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Teresa Serafimuando um cometa via-
ja pelo nosso sistema
solar, está condena-do a interagir com a
radiação emitida peloSol, com o vento so-lar e o campo magné-tico da nossa estrela.Desses "encontros"resulta uma caudacometária, uma at-
mosfera visível e, por vezes, raiosX na face do cometa voltada para oSol. Estes raios X têm intrigado oscientistas. Agora, pela primeira vez,uma equipa internacional de investi-
gadores - que contou com dois por-tugueses - simulou em laboratórioessa emissão de raios X em cometase desmontou esse mecanismo. A via-
gem de um cometa no laboratório foi
divulgada na revista científica Nature
Physics."Antes de a Terra se ter formado, já
havia cometas, os quais, durante to-das as eras subsequentes, continua-ram a embelezar os nossos céus. Massó muito recentemente, se tivermosem conta os milhões de anos decorri-dos, passou a haver espectadores ca-
pazes de se maravilharem com a suabeleza e só há dez mil anos começoua haver o cuidado de elaborar regis-tos duradouros dos pensamentos edas reacções que desencadearam",escreveram o astrónomo Cari Sagane a produtora Ann Druyan no livroCometa, publicado originalmente em1985 (Gradiva, 2014).
Esses espectadores começaram atentar entender o rasto de poeira e
gás que observavam no céu. Surgi-ram especulações, mitos e explica-ções científicas. Ainda hoje os co-metas nos fascinam. Por exemplo,há pouco tempo seguimos o cometa67P/Churiumov-Gerasimenko, com amissão Roseta (da Agência EspacialEuropeia) a aterrar num destes cor-
pos, um feito até aí inédito. Tambémse tem tentado descobrir por que ra-zão os cometas emitem raios X.
"Os cometas são objectos astro-nómicos tipicamente muito frios nosistema solar, dos mais frios que se
conhecem. E, em geral, a emissãode raios X em objectos está sempreassociada a objectos muito quentes.
Portanto, há esse mistério de comoé possível que objectos tão friosemitam raios X", conta ao PÚBLI-CO Fábio Cruz, físico e estudante dedoutoramento no Grupo de Laserse Plasmas do Instituto de Plasmase Fusão Nuclear do Instituto Supe-rior Técnico (IST), em Lisboa, e umdos autores do trabalho, juntamentecom Luís Oliveira e Silva, professorno mesmo instituto.
Esta emissão de raios X por come-tas já tinha sido detectada em obser-
vações astronómicas. Em 1996, porexemplo, um artigo na revista cien-tífica Science descrevia raios X emi-tidos pelo cometa C/Hyakutake 1996B 2observados pelo satélite Rossi X-
ray Timing Explorer (da NASA) e pelotelescópio Rosat (uma colaboraçãoentre a Alemanha, os EUA e o ReinoUnido). Na publicação Cometsll daUniversidade do Arizona (EUA), trêsdos autores do artigo da Science tam-bém assinaram outro artigo onde se
lê: "A descoberta original [em 1996]e a posterior detecção de raios Xnoutros 17 cometas mostraram quea emissão muito suave ocorre devi-do a uma interacção entre o ventosolar e a atmosfera dos cometas, e
que a emissão de raios X é uma pro-priedade fundamental dos cometas."
Portanto, a emissão de raios X peloscometas é gerada pela interacção dovento solar com a atmosfera cometá-
ria, formando-se um choque em arcona sua face virado para o Sol.
Foi esse fenómeno que os cientis-tas reproduziram agora em laborató-rio, pela primeira vez. "No espaço,estamos a falar de objectos que po-dem ter algumas dezenas ou cente-nas de quilómetros de comprimento.No laboratório, falamos de distâncias
na ordem dos centímetros. É possívelreproduzirmos a mesma interacçãoporque sabemos que os sistemas se
comportam da mesma forma", ex-plica Fábio Cruz.
Plástico, lasers e esferasVamos então à experiência. A viagemde um cometa pelo nosso sistema so-lar foi reproduzida no Laboratóriopara a Utilização de Lasers Intensos,na Escola Politécnica da Universida-de de Paris VI (França). Lá começoupor se fazer incidir feixes de laser ul-tra-intensos num alvo de plástico. De-
pois, esse alvo (que expeliu electrõese iões) criou um gás ionizado de altavelocidade - o plasma. Esse plasmaera como se fosse o vento solar.
"O plasma não é mais do que umgás extremamente energético", re-fere Fábio Cruz, de 25 anos. Consi-derado o quarto estado da matéria,o plasma pode ser quente ou frio."Neste caso, estamos a falar de umgás criado em laboratório - da inte-racção do laser com o plástico - queviaja a 70 quilómetros por segundo.É algo muito rápido, mais rápido do
que tipicamente no nosso sistemasolar, e que reproduz as mesmascondições."
Continuando a experiência: a se-
guir, o plasma (ou vento solar) intera-
giu com pequenas esferas metálicas- uma estava magnetizada e a outranão -, que foram colocadas a cercade um centímetro de distância doalvo de plástico, como se as esferasfossem cometas.
Qual o resultado da viagem emlaboratório? "Verificámos que atra-vés da interacção do plasma com o
objecto que se pretendia que fosse
o cometa foram emitidos raios X",resume Fábio Cruz. "Em particular,foram emitidos raios X quando a
pequena esfera era magnetizadaMais concretamente, detectaram-se electrões aquecidos até cerca de
um milhão de graus Celsius devidoa essa interacção. "Estes elec-trões quentes são responsá-veis pela emissão de raiosX observada apenas na
presença de um campomagnético", lê-se numcomunicado do IST so-
bre o trabalho."Pela primeira vez
foi possível gerar em laboratório raiosX neste tipo de objectos. Veio confir-mar as observações [astronómicas]num ambiente controlado e produzi-
do aqui na Terra", explica Fábio
Cruz, dizendo que nunca tinhasido feito em laboratório por-que, por exemplo, só há poucos
anos se desenvolveram lasers
suficientemente intensos
para se produzirem estes
plasmas neste ambiente."Estes resultados são im-
portantes, pois são uma
prova directa de que os
objectos que viajam em
plasmas magnetizados podem gerarregiões onde os electrões são forte-mente aquecidos", lê-se no comuni-cado, acrescentando-se que tal podeacontecer não só em cometas comotambém em magnetosferas planetá-rias, como a da Terra.
Um estudo publicado em 2017na revista Geophysical Research Let-ters também mencionava observa-
ções de ondas de plasmas precisa-mente no cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko consistentes com as
que vieram depois a ser encontradasna experiência relatada na NaturePhysics, destaca Fábio Cruz.
E qual foi a parte dos cientistasportugueses neste trabalho? Fo-ram responsáveis pelas simulaçõesnuméricas em computador e pelasinterpretações teóricas dessas si-
mulações. Houve duas fases: antesda experiência, fizeram simulaçõespara a conceber; depois da experi-ência, verificaram se havia partículasaceleradas. "Ajudámos a confirmarque os raios X vêm das partículas",frisa Fábio Cruz. "Através de simu-
lações computacionais de grandeescala, foi possível demonstrar queo aquecimento dos electrões obser-vado nas experiências se deve à sua
interacção ressonante com ondas de
plasma geradas no choque em arcodesenvolvido na colisão", lê-se no co-municado. Essas simulações foramfeitas no pequeno supercomputadorIST Cluster (em Portugal) e no gran-de supercomputador Maré Nostrum(em Barcelona).
Colonizar a Lua e MarteEste trabalho ajuda-nos assim a per-ceber melhor o que acontece neste
fenómeno astronómico. Além disso,Fábio Cruz refere que compreenderestes fenómenos pode ser um contri-buto para a exploração espacial, no-meadamente para nos protegermosda radiação no espaço. E dá o exem-plo da sua tese de mestrado, em queteve de perceber como o plasma in-
teragia com as minimagnetosferas à
superfície de Lua. Muito mais peque-nas do que a magnetosfera terrestre,nestas minimagnetosferas o vento so-
lar forma uma bolha protectora quenão permite que esse mesmo ventochegue até à superfície do satélitenatural da Terra. Ora nessas regiõesestaremos protegidos na Lua.
"Sabemos que a Lua não tem umaatmosfera e que na sua superfície es-
tamos sujeitos à radiação emitida pe-lo Sol", salienta. Em Marte tambémhá minimagnetosferas. "No futuro, se
quisermos colonizar a Lua ou Mar-te, vamos querer estar nessas regi-ões, onde podemos estar protegidosda radiação emitida pelo Sol e pelovento solar. Portanto, vamos quererconstruir as estações de exploraçãodentro dessas regiões para estarmosa salvo." Com este tipo de trabalho
consegue-se então determinar a ex-tensão dessas regiões.
Nos anos 1980, quando foi publi-cado o livro Cometa, Cari Sagan e
Ann Druyan ainda sonhavam maisalto (e mais próximo dos cometas):"Haverá missões mais elaboradas em
direcção a uma larga variedade de
cometas, até grandes distâncias doSol. Um dia- provavelmente no pró-ximo século [XXI] - estas naves leva-rão tripulações humanas. Viveremosnos cometas e, com ajuda de motoresde foguetões e das leis de Newton,pilotaremos os cometas."