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Daniela Figueiredo Moreira Hoffmann Programa Bolsa Família: desdobramentos de uma Política Pública e o uso da categoria ajuda Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal Fluminense, com parceria do CNPq, orientada pelo professor Marcos Otávio Bezerra, com duração de um ano e seis meses. Na ocasião em que o trabalho foi publicado, Daniela Figueiredo Moreira Hoffmann terminava o curso de Ciências Sociais. Atualmente, Daniela é formada em Jornalismo e Ciências sociais, tem curso de pós-graduação em Educação a distancia e é mestre em Estudos da Infância.

Programa Bolsa Família: desdobramentos de uma Política Pública e o uso da categoria ajuda

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O trabalho procura pensar as dinâmicas sociais que surgem a partir da implementação de um programa social, bascando compreender os desdobramentos de uma política publica, no caso o Programa Bolsa Família, na vida social. O trabalho tem ainda como objetivo compreender de que modo os beneficiários e potenciais beneficiários percebem o Bolsa Família e quais os possíveis desdobramentos de suas percepções acerca do programa. O estudo resulta de um trabalho de campo realizado a partir do acompanhamento do cadastramento do Programa Bolsa Família, em um bairro do município de Niterói.

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Daniela Figueiredo Moreira Hoffmann

Programa Bolsa Família: desdobramentos de uma Política Pública e o

uso da categoria ajuda

Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal Fluminense, com parceria do CNPq, orientada pelo professor Marcos Otávio Bezerra, com duração de um ano e seis meses. Na ocasião em que o trabalho foi publicado, Daniela Figueiredo Moreira Hoffmann terminava o curso de Ciências Sociais. Atualmente, Daniela é formada em Jornalismo e Ciências sociais, tem curso de pós-graduação em Educação a distancia e é mestre em Estudos da Infância.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTO.................................................................................................. 3

RESUMO..................................................................................................................... 4

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 5

CAPÍTULO 1 - Programa Bolsa Família ................................................................. 7

1.1 – O papel dos governos municipais no Programa Bolsa Família...................... 10

1.2 – O Programa Bolsa Família no município de Niterói...................................... 11

1.3 – O NAF (Núcleo de Apoio à Família) do Barreto............................................. 12

CAPÍTULO 2 - Bolsa Família ganha vida concreta............................................... 15

2.1 – O programa social e a vida dos usuários.......................................................... 16

2.2 – A relação entre agentes e usuários.................................................................... 17

2.3 – Conflito: relação entre os usuários................................................................... 19

2.4 – Critérios oficias e a necessidade como justificativa......................................... 20

2.5 – A apropriação do programa para outros fins.................................................. 22

2.6 – Mãe solteira: adaptando-se ao contexto........................................................... 23

CAPÍTULO 3 – O Programa Bolsa Família visto pelos usuários........................... 27

3.1 – A categoria ajuda................................................................................................ 30

3.2 – Mas o que é ajuda?............................................................................................. 36

3.3 – Falta de informação e desapontamento........................................................... 39

3.4 – A quem creditar o benefício?............................................................................ 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 43

REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 44

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Dedico esta monografia à minha família, base e fundamento da minha

vida, e ao meu querido irmão, que permanece vivo em doces lembranças

e pensamentos. Agradeço especialmente ao professor Marcos Otávio

Bezerra por ter acreditado e apostado no meu potencial de trabalho e

pela generosidade com que compartilhou seu conhecimento. Agradeço

ainda ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico) por ter possibilitado, ao conceder a Bolsa de Iniciação

Científica, meu crescimento pessoal e profissional. E agradeço, por fim,

à ONG AHSAS.

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Resumo: O trabalho procura pensar as dinâmicas sociais que surgem a partir da

implementação de um programa social, bascando compreender os desdobramentos de uma

política publica, no caso o Programa Bolsa Família, na vida social. O trabalho tem ainda

como objetivo compreender de que modo os beneficiários e potenciais beneficiários

percebem o Bolsa Família e quais os possíveis desdobramentos de suas percepções acerca

do programa. O estudo resulta de um trabalho de campo realizado a partir do

acompanhamento do cadastramento do Programa Bolsa Família, em um bairro do

município de Niterói.

Palavras-chave: Antropologia política, Bolsa Família, assistência, política pública.

Introdução

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O Programa Bolsa Família é uma política de transferência de renda destinada às famílias

brasileiras em situação de pobreza e implementada ao longo do primeiro governo do

presidente Lula (PT). Atualmente, segundo informações oficiais, o programa atinge mais de

11 milhões de famílias brasileiras.1

O objetivo deste trabalho é observar quais os possíveis desdobramentos desta política

pública na vida dos beneficiários e potenciais beneficiários do programa. Assim, proponho

pensar neste estudo as práticas sociais concretas que se desenrolam a partir da

implementação do Bolsa Família. O estudo intenciona ainda compreender de que modo os

beneficiários e potenciais beneficiários percebem o Bolsa Família e quais os possíveis

desdobramentos de suas percepções acerca do programa.

Para isso, foi realizado um trabalho de campo etnográgico, composto de observação

participante, a qual consiste em uma metodologia de investigação social em que o

observador partilha as atividades e experiências subjetivas de um grupo de pessoas ou de

uma comunidade, interagindo com o grupo social. O método etnográfico permite que o

pesquisador observe e analise, por meio de observação participante, as experiências

compartilhadas pelo grupo estudado, podendo, assim, analisar as interações e relações

sociais que surgem no campo. Além disso, foram realizadas entrevistas informais com os

beneficiários e potenciais beneficiários do Bolsa Família ao longo do trabalho de campo, as

quais permitiram o acesso às representações e às percepções sociais dos participantes, em

outra palavras, ao modo como percebem a vida social. Entrevistas semi-informais com

alguns dos involvidos na implementação do programa também foram realizadas, com a

finalidade de coletar dados sobre o Bolsa Família e sua implementação. O método

etnográfico demonstrou ser o mais eficaz para atingir os objetivos deste estudo, pois

permitiu que fossem observados e analisados os modos de pensar e agir do grupo

pesquisado.

1 http://www.mds.gov.br/bolsafamilia (visitadado em junho de 2007).

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Acompanhei durante o primeiro semestre de 2006 o cadastramento do Programa Bolsa

Família, no bairro do Barreto, em Niterói. O bairro foi escolhido por já abrigar diversos

estudos de alunos na Universidade Federal Fluminense, o que facilitaria a entrada no

campo. Além disso, por ser um bairro cuja grande parte da população tem uma renda baixa,

poderia-se encontrar no bairro beneficiários e potenciais beneficiários do Programa Bolsa

Família. Estive ainda algumas vezes no Núcleo de Benefício e Renda da Secretaria de

Assistência Social da cidade de Niterói, que se localiza no centro de Niterói, que é

responsável por gerenciar o programa no município. É neste local onde encontra-se a

coordenação do programa e também onde são realizadas as reuniões do Conselho

Municipal de Assistência Social, que é responsável por fiscalizar o Programa Bolsa

Família no município de Niterói. Nestes espaços pude entrar em contato com os usuários e

potenciais usuários do programa e também com os agentes e gestores do Programa Bolsa

Família. Estes foram locais privilegiados que me possibilitaram entrar em contato com as

relações e dinâmicas que surgem a partir do Programa Bolsa Família.

É possível encontrar nos meios de comunicação, nos partidos de oposição e até mesmo nos

meios acadêmicos a idéia de que o recebimento do Bolsa Família, política de transferência

de renda destinada às famílias em situação de pobreza e implementada ao longo do

primeiro governo do presidente Lula (PT), converte-se em votos ou apoio político para o

partido da situação. Grande parte das pessoas, sobretudo no período das eleições

presidenciais ocorridas em 2006, defendeu que o governo estaria se beneficiando do Bolsa

Família para fins eleitoreiros. É comum a atribuição da vitória do Presidente Lula nas

eleições seguintes à implementação do Programa Bolsa Família e ao seu sucesso.

Conceber a política pública como uma política assistencialista talvez seja uma maneira

simplista de ver a questão, que já foi bastante explorada, até mesmo por aquilo que

convencionamos chamar de "senso comum". Não pretendo, portanto, neste trabalho pensar

ou classificar a política pública como uma ação assistencialista, com fins eleitoreiros, cujo

objetivo é angariar votos para políticos e partidos. O objetivo é me afastar da visão corrente

que pensa os programas sociais somente como políticas assistencialistas, ainda calcadas em

uma concepção clientelista do Estado, para, então, poder pensar outras dimensões acerca de

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um programa social. O que verificamos na maior parte da literatura sobre programas sociais

é um tratamento normativo. A literatura na maioria das vezes não contempla os

desdobramentos de uma política pública e as dinâmicas sociais que se desenvolvem a partir

de sua implementação. Ao contrário, geralmente apenas analisam sua eficiência ou

descrevem e discutem o modo como foram planejadas (Weissheimer, 2006; Simões, 2006;

Pazello e Tavares, 2006; Longo, 2006; Erro e Kassouf, 2004). Neste trabalho, entretanto,

pretendo focar nos desdobramentos da implementação do Bolsa Família e nas percepções

dos beneficiários e potenciais beneficiários acerca do programa.

Outra visão com a qual procurei romper neste estudo é a que trabalha com o conceito de

Estado como se estivesse se referindo a uma entidade abstrata, sem considerar que, na

realidade, o Estado, é uma entidade composta por indivíduos de carne e osso, e como tal se

materializa e ganha corpo por meio desses indivíduos e das relações travadas por eles.

Assim também, penso eu, ocorre com as políticas públicas. Não são apenas teorias e

legislações registradas em papéis. Ao contrário, possuem materialidade. Seus

desdobramentos na vida social e as interações geradas por elas são uma extensão do Estado

que evidenciam ainda mais a concreticidade de sua atuação. De modo que a própria política

pública foi pensada não como apenas uma legislação e uma teoria, mas como algo que

ganha corpo por meio de seus agentes e da interação que travam com os beneficiários e

potenciais beneficiários (Bezerra, 1999, 2004; Borges, 2004).

I. Programa Bolsa Família

O Bolsa Família é um programa do Governo Federal de transferência de renda destinado às

famílias brasileiras em situação de pobreza, com renda per capita de até R$ 120,00

mensais. O programa, criado em outubro de 2003, foi instituído oficialmente pelo Decreto

n° 5.209 de 17 de setembro de 2004 que regulamentou a Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de

2004. Segundo a versão oficial, o Programa Bolsa Família associa a transferência do

benefício financeiro ao acesso aos direitos sociais básicos – saúde, alimentação, educação e

assistência social.

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Ainda segundo a versão oficial, o Bolsa Família foi criado para atender a duas finalidades

básicas: combater a miséria e a exclusão social, com o alívio imediato da pobreza, por meio

da transferência direta de renda à família; promover a emancipação das famílias mais

pobres, reforçando o exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde e Educação,

por meio do cumprimento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias

consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações. Uma outra finalidade do programa

assinala que uma dimensão essencial à superação da fome e da pobreza é a coordenação de

programas complementares, que têm por objetivo fazer com que os beneficiários do Bolsa

Família consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. São exemplos de

programas complementares: programas de geração de trabalho e renda, de alfabetização de

adultos, de fornecimento de registro civil e demais documentos.

Para ingressar no Programa Bolsa Família, as famílias devem procurar a Prefeitura de seu

município e se cadastrar no Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico). É a partir

das informações do Cadastro Único que o Governo Federal, por meio do Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, seleciona as famílias que serão contempladas

com o benefício. A seleção considera o orçamento disponível e as metas de expansão do

programa.

Cada município tem um número estimado de famílias pobres – que ganham menos de

R$120,00 - considerado como a meta de atendimento do Programa naquele território. Os

cálculos basearam-se nos dados do Censo de 2000 e da Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios (PNAD) de 2004, ambos do IBGE. Ao entrar no Bolsa Família, a família deve

se comprometer a manter suas crianças e adolescentes em idade escolar freqüentando a

escola e a cumprir os cuidados básicos em saúde.

Inicialmente as famílias aptas a receber o benefício do Programa Bolsa Família eram

famílias consideradas pobres (com renda mensal por pessoa de R$ 50,01 a R$ 100,00) e

extremamente pobres (com renda mensal por pessoal de até R$ 50,00). Entretanto, os

valores de referência para as famílias com direito ao benefício foram estendidos por meio

do Decreto n° 5.749/06, publicado no Diário Oficial da União de 11 de abril de 2006.

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Atualmente, famílias com renda mensal de até R$ 60,00 por pessoa podem ser incluídas no

Programa independentemente de sua composição. Por sua vez, as famílias com renda

mensal entre R$ 60,01 e R$ 120,00, por pessoa, podem ingressar no Programa desde que

possuam gestantes, ou nutrizes, ou crianças e adolescentes entre 0 à 16 anos.

Famílias Valores iniciais Valores atualizados

Extremamente pobres Renda mensal per capita de até R$

50,00

Renda mensal per capita de até R$

60,00

Pobres Renda mensal per capita entre R$

50,01 e R$ 100,00

Renda mensal per capita entre R$

60,01 e R$ 120,00

Os valores pagos pelo Programa Bolsa Família variam de R$15,00 a R$95,00, de acordo

com a renda mensal por pessoa da família e o número de crianças e adolescentes – menores

de 16 anos. Em alguns casos, o valor pago pelo Bolsa Família pode ser um pouco maior,

como acontece com as famílias que migraram de programas remanescentes e recebiam um

benefício maior nesses programas.

O público alvo preferencial para o recebimento do benefício em nome da família é a

mulher, considerando seu papel central na condução do lar. Segundo o Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), essa decisão tem como base estudos

sobre o papel da mulher na manutenção da família e na sua capacidade em usar os recursos

financeiros em proveito de toda a família.

Em âmbito nacional, a CAIXA é responsável pela interlocução com o MDS em relação ao

pagamento do benefício aos usuários. Enquanto Agente Operador, a CAIXA é encarregada

de efetuar o pagamento das parcelas do Programa Bolsa Família e dos programas

remanescentes, na sede de todos os municípios. O responsável legal da família recebe um

cartão, com o qual pode sacar o benefício em agências ou postos de atendimento bancários

e em unidades lotéricas.

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1.1. O papel dos governos municipais no Programa Bolsa Família

A Gestão de Benefícios do Programa Bolsa Família é o conjunto de processos e atividades,

cujo objetivo é realizar a entrega do benefício financeiro às famílias. Apesar dos benefícios

do Programa serem repassados diretamente às famílias, o Bolsa Família se fundamenta na

participação de todos os entes federados. De modo que cada esfera de governo tem

atribuições e competências diferenciadas em relação ao programa.

Os governos municipais, segundo a versão oficial, são os principais gestores do Programa

junto às famílias. Compete aos gestores municipais verificar periodicamente a

conformidade da situação das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, divulgar as

informações relativas aos benefícios do Programa Bolsa Família, manter a Secretaria

Nacional de Renda e Cidadania (Senarc), que é o órgão federal responsável pela

operacionalização do Programa e pela concessão do benefício, informada sobre os casos de

deficiências ou irregularidades, dentre outras coisas.

Na Gestão de Benefícios do Programa, os gestores municipais podem realizar bloqueios,

desbloqueios ou cancelamentos dos benefícios financeiros das famílias por meio do

Sistema de Gestão de Benefícios. A Gestão de Benefícios pode ser realizada de duas

maneiras: Municípios com Termo de Adesão publicado no Diário Oficial da União podem

utilizar o Sistema de Gestão de Benefícios do Programa Bolsa Família via Internet.

Municípios sem Termo de Adesão publicado no Diário Oficial da União realizarão as

atividades de gestão de benefícios enviando ofícios à SENARC, para processamento.

Também possuem acesso ao Sistema gestores estaduais do Programa Bolsa Família;

Instâncias estaduais e municipais de controle social; e Rede Pública de Fiscalização.

Os gestores do Programa Bolsa Família contam com o Sistema de Gestão de Benefícios,

que é um sistema on-line, desenvolvido para viabilizar a descentralização da gestão de

benefícios do Programa. Os Gestores Estaduais do Bolsa Família, os integrantes das

instâncias municipais e estaduais de controle social e os integrantes da rede pública de

fiscalização do programa também podem consultar as informações.

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1.2. O Programa Bolsa Família no município de Niterói

Ao município de Niterói, são repassados por mês para apoio à gestão do Programa Bolsa

Família R$ 19.064,50. O número de famílias cadastradas no Cadastro Único na cidade é de

16.789. Destas, as famílias cadastradas que se encaixam no perfil de possíveis beneficiários

do Programa Bolsa Família, ou seja, cuja renda per capita familiar é de até R$ 120,00, é de

15.952. E o número de famílias que recebem a bolsa é de 12.389 (dados do primeiro

semestre de 2007).

Compete à Secretaria Municipal de Assistência Social, da cidade de Niterói, administrar o

programa Bolsa Família no município. A Secretaria está passando por um processo de

mudança em sua estrutura interna para se enquadrar no Sistema Único de Assistência

Social, proposto pelo Governo Federal. Hoje, ela está dividida em dois níveis de proteção

social: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial.

A Proteção Social Básica tem por objetivo prevenir situações de risco. Sua base de ação são

os Centros de Referência da Assistência Social (CRASs), que realizam o acompanhamento

socioassistencial. O programa Bolsa Família faz parte do programas de Proteção Social

Básica. Já a Proteção Social Especial é voltada a pessoas em situação de grande

vulnerabilidade pessoal e social. Assim, enquanto os programas da Proteção Social Básica

são preventivos, os programas da Proteção Social Especial dirigem-se à população em

risco.

O Núcleo de Benefício e Renda da Secretaria de Assistência Social, onde estive algumas

vezes, está ligado à Proteção Social Básica. O núcleo está localizado no centro da cidade e

ocupa um dos andares de um prédio, que fica em uma das principais avenidas de Niterói. O

núcleo é o responsável por administrar o Programa Bolsa Família no município. É, por

exemplo, o responsável por coordenar o cadastramento e fazer o cancelamento do

benefício. Lá é feito, em alguns momentos, o Cadastro Único e também é para lá que os

beneficiários devem se dirigir quando quiserem tirar dúvidas ou caso tenham algum

problema relativo ao benefício. Além do programa Bolsa Família, o Núcleo de Benefício e

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Renda é responsável pelo Benefício de Prestação Continuada, que atinge pessoas de mais

de 65 anos e portadores de deficiência.

No caso do Município de Niterói, os NAFs (Núcleo de Apoio à Família) são os

responsáveis por realizar o cadastramento do programa. Eles encontram-se geralmente no

Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), que é justamente o espaço físico onde

os NAFs funcionam. Os NAFs estão distribuídos em diferentes pontos da cidade e atendem

a uma região específica. O NAF Centro abrange São Domingos, Bairro de Fátima, São

Lourenço, Ponta da Areia, Centro (Morro do estado), Pé pequeno, Engenhoca; o NAF

Santo Cristo abrange Santo Cristo; o NAF IACAC abrange Várzea das Moças, o CRAS

Cubango abrange, além do Cubango, Viçoso Jardim e as Comuindades Serrão, Jonas

Botelho, Morro do Eucalipto, Viçoso Jardim, Ladeira do Bumba, São José; o CRAS Vila

Ipiranga abrange, além de Vila Ipiranga, Juca Branco, Boa Vista, Coronel Leôncio, São

Lourenço, Olofote; o CRAS Morro do Céu abrange Caramujo, Morro do Céu; o CRAS

CEJOP abrange o bairro de Icaraí; e o NAF MAE (ONG – AHSAS) abrange Barreto e

Tenente Jardim. Cabe aos NAFs realizarem o Cadastro Único e fazerem a divulgação do

programa junto às regiões pela qual são responsáveis, trabalho muitas vezes realizado com

auxílio das associações de moradores, que têm um papel importante na divulgação e no

cadastramento do Bolsa Família. São os NAFs os responsáveis por preencher os

questionários.

O acompanhamento e a fiscalização do Programa Bolsa Família no município de Niterói

são feitos pelo Conselho Municipal de Assistência Social, que se reúne no prédio do

Núcleo de Benefício e Renda para discutir, além de outras pautas, o andamento do

Programa Bolsa Família, seus resultados, suas metas, etc.

1.3. O NAF (Núcleo de Apoio à Família) do Barreto

A pesquisa concentrou-se no bairro do Barreto, em Niterói. O Barreto tem como limites a

Baía de Guanabara a Oeste, o município de São Gonçalo ao Norte, a Engenhoca a Leste e,

ao Sul, o bairro de Santana. Foi um dos principais pólos industriais do município de

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Niterói, no início do século XX. O Barreto contou até a década de 1960 com uma estação

das Barcas e uma importante estação de trem, cujo prédio, quase totalmente destruído,

voltou recentemente a atender passageiros que percorrem os 33 quilômetros do trecho

Barreto – São Gonçalo – Itaboraí. No bairro, encontravam-se instalados vários

estabelecimentos têxteis, além de muitas fábricas menores. Entretanto, houve um processo

de decadência industrial no local. Hoje, o Barreto é um bairro cujos moradores em sua

maioria são pessoas de baixa renda.

A população do bairro é de 15.953 habitantes, segundo o Censo de 2002, o que equivale a

3,47% do total de moradores do município de Niterói, cuja população estimada, em 2006, é

de 476.669 (Fonte: IBGE). Niterói tem o maior índice de rendimento dos chefes de

domicílios do estado do Rio de Janeiro. Segundo o Censo 2000, o rendimento é de

R$1.741,40, o que equivale a 11,53 salários mínimos. No Barreto, entretanto, o rendimento

dos chefes de domicílios está entre os menores rendimentos do município, e é de R$841,64,

o que equivale a 5,57 salários mínimos.

Além disso, no bairro, estão concentrados aproximadamente 7,2% do total de moradores de

favela do município, que é de 50.020 habitantes. No Barreto, há a comunidade Pátio da

Leopoldina, onde existem 978 moradores, e a comunidade Buraco do Boi, onde há 2.638

habitantes e 790 domicílios. O Buraco do Boi é a segunda favela mais populosa da cidade,

perdendo apenas para o morro do Preventório, em Charitas, com 4.870 moradores.

O NAF que fica localizado no Barreto não funciona em um CRAS, e sim dentro de uma

ONG. Ele é responsável por atender não só o bairro do Barreto, mas também bairros

vizinhos, Engenhoca e Tenente Jardim. Assim, no caso do Barreto e algumas localidades

próximas, o responsável pelo cadastramento é a ONG AHSAS - Ação dos Direitos

Humanos e Sociais, que hoje funciona também como um NAF.

A ONG AHSAS - Ação de Direitos Humanos e Sociais - é uma Organização Não-

Governamental fundada em 1995, na cidade de Niterói, por um grupo de internos do

Instituto Penal Vieira Ferreira Neto, em conjunto com profissionais liberais, igrejas e

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voluntários. Inicialmente intitulada de MAE – Movimento de Assistência às Famílias dos

Encarcerados – a organização, em princípio, tinha como principais atividades a recuperação

moral e espiritual dos detentos e a distribuição de cestas básicas para suas famílias.

Contudo, no ano de 1996, ocorreu a ampliação da associação a partir de uma reforma e de

uma mudança na administração, e ela passou a chamar-se AHSAS – Ação de Direitos

Humanos e Sociais. O projeto MAE foi mantido, mas foram incorporadas novas dimensões

sociais como saúde, educação e esporte. Essa expansão dirige-se a populações mais pobres

de Niterói, especialmente àquelas ligadas ao segmento carcerário. A AHSAS, atualmente,

promove aos encarcerados e às suas famílias assistência psico-social, pedagógica e jurídica,

visando à melhoria na qualidade de vida, à promoção e à integração social. Além de visitas

às instituições penais, a associação oferece também às famílias dos presos e egressos o

atendimento por uma equipe profissional, formada por uma assistente social, um auxiliar

administrativo, um advogado e dez voluntários.

Seu Gomes, também conhecido como Pastor Gomes, é o responsável pela ONG. Ele é um

ex-presidiário, que em função de sua história de vida decidiu realizar um trabalho junto às

famílias de encarcerados e egressos. Ele é hoje membro do Conselho Tutelar e é pastor de

uma igreja no Barreto, localizada próxima à ONG AHSAS – Ação de Direitos Humanos e

Sociais. Importante observar que durante as eleições para vereador, Gomes apoiou um

candidato do PT ( partido do atual prefeito da cidade, Godofredo Pinto).

Por ter um trabalho específico junto às famílias de encarcerados e egressos, a ONG tornou-

se um NAF temático, priorizando o atendimento às famílias de presidiários e ex-

presidiários. Carla, administradora do local, disse que a ONG foi escolhida para fazer o

cadastramento por uma questão de troca de favores. Trata-se, segundo ela, de um favor, já

que, enquanto a ONG sede o espaço para a realização do cadastramento do Programa Bolsa

Família no Barreto e bairros vizinhos, recebe em troca um favor da prefeitura. Carla relatou

que a AHSAS, como NAF, passou a receber R$3000 da Secretaria de Assistência Social,

que é justamente o único recurso com o qual a ONG se mantém. Seu Gomes disse que eles

se responsabilizaram pelo cadastramento do Programa porque na região não havia quem o

fizesse. Ele disse, então, assim como Carla que tornaram-se um NAF temático.

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Quanto ao cadastramento, é aplicado um questionário por um agente do Programa

contratado na época do cadastramento, no caso da ONG é o João, filho do Pastor Gomes.

Os questionários são repassados para a Secretaria de Assistência Social, que por sua vez

repassa os cadastramentos para o Governo Federal. É o Governo Federal o responsável por

realizar - por meio de critérios já mencionados anteriormente - a seleção das famílias que

receberão o benefício em cada município.

2. Implementação do Programa Bolsa Família: o desenrolar de um programa social

Freqüentemente nos referimos ao Estado como uma instituição abstrata. Do mesmo modo

freqüentemente quando pensamos as políticas públicas nos referimos a elas como se fossem

formulações teóricas abstratas e desprovidas de materialidade. Marcos Otávio Bezerra

(2004) estuda uma experiência de participação popular em um bairro do município de

Niterói; no caso a implementação do orçamento participativo. Bezerra afirma que para

compreender essas experiências e seus efeitos, é preciso ter em mente o fato de que estas

políticas públicas não se realizam em um vazio sociológico. “Para se apreender essas

experiências e seus efeitos em termos mais amplos que os estritamente institucionais (seu

funcionamento, composição, natureza consultiva ou deliberativa etc.) é fundamental

considerar o fato de que estas não se realizam num vazio sociológico” (p. 146). O autor

apresenta um exemplo de como um programa do governo ganha concretude e se

desenvolve em um determinado contexto social. No caso estudado, por exemplo, Bezerra

percebe que o programa se defronta com formas historicamente constituídas de

sociabilidade política e de relações de poder que acabam interferindo em seu

desenvolvimento.

Do mesmo modo, no livro “Em nome das bases: política, favor e dependência pessoal”,

Bezerra (1999) pensa o Estado a partir das dinâmicas sociais e relações travadas entre os

atores sociais que o compõe. No caso, o autor analisa as representações, as práticas e as

relações sociais produzidas em torno da atuação dos parlamentares no Congresso Nacional.

De modo que o Estado é pensado a partir das interações e relações que o constituem.

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Antonádia Monteiro Borges (2004) realizou um trabalho etnográfico no Recanto das Emas

(DF), entre 2000 e 2002, no qual acompanhou a implementação do programa de

assentamento do governo do Distrito Federal, que visava retirar as favelas que se formavam

nas áreas urbanas. Borges chama atenção exatamente para o modo como a política pública

ganha vida concreta e se manifesta no cotidiano das pessoas, por exemplo, na interação que

se estabelece entre agentes e beneficiários. Assim, as interações travadas entre os

beneficiários e os agentes de um programa social apontam justamente para o fato de que

devemos procurar entender o Estado e suas políticas como algo que se manifesta por meio

de relações sociais específicas e que desencadeia dinâmicas sociais importantes.

2.1. O programa social e a vida dos usuários

Como dito anteriormente, a implementação de um programa social em um determinado

contexto suscita transformações diversas na vida social. A implantação do Programa Bolsa

Família também parece demonstrar que a dinâmica da vida das pessoas e até mesmo na

vida social é alterada em função da implementação de uma política pública.

Como demonstra Antonádia Borges (2004), a política pública ganha vida concreta e se

manifesta no cotidiano das pessoas. No caso da pesquisa realizada por Borges (2004, p. 35)

“as madrugadas nas filas, o cadastramento, a atualização periódica do cadastro, o

conhecimento gradual das varáveis que ‘pesam’ na formula que calcula a pontuação do

candidato, a adequação entre os dados de que se dispõe e aqueles que devem ser

apresentados ao governo, a procura de documentos que registrem a veracidade do que é

declarado, a angustiante espera pela contemplação (...)” são alguns exemplos do modo

como a política pública se desdobra na vida social e tem uma implicação na vida dos

indivíduos que estão de algum modo vinculados a ela.

Um caso que revela o quanto o cotidiano das pessoas é alterado a partir da implementação

do Programa Bolsa Família ocorreu em uma das minhas idas ao Núcleo de Benefício e

Renda. Eu estava sentada na sala principal, onde as pessoas aguardavam o atendimento, e

observava as pessoas que ali estavam. Me deparei, então, com duas senhoras que foram até

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17

o local com a finalidade de se cadastrar para receber o benefício. O agente do programa

revelou que não poderiam realizar o cadastramento, pois eram idosas e não tinham filhos

pequenos, deste modo, não encaixavam-se nos critérios para o recibimento da bolsa. Uma

das senhoras, demonstrando indignação com a resposta do agente, disse que haviam

descido as muitas escadarias do morro onde moravam, mesmo sendo idosas e tendo uma

delas dificuldades para andar, especialmente para se cadastrar no programa. As senhoras,

com revolta, disseram que aquilo era um absurdo.

Assim, as filas, as incansáveis idas ao local para saber dos prazos de cadastramento, a

expectativa do recebimento do benefício, o cadastramento, as reclamações e insatisfações, o

providenciamento de documentos e a interação com os agentes do programa passam a fazer

parte do dia-a-dia dessas pessoas. De modo que, em função da implementação de políticas

públicas, a dinâmica da vida destas pessoas é modificada.

2.2. A relação entre agentes e usuários

O estudo das relações que se estabelecem entre agentes e usuários parece sugerir que é a

partir da implementação da política pública que de fato seus desdobramentos vão surgindo.

Isso por quê aquilo que foi previsto pelos idealizadores do programa social acaba se

defrontando com um contexto social dinâmico específico e com formas de se relacionar já

previamente constituídas, o que provoca implicações significativas no modo como a

implementação do programa se desencadeia.

O atual estudo demonstra que a relação entre João, agente do Programa Bolsa Família, e os

potenciais usuários é reveladora de como o agente da política pública é, em certo sentido, a

própria corporificação do Estado, tornado-o uma instância que possui materialidade. O

agente em questão me relatou que sempre que possível procura ajudar as pessoas que vão

até lá fazer o cadastramento, de modo a contribuir para que recebam o benefício e se

encaixem nos critérios pré-estabelecidos pelo programa. Ele costuma sugerir, por exemplo,

no caso de um trabalhador informal, que declare uma renda mais baixa, o que aumenta as

chances de recebimento da bolsa.

Page 18: Programa Bolsa Família: desdobramentos de uma Política Pública e o uso da categoria ajuda

18

Situação semelhante a esta aparece na pesquisa de Borges (2004). A autora relata que uma

beneficiária revelou que uma agente do programa sugeriu a ela no momento do

cadastramento que retirasse o cônjuge da ficha de cadastro e deixasse somente as crianças,

pois assim seria mais fácil conseguir receber o benefício.

Vemos por meio destes exemplos que a política pública deixa de ser apenas uma legislação

e uma formulação teórica e passa a ganhar corpo por meio de seus agentes. Como afirma

Borges (2004, p. 25) “(...) todos os procedimentos exigidos (para se tornar apto a receber

benefícios do governo) implicam um envolvimento dos indivíduos com outros mais, ou

seja, exigem socialização”.

Assim, se estabelece uma relação entre aquele que requisita o benefício e os agentes do

programa. João, agente do programa Bolsa Família, disse que procura brincar com as

pessoas para aliviar a tensão na hora da entrevista. E de fato presenciei uma mulher dizer,

no momento do cadastramento, que estava nervosa. Ela levantou sua mão para montrar que

estava tremendo. João procurou deixá-la calma, tratando-a de forma amigável. Notei

também nervosismo durante o cadastramento de uma outra moça, mãe de três filhos,

desempregada, cujo companheiro trabalhava sem carteira assinada. O agente João

perguntou a ela se estava nervosa, e ela respondeu afirmativamente. Então, perguntei a ela

o por quê de estar tão nervosa, e ela respondeu: “Será que é porque eu ‘tô’ tentando marcar

há tempos e só agora eu consegui? (risos)”.

Vemos por meio destes exemplos que a política pública sai do âmbito teórico e ganha vida

prática ao interferir na vida dos indivíduos e ao promover socialização, ou seja, interações

entre usuários e agentes. De acordo com Borges (2004), “É preciso notar que, a cada

inflexão nos procedimentos relativos à obtenção de um benefício, faz-se necessário o

contato físico entre quem demanda um lote e os agentes do governo”. Portanto, como no

caso do Programa Bolsa Família, a implementação de um programa social promove

interações em sua decorrência, modificando o cotidiano das pessoas e produzindo

desdobramentos diversos na vida social onde é implementado.

Page 19: Programa Bolsa Família: desdobramentos de uma Política Pública e o uso da categoria ajuda

19

2.3. Conflito: a relação entre os usuários

Um aspecto interessante que parece se desenrolar a partir da implementação do Programa

Bolsa Família é o surgimento de uma espécie de competição entre os usuários do programa.

Muitas vezes ao fazer uma reclamação ou tentar entender o por quê do não recebimento da

bolsa, as pessoas comentavam de seus vizinhos ou conhecidos e comparavam-se a eles.

Ouvi, por exemplo, o argumento de uma mulher dizendo que ganhava menos que uma

conhecida que recebia o Bolsa Família. A mulher disse ainda que ela vivia de aluguel,

enquanto a vizinha tinha casa própria.

Em outra ocasião, em que fui no Núcleo de Benefício e Renda, pude observar uma

reclamação, que também estabelecia uma comparação entre vizinhos. Nesse dia, havia

muitas pessoas na sala aguardando o atendimento dos agentes do programa. Um casal

chegou com a filha, e o marido perguntou à funcionária: “Quero saber por quê a gente está

recebendo só R$15,00. Tem uma vizinha lá que recebe R$80,00”. E a esposa completou: “E

ela trabalha também”. O casal, desta forma, por não saber exatamente os critérios do

programa, comparava-se com a vizinha que trabalha, assim como eles, mas recebe um valor

mais alto. Desta forma, parece que se estabelece uma certa comparação, e até mesmo uma

certa competitividade, entre os beneficiários do programa.

Carla, administradora da ONG AHSAS, onde é feito o cadastramento do Bolsa Família no

Barreto, me revelou que é muito recorrente a existência de “rivalidades” entre aqueles que

recebem e também os que não recebem o benefício. Ela disse que sempre escuta

reclamações de pessoas dizendo que precisam mais do que outra pessoa que já recebe a

bolsa, ou que ganham salários menores do que os que recebem o benefício. Carla disse que

junto com as reclamações são feitas comparações com as situações dos vizinhos e

conhecidos. Os argumentos utilizados são bastante variados: pode ser, por exemplo, que o

outro tem casa própria, enquanto que a pessoa vive de aluguel, ou que o outro trabalha,

enquanto a pessoa está desempregada. Muitos questionam, de acordo com Carla, o por quê

de receberem menos que os outros, quando alegam precisar mais.

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20

Assim, podemos verificar que a falta de informação em relação aos critérios do programa

acaba gerando comparações entre vizinhos e conhecidos, que querem entender o por quê de

receberem menos. Interessante observar que geralmente aparece um motivo que deveria

faze-los receber mais do que os demais.

2.4. Critérios oficias e a necessidade como justificativa

O caso das senhoras que haviam descido as escadarias da comunidade onde moravam para

se cadastrar, e se indignaram ao saber que não se encaixavam no perfil de possíveis

beneficiários do Bolsa Família, aponta para um possível descompasso entre os critérios

oficiais de seleção e os critérios morais que as próprias pessoas acreditam que devem ser

considerados no momento da escolha dos beneficiários.

No caso do Bolsa Família, cada município tem um número estimado de famílias pobres

considerado como a meta de atendimento do programa naquele território específico. No

município de Niterói, por exemplo, a estimativa de famílias pobres, que se encaixam no

perfil de beneficiários do Programa Bolsa Família (cuja renda per capita familiar é de até

R$120,00), segundo fontes do IBGE de 2004, era de 10.694. Como dito, o cadastramento

não implica a entrada imediata dessas famílias no Programa e, conseqüentemente, o

recebimento do benefício. Em todo o Brasil, segundo fontes oficiais, o total de famílias

cadastradas é de 15.571.190, entretanto, o número de famílias cadastradas que têm o perfil

de possível beneficiário do Programa Bolsa Família é de 14.169.794. E o total de famílias

que de fato recebem o benefício é de 11.071.446. No município de Niterói, por exemplo, o

número de famílias cadastradas é de 16.789. Destas, as famílias cadastradas que se

encaixam no perfil de possíveis beneficiários do Programa Bolsa Família é de 15.952.

Os critérios oficiais para se cadastrar no programa, já especificados anteriormente, são

levados em conta na hora da seleção das famílias que irão receber o benefício. São exigidos

ainda dos membros da família diversos documentos de todos os moradores da casa, como

comprovante de residência, Identidade, CPF; Titulo de Eleitor; Certidão de Nascimento e

Carteira de Trabalho (mesmo que não esteja assinada).

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21

No momento em que é feito o Cadastro Único, é preenchido um formulário pelos agentes

do programa com informações sobre o potencial usuário. No item “Identificação do

domicílio e da família” são requeridas informações como endereço, características do

domicílio e lista de pessoas residentes no domicílio. Em relação às características do

domicílio é perguntado o tipo de tratamento de água da residência, bem como de

abastecimento da água; o tipo de iluminação; a situação da casa, ou seja, se é alugada,

própria, cedida, etc; o tipo de casa, ou seja, se é apartamento, casa, etc; o tipo de

construção; o modo como é feito o escoamento sanitário e o destino do lixo no domicílio;

etc. O item “Identificação da pessoa” diz respeito às informações básicas, como nome,

sexo, nacionalidade, estado civil, tipo de deficiência, raça/cor, de todos os membros da

família. O questionário contempla ainda perguntas a respeito do tipo de escola freqüentada

e da série escolar que o requerente cursou e perguntas relativas à ocupação do potencial

beneficiário, à situação no mercado de trabalho - ou seja, se é assalariado, se é empregador,

entre outros - e à remuneração. É ainda perguntado, por exemplo, o tempo de moradia da

família na residência. E também é requisitado que sejam informados os valores gastos com

alimentação, água, gás, medicamentos, transportes, aluguel, o número de pessoas que

vivem da renda da família, entre outros.

Como visto, o questionário contempla itens que procuram considerar a situação de moradia,

como o tipo de tratamento da água, a situação da casa, ou seja, se é alugada, própria,

cedida, etc e o modo como é feito o escoamento sanitário. Contempla ainda itens que

consideram a qualificação profissional, como qual é a ocupação, qual é a situação no

mercado de trabalho, ou seja, se é assalariado, se é empregador. Entretanto, de acordo com

informações oficiais, o principal critério para selecionar os beneficiários do programa é a

renda per capita, ou seja, a soma do salário dos membros da família que trabalham de

carteira assinada divido pelo número de pessoas da família.

Ao confrontar os critérios oficiais do Programa Bolsa Família e os critérios morais dos

próprios beneficiários e potenciais beneficiários, é possível observar que há um certo

desencontro entre o perfil exigido para ingressar no programa e o perfil que os próprios

usuários identificam como sendo o ideal. Termos como dificuldade e necessidade aparecem

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com freqüência para justificar o por quê de se ter direito ou não a receber o benefício.

Precisar mais do que outro, passar por maiores necessidades, deveriam, segundo os

beneficiários, garantir o direito ao benefício. O fato de ganhar salários menores do que

aqueles que recebem o benefício, por exemplo, pode ser apontado como justificativa para

ter direito a receber benefício. Do mesmo modo, o fato de ter ou não emprego com certeira

assinada é também apontado como uma justificativa para se ter acesso ao recebimento da

bolsa.

Certa vez fui no Núcleo de Benefício e Renda e observei um homem, que estava junto com

sua esposa, perguntar à funcionária do Programa Bolsa Família que atendia aos

beneficiários: “Quero saber por quê a gente está recebendo só R$15,00. Tem uma vizinha lá

que recebe R$80,00. E a esposa completou: “E ela trabalha também”. Outra vez, uma

mulher que aguardava o atendimento disse falando de sua filha “Não é possível. Então era

pra minha filha ter recebido. Ela está com a casa caindo aos pedaços, tem seis filhos pra

criar e até agora não recebeu”. As necessidades que justificam o recebimento do benefício

são, neste exemplo, a casa em péssimas condições e a quantidade de filhos.

Assim, enquanto os critérios oficias do Bolsa Família valorizam a renda como elemento

central, os beneficiários parecem ver na maior necessidade e dificuldade - que podem ser

expressas em diferentes características, como o emprego e as condições de moradia -,

aspectos que deveriam ser considerados no momento da seleção das famílias beneficiárias.

Há, portanto, uma divergência entre os critérios oficiais e os critérios que os beneficiários e

potenciais beneficiários consideram de fato pertinentes e justos.

2.5. A apropriação do programa para outros fins

A utilização do cadastro para outros fins também é um exemplo interessante de como o

programa social acaba sendo apropriado de diferentes maneiras, dependendo do contexto ao

qual é aplicado. Borges (2004, p. 38) relata que um cabo eleitoral utilizou o cadastro como

banco de dados para contatar eleitores e relembrá-los de que o então candidato havia lhe

concedido o benefício. “Além do sentido mais referencial de um cadastro, que é agrupar e

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23

classificar um conjunto de pessoas, gradualmente percebi que havia no Recanto das Emas

outros usos possíveis para esse tipo de registro”.

O então secretário-geral da FAMNIT (Federação das Associações de Moradores de Niterói)

e representante dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social de Niterói,

relatou que utilizou o Programa Bolsa Família, antes da pesquisa ser realizada, para

acompanhar a vacinação de crianças e de pessoas que estavam com doenças, como

hanseniase, tuberculose, e também para acompanhar portadores de HIV.

Segundo ele, o cadastro foi utilizado para conhecer a população. “Através do cadastro a

gente foi conhecendo a população (...). Nós começamos a trabalhar esse morador (...)

Pegamos o nome e endereço de todo mundo que nós cadastramos e fomos atrás dessa

pessoa. E aí nós fomos descobrindo a sua deficiência, as suas frustrações”. Assim,

percebemos em sua fala que o Cadastro Único, que inicialmente seria usado pelo governo

federal para selecionar as famílias, acaba ganhando outro tipo de função em determinados

contextos.

Assim, é que um programa social, com uma finalidade específica, pode se desdobrar de tal

forma a ser utilizado com outras finalidades que surgem a partir de sua implementação,

servindo a outra interesses e fins, que a princípio não encontravam-se previstos por aqueles

que o formularam.

2.6. Mãe solteira: adaptando-se ao contexto

Um fato que chama a atenção é a grande recorrência de mulheres solteiras que iam até a

ONG AHSAS – Ação de Direitos Humanos e Sociais, no Barreto, com intuito de receber o

benefício. Na sala de espera do Núcleo de Benefício e Renda era notável também a maior

presença do público feminino para resolver questões relativas ao benefício. Além disso, a

grande maioria dos que iam fazer o cadastramento no bairro era de mulheres, muitas das

vezes mães solteiras.

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No próprio bairro estudado, o Barreto, com características de bairro popular, pareceu

bastante recorrente a presença de mães solteiras, que criavam seus filhos com a ausência

paterna. Na ONG AHSAS, certa vez, conheci o professor de Jiu Jistu, Lê. Professor de Jiu

Jitsu em academias, Lê foi até a ONG AHSAS porque pretendia utilizar o espaço da ONG

para treinar para uma competição os alunos que ensina gratuitamente. Lê é morador da

comunidade de Nova Brasília, que fica no Barreto, e é um desses meninos que foi criado

sem a presença do pai. Sua mãe o criou sozinha. Segundo ele, ela foi seu pai e sua mãe, e,

por isso, é uma grande “guerreira”. Ele disse que o pai nunca deu nada para ele e nem

pagou pensão. Era sua mãe quem tinha cuidado dele, trabalhando fora. Lê relatou que seu

pai é morador da “parte branca”, lugar que ele também denominou de “asfalto” e de

“pista”. Disse que a família do seu pai tem boas condições, mas nunca o ajudou. Lê disse

que não tem muito contato com seu pai, mas que de vez em quando vai até a casa do seu

pai de “motinha”. E, segundo ele, o faz para mostrar para seu pai o quanto sua mãe o criou

bem e o quanto ele conseguiu vencer na vida, mesmo sem a ajuda dele.

Assim como Lê, João, agende do programa e morador do mesmo bairro, disse que também

foi criado durante muitos anos com a ausência do pai. Seu Gomes era da Policia Militar e

ganhava muito dinheiro por fora, com o tráfico. Então, foi preso no dia em que João

completava cinco anos. João foi, então, criado pela mãe.

Não só na ONG AHSAS, mas também no Núcleo de Benefício e Renda da Secretaria de

Assistência Social de Niterói, conheci muitas mulheres e meninas que tinham algo em

comum: a ausência de um homem em casa que fosse o provedor da família. Grande parte

delas não recebia pensão, ou porque o marido não dava, ou até mesmo porque elas não

queriam mais receber nada do antigo companheiro. Geralmente elas chamam o homem de

esposo, mas grande parte das vezes não chegaram a casar, apenas “moraram juntos” com

seus “esposos”.

Muitas das mulheres que tinham interesse em se cadastrar no programa eram o que se

poderia chamar de mães solteiras, ou seja, eram mulheres que criavam seus filhos sem a

presença de um parceiro. Interessante notar que grande parte delas também era filha de

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“mãe solteira”, o que é um dado interessante. Portanto, fazia parte do universo dessas

pessoas a ausência de um homem em casa servindo de provedor para a família. Carla,

administradora da ONG AHSAS, ao falar das dificuldades das famílias do bairro, relatou a

situação das mães solteiras. Segundo ela, são mulheres que muitas vezes foram

abandonadas ou têm seus maridos presos em presídios. Carla disse que passam dificuldades

aquelas que não recebem pensão e criam seus filhos sozinhas. Ela falou ainda que muitas

mulheres optam por não receber pensão para não manter relações com o pai da criança.

Comecei a notar a recorrência de mães solteiras fazendo o cadastramento quando entrou

uma senhora na sala da ONG AHSAS querendo atendimento. Ela relatou que ganhava o

Bolsa Família e que cortaram o beneficio fazia pouco tempo. Ela disse que sua renda era de

R$100,00. A mulher fazia trabalhos como faxineira, sem carteira assinada, mas ficou

doente e não mais pôde trabalhar. Ela relatou que sua situação é muito difícil, pois não tem

marido e o pai de seus dois filhos não paga pensão.

Percebi, então, que é muito recorrente o cadastramento de mães solteiras, já que não era a

primeira, nem a segunda vez, que eu via uma delas se cadastrar. Comentei com João,

responsável por fazer o cadastramento do Bolsa Família na ONG, o fato, ele confirmou que

de fato é muitoo cadastramento de mulheres que criam seus filhos sozinhas. Como

exemplo, ele comentou a respeito da moça que havia acabado de ir à ONGse cadastrar no

programa. A moça havia nos relatado que a sua situação com o pai de sua filha é delicada.

Falou que está na justiça para receber a pensão. No entanto, o pai não assume a menina

como filha. O pai dela, portanto, não foi declarado na ficha de cadastramento.

Na sala de espera do Núcleo de Benefício e Renda também pude presenciar exemplos de

uma mãe solteiras que recebiam o benefício. Certa vez, puxei papo com uma menina que

estava sentada ao meu lado, ela tinha acabado de chegar. Ela tinha, na ocasião, uma filha de

quatro anos e recebia o Bolsa Família há mais de um ano. Ela me relatou que morava

sozinha com sua filha, pois não morava mais junto de seu esposo. O ex-marido paga

pensão, mas ela disse que tem que ficar em cima dele para ele pagar direito. Comentando

sobre pais que não pagam pensão, ela disse que sua filha é a cara do pai e que nem

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precisaria fazer DNA. Ela vive, hoje, com o dinheiro do Bolsa Família e do dinheiro que

recebe do pai da criança.

O interessante é que o próprio Programa Bolsa Família privilegia a mulher no recebimento

do benefício, considerando seu papel central na condução do lar. Segundo o Ministério de

Desenvolvimento Social, responsável pelo gerenciamento do Programa Bolsa Família, essa

decisão tem como base estudos sobre o papel da mulher na manutenção da família e na sua

capacidade em usar os recursos financeiros em proveito de toda a família.

“Para o MDS, o público alvo preferencial para o recebimento do benefício em nome da família é a

mulher. Essa decisão tem como base estudos sobre o papel da mulher na manutenção da família e na

sua capacidade em usar os recursos financeiros em proveito de toda a família”.2

Percebemos, neste caso, que na própria formulação do Programa Bolsa Família houve

preocupação em adaptar o programa social ao contexto no qual ele seria inserido. O

Ministério de Desenvolvimento Social afirma que a mulher é quem deve ser priorizada na

hora de receber a bolsa. Assim, o caso do Programa Bolsa Família revela que não só a vida

social se adapta à implementação de um programa social, mas a legislação e o projeto de

um programa social também leva em consideração o contexto social em que o programa

social será implementado. Como demonstrado previamente, no contexto estudado, grande

parte das famílias parecia conviver com a ausência paterna em casa, e a maior parte dos que

iam se cadastrar ou fazer reclamações eram mulheres. Assim, parece haver uma

convergência entre a legislação do Programa Bolsa Família, que prioriza as mulheres no

recebimento da bolsa, e o contexto social no qual o programa foi implantado. De fato

pensar um programa social parece exigir que se conheça o contexto no qual o programa vai

ser inserido, bem como pensar as implicações que o programa terá na dinâmica social.

3. O Programa Bolsa Família visto pelos usuários e potenciais usuários

2 Site: http://www.mds.gov.br/programas/transferencia-de-renda/programa-bolsa-familia/programa-bolsa-familia/criterios-de-elegibilidade/ (visitado em maio de 2007)

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Pensar o Bolsa Família como um programa cujo objetivo principal é angariar votos para o

partido da situação tem sido bastante comum. Esta visão ganhou grande evidencia no

período que precedeu as eleições de 2006. O então Senador Cristovam Buarque (PDT/DF) -

que depois concorreu às eleições presidenciais de 2006 -, em artigo publicado no jornal O

Globo, no dia 29 de outubro de 2005, falando sobre o Bolsa Família, disse que a bolsa torna

a família beneficiária devedora do governo.

“A Bolsa Família, vista como simples transferência de renda, sem a contrapartida do estudo nem o

investimento na qualidade da educação, e administrada pela assistência social, transforma a família

em submissa devedora do governo, recebedora de favores, passível de riscos eleitoreiros. Além de

não educar as crianças, deseduca politicamente as famílias. Prova disso é a análise de que o resultado

eleitoral de 2006 pode ser determinado pela lealdade dessas famílias da bolsa à candidatura do

Presidente Lula.”

Essa idéia também pode ser encontrada entre os potenciais eleitores, alguns dos quais

recebem o Bolsa Família. Certo dia, estávamos eu, André, Will e Omar, conversando na

mesa, próximo da cozinha, na ONG AHSAS. André trabalha na ONG, já Will e Omar são

membros da Cooperativa Comunitária de Construção Civil do Barreto (CCOCB), iniciativa

apoiada pela Incubadora de Cooperativas Populares, que é um projeto de extensão da

Universidade Federal Fluminense. As reuniões da cooperativa são realizadas na ONG, por

isso entrei em contato com os membros durante o trabalho de campo. Conversávamos sobre

muitos assuntos, dentre eles a minha pesquisa e o Bolsa Família. Até que André me

perguntou se eu gostaria de saber sua opinião sobre o programa. Eu respondi

afirmativamente e, então, ele disse: “As pessoas vão acabar votando no Lula com medo de

acabar o Bolsa Família”.

Os meios de comunicação também publicam reportagens que apontam para o fato de que o

Bolsa Família é usado por alguns com fins eleitoreiros. Um argumento que poderia

demonstrar o poder do Bolsa Família para angariar votos é o fato de que, como afirma a

reportagem do jornal Estado de S. Paulo, de 30 de Abril de 2006, o candidato do PSDB

Geraldo Alckimin afirma que o programa continuará a existir em seu governo. Na

reportagem do dia 02 de maio de 2006, no mesmo jornal, o jornalista afirma:

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“Embora reconheçam ser uma política assistencialista, o PSDB não quer perder votos nas camadas

mais pobres. Por isso, a alternativa é sustentar que a origem do bolsa Família está no governo

Fernando Henrique Cardoso, que vai ampliá-lo e não acabar com o programa como os adversários

estão espalhando entre os eleitores.”

No dia 08 de maio de 2006, o mesmo jornal publica que Fernando Henrique disse que as

políticas sociais do atual governo são apenas uma continuidade do seu próprio governo.

“As políticas atuais que estão sendo feitas pelo Lula foram começadas por mim”, disse.

Outra reportagem no jornal Estado de S. Paulo publicou que o então ministro do

Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, disse que as

políticas sociais do governo Lula, por exemplo, garantem ao presidente uma parcela

significativa de votos. “Será que alguém que ganhou um emprego vai votar contra o

governo?”, disse. Segundo Furlan, esta mesmo idéia poderia ser aplicada no caso de

beneficiários de programas sociais como o Bolsa Família.

A reportagem do jornal Folha de S. Paulo, de 31 de maio de 2006, diz que a última

pesquisa Datafolha mostra que o principal motivo que induz o eleitor a votar no presidente

Luiz Inácio Lula da Silva é a percepção das ações do governo na área social, associado à

visão de que ele está fazendo um "governo voltado para os pobres" e conduzindo bem sua

política econômica. Segundo o levantamento, 25% dos entrevistados citaram os programas

sociais como razão do voto em Lula. Das ações na área, a que mais se destaca é o Bolsa-

Família, citado por 14%.

Além disso, um levantamento do Data Folha publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, no

dia 30 de outubro de 2005, revela que Lula consegue percentuais mais elevados de eleitores

entre aqueles beneficiados por programas como o Bolsa Família. Segundo a pesquisa, "nos

cenários traçados para o primeiro turno, Lula bateria todos os adversários, se votassem

apenas os brasileiros que participam ou têm alguém da família beneficiado por programas

sociais federais. A intenção de votos para Lula varia de 37% (numa disputa contra José

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Serra, do PSDB, que ficaria com 26%) a 40% (em um embate com o também tucano

Geraldo Alckmin, que não passaria de 11%), entre os beneficiários destes projetos”.

Outra pesquisa divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, no dia 5 de junho de 2006, e

realizada pelo o Instituto Ipsos Public Affairs informa que 56% dos cidadãos que avaliam o

governo como ótimo ou bom já recebeu benefícios do programa Bolsa Família ou conhece

alguém que o fez. O estudo ouviu mil eleitores em 70 cidades brasileiras.

Durante uma reunião do Conselho Municipal de Assistência Social do município de

Niterói, que ocorreu no Núcleo de Benefício e Renda da Secretaria Municipal de

Assistência Social, Osvaldo, membro do Partido dos Trabalhadores, representante dos

usuários do Bolsa Família e um dos conselheiros da comissão, chamou os participantes que

lá estavam de “clientela do Bolsa Família”. E interveio durante a fala da coordenadora do

Núcleo de benefício e Renda, que nessa ocasião falava sobre os resultados do Programa

Bolsa Família no município, e perguntou ironicamente: “Nós sabemos que vamos ter

críticas, que vão dizer que o Bolsa Família tem fins eleitoreiros. Eu acho que não é o caso.

Ou será que tem fins eleitoreiros mesmo?”.

Alguns textos bastante importantes para o estudo do Estado fazem parte de uma tradição

que vem pensando a relação entre Estado e população segundo uma visão clientelista. Um

texto que permite a familiarização com o modo como a política brasileira vem sendo

pensada é “Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual”. No

livro, José Murilo de Carvalho (1997) retoma conceitos básicos como mandonismo,

coronelismo, clientelismo, patrimonialismo, feudalismo. Para isso, percorre a obra de

diferentes autores que abordaram estes assuntos. Fala, por exemplo, das visões de Vitor

Nunes Leal e Raymundo Faoro. José Murilo de Caravalho defende que qualquer que seja a

noção de clientelismo implica troca entre atores de poder desigual. No caso do clientelismo

político, o Estado é a parte mais poderosa. É ele quem distribui benefícios públicos em

troca de votos ou de qualquer outro tipo de apoio que necessite.

Pensar as política públicas como políticas de cunho assistencialista, que visam arrecadar

votos para o governo, parece ser bastante recorrente. Como vimos, esta visão não é

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30

encontrada apenas no meio acadêmico, mas também nos meios de comunicação, entre

políticos e ainda em idéias que chamamos de “senso-comum”.

3.1. A categoria ajuda

No jornal O Globo, de 16 de julho de 2006 na reportagem “Social, mas com apelos

econômicos e eleitorais”, há a fala de uma senhora, Maria de Lurdes dos Santos, que tem

cinco filhos menores e cuja única renda são os R$80 que recebe do programa Bolsa

Família. Ela afirma: “Esse dinheiro é uma ajuda do governo (...) Só sei que recebo e vou

fazer compras”.

No jornal Estado de São Paulo, na reportagem publicada no dia 31 de janeiro de 2006,

Maria da Conceição Souza, 29 anos, mãe de três filhos com menos de 10 anos – duas

meninas e um menino -, todos de pais diferentes-, revela: “Eu ganhava a vida lavando

roupa e nem sempre o que eu ganhava dava para comprar comida todo dias para as

crianças. Quando entre para o programa passei a conseguir comprar arroz e feijão para o

mês todo. Foi uma grande ajuda”.

Uma reportagem do Globo Online, publicada em 18 de Maio de 2006, cujo título é “Ajuda

do governo não chega a quem passa fome”, Jaíde, que tenta receber o benefício do governo

diz: “Já fiz de tudo para ver se recebo alguma ajuda. (...) Eu corro atrás, mas nunca chegou

nada para mim. O que me deixa mais indignada é saber que muita gente não precisa receber

a ajuda do governo (...)”.

O que chama atenção em relação ao Programa Bolsa Família é o fato de que comumente a

categoria utilizada para designar o programa é ajuda. É possível observar esse fato até

mesmo por meio de depoimentos de beneficiários em algumas reportagens de jornais.

Podemos observar por meio destas reportagens que o Programa Família usualmente é

pensado como uma ajuda do governo ou de quem que seja apontado como o gestor do

programa. Uma literatura importante aponta para o fato de que o uso de certas categorias

pode ser importante para percebermos alguns fenômenos sociais. Certamente não é por

acaso que o Bolsa Família é designado como ajuda. O fato da categoria utilizada para se

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31

referir ao benefício ser ajuda pode ser revelador do modo como os usuários e dos

potenciais beneficiários se relacionam com o programa e o percebem.

Beatriz Heredia (1979) faz uma análise da organização interna de unidades de produção

camponesa, na Zona da Mata de Pernambuco. Heredia destaca a oposição casa/roçado

como central na definição da esfera do trabalho. O roçado aparece como o lugar da

produção e um lugar predominantemente masculino, ao passo que a casa aparece como o

lugar do consumo e um lugar predominantemente feminino. Ela demonstra como a

categoria ajuda, naquele contexto, revela algumas dinâmicas sociais importantes. Enquanto

as atividades do roçado são consideradas trabalho, as atividades da casa são definidas pela

categoria ajuda.

No estudo de Renata de Castro Menezes (2004), a categoria ajuda freqüentemente aparece

para definir a doação e as graças recebidas do santo. E a ajuda, segundo a autora, gera um

sentimento de gratidão e agradecimento, que pode resultar em devoção. “(...) a medida em

que um devoto se torna mais e mais fervoroso, ele se doa a um santo – ‘seu’ santo,

enquanto persistir a gratidão e o reconhecimento pelas graças alcançadas em toda a sua

vida”.

Moacir Palmeira e Beatriz Heredia (2005) utilizam parte da pesquisa que desenvolveram

sobre concepções de política e ação sindical entre populações rurais em alguns municípios

de Pernambuco e do Rio Grande do Sul. No contexto estudado pelos autores, a ligação

estabelecida por um chefe de família com um determinado político compromete todo o

grupo doméstico. O voto tem um caráter de adesão, ou seja, situa os eleitores em um lado

da sociedade.

Heredia e Palmeira (2005) observaram que a concessão de ajuda é parte da relação que se

estabelece entre eleitores e políticos. Os candidatos fazem-se valer de ajudas, favores,

capazes de fazer com que o eleitor se sinta comprometido com eles, já que a concessão de

um favor pode fazer com que o eleitor sinta-se endividado com o candidato doador. A

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32

eleição, nesse contexto, pode aparecer como um momento de amortizar a dívida para com

um político.

Marcos Otávio Bezerra (1999) analisa as representações, práticas e relações sociais

produzidas em torno da atuação dos parlamentares no Congresso Nacional. A atuação dos

parlamentares aparece num sistema de relações de interdependências entre representantes

dos poderes locais (estados e municípios), nacional e agentes privados, em que categorias,

como favor, dívida são fundamentais para se compreender as relações entre essas diferentes

instâncias da vida pública.

Assim, é que categorias como favor, dívida, ajuda são significativas para se pensar certas

dinâmicas e representações sociais. Interessante também ressaltar que essas categorias

ganham sentido quando pensadas em contextos específicos, pois elas revelam justamente

relações e concepções que emergem contextualmente.

Ao longo da pesquisa de campo que realizei, também percebi que a categoria mais utilizada

para definir o Programa Bolsa Família é a categoria ajuda. As pessoas freqüentemente

utilizavam o termo ajuda ao se referir ao benefício. Portanto, não é somente na imprensa

que os beneficiários utilizam a categoria ajuda para definir o programa. Em campo,

constantemente, a categoria ajuda apareceu para designar o Bolsa Família.

No Núcleo de Benefício e Renda, responsável pelo gerenciamento do Programa no

município de Niterói, há pessoas das mais diversas regiões da cidade, que se dirigem até lá

para fazer o cadastramento, saber informações, fazer reclamações. Certa vez, uma moça

estava no local e identificou-se como moradora de Charitas. Ela disse que fez o

cadastramento em 2004, quando ainda estava grávida de cinco meses de seu filho caçula. O

motivo de sua ida ao local foi tentar entender o porquê de não ter recebido o benefício

desde a ocasião de seu cadastramento. Perguntei a ela por que achava que o governo

oferecia esse programa, e ela me revelou: “Ele quer ajudar as crianças. Porque as mães não

podem trabalhar. Aí ele dá essa ajuda”. Por meio desse exemplo podemos observar a

categoria ajuda aparecendo para explicar o porquê da implementação do programa.

Page 33: Programa Bolsa Família: desdobramentos de uma Política Pública e o uso da categoria ajuda

33

Nesse mesmo dia conversei ainda com uma mulher, moradora do Cubango, que estava na

sala de espera relatou que não recebia a bolsa desde janeiro, motivo de sua estada no local.

Todos, então, começaram a conversar sobre política e o governo atual (governo Lula). A

fala de uma das mulheres tentava explicar o por quê da existência do Programa Bolsa

Família. Ela disse: “Lula enviou esses serviços para retribuir os votos. O povo votou nele e

agora ele quer pagar para retribuir”. E acrescentou: “O governo diz: ‘vamos dar uma

ajudinha’”.

Por meio da fala desta mulher é possível observar que há a idéia de que Lula possuía uma

dívida para com o povo, já que recebeu votos da população. E, por isso, teve que pagar a

sua dívida. Estão em jogo as noções de reciprocidade e troca. Uma vez que Lula recebeu

os votos, ficou em dívida com a população e, por isso, teve que retribuir com uma ajuda,

no caso o Programa Bolsa Família.

Outro dia fui novamente até o Núcleo de Benefício e Renda, os funcionários do Programa

estavam realizando o cadastramento em uma salinha e em outra sala estavam atendendo

pessoas que já recebem o benefício. Quando cheguei na sala de espera só havia mulheres. E

algumas delas estavam com seus filhos. Havia também duas moças sentadas em frente a

mim. Uma era loira, branca, de olhos castanhos, com aproximadamente 30 anos, vestia-se

com uma calça de ginástica e uma roupa simples e disse que tinha um filho de um ano. A

outra era morena clara, com aproximadamente 30 anos de idade, vestia-se de maneira

simples e disse que tinha um filho de três anos. Elas, então, começaram a falar sobre o

Programa e a loira disse: “Já é uma ajuda. Não é muita coisa, mas já ajuda”. Mais uma vez

a categoria ajuda aparece para definir o programa.

A fala de um beneficiário do programa também utiliza a categoria para definir o Programa

Bolsa Família. Rogério recebe o benefício há mais ou menos um ano. Na ocasião, ele

recebia R$45 do programa. Ele é casado e é pai de três filhos, um menino de 16 anos e duas

meninas, uma de 12 e outra de sete anos. O filho mais velho não mais interfere no

recebimento do dinheiro. Naquela ocasião, Rogério tinha pegado uma criança para criar e

pretendia cadastrá-la no programa. Ele disse a respeito do benefício: “Dá para ajudar a

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comprar material do colégio. O dinheiro tem que ser usado para isso: alimento, comprar

material”. E acrescentou: “não fumo, não bebo”.

Além da noção de ajuda aparecer novamente por meio da fala de Rogério, é interessante

observar que ele logo tratou de demonstrar que utiliza o dinheiro para comprar coisas úteis

e necessárias. E fez questão de frisar que não fuma e não bebe, ou seja, que não utiliza o

dinheiro para tais finalidades. Na fala de Rogério, além do fato relevante de que aparece o

termo ajuda para classificar o programa, podemos observar a necessidade dele frisar que

não é fumante e não faz uso de bebidas alcoólicas, o que provavelmente tem como objetivo

me mostrar que ele faz uso da bolsa de forma correta, ou seja, para comprar comida e

material para seus filhos. Rogério me disse ainda: “Já pensei em abrir mão do benefício

para ajudar outras pessoas que precisam mais”. Explicação, inclusive, que ouvi com

alguma freqüência. Em discussões, por exemplo, de pessoas falando que muitas pessoas

ganham e não precisam. Importante notar que mesmo nesses casos o termo ajuda aparece.

Certo dia, em uma de minhas idas até a ONG AHSAS, havia duas mulheres com um bebê,

que aguardavam para fazer o cadastramento do programa. Na realidade, uma delas foi até lá

fazer o agendamento para se cadastrar, enquanto a outra foi fazer o cadastramento. Uma

delas era mãe de uma menina de três anos. Antes da moça entrar em uma salinha para se

cadastrar, ela me disse que resolveu fazer o programa porque moram apenas ela e a filha e

ela não tem emprego. Ela disse: “Só moro eu e minha filha. Eu não trabalho, vivo de

biscates. E é uma ajudinha”. E ela acrescentou: “Meu marido não ajuda”.

O interessante neste caso é notar que a mesma categoria utilizada para definir o Programa

Bolsa Família, é utilizada também para definir o ato do marido dar alguma coisa para ela e

sua filha. Ou seja, a atuação do governo é uma ajuda, tanto quanto o seria a ação de seu

marido. João, então, perguntou pra ela do que ela vive. Ela disse que vive de ajuda. Ele

perguntou de quem, e ela respondeu: “Minha família. Meu pai ajuda”. Curioso que aqui

também, além dela definir a bolsa como uma “ajudinha”, ela define do mesmo modo a

atitude do pai de dar uma quantia de dinheiro para ela e sua filha de ajuda.

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Outras situações ainda são bastante interessantes para pensar a utilização da categoria ajuda

para designar o Bolsa Família. Fui até a Secretaria de Assistência Social do município de

Niterói. Falei com a assessora de comunicação da secretaria. Sobre o Bolsa Família, ela me

disse que há muitos casos de usuários que quando passam a receber um salário ou

conseguem um emprego vão até a secretaria e devolvem o cartão que usavam para receber

o benefício do programa. A assessora me relatou que houve uma senhora que devolveu o

cartão, porque achava que outros precisavam mais do que ela naquele momento. Ela

acredita que esse tipo de atitude se deve ao trabalho de conscientização que vem sendo feito

pelos agentes do programas. As reuniões, segundo ela, acabam conscientizando as pessoas

de que o benefício é para os que precisam naquele momento.

Em outro momento, fui também até à Secretaria de Assistência Social do município de

Niterói. Falei com o psicólogo da Secretaria, do programa Plantão Social. Ele também me

relatou, em relação ao Programa Bolsa Família, que houve casos de pessoas que, por terem

conseguido um emprego, foram até à Secretaria de Assistência Social cancelar o benefício

do programa. Ele disse que teve uma mulher, no ano de 2005, que foi até lá e quis inclusive

devolver todo dinheiro que ela havia ganhado no Programa Bolsa Família.

Entretanto, interessante aqui é a gente pensar como algumas pessoas só querem receber o

benefício por acharem que passam por um momento de necessidade, em que precisam de

ajuda. Quando se estabilizam ou ganham um novo emprego podem querer devolver o

cartão que utilizam para sacar o benefício.

É interessante notar, por meio destes exemplos, que a categoria ajuda aparece

freqüentemente como a categoria definidora do Programa Bolsa Família. Além disso, ela

aparece não só para designar o benefício, mas também para designar outros tipos de ações

que familiares desempenham. E é importante notar que a noção de reciprocidade, de dívida

também aparece em alguns momentos.

Tal fato poderia passar como um fato despercebido. Entretanto, é interessante questionar o

por quê da categoria utilizada para definir o benefício ser ajuda. Por que a categoria

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utilizada pelos beneficiários e potenciais beneficiários do programa para designar o Bolsa

Família é ajuda? Outros termos, como direito, benefício e obrigação, poderiam ser

utilizados para definir o programa, mas não o são. Um caminho possível para esclarecer a

questão é tentar pensar em que outras situações a categoria ajuda apareceu em campo, a fim

de pensar o que a categoria ajuda significa para o grupo estudado ao longo do trabalho de

campo.

3.2. Mas o que é ajuda?

Para tentar entender o significado da categoria ajuda no contexto em que a pesquisa foi

realizada, tentou-se pensar em que outras situações esta mesma categoria aparecia em

campo. Não foram raros os momentos em que o termo ajuda foi utilizado.

Certo dia, eu me dirigi à Praça do Barreto. Lá, vi dois homens mais velhos sentados. Eram

dois aposentados. Perguntei para eles se já tinha ouvido falar no Programa Bolsa Família e

o que achavam do programa. Um dos homens disse que achava que o Programa Bolsa

Família era uma boa ajuda para aqueles que precisam. Depois de algum tempo de conversa

falamos sobre outros assuntos. O homem, então, me relatou que recentemente teve um

problema cardíaco e precisou fazer uma cirurgia que custava R$3000,00. Ele disse que não

tinha condições de pagar pela cirurgia. Então, um amigo seu recomendou a ele que

procurasse uma determinada pessoa em um hospital. Assim, o aposentado não precisou

pagar a cirurgia. Perguntei, então, como ele se sentia em relação a esse amigo. Ele me disse

que se o amigo precisasse, sem dúvidas, ele o ajudaria também. E disse que seu amigo é

muito bom e que no que ele precisar ele vai ajudá-lo.

Podemos observar que a mesma categoria utilizada para definir o Programa Bolsa Família

foi utilizada para definir a atitude de seu amigo de colocá-lo em contato com alguém, o que

possibilitou que ele se submetesse gratuitamente a uma cirurgia. Outro aspecto interesse

que aparece em sua fala é o fato de que o aposentado estaria disposto a retribuir a ajuda que

recebeu de seu amigo.

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Fui até à comunidade Buraco do Boi, que fica no bairro do Barreto. Cheguei até a

comunidade por meio de moradores que conheci na ONG AHSAS. Eles trabalham na

cooperativa de construção civil, cujas reuniões realizam-se na ONG. Assim, acabei

entrando em contato com alguns dos cooperados e suas famílias, alguns deles beneficiários

do Programa Bolsa Família. Seu Otávio e Almir, membros da cooperativa, Luciana, esposa

de Aílton, e seus dois filhos fizeram questão de nos acompanhar quando estávamos já indo

embora da comunidade. No caminho conversamos sobre muitos assuntos e estávamos

brincando uns com os outros. Almir, então, relatou que um dos membros da cooperativa,

Waldemar, deu a ele o terreno onde mora, na comunidade Buraco do Boi: “Foi o Waldemar

que arrumou esse terreno para a gente morar lá na comunidade. Se não fosse ele... Ele

ajudou muito a gente. Nossa! Eu sou muito grato a ele. Ele foi muito legal com a gente”. E

Luciana concordou com o marido.

A conversa surgiu num momento em que falávamos de algumas características negativas a

respeito de Waldemar. Aílton, então, disse que não poderia falar nada dele e nos relatou a

situação. Vemos aí que a categoria ajuda aparece para designar a atitude de Wanderlei de

ter dado algo ao casal. Nesse caso, fica evidente a gratidão de Almir por ter recebido o

terreno de Waldemar. A gratidão aparece como uma espécie de reconhecimento do que foi

feito.

Neste dia, a chapa de Almir havia ganhado as eleições para ocupar a presidência da

associação de moradores da comunidade. Foi feita uma festa de despedida para os

moradores que ocuparam a presidência da associação até aquele momento. Durante a festa,

me chamou atenção um comentário de uma senhora que havia trabalhado na antiga

associação. Perguntei a uma menina se ela era da antiga associação. Ela me disse que sim, e

a senhora falou: “Ela vai continuar. Eu liguei pra eles (os membros da diretoria) e pedi pra

ela continuar”. E acrescentou: “Seu Paulo (antigo Presidente da Associação da comunidade

Buraco do Boi) ajudou muito minhas filhas. Ele é um homem muito bom. Minhas filhas

todas trabalham aqui”. Assim, a atitude do antigo presidente de ter dado um cargo na

associação para suas filhas foi considerada pela senhora como uma ajuda. E em seguida a

esse comentário, segue-se um elogio ao antigo presidente.

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É bastante interessante o fato de que a categoria ajuda aparece, nesse contexto, não só para

designar o Programa Bolsa Família, mas também para definir outras atitudes, em que é

recebido uma doação de alguém. Interessante também, que constantemente segue-se ao

relato do recebimento da ajuda um comentário elogioso ao doador ou uma fala que

demonstra gratidão pelo recebimento da doação.

Tais usos da categoria ajuda podem nos ajudar a pensar o significado deste termo em outras

situações e contextos, a fim de tentarmos entender o por quê do uso da categoria ajuda para

designar o Programa Bolsa Família. No contexto estudado, como vimos, a categoria ajuda

foi utilizada para assinalar situações em que alguém recebia algo de outra pessoa e, por

isso, sentia-se de algum modo grato.

Como vimos anteriormente, o Bolsa Família é geralmente visto como uma ação de cunho

assistencialista, que visa obter votos para o partido da situação. O uso da categoria ajuda,

desta forma, pode indicar e confirmar que, de algum modo, políticas públicas, como o

Bolsa Família, ainda são percebidas pela população como políticas de conheco assistencial,

que visam ajudar à população. Portanto, a definição e entendimento deste tipo de política

como tendo um cunho assistencialista parece se fazer presente no imaginário social.

O uso da categoria ajuda parece indicar ainda, se pensarmos no modo como o termo é

usado em outras situações no mesmo contexto social, que muitos dos que recebem a bolsa e

sentem-se ajudados pelo governo e, consequentemente, sentem-se gratos por receberem o

benefício.

A pergunta que se segue é: A gratidão pelo recimento do Bolsa Família converte-se

necessariamente em votos? Seria, então, o Bolsa Família eficiente para angariar votos para

os partidos políticos e seus representantes? Esta pergunta não pode ser respondida com

precisão, pois gratidão não necessariamente converte-se em votos. No entanto, não é

possível descartar a possibilidade. Provavelmente, em alguns casos, o Bolsa Família pode,

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39

sim, angariar votos para os partidos. Entretanto, é preciso levar em conta outros aspectos

importantes que serão discutidos no próximo subcapítulo.

3.3. Falta de informação e desapontamento

Um dos desdobramentos do Programa Bolsa Família parece ser um certo descontentamento

dos beneficiários e potenciais beneficiários com o programa, que muitas das vezes

relaciona-se com a falta de conhecimento acerca de informações básicas sobre o benefício.

Em minhas idas ao Núcleo de Benefício e Renda da Secretaria de Assistência Social de

Niterói pude presenciar diversas reclamações sendo feitas por usuários e até mesmo por

aqueles que tinham interesse em receber o benefício. Algumas das reclamações se dirigiam

à dificuldade de realizar o cadastramento, já que há prazos, datas, etc.

Notei que grande parte das pessoas não sabia, por exemplo, os critérios de seleção para

conseguir receber a bolsa. As pessoas pareciam não ter informação sobre quem selecionava

as famílias, quais eram os critérios de seleção e que o cadastro não necessariamente

significa que iriam receber a Bolsa. No Núcleo de Benefício e Renda, certa vez, havia duas

mulheres falando sobre o cadastramento e a dificuldade para receber o benefício. Uma

delas disse: “Poxa. É época de eleição, eles deveriam adiantar isso”. E perguntou para a

outra quanto o Programa dava para as famílias e quais eram os critérios. A mulher

respondeu: “Não sei se é por filhos, se é quem trabalha... A senhora já recebe?”.

Assim, muitas vezes as pessoas não sabiam quais são os critérios necessários para

conseguir o benefício. Duas senhoras idosas, por exemplo, foram até a sede do Bolsa

Família em Niterói querendo se cadastrar no programa. No entanto, o funcionário disse que

elas não se encaixavam nos critérios para receber a bolsa, pois não tinham filhos pequenos

e eram idosas. Uma das senhoras depois de relatar ao homem as dificuldades pelas quais

tinha passado para chegar até ali, como ter desccido as escadarias do morro com a mulher

que a acompanhava, lamentou não poder receber o benefício e deixou o local reclamando

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40

da situação em que se encontrava, do descaso do governo e do baixo salário que recebia, já

que tinha mais de setenta anos e havia trabalhado a vida toda.

Como no exemplo acima, por diversas vezes observei que as pessoas não estavam

esclarecidas sobre os critérios de seleção para o programa. E em muitos casos foi possível

perceber que não sabiam nem ao menos que o fato de terem se cadastrado não significava

que necessariamente receberiam benefícios. Por muitas vezes presenciei reclamações de

potenciais usuários que queriam entender o porquê de ainda não terem recebido o benefício,

já que haviam se cadastrado. Eles se surpreendiam ao saber dos agentes que a seleção era

feita pelo governo federal e que havia uma série de critérios que pautava a escolha.

Grande parte das pessoas que estiveram na sede do programa pretendia se cadastrar para

receber os recursos do Bolsa Família. No entanto, foram informadas de que o

cadastramento não estava ocorrendo naquele momento, pois ainda haveria uma reunião

com o prefeito de Niterói, Godofredo Pinto (PT), para decidir se seriam abertas novas

vagas. Muitos dos que pretendiam tornar-se usuários, então, reclamavam, alegando que já

haviam tentado se cadastrar em alguns momentos e frustraram-se. Uma pessoa chegou a

dizer que achava melhor não receber o benefício, pois a espera e o trabalho para consegui-

lo não compensavam. Ela disse que foi por insistência de sua mãe, que disse que seria bom

para os filhos pequenos, que ainda tentava se cadastrar. Ainda em outra ocasião, uma moça,

mãe de dois filhos, que sentava-se na sala de espera, me relatou que se cadastrado há quase

três anos no morro do Preventório, em Niterói. O motivo de sua ida ao Núcleo de Benefício

e Renda foi justamente o fato de não ter recebido o benefício desde a ocasião de seu

cadastramento.

Com os exemplos dessas pessoas que haviam se cadastrado e procuraram a coordenação do

programa para entender o porquê de ainda não receberem a bolsa, pude constatar que não

há, na grande maioria das vezes, o entendimento de que o cadastro não necessariamente

resultará no ganho do benefício e, mais ainda, que não há o entedimento de quais são os

critérios necessários para se receber o benefício.

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41

Além disso, o fato das pessoas se encaixarem nos critérios para o recebimento do Bolsa

Família, não significa que automaticamente receberiam o benefício, pois o número de

recursos disponíveis pelo programa destinado a cada município é restrito. Grande parte dos

que vão se cadastrar desconhece esta informação, e ao saber que o cadastro não

necessariamente representa o recebimento do benefício, ficavam surpresas e algumas vezes

sentiam-se frustradas e até mesmo indignadas.

Em um dos dias em que fui acompanhar o cadastramento no Núcleo de Benefício e Renda

ouvi de uma mulher dizer: “Eu já me cadastrei há cinco anos. Fui receber só mês passado e

mesmo assim deu problema”. Nesse mesmo dia uma outra mulher que acompanhava a filha

jovem com sua neta disse, falando de outra filha sua: “E minha filha que tem seis filhos e

não ganha nem um real? Só Deus sabe da necessidade dela: casa caindo, seis filhos. Ela já

fez a inscrição, mas até agora nada”.

A situação de terem feito o cadastro e não receberem a bolsa gera nessas pessoas um

descontentamento com a situação. Do mesmo modo atrasos no pagamento, diminuição do

valor da Bolsa recebida após o recadastramento, constatação de que um vizinho recebe

mais do que a própria pessoa, dentre outros fatos, podem gerar insatisfação por parte dos

que o recebem. Observei que o fato de não receberem, justamente por não estarem

informados sobre os critérios de seleção e por acharem que iriam receber caso se

cadastrassem, gerava reclamações e descontentamento por parte das pessoas. Muitos

chegavam a reclamar com os agentes e a comentar com os que esperavam na sala para ser

atendidos a seu desapontamento.

Assim, o recebimento da Bolsa pode gerar descontentamento por parte dos que o recebem,

caso haja, por exemplo, atrasos no pagamento ou caso haja depois do recadastramento

diminuição do valor da Bolsa. E, além disso, a falta de informação sobre os critérios de

seleção e sobre o fato de que o cadastramento não necessariamente significa que o que a

pessoa receberá o benefício pode também gerar descontentamento.

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42

Voltando a pergunta do subcapítulo anterior, acerca do eficácia do Bolsa Família como

gerador de votos para os partidos políticos e seus representantes, poderíamos nos

questionar: Poderia o Bolsa Família, ao promover descontentamento por parte de alguns

dos beneficiários e potenciais beneficiários, fazer com que muitos deixem de votar nos

responsáveis pela implementação do programa? Novamente, a resposta parece um pouco

vaga, pois descontentamento não necessariamente fará com que as pessoas deixem de votar

nos partidos e seus representantes. No entanto, não é possível descartar a possibilidade.

Provavelmente, em alguns casos, o descontentamente como o Bolsa Família pode, sim,

deixar de angariar votos para os partidos. Assim como, os milhões de beneficiários, ainda

que reclamem em certas ocasiões, podem, sim, acabar votando em partidos e em função do

recebimento do benefício.

3.4. A quem creditar o benefício?

No caso da implementação do Programa Bolsa Família, um aspecto que parece passível de

observação é o fato de que muitos beneficiários e potenciais beneficiários não sabiam a

quem creditar o benefício. Ou seja, não sabiam ao certo quem eram os gestores e

responsáveis pelo Programa Bolsa Família. Uma senhora, por exemplo, quando perguntei a

ela a quem ela se referia quando falava de quem a tinha concedido o benefício, ela disse:

“Acho que é o Lula. Não sei se foi a Rosinha... o Lula. Acho que foi o Lula mesmo, 'né'?”.

Em sua fala fica claro que há situações em que os próprios usuários não sabem muito bem

definir quem é o gestor do Programa. Não foram raros em que presenciei, ao longo do

trabalho de campo, pessoas atribuírem o recebimento do benefício a políticos locais e

pessoas ligadas a eles que tinham os informado sobre a possibilidade de se cadastrar para o

programa e os ajudado a conseguir o benefício.

A reportagem do jornal O Globo, de 16 de julho de 2006, divulgou que a pesquisa do

DataUFF, realizada com quatro mil beneficiários do Bolsa Família em 53 municípios,

revela que 60% das pessoas creditam o Programa Bolsa Família ao governo federal e

17,6% ao presidente Lula. Mas 9,5% acham que é o Estado o responsável por distribuir a

bolsa. E 6,4% acreditam que o responsável pela distribuição do benefício é a prefeitura

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municipal e 6,3 acham que sejam políticos locais os responsáveis pela distribuição dos

recursos do programa.

Assim, é possível perceber que, embora a maioria saiba que o governo federal é o

responsável pelo programa, há aqueles que creditam a outras instância da vida pública o

recebimento da bolsa. Além disso, podemos perceber que freqüentemente ocorre uma

espécie de “personificação” do responsável por distribuir os recursos. Um número

significativo de pessoas (17,6%) acredita que o responsável pela melhoria de renda é o

presidente Lula, o que pode ser um fator bastante significativo. Poderíamos nos questionar

se estas pessoas, ao creditarem diretamente ao Lula o recebimento do benefício, ou seja, a

ajuda mensal dada a eles pelo presidente, não acabariam, uma vez gratos por receber a

bolsa, retribuindo a ajuda com votos. Novamente, é bem possível, ainda que não seja um

comportamento compulsório.

Considerações finais

A pesquisa parece apontar para o fato de que pensar um programa social parece demandar

que se conheça o contexto no qual o programa vai ser inserido, bem como pensar as

implicações que o programa terá na dinâmica social. É interessante pensarmos como, a

partir da implantação de uma política pública, aspectos não antes concebidos formalmente

no momento da formulação do programa, acabam se desenrolando. Aspectos estes, como

por exemplo a relação entre agentes e usuários, que parecem fundamentais para se pensar o

modo como as pessoas percebem o programa e se relacionam com ele.

O trabalho de campo realizado a partir do Programa Bolsa Família permitiu pensar alguns

desdobramentos do Programa no município de Niterói, mais especificamente no bairro do

Barreto. No caso da implementação do Bolsa Família, um dos desdobramento do programa

é o fato de que muitos usuários e potenciais usuários não sabiam a quem creditar o

benefício. Ainda um outro desdobramento que surge a partir da implementação do Bolsa

Família é um certo descontentamento dos usuários e potenciais usuários com o programa,

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44

que muitas das vezes relaciona-se com a falta de conhecimento acerca de informações

básicas sobre o benefício.

A utilização do cadastro para outros fins é um exemplo interessante de como o programa

social acaba sendo apropriado de diferentes maneiras, dependendo do contexto ao qual é

aplicado. E as relações que se estabelecem entre aquele que requisita o benefício e os

agentes do programa parecem demonstrar que o Estado atua por meio daqueles que o

representam.

A implantação do Programa Bolsa Família parece demonstrar ainda que a dinâmica da vida

das pessoas é alterada em função da implementação de uma política pública. Como vimos,

no caso do Bolsa Família, parece surgir uma espécie de competição entre os usuários do

programa também parece reveladora do modo como a vida social é alterada a partir da

implementação de um programa social.

O uso da categoria ajuda aparece ainda como um aspecto bastante relevante no atual

estudo. O fato dos beneficiários e potenciais beneficiários utilizarem o termo ajuda, e não

termos como direito, obrigação, benefício para defnir o Programa Bolsa Família parece

demonstrar que ainda impera no imaginário social uma visão do Estado como uma

instituição assistencialista, e que, portanto, muitos sentem-se gratos por receber o benefício.

Se a gratidão converte-se em votos ou não, é uma questão em aberto. Provavelmente, as

futuras eleições e os rumos que o país vão tomar falarão por si.

Referências

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Paulo, Hucitec, 1993.

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notas a partir de um caso de orçamento participativo”. In: CHAVES, Carla Costa e

TEIXEIRA, Christine de Alencar. Espaços e tempos da política. Rio de Janeiro:

Relume Dumará, 2004.

• BORGES, Antonádia M. “A fórmula do tempo: notas etnográficas sobre o ‘tempo de

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