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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
PRODUÇÃO DE COMBUSTÍVEIS SINTÉTICOS A PARTIR DO GÁS NATURAL:
evolução e perspectivas
BERNARDO BARBARÁ PINHEIRO matrícula nº: 098110823
ORIENTADOR: Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida
JULHO 2002
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
PRODUÇÃO DE COMBUSTÍVEIS SINTÉTICOS A
PARTIR DO GÁS NATURAL: evolução e perspectivas
__________________________________ BERNARDO BARBARÁ PINHEIRO
matrícula nº: 098110823
ORIENTADOR: Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida
JULHO 2002
As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a)
Dedico este trabalho a meus pais, Baldomero e Ana Amélia.
AGRADECIMENTOS
RESUMO O trabalho tem como objetivo analisar o processo de evolução da tecnologia de produção de combustíveis sintéticos a partir do gás natural, destacando os fatores que fizeram que ela se tornasse a nova fronteira tecnológica da indústria de óleo e gás e as perspectivas futuras. Nossa análise será conduzida da seguinte forma: de início será feita uma apresentação dos principais aspectos técnicos do processo a fim de que o leitor fique mais familiarizado com alguns termos e algumas especificidades técnicas, posteriormente passaremos a uma abordagem histórica das experiências iniciais de utilização da tecnologia, destacando sua forma de evolução, fontes de financiamento e os motivos de sucesso ou fracasso de cada uma delas. Estando claros os motivos que levaram ao desenvolvimento das experiências iniciais, passaremos a uma analise da retomada do interesse em torno da tecnologia de conversão na década de 1980, destacando as oportunidades pelo lado da oferta de insumos e pela demanda de seus produtos em alguns importantes nichos de mercado. Mostraremos as mudanças na configuração do mercado internacional de energia, tanto pelo lado do upstream, quanto pelo lado do downstream que possibilitaram esta retomada de interesse e fizeram grandes empresas do setor focarem seus esforços no desenvolvimento do processo de produção de combustíveis sintéticos a partir do gás natural. Por fim, iremos caracterizar o estágio atual de evolução do processo sob o arcabouço teórico evolucionista e tentaremos traçar perspectivas de evolução baseadas na análise intra tecnológica e na consolidação de designs dominantes e de caminhos de evolução.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................
CAPÍTULO I – ASPECTOS TÉCNICOS PRINCIPAIS DO PROCESSO FISCHER-TROPSCH.............................................................................................................................. I.1 – Produção do gás de síntese...............................................................................................
I.2 – O processo Fischer-Tropsch.............................................................................................
I.2.1 – Os catalisadores................................................................................................. I.2.2 – Os reatores......................................................................................................... I.3 – Os produtos e sub-produtos..............................................................................................
I.4 – Os principais atores...........................................................................................................
I.5 – Caracterização sob a ótica da teoria da inovação.............................................................. CAPÍTULO II – AS EXPERIÊNCIAS INICIAIS DE UTILIZAÇÃO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA................................................................................................ II.1 – A experiência alemã........................................................................................................
II.1.1 – O desenvolvimento inicial................................................................................. II.1.2 – O planejamento energético alemão.................................................................. II.1.3 – O desenvolvimento comercial da indústria de combustíveis sintéticos 1927-1945........................................................................................................................................... II.1.4 – A mão-de-obra nas plantas F-T........................................................................
II.2 – A experiência norte-americana........................................................................................ II.2.1 – O desenvolvimento da pesquisa sobre F-T...................................................... II.2.2 – Conclusões da experiência.............................................................................. II.3 – A experiência japonesa................................................................................................... II.3.1 – O início dos estudos sobre o processo F-T...................................................... II.3.2 – O apoio do governo......................................................................................... II.3.3 – Pesquisa e desenvolvimento da tecnologia F-T............................................... II.3.4 – Conclusões da experiência............................................................................... II.4 – A experiência sul-africana...............................................................................................
II.4.1 – O desenvolvimento da tecnologia F-T............................................................. II.4.2 – A internacionalização e conclusões da experiência......................................... II.5 – Conclusões...................................................................................................................... CAPÍTULO III – A RETOMADA DO INTERESSE PELO PROCESSO...................... III.1 – Caracterização do “renascimento”...........................................................................
III.2 – As possibilidades pelo lado da oferta............................................................................. III.2.1 – Reservas remotas............................................................................................ III.2.2 – O gás queimado, ventilado e reinjetado.......................................................... III.3 – As possibilidades pelo lado da demanda........................................................................ III.4 – Conclusões ...................................................................................................................
CAPÍTULO IV – ANÁLISE SOB A ÓTICA DA TEORIA DA INOVAÇÃO E A CONCORRÊNCIA INTRA TECNOLÓGICA.................................................................... IV.1 – Aplicação da teoria da inovação.................................................................................... IV.2 – Cronologia da inovação................................................................................................ IV.3 – A concorrência intra tecnológica: rumos e perspectivas.............................................. IV.4 – Conclusões ................................................................................................................... CONCLUSÃO......................................................................................................................... ANEXO I ................................................................................................................................. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar o desenvolvimento da tecnologia de conversão
química de compostos de carbono a combustíveis líquidos claros conhecida pelo nome de
seus criadores, Fischer e Tropsch,. Atualmente esta tecnologia é utilizada em algumas plantas
piloto e de pequena escala, denominadas gas-to-liquids (GTL) devido a especificidade de
utilizarem o gás natural como insumo. Esta tecnologia foi inicialmente desenvolvida na
década de 1920 na Alemanha a fim de converter as grandes reservas de carvão deste país em
outros combustíveis como diesel e gasolina. Sua utilização alcançou o ápice no período da II
Guerra Mundial quando o governo nazista subsidiou fortemente a indústria de combustíveis
sintéticos com o objetivo que esta suprisse, principalmente, as necessidades de suas forças
armadas. Seguindo a experiência alemã, alguns outros países como Estados Unidos, Japão e,
posteriormente, África do Sul, iniciaram programas para desenvolvimento da indústria de
combustíveis sintéticos, na maioria das vezes centrados na diminuição da dependência externa
do petróleo e em questões estratégicas.
No entanto, com exceção do caso sul-africano, todas as experiências fracassaram
quando os recursos estatais se tornaram escassos, seja por motivos técnicos ou por motivos
econômicos. Nesse contexto, a partir da década de 1950 a tecnologia Fischer-Tropsch foi
deixada em segundo plano, o interesse dos governos e das empresas diminuiu e o único caso
de continuidade ocorreu na África do Sul onde questões políticas possibilitaram o
desenvolvimento do programa de combustíveis sintéticos no país, mesmo que totalmente
voltado para o mercado interno.
Porém, na década de 1980 começou a se notar uma retomada do interesse das
empresas pelo processo, representado pela elevação dos investimentos em pesquisa e
desenvolvimento (P&D), criação de novas empresas voltadas para a exploração do processo e
anúncio de novos projetos de plantas nas mais diversas localidades.
A difusão das plantas GTL é, atualmente, o grande objetivo tecnológico do setor,
tendo seu impacto comparável ao dos esforços para exploração em águas ultra profundas.
Mesmo que seja difícil mensurar este tipo de impacto, podemos considerar as plantas GTL
como uma nova fronteira na área de produção de combustíveis, se caracterizando como um
processo totalmente diferente do refino tradicional e com imenso potencial de aplicação. Estas
características mostram o quão relevante para o setor é o desenvolvimento da tecnologia F-T e
a análise de suas perspectivas futuras.
O objetivo deste trabalho será, portanto, buscar os motivos que levaram à retomada do
interesse pelo processo após décadas de esquecimento e o fizeram adquirir a importância que
tem atualmente. Iremos mostrar como se deu a evolução tecnológica do processo baseado
numa abordagem histórica sobre as experiências de utilização da tecnologia no período de
1920-1950, passando, posteriormente a uma análise das mudanças na configuração do
mercado que fizeram com que o processo F-T se tornasse uma opção interessante para as
empresas proprietárias de reservas e para as novas licenciadoras de tecnologia.
A inserção de seu desenvolvimento no arcabouço teórico da economia da inovação,
mais especificamente na literatura neo schumpeteriana será parte fundamental do trabalho na
medida em que possibilitará a identificação do estágio de desenvolvimento do processo e o
esboço de algumas perspectivas de evolução.
Sendo assim, o trabalho será dividido em quatro capítulos, além desta introdução. O
primeiro apresenta as principais características da tecnologia, mantendo-se sempre o foco de
apresentar os aspectos necessários para a compreensão na ótica de um economista, evitando-
se os formalismos excessivos. O segundo capítulo fará uma abordagem histórica das
experiências iniciais de utilização do processo ocorridas na Alemanha, Estados Unidos, Japão
e África do Sul, ressaltando os fatores que as impulsionaram e destacando como
influenciaram o estágio atual de desenvolvimento desta indústria. O terceiro capítulo, por sua
vez, fundamentará o renascimento do processo na década de 1980, mostrando os fatores que o
incentivaram pelo lado da demanda e pelo lado da oferta e analisando cada um deles.
Finalmente, o capítulo final tentará inserir a trajetória de desenvolvimento do processo no
arcabouço evolucionista, utilizando, principalmente as contribuições de autores como
Giovanni Dosi e James Utterback. Além disso, serão apresentadas as características da atual
concorrência intra tecnológica e os possíveis rumos de evolução.
CAPÍTULO I - ASPECTOS TÉCNICOS PRINCIPAIS DO PROCESSO FISCHER-
TROPSCH
Este capítulo tem como objetivo descrever os aspectos técnicos principais da
tecnologia Fischer-Tropsch (F-T). Tendo sempre a clara preocupação de não se aprofundar
em equações químicas ou tecnicalidades que fujam do escopo de estudo de um economista.
O desenvolvimento inicial da tecnologia F-T aconteceu na Alemanha. Partindo do
perfil geológico do território, que apresenta uma notada escassez de petróleo, buscava-se uma
alternativa à produção de combustíveis fósseis que não utilizasse o óleo cru como principal
insumo. Sob este contexto, no início dos anos 20, dois cientistas alemães, Franz Fischer e
Hans Tropsch, começaram a desenvolver o processo que ficou conhecido como Fischer-
Tropsch.
A idéia básica do processo que criaram é bastante simples e logicamente interessante:
já que o carvão também contém os átomos de carbono, principal componente do petróleo cru,
haveria a possibilidade de desenvolver uma tecnologia de produção de “derivados”, como
gasolina e diesel, utilizando o próprio carvão e algum outro componente rico em hidrogênio
como matéria-prima. A idéia seria utilizar o carbono existente nas moléculas de carvão
conjuntamente com o hidrogênio proveniente de outro composto (como a água, por exemplo)
para produzir hidrocarbonetos de séries mais longas, como a nafta.
Sendo assim, eles desenvolveram uma tecnologia que consistiu na reorganização de
cadeias de carbono, ou seja, uma conversão química que resulta na mudança da estrutura das
moléculas destes compostos. Ela transforma cadeias como as do carvão e do gás natural, que
são os insumos mais utilizados desde a sua criação até hoje, em produtos como gasolina,
diesel, querosene e parafinas, entre outros.
Dessa forma, estava aberta a possibilidade de se produzir combustíveis claros a partir
de outros insumos que não o óleo cru. Mesmo que ainda fosse imperativo um grande
desenvolvimento tecnológico para que se alcançasse a comercialidade do processo (ainda
buscada até os dias de hoje), já havia uma outra opção de caminho a se seguir.
O processo de produção de combustíveis sintéticos se divide em duas etapas
claramente separadas: primeiro a transformação do gás natural para o chamado gás de síntese
(que é um gás composto por monóxido de carbono e hidrogênio), posteriormente o gás de
síntese irá para os reatores onde, aí sim, se dará a consecução dos produtos finais através da
tecnologia Fischer-Trospch (F-T).
Em outras palavras, o processo de produção de combustíveis através da tecnologia F-T
ocorre da seguinte forma. Primeiro se produz o gás de síntese através da reação do composto
de carbono (carvão, GN ou outro) com oxigênio, gás carbônico, e vapor d’água. Em seguida o
gás é introduzido nos tubos dos reatores, junto com o metal que exercerá a função de
catalisador. A partir daí se obtém o óleo sintético, que será, então, destilado, para que se
obtenha os produtos desejados.
As reações químicas do processo se apresentam da seguinte forma:
1a Etapa : composto de carbono + O2 , H2O e CO2 gás de síntese (CO + H2)
2a Etapa : gás de síntese + H2 álcoois , olefinas e hidrocarbonetos
FIGURA I.1 –Ilustração esquemática da produção de combustíveis pela tecnologia F-T:
Fonte : Site da Syntroleum
Por existir a necessidade de produção do gás de síntese, o processo F-T é classificado
no grupo de vias indiretas de produção de combustíveis a partir do GN, assim como o metanol
e o dimetil éter, opções tecnologicamente menos avançadas.
Outros processos, que convertem o GN a produtos como olefinas e aromáticos sem a
necessidade desta etapa intermediária de produção do gás de síntese, são conhecidos como
conversão por via direta. Estas tecnologias (como a oxidação parcial e a oxicloração, por
exemplo) utilizam catalisadores e rotas de síntese específicas para transformar quimicamente
as moléculas de metano em substâncias de cadeias mais complexas. Os produtos obtidos
incluem álcoois, olefinas e aromáticos, no entanto, a alta estabilidade da molécula do metano
traz uma série de problemas técnicos para viabilizar as reações químicas envolvidas e, sendo
assim, os processos de conversão direta ainda estão numa fase muito embrionária, estando
restritos a estudos em laboratórios (ALMEIDA, E. et al., 2002).
I.1 – Produção do gás de síntese
Esta primeira etapa do processo de produção de combustíveis líquidos a partir de
hidrocarbonetos numa planta GTL é de fundamental importância, uma vez que seus custos
respondem por grande parte do custo total de produção, variando de 50 a 60% do total.
Isso mostra o quão crucial é esta etapa do processo para que se alcance a
comercialidade efetiva das plantas de “gas-to-liquids”. Esta constatação, como era de se
esperar, leva as empresas a uma constante busca do aperfeiçoamento de seu processo de
produção do gás de síntese, e, como conseqüência, à existência de um grande número de
processos de produção no mercado.
Como o objetivo deste capítulo é apresentar as principais características técnicas da
tecnologia, não entraremos aqui em maiores detalhes sobre a competição intra tecnológica
entre os processos de produção do gás de síntese (que será abordada no quarto capítulo), se
concentrando numa descrição de cada um destes.
As principais tecnologias de produção de gás de síntese atualmente utilizadas e
estudadas no mercado são a reforma do metano a vapor (steam-methane reforming), a
oxidação parcial não catalítica, a reforma auto térmica e a reforma combinada.
i) a reforma a vapor: na presença de um catalisador de níquel, o metano reage com
vapor para produzir o gás que contém monóxido de carbono, hidrogênio e quantidades
menores de dióxido de carbono e água. O calor necessário para a reação é fornecido por uma
série de queimadores que ficam do lado exterior do tubo onde ela ocorre.
ii) a oxidação parcial não catalítica: neste processo o oxigênio e o gás natural são pré-
aquecidos, misturados e introduzidos em um reator sem catalisador, onde se produz a reação.
Diferentemente do processo anterior, o queimador se encontra dentro do tubo do reator e,
como já foi dito, não há a presença de nenhum catalisador.
iii) a reforma auto térmica: as reações químicas deste processo são uma combinação
das ocorridas nos dois processos anteriores. Neste processo, a mistura de gás natural, oxigênio
e água passa por um queimador, ocorrendo a oxidação parcial não catalítica. Em seguida, o
produto desta primeira reação passa por um catalisador de níquel, realizando a reação da
reforma. Este processo tem um problema de formação e acumulação de carvão nos tubos dos
reatores, que é minimizado com a introdução de vapor d’água.
iv) a reforma combinada: este processo consiste em um reator com duas seções. A
reforma a vapor ocorre na zona superior na presença de um catalisador. O gás de síntese
produzido e o metano que não foi convertido reagem com oxigênio na zona inferior do reator
(reator secundário).
Além destes processos, alguns outros têm sido estudados e demonstrados em plantas
piloto, como o reforma auto térmica com ar, desenvolvido pela Syntroleum, que consiste na
utilização de ar atmosférico, ao invés de oxigênio. Neste processo não existe a necessidade de
investimento em uma planta de separação do ar, mas, por outro lado, os custos de compressão
do ar são mais elevados do que os de compressão do oxigênio.
Outra variação do processo é o desenvolvido pela Exxon Mobil, chamado de Fluidized
Bed Synthesis Gas (FBSG). Ele consiste na introdução simultânea de gás natural, vapor
d’água e oxigênio a um reator com leito fluidizado com catalisador de níquel-alumínio. Neste
leito acontecem ao simultaneamente as reações da reforma e da oxidação. Essa tecnologia já
foi provada numa planta piloto de 200 barris/ dia de capacidade.
Como já foi dito anteriormente, os custos de capital e de operação desta etapa do
processo são vultuosos e acabam sendo os responsáveis pela não comercialidade de muitas
plantas GTL. Por este motivo, as principais empresas presentes neste mercado têm buscado
vias que permitam sua redução, principalmente através de aumentos de temperatura e pressão.
Surge então um importante trade off que envolve o desenvolvimento de novos materiais para
os reatores, já que processos de produção do gás de síntese mais eficientes demandam
materiais mais resistentes, que suportem operar sob condições de temperatura e pressão muito
elevadas.
Atualmente existem duas linhas de pesquisa principais que visam melhorar esta etapa
do processo sob outras óticas:
a) melhora da eficiência energética que permite uma redução dos custos de produção.
Por exemplo: BP-KVAERNER desenvolveram um processo mais compacto que permite uma
importante diminuição do investimento e dos custos de operação. Essa tecnologia vai ser
aplicada na planta demonstração (300 b/d) que a BP pretende construir no Alaska.
b) utilização de membranas cerâmicas com o objetivo de produzir oxigênio de maior
pureza e mais barato, além de necessitar de temperaturas mais baixas para produzir o gás de
síntese. O processo de reforma por membrana catalítica tem características básicas
semelhantes à reforma auto térmica, no entanto, esta tecnologia substitui a planta de
suprimento de oxigênio por uma membrana seletiva a este gás, reunindo a separação de ar e
oxidação parcial em uma única operação. Atualmente existem dois consórcios estudando esta
via: um liderado pelo DOE (Departament of Energy dos Estados Unidos), que arca com 35%
dos custos do projeto, ficando os restantes 65% a cargo das outras empresas e instituições
participantes1; e outro liderado por empresas como BP, Statoil, Sasol e Phillips.
Essa trajetória de pesquisa tem um alto potencial de transformar a configuração da
indústria GTL. Tratando-se de uma tecnologia que pode vir a reduzir o custo de produção do
gás de síntese em 30%, ela pode ser o trampolim que o processo precisa para alcançar a
comercialidade.
Segundo Bennet (BENNET et al. 2001), da Air Products, a comprovação da aplicação
prática da tecnologia desenvolvida pela empresa tem o potencial de tornar comerciais os
produtos F-T a um preço de US$ 20,00 para o barril do petróleo bruto. Ou seja, eles serão
comercialmente viáveis se o preço médio do petróleo cru nos mercados internacionais se
situar nesta faixa, um valor que não difere muito da cotação efetiva dos últimos anos2.
1 Air Products, Arco, Ceramatec, Chevron, Eltron Research, Argonne National Laboratory, Mcdermott Technology, Norks Hydro, Pacific Northwest National Laboratory, Pennsylvania State University e University of Alaska. 2 Nos últimos 5 anos (1997-2001) o barril do petróleo Brent (cesta de óleos) teve uma cotação média de US$ 20,88, o do WTI (West Texas Intermediate) de US$ 22,12 e o do Dubai de US$19,32.
I.2 – O processo Fischer-Tropsch
I.2.1- Os catalisadores
No processo de escolha do meio mais adequado de produção do gás de síntese ficou
claro que existe uma grande concorrência intra tecnológica. A busca de um design dominante
é a meta principal dos atores deste mercado, ou seja um processo de fabricação de gás de
síntese que se mostre efetivamente mais vantajoso do que todos existentes e, por isso, se torne
o líder. Iremos nos aprofundar mais nesta análise em capítulos posteriores.
Já na escolha do tipo de catalisador a ser usado, as dúvidas e opções tecnológicas são
menos numerosas. Existem basicamente dois tipos de catalisadores, os de ferro e os de
cobalto, cada um tendo suas vantagens e desvantagens.
Nos anos iniciais de utilização os alemães obtiveram sucesso utilizando tanto
catalisadores de ferro quanto de cobalto, no entanto, avanços tecnológicos nos catalisadores
de ferro e uma escassez de cobalto no anos 30 levou a utilização maciça dos feitos de ferro
nas plantas que operaram nos período de guerra dos anos 40.
De forma geral, a grande diferença entre os dois tipos é que o de cobalto é menos
tolerante ao enxofre do que o de ferro, ou seja, ele é menos indicado para utilização em
plantas que utilizam insumos mais “pesados”, como o carvão, por exemplo. Além disso, os
catalisadores de ferro são mais baratos que os de cobalto, podendo ser utilizados em plantas
que aproveitem volumes menores de gás, ou seja, que tenham uma escala mais reduzida,
como nos casos da utilização do gás associado, por exemplo3. Sendo assim, o que determina
qual catalisador será utilizado é o insumo que se dispõe e o orçamento que se disponibiliza
para o projeto. A opção pelo cobalto tem se tornado dominante no quadro atual porque a
maioria dos projetos em desenvolvimento estão contemplando a utilização de grandes
reservas remotas de GN, porém as pequenas/médias reservas podem se tornar uma opção para
aplicação da tecnologia no futuro e, assim, as plantas que empregam catalisadores de ferro
podem ganhar mais espaço.
A opção pelo uso de catalisadores de cobalto tem ainda algumas outras vantagens
como: maior taxa de conversão e maior vida útil do catalisador (4 anos comparado a 4-8
3 Em plantas que tenham como objetivo aproveitar o gás associado de custo muito baixo (ver tabela 3.2), muitas vezes as escalas de produção serão reduzidas, o que elevaria o custo do barril produzido, por isso a utilização de catalisadores mais baratos seria uma opção de evitar esta elevação dos custos unitários.
semanas dos de ferro), no entanto, como já foi dito anteriormente, seu material é mais caro,
podendo apresentar ainda interrupções de oferta.
Deve-se destacar que dois players (Sasol e Rentech) utilizam os catalisadores de ferro,
tendo diferentes razões para isso.
No caso da Sasol esta opção, na realidade, está diretamente ligada à motivação inicial
de criação da empresa e às disponibilidades geológicas do território sul-africano. Tendo sido
criada com o intuito de produzir combustíveis a partir das abundantes reservas de carvão da
África do Sul, a Sasol deveria, portanto utilizar os catalisadores de ferro que, como já foi dito
anteriormente, são mais adequados para utilização com este tipo de insumo.
Porém, com renascimento do processo GTL e o interesse de grandes petrolíferas em
monetizar suas reservas remotas de GN, a Sasol se internacionalizou e passou a utilizar
catalisadores de cobalto em seus projetos de planta em outros países. Ou seja, a motivação
inicial implicou que empresa utilizasse somente os de ferro nos seus primeiros anos, passando
a utilizar também os de cobalto quando se tornou uma licenciadora da tecnologia GTL e um
player internacional.
Já a Rentech adotou um posicionamento estratégico distinto, a empresa optou pela
utilização dos catalisadores de ferro apostando na grande diversidade de insumos que se pode
utilizar quando se faz esta opção. A empresa optou por utilizar uma tecnologia que pode
converter o leque mais amplo de hidrocarbonetos, indo de gás residual de processos
industriais e resíduos de refinarias até reservas de carvão e GN, apresentando, porém as
desvantagens técnicas e de desempenho que foram citadas acima.
I.2.2 – Os reatores
Agora que já tratamos tanto da produção do gás de síntese quanto da escolha do
catalisador adequado, trataremos dos reatores, que são na verdade o local onde estes dois
entram em contato, gerando os produtos finais.
A situação de competição intra tecnológica do caso dos reatores, tal qual o caso da
produção do gás de síntese, apresenta várias trajetórias possíveis. As principais diferenças
entre os reatores estão baseadas na forma e na disposição dos tubos por onde é introduzido o
gás de síntese.
Existem basicamente quatro tipos de reatores: leito fixo, leito fluidizado, leitos fixos
fluidizados e os leitos de lama (slurry). O primeiro tipo é composto por milhares tubos onde
os catalisadores reagem com o gás de síntese e o último apresenta os catalisadores
pulverizados em suspensão, obtendo-se os produtos na parte de cima do reator. Os outros dois
são caracterizados por reações em meio fluidos.
Passando para questões econômicas/tecnológicas, percebe-se que os reatores de leito
de lama estão se tornando a alternativa preferida, sendo atualmente utilizada pela Exxon
Mobil, Rentech, Syntroleum, Sasol e Shell. Ele apresenta as vantagens de geralmente ser a
opção que implica em menores custos e maior eficiência, permitindo um melhor controle das
temperaturas, e apresentando, por outro lado, uma dificuldade importante de separação entre
parafinas e os catalisadores.
Os processo de leito fluidizado e o de leito de lama apresentam uma produção
significativamente maior de combustíveis líquidos. Isso ocorre porque como o de leito fixo
tem um processo de resfriamento mais complicado, eles devem ser operados a uma taxa de
conversão mais baixa a fim de se manter um controle adequado da temperatura.
I.3 – Os produtos e sub-produtos
Abordando inicialmente os sub-produtos do processo F-T, podemos citar que ele gera
quantidades significativas de água (1.1 barril de água para cada barril de combustível), além
de um gás conhecido como “tail gas” que contém hidrogênio, monóxido de carbono e dióxido
de carbono.
Estes sub-produtos podem muitas vezes ser reutilizados no processo, seja através da
utilização da água no processo de resfriamento ou da utilização do hidrogênio e do dióxido de
carbono do “tail gas” para fabricação do gás de síntese.
Passando aos seus produtos principais vemos que eles se dividem basicamente em dois
grandes grupos: óleo sintético e parafinas (especialidades químicas). A taxa de fabricação de
cada um destes produtos depende de vários fatores como a relação hidrogênio/monóxido de
carbono do gás de síntese, o tipo de reator, o tipo de catalisador e as condições de temperatura
e pressão no reator.
Estes produtos são totalmente livres de enxofre, nitrogênio, níquel, vanádio e
aromáticos, que são tipicamente encontrados nos produtos do óleo cru. Essa ausência de
enxofre e metais pesados, é na realidade um requisito básico para a produção através do
processo F-T, pois estes contaminam e deterioram os catalisadores utilizados. A ausência
destas substâncias, por outro lado, reduz drasticamente os níveis de emissões observados na
utilização dos produtos obtidos.
O óleo sintético, assim como o cru, pode ser destilado em duas frações predominantes,
nafta e destilados. A nafta é um produto mais leve, tendo entre cinco e nove carbonos, sendo
utilizado majoritariamente na produção de gasolina. Já os destilados incluem cadeias mais
longas, de 10 a 20 carbonos e produzem querosene de aviação e diesel.
As propriedades de pureza dos combustíveis produzidos pelo processo F-T tem sido
um grande atrativo para sua produção. A título de ilustração podemos visualizar o quadro que
mostra os níveis de emissão observados no diesel produzido pela Shell em sua planta GTL em
Bintulu, na Malásia e os níveis tidos como desejáveis pela California’s Air Resources Board
(CARB).
QUADRO I.1 – Propriedades aproximadas de três tipos de diesel:
Parâmetro Diesel Comercial CARB FT-Diesel
Cetano4 32 48 76
Razão C/H 6.50 5.95 5.80
Enxofre 3.000 ppm < 500 ppm n.d.
Aromáticos 35% < 10% n.d.
Fonte : GREENE (1999)
Vemos, portanto, que os combustíveis sintéticos produzidos em plantas gas-to-liquids
apresentam níveis de emissão altamente desejáveis, tendo, inclusive, níveis de enxofre e
aromáticos não detectáveis. Essa constatação nos mostra que uma outra face que tem que ser
levada em conta quando analisamos a tecnologia Fischer-Tropsch, a qualidade diferenciada de
seus produtos, principalmente quando comparada com a dos produtos obtidos através de
técnicas tradicionais de produção.
Um grupo de quatro companhias européias analisou as propriedades de 12
formulações diferentes de diesel, incluindo diesel F-T e misturas de diesel convencional com
F-T. A conclusão principal do trabalho confirmou o caráter positivo das propriedades do
diesel F-T:
4 Medida da qualidade do diesel- quanto mais alto, maior é a qualidade do combustível.
“Fischer-Tropsch fuel gives a low level of emissions. The gain compared with already
low emissions fuels like J2 e J11 (hydrotreated fuel and citydiesel fuel) varies from 40 to 70
percent for CO, and from 20 to 40 percent for HC, 30 to 50 percent for particulates.” 5
Deve-se destacar que os combustíveis produzidos pelo processo F-T podem ser
misturados aos convencionais para que se melhore a qualidade destes. Esta é uma opção mais
viável para utilização num primeiro momento, onde não haveria grandes volumes de oferta
deste tipo de combustível.
I.4- Os principais atores
Apesar de várias empresas mostrarem interesse no processo GTL, atualmente quatro
grandes empresas são os principais atores neste mercado, com operação efetiva de plantas, são
elas: Shell, Exxon Mobil, Syntroleum e Sasol. Cada uma tem estratégias de desenvolvimento
bastante distintas, merecendo uma análise mais pormenorizada:
A Shell mantém atividades de P&D na tecnologia GTL há várias décadas e, com isso,
desenvolveu seu próprio processo, denominado SMDS (Shell Middle Destillate Synthesis) e
voltado para a produção de destilados médios, principalmente querosene e diesel. A Shell
opera desde 1993 uma planta de 12 mil barris/ dia em Bintulu, Malásia que se caracteriza pela
grande variedade de produtos, variando entre nafta, diesel, graxas refinadas e matéria prima
para detergentes.
A Exxon Mobil tem um programa próprio de desenvolvimento da tecnologia F-T,
conhecido como Advanced Gas Conversion 21 (AGC-21). Seu processo utiliza um reator de
leito de lama e catalisador de cobalto e sua estratégia de desenvolvimento se concentra em
melhorias incrementais na produção do gás de síntese e no sistema da reação F-T.
Já a Syntroleum, diferente das duas anteriores, é uma empresa de tecnologia, e não
uma petrolífera possuidora de reservas. Fundada em 1984 e tendo suas ações colocadas em
mercado em 1998 no NASDAQ, a empresa possui um processo de conversão de gás natural
em outros hidrocarbonetos disponível comercialmente desde 1997. A principal característica
desse processo é a utilização do ar atmosférico ao invés do oxigênio, que já teve suas
vantagens comentadas na seção que aborda a produção do gás de síntese. A estratégia da
Syntroleum tem sido tanto licenciar seu processo quanto participar de joint ventures que
5 GREENE (1999), pág 21.
visam o aproveitamento de reservas de gás, tendo participação em alguns projetos anunciados
na América Latina (como o da PDVSA na Venezuela, Petrobrás no Brasil e Enap no Chile).
A Sasol, por sua vez, é um ator que apresenta uma trajetória bastante distinta dos
outros três. É o único com efetiva experiência operacional em plantas F-T, que a empresa
mantém na África do Sul, produzindo hidrocarbonetos líquidos a partir de carvão, desde os
anos 50. Esta experiência pode ser um fator diferencial na nova configuração deste mercado e
no processo de internacionalização da empresa que, inclusive formou uma joint-venture com a
Chevron Texaco para construção de uma planta em Escravos, Nigéria, que já está em
andamento.
I.5 – Caracterização sob a ótica da teoria da inovação
Podemos agora definir o que é a tecnologia F-T no contexto da teoria da inovação,
quais suas especificidades e quais mercados ela visa atingir.
Os produtos finais de uma planta GTL, como já foi dito anteriormente, se dividem em
dois subgrupos, óleo sintético e parafina . O primeiro grupo é utilizado para produção de
nafta, gasolina , diesel , querosene e outros combustíveis. Na medida em que as tecnologias
tradicionais de refino, através da destilação fracionada e do cracking catalítico, produzem
estes mesmos combustíveis utilizando o óleo cru em torres de fracionamento, podemos
caracterizar a tecnologia F-T como uma inovação radical no processo.
Utilizando processos completamente distintos, as duas tecnologias acabam por obter
os mesmos produtos, variando apenas as qualidades de cada um. Isso caracteriza, segundo a
abordagem de Tushman (TUSHMAN e ANDERSON, 1996) uma inovação de processo,
potencialmente competence-destroying. Ou seja, devido ao fato da tecnologia F-T ter
especificidades completamente diferentes do refino tradicional ela impossibilita que as
empresas já estabelecidas no mercado original utilizem seu conhecimento acumulado e
obtenham as vantagens do novo processo apenas aprimorando o que já utilizam.
Em outras palavras, isto quer dizer que esse tipo de inovação radical tem potencial
para promover uma reorganização completa no ambiente de concorrência do setor. Essa
reorganização pode dar um importante poder de mercado a novos entrantes que detenham a
primazia na utilização do novo processo.
Toda inovação, no entanto, passa por um período chave de busca da comercialidade,
neste período, que é onde se encontra o processo F-T (esse ponto será melhor discutido
posteriormente), não se pode afirmar que rumo se seguirá. Ou seja, seria extremamente
prematuro e especulativo afirmar que os combustíveis sintéticos tendem a tomar os grandes
mercados das refinarias tradicionais. Ao contrário, suas características particulares de
produtos qualidade e pureza indicam, num primeiro momento, para uma convivência tranqüila
entre os dois processos ficando o processo F-T majoritariamente em alguns nichos de
mercado (onde restrições ambientais sejam mais severas).
Estando, portanto, esta tecnologia caracterizada como uma inovação radical no
processo de produção de combustíveis fósseis, que concorre com as tradicionais técnicas de
refino mas não é mutuamente excludente em relação a esta; podemos passar então a uma
reflexão sobre a questão central deste trabalho, que é apontar os motivos e razões que
possibilitaram o ressurgimento da tecnologia F-T após décadas de desinteresse das empresas
pelo processo.
Para isso, será feita uma abordagem histórica no capítulo que se segue, mostrando as
experiências iniciais de utilização da tecnologia e o seus fracassos. Esse capítulo será o elo de
ligação para o seguinte, que tratará da retomada do interesse pelo processo e dos motivos que
a desencadearam.
CAPÍTULO II – AS EXPERIÊNCIAS INICIAIS DE UTILIZAÇÃO: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICA
Este capítulo tem como objetivo mostrar as experiências iniciais de utilização do
processo Fischer-Tropch, destacando, numa abordagem histórica, os motivos que levaram a
estas experiências e suas conseqüências sobre o movimento atual de ressurgimento da
tecnologia.
As principais experiências de aplicação foram desenvolvidas em quatro países.
Inicialmente na Alemanha, país que foi o berço da criação da tecnologia. Seguiu-se a
experiência norte-americana, liderada pelo interesse demonstrado pela Standard Oil tanto no
processo F-T quanto no processo de hidrogenação do carvão, também desenvolvido pelos
alemães. Paralelamente, na década de 1940, ocorreu a experiência japonesa de produção de
combustíveis sintéticos. Com características bastante particulares e inicialmente motivada
pela mesma busca de um abastecimento de derivados auto suficiente em um território pobre
em reservas naturais de óleo cru, essa experiência acabou sendo caracterizada como um caso
típico de “falha tecnológica” (technological failure).
Por fim, devemos focar a experiência de utilização sul africana. Centrada na criação da
estatal Sasol na primeira metade da década de 1950, essa experiência merece especial atenção
na medida em que a empresa conseguiu permanecer no mercado até os dias de hoje,
participando ativamente deste ressurgimento e da retomada do interesse no processo F-T.
Sendo assim, este capítulo será dividido em cinco seções. Por ordenação cronológica,
a primeira abordará a experiência alemã destacando seus motivos iniciais e suas
características particulares. A segunda tratará da norte-americana. A terceira, por sua vez,
descreverá os aspectos do caso japonês apontando os motivos que levaram ao seu fracasso. A
penúltima seção será responsável pela análise da aplicação do processo na África do Sul,
destacando sua criação e opções estratégicas que levaram a Sasol se manter no mercado e se
tornar uma das líderes nesta nova fase.
A última seção conclui o capítulo, destacando como estas experiências inicias
influenciaram o renascimento tecnológico no início dos anos 80, e, principalmente, como elas
contribuiram para a determinação de forças entre os players que atualmente estão neste
mercado.
II.1 –A experiência alemã6
O território alemão apresenta a característica geológica de ser praticamente desprovido
de reservas de petróleo. No entanto, até o início do séc. XX isso não era encarado, de forma
alguma, como um problema. As necessidades energéticas do país eram, até então, plenamente
supridas pelas suas abundantes reservas de carvão, que era largamente utilizado pelo setor
residencial, industrial e comercial, seja para o aquecimento domiciliar, para utilização como
insumo em processos industriais que necessitavam de calor (como fornos e caldeiras, por
exemplo), ou até mesmo para o suprimento das necessidades energéticas das forças armadas
(especialmente a marinha, que tinha sua frota movida a carvão).
No entanto, nos anos iniciais do séc. XX as necessidades energéticas alemãs
começaram a se modificar, por dois motivos principais. Primeiro, o país começou a ter uma
dependência crescente em relação a motores movidos a gasolina e a diesel. O aparecimento de
automóveis, caminhões e aviões aumentou fortemente a demanda destes combustíveis no país,
além disso, os navios passaram a utilizar diesel ao invés de carvão como sua fonte de energia.
E como segunda razão para a mudança na matriz energética do país aparece o processo de
industrialização, em pleno desenvolvimento, que passou a demandar outros energéticos que
apresentassem uma eficiência maior do que a do carvão7, além de serem muitas vezes, de uso
mais simples.
O petróleo aparecia, então claramente como o “combustível do futuro” e, para
assegurar que a Alemanha não tivesse problema com sua oferta, cientistas se dedicaram ao
desenvolvimento de processos de conversão química que permitiam a obtenção de petróleo
sintético a partir das abundantes reservas de carvão do país: a hidrogenação (ou liquefação do
carvão) do carvão, e o processo Fischer-Tropsch, tema central desta análise.
Como o tema deste capítulo é uma abordagem histórica do desenvolvimento do
processo F-T, iremos deixar num segundo plano as plantas de hidrogenação de carvão, porém,
deve-se ter claro que este processo contribui de forma muito mais significativa para o
suprimento de combustíveis para a Alemanha nos anos 40, do que o processo F-T, até porque
o tipo de carvão mais abundante no país, a linhita, era mais adequada para o processo de
hidrogenação do que para este.
6 Os dados e informações deste capítulo foram obtidos em STRANGES (2000) 7 A substituição energética ocorrida no processo de industrialização resultou, principalmente, num aumento significativo da utilização da eletricidade, no entanto, elevações na demanda por diesel e óleo combustível também são percebidas.
c
i
A Hidrogenação do Carvão
Esta tecnologia consiste, basicamente, na conversão de diferentes tipo de carvão
em petróleo sintético através da reação do carvão com o hidrogênio (H2) a temperatura e
pressão elevada. Ela começou a ser desenvolvida num período anterior ao processo F-T.
Nos anos de 1908-1909, Friedrich Bergius, o “pai” do processo de hidrogenação na
Alemanha, começou a se aprofundar em suas pesquisas, adquirindo bastante experiência
em reações sob alta pressão. Neste período ele passou dezoito meses trabalhando com
Walter Nernst e Fritz Haber, dois grandes especialistas neste tipo de reação. Logo após
esta experiência, se mudou para uma pequena planta em Hanover e, em 1910, começou
suas experiências com carvão artificial (feito a partir de celulose) e depois carvão
natural.
Em 1913 Bergius foi bem sucedido na hidrogenação de carvão natural,
conseguindo produzir petróleo sintético. Ele comprovou seu processo numa pequena
planta, com capacidade de 400 L, que reagia 5 kilogramas de hidrogênio com 150 kg de
carvão pulverizado, suspenso em uma solução de benzeno. Ele produzia também o
hidrogênio utilizado na reação, no início fazendo uma reação entre vapor d’água e ferro
e depois reagindo o metano ou etano como reagente, tal como as equações químicas
abaixo:
3 Fe + 4 H20 Fe3O4 + 4 H2
CH4 + H2O CO + 3H2
Durante a I Guerra Mundial as necessidades de petróleo da Alemanha e, com
isso, os investimentos neste processo de produção de óleo sintético se elevaram, tendo
se estabelecido um consórcio entre indústrias e bancos em 1918 que visava a construção
e operação de uma planta em Rheinau-Mannheim. No entanto, problemas operacionais
fizeram com que nunca se alcançasse volumes significativos de produção nesta planta.
Com o acesso às reservas da Romênia ao longo da I Guerra, o interesse pela
tecnologia diminui e só se elevou algumas décadas depois, já sob governo nazista.
II.1.1- O desenvolvimento inicial
O ano de 1913 pode ser considerado como marco inicial para o desenvolvimento e
riação da tecnologia F-T. Neste ano, a BASF, empresa tida como símbolo da pujança da
ndústria química alemã, patenteou um processo de redução catalítica do monóxido de
carbono que produzia hidrocarbonetos como metano, álcoois e ácidos. Por causa da prioridade
dada ao processo de produção de amônia e de síntese do metanol no período da I Guerra
Mundial, a BASF nunca voltou suas atenções ao desenvolvimento desta patente que tratava da
síntese de hidrocarbonetos.
Enquanto isso, Franz Fischer começou a estudar no Kaiser-Wilhelm Institute for Coal
Research (KWI), as possibilidades existentes em torno daquela patente, testando o processo
de síntese em diversas situações de pressão e temperatura. Trabalhando conjuntamente com
Hanz Tropsch, ele desenvolveu uma longa pesquisa em torno daquele processo, modificando
a composição do gás utilizado na reação. Diferentemente da BASF, eles utilizaram uma
mistura de hidrogênio com monóxido de carbono na razão de 2:1, que passou a ser chamada
de gás de síntese.
Em 1923 eles alcançaram um nível de desenvolvimento do processo que possibilitou
seu teste num reator tubular, eletricamente aquecido e que funcionava a alta temperatura e
pressão (400-450o C e 100-150 atm), no entanto os produtos obtidos não foram
hidrocarbonetos, mas uma mistura de oxigênio e outros componentes orgânicos que eles
chamaram de syntol.
Já por volta de 1925-1926, utilizando, como reatores, pequenos tubos de vidro,
catalisadores de cobalto e realizando a reação à temperatura de 300oC e pressão de 1 atm, eles
obtiveram como produto hidrocarbonetos quase totalmente livres de oxigênio que iam desde o
etano até parafinas sólidas. Essa descoberta foi de grande importância, dado que o objetivo
central da pesquisa era a produção de combustíveis líquidos sintéticos.
Por volta de 1928, finalmente se alcançou o objetivo desejado, utilizando catalisadores
de ferro-cobre, reduzindo ainda mais a temperatura da reação (a algo próximo de 190o C) e
mantendo a pressão atmosférica. Eles conseguiram eliminar completamente os componentes
oxigenados e obter apenas uma mistura de hidrocarbonetos gasosos (etano, propano e butano)
e líquidos (octano, nonano e isononano).
Em 1932, foi construída uma pequena planta piloto em Mülheim, que utilizava uma
série de reatores de 5 metros de altura, e realizava a reação às condições de temperatura e
pressão tidas como mais adequadas. No entanto, a opção por utilizar catalisadores compostos
de níquel, manganês, e alumínio acabou fazendo com que estes tivessem uma vida útil8 muito
curta (4-6 semanas), o que prejudicou o funcionamento da planta piloto.
O passo seguinte foi a construção da primeira planta piloto de grande escala. Em 1934,
uma companhia de exploração de carvão (Ruhrchemie AG), acreditando que o processo F-T
poderia ser uma boa opção para aproveitar suas reservas deste energético, adquiriu a patente
para sua aplicação e construiu uma planta em Oberhausen-Holten, perto de Essen. A planta,
com capacidade inicial de 7.240 barris/ano de produção de gasolina automotiva, diesel e
lubrificantes, apesar de demostrar o sucesso de utilização da tecnologia numa escala maior,
enfrentou num primeiro momento os mesmos problemas da planta de Mülheim, a saber: a
pequena vida útil dos catalisadores de níquel, que acarretava perdas de metais importantes; e a
grande quantidade de calor liberada pelos vapor resultante do processo que implicava em
perdas energéticas elevadas.
Sendo assim, ela se tornou o centro para o aprimoramento do processo, que teve como
principal iniciativa a substituição dos catalisadores por outros de cobalto, que, apesar de mais
caros, apresentavam uma maior durabilidade.
O sucesso da planta piloto de Oberhausen-Holten foi o marco principal no
desenvolvimento processo F-T. Em novembro de 1935, menos de três anos após o início do
governo nazista alemão com seu foco na independência energética, quatro plantas de escala
comercial, licenciadas pela Ruhrchemie AG, estavam sendo construídas.
A capacidade de produção anual destas plantas era de 724.000-868.000 barris de
gasolina, diesel, lubrificantes e outros derivados de petróleo, sendo que os combustíveis
automotivos respondiam por, aproximadamente 72% da produção, sendo o restante dividido
entre parafinas, graxas, etc. Todas as plantas utilizavam catalisadores de cobalto que, apesar
de mais caros, tinham uma maior durabilidade.
Por volta de 1937-38 a capacidade anual das quatro plantas havia subido para algo em
torno de 2.17 milhões de barris e, com o término da construção de cinco plantas adicionais, a
capacidade anual total passou para os 5.4 milhões de barris por volta de 1939, no início da II
Guerra Mundial. No entanto o pico de produção das plantas F-T se deu em 1944 com uma
produção de 4.1 milhões de barris.
8 Ao longo do processo de produção de combustíveis sintéticos ocorre uma perda do metal utilizado como catalisador. A vida útil do catalisador é determinada, portanto, pelo tempo em que ele se perde totalmente e tem que ser novamente introduzido nos reatores.
II.1.2 – O planejamento energético alemão
O crescimento da indústria de combustíveis sintéticos na Alemanha nas décadas de
1930 e 1940 se explica pelos eventos político-econômicos que ocorreram no país no mesmo
período. Estes eventos foram fundamentais para o desenvolvimento tanto da tecnologia F-T
quanto da hidrogenação do carvão, vistas como opções para o abastecimento de combustíveis
do país, especialmente numa situação de guerra, como a da década de 1940. Nas palavras de
Anthony Stranges:
“A especial relation existed between the industry and the Nazi government, and
without it Germany’s emerging synthetic fuel industry might have collapsed”9
A política de controle e regulação imposta pelo governo alemão começou a incidir
mais fortemente sobre os rumos da política industrial a partir da crise bancária de 1931 (que
levou à falência duas importantes instituições, Kredit Anstalt e Darmstaedter National Bank)
ainda na república de Weimar. Estes controles só vieram a aumentar a partir de 1933, sob
governo nazista.
Se por um lado havia controles restritivos, por outro havia uma política industrial bem
delineada e um estreito relacionamento indústria-governo. Este relacionamento reduziu a
praticamente zero os riscos inerentes à produção de combustíveis sintéticos. Por exemplo, em
dezembro de 1933 o Ministério da Economia e a I.G. Farben, até então o único produtor de
combustíveis sintéticos (através da hidrogenação do carvão) fizeram um acordo nos seguintes
termos: a I.G Farben deveria produzir pelo menos 2.49 milhões de barris de gasolina sintética
por ano até 1935 e manter esse volume de produção até 1944. O acordo estabeleceu os custos
de produção (que incluíam a depreciação, 5% de juros sobre os investimentos da I.G Farben e
um pequeno lucro de 18.5 pfennig/L) garantidos pelo governo, que, além disso, assegurava a
compra de excedente caso não houvesse demanda e pagava a I.G. Farben qualquer diferença
ocasionada por um preço de mercado mais baixo que o esperado. Este caso serve como
exemplo claro da forma como o governo alemão subsidiava diretamente a produção de
combustíveis sintéticos.
Mas, além destes subsídios diretos, o governo ainda criou duas instituições
fundamentais para o crescimento e desenvolvimento da indústria: a WIFO, Economic
9 STRANGES (2000), Anthony – Germany’s Synthetic Fuek Industry, 1927-1945, Texas A&M University, Houston, pp. 158-159
Research Company, responsável pela construção de terminais para armazenagem de
lubrificantes e combustíveis para aviação (sintéticos e naturais); e a Braunkohlen Benzin AG
(Brabag) destinada a promover a construção de plantas para produção de combustíveis
sintéticos em escala comercial. Esta instituição era, na realidade, uma associação entre a I.G.
Farben e nove grandes produtores de carvão, e acabou por construir 3 plantas de hidrogenção
do carvão e uma F-T durante as décadas de 1930 e 1940.
Mais do que isso, esse posicionamento estratégico do governo nazista alemão pode ser
claramente notado no seu Four Years Plan’s que colocava a independência do petróleo como
um objetivo central. Do total de gastos orçados pelo governo para o período de outubro de
1936 a março de 1937 (RM 1.369 milhões), 42% (ou RM 570 milhões) se destinavam se
desenvolvimento da indústria de combustíveis sintéticos
Uma outra forma de incentivo foi a elevação da tarifa de importação de petróleo de
RM 219,30 (em 1931) para RM 270,90 (em 1936). Esta alta das tarifas de importação
permitiu que as plantas que operavam na época apresentassem algum lucro, mesmo sendo
altamente ineficientes e apresentando um custo de produção bem superior ao dos derivados do
petróleo natural. Ou seja, grandes incentivos foram dados na forma de subsídios diretos e
indiretos, o que permitiu o desenvolvimento das plantas F-T em escala comercial.
Paralelamente a este desenvolvimento, as pesquisas visando um aumento da
eficiência do processo continuaram. Simultaneamente, a Ruhrchermie no seu centro de
pesquisa em Oberhausen-Holten e o KWI, liderado por Fischer, investigavam a efetivação do
processo em pressões mais elevadas (5 atm).
Os estudos mostraram que a reação a média pressão resultava num pequeno aumento
da produção de gasolina e diesel por m3 de gás de síntese, aumentava a vida média do
catalisador de 4-7 meses para 6-9 meses e melhorava significativamente o percentual de
produção de hidrocarbonetos sólidos (de 18% para 42%) como parafinas para a produção de
lubrificantes e químicos.
QUADRO II.1 – Plantas F-T em operação na Alemanha nas décadas de 1930 e 1940:
Fonte : STRANGES (2000), pp-171
II.1.3 – O desenvolvimento comercial da indústria de combustíveis sintéticos
1927-1945
Apesar de ser uma das prioridades no plano de quatro anos de Hitler, que colocava a
independência do petróleo como uma das metas principais a ser alcançada, a indústria de
combustíveis sintéticos nunca chegou a resolver os problemas de abastecimento do país.
Planta Localização Tipo de
carvão
Produção
em 1944
Produtos
principais
Pressão
(atm)
Início das
operações
Ruhrbenzin AG
Oberhausen-
Holten,
Ruhr
Betuminoso
446.400
Gasolina,
diesel, e
óleo
lubrificante
Atmosférica
(1 atm) e
média (5-15
atm)
1937
Steinkohlen-
Bergwerk
Rheineinpreussen
Mörs-
Meerbeck,
Neiderrhein
Betuminoso
141.840
Gasolina,
diesel,
óleo
lubrificante
e parafinas
Atmosférica 1936
Gewerkschaft
Victor,
Wintershall AG
Castrop-
Rauxel,
Ruhr
Betuminoso
290.736
Gasolina e
diesel Atmosférica
segunda
metade de
1936
Brabag AG
Ruhland-
Schwarzhei
de
Linhita 1.141.200 Gasolina e
diesel Atmosférica 1937
Mitteldeutsche
(subsidiária da
Wintershall AG)
Lützkendorf
-Mücheln Linhita
211.104
Gasolina e
diesel Atmosférica 1938
Krupp
Treibstoffwerk
Wanne-
Eickel, Ruhr
Betuminoso
675.374
final de
1938
Chemische
Werke, Essener
Steinkohle AG
Kamen-
Dortmund,
Ruhr
Betuminoso
623.376
Gasolina e
diesel
Atmosférica
e média 1939
Hosech-Benzin
GmbH
Dortmun,
Ruhr
Betuminoso
367.200
Gasolina e
diesel Média
março de
1939
Schaffgotsch
Bensin GmbH
Deschowitz-
Beuthen
Odertal
Linhita 282.240 Gasolina e
diesel Média 1939
Muitos fatores contribuíram para este fracasso (se é que pode ser chamado assim),
dentre os quais uma grande confusão burocrática, escassez de matéria-prima (notadamente
metais para utilização como catalisadores) e os bombardeios aliados, que destruíram grande
parte das plantas em operação.
Apesar disso, notou-se um extraordinário crescimento da produção no período entre
1933 e 1944, especialmente nos anos de governo nazista. No período da II Guerra Mundial
95% da gasolina da força aérea e 50% das necessidades totais do país eram supridas por
combustíveis sintéticos (desse total 12-15% eram produzidos em plantas F-T). Posteriormente
os sucessivos bombardeios na região do Ruhr reduziram fortemente a produção, tanto nas
plantas de hidrogenação como nas F-T, que tiveram seus volumes reduzidos em algo em torno
de 38%.
Deve-se destacar que o custo médio do produto final em uma planta Fischer-Tropsch
girava em torno de 23-25 pfennig por kg (ou RM 240-330 por ton), um valor superior ao
dobro do preço da gasolina importada na época10. Isso mostra claramente que o governo
alemão não via outro caminho a seguir para manter o abastecimento de combustíveis no
período de guerra, senão, partir para um programa de construção de plantas de conversão
química do carvão.
Ou seja, mais do que um planejamento energético de longo prazo que tivesse como
objetivo uma mudança no perfil de importação de combustíveis como a gasolina e o diesel, o
objetivo do governo nazista alemão era suprir as necessidades imediatas de suas forças
armadas num período de guerra, onde certamente o comércio internacional estaria bastante
dificultado para o país.
II.1.4 – A mão-de-obra nas plantas F-T
Por fim, vale destacar a participação efetiva de trabalho forçado e escravo na
construção das plantas de síntese de hidrocarbonetos em território germânico. Enfrentando
uma importante questão de escassez de trabalhadores, muitos industriais, incluindo produtores
de combustíveis sintéticos como I.G Farben, Brabag, etc, lançaram mão da utilização de mão-
de-obra forçada e escrava, composta por trabalhadores vindos dos campos de concentração.
10 STRANGES (2000) pp- 208
Perto do final da guerra, aproximadamente 30% dos trabalhadores das plantas eram
escravos, ou trabalhavam sob regime de coerção, havendo ainda um percentual de imigrantes
livres vindos de países do Eixo, como Itália e Romênia. O regime de remuneração aos
trabalhadores estrangeiros não era o mesmo praticado com os alemães, sua habilidade no
desempenho da atividade não era valorizada e, além disso, seus salários eram taxados em
53%.
Em situação, obviamente, muito pior se encontravam os trabalhadores oriundos de
campos de concentração, pois enquanto os trabalhadores livres e forçados recebiam os seus
salários, o referente ao pagamento destes outros ia diretamente para a Schutz-Staffel (SS) a
fim de suprir o pagamento de taxas e gastos com “acomodação” e alimentação. Ou seja, as
empresa pagavam diretamente a SS pela utilização de mão-de-obra escrava, sem que os
trabalhadores recebessem nada pelas tarefas desempenhadas, prática usual no regime
totalitarista alemão.
Mas voltando aos aspectos econômicos, o fato de se utilizar mão-de-obra forçada e
escrava teve duas importantes conseqüências para a indústria: primeiro, passou a ser uma
tarefa bastante complicada a estimação dos custos reais de produção nas plantas e, além disso,
a indústria sofreu um grande abalo nos últimos meses de guerra, quando além dos
bombardeios sofridos, houve uma drástica redução da mão-de-obra empregada e o volume de
produção alcançou seu nível mais baixo.
Depois do final da guerra, a Alemanha não continuou a produzir combustíveis
sintéticos porque a Conferência de Potsdam a proibiu de fazê-lo. Os aliados sustentaram que o
nazismo havia criado essa indústria ineficiente por motivos estratégicos e que, sendo assim,
haveria melhores formas de utilização do carvão do que esta.
Neste período do pós-guerra, três das nove plantas F-T continuaram operando, duas na
zona de ocupação britânica (as de Castrop-Rauxel e de Wanne-Eickel) e uma na zona
soviética (Schawarzheide) que produzia gasolina para civis e militares. As outras seis
permaneceram fora de operação.
Como conclusão reiteramos o que já foi dito alguns parágrafos acima: nem o processo
F-T nem o de hidrogenação do carvão conseguiram produzir combustíveis com preços
competitivos em relação aos que utilizavam petróleo natural. Eles só tiveram uma sobrevida
graças a busca vigorosa da Alemanha nazista pela auto suficiência energética, derivada,
inclusive, de restrições externas a importação de produtos.
II.2 – A experiência norte-americana11
Desde fins da década de 1920 os Estados Unidos começaram a mostrar interesse pelo
processo de produção de combustíveis sintéticos. No entanto, essa pesquisa ficava apenas em
escala de laboratório. Em 1927, D.F. Smith, J. D. Davis e D. A. Reynolds apresentaram seus
resultados preliminares no encontro da American Chemical Society, realizado em Detroit.
Seus trabalhos continuaram, ao longo da década de 1930, testando catalisadores de ferro,
cobre, e cobalto a 200o C – 300o C e 1 atm. No entanto, a descoberta de grandes reservas de
petróleo no Oeste do Texas e em Oklahoma, a partir de 1930, somadas aos efeitos da grande
depressão, reduziram fortemente as verbas do Bureau of Mines e o programa foi
interrompido.
Após a II Guerra Mundial, no entanto, motivado pela experiência alemã, as atenções
novamente se voltaram para esta tecnologia. Nesse período, iniciou-se nos EUA o projeto que
ficou conhecido como “Projeto Paperclip” (1945-68).
Esse projeto levou aproximadamente 1.600 cientistas alemães aos EUA para trabalhar
no desenvolvimento de vários projetos militares em andamento, desde nucleares até
geofísicos. Neste grupo havia sete pesquisadores da conversão química do carvão que
imediatamente passaram a integrar o programa de combustíveis sintéticos do US Bureau of
Mines.
II.2.1- O desenvolvimento da pesquisa sobre F-T
Inicialmente, o interesse norte-americano não contemplava a construção de plantas F-
T, e ainda havia uma certa relutância sobre os objetivos de um programa para combustíveis
sintéticos devido ao preço muito superior dos seus produtos.
No entanto, em 1944 foi promulgado o “Synthetic Liquid Fuels Act” que tinha por
objetivo um aprofundamento dos estudos e a análise da possibilidade de alcançar escalas
comerciais de produção. Sendo assim, o Bureau construiu em 1947 e 1949 duas plantas
11 Os dados e informações desta seção foram extraídos de STRANGES (1995)
piloto, uma de hidrogenação do carvão e outra F-T no estado do Misouri, mais
especificamente na Louisiania.
Ademais, nos anos imediatamente posteriores ao final da II Guerra, quando o projeto
de desenvolvimento da indústria de combustíveis sintéticos estava engatinhando, a demanda
interna de petróleo havia crescido violentamente. Este crescimento rápido da demanda estava
sendo quase que totalmente suprido por importações de óleo e derivados e não por novas
descobertas ou aumento da produtividade da exploração e produção, como havia ocorrido nos
anos 30 com as descobertas do Texas e de Oklahoma. Com isso, o país havia se tornado um
importador líquido em 1948.
O “Synthetic Liquid Fuels Act” passou a ter uma conotação estratégica extremamente
importante, o que pode ser notado pelas duas emendas que foram feitas a ele, uma em março
de 1948 e outra em setembro de 1950, que aumentava sua duração até 1955 e aumentava
também os montantes de recursos destinados ao programa (inicialmente para US$ 60 milhões
e finalmente para US$ 87,6 milhões).
Além disso, em 1948 o país enfrentou uma crise energética que desencadeou reações
como a do senador Jennings Randolph, da West Virginia:
“ We cannot survive a prolonged famine in liquid fuels. We must not rely on uncertain
foreign sources. In the interest of national security, it is imperative that an American synthetic
liquid fuels industry be established as soon as possible, before our petroleum is gone, before
another national emergency”12
Esse posicionamento mostra uma tendência de aprofundamento e de priorização deste
programa com vistas ao abastecimento de petróleo do país no médio/longo prazo. No entanto,
mesmo buscando uma cooperação com setores industriais diretamente interessados no
desenvolvimento das plantas, faltava pessoal com know-how e experiência o suficiente para
fazer com que o projeto alçasse vôos mais altos.
Sendo assim, vislumbrou-se a opção de “importar” mão-de-obra especializada da
Alemanha, então derrotada na II Guerra, que tinha cientistas e pesquisadores altamente
especializados e com experiência no desenvolvimento e operação de plantas F-T e de
hidrogenação.
12STRANGES (1995) pp –54.
Sendo assim, alguns cientistas foram para os EUA, sob um regime de alta
confidencialidade. Para escolher quais seriam estes cientistas, os norte-americanos se
basearam nas entrevistas e nas visitas às plantas alemães ocorrida em 1945 no que ficou
conhecido como “Technical Oil Mission”.
Essa “expedição”, ocorrida nos meses finais da guerra, consistiu numa investigação
detalhada das plantas operantes em território alemão, coletando uma série de documentos e
entrevistando várias pessoas envolvidas com a indústria. Portanto, quando foi decidido trazer
cientistas daquele país para alavancar o desenvolvimento interno de plantas F-T e de
hidrogenação, os EUA já tinham um perfil detalhado tanto das operações quanto dos
responsáveis pelo seu andamento.
Os especialistas na tecnologia F-T que passaram a integrar o programa norte-
americano foram Helmut Pichler, assistente de Franz Fischer no KWI e uma grande
autoridade no tema; e Leonard Alberts, engenheiro da planta Ruhrchermie em Sterkrade-
Holten. Estes cientistas trabalharam em conjunto com os do Bureau of Mines, buscando
alcançar o objetivo principal do projeto, demonstrar a possibilidade de utilização do carvão
para a produção de combustíveis sintéticos e desenvolver um novo padrão de aplicação da
tecnologia que fosse mais eficiente do que o empregado anteriormente.
Portanto, o trabalho não era apenas o de replicar em solo americano o que havia sido
construído na Alemanha, e sim desenvolver melhorias nos processos que viabilizassem sua
utilização em períodos que não se caracterizassem como economia de guerra. Para isso, os
americanos agregaram seus conhecimentos e seu know how em tecnologias como a síntese de
amônia em alta pressão, ou mesmo a tecnologia tradicional de refino do óleo bruto, com o
objetivo de alcançar avanços nas suas futuras plantas F-T.
Deste modo, com a operação da planta piloto do Misouri já se iniciando, o Bureau
assinou um contrato de US$ 5 milhões para o projeto e a construção de uma planta
demonstração para a Koppers Company Inc. em Pittsburgh, Pennsylvania. Contemplando
algumas inovações, principalmente no sistema de resfriamento. A planta tinha a mesma
estrutura das operadas na Alemanha, sendo dividida em quatro unidades principais: produção
do gás de síntese, purificação deste gás, produção do óleo sintético e refino deste óleo. O
volume total de produção da planta chegou a 50 barris/ dia de gasolina, 10 barris/ dia de óleo
diesel, 12 barris/ dia de óleos pesados e graxas e outros 5-10 barris/ dia de propano.
Por volta de 1950, o Bureau of Mines considerou esta planta demonstração um
sucesso. Ela havia testado vários tipos de carvão sob várias condições de temperatura e
pressão, mostrando a efetividade de diferentes tipos de catalisador e, além disso, produzindo
gasolina com uma taxa de octanagem próxima a 89, o que denota um combustível de alta
qualidade. No entanto, fora do projeto estabelecido pelo governo, poucas empresas de capital
privado se aventuraram na construção de plantas. Mais precisamente, três plantas F-T
começaram a ser construídas pela iniciativa privada neste período e foram abandonadas por
motivos técnicos e/ou econômicos.
A grande diferença, que pode ter sido a importante semente para todo este processo de
renascimento da indústria de combustíveis sintéticos é que duas destas três plantas, as da
Stanolid Oil and Gas Co. no Kansas e da Carthage Hydrocol Inc. no Texas, utilizavam o gás
natural e não mais o carvão como insumo. Elas haviam sido orçadas em US$ 20 milhões e
teriam um potencial de produção de 7000 barris/ dia.
A terceira planta ainda utilizava o carvão pulverizado e se localizava na Pennsylvania,
sendo desenvolvida a partir de uma sociedade entre a Pittsburgh Consolidated Coal Co. e a
Standard Oil Development Co. Ou seja , desde a década de 1940 a Standard Oil (atual Exxon
Mobil) demonstra interesse e investe em processos de produção de combustíveis sintéticos, o
que sem dúvida, a credencia como um dos principais players nesta nova fase do mercado.
Outra diferença a se notar é que na Alemanha, ao invés de concorrentes, as plantas de
hidrogenação e F-T eram complementares, dado que as primeiras tinham a função de produzir
majoritariamente gasolina de alta qualidade enquanto as segundas se incumbiam de produzir
prioritariamente diesel. No entanto, no caso dos EUA, com a introdução da tecnologia dos
reatores com leito fluidizado (fluidized beds) e outros avanços na parte de engenharia, as
plantas F-T passaram a produzir gasolina de alta qualidade e competir diretamente com as de
hidrogenação que, apesar dos incentivos dados pelo governo, só tiveram uma planta piloto
construída, na West Virgínia.
II.2.2 – Conclusões da experiência
O desfecho do programa de combustíveis sintéticos norte-americano acabou sendo
definido por diversos motivos, que variaram desde questões econômicas até interesses
políticos e dos industriais do setor de óleo e gás. Tendo chegado a produzir algum volume,
não muito significativo, de combustíveis claros, a questão que se levantava era sobre a
economicidade destes produtos finais.
Levando-se em conta as dificuldades para contabilização de custos, era claro que o
diesel e a gasolina produzido nas plantas F-T não tinham condições de competir em preços
com os produzidos a partir do petróleo natural. Existem estimativas de que o preço da
gasolina “natural” era de 10,6 cents por galão, enquanto o da sintética girava em torno dos 19
cents por galão, ou seja, quase o dobro do primeiro.
Além deste fator, os representantes de indústrias química e de óleo e gás eram
radicalmente contra o programa de combustíveis sintéticos do Bureau of Mines, alegando
motivos como o de que, subsidiando plantas comerciais o Bureau estaria se distanciando do
seu objetivo, que deveria se restringir a estudos e a plantas piloto.
Por outro lado, surgia o questionamento se seria uma política razoável investir
aproximadamente US$ 3 bilhões para construir outras plantas comerciais, que supririam
apenas um volume aproximado de 8% do total consumido pelo país. Alguns argumentavam
que seria mais vantajoso investir este montante no desenvolvimento da exploração e produção
de petróleo no país ou, até mesmo importar maiores volumes do Canadá, que produzia um
óleo mais barato.
O National Petroleum Council (NPC), por sua vez, levantou duas outras questões que
colaboraram para um posicionamento contrário ao desenvolvimento do programa. Primeiro,
eles argumentaram que 53% das receitas das plantas de conversão viriam de produtos
químicos mas, no entanto, havia dúvidas se o mercado seria capaz de absorver esta produção.
Além disso, eles argumentaram que o governo havia iniciado o programa sob a perspectiva de
defesa nacional, só que, entrando efetivamente na construção e operação de plantas
comerciais ele estaria competindo diretamente com empresas de capital privado.
Sendo assim, o programa de combustíveis sintéticos estava sendo atacado por vários
motivos e com objetivos os mais diversos, desde problemas técnicos até questões políticas.
Então, com a eleição do presidente Dwight Eisenhower em 1953, o primeiro presidente
republicano após 20 anos, e com um congresso majoritariamente composto pelo mesmo
partido, que aplicava as idéias políticas e econômicas liberais; o programa foi encerrado após
11 anos do seu início.
As palavras de Anthony Stranges podem ilustrar bem este ponto:
“ What the Truman administration originally had conceived as a strategic reserve and
national security measure during the closing of the Second World War years and early Cold
War years had fallen victim to petroleum economics, power, and politics.”13
As conseqüências do encerramento do programa foram várias, mas a mais clara e
evidente é o atraso no desenvolvimento tecnológico que poderia ter ocorrido ao longo de
algumas décadas, e que poderia ter sido de grande utilidade no início desta nova fase do
mercado.
Em meados da década de 1970, com as duas crises do petróleo causadas pelo corte de
oferta dos países do Oriente Médio, os EUA entraram numa crise energética que foi o
impulsionador inicial para a retomada do interesse das empresas pelos processos de conversão
química de compostos de carbono.
Tentar estimar o quanto esta interrupção de aproximadamente duas décadas do
desenvolvimento do processo prejudicou e retardou o efetivo alcance da comercialidade seria
meramente especulativo, porém, é certo que houve perdas e atraso que foram decisivas para
que a indústria, hoje, se encontre no estágio em que está.
II.3 – A experiência japonesa14
Abundância de recursos naturais, renováveis ou não, nunca foi uma característica
atribuída ao Japão. Tradicionalmente conhecido pela sua pequena extensão territorial e pela
pouca dotação de recursos naturais, principalmente quando comparada com seus indicadores
econômicos ou demográficos, o país sempre se defrontou com problemas de abastecimento de
óleo cru e de seus derivados.
Estes problemas ganham contornos mais fortes em períodos de rápido crescimento
econômico ou em economias de guerra, quando as necessidades energéticas da nação se
elevam violentamente. Numa situação como a atual, de convivência pacífica entre as grandes
potências econômicas e de um comércio internacional altamente desenvolvido, este problema
perde em importância já que existe a possibilidade de importação de grandes volumes de
13 STRANGES (1995) – pp 68 14 Os dados e informações desta seção foram extraídos de STRANGES (1992)
energéticos que, se por um lado afetam negativamente o balanço de pagamentos, por outro
são o ponto de partida para a produção industrial que vem a aliviar este mesmo balanço de
outra forma, elevando suas exportações de produtos acabados.
No entanto, por volta das décadas de 1930 e 1940 a situação não era de tão simples
solução. O Japão, que desde o início dos anos 30 já estava sob um regime totalitário, passou a
buscar uma expansão territorial no sudeste do continente asiático a fim de minimizar seus
problemas de recursos naturais. Formou-se uma espécie de ciclo vicioso, pois quanto mais o
país se expandia militarmente, maiores eram as necessidades de petróleo e derivados para
abastecer as forças armadas. O consumo de petróleo crescia de forma impressionante,
passando de 666.000 ton em 1924 para 1.980.000 ton em 1932, enquanto a produção não
chegava a suprir 15% deste total.
Nos tempos de paz esta diferença era suprida com importações principalmente dos
EUA, da União Soviética e das colônias britânicas e holandesas na Ásia. Porém a situação de
guerra e as restrições econômicas subseqüentes fizeram com que o país começasse a pensar na
produção de combustíveis sintéticos a partir de suas reservas de carvão, relativamente
grandes, como um forma de solucionar, ou minimizar, internamente seus problemas
energéticos.
O início dos estudos em torno da produção de combustíveis sintéticos se deu
praticamente de forma simultânea ao seu desenvolvimento em território alemão e, num
primeiro momento, os japoneses analisaram três possibilidades: o processo de carbonização a
baixa temperatura (low temperature carbonization – LTC), o processo de hidrogenação e a
tecnologia Fischer-Tropsch. Como era o processo mais antigo e tecnologicamente mais
simples, o LTC acabou recebendo maiores atenções e se tornando a opção prioritária. Isso não
inviabilizou, porém, a construção de laboratórios de alta tecnologia para estudo do processo
F-T e da hidrogenação.
Porém, o grande problema do ambicioso programa de combustíveis sintéticos japonês
foi que suas necessidades, um tanto quanto urgentes, fizeram que os cientistas passassem
diretamente da etapa de estudos laboratoriais para a construção de plantas em escala
comercial, ignorando a importante fase de implementação de plantas piloto.
Dessa forma a Synthetic Oil Production Industry Law de 1938, que fazia parte do
Seven Year Plan de 1937 e tinha como meta a construção de 87 plantas (sendo que 11 com
tecnologia F-T) que produziriam um volume de 6.3 milhões de barris/ ano, acabou obtendo
como resultado final somente 15 plantas que alcançaram um pico de produção de 717.000
barris/ ano em 1944.
Deve-se destacar que outros fatores, como a escassez de metais importantes (para uso
como catalisador) no desenvolvimento das plantas, como ferro e o níquel e o alto custo da
importação de equipamentos (agravados com a desvalorização do yen) também contribuíram
para o fracasso do programa.
II.3.1 – O início dos estudos sobre o processo F-T
Em 1927, somente um ano após a publicação do primeiro artigo de Franz Fischer e
Hans Tropsch, Gen-itsu Kita começou o primeiro estudo sobre o processo F-T em solo
japonês, mais especificamente na Kyoto Imperial University. Seu estudo era centrado na
possibilidade de utilização de catalisadores de ferro e níquel, metais mais baratos do que o
cobalto, escasso no país.
Trabalhando com uma pequena planta piloto de 100 m3 hora, ele desenvolveu um
catalisador de ferro com desempenho bastante próximo ao dos de cobalto, mas que no entanto
sofria os problemas de contaminação por qualquer quantidade de enxofre presente no carvão.
Nenhum outro estudo sobre do processo F-T, além o de Kita, ocorreu no país até
aproximadamente a metade da década de 1930.
Apesar de não ter sido desenvolvido nenhum outro projeto de pesquisa nos anos 20 e
começo dos anos 30, os japoneses fizeram esforços para se manterem informados sobre tudo o
que ocorria na indústria do petróleo e, mais especificamente de combustíveis sintéticos. Isso
pode ser notado através da participação em congressos e encontros do setor como o World
Power Conferece, realizado em 1928 em Londres, que contou com a participação de 28
representantes do país; e o segundo World Petroleum Congress que contou, inclusive com a
apresentação de artigos pelos japoneses.
II.3.2 – O apoio do governo
O desenvolvimento da indústria de combustíveis sintéticos no Japão ocorreu
fortemente associado ao crescimento do poder dos militares no governo do país. Foi a partir
de 1933, com a tomada da Manchúria, que tinha grandes reservas de carvão, que o governo
começou a incentivar a produção, principalmente utilizando a LTC.
Esse período da história marcou uma mudança radical na política externa do país que,
desde a Restauração Meiji em 1868, era caracterizada pela cooperação com as nações mais
poderosas do mundo. A ação militar na Manchúria foi internacionalmente mal vista pela sua
violência e pelas atitudes anti democráticas características de invasões militares. Dessa forma,
a atitude do governo japonês foi julgada e condenada na Liga das Nações em março de 1933,
fazendo com que o país rompesse a Liga e as correntes ultra nacionalistas ganhassem força.
Esta mudança de posicionamento, sem dúvida, foi de grande importância para a
decisão e a iniciativa de possuir uma auto suficiência na produção de combustíveis, baseada
nos argumentos nacionalistas de que um insumo tão vital para qualquer processo produtivo,
ou militar, não poderia permanecer dependendo de outros países. Sendo assim, o governo
passou a incentivar diretamente o estabelecimento desta indústria no país oferendo subsídios e
outros benefícios indiretos.
Inicialmente, a Synthetic Oil Production Industry Law dava subsídios somente para as
grandes plantas localizadas no Japão, Coréia e Formosa (para as plantas F-T o limite mínimo
era de 10 milhões de litros por ano). Já em 1941, com a expansão militar em progresso, o
governo passou a subsidiar todas as plantas que produzissem gasolina, diesel e lubrificantes a
partir de qualquer insumo que não o petróleo natural, e diminuiu a necessidade de produção
para 1 milhão de litros ano para as plantas que produzissem gasolina de aviação. Estes
subsídios para as plantas F-T eram de 60 yenes por tonelada de gasolina e 50 por tonelada de
outros produtos.
Adicionalmente a este subsídio direto, as indústrias que entrassem neste mercado eram
isentas de todas as formas de impostos e taxas, tarifas na importação dos equipamentos e eram
autorizadas a promover a expropriação de terrenos para construção das plantas.
Em 1942, o governo mudou a forma de promoção do setor. Ao invés de subsidiar
diretamente ele passou a estabelecer um preço fixo de venda, que incluía uma margem de
lucro razoável para o produtor. Esse sistema funcionava da seguinte maneira: uma empresa
estatal, Sekiyu Kyôhan KK, comprava o combustível sintético dos produtores e misturava
com os obtidos a partir do petróleo natural, comprado das refinarias. Então, ela revendia este
blend de combustíveis sintéticos e naturais no mercado, a um preço fixo. No caso do diesel
produzido nas plantas F-T o preço de compra era de 7.82 c/ litro e o de venda do blend era de
4,06 c/litro.
A situação do abastecimento de insumos energéticos básicos neste período, início de
1943, não era muito preocupante porque ao mesmo tempo que o país havia perdido os EUA
como fonte de suas importações, os avanços militares na Ásia tinham permitido acesso ao
petróleo de Boreo e Sumatra, na Oceania. No entanto, a estratégia norte-americana de enviar
submarinos para a região a fim de bombardear os navios japoneses responsáveis por este
comércio, fez a situação ficar crítica. Em 1944, esse quadro era tão grave que o país começou
a obter energia a partir de fontes pouco comuns como soja, feijão e outros vegetais.
Essa situação reduziu violentamente a disponibilidade de tempo para pesquisas
laboratoriais sobre os processos de conversão química, tornando imperativo o início da
construção e operação das plantas. Sendo assim, os cientistas tiveram que pular etapas
importantes de experimentação, o que certamente contribuiu para o posterior fracasso do
programa.
II.3.3 – Pesquisa e desenvolvimento da tecnologia F-T
O programa de pesquisa mais importante estabelecido no Japão foi o, já citado, criado
por Kita na Universidade de Kyoto. Iniciado em 1927, este programa acabou construindo uma
planta em escala semi-comercial em 1937. Com objetivo central de desenvolver um
catalisador mais barato do que o de cobalto, ele só alcançou resultados com o de níquel, que
não era barato nem existia em grandes quantidades no país. Além desta pesquisa, outros
centros também passaram a estudar a tecnologia F-T, com destaque para as pesquisas
desenvolvidas em Kawaguchi, no Imperial Fuel Research Institute.
Em 1937, porém, após negociações, o grande conglomerado nipônico Mitsui adquiriu
os direitos comerciais e as patentes do processo junto à alemã Ruhrchermie AG,
desembolsando para isso o montante de 7.2 milhões de ienes (ou 4.5 milhões de marcos),
tendo os direitos de utilização até 1945. No entanto, visando melhorar sua imagem dentro do
país, a empresa nacionalizou sua patente, permitindo, então, que qualquer empresa do império
nipônico (Coréia, Manchúria e Formosa) utilizasse livremente a tecnologia. Apesar disso, os
progressos na direção da construção de plantas comerciais ficaram restritos às iniciativas da
própria Mitsui em parceria com o governo do país.
Sempre buscando uma opção aos catalisadores de cobalto, as pesquisas progrediram
para escala comercial mesmo que esta opção nunca tivesse sido encontrada. Os catalisadores
de ferro tinham uma produtividade máxima na faixa dos 115-120 gramas de produto por
metro cúbico de gás de síntese, enquanto os de cobalto alcançavam algo em torno de 158 g/
m3.
A Mitsui, então, iniciou o projeto de suas cinco plantas comerciais: Miike, Amagasaki,
Takikawa, Manchû Jinzô e Manchû Nenryo. As três primeiras ficaram prontas no final da II
Guerra, enquanto as outras duas, na Manchúria, nunca foram concluídas. A primeira planta a
ser construída foi a de Miike, que utilizava os caros catalisadores de cobalto e operava a
pressão atmosférica. Ela foi responsável pelos maiores volumes de produção de combustíveis
via tecnologia F-T, tendo uma capacidade total de 30.000 ton ano, mas alcançando um auge
de produção de 14.000 ton em 1944. Esta planta produzia gasolina e diesel de alta qualidade,
além de propano, butano, graxas e parafinas, tendo um custo total estimado em 12 milhões de
ienes. Esta foi, sem dúvida, a mais bem sucedida das plantas do Japão, tendo operado até
agosto de 1945, quando um bombardeio prejudicou fortemente seu processo de produção de
gás e, com isso, suas operações foram encerradas.
Já a planta de Amagasaki, por sua vez, também orçada em 12 milhões de ienes e com
a mesma capacidade de produção que a de Miike, não chegou a operar nem com 1% de sua
capacidade total. Ela utilizava os mesmos catalisadores da primeira e também operava a
pressão atmosférica, no entanto, acabou enfrentando problemas severos, no sistema de
refrigeração, produção do gás de síntese e com os catalisadores, que a inviabilizaram. Estes
três tipos de problemas foram encontrados em todas as plantas em operação no Japão,
variando apenas em intensidade. Experimentos mais exaustivos em plantas piloto poderiam
ter dirimido, ou ao menos, minimizado sua ocorrência.
Por fim, a terceira planta, de Takikawa, era o projeto mais ambicioso. Com orçamento
de 20 milhões de ienes e capacidade total de produção estimada em 50.000 ton ano, operava
com catalisadores de ferro e de cobalto a uma pressão média (10 atm).
Sendo a pioneira na utilização dos tão pesquisados catalisadores de ferro (menos
resistentes ao enxofre, mas com uma vida útil maior), a planta acabou enfrentando os mesmos
problemas de refrigeração e produção do gás de síntese das outras duas. No auge de suas
operações, em 1945, alcançou o volume de produção de 2.500 ton, ou seja 2% de sua
capacidade total prevista.
II.3.4 – Conclusões da experiência
A experiência japonesa é um caso típico de como uma tecnologia com grande
potencial de desenvolvimento pode fracassar se for tratada de forma confusa e desordenada.
Nas duas experiências anteriores de utilização, alemã e norte-americana, houve um
grande sucesso tecnológico. Ambos os programas mostraram claramente a possibilidade
técnica de sua implementação, e a não viabilidade econômica desta. O caso japonês, porém,
fracassou em todos os aspectos, não conseguindo comprovar sua aplicação técnica e, muito
menos econômica. Isso pode ter sido causado por diversos fatores, desde necessidades
urgentes de desenvolvimento que levaram à passagem dos laboratórios para a escala
comercial, até a pouca familiaridade dos cientistas japoneses com o processo em si.
Esta experiência serve ainda para deixar claro que a ansiedade de acelerar processos
tradicionalmente lentos, como o desenvolvimento de uma nova tecnologia, pode levar a
grandes fracassos, ao invés da obtenção de bons resultados
II.4 – A experiência sul-africana15
Esta experiência de utilização da tecnologia F-T difere bastante das três já
apresentadas, seja pelos seus motivos iniciais ou pelo seu desenrolar. A experiência sul-
africana é um caso único de utilização bem sucedida, tanto pelo ponto de vista técnico quanto
comercial, de plantas de conversão química de carvão.
Há pouco mais de cinco décadas foi criada a empresa responsável pelo
desenvolvimento do programa sul-africano de combustíveis sintéticos. Inicialmente com o
nome de South African Coal, Oil and Gas Corporation Limited, ou Sasol, a empresa foi
fundada por Etienne Rousseau, um engenheiro químico que havia sido contratado como
consultor do governo nacional para análise do negócio de combustíveis sintéticos.
Ao longo dos anos, a Sasol acabou se tornando uma grande holding, atuando em
diversos mercados ligados à produção de combustíveis sintéticos, transporte de gás natural,
refino de óleo cru, fabricação de explosivos e de insumos para petroquímica, entre outros.
Essa diversificação da área de atuação fez com que a holding Sasol Limited passasse a
controlar diversas afiliadas, tendo sido denominado de Sasol Synthetic Fuels (SSF) o braço
responsável pela operação e desenvolvimento das plantas de conversão química do carvão.
15 Todos os dados e informações desta seção foram obtidos nos sites da Sasol- www.sasol.com, da Mossgas- www.mossgas.com e através de contato escrito com a Sasol Synfuels International.
Até o ano de 1997, as operações da empresas se concentravam no território sul-
africano, quando foi criada a Sasol Synfuels International, representando um grande passo na
estratégia de internacionalização da empresa, que abriu perspectivas para seu
desenvolvimento além das fronteiras geográficas do país. Esse passo foi importante na medida
em que consolidou a posição da empresa como licenciadora de plantas de conversão química
de compostos de carbono utilizando o gás natural como insumo, ou seja, aproveitando o seu
know-how de mais de cinco décadas operando plantas que convertiam carvão em produtos
como diesel, gasolina, a empresa se inseriu nesta nova fase de desenvolvimento do setor que
vislumbrou a conversão do GN como uma grande oportunidade.
Sendo assim, a Sasol conseguiu fazer a transição de uma empresa estatal voltada para
o suprimento do mercado interno, para um grande player mundial, capaz de licenciar sua
tecnologia para o aproveitamento e monetização de grandes reservas de GN.
Além da Sasol, em 1987, foi criada a Mossgas que tinha como principal objetivo
utilizar as crescentes reservas de gás do país para a produção de gasolina, diesel, querosene
iluminante e álcoois. Os motivos para a iniciativa de se construir uma planta de conversão são
diversos, desde previsões altistas para o preço do óleo cru no mercado externo até a
possibilidade de um aumento das sanções políticas e comerciais que o país estava sofrendo
desde 1963 por causa do apartheid, e justificaram um investimento totalmente arcado pelo
governo do país. Sendo assim, foi construída uma planta na região de Mossel Bay que
atualmente produz 34.000 barris/ dia dos produtos acima citados e exporta para diversos
países. A planta utiliza como insumo o gás natural produzido em campos offshore que são
transportados diretamente através de um gasoduto de 85 km de extensão.
II.4.1 – O desenvolvimento da tecnologia F-T
Em 1947 deu-se o passo inicial para o programa sul-africano de produção de
combustíveis sintéticos. A publicação do South Africa’s Liquid Fuel and Oil Act pelo governo
nacional estabeleceu as diretrizes deste programa, e, além disso, criou um órgão estatal
(Liquid Fuel and Oil Industry Advisory Board) que passou a ser o responsável pelo seu
desenvolvimento e pela política energética do país no pós guerra.
Sendo assim, três anos depois, foi criada a Sasol com o objetivo de implementar este
programa de produção de combustíveis sintéticos e dar ao país a auto suficiência no
abastecimento de insumos energéticos. Além de ter o “incentivo” geológico de não possuir
reservas significativas de petróleo e ter grandes depósitos de carvão, o programa de
combustíveis sintéticos também foi fortemente impulsionado pelo embargo internacional
imposto ao país. A redução dos fluxos de comércio externo fez com que as importações de
petróleo, que já pressionavam o balanço de pagamentos, se tornassem cada vez mais escassas.
Em 1951, a empresa começou a construir sua primeira planta, localizada no norte do
país na cidade de Sasolburg. O período de construção durou quatro anos e a planta,
denominada Sasol I, operava em baixas temperaturas, utilizava reatores slurry e catalisadores
de ferro e de cobalto. A planta produzia principalmente insumos para indústria química e
petroquímica como solventes para fabricação de tintas, butadieno e estireno para fabricação
de plástico e amônia para fertilizantes nitrogenados.
Em 1964 a empresa criou a Gascor, responsável pela construção de dutos (gasodutos e
dutos para o transporte de produtos líquidos), buscando ao mesmo tempo uma diversificação e
uma integração vertical. Já em 1966 a empresa havia conectado 250 indústrias na grande
Joanesburgo e fornecia principalmente gás e petroquímicos para elas.
Em 1969 a empresa decide começar a refinar petróleo importado e, para isso, é criada
a National Petroleum Refiners of South Africa (Natref), também em Sasolburg. O
empreendimento é construído em parceria com a francesa Total e a National Iranian Oil
Company (que com a revolução islâmica abandonou a sociedade). Esta estratégia representava
uma mudança de direcionamento da empresa, que passava a buscar o petróleo importado
como opção para o seu suprimento de combustíveis. Fica claro que a empresa estava
buscando uma complementaridade entre o petróleo natural e o sintético, impulsionada pelos
baixos preços do óleo cru no final da década de 1960, que tornavam pouco econômicas as
plantas de conversão química.
No entanto, a crise do petróleo de 1973 fez com que o governo voltasse todos os seus
esforços para o desenvolvimento do programa de combustíveis sintéticos, deixando
totalmente em segundo plano a opção de importar petróleo. Como resultado, em 1976 iniciou-
se a construção da segunda planta de conversão em território sul africano. A Sasol II,
localizada em Mpumalanga, Secunda, tinha uma capacidade de produção dez vezes maior do
que a primeira e foi concluída em 1980. A planta operava em altas temperaturas, utilizava
reatores de cobalto e, diferentemente da anterior, produzia principalmente combustíveis como
gasolina, diesel e óleos pesados. Neste período, mais especificamente em 1979, a Sasol foi
privatizada, tendo sido colocadas ações na Bolsa de Valores de Joanesburgo.
Antes mesmo da segunda planta ter sido concluída, iniciou-se a construção da terceira.
Também localizada no complexo de Secunda, a Sasol III era praticamente uma réplica da
segunda planta, utilizando a mesma tecnologia e tendo a mesma capacidade de produção.
Dando continuidade ao processo de privatização e à conseqüente diminuição da
participação estatal na empresa, a Sasol adquiriu a participação que o governo detinha (50%)
em suas duas plantas Sasol II e III. A aquisição destes ativos terminou de ser paga em 1996.
II.4.2 – A internacionalização e conclusões da experiência
Como já foi dito anteriormente, a Sasol teve o mérito de ter conseguido fazer a
transição de uma companhia totalmente voltada para o mercado interno, para aproveitar as
oportunidades oferecidas por uma expansão no mercado internacional. Aproveitando sua
grande experiência no processo de conversão química de hidrocarbonetos, a empresa se
tornou uma das líderes nesta nova fase de utilização do processo, licenciando a utilização de
sua tecnologia através da Sasol Synfuels International.
A indústria do petróleo é tradicionalmente conhecida pelas elevadas barreiras à
entrada e, além disso, todo processo inovativo requer grandes investimentos em P&D para seu
desenvolvimento. Dessa forma, a Sasol tem grandes vantagens competitivas em relação a
novos entrantes potenciais, pois já está estabelecida neste mercado e ainda tem uma longa
história na pesquisa e desenvolvimento do processo.
No seu intento de internacionalizar-se, a empresa fez uma join venture com a norte-
americana Chevron Texaco, o que facilitou sua penetração em outros mercados, além de
reduzir os riscos dos empreendimentos, agora compartilhados com outra grande corporação.
Atualmente, dois projetos internacionais da Sasol estão em andamento: um no Qatar
em associação com a estatal deste país e outro na Nigéria, em Escravos, associada com a
Chevron Texaco e a estatal nigeriana de petróleo (Nigéria National Petroleum Company-
NNPC). O projeto do Qatar tem custos estimados em US$ 800 milhões e início de operações
previsto para 2005. Sua meta principal é produzir combustíveis líquidos e outros produtos de
alta qualidade a partir das grandes reservas de gás do norte deste país, estimando-se uma
capacidade de produção de 34.000 barris/ dia, sendo que destes, aproximadamente 70% de
gasolina e diesel, 25% de nafta e os restantes 5% de gás liquefeito de petróleo (GLP). Já o
projeto de Escravos, na Nigéria, visa construir uma planta com capacidade de produção de
33.000 barris/ dia que, segundo o planejamento das empresas, entrará em operação em 2003.
Portanto, a experiência sul africana de utilização da tecnologia Fischer-Tropsch serve
como exemplo de aplicabilidade técnica e econômica, não devendo-se esquecer, no entanto,
do importante apoio estatal das primeiras décadas. Ademais, vale frisar o desafio de se
alcançar a comercialidade nas plantas gas-to-liquids desenvolvidas internacionalmente pela
empresa. Um desafio não só da Sasol, mas de todas as empresas envolvidas na exploração e
aplicação do processo.
II.5 – Conclusão do capítulo
Este capítulo teve como objetivo apresentar as experiências iniciais de utilização da
tecnologia F-T, mostrando os caminhos que seguiram e apontando as razões pelas quais
fracassaram, ou alcançaram sucesso. O papel fundamental do capítulo foi destacar a forma
pela qual a tecnologia Fischer-Tropsch foi aplicada nos anos iniciais de utilização e mostrar o
forte subsídio e apoio estatal que possibilitou a operação de algumas plantas de conversão.
Nas experiências alemã, norte-americana e japonesa, guardadas as devidas
individualidades, fica bem claro que todo o esforço de P&D tinha objetivos estratégicos, sem
atentar para os critérios econômicos de análise de projetos. Isso, de forma alguma desmerece
estas experiências, que tiveram o grande mérito de alcançar importantes avanços tecnológicos
e de comprovar a operacionalidade das plantas (com exceção do caso japonês).
Já no caso sul-africano a situação é distinta. O programa de combustíveis sintéticos,
que inicialmente era motivado somente por questões políticas e geológicas, conseguiu
alcançar o sucesso tanto nos aspectos técnicos quanto no econômico. O fato da Sasol ter
conseguido passar de uma fase de utilização da tecnologia movida por questões geopolíticas
para esta nova fase, a concede uma importante vantagem competitiva de ser a única empresa
com efetiva experiência operacional de plantas em escala comercial e a concede um
significativo status nesse novo quadro competitivo.
CAPÍTULO III – A RETOMADA DO INTERESSE PELO PROCESSO
A trajetória de desenvolvimento do processo F-T seguiu uma evolução bastante
particular. Até o período que descrevemos no capítulo anterior, o processo tinha sua aplicação
determinada por opções estratégicas de política energética, ou seja, a iniciativa de lançar
projetos de construção de plantas F-T era determinada pela disponibilidade de
hidrocarbonetos em um país e pelo preço do petróleo no mercado internacional. As
experiências de produção de combustíveis sintéticos tinham sido basicamente voltadas para a
utilização do carvão como insumo, em países com grandes reservas deste mineral e escassas
de petróleo, como Alemanha e África do Sul.
Períodos de alta do preço do óleo cru e a ausência de reservas significativas em alguns
países levavam a uma euforia e a um interesse em torno do desenvolvimento de plantas F-T,
visando-se obter a tão esperada auto-suficiência na produção de combustíveis como diesel,
gasolina e querosene de aviação. O exemplo típico é a experiência japonesa, que, numa
combinação dos dois fatores citados, ausência de reservas de petróleo e alta dos preços deste,
iniciou uma corrida para a conversão de carvão através de plantas F-T, sem planejamento de
longo prazo, nos anos 40. Essa experiência acabou sendo totalmente frustrada. A eliminação
da etapa de testes intensivos em plantas piloto acabou inviabilizando a produção em maior
escala e caracterizando uma “technological failure”, nas palavras de Anthony Stranges16.
Em suma, os motivos econômicos que usualmente levam empresas a entrar em um
mercado, tais como taxas de retorno e rentabilidade esperada, não tinham sido levados em
conta nas experiências anteriores, fortemente influenciadas por questões políticas e
estratégicas, além de refletir, algumas vezes, uma reação a tendências altistas no preço do óleo
cru.
Se na experiência alemã dos anos 30 e 40 isto fica bem claro, seja através da política
de subsídios diretos adotada pelo governo nazista nos anos de guerra em prol dos produtores
de combustíveis sintéticos, seja através das metas de expansão da produção estabelecidas por
este. No caso sul-africano a questão se coloca de maneira distinta. A decisão de iniciar a
construção das plantas de conversão química do carvão, teve, sem dúvida, motivações
16 STRANGES (1993)
políticas e estratégicas, sendo uma decisão do governo criar a estatal Sasol, porém, desde seu
início ela foi uma empresa direcionada aos lucros17, mesmo que estes tardassem a ocorrer.
A partir do início da década de 80, no entanto, começa a ocorrer um movimento de
empresas de capital privado e independentes, em direção ao mercado de conversão química de
compostos de carbono através da tecnologia F-T. Perspectivas de rentabilidade futura levaram
algumas empresas a entrar neste mercado, enxergando nele possibilidades de crescimento e
obtenção de lucros que iriam muito além das especificidades geológicas de alguns países ou
de movimentos de elevação dos preços do petróleo no curto/médio prazo.
Muitos fatores contribuíram para este movimento. Desde a constatação da dimensão e
do crescimento das reservas remotas de GN consideradas irrecuperáveis (pela impossibilidade
de levá-las aos mercados), até a elevação da regulação e das pressões ambientais que ao
mesmo tempo que criavam barreiras aos procedimentos até então usuais de queima e
ventilação do gás natural associado, pressionavam a indústria de refino por produtos de
melhor qualidade, ou seja, que tivessem menores níveis de emissão de poluentes.
Não resta dúvida de que as crises do preço do petróleo de 1973 e 1979 aumentaram a
preocupação dos países com a dependência em relação a importação de óleo cru, mas, mesmo
influenciando de alguma forma a retomada do interesse no processo F-T, ele não foi seu único
impulsionador, tendo grande importância os fatores estruturais citados no parágrafo anterior.
Portanto, tentaremos identificar aqui quais os fatores que efetivamente levaram a esta
retomada do interesse pelo processo de conversão química de compostos de carbono. O
capítulo será dividido nas seguintes seções: caracterização do renascimento, as possibilidades
pelo lado da oferta, possibilidades pelo lado da demanda e conclusões do capítulo.
III.1 – Caracterização do “renascimento”
A partir de meados da década de 80 algumas empresas, como a Rentech (1980) e a
Syntroleum (1984), foram criadas com o intuito de desenvolver, licenciar e utilizar o processo
F-T. Além disso, grandes petrolíferas mundiais, como Texaco, Exxon e Shell, que no passado
já tinham mostrado interesse pelo processo, voltaram maiores atenções para o estudo e
desenvolvimento de suas plantas piloto. Além destas, a própria Sasol, abriu seu leque de
2 “It (Sasol) was established as a profit-driven company and was funded through the Industrial Development Corporation (IDC).” – histórico da empresa, disponível no seu site www.sasol.com
atuação, se internacionalizando e passando a licenciar e operar projetos em outros países,
inclusive com utilização de catalisadores de cobalto, diferente dos que ela utilizava nas suas
plantas de conversão de carvão na África do Sul.
Já na década de 90, outras grandes empresas, como British Petroleum, Arco e Repsol-
YPF, passaram a se interessar por este mercado, mas com uma base de conhecimentos de
mercado menor do que as primeiras, recorrendo muitas vezes ao licenciamento da tecnologia
junto as firmas incumbentes ao invés de desenvolver seu próprio processo.18
Essa retomada do interesse, caracterizado por investimentos em P&D, anúncio de
novos projetos e investimentos em plantas piloto e demonstração, ocorreu baseada em
importantes fatores “motivadores”. Em outras palavras, mudanças nas condições do mercado
fizeram com que grandes empresas enxergassem o investimento em plantas GTL como uma
opção de obter retornos futuros, mesmo que o prazo para isto ainda não estivesse claro. A
identificação desta oportunidade e das mudanças das condições de mercado ocorreu sob duas
óticas: da oferta e da demanda. Novas possibilidades tanto no suprimento do gás, quanto na
introdução de produtos de alta qualidade em alguns mercados específicos impulsionaram este
renascimento do processo, e é isso que tentaremos mostrar neste capítulo
III.2 – As possibilidades pelo lado da oferta
III.2.1 – Reservas remotas
Durante o período de preços reduzidos do petróleo, o mercado de gás só se
desenvolveu rapidamente nos países onde havia uma conjunção da oferta a baixo custo
próxima a mercados consumidores, como no caso dos Estados Unidos, Argentina e Holanda,
por exemplo.
O padrão tradicional de evolução da indústria de gás começou a mudar após a
ocorrência dos choques do petróleo de 1973 e 1979, quando os países importadores líquidos
de óleo, passaram a enfrentar graves problemas de balanço de pagamentos com a elevação
18 Utilizando conceitos schumpeterianos básicos, vemos que estes primeiros entrantes visavam a obtenção de
lucros extraordinários e importantes participações no mercado que, então, era criado. Mesmo que estes
benefícios ainda não tenham sido obtidos, fica claro que o conhecimento e o know-how acumulado nestes
primeiros anos tiveram grande importância na determinação do poder de mercado de cada uma das empresas
presentes hoje neste mercado.
abrupta dos preços do petróleo. Estes países passaram a buscar alternativas para substituição
energética e, com isso, o gás natural (GN) passou a receber maior atenção, ficando mais
competitivo na concorrência inter energética.
Em função do aumento dos esforços de exploração, ocorreu um significativo aumento
das reservas de GN em países não pertencentes a OPEP e, boa parte destas, em localidades
remotas, afastadas dos centros de consumo. Em comparação com as jazidas de petróleo, que
se encontram extremamente concentradas no Oriente Médio, o que pode ser notado com o
simples fato de que 65,3 % dos recursos mundiais provados estão nesta região, as reservas
mundiais de gás natural são menos centralizadas no Golfo Pérsico. O quadro 3.1 ilustra essa
comparação entre a localização das reservas de óleo e gás.
QUADRO III.1 – Reservas Provadas de Petróleo e Gás – 2000:
Regiões Petróleo Gás Natural
América do Norte 6,1% 5,0%
América Latina 9,1% 4,6%
Europa 1,8% 3,4%
África 7,2% 7,5%
Oriente Médio 65,3% 34,9%
Ásia e Oceania 4,2% 6,9%
ex- URSS 6,3% 37,7%
Fonte : BP Statistical Review of World Energy - 2001
As reservas de GN, ademais, além de não se concentrarem em uma região geográfica
restrita, se apresentam muitas vezes em localidades isoladas e distantes de qualquer possível
centro de consumo. Portanto, grande parte das reservas mundiais de GN são remotas19.
19 Em artigo publicado no Oil & Gas Journal, Jeannie Stell deixa isto claro quando diz: “Worldwide
undiscovered natural gas resources are estimated to be more than 2.000 tcf according to the United States
Geological Survey. By all reports, a major portion of those reserves, nearly 900 tcf, is considered to be stranded
gas, located far from markets and transportation networks. Monetizing those assets is the 21st century
challenge” (STELL, J 2001)
Os volumes das reservas remotas de GN, porém ainda são motivo de controvérsia.
Sabe-se que este volume é bastante significativo, porém seu valor exato ainda é discutido.
Greene (GREENE, 1999) utiliza uma estimativa do Financial Times que propõe que das
reservas totais provadas de 141.6 Tm3, aproximadamente metade se situa distante de centros
de consumo20. Essa característica de localização implica em importantes questões econômicas
em torno do campo de gás descoberto, influindo diretamente num importante elo da cadeia do
gás natural: o transporte.
O transporte do GN das jazidas até os centros de transformação e processamento
ocorre basicamente de duas maneiras: através de gasodutos, ou através de navios metaneiros
convencionais, no estado líquido. Cada uma das opções tem pontos positivos e negativos.
Enquanto a opção por dutos envolve altos custos ambientais (afeta diretamente as populações
que residem em seu trajeto, além de causar danos de grande monta à vegetação nativa) e
também altos custos monetários; a opção de transporte do gás em estado líquido tem como pré
requisito a construção de uma planta de liquefação próxima à jazida para transformar o GN
em gás natural liquefeito (GNL), o que implica também em elevados custos.
Sendo assim, as empresas proprietárias das grandes reservas remotas tem estudado ao
longo dos anos a melhor forma de utilizar e monetizar este gás. Estudos de análise de
viabilidade mostraram ser vantajosa a aplicação de uma das duas formas de transporte citadas
acima, principalmente em alguns locais onde se encontraram imensas reservas de GN, como
no Alaska (onde mesmo com os grandes volumes ainda não se decidiu qual a melhor opção
para o aproveitamento do gás) e em Trinidad y Tobago (onde se optou pelo GNL). O
problema que se coloca é de escala. Os altos investimentos necessários para a implementação
de sistemas de transporte de gás através de dutos, ou através da cadeia GNL, necessitam de
uma alta escala para se tornarem rentáveis, mesmo que a longo prazo.
Portanto, as reservas que tem volumes razoáveis de gás, mas que numa análise do
investimento não mostravam viabilidade para construção de gasodutos ou implementação de
projetos de GNL, continuaram relegadas ao segundo plano. Além disso, nas imensas reservas
de GN onde se optou por alguma forma convencional de transporte, muitas vezes, continuou
existindo potencial para exploração do gás. Nesse contexto, a tecnologia GTL aparece como
uma ferramenta para exploração e aproveitamento desta reservas de menor porte, ou até
mesmo em complementaridade aos processos tradicionais de transporte nas mega reservas.
20 Tm3 significa tera m3, que equivale a 1012 m3.
III.2.2 – O gás queimado, ventilado e re-injetado
Países com grandes campos produtores de petróleo passaram a sofrer pressões
internacionais, seja por organismos reguladores ou ambientalistas, para dar um
aproveitamento útil ao gás associado, deixando de utilizar práticas como a queima ou
ventilação, até então usuais, que passaram a ser coibidas com a cobrança de multas e taxas.
Este problema é particularmente importante nos países do oeste da África e Oriente Médio.
Porém novamente ocorre um problema de estimação precisa do volume de gás que é
queimado, ventilado e re-injetado. Greene21 cita duas fontes que divergem quanto a estes
valores para o ano de 1995, enquanto o Oil & Gas Journal diz que do volume total de 2,84
trilhões de m3 de GN produzido, cerca de 90 bilhões de m3 (3%) são ventilados ou queimados
e outros 232 bilhões de m3 (8%) são reinjetados, somando no total mais de 325 bilhões de m3
de gás produzido e não utilizado. Já o Departamento de Energia dos Estados Unidos diz que
estes volumes são de 107,6 bilhões de m3 GN queimado ou ventilado e 311,5 biilhões de m3
re-injetados. Ainda na mesma referência bibliográfica, o autor diz que se metade do volume
de gás produzido e não utilizado fosse convertido em combustíveis líquidos, alcançaria-se
uma produção adicional de 113,6 bilhões de litros de diesel, volume superior ao total
consumido nos EUA em 1996 e suficiente para fazer um blend de 20% em todo o volume
consumido mundialmente.
Nesse contexto, as pressões ambientais aos países onde os campos de petróleo
apresentam grandes volumes de gás associado se tornaram crescentes, objetivando um
aumento da utilização e processamento do GN, até então considerado um subproduto no
processo de produção de petróleo. Além desta pressão, análises de rentabilidade mostraram
ser mais vantajoso em muitos casos o aproveitamento comercial do gás do que a sua re-
injeção no poço.
No entanto, a questão do transporte do gás novamente se impõe. Locais afastados que
sempre produziram óleo em seus campos e descartavam todo o gás associado passaram a se
deparar com o problema de como aproveitar o GN produzido em seus campos. Recentemente,
jornais de grande circulação no país publicaram matérias que tratavam deste problema
(GAZETA MERCANTIL, 3 de junho de 2002 e JORNAL DO BRASIL, 28 de maio de 2002),
enfrentado pela Petrobrás na Bacia de Campos. A empresa produz volumes significativos de
óleo que apresenta gás associado. A prática, até então usual, de queima deste gás, está agora
21 GREENE (1999), pp14.
sendo questionada. Dado este quadro de grandes reservas remotas de gás não aproveitadas em
campos já produtores de óleo mas que não aproveitavam GN, surge a necessidade de buscar
uma opção tecnológica que permita a monetização destes volumes de GN, que não a cadeia
GNL.
A opção de aproveitar este gás através da construção de plantas GTL junto aos poços
produtores parece bastante interessante. Esse aproveitamento poderia ocorrer através de
pequenas/médias plantas offshore ou onshore, que, se por um lado apresentam uma escala de
produção relativamente pequena, tem a vantagem de utilizar como insumo um gás natural a
custo extremamente reduzido, como pode ser visto na tabela 4.2. Ou seja, se por um lado a
pequena escala pode elevar os custos unitários, por outro, o reduzido preço do insumo
utilizado pode compensar esta elevação.
Estudos recentes mostram que para que a tecnologia GTL alcance a comercialidade,
será necessário que o preço do insumo esteja por volta de US$ 0,50/ Mcf , estando o petróleo
cotado entre US 15 e U$ 20, ou seja, nos três primeiros campos de gás associado a
implementação seria economicamente viável com o óleo a estes preços (GREENE, 1999).
Além de possuir as vantagens acima listadas no que diz respeito ao suprimento de
matéria-prima (monetização de imensas reservas remotas, utilização de gás até então
queimado, entre outras) esta tecnologia, possui também um importante agente incentivador
pelo lado da demanda.
QUADRO III.2 – Custo do Gás Associado em Alguns Campos Produtores :
Campo Reservas
(Bm3)
Gás
(Bm3/ano)
Preço
(US$/Mm3)
La Paz Cap Blowdown22 (Venezuela onshore) 623 21,8 0,01
Onshore Solution Gas Field (U.A E.) 315,2 11 0,03
Offshore Solution Gas Field (U.A E) 529,9 18,5 0,05
Onshore Solution Gas Field (Argélia) 452,3 15,8 0,17
Offshore Solution Gas Field (Indonésia) 58,3 2,1 0,22
Obagi Gas Cap Blowdown (Nigéria Onshore) 363,1 12,7 0,24
Offshore Solution Gas Field (Trinidad) 55,8 2 0,34
Fateh SW Injected-Gas Blowdown (UAE, 85 3,1 0,35
22 “Blowdown” se refere ao gás que não se encontra misturado ao óleo, e sim acima deste, isolado na parte mais alta do reservatório.
onshore)
Oseberg Injected-Gas Blowdown (Noruega
offshore) 1079,3 37,9 0,38
Onshore Solution Gas Field (Nigéria) 77,9 2,7 0,64
Onshore Solution Gas Close to PL (Venezuela) 15,3 0,5 0,66
Onshore Solution Gas Close to PL (Trinidad) 10,2 0,3 0,69
Onshore Solution Gas Field (Argentina) 64 2,2 0,80
Delta South Gas Cap Blowdown (Nigéria,
offshore) 305,9 10,7 0,86
Offshore Solution Gas Field (Nigeria) 38,5 1,4 0,95
Onshore Solution Gas Field (Trinidad) 10,2 0,3 1,05
La Paz Solution Gas (Venezuela onshore) 15,3 0,5 1,09
Fonte: GREENE (1999), pp. 38
III.3 – As possibilidades pelo lado da demanda
A legislação ambiental, cada vez mais severa, criou importantes mercados para
combustíveis automotivos de alta qualidade, ou seja, que apresentem baixos níveis de emissão
de poluentes. Alguns exemplos disto são o Protocolo de Kyoto e o Energy Policy Act (EPA)
de 1990, que fixaram níveis de emissão de NOx , SOx, CO, CO2 e particulados, sendo que o
primeiro estabelecia metas de diminuição da poluição atmosférica a nível global, enquanto o
segundo se aplica apenas ao contexto norte-americano. Posterior ao EPA, foi estabelecido o
California Air Resources Bureau (CARB, já citado no quadro 1.1), que limita a poluição do ar
neste estado norte-americano e estabelece metas extremamente restritivas e crescentes.
Existe, porém, uma importante diferença entre as duas formas de regulação ambiental
sobre emissões. Enquanto o EPA e o CARB estabelecem os níveis de emissão desejados para
veículos automotores, o Protocolo de Kyoto fixa metas para a poluição industrial, mais
especificamente para os processos que emitam o CFC e outros gases que afetam diretamente a
camada de ozônio. Dessa forma, não seria eficiente uma análise que contemplasse apenas um
dos lados da cadeia, o do consumo final ou o do processo de produção do combustível.
Os combustíveis sintéticos produzidos a partir do gás natural tem um duplo víeis
nesta análise. Enquanto as características de seu consumo final os qualificam como um dos
combustíveis automotores menos poluentes de que se tem conhecimento (ver quadro II.1), seu
processo de produção é bastante poluente, emitindo volumes relativamente altos de CO2 por
litro, tal como é mostrado no quadro III.3 abaixo:
QUADRO III.3 – Níveis de Emissão em Diferentes Processos de Produção de Diesel :
Tipo de Diesel Emissão de CO2 na produção (gramas/litro)
Convencional U.S # 2 0,425
Diesel da Califórnia 0,445
Diesel da Suécia 0,473
Diesel 100% F-T (1995) 1,266
Diesel 100% F-T (2015)23 0,874
Diesel 20% F-T (2015) 0,546
Fonte : GREENE (1999), pp 27
Portanto, para que se alcance um nível de emissão reduzido em todo o ciclo produtivo
do combustível, será necessário promover uma mistura de combustíveis sintéticos com os
produzidos a partir do petróleo em processos convencionais, para que os benefícios
ambientais na utilização final de um deles, seja mesclado aos encontrados no processo de
produção de outro. Em outras palavras, a utilização do diesel 100% F-T, mesmo sendo a
opção que se apresenta como a ambientalmente melhor na combustão final, não é a mais
adequada, por incorrer em altos índices de emissão em sua produção. Greene, propõe que a
combinação ideal seria um blend de 20% F-T e 80 % de diesel produzido nos processos
tradicionais (GREENE, 1999, pp 27), que teria como resultado um nível de emissão em, todo
seu ciclo, mais reduzido do que opções como gasolina ou 100% puro diesel convencional.
Portanto, nota-se que, apesar dos malefícios ambientais incorridos no seu processo de
produção, os combustíveis sintéticos F-T são efetivamente uma opção para elevação das
restrições aos níveis de emissão. Todos os testes feitos em plantas F-T experimentais ou piloto
comprovaram a grande qualidade de seus produtos que, em um mix com os já utilizados
levaria a ganhos significativos em todo o processo.
III.4 – Conclusões
23 O autor considera possíveis avanços tecnológicos na produção de combustíveis sintéticos ao longo de duas décadas, que venham a viabilizar essa melhora significativa na emissão de CO2. Deve-se destacar que este valor apresentado é meramente especulativo, não havendo nenhuma comprovação de que efetivamente será alcançado em 2015.
Vimos, então, que a retomada do interesse das empresas pelo processo F-T e pelas
plantas de conversão de gás a líquidos, ocorrida a partir da década de 1980, se fundamentou
em oportunidades tanto pelo lado da oferta de insumos quanto pelo lado da identificação de
importantes nichos de mercado para produtos menos poluentes. A partir dos choques de
petróleo da década de 70, os esforços de empresas e países não pertencentes à OPEP na área
de upstream acabaram levando à descoberta de volumes significativos de gás em regiões
remotas, de difícil aproveitamento. Por outro lado, a elevação das pressões ambientais ao
mesmo tempo em que criou importantes nichos de mercado para combustíveis mais “limpos”,
elevou fortemente as restrições à queima e ventilação do gás natural associado, fazendo com
que as empresas produtoras de óleo buscassem uma solução para este gás.
A conjunção destes fatores, aparentemente independentes, alterou a configuração do
mercado e criou oportunidades para aplicação da tecnologia F-T através da construção de
plantas GTL. Estas passaram a se caracterizar como uma importante ferramenta para
monetizar as crescentes reservas remotas de GN e, ao mesmo tempo, reduzir os níveis de
emissão de particulados e outros poluentes, justificando, assim o interesse de grandes
petrolíferas e empresas de tecnologia no seu desenvolvimento.
CAPÍTULO IV – ANÁLISE SOB A ÓTICA DA TEORIA DA INOVAÇÃO E A
CONCORRÊNCIA INTRA TECNOLÓGICA
Dado o exposto no capítulo anterior, estariam em cena alguns fatores que, em
conjunto, fizeram com que grandes empresas do setor petrolífero e do setor químico
voltassem suas atenções para a tecnologia de conversão química do gás natural, promovendo
estudos de viabilidade da construção de plantas, chamadas de “Gas-to-Liquids”, em diferentes
locais do globo.
Esse novo foco por parte das grandes empresas petrolíferas foi algo realmente
significativo, e a importância dada ao desenvolvimento de novas plantas piloto gas-to-liquids
foi efetivamente muito grande, o que podemos perceber nesta frase, presente na página inicial
do site da BP Latin America:
“Looking into the future, BP envisions an economy powered principally by natural
gas. We call this vision ‘The Gas Economy - Our 2020 Vision for a World Powered by
Natural Gas’. Gas-to-Liquids is not only a key option for bringing gas to market, it is the key
to the ‘Gas Economy’ "24
A busca da comercialidade da tecnologia é a questão que se coloca atualmente. O
elevado volume de recursos empregado em P&D, tanto pelas grandes petrolíferas quanto
pelas licenciadoras como Rentech e Syntroleum, reflete essa busca.
Outro bom exemplo desta retomada do interesse é o programa chamado “Advanced
Gas Conversion for the 21st Century” (AGC-21), desenvolvido pela Exxon Mobil. Iniciado
em 1981, o programa já destinou mais de US$ 400 milhões a pesquisas, incluindo plantas
piloto e projetos como o que a empresa possui no Qatar. Este projeto se consolidou por volta
de junho de 2001, com a assinatura de uma carta de intenções entre a empresa e a estatal deste
país. Seu objetivo principal é a elaboração de um estudo técnico que aponte as possibilidades
de aproveitamento das reservas do norte do país através da construção de uma planta GTL.
Seria desnecessário ocupar estas páginas com outros exemplos ilustrativos, mas
certamente, poderíamos fazê-lo utilizando notícias e informações de projetos de empresas
como Shell, Chevron Texaco, Arco, entre outras.
24 Página inicial do item Gas Economy em www.bpgas-latinamerica.com
IV.1 – Aplicação da teoria da inovação
O ciclo de vida da tecnologia F-T está agora bem caracterizado. Tendo sido criada no
início dos anos 20, ela foi utilizada pela primeira vez em maior escala no período da II Guerra
Mundial pela Alemanha. Recebendo incentivos diretos do governo nazista, e contando,
inclusive, com elevado percentual de trabalhadores advindos de campos de concentração, a
tecnologia se inseriu no planejamento estratégico de guerra. A importância econômica do
suprimento de combustíveis como diesel, gasolina e querosene de aviação numa situação
como a que se colocava, levou a sua aplicação nos anos iniciais.
Outras experiências, como a norte-americana e a japonesa, sempre estiveram focadas
na diminuição da dependência externa em relação à importação de derivados, preocupados
principalmente com problemas de balanço de pagamentos em situações conjunturais que
levassem a alta do preço do óleo cru e com dificuldades de suprimento nos mercados
internacionais. Ou seja, questões de ordem estratégica eram o motivo principal que levavam a
uma política de incentivos a uma tecnologia que não apresentava nenhuma perspectiva de
comercialidade.
A experiência sul-africana nos anos 50, foi o primeiro projeto que efetivamente
buscava rentabilidade e obtenção de lucros, estando, porém ainda baseada numa grande
disponibilidade de carvão e escassez de petróleo no país de origem. Apesar de afirmar essa
busca de lucros desde os anos iniciais, o projeto sul-africano foi ancorado numa empresa
estatal25, seguindo, portanto, objetivos maiores para a nação, que iam além da mera
rentabilidade do negócio.
Sendo assim, é nos anos 80 e 90 que empresas começam a vislumbrar possibilidades
futuras de utilização do processo F-T de forma comercial. Sem motivos geológicos ou
geopolíticos, empresas voltam sua atenção para pesquisa e desenvolvimento em torno do
processo, somando grandes montantes investidos em busca da comercialidade de um processo
que eles passaram a acreditar que pudesse ter boas perspectivas de retorno.
Fazemos, então, um paralelo com a teoria da inovação tecnológica, utilizando
principalmente o trabalho de Utterback (UTTERBACK,1996) como fonte bibliográfica.
25 O processo de privatização da Sasol foi concluído em 1979, com lançamento de ações na bolsa de Johanesburgo.
Segundo este autor, o processo de inovação se divide em três fases: fluida, transacional e
comercial.
A fase fluida ocorre nos anos iniciais após a criação de um produto ou processo por
uma firma inovadora. Um novo mercado começa a se formar em torno deste, atraindo um
número elevados de entrantes que visam obter participações neste novo mercado. O número
de entrantes é maior quão menor forem as barreiras à entrada neste mercado, ou seja quão
menores forem as barreiras técnicas e de capital.
No caso da tecnologia F-T (assim como em todos os outros setores ligados à indústria
de petróleo e gás), as elevadas barreiras técnicas e de capital são características evidentes, o
que leva a uma significativa redução do número de entrantes na fase fluida. O conhecimento
acumulado pelas empresas que estão a quase duas décadas estudando o processo (ou até
operando plantas piloto, como no caso da Exxon Mobil) e os elevados montantes investidos
por elas não permite a entrada de “aventureiros” e de empresas de pequeno porte neste
mercado.
Voltando ao instrumental teórico de Utterback, passemos à segunda fase, chamada de
transicional. Esta fase seria caracterizada pela busca de um design dominante para o produto
ou processo criado, ou seja uma forma que seja reconhecida por todos os agentes (ou por
grande parte deles) como a mais adequada e eficiente devido a suas características
particulares, propiciando portanto o retorno mais elevado.
Na fase fluída, o grande número de entrantes leva a ocorrência de vários designs, cada
um apontando para uma direção diferente. Já na fase transicional este leque de opções começa
a se restringir e alguns modelos começam a exercer uma certa dominância, apresentando
melhores características em relação aos concorrentes. Há uma tendência natural a redução do
número de participantes no mercado já que começa a ocorrer um afunilamento em torno de
um design dominante.
O surgimento deste design dominante pode ser caracterizado como o divisor de águas
em qualquer processo de inovação, sua ocorrência é fundamental na medida em que
representa, muitas vezes, a comprovação da comercialidade do invento. A duração e a forma
como esta fase se encerra são dois fatores fundamentais.
Se sua duração começa a se estender por muitos anos, e até décadas, as empresas, após
investirem montantes vultuosos na busca de um produto com as características ótimas
requeridas pelo mercado, podem desistir de tentar alcançar esta meta, concluindo que ela é
inalcançável. Por outro lado, a dominância pode ser alcançada num curto espaço de tempo,
reduzindo-se os investimentos em P&D.
Já a forma pela qual a fase transicional se encerra determina efetivamente o
prosseguimento, ou não, da vida do produto. Se ela se encerra com a determinação da
dominância de um determinado modelo ou processo, passa-se automaticamente para a fase
seguinte, por outro lado, caso não se determine uma dominância, o processo inovativo pode
ser encerrado ainda na fase fluida, não se alcançando nenhuma comercialidade. Alguns dos
designs alternativos que competiam nesta fase podem, no máximo, ser utilizados em certos
nichos de mercado, não sendo comprovada a sua aplicação em mercados mais amplos26.
Já na fase comercial, a empresa que desenvolve o design dominante passa a desfrutar
de significativas vantagens competitivas, protegendo-se com o aparato legal de proteção à
propriedade intelectual. Esta empresa passa a dominar quase que totalmente o novo mercado,
até então disputado por várias outras, desenvolvendo um padrão a ser seguido pelas
concorrentes. Para que esta liderança e os benefícios dela derivados se efetivem, o papel das
instituições de proteção à propriedade intelectual é fundamental. A propriedade de patentes e
a duração destas é o que permite ao líder usufruir de benefícios como grandes market shares e
“lucros extraordinários”27.
No caso da tecnologia F-T, todos as empresas atuantes no mercado utilizam a mesma base
tecnológica que, por ter sido criado há mais de oito décadas, não tem mais patentes válidas
26 O caso dos automóveis elétricos é um exemplo típico disto, após anos de estudos da tecnologia, sua
comercialidade não conseguiu ser comprovada, ficando sua utilização restrita a pequenos nichos, como o uso em
campos de golfe. Devemos destacar que o fato de uma tecnologia ser, hoje, aplicada a um nicho, não impede que
num período futuro ela se torne dominante. Ou seja, este atributo de dominância não é, de forma, alguma
estático, sendo tão dinâmico quanto o mercado que se analisa.
27 Um caso típico de falha na questão de inovação na proteção de patentes é a criação dos microcomputadores
IBM. Sendo líderes no processo de criação dos computadores pessoais, uma inovação radical de produto que
alterou completamente o mercado, a empresa acabou perdendo progressivamente sua liderança por não ter uma
proteção adequada de sua criação e permitir, assim, a existência dos designs “IBM compatible”.
para seus criadores. Por sua vez, as inovações incrementais que se seguiram ao surgimento do
processo e podem levá-lo à comercialidade, estão protegidas pela legislação internacional
sobre propriedade intelectual, tendo suas patentes registradas nos Estados Unidos.
Terminada esta exposição, que se fez necessária, sobre as três fases do processo de
inovação, passaremos a abordagem do período efetivo de criação da tecnologia F-T sob esta
ótica.
IV.2 – Cronologia da inovação
O início da década de 1920 marcou o nascimento da tecnologia de conversão química
de compostos de carbono. Nesta época, Fischer e Tropsch criaram o processo que converte
diversos tipos destes em combustíveis líquidos claros e especialidades químicas, após uma
experiência da BASF de hidrogenação do carvão. Neste período, devido a necessidades
estratégicas das nações, não se percebeu um grande fluxo de novos entrantes no mercado,
nem tampouco a busca de uma dominância de design com afinco. Como os objetivos iniciais
eram majoritariamente políticos o desenvolvimento do processo acabou se distanciando da
trajetória “usual”, proposta por Utterback, que se aplica a inovações num ambiente
concorrencial, de mercado.
Em outras palavras, desenvolveu-se uma tecnologia que era extremamente interessante
para o país devido a condições conjunturais. Isso fez com que governos nacionais
protegessem e subsidiassem este processo, voltando esforços para sua aplicação
principalmente por motivos estratégicos e geopolíticos. A comercialidade, além de muito
distante, não era tida como objetivo principal. Sendo assim, as fases posteriores de
desenvolvimento da inovação ocorreram num período imediatamente seguinte à invenção da
tecnologia F-T.
Devido à falta de perspectiva de aplicação comercial, ou do aparecimento de qualquer
outro fator que pudesse levar a esta, a tecnologia acabou ficando restrita à fase inicial de
desenvolvimento. Fatores políticos levaram alguns governos nacionais a intervir ativamente
no seu desenvolvimento quando ainda se encontrava numa fase claramente fluida, o que pode
ter contribuído para que não se alcançasse ao menos a fase transicional, já que nesses anos
iniciais o processo F-T estava longe de apresentar características de concorrência de mercado
entre seus agentes. Além disso, essa intervenção acabou por balizar uma trajetória de
desenvolvimento específica, a conversão de carvão para produção principalmente de diesel.
Caso seu desenvolvimento tivesse se dado sem a intervenção, esta poderia, ou não, ter sido a
trajetória tecnológica natural a percorrer.
No entanto, a diminuição do investimento e da atenção de governos federais no
desenvolvimento do processo, a partir da segunda metade da década de 1950, levou a seu
quase completo desaparecimento. Isso nos mostra que a intervenção estatal dos anos iniciais
foi responsável direta por sua utilização e aplicação já que opção de conversão do carvão não
foi largamente adota pelo mercado após a escassez das verbas federais.
Posteriormente, após décadas de sua criação, há uma retomada do interesse pela
tecnologia, seguindo agora uma trajetória diferente, a conversão do gás natural. Impulsionada
pela identificação de novas oportunidades estratégicas (abordadas no capítulo anterior, seções
III.2 e III.3), seja por causa da necessidade de monetização das reservas remotas de GN, seja
por pressões ambientais, o processo F-T reaparece. Partindo de uma fase totalmente fluida a
tecnologia ressurge, podendo agora sim ser inserida no escopo da análise das fases da
inovação.
Ou seja, seu “nascimento econômico”, seguindo a perspectiva da teoria da inovação,
efetivamente ocorre no início dos anos 80, e não nos anos 20. Sua evolução cronológica,
portanto, diverge totalmente de sua evolução como uma inovação radical de processo. A
passagem de sua criação para uma fase fluida, depois uma transicional e, por fim uma
comercial, só se esboçou neste novo ciclo de desenvolvimento do processo28.
É claro que quando analisamos qualquer setor industrial ligado ao setor petróleo, as
barreiras à entrada devidas aos elevados volumes de capital necessários devem ser
consideradas. Isso significa que a fase fluida, que na indústria de calçados ou de lâmpadas
poderia ter dezenas de entrantes, no setor de petróleo o número de entrantes dificilmente
passará alcançará uma dezena.
No caso da exploração da tecnologia F-T, o número de players nunca foi grande por
dois motivos principais. Além dos elevados custos de capital já citados, a base de
conhecimentos acumulados por empresas que já haviam se interessado por este processo,
como Exxon Mobil e Texaco, proporcionava a estas uma importante vantagem, formando
28 Não pretendo afirmar aqui uma relação direta e imutável de causalidade que proponha que as tecnologias ou setores industriais que sejam fortemente subsidiados em seus anos iniciais não possam alcançar uma fase comercial. No caso do processo F-T isso ocorreu, mas, de forma alguma, podemos generalizar para a totalidade
uma espécie barreira a novos entrantes. Sendo assim, as fases fluida e transicional não devem
apresentar uma diferença grande no número de participantes.
Após quase duas décadas de retomada dos estudos, a indústria GTL se encontra num
estado intermediário caracterizado pela busca da dominância de design numa concorrência
intra tecnológica. A partir de muitos estudos em laboratórios, a indústria se defrontou com
alguns caminhos pelos quais pode seguir.
IV.3 – A concorrência intra tecnológica: rumos e perspectivas
A concorrência intra tecnológica tem um papel fundamental na determinação dos
rumos e perspectivas que a tecnologia GTL pode seguir. É natural que, estando na fase
transicional de seu desenvolvimento, ocorram algumas questões sobre os caminhos que
devem ser seguidos pela indústria. Atualmente elas se concentram em três pontos principais:
qual tipo de catalisador deve ser utilizado, os de ferro ou os de cobalto. Qual a escala de
planta que pode proporcionar os melhores retornos: menores e mais voltadas para reservas
remotas de tamanho médio/pequeno (inclusive offshore) e reservas de gás associado, ou
plantas maiores para o aproveitamento das grandes reservas em conjunto com outras vias
tradicionais como GNL e gasodutos. E, por fim, qual a linha de produtos mais adequada.
A escolha do tipo de catalisador utilizado não é uma questão muito controversa na
construção de plantas GTL. Como já foi dito no capítulo I, o ferro é um metal mais resistente
á contaminação por enxofre e outros poluentes do que o cobalto, por isso sua utilização é mais
adequada em plantas que usem insumos mais poluentes, como o carvão por exemplo. No
entanto, sua utilização não está restrita às plantas que utilizam este insumo, outros motivos
podem impulsioná-la (ver seção I.2.1 para maiores detalhes). O tipo de metal utilizado tem
uma importância relativamente alta no desenvolvimento das plantas e na análise de sua
viabilidade econômica, por isso, a definição do tipo de catalisador que melhor se adequa ao
projeto não deve, de forma alguma, ser deixada em segundo plano.
Já a questão da escala das plantas é um ponto importante de discussão. Se por um lado
as grandes petrolíferas apostam no desenvolvimento de plantas com escalas cada vez maiores
visando a redução do custo unitário de produção e o retorno sobre os grandes investimentos
necessários, outros atores crêem que o desenvolvimento futuro do processo ocorrerá centrado
dos setores econômicos. O argumento de proteção à indústria nascente é um instrumental teórico que, por si só, acaba com esta relação de causalidade que pode ser erroneamente inferida.
em plantas eficientes em escalas menores, que sejam adaptadas ao nicho de mercado de
pequenos campos de gás irrecuperáveis e pequenas reservas de gás associado em áreas
remotas. Esta segunda opção contempla, inclusive, pequenas plantas embarcadas que possam
utilizar o GN de campos offshore. As plantas da Syntroleum, com escalas de produção
variando de 2.000 até 10.000 barris/ dia, representam esta tendência de evolução, enquanto as
desenvolvidas por empresas petrolíferas, com escala de produção em torno de 80.000 barris/
dia, refletem bem a busca de redução dos custos unitários de produção. O caminho pelo qual a
indústria de combustíveis sintéticos irá se desenvolver ainda não está claro e foge do nosso
escopo de estudo tentar traçar qualquer projeção a este respeito. No entanto, fica claro que, se
por um lado as pequenas plantas são aplicáveis a um número significativamente maior de
localidades e campos, o que pode lhe conceder vantagens competitivas, por outro lado as
grandes plantas contam com o background financeiro de grandes corporações que, além disso,
as utilizam para monetizar reservas de sua propriedade, o que pode lhes conferir maior
credibilidade.
Por fim, a questão da linha de produtos também merece atenção. São duas as opções:
produzir combustíveis claros com excelentes características ambientais ou concentrar a
produção em especialidades químicas e insumos petroquímicos. Em todas as experiências
desenvolvidas até o momento, não houve uma opção clara de priorizar uma das linhas de
produtos, no entanto, avanços tecnológicos no processo tradicional de refino que possibilitem
a produção de combustíveis com propriedades semelhantes aos sintéticos, pode fazer com que
as refinarias tradicionais passem a concorrer pelos mesmos mercados que os combustíveis das
plantas GTL. Neste contexto, a opção de priorizar a produção de especialidades químicas (que
oferecem preços sensivelmente mais altos, mas tem sua aplicação restrita a alguns nichos)
poderia ser uma forma de diminuir este risco de perda de mercado. No curto/ médio prazo, as
empresas que estudam a tecnologia GTL não deverão ter grandes preocupações com esta
questão na medida em que os investimentos no setor de refino estão reduzidos e, com isso,
não se vislumbra a possibilidade de melhoria significativa na qualidade de seus produtos,
contudo, no longo prazo é interessante ter um mix de produtos relativamente diversificado
para que se reduza os riscos de perda em um dos mercados que a empresa atue.
IV.4 – Conclusões
Vimos então neste capítulo que o processo de criação da tecnologia de conversão
química de compostos de carbono tem que ser analisada sob duas perspectivas. Por um lado
sua criação ocorreu nos idos da década de 1920, com as experiências iniciais de aplicação
sendo fortemente subsidiadas e incentivadas pelos governos nacionais. Isto acabou mantendo
o processo afastado de um ambiente concorrencial de mercado e fazendo, consequentemente,
que não se pudesse caracterizar a fase de desenvolvimento tecnológico como fluida,
transicional ou comercial. Em outras palavras, a “redoma” dentro da qual a tecnologia foi
mantida fez com que ela não tenha sido explorada por um número grandes de empresas, tendo
seu processo de evolução um tanto quanto prejudicado.
Já sob outra perspectiva, percebemos a criação “econômica” da tecnologia ocorrendo
na década de 1980. Sendo agora totalmente incentivado por fatores de mercado, o interesse de
várias empresas em torno da utilização do processo é uma realidade, principalmente a partir
da segunda metade desta década. A percepção de que algumas mudanças na configuração do
mercado e da cadeia de insumos energéticos pudesse tornar o processo viável, e rentável a
longo prazo, foi o que impulsionou essa retomada do interesse.
Nessa segunda fase de interesse não existe mais a “redoma” de proteção
governamental e, mesmo assim, os investimentos no desenvolvimento tecnológico do
processo se intensificam. Sua trajetória, agora sujeita às forças de mercado, passou a se
enquadrar no instrumental teórico de Utterback, se encontrando numa fase intermediária
(transicional) que se caracteriza pela busca de um design dominante e pela relativa redução do
número de atores.
Essa busca se caracteriza por um processo de concorrência intra tecnológica de
extrema importância. Questões relativas a escala ideal das plantas, ao tipo de catalisador
utilizado e a linha de produtos são os três principais focos de competição. Apontamos, então,
quais caminhos se abrem para a tecnologia GTL e como pode ser seu desenvolvimento em
cada um dos caminhos apontados.
CONCLUSAO
Este trabalho chega, então, a suas principais conclusões. Inicialmente apresentamos ao
leitor as principais características técnicas do processo de conversão química de compostos de
carbono. Mostramos que o processo de produção se divide, basicamente, em duas etapas: a
produção do gás de síntese, que ocorre em um primeiro reator onde se misturam oxigênio (ou
ar atmosférico), vapor d’água e carbono, podendo, ou não, haver a presença de um
catalisador; já na segunda etapa este gás de síntese é introduzido em um outro reator, agora
com a presença necessária de um catalisador, para que se produza o óleo sintético e as
especialidades químicas.
Na etapa seguinte, após a apresentação das especificidades técnicas do processo,
foram destacadas suas experiências iniciais de aplicação, ocorridas na Alemanha, Estados
Unidos, Japão e África do Sul. O principal objetivo foi mostrar como os programas de
combustíveis sintéticos eram sustentados pelos governos nacionais, ressaltando que sem os
inúmeros incentivos oferecidos eles nunca teriam chegado a entrar em operação. Por outro
lado, também vale destacar o sucesso tecnológico das experiências alemã e norte-americana
que, apesar de não terem alcançado a capacidade total de produção em algumas plntas,
mostraram que essa era uma opção tecnicamente viável de se obter combustíveis claros e
especialidades químicas utilizando um insumo que não o petróleo, mesmo que os aspectos
econômicos desencorajassem essa opção naquele momento. Ademais vale citar o caso sul
africano como o elo da transição de uma fase para outra, a empresa que conseguiu manter
suas operações mesmo num período onde os estudos e pesquisas em torno do processo de
reduziram bastante, e agora, aproveita o conhecimento adquirido ao longo de cinco décadas
de operação efetiva para se caracterizar como um dos principais atores do mercado.
Em seguida mostramos a retomada do interesse pela tecnologia ocorrido na década de
1980. Depois algumas décadas de “esquecimento”, refletido pela diminuição do interesse em
estudos e constrição de plantas, o interesse pelo processo é retomado. Uma nova configuração
do mercado, com mudanças tanto pelo lado da oferta quanto pelo da demanda, fizeram que
grandes empresas voltassem a investir na conversão química de hidrocarbonetos, e que outras
fossem criadas somente com essa finalidade. Sem a “redoma” da proteção e dos incentivos
estatais, os programas de pesquisa em torno da tecnologia eram agora baseados em
expectativas futuras de rentabilidade, e não somente para suprimento de combustíveis em
situações conjunturais pouco favoráveis
Sendo assim, podemos caracterizar este segundo período de interesse e exploração
do processo como sua efetiva criação “econômica”. Passando de uma fase completamente
fluida no início dos anos 80, o processo chega agora numa fase transicional. As linhas de
pesquisa estão bem definidas e o processo de concorrência intra tecnológica por um design
dominante está em curso. Apontamos no capítulo final quais são estas linhas de pesquisa,
mostrando como a concorrência intra tecnológica pode influenciar decisivamente a evolução
futura da aplicabilidade do processo. Não tentamos aqui indicar um caminho pelo qual o
processo irá seguir, mas sim apontar as diversas possibilidades e destacar como o processo
evoluiria em cada uma delas.
Concluímos então que as oportunidades de mercado surgidas nos anos 80 e 90, aliadas
ao grande desenvolvimento tecnológico do processo, foram os responsáveis pela retomada do
interesse que se presencia e, também, pelas boas perspectivas de aplicação futura traçadas
pelas empresas participantes deste mercado e por alguns importantes organismos
governamentais.
Dessa forma, buscamos, mais do que simplesmente identificar os fatores responsáveis
pelo renascimento do processo Fischer-Tropsch, analisá-los e mostrar, através da exposição
das possibilidades na concorrência intra tecnológica, as vias pelas quais o desenvolvimento
do processo poderá seguir nos próximos anos, apontando, ou não, para a comercialidade das
plantas GTL e para a efetivação do seu grande potencial de alterar toda a relação de forças
atual do setor de óleo e gás.
ANEXO I: Volume de Gás Natural ventilado, queimado e re-injetado:
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
Europa
Bilh
ões
de m
3
re-injetadoventilado e queimado
Fonte : GREENE (1995) pp.40
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Oil & Gas Journal – www.ogj.pennet.com
Fischer-Tropsch Archives – www.fischer-tropsch.org
Mossgas- www.mossgas.com