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2011 HISTÓRIA REGIONAL Prof. Cesar Augusto Jungblut

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2011

História regional

Prof. Cesar Augusto Jungblut

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Copyright © UNIASSELVI 2011

Elaboração:

Prof. Cesar Augusto Jungblut

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:

981.64J95h Jungblut, Cesar Augusto.

História regional / Cesar Augusto Jungblut. Indaial : Uniasselvi, 2011.

182. p.: il

Inclui bibliografia.ISBN 978-85-7830-427-0

1. História Regional I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título

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III

apresentaçãoCaro(a) acadêmico(a), neste Livro de Estudos você irá estudar a

disciplina de História Regional. Essa disciplina diferencia-se um pouco das outras estudadas até agora. Isso se dá pelo fato de que a História Regional não é algo tão presente nos cursos de História e no Ensino Básico.

Também queremos alertar que o Livro tem uma boa parte dele

dedicado a questões teóricas, importantes para a formação de um bom Professor de História.

A história ao longo dos últimos tempos vem recebendo a influência de múltiplas abordagens, como você já estudou na disciplina de Processos Historiográficos, ou seja, o fazer histórico na atualidade tem várias formas de compreender o passado. Aqui, estudaremos algumas questões ligadas à História Regional que o (a) ajudarão a pensar questões teóricas sobre o tema e relacioná-las com seu contexto mais próximo.

Também focamos em questões de conteúdos, como alguns eventos regionais da nossa História.

Nesse sentido, abordaremos questões relacionadas diretamente com a História Regional. Na Unidade 1 você estudará a História Regional e Região. Já na Unidade 2 estudaremos a aproximação da História Local e Regional e suas comparações com a escala nacional e global. Veremos também como trabalhar essas questões no ensino de História. Por fim, na Unidade 3 destacaremos alguns eventos regionais da nossa História.

Caro(a) acadêmico(a), é importante que você leia todo o material, faça as atividades, discuta com seus colegas. Procure ir além deste Livro de Estudos no seu aprendizado. Quando tiver dúvidas, procure a UNIASSELVI para saná-las. Desejo-lhe um ótimo estudo!

Prof. Cesar Augusto Jungblut

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IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

UNI

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UNIDADE 1 - ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIAREGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL .................. 1

TÓPICO 1 - ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL ............................................................ 31 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 32 DEFINIÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA REGIONAL .............................................................. 33 CONSIDERAÇÕES SOBRE HISTÓRIA REGIONAL ............................................................... 8LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 12RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 16AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 17

TÓPICO 2 - O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS ........................................ 191 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 192 ORIGEM DO TERMO REGIÃO .................................................................................................... 193 O CONCEITO DE REGIÃO NA IDADE MODERNA ............................................................... 204 O CONCEITO DE REGIÃO NA IDADE CONTEMPORÂNEA .............................................. 21LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 22RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 27AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 28

TÓPICO 3 - A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO ................................................ 291 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 292 ALGUNS CONCEITOS DO TERMO REGIÃO........................................................................... 29LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 35RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 39AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 40

TÓPICO 4 - A APROXIMAÇÃO DA HISTÓRIA LOCALCOM A HISTÓRIA REGIONAL ................................................................................. 41

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 412 HISTÓRIA LOCAL............................................................................................................................ 41LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 46RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 48AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 49

TÓPICO 5 - A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕESCOM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL ............................................................... 51

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 512 A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL ................................................................................................. 51RESUMO DO TÓPICO 5..................................................................................................................... 58AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 59

sumário

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VIII

UNIDADE 2 - HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIAE HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL ........ 61

TÓPICO 1 - O QUE A HISTÓRIA COMPARADA TEM AVER COM A HISTÓRIA REGIONAL ....................................................................... 63

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 632 HISTÓRIA COMPARADA .............................................................................................................. 63LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 65RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 69AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 70

TÓPICO 2 - AS ABORDAGENS DA MICRO-HISTÓRIA E SUARELAÇÃO COM A HISTÓRIA REGIONAL ............................................................ 71

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 712 MICRO-HISTÓRIA ........................................................................................................................... 713 MICRO-HISTÓRIA E HISTÓRIA REGIONAL .......................................................................... 74LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 77RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 79AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 80

TÓPICO 3 - A AFINIDADE ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA ................................................. 811 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 812 A RELAÇÃO ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA ......................................................................... 81LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 85RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 89AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 90

TÓPICO 4 - O USO DA HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃODA HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL ...................................................................... 91

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 912 O QUE É HISTÓRIA ORAL ............................................................................................................ 913 COMO A HISTÓRIA ORAL PODE SER UTILIZADA NO ESPAÇO ESCOLAR? ............ 93LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 94RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 95AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 96

TÓPICO 5 - METODOLOGIA PARA ENSINAR HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL ........... 971 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 972 PARA COMEÇO DE CONVERSA ................................................................................................. 973 AS POSSÍVEIS ABORDAGENS DE ENSINO ............................................................................ 984 ENSINANDO DIFERENTE ............................................................................................................. 1005 ALGUMAS PALAVRAS FINAIS ................................................................................................... 104LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 105RESUMO DO TÓPICO 5..................................................................................................................... 107AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 108

UNIDADE 3 - CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAISDA HISTÓRIA BRASILEIRA .................................................................................. 109

TÓPICO 1 - CABANAGEM: REVOLTA POPULAR NO PARÁ ................................................. 1111 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1112 UMA REVOLTA POPULAR? ......................................................................................................... 112

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3 O INÍCIO DA CONTENDA ........................................................................................................... 113LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 116RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 120AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 121

TÓPICO 2 - A REVOLUÇÃO FARROUPILHA: UMAREVOLTA REGIONAL E DE ELITE ........................................................................... 123

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1232 ENTENDENDO O PANO DE FUNDO DA REVOLUÇÃO ...................................................... 1243 QUESTÕES POLÊMICAS E O FINAL DO CONFLITO ............................................................ 127RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 134AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 135

TÓPICO 3 - A SABINADA E A BALAIADA NO CONTEXTO REGIONAL ........................... 1371 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1372 SABINADA: UMA REBELIÃO DIFERENTE NO IMPÉRIO ................................................... 1373 AS CAUSAS DA REVOLTA E SEUS DESDOBRAMENTOS ................................................... 1384 UMA QUESTÃO PERTINENTE ..................................................................................................... 1405 BALAIADA: A REBELIÃO SERTANEJA ...................................................................................... 1416 A COMPREENSÃO DO CONFLITO ............................................................................................. 1427 COMEÇA O CONFLITO .................................................................................................................. 144LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 147RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 151AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 152

TÓPICO 4 - GUERRA DE CANUDOS: A LUTA DE UM POVO NA BAHIA .......................... 1531 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1532 A REPÚBLICA E SUAS FRAGILIDADES .................................................................................... 1543 ANTÔNIO CONSELHEIRO E SEUS SEGUIDORES ................................................................. 156LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 159RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 162AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 163

TÓPICO 5 - CONTESTADO: MESSIANISMO E QUESTÕESREGIONAIS NO SUL DO BRASIL ............................................................................ 165

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1652 CONFLITOS HISTÓRICOS ............................................................................................................ 1653 QUESTÃO SOCIAL E MESSIÂNICA ........................................................................................... 167LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 171RESUMO DO TÓPICO 5..................................................................................................................... 173AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 174REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 175

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UNIDADE 1

ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO

LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• conhecer as características da História Regional no contexto historiográfico;

• identificar as principais mudanças ocorridas com o conceito de região;

• compreender o conceito de região para a História.

Esta unidade está dividida em cinco tópicos e em cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL

TÓPICO 2 – O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS

TÓPICO 3 – A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO

TÓPICO 4 – A APROXIMAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL DA HISTÓRIA REGIONAL

TÓPICO 5 – A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL

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TÓPICO 1UNIDADE 1

ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL

1 INTRODUÇÃO

2 DEFINIÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA REGIONAL

Trabalhar com a História Regional implica analisar uma determinada singularidade em meio a uma totalidade, sob um “movimento dialético entre o pequeno e o grande acontecimento, para não cair no erro de relativizar os acontecimentos, idealizando grupos e acontecimentos”. (CAPRINI, 2010).

Caro(a) acadêmico(a), tendo em vista que esta disciplina tratará de temas que são pertinentes à História Regional, é fundamental pensarmos em uma significação para o que se define como História Regional, discorrendo sobre seus aspectos conceituais e teóricos. Acompanhe!

Você já deve ter lido ou ouvido falar sobre História Regional, não é mesmo?

Embora este termo, conceito, assunto, disciplina pareça ter um único sentido, como quase tudo na História, não tem. Para começar o estudo nessa disciplina é importante que você perceba que a História Regional não se constitui como um método, muito menos possui um corpo teórico próprio. É uma opção de recorte espacial do componente estudado, ou seja, é uma forma de delimitar algo a ser estudado sobre o passado. Veja bem: uma forma. Logicamente poderão existir outras e, mesmo dentro desta forma, poderão ainda existir outras tantas abordagens.

Uma das maiores críticas que se faz a esta História e que tem sido motivo de muitos artigos diz respeito ao seu enfoque limitado. A História Regional teve seu advento coincidindo com a influência da Escola dos Annales, estabelecendo uma fronteira interdisciplinar muito próxima com a Geografia.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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José D’Assunção Barros (2010), Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que:

[...] a interdisciplinaridade entre História e Geografia é estabelecida, entre outros aspectos, por meio de conceitos como “região”. Em uma de suas formas mais elementares, o espaço pode ser abordado como uma área indeterminada, que existe previamente na materialidade física. Foi a partir desta noção fundadora que, já na Geografia tradicional, tiveram início outras categorias de região. Noções essas das quais logo os historiadores e outros cientistas sociais começaram a se apropriar.

Em nosso país, os estudos regionais de história proliferaram, sobretudo, a partir das décadas de 1970 e 1980. Suas maiores expressões ocorreram com mais intensidade no campo da História Agrária e da História Política. Esses estudos continham por pressupostos metodológicos a pesquisa empírica, quase sempre ancorada sobre um número expressivo de fontes seriadas, o qual só era possível de ser realizado através de um recorte espacial regional bem específico.

Além do mais, a História Regional oferecia a possibilidade de comparação entre diferentes situações históricas, contribuindo para a produção de uma síntese, a nível macroespacial, uma vez que cada região não poderia ser vista deslocada do todo em que se encontrava inserida. O recorte regional permitia o esgotamento das fontes disponíveis para a pesquisa, garantindo a veracidade dos resultados. A homogeneidade das fontes seria outro elemento facilitador decorrente dos estudos regionais (VISCARDI, 1997).

Escola dos Annales – Já foi estudada nos Livros de Pré-História e Processos Historiográficos. A Escola dos Annales constitui-se num movimento historiográfico, recebendo esse nome por ter surgido em torno do periódico acadêmico francês Revue des Annales. Destacou-se, entre outros aspectos, por ter revolucionado o olhar do historiador usando outras ciências sociais em suas análises.

NOTA

Leia o livro: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

DICAS

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TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL

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Para Marcos Silva (1990), um dos pesquisadores que se dedicou a explicar os fundamentos da História Regional, o regional é um recorte e não uma forma de escrever a História. Este autor entende a região como um universo de práticas vivenciadas pelos diversos grupos humanos que nela se inserem, o qual engloba desde o relevo, as relações humanas, a família, as condições de sobrevivência, até os aspectos culturais, a comunidade, entre outros. A partir desta definição, pode-se pensar em extrapolar limites e fronteiras de ordem administrativa-política que, em geral, costumam delimitar uma região. Assim sendo, o regional torna-se um conjugado de identidades não vinculado, necessariamente, aos limites formais físicos estabelecidos. O que você verá mais adiante.

Corroborando no sentido de entender o termo História Regional, Westphalen (apud FRAGOMENI, 2005) questiona: “limitar o campo de estudo é, porventura, diminuir a história? Reduzir seu objetivo para melhor atingi-lo não seria mais eficaz e produtivo?” A autora segue na mesma linha da maioria dos autores que tratam da questão, ou seja, considera a História Regional uma metodologia, uma estratégia operacional. Diz também que a expansão dos estudos de história regional já é objeto de análise desde o século XVIII, quando a vida era muito mais marcada pela região do que pela nação.

FONTE: Disponível em: <http://www.revistas.uepg.br/index.php?journal=rhr&page=issue&op=view&path%5B%5D=20>. Acesso em: 22 jan. 2011.

FIGURA 1 – CAPA DA REVISTA HISTÓRIA REGIONAL

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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Ana Luiza Setti Reckziegel (1999) aponta alguns fatores para a maior recorrência desses estudos. O primeiro está ligado ao esgotamento das macroabordagens, das volumosas sínteses, as quais se mostravam insuficientes para entender questões mais particularizadas. O exemplo disso é a diminuição cada vez maior daqueles títulos e obras sobre História do Brasil, enfocando grandes períodos e espaços geográficos.

O segundo acontece em função da instalação e ampliação de cursos de pós-graduação em todo o país, e pelo fato dos mesmos fomentarem a formação de uma geração de novos pesquisadores, dotados de embasamento científico-teórico e comprometidos com temas locais, mais próximos de suas realidades.

Terceiro, a ocorrência de transformações recentes da história brasileira, que mudaram fortemente a organização espacial do país, com destaque para as regiões Norte e Centro-Oeste, provocando um reordenamento da relação entre as demais regiões brasileiras e, por conseguinte, um olhar para essas regiões, antes esquecidas.

Quarto, a questão da modificação de concepção sobre o conceito de região. Sobre esse ponto, faremos a seguir uma sucinta retrospectiva histórica, com a intenção de polemizar este entendimento e oportunizar a constatação das alterações de sentido sofridas pelo termo através do tempo.

No entanto, Cláudia de Paiva Fragomeni (2005) alerta que a História Regional enfrenta uma série de dificuldades para sua pesquisa, que passam desde as dificuldades em fontes documentais até a escassez de bibliografias adequadas, visto que grande parte do acervo que poderia ser usado, muitas vezes, se encontra em mãos de particulares, o que torna inacessível e atrapalha o acesso ao material, ocasionando para o historiador um árduo trabalho de garimpagem. Assunto que veremos em outra unidade desse Livro de Estudos.

É significativo perguntar: por que atualmente vem ocorrendo um aumento dos estudos sobre História Regional?

Nas últimas décadas, o campo historiográfico brasileiro vem abandonando as abordagens nacionais/gerais e se dedicando mais às abordagens regionais e temáticas.

ATENCAO

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TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL

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Aqui cabe fazer um parêntese. Mesmo com o aumento significativo que atualmente vem ocorrendo dos estudos sobre História Regional apontados pelos fatores anteriormente elencados, essa abordagem ainda tem desafios a serem superados, e um deles está relacionado a vencer preconceitos, pois muitas vezes ela é tida como história menor, sem alcance do todo.

Queremos deixar claro justamente o contrário, pois, quando nos referimos à História Regional, estamos ressaltando a necessidade de pesquisarmos espaços e contextos que em muitos casos ficam esquecidos, isto é, valoriza-se geralmente aspectos da história nacional ou temas já consagrados, sem dar destaque para a História Regional.

Agnaldo de Sousa Barbosa (2011) alega que ainda nos anos de 1980, o surgimento e a ampliação da produção de estudos históricos regionais tenham contribuído enormemente para o desenvolvimento de um conhecimento histórico que vislumbrasse as experiências das mais diversas localidades brasileiras, abrindo espaço na academia para a emergência de uma modalidade de história escrita a partir de realidades particulares, menores. Esse tipo de história é ainda encarado com certo incômodo na Universidade, sob a mira de olhares desconfiados.

Em defesa dessa abordagem mais local para a História, Agnaldo de Sousa Barbosa (2011) lembra que a história “generalizante” ou total, aquela das grandes sínteses, tipo História do Brasil desde o descobrimento aos nossos dias, trabalha com a noção de um tempo constante, comum a todos os espaços, o chamado “tempo global”. Por sua vez, a História Regional preocupa-se com a apreensão do “tempo dos lugares”, o tempo verdadeiramente vivido por cada lugar, mesclado por experiências distintas daqueles vislumbrados por abordagens “globais”.

Dito de outra maneira, a História Regional passou a ser apreciada em virtude da possibilidade de fornecimento de explicações na configuração do espaço nacional, uma vez que a historiografia nacional tende a ressaltar as semelhanças, enquanto a regional aborda as diferenças e multiplicidades.

Então, você pode perceber que a história regional proporciona, na dimensão do estudo do particular, um aprofundamento do conhecimento sobre a história nacional, ao relacionar semelhanças entre as situações históricas diversas que constituem a nação.

Pesquisando o espaço de ação, local onde os homens desenvolvem suas relações sociais, políticas, econômicas e culturais, a História Regional possibilita através de sua abordagem um tipo de saber histórico que oportuniza conhecer uma ou mais destas dimensões nessa região, que pode ser analisada tanto no que concerne aos seus desenvolvimentos internos, como no que se refere à sua inserção em dimensões mais amplas.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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3 CONSIDERAÇÕES SOBRE HISTÓRIA REGIONAL

Para complementar o estudo deste tópico, apresento as principais ideias do texto de Aldieris Braz Amorim Caprini que faz importantes reflexões sobre História Regional.

Outras questões referentes ao conceito de História Regional poderiam ser abordadas, porém, seria um debate demasiado longo. Assim, o que deve ficar evidenciado é que essa modalidade de conhecimento histórico permanece imbuída do objetivo de difundir as vivências concretas de homens e mulheres num contraponto ao que, muitas vezes, está ou fica distante do alcance da história globalizante. E que esse olhar seja capaz de revelar também aspectos que não são costumeiramente abordados pelas análises mais amplas.

A História Regional nunca deve ficar circunscrita ao seu espaço local, mas tentar explicar as conexões necessárias para entender o global.

DICAS

CONSIDERAÇÕES SOBRE HISTÓRIA REGIONAL

[...]

A renovação historiográfica no século XX, fruto do movimento dos Annales, possibilitou a ampliação dos campos e territórios do historiador. Após 1970 ampliaram-se as discussões sobre abordagens e enfoques na pesquisa em história. Nesse contexto, merece tecermos breves considerações sobre a História Regional. Não é nosso objetivo fazer uma longa discussão teórica sobre o assunto, pois nos limitamos às reflexões sobre a prática que temos em pesquisas locais e que podem contribuir para os historiadores iniciantes através da exposição sobre seu conceito, sua relevância e aspectos do assunto que foram verificados na experiência com o tema.

Os trabalhos denominados de História Regional são constantemente questionados pelo fato de que toda pesquisa aborda determinado espaço, daí todas as pesquisas serem regionais, não necessitando de enfatizar a metodologia.

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TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL

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Não temos o interesse, nesse texto, de discutirmos essa opinião. Para nós interessa a ampliação das pesquisas em história. Nesse caso, quando falamos em História Regional, estamos enfatizando a necessidade de pesquisarmos espaços e contextos que ficam esquecidos, sendo valorizados somente aspectos históricos nacionais ou temas já consagrados.

Ao trazer a temática regional, estamos salientando a necessidade de ampliarmos os objetos de estudos para conhecermos melhor a história do país, valorizando as peculiaridades.

É importante a discussão conceitual sobre região e História Regional, para que possamos incluir essa abordagem historiográfica em nossas pesquisas. A História Regional vai estudar o contexto histórico de determinado espaço, tomando-o como delimitação para o objeto de estudo.

[...]

Ao tratarmos de História Regional estamos nos referindo à abordagem que o historiador faz do seu objeto de estudo, recortando determinado espaço a ser estudado:

[...] de qualquer modo, o interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional em um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial). (SILVA, 1990, p. 43).

É importante explicarmos também que História Regional e micro-história não são a “mesma coisa”. Assunção (2004, p. 153) enfatiza que a micro-história faz uma redução de escala de observação para perceber aspectos que poderiam não ser percebidos na análise macro. A História Regional faz o estudo da realidade recortada por ela mesma.

Os trabalhos regionais são justificados porque os estudos nacionais ressaltam as semelhanças, e a regional trabalha com as diferenças. Possibilitam abordar aspectos que não seriam percebidos no contexto maior.

Os trabalhos sobre o coronelismo, por exemplo, apresentam tipos sociais que muitas vezes não expressam a realidade política do Brasil como um todo. O Espírito Santo, por exemplo, apresenta, em muitas regiões geopolíticas, o coronel vendeiro, aquele que não se encaixa no tipo latifundiário, que acaba sendo sinônimo, para muitos, de coronel.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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Temos, conforme pesquisas realizadas, uma estrutura de poder em que o político obtém o poder via comércio, especialmente nas regiões de pequena propriedade, o que só pode ser verificado se tomarmos o estudo de determinada região, senão caímos no erro de tomarmos pesquisas de outras regiões para explicar o todo.

O estudo regional nos permite estabelecer comparações, uma vez que, ao estabelecermos uma relação do regional com o nacional, nossa visão e compreensão de determinado fato se amplia, possibilitando romper com estereótipos historiográficos.

No entanto, ao trabalharmos com essa abordagem, é necessário estabelecermos algumas considerações. Como em toda pesquisa, o pesquisador deve ter identificação com o assunto, nesse caso deve ainda apresentar afinidade com a região em estudo. Não se trata de uma questão de ter uma ligação sentimental ou de “dívida” com a região estudada. Como em toda pesquisa, há a necessidade de uma relação, afinidade, entre pesquisador e objeto.

Outro ponto a ser considerado é que o pesquisador deve estar ciente de que a história regional vai lhe trazer algumas implicações no que se refere às fontes. Na maioria das vezes, os documentos não estão em arquivos públicos organizados e à disposição para a pesquisa. O pesquisador vai ter que localizar o material, que pode estar em poder de famílias ou instituições que dificultarão o acesso por motivos diversos. Muitas famílias, por exemplo, não gostam de abrir ou ceder documentos que lhes pertencem e até mesmo dar informações sobre algum membro, com receio de que o pesquisador perca a “relíquia” familiar ou que a pesquisa possa prejudicar a imagem da família com as informações apresentadas.

Quando ele chega ao documento, vai ter que organizá-lo para depois trabalhar. O que é diferente de pesquisas sobre assuntos que apresentam material organizado em arquivos públicos.

Além disso, há as fontes orais, que são importantíssimas no estudo regional, sendo muitas vezes a única fonte disponível e que requer uma atenção para que a pesquisa em história regional não fique comprometida com os interesses do entrevistado ou a distorção das respostas. Não negamos a subjetividade na história, mas cabe ao historiador saber conduzir sua escrita.

Ressalta-se também que as fontes secundárias são escassas ou não existem, na maioria das vezes, pois sua pesquisa pode ser o primeiro trabalho sobre aquela região. Daí outro ponto interessante sobre a História Regional. Você não vai ter um livro ou outras pesquisas para nortear seu trabalho,

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TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL

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o que demanda mais tempo para organizar a pesquisa. Esteja consciente ainda de que os resultados do seu trabalho vão ser lidos pelos indivíduos que contribuíram para sua pesquisa (por meio de entrevistas ou doação de documentos) ou pessoas ligadas a eles. Como, na maioria das vezes, o pesquisador regional convive com seu objeto de pesquisa, ele poderá ser questionado sobre as conclusões apresentadas, que, muitas vezes, não são o que o objeto de estudo gostaria que fosse apresentado.

Falar de modo geral das fraudes eleitorais do Brasil na Primeira República é uma coisa. Apresentar o nome do candidato e a denúncia em jornal da época sobre as fraudes pode levar o pesquisador a um confronto com a família desse político, o que não ocorre quando abordamos o geral.

Mas há também recompensa: quando vemos o resultado, o fato concreto, perto de nós. Esse é um ponto importante, a pesquisa regional te aproxima do objeto de estudo, daí a História Regional motivar os pesquisadores.

Outro ponto relevante é considerarmos a necessidade, como em qualquer pesquisa, de recorrermos ao referencial teórico e ao rigor científico. Muitos trabalhos regionais acabam retratando a história de forma não acadêmica e caem em relatos de memórias, sem uma análise crítica dos testemunhos ou, então, um amontoado de informações sem uma organização teórico-metodológica, o que é muito comum nos trabalhos das pessoas que “querem resgatar a história local”.

Não somos contra esse resgate, mas o historiador não pode ter essa posição. Cabe a ele se posicionar perante seu ofício a partir de teorias e metodologias de pesquisa. Consideramos, assim, que a História Regional, quando devidamente trabalhada, é um campo rico para o historiador em seus estudos e que deve ser considerada em trabalhos de conclusão de cursos, monografias, dissertações e teses.

O regional nos possibilita peculiaridades que ficariam ignoradas se não tomadas em partes. As pesquisas levantam fontes e temas que não são possíveis de ser contemplados no estudo do geral. Além da pesquisa, o regional deve ser incluído no ensino de história e reconhecido como uma abordagem que merece rigor teórico e metodológico, ampliando as possibilidades do ofício do historiador.

FONTE: Disponível em: <http://www.saberes.edu.br/arquivos/texto_aldieris.pdf>. Acesso em: 3 dez. 2010.

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LEITURA COMPLEMENTAR

OS ESTUDOS REGIONAIS NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

Marcos Lobato Martins

As últimas décadas têm sido fecundas na produção e divulgação de pesquisas de história regional e local. Basta examinar as grades de programação dos encontros nacionais e regionais de História, os índices das revistas especializadas e os catálogos das editoras universitárias para verificar o crescimento quantitativo e a variedade temática dos trabalhos publicados nesta área. O boom da História Regional e local no Brasil contemporâneo é realidade irretorquível e de bom fôlego.

[...] 1960-1970: o embaralhamento do regional e do nacional. A década de 1960 marcou o momento de unificação do mercado interno pelo capitalismo e a transformação do Estado em parceiro e agente privilegiado do capital, em processo que teve São Paulo como centro irradiador da modernização. A década de 1960 também marcou, inequivocamente, o predomínio da produção acadêmica no campo dos estudos históricos no Brasil, que veio acompanhado de maior interesse pela história republicana.

As Universidades multiplicaram as pesquisas sobre a trajetória do país e de suas regiões, embora isto ocorresse de modo bastante desigual. Afinal, a assimetria entre os polos acadêmicos nacionais era evidente, com amplo predomínio de São Paulo, através da USP (Universidade de São Paulo). Na academia brasileira, de qualquer forma, surgiu uma espécie de consenso: o de que havia chegado a hora de abandonar, ainda que temporariamente, a ênfase nas grandes sínteses, julgadas demasiadamente genéricas.

[...]

Uma considerável e significativa produção acadêmica articulou-se em torno de temas cruciais levantados pelo estudo da evolução de São Paulo desde a expansão cafeeira. A grande propriedade na lavoura paulista do Vale do Paraíba e do Oeste, a escravidão nas áreas cafeeiras e sua desagregação, a imigração para as áreas rurais e para as cidades, o café e as ferrovias, o café e as grandes empresas de serviços públicos, as relações entre o complexo cafeeiro e a industrialização: eis uma lista de temas que ocupou muitos historiadores e cientistas sociais nos anos 1960-1970. Dentre eles, a título de exemplo, e sem a pretensão de ser exaustivo, podem ser citados: Fernando Henrique Cardoso, Warren Dean, Delfim Neto, Emíla Viotti da Costa, Stanley Stein, Boris Fausto, João Manuel Cardoso de Mello, Odilon Matos, Flávio Saes, Paula Beiguelman e Maria Thereza Schorer Petrone.

[...] Fora do eixo Rio-São Paulo, muito do que se fazia no campo dos estudos regionais ressentiu-se desta construção mitológica que atribuía a São Paulo toda e

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TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL

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qualquer positividade contida na ideia do Brasil moderno, urbano e industrial. As outras porções do território nacional frequentemente foram estudadas a partir de uma perspectiva da negatividade, da falta, da carência deste ou daquele elemento que marcaria a distância em relação ao êxito paulista. O espelho São Paulo era o instrumento por meio do qual as diversas regiões brasileiras deveriam buscar a autocompreensão e a ação transformadora.

Neste ponto deve-se assinalar a importante obra de Evaldo Cabral de Mello relativa à história de Pernambuco. Realizada fora da academia, a obra de Mello, desde a década de 1970, lança luz sobre o Nordeste açucareiro, em livros como Olinda restaurada (1975), O Norte agrário e o Império (1984) e Rubro veio (1986). Conforme Evaldo Cabral de Mello, o objetivo de seu trabalho é dar visibilidade ao fato de que os pernambucanos tiveram “uma trajetória especial na história brasileira, e essa trajetória ficou na sombra desde o período monárquico, devido ao que eu [Mello] chamo a ‘história saquarema’, a historiografia feita no eixo Rio-São Paulo para louvar o modelo de construção nacional adotado desde a independência. [...]

A História Regional é [para Cabral de Mello] uma maneira de escapar, por um lado, à historiografia saquarema, por outro, aos modismos (...), que às vezes degeneram no que Oakeshott chamava ‘política retrospectiva’ (MORAES e REGO, 2002, p. 153-154).

Numa vertente mais política, os anos 1970 viram a publicação de importantes estudos de brazilianists que exploraram o regionalismo político na República Velha, trabalhos que obtiveram grande repercussão no Brasil. Numa perspectiva empirista, que privilegiava os limites administrativos, as estruturas políticas e associavam as identidades regionais inteiramente às ações das elites dirigentes estaduais, autores como Joseph Love (1971 e 1980), John Wirth (1977), Robert Levine (1978) e Eul-soo Pang (1979) exploraram a história regional do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia, e os comportamentos de seus políticos no cenário nacional em função da descentralização que caracterizou a Primeira República. Em comum, todos estes autores enfatizaram o declínio gradual das identidades regionais e da força política das elites locais, que não teriam resistido às transformações que conduziram ao Estado nacional forte e centralizado. Desta forma, embora tivessem o mérito de chamar a atenção para o significado do regionalismo, eles não questionaram a meta narrativa sobre a nação e o “estado forte”, hegemônica desde Vargas.

[...] Somente na virada da década de 1970 para a de 1980, a expansão da pós-graduação (no Rio de Janeiro e, depois, para além do eixo Rio-São Paulo) promoveu o início do esforço para livrar a historiografia brasileira das tentações reducionistas que a acompanharam desde sempre. Ao estimular as pesquisas em acervos regionais e locais, a pós-graduação em História desenvolveu nas novas gerações de historiadores o apreço pelas conexões intrincadas e oblíquas entre o regional, o local e o nacional, em que o elemento espacial ganha relevância, ombreando-se ao tempo.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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Da década de 1980 aos dias de hoje: a onda dos estudos regionais

Em meados da década de 1980, em várias partes do Brasil funcionavam cursos de pós-graduação em História, o que significava a superação definitiva da situação existente até a primeira metade da década anterior. O mestrado em História da USP havia sido implantado no período 1963-1965 e, até o ano de 1975, somente esta universidade oferecia curso de doutorado. Desde então, apareceram progressivamente pós-graduações no Rio de Janeiro e em outras unidades da federação. Esta expansão e desconcentração da pós-graduação foram fatores cruciais para o salto de qualidade da historiografia brasileira e também para a onda de interesse que surgiu no campo dos estudos regionais. No interior dos programas de mestrado e doutorado, os estudantes ampliaram o trabalho com temas e acervos documentais regionais e locais, abandonando a atitude, até então imperante, de lidar com descrições e informações repetidas, tiradas de fontes recorrentemente compulsadas. Nos novos pólos da pesquisa histórica brasileira, generalizou-se a percepção de que, na medida em que os grandes livros estavam feitos e as grandes interpretações consagradas, o conhecimento historiográfico pouco se desenvolvera. De maneira que era urgente levar adiante o esforço de começar pela base e não pelos grandes nomes. A pesquisa histórica passou a se preocupar com a história miúda, a história local, a construção de bancos de dados de todo tipo.

Um ponto importante na trajetória de expansão da pós-graduação foi a criação, no âmbito da FGV/RJ (Fundação Getúlio Vargas), em 1976, do Centro de Pós-graduação em Desenvolvimento Agrícola, que abrigou por alguns anos um mestrado voltado para a problemática agrícola no país. Neste centro, a professora Maria Yedda Linhares colocou em prática um projeto de levantamento de fontes para a história agrária nos arquivos do Norte e do Nordeste, um esforço praticamente inédito no país. Deste projeto resultaram os livros História do Abastecimento (1979) e História da agricultura brasileira (1980), que apontaram para a urgência de pesquisas extensas e múltiplas, voltadas para a produção de alimentos e para o mercado interno. Em torno deste programa e das atividades do referido Centro, o professor Ciro Flamarion Cardoso fez a defesa da história regional como história agrária, ou da história agrária como história regional. Também na segunda metade da década de 1970, surgiu a pós-graduação em História na UFF (Universidade Federal Fluminense), sediada na cidade de Niterói.

[...]

Em outras partes do Brasil, o novo interesse pelo regionalismo e pela história regional desdobrou-se, em grande medida, dentro de uma visada neomarxista, particularmente na perspectiva de Gramsci, que privilegia os interesses materiais e os discursos hegemônicos das elites socioeconômicas. Muitos pesquisadores criticaram as antigas tendências de “naturalizar” as divisões e identidades regionais, argumentando em favor da necessidade de observar a historicidade das regiões em relação ao processo de desenvolvimento capitalista. Nessa perspectiva, a História Regional tem sido compreendida em

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TÓPICO 1 | ENTENDENDO A HISTÓRIA REGIONAL

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termos da articulação de diferentes modos de produção (ou da natureza desigual do desenvolvimento capitalista) e do papel do Estado, especialmente no que diz respeito à mediação dos interesses das elites hegemônicas e das elites locais subalternas. Esta abordagem da história regional é exemplificada pelos trabalhos que compõem a coletânea República em migalhas, publicada em 1990 e derivada de debates ocorridos numa sessão da ANPUH realizada em 1985. Este livro disparou um debate significativo sobre o conceito de região e sobre os usos da abordagem regional na historiografia brasileira.

[...]

Enfim, pode-se dizer que, atualmente, os historiadores brasileiros, e não apenas eles, estão mais ocupados em documentar experiências sociais e aspectos específicos da formação, múltipla e diversa, da sociedade brasileira. Rejeitam a síntese construída com observações genéricas e querem fazer avançar o conhecimento, porque aceitam o fato de que ainda é desconhecida grande parte da História do Brasil. Para alterar este quadro, os estudos regionais parecem ter papel importante a jogar.

FONTE: História e estudos regionais. Capítulo 2. Disponível em: <http://www.minasdehistoria.blog.br/wp-content/arquivos//2008/03/historia-e-estudos-regionais.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico você estudou que:

● A História Regional não se constitui como um método, muito menos possui um corpo teórico próprio.

● A História Regional é uma opção de recorte espacial do componente estudado, ou seja, é uma forma de delimitar algo a ser estudado sobre o passado.

● A História Regional tem seu advento coincidindo com a influência da Escola dos Annales em nossos estudos históricos.

● A História Regional situa-se numa fronteira interdisciplinar muito próxima com a Geografia.

● A História Regional proporciona, na dimensão do estudo do particular, um aprofundamento do conhecimento sobre a história nacional, ao relacionar semelhanças entre as situações históricas diversas que constituem a nação.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos, resolvendo as questões a seguir.

1 Você estudou nesse tópico que, ao longo dos tempos, vem ocorrendo um aumento dos estudos voltados à História Regional. A partir dessa constatação, relacione e explique os fatores que contribuem para o avanço desses estudos.

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TÓPICO 2

O CONCEITO DE REGIÃO

ATRAVÉS DOS TEMPOS

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

2 ORIGEM DO TERMO REGIÃO

De acordo com Barbosa (2011), a História Local e Regional apresenta inúmeras possibilidades de descrição, de análise, de crítica, de interpretação e, ademais, de revisão historiográfica.

Nesse segundo tópico nós continuaremos tratando da História Regional, só que agora com um outro enfoque, ou seja, vamos entender como o conceito de região sofreu mudanças através dos tempos.

Caro(a) acadêmico(a), é importante assinalar que região não é um termo novo. A sua designação remonta aos tempos longínquos do Império Romano, quando o termo regione era usado para indicar espaços, independentes ou não, que estavam subordinados ao domínio do Império. Ou seja,

[...] alguns filósofos interpretam a emergência deste conceito como uma necessidade de um momento histórico em que, pela primeira vez, surge de forma ampla a relação entre a centralização do poder em um local e a extensão dele sobre uma área de grande diversidade social, cultural e espacial. (GOMES, 1995, p. 51).

É interessante notar que também outros conceitos de caráter similar passaram a ser utilizados na mesma época, como os conceitos de espaço (spatium) e o de província (provincere). Naquela época, o espaço era visto como um “contínuo”, ou “intervalo”, que “encontravam-se dispostos os corpos seguindo uma adequada ordem neste vazio”, e a província como “áreas atribuídas aos controles daqueles que a haviam submetido à ordem hegemônica romana”.(GOMES, 1995, p. 52).

Já foi estudado na disciplina de História Antiga que, com o término do Império Romano, ocorreu um processo de descentralização regional que desencadeou um poder descentralizado de territórios autônomos do período feudal. Adequadamente, a Igreja Católica deu ênfase a esse regionalismo político, utilizando a rede destas unidades regionais como apoio para a afirmação de sua hierarquia administrativa. (CUNHA, 2000).

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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Essas unidades regionais administrativas criadas pela Igreja Católica, desde o fim da Idade Média, constituíram-se nas primeiras formas de separação territorial presentes no desenho dos mapas. Nesse sentido, a divisão regional é a base para definição e exercício do controle na administração dos Estados e também de suas unidades.

FONTE: Disponível em: <http://www.historiadomundo.com.br/imagens/romana_mapa.jpg>. Acesso em: 23 jan. 2011.

3 O CONCEITO DE REGIÃO NA IDADE MODERNAQuando o Estado Moderno surge, em fins da Idade Média, houve uma

centralização do poder na Europa. Essa trouxe à tona o problema político-regional da manutenção de um poder centralizado, porque o centro, muitas vezes, era demasiado longínquo de suas fronteiras. Quer dizer, a questão é semelhante à que deu origem ao conceito de região na Antiguidade Clássica, e se refere a essa centralização como uma tentativa de padronização administrativa mesmo diante da desigualdade do espaço, da heterogeneidade cultural, econômica e política, sobre o qual esse poder centralizado deveria ser exercido.

FIGURA 2 – REGIÃO DO IMPÉRIO ROMANO

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TÓPICO 2 | O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS

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4 O CONCEITO DE REGIÃO NA IDADE CONTEMPORÂNEA

Com o século XIX houve outra transformação no papel do Estado e também uma quebra dos pactos territoriais, levando ao ressurgimento das questões regionais e ao aparecimento de interesses locais. Nesse sentido, na Idade Contemporânea o debate sobre a ideia de região embasou as discussões de temas relacionados à política, à cultura, às atividades econômicas, atrelado a questões de soberania e direitos.

Dessa forma, o conceito de região, que na Idade Antiga estava subordinado

aos regimes romanos, mudou de enfoque, ou seja, do físico - onde o clima, o relevo, a hidrografia e a vegetação estão acima da ação humana -, ao enfoque político, social e cultural - onde o destaque ao debate sobre a história regional assume um papel determinante.

Com todas essas mudanças, os estudos sobre região ultrapassaram as amarras da Geografia Física, dando à História Regional um estilo novo, com ênfase nas identidades sociais onde a ação humana se sobrepôs aos aspectos físicos da Geografia. Isso nos auxilia a entender que a região está historicamente inserida no todo, isto é, o que se observa em nível regional pode pertencer a uma tendência mais ampla, nacional ou mundial, ou constituir uma tendência do próprio contexto interno. Deste modo, a História Regional é um todo que possui determinação, que contém a presença do particular e do universal. O que veremos mais adiante com maior ênfase.

Observe que, com essa panorâmica sobre o conceito de região através dos tempos, não é possível elaborar conclusões fechadas, até porque, na área das ciências humanas, os conceitos são relativos e, praticamente, inesgotáveis. O que queremos evidenciar é que a conceituação e compreensão do que seja região (o que faremos no próximo tópico) só é possível a partir desse histórico.

Nesta época, a palavra região era pouco usual e expressões que dela se aproximavam apresentavam um significado ambíguo e abstrato, além de serem bastante numerosos (VISCARDI, 1997). Foi a partir de 1760, no entanto, que os iluministas passaram a desvendar os contornos do que seria o regional. Mas a palavra região só seria criada em 1820.

Cláudia Maria Ribeiro Viscardi (1997) informa que, até a Revolução Francesa, a visão do espaço regional variava significativamente no transcorrer dos diferentes períodos da História e que, em geral, as pessoas não tinham uma ideia clara em relação aos contornos regionais. A Revolução originou essas discussões e, ao tentar romper com as iniciativas regionalistas em prol da centralização do Estado, acabou por definir, por si própria, os contornos dos espaços regionais.

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LEITURA COMPLEMENTAR

ESPAÇO E TEMPO – TERRITÓRIOS DO HISTORIADOR

José D’Assunção Barros

[...]

Com relação ao seu recorte espacial, Fernando Braudel havia considerado que o Mediterrâneo possuía, sob certos aspectos, uma unidade que transcendia às unidades nacionais que se agrupavam em torno do imenso “mar interior”, e que ultrapassava a polarização política entre os dois grandes impérios da época: o Espanhol e o Turco. Por outro lado, o historiador francês precisou lidar com a ‘unidade na diversidade’, e descreve dezenas de regiões autônomas cujos ritmos convergem para um ritmo supralocal. O mundo mediterrânico que ele descreve é constituído por um grande complexo de ambientes, mares, ilhas, montanhas, planícies e desertos – e que se vê partilhado em uma pluralidade de regiões a terem sua heterogeneidade decifrada antes de ser possível propor a homogeneidade maior ditada pelo tipo de vida sugerido pelo grande Mar. Este foi o desafio enfrentado por Braudel.

Se Fernando Braudel trabalhou com o ‘grande espaço’, as gerações seguintes de historiadores trouxeram também a possibilidade de uma nova tendência, que abordaria o ‘pequeno espaço’. Esta nova tendência, que se fortalece nos anos 1950, ficou conhecida na França como ‘História Local’. Também aqui a contribuição da Geografia derivada de Vidal de La Blache destaca-se com particular nitidez, ajudando a configurar um conceito de Região que logo passaria a ser utilizado pelos Historiadores para o estudo de microespaços ou espaços localizados, em muitos sentidos dotados de uma homogeneidade bem maior do que os macroespaços que haviam sido examinados por Braudel. Do macroespaço que abriga civilizações, a historiografia moderna apresentava agora a possibilidade de examinar os microespaços que abrigavam populações localizadas, fragmentos de uma comunidade nacional mais ampla. A História Local nascia, aliás, como possibilidade de confirmar ou corrigir as grandes formulações que haviam sido propostas ao nível das histórias nacionais. A História Local – ou História Regional, como passaria a ser chamada com um sentido um pouco mais específico – surgia precisamente como a possibilidade de oferecer uma iluminação em detalhe de grandes questões econômicas, políticas, sociais e culturais que até então haviam sido examinadas no âmbito das dimensões nacionais.

O modelo de compreensão do Espaço proposto pela escola de Vidal de La Blache funcionou adequadamente para diversos estudos associados a esta historiografia europeia dos anos 1950, que lidava com aquilo que Pierre Goubert – um dos grandes nomes da ‘História Local’ – chamava de “unidade provincial comum”, e que ele associava a unidades, “tal como um country inglês, um condado italiano, uma Land alemã, um pays ou bailiwick franceses”. Nestes casos e em

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TÓPICO 2 | O CONCEITO DE REGIÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS

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outros, o espaço escolhido pelo historiador coincidia de modo geral com uma unidade administrativa e muitas vezes com uma unidade bastante homogênea do ponto de vista geográfico ou da perspectiva de práticas agrícolas. Também se tratava habitualmente de zonas mais ou menos estáveis – bem ao contrário do que ocorria em países como os da América Latina durante o período colonial, onde devemos considerar a ocorrência muito mais frequente de “fronteiras móveis”. A espacialidade tipicamente europeia em certos recortes temporais que não coincide com a de outras áreas do planeta e para todos os períodos históricos – permitiu que fosse aproveitada por aqueles historiadores que começavam a desenvolver estudos regionais, cobrindo todo o Antigo Regime, um modelo onde o espaço podia ser investigado e apresentado previamente pelo historiador, como uma espécie de moldura onde os acontecimentos, práticas e processos sociais se desenrolavam.

Frequentemente, e até os anos 1960, as monografias derivadas da chamada Escola dos Annales apresentavam previamente a Introdução Geográfica, e depois vinha a História, a organização social, as ações do homem. A possibilidade de este modelo funcionar, naturalmente, dependia muito do objeto que se tinha em vista, para além dos padrões da espacialidade europeia nos períodos considerados.

A crítica que depois se fez a este modelo onde o espaço era como que dado previamente – tal como aparecia nas propostas derivadas da escola de Vidal de La Blache, é que na verdade estava sendo adotado um conceito não-operacional de Região. As Regiões vinham definidas previamente, como que estabelecidas de uma vez por todas, e bastava o historiador ou o geógrafo escolher a sua para depois trabalhar nela com suas problematizações específicas.

Frequentemente – quando a região coincidia com um recorte político-administrativo que permanecera sem maiores alterações desde a época estudada até o tempo presente – isto representava uma certa comodidade para o historiador, que podia buscar as suas fontes exclusivamente em arquivos concentrados nas regiões assim definidas.

Em seu célebre artigo sobre “A História Local”, Pierre Goubert chama atenção para o fato de que a emergência da história local dos anos 1950 havia sido motivada precisamente por uma combinação entre o interesse em estudar uma maior amplitude social (e não mais apenas os indivíduos ilustres, como nas crônicas regionais do século XIX) e alguns métodos que permitiriam este estudo para regiões mais localizadas, mais particularmente as abordagens seriais e estatísticas, capazes de trabalhar com dados referentes a toda uma população de maneira massiva. Ao trabalhar em suas pequenas localidades, os historiadores poderiam desta maneira fixar sua atenção “em uma região geográfica particular, cujos registros estivessem bem reunidos e pudessem ser analisados por um homem sozinho”(13). A coincidência entre a região examinada e uma unidade administrativa tradicional, como a paróquia rural, ou o pequeno município, podemos acrescentar, permitia, por vezes, que o historiador resolvesse todas as suas carências de fontes em um único arquivo, ali mesmo encontrando e

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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constituindo a série a partir da qual poderia extrair os dados sobre a população e a comunidade examinada.

Com o progressivo surgimento dos novos problemas e objetos que a expansão dos domínios historiográficos passou a oferecer cada vez mais no decurso do século XX, o modelo de região derivado da escola geográfica de La Blache começou a ser questionado, precisamente porque deixava encoberta a questão essencial de que qualquer delimitação espacial é sempre uma delimitação arbitrária, e também de que as relações entre o homem e o espaço modificam-se com o tempo, tornando inúteis (ou não operacionais) delimitações regionais que poderiam funcionar para um período, mas não para outro. Uma paisagem rural facilmente pode se modificar a partir da ação do homem - o que mostra a inoperância de considerar regiões geográficas fixas, e isto se mostra especialmente relevante para os estudos da América Latina no período colonial, mais ainda do que para os estudos relativos à Europa do mesmo período (14). De igual maneira, um território (voltaremos a este conceito) não existe senão com relação ao âmbito de análises que se tem em vista, aos aspectos da vida humana que estão sendo examinados (se do âmbito econômico, político, cultural ou mental, por exemplo).

Atrelar o espaço ou o território historiográfico que o historiador constitui a uma preestabelecida região administrativa, geográfica (no sentido proposto por La Blache), ou de qualquer outro tipo, implicava em deixar escapar uma série de objetos historiográficos que não se ajustam a estes limites. A mesma comodidade arquivística que pode favorecer ou viabilizar um trabalho mais artesanal do historiador – capacitando-o para dar conta sozinho de seu objeto sem abandonar o seu pequeno recinto documental – também pode limitar e empobrecer as escolhas historiográficas. Uma determinada prática cultural, conforme veremos oportunamente, pode gerar um território específico que nada tenha a ver com o recorte administrativo de uma paróquia ou município, misturando pedaços de unidades paroquiais distintas ou vazando municípios. Do mesmo modo, uma realidade econômica ou de qualquer outro tipo não coincide necessariamente com a região geográfica no sentido tradicional.

A crítica aos modelos de recorte regional-administrativo, ou de recortes geográficos à velha maneira de Vidal de La Blache, não surgiram apenas das novas buscas historiográficas, mas também de desenvolvimentos que se deram no próprio seio da Geografia Humana. Tal ressalta Ciro Flamarion Cardoso em um ensaio bastante importante sobre a História Agrária: à altura dos anos 1970 o conceito de “região” derivado da escola de Vidal de La Blache começou a ser radicalmente criticado por autores como Yves Lacoste (15), que sustentavam que a realidade impõe o reconhecimento de “especialidades diferenciais, de dimensões e significados variados, cujos limites se recortam. (14) Mesmo para períodos posteriores deve ser observada uma distinção na espacialidade de certos países que adquiriram centralidade em termos de domínio econômico e os chamados países subdesenvolvidos. Milton Santos observa que “descontínuo, instável, o espaço dos países subdesenvolvidos é igualmente multipolarizado, ou seja, é submetido e pressionado por múltiplas influências, e polarizações oriundas de

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diferentes tipos de decisão” superpõem, de tal maneira que, estando num ponto qualquer, não estaremos dentro de um, e sim de diversos conjuntos espaciais definidos de diferentes maneiras”(16).

A ideia de tratar sob o ponto de vista das “espacialidades superpostas” a materialidade física sobre a qual se movimenta o homem em sociedade, incluindo sistemas diversificados que vão da rede de transportes à rede de conexões comerciais ou ao estabelecimento de padrões culturais, aproxima-se muito mais da realidade vivida do que o encerramento do espaço em regiões definidas de uma vez para sempre, e associadas apenas aos recortes administrativos e geográficos que habitualmente aparecem nos mapas. A realidade, em qualquer época, é necessariamente complexa, mesmo que esta complexidade não possa ser integralmente captada por nenhuma das ciências humanas, por mais que estas desenvolvam novos métodos para tentar apreender a realidade a partir de perspectivas cada vez mais enriquecidas. Voltaremos oportunamente a este aspecto, quando discutirmos os recortes a que o historiador é obrigado a se render na operação historiográfica através da qual busca apreender a vida humana.

Outro geógrafo importante para a discussão do espaço, embora ainda pouco utilizado pelos historiadores, é Claude Raffestin, que faz uma distinção bastante interessante entre o “espaço” e o “território”. Segundo Raffestin, “o território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço “(17). Obviamente que a definição de “espaço” proposta por Raffestin, necessariamente ligada à materialidade física, deixa de fora as possibilidades de se falar em outras modalidades de espaço – como o “espaço social”, o “espaço imaginário”, o “espaço virtual” – que se constituem no próprio momento da ação humana. De qualquer modo, o sistema conceitual proposto por Raffestin é importante porque chama atenção para o fato de que a territorialização do espaço ocorre não apenas com as práticas que se estabelecem na realidade vivida, como também com as ações que são empreendidas pelo sujeito de conhecimento:

‘Local’ de possibilidades, [o espaço] é a realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o objeto a partir do momento em que um ator manifeste a intenção dele se apoderar. Evidentemente, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder. Produzir uma representação do espaço já é uma apropriação, uma empresa, um controle, portanto, mesmo se isso permanece nos limites de um conhecimento (18).

Vale ainda lembrar que a consciência de uma territorialidade que é transferida ao espaço pode transcender o mundo humano. Também os animais de várias espécies, que não apenas o homem, costumam territorializar o espaço com as suas ações e com gestos que passam a delinear uma nova representação do espaço. O lobo que “marca o seu território” cria para si (e pretende impor a outros

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de sua espécie) uma representação do espaço que o redefine como extensão de terra sob o seu controle. Demarcar o território é demarcar um espaço de poder. No âmbito da Macro-Política, não é senão isto o que fazem os Estados-Nações ao constituir e estabelecer um rigoroso controle sobre suas fronteiras (19).

NOTAS

13 - GOUBERT, Pierre. História local, op. cit., p. 49.

14 - SANTOS, Milton. O espaço dividido. São Paulo: EDUSP, 2004. p. 21.

15 - LACOSTE, Yves. La geographie, ça sert d’abord à faire la guerra. Paris: Maspéro, 1976.

16 - CARDOSO, Ciro Flamarion. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979.

17 - RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. p.143.

18 - RAFFESTIN, Claude, op. cit., p. 144.

19 - SANTOS, Milton; SILVEIRA Maria Laura. O Brasil – território e sociedade no início do século XX. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.19.

FONTE: Adaptado de: BARROS, José D’Assunção. Espaço e tempo: Territórios do historiador. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752006000200012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 18 dez. 2010.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você estudou que:

● Região não é um termo novo. A sua designação remonta aos tempos longínquos do Império Romano.

● Com o Estado Moderno surge, em fins da Idade Média, uma centralização do poder na Europa que trouxe modificação no conceito de região.

● Com a centralização ocorreu a tentativa de padronização administrativa mesmo diante da desigualdade do espaço, da heterogeneidade cultural, econômica e política, sobre o qual esse poder centralizado deveria ser exercido.

● Com o século XIX houve outra transformação no papel do Estado e também uma quebra dos pactos territoriais, levando ao ressurgimento das questões regionais e ao aparecimento de interesses locais.

● Nesse sentido, na Idade Contemporânea o debate sobre a ideia de região embasou as discussões de temas relacionados à política, à cultura, às atividades econômicas, atrelado a questões de soberania e direitos.

● Os estudos sobre região ultrapassaram as amarras da geografia física, dando à história regional um estilo novo, com ênfase nas identidades sociais onde a ação humana se sobrepôs aos aspectos físicos da geografia.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos, resolvendo a questão a seguir.

1 Caracterize os vários sentidos que o termo região teve desde a Antiguidade até o século XX.

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TÓPICO 3

A COMPREENSÃO DO CONCEITO

DE REGIÃO

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

2 ALGUNS CONCEITOS DO TERMO REGIÃO

Falar de região é caminhar em um terreno cheio de labirintos e de armadilhas epistemológicas. A categoria região talvez seja uma das mais utilizadas na totalidade dos saberes, empregada por várias ciências e utilizada constantemente na mídia e pelo senso comum. Entretanto, é necessário entender seu significado atual. (PAVIANI, 1992, p. 372).

O propósito desse tópico é contribuir para a compreensão do conceito de região. Bastante empregada no senso comum, a expressão região é tida como identificadora de lugares que se diferenciam uns dos outros, estando também disseminada na linguagem acadêmica e científica. Sendo incorporada pela Geografia e Antropologia, ela apresenta definições específicas na estrutura analítica para a História Regional. Ou seja, para pensar a História Regional, temos que conhecer o conceito de região e suas variantes.

Como o conceito de região não é unívoco, ele não permite, obviamente, uma forma de interpretação e, muito menos, maneira teórica de abordá-la. Por isso, veremos que algumas conceituações sobre o termo são díspares.

Em seu trabalho sobre “História, Região e Poder: a busca de interfaces metodológicas”, Cláudia Maria Ribeiro Viscardi (1997) aponta que uma das primeiras dificuldades com a qual se defronta o pesquisador em História Regional diz respeito ao significado de região. Um segundo problema, inclusive consequência do primeiro, refere-se aos critérios definidores do que seja espaço regional. Além disso, a autora assinala que a maioria dos trabalhos de História Regional define as regiões pelo caráter diverso das leis de reprodução do capital e pelo caráter das relações de classe que se dá em seu interior, sem, no entanto, descuidar da análise das relações existentes entre uma região e as demais.

A Escola Marxista teve uma contribuição importante para a conceituação sobre o termo. Para essa linha de pensamento, já estudada em outra disciplina (assunto abordado na Disciplina de Processos Historiográficos), uma região seria, em suma, o espaço onde se constrói uma forma especial de reprodução do capital, e, por decorrência, uma forma especial de luta de classes, onde o econômico e o político se conectam assumindo uma forma especial de aparecer no produto social.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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Outra importante contribuição para definição de região vem do geógrafo Milton Santos. Para esse estudioso, a região, em função das alterações econômicas mundiais, marcadas especialmente pela internacionalização do capital, deixou de existir e passou a ser uma abstração empírica. O espaço geográfico deixou de ser estático e passou a ser uma produção coletiva dos homens, cujo papel era o de expressar o modo de produção vigente. Região nada mais é, portanto, do que um conceito abstrato em meio a um contexto macro, hoje conhecido como mundo globalizado. Para ele, o recorte regional incidiu no esboço do parcial sem que se perdesse a noção do global. (SANTOS, 1978).

Nesse sentido, o recorte regional para o historiador possibilita, com maior facilidade, a adoção do corte temporal de média ou longa duração, o qual, em contextos muito ampliados, pode ser dificultado pelo grande volume de fontes.

Quanto aos critérios de delimitação do espaço regional, a região se constitui em um subsistema de um todo, mantendo com ele inter-relações. No entanto, as fronteiras regionais podem ou não coincidir com as divisões politicamente estabelecidas, pois se ampliam ou diminuem, no decorrer do tempo, em função de ajustes de natureza política. Portanto, segundo Marcos Antônio Silva (1990), para se delimitar uma região não se deve levar em conta só os aspectos jurídico-administrativos, nem somente aspectos econômicos, mas os de ordem social e, sobretudo, de ordem política.

Outra contribuição importante vem da sociologia de Pierre Bordieu. Esse sociólogo ajudou intensamente a estabelecer critérios de delimitação regional. Na análise da origem das divisões regionais e do comportamento regionalista de alguns grupos políticos, o autor parte do princípio de que o critério de divisão regional surgiu simbolicamente e foi sendo reconhecido e legitimado posteriormente.

Para Pierre Bordieu (1989), a divisão regional não existe de fato, pois esta mesma realidade é a representação que dela fazemos, e se encontra muito mais no plano jurídico-político do que no plano concreto. Dessa maneira, a delimitação regional é estabelecida por quem nela vive e passa a compor o imaginário daqueles que a ela se referem. A identidade regional é, pois, um produto da construção humana.

O autor caracteriza os geógrafos como impositores de uma divisão arbitrária sobre uma ordem que guarda uma continuidade natural. Esta divisão passa a ser aceita simbolicamente e a região passa a ser uma ilusão bem fundamentada. Talvez uma construção para delimitar algo a ser estudado ou pensado.

O que você pensa sobre essa discussão? Você concorda ou discorda do pensamento de Pierre Bordieu?

UNI

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TÓPICO 3 | A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO

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Tentando elucidar, poderíamos afirmar que, como espaço territorial a região é uma construção de geógrafos. Porém, como espaço social vem a ser uma construção de historiadores. No caso do historiador, a região seria definida pelas relações sociais que nelas se estabelecem.

Sobre o entendimento de espaço regional, Claudia Viscardi (1999, p. 6) faz as seguintes considerações:

Através destas colocações podemos distinguir duas correntes de entendimento a respeito da definição e delimitação do espaço regional. Na primeira corrente, a definição parte do objeto e não do sujeito do conhecimento. É o caso das definições dos pesquisadores que se utilizaram do instrumental marxista.

Para eles, o que define e delimita as fronteiras regionais é o modo de produção vigente visto sob um aspecto mais amplo, o qual envolve não só as relações de produção internacionais, como a própria dinâmica da luta de classes. É também o caso daqueles historiadores que se referem ao enfoque sistêmico. Assim, a região só pode ser entendida como parte de um sistema mais amplo, entendendo por sistema um conjunto de elementos econômicos, políticos e sociais inter-relacionados.

Na segunda corrente, a definição do que seja região e de suas fronteiras surge das análises produzidas pelo sujeito do conhecimento. Aqui, região é uma construção do sujeito do conhecimento que igualmente a delimita, a partir de padrões próprios, porém fundamentados na realidade existente. Cabe lembrar, no entanto, que para os autores citados a região é um constructo feito a posteriori.

Em geral, no estudo da História Regional o historiador se depara com a temática referente ao regionalismo. Muitas vezes é ele próprio o seu objeto de estudo. Em torno do regionalismo o debate também está em andamento. Para Pierre Bordieu (1989), o regionalismo é um movimento de defesa da identidade regional construída e sua força está relacionada ao poder de quem a proclama. Realiza-se por meio de lutas simbólicas contra regiões que se colocam como dominantes.

As lutas regionais, por se pautarem na questão da identidade, adquirem expressiva força mobilizadora. Nelas, o que está em jogo é o poder de criar e recriar identidades, ou seja, uma luta também simbólica que visa à apropriação de supostas vantagens simbólicas. O poder que sustenta a divisão regional cria estigmas que alimentam preconceitos relativos a habitantes e moradores de determinados locais.

A seguir será apresentada parte do texto Região e regionalismo: observações acerca dos vínculos entre a sociedade e o território em escala regional, de Álvaro Luiz Heidrich que nos ajuda a entender mais sobre regionalismos.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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[...]

Considerar a ocorrência de interesses territoriais oposta ou diversamente àqueles tidos como os gerais da nação implica tratá-los como uma expressão regionalista, estejam eles vinculados à ideia de uma região ou associados a outras compartimentações territoriais do Estado-nação, como uma província, uma unidade federativa, etc. Vejamos: nos estudos sobre o tema da região como uma determinação histórica têm sido predominantes as demonstrações das ligações desta, ora com a diversidade espacial nas formas de reprodução econômica, ora com o estabelecimento de "subdomínios" no território estatal. No primeiro caso considera-se a diferenciação da unidade territorial no âmbito econômico. Admite-se, principalmente, a divisão territorial do trabalho como o modo de explicar as desigualdades regionais.

No segundo, entende-se que a região é resultado da adequação do espaço ao poder de uma elite que, por não exercer a hegemonia no plano da nação, preserva e assegura-o através do domínio regional. São, em síntese, dois campos do poder social, a dominação social no âmbito privado e o poder político no âmbito público que, particularizados espacialmente, podem ser apontados como razão e origem da questão regional.

[...]

O regionalismo centra sua justificação na construção de uma regionalidade que particulariza sua inserção no âmbito nacional. Sua coesão interna necessita da presença de valores simbólicos, da dissimulação de suas diferenças internas e de apresentar-se frente à nação como conjunto integrado para ter força política. Os elementos do poder simbólico, como hábitos, costumes regionais e folclóricos, às vezes um dialeto específico, uma conformação paisagística própria, uma tradição econômica, uma história peculiar à nacional são, em suma, suporte do interesse regional. Como forma particular de reprodução econômica, pode opor-se ao interesse econômico do "centro" da nação. No raciocínio de Bourdieu, “é porque existe [a região] como unidade negativamente definida pela dominação simbólica e econômica que alguns dos que dela participam podem ser levados a lutar... para alterarem a sua definição, para inverterem o sentido e o valor das características estigmatizadas... assume a forma de reivindicação regionalista”. (op. cit., p. 118).

O pensamento de Bourdieu decodifica a inversão a que estamos acostumados. Primeiramente é necessário produzir a representação como modo de apropriar-se da questão, do argumento, de produzir a necessidade, e a partir daí, da região representada _ do interesse restrito tornado territorialmente amplo _, torná-la real, como também a identidade dos que dela participam. Desta forma fusiona-se a representação que cria a noção de região a um interesse que se generaliza nesta respectiva abrangência territorial. Assim, estão estreitamente ligados identidade, regionalismo e necessidade econômica ligada a uma forma hegemônica de dominação social. Aquilo que

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TÓPICO 3 | A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO

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de forma mais abstrata dizia-se mais acima, da definição da comunidade territorial a partir da intersecção da cultura, da política e da economia comuns, mais concretamente se percebe agora. Tanto há a necessidade da criação do consenso por parte de uma elite, como há a aceitação de um sentimento de pertença por uma determinada comunidade, assim como também elite e comunidade reproduzem-se através de relações econômicas.

Para finalizar, creio que deve ser reforçada a ênfase no fato de que o regionalismo é parte de uma realidade pertinente à relação da sociedade com o território. Constitui uma forma de manifestação do interesse de uma comunidade em relação ao recorte territorial objeto do poder que predomina nela mesma. É expressão de um tipo de territorialismo. Como territorialismos deve-se entender não somente a escala da região, mas tanto a escala local, da nação, como também a escala global. Ou, o discurso predominante em defesa da abertura econômica das nações e da reforma do Estado não é um tipo de argumentação justificadora a um novo recorte territorial? Desta forma, creio que devemos pensar que o que observamos hoje não é exclusivamente um avanço da globalização, mas muito mais um globalismo, da mesma forma que no pós-guerra o nacionalismo impulsionou a formação das economias nacionais.

FONTE: HEIDRICH, Álvaro Luiz. Região e regionalismo: observações acerca dos vínculos entre a sociedade e o território em escala regional. Revista Gaúcha de Geografia, Porto Alegre, n. 25, p. 63-76, 1999. Acesso em: 20 fev. 2011.

Outra possibilidade de olhar sobre o entendimento do conceito de região é perceber a região como um foco de identificação cultural. Esta visão é menos dominante nos estudos sobre região e considera que, nas relações sociais, a cultura é o objeto principal das abordagens regionais.

É interessante destacar que o conceito de região a partir do cultural inaugura uma nova visão sobre as analogias que estão contidas nesse conceito. Portanto, para sua compreensão é necessário ter como parâmetro a identidade cultural, que se constitui uma outra maneira de entender a região na vertente do seu conceito atual.

Portanto, o sentido de região, nessa abordagem, está ligado ao de lugar. E o lugar, por sua vez, é constituído de indivíduos que habitam ou habitaram seus espaços e que, por conseguinte, imprimiram neles sua cultura. Dessa forma, a identidade cultural coloca novamente os seres humanos como atores na produção e reprodução da vida social e dos lugares.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

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Se elegermos a identidade cultural como um modelo regional, a região pode ser definida, representada e diferenciada. Desse modo, o ponto de vista humanístico sobre a sociedade é valorizado e passa a ser visto como um conjunto de significados anunciados em um determinado recorte regional. A partir do estudo dos costumes, dos hábitos ou das representações que as sociedades fazem de sua existência em um território, existe a possibilidade de ir além do entendimento da região como uma simples espacialização ou projeção de fenômenos determinados fora daquele espaço.

Sob o ponto de vista da identidade cultural, a região existe, é real e tem uma coerência que ultrapassa as considerações daqueles que a observam. Ela é apropriada e vivida por seus habitantes e diferencia-se das demais. Ou seja, o espaço fornece a identidade do grupo social nele existente. Analisar a região sob a perspectiva da identidade cultural é manusear o código de significações nela representado. (BEZZI, 2010).

Ao concluir este tópico queremos afirmar, mais uma vez, que os conceitos de região podem ser tantos quantos os cientistas que se preocupam com tal estudo e que não é possível tratar dessa temática sem que se esteja atento a isso. O que torna as abordagens diferentes é o olhar de cada pesquisador. Com isso, acredita-se que diversos conceitos de região convivem no tempo e que cada um possui suas especificidades.

Para aprimorar o entendimento do conceito de região, leia o livro: SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

DICAS

Tente perceber se isto está presente em sua região e como se manifesta! É interessante notar que essa identidade cultural está mais ou menos presente, dependendo da região e de sua história.

ATENCAO

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TÓPICO 3 | A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO

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Caro(a) acadêmico(a)! Tente você mesmo entender o conceito de região que melhor se aplica no lugar onde você mora.

ATENCAO

REGIONALISMO E ENSINO DE HISTÓRIA

Luis Fernando Cerri

[...]

O estabelecimento de uma região como objeto de estudos é sempre algo delicado, pois implica em afirmar um mínimo de homogeneidade no recorte que se estabelece, sempre “para fins didáticos”, quando sabemos que a multiplicidade e riqueza inerentes ao real passam ao largo dessa homogeneização. Em se tratando, porém, do discurso ideológico (que sustenta um de seus pés na história), procura-se estabelecer uma homogeneidade ainda mais distante da realidade, na medida em que apresenta uma identidade, interesses comuns definidos pelo “pertencimento” a uma determinada região.

Era assim, por exemplo, na Revolução Constitucionalista de 1932, em que “São Paulo” aparecia como sujeito coletivo encarnando um só interesse regional, deixando de levar em conta os “acordes dissonantes”. É o que vivemos, por exemplo, nas campanhas políticas proporcionais, em que se costuma pedir o voto a alguém da cidade. Há a ilusão de que um candidato possa representar os interesses de todos os setores sociais da cidade, interesses muitas vezes conflitantes. O conceito de classe precisa ser obliterado no discurso regionalista, para que este possa funcionar. É assim, ainda, quando nos falam de interesses nacionais e exigem que torçamos pelo Brasil.

O regionalismo é um problema político, não por ameaçar, no extremo, a unidade nacional, mas por ser um elemento que, além de propiciar o desenvolvimento de preconceitos regionais, baseia sua análise da realidade a partir do fator geográfico, ou seja, ideologiza a discussão dos problemas sociais contribuindo para elidir a compreensão das questões de classe e de gênero, desviando a atenção dos verdadeiros focos dos problemas. Maria Arminda do Nascimento Arruda faz uma excelente revisão da bibliografia sobre o regionalismo no Brasil, que através de diferentes enfoques (a partir da elite política, a partir do conceito de oligarquia e a partir do conceito de relações capitalistas como redefinidoras da região) estabelece a discussão do tema.

LEITURA COMPLEMENTAR

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

Se de fato estamos preocupados com um ensino crítico da história, é preciso compreender que a crítica não é uma metralhadora giratória descalibrada: só há crítica consequente se existe um ponto de partida, e daí podemos perceber que existem críticas e críticas. Com a queda do muro de Berlim e eventos correlatos, construiu-se um novo muro, o da ideologia do fim da história e da falência das interpretações totalizantes da realidade. Se subirmos nos ombros dos que combatem há várias décadas, poderemos olhar por sobre esse novo muro e vislumbrar algum horizonte, de maneira que não seja ridículo, pelo menos para nós, manter grandes ideais; um ensino que seja crítico até a raiz não pode perder de vista a perspectiva da transformação da sociedade em que vivemos.

Além disso, uma história coerente com sua cientificidade (respeitando os processos da lógica histórica, consciente de suas determinações e historicidade) tem o dever de discutir o ensino de história colocado em termos de nação como uma ideologia, e isso vem ocorrendo já há algum tempo, com a apresentação de alternativas de trabalho com os conteúdos da disciplina. Até porque o ensino de história, colocado em termos de região, tem uma necessidade muito grande de elementos constitutivos do que a Escola dos Annales chamava de história tradicional (o que não inclui necessariamente a conotação política que o termo pode ter): os fatos, heróis, as grandes batalhas e as grandes datas.

Escrevo essas reflexões na noite de um 7 de setembro, momento em que fica clara a interdependência entre a história nacional, os rituais cívicos das grandes datas, a memória das batalhas, tratados e heróis que delimitam o lugar do conhecimento do passado; é um momento que faz evocar o Marx do 18 Brumário, quando mostra a figura patética de Luis Bonaparte aproveitando-se da conjuntura para atingir o poder e celebrizar-se. Uma das nossas figuras da história nacional, da estirpe dos personagens como Luis Bonaparte, é eternizada cada vez que se produzem os desfiles, comemorações, jograis e discursos da data.

Procurando esquadrinhar o momento em que, no Estado de São Paulo, procura-se construir (inventar?) uma tradição regional e constituir um patriotismo paulista, nos momentos imediatamente posteriores à derrota da revolução de 1932, podemos verificar que a região, mais que uma fração da nacionalidade, é também uma construção da classe dominante em caráter regional, em um momento de crise econômica e política: estados e regiões não são apenas divisões administrativas da nacionalidade, mas espaços de exercício diferenciado e especializado da construção de pequenos consensos hegemônicos. No caso de São Paulo, a construção de um patriotismo regional está ligada ao desenvolvimento da cafeicultura e à formação de uma elite modernizante, que construiu uma tradição ligada aos bandeirantes, estabelecendo com eles uma continuidade psicológica.

A relação desses regionalismos com a ideia nacional está sempre em aberto, em constante diálogo, nem sempre cordial, escorregando inclusive para o separatismo e um difuso, mas grave, preconceito racial/regional, em casos extremos. Enfim, o que procuro afirmar é que não estamos em melhor situação se procuramos identificar a renovação da história com a sua regionalização,

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TÓPICO 3 | A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE REGIÃO

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contrapondo-a a uma perspectiva nacional. Ao nos preocuparmos em buscar uma identidade a partir da região, corremos o sério risco de desconsiderar que inexistem identidades puras, verdadeiras ou estáticas, já que as identidades são construídas pelas classes sociais (e devemos lembrar que existem classes com maior poder de determinação de uma identidade a generalizar) em diferentes momentos históricos.

De qualquer uma dessas maneiras a crítica nos escorrega das mãos, permanecemos nos debatendo dentro das malhas da hegemonia das classes dominantes, a partir dos seus discursos, das suas construções, alimentando o nacionalismo e/ou os regionalismos, contribuindo para forjar identidades e tradições inventadas que julgava-se perdidas e com necessidade de serem resgatadas, pensando que é preciso garantir a formação cívica do aluno e sua responsabilidade patriótica para que o país permaneça na sua senda de Ordem e Progresso, e que todos, dessa maneira, ganhem.

Analisando as festas cívicas da paulistanidade que ocorrem no 23 de maio e no 9 de julho, com suas tradicionais poesias, canções e discursos, estudando os materiais didáticos sobre o tema utilizados na sala de aula e na biblioteca, e verificando a preparação de multiplicadores da ideologia da paulistanidade para as comemorações do cinquentenário da Revolução Constitucionalista de 1932, patrocinada pela Secretaria da Educação, somos levados a algumas reflexões sobre a formação dos alunos. Que tipo de valores embasam o ensino de história e as práticas cívicas em torno do movimento constitucionalista? O primeiro objetivo dos que promovem as comemorações e o ensino desse episódio é agir contra a influência dissipadora do esquecimento e garantir que seja transmitida a memória regionalista; mas, além desse objetivo primordial, a intenção é oferecer para a infância e a juventude um tipo de comportamento individual e coletivo a ser seguido. No fundo, o que está acontecendo é a justificativa da violência, da ação belicista para a resolução dos problemas políticos, desde que se tenha por trás um “grande ideal” - a ação pessoal incentivada seria a coragem cega de doar a vida pela abstração São Paulo, ou pela abstração Brasil, por trás das quais ocultam-se classes dirigentes e seus interesses. É a permanência do “Morrer pela Pátria”, analisada historicamente por Phillipe Contamine, ao que Geraldo Vandré secundaria: “e viver sem razão...”

Que tipo de civismo está sendo formado, por esta linha tradicional de ensino de história? Como se entende aí a cidadania? Certamente, não dentro dos valores de tolerância, valorização das instituições democráticas, pacifismo, não-violência ativa, razão. Quando pensamos nos objetivos do ensino de história, que é a fundamentação de toda metodologia, e convencemo-nos de que visamos contribuir para a formação da cidadania consciente, que valores nos inspiram e conduzem na atividade docente?

Para encerrar, não tenho a pretensão de oferecer todas as respostas e soluções. Quero apontar algumas possibilidades e caminhos para discussão. Creio que temos a necessidade antropofágica de deglutir o civismo como está colocado

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

hoje, ligado à ideologia da nação e/ou da região, metabolizá-lo pela preocupação em desenvolver uma Educação Histórica, algo talvez mais amplo que ensino de História, no qual possamos procurar uma nova base que escape à história “territorial”, ou seja, que organiza os interesses sociais em torno das geografias, e não das relações sociais. Precisamos de uma determinação em responder que não devemos amor ao chão em que nascemos ou vivemos, na medida em que este nos daria de comer: quem me dá de comer é o meu relacionamento social, a minha interação com as pessoas que estão comigo numa comunidade que só permanece porque estabeleceu vínculos com diversas outras comunidades, às quais, indiretamente, pertenço.

Quem sustenta a minha vida não é São Paulo, o Paraná ou o Brasil, mas a humanidade e seu trabalho. Como dizer que há uma grande identidade entre quem nasce em Itararé e quem nasce em Ribeirão Preto, e que essa identidade não existe entre os moradores de Itararé que tomam chimarrão como os paranaenses do sul, e dizer que não há identidade entre os nativos de Ribeirão Preto e os mineiros do Triângulo? A identidade de “paulista” é abstrata, da mesma forma que a identidade de “brasileiro” é abstrata. “Existe é homem humano”, já dizia o Riobaldo de Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas”, como Dante Moreira Leite cita, muito brilhantemente.

FONTE: CERRI, Luis Fernando. Regionalismo e ensino de história. Disponível em: <http://www.rhr.uepg.br/v1n1/cerri.htm>. Acesso em: 17 dez. 2010.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu que:

● A maioria dos trabalhos de História Regional se define pelo caráter das relações de classe.

● A Escola Marxista teve uma contribuição importante para a conceituação sobre o termo. Para essa linha de pensamento a região seria, em suma, o espaço onde se constrói uma forma especial de reprodução do capital.

● Para se delimitar uma região não se deve levar em conta só os aspectos jurídico-administrativos, nem somente aspectos econômicos, mas os de ordem social e, sobretudo, de ordem política.

● A identidade regional é, pois, um produto da construção humana.

● Para o historiador, a região seria definida pelas relações sociais que nelas se estabelecem.

● Outra possibilidade de olhar sobre o entendimento do conceito de região é perceber a região como um foco de identificação cultural. Esta visão considera que, nas relações sociais, a cultura é o objeto principal das abordagens regionais.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos, resolvendo as questões a seguir.

1 Neste tópico existem vários autores que defendem uma conceituação de região. No entanto, explique como o geógrafo Milton Santos a define.

2 Alguns trabalhos de história definem região pelo caráter das relações de classe. Por sua vez, outros percebem região como um foco de identificação cultural. Esta visão considera que, nas relações sociais, a cultura é o objeto principal das abordagens regionais. Compare as duas formas de conceituar região.

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TÓPICO 4

A APROXIMAÇÃO DA HISTÓRIA

LOCAL COM A HISTÓRIA REGIONAL

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

2 HISTÓRIA LOCAL

Os modelos tradicionais produzem uma história onde o homem comum não é considerado um ser histórico, onde ele não participa da história. Para a história local, ao contrário, todo homem é sujeito da história. (VENTURA, 2011).

Segundo Ventura (2011), os modelos tradicionais produzem uma história onde o homem comum não é considerado um ser histórico, onde ele não participa da história. Para a história local, ao contrário, todo homem é sujeito da história.

Nesse tópico você estudará alguns aspectos que permeiam a construção de uma história local. Parte integrante da História Regional e, muitas vezes, confundida com essa, a História Local tem sido sugerida como necessária tanto para trabalhar questões que a história generalizante não aborda, quanto para ser construída no Ensino Básico. Pode-se pensar que é essa história que permite uma maior compreensão do aluno relativo ao seu entorno, conhecendo o passado mais perto dos seus espaços – escola, bairro, cidade – e também por possuir problemas significativos da história do presente.

Muitas vezes criticada por ser uma história “menor”, a História Local vem sendo aos poucos incorporada e aceita no fazer do historiador. Passando de um interesse restrito e limitado às expectativas das comunidades e historiadores amadores e leigos, hoje ela analisa e traz à baila atores e acontecimentos que haviam se perdido no tempo e na memória, com uma abordagem renovada. A história local, nessa perspectiva, proporciona inúmeras possibilidades de análise, de crítica, de interpretação e de revisão historiográfica.

Na Unidade 3 veremos algumas metodologias que podem ser utilizadas na abordagem de uma história local.

ESTUDOS FUTUROS

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

Não desacreditando nas outras maneiras de reflexão sobre a História que constroem explicações de grande amplitude, para entender as macroestruturas de funcionamento do passado, a tarefa de redescobrir o Brasil a partir da apreensão das diferentes realidades que compõem a sua dinâmica histórica passa pela demonstração das imensas possibilidades inerentes à história local. Mas, para tanto, é necessário que definamos o que ela é.

Para aprimorar o entendimento do conceito de região, leia o livro: SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

DICAS

[...] o que a História Local e Regional deve enfatizar é a existência de uma multiplicidade de tempos históricos convivendo simultaneamente na realidade de um mesmo país – ou de uma região –, que se interpenetram em virtude das próprias relações orgânicas entre os espaços inerentes à constituição de um Estado nacional ou, em um sentido mais amplo, de um mercado internacional, atendendo à exigência marxista de se pensar o local e o regional como espaço de dinamização de um determinado modo de produção.

FONTE: Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/proposito_regional.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011.

Essa abordagem não deve ser apenas a construção de uma história nacional a partir da somatória das diversas histórias locais.

O objetivo premente e atual dessa modalidade de fazer História não é o de somente fornecer elementos importantes para o entendimento das diversas variáveis que constituem o sistema de relações dentro do Estado nacional. É, também, estudar elementos que tornem possível submetermos a um exame crítico as grandes generalizações da nossa história brasileira. Ao estudar temas da localidade, pode-se, quando possível, articular na esfera do particular a preocupação singular em conexão com o universal.

O historiador que trabalha com o local não deve nunca abdicar de relacioná-lo com o regional. Lembrando que a História Regional é um recorte maior que a local e que a História Local exige um tipo de abordagem distinto daquele enfocado na história nacional e proporciona ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado.

O texto que segue é parte do artigo de Luis Reznik intitulado “Qual o

lugar da história local?”, no qual ele procura elucidar algumas questões sobre o fazer da história local.

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TÓPICO 4 | A APROXIMAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL COM A HISTÓRIA REGIONAL

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Os estudos sobre regiões ou localidades específicas também remontam ao século XIX. A dimensão continental brasileira suscitou, em contrapartida, nos últimos duzentos anos, estudos sobre experiências locais, quer sejam sobre o espaço do município, quer sejam sobre os estados da federação (ou as províncias do Império), quer sejam sobre as regiões (o “nordeste”, o “sul” etc.), no seu recorte geográfico, econômico, ou propriamente como uma construção historiográfica. Ainda está para ser inventariado esse leque de estudos, de forma a podermos ter a dimensão do que, quando e como foi produzido.

Ainda que correndo o risco de generalização indevida, mas baseando-me na análise da historiografia sobre a região de São Gonçalo, consigo perceber duas tendências nos estudos históricos sobre espaços locais. A primeira é a submissão dos ritmos e temas da localidade à História do Brasil. A forma de organização mais recorrente de periodização divide a História em Colônia, Império e República; os “ciclos econômicos” que determinam a produção local seguem sequencialmente os padrões da “História da Pátria”: pau-brasil na ocupação, açúcar na colonização e café no Império, indústria na República; os temas seguem os padrões da historiografia nacional da sua época. Na falta de informações relevantes sobre a região estudada, isto é, na falta de fontes documentais que permitam a reconstrução de experiências passadas, buscou-se suprir estes “silêncios” a partir de contextos maiores: a História do Brasil. Desvia-se o problema através de comparações hipotéticas do que tenha acontecido no local, com fatos generalizadores da História do Brasil. Ou seja, a experiência do passado local transforma-se em exemplos esparsos em meio a uma narrativa já consolidada pela historiografia nacional. A segunda tendência é a colocação em evidência do local, como se ali fossem experimentados processos ou ocorrido acontecimentos da mais alta relevância.

FONTE: REZNIK, Luis. Qual o lugar da história local? Disponível em: <http://www.historiadesaogoncalo.pro.br/txt_hsg_artigo_03.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011.

Na sua cidade as histórias locais tentam colocar em evidência os fatos acontecidos?

NOTA

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

Refletir sobre história local, no momento atual das produções e discussões historiográficas, nos remete necessariamente a uma interseção com a micro-história. Os historiadores que se filiam a essa prática historiográfica pretendem construir narrativas que têm buscado uma “descrição mais realista do comportamento humano”. Por um estilo realista compreende-se tanto um recorte que privilegia as histórias particulares de indivíduos, vilarejos e grupos específicos, como uma abordagem que compreende a “ação social como o resultado de uma constante negociação, manipulação, escolhas e decisões individuais”.

Em outras palavras, Roger Chartier define as tendências recentes da historiografia como a busca para reconhecer a maneira como os atores sociais investem de sentido suas práticas e seus discursos. O prazer da pesquisa histórica estaria no esquadrinhamento da “tensão entre as capacidades inventivas dos indivíduos ou da comunidade e os constrangimentos, as normas, as convenções que limitam o que lhes é possível pensar, enunciar e fazer”.

Como um sintoma historiográfico, constitui-se uma espécie de reação contra certas metodologias e eixos conceituais consagrados por produções da história social dimensionadas pelo paradigma de uma inteligibilidade global do social, e centrados na eficácia de uma abordagem macrossocial totalizadora. Nesses termos, devemos entender esse movimento como uma mudança nas escalas de observação, ampliando o foco da objetiva, como numa máquina fotográfica, permitindo a produção de diferentes efeitos de conhecimento.

Enganam-se, portanto, aqueles que julgam que a eleição de um

local, sob a perspectiva de uma história local, implica uma simplificação do número de variantes e aspectos da trama social. O local, alçado em categoria central de análise, pode vir a constituir uma nova densidade no quadro das interdependências entre agentes e fatores constitutivos de determinadas experiências históricas então eleitas pela lupa do historiador. Nessa nova pintura, cada aparente detalhe, insignificante para um olhar apressado ou na busca exclusiva dos grandes contornos, adquire valor e significado na rede de relações plurais de seus múltiplos elementos constitutivos.

Outro equívoco seria conceituar o local pela mera oposição com o nacional. “O que a experiência de um indivíduo, de um grupo, de um espaço permite perceber é uma modulação particular da história global”. A história local não se opõe à história nacional, muito pelo contrário. Ao eleger o local como circunscrição de análise, como escala própria de observação, não abandonamos as margens, os constrangimentos e as normas que, regra geral, ultrapassam o espaço local ou circunscrições reduzidas. A escrita da história local costura ambientes intelectuais, ações políticas, processos econômicos que envolvem comunidades regionais, nacionais e globais. Sendo assim, o exercício historiográfico incide na descrição dos mecanismos

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TÓPICO 4 | A APROXIMAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL COM A HISTÓRIA REGIONAL

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de apropriação – adaptação, resposta e criação – às normas que ultrapassam as comunidades locais.

Enfim, consideramos a abordagem sob o recorte da história local um campo privilegiado de investigação para os diversos níveis em que se trançam e constituem as relações de poder entre indivíduos, grupos e instituições. Campo privilegiado para a análise dos imbricados processos de sedimentação das identidades sociais, em particular dos sentimentos de pertencimento e dos vínculos afetivos que agregam homens, mulheres e crianças na partilha de valores comuns, no gosto de se sentir ligado a um grupo.

FONTE: Disponível em: <http://www.ebah.com.br/qual-o-lugar-da-historia-local-pdf-a60193.html>. Acesso em: 25 fev. 2011.

Podemos finalizar esse tópico reafirmando que a História Local propicia ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado, permitindo que a memória nacional possa ser encontrada ou reencontrada, ouvida, lida nas esquinas, nas ruas, nos bairros... Fazer história, e mais, fazer história local, é estabelecer relações entre a micro e a macro-história; é privilegiar o particular, sem desprezar o geral, numa complementação entre ambas.

“As histórias gerais devem servir para enquadrar e facilitar a visão de conjunto aos historiadores locais? Enquanto as histórias locais são imprescindíveis para matizar e enriquecer, ou mesmo corrigir, as gerais?”. (MENDES, 2000, p. 351).

Por fim, em relação à história ensinada, é possível pensar que essa abordagem coloca o aluno em contato direto com dados empíricos de pesquisa e fatos concretos, reais, possibilitando um aprendizado de maior interesse. É o que veremos na Leitura Complementar a seguir.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

LEITURA COMPLEMENTAR

A PROPÓSITO DE UM ESTATUTO PARA A HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL: ALGUMAS REFLEXÕES

Agnaldo de Sousa Barbosa

Por fim, gostaria de refletir sobre o sentido, o significado da História Local e Regional, enquanto parte do campo historiográfico. Alguns dos historiadores que se ocupam da História Local e Regional ainda o fazem tendo em mente a ideia equivocada de construção de uma história nacional a partir da somatória das diversas histórias locais. À constante representada pela história interpretada a partir do que se tem como geral em relação a certo tema, tratam de buscar adicionar a história particular que desenvolveram. Esse comportamento tem provocado confusões sobre o real significado da História Local e Regional, que, acreditamos, não é esse que acabamos de descrever. O objetivo dessa modalidade de escrita da História é fornecer elementos imprescindíveis para a compreensão das diversas variáveis que constituem o sistema global de relações dentro do Estado nacional e, também, elementos que tornem possível submetermos a um exame crítico as grandes generalizações da nossa história, não apenas nacional, mas, de certo modo, do próprio “Ocidente”.

Ao falarmos de exame crítico, não queremos dizer também que a finalidade da História Local e Regional seja a de testar a plausibilidade das grandes generalizações e teorizações estabelecidas acerca dos processos históricos, como defendem alguns historiadores, muitos deles seriamente engajados em uma militância favorável à história dos locais – este é outro problema que tem gerado incompreensões nada salutares ao desenvolvimento de um estatuto para a História Local e Regional. Um exemplo significativo nesse sentido pode ser encontrado na reflexão da historiadora Vera Alice Cardoso Silva, sobre o sentido da História Local e Regional. Para a historiadora, “as grandes teorias sociais, econômicas e políticas representam arquétipos que destacam os elementos essenciais nos processos de organização e dinâmica das instituições. A verificação da plausibilidade e da força explicativa de cada uma depende, em última análise, do teste histórico”. Assim, para ela, a História Local e Regional representaria “um dos mais eficazes instrumentos de teste de teorias estabelecidas”; enfatizando o caráter comparativo desse tipo de história, diz ainda que a história dos locais “fornece os elementos de comparação que (...) devem ser os materiais a serem usados pelos cientistas sociais na construção e revisão de teorias”.

Ora, dessa forma a História Local e Regional existiria apenas como um apêndice da história que se ocupa das macroestruturas e sua razão de ser seria unicamente o fato de que constitui uma espécie de laboratório que verifica se as grandes considerações tecidas acerca de um tema encontram aplicabilidade em realidades locais as mais diversas. Encontrando desvios, o papel da História Local e Regional seria o de tornar possível o diagnóstico do que convencionou-

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TÓPICO 4 | A APROXIMAÇÃO DA HISTÓRIA LOCAL COM A HISTÓRIA REGIONAL

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se determinar como geral no que diz respeito a um determinado tema. Como se pode apreender disso, a História Local e Regional não deixaria de ocupar uma posição secundária no ambiente historiográfico.

Contrariamente a essa postura, que só faz obstar ainda mais a afirmação de uma História Local e Regional com noções e preocupações próprias, o que propomos é que essa modalidade do conhecimento histórico esteja sempre imbuída do objetivo de lançar luz sobre as vivências concretas de homens e mulheres em contraponto ao vôo panorâmico da história que constrói explicações mais amplas e gerais, que engloba diferentes realidades num mesmo arcabouço padronizado de experiências. O que se deve pretender não é o teste de teorias, mas apreender toda a diversidade de experiências históricas que compõem o objeto sobre o qual elas versam.

A importância da História Local e Regional está, assim, no fato de que enquanto a história generalizante destaca as semelhanças, homogeneizando o amálgama de vivências dos locais, a história elaborada com base nas realidades particulares dos locais trabalha com a diferença, com a multiplicidade. Essa modalidade de escrita da história tem ainda a capacidade de apresentar o que há de concreto na dinâmica social e no cotidiano das pessoas que viveram longe dos grandes centros, das metrópoles. As grandes “generalizações” históricas bem ao gosto da Escola dos Annales, comuns à produção historiográfica nacional até avançados os anos 70, acabaram por esvaziar a historicidade das localidades do interior do país, tornando-se inadequadas e insuficientes para a tarefa de explicar a dinâmica peculiar que envolve a formação social, política, econômica e cultural do interior brasileiro. A história escrita a partir de um dimensionamento que prima pela generalização dos resultados obtidos na reflexão sobre espaços política e/ou economicamente hegemônicos acabou operando um reducionismo histórico, que muitas vezes soa falso e sem sentido se comparado à verdadeira realidade de inúmeras localidades.

Não pretendemos com nossa reflexão negar a importância da história que generaliza. Sem sombra de dúvida, ela continua sendo de vital importância para se traçar parâmetros que embasam a ideia que devemos ter de um “tempo do mundo”. O que pretendemos aqui é retirar a História Local do limbo historiográfico e alçarmo-la à condição de elemento também de primeira grandeza na tarefa de recuperar a vitalidade da experiência histórica brasileira e, assim, discutir os destinos do país. Para isso, tentamos traçar algumas linhas que esboçam a existência de um conjunto sistematizado de procedimentos que norteiam o trabalho com a história dos locais. O historiador que trabalha com o local e com o regional não traça os seus caminhos a “olho nu”. Pelo contrário, ele pode contar com todo um instrumental analítico que torna a sua história tão consistente, do ponto de vista teórico e historiográfico, quanto qualquer outra realizada com competência.

FONTE: BARBOSA, Agnaldo de Sousa. A propósito de um estatuto para a história local e regional: algumas reflexões. Disponível em: <www.franca.unesp.br/PROPOSITO_REGIONAL.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011.

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RESUMO DO TÓPICO 4Neste tópico você viu que:

● A dinâmica histórica passa pela demonstração das imensas possibilidades inerentes à História Local.

● O historiador que trabalha com o local não deve nunca abdicar de relacioná-lo com o regional.

● A História Regional é um recorte maior que a local e que essa exige um tipo de abordagem distinto daquele enfocado na história nacional e proporciona ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo a questão a seguir.

1 Em seu artigo Qual o lugar da história local?, Luís Reznik aborda algumas questões sobre o fazer da história local. Para esse autor, como se caracteriza a história local?

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TÓPICO 5

A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS

CONEXÕES COM A ESCALA

NACIONAL E GLOBAL

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

2 A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL

É necessário deixar claro que, com as constantes mudanças, com a globalização, o mundo não é o mesmo. Portanto, entender a região hoje é vê-la como um produto de articulações que são engendradas constantemente no espaço. (BEZZI, 2010).

A discussão relativa às questões da História Regional e suas conexões com

a história nacional e global é bastante ampla, densa, e o problema da valorização de uma em detrimento da outra não se restringe ao tempo atual. Há muito esse assunto vem sendo debatido entre os historiadores. Vamos entender um pouco sobre isso nesse tópico.

Atualmente existe uma preocupação entre historiadores e cientistas sociais em compreender e explicar as circunstâncias, as rupturas, os acontecimentos passados/presentes que se formam e modificam-se com a sociedade global. Sociedade essa que influencia as sociedades nacionais, regionais e, em muitos casos, as locais.

Uma boa leitura sobre o processo de globalização é: O Estado-Nação na época da globalização, de Octavio Ianni, disponível em: <www.uff.br/cpgeconomia/v1n1/octavio.pdf>.

DICAS

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

Partindo do princípio de que uma região é resultado de um processo histórico, cabe perguntar:

• No momento em que os processos de globalização e fragmentação dominam as discussões sobre recortar ou não o regional para melhor entendê-lo, dominá-lo ou mesmo reproduzi-lo, analisar a história sobre o enfoque regional ainda é uma alternativa viável? Por quê?

• Em que medida as questões vindas do exterior afetam as questões regionais?

• Além da influência do global sobre o regional, devemos observar a vinculação entre eles, na medida em que os circuitos globais transformam e são transformados por fenômenos de nível local. E ainda, como estudar o regional levando em conta as influências nacionais?

Você estudou anteriormente que o conceito de região sofreu modificações importantes nos últimos tempos. Assim, a referência da região à nacionalidade começou a ser substituída, pelo menos em parte, pela referência à globalidade.

Nesse sentido, José Clemente Pozenato (2003, p. 5-6), por meio de seus textos, nos subsidia a pensar sobre essa questão. Acompanhe a seguir!

Darcy Ribeiro no livro “Povo Brasileiro” faz uma profunda análise das características históricas e antropológicas da sociedade brasileira. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2006.

DICAS

[...] A identidade de cada região ganha novo significado e, até mesmo, novo realce. Durante o período de organização das nações – e, ainda hoje, naqueles territórios em que a questão da divisão nacional ainda não foi resolvida ou em que a consolidação das relações internas constituintes da nacionalidade ainda está em processo –, a ideia de região sempre se ergueu em contraposição à ideia de nação, ora com intuito de integração (na perspectiva do poder central), ora com intuito separatista ou, em grau mais atenuado, com intuito de afirmação da identidade própria (na perspectiva dos movimentos regionalistas).

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TÓPICO 5 | A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL

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Exemplos atuais de conflito entre região e nação (ou entre regionalidade e nacionalidade) podem ser observados inclusive na Europa, que foi o primeiro continente a se organizar em nações. No Brasil, um país de dimensões continentais, a questão regional nunca deixou de estar presente, sob diferentes formulações, desde a independência, mas especialmente no período republicano, quando se institui um governo central forte, num precário equilíbrio com a ideia de federação de estados. Isso no plano político e administrativo.

Não será diferente no plano cultural. Ruben Oliven (1992), um antropólogo social, entende que

a afirmação de identidades regionais no Brasil pode ser encarada como uma reação a uma homogeneização cultural e como uma forma de salientar as diferenças culturais. Esta redescoberta das diferenças e a atualidade da questão da federação numa época em que o país se encontra bastante integrado do ponto de vista político, econômico e cultural, sugerem que no Brasil o nacional passa primeiro pelo regional. (OLIVEN, 1992, p. 43).

Ou, na nossa perspectiva, o regional define-se por contraposição ao nacional. No caso brasileiro, apesar de alguns sintomas isolados de separatismo, as lutas regionais têm sido vistas como busca de relações cada vez mais adequadas de integração nacional, nas quais haja um grau satisfatório de respeito às diferenças de cada região e também um grau satisfatório de atendimento administrativo de suas carências.

[...]

Parece, pois, ser um fenômeno evidente o de que a globalização e a regionalização, tanto da cultura quanto da política e da economia, mantêm entre si alguma espécie de relação, como houve, e em muitos aspectos continua existindo, uma relação entre regional e nacional. No Brasil, mesmo que permaneça com maior força a ideia de região tendo como referência a nação, de alguma forma essa relação começa também a ser afetada pelos processos supranacionais e globais. No plano da cultura, essa possível relação entre região e mundo foi já observada. Oliven (1992, p. 135), ao analisar a questão regional no Brasil nos dias atuais, afirma que "todo esse processo de mundialização da cultura, que dá a impressão de que vivemos numa aldeia global, acaba repondo a questão da tradição, da nação e da região”.

FONTE: Disponivel em: <http://www.ucs.br/ucs/tplInstitutosimhc/institutos/memoria_historica_cultural/artigos/artigo_pozenato.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011.

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

Procedendo dessa maneira, vamos compreender que a região está historicamente inserida no todo, isto é, os acontecimentos observáveis em nível regional podem, quase sempre, referir-se a uma disposição mais ampla, nacional ou mundial, ou compor uma tendência interna do contexto particular. Assim sendo, a História Regional nada mais seria que um acontecimento que contém a presença do particular e do universal.

Barros nos ajuda a entender um pouco melhor a questão:

A História, ao dar ênfase aos estudos menores, que requerem escolha de temas, de problemáticas e de objetos bem definidos em termos de espaço e temporalidade, opta por uma abordagem densa que, mesmo sendo em certo sentido diminuída, não exclui o caráter complementar da macro-história. É importante que o estudo da história regional esteja relacionado com a macro-história, para não fragmentar o conhecimento histórico ou torná-lo inócuo, sem sentido e laudatório.

Laudatório – que celebra, glorifica, elogia, engrandece.

E o historiador? Como lida com essas questões? Como conciliar regional, nacional e global?

NOTA

UNI

Dessa forma é possível afirmar que a ideia de região, no Brasil, tem uma referência no passado, atrelada ao processo de consolidação da nacionalidade que começou com a Independência em 1822.

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TÓPICO 5 | A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL

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[...] De acordo com a historiadora Circe Bittencourt (2004), uma das questões importantes no momento da seleção de conteúdos é a dúvida entre privilegiar a história mundial. Atualmente há uma tendência didática em enfatizar a história mundial em detrimento da nacional, sendo a local praticamente silenciada. De acordo com esta visão, não seria adequada a proposta de uma história nacional, já que vivemos em um mundo globalizado e, como tal, seríamos cidadãos do mundo.

Isso faz com que haja uma tendência em diminuir os conteúdos relativos à História do Brasil, a qual está associada à concepção de história integrada, oferecendo uma abordagem inovadora em termos temporais, estabelecendo relações entre espaços e tempos variados, mas em contrapartida repassando a visão de que a história do Brasil está dissolvida na História Geral, como simples complemento desta. E muitas vezes a História Geral se restringe à história europeia, desconsiderando a história de outros continentes, como o africano, o asiático e o americano. Tal abordagem, quando contempla a história de outras sociedades, o faz a partir da história da Europa.

Nas diretrizes não se pretende negar a influência da Europa na história brasileira, mas sim abordá-la de modo não determinista, pois quando se prioriza a integração da História do Brasil à História Geral, não situando claramente os problemas nacionais e ampliando o conhecimento acerca da realidade brasileira, pode-se reforçar a ideia de que os conflitos internos, bem como seus acontecimentos sociais e históricos, desempenham um papel secundário na construção da nação.

A proposta das Diretrizes tem como objetivo a superação da visão de que os sujeitos históricos locais e nacionais não estão inseridos no contexto mundial, criando uma hierarquia na qual o Brasil assumiria o papel periférico. Superando esta visão minimizadora da História do Brasil, há uma nova perspectiva de divisão temporal a partir das histórias local e brasileira em uma análise dos componentes mais complexos de heranças diversas.

Estudar a História do Brasil e as histórias locais relacionadas à mundial permite um maior questionamento em relação a situações variadas, permeadas de acontecimentos em setores diversos, seja cultural, político ou social. Partir da história nacional, em especial do local para o mundo, possibilita um entendimento mais amplo por parte

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UNIDADE 1 | ELABORANDO CONCEITOS DE HISTÓRIA REGIONAL, DE REGIÃO, DO LOCAL, NACIONAL E GLOBAL

do aluno, já que o mesmo estará lidando com acontecimentos mais tangíveis, integrados à sua própria realidade, vendo-se assim como um sujeito inserido dentro do desenrolar histórico. Consequentemente, terá uma visão mais aprofundada no que toca à história não só da sua localidade, como também do seu país.

[...]

No entanto, é importante ressaltar que, embora a proposta pedagógica de História para o Ensino Fundamental parta das histórias locais e do Brasil para a História Geral, não se pode impor esta relação quando ela, de fato, não existe.

Quando não é possível partir da História do Brasil é possível iniciar a abordagem por estudos comparativos, de forma a continuar priorizando as histórias locais e do Brasil para as séries finais do Ensino Fundamental, pois a investigação didática da História é resultado de recortes ligados às problemáticas do presente. Sendo possível a utilização de fontes orais, os testemunhos de história local, além de linguagens contemporâneas, como fotografia, cinema, quadrinhos, literatura e informática.

De acordo com o historiador Ivo Mattozzi (1998, p. 40), as histórias locais permitem não só a investigação da região ou dos lugares onde os alunos vivem, mas também as de outras regiões ou cidades. Dessa forma ele aponta alguns caminhos para o estudo das histórias locais, enfatizando que há fenômenos que requerem análises em pequena escala para que se construa o conhecimento do passado. Neste sentido é importante o estudo e o respeito pelas histórias locais, pelo patrimônio, pelas narrativas históricas, a consideração pelo “outro”, o que torna possível a relação entre os fatos locais e os nacionais, que, por sua vez, também se contextualizam na história mundial. (p. 5-7) [...].

FONTE: Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/597-4.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011.

Por fim, a História Regional apresenta novas possibilidades de interpretação ao estudo de cunho nacional, podendo abordar questões temáticas fundamentais da história global a partir do ângulo do particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, já a regional opera com as diferenças, a multiplicidade de identidades.

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TÓPICO 5 | A HISTÓRIA REGIONAL E SUAS CONEXÕES COM A ESCALA NACIONAL E GLOBAL

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Não fragmentar demais os conteúdos é um cuidado importante quando tratamos dessa relação regional/nacional/global. Essa ideia de não fragmentar os conteúdos estudados faz com que uma proposta de história regional não deva abordar o regional em si mesmo, mas fazer a leitura do regional a partir de uma relação articulada entre o local e o global, entendendo-se o regional como o intervalo necessário entre o local e o global. (ALVES; SCHALLENBERGER; BATISTA, 2005).

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RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico você estudou que:

● Existe uma preocupação entre historiadores e cientistas sociais em compreender e explicar as circunstâncias, as rupturas, os acontecimentos que se formam e modificam-se com a sociedade global.

● O local influencia as sociedades nacionais, regionais e, em muitos casos, a mundial.

● A referência da região à nacionalidade começou a ser substituída, pelo menos em parte, pela referência à globalidade.

● É importante que o estudo da História Regional esteja relacionado com a macro-história, para não fragmentar o conhecimento histórico ou torná-lo inócuo.

● A História Regional pode abordar questões temáticas fundamentais da história global a partir do ângulo do particular.

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Exercite seus conhecimentos, resolvendo a questão a seguir.

1 Após ler lido este tópico, responda com argumentos! Como a região pode se manter nesse conflito entre o local e o global? Que lugar a região ocupa nessa discussão?

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 2

HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA

ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• identificar a aproximação da história comparada com a História Regional;

• conhecer as abordagens da micro-história e sua conexão com a História Regional;

• identificar o uso da memória para a construção da história;

• compreender o uso da história oral no trabalho de História Regional;

• conhecer algumas possibilidades para o Ensino da História Regional e Local.

Esta unidade está dividida em cinco tópicos, sendo que em cada um deles você encontrará atividades que o(a) auxiliarão para uma maior compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – O QUE A HISTÓRIA COMPARADA TEM A VER COM A HISTÓRIA REGIONAL

TÓPICO 2 – AS ABORDAGENS DA MICRO-HISTÓRIA E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA REGIONAL

TÓPICO 3 – DISCUTINDO A AFINIDADE ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA

TÓPICO 4 – O USO DA HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

TÓPICO 5 – METODOLOGIA PARA ENSINAR HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL

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TÓPICO 1

O QUE A HISTÓRIA COMPARADA TEM

A VER COM A HISTÓRIA REGIONAL

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

2 HISTÓRIA COMPARADA

A História Comparada é o método de pesquisa que convida a uma mudança de atitude no modo de fazer História; é uma nova perspectiva dos pesquisadores como sujeitos em relação ao objeto de pesquisa. (THEML, 2007).

O estudo regional nos permite estabelecer comparações, uma vez que, ao estabelecermos uma relação do regional com o nacional, nossa visão e compreensão de determinado fato se ampliam, possibilitando romper com estereótipos historiográficos. (CAPRINI, 2011, p. 4).

A História Comparada é o método de pesquisa que convida a uma

mudança de atitude no modo de fazer História, é uma nova perspectiva dos pesquisadores como sujeitos em relação ao objeto de pesquisa. Bastante antiga no fazer do historiador, essa abordagem vem ganhando espaço nos estudos históricos brasileiros de forma geral e em particular nos estudos regionais e locais. Nesse tópico vamos conhecer um pouco desse método e relacioná-lo com a abordagem regional.

A História Comparada é uma abordagem historiográfica que num primeiro momento parece fácil de empreender, porém, seguramente marcada pela complexidade. José D’Assunção Barros (2010) afirma que a História Comparada refere-se simultaneamente a um ‘modo específico de observar a história’ e à escolha de um ‘campo de observação’ de determinado tipo – na verdade, um “duplo campo de observação. Situa-se entre aqueles campos históricos que são apresentados por uma “abordagem” específica (por um modo próprio de fazer a história, de observar os fatos ou de analisar as fontes).

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

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Sintetizada em duas perguntas que a tornam possível, a história comparada pergunta concomitantemente, no momento mesmo em que os historiadores estão prestes a começar sua pesquisa: “o que observar?” e “como observar?”

Nesse sentido, a história comparada trabalha tanto com a escolha de um recorte geminado de espaço e tempo que obrigará o historiador a atravessar duas ou mais realidades socioeconômicas, políticas ou culturais distintas, como, de outro lado, esta mesma história comparada parece imprimir, através do seu próprio modo de observar a realidade histórica, a necessidade a cada instante atualizada de conciliar uma reflexão simultaneamente atenta às semelhanças e às diferenças, repensando as metodologias associáveis a esta prática. (BARROS, 2010, p. 3).

Servindo seu método tanto para abordagens em história generalizante nacionais, como comparações entre países, até regiões e localidades menores. O que é mais fácil ainda de realizar, devido ao fato do recorte tempo/espaço ser menor.

Ao impor àqueles que a praticam um novo modo de pensar a história a partir da própria construção de seu recorte, a História Comparada revela-se uma oportunidade singular para que se repense a própria história em seus desafios e seus limites.

A investigação comparativa é um desafio para o saber histórico e para

aqueles que a praticam. As iniciativas não são homogêneas, mas, apesar disso, o que as une é a atitude enfaticamente crítica do comparativismo, que resulta na construção de um espaço amplo e diversificado de produção de conhecimento histórico. No caso da história da cidade, os motivos de interesse de uma pesquisa comparada são muito evidentes, pois é preciso entender se as diferenças entre os locais comparados podem ou não ser qualificadas como soluções formalmente diferentes para problemas comuns. Nesse sentido, imagine pensar a história de sua localidade quando comparada com a de localidades vizinhas, próximas. Será que essa abordagem não ajudaria você a entender coisas que os documentos oficiais não dizem?

Uma ótima leitura teórica sobre o tema é: BARROS, José D’Assunção. História Comparada: um novo modo de ver e fazer a história. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, dez. 2010. Para um trabalho mais concreto leia:

FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002). São Paulo: Editora 34, 2002.

DICAS

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TÓPICO 1 | O QUE A HISTÓRIA COMPARADA TEM A VER COM A HISTÓRIA REGIONAL

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A seguir, um pequeno texto elaborado pelo Programa de Pós-Graduação em História - PPGHC - da UFRJ, que nos ajuda a entender um pouco mais a História Comparada.

PERSPECTIVA

Nas primeiras décadas do século XX, Davillé e Febvre apresentaram a possibilidade de usar o método comparativo na História, superando a concepção tradicional baseada na singularidade do fato político. Inserido neste contexto, Bloch definia que a comparação explicaria as semelhanças e diferenças entre duas séries de natureza análoga, mas de meios sociais distintos. Como objeto de aplicação deste método, elegeu sociedades que eram vizinhas e contemporâneas, sofriam “influência uma da outra” e remontavam parcialmente a uma “origem comum”. A proposta de Bloch, próxima do comparativismo de Durkheim, trazia uma perspectiva histórica mais ampla, extrapolando os estudos locais, característicos da tradição historiográfica francesa. Este método comparativo tinha o mérito de afastar o estudioso de seu próprio ponto de observação e permitir a passagem da descrição à explicação de processos históricos, sistematizando conhecimentos. Entretanto, a História Comparada de Bloch atinha-se às fronteiras políticas e a uma mesma temporalidade. A maioria dos estudos históricos comparativos ainda segue neste sentido, “comparando-se o comparável”, ou seja, privilegiando sociedades vizinhas de mesma natureza e coetâneas.

O comparativismo de Bloch se distinguia daquele de Weber para as Ciências Sociais, que cotejava traços de um período com os de outros, objetivando ver o que não estava lá, a ausência específica. Comparava aspectos parciais e selecionados dos processos em confronto, mesmo que distantes temporalmente, a partir de probabilidades típicas de acontecer (e eventualmente da formulação de tipos ideais). Esta abordagem envolvia, portanto, sociedades francamente heterogêneas e/ou muito afastadas temporalmente, procurando o peculiar e não o comum a várias ou a todas as configurações históricas.

[...]

Leia no Livro de Estudos de Processos Historiográficos, isso ajudará você a entender um pouco mais sobre fontes históricas.

NOTA

LEITURA COMPLEMENTAR

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

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Corria-se ainda o risco de etnocentrismo, pois, muitas vezes, considerava-se o Ocidente como norma da qual divergiriam as outras culturas. Daí, a cautela em relação ao comparativismo em História.

Entretanto, aspectos favoráveis foram levantados. Cardoso e Pérez Brignoli afirmam que o impulso da História Comparada deveu-se principalmente ao estabelecimento de um contato mais aprofundado com as Ciências Sociais, para as quais a construção do objeto implicava em comparação; ao desenvolvimento da História em diversos países no pós-Segunda Guerra, ampliando as possibilidades de verificação de hipóteses; e ao sucesso alcançado por estudos comparativos, sensíveis às especificidades dos elementos analisados e com maior rigor teórico-metodológico. Estes historiadores destacam ainda outros pontos positivos deste tipo de abordagem, como, por exemplo, o rompimento com um dos legados da historiografia do século XIX - a concepção das fronteiras políticas nacionais como unidades naturais de estudo - e concomitantemente a disponibilização de ferramentas para a distinção das singularidades de um objeto situado numa tipologia, destacando-se quer os traços comuns quer os traços incidentais no conjunto dos objetos comparados.

Assim, a partir de meados do século XX, com a fragmentação do mundo contemporâneo e a crítica à concepção evolucionista e progressista da História, abriram-se novos caminhos ao método comparativo. O desenvolvimento da Arqueologia, Antropologia e Semiótica, dentre outros, propiciou uma visão distinta das sociedades a partir de problematizações comuns, encontrando-se respostas diferentes. Isto foi possível no contexto da crítica aos paradigmas iluministas, com a desconstrução de hierarquias culturais e visões etnocêntricas, viabilizando epistemologicamente “comparar o incomparável”. Tal é a proposta de História Comparada apresentada por Vernant e Detienne e adotada pelo PPGHC.

[...] Detienne, em obra publicada em 2000, apresenta os pressupostos

do trabalho deste grupo: considerar que uma sociedade é formada por uma complexidade infinita de elementos, própria da dinâmica das relações e práticas pelas quais os homens se articulam, produzindo múltiplas combinações e ações sociais; reconhecer que há diversas redes de imbricações, não necessariamente lineares, causais e evolutivas, que têm mais condições de serem percebidas ao se tornarem objeto de comparação pela construção de conjuntos de problemas comuns às pesquisas da equipe; abordar os diferenciais espaçotemporais, além das várias modalidades de observação e análise dos fenômenos, incentivando que as questões sejam discutidas sob diversos ângulos pela equipe, rejeitando princípios de univocidade, advindos de autoridade pessoal, modelos, enquadramentos e linearidade do objeto/sujeito de conhecimento; preocupar-se em descobrir formas múltiplas através da construção de conjuntos comparáveis, compreendendo assim diversas culturas e como elas se autorrepresentam; trabalhar coletivamente, pois a pesquisa de cada um se completa com as demais.

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TÓPICO 1 | O QUE A HISTÓRIA COMPARADA TEM A VER COM A HISTÓRIA REGIONAL

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A partir destes pressupostos, a abordagem comparativa no Modelo Vernant-Detienne é operacionalizada em três etapas complementares:

a) Construção de objetos de pesquisa pelos projetos individuais da equipe. No PPGHC, esta etapa se concretiza na diversidade das pesquisas realizadas por seus membros, docentes e discentes, abrangendo distintas temporalidades e espacialidades, fenômenos e fontes.

b) Construção de conjuntos de problemas. O conjunto de problemas é um conceito metodológico que constitui um primeiro horizonte de aproximação das questões que perpassam os projetos individuais da equipe, estabelecendo as linhas mestras da comparação em um horizonte fenomenológico e conceitual aberto, transversal aos cortes espaçotemporais tradicionais. O conjunto de problemas possibilita o compartilhamento e a circulação das ideias, formas de abordagem, hipóteses e encaminhamentos teórico-metodológicos que incidem sobre os objetos de pesquisa. No PPGHC, as linhas de pesquisa definem-se como conjuntos de problemas, oferecendo linguagens comuns às questões debatidas em cada projeto e viabilizando em seu âmbito um lugar próprio ao enfoque comparativo.

c) Criação dos campos de exercício de experimentação comparada. Também se trata de um conceito metodológico, baseado na comparação construtiva, que se inicia com a elaboração de conjuntos de problemas e se concretiza nos debates entre os membros da equipe. Este campo é efetivado em atividades acadêmicas regulares, em que os pesquisadores apresentam o desenvolvimento de seus temas, individual (projetos de pesquisa) e coletivamente (conjuntos de problemas). No PPGHC, isto ocorre nas disciplinas, atividades de extensão, simpósios anuais de História Comparada e intercâmbios acadêmico/institucionais, resultando em publicações científicas de obras coletivas e artigos.

A investigação comparativa é um desafio epistemológico, acadêmico e político para a História. As iniciativas nesta área não são homogêneas, mas, apesar disso, o que as une é a atitude enfaticamente crítica do comparativismo face aos paradigmas tradicionais do saber histórico e o estabelecimento do diálogo entre várias disciplinas. Neste sentido, sem descartar o comparativismo de Weber ou Bloch, a proposta do PPGHC segue outro caminho.

[...]

O método comparativo permite estabelecer o estranhamento, a diversificação e a singularidade do que parecia empiricamente diferente ou semelhante, posto pelo habitus e reproduzido pelo senso comum. Portanto, o fundamental do método comparativo adotado pelo PPGHC, e que define o seu perfil e a sua capacidade de inovação, é o trabalho coletivo, aberto à pluralidade de opções em relação ao recorte do objeto, tempo, espaço, métodos e conceitos. Consideramos que a História, hoje, não pode prescindir das contribuições de

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

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outras áreas do conhecimento, embora o trabalho multifocal não implique necessariamente em um produto final interdisciplinar; produz-se História, mas, sendo comparada, esse saber histórico se identifica na incorporação de outras perspectivas advindas de diversas disciplinas das Ciências Humanas. Ou seja, a História Comparada no Modelo Vernant-Detienne exige que a disciplina se refaça no diálogo, na consolidação de grupos de pesquisa, no aporte de olhares plurais sobre conjuntos de problemas tornados convergentes pela síntese comparativa e não pela sua “semelhança” originária.

Há poucos centros formais de estudos históricos comparativos no Brasil, embora haja pesquisas individuais seguindo diversas linhas da abordagem comparada. Estes trabalhos são agrupados por seus objetos: caso se compare práticas políticas, por exemplo, situa-se tradicionalmente em linhas de pesquisa ou áreas de concentração de História Política. A implantação do PPGHC visa conferir uma identidade a essas e outras pesquisas comparadas, quer sigam modelos estabelecidos do comparativismo de Bloch ou Weber, quer procurem inserção em campos de exercício de experimentação formados na linha Detienne-Vernant. O programa procura manter-se em processo contínuo de aperfeiçoamento, a fim de permitir cada vez maior integração - sem fechamento - da estrutura curricular com as linhas de pesquisa e os trabalhos da equipe, consolidando a proposta de uma concentração em História Comparada.

FONTE: PPGHC. Programa de Pós-Graduação em História Comparada. Perspectiva. Disponível em: <http://www.hcomparada.ifcs.ufrj.br/apresentacao/index.php>. Acesso em: 14 dez. 2010.

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RESUMO DO TÓPICO 1Neste tópico você viu que:

● A História Comparada é uma abordagem historiográfica que num primeiro momento parece fácil de empreender, porém, seguramente é marcada pela complexidade.

● Seu método serve tanto para abordagens em história generalizante nacionais,

como comparações entre países, até regiões e localidades menores.

● A história de sua localidade, quando comparada com a de localidades vizinhas, próximas, é um dos desafios da História Comparada.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo as questões a seguir.

1 A partir da leitura do tópico, construa um conceito de História Comparada.

2 “Corria-se ainda o risco de etnocentrismo, pois, muitas vezes, considerava-se o Ocidente como norma da qual divergiriam as outras culturas. Daí a cautela em relação ao comparativismo em História.” Na sua opinião, por que no uso do método comparado corre-se o risco de ser etnocêntrico?

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TÓPICO 2

AS ABORDAGENS DA MICRO-HISTÓRIA

E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA

REGIONAL

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

2 MICRO-HISTÓRIA

A micro-história não é necessariamente história regional. A micro-história pode, sim, ser característica de um período. É preciso que haja, no entanto, este intercâmbio com o macro, esta troca de experiência, um “jogo de escalas”, é preciso que busquemos observar e levar em conta o “processo”. (OLIVEIRA, 2011, p. 9).

Provavelmente você já deve ter ouvido falar em micro-história, ou não?

A micro-história está em voga no cenário histórico brasileiro e é um tipo de abordagem que reduz a escala de observação do historiador, que procura apreender do passado aquilo que, habitualmente, escapa ou escapou dos demais historiadores geralmente preocupados com um ponto de vista mais generalista.

Tendo uma semelhança (apesar de ter especificidades que a diferenciam) com a história regional e também local, a micro-história elege um campo de observação específico para a construção de seu objeto de estudo, buscando uma descrição mais densa do social, usando um modelo de ação que dá voz a personagens que, de outro modo, ficariam no esquecimento. Elucidar e situar as principais características da micro-história, nesse tópico, é nosso objetivo.

O aparecimento da micro-história está relacionado com o debate historiográfico desencadeado, sobretudo, nas décadas de 1970 e 1980 e também com a crise do paradigma marxista e de outros modelos de história generalizante observados naquele período.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

A micro-história é comumente entendida como um indício, como um elemento a mais para encontrar respostas a situações onde se verificam desconfianças em relação à abordagem da história dominante. Para tal, usa métodos e procedimentos próprios.

Ligada ao surgimento da Nova História Cultural, a micro-história trouxe uma resposta à crise dos grandes paradigmas, redefinindo conceitos e criando uma análise mais profunda em relação aos instrumentos e métodos existentes até então.

Luís Henrique de Oliveira (2010) nos ajuda a entender melhor essa

questão, dizendo:

Este assunto também já foi tratado no Livro de Estudos de Processos Historiográficos.

ATENCAO

Dessa forma, a micro-história não procura renunciar à história social, mas sim reconsiderá-la e dinamizá-la. Ela nos permite um enriquecimento da análise social, complexificando-a ao levar em conta aspectos inesperados. Como salienta Levi, o princípio unificador de toda pesquisa micro-histórica se baseia na crença de que a análise microscópica revelará fatores previamente não observados. Devemos, portanto, estudar o social, não como um objeto dotado de propriedades, mas como um conjunto de inter-relações móveis dentro de configurações em constante adaptação. A micro-história tem demonstrado a falibilidade e a incoerência dos contextos sociais, como convencionalmente definidos. Ela procura ir além da interpretação, para tentar formular explicações históricas.

FONTE: Disponível em:< http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/03/artigo-1a4.pdf>. Acesso em 26 fev. 2011.

O método da micro-história possibilita escrever uma série de acontecimentos e episódios significativos que, de outra maneira, seriam inaudíveis e que poderiam ser interpretados por sua inclusão num contexto mais amplo, ou seja, na trama do discurso social. Constitui uma prática que visa, fundamentalmente, à redução da escala de observação, em uma análise microscópica, com base em um estudo intenso das fontes documentais.

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TÓPICO 2 | AS ABORDAGENS DA MICRO-HISTÓRIA E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA REGIONAL

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Reduzir a escala significa se aproximar de um objeto com uma lupa com a finalidade de perceber nele características ainda não observadas, ou seja, a busca de imagens ímpares. Aproxima-se da vida de uma única pessoa e de seu contexto social mais próximo, por exemplo. Por conta disso, muitos críticos da micro-história acusam-na de pretender tornar um caso extremo em típico.

Para não fragmentar a análise histórica ou torná-la sem sentido, o objeto de estudo da micro-história terá que ser contextualizado. Ao micro-historiador cabe, deste modo, desenvolver um trabalho de construção de relações entre a micro-história e a macro-história, permitindo na sua abordagem obter clareza dos conteúdos e apropriar-se do conhecimento histórico, sempre que possível interligando os fatos locais com os contextos nacional e global. Articulando a singularidade à universalidade na esfera da particularidade.

Dessa forma, o trabalho do historiador seria próximo à atividade de um detetive, que, pelos indícios e pequenas provas, reconstruiria um mundo de significação que, no caso do detetive, é o crime e no caso da história é o acontecimento.

E a relação dos estudos locais/regionais com a micro-história? É importante ressaltar que nesse caso não se exclui o caráter complementar da macro-história, mas parte-se a inter-relação entre os aspectos micro e macro na pesquisa histórica e de um necessário equilíbrio entre ambos para um adequado resultado no processo. Dessa maneira, o objeto de estudo da micro-história deve ser contextualizado para não fragmentar demasiadamente o conhecimento histórico ou torná-lo sem sentido.

Mozart Lacerda Filho (2011) nos auxilia a pensar essa questão afirmando:

E foi neste mar de possibilidades novas que vários historiadores passaram a navegar. Um dos mais importantes e que primeiramente merece destaque é o italiano Carlo Ginzburg, que em 1976 lança uma obra ímpar da Nova História Cultural (e porque não dizer, da Micro-História também), intitulada "O Queijo e os Vermes". Nela, o autor discorre sobre um moleiro condenado como herege pela Inquisição Papal no século XVI. Podemos considerar essa obra uma obra-síntese, uma vez que foi nela que Ginzburg abandonou o conceito de mentalidades e adotou o de cultura, definindo-a como o conjunto de atitudes, crenças, códigos de comportamento próprios das classes subalternas em certo período histórico.

O que significa reduzir escalas? Na escala de observação reduzida, a análise desenvolve-se a partir de uma exploração exaustiva das fontes, envolvendo a descrição etnográfica e tendo preocupação com uma narrativa literária.

NOTA

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

FONTE: Disponível em:<http://www.klepsidra.net/klepsidra5/oqueijo.jpg>. Acesso em: 24 jan. 2011.

3 MICRO-HISTÓRIA E HISTÓRIA REGIONALVocê deve estar se perguntando: qual a relação da microanálise com a

História Regional e local?

Veja: a História Regional, ao enfatizar os estudos locais que demandam escolha de temas, de problemáticas e de objetos bem definidos em termos de espaço e temporalidade, opta por uma análise densa que, mesmo sendo redutiva, não exclui o caráter complementar da macro-história, o mesmo fazendo a micro-história.

FIGURA 3 – O QUEIJO E OS VERMES

O livro “O Queijo e os Vermes”, do escritor Carlo Ginzburg (considerado o maior clássico e obra inicial da Micro-História), trata da história do moleiro friulano Menochio Scandella, que, após algumas leituras, cria significados divergentes dos da doutrina da época para definir Deus e outras questões ligadas à fé. Em virtude das divergências de pensamentos com os instituídos na época, Menochio é intimidado a depor na Inquisição, livrando-se do primeiro julgamento, mas sendo condenado no segundo e terceiro julgamentos. Observa-se claramente que Domenico (Menochio) chega a determinadas conclusões, segundo ele, por si mesmo, e que ninguém mais crê nisso, além dele próprio. Logo, Menochio era um pensador, dentro do universo de analfabetos que o circundava, que pregava uma religião mais comum e igualitária para todos, onde qualquer pessoa pudesse crer em Deus na sua fé primitiva, ou seja, com base na sua fé primeira, independente dos dogmas do cristianismo.

NOTA

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TÓPICO 2 | AS ABORDAGENS DA MICRO-HISTÓRIA E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA REGIONAL

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Já a escrita da história local e a micro-história constroem ambientes intelectuais, ações políticas, processos econômicos que envolvem comunidades regionais, nacionais e globais. No entanto, não devemos achar que história regional e micro-história são a mesma coisa.

Sobre essa temática valem aqui alguns esclarecimentos, feitos a partir da obra de José Barros (2010, p. 152-153).

DESMUNDO

Um filme que mergulha na micro-história brasileira é “Desmundo”. “Desmundo” é uma abordagem em nível cinematográfico de um flagrante particular dos primeiros anos da História do Brasil (1570), privilegiando, nesse enfoque, a situação em que se encontravam as mulheres que, vindas da Corte (Portugal), eram para aqui enviadas para casar com os primeiros colonizadores. A ótica do filme é, portanto, uma ótica afinada com o que se chama de micro-história, ou seja, destaca uma situação em particular (a condição feminina), deixando em segundo plano as implicações políticas e econômicas. O filme tem cuidadosa reconstituição de época, chegando ao detalhe de ser inteiramente falado em português antigo, o que faz com que seja inteiramente legendado. A fotografia é outro ponto forte da obra e o elenco está afinado, com destaque para a carrancuda e sincera atuação de Osmar Prado.

DESMUNDO. Produção de Van Fresnot. Distribuição: Columbia Pictures do Brasil, 2003 (100 min.). 1 DVD, son, color.

FONTE: Disponível em: <http://www.ivox.com.br/opiniao/?id=100295>.Acesso em: 25 fev. 2011.

DICAS

Quando um historiador se propõe a trabalhar dentro do âmbito da história regional, ele mostra-se interessado em estudar diretamente uma região específica. O espaço regional, é importante destacar, não estará necessariamente associado a um recorte administrativo ou geográfico, podendo se referir a um recorte antropológico, a um recorte cultural ou a qualquer outro proposto pelo historiador de acordo com o problema histórico que irá examinar. Mas, de qualquer modo, o interesse central do historiador regional é estudar especificamente esse espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar, em algum

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

momento de sua pesquisa, a inserção do espaço regional em um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial).

A micro-história não se relaciona necessariamente ao estudo de um espaço físico reduzido, embora isto possa até ocorrer. O que a micro-história pretende é uma redução na escala de observação do historiador com o intuito de se perceber aspectos que de outro modo passariam despercebidos. Quando um micro-historiador estuda uma pequena comunidade, ele não estuda propriamente a pequena comunidade, mas estuda através da pequena comunidade (não é, por exemplo, a perspectiva da história local, que busca o estudo da realidade microlocalizada por ela mesma).

O objeto de estudo de um micro-historiador não precisa ser, desta forma, o espaço microrrecortado. Pode ser uma prática social específica, a trajetória de determinados atores sociais, um núcleo de representações, uma ocorrência (por exemplo, um crime) ou qualquer outro aspecto que o historiador considere revelador em relação aos problemas sociais ou culturais que se dispôs a examinar.

FONTE: Disponível em: <http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://2.bp.blogspot.com>. Acesso em: 8 mar. 2011.

FIGURA 4 – O COTIDIANO DOS TRABALHADORES NO RIO DE JANEIRO DA BELLE ÉPOQUE

No Brasil, um dos estudos mais significativos sob o olhar micro-historiográfico é o livro de Sidney Chalhoub, Trabalho, lar e botequim. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. É composto por uma tríade de personagens a partir dos quais o professor Chalhoub investiga o cotidiano da vida dos trabalhadores na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. É uma leitura obrigatória para se conhecer a Micro-História brasileira.

DICAS

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LEITURA COMPLEMENTAR

RÉUS DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA: ANÁLISE DE CASOS

Ronaldo Vainfas

Micro-História, cultura e sociedade têm sido as linhas de pesquisa trabalhadas por Ronaldo Vainfas, Professor Doutor em História Social, filiado à Universidade Federal Fluminense. Assim insere seu artigo “Identidade fragmentada: dilemas de um cristão-novo no Recife holandês”, num programa maior que tem por objetivo discutir o projeto Conflitos religiosos e metamorfoses culturais no Brasil holandês.

O autor busca, através de processos inquisitoriais, construir o panorama religioso que se configurou no Recife nos séculos XVI e XVII, tomando como exemplo Manoel Gomes Chacão, cristão-novo, que se estabelece no Brasil objetivando explorar a economia açucareira. Ressalta que o Brasil tornou-se asilo para judaizantes desde o estabelecimento da Inquisição em Portugal, sendo suas liberdades cerceadas somente a partir de 1591, quando da Primeira Visitação do Santo Ofício.

Vainfas observa que a partir da conversão forçada instaurada nos países ibéricos, muitos judeus portugueses e espanhóis emigraram, buscando seguir a lei judaica. Por isso o autor refaz o estabelecimento das comunidades judaicas pelo mundo, muitas delas fixadas em Amsterdam. Ainda assim, vale lembrar que esses judeus são chamados de judeus novos, uma vez que são oriundos de famílias de cristãos-novos e, portanto, separados já há algumas gerações do judaísmo tradicional, e com isso, carregam em suas práticas conceitos do catolicismo.

O judaísmo praticado em Pernambuco era “doméstico, limitado a ritos cotidianos que se transmitiam oralmente, protagonizado pelas mulheres da casa”, portanto a organização real de uma comunidade judaica oriunda de Amsterdam, tendo em vista a ocupação holandesa, causou choque nesta sociedade. Manoel Gomes Chacão sofre a pressão e sedução dos judeus novos e muda-se para o Recife, e pouco tempo depois se converte ao judaísmo.

Teve acesso a livros de oração traduzidos para o espanhol, passando a lê-los e praticá-los na sinagoga. O próprio rabino da comunidade Kahal Kadosh Zur Israel, Isaac Aboac, teve a finalidade de encaminhá-lo nas leis de Moisés, e logrou êxito, pois Manoel passou a usar os adornos judaicos, a frequentar a sinagoga diariamente e observar as festas e jejuns. Tanto que na escolha em que lhe foi imposta pela esposa entre a religião ou sua família, preferiu ficar com a primeira. Outra opção que lhe foi imposta foi a da circuncisão, pois caso não a fizesse não seria mais permitida a sua entrada na sinagoga. Podemos dizer que Manoel Gomes Chacão assumiu em todos os âmbitos o judaísmo, inclusive um novo nome na comunidade judaica: Israel Habibe.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

Vainfas, em seu estudo do processo inquisitorial, afirma que Chacão teria relatado em sua inquirição que “tempos depois, em janeiro de 1644, passou por uma crise de consciência e reconheceu o erro em que estava seguindo a ‘lei de Moisés’”. Mas apesar da pressão familiar, não reassumiu o cristianismo, segundo ele, por ter negócios a tratar junto aos judeus. Para o autor, o nosso personagem colocou-se em trânsito de identidade, cultural e religioso.

Foi denunciado ao Santo Ofício, assim como muitos outros judaizantes que viviam no Recife holandês, sendo preso por meses até ser enviado para a Bahia. O próprio Manoel Chacão buscou construir sua defesa em torno de cartas de padres que tinham ouvido suas confissões e o tinham absolvido, confirmando que a partir de agosto de 1644 tinha retornado ao catolicismo, e nele mantendo-se praticante. Solicitou poder provar sua inocência, e Ronaldo Vainfas acredita ter sido verdadeiro o seu retorno para esta religião, até mesmo porque supõe que Manoel não teria suportado o conflito das duas religiões ou aquele que se passava naquele momento dentro do judaísmo. Considera também o fato da reaproximação da família lograda com a sua volta ao catolicismo.

O autor não fecha a questão quando julga se Manoel Gomes Chacão voltou a judaizar ou não; no entanto, indica sua origem de família de judaizantes, não concorde com a conversão forçada ocorrida em Portugal. Muito embora, junto ao Santo Ofício teve sua reconciliação com a Igreja e garantiu uma pena leve, e assim mesmo quase não a cumpriu, sendo aliviado pelo próprio tribunal. Ronaldo Vainfas, além de utilizar bibliografia pertinente ao tema, anexa ao seu texto a sentença contra Manoel Gomes Chacão, ocorrida em 15 de dezembro de 1647. Desta forma, o autor, além de contribuir para a historiografia do Brasil Colônia, e da religião e religiosidade, nos orienta quanto ao uso da Micro-História e da documentação textual. Este artigo, certamente, pode ser utilizado para pesquisas historiográficas acerca do tema, bem como, material didático a ser disponibilizado com a finalidade de mostrar aos estudantes os agentes da história e o próprio fazer histórico.

FONTE: VAINFAS, Ronaldo. Identidade fragmentada: dilemas de um cristão-novo no Recife holandês. In: ERTORGUE, Marina (Org.). História e Sensibilidades. Juliana Bomfim. Disponível em: <http://testesetextos.blogspot.com/2007/09/rus-da-inquisio-portuguesa-anlise-de.html>. Aceso em: 11 fev. 2011.

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RESUMO DO TÓPICO 2Neste tópico você viu que:

● A micro-história é um tipo de abordagem que reduz a escala de observação do historiador.

● Procura-se apreender do passado aquilo que, habitualmente, escapa ou escapou dos demais historiadores geralmente preocupados com um ponto de vista mais generalista.

● O aparecimento da micro-história ocorreu com o debate historiográfico das décadas de 1970 e 1980 devido à crise do paradigma marxista e de outros modelos de história generalizante observados naquele período.

● O método da micro-história possibilita escrever uma série de acontecimentos e episódios significativos.

● Para não fragmentar a análise histórica ou torná-la sem sentido, o objeto de estudo da micro-história terá que ser contextualizado.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo a questão a seguir.

1 Após a leitura do tópico, construa o conceito de micro-história e sua relação com a História Regional.

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TÓPICO 3

A AFINIDADE ENTRE

MEMÓRIA E HISTÓRIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

2 A RELAÇÃO ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA

A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens. (FREITAS, 2011, p. 2).

Você já se perguntou o que é a memória e como ela pode ser estudada? O que memória tem a ver com história? É uma provocação formulada para iniciar esse tópico. Acompanhe a seguir!

A discussão sobre a relação entre memória e história é uma das questões teórico-metodológicas que tem preocupado várias gerações de historiadores, visto que está diretamente relacionada aos fundamentos e objetivos do fazer historiográfico. A memória não deve ser entendida como um simples processo parcial e limitado de lembrar fatos acontecidos no passado, de valor adicional para a interpretação histórica.

Afinal, o que é memória?

A expressão memória tem origem latina, deriva de menor e oris, e significa “o que lembra”, ou seja, aquilo que está ligado ao passado já vivido. Ao longo da história, de acordo com o contexto, foi se atribuindo diversos significados à palavra memória. Todavia, nunca se perdeu sua “essência”, ou seja, algo que lembra o passado.

Se você quiser obter mais informações sobre a questão da memória histórica, consulte o site: <http://www.comciencia.br/reportagens/memoria/01.shtml>.

DICAS

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

Nem sempre a memória teve o mesmo sentido. Na antiguidade, através da memória, realizava-se a ligação entre o mundo real e o mundo da representação. Para os gregos antigos, a memória era a geradora das artes, sem ela não haveria história. Já no mundo medieval, a memória tinha outro significado. Ela seria o lugar no qual deveria estar sempre presente a lembrança de Deus. Os indivíduos deveriam ter a memória bem presente, pois o homem seria julgado por Deus nos fins dos tempos. A memória seria a ligação entre o céu (passado) e a terra (presente), ou seja, a ponte entre o homem e Deus.

Já o homem do Renascimento, influenciado pelo humanismo, ao contrário do medieval, estava mais ligado às questões terrenas, e só estas é que importavam. Tentava-se romper, então, com a ideia de que Deus habita a memória dos homens, ocorrendo, assim, a dessacralização da memória. Nessa perspectiva, passou-se a produzir uma memória cívica, valorizando-se feitos de grandes homens e cidades. A partir da Revolução Francesa e, principalmente, do século XIX em diante, a memória passou a ser vista sob uma outra perspectiva. Festas nacionais foram, a partir de então, promovidas a fim de lembrar a Revolução, passando a memória a ser, muitas vezes, um instrumento útil para o governo francês. Na visão dos positivistas, os grandes fatos, as principais datas e acontecimentos, os heróis nacionais, entre outros, deveriam permanecer na memória do povo para sempre. E, caso não existissem, deveriam ser criados.

No século XX, a memória foi ganhando novas dimensões, sempre de acordo com a ciência que a utiliza. Ela passou a ser vista como um empório ou depósito de informações, diferenciando-se da memória individual e da coletiva, bem como sofrendo alterações, não podendo, portanto, permanecer intacta aos percursos da vida e preservar o passado na sua totalidade.

Dessa maneira, podemos perceber que o trabalho com a memória nos possibilita construir um passado. Através dela podemos fazer uma interpretação de um momento histórico. Sempre que buscamos trazê-la à tona, ela se faz presente, porém intocável, como um sonho existente no mundo das ideias. Assim podemos chegar à história local e regional pela memória, pois os vestígios do passado de todo e qualquer lugar, de pessoas e coisas, de regiões naturais ou construídas, tornam-se objeto de estudos através da memória.

Talvez a melhor obra sobre o assunto memória e história seja: LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: UNICAMP, 1996.

DICAS

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Nos estudos voltados para a área regional e local a memória já se encontrava implícita, principalmente porque busca abordar aspectos da cultura popular, da vida em família, da religiosidade, dos hábitos e costumes de uma localidade, entre outros, que são, sem dúvida, aspectos que remetem à composição social da memória.

Lugares de externar a memória, a memória nas coisas, nos gestos, nas manifestações coletivas. São muitos os sentidos da memória, muitos os sentidos de lugares da memória.

Em seu artigo “História, Memória e Identidade”, Fábio Augusto Pacano

apresenta as seguintes ideias sobre a Memória em História.

A este respeito, concordamos com Jacques Le Goff, para quem a [...] memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção. (1994, p. 144).

[...]

Ao revisitarmos os muitos significados atribuídos à memória, é obrigatório partimos das considerações seminais de Maurice Halbwachs, para quem o conceito deve ser entendido enquanto um conjunto de representações coletivas. Nesta perspectiva, três são as principais características da memória:

[...] a crença de que memórias só podem ser pensadas em termos de convenções sociais, denominadas quadros sociais da memória; a abordagem a estas convenções a partir do mundo empírico observável, distante, portanto, das intenções dos indivíduos; e as afirmações de que o passado que existe é apenas aquele que é reconstruído continuamente no presente (2004, p. 107).

[...]

Em nossa acepção, a discussão que busca precisar se a memória é individual e ativa ou coletiva e passiva perde o significado, pois acreditamos que indivíduos lembram, mas estas lembranças devem ser entendidas no interior de “quadros sociais da memória” que são também ativamente construídos pelos indivíduos. Neste caso, a relação entre a parte e o todo só pode ser pensada em termos dialéticos.

Para o historiador Michel Pollak (1992), memória é constituída por três elementos: primeiro, os “acontecimentos”, vividos pessoalmente ou

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“por tabela”; segundo, “por pessoas”, por “personagens” e, terceiro, “por lugares de apoio à memória”. Segundo o mesmo autor: [...], acontecimentos, personagens e lugares, conhecidos direta ou indiretamente, podem obviamente dizer respeito a acontecimentos, personagens e lugares reais, empiricamente fundados em fatos concretos. Mas pode se tratar também da projeção de outros eventos (1992, p. 202).

[...]

Para o historiador francês Pierre Nora, a necessidade que sentimos da História é produto da perda da memória. Tradicionalmente tidas como antagônicas, o autor busca aproximá-las, apontando para a centralidade da memória enquanto matéria-prima do ofício de historiador. Nesta concepção, os lugares de memória são considerados fontes de pesquisas quase inesgotáveis, pois permitem acesso tanto ao que se fala quanto ao que se cala, voluntariamente ou não. Nora pensa os lugares da memória enquanto vestígios, simultaneamente, em sentido material, simbólico e funcional. Nesta acepção: [...] museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas, aniversários, tratados, processos verbais, monumentos, santuários, associações, são os marcos testemunhais de uma outra era, das ilusões de eternidade [...] São os rituais de uma sociedade sem ritual (1993, p. 28).

FONTE: Disponível em: <http://baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/dialogus/2005/pagina4.html>. Acesso em: 20 fev. 2011.

Para não corrermos o risco de a história do local simplesmente reproduzir a história do poder local e das elites dominantes, é necessário identificar o enfoque e a abordagem de uma história local que crie vínculos com a memória familiar, do trabalho, da escola, dos velhos. A memória impõe-se por ser a base da identidade, e é também pela memória que se chega à história local.

Identidade: consiste na soma de sinais, marcas e características que caracterizam o indivíduo ou um grupo social.

NOTA

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TÓPICO 3 | A AFINIDADE ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA

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MEMÓRIA É MATÉRIA-PRIMA DO TRABALHO DO HISTORIADOR

Daniel Chiozzini

A discussão sobre a relação entre História e memória é um dos grandes debates teóricos que atravessa várias gerações de historiadores, pois envolve os objetivos e fundamentos do trabalho histórico. Atualmente, a maioria dos autores concorda que a memória não pode ser vista simplesmente como um processo parcial e limitado de lembrar fatos passados, de importância secundária para as ciências humanas. Trata-se da construção de referenciais sobre o passado e o presente de diferentes grupos sociais, ancorados nas tradições e intimamente associados a mudanças culturais. Há também um consenso de que a história não tem mais a pretensão de estabelecer os fatos como realmente aconteceram. No entanto, persiste uma série de diferenças com relação a como considerar a memória para a construção de uma interpretação histórica. Mesmo sem haver uma resposta definitiva, uma maneira de entender a problemática é retomar o desenvolvimento do estudo da História e como foi sendo considerada a utilização de fontes tidas como registros memorialistas, como as fontes orais, ao longo do tempo.

“Desejoso de saber, interrogo”. A frase do grego Heródoto, autor daquele que é considerado o primeiro trabalho histórico da civilização ocidental, demonstra que a utilização de fontes orais como meio para se escrever História não é fenômeno recente. Falar do estudo da História, segundo o historiador Paulo Miceli, é falar da origem prática da memória, do testemunho, da pergunta e da resposta, que é muito antiga e que se estende até os dias atuais. Segundo ele, a recorrência a relatos orais para a compreensão da História foi historicamente utilizada por vários autores e de diferentes maneiras: “No século XVI, temos Bernardino de Sahagún, que quis entender os povos conquistados pelos espanhóis e os entrevistou”, afirma. Miceli cita ainda outros estudos que tiveram caráter semelhante, como o de Michelet, que fez uma pesquisa para saber a opinião que os franceses tinham sobre a sua própria revolução, no século XVIII.

A utilização de relatos orais, no entanto, foi colocada em suspeição a partir do século XVIII, quando a História ganha o status de ciência e os mesmos passam a não mais ser considerados como fontes seguras para o historiador. Segundo Márcia Mansor D’Alessio, da PUC-SP, isso tem uma relação com o ideário ilumunista de fins do século XVIII, que proclama o império da razão e dissemina a crença cientificista: “Para este ideário, a ciência é a única forma de conhecimento e, como tal, produz verdades únicas, absolutas e objetivas”, diz a historiadora. As memórias, construídas a partir de subjetividades, não eram mais vistas como confiáveis para a produção do conhecimento científico. A historiadora Marieta de

LEITURA COMPLEMENTAR

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Moraes Ferreira, da UFRJ, acrescenta que esse processo continuou no século XIX, quando ocorre a institucionalização da História como disciplina universitária e uma profissionalização dos historiadores: “Nesse momento, os historiadores passam a adotar um conjunto de procedimentos para se diferenciar daqueles então denominados ‘amadores’, que eram cronistas, políticos, literatos ou, como no caso da França, indivíduos ligados à Igreja Católica”, afirma. A pesquisadora também esclarece que isso significou a fixação sobre o que deveria ou não ser usado como fonte: “Um estudo ‘isento’ só poderia ser elaborado quando o historiador se distanciasse do seu objeto de pesquisa, abrindo mão de relatos parciais e cronologicamente próximos de eventos históricos”, completa.

Essa História metódica e factual, centrada no estudo de “grandes eventos históricos” e “grandes personalidades”, foi muito forte até a primeira metade do século XX. Seu questionamento tem como um grande referencial o surgimento da corrente historiográfica francesa dos Annales, na década de 1920. Historiadores como Marc Bloch e Lucien Febvre propuseram a diversificação de temas, mais voltados para as “pessoas comuns” e relativizaram a importância de “marcos políticos” para a escrita da História. Esse foi o primeiro passo que culminou com a diversificação do uso de fontes, englobando também a iconografia, a literatura e trabalhos artísticos.

Porém, esse processo de reflexão não implicou em uma retomada automática do trabalho com fontes orais. Isso porque, segundo Marieta Ferreira, é possível trabalhar com a memória a partir de monumentos, literatura e outros documentos: “Muitos historiadores dos Annales, embora se propusessem a trabalhar com a ‘História dos homens comuns’, ainda viam com muita desconfiança o trabalho com testemunhos”, afirma. Segundo ela, durante muito tempo continuou-se aceitando a ideia de que as fontes escritas possuíam uma maior objetividade que as fontes orais, o que só foi quebrado na década de 1980 e 1990, juntamente com a discussão sobre como utilizar os relatos e testemunhos para o trabalho histórico. Tal avanço foi resultado de um processo de embates teóricos iniciados na década de 1950, curiosamente motivados por uma inovação tecnológica. Neste período foi inventado o gravador, que tornou possível armazenar, reproduzir e conservar um depoimento. “O gravador foi muito usado na Segunda Guerra e posteriormente popularizou-se”, afirma Paulo Miceli. A partir daí é que o termo “história oral” começa a ganhar notoriedade.

No entanto, de lá para cá houve o estabelecimento de uma série de controvérsias com relação ao uso de fontes orais. Marieta Ferreira afirma que há um grupo de pesquisadores que entende que a história oral é uma disciplina, que consiste em realizar entrevistas e publicá-las, como se aquilo fosse o resultado final do trabalho histórico. Nesse caso, temos apenas um registro parcial da memória. Para ela, a história oral é uma metodologia: “Trata-se de um conjunto de procedimentos usados para produzir depoimentos, que têm qualidades

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TÓPICO 3 | A AFINIDADE ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA

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distintas de outras fontes orais, como um programa de rádio ou uma entrevista para a televisão”, afirma. Para ela, o trabalho histórico pressupõe um conjunto de procedimentos que visa uma análise e um confronto de fontes e não apenas a publicação de uma entrevista.

Paulo Miceli concorda com relação ao rigor que deve ser observado na realização de uma entrevista. Ele adverte também para a necessidade de não tomar a palavra de quem está respondendo como o texto da própria História: “É necessário cercar a entrevista com todos os cuidados que você tem ao ler, por exemplo, a carta-testamento de Getúlio Vargas”. Ele chama a atenção para o fato de que os depoimentos envolvem esquecimentos, distorções e omissões que demandam uma pesquisa e uma interpretação para serem compreendidos e contribuírem para o trabalho histórico. Daí a necessidade das entrevistas serem complementadas pelas pesquisas com outras fontes.

Nesse sentido, segundo D’Alessio, também é possível afirmar que a história oral faz parte de um processo maior de alargamento da possibilidade do uso de fontes para a escrita da história e de trazer para os historiadores instrumentos para lidar com a subjetividade, que está nos depoimentos, mas também nas fontes escritas. Para Marieta Ferreira, ela também auxilia a quebrar uma espécie de “fetiche” pela fonte escrita, que ainda está presente em uma espécie de “establishment historiográfico”, até os dias de hoje.

Mas seria possível afirmar que a memória de um ou mais grupos sociais, que inclui tradições, culturas, hábitos, políticas etc, passíveis de serem expressos em depoimentos, pode ser simplesmente tachada como “fonte”? Qual a separação entre memória e História? Para D’Alessimo, embora sejam distintas, o fato da memória ser denominada como “fonte” é fruto das mudanças historiográficas que ocorrem constantemente, mas “é também instituinte desse processo, sobretudo por ser um dos fatores da introdução da subjetividade nos estudos históricos e, consequentemente, da transformação do discurso historiográfico em menos demonstrativo e mais narrativo.”

Já Marieta Ferreira realça a distinção entre ambas, enfatizando a História como um campo profissional institucional que tem princípios e formas de funcionamento, gerando um conhecimento produzido a partir de uma reflexão, de um conjunto de procedimentos e regras. No entanto, esta distinção não faz com que exista uma oposição ou um conflito entre memória e história. A memória coloca uma série de desafios sobre como se deve fazer a história, assim como a história também pode contribuir com a memória: “Em regiões de conflitos étnicos, onde a memória coletiva é muito agressiva e associada a guerras, a história pode produzir uma reflexão mais crítica e mais comprometida com a objetividade”, completa.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

Já Paulo Miceli relativiza a distinção dos dois conceitos, afirmando que isso depende da articulação e do arbítrio do historiador, sendo impossível definir conceitualmente onde termina a memória e começa a História. Para ele, tal questão não tem uma resposta definitiva, assim como a própria distinção entre a História e os demais campos das ciências humanas: “É um debate acadêmico, que pode ser abordado do ponto de vista de grandes autores ou linhas interpretativas. Quando a poeira do tempo vai assentando, ficam grandes estudos, que podem estar no campo da memória, da História ou das demais áreas do conhecimento”, afirma.

FONTE: Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/memoria/04.shtml>. Acesso em: 3 dez. 2010.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu que:

● A relação entre memória e história está diretamente relacionada aos fundamentos e objetivos do fazer historiográfico.

● Nem sempre a memória teve o mesmo sentido, mudando sua definição desde a antiguidade até o século XX.

● Nos estudos voltados para a área regional e local, a memória busca abordar aspectos da cultura popular, da vida em família, da religiosidade, dos hábitos e costumes de uma localidade.

● Para a história regional simplesmente não reproduzir a história do poder, é necessário identificar o enfoque e a abordagem de uma história local que crie vínculos com a memória familiar, do trabalho.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo a questão a seguir.

1 Após a leitura do tópico, diferencie história de memória.

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TÓPICO 4

O USO DA HISTÓRIA ORAL NA

CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA

REGIONAL E LOCAL

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

2 O QUE É HISTÓRIA ORAL

A história oral é um método de abordagem utilizado para pesquisar aspectos peculiares da vida cotidiana. Utilizado desde as primeiras décadas do século XX, é uma excelente forma de construir a História Regional e local e nos auxilia a fazer uso direto da memória.

Tendo como elemento de composição a possibilidade de aproximação da realidade das pessoas, a história oral é uma ótima maneira de se conhecer questões do local que, em outros documentos, não encontraríamos. Vejamos o que é realmente história oral e como usá-la!

O que você pensa: é cabível trabalhar com a memória por meio da história oral? Aliás, o que é mesmo história oral?

Um dos trabalhos mais importantes sobre o assunto é de: THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

NOTA

Afirma-se que é o segmento da história que se preocupa com relatos, lembranças e recordações de pessoas, as quais, quando estimuladas, nos permitem visualizar, sob outros aspectos e ângulos, a história até então contada, ou ainda, em muitos casos, a história de grupos relegados ao esquecimento.

Fatos aparentemente sem significância, muitas vezes esquecidos pelos historiadores tradicionais, habitam a memória dos que recordam. Na maioria das

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

O entrevistador deve desempenhar uma espécie de investigação, como um “detetive”, antes da realização de uma entrevista. Nesse exercício, geralmente procura-se levantar informações prévias da pessoa a ser questionada. Através da troca de informações, o pesquisador pode cogitar lembranças talvez esquecidas ou relegadas. Devemos, sobretudo, estar atentos para o fato de que toda memória tem um caráter singular, já que essa é reconstruída partindo-se do presente. Logo, suas experiências podem ser ressignificadas, daí o caráter particular de cada entrevista.

É importante deixar claro que, quando falamos em história oral, não

podemos descuidar das dificuldades existentes, particularmente quando se apresenta a tarefa de utilizar as fontes para a História Regional e local. A seguir é apresentado um texto que nos auxilia a refletir sobre a questão. (ALVES; SCHALLENBERGER; BATISTA, 2005, p. 41-42):

vezes, são pessoas com histórias de vida a contar que nos ajudam a reconstruir um olhar sobre o passado.

O ato de rememorar, que se estabelece através do diálogo entre o entrevistador e o entrevistado, aproxima-se do trabalho do antropólogo, ou seja, o entrevistador deve ser possuidor da habilidade de “trazer de dentro para fora” informações até então adormecidas. Por isso, o entrevistado deve ser estimulado a recordá-las, daí a relação de afetividade que geralmente se estabelece entre entrevistador e entrevistado em uma pesquisa na qual se trabalha com história oral.

Em seguida vamos ver, no item Leitura Complementar, aspectos sobre o método da história oral.

NOTA

O uso da história oral é fonte capaz de fazer com que os estudos de história local “escapem das falhas dos documentos, uma vez que a fonte oral é capaz de ampliar a compreensão do contexto, de revelar os silêncios e as omissões da documentação escrita, de produzir outras evidências, captar, registrar e preservar a memória viva” (FONSECA, 2003, p. 155). A incorporação das fontes orais possibilita algumas vantagens, tais como despertar a curiosidade do historiador, acrescentar perspectivas diferentes, promover o mapeamento das rotinas semanais, mudando

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TÓPICO 4 | O USO DA HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

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3 COMO A HISTÓRIA ORAL PODE SER UTILIZADA NO ESPAÇO ESCOLAR?

A história oral é usada em escolas por crianças e jovens para conhecer sua própria comunidade. A conversa sobre o passado recente entre jovens e idosos estreita o relacionamento e valoriza os traços culturais locais, além de fornecer uma nova e envolvente dimensão às histórias regional e familiar, porque as integra ao todo mais amplo da memória nacional. Fornece às empresas e às instituições públicas ou comunitárias a possibilidade de utilizarem a sua própria memória e cultura como instrumentos de gestão empresarial ou institucional.

Também tem sido usada em museus, como instrumento vivo para transmitir informações e tornar as exposições mais interessantes e dinâmicas. É utilizada no trabalho com comunidades, bairros e grupos de vizinhança porque, além de possibilitar o registro de suas memórias, permite processos de revalorização dos idosos através de um importante papel na reconstrução do passado. Desta forma, alarga as possibilidades dessa faixa geracional de continuar contribuindo para o desenvolvimento das comunidades locais.

Para finalizar, alertamos para a importância de se pensar um ensino de História que leve em consideração as possibilidades e os limites de se trabalhar, em sala de aula, com vários tipos de fontes documentais, dentre elas, as fontes orais. Porque, trabalhando com fontes diversas, os alunos tendem, de forma direta, a serem construtores do processo histórico no qual estão inseridos. A seguir apresentamos uma reflexão muito interessante sobre essas possibilidades!

consequentemente o pulso da vida. Logicamente que a utilização da história oral como fonte e possibilidade real de conhecimento é uma vantagem exclusiva da história local, por esta ter acesso a fontes diretas, como testemunhas vivas, por exemplo, diferentemente do que se percebe na historiografia oficial, onde muitas vezes o acesso ao conhecimento se dá por meio apenas de livros didáticos.

[...]

O estudo de história local é possível de ser realizado, escapando às dificuldades inicialmente levantadas, para a então autora, desde que seja trabalhado com base em uma construção pedagógica que tenha como “principal pressuposto do ensino a investigação, a pesquisa, a produção de saberes”. (FONSECA, 2003, p. 160). Não um saber superficial, mas um saber que tenha por base um trabalho educativo sério, pautado em pesquisas científicas, na busca da produção do conhecimento, o que significa dizer que o estudo de história local requer os mesmos requisitos que o inspirado na historiografia oficial para a concretização da aprendizagem.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

LEITURA COMPLEMENTAR

O QUE É HISTÓRIA ORAL?

História Oral ou Método Biográfico é o registro da história de vida de indivíduos que, ao focalizarem suas memórias pessoais, constroem também uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da trajetória do grupo social ao qual pertencem. Muitas dessas memórias são chamadas de subterrâneas, porque ficam à margem da história oficial.

Registrando as experiências vividas pelos informantes em fitas magnéticas de áudio ou vídeo, ela é um instrumento fundamental para compreensão do passado recente. O cientista social, com o desenvolvimento do método da história oral, não mais depende, unicamente, dos textos escritos para estudar o passado.

Também possibilita que indivíduos pertencentes a categorias sociais geralmente excluídas da história oficial possam ser ouvidos - deixando registradas para análise futura sua própria visão de mundo e aquela do grupo social ao qual pertencem.

Este método apresenta um caráter novo e envolvente, porque pressupõe

uma parceria entre informante e pesquisador, construída ao longo do processo de pesquisa e através de relações baseadas na confiança mútua, tendo em vista objetivos comuns. Constrói-se assim uma imagem do passado muito mais abrangente e dinâmica.

FONTE: CMU - Centro de Memória. O que é História Oral? Disponível em: <http://www.centrodememoria.unicamp.br/laho/index.htm>. Acesso em: 3 dez. 2010.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico você viu que:

● A história oral é um método de abordagem utilizado para pesquisar aspectos peculiares da vida cotidiana.

● Utilizado desde as primeiras décadas do século XX, é uma excelente forma de construir a História Regional e local e nos auxilia a fazer uso direto da memória.

● É o segmento da história que se preocupa com relatos, lembranças e recordações de pessoas, sob outros aspectos e ângulos; a história até então não contada, ou ainda, em muitos casos, a história de grupos relegados ao esquecimento.

● As fontes orais para a história regional e local devem ser sempre usadas com cuidado.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo a questão a seguir.

1 Elabore um pequeno questionário sobre algum assunto que você queira conhecer na sua comunidade e aplique para uma pessoa que você achar que tem mais condições de responder. Apresente os resultados em sala.

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TÓPICO 5

METODOLOGIA PARA ENSINAR

HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

2 PARA COMEÇO DE CONVERSA

Nesse último tópico vamos falar um pouco sobre como abordar a História Regional/Local na sala de aula. Conhecer algumas questões pertinentes ao tema e também abordar algumas estratégias que podem auxiliar os futuros professores quando tratarem dessas temáticas em suas aulas.

Não é novidade, apesar das mudanças recentes, que o ensino de História persiste, no geral, como uma prática centrada numa “história tradicional”, que enfatiza a política e a economia, numa visão linear, factual, muitas vezes concebida por grandes homens, que acaba excluindo o enfoque em outros atores, sobretudo aqueles vinculados aos setores populares e locais da nossa História.

A História que se ensina nas escolas do Ensino Básico geralmente enfatiza a História Nacional e a História Geral, ignorando a História Regional/local como objeto de estudo. Esse fato pode ser percebido, primeiro, pela falta de espaço enquanto conteúdo nas escolas e também quando vamos abordar a história de nosso Estado ou Localidade em sala de aula e damos pela enorme falta de materiais para consultar.

Não queremos, aqui, defender ou dizer quais conteúdos e objetos de história são mais importantes no contexto da sala de aula, muito menos desprezar a História nacional ou geral. No entanto, é importante assinalar alguns pontos. É significativo observar que uma realidade regional/local não contém, em si mesma, a chave de sua própria explicação, pois as questões culturais, políticas, econômicas e sociais de uma dada região ou localidade explicam-se, igualmente, pela relação com outras localidades maiores, como o nacional, com outros países e, até mesmo, por processos históricos mundiais.

Caro(a) acadêmico(a), pense na época e as vinculações regionais e mundiais! Na atualidade, na questão global! E por aí afora... Lembre-se de que a construção da identidade – um dos objetivos do Ensino de História – relaciona-se e situa-se com o local, o nacional, o ocidental e o mundial.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

Alves, Schallemgerger e Batista (2005) nota que temas locais de história inseridos no currículo escolar colocam o aluno diante de fatos próximos de sua realidade, provocando maior curiosidade e, dessa forma, podendo promover consciência de pertencimento e de inclusão social, conduzindo a uma formação mais crítica e cidadã dos alunos.

Tal procedimento metodológico, pelo fato de promover a aproximação da memória histórica e de vivências mais concretas, permite também uma mudança no processo de ensino na sala de aula, pois tende a incentivar e motivar o estudante a pesquisar, a construir o conhecimento, tendo por base aquilo que ele mesmo pode buscar mais próximo de si, fugindo do estudo tradicional de sala de aula, aquele calcado em grande parte nas verdades dos livros didáticos.

Aqui cabe perguntar: Por que enfatizar o conhecimento da História Local/Regional no ensino de História? A resposta já vem sendo dada acima, mas, inserir abordagem do conhecimento histórico local/regional coloca o aluno diante de fatos mais próximos de sua realidade, melhorando sua autoestima e recuperando o interesse na experiência histórica. Reconhecer “o seu meio social também é uma forma de se conhecer e entender que a sociedade e o homem estão sempre em transformação”. Transformação essa que tende a levar a uma reflexão sobre a realidade atual e mostrar aos alunos que o presente é, de certa forma, resultado das ações de todos os sujeitos no passado. (VENDRUSCOLO, 2011).

3 AS POSSÍVEIS ABORDAGENS DE ENSINO

E como fazer isso? A resposta parece óbvia: o aluno só se envolve se o professor estiver envolvido! Quando falamos especificamente do ensino de História local/regional, pode-se perguntar: O que o professor sabe da localidade em que dá aulas? Da cidade, comunidade, vila, bairro, ou até do Estado? Qual a sua relação com este lugar? Onde e como buscar subsídios para o ensino dessa História?

Fonseca (2003), em estudo sobre a questão, aponta algumas dificuldades na aplicabilidade e efetivação do ensino de História Local/Regional. A primeira é que, em muitos casos, o bairro, a cidade, o Estado, são entendidos como unidades estanques, dissociados do restante do país ou até do mundo. A segunda: é que o sujeito aparece como elemento da população ou membro de uma comunidade abstrata. A terceira: a valorização excessiva de aspectos políticos, e vultos políticos pertencentes às elites locais ou regionais. Por último, a quarta: a maior parte das fontes documentais em geral disponíveis aos professores é, muitas vezes, produzida por órgãos administrativos locais e ligadas à memória de grupos do poder político e econômico da elite local.

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TÓPICO 5 | METODOLOGIA PARA ENSINAR HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL

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É importante destacar que não há receitas e nem uma única forma de trabalhar os conteúdos de História Local/Regional, até porque cada professor pode explorar esse assunto sob vários enfoques, levando o aluno a compreendê-lo de diversas maneiras. Além do que, o ensino de História Local/Regional pode aumentar a simpatia dos alunos para com os demais conteúdos desenvolvidos na disciplina de História. Quando se aborda a história por essa perspectiva, a tendência é a de que os alunos mostrem mais interesse e que também consigam estabelecer relações entre o conteúdo aprendido nas aulas e o seu cotidiano, tornando-os mais interessados, despertando nos educandos o gosto por aprender história. (STECA, 2010).

Quando pensamos no melhor formato de aprendizagem e do ensino de História Local/Regional, temos que indicar que, quando nos referimos ao Local/Regional, não há também um consenso entre os autores sobre qual espaço estamos tratando. “A polissemia que o termo permite leva a pensar em vários espaços diferenciados, indo de um espaço institucional, como uma escola, até um espaço político-administrativo, como uma cidade”. (STECA, 2010, p. 5).

E como já foi abordado em tópicos anteriores, temos que ter o cuidado em não simplificar ou reduzir a história somente aos seus efeitos do local observado. Deve-se, ao mesmo tempo, praticar uma aproximação entre essa história local e a global. Dessa maneira, o principal objetivo desse ensino seria o de fazer com que o aluno entenda e também construa a História, ou seja, desde os conceitos, os princípios sobre o passado e, principalmente, o trabalho com as fontes.

Com vontade de inovar e fazer um ensino diferente, o enfoque da história local/regional pode trazer muitos aspectos positivos, do ponto de vista pedagógico, visto que os estudos dessa história podem ser altamente motivadores para os alunos. No entanto, essa motivação deve superar a simples curiosidade, para promover um verdadeiro trabalho de investigação.

SCHIMIDT (2004) nos ensina que essa forma de abordar a história na sala de aula leva ao desenvolvimento de pesquisas, onde pode surgir uma gama diversa de sujeitos, que podem dar voz a muitos detalhes e também abrindo espaço para a exploração de arquivos locais ou, até mesmo, a construção de arquivos via história oral e outras possibilidades metodológicas. Porque, ao abrir espaço para as memórias individuais, indivíduos e locais, a História Local/Regional permite que sejam desvendadas outras visões da história que, de outro modo, ficariam esquecidas.

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

4 ENSINANDO DIFERENTEComo já visto anteriormente, a incorporação das fontes orais na

metodologia ora estudada possibilita algumas vantagens e acrescenta perspectivas diferentes no ensino. Logicamente que a utilização da história oral como fonte e possibilidade direta de conhecimento não é uma vantagem exclusiva da história local, mas colabora para se ter acesso a fontes diretas, diversamente do que se percebe no ensino “tradicional”, onde, em muitos casos, o acesso ao conhecimento se dá apenas por meio de livros didáticos.

Já foi dito aqui, mas não custa repetir: A História Local/Regional dá ao pesquisador uma ideia muito mais próxima do passado. E por que ainda a história ensinada incide basicamente na transmissão da memória nacional? Quando essa história pode ser localizada, escutada, lida nos muros, nas esquinas, nas ruas, nos quintais. Assim sendo, ao estudar a história local, o aluno tem contato direto com dados “empíricos” de pesquisa e fatos concretos, que possibilitam um aprendizado maior da sua parte (FONSECA, 2003). A História Local/Regional, trazendo à tona acontecimentos, atores e lugares comuns ao estudante, faz com que este se aproxime da disciplina, percebendo a relação entre o passado ignorado e o presente tão próximo.

Para motivar os alunos na aprendizagem de História e na construção do seu conhecimento histórico - algo bem difícil no contexto educacional atual – deve-se dar a possibilidade para que eles aproximem os acontecimentos históricos do seu cotidiano, de sua família, de sua localidade, com os processos históricos mais amplos, os quais permitem fazer contextualizações e construir relações maiores. Sabe-se da curiosidade “inata” de crianças e adolescentes por suas origens, demonstrando com isso mais apego à sua localidade, e assim estudando história de maneira mais interessada, diversamente da história “tradicional” ensinada em muitas escolas, que é uma repetição de saberes contidos nos livros didáticos, o que dificulta um aprendizado mais prazeroso e aprofundado.

Alves, Schallenberger e Batista (2005) nos ajudam a pensar algumas soluções para o ensino de História Local. Vejamos:

Pense e reflita na riqueza de explorar isso tudo com seus alunos!

UNI

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TÓPICO 5 | METODOLOGIA PARA ENSINAR HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL

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Manique e Proença, dois autores portugueses, citados por Fonseca (2003), sugerem de forma didática uma sistemática pela qual se pode organizar o trabalho de investigação de história local em sala de aula. Os mesmos propõem as seguintes etapas: o processo deve iniciar-se pelo contato dos alunos com o tema, mediante informações prestadas pelo professor, que orientará as atividades a serem desenvolvidas, os meios disponíveis, os objetivos a alcançar e os possíveis subtemas de trabalho. Tal etapa requer a formação de grupos de quatro ou cinco alunos, que terão acesso aos arquivos e biblioteca locais na modalidade de visitas de estudo; definidos tema e regras metodológicas, professor e alunos estabelecerão um acordo sobre atividades a desenvolver, prazos, formas de apresentação etc; parte-se então para um primeiro plano de investigação, onde cada grupo começará o seu trabalho pelo subtema escolhido, definindo seu conteúdo; em seguida, o professor desenvolve em sala de aula cada um dos subtemas propostos, visando fornecer informações e preparar o posterior trabalho extra-aula; viabilizar-se-ão, durante o trabalho de pesquisa, aulas para operacionalização de conceitos e informações recolhidas por cada grupo, no sentido de estabelecer relações entre os diferentes subtemas do trabalho; e, por último, elabora-se a síntese final. Neste estágio é fundamental a articulação do professor, para que não ocorram divagações ou dispersão por parte dos grupos.

Por isto, o professor desempenha um papel pedagógico fundamental no tratamento da história local, pois será o coordenador, o gestor das ações, o orientador da pesquisa, o mediador, capaz de repensar, rearticular historiografia/ pesquisa/ensino, sem, contudo, interferir no processo de ensino, ou seja: a intervenção do professor deve ser cuidadosa, para evitar impor a sua própria interpretação ou visão. Embora tenha a obrigação de corrigir erros ou falsas conclusões, deve promover a autonomia dos alunos, para que estes sejam os próprios construtores dos conhecimentos adquiridos e, por meio do seu trabalho, possam aperceber-se da especificidade do meio em que estão inseridos e da sociedade que os rodeia, compreendendo assim a sua condição de agentes históricos. O professor manter-se-á num papel de informador e catalisador durante a elaboração do trabalho, facilitando materiais, velando pela correta definição e utilização de conceitos e evitando as divagações, de forma a que cada grupo se mantenha nos limites fixados, para que não existam sobreposições (FONSECA, 2003, p. 27-28).

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

Uma ótima leitura sobre o que está sendo abordado é: FONSECA, Selva. G. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados. Campinas: Papirus, 2003.

UNI

* Pesquisa das manifestações religiosas através da História Oral, com depoimento das pessoas que vivenciaram os festejos da Igreja Católica em épocas diferentes da que os alunos vivem atualmente. Essa atividade permite conhecer outras versões sobre o mesmo fato, reconstituindo a história da Igreja na sua relação com a estrutura político-administrativa da origem de Caxias, valorizando outros atores sociais que intervieram nesse processo.

* Estudo das praças de Caxias como palco das manifestações populares, vivências do cotidiano e representações sociais. A exemplo disso, torna-se relevante analisar as manifestações religiosas, carnavalescas, shows artísticos, história de vida de namorados, moradores idosos, famílias, discursos políticos, a relação entre mito e realidade, sarau e declamação de poesias, enfatizando o estudo da praça como esfera pública, de encontro de coletividades, como faziam os gregos. Com essas atividades o aluno poderá fazer comparação entre os acontecimentos passados e os da época em que vive. Nessa perspectiva de atividade, o elemento fundamental é a História Oral (depoimento de pessoas que viveram essas manifestações em outros tempos), pois, sem fontes escritas, valem as lembranças dos mais idosos, transmitidas oralmente aos mais jovens, como uma das formas de reconstrução do passado e da memória de um lugar. Para Le Goff, “A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”. (BITTENCOURT, 2002 p. 137).

Tendo a História Local/Regional como eixo temático do Ensino Fundamental, Morais (2010) construiu uma “proposta metodológica” que privilegia o estudo da localidade, onde o ensino de História deve ser trabalhado de forma que o aluno possa compreender sua identidade e o seu papel na sociedade em que está inserido. A seguir, um pouco dessa proposta em forma de sugestões de atividades!

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TÓPICO 5 | METODOLOGIA PARA ENSINAR HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL

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* Construção de projetos de pesquisa da história das indústrias de Caxias, o que representa um dos desafios no que se refere ao acesso às fontes documentais. Nesse sentido, a oralidade se apresenta como um meio eficiente de construção da memória dos trabalhadores das antigas fábricas e as fontes iconográficas. Por meio dessa atividade o educando terá a possibilidade de fazer diferenças entre o trabalho operário realizado em épocas diferentes da que ele vive e das máquinas usadas nas atividades das indústrias, destacando o papel das mulheres e das crianças adolescentes.

* Estudo da história dos balneários de Caxias através de fotos, depoimentos de pessoas que conheceram esses lugares em outra época. Por meio desse trabalho, o professor e o aluno podem fazer comparações entre semelhanças e diferenças, permanências e transformações existentes no ambiente observado, mudanças estas ocorridas por meio das práticas humanas exercidas no lugar, com finalidade de gerar uma consciência ambiental.

* Pesquisa e exposição da história dos artistas caxienses, quer seja na música, na dança, na poesia ou nas artes plásticas, permitindo ao aluno o contato com outras culturas, crenças ou costumes diferentes do seu modo de vida, para que este possa perceber a sua capacidade de criar e valorizar a capacidade artística de outras pessoas. A imagem constitui-se o recurso primordial para esse estudo, ao trabalhar a relação entre história e arte no 1° ciclo. O aluno pode vivenciar a história do lugar onde vive através das telas dos nossos artistas plásticos e fazer comparação entre o desenho das telas e o meio real.

* Visitação ao memorial da Balaiada, levando os alunos a conhecerem a história dos movimentos sociais da cidade, enfatizando as minorias, como o negro escravo, o camponês, artesão no evento histórico da Guerra da Balaiada. É importante que o professor comece a desenvolver esse trabalho desde cedo, pois possibilita ao aluno conhecer o seu espaço, para depois conhecer os espaços mais amplos, mais distantes do dele.

* Sugere-se que a escola crie seu próprio museu, pesquisando a história do seu bairro e da própria escola. Nessa atividade faz-se necessário utilizar documentos escritos e não escritos e a oralidade. Uma atividade prática e prazerosa é a realização de gincanas, onde o educando passa a ter contato com objetos antigos, peças, livros e outras fontes. A partir daí passará a preservar a própria escola e o bairro como patrimônio e a divulgar a história desse lugar. Após a realização desses trabalhos, a

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

FONTE: A história local como eixo temático das séries iniciais. Disponível em: <http://www.ufpi.edu.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/eventos/2006.gt8/GT8_2006_01.PDF>. Acesso em: 20 fev. 2011.

escola fará seu próprio documentário, contando sua história, onde se faz necessário deixar todo o material que foi coletado à exposição e visitação do público.

Caro(a) acadêmico(a)! Tente pensar essas atividades em seu local! Os temas tratados nesse Livro de Estudos são sugestões úteis para se trabalhar em sala de aula.

5 ALGUMAS PALAVRAS FINAISPor fim, quando tomamos a História Local/Regional como um campo

de pesquisa e ensino, é significativo assinalar a necessidade da mudança e apropriação desse processo por um maior número de professores e, nesse caso, de futuros professores. Aprofundar esse campo de pesquisa no processo de ensino-aprendizagem de História torna-se tarefa urgente e um desafio a ser realizado na educação atual.

Nessa tarefa, a função do professor modifica-se, pois deixa de ser um mero transmissor de conteúdos para ser o gestor do processo de ensino-aprendizagem. O professor terá, assim, uma função de fundamental importância para a formação de cidadãos localmente situados, aptos a apreender as diversas faces da realidade local, de relacioná-las com os fenômenos mais amplos, de criar alternativas e de promover a tão almejada mudança social.

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TÓPICO 5 | METODOLOGIA PARA ENSINAR HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL

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REFLEXÕES ACERCA DO ENSINO DE HISTÓRIA EM SALA DE AULA: PROFESSOR, PRÁTICA PEDAGÓGICA, ALUNO E LIVRO DIDÁTICO

Paulo Hipólito

[...]

O ensino de história não se propõe a estudar o passado pelo passado. Antes, ele parte do passado para compreender o presente ou vice-versa. A análise de um remete ao outro. Mas não é difícil encontrarmos professores de história que pensam diferente, e por pensarem diferente não cumprem o papel de docente de história. Muitos se prendem tanto ao passado que tornam as aulas insuportáveis, vez que a história assim ensinada perde seu ar de novidade.

Ainda buscando alternativas de despertar no aluno o interesse histórico, podemos citar a perspectiva de ensino a partir da história do município, que pode se apresentar como interessante, vez que mostra a história do lugar onde o aluno vive; onde ele criou raízes sentimentais, que devido a essas, desperta o interesse de conhecê-la. A história do município se apresenta envolvente porque parte do “aqui e agora”; da realidade do alunado. Além disso, ela “favorece o aprendizado de história na medida em que se pode verificar empiricamente uma série de conceitos”, como, por exemplo, as transformações socioeconômicas ocorridas na região e as relevâncias históricas do município. Seria interessante se os professores procurassem sempre partir do aqui e agora, mesmo que isso não seja possível com todos os conteúdos.

Com os professores fazendo uso da História Local como incremento à compreensão de outros conceitos históricos, torna possível “trabalhar com a experiência dos alunos para desenvolver noções ou conceitos universais”. Ou seja, com o professor dando-lhes uma visão de História Local, os alunos podem enxergar e melhor entender a história universal – história municipal, estadual, regional, nacional e mundial.

Depois de o professor ter mostrado o quanto a História Local é interessante e importante para se entender outros eventos históricos, chegou o momento de desmistificar os “heróis” que se apresentam em todos os fatos históricos, e que, de uma forma ou de outra, os alunos acabam personificando-os como os únicos agentes construtores da história. Seres transcendentais.

Uma boa alternativa para quebrar com a “história conto de fadas” e também trazer a história para mais perto dos alunos seria adotar em sala de aula o uso

LEITURA COMPLEMENTAR

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UNIDADE 2 | HISTÓRIA COMPARADA, A MICRO-HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL

da história do cotidiano, para que os “heróis”, personagens históricos, sejam “humanificados” e se mostrem comuns à realidade do cotidiano do alunado. Pois todos os personagens históricos são vistos pelos alunos como seres superiores, dotados de tamanha magnitude que os alunos “prostram-se” diante deles e se recusam a vê-los como seres humanos, que sentiram, no passado, emoções, sede, fome, sono, calor, frio, desejos sexuais, necessidades fisiológicas, enfim, sentimentos comuns a todos nós.

Ao trazer a história para o cotidiano do aluno, o professor faz com que o passado seja visualizado com mais clareza e objetividade de assimilação dos processos e relações históricas. Grande parte dos alunos não vê vínculo entre a história e o que é vivenciado por eles na atualidade. Nesse sentido, a disciplina de História é deduzida como uma disciplina permanentemente do passado e limitada a ele.

No entanto, “é relacionando os acontecimentos do dia a dia com os fatos históricos que o professor fará uma ponte entre a história e o cotidiano”, vez que os alunos não têm essa percepção de que a história pode ser influenciada pelo cotidiano, ou vice-versa; e que “vivemos fazendo história e só futuramente o nosso presente será história”.

Mas para tal fim, despertar nos alunos essa concepção de história ligada ao presente e ao cotidiano deles demanda do professor dedicação e comprometimento, o que muitas vezes não acontece.

FONTE: Disponível em: <http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=256>. Acesso em: 20 fev. 2011.

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RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico você estudou que:

● A história que se ensina nas escolas do Ensino Básico geralmente enfatiza a História Nacional e a História Geral, ignorando a História Regional/local como objeto de estudo.

● A abordagem do conhecimento histórico local/regional coloca o aluno diante de fatos mais próximos de sua realidade, melhorando sua autoestima e recuperando o interesse na experiência histórica.

● O ensino de história local/regional pode aumentar a simpatia dos alunos para com os demais conteúdos desenvolvidos na disciplina de História.

● Para se motivar os alunos na aprendizagem de História deve-se dar a possibilidade para que eles aproximem os acontecimentos históricos do seu cotidiano, de sua família, de sua localidade.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo as questões a seguir.

1 Por que a abordagem do conhecimento histórico local/regional coloca o aluno diante de fatos mais próximos de sua realidade?

2 Escreva nas linhas abaixo que fontes históricas você usaria para ensinar aos seus alunos a História Local do seu lugar.

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UNIDADE 3

CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA

HISTÓRIA BRASILEIRA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• identificar a importância de alguns eventos da História Regional;

• compreender as abordagens históricas de eventos regionais do Brasil Im-pério e Republicano;

• conhecer a Cabanagem, a Farroupilha, a Sabinada e a Balaiada;

• conhecer a Guerra de Canudos e o Contestado.

Esta unidade está organizada em cinco tópicos. Em cada um deles você en-contrará atividades que o(a) ajudarão na maior compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – CABANAGEM: REVOLTA POPULAR NO PARÁ

TÓPICO 2 – A REVOLUÇÃO FARROUPILHA: UMA REVOLTA REGIONAL E DE ELITE

TÓPICO 3 – A SABINADA E A BALAIADA NO CONTEXTO REGIONAL

TÓPICO 4 – GUERRA DE CANUDOS: A LUTA DE UM POVO NA BAHIA

TÓPICO 5 – CONTESTADO: MESSIANISMO E QUESTÕES REGIONAIS NO SUL DO BRASIL

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TÓPICO 1

CABANAGEM: REVOLTA

POPULAR NO PARÁ

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃOConhecida como uma revolução social que dizimou a população

amazônica e abarcou um território muito amplo, a Cabanagem deu início aos eventos “regionais” da História brasileira que abordaremos nessa unidade.

Inserida num cenário amplo e nacional, a Cabanagem foi, e ainda é, analisada como mais um “movimento regional”, típico do período regencial do Império do Brasil. A revolução social dos cabanos que explodiu em Belém do Pará, em 1835, deixou mais de 30 mil mortos e criou um sentimento comum de identidade entre povos de etnias e culturas diferentes. Este movimento eliminou mestiços, índios e africanos pobres ou escravos, mas também dizimou boa parte da elite da Amazônia. O principal alvo dos cabanos eram os brancos, especialmente os portugueses mais abastados. A grandiosidade desta revolução extrapola o número e a “diversidade” das pessoas envolvidas, abarcando uma região bastante significativa geograficamente.

Sobre esse assunto, Schilling (2011) escreve:

No período da Regência (1831-1841), ocasião em que o Império do Brasil ficou sem um monarca de fato, explodiram rebeliões por todos os lados. Do extremo Sul, como foi o caso da Revolução Farroupilha (1835-1845), ao extremo Norte, quando da Revolta dos Cabanos (1835-1840), eclodiram movimentos insurgentes mostrando o descontentamento das províncias brasileiras com a concentração do poder no eixo Rio-São Paulo. A diferença entre elas, entre os farrapos e os cabanos, deu-se em que, enquanto na primeira foi a estância quem entrou em guerra, na segunda, na cabanagem, foi o povo da selva quem pegou em armas contra o poder da oligarquia (p. 2).

FONTE: Adaptado de: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/cabanagem/cabanagem-1.php>. Acesso em: 16 fev. 2011.

A Província do Grão-Pará, que compreendia os estados do Pará e do Amazonas, tinha pouco mais de 80 mil habitantes na década de 1830. O número de escravos era enorme, visto que, de cada cem pessoas, na média quarenta eram escravos, indígenas, negros, mestiços ou tapuios, ou seja, indígenas que moravam nas vilas. Belém, nessa época, não passava de uma pequena cidade com 24 mil habitantes, apesar de importante centro comercial por onde eram exportadas diversas especiarias.

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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A independência do Brasil despertou grande expectativa no povo da região. A própria Cabanagem pode ser vista como um prosseguimento da Guerra da Independência na região. Após a independência os indígenas e tapuios esperavam ter seus direitos reconhecidos e não serem mais forçados a trabalhar como escravos nos matos e aldeamentos. Os escravos negros queriam a abolição da escravatura, já os profissionais liberais nacionalistas e parte do clero lutavam por uma independência mais efetiva, que afastasse os portugueses e ingleses do controle político e econômico.

Já deu para perceber que o inimigo eram os portugueses, que, mesmo com a independência, continuavam a exercer o poder. O restante da população - mestiços e homens livres -, animada com as ideias libertárias, participou do movimento, impondo-lhe um conteúdo mais amplo e mais radical.

Desde a emancipação política, em 1822, a Província do Grão-Pará vivia um clima agitado. Isolada do resto do país, era a parte mais ligada a Portugal. Declarada a Independência, a Província só foi reconhecê-la em agosto de 1823. A adesão ao governo de D. Pedro I foi penosa e violentamente imposta. Administrada por juntas governativas que se apoiavam nas Cortes de Lisboa, os habitantes da Província já estavam acostumados a ver todos os cargos públicos e recursos econômicos nas mãos dos portugueses.

A independência não provocara mudanças na estrutura econômica nem modificara as péssimas condições em que vivia a maior parte da população da região, formada por índios destribalizados, chamados de tapuios, índios aldeados, negros forros e escravos e mestiços. Dispersos pelo interior e nos arredores de Belém, viviam marginalizados em condições miseráveis, amontoados em cabanas à beira dos rios e igarapés e nas inúmeras ilhas do estuário do rio Amazonas. Essa população, conhecida como “cabanos”, era usada como mão de obra, em regime de semiescravidão, pela economia da Província, baseada na exploração das “drogas do sertão” (cravo, pimenta, plantas medicinais, baunilha), na extração de madeiras, e na pesca.

2 UMA REVOLTA POPULAR?

FONTE: Disponível em: <http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/historia/modulo02/rev_norte.html>. Acesso em: 24 fev. 2011.

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TÓPICO 1 | CABANAGEM: REVOLTA POPULAR NO PARÁ

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A verdadeira rebelião popular, que aconteceu em 1833, teve origem num movimento de contestação, ocorrido dez anos antes e que havia sido sufocado com muita violência, que ficou conhecido como a “rebelião do navio Palhaço”.

3 O INÍCIO DA CONTENDA

FONTE: Adaptado de: <http://papainoelpv43125.blogspot.com/2009_09_01_archive.html>. Acesso em: 1 mar. 2011.

Desde a Guerra da Independência brasileira, quando “mercenários” comandados por Lord Almirante Grenfell destituíram a Junta Governativa da Província, a população clamava pela formação de um governo “popular”, chefiado por João Batista Gonçalves Campos. No entanto, o Almirante Grenfell, que recebeu ordens para entregar o governo a homens da confiança do Imperador, iniciou uma violenta repressão, executando e prendendo muitos descontentes.

Por sua vez, o acontecimento ocorrido a bordo do navio brigue “Palhaço”, quando cerca de 300 prisioneiros foram sufocados com cal, não conseguiu implantar a normalidade. Ao contrário, as coisas ficaram ainda mais exaltadas.

Assim, entre 1822 e 1835 a Província passou por momentos de intensa intranquilidade. Tanto no interior como na capital ocorreram levantes populares, que tiveram a adesão dos soldados da tropa, descontentes com o baixo soldo, com o poder central e também com as autoridades locais.

FONTE: Adaptado de: <http://filosofandoehistoriando.blogspot.com/2009/07/cabanagem-ou-revolta-dos-cabanos.html>. Acesso em: 1 mar. 2011.

Dessa forma, a conjuntura da Província do Grão-Pará era favorável ao aparecimento de movimentos que expressavam a luta de uma maioria de índios, mestiços e escravos, contra uma minoria branca formada, principalmente, pela “elite” de comerciantes portugueses.

FONTE: Adaptado de: <http://filosofandoehistoriando.blogspot.com/2009/07/cabanagem-ou-revolta-dos-cabanos.html>. Acesso em: 1 mar. 2011.

Com a cidade de Belém e igualmente o interior do Pará altamente descontentes com a nomeação do novo presidente da província, Lobo de Souza,

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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o cônego João Batista Campos, importante líder das revoltas ocorridas em 1823, tornou-se novamente porta-voz dos descontentes, principalmente de setores da Igreja e de profissionais liberais.

Com isso, a partir de 1834 as manifestações de rua se multiplicaram e as autoridades reagiram prendendo as lideranças. Angelim, Batista Campos e outros líderes refugiaram-se na fazenda de Félix Clemente Malcher, onde já se encontravam os irmãos Vinagre. Nesse lugar foi projetada a resistência armada.

FONTE: Adaptado de: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/cabanagem/cabanagem-1.php>. Acesso em: 1 mar. 2011.

FONTE: Disponível em:<http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.overmundo.com.br/uploads/banco/multiplas/1247524309_>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Começava a Cabanagem, tida como uma das mais significativas revoltas populares do período regencial. O nome da revolta indicava a origem social de seus participantes, os “cabanos”, moradores de casas de palha.

Iniciava-se o primeiro governo cabano. Sem muitas lideranças, o povo escolheu Clemente Malcher, por ser um homem respeitado por todos. No início de 1835, dominaram Belém, executando o governador Lobo de Sousa e outras autoridades. O primeiro governo cabano foi entregue ao fazendeiro Félix Antonio Malcher, que, com medo da violência das camadas mais pobres da população, entrou em choque com os outros líderes, perseguindo os elementos mais radicais.

FIGURA 5 – CABANAGEM

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TÓPICO 1 | CABANAGEM: REVOLTA POPULAR NO PARÁ

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Além disso, Malcher demonstrou a intenção de manter a Província ligada ao Império, jurando fidelidade ao Imperador, e afirmou que só ficaria no poder até a maioridade. Porém, ele começou a tomar atitudes que os cabanos consideraram traição. Os desentendimentos levaram à primeira importante ruptura das lideranças: de um lado, Malcher e as elites dominantes, e, de outro, os Vinagre e Angelim, juntamente com os cabanos e boa parte da tropa. Malcher foi preso, mas, a caminho da cadeia onde ficaria por algum tempo, foi morto por um participante do movimento popular.

Francisco Vinagre foi nomeado para o segundo governo cabano, porém, não conseguiu resolver as divergências existentes entre os revoltosos. Foi também acusado de traição quando fez um acordo com as tropas legalistas vindas do Rio de Janeiro.

Derrotados na capital da Província, os cabanos retiraram-se para o interior, tomando aos poucos todos os territórios. Conhecedores da terra e dos rios, infiltraram-se em vilas e povoados, conseguindo o apoio das camadas mais humildes da população. Liderados por Vinagre e Angelim, reforçaram suas tropas e retomaram Belém, lutando violentamente por nove dias. Com a morte de Malcher, Angelim foi escolhido para o terceiro governo cabano, que durou dez meses.

Contudo, os cabanos, durante um período longo de lutas, não conseguiram organizar-se com eficiência. Sacudidos por dissidências internas, pela falta de um programa de governo, sofreram ainda uma epidemia de varíola, que assolou por longo tempo a capital.

Abandonando outra vez Belém, os revoltosos retiraram-se para o interior, resistindo aí por mais três anos. A situação da Província só foi controlada por tropas enviadas pelo governo central em 1840. Como era de costume na época, os cabanos sofreram uma repressão violenta e brutal. Impossibilitados de oferecer resistência, os revoltosos foram esmagados. Ao terminar o movimento, dos quase 100 mil habitantes do Grão-Pará, cerca de 30 mil morreram em incidentes criminosos promovidos por mercenários e pelas tropas governistas.

FONTE: Adaptado de: <http://www.grupoescolar.com/materia/periodo_regencial_brasileiro.html>. Acesso em: 1 mar. 2011.

Assim, acabava a Cabanagem, um dos movimentos populares mais notáveis da História brasileira. Um dos poucos em que as camadas mais inferiores da população conseguiram ocupar o poder de toda uma Província, ainda que durante um determinado tempo. Foi a primeira insurreição popular que passou da simples agitação para uma tomada efetiva de poder.

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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EM A MISERÁVEL REVOLUÇÃO DAS CLASSES INFAMES, AUTOR COMPARA A REBELIÃO DOS CABANOS, NO PARÁ, À REVOLUÇÃO

FRANCESA

Luís Augusto Fischer

No seu último livro, que não viu impresso, Décio Freitas visitou uma das menos conhecidas revoltas populares da história brasileira, o movimento que nos livros escolares aprendemos com o nome de Cabanagem. Dizendo em palavras vagas, foi uma insurreição ocorrida principalmente em Belém, entre 1835 e 1840, e reprimida sangrentamente – teriam morrido no total umas 30 mil pessoas, cerca de 25% da população do Pará na época. Foi designada com esse nome por motivos triviais: é que de fato a maior parte dos envolvidos vivia em cabanas pobres, em malocas improvisadas, numa vida miserável que foi, sem dúvida, o combustível da revolta.

Para iniciar essa história é bom falarmos sobre as peculiaridades do cenário em que ela se desenvolve. O Norte do Brasil nem sempre foi Brasil. Já em 1608, época do domínio espanhol sobre Portugal, desenhou-se uma divisão no território brasileiro, entre o Sul e o Norte. Em 1621, as partes ganharam nome: uma era o Estado do Brasil e outra o Estado do Maranhão, com capital em São Luís. Passados os tumultos da restauração de 1640, redefiniu-se o segundo com o nome de Estado do Maranhão e Grão-Pará, nome que se inverteu um século depois, precisamente em 1751: Estado do Grão-Pará e Maranhão, com capital em Belém. A mesma capital permaneceu na última mudança, em 1772, quando se desmembraram as duas partes, Maranhão e Pará. Era uma colônia que se

Como forma de conhecer mais sobre o assunto, sugerimos as seguintes leituras:

CHIAVENATO, José Júlio. Cabanagem: o povo no poder. São Paulo: Brasiliense,1984.

DI PAOLO, Pasquale. Cabanagem: a revolução da população da Amazônia. 2. ed. Belém: Cejup, 1990.

RICCI, Magda. Do Patriotismo à Revolução: histórias da Cabanagem na Amazônia. In: FONTES, Edilza (Org.). Contando a História do Pará. Belém: E.motion, 2002.

ROCQUE, Carlos. Cabanagem: epopeia de um povo. Belém: Imprensa Oficial, 1984. v. 2.

DICAS

LEITURA COMPLEMENTAR

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TÓPICO 1 | CABANAGEM: REVOLTA POPULAR NO PARÁ

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relacionava diretamente com os países estrangeiros, sem a mediação do Rio de Janeiro, o que significa que Belém era uma cidade cosmopolita, com expressiva presença estrangeira. Vamos sublinhar: esse estado nortista não pertencia ao Estado Português do Brasil.

É de imaginar que, na hora da independência política, em 1822, a coisa tenha tido por lá uma singular trajetória. Como em várias outras províncias e regiões periféricas cuja produção econômica não fosse a do produto central do país – o açúcar, depois o ouro, depois o café –, também no Pará havia uma enorme expectativa sobre o rompimento com Portugal. Na opinião dessas regiões, era preciso não apenas liberar o novo país das amarras coloniais, mas também descentralizar o país, repartindo melhor os encargos e os poderes.

Uma tal mudança que não muda só podia gerar uma oposição igualmente paradoxal, que já foi chamada de “reação revolucionária”: em várias províncias estouram conflitos contra o governo central brasileiro, exigindo mais autonomia para as administrações locais. No contexto dessas inquietações, ocorrem guerras civis intraoligárquicas de longa duração, como Farrapos, no Rio Grande do Sul, entre 1835 e 1845, e a Cabanagem, no Pará.

Esse é o tema de A Miserável Revolução das Classes Infames. Nele, Décio Freitas postula a existência de uma testemunha privilegiada dos impressionantes acontecimentos daquele movimento. Trata-se de um certo Jean-Jacques Berthier, francês, ou melhor, bretão, cujo pai teria sido um seguidor de Babeuf (François Noël Babeuf, depois cognominado Gracchus Babeuf, que viveu entre 1760 e 1797, um revolucionário radical como poucos outros, morto na guilhotina no período do terror no contexto da Revolução Francesa, como o pai de Jean-Jacques).

Berthier é um sujeito que muito jovem experimentou os horrores da revolução da Bastilha. Por isso é que em 1797 ele está exilado em Caiena, Guiana Francesa, e anos depois, talvez em 1820, passa a Belém do Pará, agora com 38 anos. Sendo um veterano da maior revolução ocidental moderna, ele pode distinguir nos fatos insurrecionais – mesmo nos fatos crus do presente, sobre os quais ainda não pousou o calmante véu do tempo – as tensões ocultas, as intenções disfarçadas, os significados obscuros. (Berthier serve a Décio como uma régua com que será possível medir a Cabanagem pelo metro da paradigmática Revolução de 1789).

Décio Freitas anuncia sua intenção de preencher “claros, omissões ou insuficiências” das informações contidas nas cartas com que deparou. Textualmente, ele diz na nota bibliográfica final a natureza de seu livro: “uma narrativa à base daquilo que ele [Berthier] testemunhou”, “uma construção feita pelo historiador”. Mas isso não quer dizer que o livro seja uma fabulação desmedida. O que dele ressalta é o relato dos episódios da luta popular, presenciada com frieza e ceticismo por Berthier.

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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Um dos centros de interesse do livro é a vida e a ação dos tapuios, nome dado às populações indígenas destribalizadas, mas ainda relativamente isoladas das demais etnias da cidade. Eles formam um grupo que é ao mesmo tempo social e cultural, nas duas dimensões um grupo bastante homogêneo. É a maioria da população, uma vez que por ali a escravidão negra, que existia, não chegou nunca aos níveis que alcançou nas economias centrais do Brasil. Nem haveria riqueza suficiente para comprar escravos em Belém e região, onde o que se produzia era relativamente pouco.

Outro eixo do relato, de que Berthier se ocupa bastante em suas cartas, está localizado na trama política da Cabanagem. Dito de modo sumário, trata-se de um confronto entre dois grupos sociais distantes e em certos aspectos opostos, as chamadas “classes infames” do título – tapuios, índios ainda aldeados, negros libertos, mestiços de variados tipos, a maioria gente pobre, junto com setores médios, como alguns comerciantes, jornalistas e padres – e as denominadas “principais famílias” – os grandes comerciantes, exportadores, latifundiários, ocupantes dos postos mais altos da administração e da Justiça, muitos deles claramente pró-Portugal.

O começo da Cabanagem propriamente dito costuma ser datado de 1831, quando mais de 200 revoltosos morrem asfixiados no porão de um navio, o Palhaço, por terem estado envolvidos numa revolta contra o poder despótico que havia tomado a província, depois da independência. Mas o grosso da revolta ocorreu entre janeiro de 1835 e abril do ano seguinte, quando Belém foi tomada pelos cabanos, que levaram ao poder, sucessivamente, Francisco Pedro Vinagre e Eduardo Angelim. Os dois foram presidentes da província com menos de 25 anos, montados sobre uma massa humana dispersa, de ação confusa, e os dois foram igualmente ambíguos no exercício do poder – de um lado, sabiam que sua força nascia da revolta das “classes infames” contra as elites, e que por isso deviam ter ação enérgica contra os privilégios, as falcatruas, a submissão aos grandes exportadores, mas por outro lado descobriam que não era possível governar sem o apoio dos de cima, dos poderosos das “principais famílias”.

Décio revela essas hesitações e dubiedades. Para ele, que parece olhar para os fatos da Cabanagem com um misto de lamentação, indignação e ceticismo, as revoluções populares – no Pará ou na França – têm sempre o mesmo destino: a traição dos ideais populares pelos governantes levados ao poder pelo povo, a desilusão dos insurretos e, no fim do processo, o terror de Estado contra os inimigos. No caso de Belém, alguns dos dirigentes foram assassinados nas várias viravoltas narradas entre 1831 e 1840. E o fim da revolta ocorreu com mais sangue ainda, quando chegou ao Pará o brigadeiro Francisco Soares de Andrea, que assumiu o poder em abril de 1836. Ele prendeu ou matou os resistentes e exilou os líderes, muito deles enviados para o interior do Estado, onde organizaram focos de resistência que igualmente foram aniquilados.

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TÓPICO 1 | CABANAGEM: REVOLTA POPULAR NO PARÁ

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Décio Freitas nos surpreende, no quarto final do livro, ao nos dar uma cena em que Berthier, febril, presencia um debate entre dois revolucionários. Um deles era ninguém menos que Saint-Simon, o conde Claude-Henri de Rouvroy, rebatizado republicanamente Claude-Henri Bonhomme (1760-1825), defensor de uma mudança radical na sociedade a partir da repartição da propriedade, que deve ser acessível a todos. O outro era Charles Fourier (1771-1837), muito mais radical que o outro, advogando a organização da sociedade em pequenas comunas e uma vida libertária, inclusive no comportamento sexual. Os dois serão os “socialistas utópicos”, na opinião de Karl Marx, anos depois.

Claro que os dois não estavam em Belém, mas sim na cabeça e no coração de Berthier, que conhecia suas ideias e o tempo todo as relembra para entender aquela quase incompreensível sublevação social paraense.

Décio nos transporta para o centro dos eventos, para essa passagem inacreditavelmente sangrenta da vida brasileira, por meio de artifícios eficazes, ao mesmo tempo oferecendo caminhos para pensarmos as coisas do país em cotejo com a História Ocidental, o que sempre ajuda a entender melhor. Coisas deste país chamado Brasil, que na visão do ensaísta nasceu de uma independência que foi capaz de criar um Estado, uma Administração, um Poder, mas não foi capaz de criar uma Nação acolhendo o complexo conjunto do Povo que aqui vive. Até hoje.

FONTE: FREITAS, Décio. A miserável revolução das classes infames. Rio de Janeiro: Record, 2005. Disponível em:< http://historia.abril.com.br/guerra/cabanos-miseria-revolta-terror-433803.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2011.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico você estudou que:

● Inserida num cenário amplo e nacional, a Cabanagem foi, e ainda é, analisada como mais um “movimento regional”, típico do período regencial do Império do Brasil.

● A independência do Brasil despertou grande expectativa no povo da região. A própria Cabanagem pode ser vista como um prosseguimento da Guerra da Independência na região.

● A conjuntura da Província do Grão-Pará era favorável ao aparecimento de movimentos que expressavam a luta de uma maioria de índios, mestiços e escravos, contra uma minoria branca formada, principalmente, pela “elite” de comerciantes portugueses.

● A Cabanagem é tida como uma das mais significativas revoltas populares do período regencial.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo as questões a seguir.

1 Quais foram os principais fatores que desencadearam a Cabanagem?

2 Quais setores sociais lutaram, e contra quem, na Cabanagem?

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TÓPICO 2

A REVOLUÇÃO FARROUPILHA: UMA

REVOLTA REGIONAL E DE ELITE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃOSem sombra de dúvida, a Revolução Farroupilha (1835-1845) é o tema

mais trabalhado pela historiografia rio-grandense. O movimento regional é o fato histórico que ganhou maior relevância, tanto na produção historiográfica quanto no imaginário popular.

Considerado por muitos como um movimento da classe dominante rio-grandense, em oposição ao centralismo exercido pela corte do Rio de Janeiro, o nome Farrapos não se deu devido às tropas serem esfarrapadas, pois o termo é anterior ao conflito. Essa abordagem se deve à maneira como os jornais da época retrataram o conflito e seus personagens.

A Revolução Farroupilha foi um movimento organizado pelas classes dominantes pecuaristas, latifundiárias e escravocratas, em que se pode notar uma grande demonstração de forças e tamanha capacidade de resistência, uma vez que o conflito é considerado, por muitos estudiosos, como um dos mais bem planejados.

A Guerra dos Farrapos também é um tema muito recorrente na historiografia brasileira. No entanto, quando observado a partir da perspectiva nacional, o movimento perde importância, mas, como um evento regional, até hoje enseja discussões, paixões e até brigas entre seus defensores e detratores.

É comum encontramos, mesmo na historiografia regional produzida no Rio Grande do Sul, distorções no seu entendimento. Alguns estudiosos fazem apologia dos heróis e condenam os traidores, outros tentam desmistificá-los. Discussões sobre o caráter separatista ou não do movimento geram até hoje posições apaixonadas ou constrangedoras para a problemática da identidade regional e nacional.

Produções históricas mais recentes e “objetivas” partem do pressuposto de que o Movimento Farroupilha rio-grandense fez parte de exigências locais e esteve inserido no jogo das questões nacionais e internacionais típicas da primeira metade do século XIX.

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

2 ENTENDENDO O PANO DE FUNDO DA REVOLUÇÃO

No século XIX brasileiro o liberalismo econômico estava derrubando estruturas antigas, calcadas nos monopólios e regimes absolutistas. O modelo norte-americano de fazer política fazia escola, pelo menos na teoria. O constitucionalismo surgia como essencial à história da humanidade e não tinha mais como retroceder. Contudo, os processos de independência política e a própria formação do Estado Nacional brasileiro foram centralizadores e autoritários. As tão sonhadas autonomias regionais não aconteceram, o poder central continuava interferindo na indicação dos administradores provinciais e nas assembleias regionais. Os regionalismos não foram respeitados.

Aqui entra em cena uma região que almejava essa autonomia: o Rio Grande do Sul, palco de intensas disputas entre portugueses e espanhóis desde a época colonial. Na ideia dos líderes locais, o fim dos conflitos e a independência brasileira deveriam inspirar o governo central a incentivar o crescimento econômico do Sul, como forma de “ressarcir” as gerações de famílias que defenderam o país desde há muito tempo. Mas não foi bem isso o que aconteceu.

O que já não era bom para a Província gaúcha piorou ainda mais. Desde 1821 o governo central passou a cobrar taxas pesadas sobre os produtos rio-grandenses, como charque, erva-mate, couros etc. E no começo da década de 30 incorporou a cobrança de uma taxa extorsiva sobre o charque gaúcho, incentivando indiretamente a importação desse produto da região do Prata. Soma-se a isto um aumento da taxa de importação do sal, insumo básico para a fabricação do charque.

Além do mais, existiam ainda questões político-administrativas que incomodavam as elites sulinas. Tony Mendes nos ajuda a entender a situação!

Lembre-se da relação da História Local com o Regional, Nacional e Mundial!

NOTA

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TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO FARROUPILHA: UMA REVOLTA REGIONAL E DE ELITE

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A REVOLTA NO SUL: FARROUPILHA

[...]Na América Portuguesa, por muito tempo o extremo sul do Brasil

ficara quase que abandonado. Sem oferecer nenhum produto tropical que a metrópole pudesse explorar, manteve-se à margem do mercado externo. Durante os séculos XVII e XVIII, missões religiosas jesuíticas espanholas se estabeleceram no atual Estado do Rio Grande do Sul, reunindo muitos índios. Destruídas pelos bandeirantes paulistas em busca de indígenas que seriam vendidos como escravos, o gado criado nessas missões ficou solto. Essa região, chamada pelos portugueses de Continente do Rio Grande, foi, aos poucos, sendo ocupada por colonos que lá se fixaram e começaram a reunir o gado que ficara disperso. A pecuária se desenvolveu e logo se tornou a principal atividade econômica do sul da Colônia.

No século XVIII, as estâncias (fazendas) sulinas já abasteciam o mercado interno com mulas, fundamentais para o transporte, e com o charque, carne salgada, que era a alimentação básica dos escravos e da população mais pobre. Além disso, o surgimento das charqueadas permitiu melhor aproveitamento do couro para a exportação.

A Capitania do Rio Grande de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, sempre fora objeto de disputa entre portugueses e espanhóis. Fazendo fronteira com territórios que pertenciam à Espanha, sua população frequentemente se envolvia em conflitos.

O charque rio-grandense competia diretamente com os da Argentina e Uruguai. Os gaúchos, que utilizavam mão de obra escrava, não tinham condições de concorrer com os platinos, que, empregando técnicas mais modernas e trabalho assalariado, conseguiam uma produção maior, com preços mais baixos. Assim, o charque gaúcho só podia concorrer com o platino nos períodos em que havia guerras internas no Prata. Quando a produção platina se reorganizava, a economia rio-grandense sofria grandes perdas.

[...]

Estancieiros, charqueadores e exportadores sulinos passaram a exigir que o Governo Imperial adotasse uma política protecionista para seus produtos, principalmente para o charque. Queixavam-se de que o charque argentino e o uruguaio eram beneficiados por pagar baixas

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

taxas alfandegárias, enquanto que o produzido no Sul, além de pagar altos impostos, era tributado até para ser vendido a outras províncias.

A política econômica do Governo Imperial atendia aos proprietários de escravos e terras, particularmente os do Centro-Sul, interessados em comprar pelo menor preço possível a carne salgada necessária à alimentação de seus escravos. Para tanto, o Governo Imperial mantinha baixos os impostos sobre o charque e outros produtos vindos da região platina, ao mesmo tempo em que cobrava impostos sobre os produtos sulinos, além de não tomar qualquer medida que assegurasse sua exportação. Além do problema econômico, havia divergências de caráter político-administrativo. Até a vinda da Corte para o Rio de Janeiro, a Província gozava de certa autonomia. Com a centralização, começaram os choques entre o poder local, representado pelos grandes estancieiros e charqueadores, e o governo do Rio de Janeiro.

O descontentamento aumentou quando, em 1834, Antônio Rodrigues Fernandes Braga foi nomeado para ocupar a presidência da Província. Os grupos dominantes do Sul eram contra a nomeação dos presidentes de províncias e dos funcionários locais pelo Governo. Fernandes Braga, seguindo ordens do Rio de Janeiro, criou novos impostos, inclusive um sobre propriedades rurais, e tentou organizar um corpo militar para enfrentar as forças dos estancieiros, as companhias de guerrilhas.

Em 1835 a revolta eclodiu. Liderados por Bento Gonçalves, Davi Canabarro, Bento Manuel Ribeiro, e contando com a participação do italiano José Garibaldi. Com a ajuda das “companhias de guerrilhas”, organizadas pelos estancieiros, o movimento estendeu-se por toda a província.

Os farrapos conseguiram algumas vitórias, até 1836. No mesmo ano, Bento Gonçalves foi preso e enviado para a Bahia (Forte do Mar). O comando dos farrapos passou para José Gomes de Vasconcelos Jardim. Em setembro de 1837, Bento Gonçalves conseguiu fugir da prisão, ao que parece com a ajuda dos maçons, embarcando para Buenos Aires, de onde voltou para o Rio Grande do Sul, reassumindo o comando rebelde.

Em 1838 foi proclamada a República de Piratini, ou Rio-Grandense. Através de manifestos, o governo da nova República esclarecia as razões do movimento e atacava diretamente “a corte viciosa e corrompida”.

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Em 1839, a revolta atingiu a Província de Santa Catarina, onde os rebeldes tomaram Laguna, e proclamaram a República Juliana.

A maioria dos criadores e charqueadores gaúchos engajara-se diretamente na luta ou colaborara financeiramente na insurreição. Muitos comerciantes assumiram posição defensiva ao lado do governo monárquico, foram apelidados de legalistas. Questões pontuais entre os chefes políticos acabaram produzindo, como em qualquer movimento, deserções e até posicionamentos opostos ao longo do movimento.

Boa parte dos moradores de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, as maiores cidades do Rio Grande do Sul na época, não aderiu, em sua totalidade, ao movimento. É interessante assinalar que a Capital, Porto Alegre, foi a principal base de sustentação dos legalistas, chegando a ganhar o título de “mui leal e valorosa” cidade.

Os farroupilhas nunca chegaram a dominar um porto, por tempo razoável, para escoar produtos, fato que de certa forma prejudicou a sobrevivência imediata dos revoltosos. Quando realizaram a tomada de Laguna, em Santa Catarina, buscaram alcançar um porto mais permanente, mas foram derrotados e expulsos em alguns meses.

3 QUESTÕES POLÊMICAS E O FINAL DO CONFLITOA revolta que os farroupilhas chamaram de “revolução” foi bastante

longa, durando 10 anos. Preocupados e focados em questões econômicas nas quais se sentiam prejudicados, os farroupilhas não questionaram questões sociais, muito menos a escravidão, que fazia parte do seu sistema produtivo. Preocuparam-se mais com a questão centro versus periferia. Dessa maneira,

É interessante notar que nos dias de hoje é feita na cidade de Laguna/SC uma superprodução teatral para lembrar a tomada da cidade pelos revoltosos. Acesse o site <http://www.lagunabrasil.com.br/eventos.html#>.

NOTA

FONTE: Disponível em: <http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/historia/modulo02/tema58_3.html>. Acesso em: 10 jan. 2011.

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muitos afirmam que é exagerado e até incorreto chamar esse movimento de revolução, sendo muito mais uma “revolta civil’ entre classes sociais dominantes. (PESAVENTO, 1985; LEITMAN, 1979).

A Guerra dos Farrapos tem ensejado a uma boa parte da historiografia “tradicional” e à ideologia gaúcha dominante uma ampla “galeria de heróis”, que em muitos casos são cultuados até a atualidade. Em outros casos esses “heróis” são denunciados como “oportunistas”, “contrabandistas”. Essa questão não diz respeito somente ao movimento dos Farrapos, mas sim a toda a História brasileira. Quantos heróis já foram construídos nos mais de 500 anos da nossa História? Reflita sobre isso e discuta com seus colegas!

Terminada em 1845 com a conhecida “Paz do Poncho Verde”, satisfez e acomodou tanto os farrapos quanto o governo monárquico, pois os revoltosos já estavam cansados de lutar e ao poder central não interessava reprimir uma elite econômica regional. Em relação à questão “central” que ensejou o conflito, a política tarifária, medidas sem muitos efeitos e pouco duradouras tentaram estabelecer um melhor tratamento tributário dado ao produto gaúcho.

Por fim, podemos dizer que a Revolução Farroupilha não foi uma revolta das camadas sociais mais pobres, mas uma rebelião dos ricos estancieiros sulinos que lutaram pelos seus imediatos interesses econômicos e políticos. Grande parte da população envolvida só teve participação como “massa de manobra” e ainda sob o controle direto dos líderes. Não existiu, entre as lideranças, desejo algum de libertar as camadas mais pobres da exploração social, e muito menos da escravidão que predominava na época.

Leia o recente livro que trata de questões bastantes polêmicas da Revolução Farroupilha, como a participação dos escravos e a construção de heróis. História regional da infâmia - O destino dos negros e outras iniquidades brasileiras (ou como se produzem os imaginários). Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Editora L&PM, 2010.

DICAS

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TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO FARROUPILHA: UMA REVOLTA REGIONAL E DE ELITE

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FILMENetto Perde Sua Alma. Direção: Beto Souza, Tabajara Ruas - 2001 (Brasil)

SINOPSE

Antônio de Souza Netto é um general brasileiro que é ferido em plena Guerra do Paraguai e agora está se recuperando no Hospital Militar de Corrientes, na Argentina. Lá ele percebe que coisas estranhas estão ocorrendo ao seu redor, como o capitão de Los Santos acusar o cirurgião de ter amputado suas pernas sem necessidade e reencontrar um antigo camarada, o sargento Caldeira, ex-escravo com quem lutou na Guerra dos Farrapos, ocorrida algumas décadas antes. Juntamente com Caldeira, Netto rememora suas participações na guerra e ainda o encontro com Milonga, jovem escravo que se alistara no Corpo de Lanceiros Negros, além do período em que viveu no exílio no Uruguai.

FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/netto-perde-sua-alma/>.

DICAS

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HISTORIADORES E A FARROUPILHA: ENTRE A MEMÓRIA E A HISTÓRIA

Diorge Konrad

A cada Semana Farroupilha, em geral, a cada 20 de setembro, em particular, a formação social do Rio Grande do Sul se vê imersa num debate entre memória, tradicionalismo e história.

Todas se mesclam entre si, é verdade, mas em nome da tradição e da memória, muitas vezes o processo histórico rio-grandense é constantemente revisitado. De forma parcial e fragmentária, a fim de reforçar o simbolismo de uma versão das classes proprietárias gaúchas, para justificar o presente de dominação política e econômica, ou mesmo um passado perdido, esta versão visa manter os privilégios de dominação de classe, a partir de uma visão romântica de mundo. Mais do que esclarecer o que foi a Guerra Civil dos Farrapos, em todas as suas dimensões, esta visão se apropria da história com interesses político-ideológicos contemporâneos eivados pelo liberalismo conservador.

Entre os historiadores esta ambivalência discursiva não poderia ser diferente, pois que a polêmica tem suas representações históricas, suas versões ideológicas e classistas e suas tomadas de posições diante dos referenciais socioculturais diversos.

Foi Nelson Werneck Sodré, em As razões da Independência, que considerou a Farroupilha entre a contradição do avanço liberal e do regresso conservador pós-Independência política. No contexto de um Império centralizador e escravocrata, o Ato Adicional de 1834, o qual deixou “intocados os pontos essenciais da estrutura vigente”, representou o momento fatal do debilitamento progressivo da esquerda liberal.

No período, a centralização conservadora provocou intensa reação dos liberais, os quais levantaram contraditórias e complementares posições políticas federalistas, antiescravistas e republicanas.

No caso da Guerra dos Farrapos, os anseios liberais moldados pela maçonaria, que tinha líderes do porte de Bento Gonçalves e Davi Canabarro, bateram de frente contra o Império que achacava as províncias com altos impostos, entre elas a Rio-Grandense. Além de optar pelo charque uruguaio, em contraposição ao caro e fundamental produto de exportação da economia periférica gaúcha, os liberais conservadores do café viam os latifundiários e pecuaristas rio-grandenses como apêndices socioeconômicos de seu projeto político de manutenção do escravismo brasileiro.

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Assim, os Farrapos levaram adiante a defesa de maior autonomia das províncias, em contraposição ao modelo imposto pela Constituição de caráter unitária outorgada ainda em 1824.

Para Moacyr Flores, em Modelo político dos Farrapos e A Revolução Farroupilha, a principal marca da Guerra Civil foram as disputas entre os liberais moderados (tanto monarquistas como republicanos) e os liberais exaltados (republicanos) contra o absolutismo do monarca, na defesa de um governo constitucional que garantisse a liberdade dentro da lei e a propriedade, além da eleição do Presidente da Província e não a sua nomeação pelo Império.

Flores, que divide a Farroupilha em duas fases (1835-36 com a deposição de Fernandes Braga e a tomada de Porto Alegre; 1836-1845 com a Proclamação da República Rio-Grandense e o Tratado de Paz), afirma que o movimento contradiz as teses econômicas da causa farrapa, pois um dos primeiros atos da República foi aumentar o imposto sobre o charque. Para o autor, um dos erros fundamentais dos farroupilhas foi não libertar os escravos, pois poderiam ter contado com um grande exército para derrotar o Exército Imperial.

Outra tomada de posição importante do autor, especialmente pelo valor político e emblemático desta questão, a qual contrapõe parte da academia com o pensamento majoritário do movimento tradicionalista, através dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), foi a demonstração comprovada com documentos, da Traição de Porongos. No episódio, Francisco Pedro Abreu, o “Moringue”, atacou o acampamento de infantaria da República, os Lanceiros Negros, composto pela maioria de negros e ex-escravos, após o seu desarmamento acordado pelo líder Davi Canabarro em tratado prévio com Caxias, o líder das tropas imperiais na fase final do conflito. O Massacre de Porongos, ocorrido em 14 de novembro de 1844, para Flores, foi decisivo para o declínio da Farroupilha e uma marca dos imperiais que não aceitavam incluir um exército negro como libertos na anistia política.

Sandra Pesavento abordou o debate historiográfico procurando ver a construção do mito que gerou a idealização da Revolução Farroupilha. Para a autora, a Farroupilha, como “símbolo do espírito de bravura do povo gaúcho”, de suas “tendências libertárias” e como exemplo da “raça gaúcha” marcando a formação histórica sulina pela “democracia dos pampas” e de uma “sociedade sem classes”, marcado pelo gaúcho “centauro dos pampas” e “monarca das coxilhas”, faz parte de uma visão positivista-idealista. Esta concepção, na verdade, busca legitimar o sistema de dominação vigente e a hegemonia do grupo agropecuarista na sociedade civil gaúcha.

Mais recentemente, os ensaios historiográficos de Raul Machado Kroeff Carrion têm reacendido o debate sobre o tema farroupilha no Rio Grande do Sul.

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

Para o historiador, é preciso ver o sentido progressista da Revolução Farroupilha, em seu tempo histórico, quando ela representou o enfrentamento de um Império centralizador e escravocrata, defendendo a República e a Federação.

Enfim, todas estas contribuições da historiografia, entre outras tantas possíveis, levam-nos a incorporar a crítica ideológica e política presentes nas obras citadas acima, sem cair em visões mecânicas, bipolares e dualistas, tão comuns a estudos das ciências humanas, contrapondo lusitanos X platinos, imperiais X farroupilhas, paulistas X gaúchos, negando uma visão totalizante que não percebe o processo em contradição na formação social brasileira e gaúcha.

A libertação dos escravos, ponto sintomático dos limites dos liberais brasileiros (e também dos farroupilhas que não o colocaram na Constituição da República Rio-Grandense), mais contraditórios que seus contemporâneos europeus, colocavam o liberalismo em seu lugar, mas marcado pelo conservadorismo, o qual defendia mais a propriedade e a Federação do que uma República claramente antiescravista. De qualquer forma, ideais federativos e republicanos e tímidas defesas da abolição interessavam aos trabalhadores pobres e aos escravos nos quadros de um Império escravocrata na primeira metade do século 19, bem como colocaram em luta mesmo os defensores farroupilhas, expondo tanto o conservadorismo entre eles bem como antecipando a luta republicana por outros tantos farroupilhas.

Por isso, a cada 20 de setembro, a cada Semana Farroupilha, gaúchos brasileiros têm oportunidade cada vez menos para comemorar de forma idealizada aquele movimento, bem como cada vez mais rememorar criticamente seu passado histórico, sem se contentar com ufanias idílicas, mas vendo nele uma ponte para compreender o presente, perceber a manutenção de suas contradições e desigualdades sociais, buscando a transformação dessa realidade.

Assim, a síntese dialética entre a memória e a História Farroupilha transforma esta em projeto e antítese daquela, sem negá-la e ao mesmo tempo a superando, na busca do novo para além da tradição liberal da ordem e da propriedade, tão ao gosto de um tradicionalismo que tão pouca correspondência tem com as necessidades históricas dos atuais setores populares do Brasil e do Rio Grande do Sul.

FONTE: Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=1807&id_coluna=14>. Acesso em: 10 jan. 2011.

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TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO FARROUPILHA: UMA REVOLTA REGIONAL E DE ELITE

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SUGESTÕES DE LEITURA E CONSULTA PARA ENRIQUECER SEU CONHECIMENTO.

FLORES, Moacyr. Modelo Político dos Farrapos. 3.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto,1985.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Farrapos, liberalismo e ideologia. In: DACANAL, José Hildebrando (Org.). A revolução farroupilha: história e interpretação. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997.

LEITMAN, Spencer. Raízes socioeconômicas da Guerra dos Farrapos: um capítulo da história do Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo gaúcho - fronteira platina, direito e revolução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

SCHEIDT, Eduardo. O processo de construção da memória da Revolução Farroupilha. Revista História, São Paulo, n. 147, dez. 2002.

Disponível em: <http:// www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S00 3483092002000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 17 fev. 2011.

DICAS

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você estudou que:

● O movimento regional é o fato histórico que ganhou maior relevância tanto na produção historiográfica quanto no imaginário popular.

● A Revolução Farroupilha foi um movimento organizado pelas classes dominantes pecuaristas, latifundiárias e escravocratas, em que se pôde notar uma grande demonstração de forças e tamanha capacidade de resistência.

● Em 1835 a revolta eclodiu, liderada por Bento Gonçalves, Davi Canabarro, Bento Manuel Ribeiro, e contando com a participação do italiano José Garibaldi.

● A maioria dos criadores e charqueadores gaúchos engajara-se diretamente na luta ou colaborara financeiramente na insurreição.

● Terminada em 1845 com a conhecida “Paz do Poncho Verde”, satisfez e acomodou tanto os farrapos quanto o governo monárquico, pois os revoltosos já estavam cansados de lutar e ao poder central não interessava reprimir uma elite econômica regional.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo as questões a seguir.

1 Quais foram as causas históricas que determinaram o início da Revolução Farroupilha?

2 Quem eram os farroupilhas e por que lutaram?

3 Explique com suas palavras a questão social e escravista da Revolução.

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TÓPICO 3

A SABINADA E A BALAIADA NO

CONTEXTO REGIONAL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

2 SABINADA: UMA REBELIÃO DIFERENTE NO IMPÉRIO

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico vamos estudar dois movimentos populares regionais do Brasil Império, a Sabinada e a Balaiada. Bons estudos!

Surgiu na capital da Bahia em novembro de 1837 um movimento revolucionário de grandes proporções, conhecido pela historiografia como Sabinada. Este episódio é o tema deste tópico.

Caro(a) acadêmico (a), iniciamos esse tópico com uma questão. Você já pensou sobre como a conformação geográfica do que hoje se constitui o Brasil e a própria construção social da sua identidade nacional aconteceu? Como foi possível, principalmente no Império, manter a unidade nacional pelas forças centralistas, em detrimento das regionalistas?

Já estudamos nessa unidade a Balaiada e a Guerra dos Farrapos, rebeliões que de certa forma tentaram a autonomia e até a separação do Império brasileiro.

Você já refletiu como foi possível a conquista e a manutenção do espaço geográfico para a unidade política brasileira atual? Essas questões e outras que estamos estudando aqui passam também pelo entendimento do que foi a Sabinada. Vejamos!

É importante entender que, muito antes da eclosão da Sabinada, a Província da Bahia, entre 1831 e 1833, teve movimentos de caráter federalista. Movimentos esses que expressavam o descontentamento não só em relação à política centralizadora do Império, mas também um forte sentimento antilusitano. Esse sentimento se dava devido ao fato de os portugueses controlarem quase que totalmente o comércio e ocuparem ainda cargos políticos e militares na província.

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Já no ano de 1833, o descontentamento em relação à política centralizadora da Corte do Rio de Janeiro podia ser percebido no ódio que os “federalistas”, defensores da autonomia provincial, tinham então por D. Pedro I e também aos portugueses.

No entanto, a questão ia além. Vejamos o que diz Juliana Lopes:

A movimentação revolucionária não se resume nem se inicia na tomada do poder pelos rebeldes. Meses antes disso já eram intensas a propaganda e a crítica política na capital baiana; as reuniões dos clubes liberais e a divulgação de jornais e panfletos revolucionários eram do conhecimento de todos, inclusive das autoridades policiais. Como principal articulador das ideias radicais surge a figura do médico, professor e publicista Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira. Entretanto, Sabino não foi o único a disseminar propostas de revolução. Junto a ele estavam alguns dos homens envolvidos nos levantes federalistas dos anos anteriores, como Daniel Gomes de Freitas. (2010, p. 2).

Em 1837, com a renúncia do Regente Feijó, considerado incapaz de conter os movimentos contra o governo central, a insatisfação recrudesceu, principalmente entre os militares e maçons da província baiana. Todo o processo de instabilidade por que passava a Bahia culminou com o início da Sabinada, revolta liderada pelo médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira.

FONTE: Disponível em: <http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/historia/modulo02/tema58_2.html>. Acesso em: 1 mar. 2011.

Conhecida pelo nome daquele que foi tido como um de seus principais líderes, a Sabinada seguiu a sorte de algumas outras províncias do Império brasileiro que durante o mesmo período – a Regência (1831-1840) – declararam sua independência plena ou provisória frente ao governo central da Corte, sediado no Rio de Janeiro.

3 AS CAUSAS DA REVOLTA E SEUS DESDOBRAMENTOS

Diferentemente da revolta dos Farrapos, a Sabinada contou com a participação dos representantes das camadas médias da população e também de natureza eminentemente popular. Os rebeldes desejavam manter a autonomia provincial obtida com o Ato Adicional de 1834, e que, sob a Regência Una de Araújo Lima, via-se ameaçada pela lei interpretativa que retirava as liberdades concedidas anteriormente aos governos provinciais. A Bahia, desde o período

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colonial, se destacou como palco de luta contra a opressão política e o desmando governamental.

Sobre a questão, Paulo César de Souza escreve:

Num cálculo pessimista, estima-se em 5.000 o contingente de revoltosos liderados pelo médico mulato Francisco Sabino Vieira.Os revoltosos - oficiais militares, profissionais liberais, empregados públicos, pequenos comerciantes e artesãos, além de indivíduos oriundos das camadas mais pobres da população e, portanto, mais vulneráveis aos efeitos da miséria econômica que assolou a Província da Bahia nas décadas de 1820 e 30 - tomaram a cidade de Salvador e declararam a Bahia independente. Essa ocupação durou cerca de quatro meses (novembro de 1837 a março de 1838), tempo em que a reação se organizou no Recôncavo com o apoio dos senhores de engenho. A cidade foi sitiada, e isso provocou uma emigração em massa, devido à escassez de alimentos. Por fim, as forças da reação (exército e milícias) avançaram e reconquistaram a cidade, provocando destruição e morte. (2009, p. 6).

No entanto, o estopim para o começo da rebelião foi a fuga de Bento Gonçalves, chefe farroupilha, do Forte do Mar, onde encontrava-se preso. Dessa forma, em novembro de 1837 os militares do Forte de São Pedro rebelaram-se, conseguindo a adesão de outros batalhões das tropas do governo.

FONTE: Disponível em: <http://filosofandoehistoriando.blogspot.com/2009/07/sabinada.html>. Acesso em: 1 mar. 2011.

Liderados por Francisco Sabino e João Carneiro da Silva Rego, os sabinos, como ficaram conhecidos os revoltosos, iniciaram uma revolta que até a República foi proclamada.

Os sabinos proclamaram uma República - “inteira e perfeitamente desligada do governo denominado central do Rio de Janeiro”- de caráter transitório, que deveria durar até que o herdeiro do trono brasileiro, Dom Pedro II, chegasse à maioridade. Contudo, a Sabinada ficou isolada na Cidade de Salvador, pois os revoltosos não conseguiram expandir o movimento. A repressão, como era de se esperar, veio logo. Já no início de 1838, tropas regenciais chegaram à Bahia. Após um bloqueio terrestre e marítimo de Salvador, as forças do governo, militares e milícias, invadiram e incendiaram a cidade, obrigando os rebeldes a saírem de seus esconderijos. Ajudadas pelos proprietários do Recôncavo, por fim, as forças da reação derrotaram os rebeldes, provocando intensa destruição e muitas mortes. Na questão social, a “república” criada em solo baiano prometia conceder liberdade a todos os escravos que apoiassem o governo. No entanto, a escravidão foi cuidadosamente mantida pelo governo rebelde, cujo liberalismo protegia – ao menos em tese – todo e qualquer direito de propriedade.

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4 UMA QUESTÃO PERTINENTECom o fim da revolta, cabe perguntar sobre o porquê do fracasso. Alguns

historiadores afirmam que o grupo social de extrato médio que liderou a rebelião, mesmo apoiado nos contingentes populares de negros e mulatos que integravam o exército rebelde, não conseguiu empolgar as camadas populares. Todavia, ao mesmo tempo em que não conseguiram empolgar as camadas populares, despertaram a antipatia da camada dominante. Somado ao fato de que os líderes hesitaram entre o federalismo e o separatismo, a república e a monarquia. Hesitação que foi a razão da fraqueza e da derrota do movimento.

DICAS DE LEITURA:

SOUZA, Paulo César de. A Sabinada: A revolta separatista da Bahia: 1837. São Paulo: Cia das Letras, 2009.

LEITE, Douglas Guimarães. Sabinos e diversos: emergências políticas e projetos de poder na revolta baiana de 1837. Salvador: UFBa, Dissertação de mestrado, 2006.

TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia. São Paulo: UNESP, 2009.

DICAS

Em relação ao envolvimento dos escravos nesse episódio, consulte o excelente artigo de Juliana Serzedello Crespim Lopes: Liberdade, liberdades: dilemas da escravidão na Sabinada (Bahia, 1837-1838). Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, ano 3, n. 6, dez. 2010.

NOTA

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5 BALAIADA: A REBELIÃO SERTANEJADando continuidade a este tópico, continuamos estudando outro

movimento regional do período regencial brasileiro: a Balaiada. Dentre as rebeliões regenciais - Cabanagem, Sabinada, Farroupilha e Balaiada -, esta última foi talvez a que menos recebeu atenção por parte da historiografia brasileira e regional. Vejamos!

Assim como em outras revoltas do século XIX no Brasil já vistas aqui, a Balaiada foi um movimento social – ou uma guerra camponesa - que ocorreu no Maranhão, estendendo-se também para o Ceará e o Piauí, do final de 1838 a fins de 1841. Quem eram os envolvidos e por que lutaram? Num lado, proprietários de terra e de escravos, autoridades provinciais e comerciantes; já do outro, escravos, vaqueanos, artesãos, lavradores e pequenos fazendeiros (mestiços, mulatos, sertanejos, índios e negros) que não tinham acesso à cidadania e também à propriedade da terra. Como era praxe no Brasil Imperial, esse último grupo era explorado e dominado por governos clientelistas e autoritários compostos por uma oligarquia local que ascendeu politicamente com a “proclamação da independência” brasileira. (DIAS, 1995).

No entanto, a Balaiada foi um movimento multiclassista. Tanto escravos quanto fazendeiros aderiram ao movimento. Mas a grande massa dos rebeldes não era nem de escravos, nem de fazendeiros, eram homens livres e pobres, em sua maioria camponeses.

No período da revolta, a população da Província do Maranhão era de aproximadamente 200 mil moradores, sendo que havia mais ou menos 90 mil escravos, além de uma enorme massa de trabalhadores do campo composta por sertanejos ligados à atividade pastoril e ao plantio.

Nossa análise ficará mais restrita ao Maranhão, área central do acontecimento.a

NOTA

Durante os anos de 1838 e 1841, a Província do Maranhão foi sacudida por vários levantes que atingiram também a vizinha Província do Piauí e também o Ceará. Essas revoltas receberam o nome comum de Balaiada. O nome Balaiada deve-se ao fato de que um de seus líderes, Manuel Francisco dos Anjos, vendedor de balaios, ficou popular pelo apelido de “Balaio”.

FONTE: Adaptado de: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/balaiada/balaiada-2.php>. Acesso em: 1 mar. 2011.

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6 A COMPREENSÃO DO CONFLITONa Província do Maranhão, como em outras regiões brasileiras, o

reconhecimento da Independência não aconteceu de forma pacífica. Ocorreram conflitos entre colonos e portugueses, permitindo que as camadas mais pobres da população pegassem em armas nas lutas então travadas. Porém, apesar da Independência, a realidade dessas populações pobres não se alterou. As mesmas continuavam marginalizadas e longe de qualquer poder político e econômico.

A agitação – pós-independência - que ocorria no Maranhão era a mesma que se apresentava em nível nacional, resultado de divergências, dentro do grupo dominante, relativas à melhor forma de governar o país. Confundiam as demais camadas sociais excluídas, procurando afastá-las das reais causas de suas desavenças, com argumentos ideológicos de fundo nacionalista. Estava se criando o motivo para a revolta!

No Maranhão - pós-independência e período regencial - a situação prosseguiu tensa. O contexto político da província era marcado por diferenças entre os bem-te-vis, que se opunham aos governistas, chamados pejorativamente de cabanos. Aqui, temos o início e os motivos para o começo da Balaiada, que foi o choque entre esses dois grupos, mas que rapidamente ganhou autonomia, tornando-se um movimento das massas sertanejas.

Para entender melhor essa revolta, temos que falar dos bem-te-vis e dos cabanos. Os bem-te-vis - nome tirado do jornal homônimo - representavam a população urbana que era opositora dos grandes proprietários de terras e dos comerciantes portugueses. Os conflitos entre bem-te-vis e cabanos acirrou-se após a votação da chamada “lei dos prefeitos”, pela qual os governantes locais, os prefeitos, passaram a ter poderes imensos, inclusive o de autoridade policial. Os cabanos, que já ocupavam o poder, conseguiram ainda maior controle da Província, nomeando seus partidários para o cargo de prefeitos, o que redundou em uma perseguição aberta aos bem-te-vis. Vejamos melhor nas palavras de BIRARDI (2011, p. 3-4):

A Província do Maranhão estava conturbada por acerbar disputas políticas entre bem-te-vis e cabanos, desde a abdicação de D. Pedro I. Durante o governo de Feijó, os liberais, popularmente chamados de bem-te-vis, exerceram completa autoridade sobre a província, relegando seus antagonistas, os cabanos, ao ostracismo político. Estes se haviam originado do partido português, que pretendia a volta de D. Pedro I ao Brasil, e em 1838 identificavam-se com a política centralista de Pereira de Vasconcelos. Com a regência de Araújo Lima, a situação no Maranhão inverteu-se, tendo os cabanos ascendido aos postos anteriormente ocupados por seus rivais. Repetindo os mesmos processos que os liberais haviam utilizado, agora os cabanos dirigiam as eleições à sua maneira, através da fraude e violência.

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[...]

Os bem-te-vis adotavam uma posição oscilatória em relação ao movimento. Os da capital procuravam através dele conseguir sucesso nas eleições e novamente controlar o governo. No interior, alguns participavam francamente, enquanto a maioria se beneficiava com os acontecimentos.

Crescia cada vez mais o número de contingentes balaios, formados por grupos heterogêneos, nos quais há uma distinção primordial entre balaios e bem-te-vis. Essa distinção entre balaios e bem-te-vis tem como principal fundamento tanto os motivos que levaram os indivíduos a se engajar na luta quanto sua origem social. Os balaios, homens do sertão e marginalizados, alinhavam-se em torno de Raimundo Gomes, D. Cosme, entre outros. Os balaios foram vistos como pertencentes às “classes inferiores”, sem princípios, ladrões e viciados. Não obstante, eram designados como “homens de cor”, negros, índios e mestiços. Tal designação demonstra o preconceito socioeconômico e racial que havia na sociedade maranhense, ou seja, preconceitos de “casta”, com os quais a aristocracia se protegia do contato com os pobres. Já os bem-te-vis, oriundos, em sua maior parte, da população das vilas e povoados, incluíam oficiais e soldados desertores da Guarda Nacional, políticos do Ceará e Piauí, membros do Partido Liberal, juízes de paz, e estavam sob a liderança de Lívio Lopes Castelo Branco e Silva.

[...]

A heterogeneidade de componentes, bem como interesses defendidos, faz com que haja, na verdade, duas versões históricas sobre a rebelião balaia: uma dos sertanejos e outra das lutas entre cabanos e bem-te-vis. Apesar de distintas entre si, tais versões encontram-se interligadas. Tal distinção tem como principal fundamento tanto os motivos que levaram os indivíduos a se engajarem na luta, quanto as suas origens sociais. De um lado, apresentam-se os “balaios”, homens do sertão e marginalizados, que personificavam uma classe social que vivia às margens da sociedade (classe inorgânica) e que buscava melhores condições de sobrevivência. Compunham-se de vaqueiros (Raimundo Gomes), artesãos (Ferreira dos Anjos, o “Balaio”) e aquilombados (D. Cosme) que se reuniram no interior, e desta reunião nasceram os movimentos de massa que rapidamente, pela inexistência de um programa político, se desmantelaram.

Além das organizações populares, havia também um desacerto político-partidário no quadro da elite dirigente provincial, em que a oposição ao governo do Maranhão organizava-se em torno do grupo radical, denominado Bem-te-vis. Seus membros originavam-se da classe média, na qual se incluíam militares, políticos e membros do partido. Para este grupo, as agitações populares só tinham aprovação enquanto servissem de

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anteparo às “odiosas interferências centralizadoras”. Logo, confundiam as demais camadas sociais (balaios), procurando afastá-los dos reais motivos de suas dissidências, com argumentos ideologicamente frágeis e de fundo nacionalista. Atendidas as suas reivindicações e temendo a radicalização do movimento (ameaça haitiana), os liberais retiram o “apoio” ao movimento.

FONTE: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/balaiada/balaiada-4.php>. Acesso em: 14 jan. 2011.

7 COMEÇA O CONFLITOSegundo a maioria dos historiadores, a Balaiada teve início em dezembro

de 1838 na Vila da Manga no Maranhão, indo até meados de 1841, pelo Piauí e Ceará. Sendo decretada em agosto de 1840 a anistia pelo Imperador D. Pedro II.

O fato inicial da revolta ocorreu em dezembro de 1838, quando o vaqueiro Raimundo Gomes passava pela Vila da Manga, levando uma boiada de seu patrão para vender em outro local. No momento, muitos dos homens que o acompanhavam foram recrutados e seu irmão aprisionado sob a acusação de assassinato. Era o já comum “Pega”. O recrutamento obrigatório, uma das armas de que o governo dispunha para controlar as “classes subalternas”, sempre foi impopular, visto que incidia sobre os mais pobres, obrigados a qualquer momento a servir nas forças policiais ou militares. Raimundo invadiu a cadeia, libertando não só seu irmão como os outros presos. Desse momento em diante o movimento ampliou-se. A luta espalhou-se por quase toda a província. Por onde passava, Raimundo ia conseguindo que mais gente o seguisse. A guarda não reagiu, ao contrário, aderiu. Estava aceso o estopim! O movimento logo atingiu a parte mais importante da província, chegando mesmo a ameaçar São Luís.

Todas as expedições oficiais de repressão para tentar combater e controlar os rebeldes foram, até então, ineficazes. A Balaiada espalhou-se pelo Piauí, encontrando reforço e apoio em muitas vilas, onde era forte a oposição ao governo. Durante todo o período inicial da Balaiada, os bem-te-vis não cansaram

O “Pega” era o recrutamento de pessoas qualificadas como “vadios”, seu alvo predileto eram os homens jovens, solteiros e não brancos. A prática já existia desde a época colonial e intensificou-se na década de 1830.

NOTA

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de responsabilizar os cabanos pelo crescimento da revolta, pela ineficiência administrativa e corrupção da Guarda Nacional. (BIRARDI, 2011).

A revolta, que parecia em franca expansão, contudo, entrou em rápido declínio. Sem uma unidade, sem uma ideologia que a justificasse e com muitas divergências internas entre seus chefes, sofreu ainda o afastamento dos bem-te-vis. Os mesmos, após tentarem tirar vantagens do movimento, afastaram-se dele, aderindo à reação, com medo da radicalização das classes mais pobres da população, que assumiram a liderança da revolta.

Não conseguindo conter sozinho os rebeldes e também não aceitando as exigências dos balaios, o Governo da Província pediu auxílio à Capital do Império. Já em 1840, o Coronel Lima e Silva, que seria o Barão de Caxias, foi nomeado para a presidência da província, acumulando o comando militar. À frente de um enorme exército e aproveitando-se inteligentemente das rivalidades entre os líderes balaios, o coronel em pouco tempo deu fim ao movimento. A repressão foi violenta, com muitos ataques aos acampamentos dos balaios, combates corpo a corpo, lembrando uma verdadeira guerra civil. No ano seguinte, em 1841, através de um decreto foi dada a anistia aos sobreviventes.

Mesmo não tendo proposto mudanças estruturais da sociedade, pois a maioria da população envolvida e os líderes não estavam preparados para formular suas reivindicações, sem dúvida, estavam dispostos a se livrar da opressão e conquistar a liberdade individual.

Terminado o conflito, boa parte da população “marginalizada” que havia se envolvido e lutado durante anos enfrentou grandes dificuldades para ser reabsorvida em atividades produtivas. Muitos venderam sua força de trabalho somente por comida e outros continuaram como nômades a percorrer o sertão em busca de sobrevivência. Mais uma vez a classe popular permaneceu estática ou piorava sua situação, vítima da dominação e desmandos de uma elite política.

Por fim conclui-se: Nesse contexto, a Balaiada ocorrida no Maranhão não se apresentou como uma manifestação revolucionária única, mas sim, como um movimento fracionado, com tendências e levantes sucessivos e ininterruptos, indicando direções variadas. Assim, é difícil encontrar, na Balaiada, um programa político claramente definido. A Balaiada foi a síntese de vários movimentos de cunho sociopolítico, ocasionados pelos seguintes fatores: 1) Divergências político-partidárias entre liberais e conservadores; 2) estratificação de hierarquização socioeconômica que gerou o preconceito de "casta" na sociedade maranhense. Daí o caráter popular do movimento, pois o mesmo englobava grupos populares diversos. Em tal organização

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social deve ser afastada qualquer hipótese de uma homogênea oposição dos "debaixo" contra "os de cima".

A heterogeneidade de interesses, tanto entre o grupo balaio quanto o Bem-te-vi, e, consequentemente, a ausência de uma proposta ideológica, frustraram o movimento. Enquanto a classe dominante ressurgia no cenário político, a população marginalizada enfrentaria enormes dificuldades para ser reabsorvida em atividades produtivas. As consequências do fracasso da revolta podem ser vislumbradas ainda hoje no quadro social nordestino atual: o sertanejo permanece como nômade em constante processo migratório e o mandonismo local ampara-se política e militarmente por bandos armados. Ou seja, a Balaiada não promoveu uma mutação socioeconômica e política, pois a classe popular permanece submetida à dominação e desmandos da elite política BIRARDI. (2011, p. 6-7).

DICAS DE LEITURA

JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco – A Balaiada. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Balaiada e resistência camponesa no Maranhão (1838-1841). In: MOTTA, Márcia; ZARTH, Paulo (Orgs.). Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história. São Paulo: UNESP, 2008. p. 171-198. v. 1.

DIAS, Claudete Maria Miranda. Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja. 2. ed. Teresina: Instituto Dom Barreto, 2002.

DICAS

Balaiada – a Guerra do Maranhão, livro em quadrinhos que narra um dos fatos históricos mais marcantes do estado nordestino. Autores: Iramir Araújo (roteiro), Ronislon Freire e Beto Nicácio (desenhos). Editora Revista Independente.Disponível em:<http://www.balaiada-guerradomaranhao.blogspot.com/>.

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MASSACRE EM SALVADOR: REBELDES DA SABINADA TOMARAM O PODER E PROCLAMARAM A REPÚBLICA NA BAHIA, MAS PAGARAM

UM PREÇO BEM ALTO POR TAMANHA OUSADIA

Hendrik Kraay

Os dias 13, 14 e 15 de março de 1838 foram os mais sangrentos da história da Cidade de Salvador. Nuvens de fumaça de mais de sessenta prédios incendiados escureciam o ar. Desesperados, soldados e oficiais rebelados, acossados pelas forças imperiais, abandonavam seus postos e largavam os uniformes pelas ruas; outros arrombavam vendas e botequins, de onde saíam bêbados e sem rumo. Chegava ao fim a Sabinada – o mais bem-sucedido movimento armado urbano entre todos os que afrontaram o poder central no tempo da Regência. Os revoltosos haviam assumido o controle de Salvador, então a segunda maior cidade do Brasil, quatro meses antes. Agora, vencidos, caíam por terra em meio a um verdadeiro massacre.

Uma testemunha ocular relatou que, nesses dias de caos, rebeldes eram assassinados “mesmo depois de deporem as armas”, e que muitos, depois de presos, “eram fuzilados de súbito”, sem nenhuma piedade. Segundo o general que comandou o assalto final a Salvador, o saldo foi de 1.091 mortos entre os rebeldes, contra 40 baixas entre os soldados legalistas.

De tão eufóricos com a vitória, os rebelados não esperavam, decerto, um final tão trágico na noite de 6 para 7 de novembro de 1837, quando tomaram o poder. Haviam realizado tal façanha, a bem dizer, pacificamente, sem perda de vidas. Após derrubarem o governo provincial, oficiais de artilharia e de infantaria, aliados a exaltados (adeptos de uma versão radical do liberalismo), fizeram uma reunião na Câmara Municipal, quando declararam a Bahia “inteira e perfeitamente desligada do governo denominado central do Rio de Janeiro”.

Prometiam convocar eleições e uma Assembleia Constituinte para deliberar sobre a organização política da nova república independente. Elegeram como presidente Inocêncio da Rocha Galvão e como vice-presidente João Carneiro da Silva Rego. Apesar de ser apenas o secretário do novo governo, o médico e jornalista Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira (1796-1846) era o principal líder político do movimento, e acabou dando seu nome à revolta.

Embora a Sabinada fosse vista pelo outro lado como uma grave ameaça à unidade nacional brasileira e à monarquia do jovem D. Pedro II (que assumiria o trono em 1841), os rebeldes não cogitavam, na verdade, uma ruptura completa

LEITURA COMPLEMENTAR

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com o governo central. Quatro dias depois da Declaração da Independência, a liderança modificou-a, no sentido de limitar a independência (e a república) até o fim da minoridade do imperador, que faria 18 anos no dia 2 de dezembro de 1843. Declaração curiosa de uma independência temporária, ela significava que os sabinos não eram, em si, separatistas. Não se queixavam de pertencer ao Brasil; queixavam-se do governo do Império.

A renúncia do regente eleito, Diogo Antônio Feijó (1784-1843), em setembro de 1837, justificava a revolta, pois Feijó era bastante simpático ao federalismo, e Sabino temia que o novo governo imperial diminuísse a autonomia provincial. Nas páginas do seu jornal, O Novo Diário da Bahia, ele condenava os impostos, que só beneficiariam a Corte. Exaltados como Sabino insistiam na igualdade jurídica entre homens livres; condenavam a dominação da sociedade por uma pequena elite e criticavam o despotismo e a tirania das autoridades. Eram também patriotas, que repetidamente fustigavam os portugueses que dominavam o mercado varejista de Salvador.

Os militares, além de pertencerem, em sua maioria, à classe urbana pobre, tinham suas próprias queixas profissionais. A redução do efetivo militar desde 1831 deixara muitos oficiais desempregados. A Guarda Nacional, com seus oficiais eleitos, criada naquele mesmo ano, parecia uma tentativa de substituir o Exército por uma força civil. Ademais, a criação da Guarda implicava a abolição da milícia colonial. Organizada desde o século XVIII com batalhões segregados de brancos, pardos e pretos, a milícia ainda era uma instituição forte na década de 1820. A grande maioria de seu efetivo era constituída de homens negros (pardos e pretos), e seus oficiais negros eram líderes populares importantes.

Alguns deles, como Francisco Xavier Bigode (1772-1838), tenente-coronel do batalhão “dos Henriques” (assim alcunhado em homenagem a Henrique Dias, herói negro das guerras contra os holandeses no século XVII), apoiavam a monarquia de D. Pedro I, mas, com a extinção da milícia em 1831, ficaram desempregados, começando a questionar o regime imperial, que, em sua opinião, os tratava com desdém. Dessa forma, a Sabinada foi uma aliança de liberais radicais (exaltados), militares do Exército e a milícia negra da cidade, fortemente apoiada pela população livre de cor. Depois de promover os oficiais e de aumentar os salários dos soldados, a Sabinada aboliu a Guarda Nacional e chamou os milicianos para a defesa da república. Bigode voltou assim à ativa e comandou um batalhão de soldados negros, muitos deles ex-milicianos.

Uma vez vitoriosa, a liderança da Sabinada fazia pouco, mas falava muito. Reiterava suas queixas contra o Rio de Janeiro, mas também enfatizava seu “amor à ordem”. Prometia preservar a propriedade privada, inclusive a escravidão, e sustentar a lei, a monarquia e a religião. Era uma tentativa de aliciar o apoio mais amplo possível, mas um esforço vão, pois a classe senhorial

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baiana fechava os ouvidos aos apelos sabinos, e as classes populares dominavam cada vez mais a revolta.

Assim que começou a Sabinada, a classe alta de Salvador fugiu para o Recôncavo. O presidente da província e as demais autoridades civis, militares e religiosas logo articulavam uma reação entre os senhores de engenho da região, e o governo imperial mandou as poucas tropas disponíveis. Aos poucos, começaram a bloquear a cidade por terra e por mar.

Em meados de janeiro de 1838, o vice-cônsul britânico relatou que a população restante era “inteiramente de cor, com exceção dos estrangeiros”. Para ele, a Sabinada aparentava “mais uma guerra de base racial do que por qualquer outra razão”. De fato, os escravos baianos (mais de 40% da população da cidade) não demoraram a entrar em cena. Muitos fugiam dos seus senhores e tentavam alistar-se nos batalhões da Sabinada. Alguns oficiais aceitaram esses voluntários, mas soldados livres se recusaram a servir ao lado de escravos. Para resolver a crise, o governo rebelde criou um novo batalhão, o “Libertos da Pátria”, no qual serviriam os escravos crioulos, isto é, nascidos no Brasil. O novo batalhão excluía a maioria dos escravos – os nascidos na África. Africanos eram considerados estrangeiros perigosos, ainda mais depois da Revolta dos Malês, de janeiro de 1835, e não havia lugar para eles nas lutas políticas entre brasileiros.

Em meados de fevereiro, a Sabinada tentou furar o cerco das forças imperiais, mas o ataque malogrou. A precária ordem mantida pelo governo deu lugar à anarquia. O vice-presidente avisou ao vice-cônsul britânico que “não tinha mais controle” sobre os soldados e a multidão. Os ataques aos portugueses que ainda restavam na cidade se tornaram cada vez mais violentos. Um médico inglês que permaneceu em Salvador descreveu a “enfurecida turba negra e mulata” que aterrorizava todos os estrangeiros. Face à inevitável derrota, alguns oficiais abandonaram seus postos. Outros tentaram radicalizar o movimento. José de Santa Eufrásia (? -1838), um major da milícia negra, declarou que “deveriam ser os negros que governassem a República”.

Incapazes de resistir, as forças da Sabinada cederam na manhã do dia 13 de março, e em três dias os legalistas estavam de posse da cidade. A maioria das vítimas do massacre era, sem dúvida, de homens pobres e negros que lutavam pelos ideais liberais do movimento. Não foram poupadas as vidas dos líderes negros. Logo depois de se render, Bigode foi assassinado; apesar de ferido, Santa Eufrásia se escondeu por um mês, e suicidou-se logo depois que foi preso.

Além dos mais de mil mortos, quase três mil pessoas foram presas; mais de 1.500 foram logo deportadas para o Sul, alistadas como recrutas do Exército. Outros presos foram degredados para a Ilha de Fernando de Noronha. Os líderes civis e militares da Sabinada, inclusive o próprio Sabino, foram condenados à

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morte, por incitarem escravos à rebelião e por homicídio. Só escaparam da forca porque em 1840 D. Pedro II anistiou todos os rebeldes que lutaram contra o seu governo. Sabino e mais 14 líderes receberam anistias condicionais desde que morassem longe de Salvador (Sabino foi mandado para Goiás).

Um oficial do Exército que participou do movimento e depois o renegou explicou: “Na verdade, a revolução não foi iniciada pela plebe, porém, no fim a canalha ditava a lei e os negros com seus batalhões a todos amedrontavam”. Dessa forma, a Sabinada ameaçou explicitamente as hierarquias sociais e raciais da sociedade imperial. E pagou um preço bem alto pela extrema ousadia.

FONTE: Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1409>. Acesso em: 14 jan. 2011.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você estudou que:

● A Sabinada seguiu a sorte de algumas outras províncias do Império brasileiro que durante o mesmo período – a Regência (1831-1840) – declararam sua independência plena ou provisória frente ao governo central da Corte, sediado no Rio de Janeiro.

● Diferentemente da revolta dos Farrapos, a Sabinada contou com a participação dos representantes das camadas médias da população e também de natureza eminentemente popular.

● Os sabinos proclamaram uma república - “inteira e perfeitamente desligada do governo denominado central do Rio de Janeiro”- de caráter transitório, que deveria durar até que o herdeiro do trono brasileiro, Dom Pedro II, chegasse à maioridade.

● Durante os anos de 1838 e 1841, a Província do Maranhão foi sacudida por vários levantes que atingiram também a vizinha Província do Piauí e também o Ceará. Essas revoltas receberam o nome comum de Balaiada.

● A Balaiada foi um movimento multiclassista. Tanto escravos quanto fazendeiros aderiram ao movimento. Mas a grande massa dos rebeldes não era nem de escravos, nem de fazendeiros, eram homens livres e pobres, em sua maioria camponeses.

● Os conflitos entre bem-te-vis e cabanos acirrou-se pós a votação da chamada “lei dos prefeitos”, pela qual os governantes locais, os prefeitos, passaram a ter poderes imensos, inclusive o de autoridade policial.

● A Balaiada ocorrida no Maranhão não se apresentou como uma manifestação revolucionária única, mas sim como um movimento fracionado, com tendências e levantes sucessivos e ininterruptos, indicando direções variadas.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo as questões a seguir.

1 Escreva um pequeno texto sobre como foi possível manter, no Império, a unidade nacional pelas forças centralistas, em detrimento das regionalistas.

2 Na Balaiada, quem eram os envolvidos e por que lutaram?

3 Faça um pequeno texto comparativo entre os dois movimentos regionais estudados no tópico.

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TÓPICO 4

GUERRA DE CANUDOS: A LUTA

DE UM POVO NA BAHIA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃOApós termos visto algumas questões regionais do Brasil Império, vamos

nos ater a dois movimentos “sociais” da História Republicana do nosso país: Canudos e, no próximo tópico, o Contestado.

A Guerra de Canudos é vista numa conjuntura bastante interessante e marcante da nossa história. Aquela das transformações políticas, sociais e econômicas sucedidas durante o processo de implantação da República, que em termos cronológicos ocorreu no final do século XIX e início do XX. As questões sociais e o “atraso” político permaneceram durante todo o Império, ocasionando, com violência assustadora, conflitos cruentos, como a Revolução Federalista e os episódios de Canudos e do Contestado. De certo modo, essas questões regionais colocaram em xeque a chamada índole “pacífica” do povo brasileiro, desapontando aqueles que na época e até hoje acreditam no estereótipo do homem cordial brasileiro.

Permeada de contestações políticas, econômicas e religiosas contra a República, Canudos foi, sem dúvida, um dos movimentos de religiosidade popular mais estudado, por nossa historiografia. Situado no sertão da Bahia, na localidade de Belo Monte, teve no seu líder, Antônio Conselheiro, a figura principal do evento. Seu início aconteceu em outubro de 1896, porém, só preocupou os mandatários da República após a derrota da terceira expedição, comandada então pelo Cel. Moreira César, em março de 1897. Já na quarta e última expedição, quando Canudos já era vista como uma séria ameaça à estabilidade do regime republicano, se convocou as forças do país para lutarem em nome da República, contra os religiosos “fanáticos” de Antônio Conselheiro.

Estudada e discutida por muitos pesquisadores, o tema da guerra de Canudos chama a atenção por vários motivos, desde seu aspecto messiânico até a questão da criação de uma comunidade à parte do Brasil. Chamando também a atenção as origens do conflito, ou seja, por que mais de 20 mil pessoas se juntaram em uma comunidade isolada do restante do Brasil? E principalmente: quais as ameaças que eles representavam ao recente regime republicando brasileiro?

As linhas de abordagem e entendimento dos historiadores sobre a questão de Canudos apresentaram e apresentam várias explicações, indo desde aspectos

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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exageradamente religiosos e místicos, à luta pela terra, aos aspectos sociais e políticos do episódio. Todavia, boa parte da historiografia brasileira, quando aborda a guerra de Canudos, não leva em conta a questão local e nacional do conflito.

2 A REPÚBLICA E SUAS FRAGILIDADESA herança socioeconômica imperial deixada aos que proclamaram a República foi bastante pesada e difícil de resolver. As bases do novo regime eram frágeis e as promessas com o advento da República não se concretizavam. Contínuas crises políticas no início da nova ordem contribuíram para um amplo processo de desestabilização e reajustamento social que marcou o advento da República. (SCHILLING, 2010, p. 2).

Para compreender melhor esse contexto, observemos as palavras de Schilling:

Para um entendimento relativo aos aspectos historiográficos sobre Canudos, ver: Jacqueline Hermann. Canudos: a terra dos homens de Deus.Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/nove/jacquel9.htm>.

NOTA

A Guerra dos Canudos e “Sertões”

Para entendermos a Guerra de Canudos e a violência com que foi esmagada a revolta camponesa, é preciso restabelecer o cenário histórico em que ela ocorreu. Não se pode entender Canudos isoladamente, sem conhecer as circunstâncias históricas e políticas que a provocaram.

O Brasil estava em permanente ebulição desde 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, acontecimentos espetaculares e traumáticos se sucediam um ao outro. A questão militar que vinha se arrastando desde 1883, com o debate em torno da doutrina do soldado-cidadão, que defendia a participação dos oficiais nas questões políticas e sociais do país, teve uma conclusão repentina, com o golpe militar republicano de 15 de novembro de 1889.

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TÓPICO 4 | GUERRA DE CANUDOS: A LUTA DE UM POVO NA BAHIA

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A derrubada da Monarquia, que de imediato foi sem derramamento de sangue, terminou por provocar reações antirrepublicanas. Uma nova Constituição foi aprovada em 1891, tornando o Brasil uma república federativa e presidencialista no modelo norte-americano. Separou-se o Estado da Igreja (o que vai provocar a indignação de Antônio Conselheiro) e ampliou-se o direito de voto (aboliu-se o sistema censitário existente no Império e permitiu-se que todo cidadão alfabetizado pudesse tornar-se cidadão).

As dificuldades políticas da implantação da República se aceleraram com a crise inflacionária provocada pelo Encilhamento, quando o Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, autorizou um aumento de 75% na emissão de papel-moeda nacional. Houve muito desgaste do novo regime devido ao clima de especulação e de multiplicação de empresas sem lastro (mais de 300 em um ano apenas). O presidente da República, Mal. Deodoro da Fonseca, chegou a fechar o Congresso, o que serviu de pretexto para a Marinha de Guerra rebelar-se exigindo e conseguindo sua renúncia, o que ocorreu em 23 de novembro de 1891. Deodoro, doente, retirou-se, sendo substituído pelo vice-presidente Mal. Floriano Peixoto.

Em fevereiro de 1893 estoura no Rio Grande do Sul a revolução federalista, quando maragatos insurgem-se contra o governo de Júlio de Castilhos, conduzindo o Estado a uma dolorosa guerra civil. Neste mesmo ano, em setembro, ocorre o segundo levante da Armada, novamente liderado pelo Al. Custódio de Melo, seguida pela adesão do Al. Saldanha da Gama, que chega a bombardear o Rio de Janeiro. Floriano Peixoto mobiliza a população para a defesa da capital e Custódio de Melo resolve abandonar a baía da Guanabara para juntar-se aos maragatos que haviam ocupado Desterro (em Santa Catarina). A guerra no Sul militarmente se encerra com a morte de Gumercindo Saraiva, o guerrilheiro maragato, em 1894, e com a derrota da incursão do Al. Saldanha da Gama na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, em 1895. A guerra tinha produzido mais de 12 mil mortos e uma parte deles havia sido vítima de degolas de parte a parte. Coube ao novo presidente, Prudente de Morais, alcançar a pacificação, que é assinada em Pelotas em agosto de 1895.

Foi nesse pano de fundo turbulento, marcado por transformações repentinas e radicais, pela abolição da escravidão, pelo golpe republicano, pelo fechamento do Congresso, pelo Estado de sítio, por dois levantes da Armada e por uma cruel guerra civil, que a população urbana ouviu com espanto a notícia, em novembro de 1896, de que uma expedição de 100 soldados havia sido derrotada pelos jagunços do interior da Bahia. Começava então a Guerra de Canudos.

FONTE: Disponível em: < http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/canudos.htm>. Acesso em: 1 mar. 2011.

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A República, que ventilou aspirações de progresso econômico e social, esqueceu de muitos. Os sertões permaneceram desconhecidos pelo poder público, continuaram as parcelas menos favorecidas da população rural abandonadas à sua própria sorte, vislumbrando num “outro mundo” uma saída para a miséria terrena. (LIMA, 2011).

Soma-se a tudo isso a situação precária do Nordeste brasileiro, em fins do século XIX. Fome, seca, miséria, violência e abandono político afetavam os nordestinos, principalmente a população mais carente. Um grupo grande de brasileiros pobres, camponeses, atormentados na dura luta pela vida, sem qualquer apoio e ainda sofrendo as consequências dramáticas de fenômenos econômicos, políticos, climáticos e a opressão do latifúndio. Nessa esteira surgiu Canudos, desenvolvendo-se à margem dos problemas e buscando no seu universo político, cultural e organizativo, uma saída para as suas aflições.

Tudo isso, em conjunto com o “extremismo religioso”, desencadeou um grave problema social. A saída era a organização de uma comunidade produtiva e religiosa, sob liderança messiânica de Antônio Conselheiro. Isso ocorreu a partir de novembro de 1896, no sertão da Bahia. Surgia desse modo o arraial de Canudos, existindo por quase um ano, até 5 de outubro de 1897. Com uma força adquirida e uma certa organização, logo o governo da Bahia pediu o apoio da República para conter esse movimento, formado por sertanejos abandonados pelo poder público republicano que então se implantava. O movimento, de raízes populares, foi visto pelos mandatários da nação como uma gravíssima ameaça. (LIMA, 2011)

3 ANTÔNIO CONSELHEIRO E SEUS SEGUIDORESLiderado pelo beato Conselheiro, que acreditava ser enviado por Deus

para acabar com as diferenças sociais e também com os defeitos republicanos, entre os quais estavam o casamento civil e a cobrança de impostos. Com estas ideias em mente e com um grande carisma religioso, o Conselheiro conseguiu reunir um grande número de adeptos, que acreditavam que ele realmente poderia libertá-los do estado de extrema pobreza no qual se encontravam.

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FONTE: Disponível em:< http://www.google.com.br/imgres>. Acesso em: 14 jan. 2011.

Juntamente com seus líderes, Antônio Conselheiro fez a organização social da comunidade rural dar certo – nos marcos de suas expectativas –, e não só do ponto de vista da produção e do comércio, mas também religioso. Deste modo, o movimento alcançou uma enorme proporção, fazendo com que o governo da Bahia não conseguisse segurar sozinho a grande rebelião que acontecia em seu Estado, tendo que pedir a interferência do poder central. Este, por sua vez, também encontrou sérias dificuldades para reprimir os “fanáticos’. Foi somente na quarta tentativa e com um enorme contingente que o Exército nacional venceu. Muito mais pelo cerco que os impediam de sair do local e que fez muitos morrerem de fome. A chacina foi imensa, não escaparam idosos, mulheres e crianças. Foi um genocídio, talvez o maior da História do Brasil.

Fica a pergunta: Por que tamanha repressão a um movimento que não representava, nem podia, qualquer ameaça ao Estado brasileiro, ou à República? Por que tamanha violência oficial foi usada para calar aqueles que lutavam por direitos sociais e melhores condições de vida? Por fim, pode-se dizer que este movimento social representou a luta pela libertação dos pobres que viviam no campo, e, também, pelos desmandos da nova ordem republicana. Há de se assinalar, também, que a resistência mostrada durante todos os combates demonstrou a importância da luta social na história de nosso país. Desvendando o potencial do sertanejo na luta por seus ideais, eternizado por Euclides da Cunha em seu livro “Os Sertões”.

FIGURA 6 – ANTÔNIO CONSELHEIRO E SEUS SEGUIDORES

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FONTE: Disponível em: <http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=3115400&google&gclid=cmq11d6gskccfqxl7aoddetdea>. Acesso em: 14 jan. 2011.

FIGURA 7 – OS SERTÕES - EUCLIDES DA CUNHA

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A GUERRA DE CANUDOS

Nicolau Sevcenko

Ao contrário do que se imagina, o momento em que alguém se torna independente não ocorre necessariamente quando a criatura se desliga da custódia de seus pais ou tutores. Desprendido da tutela de pessoas maduras, o jovem pode comprometer a independência recém-adquirida submetendo-se a más influências, vícios deletérios ou ilusões quanto a suas reais posses, sua condição ou seus potenciais. Nesse sentido, a verdadeira autonomia só se consolida com a chegada da idade da razão, assinalada pelo autoconhecimento, pelo senso de responsabilidade e pela capacidade de projetar um futuro com clareza de espírito, fazendo justiça à própria história de vida. A independência é muito mais um fato interno que externo, uma conquista da mente mais que qualquer símbolo concreto, título, data ou distintivo.

Se percorrermos a História do Brasil em busca de um momento que indique o advento dessa idade da razão, paradoxalmente iremos encontrá-lo em meio a uma das mais dramáticas crises de insanidade que se abateu sobre este jovem país. A Guerra de Canudos envolveu num conflito bizarro personagens que se viam como completos estranhos, embora cada qual fosse parte da mesma nação. Foi como um inesperado acesso de esquizofrenia que expunha, fragmentados em diferentes identidades conflitantes, os vários elementos históricos que compõem o corpo da sociedade brasileira. Com a crise vieram o diagnóstico e a proposta de uma terapia para redimir os males que retardavam o amadurecimento do país, configurados no relato épico de Euclides da Cunha, Os Sertões.

As origens do conflito revelavam as dificuldades do Brasil, preso ao padrão de uma economia agrária de modelo colonial, em se adaptar às dinâmicas da modernização no contexto internacional. Em meados do século XIX, grandes acontecimentos transformaram o mercado mundial. A industrialização deu seus passos decisivos, com o desenvolvimento de novas fontes energéticas, como a eletricidade e os derivados de petróleo. Esse salto tecnológico se desdobraria em inovações que revolucionaram as comunicações, os meios de transporte e as técnicas de produção. O jogo de pressões resultante da expansão das potências emergentes causou, numa sequência única, a abolição da escravidão, o declínio do Império e a Proclamação da República no Brasil. Esse reajustamento à nova ordem internacional afetou também a estrutura agrária brasileira, provocando um intenso êxodo rural. Um dos efeitos da desestabilização foi o surpreendente surgimento de Canudos.

A partir dos restos de uma fazenda abandonada em pleno sertão baiano, Canudos brotou e cresceu tão rápido quanto um cogumelo depois da chuva. Gentes vinham de todos os quadrantes do interior nordestino, atraídas pela comunidade que prosperava sob as bênçãos de um líder inspirado.

LEITURA COMPLEMENTAR

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Em menos de uma década o povoado já havia se tornado a terceira maior cidade da Bahia. Alarmados, fazendeiros e autoridades se viam na iminência de perder sua mão de obra devido ao êxodo em massa para o novo arraial. Um relatório da polícia alertou o governo federal de que “um indivíduo pregando doutrinas subversivas fazia grande mal ao Estado, distraindo o povo e arrastando-o após si, procurando convencer de que era o Espírito Santo”.

Foi destacada uma força policial para suprimir os rebeldes, destroçada antes de chegar. Isso provocou o envio de dois destacamentos do Exército, os quais também foram desbaratados. Decidiu-se então mandar uma expedição militar completa, com artilharia e armamento moderno, que foi uma vez mais debelada. Pânico total! Organizou-se assim uma quarta expedição, composta de duas divisões do Exército e da maior concentração de armas já vista no país. Só desse modo e com imensas perdas a cidade rebelde foi vencida, quando se decidiu verter barris de querosene sobre as casas de taipa, queimando vivos os insurrectos. Os homens presos eram degolados ou estripados à faca, as mulheres e as crianças vendidas pelas tropas. Da cidade pujante e livre restaram só cinzas e fumaça.

Euclides não teve dificuldade em explicar as razões da força dos rebeldes. Ela era toda baseada na completa ignorância das elites a respeito do povo e do território. O Exército brasileiro era treinado por oficiais belgas, com manuais franceses, sobre táticas adequadas para combater nos Países Baixos. Não se tinha sequer um mapa do interior do país. Não se sabia nada sobre a ecologia das caatingas. Os uniformes vermelhos dos oficiais eram alvo fácil para os sertanejos. Os canhões afundavam no solo arenoso. As roupas de lã desidratavam as tropas. Um festival macabro de ignorância.

Canudos se defendeu com as armas que havia tomado às próprias tropas em fuga. A convicção férrea que animava seus combatentes provinha das raízes místicas profundas do catolicismo popular brasileiro. O alerta de Euclides era para que as elites desviassem o foco de seu interesse da Europa, voltando-se para reencontrar seu próprio povo e sua terra. Podemos repetir os erros, mas a lição está aí. O momento de o Brasil se encontrar consigo mesmo havia chegado.

FONTE: Disponível em: <http://epoca.globo.com/especiais/rev500anos/canudos.htm>. Acesso em: 14 jan. 2011.

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INDICAÇÂO DE LEITURA

CUNHA, Euclides Pimenta da, 1866-1909. Os Sertões: campanha de Canudos: 27. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1963.

HERMANN, Jaqueline. “Religião e Política no Alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado”, in: Ferreira, Jorge e Delgado, Lucilia de Almeida Neves (Org). O Brasil Republicano. O tempo do Liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 121–160.

MONIZ, Edmundo. Canudos: a luta pela terra. São Paulo: Global, 1988.

VILLA, Marco Antônio. Canudos. O povo da terra. São Paulo: Ática, 1995.

UNI

Assista ao filme Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende (1997).

DICAS

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico você estudou que:

● Permeada de contestações políticas, econômicas e religiosas contra a República, Canudos foi, sem dúvida, um dos movimentos de religiosidade popular mais estudado por nossa historiografia.

● Para entendermos a Guerra de Canudos e a violência com que foi esmagada a revolta camponesa é preciso restabelecer o cenário histórico em que ela ocorreu.

● Juntamente com seus líderes, Antônio Conselheiro fez a organização social da comunidade rural dar certo – nos marcos de suas expectativas –, e não só do ponto de vista da produção e do comércio, mas também religioso.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo as questões a seguir.

1 Estabeleça a relação da República com a Guerra de Canudos.

2 Explique com suas palavras qual era a situação do Nordeste brasileiro em fins do século XIX.

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TÓPICO 5

CONTESTADO: MESSIANISMO E

QUESTÕES REGIONAIS NO SUL DO BRASIL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

2 CONFLITOS HISTÓRICOS

A partir de agora, caro(a) acadêmico(a), vamos tratar, nesse último tópico, sobre a Guerra do Contestado. Tentaremos perceber o que foi esse evento, um dos maiores e mais cruentos movimentos sociais da História brasileira, ocorrido entre 1912 e 1916 na região fronteiriça entre Santa Catarina e Paraná.

Inicialmente é importante perguntar: Como a historiografia trata esse conflito? Com algumas semelhanças com a Guerra de Canudos, o Contestado é visto por alguns como a luta dos trabalhadores pela terra, de uma classe expropriada e oprimida pelas relações de poder e dominação. Outros acreditam que o caráter religioso suplanta o caráter socioeconômico, pois o catolicismo popular e messiânico foi o mais importante. Por fim, a maioria afirma que a luta envolveu todos esses elementos (MACHADO, 2004). Vejamos o que de fato aconteceu.

Caracterizada pelo seu legado histórico, a região do Contestado foi resultado de um longo processo histórico, com a ocorrência de inúmeros conflitos. As disputas territoriais iniciaram-se na época colonial, quando Portugal e Espanha brigavam pela posse daquelas terras. Essas lutas foram substituídas por outras no início do século XX, quando Santa Catarina e o Paraná transformaram a região em palco de disputas por limites.

Segundo Luzia Cezini:

A ocupação da região, além da feita pelos indígenas, deve-se em grande parte ao movimento tropeirista, que criou caminhos que partiam do Rio Grande do Sul em direção a São Paulo. Às margens destes caminhos houve a instalação de vendas, pousadas, campos para descanso de animais etc., o que possibilitou, a partir do século XVIII, a formação de pequenas vilas e lugarejos. No século seguinte, com eventos revolucionários que permearam a história do Sul do Brasil, grupos remanescentes se instalaram na região, ocasionando o crescimento e o desenvolvimento de algumas cidades. No decorrer da década de 1900-10, milhares de novos moradores, brasileiros e imigrantes estrangeiros, vieram habitar a região. No entanto, a

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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estrutura social permaneceu a mesma, baseada na desigualdade composta por um grupo minoritário de pessoas que dispunham da posse legal de vastas porções de terras (os coronéis) e, de outro lado, um grupo majoritário composto de ervateiros (pequenos proprietários ou posseiros), peões ervateiros e agregados. (2010, p. 11).

Percebe-se que e o povo da região contestada vivia em precárias condições de vida, sem qualquer assistência, e com o final do Império e a chegada da República, a conjuntura piorou para os caboclos. A situação se agravou ainda mais com a instalação, em Três Barras, da madeireira Southern Brazil Lumber & Colonization. Que vem com o objetivo de explorar as florestas repletas de araucária e imbuia, as maiores riquezas da região. A empresa adquiriu cerca de 180 mil hectares ao sul dos rios Negro e Iguaçu, e, para derrubar milhões de pinheiros nos 40 anos de exploração, expulsou inúmeros camponeses que lá residiam há anos.

Soma-se a isso outro componente complicador na já “conturbada” situação da região: a construção de uma estrada de ferro que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, pela influente multinacional Brazil Railway. A esta multinacional foi dada pelo governo a concessão de 15 quilômetros de cada lado da ferrovia para exploração. Fato que ocasionou o desalojamento, à força, de milhares de moradores da região.

Ao terminar a construção da ferrovia, em 1910, os trabalhadores vindos para a sua construção foram demitidos e a promessa da empresa em levá-los de volta para seus lugares de origem não foi cumprida. Com isso, desenvolveu-se um grupo composto de trabalhadores braçais, caracterizado pela extrema pobreza, elevando o nível de desemprego e de marginalidade social, ampliando o número de rebeldes que vagavam pelo Contestado sem moradia e emprego. (SANTOS, 2011).

Um site interessante para ver diversas imagens e fotos do Contestado: <http://www.alcabloco.com.br/ocontestado/fotos_historicas.htm>.

DICAS

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TÓPICO 5 | CONTESTADO: MESSIANISMO E QUESTÕES REGIONAIS NO SUL DO BRASIL

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3 QUESTÃO SOCIAL E MESSIÂNICAPerante essa situação conturbada, quando o monge João Maria cruzou

pela região, encontrou o que? Um povo “clamando” por ajuda. O monge, que para muitos era a salvação, prometeu a construção de uma cidade santa, onde reinassem a paz e a abundância. Pregou ainda que todos os males ali presentes eram culpa da República, caracterizada, por ele, como o “governo do demônio”, e, dessa forma, a única salvação era os caboclos pegarem em armas para alcançar o “paraíso” desejado.

Iniciava-se desse modo um dos maiores conflitos sociais da História brasileira. De um lado, a grande empresa madeireira e o Estado disposto a ligar o Sul ao resto do país, além de dividir, por meio da estrada de ferro, os Estados do Paraná e Santa Catarina. Do outro lado “havia uma população, em sua maior parte cabocla, que perdia sua moradia, seu território e, por fim, a sua identidade”. (AQUINO JUNIOR, 2009, p. 7).

FONTE: Disponível em: < www.unicamp.br/.../ju/maio2005/ju289pag12.html>. Acesso em: 14 jan. 2011.

FIGURA 8 – MONGE JOÃO MARIA

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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Conforme relata Maria Cristina dos Santos (2011, p. 3):

FONTE: SANTOS, Maria Cristina Ferreira dos. A Guerra do Contestado: desfazendo as amarras do esquecimento. Disponível em: <seer.ufrgs.br/NauLiteraria/article/download/13268/10332>. Acesso em: 14 jan. 2011.

Na região do “Contestado”, três monges perambularam, dois de nome João Maria, e o terceiro, José Maria, o monge da guerra. Graças ao misticismo imperante na região, foram sagrados santos, dotados de imaginários poderes sobrenaturais, os santos do povo, como tantos outros existentes no país para os quais os cientistas sociais não encontram explicação pacífica e traçam teorias sem fim. (Enéas Athanázio).

[...]

Todavia, no lugar da paz, da justiça e da fraternidade, a guerra transformou as cidades em ninhos de guerrilheiros, os quais vieram a multiplicar-se em redutos fortemente articulados, esparsos por grandes extensões de terras. Ademais, mulheres e homens eram espancados por infrações à fé: “Aos que não queriam se recrutar garantiam que, por ordem de José Maria, os sertanejos tinham que declarar guerra ao governo e à polícia, aqueles que se recusassem haveriam de sofrer castigos sobrenaturais, como o de verem-se envolvidos em trevas por três dias” (SANTOS, 2009, p. 137). Todos os contrários às convicções do monge eram declarados hereges e estavam, destarte, condenados a perder suas propriedades em favor da rebeldia. Esta era a famigerada “Santa Religião” de José Maria.

Do lado dos defensores da República e dos defensores dos coronéis, os quais usurparam as terras daqueles camponeses que não tinham registros, a guerra foi um laboratório de experiências para o Exército Brasileiro, pois foram mobilizados dois terços do Exército nacional, milícias estaduais e forças paranaenses.

Foi um grande teste do exército moderno, porque, pela primeira vez na América Latina, utilizaram-se aviões com fins militares, bombas de fragmentação e aprimoradas técnicas de contrainsurgência, as quais apenas foram esboçadas na Guerra de Canudos. De ambos os lados imperou a barbárie, o que pode ser uma das justificativas para almejar o esquecimento de tão culposas lembranças.

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TÓPICO 5 | CONTESTADO: MESSIANISMO E QUESTÕES REGIONAIS NO SUL DO BRASIL

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Um componente importante que esteve presente no conflito, e que não pode deixar de ser assinalado aqui, foi o papel dos monges no ocorrido. Já num contexto conturbado de início da República, os monges apareceram como os personagens de destaque para essa guerra. Com suas palavras proféticas e de incentivos, foram tidos como heróis pelos caboclos da região.

Deste modo, a Guerra do Contestado também foi caracterizada pelo messianismo, pois os monges figuravam como as esperanças de um povo que perdia suas casas, terras, identidades. (AQUINO JUNIOR, 2009).

Terminada “oficialmente” em 1916, a guerra ainda foi palco, durante mais alguns anos, de muitos focos de revoltosos, apagados pelos militares das mais diversas maneiras, desde assassinatos, a expulsão dos rebeldes de suas terras de origem, até a transformação dos sobreviventes em mão de obra praticamente escrava. Finalmente, em 1916 os governos do Paraná e Santa Catarina definiram seus limites por meio de um tratado, conhecido como acordo de limites, quando ficaram enfim estabelecidas as fronteiras atuais dos dois Estados.

O Messianismo esteve presente na Guerra do Contestado. Sobre ele podemos dizer que: os movimentos messiânicos são aqueles que se apegam a um líder religioso ou espiritual, um “messias”, que passa a ser considerado "aquele que guia em direção à salvação". Os "líderes messiânicos" conquistam prestígio dando conselhos, ajudando necessitados e curando doentes, sem nenhuma pretensão material, identificando-se do ponto de vista socioeconômico com as camadas populares. Na região Sul, a ação dos "monges" caracterizou o messianismo, sendo que o mais importante foi o monge João Maria.

FONTE: Disponível em: <http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=143>.

NOTA

Resultado do abandono do Estado sobre a região e do “progresso” capitalista através da implantação de empresas multinacionais, a Guerra do Contestado foi um terrível acontecimento no início da nossa história republicana. Gerando deslocamentos e problemas nas relações sociais daquelas pessoas e que até hoje são vigentes nas comunidades daquela região conflitada.

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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FILME: O CONTESTADO - RESTOS MORTAIS

Direção de Sylvio Back (2010).

O filme traz à tona a chamada “Guerra do Contestado”, que ocorreu de 1912 a 1916. O sangrento episódio que envolveu militares e civis e que colocou o Paraná e Santa Catarina em disputa de terras.

SUGESTÕES DE LEITURAS

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ESPIG, M. J.; MACHADO, P. P. Guerra Santa revisitada: novos estudos sobre o movimento do Contestado. Florianópolis: UFSC, 2008.

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THOMÉ, Nilson. Os iluminados: personagens e manifestações místicas e messiânicas no Contestado. Florianópolis: Insular, 1999.

DICAS

DICAS

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TÓPICO 5 | CONTESTADO: MESSIANISMO E QUESTÕES REGIONAIS NO SUL DO BRASIL

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LEITURA COMPLEMENTAR

O CONTESTADO

Delmir José Valentini

O conhecimento da História do Contestado é fundamental para a compreensão da sociedade regional. Hoje, Contestado é nome de ruas, de praças, de prédios, título de jornal, livros, marcas de produto, empresas, CTG, disciplina curricular, ferrovia, associação de turismo regional, Museu Histórico e Antropológico, Instituto Histórico e Cultural, Teatro e também de Universidade.

A denominação Contestado tem herança remota e ganhou conotação com os litígios e contendas que envolveram, de início, até coroas europeias, mais tarde Brasil e Argentina. As disputas entre Santa Catarina e Paraná passaram pelo Supremo Tribunal Federal e foram resolvidas através de um acordo assinado em 1916. Fortes marcas ficaram no Contestado. Além das questões políticas envolvendo os limites, tivemos uma série de outros fatores que se adicionaram ao contexto vivenciado pelos moradores da região e também foram condicionantes para a explosão do maior conflito social brasileiro, ocorrido nas terras contestadas e que ficou conhecido por Guerra do Contestado.

A chegada de poderosas forças econômicas, relacionadas à expansão capitalista do início do século, é fator decisivo na deflagração da crise que levou à luta armada. Tais forças econômicas foram consubstanciadas na construção da ferrovia, na exploração comercial da madeira e na colonização. Ocorreu uma progressiva marginalização do sertanejo que vivia na região contestada.

Juntando todos esses fatores, adicionou-se o elemento aglutinador, ou seja, o fator religioso, por muitos entendido como única causa da revolta. É interessante lembrar que as práticas dos monges encontraram receptividade junto aos sertanejos que viviam marginalizados.

Concordamos com Warren Dean, que se referiu aos caboclos de vida rústica dos sertões como abandonados e oprimidos por um governo que se recusou a reconhecer seu direito à terra. A rebelião foi uma tentativa de fazer valer direitos que não eram respeitados.

As proporções que a Guerra do Contestado alcançou e a repercussão que teve são aspectos dignos de nota. Os dados levantados assinalam a participação de mais da metade do Exército republicano brasileiro, a utilização

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UNIDADE 3 | CONHECENDO ALGUNS EVENTOS REGIONAIS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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de armamento pesado e operações que envolveram o pioneirismo da aviação militar em operações de guerra. As somas também apontam para a morte de aproximadamente 8.000 brasileiros, na grande maioria, sertanejos pobres que viviam na região contestada.

Para entendermos a Guerra do Contestado, precisamos conhecer a História do Contestado, especialmente as transformações ocorridas no início do século XX. Depois do conflito ocorreu o acerto das divisas e as terras foram loteadas, novos municípios foram criados e chegaram as primeiras escolas, igrejas, delegacias, e toda assistência para o sertão, começando, assim, o processo de formação das vilas e povoados, resultando naquilo que somos hoje em termos de sociedade regional.

Deste modo, construímos a História do Contestado, cheia de glórias, alegrias e tristezas, mas viva, presente e representante da cultura do povo desta região. Estudar a História do Contestado é de fundamental importância para o entendimento da identidade cultural, resgate de memórias e preservação da cultura.

FONTE: Disponível em: <http://www.cacador.com.br/conttur/Contestado.htm>. Acesso em: 14 jan. 2011.

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RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico você estudou que:

● Caracterizada pelo seu legado histórico, a região do Contestado foi resultado de um longo processo histórico, com a ocorrência de inúmeros conflitos.

● O povo da região contestada vivia em precárias condições de vida, sem qualquer assistência, e com o final do Império e a chegada da República, a conjuntura piorou para os caboclos.

● O Contestado envolveu, de um lado, a grande empresa madeireira e o Estado; do outro “lado havia uma população, em sua maior parte cabocla, que perdia sua moradia, seu território e, por fim, a sua identidade”.

● Um componente importante que esteve presente no conflito, e que não pode deixar de ser assinalado aqui, foi o papel dos monges no ocorrido.

● Resultado do abandono do Estado sobre a região e do “progresso” capitalista através da implantação de empresas multinacionais, a Guerra do Contestado foi um terrível acontecimento no início da nossa história republicana.

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AUTOATIVIDADE

Exercite seus conhecimentos resolvendo as questões a seguir.

1 Explique os fatores históricos que ocasionaram a Guerra do Contestado.

2 Qual era a situação dos “caboclos” na época do Contestado?

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ANOTAÇÕES

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