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PRÁXIS TRANSDISCIPLINAR. MÉTODOS INTERATIVOS:
REPRODUÇÃO OU INOVAÇÃO?
Helena Corrêa Vasconcelos (UFRRJ)
Ana Cristina Souza dos Santos (UFRRJ)
Akiko Santos (UFRRJ)
Resumo:
Esse artigo traz uma reflexão sobre os conceitos e lógicas que fundamentam as
práticas educativas. Os métodos interativos considerados os mais adequados
para a religação de saberes nos termos da teoria da Complexidade e
Transdisciplinaridade, na prática, os conceitos nem sempre são devidamente
compreendidos e aplicados. Nesse sentido, na história da educação há vários
exemplos de reducionismo em se tratando de pedagogias alternativas surgidas
em diferentes momentos históricos. O mesmo fenômeno repete-se com a
emergência da teoria da Complexidade e Transdisciplinaridade. Quando uma
teoria cai no domínio público, assim como alerta Morin, duas práticas
radicalmente opostas podem ocorrer: ou ela sofre o fenômeno da “retroação”, ou
o da “recursividade”. Nas tentativas de aplicação pedagógica dos ideários dessa
nova teoria observam-se práticas desenvolvidas segundo os conceitos
modernistas. Morin caracteriza tal fenômeno como “retroação”. Utiliza-se a
lógica clássica de separação da teoria e método e os concebe em distintos
compartimentos, conferindo ao método a conotação de “neutralidade”,
operacionalizado com senso comum, o que leva à reprodução do sistema
vigente. Não demonstra preocupações com a mudança epistemológica, apenas
adapta o novo aos velhos conceitos da pedagogia tradicional tecnicista. No outro
polo, observam-se práticas que mobilizam os novos conceitos como recursos
para o diálogo (“recursividade”) redimensionando o sistema conceitual e
cognitivo, com base na lógica do terceiro termo incluído (lógica da
transdisciplinaridade). Por se tratar de uma teoria em construção, entre as duas
acima referidas emerge uma variedade de construções aproximando-se mais, ou
menos, de um, ou outro polo. Tais construções dependem do perfil
epistemológico dos docentes que ousam enfrentar a prática pedagógica da teoria
da transdisciplinaridade.
Palavras-chave: Transdisciplinaridade; Métodos Interativos; Reducionismo.
Introdução
O presente texto traz uma reflexão sobre alguns conceitos e lógicas que
fundamentam a práxis educativa dita transdisciplinar. Tais conceitos, por certo, mantêm
estreita articulação com categorias mais amplas, tais como: mundo, ambiente,
sociedade, pedagogia, didática. São relações que afirmam vínculos de recursividades
e/ou retroação, manutenção e/ou rupturas em relação ao modus operandi na vida em
geral e na vida educacional, em particular.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 103820
O texto está organizado em três tópicos. O primeiro deles discute a relação de
pertencimento e determinação entre teorias e metodologias, permitindo uma abertura
para se pensar os fundamentos da argumentação em foco. O segundo tópico explicita o
fenômeno do reducionismo, visando mostrar o movimento que se efetua entre
pensamento e ação. Finalmente, o terceiro tópico apresenta um resumo de duas
maneiras teóricas de conceber o Ser Humano, Conhecimento e Aprendizagem,
categorias fundamentais na prática pedagógica.
Trata-se, pois de uma reflexão suscitada pela questão dos paradigmas, nos
termos em que Morin (1997) os concebe, vale dizer como estruturas de pensamento que
de modo inconsciente comandam nosso discurso. Para o mesmo autor, o paradigma
efetua a seleção e a determinação da conceitualização e das operações lógicas. Designa
as categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu emprego.
Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo os paradigmas inscritos
culturalmente neles (Morin, 2000).
Relação Entre Teoria & Método
A relação de pertencimento, determinação ou remissão recíproca entre teoria e
método é um tema recorrente na área do magistério. Existem vários exemplos na
história da educação de como uma nova teoria, na prática, sofre o fenômeno do
reducionismo. Reducionismo consiste no procedimento intencional ou não, através do
qual é efetuada uma simplificação excessiva de uma formulação teórica que se tome
como objeto de estudo, de onde pode resultar uma versão compacta, reduzida,
simplificada, distorcida, deformada.
Assim ocorreu, por exemplo, com a Pedagogia de Paulo Freire que se praticou
simplesmente como o Método Paulo Freire, omitindo a teoria que a fundamentava e
substituída pelos conceitos modernistas cartesianos. Este fenômeno repete-se, em
educação, cada vez que surge uma nova teoria pedagógica alternativa à tradicional – que
teima em se manter hegemônica no contexto da escola brasileira, com a mediação dos
educadores desavisados.
O reducionismo também vai marcar os ideários da Escola Nova no Brasil. Seu
impacto é ainda maior no período pós-64 com a imposição do tecnicismo na educação e
sua forma didática através de “instruções programadas”. O cerco parecia completo em
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matéria de dominação ideológica por meio de valores, conceitos, currículos escolares,
modus operandi, literaturas permitidas/proibidas, uso das técnicas e tecnologias.
Tais circunstâncias históricas lembram muito o que escreveu Marcuse sobre O
homem unidimensional (1964). No entanto, Habermas (1988) promove uma abertura
com sua ação comunicativa, sustentando a ideia de que a validade das técnicas e o seu
bom uso depende das normas sociais, as quais, por sua vez, se fundamentam na
intersubjetividade. A dialética habermasiana entre o sistema e o mundo da vida, alarga o
conceito de razão para além da razão instrumental e nos permite pensar na possibilidade
de dar outra direção no modus operandi estabelecido.
A concepção do agir comunicativo amplia a atividade do homem para além do
mundo econômico racional e justamente vem recuperar a característica autônoma dos
seres humanos, a sua capacidade de recriar em situações adversas. Trata-se de uma
conceituação que supera a visão unilateral do ser dominado pelo meio e fala de um ser
que interage com o mundo exterior mantendo a sua autonomia. A proposta
habermasiana sugere também uma orientação metodológica no sentido de interação
humana e no seu sentido político emancipatório.
As prescrições didáticas recomendadas nos manuais, geralmente, são
elaborações abstratas mesmo porque seguem a ideologia em voga, isto é, a ideologia
embutida na metodologia e nas técnicas didáticas. Em relação ao que nós chamamos de
métodos interativos também estão orientados por suas respectivas teorias. São os
métodos que objetivam aprendizagens por meio de interlocuções entre os participantes
dialogando com os diversos saberes e construindo significados humanos para o
conhecimento. Os métodos e as técnicas estão articulados à nossa maneira de ver
(Finkielkraut, 1996). Métodos e técnicas não são neutros, eles são o modus operandi de
uma visão teórica, tendo um sentido relacional, de conexões que o usuário estabelece –
consciente ou inconscientemente, nas suas construções.
Não querendo isto dizer que, já que a ideologia está inscrita nos métodos e nas
técnicas, estes devem ser simplesmente rejeitados. Os métodos precisam ser
reinventados ou rejeitados em função dos objetivos que se quer alcançar. Reinventados
para que permitam a manifestação livre do pensamento e a reelaboração a partir da
integração de novos saberes, em lugar de limitarem o pensamento e o comportamento,
previstos e incorporados na metodologia e técnicas didáticas. O gerenciamento dos
métodos e das técnicas apenas, leva à reprodução de um sistema ideológico, estando a
seu serviço. Se alguma alteração precisar ser feita, essa mudança deverá incidir
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principalmente na visão ideológica de mundo que as preside para ajustar a sua
materialização nas técnicas.
Os métodos, as técnicas e as prescrições didáticas - por estarem escritos de modo
racional e abstrato - geralmente são vistos pelos desavisados como neutros. A
neutralidade da técnica didática não é consistente se se pensar que método e técnica só
têm sentido no seu uso e que sempre são usados por alguém e não existe ninguém
destituído de finalidades supostamente próprias, mas que são ideologicamente
revestidas. Mesmo aquele que diz não tê-las, de fato, reproduz um senso comum que,
afinal, representa a condução política de um determinado grupo na sociedade. Assim,
um sistema técnico é um conjunto de estratégias operacionais, mobilizado para
realizar um fim desejado. Isto inclui tanto o pensamento e o imaginário como ações
sociais voltadas para o efeito definido (Brüseke, 1998: 35).
As teorias e os seus conceitos correlatos norteiam e orientam as práticas
pedagógicas. No entanto, é necessário atentar para o fato de que entre teoria e prática há
o mundo da vida, a condição humana e sua sobrevivência no sistema constituído. Essas
dimensões da vida fazem com que uma prática como a educativa nem sempre
corresponda, integralmente, à teoria que a constituiu, exigindo que se faça uma
transposição didática.
Devido à força que a lógica clássica ainda exerce de separar, simplificar e
reduzir quando um fenômeno é complexo (DESCARTES, 1973), persiste a dicotomia
entre teoria e método, sendo frequente aplicar-se o método com o senso comum, como
se fosse algo independente, neutro, um saber simplesmente técnico. A dicotomia entre
teoria e método leva a esse comportamento. Faz-se mudança metodológica e não
epistemológica.
Métodos de ensino são sistematizações construídas a partir dos ideários tecidos a
cada momento histórico da sociedade, dando sustentação e fundamentação conceitual à
educação no que se refere ao ser humano, à sociedade, à aprendizagem e ao próprio
conhecimento. Importante assinalar que no processo de construção do conhecimento o
ponto de partida poderá ser, prioritariamente, ou as partes ou o todo; ou seja, pode-se
assumir o todo e as partes como antagônicas, ou complementares e neste caso estará no
território epistemológico da complexidade, nos termos advogados pela obra de Morin
(1997, 2000).
Quando surge uma nova teoria, o ato de acomodar o novo à velha estrutura
fabrica a dicotomia teoria e método, que é um recurso fundamentado nas orientações
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banhadas na ideologia cartesiana - que está na raiz do Método Científico requerendo
dividir, simplificar, classificar e descontextualizar. É preciso ter clareza de que os
conceitos modernistas condicionam o nosso modo de pensar e deles somos reféns e
comandam nossas atitudes e tomadas de decisões, a despeito de nossa vontade de
romper com eles.
O Fenômeno do Reducionismo
Quando se pensa num processo educativo na perspectiva da Complexidade e
Transdisciplinaridade, voltar à história da educação é de grande valia, pois fornece
elementos para saber como os educadores que pioneiramente comungaram dessa
perspectiva teórico-metodológica, conseguiram romper com a ideologia cartesiana
hegemônica e passaram a adotar uma linha de trabalho didático na perspectiva
globalizante e renovadora, indicando modalidades metodológicas possíveis de resgatar e
recontextualizar segundo as necessidades do momento histórico contemporâneo.
Muitas são as possibilidades metodológicas para tratar o conhecimento como
uma rede. Citamos, por exemplo, os Métodos Globalizados [Método Decroly (Centros
de Interesse), Método Freinet, Método de Projetos, Método de Solução de Problemas]
(LIBÂNEO, 1991) construídos pelos seguidores da Escola Nova, um ramo da
Pedagogia Renovada que se consolidou no Brasil pelas atuações de Anísio Teixeira
(1900-1971), inspirado no ideário liberal de John Dewey (1859-1952); Método Paulo
Freire concebido para alfabetização de adultos, segundo a filosofia humanista deste
autor; Temas Transversais estruturados por César Coll dentro da concepção
construtivista e incluídos nos Parâmetro Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998);
Método dos Complexos de Blonsky, Pinkevich e Krupskaia com o referencial marxista
(GADOTTI, 1997).
No entanto, como diz Morin acerca da ecologia da ação, quando se difunde uma
teoria, ela será interpretada e praticada segundo o perfil intelectual dos educadores que a
tomam:
A partir do momento em que lançamos uma ação no mundo, essa vai deixar de
obedecer às nossas intenções, vai entrar num jogo de ações e interações do meio
social no qual acontece, e seguir direções muitas vezes contrárias daquela que era
nossa intenção (MORIN, 1997: p. 23).
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Quando a teoria cai no domínio público, duas práticas radicalmente distintas
podem ocorrer. Segundo Morin: ou ela sofre o fenômeno da “retroação”, ou o da
“recursividade”. Se tomarmos como exemplo a noção de “ensino integrado” (BRASIL,
Decreto-Lei 5154/2004), o fenômeno da “retroação” implicará na apropriação da
denominação da nova teoria, mas sua prática será desenvolvida dentro dos conceitos da
pedagogia tradicional, numa dicotomia teoria/método o que se verá acontecer será a
justaposição de conteúdos. Assim, o método toma a conotação “neutra” e é
operacionalizado com senso comum, reproduzindo o sistema vigente. A “recursividade”
consiste na prática reconstruída dialogando com os novos conceitos, avançando e
transformando o velho, evoluindo para novas estruturas cognitivas de explicação da
realidade. Por esse fenômeno, a noção de “ensino integrado” permearia a articulação
entre os diferentes conhecimentos.
Ao articular os conhecimentos escolares de modo integrado ao contexto, a vida,
aos fatos sociais e políticos, trabalhando os diversos conhecimentos disciplinares
integradamente, tal comportamento segue outra lógica, a Lógica do Terceiro Termo
Incluído, sistematizada por Nicolescu (1999). Como também requer ressignificação dos
conceitos de Ser Humano, Aprendizagem e Conhecimento.
Ao longo da nossa experiência de ensino transdisciplinar, temos observado os
dois tipos de práticas. Há aqueles que conseguem fazer uma prática que articula os
conceitos da teoria da Complexidade e Transdisciplinaridade, relacionando a teoria ao
método. Mas, há também, aqueles que organizam o projeto de trabalho considerando
somente as prescrições técnicas e se orientam por velhos conceitos da pedagogia
tradicional e tecnicista.
Entre uma e outra prática, nota-se uma variedade de construções. Nesse sentido,
Américo Sommerman (2006) tem se debruçado para a caracterização desses
comportamentos, classificando os que se aproximam mais da multidisciplinaridade, ou a
interdisciplinaridade propriamente dita, ou a interdisciplinaridade forte que se aproxima
da transdisciplinaridade e a transdisciplinaridade que também demonstra diferentes
graus.
Como diz Morin, os resultados são imprevisíveis, dependem dos perfis
epistemológicos dos docentes. No diálogo com os diferentes, os obstáculos são os
nossos próprios olhares condicionados pela cultura na qual nos criamos e sob a qual
vivemos. As atividades transdisciplinares desvelam nossa dificuldade em lidar com o
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diverso. Somos reféns de atitudes e conceitos modernistas traçando fronteiras, realçando
as diferenças e não as convergências.
Enfrentamos obstáculos internos e externos: as nossas próprias atitudes e
pensamento e a estrutura social consolidada. A dificuldade se deve à mudança
epistemológica: são duas lógicas e dois sistemas de pensamento e ação.
A nossa experiência tem nos mostrado que quando colocamos demasiada ênfase
nas possibilidades metodológicas, dando uma ideia mais acabada dos possíveis métodos
na aplicação do ensino transdisciplinar, no retorno das atividades elaboradas pelos
alunos, observa-se descuido na relação teoria/método. Isto é, aplica-se um ou outro
método interativo, porém, com o conceitual da pedagogia tradicional/tecnicista,
dicotomizando o binário teoria/método, simplificando, justapondo e não articulando os
saberes.
Devido a esse fato, para minimizar o fenômeno do reducionismo, trabalhar a
sensibilização inicial é fundamental. Trazer à consciência o que está inconsciente. Para
tanto, trabalhar com linguagem metafórica é mais eficiente para que cada um veja em si
próprio o condicionamento cultural sofrido durante seu crescimento. Discutir, por
exemplo, a leitura do livro de Leonardo Boff, A águia e a galinha para iniciar o
esclarecimento sobre o Ser Humano, desvelando a condição humana.
O uso das metáforas e analogias, ao mesmo tempo em que predispõe o espírito
para a abertura mental e percepção da possibilidade de uma educação de qualidade,
evita, no adiantar do curso, a emergência do sentimento, demasiadamente forte, de
angústia devido à amplitude de conhecimento exigido pela teoria e conflitos internos
pela incompatibilidade com os conceitos internalizados da ciência moderna. Ao
despertar a utopia ameniza a angústia, ficando o sentimento de ansiedade, o que leva à
busca de novas articulações.
Para fazer a transição, podem-se investigar os recursos didáticos que caberiam
para introduzir os conceitos de Ser Humano, Conhecimento e Aprendizagem. A seguir,
apresenta-se o contraste conceitual entre o sistema disciplinar e o transdisciplinar,
indicando duas lógicas e dois sistemas de pensamento que apesar de opostos são
complementares, sobretudo se for incluída a consideração do contexto histórico:
Ser Humano
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Enquanto a óptica disciplinar afirma a noção de “Homo sapiens/sapiens”,
concebendo o Homem como um ser racional que, deve ser considerado somente a
dimensão racional, não valorizando a dimensão emocional, inclusive a subjetividade, os
sentimentos, a sensibilidade, a intuição, a percepção e o espiritual.
Já na óptica transdisciplinar concebe-se o ser humano como Homo Complexus
pressupondo inclusive a noção de “Homo sapiens/demens/ludens/saccer”. Nessa
perspectiva o Homem é um ser paradoxal, articula os contrários, inclusive o uno e
múltiplo, sendo um sistema auto-eco-organizador. Um sistema autopoiético [que se
auto-constrói, se auto-levanta e se auto-organiza, tal como um ser crísico (de crise)].
Sua atuação é resultado da dimensão racional, emocional e espiritual, pois articula todas
as dimensões do homem – enquanto ser integral. O sujeito está lá e cá, no prosaico e no
poético, no racional e no passional. Um ser que se auto-organiza conforme o ambiente
com o qual interage. É ainda essa perspectiva que articula os opostos: bem/mal,
ordem/desordem, racional/irracional, certeza/incerteza, autônomo/dependente, em favor
de algo novo, criativo. Assim, constrói-se conhecimento dialogando com a diversidade
de influências experimentadas; não perdendo a sua integridade (UNO) apesar da
diversidade de referenciais (MÚLTIPLO).
Conhecimento
Segundo a práxis disciplinar o conhecimento é neutro e objetivo. O
conhecimento está fora do sujeito. Aqui existe uma dicotomia entre sujeito/objeto,
ser/saber. A fragmentação do conhecimento é que possibilita aprofundar o
conhecimento. No processo de produção do conhecimento o pesquisador constitui um
mero instrumento do método científico e nisso perde-se o sentido humano da produção.
Conhecimento é dividido, reduzido, classificado, hierarquizado e descontextualizado,
com grande ênfase no método científico, predominando a lógica cartesiana clássica,
mesmo que tenha havido atualizações históricas entre os cientistas, sobretudo a partir do
século passado. O conhecimento produzido cientificamente é entendido como verdade
absoluta, universal. Na lógica de fragmentação dos conhecimentos impera um sistema
de hierarquização onde existiriam as ciências nobres e as que não são nobres, com
valorização da hierarquia cognitiva. Predomina aqui a lógica linear, mecânico, usando
metáforas de naturalização, a exemplo da representação do conhecimento como uma
árvore, onde cada ciência constitui um ramo distinto que se mantêm incomunicáveis
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entre si. As linguagens e referências bibliográficas próprias de cada área de
conhecimento constituem fronteiras epistemológicas, ou obstáculo a possíveis
articulações e acabam construindo subculturas. Neste território considera-se apenas um
nível de realidade epistemológica: o da disciplinaridade com estrutura fechada.
Contrapondo-se a essa práxis, o pensar e o agir transdisciplinar afirmam que o
conhecimento não é neutro, antes, é objetivo e subjetivo ao mesmo tempo. O
conhecimento não está fora do sujeito, pois faz parte do sujeito. Daí lidar-se com
práticas de religação de saberes. Aqui existe uma busca incessante do sentido humano
do conhecimento. O conhecimento é construído tal como na metáfora da rede – que
interconecta os saberes acumulados pela humanidade em suas conexões. Contextualiza
os fenômenos sociais e naturais. Neste território o método transdisciplinar, enriquecida
pela lógica do Terceiro Termo Incluído, possibilita novos avanços de conhecimentos. A
“verdade” é dinâmica e provisória, sendo marcada como construção histórica. Nessa
perspectiva prima-se pela democracia cognitiva, onde todos os saberes são igualmente
importantes, não tendo porque manter hierarquias entre os saberes que, aliás, são
dinâmicos. Aqui é importante considerar a representação rizomática (raiz
interconectada, p.ex. das bananeiras) do conhecimento na qual tudo está interconectado,
transgredindo as fronteiras epistemológicas das disciplinas. Ainda nesta óptica o
diálogo entre os especialistas é valorizado, produtivo, pois supera a linguagem
especializada e unifocal (p.ex. economês). Mais que isso, considera-se aqui a existência
de vários níveis de Realidade, na qual os níveis da disciplinaridade e
transdisciplinaridade são complementares, mantendo-se uma estrutura aberta, em
permanente processo evolutivo.
Aprendizagem
O conceito em foco ganha todo um contorno próprio quando mediado pela
lógica disciplinar. Neste território aprender é memorizar. Acredita-se, aqui, que o
conhecimento está fora do sujeito, a maneira de se apropriar do conhecimento consiste
na memorização, nos exercícios de fixação, na repetição e nas cópias, num apelo
reiterado a memorização/repetição de conteúdos. A percepção é um fenômeno que
possui somente uma via que segue a trajetória de fora para dentro, reiterando a ideia de
transmissor/receptor. A aprendizagem faz-se aqui reiterando a dicotomia entre
sujeito/objeto, ser/saber.
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A aprendizagem, no contexto conceitual da lógica transdisciplinar, também
preserva determinados contornos ideológicos alinhados entre si que convergem para um
apreender que é dialógico, aprender é um ato autopoiético (Maturana e Varela, 1995).
Pois o conhecimento é parte do sujeito. Nesta perspectiva todo conhecimento é
reconstrução do conhecimento feita por um sujeito. Aprendizagem passa pela memória,
mas a esta não se restringe, mas a ultrapassa. Para aprender, o conhecimento precisa
fazer sentido ao aprendente. A percepção tem duas vias simultâneas e reversíveis: de
fora para dentro e de dentro para fora, isto é, reconhece a atividade mental que negocia
com as informações organizando e reorganizando o seu entendimento e as práticas. Não
faz qualquer dicotomia entre sujeito/objeto, ser/saber.
Não há como deixar de assinalar, a partir da leitura desta visão comparativa que
contempla os três conceitos focais de nosso interesse, que o fenômeno do reducionismo
parece evidenciado a partir de qualquer paradigma que se considere, pois o
reducionismo cumpre um papel nem sempre desvelado.
Considerações Finais
Na educação, as relações presentes na construção de conhecimentos foram sendo
esclarecidas progressivamente desde a nossa condição humana moderna: de
monodisciplinaridade à multidisciplinaridade, passamos posteriormente à prática da
pluridisciplinaridade, depois à da interdisciplinaridade e agora, a transdisciplinaridade.
Muitos foram os estudiosos que se debruçaram para o esclarecimento de como o
conhecimento foi sendo construído pela humanidade, bem como de como o
conhecimento pode ser produzido. Ao organizar a sociedade segundo tais
conhecimentos, os homens podem se tornar reféns do condicionamento sofrido,
raciocinando somente dentro das fronteiras traçadas, legitimadas e hegemônicas. Esse
fato explica o fenômeno do reducionismo que pode afetar as teorias pedagógicas
alternativas.
Ao escolher um método, certamente estamos fazendo, simultânea opção por uma
teoria filosófica. Método e teoria estão conectados. Ao separar o binário privilegia-se as
prescrições tecnicistas e muitas vezes alguns programas oficiais simplificam de tal
maneira que foge do âmbito de educação e se transformam em pseudo-educação. É o
caso de alguns programas que pretendem dar um ofício à população menos favorecida
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com o mínimo, ou nada, de teoria. São os práticos que se preocupam somente em como
fazer, desprovido da reflexão sobre o porquê fazer?
Os métodos interativos são a expressão visível da visão paradigmática defendida
por Morin, Nicolescu e tantos outros. Contudo, entre a concepção que explicita uma
visão de mundo e a transposição desta para metodologia, no sentido de tornar prática a
teoria, muitas interferências podem ocorrer oriundas do contexto, das relações entre os
homens (consigo mesmos, entre si e com a natureza) ou de outros fatores. O
reducionismo, de que tratamos nestas incursões textuais são apenas exemplos desse tipo
de interferência, e deve funcionar como alerta sobre o que e com que finalidade se adota
esta ou aquela prática.
Tais aspectos devem alertar a nós educadores de que a escolha e adoção de
determinadas estratégias de ensino é ação não-inocente, e por isso, temos que dispor de
uma formação – inicial e continuada, que contemple uma fundamentação consistente
acerca dos paradigmas básicos que se encontram atualmente em discussão, circulando
nos processos formativos, com a clareza de que a despeito de nosso querer estamos
sempre a serviço de um determinado projeto pedagógico, de um determinado projeto de
sociedade.
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