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Viagem ao mundo do
azeiteo melhor amigodo fiel amigo
Beira Baixa
Não há mesa de Natal que dispenseo que os árabes chamavam az-zait.Na Rota do Azeite da Beira Baixadesvenda-se por que lhe chamam"ouro líquido". Victor Ferreira• O bacalhau e o azeite são como a
família, indispensáveis no Natal. E se
o primeiro é o "fiel amigo" dos por-tugueses, o segundo ainda é umacaixinha de surpresas. A maioria vê-ocomo um alimento. Ou como umtempero, o que é ainda mais redutor.A maioria desconhece a história e as
propriedades do azeite, não sabe porque uma garrafa custa dois euros e
outra custa 15, acha que tudo se resu-me ao grau de acidez, e que o virgemextra é sempre a melhor opção. Mastal como a história dos usos do azeite,a realidade é tudo menos linear. Ebasta aproveitar uma das rotas turís-ticas do azeite que têm sido promo-vidas em Portugal para o compro-var.
Se esta é a época em que o "fielamigo" bacalhau volta a encontrar oseu melhor amigo, o azeite, esta tam-bém é a época da apanha da azeitona,
que vai de Outubro a Fevereiro. E,por isso, será a melhor altura paravisitar um olival, ver como se faz, irperguntar a quem sabe, provar com
quem explica, dissipar as dúvidascom quem produz.
Alguémjábaptizou esta actividadecom um nome: olivoturismo. Troca-do por miúdos, resume-se a isto:
pegue na família, nos amigos e meta-se a caminho, porque viajar é gastardinheiro e ficar mais rico.
A vida numa"quinta-modelo"Por exemplo, o que se aprende naRota do Azeite da Beira Baixa - que éuma das seis regiões que em Portu-gal produzem e vendem azeite com
denominação de origem protegida(DOP) - não tem preço. Durante um,dois ou três dias (é à escolha do fre-
guês), pode-se assistir à trilogia com-
pleta (oliveira-azeitona-azeite), num
percurso que terá o trajecto que se
quiser.Há 21 pontos de interesse disponí-
veis, espalhados por Castelo Branco,
Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor,Proença-a-Velha e Vila Velha deRódão, os seis concelhos da Comuni-dade Intermunicipal da Beira Baixa,
que promove esta rota.A lógica continua a ser a mesma: o
freguês é quem escolhe e manda.Quem quiser começar pelo princípio,ver-se-á na apanha da azeitona, nomeio de árvores centenárias. É nesseambiente que Tiago Lourenço e
Ricardo Araújo se sentem bem, sejaa trabalhar, seja a ensinar. Cada pala-vra deles transpira um entusiasmo
que denota que não há ponta de arre-
pendimento nas decisões que toma-ram de abandonar a vida na grandecidade. Mentira. Tiago arrepende-sede uma coisa: "De não ter trocadoLisboa por aquele sítio mais cedo" .
Ele chegou com a família há trêsanos. Com o amigo de longa dataRicardo, agora também sócio, explo-ra 180 hectares de olival numa pro-priedade que pertence à família Mar-rocos (uma das mais tradicionais da
região). Durante 60 a 90 minutos,vão explicando à vez o que distingueum olival tradicional de sequeirocomo aquele e os olivais intensivos e
superintensivos.São diferenças que ficam marcadas
na paisagem, que se concretizampelos métodos de produção e que,no fim do ciclo, resultam em produ-tos distintos, quer em quantidade,quer em qualidade. O deles é o azeite
Egitânia, biológico e, além disso, de
produção sustentável. Toda a electri-cidade é gerada em painéis solares.
Água, só a que a natureza quer dar.Os fertilizantes são obtidos por com-
postagem. A limpeza do terreno ficaa cargo de ovinos de raça autóctone,nascidos e criados nesta "quinta-mo-delo" que, além de produzir azeitecom 0,3% de acidez, quer ser visitá-vel e um espaço para "inspirar e edu-car consumidores" .
"Se estes olivais não forem traba-
lhados, em pouco tempo irão desa-
parecer", alerta Tiago. Há ali árvorescom uns 500 anos. Parece muito,mas não é nada. O uso agrícola daoliveira selvagem terá uns 6000 a8000 anos. A árvore terá chegado aténós por mão de navegantes e merca-dores gregos, fenícios e sumérios. Os
vestígios mais antigos da cultura daoliveira em Portugal datam da Idadedo Bronze (3300 a.C). A oliveira queconhecemos hoje, a Olea europaeaL,será fruto do cruzamento da Olea
africana, da Arábia e do Egipto, da
Oleaferruginea, da Ásia, e da Olea
laperrini, abundante no Sul de Mar-rocos e nas ilhas da Macaronésia(nome moderno dado aos arquipéla-gos da Madeira, Açores, Canárias eCabo Verde).Em cada garrafa,muitas escolhasFoi dos povos árabes que nos ficou a
palavra azeite - az-zait, que significasumo de azeitona. Hoje, produzimo-lo em Portugal com base num vasto
leque de variedades de azeitonas.Naquela quinta, como na generalida-de da Beira Baixa, predominam a
Galega (dispersa por todo o país, pro-duz azeites mais suaves), a Bical e aCordovil. Além destas, temos a
Cobrançosa (comum no Centro-Nor-
te, dá azeite com frutado mais verde,amargo e picante), a Verdeal, a Madu-
rai, a Cordovil, a Negrinha de Freixo,a Maçanilha, a Redondil, a Carrasque-nha e a Lentrisca. Além disso, sãocomuns certas variedades espanholascomo Arbequina, Arbosana ePicual.
Cada embalagem de azeite resulta,como se percebe, de escolhas diver-sas. E Tiago e Ricardo são dois dosmuitos "beirões" capazes de explica-rem qual a cor da azeitona pronta aser colhida, como se deve transpor-tar, quanto tempo em armazém (nastulhas) e que opções determinam umazeite barato ou caro. Tambémpodem, com o olhar de quem veio de
fora, explicar os problemas daquelaregião, a falta de pessoas, o êxodo de
trabalhadores, o impacto das altera-
ções climáticas. E os pequenos segre-dos ou truques sobre como provarazeite, como detectar os defei- ¦»tos, a que temperatura se esmaga o
fruto, o que significa a acidez, que,ao fim e ao cabo, é apenas "o indica-dor do estado de saúde da azeitonaquando se fez azeite", anota Ricardo
(e quanto menor o grau de acidezmelhor o produto? "Não necessaria-
mente...")Mas aqui só fica com os azeites
quem quer. A Beira Baixa tambémtem termas em Monfortinho, temtemplários, tem cogumelos, temaldeias históricas como Monsanto,Pena Garcia e Idanha-a-Velha. Tem ofestival Boom no Verão. Tem concer-tos Fora do Lugar no Outono e Inver-no. Tem natureza, como o Tejo Inter-nacional e os 5000 km 2do Geopar-que Naturtejo, que está integrado narede de reservas da Biosfera daUNESCO.
São muitas opções para comple-mentar uma Rota do Azeite que seestende por tantos lugares diversos
que, seja qual for o ponto de partidae o ponto de chegada, inevitavelmen-te passará por muitas dessas riquezaslocais, que se estendem à gastrono-mia. A aplicação Visit Beira Baixa (dis-
ponível para telemóveis iOSe Android) ajuda a não perder o nor-te com dicas relevantes.
Trás-os-Montes e Alentejo fizeram
apostas semelhantes, atraindo coma cultura da oliveira e do azeite os
turistas sedentos de aprender, viajan-do. Na Beira Baixa, o lema oficial é
"Se tem um dia, conheça os municí-
pios. Se tem dois, trilhe uma expe-
riência. E se tem três descubra umterritório."
E foram precisamente três dias quea Fugas dedicou à rota do Azeite nes-ta região, levando na mochila o livroVítor Sobral com os Azeites, recente-mente editado pela Casa das Letras.Assinado por um c/ie/português quese declara um "apaixonado" pelo"ouro líquido", é uma obra que se
revelou duplamente útil nesta via-
gem. Oferece uma rápida panorâmicasobre a história mundial e nacional dacultura da azeitona, explica de formasintética as diferentes fases da produ-ção do azeite e acrescenta 130 receitasmuito diversas (desde marinados a
sobremesas), depois de nos explicara prova química, o que são as qualida-des organolépticas, quais os defeitos,as regras, as dúvidas, as curiosidadese os equívocos mais comuns.
É claro que o livro é dispensávelnesta viagem. Até porque, paraincluir todo aquele manancial de
informação - que fará de qualquerleitor medíocre o sabichão dos azei-tes na próxima ceia natalícia -, foi
preciso chegar quase às 300 páginas.O que, como se imagina, requeralgum espaço na mochila.
Uma alternativa menos "pesada",sobretudo para quem não viaje emcarro próprio, é marcar uma visita
guiada ao Núcleo do Azeite e Lagaresde Proença-a-Velha. Ou fazer umaprova de azeite no Posto de Turismode Proença-a-Nova. Ou ainda passarpelo lagar de Varas em Vila Velha deRódão. Nestes locais, como noutros,é possível ver, ouvir, ler e saborearum produto que "não serve só paratemperar peixe cozido ou o baca-
lhau", como explica no prefácio dolivro de Vítor Sobral o professor doInstituto Superior de Agronomia,autor e especialista em azeite, JoséGouveia.
A partir do século XIII, foram asordens religiosas que dinamizaram a
cultura do azeite que, graças àgrandeversatilidade das suas propriedades,servia como alimento, era utilizado
para iluminar (azeite lampante) e
também foi usado como moeda detroca comercial com outros povos.Era considerado um "óleo sagrado",com os ramos de oliveira e o azeiteusados em "manipulações diversasde carácter mágico", como "oraçõesesconjuratórias contra trovoa-das". Não é por acaso que lhe cha-mam "ouro líquido". Basta sabercomo aproveitar o valor.
A Fugas viajou a conviteda Comunidade Intermunicipalda Beira Baixa
A apanha daazeitona, que há-dedar o azeite do nossocontentamento, vaide Outubro a
Fevereiro
• Quem viaja em carropróprio desde Lisboa,segue pela A 1para
norte até Torres Novas e depoismuda para a A23, rumo a CasteloBranco, se quiser seguir pelotrajecto rodoviário mais curto emais rápido. Para quem prefere o
transporte público, tem o
programa Rota do Azeite, da CP.A transportadora ferroviáriavende um programa de um dia,com partida de Lisboa, todos ossábados, entre 2 de Novembro e14 de Dezembro. O preço variaconforme o local em que se
embarque: adultos pagam entre45 e 52 euros, crianças (4-12anos, inclusive) pagarão entre 27e 33 euros. O preço inclui viagemem Intercidades(em2. a
classe), transfers, refeições e
seguros. Mais informaçõesem https://bit.ly/2Pdir3Z.Para quem parte do Porto, a CPnão tem essa oferta. A alternativaserá embarcar no serviçoferroviário normal até CasteloBranco, ou autocarros. Em carropróprio, o trajecto mais rápidoserá seguir para sul na Al,atéàzona de Albergaria/Aveiro,mudar para a A25 edepois da Guarda mudar paraa A23 em direcção a CasteloBranco.
®Seprocura alternar
natureza com umambiente mais citadino,
a melhor escolha será umalojamento em Castelo Branco.Se a ideia é manter-se ligado à
natureza, ainda que fique um
pouco mais longe, experimenteum dos hotéis junto às Termas deMonfortinho, como por exemploo Fonte Santa (quatroestrelas; Tel.: 277 430 300)
®Asmelhores escolhas
dependerão do trajectoque fizer e dos
povoados que ficarem maisperto. A app Visit Beira Baixatem uma boa colecção desugestões de restaurantes.Aconselhamos, pelo menos, queprove a ementa da Adega TípicaO Cruzeiro, em Monsanto, noconcelho de Idanha-a-Nova.
OA melhor forma de planearo(s) dias(s) na região é pedir numposto de turismo, à chegada, umdesdobrável sobre a Rota doAzeite. Além dos locaisreferenciados no texto,aconselhamos passagens peloLagar de Varas de Idanha-a-Velha(Tel.: 227 914 280; Rua do Lagar -
6060-041); a Rota dos Lagares(PR7 Castelo Branco,15km, partida do Laro Prof- José
Lopes Machaz 5, Almaceda);aRota dos Olivais (percursocircular de 10km, a começar noLugar de Ferrarias, Santo AndréTojeiras, 6000-646 CasteloBranco).