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DEFENSORIA PÚBLICA SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA AS MULHERES Mutirão de Assistência Jurídica às Mulheres em Situação de Prisão* EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelo Defensor Público que esta subscreve, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 5º, inciso LXVIII da Constituição da República, bem como nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar ordem de * O presente pedido decorre da celebração do Convênio nº 194/2008 entre a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, cujo objeto consiste em realização de “Mutirão de Assistência Jurídica às Mulheres em Situação de Prisão” do Estado, mediante atuação de Defensores Públicos em sede de processo de conhecimento e de execução penal. Além da prestação de assistência jurídica integral e gratuita a todas as presas provisórias e definitivas, referido projeto proporcionará análise e levantamento de dados sobre a realidade prisional feminina de São Paulo com vistas à elaboração de políticas públicas efetivas.

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DEFENSORIA PBLICA SECRETARIA ESPECIAL DE POLTICAS DO ESTADO DE SO PAULO PARA AS MULHERES

Mutiro de Assistncia Jurdica s Mulheres em Situao de Priso*

EXCELENTSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRGIO TRIBUNAL DE JUSTIA DE SO PAULO.

A DEFENSORIA PBLICA DO ESTADO DE SO PAULO, pelo Defensor Pblico que esta subscreve, vem, respeitosamente, presena de Vossa Excelncia, com fundamento nos artigos 5, inciso LXVIII da Constituio da Repblica, bem como nos artigos 647 e seguintes do Cdigo de Processo Penal, impetrar ordem de

HABEAS CORPUS

com pedido liminar

em favor de DANIELA DO NASCIMENTO ALVES DE MELO, RG n 61516082, filha de Elizeu Alves de Melo e Rosa Antonia do Nascimento de Melo, nascida em 19/02/1986, em Praia Grande - SP, figurando como autoridade coatora o Juzo de direito da 14 Vara Criminal de So Paulo - Capital - So Paulo, em razo do constrangimento ilegal a que est sendo submetida.

DOS FATOS

A paciente foi presa em flagrante pela suposta prtica do trfico de drogas em 04 de maio de 2011. Durante a instruo processual permaneceu presa preventivamente. Foi condenada em 18 de outubro de 2011 a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses em regime fechado, a despeito da aplicao do pragrafo 4 do artigo 33 da Lei 11.343/06.

Na sentena o juzo de primeira instncia negou o apelo em liberdade sem a devida fundamentao legal e ignorando o fato da r estar grvida. Aduziu o juzo impetrado genericamente garantia da ordem pblica e da aplicao da lei penal, sem qualquer aluso a concretude do caso.

Desta forma, mister a concesso da ordem para que seja concedida a liberdade provisria ou a substituio da priso preventiva pela priso domiciliar.

DO DIREITO

Primeiramente, cabe destacar que o ordenamento jurdico preconiza a liberdade - corolrio do Estado Democrtico de Direito em detrimento do aprisionamento. Sendo assim, a liberdade apresenta-se como regra, enquanto a sua restrio caracteriza exceo.

Neste sentido preconiza o novel artigo 321 do Cdigo de Processo Penal:

Art. 321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretao da priso preventiva, o juiz dever conceder liberdade provisria, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Cdigo e observados os critrios constantes do art. 282 deste Cdigo.

Desta forma, para que a liberdade provisria seja negada, mister estejam presentes, in concreto, os pressupostos da priso preventiva.

In casu, como o juzo no fundamentou concretamente a presena de qualquer dos requisitos da priso preventiva, seu direito subjetiva da paciente sua libertao. De fato, no h nenhum elemento concreto a demonstrar que em liberdade a requerente representaria risco instruo criminal, aplicao da lei penal ou ordem pblica ou econmica, devendo, portanto, a liberdade provisria ser concedida, posto ser desproporcional e desnecessria a manuteno da mesma em crcere. Nesse sentido, a clssica lio de Fernando da Costa Tourinho Filho:

Embora o texto (do art. 310) empregue a expresso poder, demonstrativa de mera faculdade, estamos hoje convencidos de que se trata de um poder que se converte em dever, se satisfeitas as condies legais. Nem teria sentido ficasse a medida subordinada ao bel-prazer, vontade, s vezes caprichosa e frvola, do Magistrado. (...) Assim, quando o Juiz verificar, pelo auto de priso em flagrante, que a segregao do indiciado ou ru desnecessria para a garantia da ordem pblica, para assegurar a aplicao da lei penal, ou mesmo que no haver nenhum inconveniente para a instruo criminal permitir-lhe ficar solto, determinar a abertura de vista ao rgo do Ministrio Pblico para se pronunciar a respeito e, aps, poder conceder-lhe liberdade provisria mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogao (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal; 3 Vol., 23 edio; Editora Saraiva, 2001. p 454/456.).

Por outro lado, como demonstrao da excepcionalidade da priso cautelar, o Cdigo de Processo Penal foi reformado para a incluso da priso domiciliar nos seguintes termos:

Art. 317. A priso domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residncia, s podendo dela ausentar-se com autorizao judicial.

Art. 318. Poder o juiz substituir a priso preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I - maior de 80 (oitenta) anos;

II - extremamente debilitado por motivo de doena grave;

III - imprescindvel aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficincia;

IV - gestante a partir do 7o(stimo) ms de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Pargrafo nico. Para a substituio, o juiz exigir prova idnea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

Conforme comprova a documentao em anexo, a paciente gestante, com quase 9 (nove) meses de gravidez. Assim, mister a concesso da priso domiciliar em caso de negativa da liberdade provisria.

Dentre os direitos humanos assegurados expressamente pela Constituio Federal, esto o direito social proteo da maternidade e da infncia e o direito das mulheres encarceradas de permanncia com seus filhos durante a fase de amamentao. o que dispem o artigo 5, inciso L, e o artigo 6, caput, da Carta Magna:

Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

[...]

L s presidirias sero asseguradas condies para que possam permanecer com seus filhos durante o perodo de amamentao.

Art. 6. So direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio.

Em nvel infraconstitucional, a Lei n. 11.942/2009 deu nova redao ao pargrafo segundo do artigo 83 e ao artigo 89 da Lei de Execuo Penal, para o fim de assegurar, expressamente, s mulheres presas o direito de cuidar e amamentar seus filhos por, no mnimo, 6 (seis) meses, prevendo ainda que as penitencirias de mulheres devero obrigatoriamente dispor de espaos adequados ao acolhimento de gestantes e parturientes:

Art. 83.

2. Os estabelecimentos penais destinados a mulheres sero dotados de berrio, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amament-los, no mnimo, at 6 (seis) meses de idade.

Art. 89. Alm dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciria de mulheres ser dotada de seo para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianas maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criana desamparada cuja responsvel estiver presa.

Por sua vez, o Estatuto da Criana e do Adolescente assegura gestante o atendimento mdico pr e perinatal, e tambm acompanhamento no perodo ps-natal, garantindo, ainda, o direito amamentao inclusive no caso de mes privadas da liberdade:

Art. 7 A criana e o adolescente tm direito a proteo vida e sade, mediante a efetivao de polticas sociais pblicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condies dignas de existncia.

Art. 8 assegurado gestante, atravs do Sistema nico de Sade, o atendimento pr e perinatal.

1 A gestante ser encaminhada aos diferentes nveis de atendimento, segundo critrios mdicos especficos, obedecendo-se aos princpios de regionalizao e hierarquizao do Sistema.

2 A parturiente ser atendida preferencialmente pelo mesmo mdico que a acompanhou na fase pr-natal.

3 Incumbe ao poder pblico propiciar apoio alimentar gestante e nutriz que dele necessitem.

4o Incumbe ao poder pblico proporcionar assistncia psicolgica gestante e me, no perodo pr e ps-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequncias do estado puerperal.

5o A assistncia referida no 4o deste artigo dever ser tambm prestada a gestantes ou mes que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoo.

Art. 9. O Poder Pblico, as instituies e os empregadores propiciaro condies adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mes submetidas a medida privativa de liberdade.

E a Lei de Execuo Penal enftica ao prever que as pessoas condenadas ao cumprimento de pena no podero sofrer nenhuma mitigao de direitos que no tenha sido determinada na prpria sentena ou na lei, vale dizer, no caso dos condenados pena privativa de liberdade, estes conservam todos os demais direitos de que so titulares. o que preceitua o artigo 3:

Art. 3. Ao condenado e ao internado sero assegurados todos os direitos no atingidos pela sentena ou pela lei.

A requerente, no entanto, para o cumprimento da pena a que foi condenada, est recolhida em uma penitenciria superlotada, insalubre e desprovida de estrutura fsica para acolhimento de presas em estgio avanado de gravidez, sem condies para um adequado acompanhamento mdico pr, peri e ps-natal, e, menos ainda, para acolhimento da criana que est por vir.

Assim, flagrante o constrangimento ilegal a que est sendo submetida, em razo de estar recolhida em estabelecimento totalmente inadequado sua condio especial de mulher gestante.

H, ainda, que se considerar a situao do futuro filho da requerente, o qual est prestes a nascer: caso ela continue na penitenciria, ante a ausncia de vaga em estabelecimento adequado, ele no poder permanecer com a me; possivelmente, ser entregue aos cuidados de terceira pessoa. Neste caso, o filho tambm restar violado em seus direitos fundamentais, dentre eles, em especial, o direito convivncia familiar e o direito alimentao, este pressuposto dos direitos vida e sade, haja vista ser o aleitamento materno imprescindvel nessa fase.

A Constituio Federal estabelece em seu artigo 227:

Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.

O princpio da proteo integral da infncia e juventude, e a garantia de absoluta prioridade aos direitos das crianas e adolescentes, impem, no presente caso, seja levado em considerao o interesse dessa criana que est para nascer, de forma preponderante a qualquer outro interesse, com o fim de lhe assegurar o direito de ser amamentado e cuidado por sua genitora nos primeiros meses de sua vida.

Ora, caso venha a ser separado da me no momento imediato ao parto, ficando, ento, privado dos cuidados maternos e do alimento de que necessita, a criana em questo estar, sem dvida alguma, suportando uma pena por fato a que no deu causa e, como sabido, nosso sistema penal repudia a idia de que algum possa ser penalizado por fato de outrem:

Constituio Federal.

Art. 5.

XLV nenhuma pena passar da pessoa do condenado, podendo a obrigao de reparar o dano e a decretao do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles executadas, at o limite do valor do patrimnio transferido.

E a jurisprudncia ptria tem se revelado sensvel a esse drama cotidiano vivenciado por mes encarceradas que so separadas de seus filhos em razo da falta de vagas em estabelecimentos penais adequados a esse tipo de situao.

Com efeito, no intuito de dar efetividade ao direito que tm as mes privadas de liberdade de cuidar e amamentar seus filhos, quando a presa se encontra recolhida em estabelecimento penal que no tenha condies estruturais para tanto, nossos Tribunais j vinham aplicando, por analogia, com as hipteses do artigo 117 da LEP, uma espcie de priso domiciliar especial, que agora conta com previso expressa do Cdigo de Processo Penal.

o que se v no julgado abaixo transcrito do Egrgio Superior Tribunal de Justia:

HABEAS CORPUS N 115.941 - PE (2008/0207028-0)

EMENTA

EXECUO PENAL. HABEAS CORPUS . 1. PRESA PROVISRIA. NECESSIDADE DE AMAMENTAO DE FILHO RECM-NASCIDO. DETENO EM COMARCA DIVERSA DE ONDE RESIDE E ONDE SE ENCONTRA A CRIANA. DIREITO CONSTITUCIONAL. RECONHECIMENTO. 2. APLICAO ANALGICA DO ART. 117 DA LEP. POSSIBILIDADE. MEDIDA EM NOME DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E PROPORCIONAL NO CASO CONCRETO. 3. ORDEM CONCEDIDA.

1. Mesmo s presas provisrias devem ser garantidas condies de permanecer com o filho no perodo de amamentao (artigo 5, L, CR). No razovel que a paciente fique presa em comarca diversa da que residia com a criana, ainda mais se j se encontra condenada em primeiro grau e no mais subsiste qualquer interesse probatrio na sua proximidade fsica com o local dos fatos.

2. possvel a aplicao analgica do artigo 117 da Lei 7.210/84, ao caso ora sob exame, mostrando-se proporcional e razovel que a paciente fique em regime domiciliar para dar maior assistncia a seu filho, j que no h estabelecimento adequado para estas circunstncias na Comarca de Juazeiro.

3. Ordem concedida para que a paciente seja colocada em priso domiciliar at o trnsito em julgado da ao penal, devendo o juzo de primeiro grau estipular as suas condies.

VOTO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Nos termos do artigo 3 da Lei de Execuo Penais, "ao condenado e ao internado sero assegurados todos do direitos no atingidos pela sentena ou lei". Assim, quanto mais em relao ao preso provisrio, dever ser-lhe assegurado o exerccio destes mesmos direitos. No caso, tem a me o direito de amamentar e prestar assistncia criana que gerou. Se no h na Comarca de Juazeiro local adequado para que possa estar perto de sua famlia e amamentar e cuidar do beb, ainda que estando recolhida em estabelecimento prisional, penso que deve ser-lhe assegurado o direito de permanecer em priso domiciliar. Ora, trata-se de direito individual fundamental insculpido no artigo 5 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil o direito das presidirias de "permanecer com seus filhos durante o perodo de amamentao". Nota-se na Lei de Execuo, da mesma forma, uma preocupao do legislador em deixar o preso prximo ao seu meio social e familiar, como forma de integrao social, fim mximo da execuo penal, nos termos do artigo 1 deste mesmo diploma. Dispe, ainda, o artigo 103 da Lei de Execuo Penal que "cada comarca ter, pelo menos, uma Cadeia Pblica a fim de resguardar o interesse da administrao da justia criminal e a permanncia do preso em local prximo ao seu meio social e familiar". Trata-se de artigo aplicvel, por bvio, tambm ao preso provisrio. H, verdade, o interesse da administrao da justia em que a paciente fique na comarca em que cometido o delito (Trindade/PE), como ressaltado pelo juzo de primeiro grau. Todavia, o interesse da administrao da justia tambm h que ser sopesado em relao ao interesse do menor lactente em ter a assistncia da me nestes

primeiros anos de vida. Por outro lado, com a prolao da sentena, penso que no se verifica mais qualquer razo para que a paciente seja mantida na Comarca em que teria sido cometida a infrao criminal. Considerando que o regime inicial aplicado em sentena condenatria paciente foi o regime semi-aberto, possvel a aplicao analgica do artigo 117 da Lei 7.210/84, ao caso ora sob exame, mostrando proporcional e razovel que a paciente fique em regime domiciliar para dar maior assistncia a seu filho, especialmente diante da notcia de que a av da criana, a quem incumbiam os seus cuidados, ficou viva recentemente, com a morte de seu marido em 6 de novembro de 2008. Como bem ressaltado no parecer da Subprocuradoria-Geral da Repblica:

" notrio que a priso domiciliar s deve ser concedida aos presos condenados no regime aberto (art. 117, da Lei de Execuo Penal). Porm, a rigidez da regra deve ser relativizada quando est em jogo o direito da criana. Estabelece o art. 227 da Constituio que ' dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso'.

(...)

No caso concreto, a criana, que se encontra em outro Estado e sob os cuidados da av (que tambm est em situao difcil, em razo da senilidade e da perda recente do esposo), precisa da proteo materna, de

modo que, entendo cabvel a priso domiciliar" (fls. 179/180).

Esta Sexta Turma tem admitido a concesso da priso domiciliar mesmo em casos de presos provisrios ou de condenados ao regime semi-aberto, quando a medida se mostrar necessria diante das peculiaridades do caso concreto, em nome da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrtico de Direito: "(...)

1. Constitui constrangimento ilegal submeter o paciente a condies incompatveis com a dignidade humana, um dos fundamentos sobre o qual repousa a Repblica Federativa do Brasil, bem como em local mais gravoso que o estabelecido na condenao.

2. Se o sistema prisional mantido pelo Estado no possui meios para manter o detento em estabelecimento apropriado, de se autorizar, excepcionalmente, que a pena seja cumprida em priso domiciliar.

3. O cidado, mesmo condenado e cumprindo pena, titular de direitos e estes no podem ser desrespeitados pelo prprio Estado que os conferiu.

4. Ordem concedida." (STJ, Sexta Turma, HC 96719/RS, Relator(a)

Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO

TJ/MG), j. 15/04/2008, DJ de 28/04/2008)

"(...)

4. Ainda que no satisfeitos os requisitos especficos do artigo 117 da Lei de Execuo Penal, a priso domiciliar tambm pode ser concedida a preso provisrio cujo estado de sade esteja dbil a ponto de no resistir ao crcere, em respeito dignidade da pessoa humana. Precedentes.

5. Nessa hiptese, o benefcio deve perdurar apenas enquanto a sade do agente assim o exigir, cabendo ao Juzo de 1 Grau a fiscalizao peridica dessa circunstncia, o mesmo podendo ocorrer na hiptese de os hospitais credenciados ao sistema penal virem a oferecer os servios de sade dos quais necessitam o agente.

6. Recurso parcialmente provido." (STJ, Sexta Turma, RHC 22537/RJ,

Relator(a) Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA

DO TJ/MG), j. 15/04/2008, DJ de 12/05/2008)

Ante o exposto, concedo a ordem para que a paciente seja colocada em priso domiciliar at o trnsito em julgado da ao penal, devendo o juzo de primeiro grau estipular as suas condies.

como voto.

A hiptese se assemelha aos casos em que, ante a falta de vaga em estabelecimento penal adequado ao regime de cumprimento de pena a que faz jus o sentenciado, a este concedido o direito de aguardar vaga em regime menos gravoso, no caso, o aberto.

E, havendo a mesma razo, o mesmo deve ser o direito: se no h vaga em estabelecimento penal adequado sua condio de gestante, deve a requerente ser colocada em priso domiciliar, suprindo, dessa forma, a ineficincia do sistema prisional mantido pelo Estado.

Ora, nesse momento, grvida de quase 9 (nove) meses, a requerente se v cumprindo uma pena desumana, que contraria todos os princpios de humanizao da pena, de modo que, em ltima instncia, o que est em jogo a dignidade da requerente, violada em seus direitos fundamentais por uma circunstncia a que no deu causa e pela qual no pode ser penalizada: a notria falha do Estado na manuteno de um sistema prisional catico, que no resguarda os mais elementares direitos das pessoas encarceradas.

O respeito ao princpio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasileiro constitudo em Estado Democrtico de Direito, reclama uma soluo urgente e eficaz para o caso que ora se traz a juzo, o que s poder ser alcanado com a concesso, em carter especial, da priso domiciliar requerente.

DO PEDIDO

Por todo o exposto, requer liminarmente a concesso da liberdade provisria ou, subsidiariamente, a substituio da priso preventiva pela priso domiciliar, deciso esta a ser confirmada no julgamento de mrito.

Termos em que,

Pede deferimento

So Paulo, 27 de janeiro de 2012.

Patrick Lemos Cacicedo

Defensor Pblico

* O presente pedido decorre da celebrao do Convnio n 194/2008 entre a Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres da Presidncia da Repblica e a Defensoria Pblica do Estado de So Paulo, cujo objeto consiste em realizao de Mutiro de Assistncia Jurdica s Mulheres em Situao de Priso do Estado, mediante atuao de Defensores Pblicos em sede de processo de conhecimento e de execuo penal. Alm da prestao de assistncia jurdica integral e gratuita a todas as presas provisrias e definitivas, referido projeto proporcionar anlise e levantamento de dados sobre a realidade prisional feminina de So Paulo com vistas elaborao de polticas pblicas efetivas.