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117 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO ANA CLÁUDIA PIRES FERREIRA DE LIMA* POSTULADOS DA HERMENÊUTICA JURÍDICA CONSTITUCIONAL E O DIREITO DO TRABALHO *Juíza do Trabalho titular da 2 a Vara do Trabalho de Jaú. Mestre em Direito Constitucional pelo Centro de Pós- Graduação da Instituição Toledo de Ensino de Bauru-SP. Resumo: O papel do Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, é o de con- cretizar os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, utilizando-se, como instrumento, da hermenêutica jurídica Constitucional. Assim, não se pode mais estudar qualquer ramo do direito sem que se indague sobre o papel do Poder Judiciário sob o novo paradigma do Estado Democrático de Direito, tendo-se, necessariamente, que se fazer uma releitura de todos os institutos jurídicos à Luz do texto Constitucional. Daí a importância do estudo da hermenêutica jurídica Constitucional em todos os ramos do Direito, inclusive no Direito do Trabalho. Este artigo visa estudar os princípios da hermenêutica jurídica Constitucional, denominados por alguns de postulados, no âmbito do Direito do Trabalho, a saber: supremacia da Constituição, unidade da Constituição, máxima efetividade das normas constitucionais, concordância prática ou harmonização, presun- ção de constitucionalidade das leis e dos atos do poder público, razoabilidade, proporcionalidade – nas suas vertentes proibição do excesso ou proibição da proteção deficiente, não retrocesso social, interpretação conforme a Consti- tuição, inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e ponderação de bens. Palavras-chave: Hermenêutica Jurídica Constitucional; Postulados da interpretação Cons- titucional; Concretização das normas constitucionais; Força normativa das regras e princípios.

POSTULADOS DA HERMENÊUTICA JURÍDICA CONSTITUCIONAL E … · JOAQUIM GOMES CANOTILHO de ... Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: ... partir da Constituição

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117REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

ANA CLÁUDIA PIRES FERREIRA DE LIMA*

POSTULADOS DA HERMENÊUTICA

JURÍDICA CONSTITUCIONAL E ODIREITO DO TRABALHO

*Juíza do Trabalho titular da 2a Vara do Trabalho de Jaú. Mestre em Direito Constitucional pelo Centro de Pós-Graduação da Instituição Toledo de Ensino de Bauru-SP.

Resumo: O papel do Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, é o de con-cretizar os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, utilizando-se,como instrumento, da hermenêutica jurídica Constitucional. Assim, não se podemais estudar qualquer ramo do direito sem que se indague sobre o papel doPoder Judiciário sob o novo paradigma do Estado Democrático de Direito,tendo-se, necessariamente, que se fazer uma releitura de todos os institutosjurídicos à Luz do texto Constitucional. Daí a importância do estudo dahermenêutica jurídica Constitucional em todos os ramos do Direito, inclusiveno Direito do Trabalho.

Este artigo visa estudar os princípios da hermenêutica jurídica Constitucional,denominados por alguns de postulados, no âmbito do Direito do Trabalho, asaber: supremacia da Constituição, unidade da Constituição, máxima efetividadedas normas constitucionais, concordância prática ou harmonização, presun-ção de constitucionalidade das leis e dos atos do poder público, razoabilidade,proporcionalidade – nas suas vertentes proibição do excesso ou proibição daproteção deficiente, não retrocesso social, interpretação conforme a Consti-tuição, inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e ponderação debens.

Palavras-chave: Hermenêutica Jurídica Constitucional; Postulados da interpretação Cons-titucional; Concretização das normas constitucionais; Força normativa dasregras e princípios.

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1 INTRODUÇÃO

A concretização da Constituição exi-ge o estudo da hermenêutica jurídica Cons-titucional, ciência que trata das regras deinterpretação das normas constitucionais(princípios e regras), aplicáveis aos diver-sos ramos do direito.

A distinção entre princípios e regrasconstitui a base da compreensão dogmáticado Direito Constitucional contemporâneo. Ateoria da metodologia jurídica tradicional fa-zia distinção entre normas e princípios,1 ouseja, os princípios não eram consideradosnormas jurídicas, mas meras diretrizes naaplicação do direito. ComRONALD DWORKIN eROBERT ALEXY, dentreoutros autores, tomou-se aconcepção de que a normaé o gênero do qual os prin-cípios e as regras são umaespécie, ou seja, as regras eprincípios são duas espéci-es de normas.

A importância da na-tureza normativa dosprincípios repercute emtodo o ordenamento jurídico.Assim, as regras e princípi-os já não podem ser inter-pretadas isoladamente, nemconfundem-se com seusenunciados, sendo que acompreensão das normasjurídicas deve ser feita atra-vés da apreensão do sentido das mesmasem conformidade com a Constituição, ouseja, segundo os valores emanados do Esta-do Democrático de Direito.

A jurisdição compatível com os obje-tivos do Estado democrático de Direito éaquela que procura dar efetividade aos prin-cípios e regras (valores) consagrados naConstituição, concebendo ambos como nor-mas jurídicas.

O papel do Poder Judiciário, no Esta-do Democrático de Direito, é o de concreti-zar os direitos fundamentais estabelecidosna Constituição, utilizando-se, como instru-mento, da hermenêutica jurídica Constituci-onal. Assim, não se pode mais estudar qual-quer ramo do direito sem que se indaguesobre o papel do Poder Judiciário sob o novoparadigma do Estado Democrático de Di-reito, tendo-se, necessariamente, que se fa-zer uma releitura de todos os institutos jurí-dicos à luz do texto Constitucional. Daí aimportância do estudo da hermenêutica jurí-dica Constitucional em todos os ramos doDireito, inclusive no Direito do Trabalho.

Este artigo visaabordar os princípios dahermenêutica jurídica Cons-titucional, denominados poralguns de postulados, noâmbito do Direito do Traba-lho.

2 POSTULADOS DAHERMENÊUTICA JU-RÍDICA CONSTITUCI-ONAL

É preciso distinguir osprincípios que têm naturezade norma jurídica, dos prin-cípios hermenêuticosconstitucionais – que sãopressupostos para uma in-terpretação válida, desem-penhando uma função argu-

mentativa.2 Estes, denominados de postu-lados, não são propriamente originários daConstituição, mas sim da experiência, da ló-gica, da evolução histórica, do surgimento edesenvolvimento do próprio constitu-cionalismo. São axiomas que se caracteri-zam pelo aspecto cogente com que se apre-sentam ao intérprete.3 Os princípios queexpressam regras de interpretação Consti-tucional são denominados por JOSÉJOAQUIM GOMES CANOTILHO de

“A jurisdição compatível com osobjetivos do Estado democráticode Direito é aquela que procuradar efetividade aos princípiose regras (valores) consagrados

na Constituição, concebendoambos como normas

jurídicas.”

1CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina,2003, p. 1160.

2CANOTILHO, 2003, p. 1161: “Os princípios hermenêuticos desempenham uma função argumentativa, permitin-do, por exemplo, denotar a ratio legis de uma disposição (Cfr. Infra, Cap. 3, cânones de interpretação) ou revelarnormas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, odesenvolvimento, integração e complementação do direito (Richterrecht, Analogia júris)”.

3BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002,p. 171.

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princípios tópicos da interpretação Consti-tucional, conforme exposto a seguir.

Muito ilustrativa e oportuna a expla-nação de HUMBERTO ÁVILA para dis-tinguirmos os princípios constitucionais dospostulados (ou princípios hermenêuticos):

[...] as exigências decorrentes darazoabilidde, da proporcionalidade e daproibição de excesso vertem sobre ou-tras normas, não, porém, para atribuir-lhes sentido, mas para estruturar racio-nalmente sua aplicação. Sempre há umaoutra norma por trás da aplicação darazoabilidade, da proporcionalidade e daexcessividade. Por esse motivo é opor-tuno tratá-las como metanormas. Ecomo elas estruturam a aplicação deoutras normas, com elas não se con-fundindo, é oportuno fazer referência aelas com outra nomenclatura. Daí a uti-lização do termo postulado, a indicaruma norma que estrutura a aplicaçãode outras. Os postulados se diferenci-am das normas cuja aplicaçãoestruturam em várias perspectivas:quanto ao nível (os postulados situam-se no metanível ou no segundo nível eas normas objeto de aplicação situam-se no nível objeto ou no primeiro nível),quanto ao objeto (os postulados indicama estrutura de aplicação de outras nor-mas e as normas descrevem compor-tamentos, se forem regras, ou institu-em a promoção de fins, se forem prin-cípios) e quanto ao destinatário (os pos-tulados se dirigem aos aplicadores e asnormas a quem deve obedecê-las).4

Oportuno repetir as lições deCANOTILHO, ao ressaltar que na dis-tinção das regras jurídicas com os princí-pios jurídicos não estão abrangidos os“princípios hermenêuticos”,5 que desem-penham uma função argumentativa.

CELSO BASTOS frisa que a inter-pretação, para se considerar válida, deverespeitar os postulados no seu todo, não po-dendo proceder à escolha de um ou outro.

4ÁVILA, Humberto. Conteúdo, limites e intensidade dos controles de razoabildiade, de proporcionalidade e deexcessividade das leis. In: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, nº 5 (Anais do V SimpósioNacional de Direito Constitucional – 2003). Curitiba: Academia Brasileira de Direito Constitucional, 2004, p. 524.

5CANOTILHO, 2003, p. 1161.6BASTOS, 2002, p. 167-170.

Destaca, ainda, a distinção entre os postula-dos – por serem de aplicação cogente –, dosinstrumentais hermenêuticos – assim com-preendidos como expedientes, procedimen-tos e recursos de interpretação fornecidospela teoria do Direito, cuja aplicação éoptativa, sendo estes, muitas vezes,excludentes entre si.6

Dentre os postulados da hermenêuticajurídica Constitucional citados pela doutrina,destacamos:

2.1 Postulado da supremacia daConstituição:

Por força da supremacia Constituci-onal, nenhum ato jurídico, nenhuma mani-festação de vontade pode subsistirvalidamente se for incompatível com a LeiFundamental. A legislação infraconstitucionaldeve conformar-se à Lei Magna. Assim, ainterpretação do ordenamento jurídico devepartir da Constituição e não da lei.

O STF, ao julgar Medida Cautelar naAção direta de inconstitucionalidade da Leinº 9.783/99 que instituiu contribuição aos ser-vidores públicos federais inativos, tendo sidorelator o Min. Celso de Mello, invocando opostulado da Supremacia da Constituição,assim se manifestou:

A CONTRIBUIÇÃO DESEGURIDADE SOCIAL POSSUIDESTINAÇÃO CONSTITUCIO-NAL ESPECÍFICA. A contribuiçãode seguridade social não só se quali-fica como modalidade autônoma detributo (RTJ nº 143/684), como tam-bém representa espécie tributária es-sencialmente vinculada ao financia-mento da seguridade social, em fun-ção de específica destinação consti-tucional. A vigência temporária dasalíquotas progressivas (Art. 2º da Leinº 9.783/99), além de não implicar con-cessão adicional de outras vantagens,benefícios ou serviços – rompendo,em conseqüência, a necessária vincu-lação causal que deve existir entre

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contribuições e benefícios (RTJ nº 147/921) – constitui expressiva evidênciade que se buscou, unicamente, com aarrecadação desse plus, o aumento dareceita da União, em ordem a viabilizaro pagamento de encargos (despesasde pessoal) cuja satisfação deve re-sultar, ordinariamente, da arrecadaçãode impostos. RAZÕES DE ESTADONÃO PODEM SER INVOCADASPARA LEGITIMAR O DESRES-PEITO À SUPREMACIA DACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLI-CA. A invocação das razões de Esta-do – além de deslegitimar-se como fun-damento idôneo de justificação demedidas legislativas – representa, porefeito das gravíssimas conseqüênciasprovocadas por seu eventual acolhi-mento, uma ameaça inadmissível às li-berdades públicas, à supremacia daordem constitucional e aos valoresdemocráticos que a informam, culmi-nando por introduzir, no sistema de di-reito positivo, um preocupante fator deruptura e de desestabilização político-jurídica. Nada compensa a ruptura daordem constitucional. Nada recompõeos gravíssimos efeitos que derivam dogesto de infidelidade ao texto da LeiFundamental. A defesa da Constitui-ção não se expõe, nem deve subme-ter-se, a qualquer juízo de oportunida-de ou de conveniência, muito menos aavaliações discricionárias fundadas emrazões de pragmatismo governamen-tal. A relação do Poder e de seus agen-tes, com a Constituição, há de ser, ne-cessariamente, uma relação de respei-to. Se, em determinado momento his-tórico, circunstâncias de fato ou de di-reito reclamarem a alteração da Cons-tituição, em ordem a conferir-lhe umsentido de maior contemporaneidade,para ajustá-la, desse modo, às novasexigências ditadas por necessidadespolíticas, sociais ou econômicas, impor-se-á a prévia modificação do texto daLei Fundamental, com estrita obser-vância das limitações e do processode reforma estabelecidos na própriaCarta Política. A DEFESA DACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLI-

CA REPRESENTA O ENCARGOMAIS RELEVANTE DO SUPRE-MO TRIBUNAL FEDERAL. O Su-premo Tribunal Federal – que é oguardião da Constituição, por expres-sa delegação do Poder Constituinte –não pode renunciar ao exercício des-se encargo, pois, se a Suprema Cortefalhar no desempenho da gravíssimaatribuição que lhe foi outorgada, a in-tegridade do sistema político, a prote-ção das liberdades públicas, a estabili-dade do ordenamento normativo doEstado, a segurança das relações jurí-dicas e a legitimidade das instituiçõesda República restarão profundamentecomprometidas. O inaceitável desprezopela Constituição não pode converter-se em prática governamental consen-tida. Ao menos, enquanto houver umPoder Judiciário independente e cons-ciente de sua alta responsabilidade po-lítica, social e jurídico-institucional.

2.2 Postulado da unidade da Cons-tituição:

Segundo este postulado, a Constitui-ção deve ser interpretada de forma a evitarcontradições entre as suas normas, deven-do o intérprete considerar a Constituição nasua globalidade e a “procurar harmonizar osespaços de tensão existentes entre as nor-mas constitucionais a concretizar”.7 Isto por-que a Constituição não é um conjunto denormas justapostas, mas um sistemanormativo fundado em determinadas idéiasque configuram um núcleo irredutível. As-sim, uma norma Constitucional não pode serinterpretada isoladamente.

Nenhum direito é absoluto. A pró-pria Convenção de Direitos Civis e Políti-cos da Organização das Nações Unidas(ONU), de 1966, diz em seu Art. 18 queos direitos humanos devem ter as limita-ções que sejam necessárias para prote-ger a segurança, a ordem, a saúde, a mo-ral pública ou os direitos e liberdades fun-damentais de outros. Esses são os limitesde cada um dos direitos fundamentais ex-pressos no texto Constitucional. A Cons-tituição brasileira relativizou praticamen-te todos os direitos: o direito de propriedade

7CANOTILHO, 2003, p. 1223.

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– que está relativizado pela função socialda propriedade –; o direito de ir e vir – queadmite limites em casos de guerra –, e atéo direito à vida – que podemos imaginarser o mais forte de todos – também admitelimites, é relativizado, pois permite o abor-to em determinados casos e se admite tam-bém a pena de morte em casos de guerradeclarada; a própria Constituição prevêisso. Os direitos fundamentais também têmessa função de servir como limitação ex-terna aos poderes públicos.

Em todo ordenamento jurídico há pon-tos de tensão normativa a serem harmoni-zados pelo intérprete, podendo-se citar osseguintes casos na Consti-tuição brasileira:

a) a liberdade de ma-nifestação do pen-samento e de ex-pressão em geral(Art. 5º, IV e X),sendo que tais li-berdades encon-tram limites no di-reito à honra e àintimidade (Art. 5º,XI);

b) a livre iniciativa(Arts. 1º, IV e 170,caput) e as restri-ções ao capital es-trangeiro (Arts.172 e 176, § 1º), apossibilidade deexploração da atividade econômi-ca pelo Estado (Art. 173) e mes-mo alguns casos de monopólio es-tatal (Art. 177);

c) o direito de propriedade (Art. 5º,XXII) e o princípio da função so-cial da propriedade (Arts. 5º,XXIII, 170, III, 182, §2º, e 186).

As normas de uma Constituição, fru-tos de uma vontade unitária e geradas si-multaneamente, não podem estar em confli-to, cabendo ao intérprete buscar aharmonização e conciliação daquelas apa-rentemente contrastantes, cuidando para não

anular integralmente uma em favor da ou-tra, lembrando-se da premissa que não existehierarquia normativa entre as normas cons-titucionais, nem qualquer distinção entre asnormas materiais ou formais ou entre nor-mas-princípio e normas-regra.

2.3 Postulado da máximaefetividade das normas constitucionais:

Através deste axioma, também desig-nado por postulado da eficiência ou da inter-pretação efetiva, a interpretação da normaConstitucional deve ser feita no sentido quelhe atribua “máxima efetividade, determinan-do, pelo controle da constitucionalidade (da

ação e da omissão), o apro-veitamento maximizado detodos os comandos constitu-cionais”,8 não sendo aceitá-vel a nulificação da normaConstitucional (princípio ou re-gra) diante da colisão com ou-tra, ainda que parcial.

O postulado da máxi-ma efetividade atualmente ésobretudo invocado no âm-bito dos direitos fundamen-tais. Assim, havendo colisãoentre um direito fundamen-tal e um direito Constitucio-nal não-fundamental, a inter-pretação deve ser feita nosentido de se dar a maioramplitude possível ao direi-to fundamental, cuidandopara que não haja supressão

do outro direito Constitucional em colisão.

Eis um relato sobre acórdão em queo Supremo Tribunal Federal analisa o con-flito entre o Direito fundamental à vida donascituro (Art. 5º, caput e 227, caput daConstituição Federal de 1988) e o reconhe-cimento dos acordos coletivos (Art. 7º,XXVI da Constituição Federal de 1988), de-cidindo que a estabilidade da gestante nãodepende de aviso à empresa, ainda que as-sim condicionado em acordo coletivo:

01.03.2004 – 18:54 – Estabilidade dagestante não depende de aviso à empresa,afirma STF.

“...havendo colisão entre umdireito fundamental e um direitoConstitucional não-fundamental,a interpretação deve ser feita no

sentido de se dar a maioramplitude possível ao direito

fundamental, cuidando para quenão haja supressão do outro

direito Constitucional em colisão.”

8ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,1999, p. 57.

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O ministro Celso de Mello deu provi-mento ao Agravo de Instrumento (AInº 448572) interposto por DinorahMolon Wenceslau Batista contra de-cisão do Tribunal Superior do Traba-lho (TST). O ministro entendeu que agestante tem direito à estabilidade pro-visória prevista no Art. 10, inciso II,alínea “b”, do Ato das DisposiçõesTransitórias (ADCT), sem a necessi-dade de comunicação prévia do esta-do de gravidez ao empregador. ParaCelso de Mello, a empregada gestan-te tem direito subjetivo à estabilidadeprovisória no emprego, sendo sufici-ente para obtenção dessa garantia so-cial constitucional a confirmação ob-jetiva do estado fisiológico de gravidez.Não dependeria de sua prévia comu-nicação ao empregador, mesmo quan-do pactuada em negociação coletiva.Observou que o constituinte, aodispensar proteção à maternidade,estava consciente das responsabi-lidades assumidas pelo Estadobrasileiro no plano internacional(Convenção OIT nº 103, de 1952,promulgada pelo Decreto nº58.821/66, Art. VI), e estabeleceua garantia de caráter social conce-dendo à trabalhadora gestante es-tabilidade provisória, nos termosdo Art. 10, inciso II, alínea ‘b’, doADCT. O debate sobre o tema co-meçou quando o TST negou provimen-to ao Recurso de Revista interpostopor Dinorah Batista, por entender quenão houve o cumprimento de normacoletiva que exigia a comunicação dagravidez da empregada ao emprega-dor. Dessa decisão o advogado deDinorah interpôs Recurso Extror-dinário (sic) (RE), ao qual foi negadoseguimento pelo presidente do TST.Ante tal decisão, houve a interposiçãode Agravo de Instrumento no Supre-mo Tribunal Federal (STF). O relator,ministro Celso de Mello, conheceu doAI, e deu provimento ao RE, de acor-do com a possibilidade prevista no Art.544, § 4º, do Código de Processo Ci-vil. Segundo o Art. 544, § 4º, do CPC,

o relator do AI poderá, se o acórdãorecorrido estiver em confronto com aSúmula ou jurisprudência dominante doSupremo Tribunal Federal, conhecerdo Agravo para dar provimento ao Re-curso Especial (RE); e, se o AI contiveros elementos necessários ao julgamentodo mérito, o relator pode determinar suaconversão em RE, observando-se daí emdiante o procedimento relativo ao Re-curso Extraordinário.

Ministro Celso de Mello, relatordo AI. (g.n).

2.4 Postulado da concordância prá-tica ou harmonização:

Este postulado busca a conformida-de das diversas normas ou valores em con-flito no texto Constitucional, de forma quese evite a necessidade de exclusão total deum ou alguns deles. É centrado na:

[...] idéia de igual valor dos bensconstitucionais (e não uma diferen-ça de hierarquia) que impede, comosolução, o sacrifício de uns em re-lação aos outros, e impõe o estabe-lecimento de limites e condiciona-mentos recíprocos de forma a con-seguir uma harmonização ou con-cordância prática entre estes bens.9

Para CELSO RIBEIRO BASTOS, opostulado da harmonização impõe que a umprincípio ou regra Constitucional não se devaatribuir um significado tal que resulte ser con-traditório com outros princípios ou regraspertencentes à Constituição. Também nãose lhe deve atribuir um significado tal quereste incoerente com os demais princípiosou regras.10

Como campo de sua aplicação te-mos a colisão de direitos fundamentais ouentre direitos fundamentais e bens jurídi-cos constitucionalmente protegidos.Exemplificando, a Constituição pátria am-para o direito à honra e à intimidade (Art.5º, inciso XI) e ao mesmo tempo o direitode informação jornalística (Art. 220, § 1º).A interpretação de tais normas deve serfeita de maneira harmônica, de modo anão se excluir qualquer delas e preservar-lhes a essência.

9CANOTILHO, 2003, p. 1098.10BASTOS, 2002, p. 178.

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2.5 Postulado da presunção deconstitucionalidade das leis e dos atosdo Poder Público:

Segundo tal axioma, uma norma nãodeve ser declarada inconstitucional: quandoa invalidade não seja manifesta e inequívoca,militando a dúvida em favor de sua preser-vação; quando, entre interpretações plausí-veis e alternativas, exista alguma que per-mita compatibilizá-la com a Constituição.

Este postulado está em conexão como da interpretação conforme a Constituição,adiante analisado.

2.6 Postulado da razoabilidade:

Segundo o postulado da razoabilidade,a interpretação não pode levar o estudiosodo texto a uma posição absurda, destoanteda realidade.

No Direito Brasileiro, a técnica daverificação da razoabilidade pode ser ad-mitida como presente no texto Constituci-onal sob duas óticas diversas. Primeiramen-te, pode-se considerar o postulado darazoabilidade como implícito no sistema,revelando-se assim como um postuladoConstitucional não escrito, decorrente doEstado democrático de Direito. Por outrolado, poder-se-ia extraí-lo da cláusula dodevido processo legal, mais especificamen-te como decorrente da noção substantivaque se vem imprimindo à dita cláusula.11

Humberto Ávila12 destaca algumasdas exigências emanadas do postulado darazoabilidade, sendo esta utilizada em vári-os contextos e com várias finalidades, fa-zendo uma reconstrução analítica das deci-sões dos Tribunais Superiores:13

Em primeiro lugar, aharmonização da norma geral comos casos individuais, no sentido deque a interpretação das normas sejafeita com a presunção daquilo quenormalmente acontece, como no casoem que o Supremo Tribunal Federalconsiderou irrazoável presumir a faltade procuração quando um procuradordo Estado apresenta defesa escrita em

papel timbrado da procuradoria.

Em segundo lugar, arazoabilidade impõe a harmonizaçãodas normas com as suas condiçõesexternas de aplicação, traduzida porHumberto Ávila na exigência de umacausa real justificante para a adoçãode qualquer medida, ou da relação decongruência entre o fundamento paraa diferenciação entre sujeitos e a nor-ma que estabelece a diferenciação.Exemplificando com leis consideradasirrazoáveis pelo Supremo Tribunal Fe-deral, o mesmo autor cita: a que insti-tuiu um adicional de férias de um terçopara os inativos, por tratar-se de vanta-gem destituída de causa, já que só deveter adicional de férias quem tem férias,e a lei que aumentou o prazo parainterposição de ação rescisória somen-te para o Poder Público, por não existirnenhuma diferença real que autorizas-se a distinção, e a lei que contava emdobro o prazo de aposentadoria somentepara os secretários de Estado, por nãoexistir qualquer particularidade que jus-tificasse a diferenciação.

Em terceiro lugar, a observân-cia do postulado da razoabilidade re-quer uma relação de equivalênciaentre a medida adotada e o critérioque a dimensiona, a exemplo da cri-ação de taxa judiciária em percentualfixo, considerada irrazoável pelo Su-premo Tribunal Federal por não serequivalente ao serviço prestado.

Em quarto lugar, a razoabilidadeexige uma relação de coerência lógi-ca, quer no sentido de consistência in-terna entre as normas jurídicas (p. ex.não é razoável uma lei municipal queestabelece uma obrigação para um su-jeito e direciona a punição para outro,quer no sentido de consistência exter-na da norma com circunstâncias ne-cessárias a sua aplicação (p. ex., nãorazoável uma lei que impõe uma obri-gação que não poderá ser tecnicamen-te cumprida, desde a edição, porque o

11Ibidem, p. 235-236.12ÁVILA, 2004, p. 506 e ss.13Idem. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 94 e ss.

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órgão incumbido de cumpri-la não é ca-pacitado nem competente para tanto).14

HUMBERTO ÁVILA bem pontuaque todas essas exigências podem sertraduzidas na necessidade de relação deequivalência entre a medida adotada e ocritério que a dimensiona, asseverando quequalquer ato legislativo ou executivo que nãoleve em consideração a relação entre amedida adotada e o critério que a dimensiona,viola o postulado da razoabildiade por des-respeitar os princípios do Estado de Direitoe do devido processo legal.15

Dentre algumas decisões em que ostribunais superiores utilizaram a razoabilidadecomo parâmetro de validade de atos ema-nados do Poder Público, podemos citar:

a) a que considerou inaceitável quedelegado aprovado em concursopudesse ser reprovado na provade esforço físico (teste deCooper), haja vista que são osagentes, e não o delegado, que deregra desempenham as missões;

b) a que considerou ensejadora dediscriminação a reprovação, ementrevista pessoal, de candidatosà carreira diplomática já aprova-dos nas provas intelectuais;

c) a que também considerou incon-ciliável com o princípio do concur-so público o chamado julgamen-to de consciência, em que o can-didato à magistratura podia serexcluído do certame com base emjulgamento secreto sobre sua vidapública e privada.16

d) Exemplo claro do princípio darazoabilidade, há muito aplicado noDireito Penal, é o estado de ne-cessidade. Cita-se, a título de ilus-tração, o caso de um naufrágio emque duas pessoas lutam por umatábua da salvação. Ambas de-fendem o direito à vida, sendo osbens colidentes de igual valor, nãohavendo como se fazer a ponde-

14ÁVILA, 2004, p. 508.15Ibidem, mesma página.16BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática consti-

tucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 224.

ração entre ambos. Entretanto nãoé razoável exigir a qualquer delesque deixe de lutar pelo direito àvida, sendo eventual homicídio,nesta situação, inimputável.

O postulado da razoabilidade tambémfoi consagrado pela legislação trabalhista, nãosendo razoável que um empregado permitaser tratado com rigor excessivo, o que levouo legislador a caracterizar tal ato como justacausa para o empregado rescindir o contra-to (Art. 483, ‘b’ da CLT).

Outro exemplo é o enunciado do Art.444 da CLT:

Art. 444: As relações contra-tuais de trabalho podem ser objeto delivre estipulação das partes interes-sadas em tudo quanto não contra-venha às disposições de proteção aotrabalho, aos contratos coletivos quelhes sejam aplicáveis e às decisõesdas autoridades competentes.

HUMBERTO ÁVILA atenta queno exame de razoabilidade não há umconflito entre princípios constitucio-nais surgido em razão de uma medidaadotada para atingir um fim, em razão doqual seja preciso investigar se a medidaeleita é adequada em relação ao fim pre-tendido e se o meio utilizado era realmen-te necessário e proporcional em relaçãoa outros meios disponíveis para a conse-cução do fim, como ocorre no controle deproporcionalidade, ao passo que no exa-me de razoabilidade-equivalência:

O aplicador precisa tão só in-vestigar – utilizando o exemplo daimposição de uma multa – se o mon-tante da multa guarda relação deequivalência com a gravidade docomportamento que se quer punir,não se avaliando nem a proporciona-lidade nem a excessividade. Umamulta pode, em princípio, ser razoá-vel, porque seu montante mantém re-lação de equivalência com a gravi-dade da falta cometida (por exem-plo: uma multa elevada aplicada para

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uma falta grave), mas, ao mesmotempo, ser excessiva, porque restrin-ge o núcleo de um direito fundamen-tal, e desproporcional, porque a fi-nalidade almejada poderia ser atin-gida de forma mais suave aos prin-cípios fundamentais.17

2.7 Postulado da proporcio-nalidade: proibição do excesso ou proi-bição de proteção deficiente:

Consoante o princípio da proporcio-nalidade:

[...] o intérprete deve colocar-se a favor do menor sacrifício do cida-dão na hora de escolher os diversos sig-nificados da norma. Por esse princípio,que muitos chamam de razoabilidade-proporcionalidade, podemos identificara necessidade de o intérprete verificaruma correspondência eqüitativa entreo sacrifício do direito e a regra emquestão. Constitui medida de adequa-ção dos meios aos fins perseguidos pelanorma, sendo que esta deve ser aplica-da em sua justa medida.18

WILLIS SANTIAGO GUERRA FI-LHO destaca que o princípio da proporcio-nalidade é decomposto pela doutrina alemãem três aspectos:

[...] proporcionalidade emsentido estrito, adequação eexigibilidade. No seu emprego, sem-pre se tem em vista o fim colimadonas disposições constitucionais a se-rem interpretadas, fim esse que podeser atingido por diversos meios, entreos quais se haverá de optar. O meio aser escolhido deverá, em primeiro lu-gar, ser adequado para atingir o re-sultado almejado, revelando conformi-dade e utilidade ao fim desejado. Emseguida, comprova-se a exigibilidadedo meio quando esse se mostra comoo mais suave dentre os diversos dis-poníveis, ou seja, menos agressivo dosbens e valores constitucionalmenteprotegidos, que porventura colidem

17ÁVILA, 2004, p. 509.18ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 1999, p. 57.19GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 183.20BARROSO, 1999, p. 234.

com aquele consagrado na norma in-terpretada. Finalmente, haverá respeitoà proporcionalidade em sentido estritoquando o meio a ser empregado semostra como o mais vantajoso, no sen-tido da promoção de certos valores,com o mínimo de desrespeito de ou-tros, que a eles se contraponham, ob-servando-se, ainda, que não haja vio-lação do mínimo em que todos devemser respeitados.19

LUÍS ROBERTO BARROSO trataos postulados da razoabilidade e daproporcionalidade indistintamente:

O princípio da razoabilidade (sic) é ummecanismo de controle da discricionariedadelegislativa e administrativa. Ele permite aoJudiciário invalidar atos legislativos ou atosadministrativos quando: a) não haja relaçãode adequação entre o fim visado e o meioempregado; b) a medida não seja exigívelou necessária, havendo meio alternativopara chegar ao mesmo resultado com me-nor ônus a um direito individual; c) não hajaproporcionalidade em sentido estrito, ou seja,o que se perde com a medida é de maiorrelevo do que aquilo que se ganha.20

Entretanto, a razoabilidade distin-gue-se da proporcionalidade, conformeos conceitos supradeclinados, referin-do-se a primeira à eqüidade e a segun-da à comparação de grandezas (dos vá-rios meios alternativos): adequação dosmeios ao fim, exigibilidade do meio eleito eperdas e ganhos dos meios alternativos.Assim, seguindo esta distinção, o exemplosupracitado refere-se à aplicação do postu-lado da proporcionalidade.

Como exemplo da aplicação do prin-cípio da proporcionalidade, citamos um aci-dente automobilístico sofrido por pessoaadepta de religião que expressamente proí-ba qualquer tipo de intervenção cirúrgica.No hospital, o médico responsável no aten-dimento desta pessoa terá que optar entre odireito à vida e o direito de liberdade de cren-ça (convicção religiosa). Havendo possibili-

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dade de salvar a vida do paciente sem inter-venção cirúrgica, deve-se fazê-lo (adequa-ção dos meios ao fim), para posteriormentedar ao paciente a opção de escolha no seutratamento. Assim, o postulado daproporcionalidade implica na ponderaçãoentre bens de grandezas diversas.

GILMAR FERREIRA MENDESdestaca a possibilidade de vício deinconstitucionalidade substancial decorren-te do excesso do poder legislativo:

Cuida-se de aferir a compati-bilidade da lei com os fins consti-tucionalmente previstos ou deconstatar a observância do princípio daproporcionalidade (Verhältnismässi-gkeitsprinzip), isto é, de se procederà censura sobre a adequação(Geeignetheit) e a necessidade(Erforderlichkeit) do ato legislativo.21

O autor ressalta que o postulado daproporcionalidade ou da proibição de excessonão significa invasão de seara própria doLegislativo, tendo sido erigido à qualidadede norma Constitucional não escrita no Di-reito Alemão, derivada do Estado de Direi-to. Ensina que a utilização deste postuladoenvolve a apreciação da necessidade e ade-quação da providência legislativa, lembran-do decisão proferida em março de 1971 emque “o Bundesverfassungsgericht assen-tou que o princípio do Estado de Direito pro-íbe leis restritivas inadequadas à consecu-ção de seus fins”,22 tendo o Tribunal Cons-titucional posteriormente explicitado que:

os meios utilizados pelo legislador de-vem ser adequados e necessários àconsecução dos fins visados. O meioé adequado se, com a sua utilização,o evento pretendido pode ser alcan-çado; é necessário se o legislador não

dispõe de outro meio eficaz, menosrestritivo aos direitos fundamentais.23

GILMAR FERREIRA MENDESconclui que “a aferição da constituciona-lidade da lei em face do princípio daproporcionalidade ou da proibição de excessocontempla os próprios limites do poder deconformação outorgado ao legislador”.24

O postulado da proporcionalidade éutilizado tanto para proibir o Poder Legislativode exceder em sua função legislativa, comotambém de coibir-lhe a omissão (proibiçãode proteção deficiente), assim bem obser-vado por LENIO LUIZ STRECK.25

STRECK bem assinala que a Consti-tuição de 1988 é dirigente e compromissária,apresentando uma direção vinculante paraa Sociedade e para o Estado e reitera que,tendo a Constituição força normativa, todasas suas normas, inclusive as denominadasnormas programáticas – como as que es-tabelecem a busca da igualdade, a reduçãoda pobreza, a proteção da dignidade, etc. –comandam a atividade do legislador, buscan-do alcançar o objetivo do constituinte, o queleva à conclusão de que o ato de legislar “nãopode ser um ato absolutamente discricioná-rio, voluntarista ou produto de cabalas”.26

A doutrina alemã denomina de proi-bição de proteção deficiente (Unter-massverbot) o fato de o Estado não protegersuficientemente determinado direito funda-mental. Segundo Carlos Bernal Pulido, esteconceito refere-se à estrutura que o princípioda proporcionalidade adquire na aplicação dosdireitos fundamentais de proteção.27

STRECK assevera que não há liber-dade (absoluta) de conformação legislativanem mesmo em matéria penal, ainda que alei venha a descriminalizar condutas

21MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica cons-titucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 246.

22Ibidem, p. 248.23Ibidem, mesma página.24Ibidem, mesma página.25STRECK, Lenio Luiz. Da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente

(untermassverbot): de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. In: Revista do Instituto deHermenêutica Jurídica, vol. 1, nº 2. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2002, p. 243-284.

26Ibidem, p. 249.27PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid: Centro de

Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid: s.e., 2003, p. 798 e ss.

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consideradas ofensivas a bens fundamen-tais. Nessa linha de raciocínio, se de um ladohá a proibição de excesso, de outro há a proi-bição de proteção deficiente, ou seja, alémde um garantismo negativo, a partir de proi-bição de excesso, o Direito Penal deve serexaminado também a partir de um garantismopositivo, isto é, devemos nos indagar acercado dever de proteção de determinados bensfundamentais através do direito penal. Paraesclarecer a questão, o autor cita a discussãoda descriminalização do aborto na Alemanha,Espanha e Portugal.

Assim, o controle da constituciona-lidade deve ser feito tanto formalmente,quanto materialmente, de acordo com asregras e princípios constitucionais, que têmnatureza de norma jurídica:

Ou isto, ou teríamos que con-siderar intocável, por exemplo, umdispositivo legal que viesse adescriminalizar a corrupção, a lava-gem de dinheiro, a sonegação fiscal(de certo modo isto já ocorre, desdea Lei nº 9.249/95, confirmada agorapela Lei nº 10.684/03), os crimes se-xuais (estupro e atentado violento aopudor) em face do casamento da víti-ma com terceira pessoa (Art. 107,VIII, do CP), tudo em nome do prin-cípio da legalidade, como se a vigên-cia de um texto jurídico implicasse,automaticamente, a sua validade, pro-blemática que, paradoxalmente, colo-ca do mesmo lado penalistasdogmático-normativistas e liberais-iluministas.28

Cabe aqui fazer uma análise do pos-tulado da proporcionalidade, na sua versãode proibição de proteção deficiente – se-gundo as lições de STRECK –, referenteao Direito do Trabalho.

A Constituição brasileira de 1988erigiu os direitos fundamentais à sua máxi-ma importância, tanto é que os posicionouem primeiro plano, antes de dispor sobre a

28STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2004, p. 250.

29SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 59.30Idem. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: A nova

interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar,2003, p. 193-194.

organização do Estado, além de atribuir-lhesa condição de cláusula pétrea (Art. 60, §4º,IV). Estabeleceu, ainda, em seu Art. 5º, §§1º e 2º, a aplicação imediata das normasdefinidoras dos direitos e garantias funda-mentais, bem como o reconhecimento deoutros direitos e garantias que não estejamnela expressos, decorrentes do regime e dosprincípios adotados pela mesma ou por tra-tados internacionais em que a RepúblicaFederativa do Brasil seja parte.

A dignidade da pessoa humana, ado-tada como fundamento da República Fede-rativa do Brasil no Art. 1º, III de sua Cons-tituição, exprime a essência dos direitos fun-damentais, da qual todos os outros decor-rem. Nas judiciosas lições de DANIELSARMENTO, o princípio da dignidade dapessoa humana exprime, em termos jurídi-cos, a máxima Kantiana, segunda (sic) a qual“o Homem deve sempre ser tratadocomo um fim em si mesmo e nuncacomo um meio. O ser humano precede oDireito e o Estado, que apenas se justificamem razão dele”. (g.n.).29

A Constituição, portanto, tem a finali-dade de tutelar a pessoa humana, devendoo princípio da dignidade da pessoa humanaser aplicado em sua plenitude, inclusive nasrelações privadas, uma vez que:

[...] a opressão e a violênciacontra a pessoa provêm não apenasdo Estado, mas de uma multiplicidadede atores privados, presentes em es-feras como o mercado, a família, asociedade civil e a empresa, a incidên-cia dos direitos fundamentais na esfe-ra das relações entre particulares setorna imperativo incontornável.30

A aplicação imediata dos direitos fun-damentais torna-se cada vez mais necessá-ria diante desse mundo globalizado, em quese terceiriza a produção para qualquer doscontinentes do planeta em que a mão-de-obra estiver mais barata, muitas vezes semse importar com os direitos sociais dos

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trabalhadores, visando exclusivamente ao mai-or lucro, sem qualquer responsabilidade social.

Sem se falar no alto número de tra-balhadores no mercado informal, ainda comresquícios de trabalho escravo em pleno sé-culo XXI, presenciando-se constantementea burla dos direitos dos trabalhadores, que,diante do alto índice de desemprego, baixaescolaridade, e, até mesmo, por desinfor-mação, assistem passivamente à violação deseus direitos.

Nesta época de constitucionalização dodireito privado, com imposição de limites àautonomia privada para se preservar a digni-dade da pessoa humana, é um paradoxo fa-lar-se em desregulamentação do Direito doTrabalho, quando, no dia-a-dia, nem o míni-mo legal é assegurado aos trabalhadores.

JORGE LUIZ SOUTO MAIOR bemobserva que as técnicas de flexibilização doDireito do Trabalho, (cujo início deu-se em1967, com a criação da opção do regime doFGTS e paulatina eliminação da estabilidadeno emprego; as diversas modalidades de con-trato determinado – modalidades decontratação precária, reduzindo direitos dotrabalhador –, como o contrato temporário –Lei nº 6.019/74, o contrato provisório – Lei nº9.601/98, contornando a previsão do contra-to a prazo do Art. 443 da CLT, a revitalizaçãodas cooperativas de trabalho e a nova roupa-gem para a contratação por empresa inter-posta, na forma de terceirização):

[...] ao contrário de atacarem oproblema do desemprego têm alimen-tado a própria lógica do desemprego eprovocado uma crescente desvaloriza-ção do trabalho humano, o que, porcerto, está gerando o agravamento denosso maior problema social: a má dis-tribuição de renda (há uma camadacada vez maior de miseráveis e umacamada cada vez menor de pessoascada vez mais ricas). Em outras pala-vras, aqueles que hoje prestam servi-ços mediante a utilização desses me-canismos são os empregados de on-tem (vide o exemplo das cooperativas

de trabalho). Ou seja, as referidas téc-nicas não geraram empregos, elimina-ram os empregos que existiam (comprejuízos, é claro, para o próprio cus-teio da Seguridade Social).31

Assim, segundo o postulado daproporcionalidade, sob o prisma da proibi-ção da proteção deficiente, deverá ser (aprincípio) considerada materialmenteinconstitucional qualquer lei que vier adesregulamentar direitos dos trabalhadores,ainda que sob alegação de gerar empregos,aumentando a contratação e a produtivida-de, uma vez que tais fins não justificam osmeios, a redução dos encargos sociais nãoé o meio mais exigível, nem o menos onero-so para trabalhadores, seus contratantes e àsociedade de forma geral.

Isto porque não se pode suprimir di-reitos fundamentais dos trabalhadores, ine-rentes à sua dignidade, devendo-se comba-ter os “reais problemas que geram obstácu-los ao avanço social e econômico do país,especialmente, a má distribuição de renda ea falência do ensino público”.32

LENIO LUIZ STRECK bem sin-tetiza a dupla face do postulado daproporcionalidade – de proteção positivaou de proteção de omissões estatais:

Ou seja, a inconstitucionalidadepode decorrer de excesso do Estado,caso em que determinado ato édesarrazoado, resultando despropor-cional o resultado do sopesamento(Abwägung) entre fins e meios; deoutro lado, a inconstitucionalidade poradvir de proteção insuficiente de umdireito fundamental-social, comoocorre quando o Estado abre mão douso de determinadas sanções penaisou administrativas para proteger de-terminados bens jurídicos. Este duploviés do princípio da proporcionalidadedecorre da necessária vinculação detodos os atos estatais à materialidadeda Constituição e tem como conse-qüência a sensível diminuição dadiscricionariedade (liberdade de con-formação) do legislador.33

31SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O juiz entre a razão e a sensibilidade. Escola da Magistratura do Tribunal Regionaldo Trabalho da 15a Região, 2004, p. 14.

32Ibidem, p. 14.33STRECK, 2004, p. 254.

129REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

2.8 Postulado do não retrocessosocial:

No Estado democrático de Direito, emque a atribuição de sentido à norma deve irao encontro da realidade, elevamos o prin-cípio do não-retrocesso social a nível de pos-tulado, ou seja, princípio vetor da interpreta-ção Constitucional.

CANOTILHO conceitua a proibiçãode retrocesso social como um direito subje-tivo das pessoas de não terem suprimidosos direitos sociais e econômicos que lhesforam concedidos, como por exemplo odireito dos trabalhadores, o direito à assis-tência, o direito à educação, os quais, umavez obtido um determinado grau de realiza-ção, passam a constituir uma garantiainstitucional, além de um direito subjetivo:34

O princípio da proibição deretrocesso social pode formular-seassim: o núcleo essencial dos direitossociais já realizados e efetivado atra-vés de medidas legislativas (‘leida segurança social’, ‘lei do subsí-dio de desemprego’, ‘lei do serviçode saúde’) deve considerar-seconstitucionalmente garantido, sen-do inconstitucionais quaisquer me-didas estaduais que, sem a criaçãode outros esquemas alternativos oucompensatórios, se traduzam, naprática, numa ‘anulação’, ‘revoga-ção’ ou ‘aniquilação’ pura e simplesdesse núcleo essencial.35

Assim, o não-retrocesso social seassemelha ao postulado da proibição daproteção deficiente, no qual, numa de suasvertentes, é vedado ao Estado suprimirproteção já existente em relação a direi-tos fundamentais.

Na Justiça do trabalho o postulado donão-retrocesso social é expresso, em menor di-mensão, nos Arts. 468, caput e 620 da Conso-lidação das Leis Trabalhistas, respectivamente:

Art. 468: Nos contratos indivi-duais de trabalho só é lícita a altera-ção das respectivas condições por

34CANOTILHO, 2003, p. 338-339.35Ibidem, p. 339-340.36BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 171.

mútuo consentimento, e, ainda assim,desde que não resultem, direta ou in-diretamente, prejuízos ao empregado,sob pena de nulidade da cláusulainfringente desta garantia.

Art. 620: As condiçõesestabelecidas em convenção, quandomais favoráveis, prevalecerão sobreas estipuladas em acordo.

Com o intuito de se evitar um retro-cesso social, foi editada a Lei nº 9.300, de29 de agosto de 1996, inserindo o § 5º noArt. 9º da Lei nº 5.889, de 1973, referenteao trabalho rural, dispondo que a cessão peloempregador, de moradia e de sua infra-es-trutura básica, assim como bens destinadosà produção para a sua subsistência e de suafamília, não integra o salário do trabalhadorrural, desde que caracterizados como tais,em contrato escrito celebrado entre as par-tes, com testemunhas e notificação obriga-tória ao respectivo sindicato de trabalhado-res rurais.

Também negando a natureza salarialde vários benefícios concedidos ao empre-gado, como por exemplo auxílio à educação,assistência médica, hospitalar, odontológica,prestada diretamente ou por meio de planode saúde, seguro de vida, etc., foi editada aLei nº 10.243, de 19 de junho de 2001, quedeu nova redação ao § 2º do Art. 458 da CLT.

A declaração legal expressa no sen-tido de que benefícios como moradia, auxí-lio à educação, assistência médica, partici-pação nos lucros (Art. 7º, XI da Constitui-ção Brasileira) etc, não têm natureza salari-al é interpretada por Alice Monteiro de Bar-ros como recorte ao princípio protetor,chamando tal fenômeno de flexibilizaçãonormatizada.36 Entretanto, sob a ótica doprincípio da livre iniciativa e considerando-se a dificuldade econômica dos tempos atu-ais, a inexistência de tais normas retirandoexpressamente o caráter salarial desses be-nefícios acarretariam na inviabilização dosmesmos, com o conseqüente não-forneci-mento pelo empregador, em prejuízo da clas-se operária.

130 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

2.9) Postulado da interpretaçãodas leis conforme a Constituição:

O postulado da interpretação confor-me a Constituição impõe a busca de umainterpretação que, embora não seja a maisóbvia do dispositivo, a mantenha em harmo-nia com a Constituição, em meio a outraspossibilidades interpretativas que o preceitoadmita, excluindo-se outras interpretaçõespossíveis que conduziriam a resultadocontrastante com a Constituição.

Poder-se-ia denominar este postula-do de postulado da concretização dasnormas jurídicas, que, nada mais é que acompreensão da norma jurídica de acordocom o contexto do ordenamento jurídico emque se situa, considerando-se, portanto, asupremacia e a unidade da Constituição. Ouseja, é a aproximação da norma à realidade,estando a compreensão da norma direta-mente ligada tanto à pré-compreensão dointérprete como ao problema concreto quese vai resolver.37

Conforme KONRAD HESSE, se-gundo esse postulado, uma lei não deve serdeclarada nula quando pode ser interpreta-da em consonância com a Constituição.38

A interpretação conforme a Constitui-ção funciona também como um mecanismode controle de constitucionalidade. O texto le-gal permanece íntegro, mas sua aplicação ficarestrita ao sentido declarado pelo tribunal.

Conforme ressalta CANOTILHO, ainterpretação conforme a Constituição só élegítima quando existe um espaço de deci-são onde são admissíveis várias possibilida-des interpretativas. Para salvar a lei não seadmite uma interpretação contra legem.Tampouco será legítima uma linha de en-tendimento que prive o preceito legal dequalquer função útil, não podendo o Judiciá-rio, ao interpretar a lei, criar norma jurídicadiversa da instituída pelo Poder Legislativo,sob pena de ofensa ao Princípio da Separa-ção de Poderes.39

Com a edição da Lei nº 9.868/99 – quedispõe sobre o processo e julgamento da açãodireta de inconstitucionalidade e da açãodeclaratória de constitucionalidade perante oSupremo Tribunal Federal – houve ainstitucionalização dos mecanismos da inter-pretação conforme a Constituição e da nuli-dade parcial sem redução de texto como for-mas de controle de constitucionalidade e, maisdo que isso, houve o reconhecimento do Po-der Legislativo de que a função do Poder Ju-diciário não se restringe, no plano do exameda constitucionalidade, a agir como legisla-dor negativo, reconhecendo (explicitamente)que o Poder Judiciário “possa exercer umaatividade de adaptação e adição/adjudicaçãode sentido aos textos legislativos”.40 Nessesentido, o parágrafo único do Art. 28 da Leida Ação direita de Inconstitucionalidade (Leinº 9.868/99):

Art. 28: Dentro do prazo de dezdias após o trânsito em julgado da de-cisão, o Supremo Tribunal Federal farápublicar em seção especial do Diárioda Justiça e do Diário Oficial da Uniãoa parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único: A declaraçãode constitucionalidade ou deinconstitucionalidade, inclusive a inter-pretação conforme à Constituição e adeclaração parcial de inconstitucio-nalidade sem redução de texto, têmeficácia contra todos e efeito vinculanteem relação aos órgãos do Poder Judi-ciário e à Administração Pública fede-ral, estadual e municipal.

LENIO LUIZ STRECK bem asse-vera que o processo hermenêutico é sem-pre produtivo:

Quando se adiciona sentido ouse reduz o sentido (ou a própria inci-dência de uma norma), estar-se-á fa-zendo algo que vai além ou aquém dotexto da lei, o que não significa afir-mar que o Tribunal estará legislando.Pelo contrário. Ao adaptar o texto

37BONAVIDES, 2003, p. 604.38HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional, apud, STRECK, 2004, p. 573.39CANOTILHO, 2003, p. 1227.40STRECK, 2004, p. 574.

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legal à Constituição, a partir dos diver-sos mecanismos interpretativos existen-tes, o juiz ou o tribunal estará tão-so-mente cumprindo sua tarefa de guardiãoda constitucionalidade das leis.41

STRECK distingue ahermenêutica clássica – que se limitaa reproduzir um sentido que acreditaestar acoplado ao texto, como se alei tivesse um sentido em si mesmo –,da filosofia hermenêutica que dá umsalto em direção à produção de sen-tido, onde o intérprete adjudica senti-do, a partir de sua condição de ser nomundo, numa dada situaçãohermenêutica e sua consciência dosefeitos da história. Assim, reputa maisindicado falar em atribuição de senti-do conforme a Constituição e nãomeramente em interpretação confor-me a Constituição.42

JOSÉ JOAQUIM GOMESCANOTILHO distingue a interpretaçãoconforme a Constituição dos postuladosanteriores, dizendo que a mesma deve seraplicada somente quando os vários ele-mentos interpretativos não permitem aobtenção de um sentido inequívoco den-tre os vários significados da norma.43

LENIO LUIZ STRECK discorda do mes-tre português, afirmando que não há sen-tido contido intrinsecamente na norma, quenão há que se falar em espírito do legis-lador (corrente subjetivista) ou em espí-rito da lei (corrente objetivista), sendoque, aliado à pré-compreensão do intér-prete, o sentido necessariamente exsurgirána conformidade do texto Constitucional,entendido no seu todo principiológico, res-saltando que o mecanismo (princípio) dainterpretação conforme (assim como o danulidade parcial sem redução de texto)permite não somente redefinir o con-teúdo do texto, como também adaptá-lo à Constituição. É o que acontecefreqüentemente com as decisões que têmpor base os princípios da razoabilidade eda proporcionalidade.44

STRECK destaca que o limite da in-terpretação é a Constituição e que, sendoesta mecanismo contra o desejo de maiori-as eventuais, haverá ocasiões em que a in-tervenção do Judiciário será condição depossibilidade da própria validade do textoConstitucional. Cita como exemplo normaem que o legislador claramente deseja umdeterminado efeito, colidente, entretanto,com o texto Constitucional, sendo que a sim-ples expunção do texto do universonormativo poderia gerar situações que re-presentariam um retrocesso social. Ensinaque, neste caso, uma interpretação conformepoderá ser o remédio que adapte a nova lei aosentido da Constituição, “mesmo que isto con-trarie o desejo da maioria parlamentar”:45

Com efeito, no plano da filo-sofia hermenêutica (Nova Crítica doDireito), creio que está superado odebate sobre se os Tribunais criamou não Direito. Parece não restardúvidas sobre o fato de que as deci-sões/sentenças interpretativas,aditivas, ou redutivas são criadorasde Direito. Isto porque toda normaé sempre resultado da interpretaçãode um texto, com o que há sempreum processo de produção/adjudica-ção de sentido (Sinngebung), e nãode reprodução de sentido(Auslegung). Esse aspecto é o quediferencia fundamentalmente a novahermenêutica da hermenêutica clás-sica. A impossibilidade de reprodu-ção do sentido querido pelo legisla-dor está assentada na historicidadee temporalidade ínsita a todo atode intepretação, sob pena de resva-lar em direção a uma espécie dehistoricismo jurídico-hermenêutico.Ou seja, não há um sentido imanenteà lei, pois isto seria admitir um senti-do-em-si-mesmo dos textos jurídicos.46

Transcreve-se, a seguir, parte doacórdão da ADIn nº 1946-5-DF, em que oSupremo Tribunal Federal deu interpretaçãoconforme a Constituição, mantendo o Art.

41Ibidem, p. 575.42Ibidem, p. 580-581.43CANOTILHO, 2003, p. 1226.44STRECK, 2004, p. 583.45Ibidem, p. 592.46Ibidem, p. 593-594.

132 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

14 da Emenda Constitucional nº 20, referen-te ao salário maternidade, considerandoinconstitucional sua limitação pela previdên-cia e o pagamento do excesso pelo emprega-dor sob pena de ofensa ao direito de igualda-de na contratação entre homens e mulheres:

LICENÇA-GESTANTE –Salário. Limitação. ADIn. Art. 14 daEC nº 20, de 15.12.1998, e do Art. 6ºda Portaria nº 4.883, de 16.12.1998,baixada a 16.12.1998, pelo Ministrode Estado da Previdência e Assistên-cia Social. Alegação de violação aodisposto nos Arts. 3º, IV, 5º, I, 7º,XVIII, e 60, § 4º, IV, da CF.

...

Estando preenchidos os re-quisitos da plausibilidade jurídicada ação (fumus boni iuris) e dopericulum in mora, é de serdeferida a medida cautelar. Não,porém, para se suspender a efi-cácia do Art. 14 da EC 20/98,como, inicialmente, pretende oautor. Mas, como alternativamen-te pleiteado, ou seja, para lhe dar,com eficácia ex tunc, interpreta-ção conforme à Constituição, nosentido de que tal norma nãoabrange a licença-gestante, pre-vista no Art. 7º, XVIII, da CF/88,durante a qual continuará perce-bendo o salário que lhe vinha sen-do pago pelo empregador, queresponderá também pelo quan-tum excedente a R$ 1.200,00, pormês, e o recuperará da Previdên-cia Social, na conformidade da le-gislação vigente (STF – ADIn nº1.946-5 (ML) – DF – TP – Rel. Min.Sydney Sanches – DJU 14.09.2001).

LICENÇA-GESTANTE –Salário. Limitação. Ação direta deinconstitucionalidade do Art. 14 da EC20, de 15.12.1998. Alegação de vio-lação ao disposto nos Arts. 3º, IV, 5º,I, 7º, XVIII, e 60, § 4º, IV, da CF. Olegislador brasileiro, a partir de 1932e mais claramente desde 1974, vemtratando o problema da proteção àgestante, cada vez menos como umencargo trabalhista (do empregador)

e cada vez mais como de naturezaprevidenciária. Essa orientação foimantida mesmo após a CF de05.10.1988, cujo Art. 6º determina: aproteção à maternidade deve ser re-alizada na forma desta Constitui-ção, ou seja, nos termos previstos emseu Art. 7º, XVIII: ‘licença à ges-tante, sem prejuízo do empregadoe do salário, com a duração decento e vinte dias’. Diante dessequadro histórico, não é de se presu-mir que o legislador constituinte deri-vado, na Emenda nº 20/98, mais pre-cisamente em seu Art. 14, haja pre-tendido a revogação, ainda que implí-cita, do Art. 7º, XVIII, da CF originá-ria. Se esse tivesse sido o objetivo danorma constitucional derivada, porcerto a EC nº 20/98 conteria referên-cia expressa a respeito. E, à falta denorma constitucional derivada,revogadora do Art. 7º, XVIII, a purae simples aplicação do Art. 14 da EC20/98, de modo a torná-lainsubsistente, implicará um retroces-so histórico, em matéria social-previdenciária, que não se pode pre-sumir desejado. Na verdade, se seentender que a Previdência Social,doravante, responderá apenas por R$1.200,00 (hum mil e duzentos reais)por mês, durante a licença da gestan-te, e que o empregador responderá,sozinho, pelo restante, ficará, sobre-maneira, facilitada e estimulada a op-ção deste pelo trabalhador masculi-no, ao invés da mulher trabalhadora.Estará, então, propiciada a discrimi-nação que a CF buscou combater,quando proibiu diferença de salários,de exercício de funções e de critériosde admissão, por motivo de sexo (Art.7º, XXX, da CF/88), proibição que, emsubstância, é um desdobramento doprincípio da igualdade de direitos, en-tre homens e mulheres, previsto noinciso I do Art. 5º da CF. Estará, ain-da, conclamado o empregador a ofe-recer à mulher trabalhadora, quais-quer que sejam suas aptidões, salárionunca superior a R$ 1.200,00, paranão ter de responder pela diferença.

133REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

Não é crível que o constituintederivado, de 1998, tenha chegado aesse ponto, na chamada Reforma daPrevidência Social, desatento a taisconseqüências. Ao menos não é dese presumir que o tenha feito, sem odizer expressamente, assumindo agrave responsabilidade. A convicçãofirmada, por ocasião do deferimentoda medida cautelar, com adesão detodos os demais ministros, ficou ago-ra ao ensejo deste julgamento de mé-rito, reforçada substancialmente noparecer da PGR. Reiteradas as con-siderações feitas nos votos, então pro-feridos e, nessa manifestação doMPF, a ADIn é julgada procedente,em parte, para se dar, ao Art. 14 daEC 20, de 15.12.1998, interpretaçãoconforme à Constituição, excluindo-se sua aplicação ao salário da licen-ça-gestante, a que se refere o Art. 7º,XVIII, da CF (STF – ADIn nº 1946-5 – DF – TP – Rel. Min. SydneySanches – DJU 16.05.2003) g.n..47

O Supremo Tribunal Federal, atravésdo Ministro Nelson Jobim, concedeu liminar,fundamentando-a numa interpretação con-forme a Constituição, numa Ação Direta deInconstitucionalidade com a finalidade deimpedir a interpretação da Emenda Consti-tucional nº 45 no sentido de se entendercompetente a Justiça do Trabalho para processare julgar ações de servidores públicosestatutários .

Trascreve-se o texto da EC 45 envi-ado pela Câmara dos Deputados ao SenadoFederal:

Art. 114: Compete à Justiça doTrabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da rela-ção de trabalho, abrangidos os entesde direito público externo e da admi-nistração pública direta e indireta daUnião, dos Estados, do Distrito Fede-ral e dos Municípios.

O Senado Federal modificou otexto, acrescentando a exceção quan-to aos seguintes servidores:

I – as ações oriundas da rela-ção de trabalho, abrangidos os entesde direito público externo e da admi-nistração pública direta e indireta daUnião, dos Estados, do Distrito Fede-ral e dos Municípios, exceto os ser-vidores ocupantes de cargos cri-ados por lei, de provimento efetivoou em comissão, incluídas asautarquias e fundações públicas dosreferidos entes da federação. (g.n.).

Entretanto, para agilizar a reforma doJudiciário, ao invés da Proposta de Emendaà Constituição retornar à Câmara dos De-putados para análise das alterações feitas, omesmo foi promulgado sem as alteraçõespromovidas pelo Senado Federal, as quaisretornariam à Câmara por meio de PECParalela. Assim, a exceção introduzida peloSenado Federal ainda deve retornar à Câ-mara para definir a competência para julgarações relativas a questões trabalhistas deservidores públicos estatutários, incluídos osde autarquias e fundações, não se podendo,portanto, compreender que a expressão“toda e qualquer relação de trabalho” conti-da no enunciado 114 da CF, conforme reda-ção da EC nº 45, abranja as relações de tra-balho dos servidores públicos estatutários.

Ressalta-se que o STF não se limitou àapreciação do vício formal, dizendo que a merainserção da exceção em relação aos servido-res estatutários não autoriza a dedução de quetais servidores estariam compreendidos naexpressão “relação de trabalho”, uma vez quea mesma não abrange as relações de direitoadministrativo.

Tratando-se de dispositivo específicosobre a Competência da Justiça do Trabalho,o Supremo Tribunal Federal não poderia sim-plesmente julgá-lo inconstitucional, eis que asimples expunção do texto do universonormativo esvaziaria a Competência da Justi-ça do Trabalho, em total afronta aos valoresregistrados nos princípios e regras constituci-onais. Assim, não se limitou o STF ao papel delegislador negativo (declarando normasinconstitucionais), ou simplesmente à funçãoreprodutiva da norma (confirmando suaconstitucionalidade), agindo, pois, de forma

47Acórdãos extraídos do CD Síntese Trabalhista, nº 8, sob nos: 17354 e 19667.

134 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

criadora, atribuindo à norma um sentido con-forme à Constituição:

DESPACHO: A ASSOCIA-ÇÃO DOS JUÍZES FEDERAISDO BRASIL – AJUFE – propõe apresente ação contra o inciso I doArt. 114 da Constituição Federal de1988, na redação dada pela EC nº45/2004. Sustenta que no processolegislativo, quando da promulgaçãoda emenda constitucional, houve su-pressão de parte do texto aprovadopelo Senado. 1. CÂMARA DOSDEPUTADOS. Informa que a Câ-mara dos Deputados, na PEC nº 96/92, ao apreciar o Art. 115, aprovouem dois turnos, uma redação [...]que [...] ganhou um inciso I [...] (fls. 4 e 86). Teve tal dispositivo aseguinte redação: Art. 115: ‘Compe-te à Justiça do Trabalho processar ejulgar: I – as ações oriundas da rela-ção de trabalho, abrangidos os en-tes de direito público externo e daadministração pública direta e indi-reta da União, dos Estados, do Dis-trito Federal e dos Municípios’. 2.SENADO FEDERAL. A PEC, noSenado Federal, tomou número 29/200. Naquela Casa, a Comissão deConstituição, Justiça e Cidadania ma-nifestou-se pela divisão da [...] pro-posta originária entre a) texto desti-nado à promulgação e b) texto des-tinado ao retorno para a Câmara dosDeputados (Parecer nº 451/04, fls.4, 177 e 243). O SF aprovou tal incisocom acréscimo. O novo texto ficouassim redigido: ‘Art. 114: Competeà Justiça do Trabalho processar ejulgar: I – as ações oriundas da rela-ção de trabalho, abrangidos os en-tes de direito público externo e daadministração pública direta e indi-reta da União, dos Estados, do Dis-trito Federal e dos Municípios,EXCETO OS SERVIDORES OCU-PANTES DE CARGOS CRIADOSPOR LEI, DE PROVIMENTOEFETIVO OU EM COMISSÃO,INCLUÍDAS AS AUTARQUIAS EFUNDAÇÕES PÚBLICAS DOSREFERIDOS ENTES DA FEDE-RAÇÃO’ (fls. 4 e 280). Informa,

ainda, que, na redação final do textopara promulgação, nos termos doparecer nº 1747 (fl. 495), a parte fi-nal acima destacada foi suprimida.Por isso, remanesceu, na promulga-ção, a redação oriunda da CÂMA-RA DOS DEPUTADOS, sem oacréscimo. No texto que voltou àCÂMARA DE DEPUTADOS(PEC nº 358/2005), o SF fez cons-tar a redação por ele aprovada, como referido acréscimo (Parecer nº1748/04, fls. 502). Diz, mais, que aredação da EC nº45/2004, nesseinciso, trouxe dificuldades de inter-pretação ante a indefinição do queseja relação de trabalho. Alega quehá divergência de entendimento en-tre os juízes trabalhistas e os fede-rais, [...] ausente a precisão ou cer-teza, sobre a quem coube a compe-tência para processar as ações de-correntes das relações de trabalhoque envolvam a União, quando ver-sem sobre servidores ocupantes decargos criados por lei, de provimen-to efetivo ou em comissão, incluídasas autarquias e fundaçõespúblicas (fl. 7). Em face da alegadaviolação ao processo legislativoconstitucional, requer liminar parasustar os efeitos do inciso I do Art.114 da Constituição Federal de 1988,na redação da EC nº 45/2004, comeficácia ex tunc, ou que se procedaa essa sustação, com interpretaçãoconforme (fl. 48). 3. DECISÃO. AConstituição Federal, em sua reda-ção dispunha: ‘Art. 114: Compete àJustiça do Trabalho conciliar e jul-gar os dissídios individuais e coleti-vos entre trabalhadores e emprega-dores, abrangidos os entes de direi-to público externo e da administra-ção pública direta e indireta dosMunicípios, do Distrito Federal, dosEstados e da União, e, na forma dalei, outras controvérsias decorrentesda relação de trabalho, bem comoos litígios que tenham origem nocumprimento de suas próprias sen-tenças, inclusive coletivas’. O STF,quando dessa redação, declarou ainconstitucionalidade de dispositivo

135REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

da Lei nº 8.112/90, pois entendeu quea expressão ‘relação de trabalho’ não autorizava a inclusão, na com-petência da Justiça trabalhista, doslitígios relativos aos servidores pú-blicos. Para estes, o regime é o –estatutário e não o contratual traba-lhista (CELSO DE MELLO, ADI492). Naquela ADI, disse maisCARLOS VELLOSO (Relator):[...] Não com referência aos servi-dores de vínculo estatutário regularou administrativo especial, porque oArt. 114, ora comentado, apenas dizrespeito aos dissídios pertinentes atrabalhadores, isto é, ao pessoal re-gido pela Consolidação das Leis doTrabalho, hipótese que, certamente,não é a presente [...]. O SF, quan-do apôs o acréscimo referido acimae não objeto de inclusão no texto pro-mulgado, meramente explicitou, nalinha do decidido na ADI nº 492, oque já se continha na expressão ‘re-lação de trabalho’, constante da par-te inicial do texto promulgado. A RE-QUERENTE, porque o texto pro-mulgado não contém o acréscimo doSF, sustenta a inconstitucionalidadeformal. Entendo não ser o caso. Anão inclusão do enunciado acresci-do pelo SF em nada altera a propo-sição jurídica contida na regra. Mes-mo que se entendesse a ocorrênciade inconstitucionalidade formal,remanesceria vigente a redação docaput do Art. 114, na parte que atri-bui à Justiça trabalhista a competên-cia para as ‘relações de trabalho’ nãoincluídas as relações de direito ad-ministrativo. Sem entrar na questãoda duplicidade de entendimentos le-vantada, insisto no fato de que oacréscimo não implica alteração desentido da regra. A este respeito oSTF tem precedente. Destaco dovoto por mim proferido no julgamen-to da ADC nº 4, da qual fui relator:‘O retorno do projeto emendado àCasa iniciadora não decorre do fatode ter sido simplesmente emendado.Só retornará se, e somente se, aemenda tenha produzido modifica-ção de sentido na proposição jurídi-

ca. Ou seja, se a emenda produzirproposição jurídica diversa da pro-posição emendada. Tal ocorreráquando a modificação produzir alte-rações em qualquer dos âmbitos deaplicação do texto emendado: mate-rial, pessoal, temporal ou espacial.Não basta a simples modificação doenunciado pela qual se expressa aproposição jurídica. O comando ju-rídico – a proposição – tem que tersofrido alteração’ [...]. Não há quese entender que justiça trabalhis-ta, a partir do texto promulgado,possa analisar questões relativasaos servidores públicos. Essasdemandas vinculadas a questõesfuncionais a eles pertinentes,regidos que são pela Lei nº8.112/90 e pelo direito adminis-trativo, são diversas dos contra-tos de trabalho regidos pela CLT.Leio GILMAR MENDES, háoportunidade para interpretaçãoconforme à Constituição [...] sem-pre que determinada disposiçãolegal oferece diferentes possibi-lidades de interpretação, sendoalgumas delas incompatíveiscom a própria Constituição. Umimportante argumento que con-fere validade à interpretação con-forme à Constituição é o princí-pio da unidade da ordem jurídi-ca. É o caso. A alegação é forte-mente plausível. Há risco. Poderá,como afirma a inicial, estabelece-rem-se conflitos entre a Justiça Fe-deral e a Justiça Trabalhista, quantoà competência desta ou daquela. Emface dos princípios da proporcio-nalidade e da razoabilidade e ausên-cia de prejuízo, concedo a liminar,com efeito ex tunc. Dou interpreta-ção conforme ao inciso I do Art. 114da Constituição Federal, na redaçãoda EC nº 45/2004. Suspendo, ad re-ferendum, toda e qualquer interpre-tação dada ao inciso I do Art. 114da Constituição Federal, na redaçãodada pela EC nº 45/2004, que inclua,na competência da Justiça do Tra-balho, a apreciação de causas quesejam instauradas entre o Poder Pú-

136 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

blico e seus servidores, a ele vincu-lados por típica relação de ordemestatutária ou de caráter jurídico-ad-ministrativo 1. Publique-se. Brasília,27 de janeiro de 2005. Ministro Nel-son Jobim, Presidente. Voto de Cel-so de Mello, Ação Direta de Incons-titucionalidade nº 492, fls. 157-158(STF – ADIn nº 3.395 – Relator:Cezar Peluso) (g.n.).

2.10 Postulado da inconstitucionalidade/nulidade parcial sem redução de texto:

GILMAR FERREIRA MENDES dis-tingue este postulado do anterior dizendo que,enquanto na interpretaçãoconforme a Constituição setem, dogmaticamente, a de-claração de que uma lei éConstitucional com a inter-pretação que lhe é conferidapelo órgão judicial, nainconstitucionalidade parcialsem redução de texto ocor-re a expressa exclusão, porinconstitucionalidade, de de-terminadas hipóteses deaplicação do programa norma-tivo sem que se produza alte-ração expressa do texto legal.48

LENIO LUIZ STRECKclassifica a interpretaçãoconforme a Constituição e anulidade parcial sem reduçãode texto como espécies dogênero decisões interpre-tativas, para distingüi-las daquelas nas quaiso sentido não causa perplexidades no seio dacomunidade jurídica, ressaltando que “o sen-tido de um texto somente é claro quando háum determinado consenso acerca do mes-mo”:49

Surgindo discrepâncias, nasce a diver-gência de cunho interpretativo. As decisõesinterpretativas constituem, em ultima ratio,uma espécie de decisões em que há um adi-tamento explícito de sentido ou uma reduçãode uma das hipóteses aplicáveis ao texto.Dizendo de outro modo, as decisões assim

denominadas interpretativas surgem no inte-rior de um processo hermenêutico-corretivodo texto normativo, agregando-se acepçõesmuitas vezes aquém ou além do explicitadoou querido pelo legislador.50

Da análise dos postulados dahermenêutica Constitucional, conclui-se queo intérprete deve se valer das regras dehermenêutica na busca da justa aplicaçãoda norma. A observância das regras dehermenêutica legitimam a concretização dasnormas jurídicas. A Hermenêutica JurídicaConstitucional tem peculiaridades próprias,servindo seus postulados como vetores naopção do método de interpretação a ser uti-

lizado.

A concretização dequalquer norma jurídica deveobedecer aos postulados dasupremacia da Constituição,unidade da Constituição,máxima efetividade eharmonização das normasconstitucionais. Ainda assim,não sendo possível o alcan-ce da solução de um confli-to de normas constitucionais,deve se fazer a ponderaçãodos bens em conflito, consi-derando-se a hierarquiaaxiológica entre os mesmosno caso concreto, utilizando-se do postulado da propor-cionalidade. Sendo os bensjurídicos em conflito de igual

valor, deve-se aplicar o postulado darazoabilidade. Nos casos em que a expunçãoda norma do ordenamento jurídico (atravésda declaração de sua inconstitucionalidade)representar um retrocesso social, deve-seatribuir à mesma um sentido conforme àConstituição, ou expressamente declarar suainconstitucionalidade em determinado senti-do (nulidade parcial sem redução de texto).

2.11 Ponderação de bens:

Considerando-se o Estado democráticode Direito, DWORKIN procura uma teoriaque legitime as decisões do Poder Judiciário

“Da análise dos postulados dahermenêutica Constitucional,

conclui-se que o intérprete deve sevaler das regras de hermenêuticana busca da justa aplicação da

norma. A observância das regrasde hermenêutica legitimam a

concretização das normas jurídi-cas. A Hermenêutica Jurídica

Constitucional tem peculiaridadespróprias, servindo seus postuladoscomo vetores na opção do métodode interpretação a ser utilizado.”

48MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha.São Paulo: Saraiva, 1999, p. 286.49STRECK, 2004, p. 614-615.50Ibidem, p. 615.

137REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

pautada em argumentos jurídicos e não nomero arbítrio de cada Juiz, de aplicar ou nãocertos princípios invocando um poder dis-cricionário, defendido pelos positivistas, noscasos de lacunas legais.

Os hard cases sempre geram con-trovérsias jurídicas. Tanto DWORKINquanto ALEXY questionam se é possívelum controle racional sobre o exercício daponderação de princípios ou se ela estásujeita ao arbítrio de quem a realiza.

DWORKIN ressalta que as decisõesjudiciais geradas por políticas são menos acei-tas do que as fundamentadas em princípios.Não cabe ao juiz decidir um caso de tal for-ma sob o fundamento de que assim se estaráregulando o mercado financeiro (utilitarismojurídico). Por exemplo, uma ação que pede afixação de um salário maior, por não atendero salário mínimo às exigências constitucionais,não cabe ao Juiz julgá-la improcedente sob ofundamento do impacto econômico que talmedida traria no mercado, inviabilizando o fun-cionamento de pequenas empresas (além dese tentar evitar um número infindável deações com o mesmo pedido), visto que o Ju-diciário não tem legitimidade para estabele-cer políticas públicas. Se a improcedência daação for fundamentada em princípios jurídi-cos, a exemplo dos princípios da Separaçãode Poderes e da Igualdade – uma vez que osalário mínimo é fixado a nível nacional –,sob a mesma não recairiam questionamentossob o aspecto da legitimidade.

Uma fundamentação com base emprincípios jurídicos tem maior legitimidade doque a feita sob argumentos políticos uma vezque evita alegação de discriminações quenormalmente os argumentos políticosensejam. Ademais, a argumentação de prin-cípios não sofre qualquer objeção quanto àoriginalidade da decisão judicial:

Mas um argumento de princípio nosleva a considerar sob uma nova luz, a rei-vindicação do réu de que é injustosurpreendê-lo com a decisão. Se odemandante tem de fato o direito a uma de-cisão judicial em seu favor, ele tem a prer-rogativa de poder contar com tal direito. Se

for óbvio e incontroverso que ele tem o di-reito, o réu não poderá alegar ter sido injus-tamente surpreendido pela decisão, simples-mente porque o direito não foi criado pormeio da publicação em uma lei.51

Há casos em que o próprio textoConstitucional prevê a solução para um apa-rente conflito de normas constitucionais,como no caso do direito à propriedade e oinstituto da desapropriação, ao dizer que estase fará mediante indenização.

Entretanto, a Constituição não prevêa solução para todos os casos de normascontrastantes, cabendo ao intérprete buscá-la. Como se interpretar o direito à imagemde uma empresa e o direito à informaçãojornalística (Art. 220, §1º da CF), quando aempresa pretende impedir a veiculação dereportagem que diz sobre a reprovação deum de seus produtos nos testes de qualida-de de produtos de várias empresas ofereci-dos ao consumidor? Ou o direito à honra dapessoa citada em noticiário como autora decrime? Qual o critério a ser utilizado na bus-ca da harmonização entre as normasconstitucionais aparentemente antagô-nicas?

A doutrina mais tradicional divulgacomo mecanismo adequado à solução detensões entre normas a chamada pondera-ção de bens ou valores. Trata-se de umalinha de raciocínio que procura identificar obem jurídico tutelado por cada uma delas,associá-lo a um determinado valor, isto é, aoprincípio constitucional ao qual se reconduz,para, então, traçar o âmbito de incidênciade cada norma, sempre tendo como refe-rência máxima as decisões fundamentais doconstituinte. A doutrina tem rejeitado, toda-via, a predeterminação rígida da ascendên-cia de determinados valores e bens jurídi-cos, como a que resultaria, por exemplo, daabsolutização da proposição in dubio prolibertate. Se é certo, por exemplo, que aliberdade deve, de regra, prevalecer sobremeras conveniências do Estado, poderá elater de ceder, em determinadas circunstânci-as, diante da necessidade de segurança ede proteção da coletividade.52

51DWORKIN, 2002, p. 134-135.52BARROSO, 1999, p. 192.

138 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

Segundo CANOTILHO, os intérpre-tes se valem do método de ponderação oubalanceamento quando não encontram nosprincípios vetores da interpretação Cons-titucional a solução justa para o conflito dedireitos. Assim, o método da ponderação oubalanceamento tem sido utilizado para a so-lução de conflitos de normas constitucionais.

Conforme JOSÉ CARLOS VIEIRADE ANDRADE, há colisão ou conflito sem-pre que a Constituição proteger, simultane-amente, dois valores ou bens em contradi-ção concreta.53

O método de balanceamento, assimcomo toda interpretação jurídica, deve seranalisado de acordo com o caso concreto(direitos em conflito), pois o bem que pre-valecer num determinado caso pode serrelegado para segundo plano diante dascircunstâncias de outro caso. Nos dize-res de CANOTILHO:

Aqui o balancing process vairecortar-se em termos autónomospara dar relevo à ideia de que nomomento de ponderação está em cau-sa não tanto atribuir um significadonormativo ao texto da norma, massim equilibrar e ordenar bensconflituantes (ou, pelo menos, em re-lação de tensão) num determinadocaso. Neste sentido, o balanceamentode bens situa-se a jusante da inter-pretação. A actividade interpretativacomeça por uma reconstrução e qua-lificação dos interesses ou bensconflituantes procurando, em segui-da, atribuir um sentido aos textosnormativos e aplicar. Por sua vez, aponderação visa elaborar critérios deordenação para, em face dos dadosnormativos e factuais, obter a solu-ção justa para o conflito de bens.54

O mestre português ressalta que ospressupostos para a utilização da pondera-

ção ou do balanceamento ad hoc paraobter uma solução dos conflitos de bensconstitucionais são, concomitantemente: a)a existência, pelo menos, de dois bens oudireitos reentrantes no âmbito de proteçãode duas normas jurídicas que não podem serrealizadas ou otimizadas em todas as suaspotencialidades; b) a inexistência de regrasabstratas de prevalência, pois neste caso oconflito deve ser resolvido segundo obalanceamento abstrato feito pela normaConstitucional.55

Em continuidade, bem distingue a pon-deração de princípios da harmonização deprincípios:

Ponderar princípios significasopesar a fim de se decidir qual dosprincípios, num caso concreto, temmaior peso ou valor os princípiosconflituantes. Harmonizar princípi-os equivale a uma contemporizaçãoou transacção entre princípios de for-ma a assegurar, nesse caso concreto,a aplicação coexistente dos princípi-os em conflito. Por isso, a pondera-ção reconduz-se, no fundo, como jáfoi salientado na doutrina (Guastini),à criação de uma hierarquiaaxiológica móvel entre princípiosconflituantes. Hierarquia, porque setrata de estabelecer um peso ou va-lor maior ou menor entre princípios.Móvel, porque se trata de uma rela-ção de valor instável, que é válida paraum caso concreto, podendo essa re-lação inverter-se noutro caso.56

Mister se faz ressaltar as lições deCANOTILHO quanto à necessidade dejustificação e motivação da regra deprevalência parcial assente na ponderação,devendo ter-se em conta sobretudo os princí-pios constitucionais da igualdade, da justiça eda segurança jurídica, sendo o apelo à metó-dica de ponderação uma exigência de solu-ção justa de conflitos entre princípios.57

53ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra:Almedina, 1998, p. 220.

54CANOTILHO, 2003, p. 1237.55Ibidem, p. 1240.56Ibidem, p. 1241.57Ibidem, p. 1240-1241.

139REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

Considerando-se o postulado da uni-dade, o intérprete deve conservar a identi-dade de todos os bens jurídicos constitucio-nalmente protegidos, sendo cauteloso na uti-lização de fórmulas como a ponderação debens e valores. Pelo postulado da unidadeda Constituição é necessário estabelecer olimite dos bens aparentemente em conflito afim de que cada um deles alcance umaefetividade ótima.

O método da ponderação de bens ouvalores deve ser aplicado em conjunto comos postulados da unidade da Constituição,da razoabilidade e da proporcionalidade. Ospostulados da razoabilidade e daproporcionalidade devem orientar o juízo deponderação na distribuição dos custos doconflito, no sentido de que o sacrifício im-posto a uma das partes seja razoável e nãoseja proporcionalmente mais intenso do queno benefício auferido pela outra parte.

Conforme jurisprudência enfocadapela Juíza Federal Liliane Roriz, no Pai-nel sobre Colisão de direitos fundamen-tais havido no IV Congresso Nacional deDireito do Trabalho e Processo do Traba-lho do TRT da 15ª Região, realizado nosdias 27 e 28 de junho de 2002, o SupremoTribunal Federal, utilizando o método deponderação de valores, nos casos refe-rentes à realização de exame de DNA,tem entendido que não se pode obrigar opai a ter a sua integridade física violada,ainda que esteja em jogo o direito da cri-ança à sua real identidade. Em caso pe-culiar, o STF determinou a realização doexame de DNA com a utilização do ma-terial biológico da placenta retirada dacantora Glória Trevi e fez a ponderaçãodos valores constitucionais contrapostosinerentes ao caso, quais sejam, o direito àintimidade e à vida privada da extraditandae o direito à honra e à imagem dos servi-dores da Polícia Federal como instituição,atingidos pela declaração da extraditandade ter sido vítima de estupro carcerário,amplamente divulgado pelos meios de co-

municação. O Supremo Tribunal Federalafirmou que naquele caso concreto deve-ria prevalecer o esclarecimento da ver-dade quanto à participação dos policiaisfederais na alegada violência sexual, le-vando em conta ainda que o exame deDNA aconteceria sem a invasão da inte-gridade física da extraditanda ou do seufilho, uma vez que seria feita através daplacenta.58

Na área trabalhista podemos citar,como caso em que se impôs a utilizaçãodo método de ponderação de bens, a con-cessão de liminar em Ação Civil Pública59

decretando a intervenção na administra-ção de empresa para forçá-la ao cumpri-mento da legislação trabalhista que vinhadesrespeitando reiteradamente, tendocomo um de seus argumentos o não-cumprimento de sua função social e oaviltamento à dignidade dos trabalhado-res, argumentos que prevaleceram sobreo direito de propriedade da empresa.

Nota-se, no exemplo acima, a presen-ça dos pressupostos para a utilização dométodo de ponderação, quais sejam, o con-flito de bens (propriedade x dignidade dostrabalhadores e credibilidade das decisõesdo Poder Judiciário) protegidos por normasjurídicas que não poderiam, no caso, serotimizadas em todas as suas potencialidadese a inexistência de regras abstratas deprevalência.

CONCLUSÃO

Ao estudar qualquer ramo do direito,é preciso apresentar os métodos de inter-pretação, pois o ensino dos institutos jurídi-cos e do direito posto por si só eqüivale aum ensinamento isolado, fragmentado, dis-tante da prática e que não exercita o racio-cínio do intérprete.

O sentido comum teórico dos juristascontinua assentado nos postulados dahermenêutica clássica, de cunho repro-dutivo.60 Entretanto, a jurisdição atual requer

58ANAIS, IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15a Região. Campinas/SP, 2002.

59Decisão proferida pelo MM. Juiz do Trabalho Levi Rosa Tomé, nos autos da Ação Civil Pública promovida peloMinistério Público da União em face de Sobar S/A Álcool e Derivados, Sobar S/A Agropecuária, Agrobau Prestaçãode Serviços S/C Ltda. (sucessora de Agrobau – Agropecuária Ltda.), Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda., eoutros. Vara de Trabalho de Ourinhos/SP.

60STRECK, 2004, p. 35.

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que o operador do Direito lhe dê efetividade,cumprindo um papel transformador da soci-edade, qual seja, de aproximar a norma darealidade, atendendo aos objetivos do Esta-do democrático de Direito.

Aqueles que se isolam em sua práti-ca jurídica, apenas aplicando a lei ao casoconcreto, sem sequer indagar se o direito,da forma como se aplica, está cumprindosua função social, ou seja, se atende aosprincípios e às regras constitucionais (valo-res constitucionais) – votadas por um PoderConstituinte Democrático –, não reconhecea que veio a Constituição, nem sua leituraatual, e desconhece sua força no papel daconstrução do discurso jurídico.

Podemos exemplificar com a normaque veda a concessão de liminar em Man-dado de Segurança contra a Fazenda Públi-ca. Pelo método hermenêutico-clássico, ointérprete se restringiria à sua análise se-mântica, não encontrando qualquer hipóte-se de contrariedade ao seu próprio texto.Entretanto, os novos métodos hermenêuticosconsideram o contexto em que a mesma éaplicada e enxergam os possíveis conflitoscom outras normas jurídicas. Assim, numMandado de Segurança em que o impetranteé portador do vírus HIV e pleiteia liminarpara que o Estado forneça o medicamentonecessário para que tenha dignidade no tem-po de vida que lhe resta, provavelmente iráprevalecer o direito fundamental à vida. Ob-serva-se que à luz da hermenêutica clássi-ca, aplicar-se-ia a subsunção do fato à nor-ma jurídica, vedando-se a concessão deliminar em Mandado de Segurança em facedo Estado (Fazenda Pública), resultado dasimples reprodução da lei. Já, através dahermenêutica Jurídica Constitucional, decaráter produtivo, ou seja, transformador, osprincípios são reconhecidos como normasjurídicas, devendo ser assegurada suaefetividade, diante do que surgem os confli-tos de direitos, havendo que se fazer a pon-deração dos bens protegidos peloordenamento jurídico para verificar, no casoconcreto, qual tem peso maior, o qual irá,conseqüentemente, prevalecer.

A teoria material da Constituição parteda premissa de que o Judiciário deve assu-mir uma postura intervencionista, no sentidode se dar cumprimento aos preceitos e prin-cípios ínsitos aos Direitos Fundamentais So-ciais e ao núcleo político do Estado Socialprevisto na Constituição de 1988.61

Verifica-se, pois, que a jurisprudênciatrabalhista (decisões reiteradas dos tribunais)está em dia com a discussão metodológicacontemporânea, aplicando as atuais teoriasda norma e da hermenêutica jurídica Consti-tucional ao Direito do Trabalho.

Como exemplo deste avançojurisprudencial, citamos a decisão da ADIN1946-5-DFM, em que o STF, mantendo oArt. 14 da Emenda Constitucional nº 20 –referente ao salário maternidade – interpre-tou-o conforme a Constituição, consideran-do sua limitação pela previdência e o paga-mento do excesso pelo empregadorinconstitucionais por ofensa ao princípio daigualdade, que deve ser observado nacontratação entre homens e mulheres. Ascortes trabalhistas também têm aplicado anova dogmática jurídica Constitucional parasolucionar colisões de princípios, tais como:princípio diretivo do empregador e os princí-pios da dignidade humana e da privacidade:revista íntima versus dignidade do trabalha-dor; monitoramento de e-mails versus pri-vacidade do trabalhador etc.

De nada adianta um ordenamento ju-rídico, se não lhe for dada efetividade. Arecepção e estudo da dogmática do DireitoConstitucional pela doutrina trabalhista, an-tes de um teor filosófico, tem caráter prag-mático, visando auxiliar os operadores doDireito na concretização da Constituição,contribuindo com o desempenho do PoderJudiciário em seu papel transformador, ouseja, efetivando os direitos à luz do EstadoDemocrático de Direito, o que importa nadefesa dos valores constitucionais, inclusi-ve, contra textos legislativos produzidos pormaiorias eventuais.

61Ibidem, p. 185.

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