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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL
UNIDADE VALE DO TAQUARI - ENCANTADO
CURSO DE DESENVOLVIMENTO RURAL E GESTÃO AGROINDUSTRIAL
EVANDER ELOÍ KRONE
PRÁTICAS E SABERES EM MOVIMENTO: A HISTÓRIA DA PRODUÇÃO ARTESANAL DO QUEIJO SERRANO ENTRE
PECUARISTAS FAMILIARES DO MUNICÍPIO DE BOM JESUS (RS)
ENCANTADO
2006
EVANDER ELOÍ KRONE
PRÁTICAS E SABERES EM MOVIMENTO: A HISTÓRIA DA PRODUÇÃO ARTESANAL DO QUEIJO SERRANO ENTRE
PECUARISTAS FAMILIARES DO MUNICÍPIO DE BOM JESUS (RS)
Trabalho de Conclusão de Curso Apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
Dra. Renata MenascheOrientadora
ENCANTADO
2006
EVANDER ELOÍ KRONE
PRÁTICAS E SABERES EM MOVIMENTO: A HISTÓRIA DA PRODUÇÃO ARTESANAL DO QUEIJO SERRANO ENTRE
PECUARISTAS FAMILIARES DO MUNICÍPIO DE BOM JESUS (RS)
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
Aprovada em 13/12/2006
BANCA EXAMINADORA
Profª. Dra. Renata MenascheUniversidade Estadual do Rio Grande do Sul
Prof. Me. Leonardo Alvim Beroldt da SilvaUniversidade Estadual do Rio Grande do Sul
Me. Jaime Eduardo RiesEmater/RS - Ascar
Dra. Saionara Araujo WagnerFepagro
AGRADECIMENTOS
Sei que não sou o único responsável por ter chegado aqui, por isso quero agradecer a todas as pessoas que, de alguma forma contribuíram para a realização deste sonho. Estas poucas, mas sinceras palavras vão para os responsáveis daquilo que um dia me pareceu ser uma grande quimera, mas que hoje se tornou uma realidade.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer aos professores que durante a minha jornada acadêmica na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul foram imprescindíveis para a minha formação, não apenas profissional, mas também humana.
A Emater/ASCAR de Bom Jesus e aos seus bravos heróis, pois sem eles esse trabalho não teria se realizado: Juruema Batista Velho, Luiz Arilton Grazziotin e Talita Pires de Almeida.
A professora e historiadora Lucila Maria Sgarbi Santos e a todos os pecuaristas familiares que tão gentilmente nos acolheram durante as nossas entrevistas.
Aos meus colegas do Curso de Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial, pelos quatro anos de convivência, onde dividimos muitos momentos de estudo e também de apreensão, mas também não menos importantes foram os momentos de descontração e alegria.
Agradeço em especial aos colegas Francis dos Santos e Lillian Bastian pelo companheirismo e amizade que tivemos e que certamente jamais serão esquecidos.
A Deus pela família e amigos que tenho, e pela formação moral, intelectual e humana que me proporcionaram.
Para terminar quero agradecer e dedicar este trabalho a duas pessoas que com certeza fizeram diferença na minha vida, tanto profissional como pessoal. A minha amiga e orientadora Renata Menasche, pelo desvelo com que sempre me tratou e pela inabalável confiança que cultivamos ao longo dos anos. E ao meu irmão da vida, amigo de fé, Everton Mundeleski, pelas alegrias e tristezas que compartilhamos e pela sua inestimável amizade que com certeza será eterna.
RESUMO
O presente trabalho se propôs a reconstituir a história da produção artesanal de um queijo característico da região dos Campos de Cima da Serra (RS), conhecido na região como Queijo Serrano, bem como apreender e analisar as práticas e saberes que estão relacionados ao produto em foco. Para o desenvolvimento deste trabalho, realizou-se um recorte geográfico, tendo o município de Bom Jesus como área de abrangência da pesquisa. Os dados analisados foram coletados a partir de depoimentos e entrevistas realizados junto a famílias de pecuaristas familiares produtoras de Queijo Serrano, agentes de extensão rural, estudiosos e outros atores locais. Nessa região se pratica um sistema de produção muito tradicional do Rio Grande do Sul, a atividade da pecuária de corte em sistemas de campo nativo. Os pecuaristas familiares que adotaram esse sistema de produção desenvolveram juntamente à atividade da pecuária de corte uma estratégia para aumentar a renda de suas famílias. A estratégia adotada vincula a atividade da pecuária de corte à produção artesanal de um queijo característico da região, o Queijo Serrano. Produzido com técnicas artesanais a partir do leite in natura de vacas de corte alimentadas com pastagens de campo nativo, o Queijo Serrano tem, a partir da renda auferida de sua comercialização a função primordial do abastecimento familiar. Dada sua importância econômica, histórica e cultural, o Queijo Serrano tornou-se um produto tradicional desta região, carregado de simbolismo. Ao longo do tempo, as técnicas artesanais de produção do Queijo Serrano foram transmitidas de geração a geração, sem sofrer grandes transformações. Assim, mais do que um simples produto com características próprias da região, o Queijo Serrano configurou-se como um produto com identidade cultural. O trabalho analisa o processo histórico de ocupação do território, evidenciando a relação entre a atividade da pecuária de corte, o tropeirismo e a produção artesanal do Queijo Serrano. O estudo também analisa, entre outros aspectos, a organização do trabalho, os costumes e tradições associados à produção artesanal do Queijo Serrano.
Palavras-chave: Queijo Serrano, tropeirismo, pecuária familiar, cultura, antropologia da alimentação.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 7 1. A formação social dos campos de cima da serra ............................................. 12 1.1 A ocupação do território ....................................................................................... 14
1.2 O tropeirismo ........................................................................................................ 16
2. A LIDA CAMPEIRA E O QUEIJO SERRANO ....................................................... 20 2.1 A lida com o gado ................................................................................................. 20
2.2 A produção do Queijo Serrano ............................................................................. 23
3. OS DOIS LADOS DA SERRA: o queijo descia e o mantimento subia ............. 29 4. O QUEIJO DE FINAL DE SEMANA ....................................................................... 34 4.1 O “queijo de final de semana” e os agregados .................................................... 35
4.2 O queijo da mulher ............................................................................................... 37
5. A DESNECESSIDADE DA INTENSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO ......................... 41 6. O QUEIJO SERRANO ONTEM E HOJE ............................................................... 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 48 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 50
INTRODUÇÃO
Segundo o dicionário Michaelis, alimento é “toda substância que, introduzida
no organismo serve para a nutrição dos tecidos e para a produção de calor”, sendo
sua ingestão condição indispensável para a sobrevivência dos seres humanos. O
ato ou efeito de nutrir-se incorpora um conjunto de fenômenos biológicos que
contribuem para satisfazer nossas necessidades alimentares. O ser humano possui
a característica de ser um onívoro1 e, desse modo, do ponto de vista nutricional
existe uma ampla gama de alimentos que podem fazer parte de sua dieta alimentar.
Mas nem tudo o que é considerado alimento do ponto de vista biológico o é do ponto
de vista cultural. Pois “o homem é provavelmente consumidor de símbolos tanto
quanto de nutrientes” (TRÉMOLIÈRES apud POULAIN 2004, p. 260). Assim, os
diferentes grupos sociais possuem hábitos alimentares distintos, valorizando de
forma diferenciada os alimentos disponíveis.
Há numerosos exemplos que mostram que os seres humanos marcam o seu pertencimento a uma cultura ou a um grupo social, em boa parte afirmando sua peculiaridade alimentar diante e em contraste com a dos outros, sempre diferente e muitas vezes suscitando repugnância ou ironia: o mulçumano é um tirano matador de vacas para o hindu, enquanto que os ingleses depreciam os franceses por comerem carne de cavalo ou de rãs (GRACIA, 2002, p. 17).
Temos alimentos que demarcam fronteiras internas, comer marca “as
fronteiras de identidade entre os grupos humanos de uma cultura e de outra, mas
também no interior de uma mesma cultura, entre os membros que a constituem”
(POULAIN; PROENÇA, 2003, p. 253).
1 Onívoro é aquele que come de tudo. Possui uma alimentação mista, se alimentando tanto de animais quanto vegetais.
7
Então, o ato humano de alimentar-se envolve não apenas a função nutritiva,
mas também questões de fundo cultural, os alimentos “refletem uma forma de
conceber o mundo e servem, por exemplo, para coesionar um grupo e diferenciar-se
dos demais” (CANTARERO, 2002, p. 153). Dessa forma, a alimentação e os hábitos
alimentares identificam e diferenciam e, portanto, marcam e delimitam fronteiras
entre diferentes grupos.
Alguns alimentos podem ser considerados de cunho identitário. Esses
alimentos possuem uma identidade vinculada a um território, a uma história,
adquirindo a qualidade de produtos tradicionais. Quando estamos, por exemplo,
assistindo televisão e nos deparamos com a imagem de pessoas tomando
chimarrão, logo nos vem à mente a associação entre tal bebida e um grupo
particular de brasileiros, os gaúchos. Da mesma forma que o chimarrão, existem
outros produtos que são emblemáticos, e estão profundamente enraizados em suas
regiões e países, ligados a determinados grupos sociais, como, por exemplo, o
acarajé na Bahia, a Tequila no México, a polenta entre os italianos, o Champanhe na
França. Apesar de alguns pratos regionais serem muito famosos, existem aqueles
que,
são quase desconhecidos pelas demais regiões, muitas vezes pelo simples fato de que os ingredientes necessários são exclusivos do lugar de origem, mas também por razões de ordem cultural, que determinam certos hábitos alimentares (MACIEL; MENASCHE, 2003, p. 5).
Esse é o caso do Queijo Serrano na região dos Campos de Cima da Serra.
Nessa região se pratica um sistema de produção muito tradicional do Rio Grande do
Sul, que é a atividade da pecuária de corte em sistemas de campo nativo. As
propriedades que adotaram esse sistema de produção são, em sua grande maioria,
formadas por pecuaristas familiares, que usam predominantemente mão-de-obra
familiar. Muitas instituições governamentais utilizam como parâmetros para definir
uma exploração familiar a área explorada e a renda obtida. Este tipo de definição
não engloba fatores locais, sociais, culturais, mostrando-se insuficiente para dar
conta da diversidade de explorações familiares existentes no meio rural Brasileiro.
Segundo Cotrim (2003, p. 23), os fatores utilizados “atualmente para identificar os
sistemas de produção familiares excluem os pecuaristas familiares”.
8
Com base no estudo realizado por Cotrim (2003, p. 118), entre pecuaristas
familiares do município de Canguçu (RS), define-se a categoria social “pecuarista
familiar” como aquela em que:
A gestão da propriedade é feita pela família, e a racionalidade produtiva tem como premissa a sobrevivência da mesma; a maior parte do trabalho na propriedade é desempenhada pelos integrantes da família; e a reprodução social deste tipo de agricultor está ligada a sua identidade como pecuarista.
As famílias de pecuaristas familiares observadas neste estudo desenvolveram
juntamente à atividade da pecuária de corte uma estratégia para aumentar a renda
de suas famílias. A estratégia adotada vincula a atividade da pecuária de corte à
produção artesanal de um queijo característico da região, que é conhecido pelo
nome de Queijo Serrano.
A tradição secular da produção do Queijo Serrano foi passada de geração a
geração, e o saber tradicional perpetuou-se ao longo dos tempos, sem sofrer
grandes transformações. Produzido com técnicas artesanais a partir do leite in
natura de vacas de corte alimentadas com pastagens de campo nativo, o Queijo
Serrano possui a partir da renda auferida de sua comercialização a função primordial
do abastecimento familiar. As etapas de produção e comercialização do Queijo
Serrano são realizadas em pequena escala pelos próprios pecuaristas familiares,
que possuem na renda do queijo uma de suas principais fontes de rendimento.
Mais do que um simples produto com características próprias da região, pode-
se considerar que o Queijo Serrano configurou-se em um produto com identidade
cultural. Dada sua importância econômica, histórica e cultural, o Queijo Serrano
tornou-se um produto tradicional desta região, carregado de simbolismo.
A produção artesanal do Queijo Serrano reporta-se, assim, a aspectos que
vão além das questões de ordem econômica, administrativa, técnica ou produtiva,
remetendo também a questões de ordem simbólica e identitária. Por isso, este
estudo se propõe a reconstituir, apreender e analisar a história da produção
artesanal do Queijo Serrano, bem como as práticas e saberes que estão
relacionados a esse produto2.
2 Este estudo faz parte do Projeto de pesquisa sobre o Queijo artesanal Serrano produzido pelos pecuaristas familiares dos Campos de Cima da Serra (RS), coordenado por Jaime Eduardo Ries (Emater) e Saionara Araujo Wagner (Fepagro), financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
9
Para a realização deste trabalho o procedimento metodológico usado se
baseou em fontes orais e, dada a grande abrangência geográfica da região, optou-
se por recortar a área, delimitando-se o município de Bom Jesus como área de
abrangência desta pesquisa. A coleta de informações realizou-se durante o mês de
setembro de 2006. Além de pecuaristas familiares entrevistados3, pudemos contar
com os depoimentos de extensionistas da Emater de Bom Jesus, de comerciantes
locais e da professora e historiadora da Secretaria Municipal de Educação e Cultura
de Bom Jesus, Lucila Maria Sgarbi Santos.
Ainda situando o universo da pesquisa, cabe mencionar que o município de
Bom Jesus localiza-se no extremo nordeste do Rio Grande do Sul, tendo como
limítrofes os municípios gaúchos de Jaquirana, Monte Alegre dos Campos, São José
dos Ausentes, São Francisco de Paula e Vacaria. Ao norte Bom Jesus faz fronteira
com o estado de Santa Catarina. O município possui uma superfície de 2.625,7 km2,
situando-se a cerca de 220 km de Porto Alegre. Em 2005, o município possuía uma
população de 11.495 habitantes, tendo 74% da população residindo na área urbana
e 26% no meio rural (FEE, 2005).
A cidade de Bom Jesus encontra-se num dos pontos mais altos do Estado,
sendo que a praça central, Praça Rio Branco, situada a uma altitude de 1055 metros
ao nível do mar. No verão, o clima é ameno, com temperaturas em torno de 15º C e
25º C (BARTEL, 2004). Já no inverno, o frio é muito intenso, sendo registradas
algumas das temperaturas mais baixas do Brasil, “como a verificada a 24 de junho
de 1918, ocasião em que o termômetro baixou a 12º C negativos” (FILHO, 1964,
p. 5).
A base econômica do município é a pecuária de corte. Em 2004, o município
detinha um rebanho efetivo de cerca de 143.000 animais, sendo 120.000 bovinos e
alguns milhares de suínos, eqüinos e ovinos (IBGE, 2004). Esses números reforçam
a importância da atividade da pecuária de corte em Bom Jesus. Ainda, vale
mencionar que, no município, enquanto a densidade de bovinos por km2 é de 46
animais, a densidade populacional fica em torno de 4 habitantes por km2.
Para entendermos o processo histórico da produção artesanal do Queijo
Serrano, faz-se necessária uma breve digressão histórica, situando e identificando o
processo de ocupação do território do Rio Grande do Sul e a formação das primeiras
3 Para preservar a identidade dos pecuaristas familiares entrevistados foram utilizados nomes fictícios neste trabalho.
10
fazendas que, posteriormente, serviriam como base da produção de queijos na
cidade de Bom Jesus. É isso o que veremos no capítulo 1: A formação social dos
Campos de Cima da Serra. Também nesse capítulo, analisaremos a formação do
tropeirismo, que teve grande relevância para toda a região.
A partir do capítulo 2: A lida campeira e o Queijo Serrano, analisaremos o
processo de trabalho no cotidiano dos sítios produtores de Queijo Serrano em Bom
Jesus, assim também veremos como se configuram o processo e as técnicas
artesanais de produção desse produto.
No capítulo 3, intitulado Os dois lados da serra: o queijo descia e o
mantimento subia, mostraremos como o tropeirismo teve uma forte ligação com a
produção artesanal do Queijo Serrano. Também analisaremos como esse produto
acabou se configurando no produto básico que garante o abastecimento familiar dos
pecuaristas familiares de Bom Jesus.
A partir do capítulo 4: O Queijo de Final de Semana, veremos como o Queijo
Serrano permeava as relações de trabalho entre pecuaristas e agregados. Também
poderemos observar neste capítulo que a produção artesanal do Queijo Serrano
está sob o domínio da esfera feminina, mas que o mesmo não se processa no
momento da comercialização, quando o homem age como mediador com os
agentes do comércio. Embora seja o marido o responsável pela venda do queijo,
observaremos que a partir da década de 1970 a mulher passa a ficar com a renda
do queijo produzido aos domingos, o “queijo de final de semana”.
No capítulo 5, A desnecessidade da intensificação da produção, veremos que
o pecuarista familiar, além de produtor de alimentos, é também produtor de
significados. E que a produção artesanal de Queijo Serrano remete a elementos que
vão além dos puramente técnicos e produtivos, fundamentando-se em um modo de
vida.
Para terminar, analisaremos, no capítulo 6, O Queijo Serrano ontem e hoje,
as mudanças ocorridas desde o período áureo do tropeirismo até os dias atuais,
observando que, apesar de todas as mudanças, o Queijo Serrano permanece
cumprindo a função primordial do abastecimento familiar.
11
1. A FORMAÇÃO SOCIAL DOS CAMPOS DE CIMA DA SERRA
O atual território do Estado do Rio Grande do Sul foi, durante o século XVI e
início do século XVII, uma região em que portugueses e espanhóis estavam pouco
interessados. Habitada principalmente pelos grupos indígenas Jê, Pampiano e
Guarani (FLORES, 2003), a região foi local onde bandeirantes buscaram mão-de-
obra escrava, para trabalhar em áreas de cultivo do centro do País.
Essa situação se alteraria a partir do século XVII. Preocupado com o avanço
português sobre o território sulino, “o governo espanhol ordenou a fundação de
povoados a partir do rio Uruguai, ocupando as terras com estâncias e lavouras”
(FLORES, 2003, p. 32). Segundo Zimmermann e Zimmermann Netto (1991, p. 5), a
intenção era “induzir os padres jesuítas a penetrar nesse território, no cumprimento
de suas finalidades evangelizadoras, mas com a chancela oficial do rei de Espanha”.
Com a chegada dos padres Jesuítas, em meados do século XVII, edificaram-
se aquelas que seriam conhecidas como as Reduções Jesuíticas. Dessa forma, os
padres espanhóis da Companhia de Jesus cumpriam uma “dupla finalidade:
enquanto os Padres Jesuítas desbravassem o sertão no cumprimento de seus
objetivos religiosos, catequizando o gentio, a Espanha ampliaria os seus domínios”
(ZIMMERMANN; ZIMMERMANN NETTO, 1991, p. 6).
Com o crescimento das reduções, determinou-se a introdução e a criação de
rebanhos de gado vacum no Rio Grande do Sul. O gado era utilizado para alimentar
os índios nas reduções jesuíticas4. Os padres jesuítas deram o nome de Vacaria5 às
grandes extensões de terra em que criavam gado solto para abastecer os povoados
missioneiros. No início do século XVIII, depois de sucessivos ataques de
4 Segundo Flores (2003), há dados sobre gado vacum nas reduções jesuíticas desde 1628.5 Em castelhano: Baqueria.
12
conquistadores portugueses e espanhóis, os padres jesuítas iniciaram a colonização
da região, que seria denominada Vacaria dos Pinhais6. Essa seria a última vacaria
dos padres jesuítas. Segundo Silva (s.d), “para fugir à sanha predatória destes
conquistadores, o superior provincial dos Jesuítas, Padre Lauro Nunes, em 1702,
resolveu criar a Vacaria dos Pinhais, numa região que parecia inacessível a
espanhóis e portugueses”.
Em 1781, Francisco Roque Roscio descreve a região da Vacaria dos Pinhais
como sendo:
A terceira parte do terreno deste Continente e Governo do Rio Grande de São Pedro são os campos de cima da serra chamados Campos da Vacaria, que é uma extensão de terreno vasto e longo, cortado e banhado para os seus lados meridional e setentrional com vários rios que se esgotam da parte meridional para o Rio Guaíba e da parte setentrional para o Rio Uruguai. É formado ou levantado pelo meio com um Albardão Grande que se alonga e estende até as Aldeias e Campos das Missões Jesuítas no Uruguai e fechado pelos lados meridional e oriental com a Serra e a Cordilheira Geral; pelo lado setentrional com o Rio Uruguai, que tem seu nascimento na mesma cordilheira; e pelo lado ocidental, com a corda de mato (...) na passagem do Jacuí quando atravessa a mesma Serra (SILVA, s. d.).
Durante o século XVIII, com o gradual desvanecimento das reduções
jesuíticas, seguido de sua completa destruição, o gado seria abandonado e,
reproduzindo-se à solta, formaria uma imensa reserva de animais.
A descoberta das minas de ouro em Minas Gerais levou a uma crescente
necessidade de gado vacum para alimentação da população da região aurífera e
também de muares para o transporte do ouro (MAESTRI, 2006).
Favorecida pelas condições do meio natural do Rio Grande do Sul, a
atividade pecuária se tornaria a mais importante atividade econômica da região,
fazendo do território gaúcho o principal ponto de partida para o fornecimento de
gado e de muares para a região das minas. Como veremos mais adiante, a
abundância desses animais no território sulino levou ao intenso comércio e ao
surgimento de uma atividade que durante mais de 200 anos teria grande importância
para toda a região sul: o tropeirismo.
6 Em castelhano: Baqueria de Los Pinhales.
13
1.1 A ocupação do território
O município de Bom Jesus, bem como, a região dos Campos de Cima da
Serra, é uma das zonas de ocupação portuguesa do Rio Grande do Sul, que teve
origem na doação de sesmarias. Entretanto, antes do surgimento dos primeiros
povoados, indígenas ocupavam a região. Atualmente é possível verificar em Bom
Jesus, “nos roçados e em cavernas, como nos lugares denominados Matemático e
Governador, vivos estão os vestígios de sua passagem, através de objetos
manufaturados toscamente em pedra, pontas de flechas, machados e pilões”
(ABREU; ABREU, 1977, p. 9). Os primeiros colonizadores a se estabelecerem em
Bom Jesus foram de origem luso-brasileira, vindos de Laguna (SC) ou de São Paulo
– nesse caso, bandeirantes e tropeiros.
A doação de sesmarias foi a forma encontrada pelo Governo Colonial para
iniciar o povoamento da região. Entre as obrigações do sesmeiro, estava a de
permanecer efetivamente na terra7. Muitas sesmarias foram dadas como prêmio
para aqueles que haviam realizado feitos militares. Segundo Souza (2000), no Rio
Grande do Sul, as primeiras sesmarias foram doadas a partir de 1732, entre os rios
Mampituba e Guaíba. Como mostra Bernardes (apud SOUZA, 2000, p. 125), “de
acordo com as normas vigentes, eram concedidas sesmarias de três léguas de
campo (13.068 hectares), mas não eram poucos os que concentravam em suas
mãos até 16 ou 20 léguas (263.360 hectares)8”. No Rio Grande do Sul, segundo
Carneiro (1986):
O povoamento foi sendo feito a partir da chegada dos primeiros lagunistas, que se fixavam para criar gado. A ocupação do solo se adequava às características da criação de gado, e aos padrões de propriedade rural adotados em toda a colônia: eram doadas grandes glebas de terras a um proprietário, que as ocupava com gado9.
A presença do gado alçado10 foi o fator preponderante para iniciar o
povoamento da região dos Campos de Cima da Serra. Sendo que a ocupação do
7 Segundo conta a historiografia regional o município de São José dos Ausentes, antigo distrito de Bom Jesus, emancipado no ano de 1992, foi o maior latifúndio do Rio Grande do Sul. Os primeiros donos da Fazenda Ausentes não tomaram posse das terras, que acabaram sendo leiloadas pela ausência de proprietários. Não por acaso esse município dos Campos de Cima da Serra foi batizado de Ausentes.8 Uma légua equivale a 4.356 hectares.9 Para mais informações a respeito, ver: <http://www.riogrande.com.br/historia/couro/couro3.htm>.10 Gado criado solto, ou que foi abandonado e que se tornou xucro e bravio.
14
território foi feita sobre a base da grande propriedade latifundiária, através da
doação de sesmarias. Conforme depoimento da professora Lucila Santos:
E era o gado dos jesuítas que eles tinham trazido aqui para esconder. A Vacaria de Los Pinhales. Então esse gado não era de ninguém. Era de ninguém entre aspas, mas enfim, não tinha dono oficialmente e aí eles começam a vir buscar cavalo, burro. Principalmente cavalo e o gado para levar para outras fazendas. E começam a pedir as sesmarias. Então eram dadas, como prêmio por quem tinha realizado grandes feitos. Para militares era muito comum. Para vim, para ganhar uma sesmaria tinha que provar que ia povoar. A finalidade assim era o povoamento. Então eles vêm para povoar e estabelecer as fazendas.
O regime sesmarial exigia do ocupante da terra que este a ocupasse
apropriadamente, povoando-a e tornando-a produtiva. Segundo Martins (2003, p.
164), “há abundância de documentos de concessão de terras cuja carta anterior fora
anulada automaticamente por desuso ou indevido uso e novamente concedida a
outra pessoa”. As propriedades com grandes extensões de terra, obtidas a partir de
doações de sesmarias, durante o período colonial, foram sendo lentamente
fragmentas ao longo das gerações. Em Bom Jesus, particularmente, a herança teve
um papel importante para a diminuição do tamanho das propriedades. O pecuarista
familiar Euclides da Silveira nos diz o seguinte:
Eu sempre digo assim: a reforma agrária no nosso caso já aconteceu na família mesmo. Porque antigamente eram dez, doze filhos. Lógico que nem todos eles ficaram no campo. Então era dividido, então a subdivisão já está muito tempo. No tempo do meu pai era normal, por exemplo, dois mil hectares, três mil era comum. Hoje dá para se contar nos dedos quem tem isso aí. Hoje normalmente é cem, duzentos hectares por aí.
Além dos indígenas nativos da região e dos luso-brasileiros que para ali
vieram, também cabe assinalar a presença do negro escravo. Segundo Oro (2002),
a população negra do Rio Grande do Sul dividia-se em “crioulos”, nascidos no Brasil,
e africanos, que teriam chegado aqui depois de passarem por outras regiões do
País, ou mesmo vindos de países vizinhos, como Argentina e Uruguai. No Rio
Grande do Sul, o negro marcou sua presença principalmente na condição de mão-
de-obra escrava para os grandes sesmeiros11.
11Segundo Flores (2003), o documento mais antigo que relata o trabalho escravo no Estado é a ata da Câmara dos Vereadores de Porto Alegre, de 31 de julho de 1798, em que consta a nomeação de um Capitão do Mato. O capitão do mato era uma pessoa encarregada de prender os escravos que fugiam e que andavam pelas ruas depois das 21 horas.
15
A partir do final do século XIX e começo do século XX, vieram se juntar aos
indígenas, luso-brasileiros - fundadores das primeiras fazendas de Bom Jesus - e
negros, os alemães e italianos.
Enquanto os alemães dedicaram-se mais à criação de gado e às lides do campo, os italianos criaram pequenas indústrias caseiras, fizeram comércio e instalaram-se com serrarias, pois havia então abundante madeira nativa em Bom Jesus (ABREU; ABREU, 1981, p. 9).
Conforme a professora Lucila Santos,
O italiano veio para Bom Jesus para ficar na cidade (...). Veio como artífice para substituir, para fazer, para preencher as lacunas que o homem do campo não tinha condições (...) e os alemães vieram mais para comprar terras, mas até que conseguiram isso, e os filhos, também para trabalhar, foram trabalhar fazendo, taipa12 que era outra condição que tinha aqui.
1.2 O tropeirismo
Segundo Maestri (2006), a palavra tropa deriva do termo francês troupe, que
significa bando de pessoas ou animais. Por extensão, a expressão tropeirismo foi
usada para designar uma atividade
(...) que aparece na época em que o principal meio para vencer as distâncias era a tração animal. A atividade tropeira pertence à época das trilhas em lugar de estradas, quando os rios eram vadeados nos passos e a produção dos agricultores precisava ser transportada rapidamente a distantes centros consumidores (FLORES apud SOUZA, 2000, p. 276).
O tropeirismo no Brasil teve seu auge nos séculos XVIII e XIX, quando a
atividade do transporte, principalmente de gado e mulas do Rio Grande do Sul até
os principais mercados do centro do País, teve grande importância econômica. As
tropeadas foram responsáveis pela dinamização da economia gaúcha e muitas
cidades se desenvolveram ao longo das rotas tropeiras. Durante o século XX, com o
desenvolvimento das rodovias e ferrovias, essa atividade perderia espaço para
outros meios de transporte, mais eficientes. Além do transporte de gado e muares
para o centro do País, os tropeiros13 também atuavam comercializando vários
12 Taipa é um muro construído a partir de pedras, essas edificações serviam como cercas divisórias.13 Termo utilizado para designar aqueles que participavam das tropas.
16
produtos entre as regiões. As últimas tropeadas realizadas datam das décadas de
50 e 60 do século passado.
Em geral os tropeiros buscavam seguir as rotas mais seguras, dando
prioridade a atravessar áreas mais abertas, seguindo o curso dos rios. O destino
principal das tropas era São Paulo, onde, na feira de Sorocaba, eram
comercializados os animais. No Rio Grande do Sul, criaram-se postos para cobrança
de impostos ao longo do caminho das tropas. Assim é que, onde hoje está situado o
município de Santo Antônio da Patrulha, “a Coroa fundou no sopé da Serra a
Patrulha ou Guarda [Velha] de Viamão, onde localizou um destacamento militar
[patrulha]” (MAESTRI, 2006, p. 85). Depois de cumprirem suas obrigações fiscais
com a Guarda de Viamão, os tropeiros “seguiam viagem para os Campos de Cima
da Serra e daí para Sorocaba, além de outros destinos” (GOMES, 2004, p. 170).
Como podemos perceber, a região dos Campos de Cima da Serra esteve
presente na rota do tropeirismo. Segundo Sgarbi e Veras (2004, p. 144), que
estudam essa região,
O tropeirismo teve papel fundamental na distribuição de produtos agropecuários e na intensificação de suas atividades econômicas. Na região foram identificados 03 principais tipos predominantes de tropas: de gado vacum, de porcos e de mulas...
Existiam também tropas de perus, mas os tipos de tropas mais importantes
foram as tropas de mulas xucras e as tropas de mulas arreadas. As tropas de mulas
xucras eram as mulas soltas, levadas em grandes manadas para serem vendidas na
feira de Sorocaba. Já as tropas de mulas arreadas eram assim chamadas porque as
mulas portavam arreios: eram animais de carga. O principal objetivo desse tipo de
tropa era o transporte e comércio de mercadorias.
O território em que se localiza o atual município de Bom Jesus foi um local de
passagem de tropas de mulas xucras. Segundo Trindade (1992, p.49), “os distritos
dessa região – São Francisco de Paula e Vacaria – eram só uma zona de
passagem, adjacência do caminho dos tropeiros que seguiam para São Paulo
depois de galgarem a Serra”14. Segundo Jacobus (2000), no ano de 1772, devido ao
grande movimento de tropas que passavam por Bom Jesus, instalava-se, sob ordem
14 Bom Jesus pertence à região mencionada pelo autor. Inicialmente, o território de Bom Jesus pertencia ao município de Santo Antônio da Patrulha. Com a emancipação política de Vacaria, em 1850, passaria a ser o 3º distrito de Vacaria. A emancipação política de Bom Jesus ocorreria em 16 de julho de 1913.
17
do Império, o registro de cobrança de impostos do Passo de Santa Vitória. O registro
localizava-se no rio Pelotas, na divisa entre os estados do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina.
Entretanto, Bom Jesus teve como principal característica na época do
tropeirismo, as tropas de mulas arreadas. O tropeiro João Otacílio Xavier Leite, de
Bom Jesus, explica como eram feitas as tropeadas de mulas arreadas.
À frente ia madrinha, com sincerro no pescoço. A madrinha era também chamada ponteira. O homem que puxava a madrinha era o madrinheiro. Viajavam com barraca e o pouso era feito no campo aberto. Os animais de carga eram chamados cargueiros. Levavam cangalhas, bruacas de couro e cestos. A bóia ia em bruaca acanastrada15, isto é, de couro igual às outras, apenas com uma diferença: era armada com tábuas nos cantos pra ficar sempre aberta. Levavam: panela, chiculatera16, charque, paçoca de charque, arroz, café, feijão, açúcar amarelo, rapadura, chimarrão, pão e biscoito, cachaça em borrachão de guampa. Levavam também paio (bexiga de graxa). O fogo era de chão sem trempe17. Usavam fósforo ou isqueiro de pedra. A mercadoria era couro, queijo e lã. As tropas eram de vinte cargueiros e no mínimo iam três homens e o amadrinhador, geralmente um guri (MARQUES, 2000, p. 302).
Figura 1: Cangalha com bruacas (que eram dispostas sobre o lombo de animais cargueiros). Foto de autoria de Renata Menasche, tirada no Museu Municipal de Bom Jesus, em setembro de 2006.15 Que possui a forma de uma canastra, uma espécie de cesta.16 Vasilha usada para esquentar a água do chimarrão.17 Arco de ferro com três pés, sobre o qual se coloca a panela ao fogo.
18
O madrinheiro era sempre, então, um jovem que, conduzia o animal
denominado égua madrinha. Esse animal possuía um cincerro no pescoço, um guizo
que produzia ruído ao ser agitado, que fazia com que fosse seguido pelo demais
animais. A cangalha era uma carcaça forrada com palha, destinada a sustentar e a
equilibrar a carga no lombo dos animais cargueiros. Os mantimentos eram
colocados dentro de bruacas, que possuíam a forma retangular e eram feitas de
couro de gado. Um tropeiro que viajava oito horas por dia, avançava em média 35
quilômetros por dia, ou seja, 4,5 quilômetros por hora (MAESTRI, 2006). Como
veremos mais adiante, a atividade tropeira teve uma forte ligação com a
comercialização do Queijo Serrano, principalmente na formação de tropas de mulas
arreadas.
19
2. A LIDA CAMPEIRA E O QUEIJO SERRANO
A lida campeira pode ser entendida como o processo envolvido no trabalho
com o campo e no manejo do gado. Este capítulo se propõe a analisar como se
processava o trabalho cotidiano nos antigos sítios produtores de Queijo Serrano.
Como poderemos observar ao longo deste capítulo, boa parte das antigas práticas
utilizadas na lida campeira e nas técnicas artesanais de fabricação do Queijo
Serrano permanecem atuais entre os pecuaristas familiares. Também
acompanharemos, neste capítulo, o processo de fabricação do Queijo Serrano e
veremos como varia, ao longo de cada etapa do processo produtivo, a participação
dos membros da família.
2.1 A lida com o gado
Não é possível definir precisamente o período em que teve início a produção
artesanal do Queijo Serrano, mas as informações orais indicam que esta é uma
tradição secular, em que o saber-fazer é passado de geração a geração. Para a
professora Lucila Santos “desde que foram estabelecidas as fazendas em Bom
Jesus, o queijo fez parte do trabalho da fazenda e da renda da fazenda”. Conforme
depoimento do pecuarista familiar Euclides da Silveira, de Bom Jesus:
Tanto por parte da minha mãe como do meu pai, eles sempre fizeram o nosso queijo serrano. (...) A minha geração é portuguesa, mas, que eu tenho recordação, foi dos meus avós, mas com certeza meus bisavós também fizeram. (...) Eu acho que vem de muito tempo.
20
É plausível pensar que, entre os séculos XVIII e XIX, a atividade de produção
artesanal de queijo tenha se generalizado entre os pecuaristas familiares da região,
passando a fazer parte do cotidiano dos sítios.
Nos primórdios da produção artesanal de Queijo Serrano em Bom Jesus,
essa atividade concentrava-se basicamente no período do ano em que as
temperaturas são mais elevadas, de setembro a meados de abril. Aproveitando-se
das pastagens verdes e abundantes de campo nativo e do aumento da
produtividade leiteira que, em decorrência delas, se dá nesses meses, os
pecuaristas intensificavam a produção de queijo nesse período do ano.
O território de Bom Jesus encontra-se em uma área de transição entre
campos e matas, entremeados por serras. Grande parte dos sítios possui áreas de
“serra” ou “de recosta”18. Durante o período de inverno, quando do rareamento das
pastagens naturais, os animais eram habitualmente levados a essas áreas, para que
se abrigassem do frio intenso. Nesse período do ano, não se produzia queijo, sendo
que apenas algumas vacas permaneciam no sítio, para suprir o abastecimento de
leite diário da família. Os pecuaristas que não possuíssem em seus sítios áreas
desse tipo, arrendavam-nas de outros pecuaristas. A pecuarista familiar Manoela da
Silveira, referindo-se a seus antepassados, relata que
as propriedades eram maiores e eles tinham campo mais de fundo, mais recostado. Então esse era o manejo. Era de pegar o gado e levar para recosta, para se abrigar. Eram dois dias de viagem. (...) Então eles traziam o gado e levavam para serra.
Apesar das novas técnicas utilizadas no melhoramento do campo nativo, a
prática de deslocar os animais para estas áreas persiste atualmente19. Durante o
período de inverno, as pastagens de campo nativo rareiam, secando e criando uma
palha grossa. A técnica utilizada para realizar a limpa do campo nativo era a queima.
Durante a pesquisa de campo, realizada no mês de setembro, pudemos observar
que, boa parte dos campos apresentavam-se queimados, sendo está técnica muito
18 Segundo informações obtidas em entrevistas, as áreas denominadas “serra” seriam aquelas localizadas nas encostas dos rios das Antas e Pelotas, já as áreas “de recosta” corresponderiam à parte mais baixa de um terreno, possuindo algum capão de mato que oferece abrigo aos animais.19 Com as novas técnicas de melhoramento de campo nativo e com o cultivo de pastagens, pode-se produzir queijo durante praticamente todo o ano. Mas, conforme o depoimento de uma extensionista da Emater, essas novas técnicas são muito dispendiosas, enquanto que deslocar o rebanho bovino das áreas de campo nativo para as de “serra” ou “recosta” beneficia as áreas de campo nativo, pois não há no período de inverno pisoteio dos animais nessas áreas.
21
utilizada atualmente. Segundo o depoimento de uma pessoa que conhece as
técnicas empregadas na região:
Se não queimar vai vir uma tocera tão grande e o gado não vai lá, não come. (...) aí esse campo, essa prática que eles tinham de ter esta pastagem abundante, hoje fazia essa queima de julho-agosto e esse gado então está voltando para área de campo, para propriedade e começa toda a rotina, todo o ciclo.
Essa era e, em grande medida, continua sendo a rotina dos sítios produtores
de Queijo Serrano: durante o inverno, leva-se o gado para áreas de “serra” ou
“recosta”, em que o gado pode ser abrigado do frio intenso, enquanto que a
vegetação ali disponível lhe proporciona alimentação. Queima-se o campo nativo,
que rebrota, proporcionando uma pastagem verde e abundante durante os meses
mais quentes do ano.
Com esse tipo de manejo, o gado fica, durante longos períodos, distante dos
sítios e, desse modo, deixa de conviver com a presença humana. Segundo
entrevistados, um dos problemas nesse tipo de manejo é que o gado poderia se
tornar xucro, o que resultaria em dificuldades em sua captura e manejo. Conforme
explica um extensionista da Emater de Bom Jesus:
O manejo do nosso gado é difícil. Os campos deles [dos pecuaristas] de fundo tem reses que ele não vê de maio a setembro. Ele [pecuarista] não enxerga a rês. Não enxerga mais a rês. Então se não tiver mais manejo acontece uma coisa muito interessante que é... Fica o gado alçado.
O gado criado solto, sem um manejo adequado, torna-se um gado alçado.
Nesse ponto está uma das mais importantes finalidades da inserção da produção de
queijo entre as práticas de manejo do gado. Assim, a ordenha das vacas não tem
como única finalidade a obtenção da matéria-prima para a fabricação do Queijo
Serrano, mas sim o manejo do gado. Segundo explica um informante, Euclides da
Silveira,
aqui nossa região não é produtora de leite, como, especificamente a holandesa, a Jersey. Não. O nosso gado é mais para corte. Então pela própria natureza (...) ele já não é tão dócil. E então, com a mão-de-obra do queijo, além de se ter a produção, se maneja o gado e amansa. (...) O gado sem manejo... para se fazer a desverminação, as vacinas, tem que se levar na propriedade. Se não é manejado, você corre o risco de ter uma rês que nunca recebeu nada no couro. (...) Numa época como essa agora [inverno], de pouco pasto, se pegar uma rês que não é manejada, a tendência dela é
22
entrar em stress... e não come, mesmo. E aquela que está manejada, ela já está habituada às pessoas, (...) é (...) acessível à comida.
A partir da ordenha das vacas, realiza-se, então, o amansamento do gado,
aproveitando-se o leite desses animais para a fabricação do Queijo Serrano. Como
narra a pecuarista familiar Manoela da Silveira, foi a partir do manejo do gado que
teve início a produção de queijo em sua família.
Enxerga uma pessoa, o bicho sai. E com esse manejo, o bicho já acostuma. Chega no tempo de ele se resguardar, de ter um abrigo, vai para região da serra, porque na hora do verão o bicho sai, e isso tem bastante na nossa região. E no caso, claro que nós aproveitamos para o comércio, o queijo, nós vendemos. Até a história da nossa família era em função disso aí. Do manejo.
As grandes distâncias que separavam os antigos sítios produtores de queijo
dos centros urbanos e a alta perecibilidade do leite não permitiam que esse fosse
comercializado na sua forma in natura. O meio encontrado para preservar esse
importante alimento foi a transformação em queijo. A seguir, veremos como se
processa a produção do Queijo Serrano e como as antigas técnicas artesanais de
produção de queijo permanecem atuais.
2.2 A produção do Queijo Serrano
O processo de trabalho do sítio na produção de queijo envolve toda a família.
Assim como no caso estudado por Heredia et al. (1984), entre pequenos produtores
nordestinos, pode-se observar que entre os pecuaristas familiares aqui estudados,
todos os membros do grupo doméstico participam do processo produtivo. Entretanto,
também como no caso estudado por Heredia et al. (1984, p. 30), “sua participação
varia nos diferentes momentos de tal processo, variações estas que se manifestam
ainda dentro das fases constituídas de cada um desses momentos, conforme sexo e
idade”.
Segundo depoimentos de pecuaristas familiares entrevistados,
tradicionalmente o processo de trabalho na fabricação do queijo tem início na tarde
do dia anterior à produção do queijo, quando se recolhe o gado e são apartados os
terneiros das vacas. Os terneiros são presos. No dia seguinte, pela manhã, as vacas
23
vêm procurar suas crias, na frente do sítio. Segundo o pecuarista familiar Euclides
da Silveira, nesse sistema de trabalho o terneiro
acostuma a desenvolver o rumo. Também porque só o terneiro esse que é solto que não é acostumado a ser separado da vaca para ordenhar, ele se torna um terneiro preguiçoso para pastar e custa mais a desenvolver, porque só o leite já satisfaz ele. Enquanto que esse que é apartado, pela necessidade que ele tem de alimentação se obriga a pastar mais cedo.
O trabalho familiar inicia-se em torno das quatro ou cinco horas da manhã.
Enquanto os mais jovens vão recolher os animais em frente ao sítio, a mulher fica
em casa, preparando o “goles”, ou seja, o café puro, também chamado na região por
“mata bicho”. A professora Lucila Santos explica o processo de preparação do
“goles”:
É o café puro. (...) Porque o café era torrado e queimado o açúcar e misturado com aquele açúcar queimado. Para ficar um café forte, para ficar um café com tinta, como nós falamos, para render.
Na etapa de ordenha das vacas, a família toda se faz presente no galpão em
que é realizado este processo. Quando começa a ordenha, toma-se o “camargo”,
informa-nos a pecuarista familiar Manoela da Silveira, que conta que “na nossa
região [Campos de Cima da Serra], tem o camargo, que passa o café bem forte,
com açúcar e tira o leite ali direto do ubre da vaca”. Manoela da Silveira também nos
explica o processo de trabalho no seu sítio, em Bom Jesus:
O ritual é assim: no levantar ele [o marido], já sai para pegar as vacas. Elas estão assim na frente [do sítio]. Põe para a mangueira20. Eu fico lá em casa, preparo o café. Arrumo já no dia antes, eu já deixo arrumado a vasilha do leite. Antigamente era com barril [de madeira], hoje em dia já não é mais. (...) Então eu uso o tarro de plástico. Tiro o leite, ponho o pano para coar o leite. E assim lá pelas 8:30 a gente terminou a ordenha. Aí ele fica limpando o galpão, as mangueiras.
Apesar de boa parte dos sítios possuírem energia elétrica, podemos afirmar
que em Bom Jesus a maioria dos sítios não adota ordenhadeiras mecânicas, assim
como tampouco verificam-se grandes mudanças no processo de trabalho dos sítios
em comparação ao trabalho desenvolvido pelos avós e bisavós dos atuais
20 Mangueira é um curral grande, onde o gado é recolhido.
24
pecuaristas. Mesmo com a diminuição da mão-de-obra familiar, todo o processo de
ordenha das vacas é realizado de forma manual.
Durante a etapa da ordenha, a família trabalha junto. Posteriormente, ocorre
uma divisão nas tarefas: enquanto o homem fica com as funções da lida campeira,
mais especificamente relacionadas ao manejo dos animais, a produção do queijo
passa para o domínio da esfera feminina. Poucos homens fazem queijo, mas
conforme a professora Lucila Santos, a partir das décadas de 1960, 1970, alguns
homens começaram também a fabricar queijo. Muitas vezes por motivo de doença
ou por impossibilidade da mulher, o homem assume a função da fabricação do
queijo, mas se a mulher se faz presente no sítio, esta é uma atividade
exclusivamente feminina.
Nos primórdios da produção do Queijo Serrano, esses possuíam a forma
arredondada, pesando em média de quatro a cinco quilos. Numa época como a do
período do tropeirismo, em que as distâncias eram enormes e os meios de
transporte pouco eficientes, os queijos levavam meses até serem comercializados. E
a fabricação de queijos desse tamanho facilitava sua conservação.
As formas, também chamadas de cinchos, utilizadas para a fabricação do
queijo redondo, eram feitas de lâminas de madeira: eram “descascadas as árvores,
secada a madeira, feito lâminas e enrolado... dado o formato redondo, era amarrado
com arame ou com couro, por fora” (depoimento de Lucila Santos). O uso de
cinchos redondos, com lâminas de madeira, permitia a fabricação de queijos de
diversos tamanhos, pois conforme a quantidade de massa produzida, podia-se abrir
ou fechar a lâmina, na medida necessária para a fabricação do queijo.
25
Figura 2: Cincho de lâmina de madeira usado na fabricação de queijos com formato redondo Fonte: Acervo fotográfico da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Bom Jesus
Além dos cinchos feitos de lâminas de madeira, também os barris utilizados
eram de madeira. Conforme a professora Lucila Santos, “o barril que eles usavam,
chamavam quinto (...) era feito de aduela, que era um tipo de madeira”.
Na abertura do barril, se coloca um pano, por onde então o leite é escoado.
Em algumas famílias, é costume colocar o sal sobre o pano: assim, ao ser coado, o
leite é também salgado. Depois de efetuada essa etapa, o coalho é adicionado ao
leite. Antes da chegada do coalho industrial, esse era obtido do estômago de alguns
animais, conforme nos relata Pedro Siqueira, um antigo tropeiro de Bom Jesus:
De primeiro, o coalho a gente tinha que fazer. Que é da coalheira, tinha que fazer. A gente matava um tatu. Tirava o buchinho do tatu, limpava bem limpo. Lavava e enchia bem de sal. E depois tirava os pedaços e botava de molho na água. E depois botava uma canequinha no leite e coalhava o queijo. E da vaca, também tem a tal de coalheira. A vaca, é grande a coalheira. Tu salga bem (...) Não existia coalho comprado.
26
Depois de pronta a coalhada, o excesso de soro é retirado. Aí a massa da
coalhada é colocada dentro dos cinchos. Para prensar os queijos, são utilizadas
pedras. A professora Lucila Santos relata o processo:
Quando está coalhado, você vai lá, quebra a coalhada. (...) Aí pega aquela pá, dá uma mexida naquela coalhada, aí ela solta o soro. Deixa parar um pouco. Quando separa, o soro ficou separado em cima, vai para queijeira. Já tem uma vasilha do soro, que era um outro barril, alguns usavam cochos [o soro era e é utilizado na alimentação dos porcos]. Aí escorria e apertava, apertando. E aí fazia uma salmoura, se não tinha sido posto o sal antes, junto ali para coar o leite. (...) Então dava uma mexida assim, para pegar sal parelho, uniforme na coalhada. Põe no cincho, estica bem o pano, para não ficar cheio de rugas, para não ficar marcado o queijo. Põe as tábuas. (...) Tinha que prensar o queijo e botava ali e pegava uma pedrona, sei lá de quantos quilos. Era pesada aquela pedra! Amarradas com cordas de couro, depois começaram a surgir as outras cordas, também com as outras cordas, mas tradicionalmente com cordas de couro. Pendurava ali e deixava. Quando era ali de tardezinha, virava o queijo, esticava o pano de novo e aí tinha todo esse trabalho. De manhã, se tirava o queijo do cincho, então ele ficava da manhã até quando se fosse fazer o outro queijo. Então, uma média de quatro horas, um pouco mais, um pouco menos. Aí ele formava as beiradas, aquilo que sobrou. (...) Aí cortava aquilo, virava, e ele ficava parelhinho.
Figura 3: Pedras usadas na etapa de prensagem do Queijo Serrano: Fonte: Acervo Fotográfico da Secretária Municipal de Educação e Cultura de Bom Jesus
27
A produção artesanal de Queijo Serrano foi e continua sendo feita em grande
parte com os mesmos utensílios utilizados no passado. Apesar da chegada de
novos materiais em inox ou fibra, ainda perdura a produção de queijos em cinchos
de madeira e o uso de pedras para prensar o queijo é ainda muito recorrente entre
os pecuaristas familiares. Segundo a pecuarista familiar Manoela da Silveira:
É a forma de madeira. A mesa, a queijeira é de madeira. Aí é como eu comentei, é como o vinho. A madeira, como o vinho que vai na pipa de madeira, parece que amadurece, que passa o gostinho, dá o gosto. Eu tenho um cincho lá de inox e um outro de fibra, que é plástico. Ele muda, se nota, dá diferença. Mesmo fazendo do mesmo jeitinho (...) Quando furou o meu barril de madeira, eu tive que por no de plástico. Eu tive que por um abrigo, porque ele esfria. E com o outro, de madeira, conserva [a temperatura], ele não esfriava.
Figura 4: Cincho de madeira com formato retangular. Foto de autoria de Renata Menasche, tirada em um sítio de Bom Jesus, setembro de 2006.
28
3. OS DOIS LADOS DA SERRA: o queijo descia e o mantimento subia
Como pudemos observar no capítulo dedicado ao tropeirismo, essa atividade
teve uma importância significativa na integração da região sul às demais regiões do
País. O surgimento de várias cidades nas rotas tropeiras fez aumentar as relações
mercantis entre as regiões. Num tempo em que o principal meio de transporte eram
as mulas, foi no lombo desses animais que a produção do Queijo Serrano foi
comercializada.
A região em que se localiza Bom Jesus foi um local em que a pecuária
sempre foi a principal atividade dos sítios, sendo poucas as áreas destinadas à
prática da agricultura. Desse modo, faziam-se necessários produtos vindos de
outras localidades, principalmente gêneros alimentícios. Dados os costumes e
habilidades desenvolvidos em uma cultura associada à pecuária de corte, há
registros de que poucos eram os que possuíam habilidade para o trabalho agrícola,
sendo que aqueles que se aventuravam em áreas com tradição agrícola acabavam,
freqüentemente, passando dificuldades (BRIGHTWELL, 2005).
O depoimento coletado por Brightwell (2005), em Praia Grande (SC), é
ilustrativo dessa situação. Segundo a autora, uma de suas informantes narra que a
avó, que havia vindo da região dos Campos de Cima da Serra, mais
especificamente de Cambará do Sul, não se adaptara à lida agrícola. Vejamos:
D. Maria José, com seu esposo Antonio José Pedro e seus filhos se estabeleceram nas terras de Timbopeba, para trabalhar na agricultura. Porém essa aventura não deu certo, pois não tinham conhecimento nos trabalhos na roça. Seu trabalho era cuidar do gado dos seus patrões e tirar leite para a fabricação de queijos caseiros, que eram muito preferidos de todos. Não dando certo e não se adaptando ao lugarejo Timbopeba, venderam suas terras e algumas cabeças de gado e veio definitivo para Praia Grande, cuidar das terras de José Batista de Carvalho, que era um
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poderoso fazendeiro e morava na serra. Seu Antonio José Pedro, esposo de D. Maria José trabalhava no cultivo de algumas plantações para o sustento da casa (BRIGHTWELL, 2005, p. 34-35).
O principal local de comercialização dos queijos produzidos em Bom Jesus foi
a região conhecida como “Serra Abaixo”, em Santa Catarina21. Essa região teve um
importante papel, pois, segundo a pecuarista familiar Manoela da Silveira, era para
essa região que o “queijo descia e o mantimento subia”. Até meados do século XX,
as trocas mercantis entre as duas regiões eram realizadas no lombo de mulas.
O Queijo Serrano teve uma importante ligação com a atividade tropeira,
principalmente na formação das tropas de mulas arreadas. As tropas de mulas
arreadas eram formadas por animais de carga. O animal cargueiro era equipado
com arreios e sobre seu dorso era colocada a cangalha. Os mantimentos eram
colocados dentro de bruacas, sendo que cada animal levava em média 90 quilos,
sendo 45 de cada lado da cangalha.
Figura 5: Bruacas fabricadas a partir do couro de bovino. Foto de autoria de Renata Menasche, tirada em um sítio de Bom Jesus, setembro de 2006.
21 A região denominada pelos entrevistados como “Serra Abaixo” se refere à região do Vale do Tubarão, em Santa Catarina, local onde se localizam os municípios de Araranguá, Turmo, Ermo, etc.
30
Além do queijo, outros produtos dos Campos de Cima da Serra também eram
comercializados na Serra Abaixo, aí destacando-se o pinhão e o charque. Segundo
a professora Lucila Santos, quando eram realizadas viagens no inverno, “se levava
o pinhão, mas não era assim uma mercadoria básica... a mercadoria básica era o
queijo... uma mercadoria de grande valor era o queijo”. Nosso informante, Pedro
Siqueira, antigo tropeiro, nos explica como eram feitas essas trocas.
A gente sempre levava queijo, charque, pinhão, para vender na Serra Abaixo. Trocar pelas outras coisas, que não tinha aqui: arroz, farinha de mandioca, açúcar amarelo. Essas coisas, polvilho, cachaça. Essas coisas assim. Isso foi de [19]50 por ali, assim. Eu tropeei até [19]62 por ali, assim. Foi as últimas viagens que eu fiz lá para Serra Abaixo. Vendendo coisa, trazendo coisa. Porque não tinha essas bodegas. Então, terminava a comida, a gente descia Serra Abaixo para buscar. Essa era a função do meu pai. Porque, de primeiro, todo mundo tinha que fazer assim. Porque era um meio de trazer a comida (...). Então às vezes a gente ia. Tinha o vizinho, tinha o compadre, se queriam que trouxesse o mantimento para eles, também. Então eles emprestavam o cargueiro para a gente. Era assim: compadre, leva o meu cargueirinho. Então trazia o cargueiro arreado. Então, se vocês vêm carregado de mantimento para vocês, e de lá traz carregado para nós.
Segundo o antigo tropeiro, as viagens para Serra Abaixo eram feitas no
”tempo em que terminava a comida” e as tropeadas com mulas arreadas eram “o
meio de trazer a comida”. Em média, eram realizadas duas viagens por ano. Para
Pedro Siqueira, “o principal, eram duas viagens... tinha que fazer, para abastecer
para o inverno e para abastecer para o verão”. Outra forma de trazer o mantimento
era emprestando o cargueiro arreado, ou seja, o animal de carga, para os vizinhos
ou compadres que realizassem a viagem até Serra Abaixo. Como conta nosso
informante, “de lá traz carregado para nós”. Miranda (2000), analisando a passagem
de tropeiros nas feiras públicas realizadas em Lages (SC), no final do século XIX e
em meados do século XX, informa que:
Estes tropeiros, além das viagens entre RS e Sorocaba, viajavam também para “Serra Baixo”, com cargueiros ou transportando muares, onde levavam charque, queijo, frutas. Muitos destes mantimentos eram comprados no próprio mercado. Estas lembranças se fazem presentes na memória de muitas pessoas, como podemos observar no depoimento de uma senhora de 94 anos e que foi esposa de um tropeiro: “... talvez a única coisa que podia levar daqui era pinhão, queijo, charque... Meu pai tinha tropa, às vezes levava charque, nós fazia queijo e vendia queijo lá em baixo” (MIRANDA, 2000, p. 129).
31
As viagens eram quase sempre realizadas em grandes tropas e raras eram as
viagens em que um tropeiro viajava sozinho: “eram oito, dez, doze, vinte, até trinta
cargueiros levavam, mas mais ou menos eram uns doze cargueiros... às vezes iam
dois [tropeiros], às vezes ia um só, e o madrinheiro e o guri do madrinheiro” (Pedro
Siqueira).
Os tropeiros viajavam respeitando o ritmo da natureza, muitas das travessias
ocorriam em rios perigosos, nos locais chamados passos onde se poderia
atravessar um rio. Chegando na encosta de um rio, esse muitas vezes encontrava-
se cheio, obrigando os tropeiros a esperar a baixa para atravessá-lo. As tropeadas
até Serra Abaixo demandavam muitos dias de viagem, sendo que a tropa só poderia
retornar depois de vendida toda a carga e realizado o abastecimento com os
mantimentos necessários. Conforme Pedro Siqueira relata,
uma viagem dessas levava até quinze dias. Para ir e voltar. (...) Em algum lugar, tinha a tal de barca, e nos outros lugares tinha que descer nadando a mula. Os mantimentos, cruzava numa canoa, e as mulas passavam nadando. (...) a gente sem voltar a carga não podia voltar. Então a gente ia indo, negociava um pouco aqui, um pouco ali. Os barriga verde já ouviam o barulho do cincerro, então já saíam na beira da estrada, atacavam os tropeiros para comprar o queijo. (...) tem açúcar, carrega o cargueiro com o açúcar, aí eu fico com um pouco de queijo.
O Queijo Serrano, considerado a moeda básica utilizada na troca de produtos
com a Serra Abaixo, era transportado dentro das bruacas, no lombo das mulas. Mas
como as viagens até essa região eram realizadas, em média, apenas duas vezes ao
ano, era necessário um cuidado especial na conservação dos queijos. Os queijos
possuíam a forma arredondada e pesavam em média cinco quilos, levando, às
vezes, até seis meses desde sua produção até sua comercialização. Segundo Pedro
Siqueira:
O queijo redondo, o queijo grande, dá para deixar seis meses. Aí só passa alguma coisa para não arruinar. Então dura um ano. Eles passavam sebo, com essa pimenta. Passavam bem por fora do queijo, para o queijo ficar bem. Aí para não entrar, para não bichar. Então durava um ano, um queijo.
Como pudemos perceber até aqui, Serra Abaixo foi um importante local de
comercialização do Queijo Serrano, bem como o local onde eram obtidos os
produtos que não eram produzidos em Bom Jesus e região. Entretanto, as relações
32
comerciais entre as duas regiões eram realizadas, em sua grande maioria, por meio
de escambo. Conforme nos relata o pecuarista familiar Euclides da Silveira,
naquela época, era muito mais difícil o comércio. Porque a nossa região, (...) basicamente ia a lombo de cavalo, da mula. E naquele tempo, eles levavam toda a produção que eles faziam para Serra Abaixo, como era conhecido. E nós, Campos de Cima da Serra, os Serranos. Fazia aquela troca, o escambo.
Segundo Peres Jr. (2005), os principais produtos da Serra Abaixo que faziam
parte da dieta alimentar dos serranos eram milho, feijão, arroz, farinha de mandioca,
farinha de trigo, açúcar e polvilho. ”Esses produtos eram transportados nos lombos
das mulas e deram suporte para a subsistência dos serranos. Eram eles que
estavam diariamente na mesa dos serranos” (PERES JR., 2005, p. 61). Havia um
intercâmbio muito grande entre a cidade de Bom Jesus e a região da Serra Abaixo,
sendo que o Queijo Serrano tinha a função principal de “trazer o rancho”. Segundo
Euclides da Silveira,
para aproveitar as tropas de mulas que desciam para Serra Abaixo, levavam queijo e traziam de lá a mercadoria, e naquele tempo não era que nem hoje, que é fracionado em 5 quilos. Era em sacos de 60 quilos. Se dizia “a partida22 de queijo”. A partida de queijo, se trazia o rancho.
22 A palavra partida é aqui usada no sentido de uma porção de mercadorias recebidas ou expedidas.
33
4. O QUEIJO DE FINAL DE SEMANA
Nem sempre a produção de queijo fora realizada aos domingos. Durante o
período do ano em que se fabricava o queijo, essa atividade era realizada em todos
os dias da semana, com exceção do domingo. Nesse dia, não se fabricava queijo
por uma questão religiosa, pois o domingo era considerado dia sagrado e dedicado
ao descanso. Fazer queijo em domingo era, assim, considerado pecado.
Mas esta prática tinha suas conseqüências negativas, pois além de não ser
realizada a ordenha, os bezerros se aproveitavam da abundância de leite das vacas
para se saciarem. Entretanto no dia seguinte, muitos bezerros encontravam-se
adoentados, com chorrilho, ou seja, diarréia, provocada pelo consumo excessivo de
leite. A professora Lucila Santos conta sua experiência familiar:
Até onde me lembro da minha casa e de outras pessoas, não se trabalhava no domingo. Então era um inferno. Não se tirava o leite, porque era pecado trabalhar no domingo. Essa história. Era pecado trabalhar no domingo. (...) Na segunda–feira, estavam os terneiros com chorrilho. (...) Porque eles beberam até se fartar. Mamaram todo o leite do dia, todo o leite de domingo. De manhã à noite. Na segunda-feira, vai o remédio para os terneiros.
Com o tempo, a prática de não produzir queijo aos domingos foi sendo
abandonada e o “queijo de final de semana” passou a fazer parte do cotidiano da
vida do sítio. Como veremos a seguir, o “queijo de final semana” permeava as
relações de trabalho existentes entre pecuaristas e agregados, mas posteriormente
a renda obtida de sua comercialização passaria ao domínio feminino.
34
4.1 O “queijo de final de semana” e os agregados
Em alguns sítios, o “queijo de final de semana” também fazia parte do
pagamento dos agregados. O Queijo Serrano produzido aos domingos era utilizado
como moeda de pagamento de serviços prestados por agregados do sítio. Os
agregados eram famílias que se estabeleciam em terras de outrem, trabalhavam e
cultivavam a terra sob certas condições. Uma extensionista da Emater de Bom
Jesus nos explica como se dava essa relação:
Existiam famílias que moravam na propriedade, que eram os agregados. Que seria aquilo que a gente chama hoje de empregado, mas não eram considerados como empregados. O que tinha era um vínculo de trabalho, porque eles tinham uma parte, mas muito esse lado de amizade, de consideração.
Para Moura (1988, p. 81) “chama-se agregado ou agregação a relação de
morada de uma família na fazenda, implicando o desempenho de tarefas para o
fazendeiro e a produção direta dos meios de vida para o agregado”. É importante
ressaltarmos que os grandes fazendeiros da região possuíam em suas terras,
geralmente mais de uma família de agregados, mas este tipo de relação também
ocorria – numa proporção menor - entre os pecuaristas familiares. Segundo uma
informante, muitos pecuaristas familiares cediam, próximo a suas casas, em seus
sítios, um local de morada para compadres ou amigos que não possuíssem terras
próprias. Muito mais que simples relações comerciais, a relação entre proprietário de
terra e agregado era realizada por meio de um código moral onde, “nas relações de
agregação, o favor percorre o eixo das relações de trabalho por dentro, atuando no
cerne do modus operandi das mesmas” (MOURA, 1988, p. 95). Segundo esta
mesma autora (1988, p. 87):
É característica deste código o compromisso assumido. Imutável por longos períodos nos seus preceitos essenciais de obrigação, supõe o conhecimento de “origem” da sua posição de devedor. Ela se funda numa relação de favor para com o fazendeiro que, em troca do acesso à morada, ao quintal e à roça, deve cuidar dos afazeres da fazenda. É nesse contexto que ganha sentido o que é direito para um agregado. Direito é aquilo que se obtém pela dívida corretamente saldada, pela gratidão expressa em relação a um favor inicial. É aquilo que se conquista pelo que permanentemente se desempenha e se desempenha com correção. O direito não resulta de relação contratual.
35
O queijo, apesar de sua importância econômica, não era a única moeda de
troca entre proprietários de terras e agregados. Normalmente cada família de
agregado também recebia um pequeno lote de terra onde podia cultivar e criar seus
próprios animais. O pecuarista familiar Euclides da Silveira explica como o seu pai
se relacionava com os agregados em seu sítio:
Então no tempo do meu pai, nós tínhamos agregados na época. Então, o falecido meu pai, ele cedia uma área, lá no fundo, para um compadre, para um agregado. Lá ele fazia a sua roça, ele tinha o seu milho, o seu feijão, tinha seu gado, galinha, porco, para o consumo. E ele não pagava a renda daquilo ali. E nesses dias de lida, eles ajudavam o meu pai, como todos outros por aí.
As antigas relações entre proprietários de terras e agregados foram
bruscamente alteradas a partir da segunda metade do século XX, com a
institucionalização das leis trabalhistas. As relações, que anteriormente estavam
assentadas sobre a base do favor, passaram a ser regulamentadas por contratos de
trabalho, sendo que muitas contendas judiciais marcaram o fim desse tipo de
relação.
E aí, quando começou a vir as leis trabalhistas, muitos desses agregados sentiram assim, que estavam sendo prejudicados. Então entraram na justiça, e foi aquela briga. E aí acabou, acabou a confiança que se tinha, daquela relação. Então não posso mais colocar alguém lá (Euclides da Silveira).
Atualmente, o mercado de trabalho urbano torna difícil para os pecuaristas
familiares encontrarem pessoas dispostas a trabalhar em seus sítios. As estradas
ruins e as longas distâncias entre os sítios e a sede municipal são agravantes desta
situação. Ao menos entre os pecuaristas familiares, o mutirão entre parentes e
vizinhos parece substituir, atualmente, o trabalho do agregado.
Pelo manejo que a gente faz, uma pessoa faz. Para quarenta cabeças. Só que aí na época de se fazer as vacinas, aí precisa mais... a gente faz um mutirão entre vizinhos e entre irmãos. Porque o nosso empregado rural, está muito difícil hoje, e a cidade hoje é um atrativo (Euclides da Silveira).
Antonio Candido (2001), analisando a organização e a vida social do caipira
paulista da década de 1950, afirmou que suas várias atividades constituíam-se em
oportunidades de mutirão e contribuíam para suprir as limitações individuais e
36
familiares, sendo que os mutirões possuíam um caráter festivo. A necessidade de
mão-de-obra imposta pela lida agrícola “determinava a formação duma rede ampla
de relações, ligando uns aos outros habitantes do grupo de vizinhança e
contribuindo para a sua unidade” (CANDIDO, 2001, p. 89).
Assim como o caipira paulista descrito por Antonio Candido, mas numa outra
situação e época, também em Bom Jesus a lida campeira e o mutirão se revestem
de caráter festivo, conformando relações sociais.
Oh fulano! Hoje vou estar lidando com o gado: vamos lá. Porque é muito agradável a lida com o gado. O manejo que se tem com o gado, desde lá antigamente, isto está muito na tradição aqui. (...) Essa atividade é muito prazerosa, até para quem vai assistir. É bonito, é gostoso. Porque ai tu vê ali o momento que as pessoas estão confraternizando, estão trabalhando e aquilo se torna uma atividade prazerosa. Porque tu passou o inverno inteiro, com frio, com dificuldade, com gado magro, com toda essa coisa... (extensionista da Emater).
Assim, temos que as antigas relações de trabalho proprietário de terra-
agregado, realizadas na base do favor, em que as relações de troca eram a forma
usada de pagamento – sendo o “queijo de final de semana” uma das moedas de
troca – passaram por uma mudança abrupta, sendo substituídas por contratos
formais com validação jurídica. Com a concomitante concorrência dos centros
urbanos na busca de mão-de-obra, os pecuaristas familiares encontrar-se-iam em
uma situação que se complicava. Evidencia-se, assim, ao menos entre esses
pecuaristas familiares, que outras formas de trabalho e novas relações de
sociabilidade surgiram com base na ajuda mútua e assentadas nas relações de
mutirão, entre vizinhos e parentes.
4.2 O queijo da mulher
Apesar da produção de Queijo Serrano sempre ter se realizado sob domínio
da esfera feminina, o mesmo não se processa no momento da comercialização.
Como analisa a professora Lucila Santos, a comercialização do queijo esteve
sempre a cargo dos homens.
Uma coisa interessante, que sempre quando se fala em queijo, o homem que quer falar. E a mulher sempre fala: é com ele. Mas com ele é a venda.
37
Mas o processo da ordenha, inclusive, é assim: ela está presente ali também, ela não está sozinha, a família está presente também, mas ela está em todo o processo. É um trabalho que, se você vai ver, é quase 99% feminino (...) na hora em que chegava o comprador, que normalmente era homem. Quem vendia, quem pesava. Era o queijo “aqui de casa”: eu [se referindo ao homem] vendo, eu peso, eu embolso o dinheiro. Normalmente, acontecia isso. (...) Quem recebia era o homem, e dava uma quantia para a mulher, se achasse que era necessário.
Em um estudo feito entre famílias de agricultores familiares das regiões
Sudoeste e Centro da Paraná, Menasche e Belem (1996, p. 6) também verificaram
que na produção de leite, “de um modo geral, pode-se perceber claramente uma
divisão sexual de trabalho na execução e planejamento das atividades que ao longo
do ano envolvem a produção de leite numa unidade agrícola familiar” . Desta forma
vamos verificar que, “por mais que a produção seja realizada preponderantemente
pela mulher, o produtor reconhecido pelos compradores tem sido, na maior parte
dos casos, o marido: aquele que ‘representa’ a unidade familiar de produção”
(MENASCHE; BELEM, 1996 p. 10).
Apesar de a mulher estar presente em todo o processo produtivo da
fabricação do queijo, não cabe a ela “mexer no dinheiro”. É no domínio da esfera
masculina que se coadunam as decisões financeiras. Assim como no estudo de
Heredia et al. (1984, p. 39 – 40), vamos ver que toda transação comercial envolve
pessoas estranhas e,
logo, requer a mediação do pai da família. Assim todas as relações mercantis excluem, em termos de modelo, a mulher, e este fato também é válido quando as transações se realizam no espaço que corresponde à casa. O pai de família representa o grupo doméstico frente a outros grupos domésticos, e a relação mercantil, mesmo quando tem lugar na casa, por supor uma relação estranha a ela, é um espaço que pertence ao pequeno produtor.
Apesar desse processo permanecer assim desde os tempos do tropeirismo
até os dias atuais, o homem sendo o principal responsável pela comercialização do
queijo, pode-se observar, em Bom Jesus, uma nova – segundo um dos
depoimentos, a partir de meados da década de 1970 - prática nos sítios produtores
de Queijo Serrano. Se antes a mulher não possuía qualquer renda própria, sendo
totalmente dependente do marido para ter acesso ao dinheiro - caso ele “achasse
que era necessário” -, a mulher passaria a ter uma renda autônoma, pois o resultado
38
da venda do queijo produzido aos domingos passa a ser dela. Segundo uma
extensionista da Emater de Bom Jesus:
O queijo do final de semana era dela, era renda dela. Então interessante, que continua o mesmo processo. É ele que vende tudo, mas o queijinho dela, do domingo quando as vacas estavam mais gordas (...) Ela pegava o queijo só do domingo. Então faziam assim, na forma, no queijo, um sinalzinho. Esse queijo é meu, esse queijo é da mulher. (...) Mas assim, a gente pode ver que essa é uma prática bem mais recente, essa questão da década de [19]70, do feminismo, são coisas sociais que também vêm vindo para cá, numa região bem... Naquela época, ela não tinha essa renda. Ela dizia: eu preciso disso, preciso de um pedaço de tecido. Ela dizia e ele ia lá e comprava. (...) Então o dinheiro não passava pela mão [da mulher].
Heredia et al. (1984, p. 32) nos mostram uma situação que, no caso dos
pequenos produtores nordestinos estudados, a mãe de família obtinha vários bens
domésticos a partir da renda auferida de uma pequena parcela de terra,
concedida pelo marido, denominado roçadinho. Com o dinheiro obtido com a venda dos produtos ali colhidos, poderá contribuir para obter os bens de que precisa.
Numa situação um pouco diferente, mas com o mesmo objetivo, a renda do
“queijo de final de semana”, assim como a renda da produção do “roçadinho”, está
sob domínio da mulher.
O pecuarista familiar Euclides da Silveira nos conta que em sua família,
“como a gente é só nós dois [marido e mulher], eu só me preocupo assim em manter
a compra do mercado... que é a mesma história do meu avô, do meu pai”. Como é o
homem o responsável pela venda dos queijos, freqüentemente é ele também quem
vende o “queijo da mulher”, o “queijo de final de semana”. Para diferenciar o queijo
produzido durante a semana do “queijo de final de semana”, a mulher faz uma
marca no queijo. Esta marca é feita com uma faca, uma pequena abertura na ponta
do queijo, um pequeno pique, marcando que aquele é o “queijo de final de semana”.
Entretanto, também ocorre de a mulher comercializar o “queijo de final de semana”,
sendo que a renda desse queijo é utilizada livremente pela mulher, como conta a
pecuarista familiar Manoela da Silveira: “o queijo, eu vendo aos irmãos, aos amigos,
mais é assim, coisa para mim, coisa para as crianças... alguma coisa que eu tenho
vontade de comprar, um mimo”.
39
Apesar de a mulher também comercializar o “queijo de final de semana”,
vemos que isso se dá nos círculos de parentesco e vizinhança, nas demais
situações cabe ao homem comercializá-lo. Situação similar foi verificada por Heredia
et al. (1984, p. 40), que evidenciam que entre os pequenos produtores nordestinos,
a princípio, “os produtos do roçadinho e os animais que pertencem à mãe, aos filhos
considerados pequenos e às filhas são comercializados pelo pai”.
40
5. A DESNECESSIDADE DA INTENSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO
As vacas utilizadas na produção do Queijo Serrano são caracterizadas pela
rusticidade, comum às raças de gado cruzado empregadas na pecuária de corte da
região.
No sistema de produção adotado pelos pecuaristas familiares, o bezerro
permanece durante um longo período de tempo junto à vaca23. Ainda, os animais
são criados soltos, em um sistema de produção extensivo. A composição do
rebanho e as práticas de manejo resultam, no que se refere ao leite, em baixa
produtividade: normalmente menos do que cinco litros de leite ao dia por vaca.
Considerando que, para a produção de um quilo de queijo, são necessários,
em média, dez litros de leite, teríamos que no período do tropeirismo, quando os
queijos pesavam cerca de cinco quilos, eram necessários cinqüenta litros de leite
para produzir um queijo. Isso nos leva a refletir que esta era uma atividade muito
penosa e que não eram poucas as famílias que possuíam mais de uma dezena de
animais para serem ordenhados manualmente. Segundo Euclides da Silveira, em
seu sítio, atualmente, se “tira [ordenha] umas 18 [vacas]... mais ou menos 65 a 70
litros de leite... é muito trabalho... no tempo da minha avó, eles levantavam às 3
horas da manhã, eram 80, 90 vacas [para ordenhar]”.
Diferentemente do que ocorre em outras regiões do Estado em que há
especialização na produção leiteira, sendo diariamente realizadas duas ordenhas,
em Bom Jesus, mais especificamente nos sítios produtores de Queijo Serrano, a
etapa da ordenha se processa uma única vez ao dia, sempre no período da manhã.
23 Segundo um extensionista da Emater, os bezerros são desmamados nos meses de abril ou maio. Até lá, desde que nasçam, entre agosto e outubro, permanecem com as vacas durante o dia e são apartados das vacas durante a noite.
41
Observamos que, ao mesmo tempo em que prepondera o uso do leite de
vacas de corte na produção de queijo, algumas famílias também possuem animais
de raça leiteira, como, por exemplo, vacas das raças Holandesa e Jersey. Mas a
produção dos animais de raças leiteiras é, via de regra, utilizada como complemento
da produção de leite das vacas de corte, especialmente durante o período do
inverno, quando então a produtividade leiteira das vacas de corte se reduz ainda
mais.
O que se quer aqui salientar é que, entre os pecuaristas familiares estudados,
é clara a não preferência e, por vezes, uma quase aversão às raças leiteiras, dada
pelo fato de que o emprego desses animais requer duas ordenhas diárias.
Conforme o depoimento do pecuarista familiar Euclides da Silveira, em seu
sítio não se usa vaca holandesa
pela mão-de-obra que se tem. Porque a vaca holandesa, ela é sensível, ela depende de cuidado extremo. Essa nossa vaca [de corte] é uma vaca rústica. Porque se você não tirar, não puder ordenhar ela, o terneiro faz o serviço, e a holandesa não.
Assim, com as vacas leiteiras não ocorre o mesmo que com as vacas de
corte: quando o pecuarista não pode fazer a ordenha, “o terneiro faz o serviço”.
Desse modo, é recorrente ouvir, na falas dos pecuaristas familiares, quando
indagados a respeito do emprego de raças de vacas leiteiras, expressões do tipo “eu
não quero ser escravo da vaca”.
Assim é que, retomando o estudo de Antonio Candido (2001), chegamos à
idéia que inspirou o título deste capítulo, a “desnecessidade de intensificação da
produção”. Antonio Candido, verificou que sobre a figura do caipira paulista por ele
estudado, pesavam os estereótipos de preguiçoso e vadio, e que “ficaram no caipira
não apenas certo pendor para a violência, como marcas nítidas de inadaptação ao
esforço intenso e contínuo (2001, p. 111). Antonio Candido ressalta a noção da
“desnecessidade do trabalho”, pois segundo o autor devemos “apontar as
determinantes econômicas e culturais de um fenômeno que não deve ser
considerado vadiagem, mas desnecessidade de trabalhar, que é outra coisa e, no
caso, mais importante para caracterizar a situação” (CANDIDO, 2001, p. 111-112). O
autor acrescenta ainda que para o caipira paulista “a desambição e a imprevidência
42
devem ser interpretadas como a maneira de designar a desnecessidade do trabalho”
(CANDIDO, 2001, p. 114).
Assim, é importante entendermos que as formas de obtenção dos “meios de
subsistência de um grupo não podem ser compreendidos separadamente do
conjunto das reações culturais” (CANDIDO, 2001, p. 35). É nesse âmbito que devem
ser interpretadas as decisões dos pecuaristas familiares, quando se mostram
avessos à intensificação da produção leiteira. O não querer “ser escravo da vaca”
revela um sistema de valores, um modo vivente: o modo de vida campeiro, que se
torna incompatível com o uso de animais que requerem uma maior mão-de-obra.
Em estudo de Brandão (1981), realizado entre lavradores da cidade goiana de
Mossâmedes, o autor concluiu que nos esforços para obter o consumo doméstico “o
lavrador emprega a maior parte do seu tempo de cotidiano e organiza o núcleo mais
motivado de representações sobre o seu mundo” (BRANDÃO, 1981, p. 8). A
produção artesanal do Queijo Serrano remete a questões que vão além das
puramente técnicas e produzidas, remetem a uma forma de organização social que
fundamenta-se em um modo de vida. A aversão ao uso de raças de vacas leiteiras
remete a questões culturais, assim vamos ouvir na fala do pecuarista familiar Pedro
Siqueira que para ele:
O que mais agrada da vida aqui fora é que eu sou livre. Se eu quiser trabalhar mais cedo, mais tarde, ou se eu não quiser trabalhar. Eu sou dono, sou patrão. Aí eu tenho mais liberdade. Isso faz diferença para não mudar o sistema em ter o gado de corte, tirar o leite do gado de corte. Porque vaca de leite, tem que tirar o leite todos dias, de manhã e de tarde. Aí tem o rodeio, tem a lida campeira, e aí não posso ir. Trabalhar com o gado de corte me influi mais porque eu acho que tirar leite duas vezes por dia é uma prisão. Essa vaca [leiteira], eles tiraram sem terneiro, eu sempre disse, sempre disse e continuo dizendo, não me serve esse gado para mim, porque se eu quiser sair na minha festa, ou agora, como eu precisei sair, eu solto os terneiro, não estou preocupado.
Queremos assim demonstrar que os pecuaristas familiares estudados não
agem apenas movidos por questões técnicas e produtivas, mas que, assim como
afirmam Woortmann e Woortmann (1997), vida e trabalho andam juntos. Pois os
recursos do meio natural e os instrumentos técnicos são moldados pela “cultura que
lhes dá significado, inclusive para além da materialidade ou da instrumentalidade
prática do trabalho (WOORTMANN; WOORTMANN, 1997, p. 10).
Mais do que produtor de alimentos, o pecuarista familiar também é um
produtor de significados. Desse modo, concordamos com Woortmann e Woortmann
43
(1997, p. 15), quando afirmam que o processo de trabalho é também um processo
de construção de uma
ideologia, que, juntamente com a produção de alimentos, produz categorias sociais, pois o processo de trabalho, além de ser um encadeamento de ações técnicas, é também um encadeamento de ações simbólicas, ou seja, um processo ritual. Além de produzir cultivos, o trabalho produz cultura.
44
6. O QUEIJO SERRANO ONTEM E HOJE
Se, como vimos anteriormente, o Queijo Serrano era o produto que, levado
pelos tropeiros para Serra Abaixo, era utilizado como moeda de troca para obter
aquilo que não se produzia no sítio, especialmente alimentos, temos que na
atualidade esta situação não se altera substancialmente.
Se no período do tropeirismo era no lombo de mulas que o Queijo Serrano
produzido pelos pecuaristas familiares era transportado, agora o transporte é
realizado a partir de automóveis. Outra mudança verificada se refere ao tamanho e
ao período de maturação do queijo. Os antigos queijos, transportados pelos
tropeiros, com sua forma arredondada, passaram à forma retangular, tornando-se
menores e comercializados em períodos muito mais curtos. Se à época do
tropeirismo os queijos possuíam uma maturação de cerca seis meses, na atualidade
são vendidos com cerca de quinze dias de maturação.
Entretanto, apesar de todas as mudanças acima mencionadas, o Queijo
Serrano permanece tendo a função primordial de abastecer a família com aqueles
alimentos que não fazem parte da produção do sítio. Se no passado, Serra Abaixo
era o principal local de comercialização do Queijo Serrano e de realização do
abastecimento familiar, na atualidade é no próprio município, em mercados locais,
que o Queijo Serrano é trocado por mantimentos para o abastecimento familiar.
Conforme depoimento de um comerciante, que possui um pequeno mercado no
centro da cidade de Bom Jesus, “muitas vezes o pessoal deixa o Queijo Serrano e
faz rancho, ou então, pega em dinheiro e vai comprar no comércio aquilo que
precisa para casa”. Ou ainda, como relata o pecuarista familiar João de Souza:
45
Eu acho que hoje o queijo é importante para mim. É o nosso salário, nós dependemos daquele queijo. Eu sempre ouso a dizer: se hoje faltar o café em casa, eu pego dois queijos e de tarde eu estou em casa com o café (...) E uma coisa que sempre vem para pagar, entre o dia quinze e dezoito do mês, é a luz. Sempre vem nessa época. Então eu controlo. Eu vou levar queijo ali pelo dia primeiro, e quando vem o recibo para pagar a luz, eu saio com o recibo para pagar a luz, e os queijos. (...). E faço meu rancho, cada vez que levo o queijo, faço o rancho. Eu não faço um estoque muito grande, mas faço cada quinze dias um rancho.
A produção artesanal do Queijo Serrano tem várias finalidades e esta
atividade está envolvida por toda uma racionalidade administrativa e econômica.
Assim temos que no ciclo produtivo do queijo, a ordenha das vacas de corte tinha
como objetivo principal o manejo do gado. Desta forma, além do manejo dos animais
a partir da ordenha, obtinha-se do gado de corte o leite que seria utilizado em sua
forma natural para consumo humano, bem como, a partir de sua transformação,
consumido posteriormente em forma de manteiga, nata ou queijo.
Além de todos esses alimentos, que fazem parte da produção voltada ao
autoconsumo familiar, cabe ainda notar que entra nesse ciclo produtivo um
subproduto da produção do Queijo Serrano: o soro. O soro, extraído do leite durante
o processo de produção do queijo, vai servir de fonte de alimento na engorda dos
porcos do sítio. Cada família, possuindo em média de um a três porcos, tem nessa
criação uma outra fonte de alimento para autoconsumo e, novamente é o queijo que
aparece como elemento central desse processo, pois é através de uma das etapas
de fabricação do Queijo Serrano que é extraído o soro. Desse modo, conforme a
pecuarista familiar Silvia da Rosa, é “o queijo que vai engordar o porco”. Assim
temos o leite, a nata, a manteiga e o Queijo Serrano, que se somam às carnes
bovina e suína, bem como à banha, à lingüiça, ao torresmo e a todos os demais
produtos obtidos a partir da criação de suínos, destinados à mesa da família do
pecuarista familiar.
Observa-se que a produção artesanal do Queijo Serrano permeia várias
atividades do cotidiano da vida do sítio. É no entorno da produção do Queijo Serrano
que se pode verificar a importância de todo o processo de obtenção dos meios de
subsistência.
Examinando o processo de expropriação do pequeno produtor frente à grande
propriedade canavieira, na Zona da Mata de Pernambuco, Garcia Jr. (1983)
percebeu que a estratégia de reprodução social adotada pelos pequenos produtores
se vinculava à “alternatividade” da produção do roçado e que o dilema presente –
46
vender ou consumir a produção do roçado – dava ao produtor a oportunidade de
“atuar diante das flutuações de preços de mercado de forma a maximizar as
chances de se atender aos requisitos do consumo familiar” (GARCIA JR., 1983, p.
129). Em uma outra perspectiva, ampliando a partir da abordagem explicativa de
Garcia Jr. (1983), podemos sugerir que as diversas alternativas presentes no
sistema de pecuária de corte da região estudada permitem aos pecuaristas
familiares relacionarem-se com o mercado através da produção artesanal de Queijo
Serrano, provendo as necessidades do consumo doméstico. Ainda segundo Garcia
Jr. (1983, p. 134), o que distingue aos cultivos comerciais daqueles voltados ao
consumo familiar,
é que seu resultado é equivalente ao valor de produtos necessariamente consumidos pela unidade familiar (...) Seu valor de uso está no seu valor de troca.
O que deve ser destacado é que, da mesma forma que a produção do roçado
para os pequenos produtores de Pernambuco, a produção do Queijo Serrano para
os pecuaristas familiares de Bom Jesus, faz parte de um sistema que atende as
necessidades do consumo familiar, e nos termos colocados por Garcia Jr. visa
maximizar as oportunidades de atender este consumo familiar.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos, ao longo deste trabalho, que a produção artesanal de Queijo Serrano,
desde há muito tempo faz parte do cotidiano do sítio e da vida dos pecuaristas
familiares de Bom Jesus. Uma tradição secular, passada de geração a geração.
Mais do que um simples produto com características próprias da região, o Queijo
Serrano é o produto de uma cultura e de uma história.
Como pudemos verificar, esses pecuaristas são detentores de um saber-fazer
que, ao longo do tempo, permitiu-lhes desenvolver, a partir da atividade da pecuária
de corte, uma minuciosa rede de atividades que visa a atender as necessidades de
suas famílias. E no cerne de todas essas atividades estava e está a produção
artesanal do Queijo Serrano. Por isso é que na fala desses pecuaristas vamos
descobrir que é o queijo que “faz o rancho”, é o queijo “que engorda o porco”, é com
o queijo que a mãe de família compra os seus “mimos”. O Queijo Serrano foi, na era
do tropeirismo, e continua sendo, nos dias de hoje, o produto que assegura o
abastecimento doméstico.
Assim, podemos afirmar que as formas de obtenção dos meios de
subsistência de um grupo não podem ser analisadas separadamente das questões
culturais. Cada grupo possui uma prática e um modo de viver e, dessa forma, as
decisões relativas à produção do Queijo Serrano, que muitas vezes parecem ser
apenas questões puramente técnicas, produtivas, econômicas ou administrativas, na
verdade são condicionadas pelo conjunto das relações culturais.
Mas a cultura não é imutável e a história não é inerte. Assim é que o queijo
que era redondo virou retangular, a mula foi substituída pelo automóvel e o tropeiro
pelo motorista, da mesma forma que Serra Abaixo deu lugar à cidade de Bom Jesus
como local em que se realiza o abastecimento familiar. É, assim, importante
48
entender que as práticas e os saberes não foram abandonados, mas que, contudo,
“as mudanças parecem constituir mais adaptações à modernidade do que alterações
radicais” (WOORTMANN, 2006 p. 120). As inovações tecnológicas e as mudanças
são inevitáveis, mas as práticas, os saberes e a tradição fazem parte de um sistema
de valores que estão em constante movimento e são, a cada momento,
remodelados e adaptados às novas condições, já que “cada cultura é o fruto de
contaminações, cada tradição é filha da história – e a história nunca é imóvel”
(FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 868).
É então, importante termos em conta que “a tradição... não é o passado que
sobrevive no presente, mas o passado que, no presente, constrói as possibilidades
do futuro” (WOORTMANN, 1990, p.17). Imputar valores a grupos sociais que não
sejam os seus significa desdenhar e ignorar valores culturais e heranças históricas,
o que pode – e não poucas vezes já o fez – gerar graves problemas. No meio rural,
mais do que produzir alimentos, produz-se gente e cultura, dimensão que merece
estudos e exige respeito.
49
REFERÊNCIAS
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50
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ANEXOS
Anexo 1: Mapa de localização da região dos Campos de Cima da Serra
Fonte: Secretaria Municipal de Turismo de Bom Jesus
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