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Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 8 | n. 15 | Jan./Jun. 2006. 9 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, PONDERAÇÃO DE BENS E DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS TRABALHISTAS Marcelo Furtado Vidal* Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: O artigo tem como objetivo discutir, à luz do princípio da proporcionalidade, a ponderação de bens e direitos humanos fundamentais trabalhistas. Para tanto, destaca o princípio da proporcionalidade e ponderação de bens na doutrina constitucional para, a partir dela, analisar o embate entre normas e valores: direitos humanos como princípios jurídicos de ontológicos ou como bens jurídicos otimizáveis. Apresenta um balanço crítico da polêmica constitucional, destacando a migração do princípio da proporcionalidade para a esfera do direito do trabalho. O princípio da boa- fé e apreesenta um exercício de direito comparado entre Espanha e Brasil: o princípio da proporcionalidade como instrumento de avanço ou precarização dos direitos sociais de natureza trabalhista. Palavras chave: Palavras chave: Palavras chave: Palavras chave: Palavras chave: Princípios – direitos humanos – direitos humanos trabalhistas Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: The article has as purpose discust the beginning light of proporcionality, the ponderation of movables and human rights of fundamental works. For that , it eminence the propotionality start and the delibertaion of movables ont the constitutional doctrine to, from the ontologics or as excellent juridical movables. Introduce a critical oscillation off the polemic constitutional, dtaching the migration of the beginning of proporcionality for the range of work law. The source of good faith is to show an law exercise compared between Spain and Brazil: the source of proporcionality as an intrument of advance or precarious of the social rights of the work nature. Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Source – human rights – work human rights 1 Introdução O processo de constitucionalização dos direitos sociais não é fenômeno novo. Inicia-se no primeiro quarto do século XX, * Juiz do Trabalho do TRT/3ª Região. Mestre em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Doutorando em Direito Social pela Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Castilla – La Mancha, Espanha.

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PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE,PONDERAÇÃO DE BENS E DIREITOS

HUMANOS FUNDAMENTAIS TRABALHISTAS

Marcelo Furtado Vidal*

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: O artigo tem como objetivo discutir, à luz do princípio daproporcionalidade, a ponderação de bens e direitos humanos fundamentaistrabalhistas. Para tanto, destaca o princípio da proporcionalidade eponderação de bens na doutrina constitucional para, a partir dela, analisaro embate entre normas e valores: direitos humanos como princípios jurídicosde ontológicos ou como bens jurídicos otimizáveis. Apresenta um balançocrítico da polêmica constitucional, destacando a migração do princípio daproporcionalidade para a esfera do direito do trabalho. O princípio da boa-fé e apreesenta um exercício de direito comparado entre Espanha e Brasil: oprincípio da proporcionalidade como instrumento de avanço ou precarizaçãodos direitos sociais de natureza trabalhista.

Palavras chave: Palavras chave: Palavras chave: Palavras chave: Palavras chave: Princípios – direitos humanos – direitos humanos trabalhistas

Abstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: The article has as purpose discust the beginning light ofproporcionality, the ponderation of movables and human rights of fundamentalworks. For that , it eminence the propotionality start and the delibertaion ofmovables ont the constitutional doctrine to, from the ontologics or as excellentjuridical movables. Introduce a critical oscillation off the polemic constitutional,dtaching the migration of the beginning of proporcionality for the range ofwork law. The source of good faith is to show an law exercise comparedbetween Spain and Brazil: the source of proporcionality as an intrument ofadvance or precarious of the social rights of the work nature.

Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Source – human rights – work human rights

1 Introdução

O processo de constitucionalização dos direitos sociais não éfenômeno novo. Inicia-se no primeiro quarto do século XX,

* Juiz do Trabalho do TRT/3ª Região. Mestre em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Doutorandoem Direito Social pela Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Castilla – La Mancha, Espanha.

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despontando-se a Constituição mexicana de 1917 como a primeiraque estabeleceu um quadro significativo de direitos sociais dotrabalhador..** Dois anos depois, em 1919, a Constituição alemã deWeimar, que serviu de paradigma constitucional para os textoseuropeus do pós-guerra, inseriu em seu corpo um capítulo sobre aordem econômica e social, prevendo a garantia da liberdade deassociação profissional, a adoção de políticas de seguro sociais, oapoio à legislação internacional do trabalho, a participação dostrabalhadores na administração da empresa, enfeixando, enfim, umaproclamação do direito do trabalho.

Na Espanha, Manuel Carlos Palomeque López*** vai sugerir umaordenação sistemática, diferenciando direitos constitucionais laboraispropriamente ditos e direitos constitucionais laborais “inespecíficos”,cujo exercício é modulado no âmbito do contrato de trabalho peranteo poder de direção do empregador. Ainda segundo Palomeque, osdireitos constitucionais laborais se bipartem em coletivos e individuais.Os coletivos envolvem o direito de liberdade sindical (art. 28.1 daCE), o direito de greve (art. 28.2 da CE), o direito de trabalhadores eempresários adotarem medidas de conflito coletivo (art. 37.2 da CE),o direito de negociação coletiva (art. 37.1 da CE) e o direito departicipação na empresa (art. 129.2 da CE). Os individuais dizemrespeito ao direito ao trabalho (art. 35.1 da CE), ao direito de livreeleição de profissão ou ofício (art. 35.1 da CE), direito de promoçãoatravés do trabalho (artigo 35.1 da CE), direito a um salário suficientee à igualdade salarial (art. 35.1 da CE), direito à formação e àreadaptação profissional (art. 40.2 da CE), direito à segurança ehigiene ao trabalho (art. 40.2 da CE), direito ao descanso (art. 40.2da CE), referindo-se, ainda no campo individual, aos princípios depolítica de proteção social ao trabalhador previstos nos textoconstitucional, como, por exemplo, o princípio de proteção aosdeficientes (art.49 da CE). Por último, emergem os direitosconstitucionais laborais que somente se configuram no âmbito daempresa. São direitos atribuídos aos cidadãos de uma maneira geral,ou direitos da personalidade, mas que são exercidos pelo trabalhadorno seio da empresa, razão pela qual se convertem em autênticos

** SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2001, p. 13.*** PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos; LA ROSA, Manuel Álvares de. Derecho del trabajo. Madrid: Centro deEstudios Ramón Areces, 2004, p. 99-106.

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direitos laborais em razão do sujeito e da natureza da relação jurídica.São eles o direito à igualdade e à não-discriminação (art. 14 e 35.1da CE), o direito à liberdade ideológica e religiosa (art. 16.1 da CE),o direito à honra, a intimidade pessoal e à própria imagem (art. 18.1da CE), o direito à liberdade de expressão (art. 20.1 da CE), o direitoà liberdade de informação (art. 20.1, d, da CE), o direito de reunião(art. 21 da CE), o direito a uma tutela judicial efetiva (art. 24 da CE),o direito de não ser punido sem prévia previsão legal (art. 25.1 daCE) e o direito à educação (art. 27.1 da CE).

No Brasil, os direitos sociais de natureza trabalhista constituemparcela dos direitos humanos fundamentais, previstos no artigo 7º.da Constituição Federal.

Muito embora a Constituição espanhola não seja tão pormenorizadaquanto à brasileira no detalhamento dos direitos humanos fundamentaisde natureza trabalhista, essa expansão de direitos laborais no âmbitodas constituições vem sendo entendida pela doutrina trabalhistaespanhola como uma estratégia quase que revolucionária, capaz dealterar o próprio modelo do Estado Moderno.

Sobre isso, diz Fernando Valdés Dal-Ré:

…la configuración por parte del constitucionalismo moderno de unos derechoslaborales como derechos fundamentales ha contribuido al cambio del modelode Estado; esto es, a la transformación de las relaciones entre Estado y Sociedady de la función tipificadota de esas relaciones asignada a las constituciones.Éstas ya no son sólo un pacto para la limitación del ejercicio del poder político;también son, y en parte nada desdeñable, un pacto para la predeterminación deun programa de acción política de promoción de la igualdad y del bienestar delos ciudadanos.1

Como nota María Emilia Casas Baamonde, trata-se, nas últimas décadas,de um movimento doutrinário não só espanhol, mas também europeu, deinvocação dos direitos fundamentais e liberdades públicas para cumprira finalidade de salvaguardar os valores de liberdade e igualdade nasrelações laborais, bem como o valor de proteção aos trabalhadores.2

1 VALDÉS DAL-RÉ, Fernando. Los derechos fundamentales de la persona del trabajador: un ensayo de noción lógico-formal. Editorial. Relaciones Laborales. Revista Critica de Teoria e Prática, n. 18, set. 2003.2 CASAS BAAMONDE, María Emilia. ¿Una nueva constitucionalización del derecho del trabajo? Editorial. RelacionesLaborales. Revista Critica de Teoria e Prática, n. 12, ago. 2004.

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Segundo ainda a autora, essa posição doutrinária superaria achamada “legislação promocional”, tendo como objetivo precípuocompatibilizar os direitos fundamentais com o contrato de trabalho,anunciando um novo neocontratualismo, ou uma “recomposiciónconstitucional del contrato de trabajo”, onde “la ley laboral imperativamínima se sustituye por la ley reguladora de los derechos fundamentales(no discriminación, intimidad, igualdad de oportunidades…)” 3

Em outros termos, se o Direito do Trabalho torna-se mais flexível, seo Estado se ausenta cada vez mais com a retirada da lei trabalhistaimperativa, entra em cena, como contrapartida de resistência, acompreensão dos conflitos entre trabalhador e empresário sob a novaótica dos direitos humanos fundamentais de conteúdo trabalhista.

É bem verdade que esse novo viés, ao anunciar uma renovação naturalda função tutelar do direito do trabalho, atrai duas críticas principais.

A primeira de que seria uma renovação empobrecida de uma ordempública em declínio, fazendo com que os direitos fundamentais caíssemna seguinte aporia: “si todo es fundamental, nada es fundamental” .4

A segunda, de que se inundaria o Direito do Trabalho, enquantodisciplina jurídica autônoma, com conceitos mais vagos e abertosoriundos do Direito Constitucional, ficando a cargo da jurisprudênciaa tarefa de praticamente redescobrir o Direito do Trabalho, quepassaria a navegar na amplitude e indeterminação dos enunciadosdos direitos fundamentais no marco da regulação legal.

Não obstante essas críticas, o que se observa é que o fenômeno,na Espanha, assim como na Europa, é tratado como um dadoestrutural inexorável, que já ocorre, de fato, seja no plano acadêmico-doutrinário, seja na prática dos tribunais.

Mas esse movimento doutrinário, no campo do Direito do Trabalho,tem um duplo efeito. É que junto com a perspectiva de conectar os conflitosentre empregado e empregador com os direitos humanos de cunholaboral, vieram, de carona, as técnicas tradicionalmente empregadaspela hermenêutica constitucional no equacionamento dos embatesenvolvendo direitos humanos fundamentais, vale dizer, a utilização doprincípio da proporcionalidade e o método da ponderação de bens.

3 CASAS BAAMONDE, María Emilia. ¿Una nueva constitucionalización del derecho del trabajo? Editorial. RelacionesLaborales. Revista Critica de Teoria e Prática, n. 12, ago. 2004.4 ZOLO apud CASAS BAAMONDE, María Emilia. ¿Una nueva constitucionalización del derecho del trabajo?.Editorial. Relaciones Laborales. Revista Critica de Teoria e Prática, n. 12, ago. 2004.5 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Almedina, p. 261.

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E o objetivo deste estudo é debater até que ponto essa novaperspectiva, numa sociedade globalizada, pode significar um avançoou um retrocesso na garantia dos direitos do cidadão trabalhador.

2 Princípio da proporcionalidade e ponderação debens na doutrina constitucional

Segundo Canotilho,5 o princípio da proporcionalidade referia-seprimitivamente ao problema da limitação do poder executivo, sendoconsiderado como uma medida para as restrições administrativasda liberdade individual.

Posteriormente, o princípio, também conhecido por princípio daproibição do excesso, foi erigido à condição de princípioconstitucional em várias culturas jurídicas européias.

Essa concepção constitucional passou a ser proclamada ereconhecida pela doutrina germânica do segundo pós-guerra, após apromulgação da Lei fundamental da República Federal da Alemanha,em 1949, sendo aplicado primordialmente no equacionamento deconflitos entre princípios constitucionais, objetivando a contenção doarbítrio e a moderação no exercício do poder.

Apesar de não ter menção expressa em diversas constituições, comoa brasileira e a espanhola, a doutrina espanhola não diverge emconsiderá-lo como princípio implícito, sendo uma das bases do EstadoSocial de Direito.6

Considerado como um superprincípio, a proporcionalidade sedivide em três princípios constitutivos: princípio da conformidade ouadequação de meios (Geeignetheit); princípio da exigibilidade ouda necessidade (Erforderlichkeit) e princípio da proporcionalidadeem sentido estrito (Verhältnismässigkeit).

No primeiro caso, exige-se que a medida adotada para arealização do interesse público seja apropriada à consecução do fimou fins a ele subjacentes, tratando-se de controlar a relaçãoadequação medida-fim. No segundo, procura-se demonstrar que paraalcançar determinado fim, não era possível adotar outro meio menos

6 TERRADILLOS ORMAETXEA, Edurne. Princípio de proporcionalidad, constitución y derecho del trabajo. Valencia:Tirant lo Blanch, 2004, p. 34.7 SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens. In: TORRES LOBO, Ricardo (Org.)

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oneroso. Por fim, realiza-se um juízo de ponderação, ou justa medida,com o fim de avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcional.

Está imbricado no conceito do princípio da proporcionalidade aidéia de ponderação, ou juízo de ponderação.

Como ensina Daniel Sarmento,7 “na ponderação de bens, assumeimportância impar o princípio da proporcionalidade, sob a égide doqual devem ser efetivadas todas as restrições recíprocas entre osprincípios constitucionais”.

Na doutrina espanhola, Ignacio Villaverde Menéndez procuraestabelecer uma di ferença entre ponderação de bens edelimitação de direitos.8

Segundo o autor, é um engano pensar que possa haver conflitoentre direitos fundamentais, ou colisão de direitos, havendo, narealidade, uma colisão entre o direito e seus limites.

Reconhece o doutrinador que, muitas vezes, as expectativas decondutas amparadas em um direito fundamental só podem se tornarrealidade em confrontação com outras expectativas de condutasobjeto de proteção constitucional. Por exemplo, insultar uma pessoaé uma expectativa de conduta objeto da liberdade de expressão quepode se chocar com o direito do ofendido de ter sua honra protegidae vice-versa. Haveria, no entanto, uma falsa aparência de conflito dedireitos e a técnica que deveria ser utilizada seria a de, simplesmente,averiguar os limites constitucionais dos direitos invocados e se aexpectativa é ou não objeto do direito fundamental invocado.

Ao contrário, pela técnica da ponderação de bens, tudo ficariaremetido ao caso concreto, em que o julgador sopesaria as duascondutas, atribuindo-lhes o valor mais qualificado ou importante,conforme escolher.

A título de exemplo, o doutrinador indaga se é possível torturar umser humano (uma pessoa detida), que sabe o local onde um artefatoexplosivo ceifará a vida de milhares de pessoas, quando a tortura éproibida pelo artigo 15 da Constituição espanhola? Pois bem, naótica da ponderação de bens, esse conflito não se pode resolver emabstrato, e a ponderação poderia justificar a tortura e o emprego de

Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 57.8 VILLAVERDE MENÉNDEZ, Ignacio. Teoria general de los derechos fundamentales en la Constitución espanõla de1978. Madrid: Tecnos, 2004, cap. 6, p. 141-145.9 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Almedina, p.265.

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maus-tratos com o fim de salvar a vida de milhares de pessoasinocentes, devendo, portanto, numa “justa” ponderação, prevalecero direito de inocentes perante os direitos do preso.

Admite o jurista que a técnica de ponderação de bens foi utilizadapelo Tribunal Constitucional Espanhol, como na sentença STC 320/1994, FJ 2º., mas que desde o final dos anos 90 o Tribunal vemabandonando paulatinamente essa perspectiva em prol do métodode delimitação dos direitos fundamentais, em que se investigaria aidoneidade ou adequação da medida limitativa, a exigência deintervenção mínima e a proporcionalidade em sentido estrito.

Como se observa, essa corrente doutrinária traça uma diferençaentre ponderação de bens e aplicação do princípio daproporcionalidade, procurando afastar a primeira técnica, já que fontede insegurança jurídica.

Com ressalva a esses matizes, pode-se concluir, provisoriamente,que na doutrina constitucional espanhola é hegemônico o ponto devista de que o princípio da proporcionalidade oferece o caminhopróprio para o equacionamento de conflitos envolvendo direitoshumanos fundamentais.

3 Entre normas e valores: direitos humanos comoprincípios jurídicos deontológicos ou como bensjurídicos otimizáveis

Muito embora certa doutrina procure separar, como técnicasdistintas, o princípio da proporcionalidade e a ponderação de bens,enaltecendo o primeiro e criticando este último, a verdade é que, naprática, torna-se difícil abstrair do princípio da proporcionalidadequalquer juízo de ponderação.

Sobre isso, diz Canotilho que no princípio da proporcionalidadeem sentido estrito “meios e fim são colocados em equação medianteum juízo de ponderação.”9

É que o princípio da proporcionalidade, pelo simples fato deadmitir que determinado direito fundamental possa ser violado desdeque o ato transgressor cumpra os requisitos de adequação,

10 PRIETO SANCHÍS, Luiz. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J. Constitución: problemas

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necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, está, nada mais,nada menos, permitindo que se pondere entre duas expectativas dedireito antagônicas.

Luiz Prieto Sanchís chega a considerar o juízo de ponderação eproporcionalidade como simples questão de nomenclatura, verbis:

Pues bien, como venimos diciendo, el modo de resolver los conflictos entreprincipios recibe el nombre de ponderación, aunque a veces se habla tambiénde razonabilidad, proporcionalidad o interdicción de la arbitrariedad.10

Neste ponto emerge uma discussão crucial, ou seja, só se pode admitirque os direitos humanos possam ser objeto de medição, ou de análise degrau ou intensidade de violação, se os considerarmos como comandosotimizáveis, que podem ser esticados para mais ou para menos.

Essa, justamente, a posição de Robert Alexy.

Segundo ele, tanto as regras como os princípios são normas jurídicas. A diferençaé que as regras se cumprem ou não, ou seja, são ou não são válidas. Já os principios“son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible,dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principiosson mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de quepueden se cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimientono sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas”.1 3

Apesar de afirmar o contrário, observa-se, claramente, que, paraAlexy, os princípios não atuam no campo deontológico, mas na esferateleológica das preferências e dos valores.

Direitos humanos fundamentais para Alexy, portanto, assim comopara a ponderação de bens ou para o princípio da proporcionalidade,são bens jurídicos otimizáveis, atados a preferências.

Contra essa concepção, erige-se a doutrina de Ronald Dworking,Klaus Günter, Friedrich Müller e Jürgen Habermas.

Para Habermas,1 4 por exemplo, princípios ou normas mais elevadas,

filosóficos.. Madrid: Ministerio de la Presidencia. Secretaria General Técnica. Centro de Estudios Políticos yConstitucionales, 2003, p. 232.13 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,1993, p. 86.14 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 1, p. 316.15 DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University, 1978, p. 82 et seq.

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em cuja luz outras normas podem ser justificadas, possuem sentidodeontológico, ao passo que os valores têm um sentido teleológico.Normas válidas obrigam seus destinatários, sem exceção, a umcomportamento que preenche expectativas generalizadas, ao passoque os valores devem ser compreendidos como preferências. Normassurgem com uma pretensão binária – podem ser válidas ou inválidas -, enquanto os valores determinam relações de preferência. À luz denormas, é possível decidir o que deve ser feito, ao passo que no horizontedos valores é possível saber qual o comportamento mais recomendável.

Também para Ronald Dworking os direitos são “trunfos” que podemser usados nos discursos jurídicos contra os argumentos de políticas.1 5

De igual sorte, segundo Friedrich Müller, os “direitos humanosnão são valores, são normas, e quando a Constituição os positivase tornam direitos vigentes”. 1 6

Que alternativa teórica restaria, então, ao julgador, ao se defrontar,em determinado caso concreto, com a expectativa antagônica de doisdireitos fundamentais em disputa como, por exemplo, o direito à honrae à liberdade de expressão?

Klaus Günter1 7 oferece, aqui, uma distinção entre discursos dejustificação e discursos de aplicação.

Os discursos de justificação estão presos ao princípio universal “(U)”,que significa que uma norma só é válida se todos os destinatáriospuderem aceitar as conseqüências e os efeitos colaterais de suaobservância geral, como ocorre nos discursos legislativos. Nosdiscursos de justificação cuida-se portanto de saber quais normas noordenamento são válidas. Mas a validade da norma “(U)” não podeser justificada independentemente da situação a que se refere, dondea necessidade dos discursos de aplicação. Estes são exigidos porquenenhuma norma pode prever, à exaustão, as suas próprias condiçõesde aplicação. Em tais discursos, o julgamento se realiza através doprincípio da adequabilidade, por meio do qual se exige considerartodas as circunstancias particulares do caso, bem como todas asnormas eventualmente aplicáveis. Em outros termos, os discursos deaplicação se referem à adequação das normas ao caso concreto.

16 MÜLLER, Friedrich apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 580.17 GÜNTER, Klaus. The sense of appropriateness application discourses in morality and law: application discoursesin morality and law.. Albany: State University of New York, 1993, p.3518 Sobre isso, diz Habermas: “Se entendêssemos a colisão de normas ponderadas no processo de interpretação

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Nesta ótica, não existiria uma colisão entre o direito à honra e àliberdade de expressão, uma vez que ambos os direitos, à luz dosdiscursos de justificação, são válidos, cuidando-se de saber quais dosprincípios é o adequado diante determinado caso concreto.1 8

Mediante a exigência, ainda que contrafactual, de se examinartodas as circunstâncias do caso, o julgamento caminha para um sensode adequabilidade, em que o juiz, operando o código binário doDireito, está apto a dizer quais, entre os princípios concorrentes, é oúnico válido, e não aquele princípio que é preferível.

Aqui, clama-se por um senso de adequabilidade e não por umjuízo de ponderação.

Tendo ainda em mira o direito à honra e o direito à liberdade deexpressão como “normas candidatas” (prima facie aplicáveis) adeterminada situação, entre essas primeiras e a norma que resultaráadequada existe todo um caminho de reconstrução do direito que seaplicará ao caso concreto, em que a idéia de negociação ou derenúncia de um direito em favor do outro não tem lugar.

A diferença pode ser sutil, mas, nem por isso, deixa de serfundamental, vale dizer, na perspectiva em questão, os direitoshumanos fundamentais deixam de ser bens jurídicos negociáveis, talcomo sugerido pela teoria constitucional do bem-estar social.

Como ensina Ferrajoli,1 9 diferentemente dos direitos patrimoniais, osdireitos humanos fundamentais são universais, inalienáveis, indisponíveis einegociáveis. Em virtude de sua indisponibilidade ativa não é alienável pelosujeito que é seu titular: não posso vender meu direito ao sufrágio universal.Em decorrência de sua indisponibilidade passiva, não pode ser expropriadoou limitado por outros sujeitos, começando pelo Estado: nenhuma maioria,por maior que seja, pode privar-me da vida e da liberdade.

E na proposta de Günter e Habermas, após a análise do caso concretoe de todas as suas circunstâncias, o julgador estará apto para reconstruir,

como uma contradição do sistema de normas, estaríamos confundindo a validade da norma, justificada sob oaspecto da fundamentação, com a adequação de uma norma que é examinada sob o aspecto da aplicação. Daindeterminação de normas válidas, explicável pela lógica da argumentação, resulta, ao invés disso, o bom sentidometodológico de uma disputa de normas, as quais se candidatam ‘prima facie’ para aplicação: A colisão de normasnão pode ser reconstruída com um conflito de pretensões de validade, porque as normas colidentes ou as variantesde significação concorrentes só entram numa determinada relação mútua no âmbito de uma situação concreta. Umdiscurso de fundamentação tem que abstrair o problema da colisão, que depende da situação. Para saber queoutras normas ou variante de significação são aplicáveis é preciso entrar na respectiva situação.” HABERMAS,Jürgen.. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. I, p. 271-272.19 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. La ley del más débil. 4. ed. Madrid: Trotta, 2004, p. 47.20 BARRANCO AVILÉS, Maria del Carmen. La teoria jurídica de los derechos fundamentales. Madrid: Instituto de

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racionalmente, o direito aplicável sem que, com isso, tenha que partir dapressuposição que autoriza o desrespeito, ainda que gradual, dos direitoshumanos fundamentais.

4 Balanço crítico da polêmica constitucional

Disciplina o artigo 1.1. da Constituição espanhola que a Espanhase constitui em um Estado Social e Democrático de Direito, quepropugna como “valores superiores de seu ordenamento jurídico aliberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo político”.

A expressão “valores superiores”, segundo a maior parte da doutrinaconstitucional espanhola, leva à conclusão de que, em face aos valorese sua relação com regras, a Espanha teria optado por uma vianitidamente axiológica.

Maria Del Carmen Barranco Avilés, examinando a questão peranteos diversos doutrinadores espanhóis que já trataram do tema, chegaa três conclusões principais.

Primeiro, que a compreensão dos direitos humanos fundamentais comoenunciados axiológicos decorre, de um lado, da influência de uma práticaconstitucional originária da Alemanha, e, de outro lado, de uma versãoespanhola da filosofia dos valores que se desenvolveu na doutrina deOrtega y Gasset, com sua formulação filosófica do conceito de valor.2 0

Segundo, que os principais pensadores espanhóis inviabilizamqualquer tentativa de se separar princípios e valores, não antevendodiferenças substanciais entre eles, como decorre, por exemplo, daslições do professor Prieto.2 1

Por último, a autora afirma que os entendimentos sobre o que venhaa ser valor são tão diversificados na cultura jurídica espanhola que,ao final, não se pode chegar nem mesmo a uma descrição satisfatóriadessas compreensões sobre o tema, verbis:

Es difícil encontrar una descripción satisfactoria capaz de englobar los múltiplesusos del término ‘valor’ en la cultura española. Frecuentemente cuando sehabla de valor asociado al Derecho se está haciendo referencia a un contenido

Derechos Humanos “Bartolomé de las Casas”, Universidade Carlos III de Madrid, Editorial Dickson, 2004, p. 180-181.21 BARRANCO AVILÉS, Maria del Carmen. La teoria jurídica de los derechos fundamentales. Madrid: Instituto deDerechos Humanos “Bartolomé de las Casas”, Universidade Carlos III de Madrid, Editorial Dickson, 2004, p. 167.22 BARRANCO AVILÉS, Maria del Carmen. La teoria jurídica de los derechos fundamentales. Madrid: Instituto de

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más que a una categoría normativa; sin embargo, abundan los intentos dedeslindar este concepto de los de ‘prncipios’ y ‘reglas’. Es común tanto en losautores como en la jurisprudencia asociar la función objetiva de los derechosfundamentales a la idea de orden de valor; y ello pese a la ausencia declaridad en cuanto al significado, que se traduce en la heterogeneidad de lasconsecuencias que se derivan de aquella asociación.. 2 2

É bem verdade que existem entendimentos contrários ao de que ateoria de direitos humanos subjacente na Constituição espanholaresponderia a uma concepção puramente axiológica.

Nessa linha, Francisco J. Bastida Freijedo entende que, a despeitodo que consta do artigo 1.1 da CE, e apesar de o TribunalConstitucional espanhol, em diversas oportunidades, ter optado poruma interpretação dos direitos humanos fundada em um “sistemade valores”, como a STC 53/1985 (acrescentamos a STC 21/1981,de 15.6.1981), mesmo assim, tais valores não poderiam sedesprender do texto constitucional numa dimensão metapositiva,desligada da própria concreção constitucional.

Mas essa posição é minoritária no constitucionalismo espanhol,porquanto decorre do entendimento do mesmo autor (assim comoem Habermas) de que os valores são de ordem teleológica, enquantoque os princípios – como as regras -, são de ordem deontológica.2 3

Existem até entendimentos doutrinários que parecem igualar osprincípios jurídicos não só com juízos valorativos, como também coma própria moral, verbis:

No creo que sea necessário insistir en la importancia técnica, pero tambiénlegitimadora, que presenta la argumentación em el ámbito de uma jurisdicciónconstitucional que, más que cualquier outra, há de haver uso de valores, princípios y,em general, normas de contenido sustantivo coincidentes con postulados morales.2 4

Dentro do quadro cultural acima delineado, observa-se, naEspanha, um solo fértil a partir do qual o princípio daproporcionalidade poderia crescer e se solidificar.

Derechos Humanos “Bartolomé de las Casas”, Universidade Carlos III de Madrid, Editorial Dickson, 2004, p. 164.23 BASTIDA FREIJEDO, Francisco J. Teoria general de los derechos fundamentales en la Constitución espanõla de1978. Madrid: Tecnos, 2004, cap. 3, p. 80.24 GASCÓN ABELLÁN, Marina. Los limites de la justicia constitucional: el tribunal constitucional entre jurisdicción ylegislación. In: LAPORTA, Francisco J. (Org.). Constitución: problemas filosóficos. Madrid: Ministerio de la Presidencia.Secretaria General Técnica. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 186.25 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis:

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E a crítica que se pode fazer é que o princípio da proporcionalidade,ao partir do pressuposto de que os direitos humanos fundamentaispodem ser licitamente violados em diversos graus, desde que seentrelacem os elementos relativos à “idoneidade”, “necessidade” e“proporcionalidade em sentido estrito” da violação, tudo isso numambiente onde se buscam valores e preferências, inclusive de ordemmoral, o que resta comprometido é a própria alteridade dos textosjurídicos que tratam dos direitos humanos fundamentais.

A alteridade é um conceito que nos é fornecido pela hermenêuticafilosófica e nos remete à indagação de se é possível uma leituraestrutural dos textos jurídicos.

Ou seja, os textos jurídicos, inclusive elucidados pela situação deaplicação, ao qual se conectam, podem ou não possuir umasignificação própria, de forma, inclusive, a satisfazer as condições doEstado Democrático de Direito no sentido de permitir ao cidadãosaber, de antemão, o que o Direito espera dele?

A resposta obviamente é positiva. Se não fosse possível uma leituraestrutural ou uma relação de alteridade entre o intérprete e os textosjurídicos, nenhum motorista, por exemplo, pararia seu carro diantede um sinal vermelho, o que significa dizer que os comandosnormativos são passíveis sim de compreensão e entendimento,hipótese onde devem ser cumpridos pelos destinatários da norma, enão avaliados como coisas boas, ruins ou preferíveis.

Gadamer, ao falar sobre a alteridade dos textos, inclusive dos textosjurídicos, afirma que:

Quem quer compreender um texto, em princípio, deve estar disposto a deixarque ele diga alguma coisa por si. Por isso, uma consciência formadahermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o princípio, para aalteridade do texto. Mas essa receptividade não pressupõe nem ‘neutralidade’com relação à coisa nem tampouco auto-anulamento, mas inclui a apropriaçãodas próprias opiniões e preconceitos, apropriação que se destaca destes. O queimporta e dar-se conta das próprias antecipações, para que o próprio texto possaapresentar-se em sua alteridade e obtenha, assim, a possibilidade de confrontarsua verdade com as próprias opiniões prévias..2 5

A observação crítica, portanto, aplicável ao princípio da

Vozes, 1999, p.405.26 PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e sistema jurídico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 76.

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proporcionalidade, bem como à técnica da ponderação de bens,tal como difundido nos Estados Sociais Europeus, é a de queeliminam a alteridade dos direitos humanos fundamentais.

Não se pode deixar de reconhecer, como verdadeiro, por outrolado, que a própria pretensão de separar juízos deontológicos dejuízos axiológicos já se revela axiológica. Como alerta AlexandrePasqualini, “até hoje nenhum filósofo foi capaz, com a precisão deuma régua, de marcar os limites e a extensão dos territórios deônticose axiológico”,2 6 não sendo exagerado concluir que a teoria discursivado direito poderia acabar na tentativa de criar uma teoria pura, nãomais do Direito, como em Kelsen, mas da decisão judicial.

Apesar dessas ressalvas, seria ingênuo ignorar que os direitos humanosfundamentais possuem um significado próprio, que, uma vez encontrado,não pode mais ser objeto de otimização ou ponderação.

O próprio constitucionalismo espanhol, assim como o alemão, vãoatestar tal afirmação, na medida em que reconhecem nos princípiosconstitucionais relativos aos direitos humanos um conteúdo essencial,um “limite do limite”, que não pode mais ser objeto de restrição ouqualquer tipo de graduação.

Sobre isso, preleciona Claudia Alexandra Villaseñor Goyzueta:

Los derechos fundamentales, como cualesquiera derechos subjetivos, no sonilimitados, sino sujetos a un sistema de limites que a su vez, no pueden ir masallá del contenido esencial de los derechos.2 7

Aqui, toda a crítica acadêmica européia no sentido de não serpossível uma separação entre princípios de ordem deontológica evalores de escopo teleológico cai por terra, já que, se existe um núcleoou átomo nos direitos humanos fundamentais que não pode serlimitado ou ponderado,2 8 isto significa no reconhecimento, ainda quede forma indireta, de que é possível uma leitura deontológica dosdireitos humanos fundamentais, em que a alteridade do texto érespeitada, não podendo ser modificada em decorrência das

27 VILLASEÑOR GOYZUETA, Claudia Alejandra. Contenido esencial de los derechos fundamentales y jurisprudenciadel tribunal constitucional español.. Madrid: Instituto de Derechos Humanos. Universidad Complutense Facultad deDerecho, 2003, p. 44.28 Ouçamos a doutrina: “En definitiva, pues, no puede realizarse un examen en clave de proporcionalidad queinvada el terreno del contenido esencial de un derecho…” TERRADILLOS ORMAETXEA, Edurne. Principio daproporcionalidad, constitución y derecho del trabajo. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004, p. 89.29 Isso não acontece somente com o Direito, mas também no estudo de qualquer texto literário. O que Habermas

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preferências do intérprete da Constituição.Não se trata, portanto, de ignorar que o direito positivado contenha

valores que o legislador escolheu. Nem se cuida de proibir que o juizpossa sentir ou valorar no ato da interpretação. Isso seria impossível.Corresponderia, nas lições de Gadamer, a um auto-anulamento dointérprete, ou na difusão de uma neutralidade em relação ao objetoda interpretação. O que a teoria européia do constitucionalismo socialconfessa, ainda que em parte, é que os direitos humanos fundamentaispodem ser objeto de uma leitura deontológica pelo menos na porçãodo seu conteúdo essencial, em que, finalmente, a alteridade eautonomia do texto são respeitadas.2 9

5 Migração do princípio da proporcionalidade para aesfera do direito do trabalho. O princípio da boa-fé

A cláusula do conteúdo essencial, assim como o princípio daproporcionalidade, seu irmão gêmeo, é, igualmente, de origemgermânica, constando expressamente do § 1º do artigo 19 da LeiFundamental de Bonn.

A matéria vem disciplinada no artigo 53.1 da Constituiçãoespanhola: “Solo por ley, que en todo caso deberá respetar su contenidoesencial, podrá regularse el ejercicio de tales derechos y libertades...”

Para tentar encontrar esse limite essencial, o Tribunal espanhol temadotado duas teorias, uma relativa e outra absoluta.. Pela primeira, oconteúdo essencial resulta de sua ponderação com aqueles bens e direitos

chama de intepretação deontológica, Gadamer chama de alteridade. Paul Ricoeur enfocaria a mesma questãoindagando se é possível uma leitura estrutural dos textos, diferenciando isso de uma filosofia estruturalista: “Fizsempre uma grande diferença entre uma filosofia estruturalista e um estudo estrutural de textos determinados.Aprecio consideravelmente esta última abordagem, porque é uma maneira de fazer justiça ao texto e de o levar aomelhor de suas articulações internas, independentemente das intenções do autor e, portanto, de sua subjetividade.Este aspecto do estruturalismo não me era estranho, pois sempre professei, sob o título de autonomia semânticado texto, a idéia de que este escapa ao seu autor e significa por si mesmo. Ora, a autonomia semântica do textoabria-o a abordagens que apenas tomam em conta a sua objetividade, enquanto dito, escrito e, portanto,objetivado. Tomo num sentido muito positivo, a objetivação como passagem obrigatória pela explicação, em vista deuma compreensão melhor, antes do regresso ao enunciador. Distingo isto de uma filosofia estruturalista, que, dasua prática, extrai uma doutrina geral em que o sujeito é eliminado da sua posição de enunciador do discurso. Sousimultaneamente familiar da prática estrutural e estou numa relação conflituosa com o estruturalismo... (RICOEUR,Paul. A crítica e a convicção. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 110). O Tribunal Constitucional Espanhol, na STC 11/1981,F.J. 10º., conceituou a cláusula do conteúdo essencial da seguinte forma: “parte del contenido de un derecho sinla cual éste pierde su peculiaridad o, dicho de otro modo, lo que hace que sea recognoscible como derechoperteneciente a un determinado tipo.”30 VILLASEÑOR GOYZUETA, Claudia Alejandra. Contenido esencial de los derechos fundamentales y jurisprudencia

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que justificam sua limitação, isto é, o conteúdo essencial seria encontradojustamente pelo uso do princípio da proporcionalidade. Pela teoriaabsoluta, os direitos humanos fundamentais teriam uma órbita acessória,que poderia ser restringida, e um núcleo essencial, intocável.

Como reconhece Claudia Alejandra Villasenõr Goyzueta,3 0 tanto umateoria como outra tornam relativos os direitos humanos fundamentais.A primeira, por considerar os direitos fundamentais sempre limitáveispor outros bens. A segunda por admitir um núcleo acessório nos direitoshumanos fundamentais que pode ser sempre restringido.

O constitucionalismo espanhol admite duas espécies de limites aosdireitos humanos fundamentais, ou seja, limites expressos e imanentes.

Os expressos são aqueles que decorrem da própria Constituição. Asentença do Tribunal Constitucional de 13.2.1981,3 1 reconheceu trêsníveis de limites expressos: a) limites imediatamente derivados daConstituição, como, por exemplo, o artigo 21, sobre o direito dereunião, que deve limitar-se quando houver alteração da ordempública com perigo para pessoas e bens; b) limites derivados daprópria Constituição pela necessidade de se preservar ou protegeroutros direitos fundamentais, como prescreve o artigo 20.4, que limita,por exemplo, o direito de criação artística a outros direitosreconhecidos no mesmo título; c) finalmente, limites derivados daConstituição com o fim de proteger outros bens constitucionalmenteprotegidos, hipótese esta onde se faz referência ao princípio daproporcionalidade e a técnica da ponderação de bens.

Nesta última hipótese, e dentro da jurisprudência do TribunalConstitucional espanhol, podemos exemplificar como limites derivadosda Constituição que restringem os direitos humanos com o fim deproteger outros bens constitucionalmente protegidos a STC 22/1981,que faz referência a uma política de pleno emprego (art. 40.1 da CE),bem como a STC 36/1982, que se reporta à segurança do cidadão.

Os limites imanentes também se originam do constitucionalismoalemão, precisamente do artigo 2.1 da Lei Fundamental de Bonn,que pontifica:

del tribunal constitucional español.. Madrid: Instituto de Derechos Humanos. Universidad Complutense Facultad deDerecho, 2003, p. 28-36.31 VILLASEÑOR GOYZUETA, Claudia Alejandra. Contenido esencial de los derechos fundamentales y jurisprudenciadel tribunal constitucional español.. Madrid: Instituto de Derechos Humanos. Universidad Complutense Facultad deDerecho, 2003, p. 45-46.32 VILLASEÑOR GOYZUETA, Claudia Alejandra. Contenido esencial de los derechos fundamentales y jurisprudencia

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“Todos tienen derecho al libre desenvolvimiento de su personalidad siempre que novulnerem los derechos de outro ni atente al orden constitucional o a la ley moral”.

Aqui, o que se reconhece é que os direitos humanos fundamentaispodem sofrer limites que não se encontram expressamente mencionadosna Constituição, havendo, por assim dizer, limites indiretos.

Sobre isso, disse o Tribunal Constitucional espanhol na sentença 2/182: “todo derecho tiene sus limites, que... establece la Constitución porsi misma en algunas ocasiones, mientras en otras el limite deriva de unamanera mediata o indirecta de tal norma, en cuanto ha de justificarse porla necesidad de proteger o preservar no solo otros derechosconstitucionales, sino también otros bienes constitucionalmente protegidos.”

O mesmo Tribunal, pela porta dos limites imanentes, passou a erigircomo restrição aos direitos humanos fundamentais laborais, valorese noções do Direito Privado.

Com efeito, disciplina o artigo 7º. do Código Civil espanhol que:“1. Los derechos deberán ejercitarse conforme a las exigencias de labuena fé.. 2. La ley no ampara el abuso del derecho o el ejercicioantisocial del mismo…”

Como alerta Claudia Alexandra Villaseñor Goyzueta,3 2 “estosconceptos propios de Derecho Privado han sido extrapolados a modode limites de los derechos fundamentales por el Tribunal Constitucional”.

Isso significa que o princípio da proporcionalidade na cultura jurídicaespanhola vai desembarcar no Direito do Trabalho como técnica atravésda qual serão dirimidos os conflitos entre os direitos humanos dostrabalhadores, de um lado, e o princípio da boa-fé, de outro.

Entra-se, assim, no campo da chamada eficácia horizontal dos direitoshumanos. É que o princípio da proporcionalidade foi originalmenteconcebido para equacionar conflitos no plano vertical, isto é, atitularidade do direito fundamental pertence ao indivíduo que a exercecontra o Estado ou o direito fundamental corresponde a uma obrigaçãoou uma proibição a cargo do Estado. Mas com a gradativaconsolidação do Estado Social, os direitos humanos fundamentais seprojetaram também no âmbito das relações particulares.

E essa eficácia horizontal consistirá no palco onde, doravante, ocorrerão

del tribunal constitucional español.. Madrid: Instituto de Derechos Humanos. Universidad Complutense Facultad deDerecho, 2003, p. 73.33 VALDÉS DAL-RÉ, Fernando. Contrato de trabajo, derechos fundamentales de la persona del trabajador y poderes

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os embates entre, de um lado, os direitos humanos fundamentais dostrabalhadores e, de outro lado, o poder de direção do empregador.

6 Um exercício de direito comparado entre Espanhae Brasil: o princípio da proporcionalidade comoinstrumento de avanço ou precarização dos direitostrabalhistas

As diferentes correntes doutrinárias e jurisprudências que tratam doexercício dos direitos fundamentais do trabalhador em face doempregador, num ambiente contratual, são resumidas por FernandoValdés Dal-Ré3 3 em duas orientações metodológicas. Pela primeira,que considera a mais correta, o Tribunal entende que os direitoshumanos fundamentais do trabalhador não são absolutos, maslimitados, atraindo o problema da colisão com outros direitos, bense valores constitucionais, o que deve ser equacionado com o teste daponderação. Já o ponto de partida do enfoque da segunda orientaçãometodológica anuncia um critério comparativo de modulação entredireitos, e não de colisão, de forma que o exercício do direitofundamental tem de resultar compatível com a autonomia privada.Aqui, a boa-fé eclodiria como elemento extraconstitucional, cujopropósito seria restringir os direitos humanos fundamentais, resultandonum processo de interiorização da lógica contratual nos direitoshumanos fundamentais dos trabalhadores.

A doutrina trabalhista em questão, portanto, admite, francamente,que os direitos humanos fundamentais dos trabalhadores possam serlimitados e ponderados com outros direitos, valores ou bens, desdeque agasalhados constitucionalmente, e não com a boa-fé, que seriaum princípio infraconstitucional, oriundo do direito privado.

Edurne Terradillos Ormaetxea,3 4 autor de uma anunciada primeiramonografia que enfrentou o tema do princípio da proporcionalidade naperspectiva do Direito do Trabalho, também chega a conclusõessemelhantes, rechaçando toda e qualquer objeção à utilização do princípio

empresariales: una difícil convivencia. Editorial. Relaciones Laborales. Revista Critica de Teoria e Prática, n. 22, nov. 2003.34 TERRADILLOS ORMAEXTXEA, Edurne. Principio da proporcionalidad, constitución y derecho del trabajo. Valencia:Tirant lo Blanch, 2004, p. 99.35 CASAS BAAMONDE, María Emilia. La plena efectividad de los derechos fundamentales: juicio de ponderación (¿o

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da proporcionalidade no equacionamento de conflitos envolvendo direitoshumanos fundamentais trabalhistas, fazendo, no entanto, restrições àutilização da boa-fé contratual como princípio que entorpece o plenoexercício dos direitos fundamentais no domínio da empresa, não obstantereconheça que tal tendência modulatória continue em plena ascensão.

Não é propósito desse estudo, entretanto, ficar reproduzindo todas asvariantes que o tema vem apresentando na doutrina trabalhista espanhola.

É que, assim como nos debates dos constitucionalistas sobre o conceitode valor na Constituição espanhola, as opiniões das doutrinas trabalhistassobre os contornos da boa-fé contratual são inúmeras e a reproduçãode todas elas se revelaria em tarefa sem muita utilidade teórica ou pratica.

María Emilia Casas Baamonde,3 5 por exemplo, acrescentando maisuma pitada no debate, após afirmar que a cláusula da boa-fé éutilizada pela jurisprudência italiana, alemã e francesa, conclui quea mesma vem sendo empregada pelo Tribunal ConstitucionalEspanhol em consonância com a Constituição, havendo, assim, uma“constitucionalização da boa-fé contratual”, apesar de reconhecerque se trata de um conceito indeterminado ou juízo de valor.

Nisso, bate de frente com outros constitucionalistas, como De Otto yPardo, para quem “... junto a los limites constitucionales expresos y em elmismo plano que ellos viene a situarse um nuevo limite, la buena fé em elejercicio de los derechos, exigência general del tráfico jurídico que a todasluces carece por completo de reconocimiento o protección constitucional”.3 6

A tendência é que esse debate se fragmente cada vez mais eminúmeras opiniões doutrinárias, em diversas subcorrentes,3 7 já que suarazão de ser permanece intocável, vale dizer, a utilização de princípioda proporcionalidade como modelo de equacionamento de embatesjurídicos envolvendo direitos humanos fundamentais trabalhistas.

Como se trata de um superprincípio que, apesar de fomentado naesfera do Direito Constitucional, possui uma gama enorme de aplicação,

de proporcionalidad?) y princípio de buena fé. Editorial. Relaciones Laborales. Revista Critica de Teoria e Prática, n.11, ago. 2004.36 DE OTTO Y PARDO, Ignacio. La regulación del ejercicio de los derechos y libertades. La garantia de su contenidoesencial en el articulo 53.1 de la constitución. In: RETORTILLO, Lorenzo Martin; OTTO Y PARDO, Ignacio de (Orgs.)Derechos fundamentales y Constitución. Madrid: Civitas 1988, p. 113.37 Fala-se, nessa linha, de mais uma doutrina que, além da proporcionalidade, concebeu um outro princípio, agoradenominado de princípio da indispensabilidade, segundo o qual os direitos humanos fundamentais dos trabalhadorespodem ser restringidos desde que a restrição seja estritamente indispensável para o correto e ordenadodesenvolvimento da atividade produtiva. (STC 99/1994, de 11 de abril, F.J. 4º).38 TERRADILLOS ORMAEXTXEA, Edurne. Principio da proporcionalidad, constitución y derecho del trabajo. Valencia:

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seja no Direito Administrativo, seja no Direito Penal, e também no DireitoProcessual Civil ou Trabalhista, não se pretende, aqui, rechaçar aproporcionalidade como algo indesejável ao mundo jurídico, masapenas restringir o foco ao problema da utilização transportada desseprincípio no equacionamento de embates envolvendo os direitoshumanos fundamentais, agora no campo trabalhista.

A origem, portanto, dessas divergências, quer no seio doconstitucionalismo espanhol, quer, agora, na ambiência do Direito doTrabalho, está, justamente, no marco teórico utilizado, e nunca questionado,consubstanciado no entendimento de que os direitos humanos sãocomandos otimizáveis, ponderados com outros bens e valores.

A doutrina trabalhista, ao se emaranhar no debate da boa-fé enquantodado admoestador dos direitos humanos fundamentais na órbita da relaçãode emprego, parece desconhecer que foi justamente o princípio daproporcionalidade que ensejou o ingresso no mundo do Direito do Trabalhoda cláusula da boa-fé contratual. Ou seja, foi a própria lógica do princípioda proporcionalidade em sentido estrito que, ao admitir que os direitoshumanos fundamentais se submetem a um juízo de ponderação com outrosbens e valores, que propiciou (pela via da doutrina alemã dos limitesimanentes) a ascensão de um simples princípio de direito privado ao statusde oponente e limitador dos direitos humanos fundamentais do trabalhador.

As art imanhas interpretat ivas que o princípio daproporcionalidade enseja em desfavor dos trabalhadores sãoinúmeras, bastando imaginar, por exemplo, que se relacione a boa-fé contratual com o artigo 38 da Constituição espanhola, quegarante, no plano constitucional, a liberdade de empresa e aprodutividade como marcos da economia de mercado, para quea restrição de que a boa-fé contratual seria um elementoextraconstitucional caia por terra. É o que pensa expressamente,entre outros, Eduardo Terradillos Ormaextxea.3 8

Tudo muito refinado, trazendo a proporcionalidade ressalvas e distinçõesteóricas que brotam de todos os lados, com o Direito do Trabalho andandoem círculos, tornando-se vítima do próprio marco teórico que elegeu.

No plano da eficácia horizontal, entre as incongruências teóricas quepassam a girar em torno do princípio da proporcionalidade aplicado aos

Tirant lo Blanch, 2004, p.71.39 TERRADILLOS ORMAEXTXEA, Edurne. Principio da proporcionalidad, constitución y derecho del trabajo. Valencia:

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conflitos trabalhistas envolvendo o exercício de direitos humanosfundamentais convém ressaltar apenas uma.

Considera-se a segurança jurídica como uma ilusão retrógrada,pregando-se, inclusive, que os critérios aplicados na solução dedeterminado caso não sejam repetidos no futuro.3 9 Comemora-se que osjuízes ganham em protagonismo, passando a atuar como agentestransformadores de uma nova ordem. As reflexões teóricas trabalhistas,com suporte nas decisões do Tribunal Constitucional, começam a admitir,como cânone, que os direitos humanos fundamentais trabalhistas podemser “licitamente restringidos”, ou seja, por mais paradoxal que possa parecer,passa a ser um lugar comum que o empresário pode, “licitamente”, limitaro exercício de um direito fundamental do trabalhador.4 0 De repente, comoque acendendo uma luz vermelha, vem a lume que os juízes, emcontrapartida, devem ter sua conduta “vigiada e avaliada” à luz do mesmocritério de proporcionalidade que se lhes autorizou empregar. Surgem asqueixas doutrinárias, seja do juiz que, ponderando mal, autorizou aviolação de um domicílio,4 1 seja desta ou daquela decisão, que, numjuízo de ponderação, decidiu contra os direitos humanos fundamentaisdos trabalhadores.4 2 A crítica de Abdón Pedrajas Moreno4 3 é contundente,tendo o autor, em estudo do ano de 1992, chegado à conclusão de que o

Tirant lo Blanch, 2004, p. 6340 TERRADILLOS ORMAEXTXEA, Edurne. Principio da proporcionalidad, constitución y derecho del trabajo. Valencia: Tirant loBlanch, 2004, p. 83. No mesmo sentido, afirma María Emilia Casas Baamonde: “Naturalmente el principio de buena fe limitael ejercicio de los derechos fundamentales de los trabajadores frente a actuaciones lícitas del empresario.” (La plena efectividadde los derechos fundamentales: juicio de ponderación (¿o de proporcionalidad?) y princípio de buena fé. Editorial. RelacionesLaborales. Revista Crítica de Teoria e Prática, n. 11, ago. 2004).41 TERRADILLOS ORMAEXTXEA, Edurne. Principio da proporcionalidad, constitución y derecho del trabajo. Valencia: Tirant loBlanch, 2004, p. 6742 Sobre uma crítica desta visão contratualizada dos direitos humanos na jurisprudência espanhola, ver, VALDÉSDAL-RÉ, Fernando. Contrato de trabajo, derechos fundamentales de la persona del trabajador y poderes empresariales:una difícil convivencia. Editorial. Relaciones Laborales. Revista Crítica de Teoria e Prática, n. 22, nov. 2003.43 “Pese a la complejidad, pues, de la jurisprudencia del TC cuando viene referida a las situaciones específicas en que losderechos personales del trabajador son los que se esgrimen para sustentar su petición de amparo, no obstante, en miopinión, el balance que puede establecerse de un análisis y valoración de conjunto de los diferentes pronunciamientos delseñalado Órgano, referidas a la materia estudiada, no es tan positivo como el que se hacía en relación con las formulacionesgenerales. Por el contrario, cabe afirmar que el TC ha adoptado una posición en buena medida restrictiva, que esconsecuencia de que, en esta materia, parece hacer primar el valor superior de la ‘libertad’ sobre el de la ‘igualdad’,decantando a favor de la primera la solución del conflicto y dejando de lado el contrapeso que debería suponer la según da,habida cuenta del carácter complementario que, entre si, hay que reconocer a los valores superiores que la CE proclama.Esa prevalencia de la ‘liberdad’ se concreta en una visión ‘contractualizada’ de las cuestiones controvertidas, haciendoespecial énfasis en la persistencia de bienes como el de la seguridad jurídica, de una parte, y los de la lealtad, buena fe yconfianza, de otra.” E ainda: “En la dialéctica que se plantea entre las obligaciones privadas derivadas del contrato, queincumben al trabajador, y las limitaciones que para que el ejercicio de los derechos fundamentales de éste pueden afectaral empresario, se opta abiertamente por la salvaguardia de las primeras.” PEDRADAS MORENO, Abdón. Despido ederechos fundamentales. Estudio especial de la presunción de inocencia. Madrid: Trotta, 1992, p. 87-88.44 FERREIRA, Gilmar Mendes. Direitos individuais e suas limitações. In: FERREIRA, Gilmar Mendes; COELHO,

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Tribunal Constitucional estava atuando de forma restritiva aos direitoshumanos fundamentais do trabalhador, dando maior peso ao valor“liberdade” do que ao valor “igualdade”. É como se o juiz constitucionalpudesse, num passe de mágica, transformar-se em herói ou vilão, ou seja,a doutrina trabalhista adota, com bom grado, o princípio daproporcionalidade, achando natural conferir mais poderes ao juiz parajulgar de acordo com um juízo de preferência entre direitos e valores,desde que a solução oriunda da ponderação esteja do lado do trabalhador,como se o inverso, pelos mesmos motivos, não pudesse ocorrer.

No Brasil, já existem estudos apontando que o Supremo Tribunal Federalvem utilizando em escala cada vez mais freqüente o princípio daproporcionalidade na solução de conflitos, admitindo, de igual modo, aexistência de colisão de direitos, o que deve ser equacionado por umaponderação de bens e valores. Destaca-se, nessa linha, o estudo de GilmarMendes Ferreira, que faz uma pesquisa detalhada de casos, seja najurisprudência alemã, seja na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.4 4

Após admitir que a doutrina constitucional brasileira também vem-seinclinando em prol do princípio da proporcionalidade, Alexandre de CastroCoura,4 5 ainda sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal, conclui:

Assim, há de se reconhecer que o exercício da Jurisdição constitucional no Brasiltem reforçado a perspectiva teórica divulgada por Alexy, segundo a qual aponderação de bens e interesses representa a única solução para o problema daaplicação jurisdicional dos princípios constitucionais, bem como para a questãoda vinculação dos direitos fundamentais.

No que tange à doutrina e jurisprudência trabalhistas, não éincomum, no Brasil, o debate em torno dos direitos humanos dostrabalhadores no âmbito da empresa, o que eclode, com maisfreqüência, nos casos em que o empresário realiza revistas íntimasem seus empregados.

Nesse ponto, tal como ocorreu na Espanha, firmou-se entre nós,como natural, o entendimento de que “a inserção do obreiro noprocesso produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo

Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet (Orgs.). Hermenêutica constitucional. Direitos fundamentais.Brasília: Brasília Jurídica. Instituto Brasiliense de Direito Público, 2000, p. 197-316.45 COURA, Alexandre de Castro. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (Coord.). Limites e possibilidades datutela jurisdicional no paradigma do Estado Democrático de Direito: para uma análise crítica da “jurisprudência devalores”. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.46 BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTR, 1997, p. 32.

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exercício pressupõe liberdades civis”, sendo essa, precisamente, a liçãoda jurista Alice Monteiro de Barros.4 6

No entanto, são ainda raros os debates sobre a utilização doprincípio da proporcionalidade no âmbito da eficácia horizontal dosdireitos humanos do trabalhador, pelo menos na mesma proporçãoem que a matéria é tratada na Espanha.

Mas, gradativamente, o princípio também vem-se expandindo entrenós, conforme se observa do Acórdão a seguir ementado:

COLISÃO DE DIREITOS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DEINICIATIVA E DIREITO À PRIVACIDADE. EXCESSOS DE PODER DOEMPREGADOR. EMPREGADOS SUBMETIDOS À SITUÇÃO VEXATÓRIA EHUMILHANTE. Indiscutível a garantia legal de o empregador poder fiscalizarseus empregados (CF/88, artigo 170, caput, incisos II a IV), na hora de saída dotrabalho, de forma rigorosa, em se tratando de atividade industrial ou comercialde medicamentos visados pelo comercio ilegal de drogas. A fiscalização devedar-se, porém, mediante métodos razoáveis, de modo a não expor a pessoa auma situação vexatória e humilhante, não submetendo o trabalhador à violaçãode sua intimidade (CF/88, artigo 5º., X). (...) A colisão de princípios constitucionaisem que de um lado encontra-se a livre iniciativa (CF/88, art. 170) e de outro atutela aos direitos fundamentais do cidadão (CF/88 artigo 5º.. X) obriga o juiz dotrabalho a sopesar os valores e interesses em jogo para fazer prevalecer o respeitoà dignidade da pessoa humana.”4 7

Na hipótese em questão optou-se pelo valor “dignidade da pessoa”humana. Na ótica da ponderação de bens, a preferência poderia terrecaído no valor contrário, o que significa reconhecer que o princípioda proporcionalidade, por si só, não pode carregar a culpa desta oudaquela tendência jurisprudencial.

Não obstante, é forçoso admitir que a ideologia que anima aproporcionalidade se encaixa como molde perfeito para arelativização dos direitos sociais no Brasil, principalmente porque aCarta de 1988 constitucionalizou, em seu artigo 7º., uma enormegama de direitos trabalhistas.

Vamos imaginar, no caso brasileiro, um empresário que, alegandodificuldades financeiras e defendendo uma política de pleno emprego,4 8

resolva, unilateralmente, restringir a liberdade sindical, mediante a dispensa

47 Processo RR 57839/99, DJ de 2.4.2004.48 Um dos valores que o Tribunal Constitucional Espanhol costuma pondera com os direitos humanos fundamentaisé o valor de uma política de pleno emprego (art. 40.1 da CE).49 VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado – O direito do trabalho no limiar do

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de dirigente sindical, em contrariedade ao que reza o inciso VIII do artigo8º. da CF. Suponha-se, ainda, que o empregador, sob os mesmosfundamentos, decida alterar as condições contratuais dos seusempregados, remunerando o gozo das férias, pagando o adicional deinsalubridade e reduzindo o salário dos seus empregados, emdesconformidade com o que preceituam os incisos XVI, XXIII e VI do artigo7º. da CF. Submetida a matéria em uma reclamação trabalhista, o juizbrasileiro não teria dúvidas de, aplicando o código binário válido/inválido(um código, portanto, deontológico, que respeita a alteridade dos direitoshumanos fundamentais do trabalhador), determinar a reintegração dodirigente sindical, declarando, ainda, a ilegalidade das alteraçõesrealizadas. O mesmo, entretanto, não ocorreria se o assunto fosseenfrentado à luz do princípio da proporcionalidade, que indagaria se aviolação ao direito do trabalhador atendeu aos requisitos de conformidadeou adequação de meios; princípio da exigibilidade ou da necessidade eprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. Esse é o sentido dosartigos 181 e 179.2 da Lei Espanhola de Procedimento Laboral. Osdispositivos afirmam que nas demandas que envolvam alegações deviolação da liberdade sindical ou outro direito fundamental, corresponderáao demandado – normalmente o empregador, apresentar uma justificação“objetiva e razoável” das medidas adotadas e de sua “proporcionalidade”.

Doravante, nesse admirável mundo novo, totalmente razoável eproporcional, tudo seria possível.

Aliás, proporcionalizar, razoabilizar e flexibilizar são expressõessinônimas, não sendo difícil concluir que o princípio daproporcionalidade, aplicado nas relações trabalhistas brasileiras,atende, prontamente, aos ditames da precarização de direitos.

Márcio Túlio Viana,4 9 após lembrar que a instabilidade da pós-modernidade e do mundo globalizado exigem, de igual forma,um direito precário, oscilante e, acrescentamos por conta própria,um direito proporcional, destaca que um dos baluartes daflexibilização trabalhista é justamente o princípio da razoabilidade,pois é ele “o único que se estende, pois nada como uma palavraelástica como essa para abrigar os argumentos da nova ideologia.Afinal, quando se tem um argumento poderoso como o

século XXI. Revista LTR, 63-07/888-893.50 CARRILLO, Marc. El derecho a no ser molestado. Información e vida privada. Navarra: Aranzadi, 2003, p. 17.

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desemprego, tudo passa a ser razoável...”Marc Carrillo5 0 entende que o único direito fundamental de caráter

absoluto e que, portanto, não pode ser objeto de ponderação comoutros valores, bens e interesses é o direito de não ser torturado ou denão ser submetido a penas degradantes, o que nos leva a concluir queo empregador, por exemplo, jamais poderia torturar o empregado paraobter a confissão ou não de um furto praticado na empresa, por maisvalioso e importante que seja o interesse colocado na outra ponta.5 1

No mais, tudo poderia ser objeto da incidência do princípio daproporcionalidade, como que indicando que no rol dos direitoshumanos fundamentais, uns são mais fundamentais do que os outros.

Finalmente, o princípio da proporcionalidade seria o argumento quefaltava para justificar restrição aos direitos humanos fundamentais dostrabalhadores quando, no outro extremo estivesse em jogo políticasgovernamentais, oportunidade em que comumente se invocam valorescomo “governabilidade”, “inflação”, “sucesso de metas econômicas”,sendo essa, precisamente, um grupo de tendência ainda presente emnossos tribunais, que entende que o Judiciário deve ser coadjuvante depolíticas econômicas que satisfaçam a manutenção da governabilidade,conforme apurado na pesquisa de Oscar Vieira Villena.5 2

7 Conclusão

Nesse breve estudo procurou-se demonstrar que a perspectivaeuropéia de enfocar as relações trabalhistas sob o prisma dos direitoshumanos fundamentais do trabalhador apresenta uma dupla face.

Se de um lado seduz, por prometer uma nova era de proteção aosdireitos dos trabalhadores, de outro, produz uma relativização de suasgarantias, na medida em que os direitos humanos fundamentais decunho trabalhista passam a ser interpretados sob a ótica do princípioda proporcionalidade.

É bem verdade que os efeitos da adoção desse princípio nos países

51 Se, ao contrário, a tortura fosse possível, teríamos as seguintes indagações, à luz do princípio da proporcionalidade:a) medida adotada para a realização do interesse empresarial foi apropriada à consecução do fim ou fins a elesubjacentes? b) era possível adotar outro meio menos oneroso, ou o empregado só confessaria através de tortura?c) o meio utilizado foi ou não proporcional à gravidade do furto?52 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.139.53 TERRADILLOS ORMAEXTXEA, Edurne. Principio da proporcionalidad, constitución y derecho del trabajo. Valencia:

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europeus pode ser bem diverso das conseqüências da sua utilizaçãoem paises ainda em vias de desenvolvimento, como o Brasil, sendoimpróprio pensar que a adoção no Direito do Trabalho, deste oudaquele princípio, teria o dom de, por si só, mudar os desígnios daevolução deste ramo do Direito.

No entanto, as interfaces entre a proporcionalidade e o fenômenoda flexibilização dos direitos dos trabalhadores são inúmeras,sobrando razões para defender a restrição da propagação desseprincípio no Direito do Trabalho.

Mesmo aqueles que dão as boas-vindas à proporcionalidadereconhecem que a sua aplicação no Direito do Trabalho não deveser feita nos mesmos parâmetros que em outras disciplinas jurídicas,devendo ser cunhada uma significação específica desse princípio,respeitada as peculiaridades das normas trabalhistas.5 3

Talvez tal conciliação pudesse ser concebida mediante uma restrição,permitindo-se o uso do princípio da proporcionalidade somente nos litígiosenvolvendo os direitos humanos fundamentais dos trabalhadores quePalomeque classificou de “inespecíficos”, ou sejam, direitos do trabalhadorenquanto pessoa e cidadão, ou direitos da personalidade, como o direitoà liberdade ideológica e religiosa; o direito à honra, à intimidade pessoale à própria imagem; direito à liberdade de expressão; direito à liberdadede informação, etc... Prevalecendo tal equacionamento doutrinário, nocaso brasileiro, por exemplo, direitos mínimos de proteção, como jornadae férias, mesmo estando supraordenados e considerados como direitoshumanos fundamentais do trabalhador, ficariam a salvo daproporcionalidade. Tal solução, entretanto, seria tortuosa. Primeiro, porqueseria parcial, resolvendo somente parte do problema que envolve atrivialização dos direitos humanos fundamentais do trabalhador. Segundo,por que deixaria incongruências, como no caso espanhol, em que aliberdade sindical e o direito de greve, a título de exemplificação, nãoentram na classificação de direitos “inespecíficos”, sendo consideradoscomo direitos fundamentais coletivos (art. 28.1 e 28.2 da CE), atraindo,portanto, na qualidade de direitos humanos fundamentais, a incidênciado princípio da proporcionalidade.

Partindo-se do entendimento de que os direitos sociais configuram

Tirant lo Blanch, 2004, p. 104.

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uma dimensão dos direitos humanos fundamentais, a expansão doprincípio da proporcionalidade no ordenamento jurídico de cada paísvai depender do grau de detalhamento dos direitos trabalhistas nocorpo de cada uma dessas constituições, dependendo, ainda, dosdireitos humanos que cada Constituição considerar como fundamentais.

Assim, quanto mais se reconheçam direitos trabalhistas comodireitos humanos fundamentais, mais proporcionalidade.

O juízo de adequabilidade é uma alternativa teórica e práticaque se apresenta, em contraposição ao juízo de proporcionalidade.

O caminho, aqui, não é menos tortuoso.Primeiro, porque o princípio da proporcionalidade configura

solução mais cômoda, fornecendo ao juiz constitucional umatabela de perguntas ou cartilha que indica um caminho nojulgamento de l i t ígios envolvendo o exercíc io de direi tosfundamentais. O juízo de adequação, por outro lado, demandaum esforço e um compromisso bem maior do intérprete daConstituição, que se encontra na tarefa de ter que reconstruir odireito vigente em cada caso, hipótese que se indagará pelanorma juridicamente válida, e não pela solução que mais lheagrade. Nessa vertente, o empregador não é convidado a realizaruma violação proporcional aos direitos humanos fundamentaistrabalhistas e, a crença, é no respeito do direito, como um todo,e não somente em um núcleo essencial.

Segundo, porque o princípio da proporcionalidade, na perspectivado direito comparado, vai-se firmando como uma tendência quaseque irreversível, já tendo atravessado os mares e aportado neste cantodo Atlântico Sul, como quem não deseja mais sair.

Esses obstáculos, entretanto, não encerram a questão, já que oDireito nem mesmo existiria se não viesse ungido de um certohorizonte utópico.

O importante nesse debate é que seja possível, cada vez mais, aobtenção de critérios com fundamento nos quais as escolhas dointérprete da Constituição não se distanciem das escolhas que o povo,soberanamente, positivou na Constituição.

E a capacidade de o Direito do Trabalho pôr-se próximo desseobjetivo vai depender da disposição da cultura jurídica manter nohorizonte a idéia de que os direitos, segundo a bela formulação deRonald Dworking, sejam levados a sério.

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