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2016 CULTURA RELIGIOSA Prof. Eduardo Luiz de Medeiros

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2016

Cultura religiosa

Prof. Eduardo Luiz de Medeiros

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Copyright © UNIASSELVI 2016

Elaboração:

Prof. Eduardo Luiz de Medeiros

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

200.9M488c Medeiros; Eduardo Luiz de Cultura religiosa /Eduardo Luiz de Medeitros:

UNIASSELVI, 2016. 166 p. : il. ISBN 978-85-515-0011-8

1.Religião - História. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

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III

apresentação

Prezado acadêmico!

A primeira questão que surgiu, quando do início da redação do presente Caderno de Estudos, foi a seguinte: como analisar e discutir as mais diversas religiões com o acadêmico, mantendo a imparcialidade científica? Posso dizer a você que a resposta para essa questão não foi fácil. Em primeiro lugar, porque tenho minhas próprias convicções religiosas e ao escrever a respeito de outras vertentes, automaticamente, sinto tentação em cometer o pecado da parcialidade. Busquei me retirar deste debate a respeito da certeza absoluta para tentar, através da descrição isenta, deixar que você, caro acadêmico, possa tirar por si mesmo suas conclusões.

Já nos encontramos anteriormente em História da Igreja no Brasil,

então já nos conhecemos muito bem e será uma honra andar com você nesta jornada através do desenvolvimento das religiões ao longo da História.

A primeira unidade de estudo tem o objetivo de oferecer um debate teórico a respeito de como os pesquisadores analisam as religiões, além de analisar aquilo que chamamos de “Os Povos do Livro”, ou seja, o que estudaremos nesta unidade: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. A análise será pautada tendo em vista destacar os principais pontos relativos às doutrinas de cada uma e os fatores que as diferenciam. A partir disso o acadêmico terá condições de estabelecer um diálogo entre cada uma delas, o que o capacita a entender o praticante de cada religião, o que pensa do mundo, da eternidade e de seu papel na sociedade. A análise buscará permanecer nos mesmos pontos para que os mesmos temas estejam incluídos em cada uma das religiões analisadas.

A segunda unidade tratará das religiões orientais, ou seja: hinduísmo, budismo e confucionismo, além de movimentos religiosos oriundos do momento histórico atual, o que se convencionou chamar de pós-modernidade. Para tanto, precisamos entender o que quer dizer este conceito, e verificar como o pós-modernismo traz um novo contexto político e social, que favorece um renascimento de cultos e rituais místicos esotéricos, a evolução da maçonaria, entre outros movimentos.

Na terceira unidade falaremos a respeito da religiosidade brasileira, sua diversidade e mistura. Algo muito peculiar que não foi comum em outros países do período da colonização. Discutiremos o conceito de sincretismo religioso e a partir dele entendemos como a religiosidade brasileira é única no mundo.

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IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

Lembramos que cada tópico apresenta uma autoatividade para fixar seus conhecimentos e alguns textos de apoio para ilustrar os conceitos trabalhados durante a unidade.

Sobre o professor, Eduardo Luiz de Medeiros, ele é Doutor em História pela UFPR, especialista em Teologia Bíblica, pela Mackenzie de São Paulo, Pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular em Curitiba, esposo da Meiry e pai do Joshua.

Desejo a você excelentes estudos! Espero que possa filtrar as religiões diferentes da sua e respeitá-las, pois, a partir do conhecimento de cada uma delas será possível entender como as pessoas entendem e o que estão buscando. Desejo uma ótima jornada e que, após estas semanas, você amplie sua visão de mundo!

Prof. Eduardo Luiz de Medeiros

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UNIDADE 1 – AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS .............................................................................. 1

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO TEÓRICA ............................................................................................. 31 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 32 JUSTIFICATIVA DA ABORDAGEM TEÓRICA E LINHA DE PESQUISA ADOTADA ...... 63 TERRITORIALIDADE DO SAGRADO E ESPAÇOS DO PROFANO ...................................... 74 UMA DEFINIÇÃO DE CULTURA RELIGIOSA? .......................................................................... 8

4.1 CONCEITO DE CRENÇA .............................................................................................................. 104.2 CERIMÔNIA .................................................................................................................................... 104.3 ORGANIZAÇÃO ............................................................................................................................. 114.4 EXPERIÊNCIA ................................................................................................................................. 11

LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 12RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 14AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 15

TÓPICO 2 – OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO ...................................................................... 171 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 172 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 183 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 214 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 30RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 33AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 34

TÓPICO 3 – OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO ................................................................. 351 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 352 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 353 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 424 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 46RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 49AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 50 TÓPICO 4 – OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO .................................................................... 511 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 512 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 513 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 534 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 61LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 63RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 65AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 66

UNIDADE 2– RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE .................................................................... 67

TÓPICO 1 – HINDUÍSMO .................................................................................................................... 691 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 69

sumário

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VIII

2 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 703 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 724 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 75LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 79RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 84AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 85

TÓPICO 2 – BUDISMO ......................................................................................................................... 871 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 872 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 883 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 90

3.1 AS QUATRO NOBRES VERDADES SOBRE O SOFRIMENTO ............................................... 923.2 O CAMINHO DAS OITO VIAS ..................................................................................................... 923.3 OS CINCO MANDAMENTOS BUDISTAS.................................................................................. 93

4 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 94LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 99RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................101AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................102

TÓPICO 3 – AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE ...............................................................1031 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1032 CONFUCIONISMO ...........................................................................................................................1043 TAOÍSMO ............................................................................................................................................1064 XINTOÍSMO ........................................................................................................................................1085 HARE KRISHNA ................................................................................................................................1096 VARIAÇÕES DO BUDISMO TRADICIONAL ............................................................................109

6.1 BUDISMO TIBETANO ..................................................................................................................1106.2 O ZEN-BUDISMO .........................................................................................................................111

7 SEICHO-NO-IE ...................................................................................................................................1118 IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL – JOHREI .............................................................................113RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................115AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................116

UNIDADE 3 – RELIGIOSIDADE BRASILEIRA .............................................................................117

TÓPICO 1 – AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL. OU SERIA PINDORAMA? ............1191 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1192 OS CULTOS INDÍGENAS ................................................................................................................1203 HISTÓRIA ............................................................................................................................................1204 RELIGIOSIDADE INDÍGENA ........................................................................................................122LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................126RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................127AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................128

TÓPICO 2 – AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS ......................................................................1291 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1292 HISTÓRIA ............................................................................................................................................1303 RELIGIÕES AFRICANAS NO BRASIL .........................................................................................131RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................138AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................140

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TÓPICO 3 – OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS ................................................................ 1411 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1412 O ESPIRITISMO ................................................................................................................................ 1423 ESOTERISMO .................................................................................................................................... 145

3.1 ASTROLOGIA ............................................................................................................................... 1463.2 UFOLOGIA .................................................................................................................................... 1473.3 NOVA ERA .................................................................................................................................... 148

LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 150RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 152AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 153

TÓPICO 4 – ECUMENISMO .............................................................................................................. 1551 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1552 ORIGEM DO ECUMENISMO ........................................................................................................ 1553 O ECUMENISMO CONTEMPORÂNEO ..................................................................................... 156LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 159RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 161AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 162REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 163

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UNIDADE 1

AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• oferecer um debate teórico a respeito de como os pesquisadores analisam as religiões;

• analisar aquilo que chamamos de “Os Povos do Livro”, ou seja, o judaís-mo, o cristianismo e o islamismo;

• destacar os principais pontos relativos a cada uma destas doutrinas e os fatores que as diferenciam;

• estabelecer um diálogo entre cada uma delas, o que o capacita a entender o praticante de cada religião, o que pensa do mundo, da eternidade e de seu papel na sociedade.

Esta unidade está dividida em quatro tópicos e em cada um deles, você encontrará atividades que o auxiliarão a compreender os conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO TEÓRICA

TÓPICO 2 – OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

TÓPICO 3 – OS POVOS DO LIVRO: O CRISTIANISMO

TÓPICO 4 – OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

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TÓPICO 1UNIDADE 1

INTRODUÇÃO TEÓRICA

1 INTRODUÇÃO

Ao iniciarmos o estudo das manifestações, a primeira ideia que precisa estar em nossas mentes é a de que não é possível entender o sagrado através da visão profana.

UNI

Não entendeu a frase acima? Não se preocupe, caro acadêmico, conversaremos com o professor para que ele explique o que é sagrado e o que é profano antes que ele continue.

Atendendo a pedidos, antes de continuarmos, gostaríamos de definir sagrado e profano dentro do contexto desta disciplina.

Todos nós temos uma noção a respeito do sagrado. Quando falamos sobre o Brasil é ainda mais compreensível, pois aqui temos uma religiosidade peculiar, a qual estudaremos de maneira pormenorizada na Unidade 3 deste caderno de estudos. O ser humano traz um conceito de religiosidade intrínseco dentro de si.

Uma tribo indígena em uma floresta tropical, cultuando os elementos da natureza, cristãos adorando a Deus em um templo, muçulmanos numa mesquita ou judeus em uma sinagoga. Todos eles têm uma perspectiva a respeito do sagrado e qual é a sua influência em sua vida cotidiana.

Mas então, como podemos definir o sagrado? Essa não é uma tarefa simples, na medida em que o sagrado se encontra numa realidade “extraordinária”, distinta do cotidiano do homem. Nos grupos primitivos não havia distinção entre o sagrado e o profano, na medida em que todas as suas atividades do dia a dia, como a alimentação, o sexo e o trabalho, por exemplo, eram manifestações do sagrado para estes grupos. Através do estabelecimento de sociedades e das regras de convívio social que se estabelecem a partir do momento em que a união

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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de vários grupos forma as primeiras aglomerações de grupos humanos, que poderíamos chamar também de cidades primitivas, o estabelecimento de ritos e regras sociais, que distanciam a experiência do sagrado da vida comum, forma esta separação entre o sagrado e profano. Em uma primeira análise, utilizando a definição de Rudolf Otto (1991), o sagrado é a oposição ao profano.

UNI

Caro acadêmico! É comum que nós associemos o conceito de profano a tudo aquilo que é contrário à nossa fé, aquilo que é pecaminoso, contrário aos dogmas das religiões. E é natural que seja assim, na medida em que o Dicionário Michaelis (ANO) define profano como:

adj (lat profanu) 1 Que não é sagrado ou devotado a fins sagrados. 2 Não consagrado. 3 Estranho à religião; que não trata de religião: História profana; literatura profana. 4 Estranho ou contrário à religião cristã. 5 Contrário ao respeito devido à religião. 6 Que não pertence à classe eclesiástica; não monástico; secular. 7 Herético. 8 Não iniciado nos ritos ou mistérios religiosos. 9 Não iniciado em certas ideias ou conhecimentos; leigo. 10 Que não tem ilustração; vulgar. Antôn (acepções 1 a 5): sagrado. sm 1 Oposto a coisas sagradas. 2 Indivíduo sem ordens sacras; leigo. 3 O que não faz parte de uma seita, associação, ou certa categoria de pessoas. 4 Indivíduo não iniciado em certos conhecimentos; leigo. Antôn: sagrado.

Porém, em nossa abordagem, o profano tem a denotação de natural, ou seja, tudo aquilo que não faz parte do sagrado, a vida cotidiana, o trabalho, as relações sociais etc. Não é um termo pejorativo, apenas utilizado para estabelecer os limites do sagrado em nossos dias.

O sagrado é o produto de uma experiência religiosa, ou, se utilizarmos o conceito do romeno Mircea Eliade (2001), uma hierofania, ou manifestação do sagrado.

UNI

Hierofania é um conceito de Eliade. Segundo ele, significa algo de sagrado que nos é revelado.

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TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

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Através deste conceito de hierofania é possível entender o que se passa pela cabeça de um adorador celta que adora os elementos da natureza como pedras e rios, ou como a transposição da fé dos fiéis nas orações diante de imagens de esculturas, sejam elas santos ou deuses indianos. Neste sentido, a pedra, embora não deixe de ser uma pedra, já não é APENAS uma pedra, é algo mais que recebe, através de uma revelação, um novo significado associado à divindade.

UNI

Ficou claro o conceito de hierofania para você, meu amigo acadêmico? Caso você tenha dúvidas, acesse o site <http://alvanomutz.blogspot.com.br/2006/08/hierofania.html>, onde existe um texto complementar extraído do livro Cultura religiosa, de Irineu Wilges, da Editora Vozes, para que você aprofunde seus conhecimentos neste importante e desconhecido conceito sobre a cultura religiosa.

É complicado para nós, ocidentais do século XXI, aceitarmos este conceito, pois não nos é familiar, na medida em que vivemos em uma sociedade cada vez mais dessacralizada, onde essas ideias de apropriação do sagrado já não são discutidas. O credo é praticado muitas vezes sem que se questione a origem desta fé.

UNI

Não podemos aprofundar aqui a questão da dessacralização do pensamento ocidental, que aconteceu especialmente no século XIX, quando muitos teóricos chegaram a propor a morte de Deus! Se você ficou interessado, ou até incomodado com esta afirmação dos teóricos pós-modernos (e eu espero que fique mesmo!), saiba que no século seguinte, o XX, uma nova geração de teóricos voltou a anexar Deus e o sagrado na concepção da sociedade. Estes intelectuais da religião apontam que a separação de Deus da sociedade tem trazido resultados nefastos para nosso tempo. Para entender como este pensamento evoluiu no século XIX, acesse: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/nietzsche_deus.htm>. Nele você pode saber também quais são estes teóricos que retiraram Deus e a ideia da existência do sagrado de seus estudos.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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2 JUSTIFICATIVA DA ABORDAGEM TEÓRICA E LINHA DE PESQUISA ADOTADA

UNI

Você pode se perguntar: O autor deste caderno deve “pegar pesado” falando em tantas teorias? Mas não se preocupe, ele vai explicar agora o porquê de tantos nomes complicados!

Iniciamos este tópico analisando, de forma abreviada, conceitos importantes e recorrentes dentro do estudo das religiões, por exemplo, hierofania, dessacralização, sagrado e profano. Neste segundo ponto gostaríamos de explicar quais são as razões que nos levaram a enveredar por tal caminho.

Entender que todas as religiões, embora de maneira muito distinta, possuem uma raiz comum, no sentido de entenderem que o mundo funciona de acordo com a hierofania, ou seja, com a revelação de algo que transcende a realidade conhecida e entra no território do sagrado. Essa ideia nos ajuda a entender de maneira mais humana todos os credos e religiões, na medida em que, por mais diferente e discrepante possa parecer de início, todas elas têm uma raiz comum no desejo de explicar como o mundo ao nosso redor funciona.

Outra razão para justificarmos nossa estrutura teórica é explicar nossa visão de tolerância religiosa. Este conceito significa respeito pelas pessoas que possuem pontos de vista diferentes do nosso e é uma palavra-chave dentro do estudo das religiões. Ser tolerante não significa o desaparecimento das diferenças e das contradições, ou que não importa naquilo que se crê. Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir com uma sólida fé e com a tentativa de converter os outros. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda religiosa, mas exige que seja feita com respeito pela opinião dos outros. A intolerância é, normalmente, fruto da falta de conhecimento de determinado assunto. É bastante comum que filhos entrem em conflito de ideias com seus pais, e um ser intolerante com o outro devido à falta de compreensão mútua dos universos envolvidos. Da mesma forma a intolerância religiosa, que foi a maior causa de guerras e mortes na história da humanidade, é causada pela falta de conhecimento profundo das religiões divergentes.

O respeito pela vida religiosa dos outros, por suas opiniões e seus pontos de vista, é um pré-requisito para a coexistência humana. Isso não significa que devemos aceitar tudo como igualmente correto, mas que cada um tem o direito de ser respeitado em seus pontos de vista, desde que estes não violem os direitos humanos básicos.

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TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

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UNI

Através da mídia e da própria história ocidental, temos visto os povos muçulmanos como bárbaros, terroristas e intolerantes. Existem perseguições a cristãos, existem homens-bomba, porém não é a maioria do povo muçulmano o responsável por estes atos. É como se no Brasil disséssemos que todos os cariocas são bandidos e traficantes por causa das imagens que vemos na TV todos os dias. A seguir você vê uma imagem datada do século VIII, no período da ocupação muçulmana na Península Ibérica. Você pode ver na imagem um cristão e um muçulmano jogando tranquilamente uma partida de xadrez! Isso há 1200!

FIGURA 1 – CRISTÃO E MUÇULMANO JOGANDO XADREZ – FIGURA DO SÉCULO XIII

FONTE: Disponível em: <http://al-qasr-abu-danis.blogspot.com/2008_0601_archive.html>. Acesso em: 9 set. 2009.

Ao término desta disciplina, esperamos que você tenha ainda mais convicção de sua fé, no caso de ser protestante como nós, porém que respeite as demais religiões e, além do respeito, que você possa entender como um fiel pensa, pois na medida em que alguém se converte para a sua religião, seja ela qual for, é preciso entender como estes neófitos pensam e qual é a visão de mundo deles, para que você possa ajudá-los em sua jornada em busca da verdade.

3 TERRITORIALIDADE DO SAGRADO E ESPAÇOS DO PROFANO

Para o homem religioso das sociedades tradicionais, o encontro com o sagrado o torna, de certa forma, participante deste mundo sacralizado. Isso acontece através de uma teofania.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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UNI

Lá vem ele de novo! Deixe-nos ajudá-lo: Teofania é um conceito de cunho teológico que significa a manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa. Tem sua etimologia enraizada na língua grega: “theopháneia” ou “theophanía”. É uma revelação ou manifestação sensível da glória de Deus ou de outra divindade, ou através de um anjo, ou através de fenômenos impressionantes da natureza. Para maiores informações sobre este conceito, acesse: <http://www.universidadedabiblia.com.br/o-que-e-teofania/>.

Esta teofania é uma revelação da divindade que indica, de alguma forma, qual espaço do mundo físico deve ser considerado como sagrado, e a partir disto este novo local passa a ser aquilo que Mircea Eliade chama de “Ponto Fixo”, ou seja, um ponto de ligação entre o Céu e a Terra ou as regiões inferiores. Neste espaço sagrado, o acesso acontece nos dois sentidos: a divindade pode acessar o fiel, assim como o fiel pode se comunicar com seu objeto de adoração.

Assim podemos explicar a importância do templo religioso para qualquer fiel que procure nele respostas e experiências com a divindade. Para um cristão, este lugar é a igreja, para os judeus, a sinagoga, para o muçulmano, a mesquita, para os adeptos dos cultos de origem africana, são os terreiros. Independentemente do credo, todos têm em comum esta teofania quanto ao local sagrado. Entrar em uma igreja é, para o católico, passar do espaço profano para um novo espaço, onde ele pode encontrar Deus e relembrar os elementos que fortalecem sua fé através de ritos e o prepara assim para retornar ao espaço profano, onde sua vida cotidiana acontece, com uma força renovada. Esse relembrar remonta a outro importante elemento da teoria da religião: o tempo.

O tempo religioso é um tempo reversível, na medida em que é possível voltar ao passado. De que maneira isso se manifesta? Através dos ritos que são repetidos nas reuniões, o passado se torna presente mais uma vez, onde os atos fundadores da visão religiosa são relembrados, seja através das palavras do fundador da fé, lidas e explicadas pelo líder religioso, seja através de ritos cheios de significado onde o fiel se sente parte viva do início da fé que ele compartilha com outros de mesma visão que ele.

4 UMA DEFINIÇÃO DE CULTURA RELIGIOSA?

Dentro de tudo o que vimos até agora no campo da ciência da religião, seria possível definirmos religião? Pensando sobre a perspectiva proposta em nosso trabalho, vamos buscar uma definição que possa ser utilizada por todos os fenômenos religiosos que iremos estudar nas próximas unidades de nosso caderno de estudos.

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TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

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Algumas definições de religião propostas por teóricos que se debruçaram sobre esse intrigante e complexo assunto podem nos dar algumas pistas para uma solução:

De acordo com Friedrich Schleiermarcher (1768-1834) (apud GAARDNER, 2000, p. 18), “A religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência”.

“Religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente. Essa relação se expressa em emoções especiais (confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética)” – C. P. Tiele (1830-1902). (TIELE apud GAARDER, 2000, p. 19).

“A religião é a convicção de que existem poderes transcendentes, pessoais ou impessoais, que atuam no mundo, e se expressa por insigth, pensamento, sentimento, intenção ou ação” – Helmuth von Glasenapp (1891-1963). (GLASENAPP apud GAARDER, 2000, p. 20).

As definições acima podem nos auxiliar a entender como é difícil ter uma definição universal de religião. Esta tarefa é complexa na medida em que, ao compararmos as religiões, podemos correr o risco de qualificá-las, deixando uma como a verdadeira, a partir da qual todas as demais são intituladas como secundárias ou primitivas. Para entendermos as religiões como expressões culturais de determinada sociedade, não podemos colocar parâmetros que as qualifiquem, mas sim conceitos, através dos quais podemos analisar cada uma delas, sem julgar a fé das pessoas como inferior ou superior à nossa.

UNI

Mais uma vez gostaria de lembrá-lo de que essa visão tolerante das demais religiões não faz com que você abra mão das verdades nas quais acredita, nem significa que você não deva chamar outros para participar da mesma fé que você. Apenas queremos que você possa retirar os pré-conceitos que porventura tenha contra alguma religião, em especial para que possa respeitar aqueles que professam algo com o que você discorde. O apóstolo Paulo diz que temos que oferecer a Deus um culto racional, ou seja, precisamos conhecer nossa fé e em que ela difere das demais crenças, para estabelecermos um diálogo.

Uma abordagem baseada em conceitos pode ser encontrada em outro livro de nossa bibliografia básica da disciplina: O livro das religiões, de Jostein Gaarder, Victor Hellern e Henry Notakerr, além do livro organizado por Burkhard Scherer, intitulado As grandes religiões, temas centrais comparados. Ambos serão amplamente utilizados em nossas análises. Os quatro conceitos fundamentais que serão analisados são os seguintes: conceito (crença), cerimônia, organização e experiência.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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4.1 CONCEITO DE CRENÇA

Cada ser humano tem uma consciência de mundo que lhe atribui um sentido à sua vida. Estes conceitos estão ligados a uma cultura religiosa. Mesmo que o homem pratique nenhuma religião especificamente, a sociedade recebe influências de gerações passadas que montam todo o arcabouço teórico que dá um sentido de moral, de certo e errado, do que é lícito ou do que é proibido. Estes conceitos surgem através de escrituras sagradas, ritos, doutrinas ou mitos.

No tocante à divindade, as religiões podem ser monoteístas, monolatristas, politeístas, panteístas ou animistas.

UNI

Caro acadêmico! Não se preocupe em entender estas denominações das religiões em relação à divindade neste momento. Quando estudarmos cada uma delas em separado, você as entenderá, com certeza!

No que concerne ao homem, todas as religiões buscam atribuir uma criação do mundo e do próprio homem, bem como dar uma resposta ao que acontece ao ser humano quando este morre.

4.2 CERIMÔNIA

Todas as religiões apresentam a cerimônia como um importante elemento constitutivo. Reuniões que se repetem periodicamente apresentam um fluxo de funcionamento distinto, através de uma série de ritos que formam um culto ou liturgia.

UNI

A palavra culto vem do latim “colere”, que significa cultivar. Normalmente é utilizada para indicar adoração à divindade, porém nas ciências da religião é um termo coletivo que designa todas as formas de rito religioso.

Podem ser considerados ritos: a oração, o sacrifício, a oferenda, sacrifícios de alimento, sacrifícios de expiação, ritos de passagem, nascimento e morte, ritos de puberdade (circuncisão).

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TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

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4.3 ORGANIZAÇÃO

Um aspecto importante em todas as religiões é a irmandade entre seus seguidores. Existe um vínculo que é gerado entre os fiéis que, muitas vezes, é o elo mais forte de uma nação inteira. Os judeus, por exemplo, passaram quase 2000 anos espalhados pelo mundo após a conhecida diáspora dos judeus no ano 70 d.C. Durante séculos, gerações nasceram e morreram em países estrangeiros em todos os cantos do mundo, porém eles continuavam a se considerar judeus, ou seja, o elo que manteve a nação unida mesmo em países com crenças diferentes da sua foi a religião.

Grande parte das religiões é organizada através de um corpo de

funcionários próprio que desenvolve tarefas específicas relacionadas ao serviço do culto e o atendimento dos fiéis. Pastores, padres, curandeiros desenvolvem atividades bastantes distintas uns dos outros, porém todos eles desfrutam de um status superior mediante os fiéis, para os quais são líderes. Essa liderança é demonstrada através de aconselhamentos, explicação da maneira correta de viver, da ética peculiar de cada grupo. Algumas possuem uma hierarquia internacional, tendo um líder único para todo o mundo, como no caso do catolicismo; outras religiões apresentam uma independência nacional, como no caso da igreja da Noruega, e outras, ainda, possuem uma hierarquia em nível regional, sendo algumas denominações pentecostais, um bom exemplo deste tipo de organização.

4.4 EXPERIÊNCIA

O elemento intelectual da religião (crença) não pode ser o único vinculado à religião, pois ela envolve, com igual intensidade, as emoções do fiel. Emoções essas que são tão importantes quanto os pensamentos e a racionalidade do homem. A experiência com o sagrado se manifesta através da música, dança e em algumas religiões através de oferendas e utilização de elementos naturais alucinógenos que aproximam o fiel da divindade.

UNI

De maneira nenhuma a experiência relacionada às emoções do fiel deve ser considerada como algo inferior ou fraqueza mediante manipulação dos líderes religiosos. Todos nós ficamos alegres ou tristes, vivemos tempos de tranquilidade e épocas de desespero e angústia. Essas emoções não são sinais de fraqueza. A experiência religiosa traz estas emoções para o campo do sagrado com resultados muito satisfatórios no auxílio da melhora no emocional do fiel.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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SAGRADO E PROFANO NA RELIGIÃO E NO CARNAVAL

Vanderlei Dorneles

Dias antes do carnaval (do ano 2000), as Arquidioceses de São Paulo e do Rio entraram com ação na justiça a fim de garantir uma estranha proibição: que imagens religiosas não fossem usadas nos carros alegóricos. Algumas escolas já tinham preparado imagens como a cruz, um painel com Nossa Senhora da Boa Esperança, e uma Virgem Maria.

Do outro lado, o padre Marcelo Rossi faz a sua Folia do Senhor, uma celebração religiosa em ritmo de carnaval. O destaque é o ritmo, o corpo e a dança. Marcelo e outros padres denominados pop conquistaram a simpatia popular especialmente por suas movimentadas missas, onde a dança ou a “aeróbica do Senhor” são pontos altos.

Nos últimos tempos, a religião saiu dos domínios da Igreja. Está na empresa, na escola, na rua, mas especialmente nas manifestações culturais. São centenas de músicas com letras religiosas. O mercado editorial está cheio de livros do gênero. A presença de religiosos na TV é coisa comum. Por fim, o carnaval também se tornou um espaço para a manifestação do espiritual.

Diante desse rompimento de fronteiras, a Igreja se vê obrigada a recorrer à lei para garantir a preservação de suas imagens. Na disputa judicial para garantir o monopólio do “sagrado”, cabe uma questão: por que os religiosos quiseram proibir os foliões de usar as imagens em meio à dança, se os próprios religiosos levaram primeiro a dança e o ritmo para dentro dos templos? Discórdia à parte, esses fatos mostram como as distinções entre o sagrado e o profano estão sendo pressionadas, nessa era de expansão religiosa e de explosão da cultura pop.

O dicionário define profano como algo “não pertencente à religião”, “não sagrado”, “secular”; enquanto que sagrado é algo “concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto”, “inviolável” ou “santo”.

Entre os povos antigos, a vida religiosa não contemplava essa distinção. Sagrado e profano eram categorias inexistentes. A religião era o centro da vida e todas as demais coisas eram naturalmente relacionadas a ela. O plantio da terra, a procriação e a diversão eram expressões religiosas, na medida em que se tornavam oferendas aos deuses. Os rituais misturavam atos sexuais, orgia e danças, como no festival de Dionísio, divindade greco-romana. A dança sempre foi um acessório cultual, entre os índios, nas religiões afro, no antigo Egito e em inúmeros cultos antigos. Mircea Eliade, historiador das religiões, afirma que a dança e a música de tambores eram parte indispensável dos cultos antigos.

LEITURA COMPLEMENTAR

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TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

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A presença de sexo, dança e bebida nos cultos pagãos se deve ao fato de que a diversão era uma forma adequada de cultuar, segundo os padrões daquela religião. A união entre sagrado e profano era natural num mundo em que os deuses eram espíritos evoluídos ou espíritos de guerreiros humanos, que, portanto, apreciavam as coisas próprias do homem.

As religiões que seguem a revelação bíblica – judaísmo e cristianismo – criaram a distinção entre sagrado e profano, ao introduzir a ideia do pecado e o conceito da santidade de Deus. O profano e o sagrado não têm espaço na religião destituída da ideia do pecado. As religiões antigas e as espiritualistas de hoje não têm para essas categorias um conceito claro, exatamente porque não estabelecem a realidade do pecado e da redenção.

O que está acontecendo, com a acomodação das igrejas cristãs à cultura secular, é uma perda gradativa dessas categorias. Com isso, as expressões culturais vão sendo aceitas pelos religiosos como ingredientes próprios para o culto. E no mundo secular as imagens religiosas vão conquistando espaço nas diversas expressões de arte, inclusive no carnaval.

A mistura de sagrado e profano, no cristianismo, reduz a religião a uma mera manifestação cultural e simplifica Deus a um personagem do imaginário popular. No século XVIII, o filósofo Edmund Burke, em seu livro Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo, chamava a atenção para a perda da noção da sublimidade de Deus, na medida em que Deus era visto como uma ideia a ser apreendida. O mesmo ocorre quando a religião é reduzida a uma simples manifestação cultural.

Para Burke, a sublimidade divina repousa no pensamento de que Deus é um Ser majestoso separado do mundo e impossível de se igualar ao mundo, mesmo tendo Se feito carne.

A ideia de um Deus igual ao homem, tolerante e bom camarada, própria do tempo atual, favorece o amor a Deus, mas enfraquece o temor. O amor se fortalece com a encarnação, a acessibilidade, a graça. O temor é o resultado da santidade, da grandeza, da ira, da sublimidade. O temor é tão indispensável que a Bíblia o chama de “o princípio da sabedoria”.

Na relação com Deus, amor e temor precisam estar juntos. Mas isso só é possível quando sagrado e profano permanecem separados.

FONTE: Disponível em: <http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/meio/sagrado_profano.htm>. Acesso em: 12 set. 2009.

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Neste tópico, você aprendeu que:

Antes de estudar as religiões é necessário pensar qual será a abordagem teórica a ser adotada pelo pesquisador das religiões.

Tolerância religiosa não é sinônimo de abrir mão de conceitos próprios e nem de concordar com tudo que os outros concordam. A tolerância apenas pressupõe o respeito à opinião daqueles que não partilham da mesma fé.

Hierofania é a manifestação do sagrado no mundo profano, ou seja, uma árvore sagrada já não é apenas uma árvore, porém é uma árvore revestida de um poder divino que a transforma em sagrada.

Para que o homem religioso possa ter acesso ao objeto de seu culto, é preciso que existam espaços sagrados, que são diferentes de quaisquer dos demais espaços onde o homem vive. Pode ser uma igreja, uma mesquita, um terreiro ou uma sinagoga.

Uma definição de religião única é bastante complexa, na medida em que colocaria uma religião como a principal ou a verdadeira enquanto todas as demais seriam falsas ou inferiores. Uma definição que seja baseada em conceitos ao invés de parâmetros é mais adequada para a abordagem proposta.

Os quatro conceitos-chave que podem ser identificados em todas as religiões são conceito, cerimônia, organização e experiência.

RESUMO DO TÓPICO 1

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Como esta unidade foi muito densa, ou seja, com muitos conceitos nem sempre muito fáceis de serem assimilados, revise o tópico e responda às seguintes questões:

1 Defina, com suas palavras, o conceito de hierofania.

2 Após o estudo do tópico, como você encara a questão da tolerância religiosa?

3 Defina espaço sagrado e espaço profano, de acordo com a abordagem de Mircea Eliade.

4 Conceito de teofania.

5 É possível definir religião? Explique.

6 Qual é o parâmetro segundo o qual estudaremos as religiões?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Após a abordagem teórica do tópico anterior, passaremos a analisar juntos os chamados Povos do Livro, ou seja, as três grandes religiões monoteístas da humanidade: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Embora o diálogo entre elas não seja uma tarefa muito fácil, é importante destacarmos que existem semelhanças entre elas, embora as fronteiras entre o que é tolerável, em termos teológicos, estejam bastante claras para cada uma delas.

As três religiões têm origem no Oriente Médio, são monoteístas, como já dissemos e, portanto, chamadas de “abraâmicas”, devido ao homem chamado Abraão ser o primeiro patriarca a realizar um pacto com o Único Deus. A região de influência destas religiões foi em primeiro lugar o Mediterrâneo Oriental, cristianismo e islamismo tiveram um crescimento muito mais expressivo que o judaísmo. Podemos dizer que o cristianismo é a religião do Ocidente e o islamismo se tornou uma força praticamente irresistível no Oriente Médio, enraizado na cultura árabe, enquanto o judaísmo continuou praticamente estagnado no tocante ao crescimento.

Na ordem cronológica, do antigo para o mais recente, faremos uma abordagem individual de cada uma delas, iniciando pelo judaísmo, passando pelo cristianismo e concluindo com o islamismo.

UNI

O termo “Povos do Livro” faz referência à utilização de livros considerados sagrados por cada uma delas: A Torá para os judeus, a Bíblia para os cristãos e o Corão para os muçulmanos.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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2 HISTÓRIA

Uma das principais características do povo judeu é sua íntima ligação com a História. Toda a fé judaica está enraizada na crença de um pacto, ou melhor, uma aliança especial feita por Deus com um homem chamado Abraão. A descendência de Abraão deu origem ao povo judeu. Embora o relato do Antigo Testamento inicie sua narrativa com a história de Adão e Eva e a origem da raça humana por meio da criação divina, é com Abraão que a ideia de um povo especial, separado por Deus como Seu, aparece pela primeira vez.

A trajetória do povo judeu tem sua origem por volta de 3.800 anos atrás, através da figura de Abraão, que parte da terra de Ur, na Caldeia, obedecendo a uma orientação divina de que deveria sair de sua terra e migrar para a terra de Canaã. As ruínas de Ur encontram-se hoje no sul do Iraque e Abraão rumou para próximo das margens orientais do Mediterrâneo. O povo ganhou um nome através do neto de Abraão, Jacó, que após uma dramática luta com um anjo de Deus, tem seu nome mudado para Israel. São os 12 filhos de Israel que dão origem às 12 tribos.

FIGURA 2 – PINTURA DE REMBRANDT RETRATANDO O SACRIFÍCIO DE ISAAC

FONTE: Disponível em: <www.bbc.co.uk/.../167_rembrandt/page5.shtml>. Acesso em: 20 set. 2009.

Após um período extremo de fome em Canaã, o povo migra rumo ao Egito, onde desfruta das bênçãos em virtude de José, um dos filhos de Jacó, ser o vice-rei do Egito. Após muito tempo, os egípcios escravizam os israelitas por 400 anos, quando surge a figura de Moisés como um libertador instituído por Deus para esta função. Com o chamado Êxodo, os israelitas saem do Egito e passam a viver errantes pelo deserto por volta de 40 anos, sob a liderança de Moisés.

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TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

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É neste momento que o povo recebe a chamada Lei do Senhor, ou as Tábuas da Lei, mandamentos de conduta moral e espiritual dadas por Deus para Seu povo. Sempre que obedecessem a essas leis, receberiam o apoio e o favor divino, e quando rejeitassem a Lei seriam repreendidos para que voltassem seus caminhos para Deus.

UNI

Caro acadêmico, você já deve ter percebido que o autor está correndo com esta história, apontando apenas os fatos que são fundamentais para entender a trajetória do povo judeu. Se você quiser aprofundar esta história, leia o Antigo Testamento de sua Bíblia ou procure nas referências bibliográficas no livro de História de Israel.

O povo entra na chamada Terra Prometida por volta de 1200 a.C. Sob a liderança do sucessor de Moisés, Josué e após ele sob a liderança dos chamados Juízes, através de um governo teocrático, onde era o próprio Deus quem os governava através dos líderes instituídos divinamente. Após este período, os israelitas entram no período monárquico, onde, à semelhança aos povos circunvizinhos, um rei deveria governar o povo. O reino unido durou aproximadamente 120 anos sob os governos de Saul, Davi e Salomão, sendo este último o responsável pela construção do famoso Templo de Jerusalém, símbolo máximo do judaísmo até os dias de hoje, embora só tenha restado uma das paredes do antigo templo, conhecido hoje como o Muro das Lamentações.

FIGURA 3 – MAQUETE POSSÍVEL DO PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM, CONSTRUÍDO POR SALOMÃO

FONTE: Disponível em: <revisando.wordpress.com/.../>. Acesso em: 20 set. 2009.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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Após a morte de Salomão, o reino se divide em dois: o Reino de Israel e o Reino de Judá, com dinastias distintas. É neste período que surgem os chamados profetas, homens que recebiam a missão de transmitir a Palavra de Deus, advertindo o povo de que o Juízo divino viria sobre todo o povo caso continuassem a seguir o mesmo caminho dos povos ao seu entorno.

UNI

Quais eram estas práticas abomináveis pelo Deus de Israel? A principal delas era a prática pagã da idolatria. Ela tem origem nas palavras gregas Eidolon (imagem) + latreia (culto). Esta era uma prática muito comum no mundo antigo e consistia na fabricação de ídolos ou imagens dos deuses para que fosse prestado culto à divindade através desta imagem. No caso específico de Israel, o povo cananeu adorava de maneira especial a quatro deuses: Baal, Moloque, Astarote e Mamom. Os rituais a estes deuses englobavam sacrifícios de crianças, orgias rituais com sacerdotisas que se prostituíam nos templos.Você consegue entender agora porque tantas restrições e proibições para o povo de Israel não seguir os deuses dos cananeus? Você consegue mais informações a respeito de escavações arqueológicas nas ruínas das cidades cananeias que explicam cada vez mais como funcionavam os cultos destes povos, no link: <http://www.cafetorah.com/Destruicao-dos-Cananeus>.

O Reino do Norte (Israel) é devastado pelo povo assírio por volta de 722 a.C. A partir desta data, este reino deixa de ter importância política e religiosa para o contexto geral de Israel. Isso se deu principalmente pela maneira como os assírios atacavam as cidades e exilavam os povos. Uma parte da população conquistada era levada cativa até a Assíria, em especial os soldados, a nobreza e os intelectuais. Ao mesmo tempo, assírios eram mandados até as cidades para implantar a cultura assíria nos reinos conquistados. O Reino do Norte sofreu o processo ao qual chamamos de aculturação, formando depois o povo conhecido como os samaritanos.

UNI

Aculturação é o processo segundo o qual existe a troca de experiências culturais entre dois ou mais povos. Este conceito, até pouco tempo atrás, era utilizado para explicar como culturas inteiras desapareciam após o contato com outra dita “superior”. Isso, porém tem sido revisto por antropólogos e sociólogos, na medida em que a troca de cultura é recíproca. A resultante deste contato é uma terceira cultura que une elementos de cada um dos povos originais. No caso do Reino do Norte, Israel + Assíria = Samaria.

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TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

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O Reino do Sul foi conquistado pela Babilônia por volta de 587 a.C., porém em 539 a.C. foi permitido que os que assim desejassem retornassem a Judá. Este foi um período muito importante para o povo de Israel, por diversas razões. Foi a partir do retorno da Babilônia que o termo judeu passou a ser utilizado para designar os remanescentes do exílio. Foi durante o exílio na Babilônia que surgiu uma grande preocupação em registrar os acontecimentos e fabricar cópias dos livros da Torá ou Pentateuco, bem como os livros das crônicas dos reis de Israel e Judá. Cópias destes livros foram feitas e guardadas tendo como objetivo principal preservar a tradição de Israel para as gerações futuras.

3 DOUTRINA

A vida na Babilônia trouxe a figura da sinagoga para o contexto do culto religioso dos judeus. Já que estavam em uma terra estranha sob forte influência do sistema politeísta babilônio, os líderes começaram a reunir o povo para ensinar e ler os escritos sagrados. A partir de então, o Templo não era mais indispensável para a realização das reuniões, mesmo mantendo uma importância considerável no tocante à identidade judaica. Após o retorno dos remanescentes a Judá, os judeus foram repetidamente perseguidos e dominados por povos estrangeiros, culminando com a ocupação romana que sufocou em definitivo as tentativas dos revoltosos judeus em recuperar o controle e domínio sobre a Palestina. O ponto alto desta derrota final dos judeus frente aos romanos foi a destruição do Segundo Templo de Jerusalém no ano 70 d.C. pelo general romano Tito.

Com esta derrota, os judeus foram espalhados por todo o mundo no movimento conhecido como “diáspora judaica”. Em todos os países por onde estiveram desde então, os judeus se reúnem em sinagogas para orar, ler e aprender a Torá e a respeitar as festas e preceitos éticos ensinados na Lei e no Talmud.

UNI

Diáspora deriva do hebraico tefutzah, “dispersado”, ou תולג galut “exílio” e faz referência à dispersão dos judeus após a destruição do templo e o massacre de cerca de um milhão de judeus na batalha de resistência contra os romanos. A tradição atribui a destruição do templo pelos babilônios à idolatria do povo. A segunda destruição do templo, segundo a tradição, é atribuída à falta de caridade e respeito vazio pelas leis sem a contrapartida do respeito e auxílio ao próximo. Os judeus acreditam que o terceiro templo será reconstruído pelo Messias numa época quando todos os judeus voltarão a se importar uns com os outros através do amor incondicional. Para maiores informações, acesse <http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=274&p=2>. Esta é a página de uma revista judaica que fala sobre as lições que a destruição do templo deve trazer para os judeus de todo o mundo.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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Numa sinagoga não existem imagens nem objetos no altar, pois são estritamente proibidas pela Lei de Moisés. O ponto central de uma sinagoga é a chamada Arca, um armário que fica na parede oriental, na direção de Jerusalém, onde são guardados os rolos da Torá, todos escritos em formato de pergaminhos. A principal reunião judaica acontece no sábado, com uma grande cerimônia repleta de significados em torno da leitura do Livro Sagrado. Acontecem reuniões também às segundas e quintas-feiras com o objetivo de, ao término do ano, todo o cânone seja lido em público.

Além da Torá, são lidos salmos, orações e bênçãos, contidos num livro especial chamado Sidur. Os cânticos podem ser efetuados por um membro do sexo masculino adulto leigo, porém o sermão e o ensino da Lei devem ser feitos por um rabino. Todo o serviço na sinagoga é desempenhado por homens adultos, enquanto as mulheres desempenham um papel fundamental no culto familiar, que é tão importante quanto a reunião pública, em especial o chamado Shabat.

FIGURA 4 – ENTRADA DA SINAGOGA DE CURITIBA-PARANÁ

FONTE: Disponível em: <http://www.curitiba-parana.net/religiao.htm>. Acesso em: 20 set. 2009.

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O shabbat se inicia com o pôr do sol de sexta-feira e dura até o pôr do sol de sábado. Todas as refeições deste dia possuem profundos significados religiosos e são responsáveis pela manutenção dos costumes religiosos e da transmissão destes costumes de geração em geração.

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TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

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Os judeus aguardam a vinda de um Messias que restaurará o trono de Davi e devolverá a glória ao povo de Israel. Este Messias deve reconstruir o grande Templo de Jerusalém. Este será um tempo de grande alegria e paz na Terra para os judeus.

O judaísmo apresenta basicamente três linhas ou correntes doutrinárias, todas elas fundamentadas na interpretação dos livros e ritos considerados sagrados por eles. Esta divisão didática é a seguinte: judaísmo ortodoxo, reformista e conservador. Outras subdivisões existem, mas não são aceitas pela comunidade judaica e serão citadas a título de conhecimento.

Estas correntes têm sua origem na tentativa de adaptar o discurso religioso e teológico da tradição judaica para o contexto das sociedades modernas. Os ortodoxos são os mais rígidos com o cumprimento das leis e preceitos propostos, os reformistas um grupo com tendência mais liberal e os conservadores buscam um meio-termo e um tom conciliador entre os dois primeiros grupos.

DICAS

Não se preocupe, caro acadêmico, o professor vai explicar cada uma destas linhas do judaísmo contemporâneo a partir de agora!

Os judeus ortodoxos são aqueles que buscam cumprir de maneira cabal todos os preceitos da Lei Judaica, conhecida como Halachá.

IMPORTANTE

A Halachá é composta por 613 preceitos estipulados pela Lei Judaica. E o que seriam estes “preceitos”? Eles têm relação com a vida cotidiana do fiel sobre seus hábitos, por exemplo, a dieta Kosher. Esta dieta determina alguns alimentos que não podem fazer parte da alimentação dos judeus ortodoxos. Outros hábitos presentes na Halachá são o descanso sabático e as leis de pureza familiar, entre outras.

Os judeus ortodoxos possuem algumas peculiaridades em seu cotidiano, por exemplo, a adoção de roupas simples, separação entre as atividades de homens e mulheres dentro do contexto das práticas públicas da religiosidade judaica.

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FIGURA 5 – GRUPO DE JUDEUS ORTODOXOS

FONTE: Disponível me: <http://latitude.blogs.nytimes.com/2012/07/04/imposing-the-draft-on-ultra-orthodox-jews/?_r=0>. Acesso em: 25 jun. 2016.

Além do terno característico, existem roupas ritualísticas bastante interessantes, se analisarmos seu significado para os fiéis. O quipá, o peiot, o tsitsit, o tefilin e o talit.

O quipá representa a superioridade de Deus sobre a Sua Criação e que Ele sempre nos observa. Por esta razão, acompanha o judeu em todos os lugares. É importante salientar que o uso destes elementos é meramente ritual em respeito à tradição, não servindo como uma espécie de amuleto ou algo do gênero.

FIGURA 6 – QUIPÁ

FONTE: Disponível em: <http://www.ehow.com.br/judeus-usam-quipa-fatos_80900/>. Acesso em: 25 jun. 2016.

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DICAS

Sugiro que você se aprofunde um pouco mais na ritualística judaica e em como os judeus tratam a questão das vestimentas. O link <http://www.ehow.com.br/judeus-usam-quipa-fatos_80900/> explica quais são as razões para que os judeus usem o quipá. Ah, sim, claro! O professor Eduardo acaba de me pedir para lembrar você de fazer a leitura com um olhar de pesquisador, buscando se colocar na posição de um judeu ortodoxo que vive em uma realidade que tentamos explicar até este momento.

Peiot significa costeleta no hebraico. O termo consta no livro de Levítico capítulo 19:17, que diz: "Não cortem o cabelo dos lados da cabeça, nem aparem as pontas da barba”.

O corte desta parte do cabelo é considerado por alguns como uma prática pagã, pertencente aos de fora da comunidade judaica. Alguns religiosos deixam esta parte do cabelo crescer de maneira permanente para mostrar sua devoção aos preceitos do Pentateuco.

FIGURA 7 – JUDEU ORTODOXO COM O PEIOT NA LATERAL DO CABELO

FONTE: Disponível em: <http://www.es.chabad.org/library/article_cdo/aid/3003569/jewish/Por-qu-algunos-judos-jasdicos-usan-las-peot-largas-tirabuzones.htm Acesso em 26/06/2016>. Acesso em: 30 ago. 2016.

Tsitsit são as franjas do Talit. Traduzindo para o bom português, são quatro cordões que são fixados nas quatro pontas do Talit, que é quadrado. O texto base para seu uso é Números 15:38, que diz: "Diga o seguinte aos israelitas: Façam borlas nas extremidades das suas roupas e ponham um cordão azul em cada uma delas; façam isso por todas as suas gerações”.

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FIGURA 8 – TSITSIT

FONTE: Disponível em: <http://www.ioffer.com/i/100-cotton-jewish-tzitzit-1-set-of-4-tsitsit-chassidic-170168339>. Acesso em: 26 jun. 2016.

Talit é o manto utilizado nas orações matinais na sinagoga. Tem a função de gerar isonomia entre os participantes do culto.UNI Conversando: Isono... o que? Por favor, professor, nos ajude explicando melhor... Não sabemos qual é o horário em que nosso caríssimo ou caríssima aluna estão estudando. Então é melhor você dizer o que este termo que você usou significa...

Isonomia quer dizer igualdade de direitos e deveres de diferentes elementos desta sociedade. A questão da vestimenta implícita no Talit demonstra um desejo de colocar todos os praticantes em um mesmo patamar. Durante as práticas religiosas, todos seriam iguais.

FIGURA 9 - TALIT

FONTE: Disponível em: <http://asvespertinas.blogspot.com.br/2012_04_01_archive.html>. Acesso em: 26 jun. 2016.

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TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

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Por fim, o Tefilin são duas pequenas caixas em couro que contêm trechos da Torá. São amarradas uma ao braço e outra na testa de todos os homens maiores de 13 anos todos os dias, exceto sábados. Indica a adesão do indivíduo aos valores judaicos. Seu uso está descrito em Deuteronômio 6:6-8, que diz: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; E as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te. Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos”.

FIGURA 10 – TEFILIN

FONTE: Disponível em: <http://tefilinparatodos.blogspot.com.br/2009/01/tefilin-la-importancia-de-colocar.html>.Acesso em: 25 jun. 2016.

IMPORTANTE

Achamos interessante trazer para você uma descrição dos paramentos judaicos ortodoxos, bem como sua origem na Torá, para que você possa ver como eles efetuaram uma interpretação literal da mensagem bíblica em todos os aspectos, compondo uma linha bastante rígida na teologia.

Para os ortodoxos, a Torá é um texto revelado por Deus e por esta razão não pode ser alterada em nenhum ponto, devendo permanecer intacta através de uma manutenção bastante rígida das tradições.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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Este grupo procura manter sua unidade interna, alheia ao seu entorno. Formam comunidades em locais específicos, suas crianças recebem uma educação distinta daquela que o sistema educacional apresenta, para que elas aprendam desde cedo sobre sua ortodoxia religiosa. E, por fim, não querem que os princípios que eles seguem sejam alterados ou modificados, para serem melhor aceitos pela comunidade não ortodoxa.

DICAS

Estava aqui pensando agora sobre este último parágrafo que o professor nos trouxe e percebo que não é uma prioridade o recebimento de novos membros nestas comunidades. Pois se o discurso é tão rígido e não existe o desejo de integrar-se à sociedade, então não existe um forte trabalho de trazer outras pessoas para esta religião. Confere, professor? Isto faz algum sentido ou eu estou viajando na reflexão?

Como o Brasil possui uma tradição religiosa cristã, nos é comum a ideia de Evangelismo onde se procura trazer pessoas para sua fé e o processo de conversão é bastante simples, não demandando muito esforço por parte do que ingressa na religião, iniciando então um processo de conhecimento e amadurecimento da fé que ele acabou de abraçar. No judaísmo este processo é mais complicado e demorado, pois o candidato ou candidata a se tornar um judeu precisa passar um ano ou mais estudando os fundamentos do judaísmo, além de escolher qual das três linhas ele vai participar. Caso procure a linha ortodoxa, por exemplo, precisa passar por um teste e ser circuncidado.

DICAS

Será que o senhor poderia explicar, para nosso aluno que não está acostumado com o termo, o que significa circuncisão?

Claro que posso! Circuncisão é a retirada cirúrgica do prepúcio, pele que recobre o pênis, para fins higiênicos ou religiosos, o que é o nosso caso em nossa conversa com vocês sobre o judaísmo.

A ruptura no judaísmo ortodoxo moderno ocorreu em grande medida por causa da rigidez das práticas e de seu afastamento do mundo moderno. Ela iniciou no século XIX na Alemanha, através de críticas de reformistas que criticaram a Torá e de maneira especial sua interpretação, que poderia mudar de

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TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

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acordo com as mudanças na sociedade. Estes reformistas propõem uma adaptação do judaísmo às novas realidades sociais. Propõem abrir mão da rigidez na dieta alimentar, o descanso sabático e outros itens das práticas rituais.

IMPORTANTE

É fundamental entender que estas mudanças no discurso judaico têm o objetivo de manter a relevância da religião na sociedade contemporânea. A interpretação literal é considerada em conjunto com uma explicação metafísica e atemporal. Por exemplo, o tefilin, ao invés de ser entendido literalmente como uma ordenança divina para manter o texto nas caixas de couro na testa e no braço, poderia ser entendido como mantê-la guardada na mente e nas atitudes. Para os reformistas, portanto, não existem problemas com a obediência à Torá, apenas uma nova interpretação de seu conteúdo.

Entre estas mudanças ritualísticas está a adoção de línguas vernáculas dos países onde os grupos de judeus estão inseridos, além da equiparação de atributos religiosos entre homens e mulheres. Teologicamente, a peregrinação à Terra Santa e a criação de um Estado judeu deixam de ser uma prioridade para os judeus desta linha reformista.

Este ponto é fundamental para diferirmos as duas correntes de pensamento. O judaísmo, por definição, é uma religião de certa forma política, ou seja, é a trajetória de um povo na história conectado através da religião. Por esta razão, a manutenção de um Estado judeu para os ortodoxos é o cumprimento de uma ordenança e promessas divinas para o Seu povo, adicionando o território físico à religião. O conceito de sionismo é proveniente desta teoria e razão de discussão com os judeus reformistas que não aceitam a ligação política com a questão do Estado de Israel. Para eles o judaísmo deve permanecer restrito ao campo religioso, não político.

IMPORTANTE

É importante que você não confunda sionismo com antissemitismo!Sionismo é o movimento político que buscou fortalecer a ideia de que Israel precisava de um Estado soberano, como maneira de reparar os danos causados por séculos de perseguição aos judeus. Este movimento teve início no século XIX e culminou com a criação do Estado de Israel em 1948, após a Segunda Guerra Mundial.Antissemitismo é o movimento que incita o ódio aos judeus. Foi bastante forte na Alemanha, onde se pregou, por muito tempo, que eles eram os responsáveis pelos males econômicos e políticos pelos quais o país passou no final do século XIX, até a materialização do Holocausto nazista.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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Existe ainda uma terceira via para o judaísmo contemporâneo, chamado de conservador, que está entre as duas correntes anteriores. Esta vertente surgiu nos Estados Unidos com um grupo de rabinos que não aceitaram as práticas alimentares consideradas liberais por demais. A partir desta discordância teológica e doutrinária, fundou-se o Seminário Teológico Judeu, em Nova York, um centro para a formação deste novo grupo de líderes chamados conservadores.

Baseiam sua teologia em três pontos principais, os quais chamam de pilares: a Lei Judaica, a libertação nacional e o uso do hebraico como língua litúrgica. Entre as diferenças com a linha ortodoxa podemos citar a saída dos guetos para fazer parte da sociedade na qual os grupos estão inseridos. As mulheres foram igualadas aos homens na corrente conservadora, porém mantêm a peregrinação à Terra Santa que eles consideram um preceito divino.

Outras linhas teológicas relacionadas com o judaísmo, mas que não são aceitas por nenhuma das correntes apresentadas até aqui e gostaríamos de rapidamente citá-las para o seu conhecimento:

• Judaísmo Messiânico: interage com o cristianismo por aceitar que Jesus Cristo é o Messias esperado pelos judeus.

• Judaísmo Caraíta: Desconsidera os textos orais utilizados para compor o corpo doutrinal judaico, aceitando apenas os textos escritos da Torá.

• Judaísmo Samaritano: Divisão oriunda dos habitantes da Samaria, antigo Reino do Norte de Israel que adotam sua versão da Torá e consideram o monte Gerizim como lugar sagrado.

• Judaísmo Ateístico: Não acreditam em Deus, mas consideram-se judeus, pois apresentam simpatia não com a teologia, mas com os costumes e a ética judaica.

4 RELAÇÕES

Para os judeus não existe diferença entre ética e religião. A ética é, portanto, uma extensão da sua doutrina. Na lei judaica existem 248 afirmações e 346 restrições ou proibições, totalizando 613 mandamentos. A tradição diz que um costume tem o mesmo peso de uma lei. Esta lei dá muita ênfase às seguintes qualidades eticamente aprovadas pela sociedade: generosidade, hospitalidade, boa vontade, honestidade e respeito pelos pais.

Segundo este conjunto de regras, a ajuda aos necessitados não deve ser encarada como caridade, mas na justiça, pois é uma determinação divina que não existam pobres sobre a Terra. (Ver Levítico 19:34). Verificamos no código das leis judaicas que o exemplo do descanso sabático faz referência à igualdade entre empregadores e empregados, ou seja, todos devem ser iguais perante esta Lei. Em última instância, no caso de impor risco à vida humana, as regras poderão ser quebradas para preservar a vida de alguém.

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TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

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Dois filósofos judeus resumiram muito bem a ética judaica:

Mas o reino da liberdade é o reino do conhecimento ético. (Hermann Cohen)Aquilo que não gostas, não o faças a ninguém. Isto é toda a Torah. (Hillel)

Após a imigração em massa de judeus pelo mundo, muitos alcançaram posições de destaque nas sociedades onde se fixaram. Mesmo assim, desde muito tempo até o presente, os judeus têm sido perseguidos em vários locais, em primeiro lugar pelas sociedades cristãs europeias, por atribuírem a eles a morte de Jesus Cristo, e mais recentemente, pelos povos de origem muçulmana, que não aceitam a ocupação das áreas antes pertencentes aos palestinos, que tiveram que sair de suas terras para que o Estado de Israel fosse criado em 1948.

A principal perseguição contra os judeus foi, sem dúvida, o Holocausto nazista, ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1933 e 1945. Historiadores estimam que aproximadamente seis milhões de judeus tenham sido mortos nos campos de concentração nazistas. Além do elemento étnico presente neste conflito, é preciso entender outro importante elemento para explicar a perseguição tão acirrada aos judeus por Hitler e Mussolini. Desde a Idade Média, os judeus foram proibidos de possuírem terras para cultivo agrícola. Eles ficaram restritos aos famigerados guetos e como, ao contrário do cristianismo católico e do islamismo, o judaísmo permitia que seus seguidores fizessem transações financeiras através da prática dos juros. Através disso, os judeus eram importantes comerciantes e muitos importantes banqueiros, obtendo proeminência nas artes e na cultura. E, por fim, a Alemanha de Hitler estava em crise, com altas taxas de desemprego e descontentamento popular. Este cenário favorece o surgimento de ações xenófobas, como foi o caso. Apontar um culpado para todas as agruras do povo e do Estado foi o argumento utilizado pela cúpula do regime nazista.

UNI

Para o seu final de semana, caro acadêmico, sugerimos que você possa assistir a dois filmes considerados clássicos recentes sobre o tema do Holocausto nazista:A Lista de Schindler, de Steven Spilberg, e O Pianista, de Roman Polanski. Se você já assistiu a estes filmes, encorajo-o a assistir novamente, prestando atenção nos itens trabalhados neste tópico. Não se esqueça da pipoca e de uma boa companhia!

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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FIGURA 11 – A LISTA DE SCHINDLER E O PIANISTA

FONTE: Disponível em: <cinehaus.wordpress.com/.../06/o-pianista-2002/www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?...>. Acesso em: 25 jun. 2016.

UNI

Estamos chegando ao término de nosso tópico de estudos, caro aluno. Se você se interessou em conhecer mais sobre a história dos judeus e esta relação deles com o comércio, vou deixar duas sugestões de leitura para aprofundar seus estudos sobre o tema.História dos Hebreus, de Flávio Josefo, que conta a trajetória do povo desde Abraão até a destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos.Mercadores e banqueiros da Idade Média, de Jacques Le Gof, que conta como os judeus desenvolveram o comércio e as atividades relacionadas ao dinheiro desde a Alta Idade Média.Eis as referências.

JOSEFO, Flávio. A história dos hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

LE GOFF, Jacques. Mercadores e banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Das religiões de cunho monoteísta, o judaísmo é a mais antiga delas, e tanto o cristianismo quanto o islamismo contam com elementos judaicos em suas doutrinas.

• A religião judaica é uma religião histórica, ou seja, toda sua doutrina está baseada nos relatos de sua história com início há aproximadamente 3.800 anos.

• Após a queda do segundo templo de Jerusalém, o centro do ritual judeu passou a ser a sinagoga e os lares das famílias.

• Os homens são os responsáveis pelo serviço na sinagoga, enquanto as mulheres são as responsáveis por organizar os ritos domésticos e ensinar aos filhos a tradição judaica.

• O livro sagrado dos judeus é a Torá, ou o Pentateuco da Bíblia Cristã, o Talmud, que são comentários antigos acerca da Lei, além dos demais textos do Antigo Testamento, que são utilizados como complemento do serviço nas sinagogas.

• Para o judeu, a ética e a religião são devem caminhar lado a lado e, portanto, a conduta social deve condizer com a prática religiosa.

• Os judeus sempre sofreram perseguições, tanto por parte dos cristãos, como por parte dos muçulmanos. A maior de todas foi o Holocausto nazista que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial.

• Tanto na Europa como nos Estados Unidos, os judeus exercem grande influência no pensamento, economia e cultura, em virtude de, desde a Idade Média, buscarem o comércio como atividade, por não poderem trabalhar no campo, na agricultura.

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Apresentamos, neste tópico, algumas divisões do judaísmo que são muito importantes para seu entendimento desta importante religião monoteísta. Para relembrar o que foi tratado neste tópico, responda às seguintes questões:

1 Quais são as divisões principais do judaísmo? E as secundárias que não são aceitas pelas principais correntes teológicas judaicas? Quais são as razões para esta divisão de pensamento e doutrina?

2 Defina sionismo e antissemitismo.

3 Quais são as peças de roupas rituais dos judeus ortodoxos e qual é o significado de sua utilização?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

O segundo dos chamados “Povos do Livro” são os cristãos. Até o início do século XX, o cristianismo foi a religião predominante em todo o Ocidente. Das três religiões estudadas, nesta Unidade, foi a que mais sofreu modificações estruturais ao longo de seus dois mil anos de história, seja através do Cisma do Oriente, seja pela Reforma Protestante, ou ainda pelos movimentos contemporâneos cristãos, como os protestantes neopentecostais, ou pelo movimento carismático católico. Portanto, é de suma importância entendermos os traços históricos do cristianismo para observarmos a sociedade em que vivemos, pois a cultura cristã está enraizada na política, nas leis e nos estatutos de nossas cidades. Também iremos entender por que a sociedade ocidental está vivendo um movimento de franca secularização e porque o islamismo tem avançado de forma tão expressiva sobre países onde anteriormente o cristianismo predominava.

DICAS

Já viu o que lhe aguarda, caro acadêmico? Então recomendo que você aperte os cintos e mergulhe na sua própria história!

2 HISTÓRIA

Toda a crença cristã está baseada no cumprimento das profecias judaicas com relação ao Messias prometido no Antigo Testamento. Para o cristão, o Messias já veio e Ele é Jesus de Nazaré, que viveu na Palestina, no século I da Era Cristã. Jesus é o Filho de Deus que veio ao mundo para remir toda a humanidade do merecido juízo divino, iniciado com o pecado de Adão desde o chamado Jardim do Éden. Para os cristãos, Jesus foi morto pelos pecados da humanidade, porém ressuscitou ao terceiro dia como uma prova inconteste de que Deus aceitou seu sacrifício vicário.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Se você precisa de mais subsídios a respeito da doutrina cristã, não se preocupe, falaremos mais sobre a fé cristã ao longo deste tópico. Relembre agora um pouco da História Cristã!

Os 12 discípulos de Jesus deram início à primeira comunidade cristã e continuaram participando dos serviços nas sinagogas e se identificaram como uma ramificação do judaísmo, assim como os fariseus, saduceus, publicanos e essênios. Ficaram conhecidos como judeus nazarenos, nome este em referência direta a Nazaré, cidade natal de Jesus. Muitos destes líderes da Igreja restringiram a pregação do Evangelho aos judeus. O grande responsável pela universalização do cristianismo aos gentios (não judeus) foi o fariseu Paulo, convertido no ano 32 d.C. Paulo realizou viagens missionárias através do mundo greco-romano, levando o cristianismo para regiões distantes do núcleo judaico da Palestina, além de organizar a base das doutrinas cristãs em suas cartas às primeiras comunidades formadas.

A separação definitiva entre o judaísmo e o cristianismo ocorreu no ano 70 d.C., no sínodo judeu de Janmia, quando os cristãos foram excomungados do judaísmo. Para os romanos, que dominavam a Palestina no século I, o cristianismo era visto como uma religião de escravos. Posteriormente, através do crescimento exponencial das comunidades cristãs, o império passou a vê-los como potencialmente perigosos para a estabilidade do Império Romano. Com a negação dos cristãos em adorarem as divindades romanas, entre elas o próprio imperador romano, os cristãos foram perseguidos e utilizados como entretenimento do povo no famoso Coliseu romano. Esta medida era utilizada pelas autoridades como uma distração para o povo, devido a complicações e dificuldades que o império sofria neste período. Porém, ao invés de coibir a difusão da nova religião, a perseguição espalhou ainda mais os cristãos para além das fronteiras do império e a adesão ao cristianismo aumentava cada vez mais. O ápice deste fato foi a adesão do próprio imperador Constantino, em 313, e logo em 380, o imperador Teodósio declarar o cristianismo como religião oficial do império.

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É importante saber como se encontrava a sociedade e a política romana quando o Imperador Constantino aderiu ao cristianismo, para em breve se tornar a religião oficial do império. No século III, as condições políticas e econômicas de Roma estavam

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TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

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bastante abaladas. As fronteiras já não eram seguras, pois o exército não podia defendê-las dos povos chamados por eles de bárbaros. A aristocracia romana ameaçada começou a migrar para o campo e a constituir estados independentes. Com cada vez maiores gastos para manter o império, o povo passou a sofrer mais e mais privações, iniciando revoltas internas e atos de banditismo contra Roma. A partir destes eventos, podemos entender que a adoção do cristianismo por Roma foi uma medida política, na medida em que, em decorrência da decadência política e econômica romanas, o cristianismo passou a ser uma força considerável.

FIGURA 12 – IMAGEM AÉREA DO COLISEU ROMANO

FONTE: Disponível em: <http://www.lmc.ep.usp.br/people/hlinde/Estruturas/coliseu.htm>. Acesso em: 20 set. 2009.

Este edito imperial dá origem à Igreja Católica Apostólica Romana e ela permaneceu única até o ano de 1054, quando ocorreu o primeiro cisma na cristandade. Deste cisma surgiu a Igreja Ortodoxa, que passou a ser a dominante no Oriente, em especial em Istambul, na Turquia, na Grécia e na Rússia. Antes do cisma já existiam contendas entre a igreja latina e a oriental, e o principal elemento de separação entre ambas foi a negação da autoridade do papa de Roma como o líder supremo da instituição e a veneração das imagens dos santos. Os católicos ortodoxos veneram os chamados ícones, pinturas sagradas de Jesus, de Maria e dos santos.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

FIGURA 13 – ICONOGRAFIA ORTODOXA

FONTE: Disponível em: <http://www.nsconceicao.com.br/index.php/artigos/perguntas-e-respostas-catolicas/1368-o-que-e-a-igreja-ortodoxa>. Acesso em: 26 jun. 2016.

De maneira geral, são 13 as diferenças entre romanos e ortodoxos, algumas meramente rituais, outras mais importantes, contestando a autoridade papal, por exemplo.

IMPORTANTE

Professor, que tal numerar algumas diferenças para nossos alunos poderem entender melhor do que estamos falando aqui? O que acha?

Para resumir este assunto e não detalharmos os pormenores entre cada diferença, pois elas serão vistas a partir de um ponto de vista próprio e precisaríamos observar o que a doutrina ortodoxa e a doutrina romana dizem a respeito de cada ponto, citaremos o texto de George Mastrantonis, disponível no link: <http://www.presbiteros.com.br/site/as-diferencas-entre-catolicos-e-orientais-ortodoxos/>.

São 13 as principais diferenças doutrinárias e disciplinares que distanciam católicos e ortodoxos orientais uns dos outros: os ortodoxos não aceitam o primado e a infalibilidade do papa, a processão do Espírito Santo a partir do Filho, o purgatório póstumo, os dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção de Maria Ssma., o Batismo por infusão (e não por imersão), a falta

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TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

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da epiclese na Liturgia Eucarística, o pão ázimo (sem fermento) na celebração eucarística, a Comunhão eucarística sob a espécie do pão apenas, o sacramento da Unção dos Enfermos como é ministrado no Ocidente, a indissolubilidade do matrimônio, o celibato do clero. Como se pode ver, nem todos esses pontos diferenciais são da mesma importância. O mais poderoso é o da fidelidade ao papa como Pastor Supremo, assistido pelo Espírito Santo em matéria de fé e de moral.

É importante salientar que estes elementos são vistos a partir da visão romana do assunto, por isso o ponto mais importante das divergências entre ambos está na autoridade papal. Existe um movimento de reaproximação entre os dois grupos nos últimos anos, em especial com o Papa Francisco e o patriarca Bartolomeu.

FIGURA 14 – PAPA FRANCISCO E PATRIARCA BARTOLOMEU

FONTE: Disponível em: <http://ministeriosaopaulo.com.br/papa-da-mais-um-passo-para-religiao-unica-mundial/>. Acesso em: 26 jun. 2016.

Nos séculos seguintes, percebemos o aumento exponencial do poder da Igreja Católica sobre a Europa, onde por muito tempo os papas lutaram por exercer, além do poder espiritual, o poder temporal, onde entraram em conflito direto com as diversas monarquias europeias. É deste período o advento das Cruzadas cristãs contra os muçulmanos no Oriente Médio e na Península Ibérica, principalmente, entre os séculos XI a XIII, e a Santa Inquisição, resultado direto das Cruzadas contra hereges em território ocidental, no século XIV.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Sobre as Cruzadas, indicamos o filme homônimo de Ridley Scot, que conta a trajetória de um filho de um nobre cruzado na defesa da Terra Santa dos sarracenos no ínterim histórico entre a segunda e a terceira cruzadas. Sobre a Inquisição, o filme baseado na obra de Umberto Eco, O Nome da Rosa, também vai proporcionar momentos agradáveis e de conhecimento sobre este tema complexo e intrigante!

O segundo golpe à unidade católica ocorreu no século XVI, através da chamada Reforma Protestante desencadeada por Martinho Lutero. Esta nova divisão na Igreja Católica é a gênese das igrejas cristãs de cunho evangélico. É importante perceber quais foram os fatores que desencadearam este cisma para entendermos os desdobramentos do cristianismo que temos hoje em nossa sociedade.

Resumidamente, podemos dizer que o contexto histórico em que Lutero estava inserido trouxe as condições necessárias para que a divisão acontecesse. O apoio dos príncipes alemães foi fundamental para a proteção física de Lutero e as condições para a difusão dos novos aspectos da doutrina cristã, em especial a justificação pela fé ao invés das obras que eram aceitas até então. Depois de Lutero, outras denominações surgiram, cada uma delas reforçando um dos aspectos da vida cristã, entre elas o calvinismo, o metodismo, o presbiterianismo, entre outros. Isso aconteceu porque a Bíblia não contém princípio claro de organização eclesiástica e, portanto, cada comunidade pode escolher qual é a sua ênfase e qual é a maneira pela qual desejam ser organizadas e lideradas.

UNI

Você estudou a trajetória da Igreja Cristã na disciplina de História da Igreja Cristã. Se tiver alguma dúvida, pode relembrar em todos os detalhes do Cisma do Oriente e da Reforma Protestante.

Apesar de todos os contrastes existentes e claros, existem semelhanças entre as denominações cristãs. A principal delas é o centro no ministério de Cristo, sua morte e ressurreição. As diferenças da maioria delas estão nas questões doutrinárias e exegéticas, ou seja, na maneira como seus fundadores interpretaram as Escrituras e criaram uma identidade para seus seguidores.

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TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

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Um novo movimento na cristandade surgiu na virada do século XIX, com o surgimento do Pentecostalismo, oriundo agora do seio das denominações protestantes. Estas novas denominações atribuem uma maior ênfase ao trabalho do Espírito Santo e às manifestações sobrenaturais, como cura para doenças, glossolalia e profecias. Destaca-se entre elas a Igreja Assembleia de Deus, Igreja do Evangelho Quadrangular, entre outras. O catolicismo também teve o seu reavivamento espiritual através do chamado movimento carismático católico.

Na década de 90 do século XX surge a mudança mais recente dentro do cristianismo contemporâneo. Os chamados neopentecostais, que podem ser identificados pela ênfase exacerbada na prosperidade, na utilização da mídia como forma de se aproximar das pessoas e na utilização das forças das trevas como ferramenta para explicar as agruras dos fiéis.

Por fim, no século XXI, o que podemos verificar é um avivamento das

denominações tradicionais (batistas, presbiterianos etc.), além da ênfase no louvor e na adoração como instrumentos de evangelismo e capacitação dos fiéis.

UNI

Para uma análise profunda a respeito do pentecostalismo, catolicismo carismático, neopentecostalismo e do avivamento das denominações tradicionais, por favor, dê uma “olhadinha” em seu caderno de estudos de História da Igreja no Brasil. Na Unidade 3, quando analisarmos a cultura religiosa no contexto brasileiro, voltaremos a falar deste assunto.

Sem dúvida, o cristianismo causou profundas mudanças no mundo ao longo destes 2000 anos de história. Os historiadores concordam que Jesus de Nazaré não é um personagem fictício, ou seja, ele existiu e habitou entre nós. O que se discute é a natureza divina de Cristo, o que os cientistas sociais não podem comprovar, tampouco refutar. A divindade de Cristo é um campo para a área da fé, assim como em todas as demais religiões. A importância de Cristo não pode ser negada, tendo em vista que várias religiões tratam e aceitam a figura de Cristo como um homem muito sábio que trouxe muitos ensinamentos preciosos para os homens. Porém, apenas os cristãos acreditam que Jesus é Deus que se tornou homem para morrer pelos pecados da humanidade e trazer a esperança da salvação aos homens.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Para este tema tão vasto e complexo: como o cristianismo se separou do judaísmo e desenvolveu um novo sistema religioso, gostaria de sugerir o livro “À Sombra do Templo”, de Oskar Skarsaune, publicado pela Editora Vida. Será um estudo muito interessante!

3 DOUTRINA

Para entendermos o sistema religioso cristão, como fizemos no judaísmo, precisamos ter em mente que os mesmos princípios constantes no Antigo Testamento são aceitos e validados pelo Cristianismo. A inserção do cânon do Novo Testamento traz novos elementos para a formação dos credos cristãos. A base para a crença cristã está na pessoa de Jesus Cristo, que, segundo os fiéis, é o Filho de Deus, que veio ao mundo para redimir o homem do poder do pecado através de seu sacrifício vicário. Este é um resumo do Evangelho, ou das boas novas que Jesus veio para contar aos homens. O Reino de Deus foi inaugurado com a vinda de Deus ao mundo.

Embora Jesus não tenha especificado uma religião em seu ministério, ele solicitou aos seus discípulos que contassem as boas novas aos homens, qual seja, a ressurreição de Cristo, primeiro para os judeus, depois para os gentios. Com o amadurecimento das primeiras comunidades cristãs, foi necessário criar regras para estabelecer o que é certo e o que não era para os cristãos, bem como em que cada cristão deve ou não acreditar. Estas regras estão contidas nos credos que a Igreja criou ao longo de sua história, sendo o principal deles o de Niceia do século IV. Nos credos encontramos os dogmas do cristianismo.

UNI

A palavra dogma significa doutrina. A partir dele o cristão tem condições de conhecer os pontos primordiais de sua fé.

O principal dogma cristão é a Encarnação de Jesus. Ele foi tanto homem como Deus, convivendo ambos na mesma pessoa. Portanto, Jesus não era apenas Filho de Deus, porém Ele era Deus!

A salvação do homem é provida em aceitar a morte e ressurreição de Jesus em remissão dos pecados. O homem precisa ser salvo de sua natureza

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TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

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pecaminosa. Esta salvação é necessária para libertar o homem de seu apego ao mundo e, em última instância, do Juízo Final.

Os cristãos acreditam que Jesus irá voltar dos céus e trará uma nova era para a humanidade, onde Ele irá julgar os homens segundo sua fé em Cristo e suas escolhas de vida na Terra. Haverá, portanto, um Juízo Final onde todos os seres humanos serão julgados de acordo com as escolhas realizadas em suas vidas. Este é o núcleo central do cristianismo.

Outro ponto nevrálgico entre católicos e protestantes é a virgindade e assunção de Maria, a mãe de Jesus. Para os católicos, Maria permaneceu imaculada mesmo após o nascimento de Jesus, e a tradição católica descreve que Maria foi assunta ao céu, recebendo o título de Mãe de Deus. Isto não é aceito pelos protestantes, que atribuem um grande respeito a Maria, por ter sido a eleita de Deus para que através dela o Messias entrasse no mundo legalmente.

Para o catolicismo, é possível venerar os santos, ou seja, contemplar suas imagens e fazer orações para eles, pedindo graças e bênçãos pelos seus intermédios junto de Deus. Os santos foram grandes homens e mulheres da cristandade a quem são atribuídos milagres que possam ser comprovados cientificamente, como curas, por exemplo. A Igreja Católica possui um tribunal específico para julgar os processos de beatificação e santificação dos santos no Vaticano. Já para os protestantes as imagens estão proibidas e as orações intercessórias tanto a Maria quanto aos santos, por apenas Jesus ser o intercessor da humanidade perante Deus.

Para o catolicismo, a figura do purgatório está presente em sua doutrina. Este lugar é um local intermediário (assim chamado de Entre Lugar) entre o Céu e o Inferno. No Purgatório, as pessoas pagam por seus delitos e, através da intercessão dos vivos, suas almas são “purgadas’ e elas podem ascender ao céu. Os protestantes não creem no purgatório, por não existirem referências diretas na Bíblia ou nos discursos de Jesus ou dos apóstolos sobre este assunto.

UNI

A respeito do purgatório, gostaria de recomendar o livro do historiador francês Jaques Le Goff chamado O Nascimento do purgatório. Neste livro, Le Goff verifica que as primeiras referências ao purgatório surgem no século XII, antes deste período havia apenas a ideia de inferno e paraíso. Segundo ele, o purgatório seria um lugar para medíocres, que não mereciam o paraíso, mas seus delitos e pecados não os condenariam ao inferno. Você pode imaginar que neste panorama todos poderiam se enquadrar, na medida em que o purgatório aumentou a dependência dos fiéis à Igreja e, consequentemente, seu poder na Europa Medieval. Caso você não encontre o livro, o ótimo artigo de Nicomedes da Silva Rocha Neto, intitulado o Entre-lugar a representação do purgatório na Baixa Idade Média, que você pode encontrar no link <http://www.consciencia.org/o-entre-lugar-a-representacao-do-purgatorio-na-baixa-idade-media>, pode lhe dar uma boa ideia do estudo de Le Goff sobre o purgatório.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Para os católicos, durante a Eucaristia, memorial do sacrifício de Jesus por todos, o pão e o vinho não são mais apenas pão e vinho, mas sim o corpo e o sangue de Cristo que se transformam na transubstanciação dos elementos. Segundo o catecismo da Igreja:

§1392 O que o alimento material produz em nossa vida corporal, a comunhão o realiza de maneira admirável em nossa vida espiritual. A comunhão da Carne de Cristo ressuscitado, “vivificado pelo Espírito Santo e vivificante”, conserva, aumenta e renova a vida da graça recebida no batismo. Este crescimento da vida cristã precisa ser alimentado pela comunhão eucarística, pão da nossa peregrinação, até o momento da morte, quando nos é dado como viático.

FONTE: Disponível em: <http://catecismo-az.tripod.com/conteudo/a-z/e/euc-efeitos.html>. Acesso em: 26 set. 2009.

Para os protestantes em geral, a ceia tem um grande significado espiritual, que é o de ser também memorial do sacrifício de Jesus, que deve ser um tempo de reflexão e arrependimento e renovação da aliança com Deus. Porém, o pão continua sendo pão e o suco da uva continua sendo suco da uva.

O último ponto controverso entre as duas divisões do cristianismo é acerca do batismo. Os católicos batizam crianças, assim, quem é o responsável pela escolha da mesma são os pais e os padrinhos. A confirmação da fé acontece na Eucaristia e mais adiante na Crisma (que é uma representação da descida do Espírito Santo sobre os apóstolos no dia de Pentecostes.) Para os protestantes, na sua maioria, o batismo deve acontecer a partir de uma decisão pessoal, quando o fiel tiver consciência do que está realizando, a partir do que Jesus fez, pois segundo o Novo Testamento, Jesus iniciou seu ministério terreno com seu batismo aos 30 anos de idade.

UNI

Existem outros pontos de divergência entre católicos e protestantes, porém o movimento que vemos acontecendo nos dias de hoje é o do fortalecimento das semelhanças. Mas isso nós estudaremos mais adiante!

Para concluir esta questão doutrinária, a Igreja Católica Apostólica Romana enfrenta um desafio em sua fase contemporânea, que são cismas de pequenos grupos que se declaram independentes. Este é um fenômeno bastante novo, que ainda precisa de estudos mais aprofundados sobre cada um destes grupos. Após as crises das divisões anteriores, a Igreja Católica Apostólica Romana enfrenta um novo e desafiador dilema, que é o de conter o avanço de igrejas católicas

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TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

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dissidentes. Ainda é preciso conhecer mais a respeito da quantidade destes grupos e percentual de fiéis, porém os dados que podemos extrair deste movimento é que ele demonstra uma tendência de fragmentação do catolicismo romano. A máxima do cristianismo de que o catolicismo é solidamente estruturado e que é uma única igreja e que o protestantismo é desfragmentado através de suas inúmeras denominações já mostra alguns sinais de que este processo está atingindo também os católicos.

Destes grupos dissidentes surgem constantemente associações e igrejas lideradas por padres casados que foram proibidos pelo Vaticano de continuar exercendo o sacerdócio por discordarem de certos posicionamentos por parte da liderança eclesiástica como o celibato obrigatório, posicionamento sobre o aborto e eutanásia, o direito da mulher de participar do sacerdócio, a infalibilidade papal, entre outros pontos. Outro ponto que tem contribuído para o surgimento destes grupos são os escândalos envolvendo parte do clero católico através de denúncias de abuso sexual, pedofilia e homossexualismo envolvendo a Igreja e a aparente conivência e proteção que tem sido dada aos infratores. Este é outro fator que está mudando atualmente, mas o processo é bastante lento, favorecendo a dissidência de pequenos grupos.

Entre estes grupos é possível citar Igreja Católica Apostólica Brasileira, Rede de Missões Católicas, Igreja Católica Americana, Igreja Católica Breakaway e Igreja Mariavete.

FIGURA 15 – LOGOTIPO IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA BRASILEIRA

FONTE: Disponível em: <http://grupoapa.org.br/o-que-e-a-igreja-brasileira-ou-igreja-catolica-brasileira/>. Acesso em: 26 jul. 2016.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

4 RELAÇÕES

Os principais mandamentos do cristianismo têm relação direta com o amor: amar a Deus em primeiro lugar e então ao próximo como a mim mesmo. Segundo Jesus, se os cristãos realizarem esta tarefa, toda a Lei de Moisés seria cumprida. A ética cristã, portanto, prega as boas obras, a ajuda aos necessitados, pobres e oprimidos, caridade e o amor entre cristãos e entre cristãos e gentios. Jesus realizou muitas obras, como curas e milagres, e deixou este legado para seus seguidores.

O ponto crucial da ética cristã é a análise de que todos os seres humanos foram feitos à imagem e semelhança de Deus e, portanto, devem ser tratados com respeito e dignidade. A vida de Cristo deve manifestar-se nos atos do dia a dia dos fiéis, sendo este um poderoso instrumento de evangelização, ou seja, a mudança na vida do fiel através de novos parâmetros e novos conceitos pode levar a outros a buscarem uma nova vida com Cristo.

UNI

O livro do sociólogo Max Weber, A ética protestante e o espírito do Capitalismo, mostra como as bases da teologia protestante podem ajudar a explicar o nascimento do modelo capitalista no Ocidente a partir do século XIX.

A ética cristã possui elementos que a distinguem de outros sistemas religiosos. Segundo o teólogo Emil Brunner (2004): a ética cristã é a ciência da conduta humana que se determina pela conduta divina. A base para esta ética está tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, e precisa ser entendida a partir da perspectiva de que as Sagradas Escrituras apresentam a revelação divina para a humanidade. Desta forma, a ética é um elemento fundamental para o fiel, pois o cristianismo adota a prática da Evangelização para atrair novos adeptos. Desta maneira, o estilo de vida do cristão é um elemento-chave para a disseminação e propagação da mensagem de Cristo na Terra. Além deste elemento externo, onde aqueles que convivem com este cristão gradativamente percebem a mudança nas práticas cotidianas deste indivíduo, internamente ele também recebe alento ao utilizar um arcabouço de elementos e valores que o auxiliam na tomada de decisões em seu dia a dia, a partir de uma perspectiva divina para estes anseios e inseguranças de como ele deve se portar eticamente em sociedade.

Porém é possível confundir a ética cristã com uma ética puramente filosófica e moral, portanto é necessário diferenciar ambas. A figura a seguir pode nos ajudar nesta tarefa.

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TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

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FIGURA 16 – ÉTICA CRISTÃ X ÉTICA FILOSÓFICA

FONTE: Disponível em: <http://pt.slideshare.net/venturaneto/tica-crist-slides>. Acesso em: 26 jul. 2016.

A ética cristã precisa necessariamente de um componente sobrenatural através da revelação divina através da Palavra de Deus. De maneira distinta, a ética filosófica acaba sendo relativa, pois gera uma verdade para cada contexto social.

No contexto brasileiro, a partir do ano de 2014, o país entrou em um período bastante peculiar no campo da ética política, através dos desdobramentos da Operação Lava Jato, onde escândalos de corrupção estão sendo trazidos à tona através de suas diferentes fases. Embora esta operação da Polícia Federal tenha como objetivo desmantelar uma quadrilha que atuava em um intrincado esquema de propinas, permanecendo no âmbito político, a palavra ética está muito em voga em nossos dias.

Neste sentido, a ética cristã é importante e necessária para nossa nação, pois conceitos como honestidade e caráter estão contidos no arcabouço deste estilo de vida chamado cristianismo. Em um contexto histórico de uma operação cujo objetivo é desmantelar um esquema milionário de enriquecimento ilícito através de propinas e corrupção, práticas que apresentem a melhora no caráter individual, como é a proposta do cristianismo, são mais que bem-vindas. É importante salientar que a conduta ética e moral é também alvo de outras religiões que visam à melhora do indivíduo através do aprofundamento do conhecimento a respeito dos princípios religiosos.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

FIGURA 17 – OPERAÇÃO LAVA JATO

FONTE: Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/02/policia-federal-deflagra-23-fase-da-operacao-lava-jato-4980783.html>. Acesso em: 26 jul. 2016.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• O cristianismo surge com os seguidores de Jesus Cristo, para os quais ele era o Messias esperado pelos judeus.

• Ao longo de seus mais de 2000 anos de História, a Igreja cristã sofreu duas divisões principais: o Cisma do Oriente em 1054 e a Reforma Protestante no século XVI, ambos trazendo reações da Igreja Católica Romana.

• Existem discrepâncias entre as doutrinas cristãs, porém todas elas devem estar centradas na figura de Cristo e em sua ressurreição dos mortos, e na Bíblia como a Palavra de Deus.

• Embora muitos homens e líderes cristãos não tenham entendido a ética cristã, por desencadearem muitas atrocidades em nome de Deus, como as Cruzadas e a Santa Inquisição, para o cristianismo o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus e, portanto, deve ser tratado como tal.

• Podemos encontrar pontos do cristianismo em toda a cultura ocidental, que foi moldada de acordo com a fé de suas sociedades, entre elas as bases para o sistema capitalista.

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A partir de sua leitura do texto deste tópico, responda às questões a seguir:

1 Com a grande quantidade de escravos africanos nas minas de ouro, a Igreja sofreu um processo de sincretismo religioso. Como podemos entender este sincretismo?

2 O Movimento Carismático Católico surge na segunda metade do século XX como uma resposta católica a que outro movimento religioso?

3 O que pode explicar o surgimento de movimentos cismáticos dentro da Igreja Católica?

4 Sobre as diferenças entre a Igreja Católica Romana e a Ortodoxa, qual é o principal entrave para as aproximações que estão acontecendo atualmente?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Chegamos ao último tópico de nossa unidade de estudo. Prepare-se para conhecer uma religião nas areias do deserto e um homem que conheceu o judaísmo e o cristianismo para formar as bases de sua doutrina. Além dos interesses econômicos e políticos que resultaram na religião que mais cresce no mundo, com dados preocupantes sobre estatísticas a respeito do crescimento do Islã no mundo ocidental.

De todas as grandes religiões monoteístas, o islamismo é a mais recente e a menos conhecida pelos ocidentais. Isso não quer dizer que não ouçamos todos os dias nos noticiários, informes de confrontos no Oriente Médio, com homens-bomba explodindo e causando verdadeiras chacinas com pessoas inocentes. Porém, é esta a verdadeira descrição dos muçulmanos? Homens fundamentalistas que se suicidam em nome de Alá? Hoje, mais do que nunca, precisamos conhecer esta religião para desmistificar algumas informações que temos através da mídia ocidental.

O islamismo é a religião que mais cresce hoje em todo o mundo. A palavra “Islã” quer dizer submissão. Segundo esta religião, o homem deve se entregar totalmente a Deus e submeter sua vontade em todas as áreas de sua vida.

2 HISTÓRIA

Para entendermos um pouco da História do Islamismo, é preciso compreender quem foi e o que fez seu fundador, bem como o contexto político que proporcionou a ele as reformas religiosas e políticas. Este homem foi Maomé.

Maomé nasceu na cidade de Meca, na Arábia, por volta de 571 d.C. Desde este período esta cidade era muito importante para a economia, no sentido de Meca estar no caminho dos mercadores e comerciantes que transitavam pela Península Arábica. Maomé era filho de uma proeminente família de comerciantes, porém ficou órfão muito cedo e foi criado pelo tio. Mais tarde Maomé conhece Khadidja, uma viúva 15 anos mais velha que ele e que se tornou conselheira e a primeira seguidora do esposo.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Além de importante centro comercial, Meca era também um dos centros religiosos da Arábia. O sistema religioso do século VI era basicamente tribal e politeísta. Cada tribo possuía deuses e os cultuava. A Caaba, ou a pedra negra, já era cultuada em Meca antes de Maomé. Conforme os nômades e beduínos passaram a se assentar em cidades, abandonando o sistema nômade de subsistência, isto trazia um gradativo abandono da religião tradicional. Com isso, a influência de duas religiões aumentou a partir deste período: o judaísmo e o cristianismo. Os judeus se espalharam pela Arábia após sua expulsão de Jerusalém pelos romanos, e os cristãos da mesma forma, também eram presentes na Arábia neste período. Esse era o complexo mundo em que Maomé viveu e este mundo influenciou seu pensamento. Não é possível dissociar o nascimento do Islamismo de seu contexto histórico.

Uma vez ao ano, Maomé realizava uma prática dos monges cristãos, que era a de se retirar para uma caverna para meditar, embora não usasse as escrituras para sua meditação. Os muçulmanos acreditam que, quando Maomé atingiu a idade de 40 anos, ele teve uma revelação divina: o Arcanjo Gabriel apareceu para ele e lhe pediu que lesse os escritos que ele havia trazido do céu, escritos pelo próprio Deus. Esta é a origem do Corão ou Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. Ele é dividido em 114 capítulos, chamadas suras. Após sua visão, Maomé começou a pregar o que havia visto nas ruas de Meca, se intitulando como um emissário de Alá, o único Deus. Estas afirmações levaram a uma forte oposição dos líderes da cidade, que viam este discurso como uma forma de Maomé buscar usurpar o poder, além de ir contra toda a tradição politeísta de seus antepassados. Com o aumento desta oposição, Maomé parte em 622 para a cidade de Medina. Sua saída ficou conhecida como Hégira, que significa partida ou rompimento. Para os seguidores de Maomé, este movimento seu não foi uma fuga e sim a submissão deste para com Deus.

Em Medina, Maomé logo se tornou o líder religioso e político. Para difundir a nova religião, Maomé organizou a chamada Jihad ou luta, que consistia no assalto a caravanas de beduínos para poder manter financeiramente a nova empreitada. Posteriormente, este nome foi o mesmo atribuído à guerra santa. Na década posterior, Maomé tomou a cidade de Meca, além de grande parte da Arábia, unificando sob a nova religião grande parte do povo árabe, sendo mais forte que toda a tradição ancestral politeísta, gerando uma nova identidade a este povo antes dividido pelo politeísmo. Este foi o legado que Maomé deixou quando morreu, em 632.

Após sua morte, a liderança dos muçulmanos ficou a cargo dos chamados califas. Os três primeiros califas foram parentes de Maomé ou estavam entre os primeiros convertidos. O primeiro cisma do Islã aconteceu com o quarto califa, chamado Ali, primo de Maomé e casado com sua filha. Ali acabou sendo assassinado por adversários e um vazio de poder se instalou no mundo islâmico. Diferentemente do cristianismo, que se dividiu por problemas doutrinários relacionados com a fé, o islamismo foi dividido por problemas relacionados à liderança do Islã. Surgem dois grupos deste cisma: os xiitas e os sunitas. A primeira

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TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

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facção acreditava que o líder do islamismo deveria ser um descendente direto do profeta Maomé, enquanto a segunda, a maior das duas, acreditava que quem está no poder deve ser o mandatário da religião. Após a morte de Ali, a sede do Islã passou de Meca para Damasco, depois para Bagdá e, por fim, em Istambul. Após 1924, a liderança dos muçulmanos não foi mais única e sim regional, acabando assim com a era dos califas.

Porém, como o islamismo teve uma grande adesão entre o mundo árabe? Ainda no tempo de Maomé, as potências que influenciavam a Arábia eram o Império Bizantino e o Império Persa, que se encontravam em declínio. Este vazio de poder facilitou a expansão desta nova ideologia e religião. Os muçulmanos ocuparam todo o norte da África, cruzaram o Estreito de Gibraltar e ocuparam todo o sul da Península Ibérica, onde hoje estão Portugal e Espanha. Avançaram também para o Oriente, chegando até à Índia. O conflito entre muçulmanos e hindus foi tamanho que dois países foram criados: a Índia de maioria hindu, e o Paquistão, de maioria muçulmana. Recentemente, a grande imigração de muçulmanos para o Ocidente tem aumentado muita sua presença na Europa e América do Norte, especialmente entre os negros norte-americanos, sendo já a segunda maior religião nestas localidades.

3 DOUTRINA

Se pudéssemos resumir o islamismo em uma única frase, poderíamos utilizar Achhadu An Lá Iláha illa Allah ach hadu anna Muhammadan Rassulullah, que quer dizer: “Não há Deus como Alá e Maomé é seu profeta”. As duas características principais do Islã são o monoteísmo e a revelação dada a Maomé.

Sobre o monoteísmo, cabe dizer que Alá não é um nome próprio e sim a palavra árabe para Deus, que já havia sido utilizada por judeus e cristãos árabes. A raiz é a mesma da palavra El, que indica o nome divino para o judaísmo. Porém, Alá também é o nome da divindade da Lua na antiga religião politeísta árabe. Sobre a revelação dada por Deus a Maomé, os muçulmanos creem que Deus se revelou ao homem em três ocasiões: a primeira para Moisés, a segunda para Jesus Cristo, a quem reconhecessem como Profeta, e a terceira e mais perfeita de todas, para Maomé.

No tocante à prática religiosa, o islamismo está firmado nos cinco pilares da religião muçulmana: O Testemunho, A Oração, O Jejum no mês do Ramadam, o Zakat e a Peregrinação a Meca. Para uma breve explanação sobre estes cinco pilares do Islã, serão utilizados alguns trechos relativos do Alcorão, citando a shura e o versículo.

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Esta associação entre o islamismo e o governo pode fazer parecer que o elemento religioso não é muito presente na sociedade islâmica. Isso ainda é mais presente se levarmos em conta o noticiário da TV, que nos mostra apenas a minoria fundamentalista em seus ataques terroristas. Porém, para o muçulmano, a religião está acima de qualquer instituição política. É a religião que dita como o governo deve se portar e o que ele deve fazer.

1 Testemunho: "Deus dá testemunho de que não há mais divindade além d'Ele; os anjos e os sábios O confirmam Justiceiro; não há mais divindade além d'Ele, o Poderoso, o Prudentíssimo” (ALCORÃO SAGRADO 3:18).

O testemunho do muçulmano deve apresentar os dois elementos já citados neste tópico: O único Deus verdadeiro é Alá e Maomé é seu profeta. O primeiro requisito para alguém se tornar muçulmano é proclamar este texto e entendê-lo com seu coração. Além da crença em Alá, o fiel precisa crer que tudo aquilo que Maomé disse vem de Deus, e, portanto, não pode ser questionado.

2 Oração: “A oração é uma obrigação prescrita aos crentes, para ser cumprida em seu devido tempo” (ALCORÃO SAGRADO 4:103).

A oração é fundamental em todas as religiões monoteístas, porém no islamismo ela tem um caráter obrigatório pelo menos cinco vezes ao dia: ao amanhecer, ao meio-dia, durante a tarde, ao entardecer e durante a noite. Para participar das orações, o fiel deve realizar um banho ritual para se purificar das impurezas deste mundo.

FIGURA 18 - MESQUITA DA CIDADE DE CURITIBA, LOCAL ONDE OS MUÇULMANOS SE REÚNEM PARA SUAS ORAÇÕES

FONTE: Disponível em: <http://www.curitiba-parana.net/religiao.htm>. Acesso em: 28 set. 2009.

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TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

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3 O jejum no mês do Ramadam: "Ó fiéis, está-vos prescrito o jejum, tal como foi prescrito a vossos antepassados, para que temais a Deus. Jejuareis determinados dias; porém, quem de vós não cumprir o jejum, por achar-se enfermo ou em viagem, jejuará, depois o mesmo número de dias. Mas quem, só à custa de muito sacrifício, consegue cumpri-lo, vier a quebrá-lo, redimir-se-á, alimentando um necessitado; porém, quem se empenhar em fazer além do que for obrigatório, será melhor. Mas, se jejuardes, será preferível para vós, se quereis sabê-lo. O mês de Ramadan foi o mês em que foi revelado o Alcorão, orientação para a humanidade e evidência de orientação e discernimento. Por conseguinte, quem de vós presenciar o novilúnio deste mês deverá jejuar; porém, quem se achar enfermo ou em viagem jejuará, depois, o mesmo número de dias. Deus vos deseja a comodidade e não a dificuldade, mas cumpri o número (de dias), e glorificai a Deus por Ter-vos orientado, a fim de que (Lhe) agradeçais" (ALCORÃO SAGRADO 2:183-185).

O jejum muçulmano acontece durante o mês do Ramadam e inicia com o nascer do Sol e termina com o pôr do Sol. Durante todo este período, o fiel deve abster-se de qualquer tipo de alimento e bebida, relações sexuais e o tabagismo. Tem o objetivo de trazer a disciplina ao povo, além de trabalhar na purificação do corpo e da mente do muçulmano.

4 O Zakat (Caridade) "E lhes foi ordenado que adorassem sinceramente a Deus, fossem monoteístas, observassem a oração e pagassem o Zakat; esta é a verdadeira religião” (ALCORÃO SAGRADO 98:5).

Zakat é traduzido como caridade, ou esmola, e é utilizado como ofertas voluntárias, que têm sua destinação presente no Alcorão. Elas devem ser destinadas aos órfãos, às viúvas, aos endividados, aos funcionários responsáveis pela arrecadação da Zakat e toda a obra de multiplicação do islamismo ao redor do mundo. O valor desta contribuição é de aproximadamente 2,5% da renda e deve ser entregue uma vez por ano. São tributados sobre o ouro, e os metais, sobre os animais, sobre as colheitas, entre outras categorias.

5 A Peregrinação a Meca: "... A peregrinação à Casa é um dever para com Deus, por parte de todos os seres humanos, que estão em condições de empreendê-la; entretanto, quem se negar a isso saiba que Deus pode prescindir de toda a humanidade" (ALCORÃO SAGRADO 3:97).

Todo o muçulmano deve empreender uma viagem até a cidade de Meca no mês sagrado, pelo menos uma vez na vida. A tradição de Meca como centro religioso é muito antiga e sua história é curiosa. Segundo a tradição, a Caaba foi edificada por Abrão e seu filho Ismael há cerca de 4000 anos. Deus teria dado a ordem a Abraão, de que os homens deveriam visitar o local. Esta edificação é coberta por um tecido negro e os muçulmanos devem participar das cerimônias realizadas neste local. As condições para a viagem estão bem claras no Alcorão. Aquele que viaja deve deixar suprimentos e dinheiro para sua família o suficiente para que possa suportar sua ausência, não deve em hipótese nenhuma ser utilizado dinheiro ilícito para a peregrinação, além do peregrino ter condições financeiras para tal.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

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Se você se interessou em aprofundar seus estudos sobre o islamismo, sugerimos o livro “Os cinco pilares do Islã que pode ser encontrado no site <http://islam.com.br/biblioteca/pilares/Os%20Cinco%20Pilares%20da%20Religião%20Islâmica.pdf>.

FIGURA 19 – A CIDADE DE MECA DURANTE PEREGRINAÇÃO E A CAABA

FONTE: Disponível em: <www.geocities.com/.../5871/jorney/meca.html>. Acesso em: 26 set. 2009.

No campo doutrinário existem dois grandes grupos de muçulmanos, já tratados no tópico sobre a História do Islã: os xiitas e os sunitas. Já analisamos a origem de cada grupo a partir de uma ótica política de sucessão sobre a liderança da religião. Gostaria de pontuar que, de maneira doutrinária, as duas correntes são muito parecidas, com diferenças irrelevantes, se considerarmos apenas o campo religioso.

DICAS

Eu aprendi com o professor que se analisarmos qualquer fato apenas por um ponto de vista, nossa compreensão sobre este fato será comprometida. Por isso precisamos avaliar as demais diferenças entre sunitas e xiitas.

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TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

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Você tem razão quando diz que precisamos avaliar outros lados dos eventos. No caso que estamos discutindo aqui, se por um lado as diferenças religiosas não são tão severas, no campo político as disputas são muito acirradas. Os núcleos geográficos dos xiitas estão no Irã e no Iêmen, basicamente.

Para um melhor entendimento, vamos tentar comparar esta divisão do Islã com o cisma cristão que estudamos no tópico anterior. Como no caso da separação entre Igreja Romana com Ortodoxa, os xiitas e sunitas questionaram a autoridade religiosa. Para os sunitas, a autoridade da liderança precisa estar baseada na tradição, nas práticas do profeta e de sua família como foi definido por eles. Para os xiitas, por outro lado, as Fontes de Emulação são os líderes hierárquicos da religião, chamados aiatolás. Para os sunitas, o imã é o líder da congregação, como uma espécie de pastor ou sacerdote cristão. Os xiitas atribuem uma característica mais sobrenatural aos imãs, que seriam os sucessores espirituais do profeta Maomé, atribuindo a estes líderes um caráter sagrado, fato que para os sunitas é uma heresia.

Sobre o fim dos tempos, os xiitas esperam pela vinda do Mahdi, uma espécie de Messias, o que não ocorre com os sunitas. Resumindo, os sunitas baseiam sua teologia no passado, enquanto a outra linha pauta sua teoria religiosa no futuro redentor.

Além destes dois grandes grupos, existem outras divisões do islamismo que apontam para algumas diferenças doutrinárias que levaram às divisões. Alguns grupos surgiram próximos ao início do movimento, outros são mais recentes, que apresentaremos a seguir.

FIGURA 20 – DIVISÃO DO ISLAMISMO: INFOGRÁFICO

FONTE: Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/confira-como-surgiu-divisao-sunitas-xiitas-696521.shtml>. Acesso em: 26 jul. 2016.

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Além de sunitas e xiitas, o islamismo conta com algumas divisões internas que são consideradas seitas por parte da liderança oficial da religião. De maneira geral, estes grupos apresentam uma conotação mais mística dos preceitos islâmicos. O primeiro deles são os drusos, que formam uma seita à parte do islamismo tradicional.

DICAS

É bom não esquecermos que este islamismo tradicional é formado pelos dois grupos preponderantes: xiitas e sunitas.

São conhecidos como Filhos da Luz ou Discípulos de Ismael, ismaelitas. Possuem uma hierarquia interna composta por corporais, discípulos, adeptos, mestres e iniciados. Para os drusos existem cinco seres celestiais: Iman ou Gabriel, uma espécie de ministro superior de Deus com quem compartilhou uma parte de sua essência divina. Teria aparecido à humanidade sete vezes com o objetivo de compartilhar com o homem seu destino. Estas aparições do Iman foram: Chatniel na época de Adão, Pythagore no período de vida de Noé, Shwaib na de Moisés, Eleazar no tempo de Jesus, Salman El Farzi durante a vida de Maomé, Hamza na época de El Kaken e no tempo de Said como Saleh. Acreditam no retorno do Iman (Messias) como sendo próxima. Acreditam também na vinda da divindade para a Terra onde assume forma humana como um Messias que veio em dez ocasiões distintas ao longo da História.

IMPORTANTE

Estas facções do islamismo apresentam fortes influências do Zoroastrismo, por isso é importante conhecer um pouco mais desta religião para ajudá-lo a identificar estas influências.

Os drusos acreditam em dois princípios, chamados de Rival e Alta Razão. Enquanto o primeiro é o Espírito do Mal, o segundo é o Espírito de Deus. Acreditam na reencarnação, negam a predestinação do homem, pois para os drusos o homem é livre para escolher entre o Bem ou o Mal. Esta decisão passa pelas escolhas morais de cada ser humano, que o levarão para mais perto da Alta Razão ou do Rival.

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Em termos de quantidade, embora seja difícil saber com exatidão, algumas fontes relatam quase um milhão de habitantes espalhados em grupos entre os territórios do Líbano, Síria, Jordânia e Israel.

FIGURA 21 – POPULAÇÃO DRUSA

FONTE: Disponível em: <http://www.ilya.it/msur/pages/druso.html>. Acesso em: 26 jul. 2016.

Outro grupo dissidente do islamismo tradicional são os sufis, que surgiu como uma reação ao processo intelectual do Islã e críticas ao luxo das cortes dos califados. Encontrou em outras filosofias e religiões seu anteparo doutrinário, possuindo elementos do cristianismo, taoísmo, hinduísmo, neoplatonismo, pitagorismo e zoroastrismo. Teve seu ápice durante o século XIII, com lendas que colocam importantes personagens deste período como adeptos das práticas sufis.

Entre suas práticas podemos citar o ascetismo através do jejum, oração e meditação. Considerado um movimento místico, acredita que o espírito humano é uma emanação do divino com o qual se esforça para se integrar. Este retorno acontece através de três meios principais: pelo amor, êxtase e pela intuição.

DICAS

Como a história também traz muitas curiosidades interessantes, um grupo muçulmano bastante controverso e cheio de lendas e contradições durante a Idade Média deu origem a uma adaptação para uma franquia de jogos de videogame de sucesso, intitulada Assassins Creed, ou Ordem dos Assassinos.

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FIGURA 22 – ASSASSINS CREED

FONTE:  Disponível em: <http://www.gamevicio.com/i/noticias/230/230445-assassin-s-creed-1-grid-2-e-dark-void-entram-na-retrocompatibilidade/>. Acesso em: 20 ago. 2016.

Este grupo, envolto em muitas lendas e pouco material histórico, teria atuado na Pérsia e Síria entre os séculos XI e XII. O seu inimigo era o sistema político e religioso sunita, sendo este grupo xiita, portanto. Entre aqueles que analisam este grupo poderia sugerir a leitura do livro de Bernard Lewis chamado: Os Assassinos, os primórdios do terrorismo no Islã.

FIGURA 23 – LIVRO OS ASSASSINOS, DE BERNARD LEWIS

FONTE: Disponível em: <http://www.estantevirtual.com.br/autor/bernard-lewis>. Acesso em: 26 jul. 2016.

Este comentário sobre grupos radicais em plena Idade Média tem o objetivo de trazer um pouco da discussão que ainda vemos hoje em nosso dia a dia, e não significa, de forma nenhuma, que a maioria dos muçulmanos compartilha destas práticas. Neste sentido é importante não generalizar práticas religiosas a partir das minorias, mas precisamos entender sempre o contexto macro de cada pesquisa que fizermos em nossa carreira acadêmica.

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TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

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4 RELAÇÕES

No Islã não existe distinção entre política e religião. Todas as obrigações éticas, morais e sociais estão baseadas no Alcorão. A ética muçulmana preocupa-se com a justiça, na medida em que não existe violência aberta e violência sutil, apenas justiça e injustiça. É permitido defender-se da injustiça e da tirania. É neste ponto que alguns radicais islâmicos encontram legalidade para praticar atos terroristas. Vale lembrar que estas facções extremistas são minorias dentro do mundo islâmico. O termo fundamentalismo, muito utilizado em nossos dias, é um termo perigoso. Esta palavra tem origem no verbete fundamento, no sentido de alicerces de uma casa. Portanto, não é correto afirmar que apenas o islamismo é fundamentalista. Este conceito foi criado no Ocidente Cristão no século XVII como uma forma de resistência ao liberalismo que surgiu na Europa neste período. O fundamentalismo não é exclusividade dos muçulmanos, tendo em vista que pode ser de cunho religioso, político ou ainda ideológico.

Os homens que derrubaram os aviões nas torres gêmeas e no Pentágono em 2001 o fizerem por terem uma grande convicção de que estavam contribuindo na luta do mal contra o bem. Porém, em seu discurso de vingança, George Bush usou um termo semelhante, que era o de acabar com este mal. Em última análise, todos os fundamentalistas são parecidos, sendo que tanto no campo religioso como no campo político, as vidas humanas são desprezadas em nome de uma verdade única, seja ela o sistema capitalista ou uma religião. Estes grupos extremistas são efeitos colaterais do colonialismo europeu, onde o principal efeito era extrair a matéria-prima de que precisavam. Este sistema foi bastante traumático para as sociedades oprimidas pelos ocidentais. Este período fez com que o ódio entre orientais e ocidentais gerasse os fatos a que assistimos confortavelmente em nossos lares todos os dias.

UNI

Sobre o fundamentalismo, sugerimos a leitura do pequeno livro do professor Martin N. Dreher: Para entender o fundamentalismo, da Editora Unisinos. Muito esclarecedor ao explicar como surgiu esta ideia de que o Ocidente representa o mal para o Oriente e o motivo do ódio do mundo muçulmano pelo Ocidente capitalista. Vale a pena ler!

“No campo do diálogo entre as religiões, os muçulmanos aceitam um diálogo com as outras duas religiões monoteístas, no sentido de enfatizarem o culto monoteísta e, segundo eles, compartilharem do mesmo deus”. (SCHERER, 1995, p. 139).

A prática da caridade ou Zakat é uma maneira de diminuir as barreiras sociais. O Islã é uma grande nação espalhada por todo o mundo, cujo ponto de

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UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

união é a fé muçulmana. Todos devem se envolver na missão de diminuir as diferenças através da partilha e do pagamento da Zakat. Maomé enfatizou a necessidade de auxiliar os pobres.

O crescimento do islamismo no mundo tem alcançado índices expressivos em todos os continentes. No Brasil este crescimento também é bastante importante e pode ser visto no infográfico a seguir.

FIGURA 24 – INFOGRÁFICO REGISTRA CRESCIMENTO DO ISLAMISMO NO BRASIL E NO MUNDO

FONTE: Disponível em: <http://istoe.com.br/349181_OS+CAMINHOS+DO+ISLA+NO+BRASIL/>. Acesso em: 26 jul. 2016.

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TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

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LEITURA COMPLEMENTAR

Islã cresce na periferia das cidades do BrasilJovens negros tornam-se ativistas islâmicos como resposta à desigualdade racial.

O que pensam e o que querem os muçulmanos do gueto

Eliane Brum

O Islã na LajeCarlos Soares Correia virou Honerê Al-Amin Oadq. Ele é um dos principais divulgadores muçulmanos do ABC paulista. Na foto, na periferia de São Bernardo do Campo, onde vive, reza e faz política.

Cinco vezes ao dia, os olhos ultrapassam o concreto de ruas irregulares, carentes de esgoto e de cidadania, e buscam Meca, no outro lado do mundo. É longe e, para a maioria dos brasileiros, exótico. Para homens como Honerê, Malik e Sharif, é o mais perto que conseguiram chegar de si mesmos. Eles já foram Carlos, Paulo e Ridson. Converteram-se ao Islã e forjaram uma nova identidade. São pobres, são negros e, agora, são muçulmanos. Quando buscam o coração islâmico do mundo com a mente, acreditam que o Alcorão é a resposta para o que definem como um projeto de extermínio da juventude afro-brasileira: nas mãos da polícia, na guerra do tráfico, na falta de acesso à educação e à saúde. Homens como eles têm divulgado o Islã nas periferias do país, especialmente em São Paulo, como instrumento de transformação política. E preparam-se para levar a mensagem do profeta Maomé aos presos nas cadeias. Ao cravar a bandeira do Islã no alto da laje, vislumbram um estado muçulmano no horizonte do Brasil. E, ao explicar sua escolha, repetem uma frase com o queixo contraído e o orgulho no olhar: “Um muçulmano só baixa a cabeça para Alá – e para mais ninguém”.

Honerê, da periferia de São Bernardo do Campo, converteu Malik, da periferia de Francisco Morato, que converteu Sharif, da periferia de Taboão, que vem convertendo outros tantos. É assim que o Islã cresce no anel periférico da Grande São Paulo. Os novos muçulmanos não são numerosos, mas sua presença é forte e cada vez mais constante. Nos eventos culturais ou políticos dos guetos, há sempre algumas takiahs cobrindo a cabeça de filhos do Islã cheios de atitude. Há brancos, mas a maioria é negra. “O Islã não cresce de baciada, mas com qualidade e com pessoas que sabem o que estão fazendo”, diz o rapper Honerê Al-Amin Oadq, na carteira de identidade Carlos Soares Correia, de 31 anos. “Em cada quebrada, alguém me aborda: ‘Já ouvi falar de você e quero conhecer o Islã’. É nossa postura que divulga a religião. O Islã cresce pela consciência e pelo exemplo”.

Em São Paulo, estima-se em centenas o número de brasileiros convertidos nas periferias nos últimos anos. No país, chegariam aos milhares. O número total de muçulmanos no Brasil é confuso. Pelo Censo de 2000, haveria pouco mais de 27 mil adeptos. Pelas entidades islâmicas, o número varia entre 700 mil e 3 milhões. A diferença é um abismo que torna a presença do Islã no Brasil uma

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incógnita. A verdade é que, até esta década, não havia interesse em estender uma lupa sobre uma religião que despertava mais atenção em novelas como O clone que no noticiário.

O muçulmano Feres Fares, divulgador fervoroso do islamismo, tem viajado pelo Brasil para fazer um levantamento das mesquitas e mussalas (espécie de capela). Ele apresenta dados impressionantes. Nos últimos oito anos, o número de locais de oração teria quase quadruplicado no país: de 32, em 2000, para 127, em 2008. Surgiram mesquitas até mesmo em Estados do Norte, como Amapá, Amazonas e Roraima.

Autor do livro Os muçulmanos no Brasil, o xeque iraquiano Ishan Mohammad Ali Kalandar afirma que, depois do 11 de setembro, aumentou muito o número de conversões. “Os brasileiros tomaram conhecimento da religião”, diz. “E o Islã sempre foi acolhido primeiro pelos mais pobres”.

Na interpretação de Ali Hussein El Zoghbi, diretor da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil e conselheiro da União Nacional das Entidades Islâmicas, três fatores são fundamentais para entender o fenômeno: o cruzamento de ícones do islamismo com personalidades importantes da história do movimento negro, o acesso a informações instantâneas garantido pela internet e a melhoria na estrutura das entidades brasileiras. “Os filhos dos árabes que chegaram ao Brasil no pós-guerra reuniram mais condições e conhecimento. Isso permitiu nos últimos anos o aumento do proselitismo e uma aproximação maior com a cultura brasileira”, afirma.

Eles trazem ao Islã a atitude hip-hop e a formação política do movimento negro.

A presença do Islã na mídia desde a derrubada das torres gêmeas, reforçada pela invasão americana do Afeganistão e do Iraque, teria causado um duplo efeito. Por um lado, fortalecer a identidade muçulmana de descendentes de árabes afastados da religião, ao se sentir perseguidos e difamados. Por outro, atrair brasileiros sem ligações com o islamismo, mas com forte sentimento de marginalidade. Esse último fenômeno despertou a atenção da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, que citou no Relatório de Liberdade Religiosa de 2008: “As conversões ao islamismo aumentaram recentemente entre os cidadãos não árabes”.

Os jovens convertidos trazem ao Islã a atitude do hip-hop e uma formação política forjada no movimento negro. Ao prostrar-se diante de Alá, acreditam voltar para casa depois de um longo exílio, pois as raízes do Islã negro estão fincadas no Brasil escravocrata. E para aflorar no Brasil contemporâneo, percorreram um caminho intrincado. O novo Islã negro foi influenciado pela luta dos direitos civis dos afro-americanos, nos anos 60 e, curiosamente, por Hollywood. Cruzou então com o hip-hop do metrô São Bento, em São Paulo, nos anos 80 e 90. E ganhou impulso no 11 de setembro de 2001.

FONTE: Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI25342-15228,00-ISLA+CRESCE+NA+PERIFERIA+DAS+CIDADES+DO+BRASIL.html>. Acesso em: 8 dez. 2009.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• O islamismo surgiu no século VII com um homem chamado Maomé.

• As bases do islamismo estão na aceitação do profeta Maomé como o porta-voz de Deus e na crença em um único Deus: Alá.

• Dentro do islamismo existem dois grupos principais: os xiitas e os sunitas e outros grupos secundários, como os drusos e sufis, de caráter mais místico.

• A prática do islamismo está pautada em cinco pilares fundamentais: a oração, o testemunho, a Zakat, o jejum no Ramadam e a peregrinação até Meca.

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AUTOATIVIDADE

Responda às seguintes questões:

1 Por que a cidade de Meca era fundamental para Maomé e para o islamismo?

2 Qual é a diferença entre sunitas e xiitas?

3 Cite os cinco pilares do Islã e fale um pouco de cada um deles.

4 Qual é a origem do termo fundamentalismo?

5 O islamismo aceita dialogar com outras religiões? Quais?

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UNIDADE 2

RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• entender como surgiram as religiões orientais de origem indiana e asiáti-ca, como o hinduísmo e o budismo;

• conhecer algumas religiões influentes no Extremo Oriente, como confucio-nismo, taoísmo e xintoísmo;

• entender que as diferenças entre estas religiões são muitas vezes oriundas de interpretações diferentes dos ensinamentos de seus fundadores;

• estabelecer o respeito tão necessário para o diálogo intra-religioso;

• perceber que em um contexto de crise, novos movimentos religiosos sur-gem como uma resposta a esta crise social, econômica, filosófica.

Esta Unidade está dividida em três tópicos e em cada um deles, você encon-trará atividades que o ajudarão a aplicar os conhecimentos apresentados nos tópicos.

TÓPICO 1 – O HINDUÍSMO

TÓPICO 2 – O BUDISMO

TÓPICO 3 – AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

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TÓPICO 1

HINDUÍSMO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Você conhecerá agora um mundo totalmente novo em conceitos, visão de mundo e modo de expressar a religiosidade. Bem-vindo ao mundo do hinduísmo!

Para mantermos a didática da disciplina, adotaremos, nesta unidade, os mesmos tópicos que utilizamos na unidade anterior. Desta forma, você poderá comparar com maior facilidade cada uma das religiões e como elas estão relacionadas.

O hinduísmo tem uma estrutura diferente de tudo aquilo que já vimos em nossa jornada religiosa. Das cinco grandes religiões que estudaremos em profundidade, é a única que não possui um fundador instituído, bem como um sistema religioso centralizado. Não existe uma liderança única, nem sequer um sistema de adoração único. Com cerca de três milhões de deuses, e cerca de três mil castas cada qual com suas regras e rituais, o hinduísmo é uma religião muito complexa de ser analisada de maneira profunda, por possuir muitos pormenores e muitas variações. Responder a perguntas como por que muitos hindus preferem morrer de fome a comer carne de vaca, por que se banham nas águas turvas e sujas do rio Ganges, buscando purificação, e como funciona o sistema de castas, será o nosso desafio neste tópico.

Mais uma vez, gostaria de salientar que não usaremos nossas opiniões pessoais nas explanações. Apenas buscamos informações de praticantes destas religiões, pessoas que realmente acreditam que sua religião é verdadeira e que a seguem com fé, independentemente de qual seja. Muitas vezes limitamos nossa visão e entendimento no sentido de atribuirmos o conceito de fé apenas ao nosso reduto religioso, quando, na verdade, a definição de fé abrange até aqueles que dizem não a possuir.

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UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

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UNI

Até mesmo os ateus precisam de fé para NÃO acreditar em algo sagrado. Até mesmo a teoria do Big Bang, no sentido prático, é uma questão de fé, na medida em que é impossível comprovar que o universo surgiu de uma explosão cósmica. Podemos resgatar a etimologia de fé do grego “pistia” e do latim “Fides”, resultando na firme convicção de que algo seja verdade, sem prova de que este algo seja verdade, pela absoluta confiança que depositamos nele.

2 HISTÓRIA

A principal característica do hinduísmo é sua diversidade extrema. Seu número sem fim de deuses nos mostra um grande triunfo do hinduísmo: ter permanecido como uma única religião mesmo com tantos elementos distintos. Essa é, na verdade, uma característica do politeísmo.

Não conhecemos seu fundador, portanto, o mais correto é dizermos que o hinduísmo surgiu de uma mescla de outras religiões que surgiram da migração de povos indo-europeus para o Norte da Índia há cerca de três mil anos. O nome hinduísmo significa apenas indiano, portanto, é uma religião que surgiu e permanece restrita a este país e por onde seu povo migrou ao redor do mundo. Uma grande peculiaridade desta religião é que, diferente do cristianismo, judaísmo e islamismo, o hinduísmo primitivo, ou seja, sua gênese, não sofreu muitas alterações ao longo de sua história.

Uma data para o estabelecimento de um início é uma tarefa complexa. Estudiosos têm atribuído uma data entre 1500 a.C. e 200 a.C. Este início deve estar associado à ocupação dos povos de origem ariana no Vale do Rio Indo.

UNI

Você sabe quem foram os povos arianos? Achamos importante que você entenda isso antes de continuarmos. Estes povos têm sua origem no Mediterrâneo Oriental e acredita-se que seus vestígios mais antigos datam de 8000 a.C. Eles migraram por toda a Ásia, Índia e Europa. A miscigenação com os povos nativos deu origem aos gregos, romanos, celtas e indianos, entre outros.É interessante notar que o termo ariano foi utilizado por Hitler e pelos intelectuais do nazismo para estabelecer uma prática de genocídio, buscando mostrar que a “raça ariana”, ou seja, os alemães, eram racialmente superiores que os judeus, ciganos etc. Isso é um tremendo contraponto, na medida em que os arianos são, em sua origem, um povo proveniente da mistura de vários povos.

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TÓPICO 1 | HINDUÍSMO

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Didaticamente, é possível dividir o hinduísmo em três fases principais: Hinduísmo Védico, Brahmânico e Híbrido. Na primeira fase, o que podemos chamar de hinduísmo primitivo, o que predominava eram os cultos a deuses tribais. O principal deles era o chamado Dyaus, que significa Deus do Céu. É a partir deste deus que todos os outros passam a existir. Ele é o grande responsável pela agricultura, pelas chuvas e pela fecundidade. Neste período já se tem uma distinção entre deuses maiores e menores, porém restritos a elementos da natureza, como pedras, árvores, montanhas, raios, tempestades etc.

A segunda fase, conhecida com o fim dos Vedas, a partir da introdução do deus Brahma, é a mais longa e duradoura da história do hinduísmo. Com o estabelecimento dos arianos e sua influência contínua, o panteão hindu se divide de um só deus para uma tríade: Brahma, Vishnu e Shiva. Eles representam, respectivamente, a força criadora, a força preservadora e a força destruidora. Os demais deuses existem com a permissão destes três. O sistema religioso se torna mais elaborado e é deste período o estabelecimento das castas indianas. Os sacerdotes ou “brâmanes” são estabelecidos e os templos começam a ser edificados em honra aos mais diversos deuses. A ideia de reencarnação é desta fase do hinduísmo.

A terceira e atual fase do hinduísmo moderno é o chamado Hinduísmo Híbrido, oriundo da influência do islamismo e cristianismo, principalmente. No século XII, a Índia foi invadida por muçulmanos e muitos hindus eram forçados à conversão. O ápice deste conflito entre hindus e muçulmanos foi a criação do Estado do Paquistão, que foi separado da Índia de modo a separar os dois grupos. Já no século XVIII, o cristianismo entra na história da Índia com a chegada de missionários cristãos, em especial católicos, que influenciaram a sociedade e também a religião. Através das ideias de fraternidade, solidariedade e igualdade de todos perante Deus, o sistema de castas passa a ser obsoleto e, em 1947, é abandonado pelo governo indiano. Isso não quer dizer que um sistema social milenar acabe de uma hora para outra, mas é um grande passo para a inclusão social e uma tentativa de diminuir a miséria que reina na Índia. É nesta fase que surgem movimentos de não violência, como o liderado por Mahatma Gandhi no século XX.

FIGURA 25 – PRINCIPAIS DEUSES DO HINDUÍSMO

shiva brahma rama ganesa

vishnukaliindrahanuman

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sita

agni durga kartkeya kama

krishna lakshmi parvati

FONTE: Disponível em: <http://joaobosco.wordpress.com/2008/04/12/outros-deuses-do-hinduismo-o-om-sagrado/>. Acesso em: 15 out. 2009.

3 DOUTRINA

Um conceito-chave para o hinduísmo é aquele que atribui a imortalidade à alma do homem. Segundo os preceitos religiosos, após a morte, o hinduísta pode renascer em uma casta mais alta ou mais baixa, num animal ou até mesmo em um inseto. O que move este ciclo de renascimentos e o que determina qual será a próxima jornada da alma de um homem é o “Karma” desta pessoa. A partir disso, é possível entender por que os hinduístas são vegetarianos, o animal é uma alma em busca de elevação espiritual e matá-lo representa a interrupção desta evolução, fazendo com que ela retorne mais uma vez no mesmo estágio anterior ou até mesmo num estágio inferior.

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O que significa “Karma”? O Karma tem origem no sânscrito e quer dizer ato. Este ato pode ser físico em pensamento e atitudes. O interessante é que esta ideia cíclica da alma rumo a algo maior não é exclusividade do hinduísmo, o elemento inovador neste sistema religioso é o fato de que a vida atual do indivíduo não é vista como uma punição ou como uma espécie de prêmio pelo Karma da vida anterior, mas sim como uma espécie de lei natural, imutável. Para o hinduísta, o que interessa são os atos desta vida. São eles que determinam o que ocorrerá com sua alma na próxima jornada.

Através da doutrina do Karma é possível sustentar um sistema social muito desigual como o de castas. Na medida em que um homem nasce miserável, isso é um efeito natural de como ele (ao ler ele, entenda sua alma) agiu e se desenvolveu na vida anterior. Não há nada a fazer, somente buscar a elevação espiritual individual para que sua sorte seja melhor na próxima vida. A Lei natural

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de causa e efeito se aplica aqui da mesma forma que se aplica ao cristianismo e ao judaísmo. A diferença é que enquanto para o hinduísmo o final desta história pode ser praticamente eterno, para os outros dois exemplos não existe a opção de uma segunda chance em outra encarnação.

Como dissemos no início, o hinduísmo não possui uma doutrina religiosa estável e aceita por todos os seus membros. A única questão a ser respondida por ele é como é possível romper o ciclo de reencarnações? Explicamos os períodos históricos do hinduísmo, em cada um deles a visão de como proceder também é diferente. O importante é entender que não existe um sistema rígido que obrigue ninguém a fazer nada. O caminho que cada um escolhe para se libertar da reencarnação é pessoal. Existem apenas algumas orientações gerais que podem ajudar, o chamado caminho das três vias. Este caminho pode servir de inspiração para o hinduísta.

A primeira via deste caminho hinduísta é o do sacrifício. No período védico, o sacrifício era de fundamental importância para manter o sistema universal. Através dos sacrifícios era possível manter a fertilidade, as chuvas, a colheita, todo o sistema social. Como o hinduísmo evoluiu, o significado do sacrifício é outro na religião contemporânea. Os sacrifícios são realizados hoje através de boas ações e abnegações pessoais, com o intuito de obter a felicidade, saúde e prosperidade. Em última instância, o sacrifício tem o objetivo de interromper o ciclo de reencarnações da alma.

A segunda via deste caminho é a via do conhecimento. Para os hinduístas,

a ignorância é o principal elemento para prender uma alma a esta existência. Neste sentido, se o indivíduo consegue entender a verdade sobre sua existência, ele pode romper com este ciclo. É importante sabermos, então, qual é esta verdade suprema que, para os hindus, é fundamental para acabar com o sofrimento da vida terrena.

É preciso saber que a palavra “atmã”, em sânscrito, é equivalente à alma humana. A principal verdade que o hindu precisa aprender é que seu atmã e o princípio espiritual do universo, representado pelo deus Brahma, não são elementos distintos, mas um único espírito. Neste sentido, Brahma é um princípio universal, uma divindade impessoal. A alma humana é um reflexo de Brahma. Poderíamos comparar esta questão ao reflexo da Lua em diversos lagos ao redor do mundo ao mesmo tempo. Nenhum reflexo é a Lua de verdade, mas reflete sua luz. O ciclo de reencarnações termina quando o homem entende completamente sua unidade com Brahma, voltando, assim, a fazer parte do deus supremo.

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É deste elemento da doutrina hindu que foi extraída a famosa frase a respeito do hinduísmo de que tudo é deus e, portanto, todos os caminhos levam a ele.

O terceiro caminho para a salvação é a via da devoção, que é a proposta mais recente para o hinduísmo. É a mais aceita e a mais seguida na Índia moderna e é representado pelo seu livro sagrado: o Bhagavad Gitta, um poema catequético que aponta para um caminho mais fácil para a salvação. Este livro sagrado mostra que o hindu pode se aproximar dos deuses de maneira desinteressada, ou seja, sem buscar ganhos ou bênçãos e, com isso, através da misericórdia divina é que o indivíduo é salvo. Isso não acaba com as outras duas vias, apenas mostra que se tanto o conhecimento como o sacrifício forem feitos buscando algo em troca, não existe benefício para a alma do indivíduo.

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Esta via para a salvação do hindu mostra uma relação mais próxima com o deus ao qual ele adora. É importante lembrar que existem duas percepções sobre a divindade hindu. No sentido filosófico, o hinduísmo é panteísta, ou seja, o deus é uma força imaterial que permeia tudo e todos. No sentido prático, é politeísta, ou seja, existe um panteão de deuses que supera a casa dos 30 milhões de deuses.

Existe uma hierarquia bastante presente no contexto divino hindu. Os principais deuses são Brahma, que é o criador do mundo; Vishnu, que é aquele que sustenta e protege as leis naturais, e Shiva, que é o destruidor e que de tempos em tempos dança sobre o mundo até que dele restem apenas pedaços. Quando isso acontece, Brahma recria o universo novamente.

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Esta doutrina trinitária no hinduísmo tem sua relevância no âmbito acadêmico, porém com pouco respaldo popular.

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Existem muitas deusas no panteão hindu, bem como uma infinidade de deuses menores que são os mais queridos pela população. Os grandes deuses se preocupam com o universo, com a manutenção da natureza, enquanto que os deuses menores podem ajudar os seres humanos em seus problemas cotidianos. Esses deuses podem ser de origem humana, tais como guerreiros, esposas fiéis, entre outra infinidade de casos. Guardadas as devidas proporções, nesta relação entre os grandes deuses e os deuses menores, pode ser feita uma analogia entre a relação que o catolicismo romano faz entre Deus e os santos, por exemplo.

Em nossa atualidade, alguns estudiosos do tema estão atribuindo uma espécie de neo-hinduísmo para a chegada desta religião para o Ocidente. Esta manifestação religiosa é entendida como uma reinterpretação dos princípios e tradições hindus, que desde o início do século XX esteve voltada a enaltecer a cultura indiana, diante da cultura globalizada ocidental. Isto só foi possível devido a uma mudança significativa no discurso hindu. Esta mudança apresenta dois pontos principais: O ensino sobre as castas deixou de ser o elemento central do hinduísmo, além da nova disposição em levar as práticas hindus para pessoas que não tivessem origem étnica no sul da Ásia. Este trânsito cultural apresenta um caminho em ambos os sentidos: ao mesmo tempo em que a Índia inicia o processo de abertura cultural para o Ocidente, o Ocidente inicia um processo de absorver elementos da cultura oriental. Este neo-hinduísmo apresenta-se como uma resposta indiana ao imperialismo europeu do século XIX, além da recepção de filosofias e religiões de cunho esotérico nos grandes centros ocidentais.

No Brasil existem algumas iniciativas de prática hindu em solo nacional, mas ainda são poucas e descentralizadas. O que existe são iniciativas de adeptos que vão buscar conhecimento na Índia e começam a ensinar para outras pessoas as práticas.

DICAS

Em um levantamento pela internet, encontramos locais que ensinam o hinduísmo em todas as capitais no Sul e Sudeste do Brasil. Centros que giram em torno da figura do líder que, de maneira geral, recebeu treinamento na Índia e reproduz este conhecimento ensinando aos interessados.

4 RELAÇÕES

A palavra que mais se aproximaria no sânscrito de ética é a palavra dharma. A multiforme consistência do hinduísmo gerou, ao longo dos séculos, um sentimento de tolerância religiosa bastante distinta dos povos monoteístas estudados na unidade anterior. Para o hindu, cada ser humano deve buscar e encontrar o caminho para se achegar até Deus, podendo inclusive buscá-lo por outras religiões.

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Esta aparente harmonia representada na tolerância esconde um sistema social onde a justiça social não é possível, tendo em vista que esta vida é resultado do Karma de cada indivíduo. No sistema de castas é necessário que cada um passe pelas dificuldades impostas pelos deuses para que aprenda a elevar seu Karma. Ajudar ao próximo, neste sentido, é impedir que sua alma alcance a libertação do ciclo de reencarnações imposta pelo hinduísmo. O governo secular tenta implantar o conceito de justiça social abolindo oficialmente o sistema de castas, porém um sistema social que existe há quase dois mil anos está profundamente arraigado ao próprio conceito de hinduísmo e do cerne da própria nação indiana. O resultado desta ausência de ajuda ao próximo causa uma desigualdade social muito grande em todos os níveis da sociedade indiana. O sistema de castas proporciona também a ausência de contestação do status quo, com uma população passiva às desigualdades e cobrança política dos direitos sociais.

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Você deve ter percebido a ausência de figuras neste tópico. Isso foi proposital, pois existe uma infinidade de deuses e uma infinidade de maneiras de se retratar cada um deles. Por isso deixamos para que você, acadêmico, possa pesquisar a respeito das divindades indianas, e é sobre isso que trata sua autoatividade referente ao hinduísmo.

Não poderia encerrar este tópico de estudo sem falar de um personagem bastante notório em filmes, em especial os americanos, que mostram em parte a presença da cultura indiana na América. Um grupo denominado SIKHs que pode ser confundido com os hindus pela vestimenta e aparência, além desta religião ter nascido na Índia.

FIGURA 26 – SIKHS

FONTE: Disponível em: <http://sikhismo.blogspot.com.br/2011/11/musica-sikh.html>. Acesso em: 26 jun. 2016.

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Muitos atribuem ao sikhismo uma junção sincrética entre o hinduísmo e o islamismo de corrente Sufi, que estudamos na Unidade 1, esta divisão do islamismo tradicional. Mas é bastante complicado reduzirmos qualquer expressão religiosa a apenas uma junção sincrética. Por isso vamos conversar rapidamente sobre os adeptos do sikhismo.

O fundador do sikhismo é o guru Nanak, no século XV, na região onde hoje está Punjabe, entre o Paquistão e a Índia. Sua jornada está descrita em uma série de relatos lendários, míticos, denominados Janamsakhi, textos escritos meio século após sua morte.

Toda biografia de líderes religiosos deve ser observada com cuidado, pois seus biógrafos avaliam a vida deste líder depois de se tornar alguém sagrado. É preciso separar o componente histórico do componente fantástico da narrativa hagiográfica. Existe um elemento histórico, pois, como em nosso exemplo, guru Nanak existiu de fato, e outro elemento, de cunho mítico, para legitimar o discurso que se construiu após sua morte de que ele possuía uma vida singular com relação a seus pares. Segundo estes relatos, Nanak teria feito quatro viagens chamadas de UDASIS, em locais como Tibete, Ceilão, Bagdá e Meca, mantendo contato tanto com hindus como com muçulmanos, tendo feito discípulos destes dois grupos. A estes discípulos deu o nome de SIKHS.

Para ele, a religião seria um veículo para agregar as pessoas, mas na prática

acabava separando e gerando contendas, especialmente entre muçulmanos e hindus. Neste sentido, a intenção de guru Nanak era fomentar a fraternidade e a igualdade entre os seres humanos. Uma de suas frases mais famosas é aquela que diz: “Não há hindus, não há muçulmanos”.

Ao invés de considerarmos o sikhismo como uma ramificação do

hinduísmo védico e do islamismo sufi, é melhor observar este grupo como algo único, oriundo de um contexto de conflitos entre estes dois grupos religiosos. Os próprios líderes Sikhs entendem terem recebido uma revelação direta oriunda de um ser supremo que chamam de SAT NAN (Nome Verdadeiro).

FIGURA 27 – REPRESENTAÇÃO DE GURU NANAK

FONTE: Disponível em: <https://www.vahrehvah.com/indianfood/guru-nanak-jayanti/>. Acesso em: 1 ago. 2016.

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Para criar um discurso conciliatório entre duas religiões antagônicas, é necessário abrir mão da ritualística individual de cada uma delas e criar um novo corpo de dogmas que atendam a este novo grupo de fiéis. Este é o desafio de todo discurso religioso: criar dogmas e práticas que o difiram dos demais grupos participantes da mesma realidade cultural.

Atualmente, os adeptos do sikhismo são estimados em cerca de 23 milhões de fiéis, o que os colocam na quinta posição entre os adeptos de religiões no mundo. Deste total, cerca de 19 milhões vivem na Índia, com uma concentração mais expressiva no Estado de Punjab, próximo à fronteira com o Paquistão.

FIGURA 28 – MAPA DA FRONTEIRA PAQUISTÃO-ÍNDIA COM DESTAQUE PARA PUNJAB

FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Panjabe>. Acesso em: 1 ago. 2016.

A tensão política entre estes dois países é concentrada nesta região de fronteira, o que gera muitos embates entre os diferentes grupos religiosos, sendo uma região geograficamente instável. O ideal de paz e harmonia somado à diáspora de indianos fugindo dos conflitos locais levou o sikhismo a outras partes do mundo. Existem comunidades significativas sikhs na Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, também com presença na Malásia e Singapura.

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LEITURA COMPLEMENTAR

Quem são os semideuses?

Por Raja-vidya Dasa

As escrituras védicas representam uma concepção consistentemente pessoal do mundo. Em outras palavras, elas assumem que todos os eventos dentro do cosmos, todos os fenômenos naturais, todas as obras dos elementos e dos planetas, bem como todas as atividades dos seres humanos, estão sendo causadas ou supervisionadas por seres super-humanos inteligentes específicos.

Em sânscrito, esses seres são chamados “devas”, e a tradução mais apropriada para o português desse termo seria “semideuses”. O dever dos semideuses é encarregar-se de uma porção da administração do universo e assegurar que tudo dentro da manifestação cósmica funcione perfeitamente. Eles são os responsáveis por manter a lei e a ordem dentro do universo. Outro de seus deveres é organizar as reações cármicas individuais e coletivas dos humanos, isto é, sua felicidade e sofrimento de acordo com suas próprias ações anteriores. (A ciência astrológica estuda essas reações como elas são representadas pelas constelações planetárias no momento do nascimento.)

A esse respeito, a visão de mundo védica corresponde à das culturas avançadas dos antigos egípcios, gregos, ou romanos, bem como às das religiões naturais dos índios de pele vermelha, os africanos ou os aborígines australianos. A maioria das tradições pré-cristãs aceita o conceito de assistentes administrativos do Senhor gerenciando os assuntos do universo.

Alguns exemplos de diferentes semideuses famosos são os seguintes. O senhor Brahma é o criador do universo e o primeiro ser criado; o senhor Shiva é o destruidor do universo; Rei Indra é o rei dos planetas celestiais e o controlador do clima; Vayu é o semideus encarregado do ar e dos ventos; Candra é o controlador da Lua e da vegetação; Agni é o deus do fogo; Varuna é o senhor dos oceanos e mares; Yamaraja é o deus da morte; e por aí vai. Há milhares de semideuses que estão controlando todas as diferentes atividades dos corpos das entidades vivas e o funcionamento dos elementos.

Há apenas um deus

Mas ainda, e aqui está a diferença crucial, ninguém pode sustentar que as escrituras védicas contêm uma concepção politeísta ou panteísta no sentido usual desses termos. No fim das contas, as escrituras védicas representam uma concepção de Deus puramente monoteísta. Elas claramente estabelecem que acima de todas as diferentes variedades de semideuses, há apenas um Deus supremo que é o criador e mantenedor não apenas dos humanos, mas também dos semideuses e do cosmos inteiro.

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Este único, supremo Deus, é, certamente, descrito e adorado não apenas pela religião védica ou hindu, mas por todos os sistemas religiosos autenticamente monoteístas do mundo. Em sânscrito, Ele tem ilimitados nomes que descrevem suas incontáveis qualidades e passatempos. Os nomes sânscritos mais populares de Deus são Krishna, Rama, Hari, Narayana ou Vishnu. Todos eles referem-se à mesma suprema personalidade.

É importante entender que Deus não é hindu ou cristão, ou muçulmano ou judeu. Deus não é limitado e não está preso a nenhuma tradição religiosa. Deus é Deus, e os variados sistemas de crença são diferentes formas de entrar em contato com esse Deus único. Elas podem diferir em sua abordagem e em sua compreensão da realidade; elas podem também diferir em seus métodos práticos, rituais, regras e regulações, mas na verdade elas pretendem conectar o homem com Deus, e esse Deus é um para todos os sistemas religiosos genuínos. Em sânscrito, esse único Deus é chamado Krishna ou Vishnu.

É um fato que, em diferentes tradições religiosas, Deus é chamado por diferentes nomes (como Yahweh, Allah, Jehovah, Adonai etc.), e Ele é compreendido e adorado em muitos aspectos diferentes. Mas isso não significa que Ele é inconsistente ou que os vários sistemas de crença contradizem ou excluem uns aos outros. Na verdade, esses fatos não são nada exceto evidência da diversidade e grandiosidade ilimitada de Deus.

A Trimurti: Brahma, Vishnu e Shiva

Quando falamos sobre a religião védica e seu conceito de Deus, nós, às vezes, ouvimos a expressão “trimurti”. Literalmente, o termo “trimurti” significa “possuindo três formas”, e refere-se às três principais personalidades dentro da manifestação cósmica: Brahma, Vishnu e Shiva.

Desses três, Brahma é responsável pela criação do mundo, Vishnu por sua manutenção, e Shiva por sua destruição no final de cada ciclo cósmico. É importante, no entanto, notar que dentre esses três, Brahma e Shiva são considerados os principais semideuses, ao passo que Vishnu é considerado como o próprio Deus.

As partes esotéricas das escrituras védicas claramente explicam que a Suprema Personalidade de Deus, que reside em sua própria morada no mundo espiritual, muito além desta criação material, é chamado Krishna. A forma de Krishna tem dois braços, e para o propósito de criar o mundo material, Ele se expande na forma de Vishnu, com quatro braços. Esta forma de Deus como Vishnu é responsável pela manutenção da ordem cósmica, e é sob sua supervisão que as outras duas principais deidades, Brahma e Shiva, realizam suas respectivas obrigações.

O senhor é descrito como tendo quatro cabeças, e ele é a primeira entidade viva criada dentro de cada ciclo universal. Ele é diretamente nascido do senhor Vishnu. Sua responsabilidade é criar os vários planetas do universo inteiro, bem

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como todas as formas de vida específicas nesses planetas. Para esse propósito, ele antes de tudo cria os principais semideuses que, por sua vez, criam mais uma prole para popular o universo. Brahma é assim considerado o pai e criador de todas as criaturas vivas e o chefe de todos os semideuses.

O senhor Shiva é, além do senhor Vishnu, provavelmente a deidade mais popular no hinduísmo. Ele aparece como um filho direto do senhor Brahma, e ele tem uma variedade de funções e obrigações, e então também uma variedade de nomes. Por exemplo, ele é chamado: Nataraja, “o senhor da dança” (porque, no momento da devastação universal, ele executa sua dança cósmica para destruir os planetas); Rudra, “o furioso”, ou Bhutanatha, “o senhor dos fantasmas e espíritos”. Na Índia, ele é frequentemente adorado em sua forma como Shiva-linga, o símbolo combinado do agente gerador de Shiva, o pai da natureza material, e sua esposa, Parvati, a mãe.

Como com todas as deidades, Brahma, Vishnu e Shiva têm, cada um, sua própria consorte feminina, em sânscrito chamada “shakti”, ou “energia”. Eles também têm seu próprio veículo pessoal ou animal de tração (chamado “vahana”), assim como algumas características ou símbolos específicos.

Deidade Consorte (shakti) Veículo (vahana)

Vishnu (mantenedor do universo)

Lakshmi (deusa da fortuna) Garuda (águia)

Brahma (criador do universo)

Saraswati (deusa da sabedoria, do aprendizado e da música)

Hamsa (cisne)

Shiva (destruidor do universo)

Parvati, também chamada Durga ou Kali (personificação do mundo material)

Nandi (touro)

Na Índia atual, além de Vishnu e Shiva, são adoradas como as principais deidades principalmente Lakshmi e Durga, bem como o filho de Shiva e Parvati chamado Ganesha (um auspicioso semideus com a cabeça de um elefante).

Demais semideuses

Como mencionado previamente, as escrituras védicas descrevem não apenas as três deidades da "trimurti" e suas respectivas consortes e veículos pessoais, mas também um grande número de várias outras personalidades que são responsáveis pela administração universal. Eles são chamados semideuses, e vivem em sistemas planetários acima da Terra (os chamados "planetas celestiais"). Todos eles se consideram servos de Vishnu que, em Seu nome, executam tarefas gerenciais pelo bem-estar dos seres vivos do universo.

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Nas escrituras védicas nós encontramos a informação de que há 33 semideuses principais e milhões de semideuses e subssemideuses subordinados, ambos masculinos e femininos. Nós podemos analisar esse panteão védico nas seguintes categorias:

• Senhores dos elementos (p. ex. Varuna, o senhor dos mares e das águas; Agni, o deus do fogo; Vayu, o senhor dos ventos e do ar).

• Senhores dos planetas (p. ex. Bhumi, a deusa da Terra; Surya, o deus Sol; Candra, o deus da Lua; Brihaspati, o senhor de Júpiter, que também é o mestre espiritual dos semideuses; Shukra, o senhor de Vênus).

• Sábios entre os semideuses (p. ex. Narada, os Kumaras, os Maruts, os Sapta-rishis; Vyasadeva, o compilador dos Vedas).

• Semideuses com funções específicas nos planetas celestiais (p. ex. Indra, o rei dos semideuses, que também é responsável pelas nuvens e pelo clima na Terra; Kuvera, o tesoureiro dos semideuses; os Ashvini-kumaras, os deuses dos tratamentos médicos; Vishvakarma, o arquiteto dos semideuses).

• Semideuses com funções específicas no relacionamento com os seres humanos (p. ex. Yamaraja, o deus da morte e da justiça; Skanda ou Karttikeya, o deus da guerra; Kama, o deus da luxúria).

• Semideuses subordinados (como anjos, centauros etc.).

• Deuses e deusas de montanhas e rios e outros fenômenos naturais.

A maioria desses semideuses tem sua respectiva consorte a seu lado e seu próprio veículo pessoal. Nós não podemos nomear a todos, já que isso iria muito além do escopo deste ensaio.

Uma palavra final no relacionamento entre semideuses e os seres humanos: os semideuses são nutridos pelas oferendas derramadas no fogo de sacrifício pelos humanos e, então, quando eles estão satisfeitos, eles irão retribuir concedendo todas as coisas desejadas ou necessitadas para a sociedade humana. Dessa maneira, os humanos são completamente dependentes dos semideuses com relação a sua saúde, bem-estar, prosperidade e paz.

Claro, todas essas bênçãos também podem ser obtidas diretamente por aproximar-se do "Deus dos deuses", a Suprema Personalidade de Deus. Se alguém se empenha na adoração de Deus, os semideuses, que são eles mesmos totalmente dependentes de Deus, ficam automaticamente satisfeitos e bem-dispostos com relação à humanidade. No Bhagavad-gita, Krishna explica que aqueles que adoram os semideuses recebem frutos que são temporários e limitados. As pessoas na verdade deveriam buscar adorar a Suprema fonte de todos os semideuses, Krishna, mas por serem influenciados por desejos luxuriosos por ganhos materiais, eles adoram os semideuses sem verdadeiro conhecimento.

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Portanto, os humanos são geralmente aconselhados por todas as tradições religiosas a respeitar essas personalidades poderosas, os semideuses, e a satisfazê-los engajando-se no serviço à suprema personalidade de Deus, Vishnu ou Krishna. Se alguém satisfaz Krishna, a raiz de toda a criação, então todos os semideuses são também automaticamente satisfeitos e fornecem generosamente todas as coisas necessárias à humanidade. Quando a raiz de uma árvore está satisfeita por água, então as folhas e galhos também estão satisfeitos ao receber água da raiz. Similarmente, quando Krishna está satisfeito, então suas partes, os semideuses, também estão satisfeitas. Assim, não há necessidade de adorar os semideuses. Se alguém adorar apenas Krishna, sua vida será perfeita.

FONTE: Disponível em: <http://pt.krishna.com/quem-s%C3%A3o-os-semideuses>. Acesso em: 20 ago. 2016.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• O hinduísmo é uma religião diferente das demais analisadas devido à falta de um sistema bastante integrado, além da quantidade exacerbada de deuses e semideuses que o hinduísmo abrange.

• Essa falta de um comando centralizado trouxe ao hinduísmo uma tolerância religiosa que não existe nas religiões monoteístas.

• Os hindus são panteístas, ou seja, acreditam que um único Deus é a matéria de toda a criação, neste sentido tudo é Deus.

• A salvação dos hindus está em romper o ciclo de reencarnações e unir-se a Brahma. Para isso, deve se esforçar em seguir o livro dos Vedas para melhorar seu Karma.

• Os sistemas de castas derivados da lei do Karma mantêm os indianos numa situação de conformismo com a realidade vigente. Ninguém pode questionar a posição em que nasceu, pois é resultado direto de suas atitudes na vida anterior.

• Na fronteira entre a Índia hindu e do Paquistão muçulmano, uma nova manifestação religiosa surgiu e não pode ser confundida com hinduísmo: o sikhismo.

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AUTOATIVIDADE

Leia o interessante texto a respeito do hinduísmo e de sua mitologia criadora, escrito por Raja-vidya Dasa. Nele, o autor explica quem são os semideuses hindus e como, em sua visão, é possível aproximar a visão panteísta indiana da visão monoteísta ocidental. O texto integral está disponível no site: <http://pt.krishna.com/main.php?id=110>.

Baseando sua leitura no texto, responda às seguintes questões:

1 Quais são as semelhanças no discurso contido no texto com outras religiões que já estudamos?

2 Você conhece outras religiões aqui no Brasil que utilizam o sistema de oferendas aos semideuses para que possam fazer favores aos homens?

3 Reflita sobre o texto e responda se, a partir de uma visão geral das principais religiões dos seres humanos, é possível chegar próximo a um denominador comum que indique pontos em comum entre todas as religiões.

4 A religião pode causar danos ao ser humano? Que tipo de problemas a religião pode causar ao homem?

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TÓPICO 2

BUDISMO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

É fundamental entender o hinduísmo para que seja possível entender o budismo. Afinal, o fundador desta religião, Sidarta Gautama, de quem falaremos a partir de agora, foi um hinduísta por boa parte de sua vida. O budismo contemporâneo tem cerca de 329 milhões de adeptos em todo o mundo, embora sua grande área de concentração seja a China, Japão e Tailândia, com contribuições de países menores como Birmânia, Nepal e Laos.

O budismo é fruto da tolerância religiosa promovida pelo hinduísmo, sem a qual seria impossível que a doutrina de Buda fosse aceita e seguida por muitos hindus. A história de seu fundador se divide em dois momentos principais: a vida do príncipe Sidarta e a vida do Buda. Ambos são a mesma pessoa, a diferença entre os dois momentos é o processo de iluminação de Sidarta que o fez atingir o Nirvana e, portanto, romper com a escravidão da alma com o interminável ciclo de renascimentos. A doutrina de Buda se resume a seguir seu exemplo e ensinamentos para que outros também atinjam tal estado.

UNI

O Budismo é um ótimo exemplo de como o hinduísmo é tolerante em termos religiosos. Os fiéis são livres para escolher a maneira como queiram se aproximar dos deuses. Porém este estado avançado de cultura religiosa revela uma sociedade pobre e carente de organização. Nas sociedades monoteístas a organização da sociedade a desenvolveu através desta certa unidade religiosa. A contrapartida negativa nestas religiões tem sido a intolerância religiosa, que tem matado mais pessoas que todas as guerras ao longo da História. Isto deve nos fazer refletir a respeito do verdadeiro significado da religião, que é o de trazer paz e alegria para as pessoas através do sentimento de segurança por ser cuidado por um ser superior, e o real fruto que temos colhido em nossas sociedades, sejam elas cristãs, islâmicas ou orientais. Nossa sociedade realmente tem melhorado através da religião?

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2 HISTÓRIA

A história do budismo se confunde com a de seu fundador, Sidarta Gautama. É praticamente impossível separar a história do mito, porém o que comumente se sabe a respeito de Buda é o que explanaremos a seguir.

Sidarta foi o filho de um rajá que viveu no Nordeste da Índia entre 560-480 a.C., era, portanto, um príncipe. Sua vida foi rodeada pelo luxo e poder. Seu pai ouviu uma profecia que dizia que seu filho poderia trilhar dois caminhos: ou o do governo ou do abandono completo do mundo. Para que o primeiro caminho acontecesse, o príncipe deveria passar a ser protegido para que não visse as dificuldades, a pobreza, o abandono da vida dos menos favorecidos. Para que isso não acontecesse, o pai do futuro Buda o impedia de sair do palácio, ao mesmo tempo em que o cercava de prazeres e diversões, tendo, ainda jovem, um harém com dançarinas.

A grande mudança na vida de Sidarta aconteceu aos 29 anos de idade, quando, mesmo contrariando a proibição de seu pai, o príncipe saiu do palácio pela primeira vez, e o que ele viu o transformou de Sidarta no Buda. Ele viu um velho, um doente, um cadáver e um monge asceta. Ao ver o velho, descobriu que a juventude inevitavelmente dará lugar à velhice; ao ver o doente, entendeu que a saúde um dia será sucedida pela doença, e ao ver o cadáver, percebeu que a vida dará lugar à morte. Quando Sidarta viu um monge asceta com uma expressão de felicidade, decidiu seguir aquela vida para encontrar a razão da existência humana. Naquela mesma noite abandonou sua família no palácio e foi viver como andarilho, tomado também de pura compaixão pela humanidade, sentiu um chamado para libertá-la do sofrimento.

Passou a procurar os grandes brâmanes hindus para buscar a sabedoria

que procurava, porém, a única resposta que ele ouvia era a de que deveria estudar os vedas. Ele já havia estudado os livros sagrados do hinduísmo, percebendo que então deveria procurar a sabedoria que buscava numa vida de ascetismo, através de jejuns e penitências. Diz a lenda que Sidarta conseguiu diminuir sua alimentação até que podia comer apenas um único grão de arroz, porém nem mesmo assim ele conseguiu dominar o sofrimento. Após uma busca de seis anos, quando estava em meditação sob uma figueira, ele atinge a “iluminação” ou bhodi, tornando-se assim um Buda, ou seja, um iluminado. O que ele descobriu? Que todo o sofrimento do homem é proveniente do desejo. Sendo assim, ao suprimir o desejo, o homem consegue romper o ciclo de reencarnações imposto pelos deuses. No budismo, isso recebe o nome de Nirvana.

Para o Buda, o que prende o homem e o faz produzir carma é o desejo de viver. Ao dominá-lo, ele já não estava mais sujeito à lei do renascimento. Ele conseguiu a autossalvação, ou seja, ele conseguiu por si mesmo alcançar a salvação. Porém, o deus hindu Brahma o instigou a contar sua experiência a outros seres humanos para que outros pudessem alcançar o Nirvana. A partir deste momento, Buda se tornaria uma espécie de guia para aqueles que o quisessem ouvir. Seu público foi, basicamente, composto por aqueles hindus que estavam descontentes com a proposta hinduísta e passaram a ouvir e seguir os ensinamentos de Buda.

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FIGURA 29 – REPRESENTAÇÃO DE BUDA SOB A FIGUEIRA

FONTE: Disponível em: <caminhodomeio.wordpress.com/2008/02/15/buda/>. Acesso em: 2 nov. 2009.

Seu primeiro sermão foi proferido em Benares, importante centro religioso hindu, onde muitos monges mendigos o seguiram e juntos vagaram por 40 anos pelo Nordeste da Índia. Quando tinha a idade de 80 anos, após adoecer por uma intoxicação alimentar, Buda proferiu seu último discurso a seus seguidores e sua recomendação a eles é que seus ensinamentos fossem seus mestres a partir de sua morte. Seus discípulos foram responsáveis pela difusão do budismo até os dias de hoje.

UNI

Um interessante filme que trata a respeito do budismo é O pequeno Buda. Embora não seja muito fácil de encontrar em locadoras, vale a pena tentar, pois conta a história de um menino norte-americano que os budistas tibetanos acreditam ser a reencarnação de Buda. Paralelamente, a história de Sidharta é contada neste filme. Vale a pena conferir!

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FIGURA 30 – O PEQUENO BUDA

FONTE: Disponível em: <cinema.cineclick.uol.com.br/.../id/2603>. Acesso em: 2 nov. 2009.

UNI

Se você quiser realizar a leitura do discurso de Buda, por favor, acesse <www.saindodamatrix.com.br/archives/siddhartha.htm> e poderá ler o texto na íntegra.

3 DOUTRINA

Todo o sistema religioso budista está baseado nos ensinamentos de Buda. Não podemos nos esquecer de que Buda cresceu e viveu no meio hinduísta, portanto, muitos dos seus ensinamentos encontram ressonância no hinduísmo, como a doutrina do carma, da salvação e do renascimento. O primeiro ensinamento de Buda, neste sentido, é a escravização do homem pela série interminável de renascimentos. A mola propulsora deste ciclo é o carma do homem, ou seja, seus atos, pensamentos e desejos.

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Para que possamos entender este processo, precisamos pensar em nossas vidas. Todos nós entendemos que algumas atitudes ou decisões que tomamos refletem em nosso futuro, algumas de maneira positiva, outras de maneira negativa. A escolha de montar uma família, cursar uma faculdade, seguir uma vida religiosa, cada uma dessas escolhas é tomada por nós, esperando que algo aconteça no futuro. Esta é a ideia do carma para os hindus e budistas, com a grande diferença de que para eles isto é totalmente regulado e atrelado à vida do indivíduo com reflexos na próxima vida. Para eles, as atitudes que tomamos nesta existência refletirão na próxima. Os cristãos acreditam na lei da semeadura e da colheita, algo similar a este ensinamento de Buda, com a diferença de que para os cristãos as consequências acontecem nesta vida e na eternidade, já que a reencarnação é condenada como um falso ensinamento pelo Novo Testamento. Espero que tenha lhe ajudado, caro acadêmico, a entender um pouco mais sobre a doutrina do carma.

A doutrina do carma pode ser vista por nós, ocidentais, como sendo justa, na medida em que os bons terão reencarnações boas, e os maus, más reencarnações, porém, para os orientais adeptos destas doutrinas, este ciclo é considerado como uma maldição que deve ser rompida. Portanto, os orientais buscam escapar da reencarnação, e este ato está profundamente ligado ao conceito de salvação para estas religiões. Vimos até agora as semelhanças entre hinduísmo e budismo, é necessário, neste segundo momento, entendermos onde os ensinamentos de Buda diferem daqueles escritos nos vedas.

Para os hindus, o homem possui uma alma individual atmã e é essa alma que sobrevive de uma encarnação para outra. Como roupas que são trocadas pela pessoa, os corpos são trocados pela alma de um renascimento para o outro. Esta alma possui uma semelhança ao espírito universal (Brahma). Para Buda, entretanto, o ser humano não possui nada imutável como a alma para os hindus. Para ele, o homem de hoje não é o mesmo de ontem, portanto, tudo é transitório e ilusório: tanto a vida como os sentimentos. Ambas as situações estão fadadas ao fracasso. No budismo, existem três grupos de ensinamentos que condensam as palavras e ordenanças de Buda: as quatro nobres verdades sobre o sofrimento, o caminho das oito vias, e os cinco mandamentos. Embora não seja possível afirmar que estes textos sejam do próprio Buda, por datarem de cerca de quinhentos anos após a morte do mestre. Mas estes escritos fundamentais apresentam uma considerável semelhança entre as diferentes escolas budistas e são, portanto, aceitos pelos budistas como escritos do próprio mestre, transmitidos via oral por séculos entre seus seguidores. Cada um destes grupos é importante para uma boa compreensão das doutrinas budistas.

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3.1 AS QUATRO NOBRES VERDADES SOBRE O SOFRIMENTO

Estas verdades têm o significado para Buda de que tudo é sofrimento nesta existência. A partir delas se chega ao que Buda chama de “o caminho do meio” que é o caminho das oito vias, onde ele explica como romper com o sofrimento.

A primeira verdade diz que a vida é cheia de dor: no nascimento existe um passado de dor, um presente de dor e um futuro de dor. Nas palavras de Buda: “nascer é sofrer, envelhecer é sofrer, morrer é sofrer, estar unido com aquilo de que não gostamos é sofrer, separarmo-nos daquilo que amamos é sofrer, não conseguir o que queremos é sofrer” (GAARDNER, 2000). Podemos pensar, neste sentido, que o budismo é uma religião pessimista, onde não existe o espaço para a felicidade nem ao bem-estar. Até certo ponto isso é verdade, porém a alegria na família e na vida monástica é reconhecida. O que deve estar na mente do fiel, entretanto, é que estas alegrias são transitórias e fadadas ao fim.

A segunda verdade mostra que o sofrimento do homem é fruto de seu desejo. O desejo do homem por prazeres o faz acreditar que ele tem uma alma e, portanto, está atrelado à existência. O extremo oposto, o da anulação da vida ou suicídio, também é condenado, pois pressupõe que o homem tenha uma alma que possa ser suprimida. O suicídio não leva em consideração a lei do carma não rompendo o ciclo de reencarnações.

A terceira nobre verdade mostra que o sofrimento pode ser levado ao fim. Para que isto aconteça é necessário que o desejo cesse. Quando se alcança este nível de anulação do desejo, o nirvana começa. O ciclo que origina todos os problemas para o ser humano começa na ignorância que leva ao desejo, que leva à atividade que leva ao renascimento, levando por sua vez a mais ignorância. Rompendo com sua ignorância, o homem está apto a atingir o Nirvana.

A quarta nobre verdade mostra que o homem pode acabar com o sofrimento através da observação e realização do caminho das oito vias.

3.2 O CAMINHO DAS OITO VIAS

Esta doutrina budista também é conhecida como o caminho do meio. Buda acreditava que os extremos da vida deveriam ser evitados. Tanto uma vida de extravagâncias como a negação da vida através do suicídio ou de pesadas autopenitências não ajudam a romper o ciclo de sofrimento da existência. Por isso Buda optou pelo “caminho do meio”, descrito por ele em oito partes ou etapas.

Os dois primeiros passos neste caminho são a perfeita compreensão e perfeita aspiração. O caminho começa pela extinção da ignorância do homem, já que é a ignorância que inicia o movimento da roda do renascimento. Esta compreensão do homem deve girar em torno de como o mundo funciona, além de entender de maneira profunda as quatro nobres verdades e a doutrina budista

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de que o homem não possui alma. No tocante à aspiração, o homem deve buscar a anulação do desejo de si mesmo, pois esta é a raiz de todo o sofrimento. Por fim, Buda deve ser o ideal a ser seguido por aqueles que acreditam em seus ensinamentos.

Os passos seguintes falam da ética budista e sua relação com o mundo não budista, digamos assim. São eles: perfeita fala, perfeita conduta e perfeito meio de subsistência. Perfeita fala diz respeito à necessidade do homem em não proferir mentiras, falsidades, de maneira arrogante. Para Buda, o homem deve proceder de maneira amigável e carinhosa com todos os seres humanos, além do silêncio também ser incluído na fala perfeita. Perfeita conduta está relacionado com os cinco mandamentos aos quais todos os que se dizem budistas devem seguir.

3.3 OS CINCO MANDAMENTOS BUDISTAS

Perfeito meio de subsistência diz respeito a possuir uma profissão secular que seja condizente com o caminho das oito vias. Por exemplo, um dos cinco mandamentos conclama ao budista a não matar qualquer ser vivo. Neste sentido, um açougueiro que se tornasse adepto ao budismo teria que mudar de profissão.

Os últimos três passos para concluir o caminho do meio são o perfeito esforço, a perfeita atenção e a perfeita contemplação. Estes passos representam como o homem deve relacionar-se consigo mesmo e purificar-se a si próprio. O perfeito esforço ensina que o homem deve evitar que pensamentos impuros, como a raiva, a inveja, a luxúria, por exemplo, invadam sua mente. Para tanto ele deve esforçar-se para manter sua mente pura destes pensamentos. Perfeita atenção o prepara para a meditação. Durante esta preparação, toda a atenção daquele que medita deve estar focada em um único ponto, seja ele uma palavra, uma pessoa ou um objeto. Perfeita contemplação acontece quando todo o corpo foi relaxado e todas as preocupações humanas se foram juntamente com as noções de tempo e espaço durante a meditação. É neste momento que os budistas acreditam que podem atingir o Nirvana e tornar-se um venerável, ou seja, um budista que não pertence mais à lei do carma e, portanto, não renascerá mais.

A última doutrina budista relevante em nosso estudo é o Nirvana. Vimos nas quatro nobres leis que Buda tinha uma visão muito pessimista da vida e do papel do homem na Terra. Não há esperança para o homem dentro do ciclo de reencarnações. Porém, o alvo da busca de Buda era atingir algo que estivesse fora deste sistema terreno. Para ele existe algo além, algo imortal que transcende o sofrimento humano. Através do caminho das oito vias, o budista pode alcançar o Nirvana, que significa literalmente “apagar” ou na inexistência de carma. Para tanto, apenas boas atitudes não bastam. Buda, conforme a tradição oriental, renasceu 547 vezes antes de atingir o Nirvana. É interessante que o Nirvana pode ser experimentado ainda nesta vida através da meditação como uma experiência transcendental. O Nirvana final da vida é também conhecido como parinirvana, que quer dizer “extinção absoluta” ou “extinção última”.

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4 RELAÇÕES

No momento em que Buda sofreu o processo de iluminação, o deus hindu Brahma pediu a ele que ensinasse aos homens o caminho que ele havia trilhado. Através da compaixão, Buda decidiu ser o guia daqueles que quisessem o ouvir para que também pudessem ser salvos através do Nirvana. Neste sentido, o modelo de Buda é um modelo que deve ser seguido pelos demais budistas no sentido de que ser budista é se comportar eticamente perante a sociedade através da piedade e da compaixão. A caridade que fazemos hoje não serve apenas para ajudar os outros, mas para elevar nosso próprio caráter.

Um bom exemplo disso são os cinco mandamentos budistas, utilizados para a vida diária dos budistas, sejam eles monges ou leigos.

O primeiro mandamento proíbe fazer mal a qualquer criatura viva. Este mandamento mostra que o pacifismo é uma das vertentes do budismo. Vários budistas já travaram guerras e acredita-se que algum soldado profissional que morra em batalha renasça no inferno ou em algum animal. No tocante a comer carne, acredita-se que Buda permitia o consumo de carne, desde que o animal não tenha sido morto unicamente para aquela pessoa. Para o budista a intenção por trás da ação é o determinante para condenar ou não uma atitude, qualquer que seja.

O segundo mandamento fala sobre não tomar aquilo que não lhe foi dado. Não diz respeito apenas ao roubo, mas sim todos os tipos de trapaça e cobrança de negócios abusivos.

O terceiro mandamento diz que não é possível se comportar de modo irresponsável nos prazeres sensuais. Este modo irresponsável é tudo aquilo que pode prejudicar outros sexualmente, como o adultério, incesto, estupro, aborto e homossexualismo.

O quarto mandamento diz que não se deve falar falsidades. Isso se refere a falar a verdade, mas também a fofoca e a ira, por exemplo.

O quinto mandamento mostra que não se deve deixar entorpecer com álcool ou drogas. É proibido no sentido de que o álcool ou a droga entorpece a mente e impede que o homem, conscientemente, possa obedecer aos demais mandamentos.

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FIGURA 31 – DIFERENTES REPRESENTAÇÕES DE BUDA

FONTE: Disponível em: <http://www.tzongkwan.com.br/?page_id=8>. Acesso em: 10 ago. 2016.

A sociedade budista é dividida em dois grupos principais: os monges e os leigos. O almejo de grande parte dos budistas é tornar-se um monge para poder dedicar-se exclusivamente a cuidar do caminho das oito vias; esta categoria, porém, possui regras muito mais rígidas que os leigos. Seu estilo de vida, como o de Buda, foi sempre de simplicidade e abnegação. Os recursos para manutenção dos mosteiros budistas e para a sobrevivência dos monges e monjas são provenientes de esmolas. Isso não é de maneira nenhuma considerado degradante por parte dos budistas, mas sim uma dádiva poder oferecer uma oferta a um monge budista.

A obrigação dos leigos é a de sustentar financeiramente aqueles que os instruem nas práticas e ensinamentos de Buda. Um leigo pode passar uma temporada em retiro espiritual para meditar ou receber uma instrução especial, por exemplo. Estas duas categorias da sociedade budista são interdependentes, ou seja, para que uma delas exista, a outra deve estar em funcionamento.

O culto budista consiste em venerar relíquias de Buda e de outros homens santos através da oferenda de flores e incenso. Algumas facções mais tradicionais dizem que Buda não deve ser adorado, pois ele já atingiu o Nirvana e, portanto, nada mais pode fazer pela humanidade. Deve-se apenas seguir a seu exemplo e buscar a autossalvação.

UNI

Relíquias são pedaços de ossos do ente venerado, esta técnica é bastante utilizada durante a veneração de relíquias de santos, onde ossos são postos em recipientes de ouro para lá ficarem expostos e serem levados de região em região para que devotos possam fazer suas orações diante destes fragmentos de ossos.

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Buda não negou a existência dos deuses hindus, como podemos imaginar num primeiro momento ao analisarmos sua doutrina. Ele apenas “rebaixou”, digamos assim, a importância destes deuses, pois, para Buda, eles também estão vinculados ao ciclo de reencarnações. É muito comum encontrar imagens de deuses hindus em templos budistas em posição secundária em relação a Buda.

Na Ásia existe uma enorme adoração e veneração a espíritos, demônios e entidades da natureza em muitos vilarejos. As pessoas procuram obter benefícios mundanos através destas entidades, com rituais diversos. Buda, neste sentido, apresenta uma semelhança aos três deuses que estudamos no hinduísmo, responsáveis pela manutenção do universo e questões cósmicas. Estes demônios poderiam ajudar na resolução de problemas cotidianos.

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É comum acharmos que o budismo possa ser único em todos os países por onde exerce influência. Isso pode acontecer porque nossa visão ocidental pensa em unidade quando pensamos em cristianismo, ou judaísmo, embora existam algumas divisões e diferenças doutrinárias, como vimos na unidade anterior. No Oriente, a tolerância religiosa é um conceito bastante presente nas religiões existentes. Sendo assim, existem variações do budismo, que será nosso último assunto neste tópico de nossa unidade de estudo.

Após a morte de Buda, seus discípulos divergiram em relação aos seus ensinamentos e como ensinariam estes princípios. Surge então a primeira divisão do budismo, a filosofia Theravada, ou o caminho dos antigos, de linha mais tradicional, e a filosofia Mahayana, ou o grande veículo, de linha mais liberal. A primeira linha tem respaldo no Sul da Ásia, enquanto que a segunda tem influência no Norte da Ásia.

A principal diferença entre as duas linhas doutrinárias do budismo está no papel do indivíduo na obtenção de sua salvação. No Theravada, a responsabilidade pela salvação é do indivíduo, no sentido de desenvolver suas habilidades espirituais e inibir seu carma através da meditação e do caminho das oito vias. Esta realidade se aplica tanto aos monges como aos leigos.

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Você percebeu que esta é a linha em que nos baseamos para montar toda a explicação sobre o budismo? A próxima linha apresenta diferenças significativas com relação a tudo o que discutimos aqui. Preste atenção!

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A segunda linha, Mahayana, prega que todos podem ser salvos, e não apenas algumas pessoas, como na Theravada. Para esta linha, Buda não é apenas o guia para ensinar o caminho para o Nirvana, mas sim o grande salvador da humanidade. No pensamento tradicional, o leigo precisava se dedicar aos preceitos budistas com afinco a fim de melhorar seu carma e assim renascer como um monge para então poder atingir o Nirvana. Nesta nova linha filosófica, todos podem ser salvos pela compaixão e compreensão daqueles que acessam o Nirvana e espontaneamente decidem abrir mão da eternidade para ajudar seus semelhantes a alcançarem este estado. Estas pessoas são chamadas de bodhisattvas ou “pessoas iluminadas”. A única diferença entre elas e Buda é que optaram por permanecer na Terra para ajudar as pessoas. Os que seguem a linha Mahayana dizem que o próprio Buda fez esta escolha para ajudar ao próximo.

Desta doutrina budista surgiram outras que veremos no próximo tópico de estudo, como o Budismo Tibetano, o Zen-Budismo e o Lamaísmo, cada uma delas com diferenças do que você estudou até aqui.

No Brasil, a chegada do budismo coincide com a vinda dos imigrantes japoneses no início do século XX. Os primeiros monges chegaram aqui visando atender às comunidades de imigrantes, passando a interagir com brasileiros em uma segunda fase deste budismo tupiniquim.

FIGURA 32 – NÚMERO DE BUDISTAS SEGUNDO DADOS DO IBGE

FONTE: Disponível em: <http://istoe.com.br/156867A+CRISE+DO+BUDISMO+NO+BRASIL/>. Acesso em: 20 ago. 2016.

O budismo no Brasil esteve vinculado à imigração japonesa e é mais expressivo nas regiões onde a presença das comunidades é maior. Um bom exemplo desta distribuição geográfica da religião é o bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo, núcleo da presença japonesa. Não é por acaso que a cidade conta com aproximadamente 240 templos budistas, com mais de 100 escolas budistas em todo o Estado de São Paulo.

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Com um crescimento mais intenso ao longo do século XX com a primeira geração de imigrantes, o budismo no Brasil vem perdendo adeptos, na medida em que as novas gerações vão se desligando da tradição de seus ancestrais. Os descendentes mais jovens estão aculturados com o Brasil e por isso não apresentam o mesmo vínculo com as tradições budistas de seus pais e avós.

Na leitura complementar deste tópico apresentamos uma matéria de 2016, da revista IstoÉ, que trata da questão da queda de adeptos do budismo no Brasil. Leitura bastante pertinente, para que você perceba como o avanço ou recuo de determinada religião em uma territorialidade apresenta inúmeras variáveis que devem ser levadas em conta por parte do pesquisador das religiões.

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LEITURA COMPLEMENTAR

A CRISE DO BUDISMO NO BRASIL

Foi de forma clandestina que o budismo desembarcou no Brasil, há 103 anos. Chegou com os primeiros imigrantes japoneses, no Porto de Santos, em São Paulo. Naquela época havia aqui um movimento contrário à vinda de religiosos não cristãos. Muitos monges entraram no país travestidos de agricultores. Praticado de maneira improvisada até a Segunda Guerra, o budismo passou a se institucionalizar a partir dos anos 50. Com a invasão de templos de tradição tibetana e a propagação da corrente zen, foi a vez de artistas e intelectuais, nos anos 70 e 80, principalmente, abraçarem a religião. Adorar Sidarta Gautama – peregrino que ficou conhecido como Buda e andou pelo norte da Índia por quase meio século ensinando que meditação, sabedoria, compaixão e moralidade podiam combater o sofrimento – virou moda entre milhares de brasileiros. Mas, o que se apresentava como uma onda de orientalização na religiosidade nacional não passou de uma marola (leia quadro). Ínfimo 0,14% da população se diz budista. O que tem despertado mais a atenção de estudiosos é o fato de o budismo, que chegou ao país como forma de preservação do capital cultural japonês, estar minguando justamente entre eles. “A religião está enfraquecendo dentro da comunidade por causa da morte dos adeptos mais idosos”, afirma Frank Usarski, da pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo.

A falta de renovação dos membros é evidente. E há vários motivos

que contornam o declínio da adesão ao budismo. Primeiramente, as poucas lideranças religiosas orientais ainda vivas não demonstram querer se adaptar ao Brasil. “Os sacerdotes vêm do Japão e só falam japonês nos templos. Mas os jovens descendentes não dominam o idioma e se afastam”, diz a monja Coen, 64 anos, uma das principais representantes do zen-budismo no Brasil. “O budismo chegou aqui como uma tradição para imigrantes e ainda continua assim. Não temos um budismo brasileiro. Se não houver uma aculturação, os templos vão se transformar em belíssimos museus”.

A barreira do idioma transformou muitos templos em focos de manutenção de cultura e etnia apenas. É o que afirma André Muniz, 31 anos, arcebispo da Organização Religiosa Budista Tendai Hokke Ichijo Ryu do Brasil. “Não são mais centros de expansão da doutrina. Muitos dos que os frequentam o fazem para cultuar os ancestrais e aprender ikebana. Estão interessados nos cantos e na caligrafia japonesa”, diz ele, que foi discípulo em uma dezena de correntes budistas, entre japonesas e tibetanas. Em todas elas, conta, o quadro era o mesmo: a formação dos monges não era feita no Brasil, as línguas orientais predominavam e a convivência era de subserviência e preconceito. “Ouvi muito que a mente ocidental não está preparada para receber os ensinamentos de Buda e a língua oriental é inacessível para nós”, diz. Há quatro anos, ele fundou a primeira instituição budista brasileira sem nenhum vínculo com denominações

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orientais. “Sempre fui tratado como um estranho, mesmo falando a língua deles”. A monja Coen confirma a diferença de tratamento. O famoso templo Busshinji, na Liberdade, em São Paulo, possui, segundo ela, um porteiro que verifica as intenções do visitante. “Se é japonês e fala a língua de lá, entra. Brasileiro só pode na hora da meditação para brasileiros”.

É verdade que templos continuam sendo levantados no país. Alguns, como o Zu Lai, em Cotia, na Grande São Paulo, recebem visitantes fascinados pela suntuosidade do local – são 10 mil m2 de área construída e 150 mil m2 de área verde. Muitos, porém, não passam da condição de turista. “Ser budista é se comprometer com a comunidade”, diz Usarski, autor de “O Budismo e as outras – Encontros e Desencontros entre as Grandes Religiões Mundiais”, da Editora Ideias & Letras. A fidelização daqueles que batem à porta do budismo também é prejudicada pela falta de lideranças para responder aos questionamentos do aspirante à religião. “Vinte comunidades no interior de São Paulo e três no Paraná da filial da Honpa Hongwanji não possuem um reverendo permanentemente no local”, escreve o professor Usarski, em um de seus artigos. Outro empecilho para novas conversões é a ideia equivocada que se tem sobre a doutrina oriental. “Quando o brasileiro procura um templo, está atrás de uma transposição religiosa e não uma conversão”, diz o sacerdote Muniz. “Ele acha que o budismo é uma religião liberal, que poderá fazer, com uma vestimenta budista, tudo o que não pode no cristianismo”. Dogmas do budismo, porém, exigem mudanças de hábitos, tais como abstenção de bebida alcoólica. Mais: sexo fora de uma relação de comprometimento sentimental é tido como ilícito. “Muitos, em dois meses, tomam um choque e abandonam”.

Uma vez que o budismo não é propagado pelas próprias lideranças, outras denominações religiosas, cristãs principalmente, tratam de cooptar adeptos. É o caso da analista em logística Suzana Yoo, 39 anos. Seus pais fizeram parte do primeiro grupo de sul-coreanos que desembarcou no Brasil, no início dos anos 70. Em casa, sua mãe acendia incenso para Buda, rezava e cantava. Mas a filha jamais foi budista. O budismo, nesse caso, foi vítima de uma prática comum dos imigrantes orientais, que tratavam de promover a inserção dos filhos à realidade do país acolhedor. Suzana estudou em colégios católicos até a adolescência para se adaptar à cultura local. “Foi a escolha de meus pais por ser a religião predominante no Brasil”. Hoje se assume uma católica não praticante. “Do budismo, o único ritual que lembro é o de quando alguém morre”, diz.

Adeptos dos ensinamentos de Buda defendem que catequizar não é uma meta. Nem a conquista de adeptos. Ainda que os seguidores do zen-budismo e da tradição tibetana – que têm o Dalai Lama como o grande garoto-propaganda – mantenham acesa a aura pop dessa religião oriental, a ponto de causar a falsa impressão de que ela tem mais adeptos do que realmente tem, o professor Usarski, da PUC, é pessimista em relação ao seu futuro. “Acredito que o potencial de crescimento do budismo no Brasil já esgotou”.

Matéria da Revista IstoÉ de 20 de janeiro de 2016. Disponível em: <http://istoe.com.br/156867A+CRISE+DO+BUDISMO+NO+BRASIL/>. Acesso em:10 ago. 2016.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• O budismo surgiu no seio do hinduísmo, com seu fundador sendo um hindu.

• O desenvolvimento do budismo só foi possível devido à grande tolerância religiosa dentro do Hinduísmo.

• A história do fundador do budismo é uma história lendária, impossível de se verificar o que de fato ocorreu e o que é mito.

• Segundo Buda, tudo é sofrimento transitório e efêmero. A salvação do homem está em conseguir romper o ciclo de reencarnações para atingir o Nirvana.

• No budismo as principais regras são: as quatro nobres verdades do sofrimento, o caminho das oito vias e os cinco mandamentos.

• Após a morte de Buda, seus seguidores entraram em conflito quanto aos seus ensinamentos e realizaram um cisma budista: o Theravada, mais tradicional, e o Mahayana, de filosofia liberal.

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AUTOATIVIDADE

Sobre o budismo, responda:

1 Quais são as divisões do budismo e como é a doutrina de cada uma delas?

2 Por que podemos considerar o budismo uma religião pessimista?

3 Qual é o objetivo espiritual dos budistas?

4 Como se atinge tal objetivo?

5 Qual é a relação intrínseca entre o budismo e o hinduísmo?

6 Como foi possível o desenvolvimento do budismo em território hindu?

7 Quais são as quatro nobres verdades sobre o sofrimento?

8 Qual é o caminho do meio? Quais são os passos para completar este caminho?

9 Quais são os cinco mandamentos que regem a vida prática dos budistas?

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TÓPICO 3

AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Nos tópicos anteriores permanecemos basicamente no território indiano. Resta-nos agora voltar nossos olhos para a China e o Japão para entender o que acontece nestes locais no campo religioso. O budismo se espalhou tanto para a China quanto para o Japão, porém se desenvolveu de maneira mais livre no Japão.

Nestes dois países, o culto aos antepassados (mortos) é notório. As religiões nestas localidades serão, portanto, baseadas nesta modalidade de culto. Outro ponto primordial nestas religiões é a coexistência entre elas. É possível encontrar pessoas que participem de várias seitas e religiões ao mesmo tempo sem que isso ofenda qualquer uma delas.

Os eventos históricos em cada uma destas localidades é que determinaram como as religiões se comportariam no século XX. Após a Segunda Grande Guerra, várias seitas foram implantadas derivadas do taoísmo, budismo e cristianismo. Já na China, a revolução de Mao Tsé-Tung, em 1949, fez com que a religião tivesse um papel cada vez menor na realidade social chinesa, tendo em vista que o Estado chinês suprimiu o culto religioso destruindo templos e instituindo o culto nacional. Após a morte de Mao, uma pequena abertura religiosa tem começado a aumentar, porém até os dias de hoje não existe liberdade religiosa na China.

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Neste último tópico de nossa unidade de estudo faremos uma análise diferenciada do que fizemos até aqui. Vamos falar um pouco sobre cada uma das religiões para que você tenha um panorama destas religiões orientais.

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UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

2 CONFUCIONISMO

Podemos considerar o confucionismo mais como uma filosofia que uma religião. Os adeptos podem participar de outras religiões. A fundação data por volta do século VI antes de Cristo, sendo mais ou menos, portanto, contemporâneo de Buda. Seu fundador foi K’ung-Fu–Tzé, que em sua versão latina atribuída pelos missionários jesuítas do século XVI, ficou conhecido como Confúcio.

A religião chinesa, até o tempo de Confúcio, era um emaranhado complexo de rituais e cultos a espíritos e elementos da natureza como a chuva, o vento e o trovão, bem como os antepassados e ancestrais familiares. Um dos papéis dos imperadores chineses era o de aplacar a ira dos deuses através da criação de templos em honra a eles e de instituir músicos e sacerdotes para o serviço nos templos.

Confúcio perdeu o pai aos três anos de idade e casou-se com 19. Com uma grande habilidade para negócios, foi escolhido como administrador dos celeiros do imperador chinês. Porém, sua inclinação verdadeira era para o campo da filosofia, música e artes. Entrou então num dilema, que por sinal é bastante comum em nossos dias: queria viver das artes, porém precisava sustentar sua família, optou então por uma vida dupla entre o trabalho administrativo e o ensino de filosofia. A situação mudou quando aos 23 anos perdeu sua mãe, quando abandonou o trabalho nos celeiros e passou a lecionar filosofia. Aos 34 anos tinha cerca de três mil alunos, sendo muitos deles filhos da nobreza chinesa. Como sua reputação aumentou cada vez mais, foi nomeado magistrado-chefe da cidade de Chung-Tu e em seguida ministro do crime, uma analogia ao nosso Ministro da Justiça. Foi a partir deste posto que Confúcio experimentou na prática suas técnicas filosóficas. Fez um estudo para levantar o histórico dos presos, percebeu que os presos eram ignorantes, no sentido de não terem instrução. A partir disso passou a fornecer estudo e educação ao público carcerário para que, através do conhecimento e do aprendizado de um ofício, pudessem prosperar e abandonar a vida de crimes. A lenda nos conta que os presídios ficaram vazios e os policiais perderam o emprego.

Confúcio acreditava que se os governantes fossem bons, a sociedade seria boa, caso contrário a sociedade seria corrupta, se os governantes fossem corruptos. Através de um estratagema, inimigos da província onde Confúcio trabalhava corromperam o governante e a situação voltou ao que era anteriormente. O conselheiro Confúcio abandona a província e passa os próximos 15 anos caminhando de uma província para outra, procurando um governante que ouça seus conselhos. Após a morte de sua mulher, retorna à sua terra natal e lá escreve suas memórias e ensinamentos.

Esse foi um breve resumo da história do pensador chinês com o objetivo de que todos possamos perceber que a doutrina de Confúcio era muito mais teórica e bastante racional, ao contrário de budismo e hinduísmo. Uma doutrina bastante prática, sem metafísica, onde todos devem aprender a praticar o bem para que todos possam viver bem.

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TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

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FIGURA 33 – CONFÚCIO

FONTE: Disponível em: <universohq.com>. Acesso em: 2 nov. 2009.

As ideias de Confúcio influenciaram a elite chinesa, porém, na base da sociedade, o culto aos inúmeros deuses continuou em prática. Ele não era contra o culto religioso, porém não se envolveu com assuntos sobrenaturais. Podemos considerar suas ideias mais como uma filosofia que como uma religião no sentido estrito da palavra. Após sua morte, seus seguidores espalharam suas ideias e o confucionismo acabou se tornando uma espécie de religião estatal da China, onde líderes passaram até a perseguir seguidores do budismo e do taoísmo, por exemplo. O único princípio aparentemente metafísico abordado por Confúcio era a força criadora Tao, porém ela foi mais utilizada pela próxima religião que vamos estudar, o taoísmo.

Após sua morte, muitos templos em honra ao pensador chinês foram levantados na China e seu pensamento moldou a maneira como os governantes imperiais conduziriam seus governos. Sua influência na China só diminuiu após a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, quando as expressões religiosas foram suprimidas. No Ocidente, muitos administradores têm utilizado os pensamentos de Confúcio para melhorar a produtividade nas empresas.

Para concluirmos, seguem dez pensamentos de Confúcio para mostrar o caráter prático e racional de que falamos no início da argumentação.

• A vida é realmente simples. Nós é que insistimos em torná-la complicada.• Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na

tua vida. • O que você não quer para você mesmo, não faça aos outros. • Se você atirar nas estrelas e acertar a Lua, tudo bem. Mas você tem que atirar

em algo. A maioria das pessoas nem sequer atira. • O silêncio é um amigo que nunca trai.

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UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

• Exige muito de ti e espera pouco dos outros. Assim, evitarás muitos aborrecimentos.

• De nada vale tentar ajudar aqueles que não se ajudam a si mesmos. • Ser ofendido não tem importância, a não ser que nos continuemos a lembrar

disso. • Eu escuto e esqueço. Eu vejo e lembro. Eu faço e entendo. • Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem?

FONTE: Disponível em: <http://fatorw.com/produtividade/top-10-pensamentos-de-confucio-para-o-dia-a-dia/> Acesso em: 2 nov. 2009

3 TAOÍSMO

O livro sagrado dos taoístas é o Tao Te Ching ou o livro do Tao e do Te: Tao significa a ordem do mundo e Te a força vital. Não se sabe quem escreveu este pequeno livro de 25 páginas com os ensinamentos taoístas, mas a tradição oriental atribui a origem desta religião a Lao Tsé, pensador contemporâneo de Confúcio, que, como ele, tem uma história lendária.

Filho de camponeses, Lao Tsé trabalhou como faxineiro do arquivo real de sua cidade, o que lhe deu muito conhecimento através da leitura de vários livros. Assim permaneceu ele até os 90 anos de idade, quando abandonou o emprego por causa da corrupção de seus superiores. Ao tentar abandonar a província, foi reconhecido por um guarda, que só o deixou partir após escrever seu livro ali mesmo, na estrada. Após sua partida, nunca mais se ouviu falar dele.

FIGURA 34 – LAO TSÉ

FONTE: Disponível em: <http://daysemauller.wordpress.com/2009 /09/13/um-pouco-de-historia-2/>. Acesso em: 2 nov. 2009.

Assim como Confúcio, Lao Tsé não elaborou uma religião, nem foi essa sua intenção. Seus pensamentos são bastante próximos aos de Confúcio, com a diferença de que, para ele, o conceito de Tao, como força motriz do universo, tem

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TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

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FIGURA 35 – YIN-YANG

um papel mais divino que no confucionismo. Para Lao Tsé, Tao não pode ser descrito pelos homens, pois qualquer descrição do divino será falsa e não terá elementos que demonstrem a realidade desta força.

No tocante à vida social, o taoísmo prega a passividade ao invés de atividade. Pode parecer estranho para nós, ocidentais, mas o melhor que um taoísta pode realizar é a não atividade, ou seja, não realizar nada. Neste ponto, o taoísmo difere muito do confucionismo, pois, como vimos, através da educação era possível melhorar a vida das pessoas. Para Lao Tsé, o homem deveria continuar na ignorância como uma criança ingênua. Para Confúcio, a administração deveria ser rígida, ao passo que para Lao Tsé toda a administração é má. Se o alvo é a não ação, então a caridade não faz sentido para o taoísta, embora sejam cordiais e até realizem boas obras, independentemente se a pessoa for boa ou má.

Da mesma maneira como vimos no caso de Confúcio, foram os seguidores de Lao Tsé que elaboraram uma religião baseada no ensino de seu mestre. Porém adicionaram um ingrediente a mais nos pensamentos de Lao Tsé: o misticismo. Como o povo asiático estava completamente acostumado com ritos de feitiçaria, culto a mortos, demônios e forças da natureza, estes elementos foram inseridos no culto taoísta. Um exemplo deste sincretismo asiático era a ideia de Lao Tsé de que quanto mais “inativo” alguém ficasse, mais longevidade teria. A partir desta ideia, seus seguidores passaram a misturar estes conceitos filosóficos com rituais de feitiçaria para encontrar o elixir da vida. Foi neste amálgama religioso que surgiu o símbolo máximo do taoísmo, o Yin-Yang, antigo símbolo dualista que representa a força positiva (bem) e a força negativa (mal). Com o passar do tempo, os pensadores chineses desenvolveram muitas teorias a respeito deste símbolo, mas a mais conhecida é a que atribui o lado negro da esfera como o mundo material e o lado branco como o mundo espiritual. Os pingos em cada um dos lados representam o elo de ligação entre ambos os universos, mostrando que estão conectados entre si. Na Idade Média, diversas seitas dualistas surgiram em solo europeu com ideias muito próximas às filosofias orientais, sendo todas elas subjugadas pela igreja cristã.

FONTE: Disponível em: <lastregga.blogspot.com/2009_03_01_archive.html>. Acesso em: 2 nov. 2009.

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UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

4 XINTOÍSMO

O xintoísmo é uma religião sem fundador, pois existe desde a antiguidade da nação japonesa sem este nome, ou regras e normas para seus seguidores. Passou a se estruturar apenas após o século VI de nossa era devido à concorrência com o budismo, muito embora seja possível perceber, como nas outras religiões asiáticas, a utilização de elementos de outras religiões pelos japoneses. Este povo sempre teve uma visão de mundo onde os mortos habitam em meio aos vivos, logo, o xintoísmo é a religião que pode ser definida, de maneira simplificada, como o culto aos antepassados. É por essa razão que é tão importante para o povo japonês ter filhos homens, pois é responsabilidade deles a de realizar as orações em memória aos mortos da família e oferecer as oferendas rituais determinadas. Estes espíritos cultuados pelos japoneses recebem o nome de Kami.

Para os japoneses xintoístas, os mortos e os vivos possuem uma relação de interdependência: os mortos têm necessidades dos vivos, por isso as oferendas e o extremo respeito que eles têm pelos idosos, que possuem uma posição privilegiada na sociedade, bem como os vivos dependem dos mortos, que podem realizar boas ou más ações aos vivos, dependendo da maneira como forem tratados.

Como o Japão é uma ilha que permaneceu praticamente isolada por muitos séculos, os japoneses criaram uma mitologia de sua criação, onde um casal de deuses criou o Japão. O elemento mais importante neste contexto era a adoração à figura do imperador japonês que perdurou até meados do século XIX. Após a Segunda Guerra Mundial, com a avassaladora derrota do Japão pelas forças aliadas, o imperador japonês Hiroito declarou esta “divindade” do imperador como falsa e aboliu o xintoísmo do governo japonês como religião estatal.

FIGURA 36 – TEMPLO XINTOÍSTA NO JAPÃO

FONTE: Disponível em: <http://www.ceap.g12.br/projetos2002/Pagina2B/CarolineFrancisRachel/PaginaGeo/japareligio.htm>. Acesso em: 2 nov. 2009.

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TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

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O templo xintoísta não é um lugar para pregações. É o local onde um kami habita e onde ele é cultuado através de certos rituais religiosos. Para um xintoísta, existem quatro aspectos fundamentais do culto: purificação, sacrifício, oração e refeição sagrada.

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Quando você lê sacrifício, entenda oferenda de alimentos, dinheiro ou bebidas. Além das festividades de caráter religioso que acontecem em datas especiais e consideradas sagradas, estas atividades podem ser danças, lutas ou teatro, por exemplo.

5 HARE KRISHNA

Esta seita derivada do hinduísmo é de certa forma recente, fundada em 1896. Krishna é uma das encarnações do deus Vishnu (avatar), mais especificamente, sua figura humana.

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Se você não lembra mais a nossa conversa a respeito da trindade hindu, sugiro que volte ao Tópico 1 desta unidade de ensino.

Para os Hare Krishna, que quer dizer “salve Krishna”, este é o verdadeiro deus e não Brahma, como no hinduísmo tradicional. Seu livro sagrado é o Bhagavad-gita e nos outros conceitos doutrinários são muito semelhantes aos hindus quanto ao sistema de castas, a lei universal do Karma e, portanto, creem em reencarnações. O ponto interessante nesta seita é que, diferentemente dos hindus, os Hare Krishna recrutam adeptos nas ruas das grandes cidades ocidentais, e se sustentam da venda de incensos e livros. Este é um elemento novo dentro das religiões orientais que não possui apelo à pregação de suas doutrinas, como verificamos no cristianismo e no islamismo, por exemplo.

6 VARIAÇÕES DO BUDISMO TRADICIONAL

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UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

6.1 BUDISMO TIBETANO

O Tibet é uma região geograficamente privilegiada, por ser praticamente inacessível. Isso permitiu que o budismo se desenvolvesse de maneira distinta do que ocorreu na China como um todo. Esta região tinha uma religião ancestral denominada Bon, que prestava culto aos mortos, animais, elementos da natureza, através de rituais sangrentos de oferendas e sacrifícios com elementos de feitiçaria. Estes rituais foram incorporados pelo budismo tibetano, porém na superfície prevalece o budismo. Como é uma religião bastante singular, não é possível ter acesso a todos os elementos rituais internos desta variação do budismo.

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Quando se fala em feitiçaria, o que lembramos imediatamente são as bruxas e os caldeirões cheios de objetos bizarros, buscando o malefício de alguém. Seria interessante explicarmos como essa imagem chegou até nós, mas cremos que isso ficará para um outro momento. Etimologicamente, feitiçaria significa, segundo a Wikipédia: O termo grego usado para feitiçaria é farmakía, que significa “drogueadores”, no sentido de preparadores de drogas com fins terapêuticos a partir de plantas. Para além da intenção de curar, os feiticeiros também usavam drogas para induzir estados alterados de consciência para ascender ao mundo dos espíritos. Uma visão mais correta do que desejamos passar a vocês seria a de um druida ou alquimista que de uma bruxa.

Os elementos que conhecemos são as rodas de oração, os tambores característicos e os terços com 108 contas, utilizados para as orações. Foi possível conhecer o budismo tibetano, também conhecido como lamaísmo, devido à invasão do Tibet pela China em 1959, levando seu líder maior, o dalai-lama, a buscar refúgio em outros países. Hoje o líder é considerado o chefe de Estado do Tibet e visita diversas nações contando o que ocorre no Tibet e difundindo sua doutrina.

O ponto de maior divergência entre o budismo tibetano e o tradicional está relacionado à figura do líder. Para o budismo, o Buda atingiu o Nirvana não reencarnando mais, como já vimos. Já para os tibetanos, o líder é a reencarnação de Buda. Quando um dalai-lama morre, os líderes escolhem uma criança que tenha, segundo critérios misteriosos, a alma de Buda reencarnado, e essa criança passa a ser o novo líder máximo dos monges tibetanos.

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6.2 O ZEN-BUDISMO

O zen-budismo segue a linha Mahayana do budismo e esperamos que você se lembre da diferença entre a linha Theravada e a Mahayana. Caso contrário, dê uma olhadinha no Tópico 2 de seu caderno de estudos. Zen significa meditação e o elemento que mais o diferencia do budismo tradicional é o foco na iluminação de Buda ao invés dos ensinamentos de Buda. Para os zen-budistas, “mais importante que o dedo que aponta o caminho, é o caminho que ele aponta”. Disponível em: <http://www.nossacasa.net/shunya/default.asp?menu=1270>. Acesso em: 20 ago. 2016.

Ritualmente, eles atribuem muita importância à meditação e, ao contrário das demais linhas de pensamento budista, a experiência do Nirvana não é tão complexa e penosa para se atingir. Pode acontecer na meditação ou em uma experiência mundana, como no trabalho ou junto à família, por exemplo.

Para eles, a melhor explicação que se pode ter da vida é vivê-la ao invés de criar inúmeras teorias e regras a serem seguidas. Neste sentido, os zen-budistas têm uma atitude bastante positiva com relação à vida, algo inaceitável ao budismo tradicional.

7 SEICHO-NO-IE

A definição no site da Seicho-No-Ie do Brasil é a seguinte:É um ensinamento de amor que prega que o ser humano é filho de Deus, que o mundo da matéria é projeção da mente e, também, nos revela qual é a nossa verdadeira natureza. É uma filosofia que transcende o sectarismo religioso, pois acredita que todas as religiões são luzes de salvação que emanam de um único Deus. (Disponível em: <http://www.sni.org.br/>. Acesso em: 2 set. 2016.)

Fundada em 1930, por Masaharu Taniguchi, no Japão, pode ser considerada tanto como uma filosofia de vida como uma religião. Com diferentes biografias a seu respeito – algumas controversas, apontando para uma vida desregrada e que procurou seu caminho na meditação e estudo do budismo no Japão, durante o período da Primeira Guerra Mundial –, Masaharu baseou a filosofia Seicho-No-Ie em uma sutra budista que diz: “Não existe matéria, como não existem doenças: quem criou isso tudo foi o coração... Segue-se disso que a doença pode ser curada com o coração...”. (CAMARGO, 2012, p. 10).

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UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

DICAS

Quer dizer que para Masaharu e seus seguidores a matéria não existe? Assista ao filme Matrix, que mostra um pouco deste princípio em seu enredo. É considerado um clássico da cultura Pop de 1999, produzido pelos irmãos Wachowski. Eles utilizam elementos da cultura ocidental e oriental com referências claras a esta filosofia de que a matéria não existe, mas é uma projeção da realidade.

FIGURA 37 – CAPA DE MATRIX (MAIO DE 1999)

FONTE: Disponível em: <https://filmow.com/matrix-t6756/>. Acesso em: 10 ago. 2016.

Voltando para o nosso assunto, a partir deste texto budista, o fundador da Seicho-No-Ie elabora sua leitura desta realidade com a máxima: “Não existe matéria, mas existe a realidade” (jisoô) e “Você é a realidade, você é Buda, você é Cristo, você é infinito e inesgotável”. (TANIGUSHI, 2012, p. 95.)

Claro que estas afirmações são muito contrárias àquelas que estudamos na Unidade 1 de nosso trabalho com os povos do Livro. Taniguchi utilizou elementos de introspecção psicológica com fenômenos psíquicos para promover a cura de doentes através da autossugestão, ganhando adeptos e tornando-se bastante requisitado para palestras e estudos no mundo ocidental. Esta notoriedade favoreceu a presença da filosofia Seicho-No-Ie no Brasil, que contém locais de reunião espalhados por todo o país.

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TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

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FIGURA 38 – MATAHARU TANIGUCHI

FONTE: Disponível em: <http://sni.org.br/>. Acesso em: 10 ago. 2016.

Para entendermos de que forma a Seicho-No-Ie consegue ter adesão em localidades geográficas distintas é necessário verificar o elemento inter-religioso presente em sua doutrina. Segundo o site no Brasil com relação aos adeptos que possuam uma religião, lemos: “Existem pessoas que, mesmo já sendo adeptas de uma religião e frequentando assiduamente suas atividades, sentem-se muito bem e felizes ao entrar em contato com os ensinamentos da Seicho-No-Ie, que por sua vez recebe, com muito amor e carinho, todas as pessoas, sem nenhuma restrição”. FONTE: Disponível em: <http://www.sni.org.br/oque.asp>. Acesso em: 20 ago. 2016.

A doutrina coloca-se como um apoio adicional para o fiel de outra realidade religiosa, estratégia utilizada por outros grupos, como a maçonaria, por exemplo.

8 IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL – JOHREI

Esta expressão religiosa surgiu no Japão, em 1935, com Mokiti Okada e chegou ao Brasil em 1965. Basicamente utiliza a transmissão de energia de um indivíduo a outro através da imposição de mãos. A experiência é ensinada e outras pessoas podem aprender os preceitos Johrei. Mantém a mesma premissa Seicho-No-Ie a respeito da permissão para participar de outras religiões.

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UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

FIGURA 39 – MOKITI OKADA

FONTE: Disponível em: <http://jinsai.org/english/meishu_sama/images/imagjins19.php>. Acesso em: 10 ago. 2016.

Os sofrimentos humanos podem ser eliminados através desta imposição de mãos e meditação.

DICAS

Esta descrição a respeito da metodologia do Johrei lembra outra expressão quase contemporânea, chamada Reiki, cuja origem data de 1922, no Japão, que utiliza o princípio da transmissão de energia através das mãos. Citei esta outra filosofia oriental porque ela tem sido retomada por algumas correntes esotéricas nos dias atuais que retomaram os ensinos de Mikao Usui, seu fundador. Não é interessante como estes movimentos religiosos são cíclicos? Dependendo do contexto histórico em que a sociedade esteja inserida, movimentos antes esquecidos ganham nova força e são adaptados para a linguagem contemporânea!

Existem outras seitas de menor expressão no Oriente, mas que, por questão de espaço, não serão tratadas neste caderno de estudos.

UNI

Concluímos a segunda unidade de estudo de nossa jornada religiosa. Espero que você esteja descobrindo muitos conceitos novos que o ajudarão a entender os outros e no que eles acreditam. Gostaríamos de saber como sua experiência está acontecendo. Você poderia compartilhar essa experiência? Mande um e-mail para <[email protected]> e conte qual é a relevância deste estudo até agora para sua formação acadêmica. É muito importante que você apresente um feedback para medir seu aprendizado! Espero você na próxima e derradeira unidade, quando mergulharemos na religiosidade brasileira! Até lá!

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Além do budismo e do hinduísmo, várias outras religiões derivadas destas duas surgiram ao longo da História.

• Muitos dos fundadores destas religiões, como Confúcio e Lao Tsé, não criaram religiões, mas sistemas filosóficos para entender o mundo que os cercava e como atingir a eternidade.

• Em contexto de crise, como a Revolução Cultural da China, que aboliu as práticas religiosas e a Segunda Guerra Mundial, que acabou com a crença no culto ao imperador japonês, as religiões sofrem mudanças e, muitas vezes, crescem e se expandem para regiões onde não existem conflitos.

• Após a morte dos fundadores, as religiões sofrem complementos de cultos mais antigos e modificam os ensinamentos através de um sincretismo religioso, como no budismo tibetano e no taoísmo.

• O elemento mais importante no xintoísmo é o culto aos antepassados.

• Duas expressões religiosas que ganharam força no Brasil ao longo do século XX foram a filosofia Seicho-No-Ie e a Igreja Messiânica Mundial Johrei.

• Através das doutrinas religiosas é possível perceber alguns elementos da sociedade onde estas religiões possuem influência.

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Esta unidade de estudos é um desafio à nossa mente ocidental. Muitos conceitos tratados aqui nos parecem muito estranhos, por estarem muito distantes de nossa cultura, que foi sedimentada sobre o judaísmo e o cristianismo em grande medida.

Neste tópico tratamos de diversas expressões religiosas oriundas em grande parte do Japão e da China. Releia o texto do tópico, analise o gráfico a seguir, que mostra a idade dos praticantes do Budismo no Brasil, e responda às questões propostas:

AUTOATIVIDADE

ETÁRIO DOS PRATICANTES DO BUDISMO NO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://istoe.com.br/156867A+CRISE+DO+BUDISMO+NO+BRAIL/>.Acesso em: 10 ago. 2016.

1 Observando o quadro relativo ao budismo no Brasil, analise o panorama de crescimento destas religiões de cunho oriental. Como acontece o crescimento destas religiões longe dos centros de origem?

2 Comente a respeito da razão pela qual as filosofias religiosas Johrei e Seicho-No-Ie conseguiram alcançar presença no Brasil em localidades onde outras linhas religiosas semelhantes não conseguiram esta mesma presença.

3 Cite os dois movimentos apresentados como variações do budismo tradicional e quais são seus principais elementos.

4 Qual é o elemento central no xintoísmo?

5 Por que o laoísmo e o confucionismo podem ser considerados como sistemas filosóficos ao invés de religiões?

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UNIDADE 3

RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• verificar como a História do Brasil pode ser vista através do prisma das religiões que acompanham o brasileiro ao longo de seus mais de 500 anos de História;

• conhecer a origem das religiões influentes no Brasil, por exemplo: o espiri-tismo, a Nova Era, cultos indígenas e afro-brasileiros;

• verificar que mesmo as religiões tradicionais, como o catolicismo e até mesmo alguns cultos neopentecostais, apresentam elementos sincréticos com outras religiões;

• entender a origem da tolerância religiosa que ocorre no Brasil, o que per-mite até que exista sincretismo inter-religioso;

• conhecer a origem do discurso ecumênico e seus desdobramentos no Brasil;

• analisar as diferenças e semelhanças entre as religiões, visando a uma aproximação livre de preconceitos das religiões por falta de conhecimento.

Esta Unidade está dividida em quatro tópicos e no final de cada um deles, você encontrará atividades que o ajudarão a fixar os conhecimentos aborda-dos.

TÓPICO 1 – AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA PINDORAMA?

TÓPICO 2 – AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

TÓPICO 3 – OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

TÓPICO 4 – ECUMENISMO

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TÓPICO 1

AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA

PINDORAMA?

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Até o momento estudamos as chamadas grandes religiões da humanidade. Talvez este seja o momento ideal para explicarmos por que estas religiões são denominadas “grandes”. Isso ocorre porque, por motivos diversos, elas passaram por um processo de globalização e disseminação muito intenso. Depois da chegada em uma nova territorialidade, esta religião precisa ser aceita e conseguir um lugar no seio das religiões autóctones.

Um grande veículo de disseminação religiosa ocorreu na Idade Moderna através das chamadas Grandes Navegações, que cristianizaram o continente americano, incluindo o Brasil. Iniciaremos nosso estudo analisando as religiões brasileiras, no contexto de seu surgimento, ou seja: A religião indígena, o cristianismo português e, por fim, as religiões africanas, oriundas do sistema escravista português no Brasil.

UNI

Vamos perceber ao longo desta unidade que nenhuma religião permanece inalterada ao modificar seu espaço geográfico. Portanto, o candomblé africano é diferente do brasileiro, até mesmo o catolicismo brasileiro é diferente do romano em alguns aspectos.

Seguindo nossa aventura pelas religiões brasileiras, nossa segunda parada será no século XIX, quando, através do processo de imigração em massa, que ocorreu no Brasil em virtude da abolição da escravatura negra no país em 1888, novas expressões religiosas surgiram em terras brasileiras. Neste processo dinâmico, não foi apenas a mão de obra que chegou a terras tupiniquins, mas também os sistemas religiosos dos imigrantes. Foi neste momento que o espiritismo, a maçonaria e cultos esotéricos chegaram e foram modificados de acordo com a nossa realidade cultural. Com o advento da globalização, novas religiões chegam ao conhecimento dos brasileiros, seja pela TV, seja pela internet,

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UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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seja ainda por filmes de Hollywood, que trazem modismos que envolvem e aguçam a curiosidade dos jovens a respeito da religião por trás do filme. Por fim, faremos uma discussão sobre o movimento ecumênico e como este movimento influencia as tentativas de diálogo inter-religioso.

UNI

Se algum dos termos desta introdução não ficou claro para você, caro acadêmico, não se preocupe, analisaremos cada um deles em seu contexto.

2 OS CULTOS INDÍGENAS

Às vezes podemos ter a impressão de que o Brasil sempre foi católico, porque em nossos livros de história começamos a estudar a partir da chegada dos portugueses em 1500. Porém, não podemos nos esquecer de que antes da presença europeia esta terra já era povoada por diversas nações indígenas com uma história milenar, além de uma diversidade cultural e religiosa muito grande. Não podemos ter a mesma impressão de Pedro Álvares Cabral, que acreditava que todos os habitantes eram iguais. Não é possível determinar ao certo o número exato de nações indígenas, por não existirem registros escritos sobre sua história. Eles utilizavam a transmissão oral para sua tradição. Com o extermínio indígena a partir de 1500, seja por assassinato, escravização ou por doenças para as quais eles não tinham imunidade para se proteger, o conhecimento de muitas nações indígenas se perdeu no tempo e no espaço.

UNI

Entre as principais tribos indígenas brasileiras em 1500, podemos citar: os tupi-guarani, os jê, os aruak, os karib, os pano, os tukano, os carrua, além de outros grupos diversos. O próprio nome “índio” é uma denominação europeia e não como os autóctones se conheciam.

3 HISTÓRIA

Com o tempo, os portugueses dividiram os índios em dois grupos: o povo tupi e o povo tapuia. O povo tupi era todo indígena que habitava o litoral brasileiro, e o povo tapuia, todas as tribos que habitavam o interior do continente.

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TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA PINDORAMA?

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Um detalhe importante neste sentido não deve ser esquecido: a representação indígena pelos portugueses. Como os tupis eram amistosos em relação aos portugueses, eram representados vestidos com uma feição quase europeia, enquanto os tapuia eram representados mais selvagens e nus. Tire suas próprias conclusões com as figuras a seguir:

FIGURA 40 – MULHER TUPI E HOMEM TUPI

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UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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FIGURA 41 – HOMEM E MULHER TAPUIA

FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-87752008000200016&script=sci_arttext>. Acessado em: 10 ago. 2016.

4 RELIGIOSIDADE INDÍGENA

Com relação à religiosidade indígena, precisamos resgatar alguns valores que praticamente não existem mais em nossas sociedades, como a vida em comunidade e a prioridade na família em detrimento de qualquer outra coisa. Diversos rituais que aos nossos olhos podem parecer sem sentido e arcaicos, mostram a posição que a família representa no culto indígena.

Uma figura comum utilizada pelos antropólogos europeus para denominar a figura do líder religioso indígena em geral é o xamã. Esta figura é responsável por todos os rituais espirituais do grupo, bem como o principal conselheiro dos líderes da aldeia. Uma figura de grande autoridade entre toda a tribo. No Brasil, a nomenclatura que se atribui ao xamã é a palavra tupi pai’é, que em português se escreve pajé.

Para entendermos a função do pajé, precisamos entender como funciona a cosmogonia das sociedades tribais, neste sentido, as mesmas atribuições das tribos africanas que estudaremos na sequência.

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TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA PINDORAMA?

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Para as sociedades tribais, a família é o elemento fundamental. Mais importante que uma estrutura organizada com fronteiras e governos, é uma unidade familiar, entre os vivos e entre os mortos. Para os indígenas, os membros da família que vêm a falecer continuam a fazer parte do contexto familiar, agora como espíritos, e auxiliam a tribo no tocante à comunicação com os deuses e na proteção contra as pragas e problemas ambientais. Neste sentido, o culto aos antepassados é uma prática comum entre os indígenas. Os espíritos dos mortos continuam interferindo nas práticas do dia a dia e, se não forem lembrados e recompensados, podem causar doenças e até mesmo a morte de indivíduos.

UNI

As doenças e problemas do dia a dia são atribuídos a espíritos e o papel fundamental do pajé é o de promover a cura através do ritual certo para cada tipo de espírito.

Como acontece a cura em um ritual xamânico? O pequeno extrato abaixo foi retirado de um estudo antropológico onde pesquisadores, convivendo no contexto tribal, presenciaram rituais de cura xamânica no Maranhão:

Os pajés preferem curar à noite, uma das razões é que assim garantem uma audiência, o que seria difícil durante o dia, quando muitos estão para as roças. O pajé inicia a cura cantando as canções daquele sobrena tural que o seu inquérito leva a considerar como provável. Acompanha a si mesmo, marcando o ritmo da canção com uma batida forte de pé chacoalhando o maracá. Dança em volta do paciente; em geral, a família deste e alguns dos circunstantes o acompanham. A esposa ou um ajudante preparam-lhe os cigarros feitos de folhas de fumo enroladas em fibra de tawari. Um ajudante toma o maracá e o pajé preocupa-se daí por diante com a cura propriamente dita. Chupa repetidas vezes no cigarro para soprar a fumaça em suas mãos ou no corpo do paciente. Afasta-se para um lado e chupa no cigarro até que, meio tonto, recua de súbito e leva as mãos ao peito, o que indica ter recebido o espírito em seu corpo. Sob a influência do espírito o pajé comporta-se de maneira peculiar. Se é es pírito de macaco, por exemplo, dança aos saltos, gesticula e grita como esse animal. O transe se prolonga enquanto o espírito está forte. Algumas vezes o espírito ‘vem forte demais’ e ele cai ao chão inconsciente. É durante o transe, enquanto está possuído pelo espírito, que o pajé cura” (cf. Wagley & Galvão, 1961).

FONTE: Revista de Antropologia da USP e encontra-se disponível no site < http://www.usp.br/revistausp/67/01-laraia.pdf>.

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UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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O pajé dentro desta cosmogonia é o elo entre os homens e os deuses ou espíritos, por esta razão é o homem mais respeitado dentro das sociedades indígenas. Algumas tribos brasileiras adotavam a prática da antropofagia ou canibalismo, que tem sido muito mal interpretada pelo senso comum. O objetivo principal da antropofagia era o de, através da alimentação do corpo físico de alguém, adquirir todas as qualidades e forças do corpo. Os pajés são também pessoas com grandes conhecimentos das ervas nativas e conhecem características medicinais das plantas autóctones.

Através do conhecimento de ervas são realizados rituais conhecidos como

pajelança, que consistem em, pela ingestão de bebidas fortes, provocar uma espécie de transe espiritual e a partir de então receber a visitação de espíritos e as respostas para os anseios pessoais e coletivos. A eficácia e o potencial alucinógeno são estudados pelas autoridades sanitárias, porém o consumo destas substâncias para fins ritualísticos é permitido pelo governo brasileiro.

UNI

Todo este sistema religioso que o professor explicou até agora se aplica para tribos que ainda não sofreram influência do “homem branco”, o que hoje, segundo o site Brasil Sustentável, resulta num número de 67 tribos, apenas. Portanto, a maioria das tribos indígenas está até certa medida integrada ao contexto brasileiro e por isso sofre o processo de aculturação e sincretismo com o cristianismo, principalmente. Movimentos de resgate da cultura indígena surgem em nosso tempo buscando remontar traços desta cultura praticamente extinta. Uma destas iniciativas é a série de pequenos programas denominados ABC da Amazônia, que mostram diversas faces da realidade amazônica, entre elas a cultura indígena. Você pode assistir a estes vídeos no site disponível em: <http://www.globoamazonia.com/amazonia/0,,mul937605-16052,00-abc+da+amazonia+confira+todos+os+programetes+ja+exibidos+da+serie.html>.

Talvez o exemplo mais famoso deste sincretismo indígena com o catolicismo seja a religião do Santo Daime. Surgiu no início do século XX, através de um neto de escravos que diz ter recebido a revelação da religião de cunho cristão com a utilização da bebida indígena Ayahuasca, que recebeu o nome no Brasil de Santo Daime. De acordo com as origens da religião, seu fundador, Mestre Irineu, recebeu a revelação de Nossa Senhora da Conceição em uma das primeiras vezes que tomou a bebida na década de 30 do século passado. Todo o culto daimista é norteado por hinos compostos pelo Mestre Irineu que propôs, segundo o site oficial do culto ao Santo Daime <http://www.santodaime.org/origens/index.htm>, uma nova leitura dos Evangelhos segundo o Santo Daime. O próprio termo Daime tem origem nas petições de Mestre Irineu a nossa Senhora, como: Dai-me amor, Dai-me luz, Dai-me compreensão etc.

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TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA PINDORAMA?

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FIGURA 42 – MESTRE IRINEU, FUNDADOR DO SANTO DAIME

FONTE: Disponível em: <http://www.casadecuraris.com.br/event-items/passagem-mestre-irineu-2016/>. Acesso em: 10 ago. 2016.

A religião daimista tem alcançado certa divulgação na mídia através do interesse despertado no público estrangeiro, em especial os norte-americanos e europeus. Após a morte de Mestre Irineu, outros mestres têm se levantado para continuar o trabalho de divulgação do culto. Algumas pessoas ficam na floresta fazendo parte de uma comunidade alternativa que tem o objetivo de uma vida mais espiritualizada e mais próxima à natureza. Este processo também pode ser reconhecido nas comunidades alternativas de cunho esotérico que existem na região Centro-Oeste brasileiro.

Na leitura complementar deste tópico, retirado do site oficial do Santo Daime, vamos conhecer um pouco mais da ritualística litúrgica deste culto sincrético, genuinamente brasileiro.

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UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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LEITURA COMPLEMENTAR

O QUE É NOSSA RELIGIÃO?

O culto eclético da fluente luz universal é um trabalho espiritual, que tem como objetivo alcançar o autoconhecimento e a experiência de Deus ou do Eu Superior Interno. Para tanto, se utiliza, dentro de um contexto ritual tido como sagrado, da bebida enteógena sacramental, conhecida como ahyausca e que foi rebatizada pelo Mestre Irineu como Santo Daime. O uso de uma substância enteógena como sacramento parece ter feito parte das principais tradições religiosas da antiguidade e fornecido a base visionária de muitas das principais grandes religiões hoje existentes no mundo.

Nosso culto litúrgico, que se resume em comungar, nas datas apropriadas, a bebida à guisa de sacramento, se denomina Eclético, por que suas raízes estão impregnadas de um forte sincretismo entre vários elementos culturais, folclóricos e religiosos. O uso do sacramento Santo Daime é realizado nas datas do seu calendário festivo, obedecendo às regras rituais que foram estabelecidas pelo Mestre Irineu e pelo Padrinho Sebastião.

Um Conselho Espiritual dirige a Igreja e zela pela manutenção da tradição e dos princípios, ao mesmo tempo que procura adequá-las aos novos contextos. As principais festas do calendário religioso são os Hinários e os Feitios. Hinários são 12 horas seguidas de cânticos e bailado em torno de uma estrela de seis pontas, ao som de diversos instrumentos e maracás. Feitios são as festas de produção do sacramento, quando toda a comunidade se mobiliza para fazer a bebida sacramental, que será consumida durante o calendário de trabalhos do ano.

Outro elemento importante da espiritualidade daimista elaborada por Padrinho Sebastião foi a comunidade. A comunidade se constitui no ponto de referência comum para o trabalho espiritual de todos os membros. É a ela que devem retornar todas as boas aquisições que fazemos no nosso aprendizado espiritual.

A Doutrina do Santo Daime ou a Doutrina do Mestre Irineu, como também é identificada, nasceu dentro da floresta, brotou no seio do seu povo, uma gente muito humilde e digna. A sua mensagem, que se encontra reunida na forma de coleções de hinos recebidos pelos mestres e adeptos, prega o amor pela natureza e consagra o mundo vegetal e todo o planeta como sendo o cenário sagrado da nossa mãe-terra.

Nosso trabalho mantém, portanto, vínculos muito profundos com a floresta e pela causa da sua preservação. Isso chega a ser uma questão de fundamento espiritual. Para desenvolver essa parte social e ambiental do trabalho da nossa Igreja na Amazônia, foi criado o Instituto de Desenvolvimento Ambiental Raimundo Irineu Serra, que se empenha hoje em gerir e buscar parcerias para projetos de desenvolvimento autossustentável, numa região de quase 200.000 ha de florestas, pertencentes à Floresta Nacional do Purus, onde estamos assentados há cerca de 16 anos.

FONTE: Disponível em: <http://www.santodaime.org/site-antigo/doutrina/oquee.htm>. Acesso em: 16 ago. 2016.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• A cultura indígena no Brasil é muito anterior à presença portuguesa em nossas terras.

• A cosmogonia indígena leva em consideração o culto aos espíritos, sejam eles antepassados da tribo ou forças da natureza.

• O elemento-chave na religião indígena é o pajé e sua principal função é a de trazer a cura para as doenças que, segundo a crença geral, são originadas pelos espíritos.

• O pajé é, ainda, o porta-voz entre o mundo dos homens e o mundo dos espíritos.

• Com a expansão do território e da ocupação das terras brasileiras, os indígenas passam a se integrar à sociedade brasileira no sentido religioso, inclusive.

• O maior exemplo deste sincretismo e o mais famoso é a religião do Santo Daime, que envolve elementos católicos, indígenas e esotéricos.

RESUMO DO TÓPICO 1

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QUESTÃO ÚNICA: Destaque as principais diferenças do sistema de valores indígenas e dos “homens brancos”. Enfocamos algumas características do sistema indígena neste tópico, descubra se existe relação entre o sistema religioso predominante e a sociedade brasileira: o que é importante para nossa sociedade? Com estas informações, procure verificar se o sistema religioso que predomina em nossa sociedade permite os elementos que são importantes para ela.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Você deve se perguntar por que não falamos do cristianismo brasileiro antes de iniciar nosso tópico sobre as religiões afro-brasileiras? Você deve lembrar-se da disciplina de História da Igreja no Brasil, que você já concluiu há bastante tempo. Abordamos tudo o que era necessário para o estudo do cristianismo brasileiro, tanto católico quanto protestante, naquela ocasião. Neste novo trabalho vamos focar no que ainda não conhecemos.

Escrever a respeito de religiões como Umbanda e Candomblé não é uma missão muito simples, na medida em que existe todo um preconceito relativo a estas religiões, sendo que grande parte deste preconceito é oriundo de algumas denominações protestantes, de modo especial as pentecostais e neopentecostais, que utilizaram de uma estratégia maniqueísta entre bem e mal para separar os trabalhadores de Deus dos trabalhadores das trevas. Uma verdadeira Cruzada contra as religiões afro-brasileiras começou a ocorrer na década de 80 do século passado, de maneira a estigmatizar os participantes destes grupos religiosos.

Lembrando mais uma vez que não expresso aqui minha opinião a respeito de qualquer religião, para que você possa realizar uma leitura isenta de parcialidade. Um dos jargões do protestantismo é que Deus odeia o pecado, porém ama o pecador. Por que o homem pode ousar realizar algo diferente, decretando o julgamento das religiões afro?

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UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

UNI

É importante analisarmos se também nós, futuros pensadores e intelectuais da religião e da teologia, por vezes não nos tornamos maniqueístas (dividimos o mundo e as pessoas em dois grupos distintos: o bem ou o mal ou os de Deus e os do diabo, por exemplo). Creio que para os cristãos que porventura estiverem lendo este caderno de estudos, a atitude de Jesus em buscar os pecadores sem jamais julgá-los pelo que faziam, porém mostrando um caminho alternativo para aqueles que tinham uma vida sem ética ou moral, seria um bom exemplo de como devemos nos portar.

2 HISTÓRIA

Não é muito fácil determinar a origem distante das religiões oriundas do continente africano, devido à falta de registros escritos sobre sua história. Muito do que sabemos hoje dos povos africanos chegou até nós por via oral, ou seja, através do relato da geração mais antiga para a subsequente. A análise destas religiões é algo recente, portanto. Durante o século XX, antropólogos e sociólogos utilizaram métodos científicos modernos para desvendar as origens destes grupos religiosos que chegaram até nós com a vinda dos escravos africanos ao Brasil. Este elemento de transmissão oral dos conhecimentos facilita o sincretismo religioso, na medida em que, de uma geração para outra, os conhecimentos podem ser alterados. Na África Moderna, rituais têm sofrido mutações com o islamismo, na mesma proporção que aqui no Brasil as religiões afro-brasileiras sofreram mutações com o catolicismo romano.

O contexto africano, no período do Descobrimento do Brasil, era tribal. Quando dizemos “tribal”, queremos dizer que não existiam países ou nações africanas, apenas grandes tribos que tinham afinidade ou animosidade entre si. Neste ponto, os africanos modernos (do século XVI) se assemelham à maneira como analisamos o sistema indígena brasileiro, onde a tribo envolve as famílias e não apenas os membros vivos, os mortos também continuam a fazer parte do cotidiano, como um espírito que vive à parte, pairando sobre a sociedade para lembrá-los de seguir os preceitos antigos. Os vivos têm a obrigação de preservar a organização da tribo e isso é obtido através da observância das regras impostas pelos antepassados, e nisto incluem-se os sacrifícios aos mortos e aos espíritos familiares. Caso uma família acabe, a conexão que existe com os mortos ancestrais é cortada e eles deixam de pairar por sobre a Terra. Neste sentido, é importante manter a tradição, mesmo que a situação mude drasticamente, como no caso dos escravos deportados da África para o Brasil. O líder da tribo é o chefe ou o rei, além de chefe político, ele detém o poder religioso no sentido de interceder entre os espíritos e oferecer os sacrifícios. É ele quem faz o papel do pajé, no caso indígena brasileiro. Isto é possível, pois a fronteira entre a vida moral, política e religiosa é bastante difusa, sendo o rei o porta-voz entre os vivos e os mortos.

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TÓPICO 2 | AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

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Cada tribo possui um sistema próprio de crenças, mas, de maneira geral, todas elas creem num deus supremo, embora cada tribo apresente um nome próprio e pessoal para ele. Algumas lendas africanas contam que existia uma forte ligação entre este deus supremo e o homem, mas que um dia esta ligação foi rompida. Os homens só recorrem ao deus supremo em ocasiões especiais, no dia a dia eles preferem acessar os espíritos e deuses menores, que normalmente estão associados a fenômenos da natureza, como chuvas, raios, florestas etc.

Na sociedade africana antiga, os “Nganda” são os curandeiros considerados doutores ou médicos pela tribo. Eles auxiliam no tratamento homeopático das doenças, além de acompanhar o tratamento físico com amuletos e rituais mágicos. Para eles, as doenças podem ter sua origem através da chamada magia negra, que nada mais é do que utilizar os espíritos ancestrais para prejudicar ou atacar algum desafeto. Os Nganda utilizam outros espíritos para anular o poderio mágico destes seres sobre os humanos.

Além dos Nganda, existem os adivinhos, que possuem a habilidade de decifrar sinais enviados pelo mundo dos espíritos através de várias maneiras, por exemplo, uma bacia com pequenos ossos ou conchas que de acordo com a maneira como caem oferece uma leitura que serve de conselho para aquele que recebe a consulta espiritual. Mostramos, na sequência, dois exemplos do “jogo de búzios” no Brasil em nossos dias.

FIGURA 43 – JOGO DE BÚZIOS

FONTE: Disponível em: <http://irmavaleria.com/consultas.htm>. Acesso em: 27 nov. 2009.

3 RELIGIÕES AFRICANAS NO BRASIL

Como já dissemos anteriormente, os cultos de origem africana chegaram ao Brasil no século XVIII, com a vinda dos primeiros escravos, trazidos pelos portugueses.

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É comum considerarmos todos os africanos como iguais, mas precisamos lembrar que aqueles que chegaram ao Brasil eram escravos de guerra na África, nas grandes lutas tribais que ocorriam no território africano. Os degradantes navios negreiros, verdadeiros porões da morte onde os escravos eram transportados pelos portugueses, traziam membros de diversas tribos, cada uma com suas próprias crenças e simpatias. Então não pense que todos os escravos tinham as mesmas crenças ou eram todos das mesmas regiões da África. Alguns estudiosos dizem que a maioria dos africanos é de origem banta e sudanesa.

FIGURA 44 – PINTURA RETRATANDO O DIA A DIA EM UM NAVIO NEGREIRO

FONTE: <ttp://www.editoradobrasil.com.br/jimboe/galeria/imagens/index.aspx?d=historia&a=4&u=3&t=imagemA>. Acesso em: 10 ago. 2016.

O que antes os afastava, ou seja, sua origem divergente na África, passa agora a uni-los no Brasil, pois todos eram africanos em uma terra estranha. Os elementos religiosos que não eram compatíveis, agora são esquecidos para que se aproveite o ponto de união entre as diversas tribos africanas. O problema, neste sentido, é a rigidez dos senhores de engenho, que os obrigavam ao batismo na Igreja Católica e seguirem os santos do catolicismo. Não restando muita opção aos negros, eles se adequaram ao catolicismo e transferiram seus orixás ou deuses para as imagens dos santos católicos, transformando seu culto num culto sincrético com o catolicismo brasileiro.

Neste sentido, todas as 16 divindades do candomblé e da umbanda estão associadas a santos católicos, e entre eles, apenas para pontuar como exemplo, as cinco maiores são as seguintes:

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TÓPICO 2 | AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

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1 – Iemanjá utiliza a imagem de Nossa Senhora da Conceição.2 – Iansã utiliza a imagem de Santa Bárbara.3 – Xangô utiliza a imagem de São Jerônimo.4 – Ogum utiliza a imagem de São Jorge.5 – Oxalá utiliza a imagem de Jesus.

FIGURA 45 – IEMANJÁ, IANSÃ, XANGÔ, OXALÁ E OGUM

FONTE: Disponível em: <http://www.xamanismo.com.br/Teia/SubTeia1192578971It001>.Acesso em: 27 nov. 2009.

No Brasil contemporâneo, embora continuem existindo várias vertentes de cultos afro-brasileiros, como a quimbanda e o culto vodu, as linhas que possuem mais adeptos são o candomblé e a umbanda.

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Você acha que o candomblé e a umbanda são iguais? Este é um erro comum da comunidade leiga de maneira geral. Ambas possuem elementos em comum, porém existem algumas diferenças importantes para distinguirmos o culto afro.

O candomblé é o culto aos ancestrais de origem familiar, e a origem da religião está voltada à alma da natureza. O desenvolvimento do candomblé ocorreu principalmente após a abolição da escravatura, quando o controle sobre os negros foi diminuindo de maneira gradual. Embora possa não parecer, a teologia do candomblé é monoteísta, ou seja, eles acreditam em apenas um deus supremo que muda de nome de acordo com a região da África de onde os escravos tenham vindo.

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Aqui no Brasil, as tribos africanas ficaram conhecidas como “nações”. Deste modo, para a nação Ketu, por exemplo, o nome do deus supremo é Olorum, já a nação Bantu lhe dá o nome de Zambi e a nação Jeje atribui à divindade o nome de Mawi. Porém, todas estas nações, ao chegarem ao Brasil, transferiram as atribuições desta entidade ao Deus católico.

As homenagens oferecidas aos orixás são o reconhecimento do povo pelas qualidades que possuem. Neste sentido, quando os escravos encontraram um catolicismo popular no interior do Brasil, onde não havia uma forte presença do clero católico, que tendia mais para um politeísmo com os santos que para uma doutrina trinitária cristã, este sistema pôde ser muito bem ajustado à teologia do candomblé.

Quanto aos rituais, o candomblé não enfatiza a prática das “incorporações” dos orixás, podendo ocorrer de maneira ocasional, não é a prioridade do culto, no sentido destas entidades serem forças da natureza que não passaram pela vida, ou seja, não passaram pela existência humana e, portanto, merecem culto para que se receba algo em troca e se realize a permuta entre esta dimensão física e a espiritual.

De maneira resumida, o candomblé tem uma origem milenar e tem o seu culto ao redor do deus supremo e dos orixás, que são elementos da natureza e, portanto, não são espíritos de pessoas que morreram, eles sempre existiram.

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TÓPICO 2 | AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

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FIGURA 46 – DISPOSIÇÃO E NOMENCLATURA DOS PARTICIPANTES DE UM CULTO DE CANDOMBLÉ

XangõOxumaré

Ossaim

Oxum

Tansã

NanãObalualé

Oxóssi

Ogum Oxalá

Iemanjâ

Participantes Pai-de-santo

AgogôXequerê

RumRumpi

FONTE: Disponível em: <http://www.girafamania.com.br/tudo/religiao_candomble.html>. Acesso em: 28 nov. 2009.

A umbanda, ao contrário do que se imagina, não surgiu na África, é uma religião recente de origem genuinamente brasileira. Surgiu no início do século XX, através de um amálgama religioso que une os elementos católicos, do candomblé, e de maneira especial, do espiritismo que havia chegado ao Brasil trazido pelos europeus no século anterior. Existem ainda elementos de cultos ciganos e esotéricos que fecham este caldeirão religioso. A organização do culto umbandista é bastante descentralizada, ou seja, quem determina as regras de como a tenda de umbanda deve funcionar é o pai de santo local. O primeiro registro em cartório da abertura de uma tenda de umbanda data de 1908. A figura-chave dentro do universo do culto é a figura do “Preto Velho” ou dos guias, que são os responsáveis pelas informações pertinentes aos pais de santo de como devem conduzir a tenda. As figuras do “Preto Velho” e dos guias são, na verdade, espíritos de antigos escravos africanos que chegaram ao Brasil e aqui morreram. São estes espíritos que incorporam nas sessões de umbanda e, por esta razão, a multiplicidade do culto dificulta uma padronização do ritual devido à sua pluralidade cultural e religiosa. A umbanda não é iniciática, como o candomblé, ou seja, para se tornar um médium que recebe um guia, o postulante, após algum treinamento, poderá fazer parte da “roda”, caso sejam encontrados nele as características necessárias para a função. Já no candomblé, os postulantes são separados e preparados através de rituais longos e complexos que visam “abrir a visão” para que possam estar mais aptos a receber estes seres e ser instrumentos e canais para que os orixás possam se comunicar com os demais participantes.

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FIGURA 47 – FOTOGRAFIAS DE CULTO UMBANDISTA

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Você deve ter notado a grande presença de brancos nos trabalhos do culto de umbanda retratados acima. Podemos dizer que o acesso à umbanda é mais “democrático” que o candomblé, que além do elemento religioso, é um foco de resistência à manutenção da cultura afro-brasileira, muito em voga em nossos dias, onde percebemos que os negros estão buscando retomar seu espaço na sociedade brasileira.

Além da umbanda e do candomblé, existem ainda várias outras linhas de culto afro-brasileiro, como a macumba e a quimbanda, e cremos que uma breve palavra sobre ambas pode auxiliá-lo a entender estas outras vertentes dos cultos africanos no Brasil.

FONTE: Disponível em: <https://tepma.files.wordpress.com/2015/11/img_6607.jpg> Acesso em: 17 mai .2018.

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-QxXe04gZo-8/Vo6Gi9pwxRI/AAAAAAAAHm4/kxIEaQ29IFQ/s1600/umbanda%2Blibras.jpg> Acesso em: 17 mai. 2018.

FONTE: Disponível em:<https://i.ytimg.com/vi/9p_Qg4PSqkA/maxresdefault.jpg> Acesso em: 17 mai. 2018.

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TÓPICO 2 | AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

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A palavra macumba é de origem banta (makiumba ou makumba) e significa “espíritos da noite”. A razão disso é que os rituais devem ser efetuados durante a noite e fora do terreiro, pois estas entidades seriam espíritos menores, que não pertencem ao panteão do candomblé e, por esta razão, passaram a ser vistos como subprodutos ou de maneira pejorativa pelos seus próprios iguais. A Igreja também passou a condenar abertamente os rituais de macumba, no sentido de serem efetuados nas ruas e durante a noite, podiam ser vistos por transeuntes. As acusações da Igreja giravam em torno das bebidas e cigarros que eram fartamente utilizados nos rituais, além das danças altamente eróticas que aconteciam nestes rituais, que eram interpretados pelos não iniciados como orgias sexuais.

A quimbanda seria a religião onde um dos rituais é a macumba. Assemelha-se muito à umbanda, com a diferença marcante de que, em seus rituais, sacrifícios utilizando elementos como sangue, pólvora, pertences das pessoas a quem se quer prejudicar são utilizados, o que já não ocorre na umbanda. A quimbanda seria o que conhecemos como magia negra e a umbanda a magia branca. No quimbanda, os elementos adorados são os exus, que são espíritos das trevas, ou espíritos muito atrasados em relação à evolução natural dos espíritos que, quanto mais elevados, mais “benefícios” podem trazer para a humanidade. Os exus, porém, podem ser invocados para fazer o mal às pessoas. No mesmo contexto de sincretismo que vimos no candomblé com os santos católicos, temos a associação dos exus com as entidades demoníacas do cristianismo. Nos escravos brasileiros existiam duas vertentes de pensamento principais: a dos escravos que aceitaram a evangelização católica de bom grado, misturando os elementos religiosos sem maiores problemas, e aqueles que não aceitaram a mistura, buscando manter a essência dos rituais africanos. Alguns estudiosos dizem que as entidades que incorporam na umbanda são os espíritos da primeira categoria, enquanto que, na quimbanda, são os da segunda.

Poderíamos falar ainda de vodu, santeria cubana, por exemplo, mas como sua influência está mais relacionada ao Caribe que ao Brasil, extrapolaria o recorte deste trabalho de estudo.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• As tradições africanas foram transmitidas oralmente em sua grande maioria.

• A origem das religiões africanas remonta ao período primitivo da organização da sociedade em tribos.

• A família é a chave para entender o papel dos espíritos ancestrais e seu culto, em especial a participação dos espíritos no cotidiano das pessoas.

• No Brasil, os cultos africanos sofreram mutações as quais chamamos de sincretismo religioso, ao se misturar com o catolicismo e formar algo genuinamente novo.

• Podemos ainda destacar que do candomblé, a religião mais próxima dos cultos africanos, derivaram outras vertentes, como umbanda, quimbanda e macumba.

• A umbanda é uma religião ou vertente genuinamente brasileira e surgiu do amálgama entre o candomblé, o catolicismo e o espiritismo.

• A macumba e a quimbanda possuem rituais conhecidos como magia negra, pela razão de que as funções dos rituais podem também ser utilizadas para prejudicar outras pessoas.:

• As tradições africanas foram transmitidas oralmente em sua grande maioria.

• A origem das religiões africanas remonta ao período primitivo da organização da sociedade em tribos.

• A família é a chave para entender o papel dos espíritos ancestrais e seu culto, em especial a participação dos espíritos no cotidiano das pessoas.

• No Brasil, os cultos africanos sofreram mutações as quais chamamos de sincretismo religioso, ao se misturar com o catolicismo e formar algo genuinamente novo.

• Podemos ainda destacar que do candomblé, a religião mais próxima dos cultos africanos, derivaram outras vertentes, como umbanda, quimbanda e macumba.

RESUMO DO TÓPICO 2

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• A umbanda é uma religião ou vertente genuinamente brasileira e surgiu do amálgama entre o candomblé, o catolicismo e o espiritismo.

• A macumba e a quimbanda possuem rituais conhecidos como magia negra, pela razão de que as funções dos rituais podem também ser utilizadas para prejudicar outras pessoas.

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AUTOATIVIDADE

Este sem dúvida é o tópico mais polêmico de todo o caderno de estudos, devido a todo o preconceito que ainda existe em relação aos cultos de origem africana, pelas razões que já foram aqui citadas. Gostaria de propor, nesta atividade, que você pudesse redigir um texto (mínimo de 15 linhas e máximo de 30) sobre como sua visão foi afetada após um estudo científico a respeito destas manifestações religiosas. Caso você queira compartilhar conosco sua experiência, mande seu texto para <[email protected]> e terei o maior prazer em ler e dar uma opinião a respeito de seu posicionamento!

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TÓPICO 3

OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Analisamos, até o presente momento, os três maiores movimentos religiosos no país: os cultos indígenas e os cultos de origem africanas nesta unidade, bem como o cristianismo brasileiro no caderno de História da Igreja no Brasil. Porém, um fenômeno recente importante foi um poderoso veículo para a chegada de novos movimentos religiosos no nosso país. Este fenômeno foi a grande imigração de europeus e americanos ao Brasil após a abolição da escravatura, no final do século XIX. Novas ideias chegaram com eles e marcaram novas religiões em solo tupiniquim, sobre as quais conversaremos a partir de agora.

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Não é uma tarefa fácil dividir um grande grupo de religiões com suas especificidades próprias em um único tópico de ensino.

Iniciaremos nosso estudo com o espiritismo, cujo maior ícone no Brasil é, sem dúvida, o médium Chico Xavier. Continuaremos analisando um fenômeno recente no Brasil onde podemos perceber a formação de comunidades alternativas de cunho esotérico, de maneira especial na região Centro-Oeste do Brasil, além de citar outras vertentes com presença no Brasil, porém com um raio de influência menor.

É preciso deixar claro, porém, que a presença das religiões tratadas nas outras unidades de estudo, como o judaísmo, o islamismo, o budismo e o hinduísmo, é muito marcante no Brasil e atuam em nossa sociedade, porém não houve um sincretismo nacional, como temos visto até aqui. Desta forma, os princípios estudados anteriormente ainda valem para o judaísmo brasileiro, por exemplo.

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UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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2 O ESPIRITISMO

O espiritismo surge oficialmente na França no século XIX, através da figura de Leon Hippolyte Denizard Rivail, que se autodenominou Allan Kardec posteriormente. Oficialmente, porque existem relatos anteriores de acontecimentos mediúnicos nos Estados Unidos, em especial o caso curioso da família metodista Fox que, ao alugar uma casa para residir com a família, estranhos acontecimentos ocorreram a partir de então, em especial com as duas filhas do casal: Margarida e Catarina Fox.

FIGURA 48 – PINTURA DE ALLAN KARDEC

FONTE: Disponível em: <http://blogmais.wordpresscom/2008/08/10/biografia-allan-kardec/>.Acesso em: 28 nov. 2009.

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Ficou curioso para conhecer a história das irmãs Fox? Infelizmente não temos espaço para tratar deste caso de protoespiritismo. Caso queira conhecer esta história, acesse <http://www.espirito.org.br/portal/publicacoes/abc/cap04.html>.

A doutrina espírita apresenta elementos hinduístas e cristãos, ou seja, mais uma vez vemos a palavra sincretismo na baila, mesmo que seus seguidores não aceitem isso. O espiritismo está pautado em dois pilares principais: a reencarnação da alma e a comunicação com os mortos. A reencarnação da alma e sua consequente evolução é uma ideia que já vimos quando estudamos o hinduísmo, na Unidade 2, apenas o nome não era alma e sim karma. Cada ser humano possui um karma que pode evoluir ou não de acordo com as atitudes nesta vida. No caso

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TÓPICO 3 | OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

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do espiritismo, todos os seres humanos possuem uma alma que encarna num corpo de tempos em tempos. Enquanto a alma está desencarnada, ou seja, sem um corpo, pode ser acessada através de sessões mediúnicas e transmitir recados ou trazer a solução para vários problemas emocionais ou mesmo físicos, através da cura por meio do chamado “passe”, que consiste na imposição das mãos para os que recebem a direção dos espíritos. Podemos considerar o passe como uma modalidade leve de exorcismo, onde o objetivo é passar boas energias e afastar influências espirituais negativas que podem levar a doenças e desequilíbrios emocionais.

Allan Kardec deixou vários textos que são a base para a doutrina espírita. Os principais são:

1 O livro dos espíritos, de 1857.2) O que é o espiritismo, de 1859.3) O livro dos médiuns, 1861.4) O Evangelho segundo o espiritismo, de 1864.5) O céu e o inferno, de 1865.6) A gênese, de 1868.7) Obras póstumas.

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Em 2004 comemorou-se o bicentenário do nascimento de Allan Kardec e, como parte destas comemorações, foi lançado o filme Allan Kardec, o Educador, de Dora Incontri Edson Audi. O filme é brasileiro e conta com atores conhecidos. Recomendo que você assista ao filme, porém com um olhar crítico, no sentido de ser um filme feito por espíritas para espíritas. Mas a dica vale!

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Na França, Allan Kardec buscou elaborar um complexo sistema filosófico-religioso adotando elementos científicos oriundos do evolucionismo de Darwin. No Brasil, porém, o elemento marcante no espiritismo é o religioso de moralização da conduta, sendo que, no início, o que era mais valorizado eram os serviços terapêuticos de cura que eram oferecidos. A novidade no discurso kardecista está na associação com o cristianismo, em especial à figura de Jesus, que assim como em outras religiões, o veem como um modelo ideal de espírito evoluído que tem muito a nos ensinar a respeito de como melhorar no transcorrer das encarnações. Neste ponto, Jesus não é Deus, na medida em que existe apenas o Deus supremo e a salvação é individual e espontânea, ou seja, depende do empenho pessoal de cada fiel. É proveniente dos evangelhos também outro ponto alto do espiritismo: a caridade. É através dela que a alma pode evoluir para um dia transformar-se num espírito sublime, que rompe o ciclo de reencarnações.

O maior ícone no Brasil do espiritismo é, sem a menor sombra de dúvida, Chico Xavier. Falecido em 2002, aos 92 anos de idade, com uma história singular e um carisma marcante, levantou seguidores por todo o país e, com isso, difundiu a doutrina espírita pelo país. Chico era um médium que psicografava informações oriundas dos espíritos, sendo que, no final de sua carreira, havia escrito mais de 400 livros. É claro que foi acusado de charlatanismo por muitos, inclusive membros de sua família, porém, como não existiram provas, Chico Xavier continuou sua jornada até sua morte em 2002.

FIGURA 49 – CHICO XAVIER

FONTE: Disponível em: <http://www.batuiranet.com.br/espiritismo/686/biografia-de-chico-xavier-francisco-candido-xavier-historia-de-chico-xavier/>. Acesso em: 28 nov. 2009.

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O espiritismo não pode ser considerado como cristão, na medida em que não entende Jesus como Filho de Deus e não aceita o Antigo Testamento como parte da revelação divina à humanidade, em especial os trechos que dizem que a reencarnação não existe ou é uma doutrina proibida.

3 ESOTERISMO

O esoterismo é uma ampla gama de movimentos de cunho místico e não pode identificar uma religião e sim um complexo grupo de movimentos que têm em comum a crença em forças místicas e cósmicas. Estas forças podem estar contidas em amuletos de tipos específicos de cristais, através do alinhamento de planetas e estrelas, podem ser mais intensas em determinadas regiões geográficas. Perceba que a ênfase não está muito voltada ao contato com o sobrenatural, e sim com a utilização de elementos que concedam energia que possam auxiliar as pessoas em seu dia a dia.

A influência esotérica tem crescido vertiginosamente nos últimos anos e

ela cresce proporcionalmente à dessacralização de nossa sociedade. Na medida em que nossa sociedade se torna cada vez mais secular, considerando a religião como algo ultrapassado na consciência social, o espaço no ser humano que necessita deste contato com aquilo que não conseguimos explicar acaba sendo tomado por essas filosofias, entre elas a astrologia, a ufologia e movimentos alternativos como teosofia, gnose, eubiose, fé bahai, entre muitos outros movimentos.

FIGURA 50 – IMAGEM: OS CHACRAS (PONTOS DE ENERGIA NO SER HUMANO)

FONTE: Disponível em: <http://ab-integro.blogspot.com/2009/06/breve-proposta-de-explicacao-sobre.html>. Acesso em: 28 nov. 2009.

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3.1 ASTROLOGIA

É com certeza uma das mais antigas manifestações esotéricas da história. É de origem persa através da religião Zoroastrista de origem persa e tem pelo menos 4.000 anos de existência. Com o tempo sofreu aprimoramentos através das culturas greco-romanas e teve sua idade de ouro durante os séculos XIV, XV e XVI. O cerne da astrologia está na crença de que existe uma relação muito estreita entre a posição dos astros (planetas e estrelas) e a vida individual da pessoa. Os que seguem este movimento observam atentamente o horóscopo, na medida em que as previsões são feitas a partir dos signos, que são na verdade 12 constelações que se encontram na faixa do Zodíaco. Em cada período do ano determinado por cada signo, segundo os astrólogos, é possível determinar elementos pertinentes à personalidade da pessoa.

O ponto alto da astrologia é a confecção do chamado mapa astral. Através deste mapa, os estudiosos recompõem a constelação que havia no exato momento do nascimento do indivíduo. Através deste mapa, eles acreditam poder realizar previsões precisas sobre a vida e sobre como ele pode ser bem-sucedido através do alinhamento dos astros.

Os estudiosos dizem praticar uma ciência antiga, porém não existe comprovação científica dos resultados práticos dos estudos astrológicos.

FIGURA 51 – EXEMPLO DE MAPA ASTRAL

FONTE: Disponível em: <http://bloglog.globo.com/blog/blog.do?act=loadSite&id=91&mes=12&ano=2007>. Acesso em: 28 nov. 2009.

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TÓPICO 3 | OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

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3.2 UFOLOGIA

Dentro do esoterismo contemporâneo existe a vertente ufológica, que é bastante difundida nos EUA. De acordo com a ufologia, seres de outros planetas nos visitam constantemente. Estes seres seriam muito mais evoluídos que nós e estariam monitorando a raça humana para evitar que seja destruída por si mesma. Algumas pessoas dizem que já tiveram um Encontro Imediato de Terceiro Grau, ou seja, encontraram um alienígena pessoalmente, ao passo que outros dizem que foram inclusive abduzidos, ou seja, foram sequestrados do planeta Terra e levados até os OVNIs (Objetos Voadores não Identificados), onde experiências foram feitas por parte dos extraterrestres.

Nos Estados Unidos, a ufologia saiu do campo de pesquisa astronômica para o campo religioso, com igrejas que pregam a vinda dos extraterrestres ao planeta Terra. Existem inclusive profetas que viajam o mundo pregando o fim da raça humana através de uma guerra atômica. Toda a humanidade só não será destruída devido à benevolência dos ETs, que levariam um grupo de remanescentes para um planeta distante onde o homem poderá começar sua história de uma maneira diferente.

Difícil de acreditar? Até o presente momento não existem indícios concretos de que exista vida fora do planeta Terra, embora esta hipótese seja possível. O que não podemos fazer aqui, em nosso estudo, é misturar o campo das pesquisas astronômicas do campo das crenças ufológicas.

No Brasil, o caso mais intrigante e popular sobre a ufologia é o caso ocorrido em Minas Gerais, intitulado o ET de Varginha. Caso queira saber mais sobre este caso ufológico, o que dizem as autoridades sobre ele, acesse: <http://www.maisvarginha.com.br/vga_et.asp>.

FIGURA 52 – SUPOSTO DESENHO DO ET DE VARGINHA

FONTE: Disponível em: <http://blig.ig.com.br/foradecampo/2009/06/24/saudacoes-eu-venho-em-paz/>. Acesso em: 28 nov. 2009.

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3.3 NOVA ERA

Este movimento nasceu na Califórnia e, junto com ele, uma infinidade de movimentos alternativos que eclodem em todo o mundo, o que dificulta colocar estes movimentos sob a mesma nomenclatura. Porém, algumas características são comuns entre os grupos de Nova Era. A primeira delas está ligada a uma profunda desconfiança e desesperança com as políticas capitalistas contemporâneas e também à ciência, na medida em que foi a ciência que criou as armas atômicas e as doenças de laboratório. Desta forma, o materialismo não ajuda o corpo e a mente do ser humano, devendo ser rechaçado.

O segundo ponto convergente diz respeito a uma nova espiritualização, com influências orientais e europeias antigas, como as religiões celtas. Cada vez mais pessoas, sem abandonar sua religião, começam a adotar práticas de Feng Shui para harmonização e equilíbrio das energias internas às residências, adotam os elementos da meditação e do yoga, além de terapias alternativas como florais, acupuntura. Todas estas práticas têm sua origem nas religiões orientais e, progressivamente, ganham espaço na sociedade quando são desvinculadas de sua origem religiosa.

Existe um grande interesse em nossos dias a respeito dos anjos de cristais, pêndulos, fadas, gnomos, duendes e outras criaturas mitológicas, existem cursos de Teosofia e Gnose espalhados pelas grandes metrópoles, isso sem contar a influência da música New Age, que ganha a cada dia mais e mais espaço na mídia. O terceiro elemento aglutinador dos vários grupos de Nova Era tem a ver com o próprio nome do movimento. Nova Era tem relação com uma nova era cósmica, através de elementos astrológicos, que um novo momento histórico começa com a predileção da constelação de Aquário para reger os ventos da História. Segundo os astrólogos, esta Nova Era será pautada pelo conhecimento. Com a chegada da Era de Aquário, os estudiosos acreditam que haverá uma mudança de pensamento de toda a humanidade para melhor. O quarto elemento destas comunidades é o interesse pela parapsicologia. Eles se interessam em treinar telepatia, telecinésia e viagens astrais (onde a alma pode ser transportada sem o corpo por alguns momentos). Por fim, o último elemento aglutinador destes movimentos é a tentativa de, além de mostrar apenas novas doutrinas e elementos religiosos, estes movimentos buscam também impactar a sociedade como um todo através de um novo sistema social. Existem muitas comunidades alternativas onde todos são vegetarianos, não fazem uso de equipamentos eletrônicos nem de produtos manufaturados. Comem o que plantam e utilizam elementos de conforto confeccionados de maneira natural, como sabonetes e xampus, por exemplo.

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FIGURA 53 - ELEMENTOS DA ARQUITETURA E RITUAL DA COMUNIDADE ALTERNATIVA DE VALE DO PARAÍSO

FONTE: Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=600490>. Acesso em: 28 nov. 2009.

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LEITURA COMPLEMENTAR

O espiritismo continua crescendo no Brasil

A revista IstoÉ desta semana destaca o lançamento do livro “Kardec, a Biografia” (ed. Record), escrito pelo jornalista Marcel Souto Maior. “Kardec precisou ir além da religião para criar uma doutrina inteira em apenas 13 anos”, explica.

O material foi compilado para mostrar a “força” do movimento que surgiu na França, mas foi no Brasil que alcançou seu maior número de adeptos. Embora seja uma prática pagã milenar, o pioneiro do espiritismo moderno foi o professor Hippolyte Léon Denizard Rivail. Membro destacado de nove sociedades científicas, escreveu 20 livros sobre pedagogia na França do século XIX.

Mas sua vida mudou quando começou sua busca pelo aspecto transcendente da vida. Acreditando na revelação feita por um espírito, mudou seu nome para Allan Kardec. Redigiu o influente “O livro dos espíritos” (1857). Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e passou a escrever diferentes livros sobre o assunto e uma publicação mensal. É considerado até hoje o “grande codificador da doutrina”.

Faleceu em 1869, vítima de aneurisma cerebral. Na época, sua doutrina tinha oficialmente sete milhões de seguidores. Desde então continuou crescendo, apesar da forte oposição da Igreja Católica da Europa. Seus livros eram queimados em praça pública. Médiuns e adeptos do espiritismo eram condenados por suas práticas. Souto Maior afirma: “Kardec era político. Depois das brigas, ele media as palavras com a Igreja e sabia que isso traria publicidade”. Atualmente, no túmulo de Kardec no Cemitério Père-Lachaise, em Paris, existem mais mensagens em português do que em francês. Não por acaso.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que o Brasil tem 3,8 milhões de pessoas que se declaram espíritas. Some-se a isso 30 milhões de “simpatizantes”, defende a Federação Espírita Brasileira. Oficialmente, entre 2000 e 2010, o número de seguidores do espiritismo cresceu 65% no Brasil. Segundo a Federação, continua crescendo. É um tema recorrente em novelas e programas da televisão brasileira.

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3,8 milhões de espíritas

100 editoras especializadas

30 milhões de simpatizantes

67% dos espíritas são brancos

Mais de 4 mil títulos publicados

65 % de crescimento entre 2000 e 2010

19,7% dos adeptos ganham mais de cinco salários mínimos

Geraldo Campetti, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira, assegura: “Nossa população aceita muito bem a ideia de vida após a morte”. Para muitos estudiosos do assunto, o kardecismo é uma criação brasileira. Eles apontam três fatores que ajudaram na formulação nacional dessa doutrina: o sincretismo brasileiro (em especial porque para os católicos a ideia de falar com santos mortos era comum), a proximidade entre espiritismo e cristianismo no ensino das boas obras e, por fim, a popularização dos ensinamentos através de Chico Xavier.

A chegada do espiritismo ao Brasil foi em 1860. O médico e político Bezerra de Menezes traduziu os livros de Kardec para o português. Contudo, apenas 100 anos depois viria a chamada “explosão da doutrina”, em grande parte por causa dos escritos do médium Chico Xavier. Falecido em 2002, deixou mais de 450 livros publicados. Um deles se chamava justamente “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”. Entenda-se que é a interpretação espírita do Evangelho.

Marcel Souto Maior escreveu sua biografia, “As Vidas de Chico Xavier”, que vendeu mais de um milhão de cópias. O sucesso rendeu uma versão cinematográfica, que atraiu 3,4 milhões de espectadores aos cinemas. Agora, o autor das duas obras diz que o mesmo ocorrerá com a história de Allan Kardec. “O filme deve ficar pronto no ano que vem”, comemora.

FONTE: Disponível em: <https://noticias.gospelprime.com.br/istoe-espiritismo-crescendo-brasil/>. Acesso em: 10 ago. 2016.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• Existem inúmeros movimentos religiosos de cunho esotérico em funcionamento no mundo contemporâneo, entre eles podemos citar a astrologia, a ufologia e o movimento Nova Era.

• O espiritismo nasceu na França e chegou ao Brasil no início do século XX.

• O espiritismo recebe elementos sincréticos do hinduísmo e do cristianismo.

• Allan Kardec organizou um complexo sistema de doutrinas baseado na religião e na ciência.

• O cerne do kardecismo está na possibilidade de reencarnação e na comunicação com os mortos.

• Existem vários elementos que auxiliam na compreensão de que os movimentos alternativos tenham surgido de maneira contemporânea em nossas sociedades, e muitas destas causas são geradas por uma insatisfação com o sistema religioso e material da humanidade.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

Responda às questões propostas relativas ao tópico de estudo.

1 Quais são os dois pilares do espiritismo?

2 No Brasil, qual é o maior ícone da doutrina espírita?

3 Explique a afirmação de que o esoterismo não pode ser visto como uma religião única.

4 Cite três grupos religiosos que podemos derivar do esoterismo.

5 Quais são os elementos que podemos citar para mostrar o sucesso de adesão do espiritismo no Brasil?

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TÓPICO 4

ECUMENISMO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Neste último tópico de estudo vamos examinar as raízes das tentativas de unificar o discurso cristão em meio ao universo de vertentes cristãs, sejam elas católicas ou protestantes. A preocupação com a unidade da Igreja sempre foi uma constante ao longo da história cristã, devido ao grande número de heresias que sempre se levantou à margem do cristianismo primitivo, quando líderes cristãos realizavam suas próprias interpretações do contexto doutrinário e constituíam um novo cristianismo, normalmente intitulado de “verdadeiro”.

2 ORIGEM DO ECUMENISMO

Foi durante a Idade Média que a humanidade teve um exemplo prático de unidade cristã, naquilo que os historiadores chamam de cristandade, quando toda a Europa estava firmemente enraizada nas doutrinas cristãs aliadas ao poder secular dos reinos cristãos. Porém, qual foi o resultado desta experiência prática? A necessidade de manutenção do status quo a qualquer custo, mesmo que fosse necessário o uso da força militar para manter a Europa Cristã. Desta forma, muitos grupos considerados hereges por Roma foram dizimados para manter a unidade da Igreja. Dentre eles podemos citar os valdenses na Itália e os cátaros e albigenses na França.

Com o advento da Reforma Protestante e as sequenciais divisões no seio evangélico, os reformadores viram a necessidade de aproximação entre elas. Foram, portanto, os reformadores que iniciaram os diálogos neste sentido, no século XVI. Podemos citar, por exemplo, os colóquios de Ratisbona (1541), na Alemanha, e de Poissy (1561), na França. Houve tentativas de aproximação com os católicos neste período, porém os instrumentos da Contrarreforma Católica e as contínuas divisões no seio protestante inviabilizaram este projeto por pelo menos três séculos.

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UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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O moderno movimento ecumênico tem entre 100 e 150 anos de existência. Foi possível restabelecer os diálogos, devido aos grandes movimentos cristãos de reavivamento espiritual que ocorreram neste período. Com este reavivamento, a concentração das diferentes denominações cristãs estava voltada para os aspectos básicos do cristianismo, e assim foi possível perceber que os elementos marcantes das diferentes denominações são os dogmas comuns e não as doutrinas denominacionais.

3 O ECUMENISMO CONTEMPORÂNEO

O marco no movimento ecumênico é a criação do Conselho Mundial de Igrejas, em 1948, na cidade holandesa de Amsterdã. O objetivo deste conselho era o de nortear os rumos das igrejas ditas cristãs e auxiliar nos diálogos intereclesiásticos. Na fundação, 147 igrejas de 44 países aderiram ao movimento. Hoje, mais de meio século depois de sua fundação, o Conselho Mundial das Igrejas realizou sua nona Conferência, na cidade de Porto Alegre, no Brasil, em 2006. Nesta nona edição pôde-se perceber que os anseios iniciais do movimento, que era o de estabelecer o diálogo entre as denominações cristãs, foi ampliado para outros segmentos religiosos, como a Legião da Boa Vontade (LBV), algumas Igrejas pseudoprotestantes voltadas a grupos homossexuais e até mesmo religiões de cunho afro-brasileiro.

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Se você se interessou pelo Conselho Mundial das Igrejas e quer saber mais a respeito deste polêmico encontro, pode acessar o site do congresso, onde todos os vídeos dos palestrantes estão disponíveis, bem como os documentos, que as mesas de discussão formularam. Alguns documentos estão em português, então você pode aproveitar! O endereço eletrônico é <http://www.wcc-assembly.info/po/sobre-a-assembleia.html>.

O lema do Conselho das Igrejas em sua gênese era descrito pela seguinte frase de 1954: “O Conselho Mundial de Igrejas é um conjunto de Igrejas que reconhecem o Senhor Jesus Cristo, de acordo com as Sagradas Escrituras, como Deus e Salvador, e, portanto, desejam realizar o propósito para o qual foram conjuntamente comissionadas para a honra de Deus Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

FONTE: Disponível em: <http://www.oikoumene.org/es/about-us/about> Acesso em: 20 ago. 2016.

A Igreja Católica, a princípio, recusou fazer parte do Conselho em 1948, porém com o tempo e após o Concílio Vaticano II, dá seus passos em direção a um diálogo rumo a um consenso cristão.

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TÓPICO 4 | ECUMENISMO

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Este tema complexo merece mais comentário, na medida em que tem gerado muita polêmica, principalmente por parte dos protestantes, que não veem com bons olhos o movimento ecumênico, no sentido de acreditarem que, ao se associar a católicos, por exemplo, em prol de um objetivo específico, os protestantes irão perder sua autonomia e especificidade que um dia os levaram a se desvincular de Roma.

Alguns protestantes interpretam trechos do livro de Apocalipse ao movimento ecumênico ao associarem a imagem do Anticristo a um movimento religioso global segundo o qual ele dominaria a humanidade no período do fim dos tempos.

UNI

O diálogo intrarreligioso entre as denominações cristãs é bastante válido, quando o objetivo é o de efetuar uma força-tarefa que tenha a missão de levar esperança para aqueles que não a têm, levando a Palavra de Cristo aos desafortunados. Quando este movimento rompe as barreiras do cristianismo para abranger toda e qualquer religião, ficamos receosos de que a especificidade e riqueza espiritual e cultural de cada um passe a ser deixada de lado em prol de um bem, dito maior, ou seja, uma religião única, que necessariamente utilizará elementos de todas as demais, para que seja aceita e praticada. Isto foge um pouco dos ensinamentos e da própria liberdade de culto que temos no Brasil. O que você acha? Esta foi apenas uma opinião de quem acabou de realizar uma pequena pesquisa a respeito de um certo número de religiões e pode dizer que não é preciso aceitar doutrinas contrárias à sua própria religião para respeitar o diferente. Creio que o debate é saudável, mas o respeito deve estar acima de tudo neste campo.

FIGURA 54 – BANNER PARA RECEPÇÃO DOS PARTICIPANTES DO 9º CONGRESSO GERAL DO CONSELHO MUNDIAL DAS IGREJAS

FONTE: Disponível em: <http://www.wcc-assembly.info/po/sobre-a-assembleia.html>. Acesso em: 28 nov. 2009.

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Existem diversos outros movimentos religiosos em operação no Brasil que mereceriam tópicos exclusivos, porém o espaço presente não nos permite continuar com estudos de caso. A título de reconhecimento e, no caso de você se interessar pelo estudo de outros movimentos religiosos, é interessante ao menos citá-los:

Religiões de cunho oriental: Igreja Messiânica Mundial (Johrei), Moonismo e Seicho-No-Ie

Religiões que se dizem cristãs, porém apresentam elementos que não são encontrados no cristianismo: Testemunhas de Jeová e Mormonismo. (Embora alguns estudiosos acrescentem os adventistas neste grupo).

Religiões de cunho esotérico ou filosófico: Maçonaria (tratamos deste tema em História da Igreja no Brasil), Ordem rosa-cruz, teosofia, círculo esotérico da comunhão do pensamento, Ananda marga etc.

Caro aluno! Chegamos ao final de mais um estudo que espero tenha edificado muito sua vida e contribuído para que sua visão de mundo tenha se alterado para melhor. Com isso, espero que você possa utilizar o que aprendeu não apenas na academia, mas também no seu dia a dia.

Sucesso e um abraço a todos!

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TÓPICO 4 | ECUMENISMO

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LEITURA COMPLEMENTAR

As religiões afro-brasileiras e o sincretismo religioso

Durante o processo de colonização do Brasil, notamos que a utilização dos africanos como mão de obra escrava estabeleceu um amplo leque de novidades em nosso cenário religioso. Ao chegarem aqui, os escravos de várias regiões da África trouxeram várias crenças que se modificaram no espaço colonial. De forma geral, o contato entre nações africanas diferentes empreendeu a troca e a difusão de um grande número de divindades.

Mediante essa situação, a Igreja Católica se colocava em um delicado dilema ao representar a religião oficial do espaço colonial. Em algumas situações, os clérigos tentavam reprimir as manifestações religiosas dos escravos e lhes impor o paradigma cristão. Em outras situações, preferiam fazer vista grossa aos cantos, batuques, danças e rezas ocorridas nas senzalas. Diversas vezes, os negros organizavam propositalmente suas manifestações em dias santos ou durante outras festividades católicas.

Do ponto de vista dos representantes da elite colonial, a liberação das crenças religiosas africanas era interpretada positivamente. Ao manterem suas tradições religiosas, muitas nações africanas alimentavam as antigas rivalidades contra outros grupos de negros atingidos pela escravidão. Com a preservação desta hostilidade, a organização de fugas e levantes nas fazendas poderia diminuir sensivelmente.

Aparentemente, a participação dos negros nas manifestações de origem católica poderia representar a conversão religiosa dessas populações e a perda de sua identidade. Contudo, muitos escravos, mesmo se reconhecendo como cristãos, não abandonaram a fé nos orixás, voduns e inquices oriundos de sua terra natal. Ao longo do tempo, a coexistência das crendices abriu campo para que novas experiências religiosas – dotadas de elementos africanos, cristãos e indígenas – fossem estruturadas no Brasil.

É a partir dessa situação que podemos compreender porque vários santos católicos equivalem a determinadas divindades de origem africana. Além disso, podemos compreender como vários dos deuses africanos percorrem religiões distintas. Na atualidade, não é muito difícil conhecer alguém que professe uma determinada religião, mas que simpatize ou também frequente outras.

Dessa forma, observamos que o desenvolvimento da cultura religiosa brasileira foi evidentemente marcado por uma série de negociações, trocas e incorporações. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que podemos ver a presença de equivalências e proximidades entre os cultos africanos e as outras religiões

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UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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estabelecidas no Brasil, também temos uma série de particularidades que definem várias diferenças. Por fim, o sincretismo religioso acabou articulando uma experiência cultural própria.

Não cabe dizer que o contato entre elas acabou designando um processo de aviltamento de religiões que aqui apareceram. Tanto do ponto de vista religioso, quanto em outros aspectos da nossa vida cotidiana, é possível observar que o diálogo entre os saberes abre espaço para diversas inovações. Por esta razão, é impossível acreditar que qualquer religião teria sido injustamente aviltada ou corrompida.

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/religiao/as-religioes-afrobrasileiras-sincretismo.htm>. Acesso em: 8 dez. 2009.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• A ideia de manter a unidade da Igreja cristã sempre foi uma preocupação dos cristãos desde sua gênese.

• Durante a Idade Média, a única experiência prática de um continente cristão reforçado pelo poder do Estado mostrou seu lado negro ao utilizar a força para manter esta unidade espiritual.

• Com a Reforma Protestante e as sucessivas divisões nas denominações, o diálogo ecumênico foi guardado por pelo menos 300 anos ao longo da História.

• O marco do ecumenismo moderno é a fundação do Conselho Mundial de Igrejas, em 1948, em Amsterdã, onde, desde então, igrejas ao redor do mundo buscam exaltar as semelhanças entre si ao invés das diferenças.

• O acréscimo de outras religiões no debate ecumênico deve ser mantido, porém sempre com o cuidado de não abrir mão de elementos próprios e que desfigurem a identidade religiosa de cada grupo ecumênico.

RESUMO DO TÓPICO 4

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AUTOATIVIDADE

Sobre o ecumenismo, responda:

1 Quando surgiu o ecumenismo moderno?

2 Qual é o marco fundamental do ecumenismo moderno?

3 Quais são os problemas que o ecumenismo pode trazer para o cristianismo?

4 Qual é a sua opinião sobre o ecumenismo?

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REFERÊNCIAS

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ANOTAÇÕES

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