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Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 1
PROCESSOS EROSIVOS LINEARES EM
ÁREAS DE RECARGA DO AQÜÍFERO GUARANI
HELOISA F. FILIZOLA 1
RENÉ BOULET 2
MARCO ANTONIO FERREIRA GOMES 1
1EMBRAPA MEIO AMBIENTE
Caixa Postal 69 - 13820-000 - Jaguariúna - SP, Brasil
{filizola, [email protected]}
2Nupegel / ESALQ -USP
Av. Pádua Dias, 11 - 13418-900 - Piracicaba - SP
Resumo. Sulcos, ravinas e voçorocas presentes em grande parte do território brasileiro Geralmente estão associados
ao uso do solo, ao substrato geológico, ao tipo de solo, ao relevo e às características climáticas e hidrológicas. O
desenvolvimento dos processos erosivos é geralmente atribuído a mudanças ambientais induzidas pelas atividades
humanas. As áreas de recarga do Aqüífero Guarani são áreas potencialmente frágeis frente aos processos erosivos.
Trabalhos em desenvolvimento nestas áreas, próximas às nascentes do Rio Araguaia, nos Estados de Goiás, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, têm mostrado que, com o incremento da agropecuária a partir dos anos 70, os
processos erosivos lineares, em especial aqueles de grande porte, têm aumentado de maneira considerável e que até
agora não foi possível encontrar-se soluções duradouras e de baixo custo para a estabilização das voçorocas
existentes, já que os processos de gênese e evolução das mesmas são ainda pouco conhecidos.
Palavras-chave: ravinas, voçorocas, gênese, Rio Araguaia.
1. Introdução
Sulcos, ravinas e voçorocas estão presentes em praticamente todo o Sul, Sudeste e Centro-Oeste
do Brasil e geralmente estão associados ao uso do solo, ao substrato geológico, ao tipo de solo, às
características climáticas, hidrológicas e ao relevo. O desenvolvimento das ravinas e voçorocas
descrito na literatura brasileira é geralmente atribuído a mudanças ambientais induzidas pelas
atividades humanas (IPT 1986, 1988; Oliveira & Salomão, 1992; Salomão, 1994).
A grande maioria de trabalhos sobre as ravinas e voçorocas mostra que sua ocorrência está
associada a formações sedimentares arenosas (Setzer, 1949; Prandini, 1974; Vieira, 1978;
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 2
Furlani, 1980; Rodrigues, 1982; IPT, 1986; Salomão, 1994), mas há também exemplos de
voçorocas em solos provenientes de rochas cristalinas (Rodrigues, 1984; Meis et al., 1985;
Oliveira & Meis, 1985; Silva, 1991; Bacellar et al., 2001). Segundo os dois últimos, a geologia
das regiões do embasamento cristalino, com suas abruptas variações laterais, influi intensamente
na propagação do voçorocamento. Contatos geológicos, diques ou até mesmo bandas internas à
rocha de composição diferente são suficientes para acelerar, impedir ou desviar a propagação de
uma voçoroca.
No Estado de São Paulo, os trabalhos desenvolvidos pelo DAEE e pelo IPT (1989) mostram
que a predominância de erosões lineares está associada aos arenitos com cimentação carbonática,
pertencentes às formações Marília e Adamantina do Grupo Bauru. As formações areníticas
Caiuá, Santo Anastácio, Piramboia e Botucatu apresentam menores concentrações de ocorrências
erosivas por unidade de área.
A influência do relevo no desenvolvimento de ravinas e voçorocas no Estado de São Paulo é
enfatizada por vários autores, que as relacionam especialmente à forma e à declividade das
vertentes. Oka-Fiori & Soares (1976), estudando a ocorrência de ravinas e voçorocas nas
proximidades de Casa Branca e nas Folhas de Piracicaba, Rio Claro, São Pedro e Itirapina,
verificaram que 95% dessas erosões se desenvolviam em encostas convexas. Conclusão
semelhante foi observada por Vieira (1978), em voçorocas da cidade de Franca, e por Furlani
(1980), na região de Casa Branca.
Já Bacellar et al. (2001) trabalhando na bacia do Rio Maracujá (MG) e Barbalho & Campos
(2001), na alta bacia do Rio Araguaia (GO/MT), mostram que grande parte das voçorocas se
desenvolve nos setores côncavos das cabeceiras de drenagem, com formas anfiteátricas
(concavidades ou “hollows”). Estas formas propiciam a convergência natural das águas
superficiais e subsuperficias, favorecendo os movimentos de massa e o desenvolvimento de
voçorocas.
As voçorocas atuais, que são mais freqüentes nas concavidades do relevo, muitas vezes
representam feições erosivas antigas, numa prova de que a erosão é recorrente e que tende a
avançar pelas mesmas rotas já seguidas anteriormente, certamente devido ao condicionamento
hídrico subsuperficial. Tal fato foi comprovado por Bacellar et al. (2001), que constataram que
uma das voçorocas estudadas segue a trajetória de um antigo canal erosivo.
Estes autores chamam também a atenção para voçorocas com crescimento não concordante
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 3
com o gradiente topográfico local, que conduziu ao estudo da hidrologia subterrânea, dada a
impossibilidade dos fluxos superficiais explicarem esta propagação anômala. Dados de
levantamento geofísico por eletroresistividade sugerem que o crescimento desta voçoroca se deu
em direção a uma zona subsuperficial com grande afluxo de água subterrânea. Levantamentos de
campo demonstraram que estes afluxos de água acontecem ao longo de estruturas geológicas,
principalmente fraturas e falhas.
Quanto à influência da cobertura pedológica no desenvolvimento de ravinas e voçorocas,
observa-se concordância no que se refere a maior suscetibilidade dos solos de textura arenosa e
média (Setzer, 1949; Christofoletti, 1968; Vieira, 1978; IPT, 1986; Salomão 1994).
Apesar de mais restrita, há possibilidades do desenvolvimento de ravinas e voçorocas em
solos argilosos (Hsu, 1978; Folque, 1977), como os Latossolos Vermelho Escuro observados na
região de Casa Branca, que estão associados à ocorrência de voçorocas, segundo Prandini et al.
(1990). Neste caso, o desenvolvimento de voçorocas deve-se principalmente à presença de um
horizonte C altamente erodível, proveniente da alteração de arenitos feldspáticos com
intercalações de argilitos e siltitos pertencentes à Formação Aquidauana, que facilita o
aprofundamento erosivo e a interceptação do lençol freático, desenvolvendo fenômenos de
"piping".
Conclusão semelhante é manifestada por Parzanese (1991) com relação ao desenvolvimento
de voçorocas em terrenos cristalinos constituídos por granitóides da região de Cachoeira do
Campo, Minas Gerais, que considera como principal condicionante a existência de um horizonte
C de textura arenosa pouco coerente e extremamente erodível.
2. Processos de gênese e evolução de voçorocas
Na grande maioria dos casos, nas áreas agrícolas, as voçorocas começam com a formação de
sulcos que evoluem para ravinas, na parte final das vertentes, devido a uma concentração de
fluxos superficiais das águas de escoamento, geralmente provocada por desmatamento, trilhas de
gado, construção de cercas, estradas ou caminhos mal posicionados ou de qualquer outra obra
que interfira diretamente no regime hidrológico. Se o processo não for interrompido, a ravina
aprofunda-se e progride longitudinalmente para montante.
Quando a ravina, aprofundando-se, atinge o lençol freático torna-se voçoroca (Figura 1); seu
aprofundamento diminui pois o lençol torna-se seu nível de base (IPT, 1986). A dinâmica da
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 4
erosão muda por causa da intervenção das exportações de matéria sólida pela saída do lençol na
base das paredes da voçoroca (piping). Estas exportações desestabilizam as paredes que caem em
grandes blocos provocados por escorregamentos rotacionais, favorecidos pelos altos gradientes
hidráulicos nos taludes. A voçoroca alarga-se e seu recuo, por erosão remontante, progride até
que seu novo ponto de equilíbrio seja encontrado.
Figu
ra 1. Passagem de uma ravina a voçoroca.
O trabalho erosivo das águas superficiais persiste. Na borda das voçorocas, como das ravinas
profundas, aparecem rachaduras paralelas a esta em conseqüência da descompressão do solo
ligada à presença da parede (tension crack). A água de escoamento superficial, penetrando nestas
rachaduras, provoca a queda dos blocos correspondentes.
Existem também voçorocas que se abrem de maneira abrupta por uma corrida de lama, como
é o caso de duas voçorocas existentes próximas às nascentes do Rio Araguaia (Filizola, 2001).
3. As áreas de recarga do Aqüífero Guarani
O Aqüífero Guarani está localizado na região centro-leste da América do Sul, entre 12º e 35º de
latitude Sul e entre 47º e 65º de longitude Oeste e ocupa, no Brasil, uma área de 840.000 km²,
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 5
abrangendo os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul (Figura 2).
Figura 2. Localização das áreas de recarga do Aqüífero Guarani.
Esse reservatório de água subterrânea é formado pelos sedimentos arenosos da Formação
Pirambóia na base e pelo arenito Botucatu no topo e recoberto por derrames de basalto da
Formação Serra Geral.
As áreas de afloramento das formações sedimentares acima são as áreas de recarga e estão
localizadas principalmente nas bordas do aqüífero. É através delas que a água, principalmente a
da chuva, reabastece o aqüífero. Sua recarga natural anual é de 160 km³/ano (DAEE, 2002).
Os solos desenvolvidos sobre os sedimentos arenosos das formações Botucatu e Piramboia
são em grande parte classificados como Neossolos Quartzarênicos. São solos arenosos,
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 6
profundos, bem drenados, com seqüência de horizontes A-C, com baixíssimos teores de ferro e
argila. Exibem, normalmente, cerca de 90% ou mais de quartzo nas frações areia fina e areia
grossa, com ausência de minerais primários facilmente intemperizáveis. A estabilidade destes
solos é baixa e quando não são utilizados com os devidos cuidados, os processos erosivos podem
se instalar e progredir rapidamente.
Atualmente, a porção das áreas de recarga do Aqüífero Guarani mais sujeita aos processos
erosivos lineares está localizada nos Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
4. Processos erosivos lineares nas nascentes do rio Araguaia
Moreira (1999) mapeou 196 erosões lineares de grande porte em uma área de 90 X 100km, nas
nascentes do Rio Araguaia (Figura 3). Destas, a maior parte evoluiu de maneira gradativa e sua
gênese e evolução estão ligadas ao uso inadequado do solo. Nas fotos aéreas de 1964 e de 1977,
não foi observada nenhuma voçoroca ou ravina de grande porte na região, o que significa que
elas apareceram com o desenvolvimento agropecuário (Filizola et al., 2001).
Um trabalho desenvolvido em parceria com a Fundação Emas, na áreas das nascentes do Rio
Araguaia, permitiu que tomássemos contato com o problema e tivéssemos maior conhecimento
das grandes erosões lineares da região, das quais algumas serão apresentadas aqui, a título de
exemplos.
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 7
Figura 3. Localização de voçorocas e ravinas de grande porte (em vermelho), nas nascentes do
Rio Araguaia.
Voçoroca Olho d’água: comporta dois braços, muito compridos e profundos. No braço
direito, com mais de 800m de extensão e 30m de profundidade, o solo, na extremidade da
cabeceira, é arenoso até 1,90m de profundidade e argilo-arenoso a partir de 2,50m. Na margem
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 8
esquerda deste braço, a textura é argilo-arenosa desde 20 a 60 cm de profundidade. Na margem
da direita, a textura é arenosa. No braço da esquerda, com mais de 500m de extensão, a margem
esquerda é argilo-arenosa desde 20 cm de profundidade e sobre várias centenas de metros de
extensão a partir da cabeceira.
Isso parece mostrar que a textura não tem influência determinante sobre o crescimento
longitudinal destas voçorocas e que são outros os principais fatores atuantes. As paredes da
voçoroca não mostram cicatrizes de desmoronamentos recentes, dando a impressão que a
voçoroca Olho d’água está praticamente parada.
Por outro lado, um morador do local conta que, no momento da abertura do braço da
esquerda da Olho d’água em 1983, sua casa foi invadida por 50 cm de lama, indício de uma
gênese catastrófica.
Na Fazenda Roda Viva existe uma grande voçoroca (> 400m de extensão), instalada num
material muito arenoso, denominado localmente de areia. Na cabeceira desta voçoroca existia
uma ravina profunda que foi fechada na estação de seca 2000. Em março 2001, data de nossa
visita, observamos que a ravina não está se reconstituindo, mas a voçoroca continua funcional,
alargando-se, já que a saída do lençol provoca o desmoronamento das paredes sob o efeito do
piping e das águas de escoamento superficial.
Na Fazenda Morro Limpo, foram observadas várias voçorocas que correspondem ao
modelo clássico. Começam por uma ravina profunda de 3 a 4 metros onde o papel das águas
superficiais - desmoronamento do topo das paredes - é bastante perceptível. Foram construídas
curvas de nível a montante da cabeceira das ravinas, que são refeitas a cada dois anos. Em uma
das ravinas, foi construída uma barragem de terra que parece segurá-la. Mais para jusante
podemos observar a passagem da ravina à voçoroca (Figura 1) por causa da saída do lençol no
fundo da voçoroca. Lá, o problema da contenção muda por causa da intervenção do lençol. Foi
feita uma barragem que foi destruída porque a água do lençol freático desestabilizou sua base.
Existe, na Fazenda da Empresa Sementes Granada, uma grande e profunda voçoroca
instalada num material arenoso a areno-argiloso (Figura 4). Segundo um dos proprietários,
existia inicialmente uma nascente que abastecia uma pequena represa onde havia uma roda de
água. Em 1988, chuvas muito fortes derrubaram a represa e a roda de água foi colocada
diretamente na nascente. Desenvolveu-se então uma voçoroca que progrediu 300 metros em 60
dias. Na estação seca de 1990, foi construída uma grande barragem para conter a voçoroca. A
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 9
barragem estourou em agosto do mesmo ano, ainda na estação seca, o que mostra que foi o
lençol freático e não as chuvas, o responsável pela destruição da barragem. Após o acidente,
foram construídas curvas de nível altas ao redor da voçoroca.
Figura 4. Vista parcial da voçoroca Granada.
Em março de 2001, quando visitamos a voçoroca, constamos que as curvas de nível foram
cortadas pela voçoroca (Figura 5).
Constatou-se também que, na margem direita, pedaços da plantação de eucaliptos desceram
na parede da voçoroca (Figura 6). Mais para jusante, existe uma vegetação de mata nativa, que
também está deslizando na parede da voçoroca. A Figura 4 mostra o que permanece da
barragem: um pedaço de rampa utilizado pelos animais silvestres quando vão beber água no
fundo da voçoroca.
Esta voçoroca apresenta um dado muito interessante, que é a relação entre a ravina inicial e a
voçoroca. Na cabeceira da voçoroca pode-se observar que a ravina está cortada pela voçoroca e
que o último desmoronamento correspondente é recente (Figura 7). Coloca-se então o problema
da velocidade de crescimento da ravina inicial e aquela da voçoroca. Visitamos esta ravina e
parece que está parada por causa das curvas de contenção instaladas em 1990. Então, nada se
pode concluir no que diz respeito à velocidade relativa de crescimento da ravina inicial e da
voçoroca que deriva desta. Todavia, é provável que a voçoroca progrida mais rapidamente que a
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 10
ravina “matriz” e acabe por fazê-la desaparecer.
Figura 5. Curva de nível cortada pela voçoroca da Fazenda Granada.
Figura 6. Deslizamentos nas paredes da voçoroca Granada.
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 11
Figura 7. Ravina inicial cortada pela voçoroca Granada.
Nas Fazendas Santa Rita e Vida Nova, foi realizada, pelos proprietários, uma tentativa de
contenção de voçorocas médias (menos de 10 m de profundidade) muito interessante,
esquematizada na Figura 8 e que consiste em estabelecer barragens com um tubo de PVC que
elimina a maior parte da água da represa, deixando esta decantar e permitindo seu assoreamento.
Esta obra apesar de ser recente (estação de seca 2000) parece eficaz. O que se quer é conservar a
terra e eliminar a água. Porém, parece já existir um problema, que corresponde a um início de
desmoronamento da barragem superior. Isso é exclusivamente devido à saída de água que exporta
matéria na base da barragem.
A voçoroca Chitolina (Figura 9) foi estudada com detalhe e sua gênese parece ter sido
similar a do braço esquerdo da voçoroca Olho d'Água. Houve dois episódios de abertura da
Chitolina. O primeiro deixou um canal à esquerda do atual e um depósito, o segundo depositou o
recobrimento observado na toposseqüência feita na várzea (Figura 10), abriu o caminho do atual
canal e projetou blocos de couraça de até 70cm de diâmetro, presentes na cobertura pedológica da
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 12
vertente, a 40 m de distância do canal, assim como prismas do perfil da várzea associando a turfa
e a argila branca.
# 8m Parte perfurada do tubo de PVCTubo de PVC de 100 mm
Assoreamento Água
Parte perfurada do tubo de PVC
Cabeceira original do vale
Estado da barragem da montante em março de 2001
Desmoronamento
Saída de águaÁgua
(construída durante a estaçãode seca de 2.000)
Figura 8. Obra de contenção de uma voçoroca na Fazenda Vida Nova (Mineiros - GO). Esquema
sem escala.
Figura 9. Vista aérea da voçoroca Chitolina, Mineiros GO.
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 13
Os depósitos barraram parcialmente o curso do Rio Araguaia, desviando-o e provocando
assim a submerssão de boa parte da mata galeria (Figura 11). A área destes depósitos delimitada
na margem direita do rio Araguaia, atinge 11ha. Depois destes dois eventos catastróficos, a
voçoroca começou a evoluir gradativamente, principalmente por piping, crescendo bastante
rapidamente nos primeiros anos e diminuindo depois seu ritmo, atingindo 1300 m de
comprimento em 2000. O volume de material erodido nestes quinze anos de existência da
voçoroca foi calculado em 229.906 m3.
O delta do córrego (Figura 9) que aparece em bege claro a jusante do canal não corresponde
a depósitos mas à presença de areia lavada na superfície do solo e à quase ausência de vegetação.
Corresponde à área submersa por uma lâmina de água que transborda do canal durante a estação
de chuva.
Recobrimento da abertura da Chitolina:areia bruno amarelada Turfa Turfa arenosa Argila aluvial branca Areia aluvial branca
Horizonte humífero escuroAreia cinza claroBhAlteração do arenito Botucatu amarela0
1
2
3
4m
0 100 200 300 400 500m
Rio Araguaia
Lençol freático
RecobrimentoTurfa
Alteração do arenito Botucatu
Localização da toposseqüência
Figura 10. Topos sequencia na várzea do Rio Araguaia, margem direita do exutório da Chitolina.
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 14
Foto 11. Mata galeria submersa pelo desvio de curso do Rio Araguaia.
5. Gênese e evolução da voçoroca Chitolina
Na área onde hoje se encontra a voçoroca, a cultura da soja começou em 1981 com a utilização
de curvas de contenção destinadas a eliminar o escoamento superficial e a erosão. A vegetação
inicial era o cerrado, com predominância de gramíneas e, no período de introdução da
agropecuária, houve relativamente poucas mudanças no ecossistema, particularmente no que se
refere à pastagem, já que o cerrado era utilizado como pasto. A maior alteração foi provocada
pelas trilhas de gado e caminhos e estradas que concentram as águas de escoamento superficial e
provocam ravinamento. Mas, como a Chitolina não começou por uma ravina, podemos eliminar
os fatores acima como causa da formação desta voçoroca.
As fotos aéreas de 1964 e 1977 mostram que, próximo da extremidade jusante de onde é
hoje a voçoroca, havia um talvegue por onde corriam as águas pluviais. Estas fotos mostram
também que a vegetação predominante era de campo limpo (pasto?), entremeada com áreas de
campo sujo e capões de mato.
Segundo as declarações do ex-proprietário da área onde se encontra a voçoroca, “a Chitolina,
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 15
iniciou-se, da noite para o dia, em decorrência de uma chuva muito intensa. A utilização da área,
para o plantio de soja, tinha sido iniciada dois anos antes. Nos anos de 1981 e 1982, as chuvas
foram menos intensas e as curvas de nível baixas e com 2% de declividade suportaram bem as
chuvas. Com as chuvas mais intensas do ano seguinte, as curvas foram levadas pelas águas e a
voçoroca iniciou-se, em dezembro de 1983 com aproximadamente 150 m de extensão X 6m de
profundidade e 8m de largura. No verão seguinte (1984/85) a voçoroca atingiu 300m de
comprimento X 8m de profundidade e 10m de largura.”
O acompanhamento das imagens de Landsat, de 1984 a 1999, mostra que a Chitolina só é
visível, na escala 1:100.000, em 1988; fica bem claro nesta imagem, e nas que a sucedem, que a
voçoroca é marcada pelo córrego que passa a existir em seu fundo. O mapa planialtimétrico da
área, assim como as fotos tomadas do avião, mostram que a Chitolina comporta mais de uma
direção, chegando a apresentar uma forma meandrante em sua metade inicial.
Comparando uma fita vídeo de um vôo de 1995, com as fotos aéreas batidas em 2000, pode-
se constatar que a voçoroca cresceu muito pouco longitudinalmente desde 1995 ou mesmo antes.
Somente dois divertículos (A e B na Figura 12) existentes em 1995 cresceram com um estreito
mas profundo entalhe. Um destes (A) atinge o pé da curva de nível e se formou depois da
construção desta. Considerando que as curvas de contenção altas foram estabelecidas em 1997,
papel destas curvas de contenção na quase parada do crescimento longitudinal da voçoroca
permanece duvidoso. Um outro fator que pode ter diminuído o crescimento da voçoroca é que
esta atingiu o material argilo-arenoso (25-40% de argila). Com efeito, os dois divertículos que
cresceram estão do lado arenoso (Figura 12). A textura arenos pode favorecer o voçorocamento,
mas não parece ser determinante, como visto na voçoroca Olho d’Água.
6. Conclusões
No caso da voçoroca Chitolina, é provável que durante as chuvas excepcionais do verão 1983-84,
a sobrealimentação do lençol tenha provocado a fluidificação do armazém do lençol no eixo de
drenagem pluvial, provocando a corrida de lama e abrindo o primeiro estágio de abertura. A
voçoroca Chitolina começou então por um processo cataclísmico que se repetiu no verão de
1984-85. Isso é um fenômeno raro e dificilmente previsível, que aconteceu também com a
voçoroca Olho d’água.
Atribuímos as duas corridas de lama, que abriram a Chitolina, à sobrecarga do lençol devido aos
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 16
altos índices pluviométricos e às curvas de contenção que aumentaram a infiltração, deixando
claro que isso não significa que estas curvas não permaneçam indispensáveis para impedir o
ravinamento.
Figura 12. Vista longitudinal da voçoroca Chitolina, com os divertículos designados pelas letras
A e B.
Foi constatado que o crescimento longitudinal da Chitolina quase parou entre 1995 (ou
possivelmente antes) e 2000 o que mostra que as curvas de nível altas construídas em 1997, a
montante da cabeceira, não tiveram um papel importante nesta parada.
Água, Agricultura e Meio Ambiente no Estado de São Paulo: Avanços e Desafios 17
A importância relativa dos dois mecanismos de evolução da voçoroca (ação do lençol
freático e ação das águas superficiais) permanece desconhecida. A determinação é difícil, mas
tem uma grande importância para a concepção de obras de contenção.
As evidências de processos de erosão interna no solo (piping), relacionados à ocorrência
freqüente de voçorocas em cabeceiras de drenagem e junto a fundo de vales, mostram a
necessidade de pesquisas que subsidiem a compreensão das condições de seu desenvolvimento,
especialmente aquelas relacionadas ao comportamento hídrico das vertentes. São praticamente
ausentes na literatura especializada trabalhos que procuram identificar o comportamento
diferenciado das águas superficiais e subsuperficiais em vertentes. Neste sentido, tendo em vista
que a freqüência das precipitações e os totais pluviométricos interferem nas oscilações do lençol
freático e, portanto, no surgimento e desaparecimento de pipping nas erosões lineares, e como
potencialmente o nível do lençol está mais alto nos períodos chuvosos, são estes os períodos mais
indicados para análise da dinâmica erosiva associada aos processos de pipping.
Referências
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