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Práticas de ensino_ estratégias de ensino para escolares surdos_ oficina de matemática.pdf

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  • Comisso Editorial

    Rua das Laranjeiras, n 232/3 andarRio de Janeiro RJ Brasil CEP: 22240-001

    Telefax: (0xx21) 2285-7284/2285-7546/2285-7597 ramal 111E-mail: [email protected]

    19

    Instituto Nacional de Educao de Surdos

    ARQUEIRO 19a.indd 1 6/1/2010 10:38:13

  • GOVERNO DO BRASILPRESIDENTE DA REPBLICA

    Luiz Incio Lula da Silva

    MINISTRIO DA EDUCAO Fernando Haddad

    SECRETARIA DE EDUCAO ESPECIALCludia Pereira Dutra

    INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAO DE SURDOSMarcelo Ferreira de Vasconcelos Cavalcanti

    DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, CIENTFICO E TECNOLGICOLeila de Campos Dantas Maciel

    COORDENAO DE PROJETOS EDUCACIONAIS E TECNOLGICOSAlvanei dos Santos Viana

    DIVISO DE ESTUDOS E PESQUISASMaria Ins Batista Barbosa Ramos

    EDIOInstituto Nacional de Educao de Surdos INES

    Rio de Janeiro Brasil

    PROGRAMAO VISUALI Graficci

    IMPRESSOEditora Progressiva

    TIRAGEM4.000 exemplares

    ORGANIZADORA DESTA EDIOCarmen Barbosa Capitoni

    REVISOMaria Margarida Simes

    ISSN 1518-2495

    Arqueiro vol.19, (jan/jun) Rio de Janeiro INES, 2009

    Semestral ISSN 1518-2495 1 Arqueiro Instituto Nacional de Educao de Surdos

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  • Sumrio

    Editorial 5

    Avaliao da memria em crianas surdas 7 utilizando o Childrens Memory Scale (CMS) como paradigma-baseEmmy Uehara, Carla Vernica Machado Marques, Carlo Emmanoel Tolla de Oliveira e Eloisa Saboya

    Prticas de ensino: estratgias de ensino para 14 escolares surdos Oficina de MatemticaSilene Pereira Madalena

    As duas faces do processo de incluso: 21um olhar para a rede pblica de ensino nomunicpio de So GonaloGabriella de Andrade Silva

    Relato das mes de alunos do Instituto Cearense 31 de Educao dos Surdos sobre o desenvolvimento educacional de seus filhosDannytza Serra Gomes, Maria Neurielli Figueiredo Cardoso e Sandra Maria Farias Vasconcelos

    Aconteceu 41

    Normas para publicao na revista Arqueiro 42

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  • 5InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    Embora, aparentemente, algum tema aqui presente, na revista Arqueiro 19, possa parecer deslocado do contexto educacional, melhor dizendo, da prtica pedaggica propriamente dita, vale ressaltar que todos os artigos, ao revelarem a pesquisa de estratgias mais adequadas s pessoas surdas, nas mais diversas reas do conhecimento, se articulam com a temtica educacional na medida em que a escola, sobretudo considerando-se o atual panorama da incluso, busca meios mais eficientes para a educao das pessoas surdas, os quais lhes possam garantir o desenvolvimento e a visibilidade de suas potencialidades. Portanto, os textos aqui apresentados se articulam entre si, pois que gravitam em torno da busca de melhores possibilidades de desenvolvimento dos surdos enquanto pessoas presentes e ativas em nossa sociedade. Garantir uma visibilidade social positiva s pessoas surdas s ser possvel se se deixar virem tona suas potencialidades, o que uma tarefa de todos ns. Assim, necessrio que a temtica educacional se alargue, oportunizando uma escola onde a complexidade no seja um problema, mas um caminho a ser percorrido na direo de rumos mais favorveis ao desen-volvimento das pessoas surdas.

    Nesse sentido, o primeiro texto, Avaliao da memria em crianas surdas utilizando o Childrens Memory Scale (CMS) como paradigma-base, traz um estu-do realizado pelo NEUROLAB-INES e NCE-UFRJ, cujo objetivo tornar disponvel um instrumento adaptado especificamente para a populao de crianas surdas, utilizando a Libras como via de comunicao, e, deste modo, viabilizar a construo de um instrumento de avaliao da memria da pessoa surda.

    O segundo artigo, Prticas de ensino: estratgias de ensino para escolares surdos, diz respeito ao relato de uma bem-sucedida experincia pedaggica na rea da matemtica. Esse texto nos fala, especialmente, de como possvel, atravs da criao de estratgias mais adequadas, a escola transpor suas amarras, tornando a prtica pedaggica mais atraente, criativa e sensvel.

    J o terceiro artigo que aqui apresentamos As duas faces do processo de incluso: um olhar para a rede pblica de ensino no municpio de So Gonalo concerne a um estudo realizado em escolas pblicas do municpio de So Gonalo (RJ), onde a autora objetiva relacionar a teoria e a prtica do processo de incluso, proporcionando, deste modo, uma reflexo sobre o cotidiano escolar inclusivo com o projeto poltico-pedaggico da escola. Aponta o estudo para os pontos de desacordo entre teoria e prtica, mas tambm mostra os esforos de escolas e professores na busca de caminhos mais adequados ao processo de incluso das pessoas portadoras de necessidades especiais.

    O quarto e ltimo artigo deste nmero da revista Arqueiro, Relato das mes de alunos do Instituto Cearense de Educao de Surdos sobre o desenvolvimento educacional de seus filhos, atravs da tcnica do relato oral, torna inteligveis os

    Editorial

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  • 6InstItuto nacIonal de educao de surdosarqueIro

    anseios, medos, preocupaes das mes de alunos surdos. Sobretudo, mostra a importncia da interao famlia-escola, em que a participao dos pais dos alunos se constitui como essencial.

    E, finalmente, na seo Aconteceu, ressaltamos, mais uma vez, o trabalho do N-cleo de Orientao Sade do Surdo (NOSS/INES), que desta vez promoveu em julho p.p. o I Curso de Capacitao de Agente Multiplicador em Sade Sexual e Reprodutiva para os Assistentes Educacionais do Colgio de Aplicao do Instituto Nacional de Educao de Surdos (CAP/INES).

    Como sempre, a revista Arqueiro tenta oportunizar ao nosso leitor momentos de reflexo acerca da educao de surdos. Esperamos, portanto, que vocs tenham uma prazerosa e proveitosa leitura.

    Carmen Barbosa Capitoni

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  • 7InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    Avaliao da memria em crianas surdas utilizando o Childrens Memory Scale (CMS) como paradigma-base

    Emmy Uehara1, Carla Vernica Machado Marques2, Carlo Emmanoel Tolla de Oliveira3 e Eloisa Saboya4

    1Psicloga (UFRJ/RJ), Mestranda em Psicologia Clnica (PUC-RIO/RJ) e Pesquisadora do Laboratrio de Neu-ropsicologia Cognitiva e Neurocincias (NEUROLAB INES). E-mail: [email protected] em Antropologia (UFRJ/RJ), Professora do INES e da Faculdade de Medicina-Fonoaudiologia (UFRJ/RJ), Coordenadora do Laboratrio de Neuropsicologia Cognitiva e Neurocincias (NEUROLAB-INES). E-mail: [email protected] em Cincia da Computao, Universidade de Londres, Coordenador do projeto LABASE (NCE-UFRJ). E-mail: [email protected] em Sade Mental (UFRJ/RJ), Supervisora do Laboratrio de Neuropsicologia Cognitiva e Neuro-cincias (NEUROLAB-INES). E-mail: [email protected]

    Resumo

    O presente estudo visa construir um novo instrumento para a avaliao da

    memria utilizando o teste importado Childrens Memory Scale (CMS) como

    paradigma-base. Esta construo tem como objetivo tornar disponvel um instru-

    mento adaptado especificamente para a populao de crianas surdas, utilizando

    a lngua brasileira de sinais (Libras) como via de comunicao. A amostra ser

    composta por quarenta crianas surdas na faixa etria entre sete e doze anos,

    estudantes do Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES). Os resultados

    sero coletados no Laboratrio de Neuropsicologia Cognitiva e Neurocincias

    (NEUROLAB-INES) e analisados no NeuroLog REDE, no Ncleo de Computao

    Eletrnica (NCE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

    Palavras-Chave: Adaptao. Acessibilidade. Memria. Neuropsicologia. Surdez.

    1 - Introduo

    A partir da literatura e da prtica de profissionais de psicologia, percebe-se uma

    grande problemtica em torno da utilizao e aplicao de testes psicolgicos,

    neuropsicolgicos e psicolingusticos no Brasil. Infelizmente, existem poucos

    testes validados e normatizados disponveis no mercado para a prtica clnica,

    especialmente para a populao escolar surda. Este fato acaba inviabilizando a

    avaliao das funes cognitivas nessas crianas.

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    Entende-se por surdo o indivduo que possui uma audio no funcional para

    todos os sons e rudos do ambiente, impedindo-o de adquirir, naturalmente, a

    lngua oral/auditiva e compreender a fala atravs do ouvido (S, 2006; SASSAKI,

    2003). Para compensar tal funo, foi criada a Lngua Brasileira de Sinais (Libras),

    reconhecida em abril de 2002, como um meio de comunicao gestual-visual, utilizando movimentos gestuais e expresses faciais que so percebidos pela viso (CUPERTINO, 2004).

    A Lngua de sinais deixa de ser apenas um sistema lingustico, para ser um elemento da constituio do sujeito surdo, ajudando-o a adquirir uma identidade, uma cultura e uma lngua. A partir das relaes sociais com a comu-

    nidade surda, o indivduo tem a possibilidade de traar uma representao de

    si prprio e do mundo (DIZEU; CAPORALI, 2005).

    Devido relevncia dada no s Libras, mas a toda a comunidade surda,

    algumas perguntas vm tona. Por que crianas surdas ainda encontram-se

    margem da prtica neuropsicolgica? Por que no construir instrumentos adequa-

    dos e adaptados para tal comunidade? Por que no levar sade e acessibilidade

    para a populao surda? Mediante tais reflexes, surgiu a ideia da construo de

    um teste neuropsicolgico que visasse avaliar a memria da criana surda. Para

    construo desse novo instrumento, utilizou-se o teste importado Childrens

    Memory Scale (CMS) como paradigma-base no desenvolvimento de um teste

    adaptado especificamente para esta populao.

    2 - Objetivos

    O objetivo deste estudo construir uma nova ferramenta para a avaliao

    da memria, utilizando como norteador o teste importado Childrens Memory

    Scale (CMS). Essa adaptao ser computadorizada, tornando disponvel um

    instrumento adequado populao de crianas surdas que utilizam a lngua

    brasileira de sinais (Libras) como via de comunicao.

    O novo instrumento ser constitudo por dois mdulos: um de tarefas para a

    avaliao da memria da criana, e outro, de coleta de dados para a interpreta-

    o dos resultados e melhor entendimento dessa funo cognitiva na populao

    infantil surda.

    3 - Cognio, linguagem e memria na surdez

    Para o melhor entendimento do crebro humano, preciso pens-lo como

    um todo, uma circuitaria onde todas as funes cognitivas esto relacionadas

    direta ou indiretamente.

    No que diz respeito populao surda, no h como falar em cognio sem

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  • 9InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    mencionar o fato da particularidade de sua linguagem, que pode ser entendida

    como o primeiro canal de interao do sujeito com o mundo, como o meio de

    comunicao que mais desenvolvido nos humanos que em outras espcies

    (FUENTES, 2008). Tambm pode ser pensada como a capacidade de transformar

    ideias em palavras, gestos, sinais, possibilitando a comunicao com o outro.

    A partir dela, novas combinaes de ideias acabam surgindo, o que facilita

    a organizao da experincia sensorial do indivduo. Por meio dela, podemos

    expressar nossa identidade, pensamentos, sentimentos e expectativas (KANDEL;

    SCHWARTZ; JESSEL, 1997).

    No que diz respeito s crianas surdas, necessrio que a famlia, juntamente com

    a escola, faa um trabalho para impedir um atraso de linguagem, com intuito de evitar

    e minimizar possveis prejuzos em seu desenvolvimento cognitivo (SIXEL, 1999).

    Entender a relao entre memria e surdez algo bem delicado, pois no te-

    mos como afirmar se o comprometimento mnemnico se d devido audio no

    funcional, dano secundrio ou por alguma leso, patologia, dano primrio.

    A memria uma das mais importantes funes cognitivas, pois atravs dela

    que formamos a base para o processo de aprendizagem. De acordo com Bear,

    Connors e Paradiso (2002), o aprendizado pode ser visto como um processo

    de aquisio de novas informaes, enquanto a memria, como a consolida-

    o e reteno desse conhecimento adquirido. Contudo, a memria no um

    armazenador unitrio; existem vrios sistemas de memria, cada qual com sua

    especificidade, tempo de durao e contedo.

    Os processos de memria compreendem um conjunto de habilidades me-

    diadas por diferentes mdulos do sistema nervoso que funcionam de forma

    independente, porm, cooperativa (XAVIER, 1993; 1996). Assim, como as uni-

    dades de processamento influenciam-se umas s outras, acabam por processar

    concomitantemente as informaes.

    Segundo Pickering (2006), existem algumas variveis que podem influenciar

    o desenvolvimento cognitivo e da memria na surdez, tais como grau de perda

    auditiva, idade de incio da surdez, ambiente familiar (pais ouvintes ou surdos),

    primeira lngua (falada ou sinais) e tipo de educao (oralismo, comunicao total

    ou bilinguismo). Esses fatores interagem entre si, criando uma complexidade e

    singularidade em cada indivduo com surdez.

    A partir da reviso da literatura, observou-se que so poucos os estudos que

    examinaram a memria em crianas com surdez (ALLOWAY; GATHERCOLE;

    ADAMS; WILLS, 2005. WILSON; EMMOREY, 1997. WILSON; BETTGER; NICU-

    LAE; KLIMA, 1997). Como qualquer outra populao, essa tambm necessita de

    auxlio, no necessariamente ligado surdez propriamente dita, mas em todos

    os processos cognitivos.

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  • 10

    InstItuto nacIonal de educao de surdosarqueIro

    4 - Childrens Memory Scale como paradigma-base

    Para avaliarmos a memria na populao surda, foi escolhido o teste Childrens

    Memory Scale (CMS) como paradigma-base na construo de uma nova ferra-

    menta adaptada especificamente a essa populao.

    O Childrens Memory Scale (CMS) foi idealizado por Morris J. Cohen, em 1997,

    para auxiliar na avaliao da aprendizagem e do funcionamento da memria, em

    crianas na faixa etria de cinco a dezesseis anos de idade (COHEN, 1997).

    Cohen idealizou o CMS com o intuito de construir um instrumento consis-

    tente com um modelo terico de aprendizagem e memria que fosse sensvel

    s mudanas do desenvolvimento da aprendizagem e memria infantil. Alm

    disso, a escala tem o objetivo de avaliar a relao entre memria, inteligncia e

    utilizao de tarefas clnicas e educacionais, visando o desenvolvimento de um

    instrumento padronizado que pudesse abarcar todos esses pontos observados

    anteriormente.

    A escolha do CMS deveu-se aos inmeros estudos e pesquisas que fizeram uso

    desse instrumento em crianas com as mais diversas patologias e comprometi-

    mentos, como epilepsia, traumatismo crnio-enceflico, esquizofrenia, sndromes

    do espectro autista, leucemia, amnsia infantil, entre outros, mostrando ser uma

    bateria completa e que abarca variveis relevantes para o melhor entendimento

    dessas funes. (GONZALEZ, 2007. SEIDMAN et al, 2006. SPIEGLER et al, 2004;

    2006. ALEXANDERA; MAYFIELD, 2005. HAWLEY, 2005. LEE et al, 2005. SALMOND

    et al, 2005. GUILLERY-GIRAND; MARTINS; PARISOT-CARBUCCIA; EUSTACHE,

    2004. SMITH; ELLIOT; LACH, 2002). Alm disso, o CMS mostrou ser uma ferra-

    menta amigvel e visualmente atrativa, viabilizando uma maior identificao e

    rapport positivo da populao surda.

    O CMS uma bateria composta de nove subtestes (seis principais e trs su-

    plementares), que podem ser divididos em trs reas: auditivo-verbal, visual-no

    verbal e ateno-concentrao. A bateria principal pode ser administrada em 30

    a 35 minutos e a suplementar, em 10 a 15 minutos. Sua aplicao constituda

    por dois momentos: um que avalia a memria imediata (curto prazo) e outro,

    30 minutos depois, que avalia a memria tardia (longo prazo). Essa comparao

    fornece dados relativos habilidade da criana em reter uma informao ao longo

    do tempo, avaliando seu grau de aprendizado.

    Para uma melhor mensurao do desempenho da criana, o CMS fornece

    oito ndices: imediato verbal, tardio verbal, tardio de reconhecimento, imediato

    visual, tardio visual, ateno-concentrao, aprendizado e memria geral. Desta

    maneira, atravs da comparao do desempenho nos ndices, podemos ter uma

    viso mais minuciosa do aprendizado e memria da criana.

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    InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    5 - Adaptao e acessibilidade para crianas surdas

    Segundo a legislao brasileira (Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000),

    acessibilidade a possibilidade e condio de alcance para utilizao, com se-

    gurana e autonomia, dos espaos, mobilirios e equipamentos urbanos, das

    edificaes, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicao por pessoa

    portadora de deficincia ou com mobilidade reduzida.

    Contudo, no h como falar em acessibilidade sem mencionar a incluso

    social, pois so conceitos com limites muito tnues. Enquanto a primeira est

    voltada para o acesso a algo, a segunda refere-se adaptao para a incluso

    do sujeito. Entende-se por incluso social o processo pelo qual a sociedade se

    adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessi-

    dades especiais que simultaneamente se preparam para assumir seus papis na

    sociedade (SASSAKI, 2003).

    Portanto, nada mais justo que construir uma ferramenta adaptada popu-

    lao infantil surda, oferecendo-lhe condies favorveis a sua utilizao, de

    acordo com as caractersticas particulares desse grupo social.

    Para tal adaptao, dividimos a construo desse novo teste em algumas etapas:

    1) Traduo e adaptao transcultural do CMS. O teste foi traduzido da lngua

    inglesa para a portuguesa por uma tradutora da Faculdade de Letras da Univer-

    sidade Federal do Rio de Janeiro e posteriormente retraduzido por um cidado

    de dupla nacionalidade (brasileiro e norte-americano). Paralelamente traduo,

    foram realizados estudos para a melhor adaptao cultural das instrues e das

    tarefas do teste;

    2a) Treinamento do intrprete e instrutor surdo e b) Adaptao para Libras.

    Nesta etapa, o psiclogo responsvel encaminha as instrues de aplicao do

    teste ao intrprete e este dirige as informaes ao instrutor surdo. Esse processo

    ocorre como uma maneira de tornar as instrues mais fidedignas e adequadas

    ao linguajar das crianas surdas;

    3) Primeira aplicao do teste em crianas surdas;

    4) Modificaes a partir dessa primeira aplicao: as instrues so aplicadas

    nas crianas surdas com o intuito de evidenciar alguma falha, para que futuras

    alteraes possam ser feitas;

    5) Filmagem das instrues em libras. Realizada a aplicao do teste e modi-

    ficaes da mesma, filmagens sero feitas na Faculdade de Letras da UFRJ com

    profissionais surdos;

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    InstItuto nacIonal de educao de surdosarqueIro

    6) Computadorizao do novo instrumento. A partir da aplicao do teste e

    respectiva filmagem, as instrues e vdeos so passados para os programadores

    do Ncleo de Computao Eletrnica da UFRJ, os quais construiro uma ferra-

    menta nova e adaptada para tal populao, com layout amigvel e acessvel a

    essas crianas;

    7) Metodologia: aplicao do CMS em crianas surdas.

    A descrio da metodologia de pesquisa utilizada em todos os artigos que envol-

    vem experimentos, desenvolvidos no NEUROLAB-INES (participantes, instrumentos

    e procedimentos) est apresentado no primeiro artigo desta publicao.

    6 - Consideraes finais

    A partir deste primeiro estudo, poder-se- verificar a necessidade da adaptao

    de outros testes que avaliem outras funes cognitivas nessa populao, que at

    ento se encontrava margem desse tipo de cuidado e atendimento.

    A construo de um novo teste, a partir da adaptao do CMS, possibilitar a

    elaborao de um instrumento melhor adaptado a essa populao, levando em

    conta suas particularidades, oferecendo-lhe uma ferramenta mais completa.

    Espera-se que essa iniciativa seja a primeira de muitas outras formas de acesso

    e incluso desses sujeitos, no Brasil.

    Referncias bibliogrficas

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    Graduao em Comunicao. Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora

    (UFJF).

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    InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

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    FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prtica. Porto Alegre: Artmed,

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    InstItuto nacIonal de educao de surdosarqueIro

    Prticas de ensino: estratgias de ensino para escolares surdos Oficina de Matemtica

    Silene Pereira Madalena1

    1 Professora do Colgio de Aplicao do Instituto Nacional de Educao de Surdos -CAP/INES..

    Resumo

    Como vencer o desafio de tor-

    nar o ensino escolar atraente para o

    nosso aluno? Como fazer para que

    os alunos surdos team uma rede

    de relaes numricas? possvel

    uma prtica pedaggica em que o

    saber social se aproxime do saber

    pedaggico? Esta a proposta da

    Oficina de Matemtica: espao de

    construo de saberes matemticos

    para alunos e professores.

    Palavras-Chave: Educao ma-

    temtica. Surdez e matemtica.

    Projetos pedaggicos e educao

    de surdos.

    1 Introduo

    Para ns, professores de sala de aula, muito difcil falar sobre o que fazemos

    e como fazemos, pois isso exige de ns um outro olhar, um olhar de fora. Este

    afastamento da rotina diria do fazer pedaggico implica um exerccio ao qual

    no fomos acostumados. Nesses momentos temos que vestir tambm o papel

    de professor pesquisador da nossa prtica pedaggica (como nos ensinou uma

    querida professora chamada Alice Freire).

    Acredito que, ainda, a grande maioria dos professores foi educada por meio de

    uma metodologia tradicional de ensino, em que ao professor cabe ensinar e ao aluno,

    memorizar e repetir, sem muito questionar. Em nossos cursos de formao, o ensino

    tambm no foi muito diferente, e, quando nos damos conta, estamos reproduzindo,

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    InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    com nossos alunos, os modelos vividos, em que o importante era aprender a ler, escre-

    ver e, especificamente falando do ensino de matemtica, calcular. H um descolamento

    entre o saber social e o saber escolar, dentro de uma viso tradicional de ensino.

    No processo de ensino-aprendizagem de sujeitos surdos, h uma enorme

    preocupao com o ensino de lngua portuguesa, e a matemtica fica restrita,

    muitas vezes, ao ensino das quatro operaes.

    No entanto, importante ressaltar que aplicamos conceitos matemticos em

    nossa rotina com tanta frequncia, que j nem nos damos conta da quantidade

    de clculos dirios realizados e dos saberes que esto em jogo quando, por

    exemplo, entramos em um supermercado para fazer compras.

    E como se d essa rotina para os nossos alunos surdos?

    Considerando que a matemtica tem um valor formativo, que ajuda a estru-

    turar todo o pensamento e a agilizar o raciocnio dedutivo; e que tambm uma

    ferramenta que serve para a atuao diria e para muitas tarefas especficas de

    quase todas as atividades laboriais (PARRA, C.; SAIZ, I., 1996, p. 15), criamos a

    Oficina de Matemtica, para as turmas de 1. a 4. sries do Colgio de Aplicao

    do INES (CAP/INES), buscando diminuir o distanciamento entre a nossa formao,

    o mundo atual e o aluno que queremos formar.

    2 Objetivos da Oficina de Matemtica

    Nosso objetivo principal instrumentalizar melhor o professor de sala de aula,

    que diariamente precisa trabalhar os contedos de lngua portuguesa, estudos

    sociais e cincias, alm da matemtica. uma tarefa complexa para o professor-

    regente ser especialista em todas as matrias, e funo da escola encontrar

    caminhos para que esse professor se mantenha atualizado e possa dispor de

    um espao de discusso e reflexo sobre a prtica de sala de aula. Assim, alm

    dos atendimentos aos alunos, com a presena do professor, em nossas oficinas

    tambm temos encontros peridicos com os professores agrupados por srie.

    O trabalho que desenvolvemos , portanto, um trabalho coletivo, construdo a

    partir das necessidades dos alunos, que precisam de nossos andaimes para avan-

    ar, e das observaes e reflexes que ns, professores, trocamos em reunies

    de estudo e de planejamento.

    3 A Prtica da Oficina de Matemtica

    Em nosso trabalho, colocamos em prtica o que prope o Projeto Poltico-

    Pedaggico do Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES), quando afirma que

    professores e alunos interagem em um contexto de ao, neste caso, a sala de aula.

    Assim, o conhecimento entendido como sendo construdo atravs da interao

    por aprendizes e pares mais competentes (o professor ou outros aprendizes) no

    esforo conjunto de resoluo de tarefas, explorando o nvel real em que o aluno

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    est e o seu nvel em potencial para aprender (VIGOTSKY, 1994). Por isso o processo

    de interao em sala de aula tem que ser entendido em toda a sua complexidade,

    envolvendo dificuldades e sucessos na compreenso, negociao das perspectivas

    diferentes dos participantes e o controle da interao por parte dos mesmos at que

    o conhecimento seja compartilhado (EDWARD; MERCER, 1987; 1).

    Atualmente, duas professoras desenvolvem o trabalho da Oficina de Matem-

    tica: Silene Madalena (1. a 3. sries) e Maria Dolores (4. srie).

    De acordo com a referida Proposta Poltico-Pedaggica de nossa Escola e os

    Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), trabalhamos a matemtica abrangendo

    os seguintes blocos de contedo:

    nmeros e sistema de numerao;

    operaes;

    grandezas e medidas;

    espao e forma;

    tratamento da informao.

    No CAP/INES, os alunos esto agrupados por srie, com contedos e objetivos

    traados para cada uma delas, mas, nas atividades da Oficina de Matemtica, no

    ficamos restritos a reforar apenas o que trabalhado em sala pelo professor

    de turma, nem a recuperar alunos com dificuldades. Muitas vezes, nas aulas da

    Oficina, os alunos do respostas alm das esperadas pelo professor, e os pr-

    prios alunos se surpreendem com seus acertos. Nossas atividades trabalham a

    memria, a ateno, a cooperao, a iniciativa e o raciocnio lgico, o que acaba

    refletindo-se de forma positiva em sala de aula. Nossa proposta vai alm do que

    cabe a cada srie, sem perder de vista seus objetivos especficos.

    O professor acompanha a sua turma nos atendimentos feitos pela Oficina de

    Matemtica. A ele cabe a tabulao dos objetivos atingidos por cada um. Com-

    binamos uma tabela de dupla entrada com os nomes dos alunos, a data de cada

    atendimento e o objetivo proposto para aquele encontro. Essa tabulao per-

    mite verificar, ao longo do tempo, se estamos alternando atividades de todos os

    contedos da matemtica e como os alunos esto evoluindo, o que nos permite,

    simultaneamente, avaliar os alunos e a proposta de trabalho.

    Segundo os Parmetros Curriculares, a vitalidade da matemtica deve-se

    tambm ao fato de que, apesar de seu carter abstrato, seus conceitos e resul-

    tados tm origem no mundo real. O ponto de partida da atividade matemtica

    no a definio, mas o problema. No processo de ensino e aprendizagem,

    conceitos, ideias e mtodos matemticos devem ser abordados mediante a

    explorao de problemas, ou seja, de situaes em que os alunos precisem

    desenvolver algum tipo de estratgia para resolv-las, considerando que um

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    conhecimento s pleno se for mobilizado em situaes diferentes daquelas

    que serviram para lhe dar origem.

    Desse modo, trabalhamos por projetos, sendo os temas propostos pelo

    grupo de professores e/ou pela Oficina de Matemtica. E esses projetos partem

    do conhecimento de mundo que cada aluno traz sobre um determinado as-

    sunto, visando ampliao desses conhecimentos e aquisio de outros.

    Anualmente, nos meses de maio e junho abrimos o bloco de grandezas e

    medidas com diversas atividades, que tm como objetivo principal trabalhar

    o sistema monetrio e as unidades de medida convencionais, e os professo-

    res tambm fazem um levantamento interdisciplinar do que ser trabalhado.

    Nossa proposta realizar uma festa junina para as turmas de 1. a 4 sries

    em que a moeda a ser utilizada a reproduo fiel das notas de real, em ta-

    manho menor. Estas notas so guardadas em carteiras feitas com dobradura,

    explorando tambm as formas geomtricas.

    Na preparao da festa junina deste ano, por exemplo, confeccionamos

    receitas, aplicando o que foi aprendido sobre dobro, metade, quilo e litro.

    Enfeitamos o espao, medindo comprimento, largura, e calculando a quanti-

    dade necessria de bandeirinhas, j que em um metro cabem apenas cinco.

    Elaboramos tabelas com enquetes sobre os doces e as brincadeiras tpicas

    preferidas. Fizemos compras em supermercados, utilizando a nota fiscal

    como texto e comparamos os preos, estabelecendo diversas relaes entre

    os produtos.

    No dia da festa, os alunos se revezaram no caixa, vendendo as fichas das

    brincadeiras e das comidas, e vivenciaram situaes que puderam, posterior-

    mente, ser aproveitadas em sala de aula. Assim, os clculos empregados para

    solucionar cada uma das questes levantadas foram os problemas trabalhados

    pelo professor-regente naquele perodo. muito importante para os nossos

    alunos experimentar a riqueza de possibilidades que um projeto como este

    gera. Quando as dvidas surgem com relao a um problema proposto, nos

    reportamos a situaes que todos viveram, e as dificuldades decorrentes da

    comunicao diminuem, alm de ser um momento de alegria e prazer parti-

    lhar uma festa to planejada no espao escolar.

    Outro exemplo de projeto O tempo no para, que tem envolvido as turmas

    de 1. a 3. sries. Dentre as estratgias utilizadas destacamos as seguintes:

    observar diferentes relgios;

    conversar sobre as unidades de medida de tempo: hora,

    minuto, segundo, dia, semana, ms, ano, etc., e as relaes existentes

    entre elas;

    confeccionar relgios e ampulhetas;

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    organizar linhas de tempo;

    montar tabelas para que as crianas registrem os horrios de

    sua rotina semanal;

    observar relgios de sol e aprender sobre seu funcionamento.

    As atividades listadas tm por objetivo ampliar o campo conceitual de tempo para que, dentro das possibilidades de cada aluno, eles possam ir construindo e aprofundando essas noes.

    Sabemos que o trabalho com surdos apresenta um grau maior de dificuldade porque, paralelamente, h o desenvolvimento da lngua brasileira de sinais (Li-bras) e do conceito que queremos trabalhar. A Libras a lngua de instruo de nossos alunos, mas a grande maioria s a adquire aps a entrada na escola.

    Ento, para vencermos o desafio de trabalhar com sujeitos surdos com aquisi-o tardia de lngua, utilizamos diferentes materiais como recurso para contagem, alm de materiais estruturados e muitos, muitos jogos. Nosso espao de trabalho colorido, o que torna este ambiente atraente para eles, especialmente consi-derando que nossos alunos surdos tm como principal canal de aprendizagem a viso. Dessa forma, caixas de ovos, tampinhas, dados, cartas de baralho, rel-gios, ampulhetas, cdulas e moedas antigas, caixas de sapato, canudos, palitos de sorvete, fita mtrica e balana, por exemplo, ocupam a mesma importncia em nosso espao de trabalho que lpis e papel.

    Temos observado que nossos alunos aprendem a contar, contando; e a so-mar e a subtrair, somando e subtraindo. Assim, sempre no incio do ano letivo, propomos diferentes atividades em que contar, somar e subtrair sejam atividades necessrias para a participao num determinado jogo. Isto ocorre tanto para os alunos de 1. como para os de 4. srie. Nestes casos, o que se modifica o universo quantitativo trabalhado, podendo aumentar significativamente o grau de dificuldade de um determinado jogo.

    Rodar dados e trocar os pontos obtidos por tampinhas ou para determinar quantas casas avanar no tabuleiro pode representar um desafio interessante. As crianas executam sucessivas adies em uma s partida, seja para deslocar o seu pino, para contar quantas casas ainda restam ou para conferir a jogada do seu companheiro. Dessa forma, o jogo pode ser um disparador de um determinado contedo ou possibilitar a aplicao de algo que elas j sabem

    e conferir destreza em clculos executados mentalmente.

    O jogo estabelece relaes entre os parceiros, e estrutura o grupo. A criana

    aprende a respeitar a ordem at chegar sua vez de jogar, descobre o estmulo,

    desenvolve a pacincia, o domnio de si prpria. Habitua-se a aceitar regras,

    conhec-las, respeit-las, poder explic-las a outros, a levar em considerao a

    existncia destes outros, a tomar cuidado com o material, a correr riscos, a aceitar

    um eventual fracasso [...]. (CERQUETTI, 1997)

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    Trabalhar contagem e sistema de numerao atravs de bingos com diferentes

    graus de dificuldade (bingo do sucessor, do antecessor, do mais cinco, etc.), de

    rodas de contagem, da construo de tabelas numricas, de linhas de tempo,

    do uso do calendrio, da quantidade de elementos acumulados a cada semana

    para formar uma coleo, so atividades rotineiras nas oficinas, que tambm se

    estendem para o fazer matemtico da sala de aula.Muitas vezes um jogo vivido por todos utilizado pelo professor-regente

    como referncia em exerccios sistematizados na sala.H uma articulao entre o contedo a ser vencido por cada srie, o universo

    quantitativo que cada grupo j domina e o que vivido nas oficinas. O desafio que cada atividade apresenta cuidadosamente dosado para tornar interessante o que est sendo vivido pelo grupo de alunos nas situaes de jogo, alternando momentos em que o aluno pensa sozinho e prope uma resposta, com outras em que cabe a uma dupla ou equipe responder.

    Em nosso espao de trabalho valorizamos o como e o porqu de uma determinada resposta, e no apenas o acerto. O exerccio de pensar no que foi feito e no processo vivido por cada aluno para alcanar uma determinada resposta auxilia o professor na escolha do que ele ir propor a seguir e na maneira como um determinado contedo ir ser trabalhado. O erro tambm visto por ns como parte do processo e como indicador da lgica empregada por um determinado aluno ou grupo de alunos. Acre-ditamos na construo dos conhecimentos e observamos que, na medida em que os alunos so desafiados, eles arriscam mais e vo se sentindo mais confiantes.

    Segundo Vernica Edwards, uma pesquisadora chilena que trabalhou em pesquisa etnogrfica na escola, forma contedo, e isso fala sobre o que acredi-tamos e praticamos na Oficina.

    O conhecimento que se transmite no ensino possui uma forma determinada que

    vai sendo modelada na apresentao do contedo. O contedo no indepen-

    dente da forma sob a qual apresentado. A forma possui significados que so

    acrescentados ao contedo, produzindo uma sntese, um novo contedo. A lgica

    da interao, a maneira como o docente interage com o saber e gera situaes

    para que o aluno interaja com o saber, reflete-se de maneira decisiva em qual vai

    ser a conceitualizao do contedo que a escola realmente est comunicando.

    (Apostila do Centro de Estudos da Escola da Vila)

    4 Consideraes finais

    possvel, na escola, administrar o tempo de maneira diferente da habitual

    quando se acredita que os jogos e a forma como propomos o trabalho de mate-

    mtica trazem muitos ganhos para nossos alunos. O importante estabelecer uma

    ordem de prioridade nos contedos a serem trabalhados, acreditar no potencial

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    deles e na construo de conhecimentos, sabendo que o professor tem um papel

    fundamental neste processo.

    Parece que, pelo pouco uso do lpis e do papel, e da ludicidade que im-

    primimos s aulas, nosso espao no tido pelos meninos como sala de aula.

    Eles no oferecem resistncia em participar dos encontros, contrariando o

    que socialmente se fala da matemtica: muito difcil. Para muitos surdos

    ocorre exatamente o contrrio: eles gostam de matemtica, e queremos que

    eles continuem assim.

    Acreditamos que o trabalho desenvolvido nas oficinas tem auxiliado nossos

    alunos a se constiturem como sujeitos mais capazes e autnomos. E muito

    bom saber que atravs de nossas oficinas a Escola tem cumprido seu papel

    de espao de aprendizagem, com lugar reservado para a alegria e o prazer de

    aprender.

    Referncias bibliogrficas

    BRASIL. Parmetros Curriculares Nacionais: matemtica. Secretaria de Educao

    Fundamental. Braslia: MEC / SEF, 1997.

    CERQUETTI, Aberkane Franoise. O ensino da matemtica na educao infantil.

    Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.

    INES. Projeto Poltico-Pedaggico do Colgio de Aplicao do INES, Rio de

    Janeiro, 1998.

    KAMII, Constance. Jogos em grupo na educao infantil: implicaes da teoria

    de Piaget. So Paulo: Trajetria cultural, 1991.

    _____. Crianas pequenas reinventam a aritmtica: implicaes da teoria de

    Piaget. Porto Alegre: Artmed, 2002.

    PARRA, Ceclia. Didtica da matemtica: reflexes psicopedaggicas. Porto

    Alegre: Artmed, 1996.

    LENER, Dlia. El Aprendizage y la ensenanza de la matemtica. In: Conhecer e ensinar

    contedos matemticos do 1 ao 5 ano do ensino fundamental. Curso do Centro

    de Estudos da Escola da Vila. Rio de Janeiro, abr/ago 2008.

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    Graduanda do Curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Faculdade de Formao de Professores (UERJ/FFP).

    As duas faces do processo de incluso: um olhar para a rede pblica de ensino no municpio de So Gonalo

    Gabriella de Andtrade Silva1

    Resumo

    Este trabalho tem por objetivo trazer questes referentes ao processo de in-

    cluso de portadores de necessidades especiais nas escolas regulares, partindo

    de um breve panorama histrico e poltico que aborda questes que envolvem o

    processo de incluso e os fatores pertinentes. Para essa discusso so utilizados

    autores como Glat, Pletsch e Fontes (2007), Corra (2005), Costa (2007), Glat e

    Ferreira (2003), Franco (2000) e Aranha (2004)). Numa tentativa de relacionar

    a teoria e as prticas escolares num movimento de reflexo, se faz uso de um

    estudo de caso na rede pblica de ensino do Municpio de So Gonalo, onde so

    realizadas observaes em sala de aula, entrevistas com profissionais atuantes no

    processo de incluso e uma anlise das condies de estrutura fsica e recursos

    humanos das escolas estudadas.

    Palavras-Chave: Educao. Incluso. Teoria e prtica.

    Introduo

    Incluir no significa simplesmente colocar o estudante junto com os outros ditos normais,

    mas estruturar o sistema educacional para que as crianas especiais sejam atendidas nas

    suas especificidades e peculiaridades.

    Gotti

    O objetivo deste trabalho consiste em investigar e questionar como acontece

    o processo de incluso de crianas portadoras de necessidades especiais na

    teoria e na prtica. O foco central situa-se na organizao do projeto poltico-

    pedaggico das escolas da rede pblica de So Gonalo e na prtica cotidiana

    escolar com relao incluso. Propomo-nos investigar e fazer reflexes a partir

    de questes tais como estrutura fsica, recursos humanos, corpo docente e dis-

    cente que compem as instituies estudadas, e outros aspectos que surgem no

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    decorrer da pesquisa podendo, talvez, responder sobre a incluso muitas das

    vezes utpica.

    O interesse pela pesquisa partiu de experincias vividas ao longo da vida es-

    colar, que provocaram um misto de curiosidade e empenho em saber o porqu

    de se colocar um aluno com necessidades especiais em uma sala de aula onde

    no se buscava a incluso, por que os professores muitas das vezes o ignoravam,

    por que a escola no tomava nenhuma atitude perante essa situao.

    Nos dias atuais esse tema vem sendo bastante abordado e debatido, na ten-

    tativa de melhoria do ensino no que diz respeito a essas crianas portadoras

    de necessidades especiais, principalmente na rede pblica de ensino. Sendo

    um sistema de ensino que prope que todas as crianas, independentemente

    de suas condies, sejam includas em salas de aulas regulares e que suas ne-

    cessidades sejam atendidas, traz grandes desafios para o cotidiano escolar, que

    supostamente tem que atender as especificidades de seus alunos. Pensar esse

    desafio na prtica, utilizando as experincias vivenciadas, nos instiga a refletir

    sobre a proposta de incluso, suas implicaes e seus resultados positivos e

    negativos.

    Incluso uma pequena palavra, mas impregnada de significados que

    ultrapassam o contexto escolar. Falar de incluso no apenas pensar em

    portadores de necessidades especiais; ir alm, pensar em todas as pessoas

    que no esto dentro do padro de normalidade imposto pela sociedade na

    qual esto inseridas. Incluir essas pessoas em uma sociedade no inclusiva

    desafiar a sua prpria cultura, que foi e est sendo historicamente construda

    e marcada por um longo processo de excluso. Sendo a escola uma instituio

    que se insere nesta sociedade, consequentemente sofre com essas caracters-

    ticas sociais. Dessa forma, entra em uma constante luta para se adequar s

    novas concepes de educao, entre elas a educao inclusiva, que o tema

    proposto neste trabalho.

    A educao inclusiva envolve diversos fatores, como a transformao da

    cultura escolar, mudanas nos currculos, disponibilidade de materiais did-

    ticos de apoio, formao docente, financiamentos e outros mais. O conjunto

    de aspectos a serem contemplados vai influenciar tambm na qualidade da

    educao e, em decorrncia, na educao inclusiva.

    A implementao de um sistema de Educao Inclusiva no tarefa simples; para

    oferecer um ensino de qualidade a todos os educandos, inclusive para os que tm

    alguma deficincia ou problema que afete a aprendizagem, a escola precisa reor-

    ganizar sua estrutura de funcionamento, metodologia e recursos pedaggicos, e

    principalmente, conscientizar e garantir que seus profissionais estejam preparados

    para essa nova realidade. (GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007, p. 5)

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    Sair a campo em busca dessas informaes que revelem como na prtica esta

    educao inclusiva est acontecendo, em especial no municpio de So Gona-

    lo, trazer reflexes que ajudem a pensar melhor sobre qual seja a proposta

    da educao inclusiva e como essa proposta est sendo realizada nas prticas

    cotidianas escolares.

    1- Breve histria dos portadores de necessidades especiais

    A histria das pessoas portadoras de necessidades especiais sempre foi um

    marco de extermnio, discriminao e preconceito, pois, de acordo com cada

    poca, essas pessoas eram vistas de uma forma, devido a fatores determinantes,

    como a cultura, as crenas, convices e religies presentes na sociedade onde

    estavam inseridas. Com o passar do tempo, mesmo em meio a preconceitos

    extremamente presentes, podiam-se encontrar algumas iniciativas de estudio-

    sos, juntamente com o avano no campo da medicina, que tambm auxiliava na

    compreenso das deficincias, e tambm no campo da pedagogia, com novos

    mtodos e escolarizao dos deficientes que tiveram sua importncia nas con-

    quistas neste campo da deficincia.

    Dessa forma, surgiu um nmero significativo de instituies de ensino espe-

    cializadas, que influenciaram a sociedade com relao valorizao do direito

    escolarizao das pessoas com necessidades especiais. As instituies foram

    aprimorando-se e buscando recursos para trabalhar com cada tipo de deficincia

    presente na sociedade, da resultando que cada uma se direcionou a um tipo de

    atendimento, como aos deficientes visuais, auditivos, fsicos e mentais.

    De acordo com Glat e Ferreira (2003), a educao das pessoas com neces-

    sidades especiais relativamente recente no Brasil. J existiam nossas classes

    especiais em escolas pblicas desde a dcada de 1930, mas o acesso dessas

    pessoas s escolas comuns apenas iria ocorrer de forma mais perceptvel j na

    segunda metade do sculo XX. A partir do perodo entre o incio da dcada de

    1970 e incio dos anos 1980, que o processo de institucionalizao da educa-

    o especial nos sistemas pblicos de ensino foi instaurado, em meio a diversas

    reformas educacionais.

    O crescimento de instituies de atendimento ao deficiente influenciou o

    desenvolvimento da educao especial como uma rea especfica em prestar

    atendimento aos portadores de necessidades educativas especiais, com a utiliza-

    o de mtodos e recursos pedaggicos especializados. Mas isso de certa forma

    reforou a segregao dessas pessoas, o que levou a se pensar em integr-las

    nas escolas regulares, numa tentativa de aproxim-las da sociedade por meio de

    sua participao na escolarizao dos demais ditos normais. Esse modelo foi

    sendo substitudo pelo da incluso, a partir de polticas voltadas para a educao

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    dos portadores de necessidades especiais. A viso sobre a deficincia, segundo

    Corra (2005), social e historicamente construda, e o processo percorrido at

    conquistarem a condio de serem educados foi muito longo e doloroso.

    2- Princpios da educao inclusiva

    A educao inclusiva prope que a escola esteja aberta diversidade e que

    atenda as especificidades de seus alunos portadores de necessidades educativas

    especiais, ligadas deficincia ou no. Ou seja, a escola tem que atender todos

    os seus alunos de acordo com suas necessidades, entendendo que seu alunado

    composto por diversas culturas, que vo interferir em seu aprendizado e con-

    vivncia com os demais.

    A incluso demanda toda uma mudana no sistema educacional, que deve

    atingir as escolas e seus atores que participam desse fazer dirio. Questes

    como projeto poltico-pedaggico, currculo, formao, conhecimento e

    preparao fazem parte de um conjunto importante de integrantes para a

    realizao da incluso. E esses fatores devem estar em sintonia para que o

    processo venha a ocorrer e trazer significados positivos que contribuam para

    a formao dessas pessoas portadoras de necessidades especiais e tambm

    para o crescimento dos educadores de acordo com as experincias vivencia-

    das. Mas na prtica encontramos um expressivo despreparo das escolas para

    receber esses alunos.

    [...] a despeito de pesquisas e do relato cotidiano da realidade concreta vivida por educa-

    dores e educadoras, tem-se constatado o desaparelhamento das escolas para empreender

    tamanha jornada integradora, tanto no que diz respeito ao espao fsico quanto aos

    recursos humanos. (FRANCO, 2000, p. 79.)

    Para que se concretize a incluso na ntegra, necessrio realizar um trabalho r-

    duo e gradativo, que demanda tempo e grandes modificaes que foram construdas

    ao longo de muitos anos e que no sero transformadas num piscar de olhos, mas

    num longo processo, difcil de ser conduzido e realizado com perseverana. Esse

    acontecimento no depende apenas do professor ou da escola, mas de algo maior,

    de uma poltica mais elaborada, do cumprimento na ntegra e do empenho de todos

    os envolvidos na busca para que a incluso de fato acontea.

    Incluso um processo que implica modificaes, principalmente na nossa

    sociedade, que traz marcas da excluso devido ao longo processo de discrimi-

    naes em que eram envolvidas todas as pessoas que apresentavam alguma

    deficincia. E modificar algo construdo durante anos no um processo fcil,

    pois desafia nossa identidade formada nos moldes da excluso.

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    Com o decorrer do tempo e as mudanas no pensamento a respeito da escolarizao

    das pessoas portadoras de necessidades educativas especiais, alguns avanos foram

    realizados, como leis, polticas pblicas e conceitos na educao, que determinaram

    mudanas no campo educacional. Algumas declaraes e leis tiveram e ainda

    tm influncia na educao dos alunos especiais, como a Declarao Universal

    dos Direitos Humanos, a Declarao de Salamanca, as Leis de Diretrizes e Bases

    (LDB) e os Parmetros Curriculares Nacionais.

    Desse modo, a sociedade avana em relao s diferenas e educao, no que

    se refere s leis. At os dias de hoje so vrias as discusses referentes s polticas de

    incluso das pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais. Mas sabemos

    que o fato de existirem leis que determinam a incluso no garante sua real aplicao

    no cotidiano, pois se trata de um processo que envolve todo o sistema organizacional

    da educao brasileira e que vai repercutir nas escolas e concomitantemente nas salas

    de aula inclusivas, se que podemos denomin-las assim.

    3- A educao inclusiva: um estudo de caso

    A pesquisa de campo foi realizada em trs escolas selecionadas na rede pblica do

    municpio de So Gonalo: o Jardim de Infncia Menino Jesus, o CIEP 236 Professor

    Djair Cabral Malheiros e o CIEP 237 Jornalista Wladimir Herzog. Nessas escolas foi

    encontrado um nmero significativo de includos em classes regulares. Foram feitas

    observaes de turmas do jardim e primeiras sries do ensino fundamental, bem como

    entrevistas aos professores e coordenao pedaggica das respectivas escolas.

    A busca nas escolas foi uma tentativa de investigar e questionar a proposta de

    incluso que atualmente vem sendo desenvolvida, com um olhar para os projetos

    poltico-pedaggicos, para a estrutura fsica e os recursos humanos das escolas

    selecionadas. Questes como essas so propostas por meio de inquietaes

    em supostamente saber em que medida a incluso est ocorrendo nas prticas

    cotidianas das escolas municipais de So Gonalo.

    Para isso se faz necessria a pesquisa de campo e a utilizao, no seu de-

    senrolar, de observaes em salas de aula inclusivas, de conversas com pessoas

    que esto envolvidas nesse processo, tais como professores, coordenadores

    pedaggicos, alunos e serventes, que, de forma direta ou indireta, contribuem

    no processo de incluso.

    A seleo das referidas escolas se deu por meio de um critrio segundo o qual

    deveria haver matriculados alunos portadores de necessidades educacionais especiais,

    preferencialmente em classes regulares de ensino.

    As escolas estudadas atendem a uma clientela que em sua maioria faz parte da

    classe baixa. Quanto aos portadores de necessidades especiais, verificaram-se as mais

    diversas necessidades, e trabalhar com essas peculiaridades no uma tarefa fcil,

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    InstItuto nacIonal de educao de surdosarqueIro

    pois h que se pensar e estudar como cada criana na particularidade desenvolve seu

    raciocnio no processo de ensino-aprendizagem. Para isso se faz necessria a busca

    por recursos pedaggicos para que esse trabalho seja desenvolvido da melhor forma

    e que produza significados na escolarizao desses alunos.

    Uma questo que se pe bem clara quando se chega a essas escolas que todos

    desde a direo, a coordenao, os professores, os alunos e at os serventes esto

    envolvidos com a incluso; todos falam da importncia de incluir essas crianas e da

    sua progresso quando acompanhadas na sala de recursos. E, como as escolas enca-

    ram a questo da incluso como um desafio em que todos devem estar empenhados,

    percebe-se a importncia de a comunidade escolar estar empenhada na busca pela

    incluso, pois esse pode ser um pontap inicial para esse processo to complexo.

    As trs escolas analisadas possuem salas de recursos, onde so atendidas as crian-

    as portadoras de necessidades especiais da prpria escola e das adjacncias. A partir

    do trabalho nesse espao tambm so feitos encaminhamentos para fonoaudilogos,

    psiclogos e outros profissionais, numa tentativa de melhoramento do desempenho

    dos alunos.

    Os professores participam frequentemente de capacitaes na rea de educao

    especial, o que os auxilia na prtica como docentes de sala inclusiva; tambm so

    realizadas palestras voltadas para as questes de deficincias, abertas tambm s

    famlias, para que participem e entendam melhor sobre o portador de necessidades

    educacionais especiais. Segundo Aranha (2004, p. 8), faz-se necessrio que a famlia

    construa conhecimentos sobre as necessidades especiais de seus filhos, bem como

    desenvolva competncias de gerenciamento do conjunto dessas necessidades e po-

    tencialidades. Essa uma tentativa de aproximar a famlia da escola nesse processo

    de incluso, pois muitas das vezes difcil o dilogo quando se trata de reconhecer

    que uma criana especial.

    Outro fator importante a parceria entre os professores e a coordenao

    pedaggica, os quais tambm trabalham em prol da incluso. O processo de

    incluso, como j foi mencionado, requer mudanas no ensino e empenho por

    parte dos envolvidos na educao. E quando existe uma ponte entre a coorde-

    nao e os professores, essa busca por meio das prticas cotidianas dos profes-

    sores em estabelecer metas para a melhora do processo, em trabalho conjunto

    com a coordenao pedaggica, surte efeitos significativos para a comunidade

    escolar. A organizao pedaggica das escolas se preocupa, principalmente,

    em promover e valorizar a criana de modo a desenvolv-la emocional, social

    e cognitivamente, alm de estimul-la para a troca de experincias e vivncias,

    sem deixar de respeitar sua individualidade e limitaes. H uma preocupao

    em colocar turmas com um nmero razovel de alunos, juntamente com aqueles

    portadores de necessidades especiais para que o professor desenvolva melhor

    o ensino-aprendizagem.

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    InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    Pode-se observar, por meio das falas das professoras, o quanto desafiador lidar

    com a incluso, mas como tambm significativo para sua formao pessoal. Uma das

    professoras fala a respeito da dificuldade encontrada no incio, mas hoje, embora isso

    ainda seja um desafio, ela se sente mais preparada para lidar com esse processo, como

    trabalhar a turma e se preparar para receber essa criana especial. E a importncia de

    procurar capacitaes e recursos para trabalhar em sala de aula com essas crianas,

    como tambm o fato de a escola estar voltada para a incluso, de certa forma auxilia no

    seu desenvolvimento, pois a faz sentir-se apoiada em seu trabalho. E o mais importante

    para essas professoras verem os resultados significativos com relao a essas crianas

    portadoras de necessidades especiais.

    Por meio das observaes e entrevistas nessas escolas, so detectadas questes

    importantes, que nos fazem refletir a respeito da incluso. Uma delas o empenho das

    escolas em buscar possveis formas de realizarem o processo de incluso com efeitos

    positivos. E, como essas pessoas entrevistadas veem a incluso como algo importante,

    que a escola tem que se preparar para isso.

    A coordenao executa atividades que objetivam a incluso. Uma delas a cons-

    truo do projeto poltico-pedaggico voltado para o nmero significativo de alunos

    com necessidades especiais, pois h preocupaes, tais como manter turmas pequenas

    para a facilitao do trabalho do professor. Sabemos que, apesar da falta de recursos

    oferecidos pelo governo, quando a escola se interessa e se dedica a encontrar caminhos

    para a melhoria do seu ensino, contribui tambm para o processo de incluso.

    Mas, embora as escolas estejam empenhadas em proporcionar a incluso, algu-

    mas questes que se apresentam no cotidiano escolar demonstram ainda uma falta

    de preparo para lidar com tal situao. Em um dos dias de observao, um episdio,

    em particular, despertou nossa ateno: a separao dos alunos especiais dos ditos

    normais, deixando os especiais no final da sala. A fala de um dos meninos especiais

    era que ele no era bicho para ficar isolado dos outros. No primeiro momento, a fala

    impactou a professora, mas logo aps ela agiu com naturalidade diante da situao.

    E o aluno reagiu se negando a participar da aula, ficando somente a observar seus

    colegas. Como afirma Costa (2007), a oportunidade de convvio com colegas sem

    deficincia oportuniza ao aluno com deficincia perceber-se como indivduo capaz

    de se desenvolver em suas diferentes dimenses, como a social, psquica, biolgica,

    econmica e espiritual.

    Essa situao nos leva a refletir sobre os problemas da incluso, pois muitas das

    vezes presenciamos cenas de supostas excluses (no culpabilizando a professora),

    que apontam para a importncia do enfrentamento das questes suscitadas pela

    incluso. Muitas das vezes falta preparo da escola, e principalmente dos professores,

    para receber esses alunos. Estes se veem perante situaes que no conseguem

    administrar, principalmente em uma turma de quase trinta alunos e com apenas

    uma professora para atender a todos em suas particularidades.

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    Desse modo, percebemos, a partir das falas da professora, o quanto h de despre-

    paro para a incluso, pois reconhece que esse um processo que cobra uma mudana

    no sistema educacional e principalmente nas prticas docentes. E mudar a sua prtica

    uma questo difcil, que envolve preparo e dedicao. Percebemos ainda, por meio

    de situaes como essas relatadas, como se faz necessrio pensar melhor na educao,

    principalmente a inclusiva, como preciso se reverem essas prticas cotidianas.

    Ver as necessidades especiais dos alunos atendidas no mbito da escola regular requer

    que os sistemas educacionais modifiquem, no apenas as suas atitudes e expectativas em

    relao a esses alunos, mas tambm, que se organizem para constituir uma real escola

    para todos, que d conta dessas especificidades. (SEESP/MEC, 2007. p. 58)

    Desse modo, para que realmente a incluso acontea, necessrio um maior

    engajamento em prol da adequao da escola para receber e atender as pecu-

    liaridades de seus alunos, respeitando as suas diferenas, sejam elas culturais,

    sociais, tnicas ou educacionais, como o caso dos portadores de necessidades

    educacionais especiais. Mas infelizmente no o que temos presenciado em

    nossas escolas.

    Numa conversa com uma outra professora, relatava ela a dificuldade em ter

    alunos especiais em classes regulares, pois, embora ache que a incluso seja algo

    importante, diz ser pena o fato de todos no estarem preparados para isso. A

    comear pela famlia, que muitas das vezes nem aceita as dificuldades de seus

    filhos, o que acaba dificultando o trabalho a ser desenvolvido pela escola.

    Nessa busca pela incluso, de suma importncia que o professor esteja

    procurando recursos para trabalhar com seus alunos, como cursos de capacita-

    o, pesquisas em livros e na internet, e participao em eventos que discutam

    a questo da incluso, com vistas ao aperfeioamento profissional. As profes-

    soras com quem tivemos a oportunidade de conversar disseram se preocupar

    com essa busca do conhecimento a respeito das deficincias e reafirmaram a

    importncia de a escola tambm incentivar e realizar capacitaes para esse

    fim. E quando h realmente uma parceria entre os professores, a coordenao

    e a famlia, o trabalho se desenvolve melhor.

    Dessa forma, a pesquisa nas escolas trouxe reflexes a respeito da incluso

    nas prticas cotidianas e a percepo das tantas dificuldades que as escolas

    pblicas enfrentam, como a falta de recursos e o grande nmero de alunos

    insatisfeitos e de professores desmotivados pela precariedade do ambiente

    de trabalho e do salrio. Esses profissionais ainda esto empenhados para

    que a educao acontea de fato. E, em se tratando dos alunos portadores de

    necessidades especiais, os docentes, por se sentirem despreparados, buscam

    recursos para trabalhar com eles.

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    InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    A escola reconhece a importncia da incluso, e a maior parte da comunida-

    de a v como algo positivo, mas em sua maioria se d conta de que as escolas

    e os seus profissionais ainda no esto totalmente preparados para que de fato

    ocorra a incluso por completo e que esses alunos que apresentam dificuldades

    alcancem com sucesso a educao que para todos. Percebe-se, nas falas das

    professoras de um modo geral, que elas no esto completamente preparadas,

    mas que buscam se preparar. Pois o conhecimento construdo a cada dia, e

    nunca se finda. Sempre nos surpreendemos com algo novo, por isso a impor-

    tncia de se buscar saber mais.

    Concluso

    Por meio desta pesquisa vemos que a discusso acerca da diferena e da incluso

    est a cada dia se expandindo por meio de documentos, discursos tericos, revistas,

    jornais, internet e mdia, pois a sociedade est em uma busca incessante pela igualdade

    de direitos e de reconhecimento, mas as prticas cotidianas, principalmente em nossas

    escolas, demonstram que ainda temos que trabalhar bastante para que isso se concre-

    tize de fato, pois se observa, no decorrer da pesquisa de campo, que supostamente a

    estrutura da educao inclusiva ainda precria. Sabe-se que, para se modificar um

    sistema de ensino, tem que haver uma mudana significativa em todo o mbito edu-

    cacional, de forma a beneficiar as escolas. E no contexto educacional em que estamos

    inseridos, se apresenta um mar de problemas, como falta de verbas para que as escolas

    tenham uma boa estrutura fsica, falta de materiais pedaggicos, sem falar nos baixos

    salrios dos profissionais da educao, que, na tentativa de ser mais bem-sucedidos,

    buscam trabalhar em diversas escolas, o que de certa forma acaba prejudicando a sua

    formao e ateno aos seus alunos.

    As escolas observadas se mostram empenhadas na busca da incluso, desen-

    volvem projetos com os alunos, professores, funcionrios e famlias para que

    o trabalho se desenvolva melhor com a participao de todos. Mas, embora as

    escolas saibam da importncia da incluso, reconhecem que ainda no esto

    totalmente preparados para que a incluso ocorra por completo. Principalmen-

    te os professores se mostram inseguros diante do trabalho com a insero de

    alunos portadores de necessidades especiais em suas salas de aula, mas buscam

    recursos que auxiliem em seu trabalho.

    Essa no uma tarefa fcil, pois demanda tempo e mudanas no mbito do sistema

    educacional que se reflitam nas prticas escolares inclusivas. Mas de fundamental

    importncia o empenho dos educadores na busca pela melhoria da educao e

    principalmente a inclusiva, para que possamos atingir uma educao para todos sem

    distino, que tenhamos o acesso, a permanncia e a qualidade do ensino de que

    todos possam tirar proveito.

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    InstItuto nacIonal de educao de surdosarqueIro

    Este trabalho no se extingue aqui, pois abre novos horizontes que podero vir a

    ser estudados no plano da educao inclusiva, com uma anlise mais aprofundada de

    dados e novas propostas de prticas pedaggicas. Que a divulgato do conhecimento

    dessas prticas e de seus resultados no campo da educao inclusiva continue a ser

    construdo, divulgado e que traga reflexes e novas aes.

    Referncias bibliogrficas

    ARANHA, Maria Salete Fbio. Educao inclusiva: a escola. Programa educao inclusiva:

    direito diversidade. Secretaria de Educao Especial, MEC, Braslia, v. 3, 2004.

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    dade. Secretaria de Educao Especial, MEC, Braslia, v. 4, 2004.

    BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Edu-

    cao Nacional. Braslia, DF.

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    Janeiro, v. 1, 2005.

    COSTA, Valdelcia A. Polticas pblicas em educao no Brasil: experincias de for-

    mao continuada de professores para a incluso. Revista eletrnica do grupo Aleph,

    da Faculdade de Educao da UFF, Niteri, RJ, v.10, 2007.

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    clusiva & educao especial: propostas que se complementam no contexto da escola

    aberta diversidade. Revista Educao. Dossi: educao inclusiva. Santa Maria, RS,

    v. 32, n. 2, ISSN, 2007.

    FRANCO, Monique Mendes. Os PCN e as adaptaes curriculares para alunos com ne-

    cessidades educacionais especiais: um debate. Teias: revista da Faculdade de Educao

    da UERJ. Currculo, cultura, cidadania. Rio de Janeiro, n. 2, jul/dez, 2000.

    GLAT, Rosana; FERREIRA, Jlio Romero. Panorama nacional da educao inclusiva no

    Brasil. Relatrio de consultoria tcnica, Banco Mundial, 2003.

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    InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    Relato das mes de alunos do Instituto Cearense de Educao dos Surdos sobre o desenvolvimento educacional de seus filhos

    Dannytza Serra Gomes1 Maria Neurielli Figueiredo Cardoso2

    Sandra Maia Farias Vasconcelos3

    Resumo

    Estudar assuntos relacionados educao de surdos um tema que vem ga-

    nhando grande repercusso e despertando grande interesse nos ltimos tempos.

    No Brasil temos, de acordo com o Censo 2006, cerca de 5,7 milhes de pessoas

    portadoras de algum tipo de deficincia auditiva em torno de 3% da populao.

    Este estudo teve por objetivo observar e descrever os passos percorridos por estu-

    dos cientficos, na tentativa de construir uma pesquisa sobre o discurso produzido

    pelas mes de alunos portadores de deficincia auditiva que estudam no Instituto

    Cearense de Educao do Surdo (ICES). Assim, foram discutidos os aspectos

    metodolgicos referentes ao recorte do objeto e coleta de dados, em particu-

    lar, utilizao da tcnica de relato oral, seguindo os estudos de Meihy (2007) e

    Thompson (1998) e, tambm, s vantagens e desvantagens que esta modalidade de

    pesquisa apresenta. A narrativa das mes possibilitou conhecer suas necessidades

    e preocupaes dificuldades de aprendizagem, insero no mundo ouvinte,

    apoio de profissionais qualificados, interao famlia/escola e acompanhamento

    do processo ensino/aprendizagem , bem como as estratgias que utilizam para

    cuidar da educao dos filhos. A narrativa das mes permitiu-nos ainda observar

    as principais determinaes sociais de suas condies de existncia, quais sejam:

    a falta de recursos financeiros para proporcionar uma educao diferenciada, o

    apoio de programas governamentais de assistncia e a doao integral de seu tempo

    para o acompanhamento de seus filhos. Dessa forma, o conhecimento gerado

    importante para a organizao das polticas pblicas, pedaggicas e prticas sociais

    desenvolvidas pelo setor da educao, uma vez que se faz necessria e urgente

    uma reformulao no ensino de educandos surdos.

    Palavras-Chave: Relato oral. Educao de surdos. Desenvolvimento escolar.

    PPGL/[email protected]

    [email protected]

    PPGL/[email protected]

    PPGL/UFC. E-mail: [email protected]. E-mail: [email protected]/UFC. E-mail: [email protected]

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    InstItuto nacIonal de educao de surdosarqueIro

    1- Introduo

    Ainda hoje, o indivduo surdo visto como um ser aptico socialmente ou

    apenas como um ser deficiente. E a educao do surdo historicamente marcada

    por conflitos e desacertos. Esses conflitos, em geral, decorrem de assuntos liga-

    dos linguagem, pois muitas vezes no se sabe o melhor caminho a seguir, ou

    seja, se os surdos devem desenvolver a linguagem oral ou se deve ser permitido

    a eles o uso da lngua de sinais.

    O primeiro registro de que se tem notcia sobre o ensino de surdos ligado

    lngua de sinais o proposto por Pedro Ponce de Len, monge espanhol que

    vivia em um monastrio onde no se usava a palavra para a comunicao; para

    se comunicarem, desenvolveram um sistema de comunicao manual inventado

    no prprio monastrio.

    Os irmos surdos educados por Len pertenciam a uma famlia em que havia

    quatro irmos surdos. Ento, a linguagem desenvolvida por eles era um sistema

    criado pelos prprios surdos e no tinha a gramtica como base (LODI, 2005).

    Sobre os resultados obtidos por Len, Re (1999) citado por Lodi:

    [...] os resultados na educao dos Velasco refletiram de tal forma nas diversas

    esferas sociais que seus feitos foram retratados na literatura da poca: h uma

    histria de Cervantes em que o protagonista um monge com habilidades es-

    peciais para fazer os surdos-mudos ouvirem e falarem e cur-los da demncia

    [...]. (RE, 1999, apud LODI, 2005, p. 412)

    Durante muitos anos, os surdos foram submetidos ao ensino oralista, que

    tinha a fala como base. Essa corrente metodolgica defendia o uso de algumas

    tcnicas que sinalizavam para orientaes orais. A aprendizagem da fala era o

    ponto de partida e o treinamento auditivo, fundamental. Depois de muitas idas e

    vindas, surgiu uma nova modalidade de ensino, que considera a lngua de sinais

    como ponto indispensvel para o desenvolvimento do sujeito surdo, conhecida

    como bilinguismo (DORZIAT, 2004). O ensino bilngue, que se utiliza da lngua

    de sinais e da lngua oral, seria o mais adequado no caso do ensino-aprendizado

    desses alunos. No Brasil, a educao bilngue ainda no uma realidade, e o

    desenvolvimento da linguagem de sinais restrito aos filhos de surdos. Isso pode

    ser decorrente da m qualidade das experincias escolares oferecidas aos surdos.

    O fato de a lngua de sinais ser desconsiderada e inferiorizada, e o mito de que

    pelo seu uso a criana no desenvolver a linguagem oral, sustentam o uso de

    prticas pedaggicas que no auxiliam o educando surdo (LODI, 2005).

    Essa reflexo nos orienta para uma anlise sobre a participao do surdo na

    sociedade, criticando a idia de que a surdez provoca essa apatia social, pois se

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    InstItuto nacIonal de educao de surdos arqueIro

    compreende que, pelo fato de no ouvir nem falar, ele no tem como participar,

    ficando de fora, alheio, tendo a necessidade de agir como um ouvinte para se

    sentir includo (SILVA, 2006).

    O objetivo deste trabalho observar, luz da anlise do discurso, o que tm

    a dizer as mes de alunos surdos no tocante educao de seus filhos, e discutir

    aspectos metodolgicos referentes ao recorte do objeto e coleta de dados, em

    particular, utilizao da tcnica de relato oral, suas vantagens e dificuldades.

    2 - Recorte do objeto de estudo

    O estudo em questo teve como objetivo investigar o discurso materno em

    relao s polticas de educao que atendam as necessidades dos alunos surdos

    do ICES. Para tanto, a delimitao desse objeto depende de um extenso trabalho

    de campo que apresente o quadro de caractersticas pertinentes ao conjunto dos

    sujeitos em estudo. Na reviso da literatura, foram encontrados poucos estudos

    que citam a relao entre as condies de vida da famlia, a participao efetiva

    da me e o ensino-aprendizado dessas crianas. Em nossos estudos, percebemos

    muitas mes com baixa escolaridade e precrias condies socioeconmicas. Esses

    fatores esto intimamente ligados situao socioeconmica do pas que, por sua

    vez, est inserida num contexto histrico. Para tratar desse assunto, abordare-

    mos, seguindo estudos de Pineau e Le Grand (1996), Meihy (2007) e Thompson

    (1998), o relato oral de histrias de vida. A anlise ser realizada atravs de uma

    anlise crtica desses relatos baseada em Fairclough (1995).

    Os nveis de aprendizagem por alunos surdos so considerados insatisfatrios,

    pois a prtica pedaggica utilizada com esses alunos pauta-se pela hiptese de

    que a aprendizagem da leitura depende dos processos de aquisio e domnio da

    fala. Os resultados obtidos com essa prtica so reconhecidamente insuficientes.

    Pesquisas realizadas no sentido de esclarecer esses processos deficitrios sugerem

    programas de educao bilngue.

    Conhecer as relaes que se estabelecem entre as mes, as crianas surdas e

    as instituies educacionais, e como so as suas prticas cotidianas, em um grupo

    social especfico, uma possibilidade de conhecer melhor a forma como essas

    crianas aprendem e se desenvolvem. Quando a famlia participa de momentos

    escolares de seus filhos, os resultados se apresentam mais positivos. As mes so

    as pessoas da famlia que mais participam desses momentos, pois mantm uma

    interao com a escola e com os caminhos e escolhas que os filhos vo seguir.

    3 - Escolha do mtodo: o relato oral

    A escolha do relato oral como metodologia de coleta de informaes se deveu ao

    fato de que, como afirma Gaston Pineau, citado por Lani-Bayle (1990, p. 312), falar

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    InstItuto nacIonal de educao de surdosarqueIro

    de si mesmo uma prtica arriscada, porm a mais eficaz quando se quer perce-

    ber a relao de interdependncia entre duas ou mais pessoas. O risco implica

    a atitude de fazer retornar acontecimentos do passado a despeito do presente e

    do futuro. Lani afirma, entretanto, que a prtica do discurso de histria de vida

    no como parece, voltado para o passado. O passado s utilizado como

    mola propulsora para elaborar o futuro. A autora observa ainda que, segundo

    a expresso de Lebovici, nos discursos de vida, com frequncia, antecipa-se o

    passado para melhor recordar o futuro.

    A tcnica do relato oral no recente. Se formos datar um comeo, depara-

    remos com a obra Confisses, de Santo Agostinho (354430). Segundo Meihy

    (2007), Santo Agostinho interna em si o Deus do Cristianismo e com ele estabelece

    um dilogo baseado em uma trajetria histrico-pessoal o que nos faz ver tal

    tcnica como uma prtica que serve para coletar informaes de cunho pessoal

    que podem vir a ganhar o status de corpus de pesquisa, como est sendo feito

    nesta pesquisa.

    Levar algum a falar sobre sua histria uma prtica hoje comum em cincias

    sociais, nas pesquisas em cincias humanas. Em lingustica, essa metodologia

    apenas engatinha nos estudos de Maia-Vasconcelos (2003; 2005). No basta,

    entretanto, haver um relato para se ter uma histria de vida. Existem caminhos

    a fazer antes de constituir o relato como histria de vida.

    Todavia, a abordagem deve ser feita com muito cuidado. Christine Abels

    (1998), em seu trabalho sobre crianas institucionalizadas, previne que no se

    pode adotar essa metodologia sem levar em conta os desejos do sujeito partici-

    pante. Demonstrar a necessidade da pesquisa pode se constituir numa invaso

    de privacidade, da qual o sujeito no est disposto a abrir mo. A metodologia

    de relato oral deve privilegiar o desejo do sujeito da pesquisa. Levado a querer

    falar, o sujeito tender a organizar melhor sua participao na pesquisa como

    autor de um relato prprio, seu, construdo a partir de sua experincia.

    Pineau e Le Grand (1996) desenvolvem seu discurso explicando que seu

    trabalho parte da construo de sentidos a partir de fatos temporais pessoais. A

    anlise sobre os fatos no andina, pois os pontos de referncia de um estudo

    biogrfico correspondem a fatos verdicos, que certamente provocaram outros

    acontecimentos, assim sucessivamente, pois a vida uma sucesso de experin-

    cias. Os dispositivos de interveno para incitar um indivduo a falar no podem,

    segundo os autores, deixar de levar em conta todas as influncias do meio e da

    histria do sujeito. Oral, gestual ou escrita, a fala o instrumento de que o sujeito

    dispe para fazer compreender-se e ver-se em sua plenitude.

    O trabalho sobre histrias orais de vida tem por finalidade conhecer as estrat-

    gias de vida, os desvios no percurso e sua criao, assim como o reconhecimento

    de seu lugar no plano pessoal e social. Alm do mais, a histria oral de vida tende

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    a valorizar o indivduo em detrimento do exclusivismo da estrutura social, pois

    concede ao mesmo o poder da fala. Isso implica um renascimento, ou seja, fazer

    renascer de si mesmo a ao e a liberdade que conduz autonomia.

    Contar a prpria histria exige certa disponibilidade de se desvelar e significa

    a aprendizagem de um comportamento de autonomizao e de insero no plano

    histrico e social, uma aprendizagem que passa alm dos controles escolares,

    mas que d realce formao do esprito crtico em relao prpria vida do

    sujeito, uma relao construtiva e engajadora de significados.Nosso pblico acrescenta a suas histrias antigas e recentes a situao

    de anomalia crnica, incurvel, que, sozinha, j constri um agrupamento de situaes diversas e especiais. A tomada de conscincia do problema rompe muitas vezes com a estrutura familiar e promove uma desorganizao na pers-pectiva de futuro.

    O que podemos perceber at o exato momento que o relato oral no apenas um simples contar de histrias; ele nasce a partir do desejo que o sujeito/autor possui de construir sua histria de vida com base em sua memria vivida, com uma riqueza de detalhamento que somente ele poder oferecer. Como nosso objetivo foi perceber, atravs dos depoimentos de mes de sujeitos surdos, o conhecimento dessas mes no que diz respeito educao dos filhos, a escolha do relato oral foi muito pertinente.

    Realizado o esboo do objeto de pesquisa, com fundamentao em dados bibliogrficos, foi feito um reconhecimento da organizao da rede de servios de sade especfica ao surdo e anlises dos riscos e danos a que as crianas esto expostas, advindos das condies de vida da famlia, ordenando com a maior objetividade possvel o conjunto terico de referncias que fundamentar a an-lise. O carter do social fundamentalmente qualitativo, na medida em que as condies de vida e de trabalho consideram de forma individualizada a maneira pela qual as pessoas pensam, sentem e agem a respeito da sade e da doena (MINAYO, 1994). Deste modo, parte-se da premissa de que imperioso ter em vista os determinantes sociais que dirigem a vida das pessoas. As abordagens qualitativas buscam compreender a realidade que os nmeros indicam, mas

    no revelam.

    4 - Escolha do instrumento para a coleta de dados

    Uma vez definido que a tcnica do relato oral seria empregada para a coleta de

    dados, foi necessrio pesquisar as diferentes modalidades existentes para escolher

    aquela mais apropriada para nossa investigao. Em nossa pesquisa, optamos por

    trabalhar com a entrevista. A entrevista considerada um nome genrico no pro-

    cesso do trabalho de campo, podendo ser aberta, estruturada, semiestruturada,

    assim como entrevista com grupos focais e histrias de vida. De modo geral, o

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    momento marcado previamente entre duas ou mais pessoas com o objetivo de

    se obterem informaes. Ou seja, o encontro de duas partes, em que, a priori,

    uma sabe o que a outra quer saber (MAIA-VASCONCELOS, 2005).

    O encontro de conversa gera expectativas nos interlocutores, pela experincia

    que se troca no preciso momento do encontro e que vai gerar inmeros interdis-

    cursos pelas inmeras histrias geradas pela possibilidade de contar revendo a

    memria de um e de outro interlocutor. Esse movimento de vaivm se estabelece

    comumente em uma conversa, ou a troca de turno, conforme Marcuschi (1998).

    Da a perspectiva da histria oral de vida surgir como um argumento de conversa

    que a faz objeto da lingustica.

    Outro aspecto relacionado entrevista que deve ser lembrado a no permisso

    de envolvimento entre pesquisador e sujeito no momento da entrevista. Mas uma

    relao de frieza pode comprometer a anlise. Vale ressaltar que a metodologia no

    se restringe apenas ao momento de contato, mas tambm envolve o da escuta do

    pesquisador e da leitura que se pode fazer do texto gravado (MAIA-VASCONCELOS,

    2005), pois o pesquisador recolhe informaes, que podem ser de natureza objetiva

    ou subjetiva, atravs da fala dos atores sociais (MINAYO, 1992). A conceituao de

    entrevista ampla e contempla uma srie de questes, que vo da fidedignidade

    do informante at a interao pesquisador/pesquisado.

    Em se tratando de explorar e captar observaes, dilogos, registros e de

    refletir sobre as condies de educao dos alunos surdos do ICES, utilizamos a

    entrevista coletiva como mtodo principal de nossa pesquisa. Buscamos observar

    a relao da me com a educao de seu filho e identificamos a entrevista como

    uma significativa tcnica de investigao.

    Para a finalidade da nossa investigao, a entrevista terminologia usada

    por Minayo (1992) , que no nosso estudo buscou explorar a vivncia das

    entrevistadas com a educao de seus filhos, foi a metodologia ideal para que

    chegssemos aos resultados esperados.

    5 - Desenvolvimento do trabalho de campo

    Depois de escolher a modalidade de relato oral a ser utilizada na pesquisa, nos

    deparamos com uma nova dificuldade: como desenvolver esse trabalho em campo.

    A preocupao inicial foi uma explorao do campo a fim de delimitar, de acordo

    com o escopo da investigao, os locais onde seria possvel o acesso clientela ligada

    temtica nuclear do estudo. Os levantamentos bibliogrficos nos tinham alertado a

    esse respeito. Assim, partimos em direo instituio j citada anteriormente.

    Em seguida, foi necessrio planejar a coleta de dados empricos. Alguns as-

    pectos importantes foram: a entrada no campo, a seleo das mes entrevistadas

    e a amostragem.

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    A entrada no campo para ns foi orientada pelo critrio de maior facilidade de

    contato com a clientela especfica do objeto de estudo. Assim, esperamos um momento

    adequado para a visitao da escola. Vale ressaltar que para a entrada oficial no campo

    necessria uma autorizao formal dos rgos responsveis pelas instituies. Por

    ser uma pesquisa realizada com seres humanos, preciso considerar os seguintes

    aspectos: inform-los com uma descrio precisa dos objetivos e finalidade do estudo;

    obter o seu consentimento livre e inf