREEN:1973).

    Em cada nvel h a descoberta de um conflito. O conflito entre as diversas

    camadas marca o ponto de vista dinmico e, do conflito entre a neutralizao e a

    descarga, resulta o ponto de vista econmico. As diversas instncias agem

    sinergicamente ou antagonicamente numa perspectiva que leva em conta a

    realidade, caracterizando o ponto de vista estrutural e adaptativo. De acordo com

    4 Rich and modulated affect-life appears to be the indicator of a strong-ego RAPAPORT, D. On the psychoanalytic theory of affects. In: International Journal of Psychoanalysis., 34, 1953, pp. 195.

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  • 66

    Green, nunca o pensamento de Freud foi mais laicizado (GREEN:1973). A

    metapsicologia freudiana, definida pelos seus pontos de vista dinmico,

    econmico e tpico, sofre aqui uma distoro. O ponto de vista tpico torna-se

    estrutural e, como se faltasse algo na metapsicologia freudiana (GREEN:1973),

    Rapaport introduz o ponto de vista gentico e adaptativo.

    De acordo com Vieira, Rapaport inaugura a primeira corrente, cuja via de

    interpretao freudiana, fundada por Heinz Hartmann, lanou as bases da

    psicologia do ego, retomando a segunda tpica com a finalidade de promover a

    apologia do ego forte e de uma psicanlise normalizante para uma viso

    adaptativa. Portanto, a teoria de Rapaport a introduo, no campo do afeto,

    daquilo que introduzido por Hartmann na teoria psicanaltica, isto , o ponto de

    vista estrutural adaptativo. A segunda teoria do afeto em Freud revista a partir

    de uma tentativa de objetivao do fato clnico e de uma leitura de Inibio,

    Sintoma e Angstia que se funda sob o binmio ego-mundo (VIEIRA:1996).

    Para Vieira, no entanto, esse gnero de concepo no novo. Fenichel

    j havia insistido sobre a funo de controle progressivo do ego em relao a seu

    desenvolvimento gentico, no sentido de um reduo da descarga afetiva. Alm

    disso, as concepes hartmannianas teriam j sido transpostas explicitamente para

    o campo do afeto antes de Rapaport, notadamente por Reider 5 que correlacionou

    os afetos ao desenvolvimento do ego, ou ainda com Landauer 6 que se refere a

    afetos filogeneticamente diferenciados. Mas com Rapaport que essas noes

    tiveram sua traduo mais caracterstica, mais consistente e que instaurou uma

    via onde Brenner o ltimo autor at a data (VIEIRA:1996).

    Vieira, como j dissemos, se concentra no estudo de dois autores

    contemporneos: Brenner, representando a primeira corrente, e Green,

    representando a segunda corrente proposta pelo autor. Segundo este, a escolha de

    Brenner se d menos pela originalidade ou importncia de sua contribuio que

    pelo carter exemplar de seus estudos. Para Vieira, Brenner ocupa um lugar

    importante no panorama psicanaltico americano, por firmar uma obra sobre a

    psicanlise que faz a funo de sntese introdutria largamente difundida. Esta

    teoria unificada, se propondo a dar uma contribuio original que articula o

    5 REIDER, N. The theory of affects. In: Bull. Amer. Psa. Assn.. 8, 1952, pp. 300-315. 6 LANDAUER, K. Affects, Passion and Temperament. In: International Journal of Psycho-Analysis. 19, 1938, pp. 388-415.

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  • 67

    afeto angstia, e considerada exemplar das linhas de fora que Vieira ir

    denominar de continuum affectif (VIEIRA:1996). Acreditamos entretanto que,

    para os fins de nosso trabalho, devemos considerar mais profundamente as

    proposies de Brenner, segundo a interpretao feita por Vieira,

    comparativamente ao estudo das proposies de Green, a serem feitas mais

    adiante.

    Afirma Vieira que Rapaport coloca em discusso, j no incio de seu

    artigo, o estatuto metapsicolgico do afeto. As trs teorias freudianas

    identificadas pelo autor, j apresentadas acima teoria da catarse, teoria da

    descarga (denominada por Green de teoria do conflito) e teoria do afeto-sinal,

    correspondem a trs nveis de conceitualizao. Dessa forma, as teorias no so

    autnomas, integrando uma hierarquia evolutiva e cronolgica, sendo portanto

    considerada a mais perfeita a teoria do afeto-sinal de Inibio, Sintoma e

    Angstia. Esta ltima se abre ainda ao ponto de vista estrutural adaptativo,

    constituindo, como j vimos, um quarto nvel, introduzido por Hartmann na

    metapsicologia freudiana. Nesta perspectiva gentica e periodizada, um ego

    forte ter como indicador um gnero de afetos secundrios, afetos estes

    claramente anunciados por Rapaport como j sendo reconhecidos por Fenichel, e

    que so caracterizados por uma maior mobilidade, modulao e variabilidade.

    Destaca Vieira que a distino feita por Jones entre afetos primrios e

    secundrios, entretanto, o resultado de uma evoluo individual, como duas

    formas ou nveis de maturao de uma mesma coisa, tratando-se portanto de um

    outro sentido completamente diverso do que dado por Rapaport (VIEIRA:1996).

    As variaes pulsionais em todos os nveis hierrquicos permanecem

    efetivas na vida psquica. Dessa forma, encontramos no adulto normal fenmenos

    afetivos que vo desde afetos de investimentos altamente neutralizados entrada

    de afetos macios. A coexistncia desses estados implica, dessa forma, um

    continuum institudo ao seio do sujeito, entre o passado e o presente, o animal e o

    humano. O equilbrio a chave da evoluo, e de sua ruptura, se origina o afeto.

    Ele se insere em vrios nveis atravs de uma progresso adaptativa que parte do

    equilbrio dinmico, passa pelo equilbrio energtico e chega finalmente ao

    equilbrio tpico entre as instncias (VIEIRA:1996).

    E. Jacobson publica, em 1953, o artigo The affects and their Pleausre-

    Unpleasure Qualities in Relation to the Psychic Discharge Processes, de grande

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  • 68

    influncia na literatura psicanaltica 7. Ela analisa as concepes de vrios autores,

    sobretudo as de Glover, Brierley e Rapaport, e propem uma sada, segundo

    Green interessante, quanto ao fato do afeto ser considerado um fenmeno de

    tenso ou um fenmeno de descarga.

    Considerado do ponto de vista psico- econmico, um estmulo interno ou externo conduz a elevaes de tenso que tm como resultado um desencadeamento psquico e um processo de descarga. Esse processo encontra sua expresso nos fenmenos motores tanto quanto nas sensaes e nos sentimentos percebidos pela superfcie externa e interna da conscincia (JACOBSON: 1953). O afeto, portanto, se origina a partir dos fenmenos de tenso e dos

    fenmenos de descarga, sendo os dois aspectos inseparveis. Uma elevao de

    tenso pode, ainda, continuar a se desenvolver num determinado ponto, enquanto

    que num outro, ela pode decrescer por uma descarga parcial. Coexistem, assim,

    investimento e contra-investimento. A descarga pode, no prazer, iniciar, enquanto

    a tenso ainda cresce. O prazer de tenso pode levar necessidade de uma maior

    excitao, o prazer mximo pode acarretar a necessidade de um apaziguamento e

    o prazer de apaziguamento a nostalgia de um prazer de tenso. A situao

    psquica determinar a mudana. Dessa forma, a concepo rapaportiana do afeto

    como resultado de uma no descarga no pode ser admitida pela autora, posto que

    o afeto tambm o resultado do investimento pulsional. E o princpio de prazer

    no objetiva mais o apaziguamento das tenses.

    O princpio de prazer e, mais tarde, sua modificao, o princpio de realidade, limitar-se-ia a dirigir o curso das oscilaes biolgicas em torno de um eixo mdio das tenses; isto , as modalidades dos processos de descarga. As qualidades do prazer sero vinculadas s oscilaes do pndulo da tenso de cada lado, por tanto tempo quanto os processos de descarga psicofisiolgica correspondentes puderem escolher certas vias preparadas e as mudanas de tenso puderem tomar um curso definido dependendo, parece, de certas propores ainda desconhecidas entre as quantidades de excitao e a velocidade e o ritmo de descarga(JACOBSON:1953 apud GREEN:1973).

    Para Jacobson, as funes de controle e de gratificao das pulses

    psquicas, a funo adaptativa e a funo de autoconservao representam as leis

    essenciais da vida psquica. De acordo com Green, tais consideraes tericas

    acarretam uma considervel mudana na concepo freudiana. O princpio de 7 De acordo com Green (1973), este artigo pode ser genuinamente considerado o mais importante

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  • 69

    prazer est submetido a um princpio homeosttico, que se revela o centro de uma

    homologia psquica biolgica. Neste contexto, a agressividade passa a ter uma

    relao direta com a frustrao e a tolerncia tenso apreciada somente em

    relao com o controle da frustrao. Portanto, a maturao afetiva depende da

    adaptao ao princpio da realidade, pela reduo do afeto a sua funo sinal,

    consolidando o ponto de vista gentico (GREEN:1973).

    importante destacar que a autora, a partir de tais consideraes, distingue

    duas classes de afetos: os afetos simples e compostos originados de tenses intra-

    sistmicas e os afetos simples e compostos originados de tenses inter-sistmicas.

    Na primeira classe de afetos, eles so subdivididos em afetos representantes das

    pulses propriamente ditas, originados das tenses diretas do id, e afetos

    originados diretamente das tenses no ego. Na segunda classe, os afetos se

    subdividem em afetos originados de tenso entre o ego e o id e afetos originados

    de tenses entre o ego e o superego (JACOBSON:1953).

    Segundo Vieira, a maior parte dos autores, a comear por Rapaport, no

    descarta o ponto de vista econmico, com exemplar exceo de Brenner, que o faz

    de forma clara. Existe mesmo quem se situa de uma forma radicalmente oposta

    de Brenner, como Borge-Lfgren (1964) que, como veremos adiante, prope uma

    concepo puramente energtica do afeto. O continuum evolutivo de Hartmann

    diretamente proveniente de um continuum energtico implicitamente aceito por

    todos os autores dessa corrente. Nesse sentido, os estudos de Brierley constituem

    um exemplo das dificuldades engendradas pelo paradigma psicofisiolgico. Para

    esta autora, como tambm para a maior parte dos autores dessa corrente que se

    fundamenta sobre a gide do econmico (VIEIRA:1996), a questo essencial

    saber, como j vimos, se o afeto um fenmeno de tenso ou de descarga, posto

    que Freud parece ter teorizado o afeto nessas duas direes (VIEIRA:1996).

    Brierley, ao buscar inserir o afeto em seu modelo de arco pulsional, se

    questiona onde este deve ser colocado, se do lado aferente ou do lado eferente, e

    termina por coloc-lo no centro. De acordo com Vieira, isso se d sem que

    saibamos muito bem onde se encontra esse lugar, e qual o estatuto que a autora

    lhe d. De acordo com esse autor, tambm, tudo afirma a preferncia da autora

    pelo afeto como um fenmeno de tenso. E. Jacobson constitui outro exemplo,

    por atribuir a origem dos afetos aos fenmenos de tenso e de descarga, da literatura psicanaltica sobre o tema.

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  • 70

    correspondendo assim o afeto, ao mesmo tempo, a uma tenso e a uma descarga.

    O que poderia se constituir uma autntica transformao, no fosse o fato de,

    inscrita no paradigma psicofisiolgico, Jacobson ser condenada a cair no

    paradoxo de uma descarga que no se descarrega 8(VIEIRA:1996).

    As contribuies de Rapaport e de Jacobson asseguram, para Green, os

    novos eixos tericos da psicanlise. A escola norte-americana se caracterizar

    pela admisso dos pontos de vista estrutural e gentico numa perspectiva

    psicobiolgica, onde a finalidade adaptativa denotada no estudo do par

    estmulo- resposta. A escala maturativa possui uma tendncia ao estabelecimento

    de sinalizao com finalidade adaptativa; h uma diferenciao entre o ego e o

    self, com dotao pelo ego de aparelhos autnomos com inteno adaptativa. O

    par gratificao- frustrao uma das maneiras de se estudar o fenmeno, sendo a

    libido associada gratificao, enquanto que a agressividade associada

    frustrao (GREEN:1973).

    Segundo Vieira, o afeto, em Rapaport, parece ter uma existncia prpria

    no enquadre psicofisiolgico. E, posto que ele compreendido separadamente,

    poderamos supor que ele possa se manifestar sozinho, desprendido da

    representao. Ainda que Rapaport insista sobre o papel dos afetos-sinais, na

    qualidade de ndices de realidade to importantes quanto os da idia, a questo das

    relaes entre o afeto e a representao no abordada por esse autor. Vieira

    segue declarando que Freud aceita a existncia do afeto sem idia, sem que faa

    questo de uma gnese e de uma teorizao independentes como as que

    encontramos em Rapaport, posto que, para Freud, o afeto no se distingue da

    representao somente aps o recalque. Em Freud, o afeto no ndice,

    representante. Dessa forma, o afeto permanece em uma relao intrnseca com a

    idia e, j que todos os dois so delegados, nenhum deles guarda uma relao

    material com a pulso 9. Com efeito, a questo em Freud no a transformao

    8 Nous avons l quelque chose qui aurait pu constituer um vritable changement, ntait que, du fait de sinscrire dans le paradigme psychophysiologique, Jacobson est condamne tomber dans le paradoxe dune dcharge qui ne se dcharge pas. VIEIRA, M. In: LEthique de la Passion. 1996, pp.90. 9 A utilizao do paralelismo psicofisiolgico jacksoniano por Freud em sua crtica Wernicke outra. No trata-se de conceber um fenmeno psquico ocasionado (a cada vez) por uma modificao na coisa fsica ou o inverso. A passagem da noo de alterao fisiolgica para a de processo funcional na origem do fenmeno psquico, tal qual ela descrita em seu estudo sobre as afasias, acena essa alterao. VIEIRA, M. In: LEthique de la Passion. 1996, pp.83 (traduo nossa).

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  • 71

    de um substrato orgnico localizvel originando chos psychologiques

    (VIEIRA:1996) mas, antes, a dos vnements physiologiques (VIEIRA:1996)

    postulados a posteriori a partir das funes anmicas A realidade material desses

    eventos no mais o ponto de partida constitutivo de um axioma causal

    obrigatrio, mas um postulado lgico necessrio (VIEIRA:1996).

    O debate acerca das relaes entre o afeto e a representao desemboca

    sobre as tentativas de conciliar afeto-ndice e representao. Brenner, segundo

    Vieira, aqui um autor tpico, j que sintetiza e prope a soluo mais difundida

    entre as que tomam Rapaport como ponto de partida. Trata-se de considerar o

    afeto como um ente inconsciente mais ou menos energtico, que encontra na

    representao seu modo de expresso. O afeto sinalizaria ento os contedos aos

    quais o ego est associado. De fato, no somente o conjunto da vida afetiva

    traduzindo os nveis de evoluo do indivduo que deve nos interessar, importa

    precisar o contedo inconsciente associado a cada afeto para poder localizar os

    contedos que se ligam aos afetos primitivos e os que se ligam aos afetos mais

    desenvolvidos. Isso acarreta uma oscilao no interior do quadro hartmanniano,

    entre o realismo naturalista da proposio s o afeto (ou o conjunto das

    manifestaes afetivas do indivduo em suas relaes com o mundo) pode indicar

    de maneira concreta o grau de maturao do ego (VIEIRA:1996) e uma espcie

    de idealismo nominalista, que formula que o afeto encontra na idia sua

    colocao em forma expressiva, e que mostra os contedos aos quais o ego se pe

    verdadeiramente em relao, e so esses que indicam o nvel de maturao do

    ego(VIEIRA:1996). Dessa feita, encontramos todas as gradaes possveis entre

    essas duas posies.

    De fato, um amplo nmero de trabalhos sobre o afeto adotar a orientao

    dada pelos trabalhos de Hartmann e de Rapaport a partir de 1953. Green os divide,

    didaticamente, em trabalhos puramente tericos, trabalhos orientados para a

    clnica, e trabalhos centrados no tratamento. De acordo com Vieira, Green, em O

    Discurso Vivo, ligado determinao manifesta de demonstrar que a teoria

    lacaniana fundada sobre um esquecimento do afeto, e a uma tentativa mais ou

    menos assumida de constituir uma teoria geral do afeto, ir acumular uma

    quantidade enorme de informaes e de exposies de textos os mais diversos, por

    vezes sem um fio condutor aparente. Vieira porm atesta, ao se referir ao seu

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  • 72

    prprio trabalho, que sua leitura dos trabalhos ps-freudianos vaga e, em certa

    medida, injusta, frente ao esforo dos autores escolhidos por ele incluso Green

    em constituir uma teoria do afeto que se sustente. O autor salienta ainda que, para

    os seus objetivos, menos importante o exame profundo de cada sistema do que

    extrair suas linhas de fora maiores quanto ao afeto, com a finalidade de

    compar-las em seguida com a leitura lacaniana de Freud (VIEIRA:1996).

    Portanto, para Vieira, o exame dos trabalhos de Brenner e Rapaport so

    suficientes para a exposio das linhas diretrizes do que se denomina psicologia

    do ego. A nossa finalidade nesse trabalho no a mesma de Vieira, porm

    tampouco a de Green. Na verdade, os objetivos e limites do nosso trabalho,

    expostos em nossa introduo, guardam certas proximidades e certos

    distanciamentos com os mtodos utilizados pelos dois autores. Dessa forma,

    consideramos importante apresentar alguns tericos da escola norte-americana

    que, para ns, so representativos de alguns impasses e de algumas contribuies

    ao estudo do tema em questo.

    Kaywin(1960) associado por Green ao grupo de trabalhos puramente

    tericos. Para ns, isso importa menos do que a atitude assumida por esse autor,

    marcada por uma posio epigentica extremista. Ele sustenta que a energia

    biolgica a nica cuja existncia admitida, sendo dispensvel uma

    diferenciao entre energia biolgica e energia psquica, e ilegtima a referncia a

    um ponto de vista energtico em psicanlise. A energia somente pode ser estudada

    atravs das funes e dos processos estrutural-energticos de modelos de reao,

    que so estratificados em hierarquias de unidade estrutural funcionais. Parte-se

    das unidades qumico energticas para as unidades genticas, e dessas, para as

    unidades embriolgicas, chegando, por fim, s unidades psicobiolgicas e

    psicanalticas. O afeto um sentimento do ego positivo ou negativo, definido

    como representaes de sinais internos e externos que sofre estruturaes e se

    torna representaes do self. As percepes de tonalidade em relao com ( ou

    associadas com) o self (mais exatamente partes do self) podem ser descritas como

    afetos (KAYWIN:1960 apud GREEN:1973).

    As proposies de Kaywin desvirtuam por completo a metapsicologia

    freudiana. Segundo Green, ele insiste no carter no-genrico dos conceitos de

    pulses, o que possibilita modific-los e at mesmo substitu-los, em coerncia

    com as reformulaes tericas. Alm disso, os conceitos de investimento, de

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  • 73

    ligao e de neutralizao no so sustentveis em sua forma atual. E os

    conceitos de id, ego e superego no so indispensveis. Finalmente, a concepo

    clssica do desenvolvimento da libido pode ser radicalmente alterada a partir do

    momento em que ela se torna um aspecto parcial do processo integral da

    epignese (GREEN:1973).

    Moore 10 (1968 apud GREEN:1973) associar o afeto de descarga

    fisiolgica s estruturas cerebrais, particularmente o sistema lmbico. Afirma este

    autor que a natureza fisiolgica dos afetos primrios a responsvel pelo seu

    estatuto inconsciente. Stewart 11(1967 apud GREEN:1973), adotando uma posio

    menos extremista, acentua a funo de sinalizao do ego. Atravs da anlise dos

    trabalhos de Freud de 1888 a 1898, esse autor levanta a hiptese de que a funo

    sinal do afeto, que objetiva despertar o ego com a finalidade de adaptao, j era

    considerada por Freud desde o comeo. A partir disso, ele define o afeto como

    uma mensagem de valor informativo que se inscreve no conjunto dos processos

    reguladores do aparelho psquico. Destacamos tambm Max Shur 12 (1967 apud

    GREEN:1973) que, defendendo a idia de um continuum psicofisiolgico em seu

    trabalho sobre o id, sustenta que este tambm dotado de aparelhos autnomos

    com finalidade adaptativa, no sendo estes, como declara a maioria dos autores

    norte-americanos, exclusividade do ego.

    Engel 13 (1962 apud GREEN:1973) estuda a transio do campo biolgico

    para o campo psicolgico, a partir da problemtica dos afetos primrios de

    desprazer na criana. O autor salienta o valor do afeto como modo de

    comunicao arcaico, e estabelece duas grandes categorias afetivas. A primeira,

    de origem biolgica, abarca os afetos de descarga pulsional, anteriores

    constituio do ego. Eles possuem um fraco valor sinalizador cujo efeito se

    resume descarga. O acesso ao campo psicobiolgico feito pelo surgimento do

    ego, no nono ms. Os afetos passam a ter um amplo valor de sinal e suas

    informaes podem ser decodificadas nos registros de prazer ou de desprazer. O

    ego submetido ao princpio da realidade e a funo da descarga deslocada 10 MOORE, B. Some Genetic and Developmental Considerations in Regard to Affects. Cf BORJE-LOFGREN (1968). 11 STEWART, W. Affects. In: Psychoanalysis: The First Ten Years 1888-1898. Mac Millan Co.,1967. 12 SCHUR, M. The Id and there Regulatory Principles of Mental Functioning. Hogarth Press and the Institute of Psychoanalyse, 31, 1967.

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  • 74

    para o segundo plano. O autor firma as suas hipteses na diferenciao freudiana

    entre angstia automtica e angstia sinal. A angstia automtica induz respostas

    de modelo ativo e de modelo passivo. Dessa forma, h a oposio de dois grandes

    tipos de afetos. A angstia, como um esforo para assegurar a satisfao das

    necessidades de um modo regressivo, no quadro de uma relao que permite

    distinguir self e objeto, e a retrao depressiva, como uma reao perda do

    objeto, compreendida como uma regresso macia que assinala a derrota do ego, e

    um retorno ao estdio de indiferenciao pr- objetal.

    O ponto de vista epigentico permanece, assim, como o grande eixo

    norteador. Schmale 14, em 1964, sugere uma classificao gentica dos afetos

    segundo as duas grandes etapas da no- distino entre o self e o objeto e,

    posteriormente, a sua diferenciao. As teorizaes sobre o afeto encontram-se na

    dependncia cada vez mais expressa das relaes entre o self e o objeto. Spiegel

    (1966) estuda os afetos nessa perspectiva, considerando as relaes entre o afeto e

    o narcisismo. Seu trabalho se situa menos na angstia do que na dor, considerada

    segundo os conceitos metapsicolgicos. De acordo com Green, embora esse autor

    contribua para a compreenso da relao do self com o objeto, h um

    deslocamento da nfase, que colocada sobre a experincia real em prejuzo da

    realidade fantasmtica, tal como delineada nos trabalhos kleinianos

    (GREEN:1973).

    Em 1968, Sandler e Joffe, a partir de determinadas hipteses de Freud 15,

    compreendem o afeto como resultado de uma experincia traumtica, como

    indicador de uma quantidade pulsional e como resposta a um estmulo. O artigo

    defende uma psicologia psicanaltica da adaptao. Nesse sentido, as neuroses

    so adaptaes patognicas aos efeitos secundrios de um acontecimento, de uma

    realidade ou de uma experincia particular pertencente ao mundo exterior. Assim,

    o afeto se torna um mediador da adaptao. Adotando a posio de Max Schur

    (1967), que compreende o princpio de prazer como princpio homeosttico de

    constncia, regulador do funcionamento mental e do equilbrio pulsional, esses 13 ENGEL, G. Anxiety and Depression Withdrawal: the Primary Affects of Unpleasure. In: International Journal of Psychoanalysis. 43, 1962, pp. 89-97. 14 SCHMALE, A. A Genetic View of Affects with Especial Reference to the Genesis of Helplessness and Hopelessness. In: Psychoanalytic Study of the Child. 19, 1964. 15 JOFFE, W. e SANDLER, I. Comments on the Psychoanalytic Psychology of Adaptation with Especial Reference to the Role of Affects and the Representational World. In: International

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  • 75

    autores dissociam o princpio de prazer- desprazer das experincias afetivas de

    prazer e de desprazer e o funcionamento psquico procede por integraes

    positivas sucessivas. Os autores sugerem a introduo na metapsicologia de um

    princpio de segurana, cujo objetivo a constituio de um estado afetivo central.

    O objetivo final a reduo da distncia entre o self ideal, oriundo de um

    funcionamento psicobiolgico harmonioso, e o self afetivo. A individuao

    consiste na evoluo progressiva que substitui os ideais infantis pelos ideais

    adaptados realidade (GREEN:1973).

    Este primeiro grupo da escola norte- americana, fundamentalmente

    terico, se diferencia entre os que adotam o ponto de vista econmico e os que

    adotam o ponto de vista que poderia ser chamado de sinaltico (GREEN:1973).

    A grande maioria dos autores, como pudemos observar, pertence ao primeiro

    grupo. Entre os autores ligados concepo econmica encontramos Borje-

    Lfgren (1964), que prope uma concepo puramente energtica do afeto. A

    excitao psquica ser compreendida segundo os dados da excitao nervosa,

    com o estudo de potenciais energticos, transferncia de cargas dos potenciais

    elevados para potenciais menos elevados, onda de negatividade e isolamento de

    pools de energia das clulas nervosas. O afeto aqui o puro produto das trocas

    energticas, sem qualquer referncia qualidade, a no ser como resultado das

    operaes de drenagem entre o ego e o id. Ulteriormente, esse autor completa

    suas concepes adotando a tese do afeto como expresso mimtica de valor

    comunicativo (1968), e tentando uma difcil harmonizao com suas opinies

    anteriores (GREEN:1973).

    De acordo com Vieira, na concepo puramente energtica do afeto

    proposta por Borge-Lfgren, o modo de transmisso das mensagens atravs do

    neurnio, isolado e descrito em laboratrio, vem aqui fornecer no mais uma

    metfora, mas a realidade material do aparelho psquico e das mensagens

    veiculadas pelo afeto, traduzidas pelas variaes energticas. Para Vieira, tais

    afirmaes, no entanto, conduzem s mesmas dificuldades que as outras, visto que

    o autor se encontra obrigado a apoiar-se em uma teoria da comunicao, em seu j

    mencionado artigo de 1968. Este, inscreve o afeto do lado do signo e da

    mensagem, aproximando-se assim da soluo de Brenner, na tentativa de resolver

    Journal of Psychoanalysis. 49, 1968. As hipteses freudianas s quais os autores se referem so as apresentadas no Estudos sobre a Histeria.

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  • 76

    as dificuldades de evitar o fator econmico, porm sem notar que esta questo se

    repousa na manuteno do quadro psicofisiolgico (VIEIRA:1996).

    Para Green, em todos esses trabalhos encontra-se presente a tese

    hartmanniana dos afetos enquanto indicadores, sustentando a tese do valor

    cognitivo do afeto para a maioria dos autores. Green declara que, embora aprove

    a funo cognitiva do afeto, no considera que o sinal de afeto possua um valor

    adaptativo. Afirma o autor que muito mais fecundo heuristicamente ligar o

    afeto ao processo de simbolizao e coloc-lo em relao com outros tipos de

    significantes presentes no processo psicanaltico(GREEN:1973).

    No segundo grupo de trabalhos norte-americanos postulado por Green, o

    foco o aspecto clnico. Argumenta esse autor que, ainda que essa diviso seja

    artificial, ela til por permitir situar parte certos autores nos quais a influncia

    hartmanniana menos destacada. Nesse segundo grupo, Green inclui Blau,

    Novey, Lewin e Schafer. Acreditamos ser importante apresentar este ltimo, cuja

    abordagem do problema do se distingue por uma orientao no gentica, pouco

    comum entre os autores anglo-saxes. E tambm Lewin, por sua importante

    contribuio aos problemas tericos colocados pelo afeto.

    Schafer (1964) estabelece oito parmetros para o estudo do afeto:

    existncia, formao, fora, estmulos, complexidade e paradoxo, localizao,

    comunicao e histria. Quanto existncia, declara o autor que a expresso dos

    afetos no uma prova de sua autenticidade, assim como a ausncia de expresso

    no uma prova de sua dissimulao. Da mesma forma, a hiperexpressividade

    dos afetos no atesta forosamente sua artificialidade. Desse modo, qualquer

    abordagem fenomenolgica dos afetos inadequada. Com relao formao, a

    interpretao das defesas faz com que apaream novos afetos de difcil definio.

    E a formao de afetos precisos parece depender de um trabalho de isolamento, de

    fragmentao, assim como de um trabalho de representao e sntese. O afeto

    solidrio de uma configurao que suporta sua manifestao. O parmetro fora

    assevera que a fora tima para a expresso do afeto no a fora mxima.

    Assim, o afeto sinal seguramente o resultado de uma elaborao evoluda.

    Entretanto, a reduo afetiva no deve ser interpretada como um sinal de

    maturidade. A abertura para o afeto a explica melhor.

    Com relao aos estmulos, o autor afirma que a origem dos afetos no

    interna ou externa. s vezes os afetos so derivados dos objetos, s vezes so

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  • 77

    orientados para eles ou esto em reao contra eles. No parmetro complexidade e

    paradoxo, a anlise reconstri os agregados afetivos mais ou menos

    secundariamente autonomizados. Contudo, deve-se tomar cuidado com a reduo

    do afeto a uma pseudo- realidade simples. A autenticidade afetiva a

    complexidade, a ambigidade e no a simplicidade agenciada por um

    procedimento idealizante. A localizao dos afetos deve ser indicada em relao

    com o tempo, pela substituio de um afeto por um outro; em relao com o nvel,

    pela estratificao afetiva; em relao com as pessoas, pelopapel do emprstimo

    de um afeto pertencente a uma pessoa com a qual h identificao; e em relao

    com as zonas corporais - cuja referncia um ponto de partida, e no de chegada,

    pela atribuio dos afetos de uma zona outra. O afeto, a partir do parmetro

    comunicao, a relao entre uma emisso (mensagem) e uma recepo

    (resposta). Ele pode servir manipulao das pessoas com quem se convive

    (comunicao interpsquica) ou relao consigo mesmo (comunicao intra e

    interpsquica). Assim, a empatia no orientada apenas para o outro, ela tambm

    se aplica a si mesmo, por um processo de troca entre afeto e conscincia. O

    aspecto ontogentico do afeto denominado histria.

    De acordo com Bertram Lewin (1963), nossos hbitos de pensamento nos

    induzem busca de categorias intelectuais e afetivas puras. Porm, as

    experincias subjetivas primitivas ou primrias so, por natureza, experincias nas

    quais se misturam num todo indissocivel aquilo que apenas o desenvolvimento

    ulterior poder permitir distinguir sob os nomes de intelectual e de afetivo. A

    experincia subjetiva primitiva provm, deste modo, de uma fora macia e

    indiferenciada. Segundo esse autor, a metapsicologia freudiana permanece talvez

    presa a um atomismo psicolgico, que emprega todas as foras para distinguir

    destino do afeto e destino da representao. Segundo Green, Lewin, entretanto, se

    mantm filiado tese do afeto como formao subjetiva primitiva consciente

    (GREEN:1973).

    Os sonhos em branco fornecem exemplos clnicos de afetos puros, sem

    conotao representativa, nos quais s o afeto est presente. Para Lewin, porm,

    tais sonhos, que pertencem ao contedo manifesto, so produtos altamente

    elaborados em cuja produo os mecanismos de defesa do ego exercem um papel

    importante, assim como a regresso. Os afetos so sempre formaes compsitas,

    compromissos como os sintomas entre as emanaes do id e as atividades do

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  • 78

    ego. Dessa forma, determinados afetos-encobridores so anlogos s lembranas-

    encobridoras. Logo, h uma estruturao dos afetos, que segue simultaneamente

    no sentido da diferenciao (afetivo-intelectual) e no da elaborao afetiva

    (construes de afetos), onde o ego intervm de modo estimvel. Para Green,

    visvel que a teoria psicanaltica norte-americana se volta para uma psicologia

    categoricamente gentica. Quanto a esse ponto, afirma o autor: Nossa reticncia a respeito da psicanlise gentica no se d porque sejamos levados a minimizar por pouco que seja as razes infantis do inconsciente. Mas so dois procedimentos diferentes: afogar a especificidade do pensamento psicanaltico numa teoria do desenvolvimento da personalidade e fazer a teoria da diacronia em psicanlise. Qualquer que seja a crtica que possa ser feita aos autores kleinianos sobre a correspondncia entre os fatos que eles descrevem e a situao desses fatos no calendrio da cronologia, essa verso inacreditvel do desenvolvimento parece nos mais acreditvel do que a dos autores mais ou menos hartmannianos(GREEN:1973). A exposio dos trabalhos ps-psicanalticos anglo-saxes feita por Green

    indica claramente a preferncia deste autor pela escola inglesa. A sua crtica

    escola norte-americana voraz. Ele chega a afirmar que uma das suas

    constataes mais surpreendentes foi a descoberta de que essa escola possua os

    mesmos traos recriminadores dos trabalhos franceses: a abstrao e a

    intelectualizao. Em relao exposio dos trabalhos franceses, a escolha de

    Green recair sobre Mallet, do ponto de vista terico e Bouvet, do ponto de vista

    clnico, que abordaram diretamente o problema. Porm, acreditamos que para os

    fins de nosso trabalho, mais enriquecedor apontar as contribuies de Green a

    uma teoria geral do afeto. o que pretendemos fazer de agora em diante.

    De acordo com Vieira, o trabalho de Green muito mais aprofundado e

    muito mais denso que o de Brenner, escolhido para representar a primeira

    corrente. Em Brenner, ressalta-se uma teoria quase dogmtica, que se pretende

    amparar sobre a evidncia clnica a partir da qual o autor se considera capaz de

    efetuar uma sntese das concepes presentes na teoria psicanaltica. Assim, a

    sua autoridade vem do fato clnico (VIEIRA:1996). Encontramos, ento, uma

    narrativa rgida e simplista que tem, todavia, a vantagem de ser muito clara

    quanto aos seus objetivos e s suas concluses. O trabalho de Green, ao contrrio,

    marcado por concepes mais sofisticadas, porm se mostra menos elucidado

    quanto ao seu projeto de conjunto. No entanto, esta diferena no sem relao

    com os fundamentos tericos da corrente de pensamento onde esse autor se

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  • 79

    insere, particularmente no que se concerne ao valor que conferido ao fenmeno

    (VIEIRA:1996).

    Para Brenner a verdade est no fenmeno, que mais ou menos

    diretamente acessvel, e sua teoria objetiva traduzir um fato de realidade. Em

    Green, o fenmeno j uma dcoupage da realidade, mediatizado pela

    transferncia. Esta impede de fazer abstrao das condies de transmisso da

    experincia onde o fenmeno se produz, que levaria utilizao dos discursos

    produzidos sobre o afeto somente a ttulo de ilustrao, como o faz Brenner. De

    acordo com Vieira, esse pressuposto muito positivo, ainda que parea faltar ao

    autor um aparelho conceitual claro. Para Vieira, isso o conduz a construir um

    painel enciclopdico que retrata tudo o que foi dito sobre o afeto na literatura

    psicanaltica, para poder introduzir sua teoria, sem que saibamos muito bem

    aquilo que est em revista, e que parece no lhe conferir a autoridade de saber

    necessria para criticar Lacan. Assim sendo, Green ir seguir ao exame das

    obras de Freud sobre o afeto, depois expor uma viso de conjunto da literatura

    aps Freud e, em seguida, examinar o papel dos afetos nas diferentes estruturas

    clnicas, para s depois se permitir a formular suas prprias teses de maneira

    mais explcita (VIEIRA:1996).

    Em sntese, Green (1973) retoma a tradio inglesa a partir dos trabalhos

    de Melanie Klein e de Ernest Jones, e os coloca em tenso com sua leitura

    oblqua de Lacan(VIEIRA:1996), com a finalidade de situar o afeto na qualidade

    de linguagem primordial, protolinguagem, hiptese que se presta a todas as

    crtica endereadas a uma viso evolucionista da origem da linguagem

    (VIEIRA:1996).

    na terceira parte de sua obra que Green introduz os seus estudos tericos

    sobre o tema. Para tanto, o autor analisa o afeto em suas relaes com as duas

    tpicas e, em seguida, apresenta a sua contribuio mais direta, denominada por

    ele de esboo de um modelo terico: o processo 16 . Em suas consideraes

    iniciais, o autor aponta que a situao do afeto na teoria freudiana paradoxal j

    em sua definio. Em verdade, encontramos duas definies distintas do afeto

    16 Na lngua francesa, le procs, que para o autor compreende, ao mesmo tempo, o sentido de marcha, desenvolvimento, progresso, e o sentido de desfecho do conflito, pela deciso dada a ele, consignada no estado que o apresenta (GREEN:1973). Green prefere o termo procs ao termo processus psicanaltico, posto que, para ele, o ltimo s possui uma das acepes precedentes.

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  • 80

    cuja compatibilidade problemtica. A primeira, a da quantidade,

    consubstancial com o inconsciente, pois trata da afectao energtica das

    representaes. A segunda, a da qualidade, parece deixar pouca margem ao

    inconsciente (GREEN:1973).

    Green reconhece que os agentes provocadores do afeto (GREEN:1973)

    so identificveis no real e no imaginrio. Entretanto, tal origem no exclusiva,

    declarando o autor expressamente a existncia de afetos surgidos do interior do

    corpo, por uma elevao sbita de investimento, e sem o socorro da

    representao (GREEN:1973).

    Sem dvida, possvel, procurando bem, encontrar resqucios perceptveis e representativos, que se tentado a vincular irrupo afetiva. Mas no escapamos, ento, impresso de que esta aproximao artificial; ela secundria em todos os sentidos do termo. Tudo leva a pensar que o movimento que partiu do corpo sofreu um reforo de investimentos emanado da pulso e que os afetos assim produzidos buscaram desesperadamente representaes s quais tentaram lig-lo, como para conter na psique uma tenso que tenderia a se descarregar diretamente no ato(GREEN:1973).

    Para Green, o princpio de prazer, duplamente determinado pela dicotomia

    prazer- desprazer, um princpio eixo. Tal dicotomia permite conceb-lo como

    princpio da simbolizao primria, por seu poder de diviso e de categorizao da

    experincia afetiva e, portanto, de estruturao. A simbolizao primria do

    princpio do prazer estende-se entre a assimbolia do nada (princpio do

    Nirvana) e a simbolizao secundria (princpio de realidade). A unidade de

    prazer est entre o zero que ela tentada a alcanar, e a ligao, denominada

    concatenao, que implica a reduo quantitativa e qualitativa do afeto primrio,

    em benefcio do investimento da cadeia onde o afeto secundrio toma seu lugar na

    rede das representaes de coisa e de palavra (GREEN:1973).

    Ao analisar o conceito de pulso, ele aponta a inadequao dos limites

    semnticos tradicionais para designar o psquico em suas relaes com o

    somtico. Declara o autor que a expresso psquica das pulses no deve se

    referir a qualquer noo que implique em uma ntida separao entre o elemento

    representativo e o elemento afetivo energtico. Nos textos metapsicolgicos o

    recalque constitui o inconsciente como sistema e, por conseguinte, o vnculo entre

    o afeto e a representao s pode ser o vnculo entre o afeto e a representao de

    coisa (GREEN:1973).

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  • 81

    De acordo com o autor, h necessidade de efetuar uma distino estrutural,

    separando os fantasmas originrios dos posteriores ou secundrios. Para ele, o

    complexo representao- castrao se constri a partir do fantasma originrio,

    que parece ento desempenhar o papel de uma matriz do inconsciente. preciso

    considerar, com relao linguagem, as relaes entre processo primrio e

    processo secundrio. Na obra freudiana 17, a substituio da representao de

    coisa pela representao de palavra que lhe corresponde parece o resultado de um

    trabalho decisivo. De acordo com Green, essa mutao seria, ento, a

    responsvel pela transformao de uma representao do objeto pela

    representao das relaes de objeto, definidas por ele como condies de

    possibilidade que permitem correlacionar sua presena ou sua ausncia

    (GREEN:1973). Sendo o destino do afeto conseqentemente ligado a essa

    mutao (GREEN:1973).

    Para o autor, a inibio dos afetos pelo ego revela-se essencial, por sua

    faculdade de decidir se o investimento do objeto de natureza alucinatria, ou

    no. Paralelamente, pela reduo energtica que se efetua o trabalho do

    pensamento. O objetivo da linguagem tornar conscientes os processos de

    pensamento, sendo que o investimento que a acompanha transforma os

    pensamentos em percepes. O destino do afeto , pois, nos processos pr-

    conscientes e conscientes, o de ser inibido quantitativa e qualitativamente. Tais

    consideraes levam Green a propor algumas observaes sobre a teoria lacaniana

    do inconsciente estruturado como uma linguagem. Alerta o autor que no se pode

    confundir o papel desempenhado pela linguagem na concepo lacaniana com o

    que ela desempenha na teoria freudiana. Segundo ele, ainda, o que est em

    questo na teoria lacaniana a relao do sujeito com o significante e a produo

    do efeito de sentido pelo processo de estruturao que marca a mutao

    humana (GREEN:1973).

    Enfim, a linguagem em Lacan estuda a cadeia significante (concatenao).

    Conforme Green, a concepo lacaniana da concatenao apia- se no conceito

    de inconsciente, mas leva em considerao apenas as representaes da pulso. O

    autor ressalta ento o risco que reside em igualar as representaes, ignorando a

    17 Desde o Projeto para uma Psicologia Cientfica, passando pelos textos metapsicolgicos e, sobretudo, a partir de Formulaes Sobre os dois Princpios de Funcionamento Mental (GREEN:1973).

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  • 82

    distino entre representao de coisa e representao de palavra, como tambm,

    em tratar as representaes de coisa como representaes de palavra. O que, para

    ele, considerar negligencivel a relao da representao de coisa com o afeto e,

    de um modo geral, com o seu investimento energtico (a carga afetiva). Segundo

    Green tambm, Lacan justifica tal procedimento pela distino a ser efetuada

    entre as representaes, que seriam recalcadas, e o afeto, que sofreria apenas a

    represso. Green ento aponta j ter desfeito essa objeo 18 (GREEN:1973).

    Entretanto, o que est em questo para Green principalmente o fato da

    linguagem no possuir as mesmas propriedades funcionais em suas variadas

    funes. Dessa forma, a atribuio, no processo de concatenao, de um valor

    idntico a proposies distintas, parece ilegtima. Distinguiremos, portanto, a linguagem que se refere apenas a si mesma em sua ordem de estruturao prpria e que supe a reduo e a homogeneizao ao significante verbal, formando e sofrendo o processo linear da verbalizao e o discurso no qual a concatenao recebe as impresses provenientes de significantes heterogneos (pensamentos, representaes, afetos, atos, estados do corpo prprio), de investimentos energticos variveis que exprimem estados de tenso qualitativa e quantitativamente diferentes e tendendo descarga(GREEN:1973).

    O autor observa ainda que mesmo a fala mais verbal, mais abstrata,

    o resultado de uma descarga porque, entre outros motivos, o pensamento dito

    um pensamento que se descarrega. As diferenas de investimento dos

    pensamentos que invade a linguagem a ponto de desestrutur-la so, segundo

    Green, o retorno da matria prima corporal para a linguagem: o investimento

    da formalizao pela substncia. O afeto a carne do significante e o significante

    da carne(GREEN:1973).

    Green assegura que o prestgio da representao em certas orientaes

    contemporneas da psicanlise provm do fato de, por estar depositada na

    inscrio do trao mnmico, ela remeter atividade psquica da memria. O autor

    alerta, entretanto, que o afeto, segundo Freud, possui tambm uma funo de

    memria, claramente evidenciada na angstia. Sustenta o autor que no s a

    representao da situao de perigo rememorada, mas tambm o afeto que a

    acompanhava, e cujo retorno temido (GREEN:1973).

    18 Ver o captulo 2 do presente trabalho.

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  • 83

    Com relao escola Kleiniana, trs so os pontos principais referidos

    pelo autor: a nfase no valor da vivncia 19 (experincia) aqum e alm das

    funes de linguagem (GREEN:1973); o fantasma como a expresso quase direta

    do funcionamento pulsional, herdeiro do representante psquico da pulso

    freudiana; e a compreenso da necessidade de uma teorizao psquica que

    desloque a nfase do inconsciente para o id. Se, ao nvel do inconsciente, a

    dualidade representao- afeto tinha lugar, ao nvel do id, s esto presentes

    moes pulsionais contraditrias. A estrutura organizadora fundamental a da

    oposio entre pulses de vida e pulses de morte. O id s pode ser a sede dos

    fenmenos de tenso e de descarga, que no so propriamente nem conscientes

    nem inconscientes enquanto tais. H toda uma zona de trocas entre os produtos

    do id e o ego, mas a barreira do ego s admite neste, fragmentos do id

    domesticados. Essas moes pulsionais comportam em si contedos,

    representaes distintas enquanto tais. A hiptese do autor a de que o material

    que constitui esses fragmentos do id torna impossvel a a diviso em afeto e

    representao (GREEN:1973).

    O par tenso- descarga est , entretanto, sob a dominao do princpio do

    prazer, sendo impossvel suprimir o aspecto qualitativo dessas produes do id. O

    elemento representativo assumir uma significao diferente, conforme as

    camadas em que se encontra mais profundas e inacessveis, ou mais prximas

    do ego. Ao nvel do id, o afeto, indistinto da representao, irrepresentvel. Para

    Green, a angstia automtica, resultado de uma descarga in situ ao nvel do id que

    penetra por efraco no ego, de fato um afeto- representao, em que no

    concebvel nenhuma representao distinta. Tais afetos so a- representativos.

    Tm uma significao essencialmente econmico- traumtica. Atravs deles

    exprime-se a ameaa que pesa sobre a organizao do ego(GREEN:1973).

    Ao abordar o estudo das relaes entre o afeto e o superego, Green

    ressaltando que a neutralizao no o nico destino do afeto, aponta o

    masoquismo como sendo o mais freqente. O sentimento de culpa inconsciente e

    o gozo inconsciente aparecem nas estruturas clnicas com clareza 20, o que o leva

    19 E, segundo o autor, quase toda a escola inglesa de psicanlise tambm. 20 Assegura o autor que no superego do obsessivo, no do melanclico e no do paranico, sem contar no masoquismo moral, no parece possvel eliminar o afeto inconsciente.

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  • 84

    a postular tambm 21 a existncia de afetos inconscientes ao nvel do superego. a

    partir das relaes entre o afeto e o ego que Green apresentar o seu conceito de

    alucinao negativa. O autor no colocar em considerao todos os afetos que o

    ego pode sentir, limitando aos que so especficos do ego, e que esto referidos

    sua organizao narcsica.

    A estrutura especfica do ego est relacionada com sua situao tpica: na

    encruzilhada da realidade externa e da realidade interna, dilacerando-o em duas

    partes inconciliveis: o ego- prazer e o ego- realidade. Atenta o autor que isso

    no deve levar concluso de que a relao do afeto com o ego delimitada pela

    sua localizao no ego- prazer. Pelo contrrio, sua relao com a realidade externa

    est repleta de afeto, e isto no somente porque a realidade constantemente

    investida de afetos projetados, mas tambm porque o sentimento de familiaridade

    do real requer que o real seja tratado afetivamente de modo positivo

    (GREEN:1973).

    Para Green, a clivagem, considerada por Freud como um avatar do ego,

    revela-se de fato como participante de sua estrutura. Com efeito, o ego clivado

    devido sua dupla orientao externa e interna e dividido entre identificaes

    contraditrias. A imagem que forma de si mesmo nunca pode assim coincidir

    com ela mesma, devido alteridade que a habita (GREEN:1973). A alienao do

    ego inevitvel, na medida em que se superpem e se emaranham os estados do

    ego como vivncias primordiais e os estados do ego como resultados das

    operaes defensivas. A resultante este estado do ego na representao que ele

    adquire de si mesmo, constituio do narcisismo secundrio, e o afeto que conota

    esta representao aps o luto do objeto (GREEN:1973). Dessa forma,

    encontramos de um lado, uma distino entre representao e afeto, e do outro,

    um misto indissocivel suscetvel de se separar em seus elementos constitutivos.

    Por esta separao, os efeitos de afetos sero ligados no mais apenas a estados

    internos, mas tambm a situaes (GREEN:1973).

    Declarando ter insistido, em vrios momentos, sobre a importncia do

    sistema perceptivo representativo no que concerne ao objeto, ele evoca a

    percepo e a representao do sujeito, anunciando que, se o estado do espelho

    21 O autor j havia, como vimos anteriormente, postulado a existncia de afetos inconscientes ao nvel do id.

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  • 85

    lacaniano marca a assuno jubilosa da criana como o afeto que o acompanha,

    tal vicissitude no a nica possvel.

    A clnica nos ensina que a experincia do espelho est sujeita a outras vicissitudes. Queremos falar desta falta da representao de si, tal como nos mostrada pela alucinao negativa do sujeito. Ali, onde a imagem do sujeito deveria aparecer, nada se mostra. S visvel o enquadramento do espelho sobre o qual no se inscreve nenhum trao. vivida ento pelo sujeito a ausncia de si, o vazio acusado por no ter cabimento uma imagem que atenta contra o narcisismo secundrio. O que falta ao sujeito no o sentimento de sua existncia, mas a prova especular desta ltima. Esta ausncia da representao do sujeito acompanhada por um aumento de afeto de angstia, comparvel angstia da perda do objeto(GREEN:1973).

    H uma dissociao entre representao e afeto, pelo desaparecimento do

    poder de perceber a representao. O sujeito remetido unicamente sua

    presena corporal como vivncia, o que se traduz num excesso de presena. O

    afeto de angstia traduz o esforo do ego por chegar a qualquer preo a uma

    representao de si, e essa impossibilidade de se reencontrar que responsvel

    pela angstia. porque a imagem recoberta por uma alucinao de falta que o

    sujeito busca, mais alm dessa alucinao, o reencontro de sua representao

    (GREEN:1973).

    Por fim, o autor nos apresenta o seu modelo terico hipottico, nele

    estabelecendo o lugar do afeto. Tal modelo denominado pelo autor de processo.

    Segundo Green, ele parte do esquema L lacaniano, conservando sua estrutura

    geral e fornecendo suas conotaes econmicas e dinmicas. Neste esquema, os

    termos so unidos por um circuito. A conjuntura definida como um conjunto

    pr-articulado, atravs do qual a estrutura se manifesta, sem que esta a possa

    marcar (GREEN:1973). O acontecimento aquilo que ressalta da conjuntura,

    onde o trao se desprende dela (GREEN:1973). O objeto o efeito do

    encontro com o acontecimento sado da conjuntura e da estrutura

    (GREEN:1973). E, a estrutura, a estrutura edipiana. O afeto se situa num

    ponto que para o autor constitui o piv do sistema. Localizado no encontro

    resultante dos efeitos das tenses provenientes do objeto e do acontecimento. Ele

    , ao mesmo tempo tambm, zona de interpenetrao e ponto de retrocesso. Na

    constituio do afeto, o suporte do fantasma o elemento necessrio, localizado

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  • 86

    no acontecimento. Do lado do objeto, o que se coloca perante quele a

    representao psquica da pulso (GREEN:1973).

    O ponto em que os vetores acumulam seus efeitos o afeto, como fora

    (quantum) e como experincia subjetiva (GREEN:1973). Como fora, ele possui

    o papel de fator conjuntivo- disjuntivo, uma funo de pontuao do

    significante22, sustentando o encadeamento dos representantes- representao,

    relanando suas associaes e alimentando a energia necessria s operaes do

    aparelho psquico, posto que a energia reside tambm entre os investimentos.

    Quando, sob o efeito dessas tenses, ele se descobre em sua manifestao, ele ir

    recobrir, abolir, fazer as vezes de representao. Seu efeito mais surpreendente

    a alucinao negativa (GREEN:1973).

    Para finalizarmos esse captulo, gostaramos de tentar resumir o

    posicionamento de Vieira diante do trabalho apresentado por Green. O interesse

    de Vieira no exame das consideraes desse autor duplo: no somente porque

    ele constitui o representante atual da segunda corrente denominada pelo autor de

    cdigo afetivo, em oposio ao continuum afetivo da primeira corrente, mas pelo

    dilogo travado pelo autor com Lacan. No nos cabe, como j apresentamos em

    nossa introduo, apresentar tal embate. Como tambm no fazemos do objetivo

    de Vieira o nosso, ou seja, interrogar o estatuto do modelo cartesiano em suas

    diversas apreenses pela psicanlise. E o afeto interessa a Vieira justamente por

    ser um conceito capaz de interrogar o estatuto deste modelo cartesiano 23.

    Portanto, a nossa utilizao da anlise de Vieira como um dos fios condutores

    durante todo esse captulo, deve ser lida como tendo sido contemplada

    parcialmente, e sujeita a desvios.

    Em linhas gerais, para Vieira, Green vai no sentido de reduzir o

    significante a um cdigo dentre os outros, os quais devem se ordenar em um

    22 Expresso citada por Green em referncia MILLER, J., Cahiers pour lAnalyse, 5. 23 O afeto interessa ao autor no por traar uma articulao entre soma e psiqu, mas por interrogar o estatuto deste modelo cartesiano e, portanto, o limite impensvel do saber em sua ancoragem no corpo (VIEIRA:1996). A partir de uma narrativa sobre o trauma, propiciada pelo tratamento, possvel uma nova articulao entre o que se pode falar deste trauma e a relao entre este e o corpo, atravs do sintoma. Essa articulao, entretanto, no feita a partir de um sujeito fundado sobre uma anatomia dualista, que determinaria a exterioridade do trauma sua fala. Dessa forma, somente a partir de um novo modelo de relaes corpo-alma que as dificuldades enfrentadas pelos ps-freudianos podero ser eliminadas. Para isso, o autor procede a uma delimitao mais rigorosa do que ele denominou enquadre cartesiano, mas que no nos interessa aqui.

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    grande conjunto de cdigos, e aos quais Green denomina discurso. Esse grupo

    ordenado filogeneticamente, possuindo o afeto o lugar de honra por representar

    uma das linguagens mais arcaicas. Para Vieira tambm, o autor, ao propor a sua

    heterogeneidade do material inconsciente, termina por no reconhecer o

    inconsciente como um lugar de inscries de onde se originam as representaes.

    O inconsciente , nesta perspectiva, um lugar de linguagens diversas, do qual

    uma delas a linguagem energtica mas, sobretudo, ele o lugar de uma

    linguagem pr-verbal, a linguagem dos fantasmas, a qual se articula pulso.

    Vieira declara que, se na primeira corrente, sua crtica se refere a uma teoria do

    desenvolvimento da personalidade, esta segunda corrente parece situar as chaves

    dos processos inconscientes nas respostas de um ego originrio ao mundo

    (VIEIRA:1996).

    De acordo com Vieira, ainda, fazer do afeto uma linguagem entre as

    diversas linguagens do inconsciente equivale tambm dissolver a linguagem na

    indeterminao das linguagens, o que parece reduzir a importncia da linguagem,

    sobretudo em se tratando de um grupo onde os elementos se inscrevem numa

    escala evolutiva (VIEIRA:1996).

    Finalment