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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO Processos de produção jornalística: cobertura do caso Isabella Nardoni Tiago da Costa Pettenuci Marília 2009

Processos de produção jornalística: cobertura do caso ... · jornalística, é o principal objetivo desta pesquisa. Para ... pauta, hipóteses do newsmaking e do agenda-setting,

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

Processos de produção jornalística: cobertura do caso Isabella Nardoni

Tiago da Costa Pettenuci

Marília 2009

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

Processos de produção jornalística: cobertura do Caso Isabella Nardoni

Dissertação apresentada à Universidade de Marília (Unimar), Programa de Pós-Graduação em Comunicação, para obtenção do Título de Mestre em Comunicação.

Orientadora Profª Drª Maria Cecília Guirado

Marília 2009

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Universidade de Marília - UNIMAR

Reitor Dr. Márcio Mesquita Serva

Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação

Pró-reitora Profª. Drª. Suely Fadul Villibor Flory

Programa de Pós-graduação em Comunicação

Área de Concentração

Mídia e Cultura

Linha de Pesquisa

Produção e Recepção de Mídia

Coordenadora Profª Drª Rosângela Marçolla

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UNIMAR – UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

Processos de produção jornalística: cobertura do caso Isabella Nardoni

(Tiago da Costa Pettenuci)

Banca Examinadora

Profª Drª Maria Cecília Guirado (Orientadora)

Avaliação: _______________________ Assinatura: ______________

Profª Drª Rosângela Marçolla. Avaliação: _______________________ Assinatura: ______________

Profª. Drº. Cesar Augusto de Carvalho

Avaliação: _______________________ Assinatura: ______________

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus que permitiu a realização desse trabalho e

meu deu forças e tornou possível esse sonho, a minha esposa Ana Carolina pela

compreensão e cooperação em todos os momentos, aos meus pais Antonio Carlos Pettenuci

e Maria Helena da Costa Pettenuci pelo apoio, aos professores que me instruíram ao longo

destes dois anos de mestrado e em especial a minha orientadora, Profª Drª Maria Cecília

Guirado. Agradeço também todos os funcionários do Programa de Pós-graduação em

Comunicação, especialmente os profissionais da secretaria pela prestatividade.

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RESUMO

Analisar o caso Isabella Nardoni, com base no processo de produção

jornalística, é o principal objetivo desta pesquisa. Para compreender os fatores que

contribuíram para o fato repercutir durante quase dois meses da imprensa brasileira, o

trabalho estuda o início da cobertura jornalística feita pelo site estadao.com.br, a fim de

constatar como surgiu o enredo do acontecimento e quais os recursos utilizados para

conquistar os leitores.

A pesquisa está amparada nos estudos das teorias da comunicação, do

jornalismo e narratologia. O trabalho aborda a seleção dos fatos, a característica da notícia,

pauta, hipóteses do newsmaking e do agenda-setting, tematização e caráter mercadológico

da informação, o consumo da violência, a espetacularização da notícia e seus efeitos

representativos na sociedade.

Palavras-chave – Processo de produção jornalística, Caso Isabella Nardoni, teorias da

comunicação, espetacularização, narratologia

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ABSTRACT

To analyze the Case of Isabella Nardoni, base on the process of produtions

journalistic, ist the main objective of this research. To understand the factors that

contributed to the fact that the repercussions remained for almost two months in the

Brazilian press, ther paper begins the start ofe the coverage made by the site

estadao.com.br to see how the story emerged of the event ande what resources are used to

hook the reader.

The research is supported bay the study of communication theories of

narratology journalistic and journalism. This paper addresses the selection of facts, the

features of the news, the staff – the news making assumptions and agenda-setting – and

character merchandising information, in order to use the x-ray of violence, the spectacle of

that case and the effects of their repercussions within the society.

Keywords – Production process journalistic, Isabella Nardoni´s case,

communication theories, spectacle, narratology journalistic

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................9

1 – COBERTURA JORNALÍSTICA ..................................................................... 12

1.1- Caso Isabella Nardoni ...................................................................................... 12

1.2- Jornal Estado de S. Paulo ................................................................................ 14

2 – PROCESSO DE CRIAÇÃO JORNALÍSTICA ............................................. 53

2.1- Seleção dos Fatos .............................................................................................. 53

2.2- Características da Notícia ................................................................................ 58

2.3- Pauta .................................................................................................................. 68

2.4- As hipóteses do Newsmaking e Agenda Setting ............................................. 75

2.5 - A informação como Mercadoria .....................................................................86

3 - ESPETACULARIZAÇÃO DA NOTÍCIA ....................................................... 94

3.1- Consumo da Violência ..................................................................................... 94

3.2- Recepção da Notícia ...................................................................................... 101

3.3- Narrativa Mítica? ............................................................................................ 106

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 121

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 126

FONTES DIGITAIS ............................................................................................... 129

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INTRODUÇÃO

Entender o processo de produção jornalística por meio da cobertura do

caso Isabella Nardoni, não é uma tarefa fácil. O crime permaneceu na mídia durante quase

dois meses. Muito se questionou o motivo deste fato ter se destacado nos jornais, revistas,

sites e telejornais. O crime comoveu a sociedade que acompanhou a trama não apenas pela

mídia. Em março de 2008, a garota foi jogada pela janela do apartamento onde moravam o

pai Alexandre Nardoni e a madrasta Anna Carolina Trota Peixoto Jatobá. A princípio, a

hipótese de um ladrão ter arremessado a garota foi apresentada pelo casal. Mas a versão não

convenceu a polícia e as evidências periciais apontaram Alexandre e Anna Carolina como

os autores do assassinato.

A reviravolta do caso repercutiu na sociedade. Diversas pessoas foram

protestar na frente da casa dos suspeitos e acompanhar o depoimento e a prisão dos

acusados. Mas por quê esse fato repercutiu por quase dois meses na mídia? A

espetacularização foi um dos recursos utilizados na cobertura jornalística? Crimes

acontecem todos dos dias, entretanto, por qual motivo a mídia selecionou esse fato para

dramatizar?

A cobertura jornalística do caso Isabella Nardoni foi roteirizada para

comover o público. Os veículos de comunicação vasculharam a vida da vítima e de sua

família. A mídia apresentou Isabella como uma criança normal e feliz, que sempre adorava

a companhia da mãe. Num primeiro momento, o pai Alexandre e a madrasta Anna Carolina

surgiram como vítimas da tragédia. Bastaram as primeiras declarações da polícia para que a

situação se revertesse. De vítimas, o casal passou a ser considerado suspeito. O enredo

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estava pronto: vítimas (Isabela e sua mãe) e vilões (pai e madrasta). Tudo indica que a

mídia se aproveitou do arquétipo da madrasta malvada presente nas histórias de tradição

oral e na indústria cultural para formular a estrutura deste caso, transformando a cobertura

jornalística numa trama carregada de suspense.

Para compreender o por quê dessa exposição do acontecimento, o

trabalho analisa a primeira semana da cobertura do caso feita pelo estadao.com.br. A

internet é um dos meios de comunicação mais utilizados atualmente por causa da agilidade.

O público tem a possibilidade de acompanhar ou acessar a informação em tempo real.

A pesquisa está amparada nos estudos da teoria da comunicação

(newsmaking e do agenda-setting, tematização), do jornalismo (gatekeeper, pauta e

características da notícia) e da narratologia. O trabalho consiste numa tentativa de

demonstrar, por meio da análise de conteúdo das matérias do site estadao.com.br, os

mecanismos da produção jornalística impressa na cobertura do assassinato da garota

Isabella Nardoni. Por meio da análise de conteúdo das matérias e pesquisa documental, o

trabalho expõe as etapas do processo de produção jornalística e sensacionalismo e como o

jornalismo cria personagens ou reitera arquétipos.

Como procedimentos metodológicos, o trabalho foi fundamentado na

pesquisa bibliográfica, documental e análise interpretativa. O estudo foi dividido em três

capítulos. O primeiro consiste na apresentação do caso Isabella Nardoni na primeira

semana de cobertura do fato pelo site estadao.com.br. Ao interpretar as primeiras matérias

é possível notar como o caso ganhou tamanha repercussão na sociedade, como foi a

abordagem do site e conhecer os personagens da trama.

Já a segunda etapa da dissertação aplica o caso no processo de produção

jornalística nas teorias da comunicação e do jornalismo, analisando a seleção dos fatos, a

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característica da notícia, pauta, hipóteses do newsmaking e do agenda-setting, tematização

e o caráter mercadológico da informação. Essa fase da pesquisa ajuda a entender as

operações do jornalismo na elaboração das matérias do caso Isabella Nardoni.

No terceiro capítulo, a pesquisa traz reflexões sobre o consumo da

violência, a espetacularização da notícia e seus efeitos representativos na sociedade. O

signo da dramatização dos fatos é um dos recursos utilizados pela mídia para conquistar o

público. Assim como os filmes, as novelas e os seriados, o jornalismo precisa de conflitos,

heróis e vilões. Dependendo da abordagem, a representação da realidade ganha formas

cinematográficas, especialmente nos programas televisivos. Todos os dias acontecem

crimes da mesma natureza ou piores do que o assassinato da garota Isabella Nardoni. Por

qual motivo, o jornalismo deu tanto destaque a esse caso?

A análise da cobertura jornalística do caso Isabella Nardoni serve de

reflexão sobre o papel do jornalismo, o poder da imprensa na reconstrução de personagens

e de artifícios que ampliam a espetacularização e a dramatização deste tipo de fenômeno

miadiático.

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1 -COBERTURA JORNALÍSTICA

1.1 - Caso Isabella Nardoni

O caso Isabella Nardoni entrou para a história do jornalismo brasileiro.

No dia 29 de março de 2008, a criança foi jogada do sexto andar de um edifício na zona

norte da capital paulista, onde morava o pai Alexandre Alves Nardoni e a madrasta Anna

Carolina Trota Peixoto Jatobá. A menina caiu sobre o gramado em frente ao prédio. Foi

socorrida, mas não resistiu aos ferimentos e morreu na Santa Casa de Misericórdia. Na

delegacia, o casal disse que alguém entrou no prédio e jogou Isabella do sexto andar.

Na noite do crime, o casal, acompanhado dos dois filhos e de Isabella,

voltavam da casa da sogra de Alexandre, em Guarulhos, onde participaram de uma festa.

Quando a família chegou no Edifício London, na Vila Mazzei, zona norte de São Paulo, o

pai conta que subiu com Isabella até o quarto dela onde ligou o abajur. Depois trancou a

porta do apartamento e voltou à garagem onde Anna Carolina e seus outros dois filhos o

aguardavam. Assim que retornou ao apartamento, notou que a tela de proteção da janela

estava rompida e a filha caída no jardim.

Mas essa versão do casal, que passou a noite prestando depoimento no 9º

Distrito Policial Carandiru, não convenceu os policiais. No dia 30 de março de 2008, o

delegado Calixto Calil Filho, em entrevista coletiva, descartou a hipótese de acidente e

defendeu a tese de homicídio de autoria desconhecida. Para a polícia, alguém rompeu a tela

protetora e jogou Isabella do sexto andar. Naquela conversa com a imprensa, o delegado

negou que Alexandre e Anna Carolina fossem os principais suspeitos do assassinato.

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Durante as investigações, os peritos descobriram que a tela rompida é a

da janela do quarto dos irmãos, não a do quarto da vítima. Eles recolheram a tela e alguns

utensílios que poderiam ter sido usados para fazer o corte. Levaram as amostras do sangue

encontradas em alguns pontos do apartamento e as roupas da vítima. Os médicos legistas

analisaram o corpo de Isabella e encontraram ferimentos provocados antes da queda.

Diante das evidências que contrariam a versão do casal, a Justiça de São

Paulo decretou, no dia 2 de abril de 2008, a prisão preventiva de Alexandre Nardoni e Anna

Carolina. Já no dia 11 de abril, a Justiça concedeu habeas corpus e o casal foi libertado. As

investigações prosseguem com base em depoimentos e exames periciais. No dia 6 de maio,

o promotor do Ministério Público de São Paulo, Francisco Cembranelli, denunciou o casal

por homicídio doloso, quando há intenção de matar, triplamente qualificado. O juiz

Maurício Fossen, da 2ª Vara do Tribunal do Júri da capital paulista, aceitou integralmente a

denúncia do Ministério Público de São Paulo contra os acusados. O magistrado decretou a

prisão preventiva do pai e da madrasta de Isabella.

Alexandre e Anna Carolina se entregaram à polícia no dia 7 de maio. O

casal continua preso até a presente data. Em abril de 2009, a defesa dos acusados solicitou a

anulação do processo por falta de provas que incriminam o casal. Mas a Justiça negou o

pedido. O pai e a madrasta nunca confessaram a autoria do crime. Eles irão a júri popular.

Mesmo após um ano do acontecimento, a imprensa acompanha o desenrolar do caso.

O assassinato de Isabella Nardoni comoveu a sociedade. Durante quase

dois meses, o público acompanhou cada etapa da investigação policial. O fato teve maior

destaque na mídia depois que a polícia passou a suspeitar que a menina foi morta pelo pai e

pela madrasta. A cobertura jornalística diária perdurou até a prisão preventiva do casal.

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Mesmo passada toda a euforia do crime e suas conseqüências, a criança

e o casal acusado ainda são notícia. Alexandre e Anna Carolina aguardam julgamento e a

rotina do casal na prisão desperta o interesse da imprensa brasileira. Mas como começou a

cobertura desta tragédia? Para entendermos a postura da imprensa, o trabalho mostra e

analisa a cobertura do jornal online do Estado de S. Paulo.

Neste início de século XXI, a Internet tornou-se um dos meios de

comunicação mais utilizados pela sociedade brasileira. Milhões de brasileiros acessam a

rede mundial de computadores para consumirem notícias. A agilidade e a interação são as

principais características desta tecnologia. Por isso, optamos por analisar o conteúdo do

jornal online. Além da cobertura diária, este veículo destinou um espaço para que o público

comentasse as notícias do caso Isabella Nardoni. Essa interatividade ajudou a compreender

como o crime repercutiu entre os leitores. Optamos pelo jornal online do Estado de S.

Paulo por ser uma dos principais veículos de comunicação do Brasil. A prática jornalística

deste veículo é considerada modelo para empresas do setor e estudantes de comunicação.

1.2 – Jornal Estado de S. Paulo

O jornal Estado de S. Paulo é o mais antigo dos jornais da capital

paulista em circulação. Surgiu em 4 de janeiro de 1875, durante o Império, quando circulou

pela primeira vez com o nome A Província de S. Paulo. Em janeiro de 1890 passou a

utilizar a atual nomenclatura. Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense

reuniram 16 pessoas para fundar o jornal com o objetivo de combater a monarquia e a

escravidão. Em 1902, Júlio Mesquista, que era redator desde 1885, torna-se o único

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proprietário. O espírito abolicionista e republicano marcou a história deste veículo de

comunicação. O jornal sempre se posicionou ideologicamente perante o cenário político

brasileiro. Esse engajamento resultou em perseguições, censuras e prisões durante o

governo de Getúlio Vargas e regime militar. Por causa de sua participação na luta pela

democratização do país, o Estado de S. Paulo é considerado um dos jornais mais

importantes do Brasil que não segue a linha sensacionalista.

Já o estadao.com.br é resultado da fusão dos sites da Agência Estado,

Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, ambos pertencentes ao grupo de comunicação da

família Mesquita. O portal tornou-se um veículo informativo em tempo real, com textos

próprios e matérias da versão impressa do jornal.

Ao digitar o nome Isabella Nardoni na ferramenta de busca do site

estadao.com.br, no dia 24 de setembro de 2009, encontravam-se 815 registros do caso. São

787 notícias, 26 fotos e dois especiais que resumem a tragédia. Um ano depois do crime, o

público pode reler as matérias e descobrir como vive atualmente o casal Nardoni.

Com o objetivo de compreender o processo de produção jornalística,

sem apresentar culpados ou inocentes, a análise se concentra nas notícias veiculadas pelo

site no período de 30 de março de 2008 a 9 de abril de 2008.

A primeira matéria no site estadao.com.br foi publicada um dia após o

assassinato, no dia 30 de março de 2008, às 12h30 min. O Estado de S. Paulo online

publicou o seguinte texto:

Criança morre após cair de prédio; polícia suspeita de homicídio

Para delegado, há fortes indícios de que menina tenha sido arremessada; enterro será na manhã de segunda

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Uma menina de 5 anos morreu após cair do 6º andar de um prédio localizado na Vila Mazzei, zona norte de São Paulo, na noite deste sábado, 29. De acordo com informações preliminares do Corpo de Bombeiros, que enviou três equipes ao local, o acidente aconteceu por volta da meia-noite e a criança foi encaminhada à Santa Casa de Misericórdia, mas não resistiu aos ferimentos e chegou morta ao hospital. As causas do acidente ainda são desconhecidas. A policia vai aguardar os laudos dos exames necroscópico, de lesões corporais e toxicológicos, que ficarão prontos em cerca de 30 dias, para esclarecer as circunstâncias que causaram a morte da menor Isabella de Oliveira Nardoni. O delegado titular do 9º Distrito Policial, no Carandiru, Calixto Calil Filho, trabalha com a hipótese de homicídio, apontando que há fortes indícios de que a criança tenha sido arremessada por alguém. Filha de consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, 29 anos, e da bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, que estão separados, Isabella visitava a cada 15 dias o pai e a madrasta Anna Carolina Trotta Peixoto, 24 anos. Segundo o depoimento de Alexandre, no sábado ele levou a menina até o apartamento e deixou-a acomodada na cama, descendo em seguida para buscar sua atual mulher que aguardava no carro com outras duas crianças, de 11 meses e três anos. O pai contou que ao retornar ao apartamento ouviu um barulho, olhou pela janela e viu a criança estendida no solo. Segundo Alexandre, o apartamento havia sido invadido por um ladrão. "Esta versão não me convence, devido a ausência de sinais de arrombamento no apartamento", afirmou o delegado Calil Filho. Além disso, ele chamou a atenção para o fato de a tela da janela do quarto ter sido cortada e de ninguém ter dado queixa de desaparecimento de pertences. No entanto, Calil afirmou, em entrevista coletiva, que Alexandre e Anna Carolina não são suspeitos. "Eles são averiguados", afirmou. Entre outros depoimentos que pretende reunir no inquérito, o delegado informou que deverá ouvir um engenheiro com quem Alexandre teria brigado há dias. O porteiro do edifício também afirmou não ter notado nenhum movimento ou sinal que indicasse arrombamento; ouviu apenas o barulho do corpo da menina caindo no solo. Alexandre Nardoni e Anna Carolina Peixoto deverão ser liberados ainda neste domingo. O corpo de Isabella Oliveira já foi liberado pelo Instituto Médico Legal (IML) e será sepultado na manhã desta segunda-feira, no Cemitério Parque dos Pinheiros. O avô materno da menina, Jorge Arcanjo Oliveira, disse no IML que a relação de Isabella com a madrasta "era ótima". A mãe, Ana Carolina Cunha de Oliveira, não teve condições de ir ao IML porque estava em estado de choque. (MARCHEZI, Fabiana; SILVIA, Maria Regina. Criança morre após cair de prédio; polícia suspeita de homicídio. estadao.com.br, 30 de mar. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/geral/not_ger148318,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

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(Mistério na Zona Norte de SP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/misterio-na-zona-norte-desp,15168.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A princípio parece mais uma notícia do setor policial. O caso é citado

como um acidente cuja circunstância será investigada. O título do texto nem menciona o

nome Isabella. A matéria contém informações sobre a morte, com a versão de Alexandre.

No entanto, o texto traz um personagem que será crucial na trama: o delegado titular do 9º

Distrito Policial, no Carandiru, Calixto Calil Filho, que não descartou a hipótese de

homicídio.

Apesar de sua tese, o delegado não acusou o pai e a madrasta. Mesmo sem

acusação, a madrasta chama a atenção das jornalistas Fabiana Marchezi e Maria Regina

Silvia. Elas reportaram o depoimento do avô materno da menina, Jorge Arcanjo Oliveira,

que classifica como “ótima” a relação da criança com Anna Carolina. Isso supõe que o site

teve cautela e não acusou ninguém, entretanto, os profissionais que cobriram a tragédia

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suspeitaram da participação da madrasta e inseriram essa personagem arquetípica 1 como

mais um elemento que realçaria o mistério do assassinato.

No mesmo dia, o site estadao.com traz a seguinte notícia:

Polícia suspeita de homicídio em queda de menor em SP

A policia vai aguardar os laudos dos exames periciais, que ficarão prontos em cerca de 30 dias, para esclarecer as circunstâncias que causaram a morte da menor Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos, ontem à noite na zona norte de São Paulo. Ela morreu ao cair do sexto andar de um edifício localizado na Vila Isolina Mazzei. O delegado titular do 9º Distrito Policial Carandiru, Calixto Calil Filho, afirmou trabalhar com a hipótese de homicídio, apontando que há fortes indícios de que a criança tenha sido arremessada por alguém. (SILVIA, Maria Regina; MARCHEZI, Fabiana. Polícia suspeita de homicídio em queda de menor em SP. estadao.com.br, 30 de mar. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger148400,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Mais uma vez o nome de Isabella não é mencionado no título. Nesta altura

da cobertura jornalística do estadao.com.br, a garota era mais uma vítima da violência da

sociedade, ou seja, um número que será contabilizado nas estatísticas da Secretaria

Estadual de Segurança. A matéria traz informações do texto anterior, apenas o lead é

diferente. A ênfase está na suspeita de homicídio e não no acidente. O delegado trabalha

com a hipótese de que a garota foi arremessada. Alexandre e Anna Carolina ainda postulam

o título de vítimas da tragédia.

A notícia traz o depoimento do delegado que não está convencido da

versão do pai.

"Esta versão não me convence, devido à ausência de sinais de arrombamento no apartamento", afirmou o delegado Calil Filho. Além disso, ele chamou a atenção para o fato de a tela da janela do quarto ter sido cortada e de ninguém ter dado queixa de desaparecimento de pertences. No entanto, o delegado

1 Arquétipos são modelos criados pela sociedade como base em experiências. Para o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung estes modelos nascem da constante repetição de certa experiência, durante muitas gerações, portanto, os arquétipos não se desenvolveriam individualmente, mas seriam herdados, podendo se manifestar de maneira diferente de uma geração para outra.

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afirmou que Alexandre e Anna Carolina não são suspeitos. "Eles são averiguados", frisou. (SILVIA, Maria Regina; MARCHEZI, Fabiana. Polícia suspeita de homicídio em queda de menor em SP. estadao.com.br, 30 de mar. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger148400,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A reviravolta do caso acontece no dia 31 de março. O título da matéria do

site estadao.com.br reforça a hipótese do delegado.

Polícia não crê em versão de pai de garota que caiu de prédio

Segundo delegado, a polícia trabalha com a hipótese de homicídio; pai e madrasta ainda não são suspeitos

Apesar de ainda não tratar o pai biológico e a madrasta como suspeito da morte de Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos, o delegado titular do 9º Distrito Policial (Carandiru), Calixto Calil Filho, não descarta seu envolvimento no caso. Segundo a polícia, a menina morreu depois de ser arremessada do 6º andar do edifício em que o casal mora, na zona norte de São Paulo. O corpo da menina será enterrado nesta segunda-feira, 31, no Cemitério Parque dos Pinheiros, em Guarulhos, na Grande São Paulo. A polícia pretende fazer uma reconstituição do crime. A reconstituição ainda não tem data definida. "Temos certeza de que se trata de homicídio e trabalhamos com duas hipóteses: alguém invadiu o apartamento ou o casal tem culpa." Alexandre e Anna Carolina foram à delegacia à 1 hora da manhã e até as 20 horas de ontem ainda prestavam depoimento. O delegado diz que a versão do casal não convence. "Não me convenci por causa da ausência de arrombamento, por nenhum objeto ter sido furtado e, principalmente, pela tela cortada." No quarto do apartamento, peritos da Polícia Civil encontraram gotas de sangue e constataram o corte na tela de proteção da janela. Também havia marcas de sangue em outros cômodos, como se tivessem sido espalhadas por pegadas. Vários exames foram solicitados pelo delegado: toxicológico, para o casal, necroscópico e de lesão corporal, no corpo da Isabella. "Trabalhamos com a possibilidade de a menina já estar bem machucada quando foi arremessada pela janela." (ODA, Felipe. Polícia não crê em versão de pai de garota que caiu de prédio. estadao.com.br, 31 de mar. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid148638,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

O jornal online Estado de S. Paulo mantém, inicialmente, a cobertura

do caso evitando adjetivos que condenem qualquer personagem envolvido na história.

Mesmo enfatizando a hipótese do delegado, o veículo de comunicação cumpre o seu papel

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ao apurar e oferecer o desdobramento do fato. O terceiro parágrafo traz novas evidências –

gotas de sangue, corte na tela de proteção da janela e marcas de sangue espalhadas por

pegadas. Essas informações transformam a cena do crime e reforçam a tese de homicídio.

No entanto, o delegado não aponta o pai e a madrasta como suspeitos.

Neste mesmo texto, o site traz versão do pai de Isabella, que suspeita de

um construtor ou engenheiro com que ele teria discutido ser o autor do crime. No entanto,

outra declaração que nos chama a atenção faz referência ao bom relacionamento da

madrasta com a menina. Mesmo a polícia não considerando Anna Carolina suspeita, o

jornalista explora a figura da madrasta ao citar informações dos parentes.

Isabella morava com a mãe, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23 anos, e o avô materno. Visitava o pai a cada 15 dias e gostava de ir à piscina com os dois irmãos. Ana Carolina engravidou de Isabella aos 17 anos e era muito apegada à filha. No Orkut, além de colocar várias fotos dela com a menina, definia a filha como maravilhosa e paixão de sua vida. Segundo parentes, a madrasta também tinha bom relacionamento com a enteada e costumava buscá-la para passar o fim de semana com a família. (ODA, Felipe. Polícia não crê em versão de pai de garota que caiu de prédio. estadao.com.br, 31 de mar. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid148638,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A cobertura do site estadao.com.br traz mais dois textos no dia 31 de

março com os seguintes títulos: “Boletim policial diz que menina foi jogada do quarto dos

irmãos” e “Pai da menina que caiu de prédio ficou desesperado, diz vizinho”. A primeira

matéria traz novas evidências que eliminam a possibilidade de acidente e reforça a tese de

homicídio. As informações também divergem da versão apresentada pelo pai. O texto é

construído com base no boletim de ocorrência da Polícia Militar e mantém a versão de

Alexandre. O site apenas reporta os fatos com base nos depoimentos dos personagens.

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Já a segunda matéria traz o relato de um vizinho, apesar da reportagem

não divulgar o nome do morador, que presenciou o desespero de Alexandre ao ver a filha

caída no jardim. O texto resume os fatos já reportados anteriormente pelo site e detalha

como foi o enterro da garota, citando a presença do pai e da mãe biológica que ficam lado a

lado. Por ser um jornal online, o Estado de S. Paulo trabalha as informações de forma

fragmentada. Apresenta novas evidências e reforça tudo o que foi apurado até o momento.

As primeiras notícias do site estadao.com.br retratam o impacto da morte

e o suspense que ronda a tragédia. A versão da polícia ganha cada vez mais espaço à

medida que mais evidências que divergem da versão de Alexandre são apresentadas. O

acontecimento tem características de tramas policiais. O público começa a se envolver não

mais pelo choque da morte, mas pelo suspense. Poderia ser mais um crime que repercutiria

apenas um ou dois dias na imprensa. No entanto, o assassino não foi descoberto, novos

elementos mudaram a cena do crime e o pai suspeitava de um desafeto.

No dia 1º de abril, a primeira matéria sobre o caso Isabella reforça ainda

mais o suspense do caso. O site traz a versão dos peritos e a citação de um vizinho que

ouviu gritos de uma criança.

Peritos acreditam que menina foi sufocada antes de cair

Profissionais do Instituto Médico-Legal (IML) acreditam que a menina Isabella de 5 anos, que morreu ao cair do sexto andar de um prédio na zona norte de São Paulo, tenha sido sufocada antes da queda. Um morador do prédio relatou à polícia ter ouvido gritos de uma criança pouco antes do crime. Não bate em mim, teria dito a menina. O morador, no entanto, não soube dizer se a criança que implorou para não apanhar era Isabella. O depoimento da testemunha, que é conselheiro do condomínio, foi colhido anteontem no 9º DP. Os profissionais do IML que trabalham no laudo observaram características típicas de estrangulamento no corpo da menina, como a língua e a extremidade das unhas arroxeadas. O delegado Calixto Calil

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Filho, titular do 9º DP, afirmou que exames preliminares indicaram que a queda pode não ter sido o motivo da morte de Isabella. Os legistas estranharam um ferimento na testa e outro nas coxas da menina. Inicialmente, eles acreditavam que as feridas eram mordidas. Mas, após análise, a hipótese foi descartada. A camiseta azul da menina estava rasgada nas costas. Oficialmente, o diretor do IML, Hideaki Kawata, afirma que, por ora, não tem condições de dizer se a garota foi agredida. Ela morreu em decorrência da queda, isso é fato, disse Kawata. Nesse momento, qualquer afirmação diferente dessa é especulação. Desde o início das investigações, a polícia crê em assassinato. Isabella caiu do 6º andar do edifício London na madrugada de sábado. Ela estava no apartamento do pai, o consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni e da madrasta Anna Carolina Trotta. (AGÊNCIA ESTADO, Peritos acreditam que menina foi sufocada antes de cair. estadao.com.br; 1 de abr de 2008, Disponível em <http://www.estadao.com.br/geral/not_ger149214,0.htm>. Acesso em 14 de jul. 2009)

Neste processo de apuração, o site traz novas constatações da polícia que

reforçam o mistério do caso. A investigação não aponta o autor ou os autores do

assassinato. Isso ajuda a despertar ainda mais a atenção do público. A segunda matéria do

dia 1º de abril enfatiza a apuração do crime e desmente a versão de desentendimento com

um funcionário da construtora do edifício, apresentada por Alexandre. Mesmo sem acusar,

a matéria investiga as informações fornecidas pelo pai de Isabella.

Vizinhos vão depor sobre morte de menina na zona norte de SP

Caso da morte é considerado mistério; legistas encontraram sinais de tentativa de asfixia no corpo da garota

Pelo menos cinco moradores do Edifício Residencial London - edifício de onde a polícia diz que a garota Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos, foi jogada, na Parada Inglesa, zona norte de São Paulo, são esperados para depoimento na tarde desta terça-feira, 1, no 9º Distrito Policial, no Carandiru, onde o caso é investigado. O caso da morte da garota é considerado um mistério na polícia de São Paulo (veja o que se sabe até agora). Embora tenha sido deixada dormindo no quarto de hóspedes, a garota foi jogada do 6º andar , pela janela do quarto dos irmãos. A Polícia Civil também já sabe que a menina morreu em decorrência da queda de mais de 20 metros de altura. A constatação foi feita por peritos do Instituto Médico-Legal (IML) que examinaram o cadáver na madrugada de domingo. Os legistas encontraram outras escoriações e ferimentos no corpo, mas dizem ser impossível afirmar, por ora, se são resultado da queda ou se a menina teria sido agredida anteriormente. A camiseta de manga curta que Isabella vestia estava rasgada nas costas e também passará por perícia.

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"Ela morreu após a queda, isso é fato", atestou o médico Hideaki Kawata, diretor do IML. Policiais disseram, na segunda-feira, 31, ao Estado, que haveria sinais de tentativa de asfixia no pescoço de Isabela. Os indícios, dizem eles, seriam a língua e as pontas dos dedos das mãos arroxeados. "Há várias explicações para isso, como uma parada respiratória provocada pela queda", ponderou Kawata. O laudo necroscópico está sendo elaborado pelo legista Laércio de Oliveira César, o mesmo que examinou o corpo do lutador Ryan Gracie, morto em dezembro. Primeiro casamento Isabella era filha do primeiro casamento de Nardoni, com a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23. Procurada pelo Estado, ela não quis falar. O que mais intriga os investigadores é a versão apresentada pelo pai da garota, o consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, de 29 anos. Em seu primeiro depoimento, o rapaz contou que chegou ao prédio em que mora pouco depois das 23 horas de sábado. Estava com a atual mulher, a estudante Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 23 anos, e os três filhos - Isabella, Pietro, de 3 anos, e Cauã, de 10 meses. Como as crianças vieram dormindo no banco traseiro do Ford Ka, decidiu levar primeiro Isabella para o apartamento. Quando voltou com o restante da família, não encontrou mais a garota na cama. Vasculhou a casa e viu que a proteção da janela do quarto dos meninos estava cortada. Ao colocar a cabeça para fora, viu o corpo da menina estendido no gramado diante da portaria. A primeira pessoa a chegar ao local da queda foi o porteiro Valdomiro da Silva Veloso, de 28. "Ouvi o barulho e saí da guarita. A menina estava deitada de bruços e o rosto dela sangrava", disse. "O pai foi o primeiro a chegar e falou que tinham tentado assaltar o apartamento dele", contou Veloso. Ele diz não ter ouvido barulho ou movimentação estranha nas imediações ou no interior do prédio. As câmeras do circuito interno - instaladas na portaria e na entrada da garagem - não gravam as imagens registradas. Antes de voltar para a garagem, Nardoni disse ter deixado as luzes dos abajures do quarto de hóspedes e dos meninos acesas. A porta da sala também foi trancada. Quando os policiais entraram no apartamento, porém, encontraram aceso apenas o abajur do quarto dos meninos. O de Isabella estava apagado. Também não encontraram sinais de arrombamento. O casal não deu falta de nenhum objeto. Na delegacia, Nardoni contou aos policiais que havia se desentendido com funcionário da construtora do edifício há poucos dias. Na segunda-feira, porém, o proprietário da construtora Terral Atlântica, André Montes Lopez, negou que algum funcionário ou proprietário da empresa tenha se desentendido com Nardoni. Lopez informou que vendeu, por meio de uma corretora de imóveis, dois apartamentos ao pai de Alexandre, o advogado Antonio Nardoni, dia 17 de setembro. As chaves das duas unidades foram entregues no mesmo dia. Lopez não soube dizer se as fechaduras foram trocadas. O apartamento número 62 ficou para o filho Alexandre e o 63 para a irmã dele. Cada um foi vendido por cerca de R$ 250 mil. "Estamos indignados. Isso é mentira. Toda a operação de compra e venda ocorreu com o avô da criança. Nunca tivemos contato pessoal nem por telefone com o Alexandre", explicou. O sócio da construtora explicou que é comum os condôminos contratarem pedreiros e pintores da empresa informalmente. "O apartamento é entregue pronto, mas sem o piso da sala. As reformas acontecem logo após a entrega das chaves", acrescentou.

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O instalador de antenas Misael dos Reis Santos, de 31 anos, que prestava serviços no Edifício London, depôs na segunda-feira. Ele confirmou que, há 30 dias, foi ao prédio fazer manutenção na parabólica do apartamento 52. Para fazer o serviço, porém, Santos precisava subir no apartamento 62, onde vive Nardoni. "Eu e a moradora do 52 pedimos autorização, mas ele negou. Nisso, houve uma discussão." Segundo o delegado Calixto Calil Filho, titular do 9º Distrito, essa discussão teria sido um pouco "áspera". Mas, para Santos, não foi nada que os tornasse inimigos mortais. A polícia requisitou o exame de DNA nos vestígios de sangue encontrados no lençol, na tela da janela e no corredor. (REDAÇÃO. Vizinhos vão depor sobre morte de menina na zona norte de SP. estadao.com.br, 1 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid149389,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A investigação é procedimento comum dentro do processo de criação

jornalística. O profissional precisa ouvir os dois lados da história. Nas matérias anteriores,

o site expôs o depoimento do pai. Na seqüência da verificação do acontecimento, outros

personagens deixam a trama ainda mais intrigante. As constatações da polícia e o relato do

funcionário do edifício e da construtora colocam em dúvida a alegação de desentendimento

de Alexandre. O contraditório provoca mais suspense. Tudo indica que nesta altura da

apuração, a polícia considera o casal suspeito. Os profissionais que acompanham o caso

também analisam as divergências do depoimento. Numa conversa em off com um policial

ou perito, o jornalista descobre que o pai e a madrasta são suspeitos.

A última matéria sobre o caso Isabella veiculada no dia 1º de abril destaca

a nova perícia que será realizada no apartamento do casal. O texto traz o depoimento de

dois vizinhos da família Nardoni que ouviram gritos de criança no mesmo horário em que a

menina foi arremessada do edifício. Outras testemunhas que eram vizinhos do casal no

antigo prédio relatam que o casal brigava muito. A notícia enfatiza mais uma vez que o pai

e a madrasta não são suspeitos. Mas a apuração do fato fica centrada na vida do casal. Os

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repórteres suspeitam da participação dos dois e começam a definir um perfil dos futuros

acusados.

A cobertura do assassinato de Isabella ganha ênfase no dia 2 de abril,

quando 11 matérias são publicadas no site estadao.com.br, sendo quatro textos da versão

impressa do jornal Estado de S. Paulo. O veículo de comunicação acompanha cada etapa

da investigação, reportando os desdobramentos do caso. A data pode ser considerada

crucial no processo de apuração dos fatos. Novas declarações configuram o pai e a

madrasta como os principais suspeitos do crime.

Na segunda matéria do dia 2, o veículo de comunicação se posiciona ao

apontar o casal como o principal alvo da investigação, mesmo a polícia anunciando que os

dois apenas estavam sendo averiguados. A declaração do advogado do casal, Ricardo

Martins, revela que Alexandre e Anna Carolina são os suspeitos do crime. O defensor disse

que seus clientes provariam que eram inocentes.

Polícia pede perícia em carros da família

Advogado do pai da menina Isabella, morta no sábado, contesta as versões apresentadas por testemunhas

Tudo o que a polícia fez no terceiro dia de investigações da morte da menina Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos, morta no sábado ao cair do sexto andar de seu prédio, foi investigar o casal Alexandre Alves Nardoni, de 29, e sua mulher, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24. Oficialmente, eles são chamados de "averiguados", mas as ações da polícia apontam que o casal é o principal foco da investigação. A polícia tem se ocupado em colher provas periciais para reforçar o inquérito. Os peritos criminais irão voltar ao apartamento da Rua Santa Leocádia, zona norte de São Paulo. Na busca por novos indícios, terão a ajuda de reagentes químicos. Os policiais querem verificar se há outros vestígios de sangue no lugar. As manchas de sangue encontradas no corredor da sala, no lençol e na tela de proteção da janela em que a garota teria sido jogada já estão sendo analisadas pelo Instituto de Criminalística (IC). Os dois veículos do casal - um Ford Ka e um Vectra - também serão submetidos a perícias. Ontem, seis pessoas prestaram depoimento no 9º Distrito (Carandiru), onde o caso está sendo investigado. Dois vizinhos do casal disseram ter ouvido gritos de "Pára, pai! Pára, pai!" momentos antes de o corpo de

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Isabella ser encontrado. "Eles não souberam dizer se a voz era da criança", explicou o delegado Calixto Calil Filho, titular do 9º Distrito. "Mas o tom dos gritos era de que o tal pai fazia algo errado." Os advogados de Nardoni, Ricardo Martins e Rogério de Souza, contestaram a versão apresentada pelas testemunhas. "A fala é interpretativa. A pessoa que está em situação de risco fala Pára!, Pára!, e chama o pai. Pai!, Pára!, Pai!", disse aos berros Martins. O advogado afirmou também que Nardoni e a atual mulher, com quem tem dois filhos (um de 3 anos e outro de 10 meses), estão abalados com a morte de Isabella. "Todos são inocentes e irão provar. Dias antes do fato, Ana Carolina perdeu as chaves do apartamento. Posso provar que ela perdeu as chaves porque tenho uma testemunha que vai aparecer no momento oportuno", disse Martins. Outras quatro pessoas ouvidas ontem - moradores do prédio em que Nardoni e a mulher moraram por dois anos e meio antes de se mudarem para o atual edifício - contaram que o casal brigava constantemente. Peritos do Instituto Médico-Legal (IML) ouvidos ontem pelo Estado disseram que há sinais no corpo da menina Isabella que sugerem uma tentativa de asfixia. Uma mancha no pulmão e no coração, dizem, é "compatível com sufocamento pela boca ou narina ou ainda esganadura". O fato de o exame de raio X ter mostrado apenas uma fratura na mão da garota não surpreendeu os legistas. Ossos de crianças costumam ser mais maleáveis do que os de adultos. Além disso, o gramado em que Isabella caiu, diante da portaria do edifício, pode ter amortecido a queda. A menina estava viva quando a fratura ocorreu. Algumas lesões na menina também são conflitantes com a versão do pai. "Há um hematoma na cabeça não compatível com a queda." Um pedaço da rede de proteção do quarto de onde Isabella caiu foi enviado ao IC. Os peritos querem saber se Isabella resistiu ao ser arremessada ou se estava inconsciente. Uma faca foi apreendida, pois se suspeita de que ela foi usada para cortar a tela. A mãe de Isabella, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23 anos, deve depor hoje no 9º DP. O pai e a madrasta da garota também devem voltar à delegacia, assim como a médica que atendeu Isabella. O delegado Calil Filho pediu ao Corpo de Bombeiros e à PM os registros das ligações feitas pelo casal e por moradores do prédio após a queda da menina. (TAVARES, Bruno; DINIZ, Laura; BRANDALISE, Vitor Hugo;GODOY, Marcelo; FLOSI. Polícia pede perícia em carros da família. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080402/not_imp149746,0.php>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A quarta matéria da versão impressa retrata o cotidiano do Edifício

London após a morte de Isabella Nardoni.

Prédio é ''blindado'' contra estranhos

Na escola onde estudava Isabella, professoras têm dificuldade para explicar morte a colegas de classe

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Um clima de blindagem total foi o que se viu ontem no Edifício London, na Parada Inglesa, zona norte da capital. O porteiro do prédio onde morreu a menina Isabella Nardoni, no sábado, mal falava com quem tocava o interfone. À imprensa, disse que não podia falar e desligou. Um motoboy que precisava levar o CD de um morador para a gráfica onde trabalha não foi autorizado a subir, como costuma fazer. Teve de esperar na rua, até que o cliente descesse com a encomenda. Diversos carros de reportagem movimentavam a rua do prédio e despertavam a atenção de curiosos, inclusive dos próprios moradores. Por volta das 16 horas de ontem, uma senhora observava a cena da janela com uma criança nos braços, mas recuou e se escondeu atrás da cortina assim que notou o aceno da reportagem. Moradores das casas e prédios vizinhos ao Edifício London, onde mora o casal Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto, disseram ao Estado que estavam dormindo na hora da tragédia, no sábado, e que não viram nada. A poucos metros do prédio, uma pichação no muro pede justiça para o caso. Na casa do pai de Alexandre, Antônio Nardoni, no Tucuruvi, não havia qualquer movimentação. A família foi procurada pela reportagem, mas não quis falar. Pelo interfone, um homem que não quis se identificar afirmou que está se "falando muita bobagem" sobre o caso e que a família "quer respeito neste momento de dor". (DINIZ, Laura; DACAUAZILIQUA, José Luiz; SPINOSA, Marcela. Prédio é ''blindado'' contra estranhos. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080402/not_imp149748,0.php >. Acesso em: 4 mar. 2009)

Outro trecho desta mesma reportagem dramatiza o fato ao registrar a

reação de crianças diante da morte de Isabella. O site cria uma narrativa para comover

ainda mais os leitores. Em cada palavra, o público cria as representações da pequena

criança assassinada. Trata-se de um recurso jornalístico que ajuda a manter o fato em

evidência. A morte poderia ser mais uma notícia dentre as milhares veiculadas pela

imprensa todos os dias. Neste caso, o trágico perdeu o impacto dias após ser noticiado. Para

manter o caso em evidência, o site mergulha no universo privado da vítima para ressuscitar

o lado humano da tragédia.

AMIGUINHOS A menina Beatriz, de 4 anos, neta da empresária Nadir de Almeida, foi informada pela família que sua melhor amiga, Isabella, foi viajar e iria demorar muito para voltar. "Mas anteontem ela viu uma foto da Isabella

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na TV e perguntou para o meu filho, que disse que era uma menina muito parecida", afirmou Nadir. Segundo a empresária, a família pretende dizer para Beatriz que Isabella "foi para o céu com o papai do céu e virou uma estrelinha". "A pessoa que jogou Isa da janela pensou que ela era o Super-Homem e que poderia voar", disse um dos amigos da menina a Elenice dos Santos, de 58 anos, diretora da Escola de Educação Infantil Cantinho da Alegria, na Vila Gustavo, zona norte, onde ela estudou até 2006. Os coleguinhas da menina não conseguiam entender o que ocorreu. "Eles viram tudo o que aconteceu na imprensa e chegaram cheios de perguntas", contou Elenice. "As crianças querem saber se foi o pai quem a matou ou se uma outra pessoa invadiu o apartamento", emendou. Em meio a dúvidas, as atividades na escola foram praticamente suspensas na segunda-feira. A diretora respondeu tudo o que os alunos perguntaram. "Eles estão tristes. Falei que Isa está no céu e eles começaram a mandar beijos e acenar para cima."Depois, Elenice juntou os alunos e eles rezaram. Com um sorriso cativante e um olhar maroto, a menina conquistou muitos amigos. Segundo a diretora, ela era carinhosa, esperta, estudiosa, alegre e, como toda criança, adorava brincar, principalmente com os meninos. Isabella usava o uniforme que pertenceu à mãe, Ana Carolina Cunha Oliveira, que estudou no Cantinho da Alegria quando criança. Desde 2007, a pedido do pai, Isabella mudou de colégio e passou a estudar na Escola Sir Isaac Newton, na Vila Gustavo, na zona norte, onde cursava a 1ª série do ensino fundamental. Apesar de não estudar mais com os colegas do Cantinho da Alegria, a diretora Elenice contou que alunos ajudam a preparar o comunicado da missa de 7º dia que será realizada na próxima sexta-feira, às 19h30, na Igreja da Candelária, na Vila Maria, zona norte. O convite terá uma foto da garota, assim como a camiseta que o avô da jovem deve fazer para os alunos usarem no ato. No dia 18, Isabella completaria 6 anos. "Como homenagem, uma aluna disse que faz questão de cantar parabéns para ela no dia de seu aniversário", destacou Elenice. (DINIZ, Laura; DACAUAZILIQUA, José Luiz; SPINOSA, Marcela. Prédio é ''blindado'' contra estranhos. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080402/not_imp149748,0.php >. Acesso em: 4 mar. 2009)

O conteúdo informativo da sexta matéria é semelhante ao texto anterior.

Mais uma vez, o site noticia a queixa contra Alexandre. A mãe de Isabella também ganha

ênfase na trama.

Mãe de menina que caiu de prédio deve ser ouvida hoje

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Tudo o que a polícia fez no terceiro dia de investigações da morte da menina Isabella, de 5 anos, morta no sábado ao cair do sexto andar de um prédio, foi investigar o casal Alexandre Alves Nardoni, de 29, e sua mulher, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24. Oficialmente, eles são chamados de averiguados, mas as ações da polícia apontam que o casal é o principal foco da investigação. A polícia pretende colher novas provas periciais para reforçar o inquérito. Hoje a mãe da menina, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23 anos, deve depor no 9º Distrito (Carandiru), onde o caso está sendo investigado. Os peritos criminais irão voltar ao apartamento da família, na zona norte de São Paulo. Na busca por novos indícios, terão a ajuda de reagentes químicos. Os policiais querem verificar se há outros vestígios de sangue no lugar. As manchas de sangue encontradas no corredor da sala, no lençol e na tela de proteção da janela em que a garota teria sido jogada já estão sendo analisadas pelo Instituto de Criminalística (IC). Os dois veículos do casal - um Ford Ka e um Vectra - também serão submetidos a perícias. Ontem, seis pessoas prestaram depoimento. Dois vizinhos do casal disseram ter ouvido gritos de Pára, pai! Pára, pai! momentos antes de o corpo de Isabella ser encontrado. Eles não souberam dizer se a voz era da criança, explicou o delegado Calixto Calil Filho, titular do 9º Distrito. Mas o tom dos gritos era de que o tal pai fazia algo errado, afirmou o delegado. Outras quatro pessoas que foram ouvidas são moradores do prédio em que Nardoni e a mulher moraram por dois anos e meio antes de se mudarem para o atual edifício. Os advogados de Nardoni, Ricardo Martins e Rogério de Souza, contestaram a versão apresentada pelas testemunhas. A fala é interpretativa. A pessoa que está em situação de risco fala Pára!, Pára!, e chama o pai. Pai!, Pára!, Pai!, disse Martins. O advogado afirmou também que Nardoni e a atual mulher, com quem tem dois filhos (um de 3 anos e outro de 10 meses), estão abalados com a morte de Isabella. ?Todos são inocentes e irão provar. Dias antes do fato, Ana Carolina perdeu as chaves do apartamento. Posso provar que ela perdeu as chaves porque tenho uma testemunha que vai aparecer no momento oportuno, disse Martins. (AGÊNCIA ESTADO. Mãe de menina que caiu de prédio deve ser ouvida hoje. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger149900,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A mãe ganha visibilidade à medida que comenta o fato. A imprensa

aguarda detalhes da personalidade do pai e da madrasta. Enquanto a polícia prefere tratar e

pronunciar que o casal não era considerado suspeito, os repórteres sabiam que o Alexandre

e Anna Carolina eram os principais suspeitos do assassinato de Isabella. Neste caso, o

estadao.com.br optou por não acusar, mas investigar o crime com base nos depoimentos de

familiares, vizinhos e policiais. De maneira sutil, o site deixa nas entrelinhas que o casal é

suspeito de torturar e arremessar a garota do sexto andar.

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O caso Isabella Nardoni chocou família: Revista Veja, 30 dez 2008. Disponível em <veja.abril.com.br/blog/retrospectiva-2008/>.Acesso em: 4 mar. 2009)

A oitava matéria do dia 2 de abril é centrada na figura de Ana Carolina.

Após prestar depoimento, ela deixa a delegacia pedindo apenas justiça. Os demais

parágrafos informam o pedido de aumento da pensão e repercussão do caso entre os

internautas. Ana Carolina poderia isentar em sua declaração o casal. Mas o seu silêncio e o

clamor pela justiça demonstram que Alexandre e a madrasta são os culpados, segundo a

linha de investigação da polícia.

'Só quero que se faça justiça', diz mãe de garota Isabella

A jovem saiu da delegacia protegida pelo namorado e acompanhada pelos pais, sem dar outras declarações "Eu não tenho nada a declarar. Só quero que se faça justiça". Essas foram as palavras ditas pela bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23 anos, mãe de Isabella Oliveira Nardoni, logo depois de 3h45 de depoimento, na sede do 9º Distrito Policial, nesta quarta-feira, 2. A jovem saiu da delegacia protegida pelo namorado e acompanhada pelos pais, sem dar outras declarações. (TAVARES, Bruno; DINIZ, Laura; FLOSI, Carina. 'Só quero que se faça justiça', diz mãe de garota Isabella. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <

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http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid150030,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A nona matéria do dia 2 de matéria também descreve como foi a saída de

Ana Carolina, após prestar depoimento na Delegacia.

Caso Isabella: mãe sai de DP sem falar com imprensa Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23 anos, mãe de Isabella Nardoni, de 5 anos, que teria sido jogada do sexto andar de um prédio na zona norte da capital paulista, deixou no início da tarde de hoje o 9º Distrito Policial, no Carandiru, sem falar com a imprensa. Ela chegou ao local de manhã acompanhada do namorado e de uma policial civil, e enfrentou um grande tumulto na entrada da delegacia, onde se concentravam os jornalistas. Nesse tumulto, ela teria sido machucada, e essa foi a razão alegada para não dar declarações à imprensa na saída. Os pais de Ana Carolina, Rosa Maria Cunha de Oliveira e José Arcanjo de Oliveira, chegaram um pouco antes para também prestar depoimentos. Uma testemunha levada pelo advogado do pai da criança, Alexandre Alves Nardoni, também será ouvida hoje. A polícia ainda deve tomar outros quatro depoimentos até o fim do dia. Isabella foi encontrada morta pelo pai no sábado à noite, no jardim do prédio onde ele mora com a mulher, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24 anos, e os dois filhos do casal. O delegado titular do 9º DP, Calixto Calil Filho, afirmou, um dia após a morte da menina, que trabalhava com a hipótese de homicídio, apontando que há fortes indícios de que a criança tenha sido arremessada por alguém. Havia vestígios de sangue no apartamento do casal e a tela de proteção da janela do quarto onde estava Isabella foi cortada. (MARCHEZI, Fabiana; SPIGLIATT, Solange. Caso Isabella: mãe sai de DP sem falar com imprensa. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger150037,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

A décima matéria do dia 2 de abril também reforça o clima de suspense

e descreve a situação da Delegacia de Polícia.

Caso Isabella: advogado de pai chega ao DP

O advogado Ricardo Martins de José Filho, que representa o pai da menina Isabella Oliveira Nardoni, o consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, chegou por volta das 15h20 na 9ª Delegacia de Polícia, na zona norte de São Paulo. Ele entrou rapidamente na delegacia e não

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quis falar com a imprensa. Não se sabe o motivo de o advogado do consultor ter ido à delegacia. Isabella, de 5 anos, caiu da janela do sexto andar de um edifício na zona norte. Pela manhã, a mãe da menina, Ana Carolina Cunha de Oliveira, prestou depoimento de 2h15 na delegacia. Houve tumulto na entrada e ela reclamou do assédio dos repórteres. Nada sobre o que foi dito no depoimento pela mãe, que é separada de Alexandre, foi divulgado até o momento. Isabella foi encontrada morta pelo pai no sábado à noite, no jardim do prédio onde ele mora com a mulher, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24 anos, e os dois filhos do casal. O delegado titular do 9º DP, Calixto Calil Filho, afirmou, um dia após a morte da menina, que trabalhava com a hipótese de homicídio, apontando que há fortes indícios de que a criança tenha sido arremessada por alguém. Havia vestígios de sangue no apartamento do casal e a tela de proteção da janela do quarto onde estava Isabella foi cortada. (D´ANDRADE, Wladimir. Caso Isabella: advogado de pai chega ao DP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger150064,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A última matéria publicada no dia 2 de abril apresenta Alexandre e Anna

Carolina como suspeitos de terem assassinato Isabella. A Justiça decreta prisão temporária

do casal. Tudo indicava que o mistério seria desvendado e a imprensa suspenderia a

cobertura. No entanto, a prisão foi mais um capítulo do caso.

Justiça decreta prisão de pai e madrasta da menina Isabella Eles deverão ficar presos por 30 dias; a Justiça também decretou segredo no caso A Justiça acatou, no início da noite desta quarta-feira, 2, o pedido de prisão temporária feito pela Polícia e pelo Ministério Público contra o consultor jurídico Alexandre Nardoni, de 29 anos, e sua mulher Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24 anos. Com essa decisão, o delegado Calixto Calil Filho, titular do 9º Distrito Policial, passa a considerar os dois como suspeitos de assasssinar a garota Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos. A menina morreu no domingo (veja o que se sabe até agora), depois de ser arremessada da janela do apartamento onde seu pai morava com a mulher e outros dois filhos, do segundo casamento, na Vila Isolina Mazzei, na zona norte de São Paulo. Eles deverão ficar presos por 30 dias. A Justiça também decretou segredo de justiça no caso. A mãe da garota, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23 anos, prestou depoimento nesta quarta-feira. Logo depois de ser ouvida pelo delegado, a mulher alegou que não tinha nada a declarar. "Só quero que seja feita justiça", afirmou amparada pelo namorado e acompanhada dos pais. A polícia acredita que a garota morreu depois de ser jogada da janela do apartamento em que o pai da garota morava com sua atual mulher e os filhos do segundo casamento.

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Na terça-feira, o delegado pediu ao Corpo de Bombeiros e à PM os registros das ligações feitas pelo casal e por moradores do prédio após a queda da menina. Tudo o que a polícia fez foi investigar o casal. A polícia tem se ocupado em colher provas periciais para reforçar o inquérito. Os peritos criminais irão voltar ao apartamento. Na busca por novos indícios, terão a ajuda de reagentes químicos. Os policiais querem verificar se há outros vestígios de sangue no lugar e também nos dois carros da família. Depoimentos Na terça, seis pessoas prestaram depoimento no 9º Distrito (Carandiru), onde o caso está sendo investigado. Dois vizinhos do casal disseram ter ouvido gritos de "Pára, pai! Pára, pai!" momentos antes de o corpo de Isabella ser encontrado. "Eles não souberam dizer se a voz era da criança", explicou o delegado Calixto Calil Filho, titular do 9º Distrito. "Mas o tom dos gritos era de que o tal pai fazia algo errado." Os advogados de Nardoni, Ricardo Martins e Rogério de Souza, contestaram a versão apresentada pelas testemunhas. "A fala é interpretativa. A pessoa que está em situação de risco fala 'Pára!', 'Pára!', e chama o pai. 'Pai!', 'Pára!', 'Pai!'", disse aos berros Martins. O advogado afirmou também que Nardoni e a atual mulher, com quem tem dois filhos (um de 3 anos e outro de 10 meses), estão abalados com a morte de Isabella. "Todos são inocentes e irão provar. Dias antes do fato, Ana Carolina perdeu as chaves do apartamento. Posso provar que ela perdeu as chaves porque tenho uma testemunha que vai aparecer no momento oportuno", disse Martins. Outras quatro pessoas ouvidas - moradores do prédio em que Nardoni e a mulher moraram por dois anos e meio antes de se mudarem para o atual edifício - contaram que o casal brigava constantemente. Peritos do Instituto Médico-Legal (IML) ouvidos pelo Estado disseram que há sinais no corpo da menina Isabella que sugerem uma tentativa de asfixia. Uma mancha no pulmão e no coração, dizem, é "compatível com sufocamento pela boca ou narina ou ainda esganadura". O fato de o exame de raio X ter mostrado apenas uma fratura na mão da garota não surpreendeu os legistas. Ossos de crianças costumam ser mais maleáveis do que os de adultos. Além disso, o gramado em que Isabella caiu, diante da portaria do edifício, pode ter amortecido a queda. A menina estava viva quando a fratura ocorreu. Algumas lesões na menina também são conflitantes com a versão do pai. "Há um hematoma na cabeça não compatível com a queda." Um pedaço da rede de proteção do quarto de onde Isabella caiu foi enviado ao IC. Os peritos querem saber se Isabella resistiu ao ser arremessada ou se estava inconsciente. Uma faca foi apreendida, pois se suspeita de que ela foi usada para cortar a tela. (FLOSI, Carina, Justiça decreta prisão de pai e madrasta da menina Isabella. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid150197,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

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O delegado Calixto Calil Filho chega para acompanhar os depoimentos do caso da morte da menina Isabella Nardoni no 9º Distrito Policial, no Carandiru, na zona norte de São Paulo. CONCEIÇÃO, José Luiz. Fotos. estadao.com.br, 16 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/interatividade/Multimidia/ShowFotos.action?destaque.idGuidSelect=84EEF0E215164E3CA6439BEA35B60E39>. Acesso em: 4 mar. 2009.

A matéria ainda traz a declaração do advogado do casal que defende a

presença de uma terceira pessoa no local do crime e a inocência de Alexandre e Anna

Carolina. Para a polícia, o pai e a madrasta eram os autores do assassinato. Entretanto, o

mistério continua. Sem a confissão dos acusados, o público aguardava o desfecho do caso.

No cumprimento da ética de ouvir os dois lados, a imprensa ajudou a sustentar a presença

da terceira pessoa.

No dia 3 de abril, o site estadao.com.br publica seis matérias referentes

ao caso Isabella. As matérias destacam o trabalho de investigação e a versão dos acusados.

Para manter o clima de suspense e garantir mais a audiência da cobertura, o site veicula

uma matéria do jornal Estado de S. Paulo. A notícia traz o relato do policial militar que

ouviu Alexandre dizer que viu o suspeito do crime no dia da tragédia.

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Pai de Isabella disse a PM ter visto suspeito do crime O sargento Luiz Carvalho, primeiro policial militar a chegar ao edifício onde ocorreu a tragédia com a menina Isabella, de 5 anos, deu uma entrevista coletiva ontem à noite. A garota morreu no sábado à noite, após cair do 6º andar do Edifício London, na zona norte de São Paulo. O sargento ainda não foi chamado para prestar depoimento oficial, mas confirmou que viu a menina viva quando chegou ao prédio. Ela estava em choque, respirava com dificuldade, ainda com um pouco de espuma no canto da boca, e chegou a mexer as pálpebras algumas vezes, disse. Segundo o policial, o pai, Alexandre Carlos Nardoni, de 29 anos, e a madrasta Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24, estavam muito nervosos. Ele (o pai) disse que viu um homem dentro do apartamento e esse homem arremessou sua filha pela janela, afirmou o policial. Por isso, a polícia fez uma varredura em todos os apartamentos, mas não encontrou ninguém. Segundo o sargento, Nardoni não soube dizer quais eram as características físicas do suspeito, que estava de costas. O pai não teria ido atrás do suspeito porque socorria a filha. O PM não soube informar se a menina estava viva quando o resgate chegou. O bombeiro Gildásio de Souza Alves, de 38 anos, relatou anteontem que a menina teve uma parada cardiorrespiratória após a queda. Isabella foi encontrada morta pelo pai no sábado à noite, no jardim do prédio onde ele mora com a mulher e os dois filhos do casal. O delegado titular do 9º DP, Calixto Calil Filho, afirmou, um dia após a morte da menina, que trabalhava com a hipótese de homicídio, apontando que há fortes indícios de que a criança tenha sido arremessada por alguém. Havia vestígios de sangue no apartamento do casal e a tela de proteção da janela do quarto onde estava Isabella foi cortada. (AGÊNCIA ESTADO. Pai de Isabella disse a PM ter visto suspeito do crime. estadao.com.br, 3 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger150517,0.htmm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A declaração do policial não traz nada de novo que possa contribuir para

as investigações. Mas o depoimento foi importante para manter o clima de suspense. Sem a

confissão do casal, a pergunta “quem matou Isabella?” ainda pairava no imaginário da

maioria dos brasileiros que acompanhava o caso. Talvez, se o casal confessasse o crime, a

cobertura do fato terminaria. No entanto, os acusados declararam inocência e sustentaram a

hipótese da terceira pessoa, mantendo o mistério do assassinato.

Em cartas, pai e madrasta de Isabella afirmam inocência

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O pai de Isabella, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, escreveram cartas nas quais se dizem inocentes em relação à morte da garota, que caiu do sexto andar de um prédio da zona norte de São Paulo, no sábado à noite. O repórter Roberto Cabrini, da TV Record, teve acesso ontem à noite aos documentos, que teriam sido dirigidos à imprensa, e leu a íntegra das cartas hoje, ao vivo, no programa "Hoje em Dia". No programa, Cabrini disse que as cartas foram escritas à mão, são autênticas e foram feitas antes da decretação oficial da prisão dos dois. Além das cartas, também foram exibidas pela TV Record oito fotografias da criança com o casal. Numa delas, Isabella aparece ao lado do pai e em outra, com a madrasta, sugerindo um bom relacionamento entre todos. Em sua carta, o pai de Isabella diz que, na condição de pai de três filhos, pode dizer, "sem dúvida, que a Isabella é o maior tesouro da minha vida". "Quando me dei conta que tinha perdido minha Isabella, senti naquele momento que o meu mundo acabou, não sei como caminhar. Todos estão me julgando sem ao menos me conhecer. Não faria isso com ninguém, muito menos com minha filha. Amo a Isabella incondicionalmente e prometi a ela, em frente ao seu caixão, que, enquanto vivo, não sossego enquanto não encontrar esse monstro (assassino da filha)", diz. O pai de Isabella afirma ainda que ele e a mulher não se pronunciaram antes porque acreditavam "que o caso seria solucionado". "Nós não somos os culpados e ainda encontrarão o culpado. Desta forma, não precisaríamos mostrar nossa imagem porque o nosso sofrimento é muito grande. Só que nos acusam e queremos mostrar o que realmente estamos sentindo. A verdade sempre prevalecerá". Já a madrasta de Isabella, em sua carta, conta quão bom era o relacionamento entre a menina e os outros dois filhos do casal. "Amo ela, como amo aos meus filhos. Tenho minha consciência tranqüila do carinho com que sempre a tratei", acrescenta. No final, Anna Carolina Jatobá repete a afirmação do pai de Isabella, de que não haviam se pronunciado antes porque acreditavam "que o caso seria solucionado". "Somos inocentes e a verdade sempre prevalecerá", finaliza. (ZULINO, Paulo. Em cartas, pai e madrasta de Isabella afirmam inocência. estadao.com.br, 3 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger150600,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Pai e madrasta de Isabella se entregam à polícia

O casal Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá se entregaram hoje à polícia. Eles tiveram ontem a prisão preventiva decretada por serem suspeitos da morte da menina Isabella Nardoni, de 5 anos, que despencou no sábado à noite do sexto andar de um prédio da zona norte de São Paulo. O pedido de prisão preventiva é válido por 30 dias e pode ser renovado por mais 30. A prisão temporária foi decretada para que o casal não prejudique as investigações, que prosseguem tanto na área da polícia científica quanto na busca de novas pistas no prédio, onde ocorreu a morte da menina. Junto com o decreto de prisão preventiva, o juiz do 2º Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, Mauricio Fossen, ordenou também sigilo absoluto do caso.

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Peritos do Instituto de Criminalística (IC) voltaram na noite de ontem ao Edifício Residencial London, na Vila Mazzei, em busca de mais provas que ajudem a esclarecer a morte da criança. Com a ajuda de reagentes químicos e uma luz especial - chamado de luminol - eles procuraram vestígios de sangue no veículo e no apartamento. A equipe do IC também fotografou, mediu e inspecionou por mais de duas horas a janela do quarto onde Isabella caiu. No apartamento, há vestígios de sangue nos corredores, em lençóis e na rede da janela. Os peritos utilizaram ainda um boneco do tamanho de uma criança para indicar o exato local em que Isabella foi encontrada ao cair do prédio, ao lado de uma palmeira, num gramado, na frente da guarita do porteiro. Cartas Alexandre Nardoni e sua esposa, Anna Carolina, divulgaram cartas nas quais se dizem inocentes em relação à morte da garota. Alexandre afirmou que pode dizer, "sem dúvida, que a Isabella é o maior tesouro da minha vida". "Quando me dei conta que tinha perdido minha Isabella, senti naquele momento que o meu mundo acabou, não sei como caminhar. Todos estão me julgando sem ao menos me conhecer. Não faria isso com ninguém, muito menos com minha filha. Amo a Isabella incondicionalmente e prometi a ela, em frente ao seu caixão, que, enquanto vivo, não sossego enquanto não encontrar esse monstro (assassino da filha)." O pai de Isabella afirma ainda que ele e a mulher não se pronunciaram antes porque acreditavam "que o caso seria solucionado". "Nós não somos os culpados e ainda encontrarão o culpado. Desta forma, não precisaríamos mostrar nossa imagem porque o nosso sofrimento é muito grande. Só que nos acusam e queremos mostrar o que realmente estamos sentindo. A verdade sempre prevalecerá", afirmou. Já a madrasta de Isabella, em sua carta, conta quão bom era o relacionamento entre a menina e os outros dois filhos do casal. "Amo ela, como amo aos meus filhos. Tenho minha consciência tranqüila do carinho com que sempre a tratei." No final, Anna Carolina repete a afirmação do pai de Isabella, de que não haviam se pronunciado antes porque acreditavam "que o caso seria solucionado". "Somos inocentes e a verdade sempre prevalecerá." Depoimentos O delegado titular da 9º Delegacia de Polícia de São Paulo, Calixto Calil Filho, pediu a prisão preventiva do casal, ontem, logo após os depoimentos da mãe de Isabella, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira - que é separada de Alexandre -, e dos avós maternos da menina. O que foi dito nos depoimentos não foi divulgado. "Não tenho nada a declarar, que a justiça seja feita agora", afirmou a mãe ao sair da delegacia. (AGÊNCIA ESTADO. Pai e madrasta de Isabella se entregam à polícia. estadao.com.br, 3 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger150764,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

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(Mistério na Zona Norte de SP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/misterio-na-zona-norte-desp,15168.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Já no dia 4 de abril, o site traz três matérias que apresentam a linha de

investigação da polícia e a tese sustentada pelo Ministério Público. Depois de enfatizar a

versão dos acusados no dia anterior, o site destaca a visão da Promotoria nas seguintes

matérias:

Caso Isabella: promotor acha versão do casal 'fantasiosa' SÃO PAULO - A versão do casal é fantasiosa, disse ontem o promotor Francisco Cembranelli, responsável no Ministério Público Estadual (MPE) pela investigação da morte da menina Isabella, de 5 anos, que morreu após cair do 6º andar do Edifício Residencial London, no sábado à noite, na zona norte de São Paulo. Ele se referiu às declarações que o pai da garota, Alexandre Alves Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, deram à polícia no sentido de que uma terceira pessoa entrou no apartamento e jogou a menina pela janela. O promotor não quis entrar em detalhes porque o caso está sob segredo de Justiça, mas já adiantou que a história contada pelo casal não o convenceu. Cembranelli começou a acompanhar o caso na manhã de ontem e passou o dia lendo o processo para se inteirar do caso.

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Ele elogiou o trabalho da polícia, ao dizer que todos os exames periciais necessários para o esclarecimento do caso estão sendo feitos, o que evita a perda de provas importantes. Além da necropsia no corpo da garota, foram feitos exames para identificar de quem é o sangue contido na tela de proteção do quarto de onde a menina caiu, outros para detectar mais vestígios de sangue no apartamento e nos carros do casal e a reconstituição do crime. Segundo o casal, que se diz inocente, o autor do crime pode ser alguém do prédio onde a família mora, com quem o pai de Isabella teria se desentendido. A história contada por Alexandre e Anna Carolina é a de que, ao chegar da rua, ele subiu com Isabella para o apartamento, no 6º andar, deixou-a dormindo no quarto dela e voltou à garagem para pegar a mulher e os outros dois filhos. Na volta, teriam notado que a menina não estava na cama. Em seguida, teriam visto a tela da janela do quarto dos meninos cortada e descoberto a tragédia. (AGÊNCIA ESTADO. Caso Isabella: promotor acha versão do casal 'fantasiosa'. estadao.com.br, 4 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger151112,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009) Depoimentos no caso Isabella divergem, diz promotor O promotor Francisco Cembranelli, responsável no Ministério Público Estadual (MPE) pela investigação da morte de Isabella, de 5 anos, falou hoje que acredita que os trabalhos de investigação podem ser concluídos antes de 30 dias, quando termina o prazo da prisão preventiva do pai e da madrasta da menina, Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá. O promotor afirmou ainda que nenhuma possibilidade sobre a morte dela foi descartada e que existem divergências nos depoimentos. "Há testemunhas que divergem sobre a subida (do casal) ao apartamento", disse. Outra divergência nos relatos, segundo Cembranelli, trata do relato do pai que registrou no Boletim de Ocorrência o arrombamento da porta do apartamento, o que não foi constatado pelos técnicos do Instituto de Criminalística. "A perícia constatou que a porta não foi arrombada". O promotor ressaltou também que a percepção de relevância da ocorrência pelos polícias, no momento do crime, possibilitou a preservação do local. Isabella foi encontrada morta pelo pai no sábado à noite, no jardim do prédio onde ele mora com a mulher, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24 anos, e os dois filhos do casal, após cair do 6º andar. O delegado titular do 9º DP, Calixto Calil Filho, afirmou, um dia após a morte da menina, que trabalhava com a hipótese de homicídio, apontando que há fortes indícios de que a criança tenha sido arremessada por alguém. Havia vestígios de sangue no apartamento do casal e a tela de proteção da janela do quarto onde estava Isabella foi cortada. (AGÊNCIA ESTADO. Depoimentos no caso Isabella divergem, diz promotor. estadao.com.br, 4 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger151198,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009) Prisão temporária é para preservar investigação, diz promotor

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Para ele, pai e madrasta da menina Isabella têm "versão fantasiosa"; processo corre em segredo de Justiça "A prisão do casal está fundamentada na garantia da tranqüilidade das investigações", disse em entrevista coletiva, no final da manhã desta sexta-feira, o promotor Francisco Cembranelli, responsável no Ministério Público Estadual (MPE) pela investigação da morte da menina Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos. Em entrevista exclusiva ao Estado, na quinta-feira, ele já havia dito que "a versão do casal é fantasiosa”. Sem revelar o conteúdo dos depoimentos dados pelas testemunhas, o promotor se referiu às declarações que o pai da garota, Alexandre Alves Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, deram à polícia no sentido de que uma terceira pessoa entrou no apartamento e jogou a menina pela janela. O caso está sob segredo de Justiça. Para ele, a história contada pelo casal não o convenceu. Cembranelli começou a acompanhar o caso na manhã de quinta-feira, e passou o dia lendo o processo para se inteirar do caso. Ele elogiou o trabalho da polícia, ao dizer que todos os exames periciais necessários para o esclarecimento do caso estão sendo feitos, o que evita a perda de provas importantes. Além da necropsia no corpo da garota, foram feitos exames para identificar de quem é o sangue contido na tela de proteção do quarto de onde a menina caiu, outros para detectar mais vestígios de sangue no apartamento e nos carros do casal e a reconstituição do crime. (REDAÇÃO. Prisão temporária é para preservar investigação, diz promotor. estadao.com.br, 4 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid151200,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Para sensacionalizar o caso, o estadao.com.br fragmentou o depoimento

do promotor. Esse recurso é utilizado pela jornalismo online. Ao contrário do jornal

impresso, as informações são noticiadas de forma espaçada. Ao invés de veicular todas as

declarações do promotor num único texto, o site oferece o conteúdo aos poucos para o

público. Quem navega pela rede mundial de computadores sempre busca constantemente

novas informações. Noticiar tudo de uma só fez fugiria do contexto midiático deste meio de

comunicação.

Depois de enfatizar a hipótese do Ministério Público, o estadao.com.br

veicula no dia 4 abril outra matéria sobre o caso. Desta vez, o site abre espaço para os

advogados de defesa sustentarem sua versão.

Pai de Isabella tem nomes de suspeitos, diz advogado

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Levorin diz que seu cliente acredita que algumas pessoas possam querer prejudicá-lo, mas não revelou nomes O pai da menina Isabella, Alexandre Nardoni, tem nomes de suspeitos que poderiam ter matado sua filha, no último sábado, segundo o advogado Marco Polo Levorin. O advogado disse também que os suspeitos teriam trânsito livre no prédio onde Nardoni mora, mas não quis adiantar se são familiares, moradores, ou funcionários. "Estive com ele (Nardoni) hoje e citou alguns nomes, mas não vou revelar quem são. Vamos encaminhar ao delegado para que seja investigado", disse o advogado em entrevista ao estadao.com.br nesta sexta-feira, 4. Isabella, de cinco anos, morreu após cair de um prédio na zona Norte no sábado. O pai e a madrasta da menina, Anna Carolina Jatobá, tiveram a prisão preventiva decretada esta semana. "Há muito a ser esclarecido até que meu cliente sejam impregnado. Algumas pessoas poderiam querer participar desta situação", disse o advogado. O advogado disse que se encontrou com seu cliente nesta sexta. Nardoni, "muito abalado", negou novamente sua participação no crime. " Ele perguntou dos familiares, quer saber se todo mundo está bem", disse. Levorin disse que irá trabalhar nos próximos dias para conseguir o habeas-corpus para seu cliente. "A prisão dele foi precipitada, não existem elementos para a prisão temporária", explicou. 'Fantasiosa' O promotor Francisco Cembranelli, responsável no Ministério Público Estadual (MPE) pela investigação, disse que a prisão do casal está fundamentada na garantia da tranqüilidade das investigações". Em entrevista exclusiva ao Estado, na quinta-feira, ele já havia dito que "a versão do casal é fantasiosa”. Ele elogiou o trabalho da polícia, ao dizer que todos os exames periciais necessários para o esclarecimento do caso estão sendo feitos, o que evita a perda de provas importantes. Além da necropsia no corpo da garota, foram feitos exames para identificar de quem é o sangue contido na tela de proteção do quarto de onde a menina caiu, outros para detectar mais vestígios de sangue no apartamento e nos carros do casal e a reconstituição do crime. (SADI, Andréia. Pai de Isabella tem nomes de suspeitos, diz advogado. estadao.com.br, 4 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid151296,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

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(Mistério na Zona Norte de SP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/misterio-na-zona-norte-desp,15168.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

No dia 5 de abril, o estadao.com.br veicula uma notícia referente ao

trabalho dos peritos criminais e legistas. A matéria ajuda a compreender a tragédia, mas

mantém o clima de suspense.

Isabella foi espancada, afirmam peritos criminais e legistas O 'Estado' consultou três pessoas presentes na reunião do IML, que descreveram o mesmo retrato de violência Isabella Oliveira Nardoni, de 5 anos, foi espancada. Essa foi a conclusão de peritos criminais e médicos-legistas envolvidos na apuração do caso depois de reunião quinta-feira, 3, no Instituto Médico-Legal (IML). O Estado consultou três pessoas presentes na reunião, que descreveram o mesmo retrato.

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Durante o encontro, as fotos tiradas durante a necropsia foram exibidas aos peritos médicos e criminais. O caso foi discutido entre especialistas, como dentistas - desconfiava-se que lesões na perna da menina pudessem ter sido causadas por mordidas, o que foi descartado - e patologistas. Além do médico-legista responsável pelo exame do corpo - Laércio de Oliveira César - outros dois foram destacados para o caso. Participaram ainda da reunião integrantes da equipe de José Antônio de Moraes, diretor do Núcleo de Perícias de Crimes Contra a Pessoa, do IC. Os indícios de que a menina foi espancada são vários. Isabella morreu na noite do dia 29 de março e apanhou antes de cair ou ser atirada do 6º andar do prédio em que seu pai, o consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, de 29 anos, e a madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24, moravam. Desde o primeiro exame no cadáver da criança, médicos-legistas constataram no cérebro uma pequena hemorragia comumente presente em casos descritos pela Medicina Forense como Síndrome da Criança Espancada. "O corpo apresenta várias escoriações e hematomas próprios de pancadas", atestou um perito que teve acesso aos dados preliminares do IML. "Ela foi espancada." A menina tinha na cabeça um ferimento que sangrou e uma lesão cervical que pode indicar esganadura (usar as mãos para apertar o pescoço). Entretanto, a suspeita maior dos peritos é de que ela tenha sido sufocada. A asfixia, dizem eles, faria parte do processo de violência a que a criança foi submetida. Isabella sofreu e a prova disso seriam sinais como as manchas de Tardieu e Paltauf no pulmão, lesão subpleural associada ao sofrimento por asfixia. Havia manchas vermelhas no coração (petéquias) e as pontas dos dedos estavam arroxeadas, sinal evidente de desoxigenação dos tecidos. A equipe do IML aguarda o resultado da análise do osso hióide (localizado na parte anterior do pescoço) da menina para esclarecer a questão. Caso ele esteja fraturado ou lesionado, a tese de estrangulamento volta a ganhar força. Isabella tinha ainda uma fratura observada no osso escafóide, próximo do pulso. Ela ocorreu quando a menina estava viva e foi possivelmente causada por uma torção. Apesar de todas as análises realizadas, César ainda não definiu qual a causa da morte da menina - asfixia ou a queda do 6º andar. Isso se deve ao fato de Isabella não ter sofrido politraumatismos ou hemorragias importantes no tórax e abdome. "Esse caso está suscitando muita discussão", disse um dos participantes da reunião. (TAVARES, Bruno; GODOY, Marcelo. Isabella foi espancada, afirmam peritos criminais e legistas. estadao.com.br, 5 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid151765,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

A cobertura do caso prossegue no dia 6 de abril. O estadao.com.br

publica uma matéria que é a síntese da notícia publicada no dia anterior. Neste mesmo dia,

o site noticia o trabalho dos advogados.

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Advogados do pai de Isabella vão pedir hábeas amanhã

Os advogados de Alexandre Carlos Nardoni, pai de Isabella Oliveira Nardoni, morta no dia 29 de março, confirmaram que vão impetrar amanhã um habeas-corpus para revogar a prisão de seu cliente e da madrasta da menina, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá. Ao deixarem a 77ª Delegacia de Polícia de Santa Cecília, onde Alexandre Nardoni está preso, os advogados afirmaram que já prepararam o habeas-corpus, mas não quiseram falar sobre os argumentos que serão utilizados no pedido. Eles alegaram que o caso está sob sigilo de Justiça. Chegaram por volta das 12h30 para a visita a seu cliente e permaneceram por cerca de 40 minutos na delegacia. Depois, os advogados foram à 89ª Delegacia de Polícia do Morumbi, onde está presa a madrasta de Isabella. Chegaram lá às 14h40 e saíram às 15h05. Disseram que ela está bem e conversa com as outras presas normalmente. Pela primeira vez, hoje, Anna Carolina comeu a refeição servida na DP. Por ser domingo, segundo os funcionários da delegacia, foi servido frango. Os advogados levaram roupa limpa e material de higiene para ela. (TRINDADE, Eleni. Advogados do pai de Isabella vão pedir hábeas amanhã. estadao.com.br, 6 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger152152,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

Mas é no dia 7 de abril que o crime volta a ser destaque no

estadao.com.br que publica nove textos sobre o caso Isabella. A exposição do fato na mídia

também repercutiu na Justiça do Estado de São Paulo. Por causa das declarações do

promotor Francisco Cembranelli, o pedido de sigilo foi revogado. Assim, os veículos de

comunicação conseguiram acompanhar cada etapa da investigação policial.

Justiça de São Paulo derruba sigilo do caso Isabella O juiz da 2ª Vara do Júri de São Paulo, Mauricio Fossen, revogou hoje o sigilo absoluto da investigação da morte da menina Isabella Nardoni, de 5 anos. O magistrado entendeu que o sigilo não é "imprescindível para o bom desenvolvimento das investigações", visto que, na sexta-feira, o promotor Francisco Cembranelli, do Ministério Público Estadual (MPE), divulgou várias informações sobre o caso à imprensa. A informação é da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado. O juiz argumentou que, por causa das declarações do promotor, "deixou de existir fundamento jurídico para que a ordem de sigilo em relação ao inquérito policial continue a ser mantida, já que nem mesmo o Ministério Público demonstrou possuir efetivo interesse nesse sentido". A ordem de segredo de Justiça havia sido definida na quarta-feira passada, junto com o decreto de prisão temporária do casal Alexandre Alves Nardoni, o pai de Isabella, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá. (D´ANDRADE, Wladimir. Justiça de São Paulo derruba sigilo do caso Isabella. estadao.com.br, 7 de abr. 2008. Disponível em:

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<http://www.estadao.com.br/geral/not_ger152610,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

O caso Isabella volta a ser destaque no estadao.com.br no dia 8 de abril.

As matérias abordam o trabalho dos peritos em arrolar provas para incriminar o casal

acusado. A ação da perícia torna-se o principal destaque na segunda semana de cobertura

do assassinato. Como os acusados não confessaram o crime, restou os peritos comprovarem

toda a hipótese levantada pela polícia. As notícias são carregadas de suspense.

Perícia descarta sangue no carro do pai de Isabella Exames do Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo praticamente afastaram a hipótese de que exista sangue no Ford Ka do consultor jurídico Alexandre Carlos Nardoni, de 29 anos, pai da menina Isabella, que morreu após cair do 6º andar do prédio onde mora o pai, na zona norte de São Paulo. Os resultados dos primeiros exames ficaram prontos ontem à noite. Pouco depois das 20 horas, ainda faltavam algumas provas para serem examinadas, mas os peritos consideravam improvável que o teste desse positivo para sangue. As primeiras manchas eram aquelas em que a gente tinha uma esperança muito grande. O que sobra agora deve ser mancha de graxa ou de óleo, afirmou um dos peritos que trabalham no caso. Ainda falta o exame do material colhido no corredor do 6º andar do prédio onde o crime ocorreu e das manchas achadas no interior do apartamento. Um especialista em exame de DNA e de exames hematológicos foi destacado pela direção do IC para cuidar dessa análise. No começo da noite de ontem, peritos do Instituto de Criminalística retornaram ao apartamento para nova perícia complementar. O objetivo era fazer mais medições do lugar para o laudo sobre a cena do crime. Eles aguardam ainda a definição da causa da morte da menina para resolver algumas das dúvidas. De acordo com o diretor técnico do Instituto Médico-Legal, Hideaki Kawata, Isabella morreu em decorrência da queda. Para ele, os sinais encontrados no pulmão e no coração da menina podem sinalizar uma parada cardiorrespiratória, e não o resultado de uma tentativa de asfixia ou esganadura. Os legistas do IML, no entanto, não descartam que a morte de Isabella tenha sido motivada por asfixia. O instituto aguarda a conclusão do exame toxicológico e patológico de Isabella para divulgar o laudo final. A polícia ainda busca fitas de vídeo com imagens do sistema interno de um supermercado de Guarulhos para saber com que roupa Alexandre estava no dia do crime. Eles querem confirmar se o consultor estava vestindo a camisa e a camiseta com manchas de sangue encontradas no apartamento de sua irmã, Cristiane Nardoni. Ela é dona de um imóvel no mesmo andar em que ocorreu o crime. Cristiane diz que as roupas pertencem a pedreiros. (AGÊNCIA ESTADO. Perícia descarta sangue no carro do pai de Isabella.

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estadao.com.br, 8 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger153031,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Isabella foi espancada e asfixiada, concluem peritos Antes de ser jogada pela janela, do sexto andar de um prédio na zona norte de São Paulo, a pequena Isabella Nardoni, de 5 anos, foi espancada e asfixiada dentro do apartamento, segundo conclusão dos peritos da Polícia Civil de São Paulo. De acordo com o Bom Dia Brasil, da TV Globo, os peritos afirmaram ainda que não encontraram sangue fora do apartamento de Alexandre Nardoni, pai de Isabella, nem na porta da residência, na maçaneta e no banco traseiro do carro do assessor jurídico. Conforme a reportagem, as provas periciais, por enquanto, dão as seguintes pistas: o assassino, ainda não identificado, teria agredido e esganado a menina com as mãos dentro do apartamento, antes do último ato de brutalidade. Ontem pela manhã, nove dias depois do crime, peritos voltaram ao apartamento de Alexandre, com vistas a descobrir como o assassino feriu a testa de Isabella. Na primeira perícia, os técnicos encontraram sangue no apartamento, mas o resultado dos laudos que vai apontar de quem é ainda não está pronto. Segundo os peritos, havia marcas de sangue em vários pontos: no chão do hall de entrada do apartamento, em frente à porta da cozinha e no corredor que dá acesso aos três quartos. Pelo tipo de mancha, mostrou a reportagem, a vítima estava a cerca de um metro do chão conforme análise dos peritos. A reportagem mostrou ainda que, com base nas provas técnicas, os peritos concluíram que o assassino de Isabella arremessou a menina pelo buraco da rede. No momento da queda, ela estava desmaiada. (MARCHEZI, Fabiana. Isabella foi espancada e asfixiada, concluem peritos. estadao.com.br, 8 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid153033,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Ao descrever a forma como a criança foi torturada, o texto se propõe a

provocar comoção. Aos poucos o público toma conhecimento do sofrimento de Isabella e a

sociedade passa a acompanhar ainda mais o caso para presenciar o desfecho do crime. A

conclusão dos peritos indicava que o fim do mistério se aproximava. Mas a trama estava

apenas começando.

Após noticiar a versão dos peritos, o estadao.com.br apresenta o outro

lado da história. O site narra a luta da defesa para conseguir a libertação do casal.

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Caso Isabella: defesa espera decisão do habeas até 5ªf A decisão do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo sobre o pedido de habeas-corpus do casal Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta da menina Isabella, de 5 anos, que foi morta e jogada do 6º andar do prédio onde mora o pai, na zona norte de São Paulo, deverá ser conhecida entre a tarde de hoje e quinta-feira, segundo expectativa de um dos advogados de defesa do casal, Rogério Neres de Sousa. Conforme Sousa, não existe prazo legal para análise desse tipo de pedido e, em casos comuns, as decisões costumam ser conhecidas em uma semana. "Mas esse não é um caso comum", afirmou. "A expectativa é a de que tenhamos uma decisão até quinta-feira", acrescentou. O habeas-corpus foi impetrado pela defesa ontem à tarde e o casal está preso, temporariamente, desde quinta-feira passada. De acordo com o advogado, tanto Alexandre, que está preso na 77º Distrito Policial (DP), em Santa Cecília, região central da capital paulista, quanto Anna Carolina, que está detida no 89º DP, no Morumbi, na zona sul, vão continuar ocupando celas individuais. "Não há possibilidade de eles serem transferidos para celas coletivas por conta do risco à integridade física", justificou. Ontem, a delegada titular do 89º DP, Silvana Françolin, admitiu a possibilidade de a madrasta de Isabella ser transferida para uma cela compartilhada com outras presas, caso não seja concedido o pedido de habeas-corpus. (AGÊNCIA ESTADO. Caso Isabella: defesa espera decisão do habeas até 5ªf. estadao.com.br, 8 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/geral/not_ger153097,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

O estadao.com.br também noticia a descoberta de imagens de câmeras

de circuito interno de um supermercado da família Nardoni passeando. As imagens

mostram a relação harmoniosa do casal e seus filhos. O texto reforça o suspense do caso. A

polícia investigava se Alexandre trocou de roupa no dia do crime. Mas o vídeo prova que o

casal estava com a mesma camisa quando os policiais chegaram na cena da tragédia.

Vídeo mostra ida de família Nardoni a mercado antes do crime Nas imagens, Alexandre e Anna Carolina estavam com a mesma roupa da hora da morte da pequena Isabella Imagens das câmeras do circuito interno de um supermercado, exibidas nesta terça-feira, 8, mostram Alexandre Nardoni, sua mulher, Anna Carolina Trotta Jatobá, a menina Isabella de Oliveira Nardoni e os dois irmãos passeando tranqüilamente na loja, em Guarulhos, no dia da morte. As cenas foram registradas por volta das 17 horas do dia 29 de março e nelas o pai aparece com a mesma roupa com a qual foi visto antes e

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depois da morte da filha. A polícia queria saber se o casal havia trocado de roupa entre a hora em que a menina morreu e o primeiro contato com os policiais. O porteiro do edifício de onde Isabella caiu do sexto andar afirmou à TV Globo, nesta terça, que pouco antes da meia-noite do dia do crime, ouviu um barulho muito forte. Segundo ele, o pai chegou ao jardim gritando que tinham invadido o apartamento e arrombado a porta. A madrasta de Isabella teria aparecido pouco depois, dizendo que faltava segurança no edifício. Para o porteiro, no entanto, ninguém poderia ter entrado no condomínio. Peritos da Polícia Civil de São Paulo concluíram que antes de ser jogada pela janela Isabella foi espancada e asfixiada dentro do apartamento, segundo divulgou a TV Globo na noite de segunda-feira, 7. De acordo com a emissora, os peritos não encontraram sangue fora do apartamento: as análises apontaram que marcas na porta da residência, na maçaneta e no banco traseiro do carro de Alexandre Nardoni não são de sangue. A decisão do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo sobre o pedido de habeas-corpus do casal Nardoni e Anna Carolina Jatobá deverá ser conhecida entre a tarde desta terça-feira e quinta-feira, segundo expectativa de um dos advogados de defesa do casal, Rogério Neres de Sousa. Nardoni e Anna Carolina estão presos temporariamente. Conforme Sousa, não existe prazo legal para análise desse tipo de pedido e, em casos comuns, as decisões costumam ser conhecidas em uma semana. "Mas esse não é um caso comum", afirmou. "A expectativa é a de que tenhamos uma decisão até quinta-feira", acrescentou. O habeas-corpus foi impetrado pela defesa na segunda à tarde e o casal está preso, temporariamente, por 30 dias, desde quinta-feira passada. (REDAÇÃO. Vídeo mostra ida de família Nardoni a mercado antes do crime. estadao.com.br, 8 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid153162,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

O estadao.com.br ainda publica no dia 8 de abril uma matéria com

promotor do caso Isabella. Ele comenta a exposição no crime na mídia e critica a postura da

imprensa.

Promotor do caso Isabella adota cautela e critica imprensa Francisco Cembranelli acreditava que investigação poderia acabar em 30 dias, mas agora evita dar prazos O promotor Francisco Cembranelli, responsável no Ministério Público Estadual (MPE) pela investigação da morte de Isabella Nardoni, de 5 anos, que caiu do sexto andar de um prédio na zona norte de São Paulo, adotou nesta terça-feira, 8, em entrevista a Rádio Eldorado, um discurso mais cauteloso sobre o andamento das investigações. Segundo Cembranelli, "todas as especulações da imprensa são muito precipitadas" e é preciso aguardar os dados oficiais.

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Cembranelli reuniu-se nesta terça-feira, por duas horas, com o delegado Calixto Calil Filho, do 9º Distrito Policial, que voltou a pedir sigilo nas investigações. Conforme Cembranelli, a informação de que as manchas encontradas no carro de Alexandre Nardoni, pai de Isabella, não são de sangue - atestada por peritos do caso - não consta do laudo e ainda não há posição oficial do Instituto de Criminalística (IC) sobre a questão. "Nada foi comprovado. É especulação. Aguardo a posição oficial do Instituto de Criminalística", disse. O promotor, que inicialmente acreditava que as investigações pudessem ser concluídas em 30 dias, evitou fornecer um novo prazo para o encerramento do processo. "Sei que a sociedade quer respostas. Eu também quero. Mas temos de ter calma suficiente para apresentação de um resultado que satisfaça a todos", afirmou. De acordo com o promotor, outros depoimentos ainda serão tomados pela polícia, mas não há data prevista. Cembranelli afirmou que é contrário à libertação do pai e da madrasta de Isabella, Anna Carolina Jatobá, uma vez que o Ministério Público já teria manifestado que os fundamentos para decretação da prisão "estão todos presentes". Na sexta-feira, o promotor afirmou, em entrevista coletiva, que a versão dos suspeitos era "fantasiosa", com base na leitura dos depoimentos de Alexandre e Anna Jatobá. Segundo ele, havia contradições nos relatos. Ele chegou a citar exemplos de divergências nos depoimentos que corriam em sigilo. (TUCHLINKI, Camila. Promotor do caso Isabella adota cautela e critica imprensa. estadao.com.br, 8 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/geral/not_ger153184,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

Novos capítulos do caso Isabella são noticiados no dia 9 de abril pelo

estadao.com.br. O texto representa a contradição dos peritos. Esses profissionais

descartaram que manchas de sangue no carro de Alexandre. Depois decidiram realizar o

exame de DNA para verificar se o sangue no automóvel é da garota assassinada.

Investigação sobre morte de Isabela aposta em exame de DNA

Na tarde de terça-feira, 8, os peritos estiveram, pela sexta vez, ao apartamento de pai e madrasta da menina

Os peritos do Instituto de Criminalística (IC) ainda não concluíram a análise das manchas menores encontradas no Ford Ka de Alexandre Nardoni, 29 anos, pai de Isabella. Como esses vestígios, chamados pelos técnicos de 'substância hematóide', são pequenos, os peritos decidiram não fazer o exame de constatação de sangue, pois não sobraria material para a realização do exame de DNA. Decidiu-se partir direto para o análise de DNA. Na tarde de terça-feira, 8, os peritos estiveram, pela sexta vez, ao apartamento do casal. Ao mesmo tempo, outros técnicos começaram

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o seqüenciamento do DNA de Isabella - a amostra de sangue da menina chegou anteontem ao instituto. Os peritos mantém uma postura de cautela em relação aos exames. "Não temos nada concluído e só vamos nos manifestar depois da conclusão de todos os laudos", afirmou o superintendente de Polícia Científica, Celso Perioli. Os técnicos constataram ainda por meio de um exame de contrastes de imagens que alguém pisou no lençol da cama do quarto em que a menina foi atirada. Há no pano a marca da ponta de um solado, aparentemente de sapato. Quem pisou no lençol, não apoiou seu calcanhar no tecido, deixando uma pegada incompleta. As marcas, porém, diferem do calçado que Alexandre Nardoni, o pai da menina, usava no dia do crime. Imagens do supermercado Sam's Club (veja vídeo), horas antes da morte de Isabella, e da saída do Edifício London, logo após o crime, mostram o Alexandre com um chinelo. Os peritos do IC recolheram pares de sapato de Alexandre e de Anna Carolina para comparar com a pegada deixada no lençol. A sola do chinelo de Alexandre também deve ser comparado. Para os peritos, o resultado sobre a presença da pegada é apenas um dado a mais na investigação. (TAVARES, Bruno; GODOY, Marcelo. Investigação sobre morte de Isabela aposta em exame de DNA. estadao.com.br, 9 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid153788,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

Uma das matérias publicadas no dia 9 de abril enfatiza que o crime está

preste a ser desvendado.

Polícia diz ter 70% do caso Isabella apurado Agora, investigação sobre morte de Isabela aposta em exame de DNA A delegada-assistente Renata Pontes, do 9º Distrito Policial (DP), que está responsável pelas investigações da morte da menina Isabella Nardoni, de 5 anos, após cair do sexto andar de um prédio da zona norte de São Paulo, afirmou nesta quarta-feira, 9, que a polícia já tem 70% do caso apurado. "Nós temos 70% do caso apurado. Falta esclarecer os outros 30%", afirmou, em entrevista a jornalistas. Para esta quarta, a expectativa é a de que o delegado Calixto Calil Filho, titular do 9º DP, tome novos depoimentos, provavelmente de vizinhos do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta de Isabella. Também há a perspectiva de que os laudos oficiais sobre a morte da menina possam ser divulgados. Os peritos do Instituto de Criminalística (IC) ainda não concluíram a análise das manchas menores encontradas no Ford Ka de Alexandre Nardoni, 29 anos, pai de Isabella. Como esses vestígios, chamados pelos técnicos de 'substância hematóide', são pequenos, os peritos decidiram não fazer o exame de constatação de sangue, pois não sobraria material

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para a realização do exame de DNA. Decidiu-se partir direto para o análise de DNA. Na tarde de terça-feira, 8, os peritos estiveram, pela sexta vez, ao apartamento do casal. Ao mesmo tempo, outros técnicos começaram o seqüenciamento do DNA de Isabella - a amostra de sangue da menina chegou anteontem ao instituto. Os peritos mantém uma postura de cautela em relação aos exames. "Não temos nada concluído e só vamos nos manifestar depois da conclusão de todos os laudos", afirmou o superintendente de Polícia Científica, Celso Perioli. Os técnicos constataram ainda por meio de um exame de contrastes de imagens que alguém pisou no lençol da cama do quarto em quea menina foi atirada. Há no pano a marca da ponta de um solado, aparentemente de sapato. Quem pisou no lençol, não apoiou seu calcanhar no tecido, deixando uma pegada incompleta. As marcas, porém, diferem do calçado que Alexandre Nardoni, o pai da menina, usava no dia do crime. Imagens do supermercado Sam's Club (veja vídeo), horas antes da morte de Isabella, e da saída do Edifício London, logo após o crime, mostram o Alexandre com um chinelo. Os peritos do IC recolheram pares de sapato de Alexandre e de Anna Carolina para comparar com a pegada deixada no lençol. A sola do chinelo de Alexandre também deve ser comparado. Para os peritos, o resultado sobre a presença da pegada é apenas um dado a mais na investigação. (TUCHLINKI, Camila. Polícia diz ter 70% do caso Isabella apurado. estadao.com.br, 9 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger153880,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

Neste mesmo texto, o estadao.com.br traz declarações do governador de

São Paulo, José Serra. A interferência do governador comprova que o caso Isabella eclodiu

na esfera pública.

Governador O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), disse, à tarde, que as investigações sobre o caso estão sendo bem conduzidas e que qualquer declaração sobre o assunto seria precipitada. Serra lembrou que a polícia tem conseguido desvendar até mesmo casos públicos notórios, como o do roubo dos quadros do Museu de Arte de São Paulo (Masp). "Como todo mundo agora está dizendo, é melhor a gente aguardar para ver qual é a conclusão. Acho precipitado falar. Cada um pode ter seu palpite, intuição, mas eu acho melhor aguardar", afirmou, após participar de encontro com alunos da escola estadual Waldemar Salgado, da cidade de Santa Branca. (TUCHLINKI, Camila. Polícia diz ter 70% do caso Isabella apurado. estadao.com.br, 9 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger153880,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

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O texto ainda traz declarações do promotor Francisco Cembranelli que

desmente alguns boatos e nega ter acusado Alexandre de ter matado a filha.

Também nesta tarde, o promotor do Ministério Público Estadual (MPE), Francisco Cembranelli, negou que tenha acusado Alexandre Alves Nardoni de ter matado a filha Isabella. A informação foi divulgada no blog do jornalista Ricardo Noblat. Conforme o blog, o promotor já teria dado aulas para Alexandre e, com base no conhecimento que já tinha do suspeito, teria concluído a culpa. Cembranelli reagiu: "Isso (a informação no blog) é irresponsabilidade, de um mau-caratismo sem tamanho." Ele negou ter sido professor de Alexandre. "É um completo absurdo", disse. "Eu nunca dei aula para ninguém, e em nenhum momento deste inquérito eu tive conversa informal com ninguém", afirmou. (TUCHLINKI, Camila. Polícia diz ter 70% do caso Isabella apurado. estadao.com.br, 9 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger153880,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

O estadao.com.br utilizou todos os meios para alimentar a história,

enfatizando as versões dos acusados e demais personagens envolvidos no fato. À medida

que as investigações avançavam, o site trazia os desdobramentos do crime, dando ênfase

para os personagens: Alexandre (pai), Anna Jatobá (madrasta), Francisco Cembranelli

(promotor) e Anna Carolina (mãe de Isabella).

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2 - PROCESSO DE CRIAÇAO JORNALÍSTICA

2.1 - Seleção dos fatos

Todos os dias acontecem fatos que podem se transformar em notícia,

porém seria impossível que os veículos de comunicação destacassem cada um deles. Assim,

a produção jornalística inicia-se por meio da seleção dos fatos. O recorte das

transformações sociais é determinado pela linha editorial e audiência. A ideologia da

empresa e os critérios de noticiabilidade2 condicionam quais personalidades e assuntos

serão noticiados, segundo a linha editorial.

O site estadao.com.br mantém as editorias da versão imprensa do

jornal Estado de S. Paulo. A capa do portal traz os seguintes temas: Primeira Página,

Opinião, Nacional, Internacional, Vida &, Economia, Cidades, Esportes, Caderno 2,

Tecnologia, Paladar, Mais Suplementos e Blogs. Ao clicar nesses assuntos, o leitor terá

contato com outros links relacionados a cada editoria exposta. A pluralidade de temática

demonstra que o site não se detém apenas em casos policiais. O público encontra notícias

sobre prisão, morte e investigação policial na editoria Cidades. No entanto, fatos policiais

não são exclusivos, pois existem outros assuntos como obras, condições climáticas, sorteio

de loterias, entre outros.

2 Segundo Mauro Wolf, “a noticiabilidade é constituída pelo complexo de requisitos que se exigem para os eventos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas, para adquirir a existência pública de notícia” (2003. p. 195). A cultura profissional e modelo organizacional da empresa resultam nas convenções que determinam os critérios de seleção dos acontecimentos. Neste contexto da produção jornalística, os fatores históricos, culturais, sociais, econômicos e políticos influenciam a escolha dos fatos.

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As matérias do caso Isabella Nardoni foram publicadas nas editorias

Nacional e Cidades nos sub-temas Geral e Suplementos. O site estadao.com.br possui um

link com as últimas notícias na editoria Primeira Página. Trata-se de um mosaico com as

principais matérias selecionadas pela empresa jornalística. A atualização das informações

acontece a cada minuto e o leitor pode comentar a notícia. A interação e a efetividade do

fato contribuíram para que a cobertura jornalística fosse mais intensa durante quase dois

meses. O assunto foi diariamente destaque nas chamadas do site.

A notícia, considerada a matéria-prima do jornalismo, é um bem de

consumo que traz todos os apelos para despertar a atenção do público. Nesta busca pela

audiência, as técnicas de edição textual e diagramação são determinantes durante o

processo de produção. Esses recursos criam a aparência das manchetes na primeira página.

Assim, o texto e o visual reforçam a importância do fato veiculado. A capa do jornal,

impresso ou online, torna-se a fragmentação das mudanças sociais consideradas

importantes pela empresa para que individuo fique bem informado.

De acordo com Benette (2002,p.49)

Compreender a dimensão semiótica do tratamento gráfico é um modo de alcançar a própria dimensão ideológica que define não só o que vai ter mais ou menos destaque num jornal, mas aquilo que deve despertar o interesse do leitor e fazer com que a troca (comunicação) não acabe.

Já Marques de Melo analisa a interferência da linha editorial no processo

de seleção dos fatos no jornalismo. Segundo o autor (Marques de Melo, 2003, p.49):

A seleção da informação a ser divulgada através dos veículos jornalísticos é o principal instrumento de que dispõe a instituição (empresa) para expressar a sua opinião. É através da seleção que se aplica na prática a linha editorial. A seleção significa, portanto, a ótica através da qual a empresa jornalística vê o mundo. Essa visão decorre do que se decide publicar em cada edição privilegiando certos assuntos, destacando determinados personagens, obscurecendo alguns e ainda omitindo diversos.

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Considerando a linha editorial, a seleção jornalística não é mera obra do

acaso. Os veículos de comunicação priorizam fatos de interesse público. A essência da

notícia é abordar acontecimentos que fazem parte do cotidiano, mas, ao mesmo tempo,

considerados inusitados e surpreendentes para a sociedade. Assim, o jornalismo exerce a

função de acompanhar e informar as transformações e alterações de determinados grupos

sociais. Neste contexto, a produção jornalística mantém um diálogo com o público, ou seja,

trabalha com as representações da “aldeia global”3.

Zanchetta Júnior (2004, p.61) reforça os critérios de seleção do

jornalismo e analisa as características da notícia. O autor comenta:

A técnica jornalística contemporânea toma a notícia como a soma de informações sobre um acontecimento que seja considerado, por quem publica, importante ou interessante para um determinado público. Para decidir se o fato pode ou não ser convertido em notícia, verifica-se se ele apresenta as seguintes características: ineditismo, atualidade, veracidade e interesse potencial para os leitores.

A cobertura do caso Isabella Nardoni feito pelo estadao.com.br está

amparada nas características da notícia. A morte da garota era atual e o suspense em

desvendar quem matou a menina despertou o interesse dos leitores.

Ao analisar a primícia do jornalismo, Kovach e Rosentiel (2004,p.226)

parecem superficiais, mas os pesquisadores destacam a responsabilidade da mídia em levar

informações às pessoas:

Jornalismo é contar uma história com uma finalidade. A finalidade de fornecer às pessoas informação que precisam para entender o mundo. O primeiro desafio é encontrar a informação que as pessoas precisam para

3 Termo utilizado por Herbert Marshall McLuhan para conceituar os efeitos do rádio nos anos 20 que possibilitaram o estreitamento entre os povos por meio da comunicação imediata. O surgimento da televisão e da Internet reforçaram ainda mais o conceito de “aldeia global” introduzido por McLuhan em 1960. A mídia permite a troca de informações e imagens entre as nações. É possível “viajar” pelo planeta sem sair de casa.

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tocar suas vidas. O segundo desafio é tornar essa informação significativa, relevante e envolvente.

Sousa (2002, p.58) também eleva a função social do jornalismo:

Os meios jornalísticos atuariam sobretudo através do ato de informar os cidadãos, no pressuposto de que estes são atores responsáveis num sistema social de que fazem parte e sobre o qual devem intervir. Informar jornalisticamente será, assim, em síntese, permitir que os cidadãos possam agir responsavelmente.

O jornalismo imprime as mudanças sociais, produzindo conhecimento e

orientando os receptores, mesmo a informação sendo selecionada e condensada sob o ponto

de vista da empresa de comunicação. Apesar das limitações no processo de produção e

interesses econômicos, a imprensa cumpre sua função social. Atua como agente mediador,

pois discute e reporta questões de utilidade da esfera pública.

Para explicar o processo de seleção dos fatos, Erbolato (1991,p.19)

recorre a Robert E. Park e observa que os acontecimentos representados pela mídia fazem

parte do cotidiano. Ele analisa:

Os acontecimentos que fizeram notícia no passado, como no presente, são realmente as coisas esperadas, assuntos caracteristicamente simples e comuns, como nascimentos e mortes, casamentos e enterros, as condições das colheitas, a guerra, a política e o tempo. São estas coisas esperadas, mas ao mesmo tempo também imprevisíveis porque se ignora onde ocorrerão.

Existem acontecimentos previsíveis no contexto da rotina social. Cabe

ao jornalismo reportar esses fatos para o público. Nascimento e morte, paz e guerra são

assuntos vivenciados pelas comunidades. Isso explica o consumo da notícia. Todos querem

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saber o que se passa na “aldeia global”. Para McLuhan (1974,p.231), “o jornal é uma forma

confessional de grupo que induz à participação comunitária”.

As pessoas se interessam por fatos que preencham suas necessidades

sociais e culturais. Buscam informações sobre seu bairro, cidade e país, além de temas com

os quais se identificam como música, esporte, teatro, televisão, cinema, economia,

automóveis, agricultura, entre outros. O jornalismo mantém o sistema de troca, ou seja,

representa acontecimentos dos grupos sociais, que dependem dessas informações.

Kovach e Rosentiel (2004,p.31) argumentam que “a imprensa nos ajuda

a definir nossas comunidades, nos ajuda a criar uma linguagem e conhecimentos com base

na realidade. O jornalismo também ajuda a identificar os objetivos da comunidade, seus

heróis e vilões”.

Lage analisa o processo de produção jornalística sob o ponto de vista do

interesse econômico e cita a função do gatekeeping na escolha dos fatos. O gatekeeper

seleciona informações contidas em releases, reportagens e notícias, filtrando-as conforme

os princípios jornalísticos da empresa na qual trabalha. Também chamado de editor-chefe,

ele controla toda uma unidade de produção editorial. Em cada edição do veículo, o

gatekeeper deve levar em consideração alguns critérios básicos como a linha editorial do

veículo que determina a priorização de determinados assuntos sobre outros.

A divisão de trabalho nas redações centralizou o gatekeeping – decisão sobre o que vai ou não ser publicado – em editores que se orientam ora por leis de mercado, ora por conveniências que traduzem o jogo dos grupos de pressão ou entidades abstratas como o interesse nacional. (LAGE, 1995, p.15)

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Apesar dos interesses capitalistas, a substância primária do jornalismo é

a informação. Os veículos de comunicação visam conquistar a credibilidade do público.

Para isso, as empresas evitam falácias no processo de apuração e produção jornalística. Os

receptores da notícia têm poder para ditar as regras do mercado. Por mais que a imprensa

tenha condições de manipular a informação, existem leitores capazes de identificar falácias.

Informar requer responsabilidade. Erros também resultam em processos judiciais. Perda da

credibilidade também afeta diretamente a vendagem e não atrai anunciante. Nenhum

empresário quer divulgar seu produto numa empresa de comunicação sem credibilidade.

2.2 - Características da Notícia

Os grupos sociais não pensam e nem agem de forma homogênia. Por

causa da diversidade de pensamentos e interesses culturais e ideológicos, a mídia trabalha

de forma segmentada, criando produtos jornalísticos para abordar os mais variados

assuntos. A editoria é determinante no processo de seleção dos fatos. Mas quais seriam as

características da notícia?

Erbolato (1991,p.60) aponta fatores que caracterizam a notícia. Dentre

alguns temas, sugeridos pelo autor, que se entrecruzam na produção jornalística, estão

acontecimentos de impacto (acidentes ou crimes), conflitos (guerra) e suspense

(investigação policial). Apesar da diversidade midiática, essa tríade temática é bastante

abordada pela imprensa.

Ao estudar os temas noticiados pela mídia, Silva (1998, p.39) insere

drama/comédia como característica da notícia e engloba nesta temática “histórias

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relacionadas com amor, a piedade, o ódio, o horror, o medo e a simpatia, o ciúme e o

sacrifício”. Segundo Silva, “exemplos que facilitam o entendimento do que seja a comédia

humana são assalto, catástrofes, policial, suicídio, assassinatos, campanha beneficente”.

A maioria desses fatores está inserida no contexto do assassinato da

garota Isabella Nardoni. Crimes, apesar de serem acontecimentos que fazem parte da

rotina social, sempre causam impacto na sociedade. Os jornais destinam páginas policiais

que, na maioria das vezes, retrata assassinatos, prisões e investigações. Além de cadernos

específicos para este tipo de editoria, esses assuntos ganham maior espaço (destaque) na

capa, dependendo da linha editorial do veículo de comunicação.

O assassinato de Isabella Nardoni traz algumas características da notícia,

como drama, impacto, conflito e suspense. Esses temas se entrecruzam na cobertura

jornalística do site estadao.com.br. A morte trágica de uma criança de 5 anos foi algo

impactante. A maioria dos casos de violência noticiados pela mídia traz os adultos como

personagens e vítimas. Uma garota arremessada do sexto andar de um prédio e a suspeita

do pai e da madrasta terem sido os autores do crime foge da realidade vivenciada pelos

grupos sociais.

No decorrer da cobertura jornalística, o site apresentou a questão do

conflito entre a família Nardoni e Carolina Oliveira, mãe da Isabella. Após a separação do

casal, houve divergências entre eles e a questão foi abordada pela imprensa. O

relacionamento da mãe biológica com a madrasta não era amigável. Carolina Oliveira

também evitava contato com Alexandre por causa do ciúme de Anna Carolina. Esse embate

familiar traz outra característica do gênero notícia.

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O site estadao.com.br veicula a quinta matéria do crime no dia 2 de abril

de 2008. A notícia coloca em dúvida o caráter de Alexandre e expõe o conflito existente

entre o acusado e a mãe de Isabella.

Mãe de Isabella registrou queixa contra ex-marido em 2003

Segundo boletim de ocorrência, pai da menina ameaçou a mãe e a avó da criança; polícia vai fazer nova perícia

SÃO PAULO - A mãe da menina Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos, que na noite do último sábado teria sido jogada do sexto andar de um edifício na zona norte da capital, procurou a polícia em 2003 para registrar queixa contra seu ex-marido, o consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, de 29 anos, segundo reportagem do Jornal do SBT. Segundo o jornal, que conseguiu uma cópia do boletim de ocorrência, na época, quando Isabella ainda tinha 1 ano e 4 meses, Ana Carolina afirmou à polícia que Alexandre vinha fazendo ameaças contra ela e a avó da criança. Ana Carolina disse que Alexandre, durante uma discussão, ameaçou matar as duas, mãe e vó da menina, e sumir com Isabella. A mãe de Isabella foi procurada pela reportagem do SBT, mas a família disse que ela só falará com a imprensa depois que prestar depoimento à polícia. Nesta terça-feira, a Polícia de São Paulo decidiu refazer a perícia no apartamento do edifício de onde a polícia diz que Isabella foi jogada. A polícia pretende utilizar o luminol, técnica que identifica minúsculas partículas de sangue, dentro dos dois veículos da família, em busca de vestígios de sangue. Oficialmente, tanto o pai da garota quanto a madrasta, a estudante Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 23 anos, não são tratados como suspeitos. Segundo o delegado Calixto Calil Filho, titular do 9º Distrito (responsável pelas investigações), eles são tratados como 'averiguados'. Na tarde desta terça-feira, seis pessoas foram ouvidas pelos investigadores. Entre as testemunhas, dois vizinhos da família Nardoni teriam relatado aos policiais que escutaram, aproximadamente no mesmo horário em que a menina teria sido arremessada pela janela, gritos de "pára pai, pára pai". A polícia, no entanto, ainda não considera os depoimentos conclusivos. O caso da morte da garota é considerado um mistério na polícia de São Paulo. Embora o pai afirme que a garota tenha sido deixada dormindo no quarto de hóspedes, ela foi jogada do 6º andar pela janela do quarto dos irmãos. A Polícia Civil também já sabe que a menina morreu em decorrência da queda de mais de 20 metros de altura. A constatação foi feita por peritos do Instituto Médico-Legal (IML) que examinaram o cadáver na madrugada de domingo. Os legistas encontraram outras escoriações e ferimentos no corpo, mas dizem ser impossível afirmar, por ora, se são resultado da queda ou se a menina teria sido agredida anteriormente. O delegado

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afirmou também que não descarta a possibilidade de a menina ter sido colocada no local em que foi encontrada mas, que a hipótese mais forte é a de que ela tenha sido arremessada. Outras duas testemunhas, que seriam vizinhas da família no antigo apartamento em que moravam, disseram que o casal brigava constantemente. O casal se mudou recentemente para o apartamento número 62 do edifício. A polícia também descarta a participação de um suposto pedreiro que teria se desentendido com o pai da garota no homicídio. (TAVARES, Bruno. Mãe de Isabella registrou queixa contra ex-marido em 2003. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid149627,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Além de explorar o assassinato, o site sempre super valoriza o conflito

entre Alexandre, Anna Carolina e a mãe de Isabella. A sétima matéria veiculada no dia 2 de

abril destaca novamente o atrito entre as famílias.

Mãe de Isabella queria aumentar a pensão, diz polícia No Orkut, a bancária recebeu mais de 6.500 recados de pessoas que se solidarizavam com a morte da criança A bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23 anos, mãe de Isabella Oliveira Nardoni estava, segundo a polícia, brigando para aumentar a pensão que recebe do pai da menina. "Temos informação de que ela recebe cerca de R$ 250 e estaria argumentando, na Justiça, que a menina entrou numa escola mais cara, cresceu, e os custos de alimentação e saúde aumentaram", disse uma fonte da polícia ao Jornal da Tarde. Na terça-feira, 1, Ana Carolina não quis falar muito com a reportagem. "Não sei até onde isso vai chegar", disse a bancária sobre o fato de a investigação policial sobre a morte de sua filha, Isabella, de 5 anos, estar direcionando o foco para seu ex-marido, o consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, de 29, e para a atual mulher dele, a estudante Anna Carolina Trotta Peixoto, 24 anos. "Confio no trabalho da polícia. Tenho certeza de que eles vão achar o culpado", declarou. Ana Carolina disse não ter opinião formada sobre a causa da tragédia, ocorrida no sábado, e que pretende falar com a imprensa somente depois de prestar depoimento à polícia. (FLOSI, Carina; DINIZ, Laura. Mãe de Isabella queria aumentar a pensão, diz polícia. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid149948,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

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A única novidade desta matéria é a declaração da polícia sobre o

aumento de pensão solicitado pela mãe de Isabella. Nos demais parágrafos, o site publica

informações noticiadas anteriormente. Isso demonstra que o site evidenciou a relação

pouco amistosa entre Alexandre e Ana Carolina. O embate familiar fez parte da cobertura

jornalística do estadao.com.br.

Para Motta (2004, p.30), o conflito é o elemento estruturador

fundamental de qualquer narrativa, especialmente no jornalismo que trabalha com rupturas,

descontinuidades e anormalidade. O autor observa:

É a ruptura de algo que traz o conflito e que gera a notícia, o relato jornalístico. Há sempre pelo menos dois lados em confronto em qualquer relato jornalístico, há sempre interesses contraditórios na história de cada notícia, há sempre algo que se rompe a partir de algum equilíbrio ou alguma estabilidade anterior que se interrompe e que gera a tensão. (2004, p.30).

Durante a cobertura do caso Isabella Nardoni, a estadao.com.br reforça

o enredo da drama apresentando as relações conflituosas entre Alexandre, Anna Carolina e

a mãe da garota. Assim, o público conhece o contexto da história que antecede o crime.

Segundo Motta (2004, p.54), “identificando os conflitos, podemos identificar as relações

conflituosas em que estão envolvidas as personagens do relato, seus papéis, motivações ou

manifestações, suas condutas e ações”.

A relação não harmoniosa entre o casal e a mãe biológica indica que

Alexandre e a madrasta Anna Carolina como os vilões da história. A declaração da mãe

sobre o crime e a saudade da filha a transforma na principal vítima do enredo.

Já o suspense do caso ficou por conta da investigação policial. O pai e a

madrasta sustentaram que o edifício foi invadido e a criança foi jogada do sexto andar por

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outra pessoa. Mas as investigações buscaram provar o contrário e eliminar a hipótese que

havia uma terceira pessoa na cena do crime.

O desdobramento das investigações foi eixo central para que o caso

merecesse destaque nos principais sites, jornais, radiojornalismo e telejornais do Brasil. A

pergunta crucial era quem matou Isabella? Passado o impacto da morte da criança, o

público esperava as respostas da polícia para conhecer o autor ou autores do crime. O clima

de suspense tornou-se o fio condutor das matérias jornalísticas. Peritos levantaram a tese

que a menina foi torturada antes de ser arremessada do sexto andar. Vestígios de sangue

foram encontrados no apartamento e no carro da família. As evidências configuraram

Alexandre e Ana Carolina como os principais suspeitos do assassinato.

Devido a sua exposição na mídia, o crime se fez presente no cotidiano de

milhões de brasileiros que acompanhavam o desdobramento. Durante semanas, o público

recebeu informações por meio dos jornais, rádios, programas televisivos e jornalismo

online. Alguns veículos de comunicação realizaram matérias para demonstrar a reação da

sociedade perante o episódio. O assassinato de Isabella repercutiu na esfera pública. Na

matéria intitulada “Mãe de Isabella queria aumentar a pensão, diz polícia”, publicada no dia

2 de abril, o estadao.com.br expõe a repercussão do caso na sociedade.

Desde a morte da filha, a bancária tem ficado em casa recebendo apoio de parentes e amigos. Uma avalanche de mensagens de conforto tem chegado a ela diariamente pela internet. Na segunda-feira, ela tinha cerca de 800 recados, principalmente de desconhecidos, no site de relacionamentos Orkut, solidarizando-se com sua dor. Até às 19 horas de terça, já eram mais de 6.500. "Eu sei que vou te amar... por toda minha vida eu vou te amar... em cada despedida eu vou te amar... filha maravilhosa da minha vida, você será eterna... lutarei pra conquistar tudo nessa vida em ‘nosso nome’. te amarei pra sempre!!!", escreveu a mãe no Orkut, no campo "Quem sou eu". Abaixo, ela agradeceu a todos que manifestaram apoio e explicou que, embora não tenha condição de responder a todos, as manifestações de carinho têm sido muito importantes para ela. A estudante Sílvia Mara Mendes, 22 anos, de Brasília, criou uma comunidade pedindo justiça

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para o caso, apesar de não conhecer nenhum familiar de Isabella. "Tenho um filho da mesma idade da Isabella. Fiquei muito chocada, indignada", disse Sílvia. (FLOSI, Carina; DINIZ, Laura. Mãe de Isabella queria aumentar a pensão, diz polícia. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid149948,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A essência do caso Isabella é carregada de elementos que caracterizam o

texto noticioso (morte, drama, conflito e mistério). Isso reforça a tese de que o crime tinha

todos os subsídios necessários para ser destaque nas manchetes dos veículos de

comunicação. O acontecimento é considerado um fait-divers. Assassinatos ocorrem todos

os dias, no entanto, ninguém espera que o pai mate o filho ou o filho mate o pai. A forma

como a garota foi assassinada também chama a atenção. A morte seria mais um fato

noticiado. No entanto, o interesse da mídia, analisado pelo estudo das características da

notícia, está vinculado à maneira como toda a tragédia ocorreu. No primeiro momento, o

impacto do fenômeno acontece pelo fato de Isabella ter sido jogada pela janela do edifício.

Essa particularidade da desgraça não é muito comum nos ciclos de notícia. Quedas de

pessoas nos prédios, na maioria das vezes, estão relacionadas a suicídio.

Costa (2002,p.153) explica o fait-divers.

A definição do fato noticioso pelo que ele apresenta de anormalidade é expressa pelo termo fait-divers, que responde pela tendência do jornalismo em explorar as anomalias patológicas, os comportamentos desviantes, a dimensão extraordinária de um fato. Essa prática transparece na definição dos assuntos cobertos pela reportagem [...]

A anormalidade é a principal característica do fait-divers. O interesse não

está centrado na morte, mas sim nos motivos que culminaram na tragédia. Por quê o pai

jogaria a filha pela janela do edifício? Se o acusado não fosse da família, talvez o crime não

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repercutisse tanto. A objeção do acontecimento está associada ao suposto envolvimento do

pai no crime. Para a sociedade, por exemplo, seria incoerente um pai matar o filho, o

religioso consumar o adultério, o policial se envolver com o crime organizado. Casos desta

natureza chamam a atenção da mídia.

Segundo Ramos (2004, p. 1), a expressão francesa fait-divers “designa,

em sua generalidade, a informação sensacionalista. Ela é bem anterior ao advento da Mídia

impressa. Já existia em diferentes produções culturais, na Idade Média, habitando os cantos

dos menestréis”.

Com base na semiologia barthesiana4, Ramos (2004, p.2) cita a tipologia

básica organizada por duas categorias: causalidade e coincidência. O assassinato de

Isabella possui elementos do fait-divers de causalidade. Esta categoria apresenta duas

manifestações: causa perturbada e causa esperada.

Na causa perturbada, segundo Ramos (2004, p.2), o excepcional está no

porquê da factualidade. O autor comenta que “existe um efeito, porém a causa é

desconhecida ou deformada pela imprecisão ou pela ilogicidade”. Já na causa esperada, “a

excepcionalidade troca de posição. Desloca-se para os protagonistas, que são responsáveis

pela instauração do conflito”.

A perturbação do caso Isabella centraliza-se em quem matou a garota.

Apesar da hipótese de que o casal era responsável pela morte, o motivo do assassinado é

desconhecido. Já os personagens Alexandre, Anna Carolina e a mãe da vítima tornam-se os

protagonistas da tragédia pela relação conflituosa.

4 Ver Barthes, Roland. Ensaios Críticos. Lisboa: Edições 70, 1971)

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A cobertura jornalística não se restringe apenas a noticiar o fato. A

imprensa precisa conquistar o interesse do leitor. Casos como o de Isabella, que provocam

comoção social, tornam-se principais assuntos dos cadernos policiais e são aprofundados

em reportagens. Esse gênero interpretativo5 busca entender as causas e as conseqüências

dos fatos. Martins (apud.MARQUES, 2003, p.84), no Manual de Redação do Estado de S.

Paulo, explica que a reportagem desenvolve uma seqüência investigativa que não cabe à

notícia.

Assim, apura não somente as origens do fato, mas suas razões e efeitos. Abre o debate sobre o acontecimento, desdobra-o em seus aspectos mais importantes e divide-o, quando se justifica, em retrancas diferentes que poderão ser agrupadas em uma ou mais páginas.

Para Guirado (2004,p.23)

A investigação possibilita o acesso aos dados essenciais do acontecimento, aos detalhes, aos pormenores reveladores, enquanto o aspecto criativo revela os melhores caminhos para interpretar esses dados, que posteriormente serão encaixados como pedaços de um quebra-cabeça.

Melo (2003,p.65-66) traz definições de notícia e reportagem, gêneros

textuais do jornalismo informativo.

A notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social. A reportagem é o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística.

5 Embora as teorias da comunicação demonstrem várias vertentes sobre a classificação dos gêneros jornalísticos, José Marques de Melo e Luiz Beltrão defendem a existência de três gêneros: informativo, interpretativo e opinativo.

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O autor reforça a tese de que apenas os acontecimentos de impacto social

oferecem subsídios para a elaboração de reportagens. Esse gênero textual propicia novos

ângulos do fenômeno investigado pelo jornalismo. Além de acompanhar cada etapa da

investigação policial e decisão da Justiça, a imprensa monitorou o casal Nardoni e reportou

um pouco da vida da garota. Jornalistas ficaram de prontidão na frente do apartamento do

pai de Alexandre e na casa da mãe, Carolina Oliveira. As declarações dos “personagens”

deste enredo alimentaram o noticiário brasileiro.

Durante a cobertura jornalística, os veículos de comunicação elaboraram o

perfil da garota através de entrevistas com a mãe e a professora da escola onde a garota

estudava. Até os suspeitos do crime revelaram detalhes da personalidade da criança. Era

necessário trazer novos ângulos do assassinato para manter o fato em evidência. O

desenrolar dos acontecimentos é uma praxe comum do jornalismo, especialmente quando o

fenômeno carrega elementos para tal procedimento. Por ser um fato que eclodiu na esfera

pública, coube a imprensa informar seu público.

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(Mistério na Zona Norte de SP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/misterio-na-zona-norte-desp,15168.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

O caso Isabella é um drama. Além do impacto causado pela maneira brutal

como a garota foi assassinada, a figura da mãe Ana Carolina também reforçou a

dramaticidade do fato. Ramos (2004) explica que a “dramaticidade apanha três tipos de

sujeitos básicos: criança, mãe e idoso. Eles mimetizam os diversos ciclos do processo do

existir humano”. O autor observa ainda que “a criança, a mãe e o idoso simbolizam a

fragilidade e a pureza humanas, decodificadas na dimensão do bem”. Estes aspectos

míticos fizeram parte da narrativa jornalística do caso.

2.3 - Pauta

No processo de produção jornalística, a pauta exerce a função de

apresentar as diretrizes a serem tomadas na construção da notícia. Nela estão contidos

detalhes necessários para que o jornalista inicie seu trabalho, como o local da entrevista, o

horário, os entrevistados e as informações iniciais do assunto selecionadas pelo pauteiro,

profissional responsável pela elaboração das pautas, de acordo com as normas editoriais do

veículo.

Dentro da empresa jornalística, o pauteiro sempre deve estar atento aos

acontecimentos que possam ser de interesse jornalístico que, a partir de agora, tanto se

traduz por interesse público quanto pela conveniência política ou comercial, considerando

que esse profissional se apóia nas normas do veículo de comunicação. Algumas empresas

jornalísticas promovem reuniões de pauta com o conselho editorial para definir quais os

assuntos serão transformados em notícia. Por isso, os assuntos são definidos a partir da

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discussão desses profissionais. Cabe ao pauteiro transmitir as indicações para que o repórter

possa explorar o fato conforme as normas editoriais da empresa.

No caso Isabela Nardoni, a pauta foi determinante na caracterização do

tom da cobertura jornalística do site estadao.com.br. A equipe de reportagem foi

mobilizada para acompanhar as conseqüências do assassinato. Era necessário entrevistar o

pai, a madrasta, a mãe, o delegado, o promotor, os advogados, entre outros personagens

envolvidos no caso. Os repórteres foram pautados para acompanhar os pormenores do caso.

Nos primeiros dias da cobertura, o site reportava mais de cinco matérias sobre Isabella.

Para manter o fato em evidência, a equipe de repórteres foi pautada para entrevistar pessoas

ligadas à tragédia. O estadao.com.br veicula, por exemplo, uma entrevista com um dos

bombeiros que socorreu a criança.

''Tentamos reanimá-la'', diz bombeiro

ENTREVISTA - Gildásio Alves: cabo

O cabo Gildásio de Souza Alves, de 38 anos, do Corpo de Bombeiros, primeiro a prestar atendimento a Isabella de Oliveira Nardoni, diz que a menina teve uma parada cardiorrespiratória logo após a queda. "Tentamos reanimá-la seguindo os protocolos de atendimento a traumatizados", diz o bombeiro. Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ontem, por telefone, ao Estado: O que o sr. viu ao chegar? Quando chegamos ao prédio já havia pessoas no local. Assim que atendi a garota, constatamos parada cardiorrespiratória. Tentamos reanimá-la seguindo os protocolos de atendimento a traumatizados. A menina tinha ferimentos? Tinha escoriações no rosto. Havia alguma lesão que chamou sua atenção? Nada de anormal. A gente não repara muito. Como foi a remoção da garota? Quando a médica (dos bombeiros) chegou, a garota já estava na unidade de resgate. Ela deu início a outros procedimentos de reanimação, aplicou algumas drogas e seguimos para a Santa Casa. Quanto tempo durou o trajeto? Foi tudo muito rápido. Seis minutos no máximo. Em algum momento a garota respondeu às tentativas de reanimação? Tentamos várias vezes, mas não tenho condições de dizer isso. Quem monitorava era a médica. (TAVARES, Bruno. ''Tentamos reanimá-la'',

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diz bombeiro. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080402/not_imp149747,0.php>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Ao analisarem a produção de notícias, Bulik e Torquato (2005,p.49)

comentam

A produção de conteúdo para o jornalismo segue uma rotina que pode ser definida tomando como ponto inicial a pauta. A partir de um fato novo (surpreendente), datado, previsto ou imprevisto, o chefe de redação, produção ou pauteiro, com a ajuda de produtores auxiliares, elabora hipóteses para a cobertura do fato e realização de uma reportagem.

Para Henn (1996,p.55)

Só pelo enfoque imposto pelos próprios jornais, percebe-se que a pauta concentra em si força determinante na construção do signo jornalístico. É a porta de entrada do acontecimento rumo à notícia. Seleciona, entre as ocorrências que se proliferam na sociedade, aquelas que preenchem os requisitos considerados essenciais para a consistência deste produto chamado notícia.

A pauta determina que assunto e como deve ser abordado. Quando o

repórter foge do direcionamento da pauta, automaticamente, seu texto será modificado

pelos editores.

Rossi (1994, p.42) acentua que:

[...] os filtros pelos quais passa o material produzido tanto pelos repórteres que trabalham na sede como pelos que atuam em outras cidades são os seguintes: o editor decide se o enfoque por ele seguido é ou não correto. No caso do repórter da própria sede, a orientação pode ser dada antes que ele escreva, mas, para os que trabalham como correspondentes, ou em sucursais, se o editor decidir mudar o enfoque, a matéria terá de ser refeita pelo copidesque.

Marques (2003, p.19) também ressalta a necessidade do profissional

seguir as minúcias da pauta. Ele destaca que:

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A pauta constitui um roteiro mínimo fornecido ao repórter. Se ela for muito específica e pedir que ele apure alguns aspectos da notícia, o repórter deverá obedecer a essa orientação, para evitar que suas informações conflitem com as de outros jornalistas que estejam trabalhando no mesmo ou repitam.

Embora o conceito de pauta esteja associado ao direcionamento da

notícia, Marques observa a necessidade de o jornalista estar preparado para realizar

perguntas durante a entrevista ou cobrir as alterações da sociedade:

[...] pautas óbvias não necessitarão de muito texto. Espera-se, por exemplo, que um repórter de cidade saiba o que perguntar ao prefeito ou a um secretário, o que apurar numa mudança de trânsito, como cobrir uma expulsão de invasores de área pública, etc. (MARQUES, 2003, p.20)

Henn (1996,p.56) acrescenta que a pauta pode ser alterada pelo jornalista

durante o processo de coleta, ou seja, existe uma flexibilidade. O autor defende que “desde

o momento em que ela é pensada, até a sua execução, uma mesma pauta sofre alterações

que o próprio repórter acaba impondo na coleta dos dados, ou nos contatos que mantém

com as fontes e editorias. Muitas pautas, inclusive, não são cumpridas”.

Medina (1998) analisa que “toda matéria jornalística parte de uma pauta

que pode ser intencional, procurada ou ocasional [...] e tem em si a primeira força do

processo, que pode ser chamada angulação”. Para a autora,

Na angulação encontramos, de imediato, relações muito estreitas dos três níveis gerais de comunicação numa sociedade urbana em industrialização ou pós-industrializada: nível-massa, o grupal e o pessoal. [...] A empresa que, por sua vez, está ligada a um grupo econômico e político (em bases bem características na América Latina), conduz o comportamento da mensagem da captação do real à sua formação estilística.

No caso Isabella, a pauta, em primeira instância, foi ocasional. O site

tomou conhecimento do crime e registrou. Como já foi mencionado, o nome da garota nem

apareceu no título das primeiras matérias. A caracterização do fato (impacto, drama,

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suspense e conflito) contribuiu para a elaboração de pautas intencionais. O site precisa

inserir informações que justificassem a cobertura jornalística.

Melo (2003,p.78) comenta que “a pauta não é apenas um elenco de temas

ou assuntos a serem observados pelos jornalistas, mas uma indicação dos ângulos através

dos quais os acontecimentos devem ser observados e relatados”. Inicialmente, o site

enfatizou o suspense da morte de Isabella e das investigações. A ênfase era descobrir quem

matou a garota. Como essa questão não pode ser respondida de forma imediata, o veículo

de comunicação buscou ângulos que contextualizaram o enredo do fato: como era a vida da

criança, o relacionamento com sua mãe, pai e madrasta, por quê o casal era suspeito do

assassinato, qual o motivo que levou a tamanha brutalidade. Essas foram algumas questões

levantadas pelo estadao.com.br durante a cobertura.

Apesar das normas e estilos implantados pelos veículos de comunicação,

a pauta é reflexo do fluxo de informações geradas pela mídia. Os pauteiros se baseiam nos

acontecimentos que repercutiram no rádio, na televisão, na internet e nos jornais. Trata-se

do autismo midiático6. Rossi (1994,p.18) considera esse procedimento uma distorção.

A pauta, por ser elaborada principalmente em função do que os próprios jornais publica, gera um círculo vicioso, pelo qual os jornais se auto-alimentam. Em conseqüência, a pauta reflete apenas parcialmente o que está acontecendo ou quais os assuntos que preocupam, efetivamente, o público geral; ela acaba refletindo muito mais o que os jornais estão publicando e a televisão está mostrando.

A cobertura do assassinato de Isabella é um exemplo do autismo

midiático. A televisão relatou o fato nos telejornais com chamadas ao vivo na porta da

6 Termo utilizado pelo filósofo francês Dominique Wolton. Refere-se ao procedimento da imprensa de se alimentar nos próprios veículos de comunicação, gerando repetição contínua excluindo-se a possibilidade de novos e diferenciados aprofundamentos sobre o assunto. (Wolton, D. Mídia – o governo paralelo da imagem. Jornal da Tarde. São Paulo, 16 nov. 1991)

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delegacia onde o casal acusado prestava depoimento e no apartamento do pai de Alexandre.

Já os programas classificados como de entretenimento, que noticiam a vida das

celebridades e apresentam receitas gastronômicas também se pautaram pelo crime. Os sites

na internet também noticiavam a cada minuto as novidades do caso.

A matéria intitulada “Mãe de Isabella registrou queixa contra ex-marido

em 2003”, citada acima para demonstrar o conflito como característica deste caso, foi

elaborada pelo estadao.com.br com base na reportagem do “Jornal do SBT”. O próprio site

faz essa referência. No dia 6 de abril, o veículo publica outra reportagem que demonstra o

autismo midiático. A notícia com o título “Em cartas, pai e madrasta de Isabella afirmam

inocência” foi construída após o programa “Hoje em Dia”, da TV Record, ler as cartas

escritas pelo casal. A matéria “Zelador perguntou por Isabella, diz pai de madrasta”,

veiculada no dia 3 de abril, também foi elaborada com base na entrevista concedida pelo

pai da madrasta no programa “Balanço Geral”, da TV Record.

Outra matéria veiculada no dia 8 de abril também se reporta a outro

veículo de comunicação. O site elabora a notícia com base nas declarações dos peritos

exibidas pelo telejornal “Bom Dia Brasil”, da TV Globo.

Isabella foi espancada e asfixiada, concluem peritos Antes de ser jogada pela janela, do sexto andar de um prédio na zona norte de São Paulo, a pequena Isabella Nardoni, de 5 anos, foi espancada e asfixiada dentro do apartamento, segundo conclusão dos peritos da Polícia Civil de São Paulo. De acordo com o Bom Dia Brasil, da TV Globo, os peritos afirmaram ainda que não encontraram sangue fora do apartamento de Alexandre Nardoni, pai de Isabella, nem na porta da residência, na maçaneta e no banco traseiro do carro do assessor jurídico. Conforme a reportagem, as provas periciais, por enquanto, dão as seguintes pistas: o assassino, ainda não identificado, teria agredido e esganado a menina com as mãos dentro do apartamento, antes do último ato de brutalidade. Ontem pela manhã, nove dias depois do

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crime, peritos voltaram ao apartamento de Alexandre, com vistas a descobrir como o assassino feriu a testa de Isabella. Na primeira perícia, os técnicos encontraram sangue no apartamento, mas o resultado dos laudos que vai apontar de quem é ainda não está pronto. Segundo os peritos, havia marcas de sangue em vários pontos: no chão do hall de entrada do apartamento, em frente à porta da cozinha e no corredor que dá acesso aos três quartos. Pelo tipo de mancha, mostrou a reportagem, a vítima estava a cerca de um metro do chão conforme análise dos peritos. A reportagem mostrou ainda que, com base nas provas técnicas, os peritos concluíram que o assassino de Isabella arremessou a menina pelo buraco da rede. No momento da queda, ela estava desmaiada. (AGÊNCIA ESTADO. Isabella foi espancada e asfixiada, concluem peritos. estadao.com.br, 8 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/geral/not_ger153046,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Conforme já observado, os pauteiros e os membros do conselho editorial

necessitam estar atentos às mudanças e aos fatos da rotina social. Mas como será que esses

profissionais garimpam a notícia? Será que eles buscam informações nas ruas? Na maioria

das empresas isso não acontece. Assim, esses profissionais se alimentam das notícias

produzidas pela própria mídia. O caso Isabella Nardoni não foi diferente. À medida que o

fato repercutiu sites, revistas, jornais e programas televisivos inseriram o tema em suas

pautas. A mídia se alimenta da própria mídia.

A pauta é considerada por muitos jornalistas e estudiosos do campo da

comunicação um mecanismo de controle e limitação. O repórter está condicionado a

levantar hipóteses e entrevistar personagens pré-estabelecidos. Mesmo o produtor da

notícia ou da reportagem tendo o poder de alterar ou acrescentar mais entrevistas durante a

apuração, as empresas ainda mantêm o controle da informação. Antes de ser publicado, o

texto passa pela revisão dos editores e podem ocorrer alterações como base na linha

editorial.

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2.4 - As Hipóteses do Newsmaking e Agenda-Setting

Existem operações que também concorrem para a escolha de fatos a serem

tratados pelos veículos de comunicação. Dentre elas estão as hipóteses do newsmaking e do

agenda-setting.

A hipótese do newsmaking é um estudo ligado à sociologia das

profissões, no caso o jornalismo. Está contida na produção de informações, ou seja, o

potencial de se transformar fatos da rotina social em notícia. A atenção do newsmaking

está centrada sobre o emissor, profissional das informações, que se transforma em

intermediário entre acontecimentos e sua narratividade, que é a notícia. Hohlfeldt (2001,

p.203) explica que esse estudo inclui relacionamento entre fontes primeiras e jornalistas,

bem como as diferentes etapas da produção informacional, seja ao nível de captação da

informação, seja em seu tratamento e edição e distribuição de informações.

Dentre os valores-notícia sugeridos por Hohlfeldt (2001,p.209), no

estudo do newsmaking, que se configuram na cobertura do caso Isabella estão:

[...] impacto sobre a nação e o interesse nacional – implica o grau de significação e importância, de proximidade geográfica, de atingimento do imaginário, etc. [...] relevância e significação do acontecimento quanto à sua potencial evolução e conseqüência – fatos que apresentam conseqüências a se desdobrarem num tempo futuro sempre são mais jornalísticos do que aqueles que se esgotam em si mesmos;

Pela operação do agenda-setting (ou agendamento), a mídia escolhe os

fatos e os transforma em notícias, sugerindo preocupações a serem incluídas na agenda

individual ou social. No caso Isabella, a imprensa inseriu a tragédia na esfera pública,

alimentando durante quase dois meses o público com hipóteses, investigações e

procedimentos judiciais. Por se tratar de violência infantil, a mídia levou a sociedade pensar

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que essa era a principal tragédia envolvendo uma criança naquele momento no Brasil.

Outros crimes ocorreram como, por exemplo, o caso da vendedora Lavínia Brandão

Pinheiro, de 28 anos, que confessou ter matado o filho de três anos. Ela afogou a criança no

reservatório de água da sua casa, em Cuiabá, Mato Grosso. O crime aconteceu no dia 5 de

maio de 2008, período em que Isabella ainda era notícia na mídia. O estadao.com.br não

publicou esse fato. A tragédia foi veiculada pelo site do jornal O Globo. No entanto, o

enredo do fato não teve suspense.

Mãe afoga filho de 3 anos em Cuiabá CUIABÁ - A vendedora Lavínia Brandão Pinheiro, de 28 anos, confessou nesta quarta-feira ter matado o próprio filho, de apenas 3 anos, afogado no reservatório de água da sua casa, em Cuiabá, Mato Grosso. Segundo a polícia, ela sofre de esquizofrenia e havia abandonado o tratamento. O crime aconteceu na noite de segunda-feira em um bairro da periferia. O corpo do menino Pedro Henrique Pinheiro Godoy foi encontrado manhã desta terça por parentes de Lavínia, que moram ao lado de sua casa. Ela fugiu ainda na noite de segunda e só reapareceu no final da tarde de terça. Levada para a delegacia, Lavínia acabou confessando o crime na madrugada desta quarta, na presença de dois advogados, uma defensora pública, uma promotora de Justiça e de uma psiquiatra. A mulher permaneceu o dia inteiro na delegacia à espera de vaga em um hospital psiquiátrico. No depoimento, contou que ouviu vozes ordenando que matasse o filho e se matasse em seguida. Primeiro, jogou óleo de cozinha em seu corpo e no do menino. Com um palito de fósforo, tentou atear fogo nos dois. - Isso já demonstra que ela tem problemas mentais - afirmou o delegado Márcio Pieroni. Ainda segundo o depoimento de Lavínia, ela retirou a mangueira do botijão de gás e abriu a válvula. Novamente, tentou produzir fogo com palito de fósforo. Também não conseguiu. Por último, levou a criança para o reservatório de água. No depoimento, ela diz que sua idéia era morrer afogada junto com o filho. A psiquiatra Andréa Torraca, que acompanhou o depoimento, confirmou o estado psicótico de Lavínia. Segundo a médica, a vendedora chegou a iniciar um tratamento contra a esquizofrenia, mas o abandonou no ano passado. Lavínia havia marcado uma consulta para esta quarta no posto de saúde do bairro. Para a defensora pública Tânia Regina de Matos, que também acompanhou a confissão, a mãe aparenta ter sérios problemas mentais. A defensora contou que durante o depoimento, embora tenha relatado o afogamento do filho, a mulher não havia se dado conta da gravidade do que fizera. (PINTO, Anselmo Carvalho. Mãe afoga filho de 3 anos em Cuiabá. oglobo.globo.com, 7 de mai. 2008. Disponível em:

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http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/05/07/mae_afoga_filho_de_3_anos_em_cuiaba-427263998.asp . Acesso em: 2 ago. 2009)

Na edição de nº 234 da Revista Imprensa, publicada em maio de 2008, o

caso Isabella é abordado. Na reportagem intitulada “3.999 Isabellas anônimas”, a jornalista

Thaís Naldoni traz dados da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI). As

estatísticas apontam que, nos últimos oito anos, 159.174 crianças sofreram agressões

domésticas. O número revela apenas os casos denunciados. Quarenta mil dessas crianças

ficam em estado grave e cerca de quatro mil morrem a cada ano no país.

De acordo com Wolf (1995,p.145),

Os jornais são os principais promotores da agenda do público. Definem amplamente o âmbito do interesse público, mas os noticiários televisivos não são totalmente desprovidos de influência. A televisão tem um certo impacte, a curto prazo, na composição da agenda do público. O melhor modo de descrever e distinguir essa influência será, talvez, chamar “agenda-setting” à função dos jornais e “enfatização” (ou spot-lighting) à da televisão. O carácter fundamental da agenda parece, freqüentemente, ser estruturado pelos jornais, ao passo que a televisão reordena ou ressistematiza os temas principais da agenda.

Para Hohlfeldt (2001, p191),

[...] os meios de comunicação, embora não sejam capazes de impor o quê pensar em relação a um determinado tema, [...] são capazes de, a médio e longo prazos, influenciar sobre o quê pensar e falar. Ou seja, dependendo dos assuntos que venham a ser abordados – agendados – pela mídia, o público termina, a médio e a longo prazos, por incluí-los igualmente em suas preocupações. Assim, a agenda da mídia de fato passa a se constituir também na agenda individual e mesmo na agenda social.”

O agendamento é uma atividade comum dentro dos veículos de

comunicação. A produção jornalística, enquanto produto industrial, exige um planejamento

do resultado final. Agendar é colocar na ordem do dia. Transformar em notícias fatos que

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até então não despertavam a atenção dos leitores. Resume-se em excluir ou incluir,

considerar ou não.

O pressuposto fundamental do agenda-setting é a compreensão que as

pessoas têm sobre grande parte da realidade social que lhes é fornecida, por empréstimo,

pelo mass media. Por outras palavras, os mass media fornecem algo mais do que certo

número de notícias. Fornecem igualmente as categorias em que os destinatários podem,

sem dificuldade e de uma forma significativa, colocar essas notícias.

Considerando a hipótese do agendamento, Hohlfeldt (2001, p.198-199)

assinala:

Quanto às características pessoais do receptor e a formação de uma agenda, tudo depende dos graus de percepção da relevância ou importância do tema, além dos diferentes níveis de necessidade de orientação que, em torno daquele tema, observará o receptor. Assim, pode-se dizer que a percepção de relevância poderá ser alta, média ou baixa. Sendo baixa, evidentemente o receptor não demonstrará nenhum grau de interesse em adquirir qualquer tipo de informação em torno daquele tema. No entanto, se houver um nível médio de relevância ao assunto, haverá, em conseqüência, um interesse mínimo na aquisição de informação sobre tal acontecimento, ainda que seu reflexo em termos de agendamento seja, ainda, mínimo. O agendamento somente ocorrerá de maneira eficiente quando houver um alto nível de percepção de relevância para o tema.

O agendamento é a operação que possibilita aos veículos de comunicação

o poder de predição e de vigilância, já que são eles que controlam a informação e, por

conseguinte, conduzem o processo de construção das notícias. Os veículos não apenas

predizem os acontecimentos, mas também convertem-se no próprio olhar vigilante que se

subjetiva no olhar do cidadão.

Zanchetta Júnior (2004, p.15) observa que o público também contribui na

formação da agenda. Ele destaca que “alguns jornais mantêm uma seção que acolhe os

comentários dos leitores sobre assuntos já publicados, visando à orientação editorial.

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Iniciativas como essas deixam entrever a face mais empresarial da imprensa: veiculam-se,

de preferência, assuntos capazes de atrair o leitor”.

A verificação desta hipótese não se restringe apenas quando os veículos

de comunicação elaboram a pauta. Ela se manifesta no processo de cobertura, na qual são

privilegiadas certas organizações ou segmentos da sociedade em detrimento de outras. Essa

operação também está presente quando o jornalista decide a que fonte recorrer, pois a

escolha se liga, também, à política editorial da empresa e às operações comerciais por ela

realizadas.

Portanto, dependendo do meio, o público sofre influências, não a curto,

mas a médio e a longo prazos. O agendamento não irá impor determinados temas, mas

incluirá preocupações sobre certos assuntos que, de outro modo, não chegariam ao

conhecimento e, muitos menos, tornar-se-iam temas.

Pode-se afirmar que o agendamento postula que os consumidores

incorporem a mesma relevância dada pela mídia a certos fatos nas suas próprias agendas,

ignorando elementos históricos, sociais e culturais, que também influem na avaliação dos

receptores para aceitação ou não. Apesar das preferências individuais, os consumidores

podem optar somente entre as seleções temáticas previamente estabelecidas pela mídia.

Hohlfeldt (2001, p.207) admite que os meios de comunicação de massa

devem:

a) tornar possível o reconhecimento de um fato desconhecido com algo notável de ser noticiado; b) elaborar relatos capazes de retirar do acontecimento seu nível de particularidade (idiossincrático), tornando-o generalizável (contextualizado); c) organizar temporal e espacialmente este conjunto de tarefas transformadoras, de modo que os eventos noticiados fluam e possam ser explorados racional e planificadamente.

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A influência do agendamento por parte da mídia depende, efetivamente,

do grau de exposição a que o receptor seja colocado, além do tipo de mídia, grau de

relevância e interesse que este leitor venha a emprestar ao assunto, sua necessidade de

orientação ou sua falta de informação, ou ainda, seu grau de incerteza, além dos diferentes

níveis de comunicação interpessoal que ele possa desenvolver.

Apesar da essência do caso Isabella ter características para produção do

texto noticioso, outros crimes semelhantes ocorreram no Brasil e no mundo durante o

período de cobertura da imprensa. No entanto, esses acontecimentos não ganharam o

mesmo destaque porque não havia mistério. Os autores confessaram o crime, eliminando a

construção de uma narrativa jornalística que enfatizasse o suspense. O interesse do público

em conhecer os verdadeiros assassinos de Isabella manteve o crime em evidência na mídia.

Mesmo com o poder de influenciar a médio ou longo prazo os receptores da informação, a

mídia sustentou o fato porque houve o interesse social. A audiência foi determinante. Se a

aceitação não fosse alta, a imprensa publicaria as conseqüências do acontecimento através

de notas e não com reportagens.

Em 2008, outra tragédia envolvendo crianças foi noticiada pelo

estadao.com.br, entretanto, o fato não teve a mesma cobertura do caso Isabella. O crime em

questão envolve pai e madrasta, mas o requinte de crueldade foi ainda maior. Os irmãos

João Vitor Rodrigues, de 13 anos, e Igor Giovanni, de 12 anos, foram mortos e

esquartejados no dia 5 de setembro de 2008, em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo. O

crime foi cometido pelo pai João Alexandre Rodrigues e pela a madrasta Eliane Aparecida

Antunes Rodrigues. O site traz apenas seis matérias sobre o caso. A tragédia foi noticiada

no dia 12 de setembro.

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Polícia reconstitui assassinato de dois irmãos em Ribeirão Pires Madrasta das crianças já foi indiciada pelo crime; em depoimento, pai confessou ter esganado o caçula SÃO PAULO - A polícia fará nesta sexta-feira, 12, a reconstituição do assassinato dos irmãos Igor Giovani e João Victor dos Santos Rodrigues, de 12 e 13 anos, mortos pelo pai e pela madrasta há uma semana, em Ribeirão Pires. A expectativa é descobrir a participação do pai, o segurança João Alexandre Rodrigues, e da madrasta, Eliane Aparecida Rodrigues, no crime. O pai confessou ter esganado o caçula. A madrasta teria matado João Victor a facadas e foi indiciada pelo crime. A polícia acredita que os irmãos foram mortos por "atrapalhar" a relação do pai biológico com a madrasta. A informação foi confirmada pela madrasta ao delegado Ailton Muniz. Ela confessou participação nos assassinatos e na ocultação dos cadáveres. A polícia agora procura provas materiais contra o pai dos meninos, o vigia João Alexandre Rodrigues, de 40 anos, que nega envolvimento com as mortes. Em depoimento, até agora, ao contrário da madrasta que o incrimina desde o dia em que ambos foram presos em flagrante, ele preferiu se calar. "Segundo ela, o vigia usou uma camiseta no dia do crime. Recolhemos essa peça no interior da casa deles, com algumas manchas. A roupa será enviada para a perícia", disse o policial. Segundo Carmo, também foram recolhidas outras provas na casa do casal. No sábado, a polícia pediu a prisão temporária de ambos por 30 dias. No mesmo dia, a Justiça decretou a prisão. Quando o inquérito for concluído deve ser pedida a prisão preventiva. Mãe Claudia dos Santos, de 32 anos, mãe dos meninos, fugiu de casa aos 14, quando morava em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Somente no domingo ela reencontrou a própria mãe, depois de 18 anos de separação - agora com quatro, dos seis filhos que teve. O reencontro aconteceu porque a avó dos garotos, Irene dos Santos, viu a tragédia pela TV e reconheceu a filha desaparecida. "Vi uma imagem da Claudia na televisão. Tive certeza de que era ela. Meu mundo desabou", disse Irene. "Ninguém imagina o que é encontrar uma filha depois de tanto tempo e, ao mesmo tempo, descobrir que os netos estão mortos." Na quarta, Irene, que mora em Franca, no interior, esteve com a filha em um programa de TV. Ao revê-la, Irene perguntou por que ela fugiu de casa. "Não tinha motivos (para a fuga) e, quando nos encontramos, perguntei isso. Ela disse que não lembrava mais o que tinha acontecido." Claudia chorou várias vezes e precisou ser medicada. Embora não lembre o motivo da fuga da casa da mãe, Claudia afirmou que fugiu do ex-marido por não suportar maus-tratos. Ela disse que fugiu do pai dos meninos, João Alexandre Rodrigues, há cinco anos, e levou as duas filhas mais velhas, quando tinham 9 e 11 anos. "Fugi de casa porque não agüentava mais. Ele batia nas meninas porque não eram filhas dele. Chamava de 'negas' bastardas, capetas e cão." Em uma das ocasiões, o padrasto teria agarrado a mais velha pelos cabelos e batido seu rosto no chão porque a criança tinha quebrado uma vela. Segundo a mãe, embora detestasse as garotas, ele era muito carinhoso com Igor e João Victor. "Eram tratados como príncipes pelo pai." Claudia afirmou que só via os filhos a distância, com o ex-marido. "Ele entrava no mercado e comprava as coisas para os garotos." Para ela, os

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meninos pareciam "muito bem tratados". No entanto, só há dois meses soube que eles haviam sido internados em um abrigo. Também há dois meses Claudia reencontrou os meninos em uma igreja. "Eles não reclamaram de nada. Disseram que estavam bem e obedecendo a titia (a madrasta)." Essa foi a última vez que mãe e filhos se viram. Claudia disse que o atual companheiro, pai do seu casal de filhos mais novos, de 1 e 3 anos, tinha prometido que ela poderia buscar os meninos em Ribeirão Pires quando a situação financeira estivesse estabilizada. "Estava nos meus planos que eles viessem morar comigo", disse a mãe. O marido está desempregado e Claudia não trabalha. (MAIA, Humberto Júnior; CAPITELLI, Marici. Polícia reconstitui assassinato de dois irmãos em Ribeirão Pires. estadao.com.br, 12 de set, 2008. disponível em: http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid240604,0.htm.. Acesso 2 de ago. 2009)

Apesar do enredo ser semelhante, pois o pai e madrastas estão

envolvidos, o caso não teve a mesma repercussão. Não há registro de comentários feitos

pelos leitores no site. Os irmãos Igor Giovani e João Victor dos Santos Rodrigues foram

mortos por asfixia. No dia 15 de setembro de 2008, o estadao.com.br publica a matéria

intitulada “Acusados pela morte de irmãos são transferidos para Tremembé”. O texto

descreve a forma como os garotos foram assassinados.

Segundo a polícia, os dois atearam fogo nos corpos dos garotos e, como a ação de combustão acabou, depois esquartejaram. Em depoimento, o pai disse ter esganado Igor na sala, após ouvir dele uma resposta agressiva, enquanto a madrasta, simultaneamente, matava João Victor com uma facada na barriga. Na versão dela, o pai teria matado os dois, e ela teria ajudado a esquartejar e ocultar os corpos. Os meninos tinham uma relação difícil com a família e haviam sido levados pelo Conselho Tutelar ao pai depois de serem encontrados abandonados na rua pela Polícia Civil. Na última sexta-feira, durante a reconstituição do crime, a polícia encontrou parte dos órgãos dos adolescentes no esgoto, como as vísceras e um pulmão. (REIS, Ítalo; MENOCCHI, Simone. Acusados pela morte de irmãos são transferidos para Tremembé. estadao.com.br, 15 de set 2008, disponível em: http://www.estadao.com.br/cidade/not_cid242115,0.htm. Acesso 2 de ago. 2009)

O assassinato dos irmãos de Ribeirão Pires é fait-divers, mas por quais

razões a mídia não acompanhou o fato da mesma forma que o caso Isabella? Além do

impacto da morte, a trama do acontecimento também é calcada de conflitos familiares, no

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entanto, não há ministério na morte dos irmãos. A polícia desvendou o caso e os assassinos

confessaram a autoria do crime. Este caso foi noticiado mais de uma vez porque o enredo

trazia o conflito familiar. O estadao.com.br publica, no dia 7 de outubro, outra reportagem

sobre a morte os irmãos e organizada a cronologia do conflito.

Entenda o caso: Janeiro de 2003 - A mãe biológica dos meninos João Victor e Igor sai de casa e deixa os meninos com o pai; 29.04.2005 - Conselho Tutelar recebe 1ª denúncia de abandono pelo pai; 20.06.2005 - Tia paterna denuncia ao Conselho Tutelar que os irmãos sofrem maus-tratos; 20.07.2005 - Pai faz BO contra madrasta após ela bater nos meninos; 17.04.2007 - João e Igor vão para um abrigo por decisão da Justiça; 19.04.2007 - Nova ordem judicial determina o desabrigamento, mas meninos se recusam a sair; 02.05.2007 - A promotora da Infância não comprova risco aos meninos e requer a entrega ao pai. A juíza Isabel Lopes Enei concorda; 07.05.2007 - Em audiência, os meninos choram e dizem que não querem voltar. A juíza revoga a ordem; 26.07.2007 - Pai denuncia à Justiça que os garotos eram castigados no abrigo; 02.07.2007 - Promotora criminal denuncia pai e madrasta por tortura; 17.07.2007 - A juíza criminal Margarete Pellizari aceita a denúncia e marca as primeiras audiências; Janeiro de 2008 - Isabel Lopes Enei desabriga os meninos, mas não chama a promotora da Infância para se manifestar. Ela recorre; 03.09.2008 - MP refaz a denúncia por maus-tratos e alega que, durante o processo, não se confirmou tortura, mas pede condenação; 03.09.2008 - É feito BO por abandono contra o pai e a madrasta no dia em que os irmãos foram expulsos de casa. Conselho determina que crianças voltem para o pai; 05.09.2008 - Os irmãos são mortos e esquartejados pelo pai e pela madrasta. (OSCAR, Naiana. Juíza não se conforma com morte de irmãos em Ribeirão Pires. estadao.com.br, 7 de out 2008, disponível em: http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid255346,0.htm . Acesso 2 de ago. 2009)

O caso dos irmãos de Ribeirão Pires mostra uma realidade pouco

observada pela sociedade. A história desses garotos pode ser considerada mais dramática

sob o ponto de vista social. Eles foram vítimas da falta de estrutura familiar e falta de

amparo das autoridades representativas do governo. A cronologia do estadao.com.br

mostra que os irmãos eram vítimas de tortura. Mesmo o caso sendo denunciado na Justiça,

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a tragédia não foi evitada. Em síntese, a mídia teria mais elementos para noticiar o fato e

debater questões sobre como o Estado e Justiça estão aparelhados para resolver problemas

de maus-tratos. Mas o crime não teve a mesma repercussão da morte de Isabella. Por quê?

O fato de Isabella pertencer a uma família de classe média foi um dos

motivos que ajudou a mídia a privilegiar o assunto por tantos meses. Na reportagem

intitulada “3.999 Isabellas anônimas”, publicada na Revista Imprensa, Thaís Naldoni

entrevista alguns jornalistas sobre a cobertura do caso na mídia. O âncora do Jornal da

Noite da Band, Boris Casoy faz a seguinte declaração:

"Quando acontecem nas camadas menos favorecidas da população, tragédias como essa merecem apenas um pequeno registro da imprensa. Na verdade, há muitos ‘casos Isabella’ pelo Brasil afora, mas o que mais sensibiliza a imprensa é o fato do caso atingir alguém da classe média, já que a maior parte dos jornalistas pertence a esse grupo sócio-econômico." (NALDONI, Tháis, 3.999 Isabellas anônimas”. Revista Imprensa, edição 234, maio de 2008).

A condição econômica da família de Isabella chamou a atenção. Ninguém

imaginaria que num ambiente social economicamente favorável existissem conflitos. No

caso dos irmãos de Ribeirão Pires, a conformidade da tragédia pela mídia pode estar

amparada na pobreza familiar. Se a família dos garotos fossem rica, o crime não teria a

mesma cobertura, pois escândalos envolvendo personalidades bem-sucedidas tendem a

ganhar mais destaque na mídia.

Na busca de influenciar, os veículos de comunicação trabalham com a

tematização. Acreditando ser o pensamento da maioria da sociedade ou daqueles que estão

melhor informados, as pessoas se deixam influenciar por mensagens contidas nos veículos

de comunicação. É comum os veículos trabalharem com temas que no primeiro momento

parecem assuntos relevantes e de interesse social. Muitas vezes, o assunto não merece tanto

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destaque, entretanto, a mídia acaba dedicando grande espaço a ele e, mais, em edições

sucessivas. O efeito acumulativo acaba, de certa forma, despertando a atenção do público.

Por meio da tematização, a mídia trará durante dias, semanas, assuntos

que transformarão a opinião dos leitores. Segundo Noelle-Neumann (apud Hohlfeldt,2001,

p.203), tematização é a inclusão e a exploração insistente de determinado assunto pelos

veículos de comunicação. A estratégia pode, mais do que refletir a relevância de

determinado assunto, elevá-lo à categoria de assunto preocupante e, como tal, deve ser

incluída na agenda de preocupação das pessoas. “Explora-se a presença de um determinado

tema, com todas as suas variantes e desdobramentos, dando-lhe uma aura de importância e

urgência”.

A mudança da opinião pública, o agendamento e a acumulação não

aconteceriam se não houvesse a tematização. Hohlfeldt classifica a tematização como um

procedimento implicitamente ligado à centralidade, na medida em que se trata da

capacidade que os meios têm de dar destaque a determinado assunto (sua formulação, a

maneira pela qual o assunto é exposto), de modo a chamar a atenção do público

diferentemente do que faz a suíte – notícia sobre desdobramentos de um fato, se este exigir.

No caso Isabella, os veículos de comunicação tematizaram o crime. A

imprensa criou cadernos especiais, que trataram especificamente a antecedência do crime e

as conseqüências (investigação) do fato. Os personagens do crime ganharam destaque nas

primeiras páginas dos jornais e sites – positiva ou negativamente. Durante a cobertura

jornalística, o estadao.com.br evidenciou o caso como se fosse o tema mais importante para

a sociedade naquele momento.

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2.5 - A Informação como mercadoria

Sem dúvida a notícia é um bem perecível. Em poucas horas ela pode

deixar de ser interessante para o leitor. Partindo deste pressuposto, as técnicas de redação,

edição e diagramação das notícias fizeram o jornalismo processar informação em escala

industrial e para consumo imediato e com todos os apelos para atrair a atenção do público.

Na produção jornalística, Costa (2002,p.137) aponta os fatores que

influenciam a personificação dos acontecimentos históricos e a redução do real ao factual,

que determinam os aspectos da exploração da emoção e do interesse da audiência. O autor

atribui a utilização de chamadas e títulos sintéticos, que exploram o inusitado e causam

imediata curiosidade; narrativa fundamentada no lead (facilita o processo de seleção e

exclusão de informações); planejamento gráfico/ visual (fotos e infografias); estilo da

narrativa jornalística (texto com frases curtas e diretas, clareza).

O caso Isabella Nardoni repercutiu porque era vendável. O público se

rendeu aos apelos estéticos e textuais da cobertura jornalística do site estadao.com.br e dos

outros veículos de comunicação. Conforme já demonstramos nesta pesquisa, o assassinato

tinha todas as características da notícia que se desdobraria em reportagens. Além disso, o

trágico é emocionante. A imprensa depende do retorno dos leitores. A luta pela audiência

garante a sobrevivência e competitividade entre as empresas jornalísticas. Se o público se

comoveu, as diretrizes indicavam o desdobramento do crime.

Motta analisa que a seqüência dos fatos narrados pela mídia desperta o

interesse dos leitores.

Os acontecimentos relatados dia pós dia pelo jornalismo estão imensos em grandes narrativas maiores que recobrem de novos sentidos o fragmentado. A realidade adquire novos clímax, novos desfechos de

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histórias sucessivas que se encaixam subseqüentemente em novas narrativas sucedâneas. É assim que percebemos e construímos a nossa realidade, a vida se transforma em arte (em narrativa dramática) e a arte se converte em um veículo através do qual a realidade se torna manifesta. Construímos então as nossas identidades, a nossa biografia, a nossa história, o nosso passado, presente e futuro. (2004, p.24)

O site estadao.com.br elaborou duas matérias consideradas especiais para

o caso Isabella. Um especial foi elaborado no dia 7 de maio de 2008. Por meio de

infográficos, o leitor visualiza cada etapa da cobertura jornalística. O material tem fotos dos

personagens envolvidos na história e espaço para o comentário dos leitores. Entre o dia 2 de

abril e 31 de maio de 2008, 69 internautas deixaram sua opinião sobre o acontecimento.

Esses recursos especiais trazem todos os apelos para atrair a atenção do público. Além da

cronologia, o material traz links como A versão do casal, A acusação e Perguntas sem

respostas. Já o segundo especial, publicado no dia 27 de março de 2009, destaca um ano do

crime. Trata-se de outro material que evidencia a cronologia do caso com datas, fotos e

texto. O recurso especial sobre o crime facilita a leitura e condensa os principais

desdobramentos do caso. Mas após um ano da morte da criança, o assunto já não provoca o

mesmo interesse. Apenas dois comentários estão registrados neste segundo material

especial.

De acordo com Marcondes Filho (1986,p.66), o que caracteriza o

jornalismo não é somente vender fatos e acontecimentos, mas, ao transformá-los em

mercadoria, exploram e vendem a sua aparência, o seu impacto, o caráter explosivo a eles

associado. Desta forma, a notícia recebe paulatinamente mais investimentos para melhorar

sua aparência de valor de uso: criam-se as manchetes, os destaques, as reportagens,

trabalha-se e investe-se muito mais na capa, no logotipo, nas chamadas de primeira página.

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Em princípio o estadao.com.br realiza uma cobertura equilibrada,

apresentando as versões da polícia e dos acusados. Com o passar dos dias, o site utiliza do

sensacionalismo para valorizar a espetacularização do fato. Esse recurso pode ser verificado

na matéria publicada do dia 3 de abril. O site veicula um texto com base na declaração do

pai da madrasta feita no telejornal “Balanço Geral’, da Rede Record. A notícia não traz

nada de relevante para o caso, apenas sustenta a tese da terceira pessoa. Mesmo sendo

considerado um veículo de comunicação que prima pela seriedade, o estadao.com.br

também sustenta factóides sobre o caso. O pai da madrasta de Isabella tenta desviar a

suspeita do casal, relatando que o zelador perguntou para a madrasta se a garota era filha

apenas de Alexandre. Ora se o zelador tivesse envolvimento no caso, o mesmo seria

investigado pela polícia. Uma simples pergunta não pode incriminar alguém. A matéria

nem cita o nome do pai da madrasta. Trata-se de uma informação sem relevância noticiada

pelo site.

Zelador perguntou por Isabella, diz pai de madrasta Em entrevista ao programa Balanço Geral, da TV Record, o pai da madrasta de Isabella Nardoni, de 5 anos, disse que na sexta-feira, quando a madrasta Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá passava com a menina na entrada do prédio, o zelador as abordou e perguntou se Isabella era a filha do consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, mas apenas de Alexandre. No sábado, dia que a menina despencou do sexto andar de um prédio na zona norte de São Paulo, ele perguntou de novo, desta vez para Alexandre: "Essa que é sua filha? Só sua filha?", contou o pai da madrasta. Além disso, o pai lembrou que, em depoimento, o porteiro do prédio disse que na noite do crime teria visto o zelador sair. Isabella foi encontrada morta pelo pai no sábado à noite, no jardim do prédio onde ele mora com a mulher, Anna Carolina, e os dois filhos do casal. O consultor jurídico e a esposa tiveram ontem a prisão preventiva decretada pela Justiça de São Paulo. As informações são da TV Record. (MARCHEZI, Fabiana. Zelador perguntou por Isabella, diz pai de madrasta. estadao.com.br, 3 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger150685,0.htm >. Acesso em: 4 mar. 2009)

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Medina (1998,p.71) também se refere a esta questão acentuando que as

notícias predominam no dia-a-dia carregadas da dupla função de informar/distrair. Para a

autora, procuram atingir o nível da massa de leitores, daí a ênfase em informações

sonho/realidade, tais como noticiário do mundo, dos olimpianos (MORIN,1997), novidade

da “sociedade”, polícia e o mundo das emoções primárias, serviços de lazer, entrevistas e

perfis de interesse humano – matérias ditas amenas.

A mensagem–consumo tende a absorver o espaço dedicado à mensagem–

opinião, porque aquela se aproxima mais da mensagem-tipo da indústria cultural.

Angulação, edição, captação e formulação representam os elementos de um esquema de

relações estruturais para a mensagem de imprensa. Cada uma delas foi estruturada em

relação com a outra, e todas, no contexto amplo, se remetem à indústria cultural.

Vista no complexo da comunicação de massa, (a notícia) é realmente um produto de consumo da indústria cultural. Mas não um produto só revestido de conotações negativas associadas à crítica do sistema pós-industrializações. Um produto dinâmico pelo ângulo da oferta e da demanda. Um produto típico das sociedades urbanas e industrializadas, reproduzido em grande escala, fabricado para atingir as massas (MEDINA, 1998, p.40.).

Para Marcondes Filho (1986,p.37), o que não se justifica em termos de

imprensa é a abdicação de sua importância como agente político, em troca do “noticiar

insosso daquilo que todo o mundo já esperava”; o seu atrelamento a ciclos modistas e a

exploração destes apenas para aproveitar o momento (e com ele lucrar), indiferente a que a

“onda” em breve desapareça e seja substituída por outra nova, igualmente inconseqüente,

superficial e tratada em todos os sentidos apenas pelo seu aspecto sensacional”.

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Se por um lado essa formatação de informações é prejudicial, Medina

(1998, p.71-72) faz uma reflexão importante: “sem uma infra-estrutura industrial não se dá

amplo acesso a informação”. Considerando a importância das tecnologias (internet,

satélites, rádio, fax, telefone e tantos outros) na divulgação de informações e na

averiguação de fatos, um produto cultural como a notícia, do ponto de vista do fato social,

exige, mais do que qualquer outro produto industrial, uma política de equilíbrio entre a

oferta e a demanda.

A autora destaca que os grupos econômicos e políticos se esforçam, na

medida do possível, em avivar as mensagens de opinião e os termos mais particulares –

locais, bairro, lutas no plano municipal, estadual e federal. E os acontecimentos de

consumo garantido, pela importância internacional ou imediata de seus efeitos, provocam

um esforço dos editores em completar as matérias com contexto, antecedentes, opiniões

especializadas e um nível mais profundo de humanização.

Conforme Marcondes Filho (1986, p.100-101):

[...] na empresa de informação a censura ocorre mais diretamente por motivos particularizados de controle e dominação: ela manifesta-se nas notícias que prejudicam interesses de anunciantes, que falam mal de setores do governo ou das forças armadas que se relacionam bem com os donos dos jornais, que envolvem amizades e grupos próximos à casa editorial.

Considerando o caráter de bem público de que se deve revestir o

trabalho da imprensa, é necessário trazer aqui a visão de Lage (1995, p.16), claro

paradoxo estabelecido sobre a atividade da mídia contemporânea: “A notícia é o relato

de deslocamentos, transformação ou enunciações observáveis no mundo e consideradas

de interesse público”.

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Acrescentamos ainda a posição de Marcondes Filho (1986, p.33):

A crítica que se faz ao jornalismo feito sob condições capitalistas é a de que é da essência do modo de produção capitalista produzir esse tipo de imprensa. A mercantilização da informação, seu caráter, a aparência do valor de uso são peças-chave na organização capitalista da atividade econômica e da sua perpetuação.

Apesar da mercantilização da notícia, a imprensa cumpriu o papel de

informar. A dramatização, especialmente praticada pelos telejornais, imprimiu o tom

sensacionalista da cobertura e influenciou a mídia impressa. Notícias trágicas chamam mais

a atenção do público e isso contribui para que o acontecimento e seus desdobramentos

façam parte da agenda midiática. Como já observamos, a informação é um bem de

consumo. A imprensa precisa alcançar o público, assim como a sociedade depende da

mídia para interagir com as mudanças sociais.

Considerando a crítica exposta por Marcondes Filho e Medina, a

informação é encarada sim pelos veículos de comunicação como uma mercadoria. Seria

impossível a imprensa existir fora do contexto capitalista, que prevalece na indústria

cultural. Os recursos estruturais (narrativa, títulos, fotos, infográficos) são utilizados para

despertar o interesse do público. É uma utopia afirmar que os procedimentos no processo

de produção jornalística não estão atrelados às questões mercadológicas e econômicas. A

dramatização é apenas um dos recursos utilizados pela imprensa. O que podemos

considerar inadmissível é a criação de factóides, ou seja, algo fictício. Como já foi

mencionado, o estadao.com.br envereda para o sensacionalismo quando elabora uma

matéria com base numa declaração feita no Balanço Geral, programa televisivo cuja

temática é sensacionalista.

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Zanqueta Junior (2004,p.60) analisa o sensacionalismo como algo

presente no cotidiano midiático. O autor comenta:

O sensacionalismo estaria presente já na opção por determinado fato em detrimento de outros. O próprio destaque já o mostraria como algo extraordinário, fora do comum. O tom sensacionalista seria o modulado a partir do modo de abordar o episódio (o ângulo utilizado para a cobertura, o registro de linguagem, a técnica de apresentação etc.) [...]

A mídia peca ao noticiar algo impreciso. No caso da matéria sobre o

zelador, a jornalista Fabiana Marchezi nem menciona o nome do pai da madrasta, cita

apenas o Balanço Geral como fonte da informação. De forma intencional ou não, esse tipo

de matéria fantasia a presença da terceira pessoa e prejudica a vida de quem é acusado sem

fundamento. Neste caso, o zelador foi ouvido pela polícia.

Apesar das limitações implícitas (linha editorial, espaço determinado na

página, pauta e edição) no processo de criação jornalística, o repórter não deixa de relatar o

fato conforme a sua observação e apuração. Ele assume o papel de autor. Enquanto

produtor textual, o profissional tem condições de empregar elementos lingüísticos para

atrair o leitor. Essa é a obrigação do jornalista. Escrever pensando no receptor. Partindo

desse pressuposto, seria impossível imaginar a cobertura jornalística do caso Isabella

Nardoni de forma imaculada, ou seja, sem os apelos lingüísticos e visuais que chamam a

atenção do público.

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3- ESPETACULARIZAÇÃO DA NOTÍCIA

3.1 – Consumo da Violência

A produção jornalística reporta a pluralidade discursiva da sociedade.

Apesar da segmentação dos produtos de comunicação - revistas, jornais e programas

televisivos que trabalham com temas específicos (economia, cultura, política, turismo, entre

outros) – o jornalismo prioriza assuntos trágicos como morte, acidentes, assassinato,

traição, guerras e roubos. Esses acontecimentos fazem parte da rotina social e despertam os

interesses do público. Ou seria o público que se interessa por estes assuntos?

No tempo do império romano, as pessoas se reuniam no Coliseu para

presenciar o combate entre os gladiadores ou os leões devorando os cristãos. O espetáculo

da carnificina atraía multidões que contemplavam a morte. Passados alguns séculos, os

grupos sociais, independentes da diversidade cultural e ideológica, ainda são consumidores

de tragédia. Eles nem precisam sair de casa para consumir violência. A mídia é o espelho

desta sociedade.

A espetacularização da violência está presente no cinema, HQs, jornais,

programas televisivos e vídeo games. Nos primeiros anos de vida, a criança terá contato

com desenhos animados que compõem a eterna guerra entre o bem e o mal. Sua festa de

aniversário poderá ser decorada com heróis que, para combater a violência, utilizam ainda

mais violência. Depois, ela terá contato com o vídeo game. Na maioria dos jogos, a sua

missão será matar o maior número possível de inimigos para completar a missão. Os efeitos

gráficos desses jogos realçam o ambiente dos conflitos, sem poupar sangue.

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Já a indústria cinematográfica é que mais lucra com a violência e o

grotesco. Filmes de ação rendem milhões para produtores, diretores, atores e companhias.

Explosões, disparos de armas de fogo, lutas e crimes estão cada vez mais roteirizados no

cinema. Esses produtos da indústria cultural são campeões de bilheteria porque a sociedade

é geradora e consumidora da impetuosidade.

Morin (apud.COSTA,2002, p.109) ressalta que “no setor da informação,

é muito procurado o sensacionalismo (isto é, essa faixa de real onde o inesperado, o bizarro,

o homicídio, o acidente, a aventura irrompem na vida quotidiana)”. A espetacularização

também se faz presente na produção jornalística.

Motta comenta a mímesis como elemento primário no processo de

produção jornalística:

O jornalismo é uma atividade mimética: representa a vida, as ações dos homens, dos bons e maus homens, relata os dramas, as tragédias, as sagas e as epopéias contemporâneas. As notícias são relatos fragmentados e contraditórios sobre a nossa existência, sobre as nossas dores e os nossos amores, nossos sofrimentos e gratificações, sobre os acasos e contingências que nos afetam. O jornalismo conta com continuamente as histórias dos nossos heróis, nossas batalhas e conquistas, nossas derrotas e frustrações. O mundo do jornalismo é o mundo da tragédia e da comédia humanas. (2004,p.10)

Ao analisar o ofício jornalístico, Noblat destaca a predominância de

tragédias nas edições do jornalismo. O autor argumenta que acontecimentos negativos

trazem retorno financeiro para o veículo de comunicação. É uma questão de sobrevivência.

O jornalista faz o seguinte comentário:

Desconheço se algum jornal tenha tido sucesso de vendas publicando apenas notícias positivas. Um jornal tentou isso no século passado, na França, e faliu rapidamente. De resto, a realidade é feia e bonita ao mesmo tempo, e as pessoas se sentiriam logradas se pudessem ter acesso apenas ao lado bom da vida. O mundo é profundamente desigual e injusto com a maioria dos habitantes. [...] é compreensível, pois que as mazelas atraiam mais a atenção dos jornalistas (2003,p.31).

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A dramatização dos fatos também é um dos recursos utilizados pelo

jornalismo para vender informação. As técnicas de produção textual, edição e diagramação

são os recursos utilizados pelo jornalismo para comover ainda mais o público. No início da

cobertura do caso Isabella Nardoni, o estadao.com.br apenas noticiava as linhas de

investigação da polícia, os resultados da perícia, hipótese do Ministério Público e a versão

dos advogados de defesa. Por influência dos outros meios de comunicação, principalmente

a TV, o site passa a valorizar os personagens envolvidos na tragédia. O público não se

interessa apenas em conhecer os verdadeiros ou verdadeiro assassino da criança. É preciso

invadir a privacidade da família e outros personagens presentes na representação do fato.

O estadao.com.br publica no dia 5 de abril uma matéria sobre o

aniversário da mãe de Isabella. A notícia procura descrever o sentimento da bancária Ana

Carolina perante a tragédia e não traz novas informações sobre a investigação do caso. O

esclarecimento do crime deveria ser o principal foco da cobertura. Entretanto, a imprensa

optou por dramatizar ainda mais o fato.

Mãe de Isabella completa 24 anos neste sábado Ela foi a uma capela com a família. Também recebeu homenagens de amigos na porta de sua casa Em seu primeiro aniversário sem a filha Isabella Oliveira Nardoni, de 5 anos, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, que completa 24 anos, foi a uma capela com a família. Ela também recebeu homenagens de amigos na porta de sua casa. Na sexta-feira, Ana Carolina participou da missa de sétimo dia pela morte de sua filha. A missa foi realizada na Paróquia Nossa Senhora da Candelária, na Vila Maria, zona norte de São Paulo. Participaram da missa cerca de mil pessoas. Isabella foi assassinada na noite do dia 29 de março. Seu pai, o consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, de 29 anos, e a madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24, são os principais suspeitos e estão presos desde quinta-feira, 3. Na porta de sua casa, a mãe de Isabela deu a seguinte entrevista: Como está sendo este aniversário sem Isabella?

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Vou receber os amigos e a família e gostaria muito que este dia fosse maravilhoso. Estou tentando manter a serenidade. Como é que você consegue ficar tão serena? Não faço esforço. Sou assim mesmo e continuarei sendo assim, pela minha filha. A vida continua. Devo voltar à trabalhar em breve. A senhora acha que a sua filha está no céu? A minha filha deveria estar ao meu lado, que é o lugar dela. Mas com certeza está num lugar melhor que a gente agora. Ela deve ter virado uma estrela. Como você está recebendo as manifestações de apoio e os vários pedidos por justiça? Vou receber todas as correntes por justiça com o maior prazer. Não esperava tanta repercussão e tantas manifestações de carinho assim. E o desenho feito pelos colegas de escola de sua filha, que foi entregue na missa (anteontem)? Eu nunca esperava passar por isso na minha vida. Não esperava esse tamanho carinho... A senhora está triste... Isabella sempre foi uma criança feliz, ativa e lutou por tudo que queria. Não gostava de me ver triste. Não vou sofrer. Eu vou só sentir saudade. (REDAÇÃO, Mãe de Isabella completa 24 anos neste sábado estadao.com.br, 5 de abr. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid151702,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

O estadao.com.br poderia respeitar a dor da mãe. Essa entrevista não

traz nada de novo para o caso. Sua proposta é dramatizar, expor o sofrimento de quem

perdeu a filha. As perguntas são impróprias e desnecessárias. Questionar se Ana Carolina

está triste é incoerente. É óbvio que a mãe está sofrendo. Mas o site insiste em buscar

declarações que reforcem a essência da tragédia.

Amaral (2006,p.119-120) analisa a dramatização:

Dramatizar é tornar um fato interessante e comovente como um drama, apresentando-o sob aspecto trágico ou evocando-o como cores mais vivas do que as que realmente têm. Seduzir o leitor para a leitura do texto com bons títulos e imagens, com declarações importantes ou surpreendentes, faz parte do papel do jornalismo. Entretanto, o profissional precisar ser ético para conhecer os limites que separam um fato bem contado de um factóide dramatizado.

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A morte de Isabella é um drama. A cobertura do caso não teria como

fugir deste contexto. No entanto, para seduzir o leitor, o estadao.com.br trouxe declarações

de Alexandre que alimentaram a tese da presença da terceira pessoa no edifício e esse

indivíduo seria o assassino. O fato do zelador perguntar sobre a criança não o caracteriza

como o possível autor do crime. O site publicou esse factóide que ajudou a dramatizar o

caso. Apesar da linha de investigação da polícia apontar Alexandre e a Madrasta como

autores do assassinato, existiam leitores que acreditavam na inocência do casal e

imaginavam a presença da terceira pessoa.

Pena (2007,p.88) observa que espetacularização da vida toma o lugar

das tradicionais formas de entretenimento. Cada acontecimento em torno de um indivíduo é

superdimensionado, transformado em capítulo e consumido como um filme.

Noblat defende que a essência da notícia é o sensacionalismo. Apesar do

fato estar inserido no contexto rotina social, a característica de qualquer notícia é fugir do

comum:

[...] a notícia está no curioso, não no comum; no que estimula conflitos, não no que inspira normalidade; no que é capaz de abalar pessoas, estruturas, situações, não no que apascenta ou conforma; no drama e na tragédia e não na comédia ou no divertimento. (2003,p.31)

Como foi observado anteriormente, o jornalismo mantém essa

dependência de troca com o público. Os veículos de comunicação sabem que existem

consumidores de violência. Se as matérias policiais não repercutissem entre o público, elas

não tomariam tanto espaço nas páginas e não seriam estampadas na capa dos jornais. O

caso Isabella não foi o primeiro e nem será o último acontecimento noticiado pela

imprensa. Partindo do pressuposto de que a produção jornalística é guiada pelos interesses

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comerciais, se não houvessem consumidores deste tipo de acontecimento, o caso da garota

jogada pela janela não seria inserido na agenda da imprensa.

Para Dizard Jr. (2000,p.276), “as novas tecnologias da comunicação

podem ampliar e diversificar o controle da informação, dando mais poder aos usuários

individuais e aos grupos”. No caso Isabella Nardoni, o site estadao.com.br abriu um canal

para que os internautas expressassem sua opinião. Além da interatividade, esse sistema

permite que o veículo de comunicação analise como o fato repercutiu. Isso pode influenciar

a cobertura jornalística. Se o tom sensacionalista for criticado, a empresa, provavelmente,

mudará o foco das reportagens.

Na primeira matéria sobre o caso, publicada no dia 30 de março pelo

estadao.com.br, não há comentários registrados pelos internautas. Apenas na terceira

matéria (Polícia não crê em versão de pai de garota que caiu de prédio), publicada no dia

31 de março, o site registra o primeiro comentário:

justiça Qua, 02/04/08 04:48 , [email protected]

Espero que o autor dessa monstruosidade seja punido severamente. Não é possivel que veremos essas barbaridades e ficaremos sempre com essa sensação de impunidade. Já passou da hora de termos prisão pepétua no Brasil. (ODA, Felipe. Polícia não crê em versão de pai de garota que caiu de prédio. estadao.com.br, 31 de mar. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid148638,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Na medida em que o caso ganha espaço no site e em outras mídias, a

participação dos internautas se torna mais efetiva. A Internet possibilitou maior

envolvimento dos receptores. Além de acompanhar as notícias, os leitores tiveram a

oportunidade de encaminhar mensagens para Ana Carolina. Esse canal interativo foi

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abordado no texto abaixo que mostra a criação de uma comunidade na Internet para pedir

justiça.

''Não sei até onde isso vai chegar'', diz a mãe

Ana Carolina afirma não ter opinião formada sobre a causa da morte, mas confia no trabalho da polícia

"Não sei até onde isso vai chegar", disse ontem ao Estado a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 23 anos, sobre o fato de a investigação policial sobre a morte de sua filha, Isabella, de 5 anos, estar direcionando o foco para seu ex-marido, o consultor jurídico Alexandre Alves Nardoni, de 29, e para a atual mulher dele, a estudante Anna Carolina Trotta Peixoto. "Confio no trabalho da polícia. Tenho certeza de que eles vão achar o culpado", declarou.Ana Carolina disse não ter opinião formada sobre a causa da tragédia, ocorrida no sábado, e que pretende falar com a imprensa somente depois de prestar depoimento à polícia, o que está marcado para hoje. Desde a morte da filha, a bancária tem ficado em casa, recebendo apoio de parentes e amigos. Uma avalanche de mensagens de conforto tem chegado a ela diariamente pela internet. Anteontem, ela tinha cerca de 800 recados, principalmente de desconhecidos, no site de relacionamentos Orkut, solidarizando-se com sua dor. Até as 19 horas de ontem, já eram mais de 6,5 mil. "Eu sei que vou te amar... por toda minha vida eu vou te amar... em cada despedida eu vou te amar... filha maravilhosa da minha vida, vc sera eterna... lutarei pra conquistar tudo nessa vida em nosso nome. te amarei pra sempre!!!", escreveu a mãe no Orkut, no campo "Quem sou eu". Abaixo, ela agradeceu a todos que manifestaram apoio e explicou que, embora não tenha condição de responder a todos, as manifestações de carinho têm sido importantes para ela. A estudante Sílvia Mara Mendes, de 22 anos, de Brasília, criou anteontem uma comunidade pedindo justiça para o caso, apesar de não conhecer nenhum familiar de Isabella. "Tenho um filho, o Lucas, de 5 anos, da mesma idade da Isabella. Tenho quase a mesma idade da mãe, faremos aniversário nos próximos dias. Fiquei muito chocada, indignada", disse Sílvia. Em cerca de 24 horas, a comunidade já reuniu cerca de 180 membros e registrou mais de 1.650 recados. "Achei que seria legal fazer um grito, um pedido de socorro, um basta contra a impunidade. Espero que possa dar uma força, um alívio para a família. Queria muito que as pessoas entrassem para ajudar", emendou a estudante. (DINIZ, Laura. ''Não sei até onde isso vai chegar'', diz a mãe. estadao.com.br, 2 de mar. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080402/not_imp149749,0.php>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Segundo Thompson (1998,p.182),

Para muitos indivíduos hoje, a experiência de ver alguém morrendo, ou sofrendo de uma doença crônica ou mental, é um evento mais raro do que

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corriqueiro. Mas paralelamente a esta segregação ou “seqüestro” de experiências, o desenvolvimento da mídia aumentou a capacidade dos indivíduos experimentarem, através da interação quase imediata, fenômenos que dificilmente poderiam encontrar na rotina ordinária de suas vidas.

Por causa da exposição midiática, os leitores vivenciaram o drama da mãe

que perdeu sua única filha, o trabalho da polícia para solucionar o caso, o ofício da

advocacia na defesa do casal e as declarações de inocência de Alexandre e Anna Carolina.

Esse enredo policial foge do contexto social da maioria das pessoas que acompanhou o

caso. No entanto, por meio da mídia, esses leitores experimentaram a dor, a dúvida e o

cotidiano policial.

3.2 – Recepção da Notícia

Na elaboração da notícia, o jornalista utiliza estruturas narrativas para

criar a representação do fato. Apesar das limitações jornalísticas (edição e política

editorial), a construção textual é livre para enunciação de elementos lingüísticos que

estimulem as emoções do receptor. Assim como a indústria cinematográfica e as novelas

necessitam da dualidade entre o bem e o mal, o jornalismo também utiliza elementos da

dramatização. O texto jornalístico contém heróis, vilões e personagens coadjuvantes.

Episódios que envolvem tragédia possuem todos os elementos para que seja intensificado o

grau de espetacularização da notícia.

No caso Isabella Nardoni, os vilões se configuraram no pai e na

madrasta. O sofrimento da mãe da garota foi algo explorado durante a cobertura jornalística

do site estadao.com.br. O promotor, o delegado e os peritos surgem como os heróis que

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buscam desvendar crime e fazer cumprir a lei. Esse enredo, semelhante aos produzidos pela

indústria cinematográfica, foi criado pela mídia. Talvez, se a polícia e o Ministério Público

se distanciassem da imprensa, o crime não repercutiria tanto. O fato é que os personagens

contribuíram, de forma voluntária ou involuntária, para essa extensiva cobertura da

imprensa. Os repórteres tinham o objetivo de conseguir declarações dos personagens a fim

de dramatizar o caso e realçar ainda mais a trama.

Arbex Jr. (2001,p.69) recorre ao filósofo e diretor de cinema Guy Debord

para explicar o consumo e a espetacularização dos fatos na mídia:

(...) Guy Debord afirmava que a “sociedade de consumo”, apoiando-se nos meios de comunicação de massa, tornara-se a “a sociedade do espetáculo”, ou melhor, o espetáculo tornara-se a forma de ser da sociedade de consumo. O espetáculo - diz Debor - consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias - tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia.

O jornalismo tem o poder de transformar um crime num espetáculo,

como aconteceu no caso Isabella Nardoni. Existem veículos de comunicação que utilizam a

emoção como foco principal das matérias e conseguem mexer com o imaginário do

receptor. Medina (1996,p.12) explica a questão:

O comunicador social relaciona, nas relações simbólicas, o universo das idéias; ao mesmo tempo, trabalha com o imaginário coletivo, emoções, mitos, registros intuitivo-criativos; e, em terceiro lugar, com os comportamentos culturais, ação sociocultural que se codifica em situações muito expressivas do jogo trialético individuo-coletividade (local, regional e nacional)-universalidade. Assim, a linguagem da mediação social se informa de representações simbólicas lógico-analíticas (idéias, conceitos, argumentos), representações intuitivo-simbólicas (emoções, criações artísticas, mitos) e representações moto-operacionais (situações, modos de ação cultural).

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Mesmo com todas as evidências e declarações indicando Alexandre e

Anna Carolina culpados, a cobertura dividiu opiniões. Esse demonstra que cada receptor

decodifica as representações lingüísticas de forma heterogênea. Esta é relação simbólica de

troca. O veículo de comunicação emite a mensagem, mas é o receptor que construirá a

cosmo visão dos fatos. Durante a cobertura do estadao.com.br, parte do público não

considerou o casal culpada pela morte da criança. No dia 9 de abril, o site traz o seguinte

comentário:

Investiguem todos

Qua, 09/04/08 13:03 , [email protected]

Todos devem ser investigados (Não apenas o pai e a madastra) - a mãe biológica e seu namorado, o porteiro, todos os vizinhos e colaboradores do condomínio. Cogitaram a possibilidade de ser um pedreiro....o que este pedreiro estaria fazedndo no prédio às 23hs??? Porque um dia depois da morte a mãe já estava colocando filminhos no orkut? Mesmo com um choque tão violento...porque a mãe aparece sempre sorrindo, bem arrumada , com maquiagem etc.... A mãe estava na casa de uma amiga..bem perto do local....e o namorado dela? (TAVARES, Bruno; GODOY, Marcelo. Investigação sobre morte de Isabela aposta em exame de DNA. estadao.com.br, 9 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid153788,0.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Para Arbex (2001,p.85):

É a linguagem que condiciona o homem, sua forma de agir e de se relacionar com o mundo e com os outros homens – com a cultura, enfim, aqui entendida em seu sentido mais amplo, como o ambiente construído pelos homens e que constrói os homens segundo seus próprios códigos, linguagens que agem sobre os corpos e delimitam o seu campo de percepção.

O site Observatório da Imprensa publicou um artigo assinado por Samira

Moratti, intitulado “Liberdade para a imprensa e censura para o público”, que demonstra os

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efeitos da exposição do caso Isabella na mídia. O texto traz cita uma nota divulgada no site

Blue Bus.

Em nota de Luiz Gonzaga Saraiva, divulgada no em 16 de maio no site Blue Bus, mais um dado importante relativo ao tema, citado abaixo:

"Só para registrar como é importante selecionar o que as crianças podem e não podem ver de acordo com a sua idade. O caso Isabella, que não tem nem dia nem hora para entrar nas nossas casas, provocou uma reação em um dos filhos da minha empregada, segundo relato da mesma, que faz a gente parar para pensar. O garoto, de oito anos, perguntou para a mãe: "Agora, eu não posso mais ficar sozinho com o meu pai, né, mãe?" Bem, a resposta dela foi adequada e não vem ao caso, mas a resposta que os meios de comunicação precisam dar à sociedade me parece que já passou da hora." (MORATTI, Samira. Liberdade para a imprensa e censura para o público. observatório da imprensa estadao.com.br, 27 de mai. 2008 Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/imprimir.asp?cod=487JDB010. Acesso em: 4 mar. 2009)

Segundo Motta (2004,p.37),

Diante de um acontecimento jornalístico entramos sempre em estado de desconcerto, perplexidade, confusão e dúvida. O acontecimento jornalístico é sempre envolvente, traz em si mesmo um magnetismo para os seres humanos porque surpreende e apresenta dilemas que solicitam nosso posicionamento, que precisam ser mentalmente resolvidos, que necessitam a reconstrução da ordem interrompida, um retorno a uma nova situação de equilíbrio. (..) Assim, o acontecimento jornalístico solicita logo um pensamento reflexivo que busca resolver as incertezas. Diante de um acontecimento jornalístico recorremos imediatamente à nossa memória biográfica e uma difusa memória coletiva. Precisamos e buscamos informações adicionais que ampliem nossos horizontes e nos ajude a fazer as opções solicitadas, a tomar posição.

O receptor da mensagem dialoga com a representação dos fatos. O texto

jornalístico traz elementos lingüísticos que mexem com a imaginação do leitor. Ao ler uma

notícia, ele cria em sua mente o ambiente descrito, formula hipóteses e realça o fenômeno

reportado conforme sua cultura. As palavras, acrescidas da imagem, têm poder ainda maior

para provocar sensações entre os grupos sociais. A cobertura do caso Isabella Nardoni

envolveu o público.

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(Mistério na Zona Norte de SP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/misterio-na-zona-norte-desp,15168.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A dramatização ocorreu através de matérias que realçavam o suspense da

investigação, a forma como a garota foi morta, o sofrimento da mãe, a versão da terceira

pessoa na cena do crime e a hipótese da polícia de que o pai e da madrasta foram os

assassinos. Essa exposição do fato durante meses envolveu os receptores. Todos esperaram

o desfecho do assassinato. A imprensa cumpriu seu papel em ouvir os dois lados da

história, mas utilizou desse procedimento técnico de forma exagerada. As matérias do site

estadao.com.br traziam informações relevantes em apenas um ou dois parágrafos. O

restante do texto era constituído de declarações já divulgadas. Mesmo com o avanço das

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investigações, o site repetia assuntos já abordados. A intenção era envolver o leitor, ao

ponto do mesmo depender de informações sobre o caso até que o crime fosse desvendado.

3.3 – Narrativa Mítica?

A linguagem jornalística se assemelha à narrativa das histórias e criações

culturais. No entanto, o fenômeno reportado pelos jornalistas é narrado do fim para o

começo. O formato textual narra os fatos de forma seqüenciada de acordo com a

importância das informações. Esse fator diferencia a estrutura da notícia das tradições orais,

na qual o autor parte dos pormenores até chegar ao desfecho.

Segundo Motta (2004, p.35),

a narrativa jornalística começa muitas vezes pelo seu clímax, quando anuncia algo que era esperado, mas aconteceu (a ruptura, o fato discordante). A situação inicial de uma narrativa jornalística é, portanto, quase sempre um fato de conotações dramáticas imediatas e negativas, que irrompe, desorganiza, transforma, confunde, desorienta. É, portanto, uma situação dramática desde o início, um conflito, uma situação problema que desestabiliza, que rompe o equilíbrio, que ameaça e traz ambigüidade.

No gênero informativo, o jornalista cria o texto com base no que ouviu das

personalidades envolvidas no acontecimento. Essas testemunhas entrevistadas durante o

processo de apuração tornam-se os personagens da notícia. A comunicação gerada pela

imprensa é capaz de transformar personalidades em heróis ou vilões.

Bird e Dardenne (apud.TRAQUINA,1993, p.267) considera a notícia

como “um mito, um ponto de vista que dissolve a distinção entre entretenimento e

informação”. Entretanto, os autores não classificam “as notícias individuais como mitos

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individuais”. Citando como referência Elizabeth S. Bird, os pesquisadores explicam que

“enquanto processo de comunicação, as notícias podem actuar como o mito e o foclore”.

De acordo com Crippa (1975,p.59), “em sua significação radical, mito é a

palavra que põe e constitui a realidade falada”. Segundo o autor (1975,p.41), “o mito é uma

experiência singular da realidade, que se reveste de dimensões que ultrapassam a simples

constatação e descrição dos fenômenos culturais, psicológicos e históricos”.

Já Barthes (2007,p.199) explica que o mito é uma fala, mas não um fala

qualquer. Para o autor, “são necessárias condições especiais para que a linguagem se

transforme em mito”. Ele defende que o “mito é um sistema de comunicação, uma

mensagem. Eis por que não poderia ser um objeto, um conceito ou uma idéia: ele é um

modo de significação, uma forma”.

Esta fala é uma mensagem. Pode, portanto, não ser oral; pode ser formada por escritas ou representações: o discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem, o esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo isso pode servir de apoio à fala mítica. (2007,p.200)

Com base no conceito defendido por Barthes, pressupõe-se que a notícia é

uma mensagem que pode estimular a consciência mítica, apesar de não produzir o mesmo

modelo de significação entre os receptores. O autor (2007,p.220) observa que “o leitor vive

o mito como uma história simultaneamente verdadeira e irreal”.

Mesmo com as diferenças estruturais e lingüísticas entre a notícia e a

narrativa histórica, esses dois sistemas de linguagem provocam inquietações entre os

leitores. Os receptores da mensagem construirão suas representações e significações.

Apesar disso, eles mantêm a essência da comunicação. O jornalismo alimenta a consciência

mítica na sociedade, na medida que trabalha com as representações das mudanças sociais

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da aldeia global. Embora não invente histórias, o ofício jornalístico faz história, a partir do

momento que transforma e insere os acontecimentos no contexto cultural e ideológico das

pessoas.

Motta apresenta o conceito de narrativa que nos ajuda a compreender a

construção das representações ou mitos. Segundo o autor,

As narrativas são construções discursivas sobre a realidade humana. São representações mentais lingüisticamente organizadas a partir de nossas experiências de vida. Sejam elas fictícias ou fáticas, são sempre construções de sentido sobre o mundo real ou imaginado. Se a narrativa relata uma história inventada por alguém, um conto, um romance, uma telenovela, uma história em quadrinhos, por exemplo, é uma ficção, uma invenção, é uma construção sobre um universo imaginado, não existente. Se a narrativa relata uma história verdadeira acontecida no mundo real, uma reportagem sobre uma ocorrência em nosso bairro, a biografia de um político, a descrição de um episódio histórico, por exemplo, é igualmente uma construção discursiva sobre as coisas do mundo, uma versão entre tantas outras possíveis sobre os episódios ou as pessoas reais. As narrativas são sempre construções discursivas. (2004,p.14).

Crippa (1975,p.42) analisa a probabilidade da representação dos fatos

mito. Ele argumenta:

A possibilidade de narrar uma história ou de transformar um acontecimento natural ou humano numa narração dotada de sentido supõe uma consciência adotada de estrutura capaz de valorizar os diversos elementos que compõem a narração mítica. A consciência mítica é a possibilidade radical de ver e de relacionar pessoas, grupos, fatos e acontecimentos, objetos naturais, terra e céu, o passado e o presente, o antes e o depois.

As histórias inventadas ou vivenciadas pelos grupos criaram heróis, vilões

e imortalizaram personagens. Ao reportar acontecimentos da vida real, o jornalismo traz

histórias que serão preservadas e manifestadas ao longo dos séculos, dependendo do

impacto do fenômeno na esfera pública. Medina analisa a significação no processo de

produção jornalística. A autora (1996,p.13) faz a seguinte observação:

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Na história do jornalismo se delineiam algumas balizas quanto ao fato que pode ou não gerar representações simbólicas denominadas notícia. Enumeram-se entre outras, as seguintes: a informação tem “gancho” se presentificar ao real imediato, se sua significação social e humana atingir a muitos valores locais e/ou universais, se contiver síntese expressivas de mitos existentes plenamente identificáveis pelas massas anônimas do contexto urbanos e industriais. Então, o fato notícia passa á codificação processada pelos mediadores sociais ou institucionalizada na comunicação social. Ao se preparar em um discurso noticioso, o acontecimento real virtualmente liga os protagonistas do fato (fontes de informação) aos fruidores da notícia.

A exposição veemente do caso Isabella na mídia mexeu com a consciência

mítica dos leitores. Sem dúvida, o crime chocou o Brasil e mobilizou a sociedade. Pessoas

conheceram a vida da criança e dos acusados do crime através das representações

simbólicas produzidas pelo jornalismo. Centenas de pessoas foram até a casa de Anna

Carolina Oliveira, mãe da vítima, para prestar homenagens, entregar cartas e faixas com

mensagens de apoio e esperança. Isabella tornou-se uma personagem que despertou a

consciência mítica dos grupos sociais.

O assassinato, inexplicável aos olhos do público, se assemelha às tramas

de ficção, nas quais o conflito é o ponto de partida do enredo. Quem matou Isabella

Nardoni? Qual o mistério do caso? De acordo com Motta (2004,p.20),

O mais importante é observar que a forma narrativa está muito mais presente na mídia do que se imagina. Os jornalistas, produtores e diretores de TV e cinema, roteiristas e publicitários sabem que os homens e mulheres vivem narrativamente o seu mundo, que eles e elas constroem temporalmente suas experiências e exploram com astúcia e profissionalismo o discurso narrativo para causar efeitos de sentido, tanto quando o efeito pretendido é o efeito de real quanto o efeito é sublime ou a emoção.

Os receptores queriam entender por qual motivo alguém teria coragem de

arremessar uma garota do 6º andar de um edifício. Essa cena é comum em filmes de ação,

quando o herói luta contra o vilão no terraço de um prédio. Depois de agredirem uns aos

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outros, o herói consegue jogar o bandido pelo terraço. Para a sociedade consumidora da

indústria cultural, cair do prédio significa suicídio ou punição para quem foi o bandido da

história. Vilões merecem este tipo de morte. Mas o quê fez a garota para ser espancada e

arremessada do prédio? Depois que o pai e a madrasta tornaram-se os principais suspeitos,

o ponto crucial da história seria conhecer os motivos do assassinato. Mas os acusados

sempre declararam inocência. Isso dividiu a opinião dos leitores. O mistério se transformou

no principal motivo da cobertura jornalística. Se o motivo do crime fosse apresentado nas

primeiras semanas, a exposição do fato na mídia seria bem menor.

A cobertura do crime foi inserida na agenda social. Ao mesmo tempo em

que o acontecimento era narrado como algo real, a mensagem trazia elementos das

tradições orais (madrasta) e tramas de ficção (suspense). Ao estudar a história cultural

francesa no século XVII, Darnton relata um conto que traz o arquétipo da madrasta

malvada para tematizar o problema da subnutrição enfrentado pelos camponeses naquele

período. O conto “La Petite Annette” narra a seguinte história:

(...) a madrasta má dá à pobre Annette apenas um pedaço de pão por dia e faz com que ela cuide das ovelhas, enquanto suas gordas e indolentes irmãs postiças vagueiam pela casa e jantam carneiro, deixando os pratos para a Annette lavar, ao voltar dos campos. Annette está a ponto de morrer de inanição, quando Virgem Maria aparece e lhe dá uma varinha mágica, que produz um magnífico banquete, todas as vezes em que Annette toca com ela uma ovelha negra. Não demora muito e a menina está mais gorducha que suas irmãs postiças. Mas sua beleza recém-adquirida – e a gordura corresponde à beleza, no Antigo Regime, como em muitas sociedades primitivas – desperta as suspeitas da madrasta. Através de um artifício, a madrasta descobre a ovelha mágica, mata-a e serve seu fígado a Annette. Annette consegue, secretamente, enterrar o fígado e ele se transforma numa árvore, tão alta que ninguém consegue colher suas frutas, a não ser Annette; porque baixa seus ramos para ela, sempre que se aproxima. Um príncipe de passagem (...) deseja tanto as frutas que promete se casar-se com a donzela que conseguir colher algumas para ele. Esperando casa uma de suas filhas, a madrasta constrói uma grande escada. Mas, quando vai experimentá-la, cai e quebra o pescoço. Annette, então, colhe as frutas, casa-se com o príncipe e vive feliz para sempre (Darnton, 1986, p. 50-51).

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(Mistério na Zona Norte de SP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/misterio-na-zona-norte-desp,15168.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

A madrasta malvada, por exemplo, é um arquétipo oriundo das histórias

orais que faz parte do caso Isabella e está presente na figura de Anna Carolina Jatobá. Ela

se transformou em mais um personagem da história, quando a polícia passou a suspeitar de

sua participação na morte da garota. A perícia postulou o envolvimento da madrasta, que

teria agredido Isabella antes de ser arremessada do prédio. O depoimento de vizinhos

ajudaram a constituir a personagem. Eles relataram que ouviram gritos e discussões no

apartamento do casal Nardoni. Isso reforçou a característica do arquétipo da madrasta

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malvada, uma personagem desequilibrada, capaz de planejar e arquitetar planos

maquiavélicos.

Nas histórias de tradições orais e ficção, a madrasta é caracterizada por

planejar o mal contra a heroína ou herói. Ela é capaz de eliminar quem busca atrapalhar

seus planos, não mede esforços para punir quem a ameaça. Darnton (1986, p.26) explica

que “os contos populares são documentos históricos. Surgiram ao longo de muitos séculos

e sofreram diferentes transformações, em diferentes tradições culturais”. Esse registro

histórico dos contos colaborou para que o arquétipo da madrasta má torne-se presente nos

meios culturais. O conto é uma narrativa curta que reforça conflitos e dramas. Parafita

(2005, p.30) define conto tradicional como “um texto narrativo, geralmente curto, criado e

enriquecido pela imaginação popular e que procura deleitar, entreter ou educar o ouvinte. A

sua origem perdeu-se no tempo. Ninguém é dono e senhor dos contos populares”. O autor

observa que cada povo e cada geração acrescenta um ou outro pormenor no enredo.

Se compararmos o conto “La Petite Annette” com o caso Isabella

encontraremos semelhanças no enredo. A madrasta de Annette privilegia suas filhas,

oferecendo o melhor banquete. Anna Carolina não negou refeições, mas amor à pequena

Isabella. A rejeição é ponto chave desta história. Os outros filhos do casal ficaram isentos

da tragédia.

Durante sua análise da história francesa, Darnton relata que as condições

socioeconômicas no século XVII não eram favoráveis para a maioria dos camponeses.

Faltam alimentação, trabalho e moradias apropriadas. Com isso, a luta pela sobrevivência

era constante. Mas nem todos prevaleciam e a morte era algo constante. Por causa da

morte, os casamentos duravam uma média de 15 anos. O autor (1896, p.44) observa que “as

madrastas proliferavam por toda parte – muito mais que os padrastos, porque o índice de

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novos casamentos entre as viúvas era de um em dez. Os filhos postiços podem não ter sido

tratados como Cinderela, mas as relações entre irmãos, provavelmente, eram difícies”.

O enredo do caso Isabella Nardoni é semelhante ao conto da Cinderela. A

narrativa apresenta o desprezo da madrasta para com a filha postiça e enfatiza o carinho

para com as filhas. A madrasta privilegia sua própria criação. O conto da Cinderela,

adaptado pelos irmãos Grimm, traz a seguinte versão:

Era uma vez um homem cuja primeira esposa tinha morrido, e que tinha casado novamente com uma mulher muito arrogante. Ela tinha duas filhas que se pareciam em tudo com ela. O homem tinha uma filha de seu primeiro casamento. Era uma moça meiga e bondosa, muito parecida com a mãe. A nova esposa mandava a jovem fazer os serviços mais sujos da casa e dormir no sótão, enquanto as “irmãs” dormiam em quartos com chão encerado. Quando o serviço da casa estava terminado, a pobre moça sentava-se junto à lareira, e sua roupa ficava suja de cinzas. Por esse motivo, as malvadas irmãs zombavam dela. Embora Cinderela tivesse que vestir roupas velhas, era ainda cem vezes mais bonita que as irmãs, com seus vestidos esplêndidos. O rei mandou organizar um baile para que seu filho escolhesse uma jovem para se casar, e mandou convites para todas as pessoas importantes do reino. As duas irmãs ficaram contentes e só pensavam na festa. Cinderela ajudava. Ela até lhes deu os melhores conselhos que podia e se ofereceu para arrumá-las para o evento. As irmãs zombavam de Cinderela, e diziam que ela nunca poderia ir ao baile. Finalmente o grande dia chegou. A pobre Cinderela viu a madrasta e as irmãs saírem numa carruagem em direção ao palácio, em seguida sentou-se perto da lareira e começou a chorar. Apareceu diante dela uma fada, que disse ser sua fada madrinha, e ao ver Cinderela chorando, perguntou: “Você gostaria de ir ao baile, não é?” “Sim”, suspirou Cinderela. “Bem, eu posso fazer com que você vá ao baile”, disse a fada madrinha. Ela deu umas instruções esquisitas à moça: “Vá ao jardim e traga-me uma abóbora.” Cinderela trouxe e a fada madrinha esvaziou a abóbora até ficar só a casca. Tocou-a com a varinha mágica e a abóbora se transformou numa linda carruagem dourada! Em seguida a fada madrinha transformou seis camundongos em cavalos lindos, tocando-os com sua varinha mágica. Escolheu também uma rato que tivesse o bigode mais fino para ser o cocheiro mais bonito do mundo. Então ela disse a Cinderela, “Olhe atrás do regador. Você encontrará seis lagartos ali. Traga-os aqui.” Cinderela nem bem acabou de trazê-los e a fada madrinha transformou-os em lacaios. Eles subiram atrás da carruagem, com seus uniformes de gala, e ficaram ali como se nunca tivessem feito outra coisa na vida. Quanto a Cinderela, bastou um toque da varinha mágica para transformar os farrapos que usava num vestido de ouro e prata, bordado com pedras preciosas. Finalmente, a fada madrinha lhe deu um par de sapatinhos de cristal. Toda arrumada, Cinderela entrou na carruagem. A fada madrinha avisou que deveria estar de volta à meia-noite, pois o encanto terminaria ao bater do último toque da meia-noite. O filho do rei pensou que Cinderela fosse uma princesa desconhecida e apressou-se a ir dar-lhe as

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boas vindas. Ajudou-a a descer da carruagem e levou-a ao salão de baile. Todos pararam e ficaram admirando aquela moça que acabara de chegar. O príncipe estava encantado, e dançou todas as músicas com Cinderela. Ela estava tão absorvida com ele, que se esqueceu completamente do aviso da fada madrinha. Então, o relógio do palácio começou a bater doze horas. A moça se lembrou do aviso da fada e, num salto, pôs-se de pé e correu para o jardim. O príncipe foi atrás mas não conseguiu alcançá-la. No entanto, na pressa ela deixou cair um dos seus elegantes sapatinhos de cristal. Cinderela chegou em casa exausta, sem carruagem ou os lacaios e vestindo sua roupa velha e rasgada. Nada tinha restado do seu esplendor, a não ser o outro sapatinho de Cristal. Mais tarde, quando as irmãs chegaram em casa, Cinderela perguntou-lhes se tinham se divertido. As irmãs, que não tinham percebido que a princesa desconhecida era Cinderela, contaram tudo sobre a festa, e como o príncipe pegara o sapatinho que tinha caído e passou o resto da noite olhando fixamente para ele, definitivamente apaixonado pela linda desconhecida. As irmãs tinham contado a verdade, pois alguns dias depois o filho do rei anunciou publicamente que se casaria com a moça em cujo pé o sapatinho servisse perfeitamente. Embora todas as princesas, duquesas e todo resto das damas da corte tivessem experimentado o sapatinho, ele não serviu em nenhuma delas. Um mensageiro chegou à casa de Cinderela trazendo o sapatinho. Ele deveria calçá-lo em todas as moças da casa. As duas tentaram de todas as formas calçá-lo, em vão. Então, Cinderela sorriu e disse, “Eu gostaria de experimentar o sapatinho para ver se me serve!” As irmãs riram e caçoaram dela, mas o mensageiro tinha recebido ordens para deixar todas as moças do reino experimentarem o sapatinho. Então, fez Cinderela sentar-se e, para surpresa de todos, o sapatinho serviu-lhe perfeitamente! As duas irmãs ficaram espantadas, mas ainda mais espantadas quando Cinderela tirou o outro sapatinho de cristal do bolso e calçou no outro pé. Nesse momento, surgiu a fada madrinha, que tocou a roupa de Cinderela com a varinha mágica. Imediatamente os farrapos se transformaram num vestido ainda mais bonito do que aquele que havia usado antes. A madrasta e suas filhas reconheceram a linda “princesa” do baile, e caíram de joelhos implorando seu perdão, por todo sofrimento que lhe tinham causado. Cinderela abraçou-as e disse-lhes que perdoava de todo o coração. Em seguida, no seu vestido esplêndido, ela foi levada à presença do príncipe, que aguardava ansioso sua amada. Alguns dias mais tarde, casaram-se e viveram felizes para sempre. (disponível em http://www.educacional.com.br/projetos/ef1a4/contosdefadas/Cinderela.html).

O caso Isabella também remete ao conto da Cinderela. Apesar da narrativa

dos irmãos Grimm não enfatizar os planos da madrasta má, o conto traz nas entrelinhas as

divergências do relacionamento familiar. Esse conflito se assemelha ao enredo do caso

Isabella. A versão dos irmãos Grimm cita que Cinderela era parecida com sua mãe. Essa

semelhança física incomodava a madrasta. Na trama do assassinato da garota levantou-se a

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hipótese de que a madrasta Anna Carolina Jatobá não gostava da criança porque a mesma

lembrava a ex-esposa de Alexandre. A presença de Isabella provoca ciúmes.

Apesar das semelhanças entre o conto da Cinderela e o fato narrado pela

mídia, o desfecho da garota Isabella não traz um final feliz. O plano maquiavélico da

madrasta é concretizado e não existe príncipe para salvar a garota. Alexandre poderia salvar

a garota e se tornar o príncipe desta história real. No entanto, as evidências da polícia

indicam sua omissão e participação no crime. A arquétipo da madrasta reforça o crime, mas

quem arremessa a criança do sexto andar, provocando sua morte, segundo a polícia, é o

próprio pai.

Darnton (1986, p.335) ressalta que “no caso do folclore histórico,

podemos estudar todas as versões de um conto, em uma tradição, e compará-las

sistematicamente com contos de outras tradições”.

Segundo Marçolla (2007, p.1),

O jornalismo, por se tratar de uma atividade intrinsecamente relacionada à vida humana, utiliza-se do recurso das narrativas tradicionais e por esse motivo fala de coisas que o homem precisa ouvir, precisa lembrar, precisa resgatar de seu interior, para garantir mais veracidade e intimidade com os fatos.

A cobertura do caso Isabella fez com que o público remete-se às histórias

da tradição oral. Motta faz o seguinte comentário sobre a interação dos leitores da narrativa.

O autor (2004, p.8) observa:

Os ouvintes de uma narrativa não captam apenas as seqüências de acontecimentos representados (a trama ou enredo), mas captam também aspectos ocultos ou virtuais das personagens e das ações que requerem novos pensamentos de sua parte, requerem uma recriação virtual das situações, dos comportamentos, da moral e da ética pressupostos ou sugeridos pelas histórias (a fábula).

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Como Anna Carolina Jatobá não mantinha bom relacionamento com a mãe

de Isabella, a madrasta má fica caracterizada no enredo do assassinato. Em nenhum

momento a imprensa questionou a conduta de Ana Carolina Cunha. Se ela não mantinha

bom relacionamento com o casal Nardoni, por que permitia que a criança passasse o final

de semana com o pai? Será que a mãe se preocupava tanto assim? São questionamentos que

poderiam ser abordados pela imprensa, mas a mídia não tratou a questão. O interessante era

explorar a figura da madrasta nas reportagens. Pressupõe-se que a trama seria mais

envolvente, pois o arquétipo da madrasta má está presente na consciência mítica do

público.

Bird e Dardenne (apud.TRAQUINA,1993, p.267) citam que “cada

‘estória’ individual sobre o crime é escrita tendo como cenário outras ‘estórias’ sobre o

crime, às quais retiram elementos e acrescentam outros”. Segundo os autores, “as notícias

são um tipo particular de narrativa mitológica como os seus próprios códigos simbólicos

que são reconhecidos pelo seu público”.

A imprensa utilizou o arquétipo da madrasta para construir a narrativa do

acontecimento. Esse fato também despertou a consciência mítica da sociedade. O público

associou Anna Carolina Jatobá como as madrastas perversas das tradições orais. O site

estadao.com.br registrou comentários que demonstram a consciência mítica:

Uma hipótese para motivo do crime

Seg, 12/05/08 21:55 albericocase, [email protected]

O que desencadeou a violencia contra a menina Isabela? A mente doentia da madrasta acreditou que com a montagem/decoração do quarto de acordo com o gosto da menina conseguiria seduzi-la a ponto de superar o amor desta para com a mãe natural e fazê-la aceitar ir morar com o casal. Esse era seu plano diabólico que a seu ver afastaria a ameaça que ela enchergava na mãe natural e resolveria seu relacionamento mal resolvido como testemunha já ouvira ela se

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referir dizendo que "resolveria a situação. Tudo na vida se resolve" Na noite do crime devem ter acenado com a proposta mais uma vez para a menina. Tal plano tinha o assentimento do calhorda Alexandre. A menina deve ter recusado a proposta dizendo que não podia abandonar sua mãe, o que despertou a ira reprimida da madrasta que nunca suportou a Isabela (na qual via refletida a imagem de Carolina Oliveira) e a máscara do fingimento caiu tendo ela descarregado toda a ira na menina, resultando nos fatos que sabemos: essa é uma hipótese bem provável. (Mistério na Zona Norte de SP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/misterio-na-zona-norte-desp,15168.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Lapso na memória

Sex, 11/04/08 13:22 lorena, [email protected] Poderia resultar na morte da criança, o acumulo de relamações da madrasta no comportamento insatisfatória da criança Isabela para com seus irmãos? E tendo a criança quem sabe, brigado com um de seus irmãos, ter sido advertida e punida pelo pai, e essa punição ter sido cada vez mais incentivada pela madrasta(que no seu particular vendo a enteada sendo punida), achava normal diante do seu ciúme? O pai no acumulo de suas e das emoções a sua volta, teve um lapso na memória no momento da agressão??Por isso alega inocência e sua companheira, depois do ato, incrêdula com o desfecho da situação que se tornou real passa a ,manter a cumplicidade de ambos, mediante a sua própria responsabilidade dos fatos??!!! Poderia ter ocorrido isso??? (Mistério na Zona Norte de SP. estadao.com.br, 2 de abr. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/misterio-na-zona-norte-desp,15168.htm>. Acesso em: 4 mar. 2009)

Para Bird e Dardenne (apud.TRAQUINA,1993, p.267)

O mito só tem significado no contar; os temas e os valores culturais só existem se forem comunicados. Obviamente não existe um único mito ou narrativa que seja meramente repetido; no entanto, para continuar a ter força, os mitos devem ser constantemente recontados. Mais, os temas são rearticulados e reinterpretados ao longo do tempo, temas que provêm da cultura e para a qual retornam. As “estórias” não são reinventadas sempre que há necessidade; em vez disso, “você retira constantemente do inventário o discurso que foi estabelecido ao longo do tempo”

Crimes que trazem crianças como vítimas tendem a comover ainda mais a

sociedade. Apesar do Brasil ser um país onde a desigualdade social é gritante e muitas

crianças passam fome nas ruas ou no próprio lar, os grupos sociais não admitem o

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sofrimento dos pequenos. Percebe-se a divergência cultural. Muitos têm acesso a essa

realidade todos os dias nos cruzamentos onde há crianças pedindo dinheiro ou vendendo

doces. A maioria ignora e não questiona tal anormalidade. No entanto, quando o caso é

veiculado pela mídia, o caráter simbólico da tragédia eclode na esfera pública. Os valores

éticos, religiosos e culturais se manifestam com o repúdio ao sofrimento da vítima.

Crippa (1975,p.81) analisa as edificações simbólicas criadas pela

humanidade.

O homem, à diferença de todos os demais entes, planeja e edifica o mundo no qual vive de acordo com seus ideais, suas necessidades e conveniências. O processo de criação de forma convenientes às necessidades e aspiração humanas tem início no mesmo instante em que o homem se sente situado num mundo significativo.

Embora trabalhe com as representações do fato, a mídia pode ser

considerada o espelho da sociedade, que reflete os traços do tempo e as imperfeições

estéticas que precisam ser arrumadas ou maquiadas. É preciso olhar para o cristal midiático

para enxergar os defeitos e despertar mudanças ou reflexões.

Embora a estrutura do texto jornalístico tende para o gênero descritivo, o

jornalismo também utiliza elementos da narrativa. Para manter o caso Isabella na agenda

social durante meses, o site estadao.com.br descreveu o fato, mas também constituiu o

enredo que assumiu a figura do contar histórias. A fragmentação do fato permitiu o

jornalismo se enveredar no âmbito da narrativa literária, mesmo não trabalhando com

ficção.

Para Motta (2004,p.8), “no jornalismo diário há muitos textos híbridos

onde se mesclam narração e descrição. Mesmo as notícias que se ocupam de temas “duros”

e são expressas na forma objetiva para enxugar as subjetividades estão impregnadas de

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fragmentos narrativos”. O autor analisa de forma mais profunda o poder do jornalismo em

criar elementos narrativos.

A realização da intriga e da diegese narrativa do jornalismo não está nas contradições e derrapagens da linguagem das notícias: está no movimento entre a pré-configuração, a configuração e a refiguração do ciclo pragmático autor-obra-leitor, que pode ser capturada, como nos sugere P. Ricoeur, através da interpretação da comunicação jornalística desde uma ótica do leitor. Ou seja, é desde o ponto de visa reconfigurador da recepção e desde pano de fundo cultural, ético e moral que podemos reconstruir episódios fragmentados das notícias diárias em narrativas coerentes, que podemos reconstruir intrigas e histórias cuja significação está muito além dos conteúdos proposicionais. É desse ponto de vista, a meu ver, que o jornalismo se configura como narrativa da contemporaneidade. (MOTTA, 2004, p.8)

Guimarães (1999,p.41) reforça o conhecimento lingüístico como a baliza

para a construção textual. Segundo a autora, “o texto chega a ser coerente e a refletir-se

numa sucessão linear de unidades lingüísticas relacionadas – esta gerando a coesão –

devido à existência de um plano global prévio à articulação textual”.

A notícia, considerada a matéria-prima do jornalismo informativo, concentra-se de forma específica na transmissão do fato, evitando qualquer tipo de comentário ou aprofundamento do assunto. O formato textual deste gênero trabalha os fatos de forma seqüenciada.

Lage defende que o jornalista tem certa autonomia para encadear o texto.

Entretanto, o leitor influencia o processo de criação. O autor (1993,p.21) observa que “os

eventos estarão ordenados não por sua seqüência temporal, mas pelo interesse ou

importância decrescente, na perspectiva de quem conta e, sobretudo, na suposta perspectiva

de quem ouve”. A expectativa perante o caso Isabella Nardoni era conhecer quem matou a

garota. O site estadao.com.br manteve a seqüência temporal reforçando os personagens

envolvidos no assassinato e investigação durante a cobertura. Para Motta (2004,p.39),

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O tempo de um determinado evento permanece na mídia depende do grau de tensão aleatoriamente identificado pelos jornalistas. Quando o evento desaparece, é porque a tensão diminuiu e as questões e as pessoas envolvidas com aquele evento retornaram à sua normalidade. É a partir da resolução do conflito que se pode, portanto, determinar o final da história.

A prisão do casal poderia ser o final da história. Mas como não houve

confissão por parte dos acusados, a mídia continuou acompanhando o caso. Apesar do

interesse do público ter diminuído, o site estadao.com.br produz, eventualmente, matérias

sobre a vida do casal na prisão.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caso Isabella Nardoni não foi o primeiro e nem será o último fato

noticiado de forma exaustiva pela imprensa. O processo de produção jornalística mostra

que os veículos de comunicação selecionam os acontecimentos potencialmente

interessantes para a sobrevivência econômica da empresa. Essa é a fórmula natural dentro

do contexto capitalista. O jornalismo precisa de boas histórias para vendê-las. A essência da

notícia é constituída, principalmente, pelo anormal. Fatos que surpreendem os grupos

sociais são os principais destaques na mídia. Assassinatos, catástrofes, acidentes, morte,

caos financeiro, problemas no sistema de saúde, tendências negativas do mercado

financeiro e crises.

Sob a ótica mercadológica da mídia, a morte de uma garota que caiu do

6º andar é um acontecimento em potencial. O fato traz consigo a essência da notícia, ou

seja, é algo passível de espetáculo. Mas a responsabilidade ao informar o público está na

forma e no tom em que o fenômeno é representado. No caso do site estadao.com.br, o

veículo inicia a cobertura jornalística sem emitir juízos de valores, reporta a versão do casal

e a hipótese da polícia. Apesar de toda natureza sensacionalista do caso, o site cumpre o seu

papel de informar. No entanto, há exageros no processo de produção jornalística. Publicar

10 textos sobre o caso num mesmo dia, repetindo informações e mudando apenas o título

da matéria, demonstra que é quase impossível escamotear a essência sensacionalista deste

crime.

Na maioria dos casos trágicos, os veículos de comunicação noticiam a

morte, suas causas e as conseqüências. Se o autor do assassinato é preso e confessa o delito,

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o desdobramento do crime se encerra, assim como ocorreu no caso dos irmãos de Ribeirão

Pires. A imprensa noticia e sai em busca de outros casos semelhantes ou não para inserir na

agenda da sociedade. Esse é o ciclo da produção jornalística. Tudo parece descartável, mas

existem exceções como foi o caso Isabella Nardoni. O autismo midiático foi predominante.

Depois que os canais de televisão destinaram boa parte de sua programação para

acompanhar ao vivo o desdobramento do caso, seria difícil os jornais, sites e revistas

ignorarem o fato. Apesar disso, os veículos de comunicação jamais assumirão a

espetacularização do caso Isabella Nardoni. Todos serão categóricos ao afirmar que

cumpriram o papel de informar a sociedade, pois se tratava de um crime que comoveu a

nação brasileira.

Jornalisticamente, o enredo do assassinato da garota tem elementos que

caracterizam a notícia. O impacto provocado pela morte de uma criança, o conflito entre as

famílias e o suspense em descobrir quem foi o autor do crime. Mas é impossível negar que

o poder da mídia em valorizar fatos e inseri-los na agenda da sociedade. Outras mortes

semelhantes ao caso Isabella Nardoni, envolvendo crianças, podem ter ocorrido neste

período no país. No entanto, o contexto criminal desses outros casos não teve todos os

elementos necessários para a imprensa realçar ainda mais a essência espetaculosa da notícia

(impacto, arquétipos, conflito e drama). Ou o impacto do público não foi suficiente para

que a repercussão se propagasse.

Além de novas histórias, o jornalismo também intertextualiza o fato. Isso

ocorreu no caso Isabella Nardoni, quando a imprensa passou a destacar a participação da

madrasta no crime. Os veículos de comunicação recorreram ao arquétipo da madrasta

malvada das tradições orais e produções da indústria cultural para resgatar a narração desse

discurso na memória coletiva. Antes mesmo de Anna Carolina Trota Peixoto Jatobá ser

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considerada suspeita, a mídia trouxe informações sobre o relacionamento dela com a

enteada. Num primeiro momento, o depoimento foi favorável e demonstrava afetividade.

Logo depois, a imprensa noticiou gritos ouvidos pelos vizinhos para “aquecer” os

pormenores do caso. Ao explorar o arquétipo da madrasta má, os veículos de comunicação

despertaram o interesse do público. Todos queriam saber qual seria o castigo da madrasta

por ter cometido tamanha maldade. É natural nas histórias a punição. Sempre que alguém

pratica o mal contra o outro, o tempo não perdoa. O malfeitor é punido. O público, assim

como nos enredos orais e da indústria cultural, o público esperou o desfecho do caso

Isabella Nardoni. O culpado teria que ser castigado pelo crime. Mas quem se encarregaria

em dar o desfecho desta história?

De forma proposital ou não, a imprensa sempre deixou o caso em aberto.

Ora reportava a versão do casal, depois apresentava a hipótese da polícia e o trabalho dos

peritos. É notório que ouvir todas as versões do fato seja procedimento fundamental da

prática jornalística. Por outro lado, com base no trabalho dos peritos e divergências no

depoimento do casal, os veículos de comunicação poderiam dar o caso por encerrado na

primeira semana, mesmo sem a confissão dos autores. Depois da prisão preventiva, a

imprensa poderia aguardar a decisão da Justiça. A cobertura de muitos crimes termina dessa

maneira. Será que a cobertura jornalística do caso Isabella Nardoni informou ou entreteu o

público? Mesmo com toda comoção representada pela mídia, a espetacularização

prevaleceu perante a informação.

Ao inserir na agenda social e tematizar o fato, a imprensa conseguiu

comover o público. Durante quase dois meses, os veículos de comunicação noticiaram o

desdobramento dos fatos. A mídia é capaz de influenciar a médio ou longo prazo a maioria

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dos receptores. Muitos leitores, ouvintes ou telespectadores não se deram contam, quando

perceberam já estavam envolvidos e atraídos pelo enredo do crime.

O interesse do público pelo fato também denota a curiosidade de questões

privadas. Foi grande a vontade de conhecer o mundo da garota de 5 anos assassinada e de

seus pais. Apesar da comoção e manifestações de solidariedade aos parentes da vítima, a

maioria do público agiu de forma individualista. A sociedade acompanhou o acontecimento

porque o mesmo era carregado de confissões de sentimento privado. Após o crime, a

intimidade de uma família foi exposta pela mídia que retratou os segredos e a intimidade

dos personagens da narrativa.

As pessoas acompanharam as conseqüências do fenômeno porque ainda

trazem e preservam valores morais, éticos e religiosos. A mesma sociedade, que não

enxerga crianças passando fome no mundo, é capaz de repudiar crimes que envolvem

menores. A responsabilidade paternal também foi cobrada pelo público. Ao mesmo tempo

em que existem desrespeito e desentendimento entre pais e filhos, a sociedade não admite

rompimentos de relacionamentos afetivos. O amor de pai e filho deve ser duradouro.

Coube a imprensa produzir a cada dia os capítulos dessa história, inserindo

novos personagens para aguçar a curiosidade do público em acompanhar a tragédia. Isso foi

determinante para tamanha exposição midiática. Por causa desta tragédia, outras tragédias

foram evitadas. A repercussão do caso fez com que as famílias refletissem sobre

relacionamentos.

Com exceção dos familiares, crianças e funcionários da escola onde a

vítima estudava, ninguém nunca teve contato com a garota. No entanto, a exposição do

caso fez com que todos se sentissem próximos e íntimos da menina. Após um ano, a

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tragédia é lembrada e reportada com menos intensidade. Os consumidores da sociedade do

espetáculo ainda não esqueceram o drama vivido pela garota. Mas essa história não será

eterna. Ao longo dos séculos, outras tragédias serão narradas pela mídia e apreciadas pela

sociedade do espetáculo.

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