5
8/7/2019 Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1 http://slidepdf.com/reader/full/processos-de-aprendizagem-e-intervencao-escolar-pepa-1 1/5 PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E INTERVENÇÃO ESCOLAR Sylvia D. Barrera O objetivo geral desta disciplina é discutir o papel do psicólogo escolar e suas  possibilidades de atuação profissional, a partir de uma visão crítica da Psicologia e das relações entre escola e sociedade. Para dar conta desse objetivo, torna-se necessário resgatar historicamente as atividades tradicionalmente desenvolvidas pelo psicólogo escolar e quais as concepções de escola, sociedade e processos de aprendizagem subjacentes a essa atuação, bem como apresentar as teorias críticas que fundamentam a ruptura com esse modelo tradicional, e as novas perspectivas de intervenção que tais teorias possibilitam. Tradicionalmente, o objetivo básico da Psicologia Escolar tem sido definido como “ajudar a aumentar a qualidade e a eficiência do processo educacional através da aplicação dos conhecimentos psicológicos” (Reger, 1981, pág. 13). É necessário, entretanto, que nos questionemos (como o faz Patto, 1981), a respeito de quais seriam os verdadeiros objetivos do sistema educacional cuja eficiência pretendemos ajudar a melhorar. Assumir tais objetivos sem questioná-los significa adotar uma visão ingênua da escola, considerando-a como um instrumento positivo de socialização dos membros imaturos da sociedade, oferecendo oportunidades iguais de desenvolvimento a todos eles. De acordo com essa perspectiva, o papel da escola seria oferecer uma base comum de (in)formação a todos os indivíduos, a partir da qual cada um se desenvolveria em maior ou menor grau, de acordo com sua capacidade individual. A escola promoveria assim a igualdade de chances entre os indivíduos, cujo desempenho ou realização final dependeria, em última instância, de seus méritos pessoais. Entretanto, as relações entre escola e sociedade são vistas de modo bastante diferente pelas teorias que se fundamentam numa concepção crítica da sociedade (marxismo). De modo geral, tais teorias destacam o papel ideologizante da escola, enquanto instrumento social de disseminação e inculcação de idéias e valores da classe dominante. Tais idéias tendem a “naturalizar” as desigualdades sociais, considerando-as como mero resultado de diferenças individuais. O elevado contingente de alunos do sistema público de ensino que não consegue se escolarizar, vem dar suporte à esta concepção da escola como instrumento de reprodução das desigualdades sociais. Assim, o principal problema encontrado pelo

Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

8/7/2019 Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

http://slidepdf.com/reader/full/processos-de-aprendizagem-e-intervencao-escolar-pepa-1 1/5

PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E INTERVENÇÃO ESCOLAR 

Sylvia D. Barrera

O objetivo geral desta disciplina é discutir o papel do psicólogo escolar e suas possibilidades de atuação profissional, a partir de uma visão crítica da Psicologia e das

relações entre escola e sociedade. Para dar conta desse objetivo, torna-se necessário

resgatar historicamente as atividades tradicionalmente desenvolvidas pelo psicólogo escolar 

e quais as concepções de escola, sociedade e processos de aprendizagem subjacentes a essa

atuação, bem como apresentar as teorias críticas que fundamentam a ruptura com esse

modelo tradicional, e as novas perspectivas de intervenção que tais teorias possibilitam.

Tradicionalmente, o objetivo básico da Psicologia Escolar tem sido definido

como “ajudar a aumentar a qualidade e a eficiência do processo educacional através da

aplicação dos conhecimentos psicológicos” (Reger, 1981, pág. 13). É necessário,

entretanto, que nos questionemos (como o faz Patto, 1981), a respeito de quais seriam os

verdadeiros objetivos do sistema educacional cuja eficiência pretendemos ajudar a

melhorar. Assumir tais objetivos sem questioná-los significa adotar uma visão ingênua da

escola, considerando-a como um instrumento positivo de socialização dos membros

imaturos da sociedade, oferecendo oportunidades iguais de desenvolvimento a todos eles.

De acordo com essa perspectiva, o papel da escola seria oferecer uma base comum de(in)formação a todos os indivíduos, a partir da qual cada um se desenvolveria em maior ou

menor grau, de acordo com sua capacidade individual. A escola promoveria assim a

igualdade de chances entre os indivíduos, cujo desempenho ou realização final dependeria,

em última instância, de seus méritos pessoais.

Entretanto, as relações entre escola e sociedade são vistas de modo bastante

diferente pelas teorias que se fundamentam numa concepção crítica da sociedade

(marxismo). De modo geral, tais teorias destacam o papel ideologizante da escola, enquanto

instrumento social de disseminação e inculcação de idéias e valores da classe dominante.

Tais idéias tendem a “naturalizar” as desigualdades sociais, considerando-as como mero

resultado de diferenças individuais.

O elevado contingente de alunos do sistema público de ensino que não

consegue se escolarizar, vem dar suporte à esta concepção da escola como instrumento de

reprodução das desigualdades sociais. Assim, o principal problema encontrado pelo

Page 2: Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

8/7/2019 Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

http://slidepdf.com/reader/full/processos-de-aprendizagem-e-intervencao-escolar-pepa-1 2/5

  psicólogo na instituição escolar consiste, em linhas gerais, na “seletividade do sistema

educacional”, uma vez que a grande maioria das crianças reprovadas e/ou que se evadem da

escola pertencem às camadas mais pobres da população. Cabe-nos, então, a pergunta: como

a Psicologia tem contribuído (ou não) para tentar superar o grave problema do fracasso

escolar das crianças provenientes das classes populares?

Podemos afirmar que, historicamente, a primeira função desempenhada

 pelos psicólogos junto aos sistemas de ensino, seja na França, nos EUA ou mesmo no

Brasil foi medir as habilidades individuais e classificar crianças quanto à sua capacidade de

aprendizagem. Assim é que, no início da década de 60, a realização de diagnósticos

  psicológicos, a partir da aplicação de testes de inteligência e de prontidão para a

alfabetização, torna-se a atividade mais freqüente desempenhada pelos psicólogos escolares

(Patto, 1987). Tal atuação, fundamentada em um modelo psicométrico e numa concepçãonão crítica das relações entre escola e sociedade, visava auxiliar na criação de classes

homogêneas, bem como justificar “cientificamente” o fracasso escolar de grande

contingente de crianças pobres que não conseguiam se alfabetizar, atribuindo tais fracassos

ao baixo QI apresentado por essas crianças em testes de inteligência.

Pesquisas psicológicas posteriores, entretanto, vieram se opor à visão

dominante até esse momento, no sentido de conceber o QI como uma característica

 biológica, inata e imutável. A importância atribuída à influência do ambiente físico e social

 pelo behaviorismo, pela psicanálise e mesmo pelas teorias cognitivas interacionistas, sobre

a inteligência, o comportamento e os processos de aprendizagem e desenvolvimento, teve

como conseqüência a configuração de novos modelos de atuação para o psicólogo escolar.

 Nesse sentido, um modelo bastante difundido atualmente de atuação do

 psicólogo escolar tem sido o modelo clínico, baseado nas atividades de psicodiagnóstico e

de psicoterapia do aluno e/ou de seus pais. Tal modelo fundamenta-se na hipótese (ainda

não convincentemente comprovada pela Psicologia) de que haveria uma relação causal

entre problemas emocionais e dificuldades de aprendizagem e/ou de comportamento

escolar. Subjacente a essa atuação clínica encontra-se o objetivo de adaptar o aluno à

estrutura escolar, sem questionar as práticas que nela ocorrem nem suas

 possibilidades/necessidades de transformação para melhor cumprir seu papel social que

deveria ser o de possibilitar a todos os membros da sociedade o acesso ao conhecimento

socialmente construído e acumulado.

Page 3: Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

8/7/2019 Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

http://slidepdf.com/reader/full/processos-de-aprendizagem-e-intervencao-escolar-pepa-1 3/5

Pesquisas recentes têm demonstrado que esta concepção clínica,

caracterizada por considerar a queixa escolar num contexto especificamente psíquico e

individual, centrando no aluno e em sua família as causas das dificuldades de escolarização

e negando assim qualquer influência que a escola possa ter sobre seu rendimento e

comportamento escolar, é dominante entre os psicólogos escolares (Souza, 1997).

De modo geral, pode-se afirmar que a Psicologia tem considerado as causas

do fracasso escolar dos alunos pobres como sendo de origem interna ou resultantes de

 problemas em seu ambiente familiar. Assim é que se tem tradicionalmente atribuído as

dificuldades de escolarização dessas crianças aos seguintes fatores: baixo QI, desnutrição,

 problemas emocionais devido às chamadas “famílias desestruturadas” e carência cultural

devido à suposta pobreza da estimulação sensorial e lingüística proporcionada por seu

ambiente familiar. Aqui é preciso abrir um parênteses para acrescentar que a tão difundidateoria da carência cultural, ao transformar diferenças culturais em deficiências cognitivas e

lingüísticas, acaba por aumentar o preconceito dos professores com relação às

  possibilidades de aprendizagem escolar das crianças pobres, colaborando assim para a

construção de profecias auto-realizadoras a respeito do provável fracasso escolar dessas

crianças.

Um outro modelo de atuação do psicólogo escolar, na sua tentativa de ajudar 

na superação dos problemas de escolarização, pode ser denominado de modelo educacional 

ou psicopedagógico. Tal modelo caracteriza-se pela participação do psicólogo no

diagnóstico e orientação dos processos de ensino-aprendizagem, baseando-se, sobretudo,

nos conhecimentos da Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento, os quais podem,

  por sua vez, se fundamentar em diferentes correntes teóricas (behaviorismo,

construtivismo, sócio-interacionismo, etc). Seu objetivo é instrumentalizar o professor a

respeito da melhor maneira de interagir com o aluno a fim de apresentar os conteúdos

escolares a serem assimilados, de modo a melhorar seu rendimento através de modificações

na sala de aula, na metodologia, no currículo, etc.

Embora tal modelo pareça mais adequado por levar em conta aspectos

escolares na tentativa de contribuir para a superação do fracasso escolar, é preciso estar 

atento para que esse tipo de atuação não se transforme numa abordagem tecnicista da

educação, visando apenas uma melhor adaptação do aluno ao sistema de ensino. Afinal, o

  psicólogo deve sempre estar aberto ao questionamento sobre a adequação das práticas

Page 4: Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

8/7/2019 Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

http://slidepdf.com/reader/full/processos-de-aprendizagem-e-intervencao-escolar-pepa-1 4/5

escolares, uma vez que os problemas surgidos podem estar apontando para a necessidade de

transformações mais profundas das mesmas.

Queremos dizer com isto que a preocupação com a eficiência do ensino deve

sempre ser acompanhada pelo questionamento da função ideológica exercida pela escola

em nossa sociedade. Nesse sentido, problemas de rendimento e disciplina muitas vezes

 podem ser interpretados como movimentos de resistência que se realizam no interior da

escola, evidenciando a existência de conflitos de interesses que devem ser melhor 

explicitados e não apenas reprimidos.

Atualmente, descortina-se uma nova vertente da Psicologia Escolar, apoiada

numa concepção crítica das relações entre escola e sociedade, bem como dos limites e

 possibilidades de atuação do psicólogo no sistema educacional, visando contribuir para que

a escola venha a cumprir a função de socialização do conhecimento acumulado e participação na construção da cidadania. Tal vertente, comprometida com a transformação

social no sentido da construção de uma sociedade mais justa e democrática, apóia-se num

recorte mais amplo de seu objeto de estudo, buscando as causas das dificuldades de

escolarização não mais no aluno, em sua família ou no professor, considerados

isoladamente, mas no contexto mais amplo da escola e das relações de poder que se

estabelecem numa sociedade de classes e que se refletem no cotidiano escolar. É portanto

esse cotidiano que se torna objeto de análise do psicólogo escolar.

Esse tipo de intervenção aproxima-se do modelo  institucional privilegiando

o trabalho em grupo (de alunos, professores, funcionários), voltado para a reflexão sobre as

relações e práticas educacionais que se estabelecem na instituição escolar, buscando criar 

um “espaço de escuta” para que novos discursos, diferentes do discurso hegemônico e

cristalizado da instituição, possam se expressar. Como descrevem Machado e Souza (1997,

 pág. 47):

“Ao invés de perguntarmos à mãe, numa anamnese, a

respeito de um dia na rotina da criança, precisamos conhecer como

a professora entende os problemas de seu aluno, dando informações

 sobre o contexto de sala de aula. Ao invés de colhermos informações

 sobre os primeiros meses de vida da criança, podemos obter dados

 sobre sua história escolar, sobre a classe em que está (critérios de

 formação), por exemplo, e o que pensa sobre as queixas feitas pela

Page 5: Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

8/7/2019 Processos de Aprendizagem e Intervencao Escolar Pepa 1

http://slidepdf.com/reader/full/processos-de-aprendizagem-e-intervencao-escolar-pepa-1 5/5